oeN ngeedeis 740 me A ote Salath oleae gee IT eg Hite i Hs fi yf Ite Teoh N itt attet Rea ae Doce iH) * oB ‘ here vane * nai see iy eee tate +3 rarer Ree? tees Gi Ir ot ae en phe ' > ‘ ot) vis i Pay) iia y fr reber (itchy Lettre ed high? y 7 fie ‘the Hh * as rie eh a ys Ciba i PO) | 9 i colt 8 ih ae? "SEY REVISTA BRAZILEIRA "| JORNAL DE. SCIENCIAS, LETTRAS E ARTES DIRIGIDO POR CANDIDO BAPTISTA DE OLIVEIRA Numere 7. — Janeiro de 1860 ~ RIO DE JANEIRO TYPOGRAPHIA UNIVERSAL DE LAEMMERT ieee Rua dos ainwaltdon, 61 8B 7 9 KS. ee * a “i ¥ Lech ees aia thy ne ya ig REVISTA BRAZILEIRA JORNAL SCIENCIAS, LETTRAS E ARTES DIRIGIDG POR CANDIDO BAPTISTA DE OLIVEIRA TOMO III RIO DE JANEIRO TYPOGRAPHTA UNIVERSAL DE LAEMMERT RUA DOS INVALIDOS, 61 B 1860 hy Ss WN SS SS Le’ 4 Y aN ANS F.-H. ALEX. DE HUMBOLDI Né u Berlin, le 14 septembre 1769. — Mort dans la méme ville, le 6 mai t&59 linip. de Ch. Jouaust, 558 r. S.-llonoré ie : P r ‘ . a ie A roe . Lt MAE — ’ ; y . . a : 5 i ca ” * RS . Se" 3 fe re +. : : * als $ “ - = + « J ng F bs . a ha a en : , wt Te ls “ ? i) * iat os x . a wo t 2 : - 2 pit ky . . , . . < Ete 5 : - ‘ mt — : = - J : » 4 Ree a — 2 te as = eae ee ED ee” + ¢ eas , RF. -i. ARES je 14 seplerm hee 1964. DR AUNBOLDIT Mort dave ta Me: ville, ur! ae BPIUAM «AIT, AOE} i. VA se Vy 7 eZ 4 Ge CA : fh POLED Vis 4 A oy La a wy fi buppre Up ww. J BOTANICA EXERCICIOS BOTANICOS 9" MEMORIA, TERATOLOGIA VEGETAL. Exposicno de duas formas de monstruosidades ob- servadas no nosso milho commum (Zea Mahiz). Sabe-se que cada pé de milho termina por um pendao -de fléres masculinas, ec tem em uma, duas, ou mais axil- las de suas folhas outras tantas espigas envolvidas em um certo numero de palias, e contendo somente flores femininas. As flores masculinas sao sustentadas por um pedunculo ramoso, formando uma verdadeira panicula, destituida de envoltorios ; as femininas em contrario estao reunidas sobre um grosso sabugo , dispostas em numero de doze ou qua- torze series longitudinaes, e sé tém fora de suas capas 0s cabellos, ou stigmas. Esta ordem natural, e admiravel, por que ficam assim as sementes, cujos tegumentos proprios sao curtos, prote- gidas contra os alaques dos animaes granivoros, é algumas vezes perturbada, e por diversos modos. Dous casos desta natureza , assdz differente um do outro, chegaram ao meu conhecimento; e entendi que elles me- reciam ser-vos apresentados. 4 REVISTA BRAZILEIRA. Um ésla bosquejado na Figura 1*; e devo a oceasiaio de o ter observado 4 bondade do Ex™° Sr. conselheiro Paulo Barbosa da Silva, que considerando-o objecto digno de estudo, me fez delle presente. KE um ramo axillar de um pé de milho, que, além delle, tinha seu pendao, e espiga naluraes. Aqui a inflorescencia se compunha de uma pequena panicula de fléres mascu- linas, e de uma sorte de espiga onde se acham promiscua- mente flores masculinas, e femininas, ou antes ja fructos perfeitos. Esta inflorescencia sahia de uma bracfea ou es patha , que é constituida sd pela bainha de uma folha de limbo abortado, abaixo da qual se vé outra folha, com bainha larga, e limbo quasi em rudimento; emfim, mais abaixo, oulra folha se mostra completamente desenvolvida. O estado destas tres folhas manifesta bem (o que alias @ ja sabido) que as palhas, que cobrem a espiga de milho, sao as bainhas de um certo numero de folhas, accumuladas, pelo encurtamento de seus merithallos, na base, e em roda da es- piga, ou massaroca, fazendo-se largas para bem a abragarem. O outro caso é representado na Figura 2.* KE tambem um ramo lateral, tirado de um pé de milho, que possuia a sua bandeira de flores masculinas. Este me foi mandado por meu mano Manoel Freire, que o colheu em seu sitio do Guandi, em 1844. Temos agora uma espiga de fldres femininas, cuja evo- lucio foi perturbada e desviada do seu estado normal, O sabugo ou eixo da espiga foi substituido por um pedanculo ramoso, bem analogo ao da panicula maseulina; com 20 ramos, nos quaes as flores, ou ja os fructos, estio em sua ordem natural; mas sempre do lado externo de cada um dos ramos. As folhas, cujas bainhas deviam formar 0 en- volucro da espiga, ahi estio , conservando os seus limbos, com as bainhas ampliadas, e afastadas umas das oulras pelo alongamento de seus merithallos. OR TIN TC VEMS VND IC VPIVWONY “TLOYUS63p QeweTy sulely “OLIN TC VerdSo VAL AC VT TVWONY i ‘OHTIN WO VOTISi VINO Gl VIIVINONVY ; TOYUsssp oewmelyy CPichee “Smqsusyrp yap cus YT TathImp'debd Rensburg a a ANOMALIA DE UMA TSPIGA DF MILHO , Freire Allemao desenhow (ZIV VEZ) OWI OC VIVWONY VIONTO SS TANI Singsuoy po ap {uy yey ___ noyuesep owwayTy exteay wens (civre Var7) OTK Od VIVWONY VIONTOSSHO TINT Sungeuayr pa 9p jlumy yyUT NoWuasep oBULAlTy atta TERATOLOGIA VEGETAL. 5 Deste facto se conclue claramente que a chamada espiga de milho @ em sua origem o resultado da reuniio e coales- cencia dos ramos. de uma panicula de flores femininas. F provavel que da panicula originaria nem todos os ramos vinguem ; e que segundo a maior, ou menor forca da ve- getacgao , maior, ou menor numero delles concorram na for- macao da espiga. Com effeito, nesta panicula anormal de flores femininas , contei 20 ramos , cada qual com duas fi- leiras de graos, 0 que daria em uma espiga 40 series ; mas em muitas que observei, achei sempre 12 e 14. Nestes dous casos, que acabo resumidamente de expor, as anomalias se dao sb quanto dinflorescencia, no mais as flores uni-sexuaes se achavam regularmente constituidas; e as femininas eram todas fecundas, como mostram os dous es- bogos , que acompanham este pequeno trabalho. Ha ja muito tempo que estes factos foram por mim obser- vados, e mui superficialmente estudados. Nessa occasiio alarguei-me em consideracdes , suggcridas por essas aberra- goes, arespeito da fixidade, ou mutabilidade do typo vegetal ; da influencia da cultura, ete. , elc.; mas nao me animo a apresental-as hoje: se tiver ainda occasiio de rever com mais cuidado este assumpto, talvez que entio me resolva a fazél-o. Maio de 1857. Francisco Freme ALLEMAOQ. 6 REVISTA BRAZELEIRA. Anomalias na inflorescencia do milho Zea Mahiz. _Additamento a memoria lida na Soctedade Vellosiana na sessio de 4 de Junho de 1847} Depois que tive a honra de fazer-vos a exposicao de dous casos de teratologia vegetal, observados nas flores do milho, oulro mais se me offereceu, talvez ainda mais curioso que aquelles, e se acha representado no desenho junto. Aqui se vé, no centro, uma verdadeira espiga, tal qual se observa na planta bem conformada: tem esta espiga dez series de graos, isto €, cinco ramos da panicula, que en- tram na sua formacao ; pois que em cada ramo sao as flores dispostas duas a duas collateralmente: um desses ramos excedeu os outros obra de 3 a 4 pollegadas, e nessa parte excedente as fléres estao separadas, e misturadas mascu- linas, e femininas , como nos outros ramos inferiores desta anomala inflorescencia , os quaes, em numero de seis, tém as flores masculinas mais numerosas, e desacompanhadas de femininas para a extremidade, e para a base é maior o numero das femininas, as quaes eslao sempre acompa- nhadas de uma ¢éspicula masculina. Os ramos da panicula masculina, no estado natural, tém as fléres dispostas, em cada dente , em duas espiculas col- lateraes, ambas bifloras, uma dellas rente, e a oulra pe- dunculada : sto tambem, nas espigas femininas , bem con- formadas, dispostas as fléres em cada ramo, dos que reunidos constituem a espiga, em cspiculas bifloras, colla- teraes, ambas rentes, e sempre unifloras. No caso da anomalia, que ora apresento, as flores femi- ninas, que se acham interpostas nos ramos da_panicula masculina, occupam sempre o lugar da espicula masculina rente, e formam espiculas unifloras. No caso presente, a anomalia consiste na promiscuidade; ANOMALIAS NA INFLORESCENCIA DO MILHO. pp das duas paniculas , masculina e feminina, que no estado natural sao separadas; ou o que vem a ser 0 mesmo, em estarem misturadas flores dos dous sexos na mesma panicula : € mais em ser a espiga feminina superior 4 panicula mas- culina: e emfim, em ser toda a inflorescencia descoberta , e sem as largas bracteas, que, no estado natural, envolvem a espiga seminifera. O ramo que faz o objecto deste estudo me foi mandado estando as fléres masculinas j& sem estames, e as femininas sem stigmas, que provavelmente aqui nao seriam tio com- pridos, como quando as flores estao cobertas: todas as se- mentes estavam destruidas, por lhes faltarem as palhas protectoras. Tendo agora dado mais attengao a este objecto, vejo que estas irregularidades , ou perturbacdes de inflorescencia sao mui communs, e mui variadas no milho. Querera isto dizer que os caracteres especificos neste vegetal nao tém ainda tomado bastante estabilidade ? Nao sei. Rio de Janeiro, 24 de Janeiro de 1859. Francisco Freie ALLEMAO. 8 REVISTA BRAZILEIRA. 5@ MEMORIA. Alzumas considera¢ées, e alguns factos novos, con- eernentes a estructura da flor, e fructo da Embaiba — Ceeropia peltata (*). Entre os diversos ensaios de anatomia microscopica, com que me entretive neste anno de 4852, se acha 0 em que descobri 0 phenomeno singular, que se passa nas fléres mas- culinas da embaiba. Nesta planta se observa que, na época de fecundacao , os amentilhos masculinos estao cobertos de antheras, suspensas por delicadissimos fios , que se tomam logo por verdadeiros filetes. Exa‘ninados porém com attencao, e desde antes que as fléres se abram, se reconhece 0 engano. Com effeito, as antheras sio aqui rigorosamente inclusas ; mas, ha occasiao em que ellas tém de servir para a fecun- dacao, se despegam dos filamentos, ficando todavia presas a elles, pelos fios de suas tracheas, que se desenrolam , sem se quebrarem, e as retém suspensas fora do perigonio, que as expelle. Este facto assaz curioso me parece inteiramente novo » e desconhecido na sciencia. O mecanismo pelo qual o peri- gonio lanca fora, e como que cospe as antheras, seria de interessante estudo. Ainda alguma cousa digna de notar-se nos offerecem as antheras: tém ellas nas extremidades in- feriores de cada uma de suas cellulas uma bolinha de certa substancia grumosa, @ pegajosa, semelhante a uma glandula, as quaes parecem destinadas a grudar, e reter a anthera no cume do perigonio , apenas ella sahe fra, para que se nao rompam 0s fios tracheaes antes da emissao do pollen ; depois disso seccam, e as antheras sc despegam e ficam penduradas, e vacillantes. (*) Cecropia adenopus, Mart. A 0 Tqsuly py op ee ee INVESTIGACOES SOBRE OS HABITOS DAS FORMIGAS INDIGENAS. 29 empregam nesse trabalho : cada formiga traz em sua man- dibula um graozinho de barro que destacou do interior do subterraneo ; sahe, e depGe-no a porta das galerias. Insensi- velinente esses pequenos graos, accumulados em toda a ex- tensao que OS pocos occupam sobre a superficie do solo, formam um verdadeiro sulco, concavo no meio e levantado nas extremidades: entao manifesta-se um proposito que nao pade passar desapercebido. Sao destinadas a converterem-se em muralhas essas extremidades, e todas as pequenas_ par- cellas de terra humida que as compoem, argamassadas pelas nossas pedreiras, se consolidam e tomam consistencia. Langa- se pelo mesmo processo uma abobada de um a outro panno da muralha, e assim fica terminado o trabalho. Observou uma vez o Sr. Huber, que duas porcodes das paredes exteriores que haviam sido construidas separadamente por duas di- versas formigas, posto que parallelas em sua direccao, nao se correspondiam , quanto a altura, de modo que o tecto estabelecido sobre a mais baixa muralha iria encontrar a outra em metade da sua altura. Occupava-o essa observacao crilica exactamente quando outra formiga de novo chegada ao logar, havendo visitado as obras , pareceu impressionada pela mesma difficuldade , e comecou a destruir a abobada principiada, ergueu a muralha mais baixa, e fez nova abo- hada sobre as ruinas da antiga, tudo isto a vista do ente racional que a observava. Poder-se-ha por ventura explicar esta accio como resultado de instincto machinal ? Se foi o instincto que impelliu a ultima formige a des- truir a abobada para depgis nivelal-a, como pide esse mesmo instincto fazer com que as Drea aae lhe dessem direcgdes desiguaes ? Certificou-se o Sr. Huber por uma serie de obseryacoes , que cada formiga procede independentemente de suas com- panheiras. A primeira que concebe um plano de facil exe- 30 REVISTA BRAZILBIRA. cucao traca logo um esboco, continuando as outras na en- celada obra; eas que vém por ultimo, depois de inspeccionar os primeiros traballos, concebem os que devem emprehender; sabendo todas esbocar , continuar , polir, ou retocar segundo as circumstancias. Nao se nota nenhum chefe, ou director dos trabalhos , demonstrando assim que obedecem todas a um commum pensamento. Se chamarmos a isso instincto, releva confessar que é um instincto social, que inclina cada individuo para o bem de todos. Nao é para desprezar-se um tal instinclo, nem assen- taria elle imal em nossa especie. Logo que se descobre alguma dessas habitacdes, tao in- dustriosamente construidas, aterradas as formigas correm em direcedo opposta; e observando-se algumas que levam em sua boca pequenos cylindros brancos , que se apressam em ir escondél-os nos subterraneos, Sao as larvas e as nym- phas das pequenas formigas, que desVarte conduzem e cuja guarda Jhes é confiada. Podcis perseguil-as , apresentar-lhes ohstaculos , atormental-as de todos os modos, nao abando- narao ellas jamais essa carga que lhes é tao cara. Viram-se algumas vezes, diz o Sr. Huber, com a cabeca e o peito separados do abdomen, correrem ainda e levarem as larvas para os sublerraneos. . Nao creio que muita gente possa ser lentada a repetir tao cruel expericicia. Se desejardes examinar uma dessas nymphas, apressai-vos, porque emum instante terao ellas desapparecido. Conse- guistes apanhar uma? Abrindo-a com delicadeza encontrareis um pequeno verme envolvido em um casulo de seda. Chama- se esse verme —larva da formiga— , e brevemente trans- formar-se-ha na mesma formiga. Abrindo com effeito alguns casulos mais adiantados, achareis a formiga ja formada-.e prompta para sahir; nio podendo, porém, fazél-o por si sé, Conyéem que th’a tirem dos seus envollorios; e em cada for- INVESTIGACOES SOBRE OS HABITOS DAS FORMIGAS INDIGENAS. 31 migueiro existe sempre certo numero de individuos incum- bidos dessa tarefa. Sabem perfeitamente quando devem rasgar 0 sudario de seda de que se envolve a nova formiga; des- embaracam-na de seus obices, com a maior delicadeza , dao-lhe logo sustento, esfregam-na, limpam-na, e condu- zem-na a commum habitacao. Durante esse tempo dao outras formigas de comer as tenras larvas, que ainda nao fiaram o seu envolucro; tomam as larvas eas nymphas, e trans- portam-nas para os logares mais quentes do formigueiro , ou vao depdl-as por alguns instantes na superficie da ha- bitagio. Finalmente, outras, de voita de suas peregrinacdes, trazem e distribuem por essas ficis guardas os alimentos de que necessitam. Nao pertencem a mesma casta todos os individuos que constituem um formiguciro. Existem ahi machos e femeas destinados a propagarem a especie. Compoe se o resto da sociedade de operarias estereis, que sio femeas, mas cujos orgaos geradores nio se desenvol- veram. FE’ esta divisio em tres castas a mesma da das abelhas, havendo algumas differengas accidentaes. Podem por exemplo viverem muitas formigas fecundas conjunctamente em uma mesma habitagao; nao tém ciumes umas das outras , encontram-se sem se fazerem mal algum. Cada qual tem sua corte, seu cortejo que por toda a parte a segue, sem que —comtudo nenhum poder possuam : parecendo que a autori- dade reside unicamente nas operarias. Ao contrario entre as abelhas a femea fecunda ¢ a unica poderosa em toda a colméa. Nao soffre rival; busca‘incessantemente destruir as larvas encerradas nas cellulas reaes donde sahirio um dia as abelhas-rainhas que podem arrancar-lhe 0 imperio. Neste ponto experimenta ella tenaz resistencia da parte das ope- rarias, a quem esta confiada a guarda das cellulas. O des- peito que concebe pela existencia de suas rivaes motiva os 32 REVISTA BRAZILEIRA, enxames, acabando a yelha rainha por deixar a colméa com aquelles de seus subditos que pode determinar a acompa- nhal-a. Entre as formigas os enxames sao igualmente moti- vados por excesso de populacao; porém as femeas e os machos, que unicamente possuem azas, podem sos deixarem sua patria. Voam juntos, e reunem-se nos ares como as abelhas. Nao entram no formigueiro natal as femeas fecundadas ; mas antes regressando 4 terra, comeca cada uma, segundo a observacao do Sr. Huber, por despojar-se das suas azas, que desde entao inuteis se lhe tornam. Feito o que, entranha-se pela terra humida, cava ahi um ninho, depde seus ovos , fal-os abrir, alimenta suas larvas, cuida das nymphas em que se transmutam essas larvas, despoja-as de seus envolucros na época azada, e créa assim em torno de si uma familia e um imperio. Acha-se entao desonerada do peso de familia ; nao tem mais nenhum cuidado que tomar, nem para 0 seu sustento, que lhe é trazido, nem para a criagao dos filhos confiados as operarias , como ja vimos precedentemente. Entretanto, privada a metropole de seus enxames, e des- tituida dos meios de sustentar a sua populacao, devéra pe- recer annualmente , como acontece nas sociedades dos zan- gdes e das vespas, que apenas duram um anno: nao succede porém 0 mesmo com as formigas. Ha no formigueiro sempre algumas femeas occasionalmente fecundadas antes da partida geral do enxame. Apoderam-se entao dellas as operarias, agarram-se 4s suas pernas para impedir-lhes 0 vOo, e recon- duzem-nas 4 for¢a para os subterraneos; tiram-lhes as azas, e guardam-nas como verdadeiras prisioneiras. Alimentam-nas no emtanto com desvelo, levam-nas para os sitios cuja tem- peratura mais parece convir-lhes ; sempre, porem , debaixo de boa escolta, e nao perdendo-as nunca de vista; nao lhes sendo restituida a liberdade senao quando dio signaes nada equivocos de maternidade. Perderam toda a velleidade de INVESTIGACOES SOBRE OS HABITOS DAS FORMIGAS INDIGENAS. 33 fugirem , nao ‘experimentam nenhum constrangimento; é comtudo cada qual guardada com uma sentinella 4 vista, que acompanha-a por toda a parte prevenindo seus desejos , mas observando-a exactamente: montada sobre o seu abdo- men, e collocadas no chao as suas pernas posteriores, parece, diz o Sr. Huber, uma sentinella postada para velar sobre as suas acgdes. Nao é porém sempre a mesma operaria que se incumbe dessa tarefa, renovando-se alternadamente. Logo que deu a femea novos subditos ao estado, forma-se-lhe uma coérte de dez a quinze formigas que rodeiam-na, ser- vem-na, Carregam-na para Os diversos sitios para onde deseja ir, rendem-lhe n’uma palavra identicas homenagens as que prodigalisam as abelhas as suas rainhas. Releva que explique agora os meios que empregam as formigas para alcangarem a sua subsistencia. Nao possuindo, como as abelhas, a arte de construir ar- mazens abastecidos na propria habitagio , nao podem en- contrar sustento. As que por seus misteres ahi se conservam devem receber 0 alimento das que vao 4 colheita, que com effeito com ellas repartem-no. Ora sao pequenos insectos , ou outros animal- culos que podem transportar; despedacando a victima, parlilham-na entre si. Quando porém acham fructas ma- duras, ou qualquer outra preza cujo transporte é impossivel, chupam 0 succo que encerram, e regressando ao formigueiro -communicam-no as que ahi ficaram. Recebendo-o estas com avidez, nao cessam de afagar as suas camaradas por um vivissimo movimento de suas antennas, que prova- velmente exprime o prazer e o reconhecimento que ex- perimentam. , Inutil seria repetir aqui 0 que ja dissemos relativamente: a extrema fidelidade do Sr. Huber; porquanto, os que de perto observaram a natureza nio necessitam de embellezal-a com ficgdes. Conhecem que é ella muito mais yariada e ma- Re B, Il 38 34 REVISTA BRAZILEIRA. ravilhosa em suas realidades do que podél-a-hemos suppor em nossas fabulas. Verificaram muitos natur alistas as assercdes do Sr. Huber, e achara m-nas exactissimas. Sabem todos que sobre as folhas e talos da mér parte das plantas acham-se as vezes pequenas Jagartas esverdeadas , ora com azas, ora sem ellas: os calices das rosas, v. g., estao sempre cobertos dellas. E’ tambem summamente curiosa a historia particular desses pequenos animaes. Sio viviparos durante todo 0 estio, oviparos no outono: nio se juntam senao nesta ultima estacio, eo acto que fecundou a ultima geracao estende-se a todas as do anno seguinte. Vivem as lagartas dos succos das plantas, a que se prendem : sugam-nos com uma broea que-enterram nas nervuras das folhas, ou nas partes mais delicadas do talo. Parte desses succos, elaborados em seus orgaos, sahe-lhes dos corpos em forma de pequepras gollas liquidas e assucaradas. Nao ignoram as formigas a docura desse licor, e delle se ali- mentam avidamente. Procuram as lagartas, e dirigem-se aos logares em que habitam de preferencia. Apenas descobrem uma, festejam-na, animam-na com as antennas, como para convidal-a a largar essas preciosas gottas, e raramente sao infructuosos os seus esforcos ; eo modo por que a lagarta fornece o objecto dos seus desejos prova exuberantemente que concede-no. Ja disse que todas as formigas procuram esses animalculos, e ~ algumas especies chegam mesmo a crial-os. Guardam em seus ninhos ovos de lagartas, e tomam tanto cuidado como com as suas larvas; transportam-nos semelhantemente em suas emigracdes; poem amesma solicitude em salval-os, a mesma coragem em defendél-os; e muitas vezes para formi- gueiros vizinhos é 0 roubo das lagartas causa de guerra e recompensa da victoria. Quem quizer explicar a0 diversas combinacodes pelo unico INVESTIGACOES SOBRE OS HABITOS DAS FORMIGAS INDIGENAS. 3 impulso do machinal instincto, fara bem em explicar igual- mente em que esse inslincto das formigas em criar lagartas pode-se distinguir da intelligencia do homem em criar re- banhos. Sao de grande recurso para as formigas no tempo de inverno as lagartas que vivem sobre as raizes das arvores. Caminham todavia para a sua habitual cotheita essas infati- gaveis trabalhadoras, quando nio é muito intenso o frio. Viu-as o Sr. Huber correrem por cima da neve. Enre- gelam-se com a temperatura de dous graos de Reaumur, abaixo do termo da congelacao, e por uma singular coin- cidencia enregelam-se as lagarlas que criam com igual temperatura. Existe finalmente nas formigas outro genero de industria ainda mais extraordinario. Nao trabalham certas especies, nao vao a colheita, des- prezam sustentarem-se com os alimentos postos ao seu al- cance : sendo tudo isto feito por escravos de especie differente. Para adquirirem esses escravos, empenham-se em grandes expedicoes aos vizinhos formigueiros. Subita, e de ordinario irresistivel, 6 a invasao. Entrando em uma cidade inimiga apossam-se, nio das prisioneiras que se tenham escapado, mas sim das larvas e nymphas das formigas trabalhadoras, que levam comsigo, entregando-as as suas escravas , que criam-nas carinhosamente. Essas jovens formigas , nascidas no meio dessa nacao estranha e inimiga, transmittem-lhe toda a affeic&do que a sua verdadeira patria teriam, e adquirem sentimentos adequados ao seu novo estado. Entregues a naturéza, teriam defendido as suas compatriotas; criadas na escravidao , convertem-se em inimigas suas. Sem tomarem parte nas expedicodes, excilam-nas, dispoem-nas, e acolhem, bem ou mal, as formigas guerreiras conforme o resultado de suas facanhas. . Como puderam ellas saber que nao convinha-lhes raptarem 36 REVISTA BRAZILEIRA. formigas adultas, e sim larvas, que ainda nao adquiriram affeigdes de familia ? Se ainda alguem se obstinar em ver instincto nessa industria guerreira, deve ao menos convir que 0 instinclo dos escravos, quando tomados em sua juventude , 6 susceptivel de certas modificaedes delerminadas pelas circunstancias: deixando pois de sél-o na accepeao restricta da palavra. O Sr. Huber, que descobriu a existencia dos formigueiros mixtos, observou que haviam nelles duas classes de escravos de differentes especies , mas sempre trabalhadores ; perten- cendo unicamente os machos e as femeas & casta guer- reira. Afim de certificar-se se as formigas bellicosas sabiam al- guma cousa mais do que combaterem, fechou-as debaixo de redonias de vidro com mel para servir-lhes de alimento,*e terra humida para construirem habitagdo, e nymphas para desenvolverem. Nada disso souberam fazer as guerreiras, que nem sustentar-se sabiam, chegando muilas a mor- rerem a fome; e iam todas perecer, quando o Sr. Huber introduziu no meio dellas uma operaria da casla capliva, que so por si restabeleceu a ordem, deu de comer as que ainda viviam, cavou cellulas, conduziu para ahi as larvas, desenvolyeu-as € repovoou a colonia. Cumpre notar que essas mesmas formigas guerreiras ja haviam sido capazes de iguaes funcedes; porquanto , nao podendo exercerem sua autoridade sobre as formigas adultas, tinham sido forcadas, para fundarem a sua colonia, a criarem as larvas por ellas roubadas. Identica modificacio observamos anteriormente no modo de proceder das formigas fecundadas, na época em que comecam a formar nova familia. Nem sempre a posse das riquezas e a invasio do territorio fornecem as formigas, bem como ads homens, as unicas causas para a declaracao de guerra. Muitas vezes nio ter-" INVESTIGACOES SOBRE OS HABITOS DAS FORMIGAS INDIGENAS 37 minam senao pelo aniquilamento, ou emigracio de um dos partidos, as longas e encarnicadas lutas entre especies se- melhantes. Com a sua costumada pericia e exactidao, observou-as 0 Sr. Huber, que nestes termos descreve-as : « Offerecem essas guerras alguma cousa de mais sorpren- « dedor; ¢€ 0 instincto que faz com que cada formiga « reconhega as do seu partido. Como, por que signal se « distinguem na peleja, em que milhares de individuos de « igual cor, forma, cheiro, da mesma especie, em uma « palavra, se enconiram , se cruzam, se hostilisam, doe- « fendem-se, ou fazem-se prisioneiras? Caminham com « desconfianca, ainda quando se avizinham as suas cama- « radas; apartam suas mandibulas, e se por acaso acom- « mettem-se, retiram-se apenas se reconhecem. As que sao « Objecto desse erro momentaneo afagam suas compatriotas « com as antennas, e aplacam-lhes subitamente a colera. « Que opiniao pode dar tal maneira de proceder da intima « allianga que entre si mantém os insectos, ¢ da subtileza dos « seus sentidos? » Pondo aqui terno ao extracto das interessantes investiga- goes do Sr. Huber, nao podemos deixar de fazer uma obser- vacuo. Seo estudo de um animalculo como a formiga, que nio occupa quasi logar no mundo, péde prestar assumpto a to curiosos e importantes estudos, quantos objectos desco- nhecidos e dignos de graves meditacdes mio encerrara o universo? Em que ponto do globo nao havera’ alguma cousa para aprender e descobrir? E emquanto ainfinda variedade da natureza abysma a mais fertil imaginacio, como é possivel conceber que hajam homens assaz cegos para pretenderem lirala inteiramente do seu cerebro, sem observal-a, con- sultal-a, sem se dignarem de encaral-a e buscar comprehen- ‘déla? Demos gragas aos espiritos clevados, que seguindo, 38 REVISTA BRAZILEIRA. outra senda, conduzem-nos com certeza 4 verdade, que outros nem sequer suspeitaram. Pelo que demonstrei, tratando dos habitos das formigas, por algumas analogias com a intelligencia humana, nao pense alguem que eu considero-a como puro instincto, nae fazendo nenhuma differenca entre o homem ¢ o animal. Nao é este 0 meu intento. pons Sei que a industria das formigas e dos castores € hoje absolutamente a mesma, que eraa dos que viviam ha dous mil annos: sua sciencia nenhum progresso fez desde essa epoca, ao passo que o rio dos conhecimentos humanos, en- grossado pelas descobertas de todas as idades, nao cessou , nem cessara de seguir 0 seu curso: Labitur, et Jabetur in omne volubilis evum. No meu entender é essa progressao continua de meios ¢ de conhecimentos 0 que mais eminentemente dislingue a natureza do homem. So lhe pertence, e sd basta-!lhe para assegurar-lhe 0 imperio do mundo. Il. OBSERVACAO SOBRE O INSTINCTO DAS FORMIGAS. Entre as numerosas observagdes contidas na obra do Sr. Huber, é por certo uma das mais curiosas a do instinelo, ou intelligencia que insliga ds operarias- a reterem obsti- nadamente as femeas occasionalmente fecundadas antes de terem fugido. Arrancam-lhes as azas, arrastam-nas para 0s subterraneos , e guardam-nas com summa precaucad , como se conhecessem a necessidade de se assegurarem dellas para manterem a populagao da republica. Citarei uma experiencia em abono desta observacao ait eel INVESTIGACOES SOBRE OS HABITOS DAS FORMIGAS INDIGENAS. 39 Encontrei n’um jardim numeroso formigueiro, e na mul- tidao das operarias que iam e vinham incessantemente notei muitos machos e femeas revestidos de suas azas, que livre- mente passeavam , porque sem duvida ainda. nao tivera logar a sua uniio. Tomei delicadamente uma das femeas, arran- quei-lhe as azas, colloquei-a entre as suas companheiras. Nao deu dous passos sem que a tomassein por uma formiga fecundada, que buscava fugir; langaram-se sobre ella, e queriam-na por forga conduzir para 0 subterraneo. Sentindo porém esta que faltava alguma cousa para realisar taes ap- parencias , defendeu-se com todas as suas forcas , sendo por ultimo constrangida a ceder ao numero, e perdendo-a eu de vista na entrada das galerias. [ludidas as companheiras, pela perda das suas azas, teriam reconhecido o erro em que haviam cahido, e como tél-o-hao podido fazer? Ignoro-o; mas repetindo por tres vezes esta experiencia, por outras tantas obtive identico resultado. (Extrahido das Miscellaneas Scienlificus ¢ Litterartas de J. B. Biot.) LITTERATURA Juizo acerca do poema— A Assumpcaoc — de Fr. Franeisco de S. Carios. FE’ tal o desprezo com que tratamos o que nos pertence, que poucos Brazileiros sabem que a nossa nascente lilteratura possue um poema dieno de rivalisar com o Paraizo Perdido de Milton, e a Messiada de Klopstock. Se o bardo fluminense nio tem ainspiracio altiva, eo estylo allisonante do cego d Albion; se lhe falta a mystica melan- colia, que unge os carmes do emulo de Goethe e de Schiller ; nio é€ menos casto o seu estro, nem menos bella e graciosa a sua imaginacio. Apontemos com sinceridade as bellezas e defeitos que julgamos encontrar em tao preciosa pro- ducgao. A devocio para com a Virgem Santissima inspirou a Fr. Francisco de S. Carlos 0 assumpto do seu poema, e d’entre as diversas phases de sua gloriosa vida escolheu elle a As- sumpcao , como a que mais larga margem offerecia aos voos da imaginacao. Serviu-se com talento da pia crenga que a faz viver em Epheso depois da morte de seu filho, indo porém morrer em Jerusalem , e até a omissio dos Evangelistas lhe foi favoravel. A causa dessa omissao é bellamente explicada pelo abbade Orsini, nestas eloquentes palavras : « Nada nos resta sobre a residencia de Maria em Epheso ; « explica-se facilmente esta omissao pelas preoecupacgdes da 42 REVISTA BRAZILEIRA. « @poca. Depois da resurreicao do Salvador, os apostolos , « unicamente occupados com a propagacao da fe, consi- « deraram como secundario tudo 0 que nao entrava de modo « directo e saliente nesse vital interesse. Compenetrados de « sua alta missao, entregues a salvagao das almas, esque- « ceram-se tao profundamente de si proprios, que apenas « nos deixaram pequeno numero de documentos incompletos « sobre os trabalhos evangelicos, que mudaram a face do « globo; de sorte que sua historia assemelha-se a um epi- « taphio sublime, porém meio apagado, a que falta 0 co.neco « @0 fim. Concebe-se que a Mai de Jesus tenha partilhado « a sorte dos apostulos; deslisando-se longe de Jerusalem « 0s ultimos’annos de sua vida n’uma terra estranha , onde « sua estada nao assignalou-se por nenhum facto notavel, « nao offerecendo sendo uma superficie lisa, que nao deixou « vestigio duravel na fugaz memoria dos homens. Todavia « 0 estado florescente daigreja de Epheso, sua terna deyocao « para com Maria, e os elogios que S. Paulo faz a sua « piedade, indicam sufficientemente os fructuosos cuidados « da Virgem, e as divinas bencaos que por toda a parte « acompanharam-na. A rosa de Jessé deixou 0 ar impregnado « do seu perfume, e esse vestigio, por mais ligeiro que pa- « reca, é preciosa revelacao da sua passagem (1). » Sem vaidade, sem nenhuma pretencio aos foros de poeta epico, escreveu S. Carlos 0 seu livro, como elle propriomnos confessou no seu modesto prologo, e como mais tarde, a beira do tumulo, dizia ao seu venerando amigo 0 padre-mestre Mont Alverne. Como explicagio da origem deste poema, e sua apreciagao pelo proprio autor, jalgamos comprazer aos leitores , trans- crevendo aqui o quadro da ultima entrevista dos dous illustres (1) Ilistoire de la Vierge, chap. VIL. Ne <=. JUIZO ACERCA DO POEMA—A AS3UMPC 10. 43 Franciscanos, esboeado palo vigoroso pineel do nosso parti- cular amigo, o Sr. Araujo Porto-Alegre : « Naultima visita que lhe fez o padre-mestre Mont’Alverne, « quando o poeta encarava a morte com toda a resignacao, « rolou a conversacao sobre 0 seu poema, sobre as criticas « que soffreu, e nesta mesma circumstancia disse 0 illustre « moribundo—que levava o pezar de nao ter podido reim- « primir a sua obra com todas as alteragdes que lhe fizera., « nio sd no todo, como em muitas partes , pois havia com- « posto alguns cpisodios , e augmentado outros. « Enisto, tremulo se debruca, cava debaixo do travesseiro, « tira um volume, e mostra-o ao seu amigo: era o da pri- « meira edicao, todo riscado, emendado, escripto & margem, « intercalado com folhas manuscriptas e augmentado com « caderninhos do mesmo formato ; tudo escripto pelo proprio « punho, e nitidamente feito e prompto para sahir 4 luz da « imprensa. « Eis aqui o meu poema, diz elle a0 meu amigo (0 padre- « mestre MontAlverne). Possa esta obra dar algam realce a « nossa Ordem no Brasil. Sinto morrer sem mostrar que fui « docil 4 opiniao dos amigos e crilicos que me honraram. « Eis aqui uma obra, cuja historia é simples, mas curiosa , « porque nasceu debaixo de inspiragdes alheias ao appareci- « mento destas creacoes: aqui nada houve de profano , nada « do que pertence ao seculo. « Na minha primeira guardiania, que pouco ou nada me « dava que fazer, comecei por devogao e desenfado a compor « alguns hymnos a Nossa Senhora: era uma pura devogao. « Depois de haver borrado algum papel, senti o innocente « desejo de unir todos aquelles cantos em um todo, e dar- « Ihe uma forma mais ampla e mais digna da minha devogao : « desVarte empregava o meu tempo nobremente, encurtava-o « com o trabalho, e tinha mais um vehieulo por onde fizesse « sahir as emocdes de minha alma, e mesmo 0 amor da 44 REVISTA BRAZILEIRA. « patria: nao havia ainda idéa de poema, e muito menos « de publicacao. « A obra foi crescendo, e, 4 proporcaio que avultava, foi « tambem crescendo 0 desejo de a embellezar com algumas « descripcdes brazileiras, com algumas pinturas do nosso « paiz: mostrei-a, quando regressei a esta casa, a alguns « dos nossos bons e illustrados companheiros; mostrei-a « tambem a alguns distinctos seculares, e todos me animaram « a progredir e a publical-a; levei nesta pub'icacio mais o « desejo de testemunhar a minha devocao a Virgem Nossa « Senhora, do que o amor da gloria mundana; e vos bem « 0 sabeis, poisa minha vida foi o fiel retrato da minha « alma. ; « Arrependi-me de a ter publicado, porque fui 0 primeiro ~ « areconhecer suas imperfeicdes, logo que sahiu a luz: e « muito mais lamentei a minha precipitagao, quando ouvi « a opiniao dos sabios : era ja tarde. O que fazer para desfazer « um erro? Melhoral-a; e fiz quanto pude para isso, como « se vé ahi. OsGregos, quando escreviam nas suas obras « —fazia—, tinham toda arazao; porque as obras Warte « nunca se acabam, e o homem morre fazendo as; ha sempre « que corrigir , ha sempre incertezas e mui fundadas des- « confiangas da propria capacidade. « Aquiestaum filho que me fez passar dias mui felizes « etormentosos durante a sua formacao: aqui esta a sentencga « terrivel do que fuina terra, e o documento da minha in- « capacidade. Nao me arrependo inteiramente de o ter es- « cripto; porque nelle esta o nome da minha Santa Virgem, « porque nelle ha o meu amor pela minha patria. Nao o « posso reimprimir; seja feita a vontade de Deos (1). » (1) Carta do Sr. Porto-Alegre ao Sr. Dr. Lagos, inserta na Revista Tri- mensal do Instituto Historico Geographico do Brazil, ‘tomo LL, n. 12 da 2" serie , pags. 544—545. JUIZO ACERCA DO POEMA—A ASSUMPCAO. 45 Neste testamento lilterario, stenographado das intimas praticas de Mont’Alverne, pelo distincto autor das Brazilianas, assistiram 0s leitores & formacio do poema da Assumpeiio , @ penetraram no segredo das dores e alegrias que por sua causa experimentou o padre-mestre Fr. Francisco de S. Carios. Além de uma infinidade de criticas anonymas, consta-nos que dous homens notaveis (0 conego Januario e Ledo) se co- cuparam com a analyse da obra, e a seus conselhos refere-se ceriamente 0 pocta nas palavras acima citadas. Pena é que nao nos reste o seu juizo, ao qual de bom grado submet- teriamos 0 nosso. Quaes sio, porém, os defeitos que se podem objectar contra 0 poema da esau ERO ? Examinemo-los com impar- cialidade. Resente-se a accao de certa fricza e monotonia: mas a na- tureza do objecto nao permittia que o poeta procurasse agradar a todos os paladares, variando a cada passo de si- fuagoes, e imprimindo 4 marcha do poema uma vivacidade pouco consentanea com o-assumpto. Lembremo-nos que S. Carlos escrevia um poema sacro, @ nao imitava o Orlando Furioso de Ludovico Ariosto. Aos que se queixam da mono- tonia da Assumpedo recommendamos a leitura da Messiada, tao applaudida na Allemanha, e estimada no mundo litte- rario. ‘ Peccou contra as unidades de tempo e de lugar.—Con- fessamos que, a querer pautar este lindissimo poema pelos preceitos estabelecidos na Arte Poetica de Aristoteles, im- possivel sera deixar de censurar-lhe o haver collocado no €spago a sua accgao , NAO assignando-Ihe um periodo de du- racao determinado. Para defesa do poeta, basta porém que attendames 4 sua declaracgio de nio ter querido fazer uma epopéa, para a qual foram estabelecidas estas regras, que nio sio 46 REVISTA BRAZILEIRA. por tal modo infalliveis , que nao tenham sido com vantagem violadas por grandes engenhos, como por exemplo Dante ec Milton. Confunde o sagrado como profano, e recorre a miudo aos deuses da fabula.— FE um grave defeito , mas filho da edu- cacao litteraria que entao se recebja. Travava-se no espirito dos poetas acerbo antagonismo entre as reminiscencias clas- sicas e as crengas religiosas : — Dante, Tasso, Milton e Ca- modes pagaram o tributo as idéas do seu tempo, e admittiram em seus immortics poemas 0 amplexo do christianismo com a mythologia : partindo todos do falso principio de que sem 0 Olympo nao podia haver poesia. Como o cantor dos Lu. siadas, conhecia S. Carlos a impropriedade das imagens pagias ; 0 que se collige destes versos , que se encontram no canto Ill: « Nao direi que no amago d’annosa « Faia se ceconde Driada foimosa : « Que os travessos capripedos dao saltos « Na campina, alternando bailes altos; « Que as Napéas brincando pelos prados , « Seus risos lhes consagram, seus agrados. « Nem gue o velho Sileno, honrando os velhos, « Dicta ao joven Thioneo almos conselhos. « Nao, s6 presidem anjos tutelares « Que do logar dissipam os pezares. » mas empregayva-as como ornato poctico. « A ninguem ¢é dado, disse judiciosamente Villenain, ir adiante do seu seculo. » Muitas das suas descripeoes , como, v. g. , a do inferno, sao visivelmente imitadas.— FE’ fora de duvida que assim é : a poucos cabe em partilha a originalidade. Ninguem pre- tendeu jamais elevar Fr. Francisco de S. Carlos 4 categoria de genio; mas, contentamo-nos com marcar-lhe um distincto logar entre os fecundos e primorosos engenhos da nossa terra. JUIZO ACERCA DO POEMA—A ASSUMPCAO. 47 Descobrem-se os signaes de suas muilas e variadas leituras nas paginas do seu poema. Imita 0 que acha de bom nos que Ihe precederam, mas nao copia servilmente: ¢ se a imilacao fosse um crime, a Eneida merecéra ser queimada pela mao do algoz. Infinidade de poetas tém descripto o inferno, guiando-se por Homero e Virgilio ; so Dante apartou- se da vereda, e conseguiu ser inimitavel. O que ha em todas F as litteraturas, que seja comparavel ao supplicio de Ugolino ? Mas o Orestes de Florenca achava-se em circumstancias ex- cepcionaes: vagava de cidade em cidade, e fustigava com 0 azorrague da satyra a geracao passada e a geragao pre- sente. Sao demasiadamente longos os episodios.— No nosso fraco entender, a maior belleza do pocma consiste nesses mesmos episodios. O assumpto , posto que de summo interesse para as almas pias, correria perigo de tornar-se enfadonho para o commum dos leitores, se 0 poeta nao descobrisse nos episodios maneira de attrahir sua attencao, erecrear a sua phantasia. Fallando em episodios, nao emittiremos como prova da franqueza com que procedemos a este jnizo a ma impressao que causou-nos a pintura do sonho de Demetrio, na narracao da Virgem, pela mal cabida apparicao de Diane. Convinha que a humilde habitadora de Nazareth, criada a sombra do templo de Jehovah, fosse menos erudita na sciencia profana, do que parece em todo o seu discurso dirigido a Elias e aEnoch,¢ principalmente de seus labios nao partisse a menor allusio aos deuses do paganismo, cujo cullo seu Divino Filho viera destruir. Aqui sO pode desculpar-se 0 pocta franciscano com 0 muito conhecido Quandoque bonus dormitat Homerus. Horatius. Monotona e fatigante é a sua metrificagao.—A primeira pea- A8 REVISTA BRAZILEIRA. cina de leitura do poema convencera ao leitor da justica desta censura. Levado por uma pasmosa facilidade em encontrar consoantes , ec vendo por outro lado que os melhores poetas portuguezes haviam buscado na rima a melodia que tanto os caracterisa, cahiu S. Carlos no excesso , e abusou da rima. Primeiro que ninguem conheceu 0 poeta o erro em que -cahira, como se deprehende destas palavras do seu prologo : « Servi-me dos versos endecasyllabos, ou heroicos rimados, « dous e dous, por mais commodo e facilidade. Tenho nos « nacionaes alguns exemplos, nos estrangeiros infinitos. Que « estes sejam os versos proprios para cantar grandes suc- « cessos, ja o disse Horacio , remettendo-se a Homero : — « Res gesta, regunque ducumque , et tristia bella, etc. EB « verdade que a rima dous e dous, ou 0 similiter desinentia « dos latinos, concorre pouco para a bella euphonia da « metrificacio em vulgar. Dei tarde por este crro ; € as vezes « ha males que sio immedicaveis. » Se somos bem infor- mado, teria na nova edicao desapparecido este inconve- niente, se o poeta a tivesse feito em sua vida, ou se cir- cumstancias, que logo examinaremos, nao obstassem 0 cum- primento do seu voto. Escaparam-lhe locucdes prosaicas e nado poucos gallicismos. — Encadeado ao pesado jugo do metro que adoptara, nao restava ao poeta tempo para pesar o valor de cada palavra e accepcao em que devéra tomal-a. Assim, pois, sahiram da sua penna termos improprios, como sejam os verbos aguar, avinagrar , dizendo no canto II: « Conheceram os anjos que a anarchia « Do inferno vinha @qguar sua alegria ; e€ no canlo \: « E avinagrando aquelle santo riso , « Conyerteu em inferno 0 paraiso. » JUIZO ACERCA DO POEMA—A ASSUMPCAO. 49 e muilos outros. A respeito dos gallicismos, que infelizmente abundam neste bello livro, podemos dizer que é este um defeito mui generico, ainda aos nossos melhores escriptores, originado pela sua grande applicacaio 4 litteratura franceza , com menospreco da nacional. Tendo assim feito 0 inventario dos defeitos do poema, pelo que podemos julgar, indiquemos tambem algumas das suas infinitas bellezas, que lhe servem para remissao. O maior merito que para nés tem a Assumpeio é o de ser um poema eminentemente nacional: um desses poucos monumentos, que nos legon a geracako passada para a for- macao da nossa litteratura. Numa época em que os bardos brazileiros volviam as suas vistas para além do Atlantico , em que sd achavam 0 Tejo, 0 Douro e o Mondego dignos de seus cantos, suspirando eternamente pela fabulosa Arcadia ; quando Santa Rita Durao empregava a medo os termos brazi- licos ; quando Claudio Manoel da Costa escrevia no prefacio das suas obras: « A desconsolagao de nao poder substa- « belecer aqui as delicias do Tejo, do Lima e do Mondego, « me fez entorpecer 0 engenho dentro do meu bereco; mas « nada bastou para deixar de confessar a seu respeito a maior « paixio;» Fr. Francisco de 8. Carlos deparava com um oceano de poesia nas comparacdes pairias, nas allusdes aos nossos usos e costumes; collocava no paraizo os nossos fructos, para ter oecasiao de descrevél-os; e encontrava em um dos emblemas do canto da Virgem a pintura do Brazil, e espe- cialmente do Rio de Janeiro. Quando outro merito nao tivesse 0 poema da Asswmpcdo, bastaria este para recommendal-o 4 posteridade. Com que delicadeza nao nos descreve elle o Paraizo em que Elias e Enoch aguardavam ha tantos seculos a vinda do Messias? Inspirado por dous poderosos sentimentos, que quaes duas musas equilibravam o seu estro, 0 amor da re- ligiao e 0 da patria, o vate fluminense deixou-nos no seu R. B, Ill. K 20 REVISTA BRAZILEIRA. canto IT um quadro de inestimavel valor, abrilliantado peto mais fino colorido. E se entre tantas bellezas se pudesse especialisar uma, mencionariamos a graciosa metamorphose da grinalda da Virgem cm constellagao. No canto V recommenda-se, pela sua originalidade, a pintura da morte, em que o poeta, encarando-a como philosopho christao, empresta estas palavras a sua heroina : « Para mim direi sempre que foi bella, « Alto dom do Senhor risonha estrella, « Mensageira do céo, guia segura « Que me arrancou das maos da desyentura. » A narrativa dos ullimos momentos da Mai de Deos, que se lé nesse mesmo canto, exhala agradabitissimo perfume, e foi dictada pela mais pura devocio. Sempre Brazileiro, nao perde occasiao de fallar em seu paiz, e viajando mentalmente pelas constellagdes do zodiaco, aproveita-se do ensejo para commemorar com admiravel exactidao e em riquissimos versos a moagem das cannas, que comecam no mez de Junho. f Nesse mesmo VIII e ultimo canto deparara o leitor com a formosa imagem de Astréa, que, sahindo ao encontro de Maria, declara que ella nunca fora mais do que uma figura, e que o verdadeiro symbolo da justica e da paz era a Rainha dos Anjos. A falla de Jesus, que se vé poucas paginas adiante, produz o melhor effeito , e distingue-se pela perfeita allianga da dignidade do Deus com a ternura do Filho. Finalmente, a descripcao dos muros da Jerusalem celeste muito abona o bom gosto , e conhecimentos estheticos do nosso benemerito patricio. Mas, ao largaraharpa de Siao,em que tao nobre e santamente cantara, queixa-se, como outrora o cantor co Gama, do pouco caso que delle faziam seus contem- poraneos , nestes melancolicos versos : JUIZO ACERCA DO POEMA— 4 ASSUMPCAO. 51 « Vale-me agora, 6 musa, tu somente, « Que s6 me tens valido até o presente. « Que aquelles mesmos que nos meus suores « Deveriam ter parte sao peiores. « Serdos se tém mostrado e indifferentes « A 1&0 nobres vigilias. Vé que gentes, « Que estima pelas musas, que alto brio « Produz do teu Janeiro o illustre Rio. » Antes de concluirmos 0 nosso imperfeito trabalho, digamos duas palavras sobre esta nova edicao. Como viram os leitores no extracto da carta do nosso douto amigo o Sr. Porto-Alegre, deixou S. Carlos correclo 0 seu poema, que a morte lhe vedava de novamente publicar. Consta dessa mesma carta que 0 padre-mestre Mont Alverne Ihe pedira para ser editor, ao que se recusara 0 illustre moribundo, allegando que ja delle fizera doacao a uma sua irmaa. Mais tarde o conego Januario procurou obter dessa senhora a obra emendada, offerecendo-lhe todos os lucros da empresa, ao que se recusou ella, pedindo pela cessiao dos manuscriptos a quantia de doze contos. Nao foi portanto avante o projecto do conego, que por experiencia sabia quao ruinosas sao para os homens de letras no Brazil as empresas deste genero. Annos se passaram sem que ninguem mais fallasse no poema da Assumpedo,e, quando algum bibliomaniaco 0 men- cionava, nao faltava quem levantasse as espadoas exclamando : E uma obra mystica , horrivelmente massante ! Cumpre nao olvidar o generoso esforco do nosso illustrado amigo o Sr. J. Norberto de Souza e Silva, a quem tanto devem as letras patrias; 0 qual, desejando quebrar os sellos do indifferentismo, trasladou para as columnas do Mosaico Poetico, que redigia, 0 poema de que nos occupamos. O maior. descuido , a mais gelida apathia continia porém a perseguir tao estimavel produccao litteraria; poucos a lém, 52 REVISTA BRAZILEIRA. x quasi ninguem lhe tributa a devida homenagem. Ate quando durara tao cruel marasmo? Ousamos esperar que a opiniado publica se ergueraemfim do seu lethargo, e que breve soara a hora em que justiga se faca ao poeta seraphico, que tao bello monumento legou a posteridade. Sabemos que uma nova edicao se lhe prepara, e que oseu editor dispde-se a corrigir os innumeros erros de impressao,, que afeiam a de 1819, illustrando-a com notas, para melhor intelligencia do texto. Oxala que feliz exito corde tao louvavel intento! J. C. Fernannes PINnveiro. HISTORIA Galileo e a Inyguisi¢ao. Passavam por axioma historico as torturas que contra Galileo ordenara a Inquisicao de Roma, para extorquir-lhe a retrac- tacao de seu systema acerca do movimento da terra, e andava em todas as bocas 0 famoso e pur si muove , sublime protesto da consciencia contra a oppressao; veio porém a philosophia da historia demolir o vetusto monumento tradicional, e der- ramar a luz da critica sobre este importantissimo ponto dos fastos do espirito humano. A publicacao das pegas do processo de Galileo, incumbida pelo SS. Padre Pio IX a monsenhor Marino, a das Cartas dos homens illustres da Toscana, feita por Fabroni e repro- duzida com grandes melhoramentos por Venturi nas suas Memorias sobre Galileo, excellentemente compiladas num bello trabalho do illustre Biot, inserto no 3° volume das suas Miscellaneas scientificas e litterarias, nao deixam a menor duvida a tal respeito. Pon lo em contribuicao tao luminosos escriptos, e cingindo- nos principalmente as deduccdes do sabio francez, vamos expor a verdade no processo de Galileo. Remontemo-nos 4 época em que, havendo deixado Padua , onde se achava sob a poderosa egide do senado de Veneza, e dirigindo-se 4 Toscana, seu paiz natal, 4 solicitagdes do grao-duque Cosme II, sustentou publicamente a theoria plane- D4 REVISTA BRAZILEIRA. taria de Copernico, debellando com irrespondiveis argumentos 0 systema astronomico de Ptolomeu. Como soe acontecer na apparicao das novas ideas , revoltou- se o empirismo, dividindo-se em dous campos Os seus adver- sarios. Accusavam-no uns de visionario, e averbavam-no outros de herege, por atacar as verdades da Escriptura. Debalde , para defender-se desta ultima arguigio , enderecou elle em 4616 uma carta a4 graa-duqueza de Toscana, Christina de Lorena, na qual pretendia provar theologicamente que as re- centes descobertas relativas 4 constituigao do universo po- diam-se maravilliosamente conciliar com os termos da Es- criptura. Exacerbou cada vez mais 0 odio dos seus contrarios, as transacgdes que com elles queria fazer o dislincto astronomo , que viu-se constrangido a comparecer perante o Santo Officio de Roma. Nao valeram a Galileo seus protestos , nem as suas sup- plicas ; e a congregacao dos cardeaes, nomeada pelo Papa, emittiu o seguinte juizo : « Sustentar que 0 sol esta collocado « immovel uo centro do universo, 6 uma opiniao absurda, « falsa em philosophia e forinalinente heretica, por ser ex- « pressamente coutraria as Escripturas; e susteutar que a « terra nao se acha situada no centro do universo, que nao é ~ « immovel , e sim sujeita a um movimento diario de rotacio, « é igualmente uma proposicio absurda, falsa em philo- « sophia, e erronea na [é. » Tal foi o resultado da residencia do sabio florentiaa na capital do mundo christao , durante os seis primeiros mezes do anno de 1616; em cujo lapso de lempo escreveu uma serie de cartas ao secretario do grao-duque Curzio Picchena, excellente homem e intimo amigo seu, em que narra suas attribulacdes de espirito e desanimo ; sen comtudo confiar-lhe por escripto a serie de intrigas e meneios de que era viclima. ——— GALILEO E A INQUISIGiO. 595 De volta a Florenca, proseguiu em seus trabalhos com maior cautela, exposto constantemente as suspeitas da In- quisi¢ho Romana: e assim decorreram os annos, que me- diaram de 1616 a 1623, abrangendo os pontificados de Paulo V e Gregorio XV. Sabendo porém que a 6 de Agosto de 1623 subira 4 cadeira de S. Pedro o cardeal Maffeu Bar- berino , debaixo do nome de Urbano VIII, e recordando-se da affei¢io que outrora lhe testemunhira, admittindo-o em sua familiaridade, edirigindo-lhe até uma mui lisongeira carta acompanhada de versos latinos em seu louvor, pensou haver raiado para elle o sol da esperanca. Nem infundada era essa conjectura, pois que enderegando 0 Papa a 8 de Julho de 1624 uma carta de saudacio ao grao-duque, e nella enume- rando as glorias da Etruria, nao omittiu as descobertas as- tronomicas de Galileo. Encaminhou-se portanto 4 Roma na doce espectativa de obter a revogacao da sentenca que condemnava a doutrina de Copernico; bem depressa, porém, convenceu-se de que nao g sta de cesdizer-se essa corte. Como particular, pendia Urbano VIII para o systema peri- patelico; @ conservava como pontifice uma decisao que en- tendia dictada pela prudencia ecclesiastica : recebendo por consequencia 0 seu antigo amigo com a maior affabilidade, fazendo-lhe presente de quadros , medalhas, aynus Det, etc. | com) o proprio Guileo confessa en uma das suas cartas , nao ajuiesceu aos seus desejos scientificos. Profunda poren era a convicgao de Galileo, nao Ihe con- sentindo seu espirilo inyuiecto o abandonar a arena. Pensando poder abrigar-se assaz como mystico véo de um religioso zelo , compdz os seus famosos Dialogos, em que comparativa- mente discutia os systemas de Ptolomeu e de Copernico, na intencao, dizia elle, de mostrar aos estrangeiros que 0 salutar edicto, que prohibia o ultimo, fora promulgado em Roma com perfeito couheciinento de causa. 56 REVISTA BRAZILEIRA.- Sem nenhum apparato scientifico, sao esses Dialogos uma conversa entre duas personagens de Florenca e de Veneza, e um terceiro interlocutor, que com o nome de Simplicio encarrega-se de reproduzir os invenciveis argumentos dos peripateticos, desempenhando cada qual 0 seu papel com summa habilidade. Representa-nos os dous primeiros actores dotados de grande instruccao, e sem preconceitos ; discu- tindo, examinando, propondo suas duvidas, e sd se ren- dendo a evidentes razdes. F’ pelo contrario o bom Simplicio inteiramente escolastico, so admittindo o seu Aristoteles , e julgando da verdade e do erro das materias conforme as assercoes do seu infallivel mestre. De extrema argucia necessitava Galileo para fazer imprimir e correr asua obra: niio sabendo se deveremos admirar mais a concepcao engenhosa dos seus Dialogos, ou se o modo fino e delicado com que illudin a censura. Emprehendendo uma viagein 4 Roma em 1630, procurou o mestre do sacro palacio e apresentou-!he o seu livro como uma innocente colleccio de phantasias scientilicas , rogando- lhe que examinasse-as escrupulosamente , supprimindo tudo 0 que lhe parecesse suspeito, censurando-o numa palayra com a maior severidade. De nada desconfiando, leu o pre- lado a obra, e deu-a para examinar a um collega seu, que, tambem nao descobrindo cousa que parecesse suspeita, con- cordou que fosse outorgada a licenca para a sua impressao. Nio estava porém superada toda a difficuldade: restando fazer estampar o livro em Roma, onde os adversarios de Galileo nio deixariam de descobrir a fraude de que langara este mio. Para neutralisar seus esforcos , lembrou-se 0 celebre mathematico de mandar imprimir o seu livro em Florenga, e tomando por pretexto uma molestia contagiosa que entao grassava, e que difficullava as communicagdes entre as duas capitaes, escreveu ao mestre do sacro palacio, solicitando a permissao de imprimir.o seu livro na Toscana, fazendo-9 ahi GALILEO E A INQUISICAO. 57 novamente examinar. Oppdz o prelado algumas objecedes , talvez ja suspeitando do artificio, e ao mesmo tempo pediu- lhe que lhe remettesse a approvacio, que anteriormente concedéra, pretextando querer retocal-a. De posse desse compromettedor documento, obstinou-se em nao querer devolvél-o a Galileo; apezar das suas vivas instancias , ja por si, ja por intermedio do embaixador tescano. Perdidas as derradeiras esperancas, publicou a sua obra em 1632 com o simples beneplacito do censor florentino. Indizivel foi a indignagao que semelhante livro causou nos theologos de Roma, quasi todos peripateticos, nio obstante a precaucao que tivera o autor de submettél-o ao juizo da Santa Sé, e a despeito das suas asseveragdes de apenas pre- tender expor philosophicamente os dous systemas de Pto- lomeu e Copernico, sem fazer preferencia entre elles. A nada disto atiendiam os anlagonistas de Galileo , que obsti- navam se em nao ver em seu ultimo escriplo senao um trium- pho da doutrina do astronomo polaco, reunido a um irri- sorio desprezo da condemnagio do Santo Officio. Ferido este tribunal em seu amor proprio, ordenou ao livreiro que sustivesse a distribuicio da obra, deixando entrever a possibilidade de inais severos rigores. Aterrado Galileo com a nova procella que sobre a sua cabeca se for- maya, recorreu a proleccao do grao-duque, que a 22 de Agosto de 1632 mandou escrever pelo secretario de estado , Andréa Cioli, a seu embaixador em Roma, que interviesse em seu nome afim de fazer cessar a irritagio suscitada contra um dos seus servidores. Cinco dias depois respondia-lhe Francisco Nicolini, acre- ditado junto 4 Santa Sé, e particular amigo de Galileo : « Nao « deixei de dirigir, como me foi ordenado, uma nota mui « energica em favor do Sr. Galileo, pedindo que lhe fosse « licito publicar o seu livro , jA impresso com approvacio das « auloridades ecclesiasticas , revisto e examina to, tanto aqui 58 REVISTA BRAZILEIRA. « como em Florenca.... A tudo isto, porém, limilou-se a « responder-me o cardeal Belarmino (um dos principaes « membros do Santo Officio e sobrinho do Papa) que levaria « as minhas representagoes ao solio pontificio, sem entrar « em mais explicagdes , por isso que sao secretas as opera- « ¢des do Santo Officio; terminando por certificar-me das « suas boas disposigdes para com o Sr. Galileo. » Noutra missiva, datada de 5 de Setembro , refere Nicolini uma conferencia que tivera com 0 Papa a tal respeito, e a profunda indiguacao que lhe testemunhara S. S. para com a conducta de Galileo, que buscara iludir a Santa $3, obtendo subrepticiamente a approvacao de um livro , cujas doutrinas haviam anteriormente sido condemnadas pela autoridade da Igreja. | Acham alguns biographos a explicacao dessa implacavel co- leva de Urbano VHT contra Galileo na cireumstancia de julgar- se elle ridicularisado na personagem de Simplicio. O facto é que nas frequeiites praticas que livera com 0 sabio toscano em 4624 expuzera-he longamente os argumentos que no seu entender deveram fazer prevalecer o systema de Ptolomeu sobre 0 de Copernico: e esses argumentos deparava-os elle reproduzidos, refutados, e achincalhados nos Dialogos, quando postos na boca de Simplicio. ! Poderia ainda achar natural explicagio a esse gracejo , se nao tivesse Galileo a malicia de attribuir ao seu burlesco interlocutor eslas palavras de calculado aleance: esfe argu- mento devo eu a uma eminentissima e doutissima personage. Ora, essa’ eminentissima e doutissima personagem , a que Simplicio se referia, nao p:diasersenio o Papa. Inde ire. Teve ainda durante o resto desse mesmo mez 0 embaixador de Fernando Il varias conferencias com 0 Papa e os cardeaes do Santo Officio, de que da couta asua corte, sem que por forma alguma pudesse aplacar os irritados animos: che- gando a ser admoestado que guardasse silencio a tal respeito, GALILEO E A INQUISICGAO. 99 se nio queria pessoalmente incorrer nas censuras inquisi- toriaes. Doze dias depois dessa singular admoestagio, intimou o inguisidor de Florenca a Galileo a ordem expressa da con- gregacio do Santo Officio de Roma para que se dirigisse no espaco de um mez 4 esta ultima cidade, afin de apresentar-se ao padre commissario do mesmo tribunal, de quem devéra receber um certificado. Em vao allego Galileo sua velhice aggravada pelo estado valetudinario em que se achava, confirmado por um atlestado do seu medico, enderecando-o a9 embaixador Nicolini. Nada podendo obter pelas vias diplomaticas, recorreu 4s reiteradas supplicas ao Papa e aos mais influentes cardearcs , que alfim concederam-lhe uma prorogacao de alguns dias ao prazo ulteriormente designado; e n’uma das suas cartas dirigidas ao grao-duque em data de 13 de Novembro do 1632 narra miudamente as altas diligencias que teve de empregar para a oblencio de tao exiguo resultado. Demorando-se porém a partidy em razio do mau estado de sua saude, escreveu-lhe Nicolini em data de 15 de Janeiro de 163%, instando com elle para que se decidisse a empre- hender a viagem do melhor modo que pudesse « porque alias, dizia elle, temo que nao vos fagam alguma violencia. » Ce- dendo a tao imperativas razdes, deixou Galileo a sua pacitica residencia d’Arcetri para dirigir-se 4 Rona, apeando-s2 na embaixada toscana a 13 de Fevereir) dess2 mesmo anno, onde, por insinuagdes do cardeal Barberino, conservou-se occulto sem receber pessoa alzuma, esperand) que fosse favoravel 4 sua causa tal proceder. A 27 desse mes no mez e anno annuneiava officialmente Nicolini a Urbano Villa chegada de Gatileo, fazendo valer seus sentimentos de submissio as ordens da autoridade ec- clesiastica : ao que respondia-lhe o Papa « que estava resol- vido a tratal-o com insolila cle:nencia, pernittindo-lhe que + 60 REVISTA BRAZILEIRA. residisse em casa do embaixador, em vez de ser transferido para o Santo Officio, do que os proprios principes nao eram isentos , sendo conduzido um da casa dos Gonzagas 4 Roma por um familiar do dito Santo Officio, e recolhido 4 prisao durante todo o tempo do seu processo; e que, se de tal sorte favorecia a Galileo, era unicamente em consideragao para com Sua Alteza 0 grao-duque, a cujo servico tinha a honra de pertencer. » Emquanto se preparava o processo nao perdia tempo o diligente embaixador florentino, que tendo podido saber o nome dos cardeaes nomeados para a congregacio, a que por ordem superior devéra ser affecto esse negocio , obteve que 0 seu soberano escrevesse-lhes cartas especiaes de recom- mendagao em prol de Galileo. Em uma louga carta datada de 9 de Abril, instrue Nicolini ao grao-duque da deliberacao do Papa, de mandar recolher as prisdes do Santo Officio o accusado (embora por limita- cissimo tempo), a despeito das instantes e humildes repre- sentacdes que contra tal alvitre apresentara. Julgamos interessante para o leitor o conhecimento integral do officio que por essa occasiio fez 0 embaixador chegar as mos do seeretario de estado Cioli. « Conforme a communica- « Gao que me transmittira o cardeal Barberino, apresentou-se « esta manhaa o Sr. Galileo perante o commissario do Santo « Officio, que recebeu-o com as mais benevolas demonstra- « coes de apreco. Mandou-lhe designar para seu aposento , « nao as camaras, ou gabineies seeretos deslinados aos in- « diciados , mas a propria residencia do fiscal do tribunal, « de modo gue nao 60 habita entre os officiaes do Santo « Ollicio, mas conservam-se-lhe aberlas as portas e ampla a « faculdade de passear pelo interior do palacio. Julgava o « venerando anciado poder regressar na mesma noite 4 esta « casa, porque fora immedialamente interrogado; fez porém ver 0 cOMtBissario aO Meu secrelario, em cuja Companhia « « « « « « « « 4 4 « « « 4 « « « « « « « ~ ~a a AR ee a ~~ ~ Ce ~~ ~~ NI ~~ GALILEO E A INQUISICAO. 6t fora, que nao ihe era possivel aquiescer a esse pedido sem ulteriores instrucgdes. Pode-se comtudo esperar que curta sera a demora, porque, como me fizeram ver os cardeaes Barberino e Bentivoglio, c até o proprio Papa, procede-se neste negocio por meios inteiramente desusados, em at- tengao ao zelo de Sua Alieza pelos interesses da Inguisicaio, Nao ha exemplo de processos feitos perante esse tribunal : Sem que os accusados sejam levados as prisdes, e ainda mesmo ao carcere ; sendo-lhe de summa utilidade a circum- Stancia de pertencer acasa de S. Alieza, e haver-se hos- pedado na residencia de seu embaixador; sendo publico que os bispos, prelados e pessoas qualificadas, apenas chegam 4 Roma, sio immediatamente recolhidos ao cas- tello, ou ao palacio da Inquisic¢io, e abi guardados com extremo rigor. Permitte-se além disto que o seu eriado Sirva-o e durma junto delle, que entre e saia todas as vezes que lhe apraz; e, 0 que é ainda maior favor, que seja em minha casa preparado o seu alimento, e levado a sua camara pelos meus proprios criados. Como todos esses obsequios sao feitos em consideragao aS. Alleza, pretendo dirigir 0s meus particulares agradecimentos 4 S. Santidade, logo que 0 nosso pobre Galileo se veja livre desse in- commodo. Emquanto nio cumpro tio grato dever para com 0 Papa, fal-o-hei para com o cardeal Barberino, que | diz-me 0 comm issario, grande interesse ha testemunhado a0 nosso com patriota, contribuindo poderosamente para adocar 0 animo de seu beatissimo tio. Afflige-se todavia Galileo com as delongas, e exaspera-se por estar encerrado: no Santo Officio. Nao deixarei de insistir, como tenho feito até aqui, para a prompta conclusio deste processo, conforme os meus desejos e intencdes do nosso amayel soberano. Pa rece que lhe prohibiram , sob pena de excom- munhao, 0 revelar cousa alguma acerca das perguntas « que se lhe tem feito; porque ao meu mordomo Tolomeu 62 REVISTA BRAZILEIRA. « nao quiz nem ao menos deixar fallar a semelhante res- « peilo. » A este precioso documento comprobatorio da mancira por que foi tratado Galileo pela Inquisicao Romana podemos addicionar outro de nao menos valor. E’ uma carta escripla pelo eximio sabio a seu amigo Boccherini em data de 16 de Abril de 1633, na qual assim se expressa: « Em virtude da « pelicao que dirigi a S. Em. 0 cardeal Barberino, creio que « vai ter andamento 0 meu negocio, com a restricta obri- « gacao do mais absoluto sivillo, 0 que exige que viva eu « isolado; gozando porém de inteira liberdade de ac¢ao e « de extraordinarios commodos, tendo a minha disposicaio « tres camaras que fazem parte do aposento do fiscal do « Santo Officio, com franca e ampla faculdade de passear « por toda a extensio deste palacio. Quanto 4 saude, passo « excellentemente, gracas 4 Deus, e as preciosas iguarias « com que nao cessa de obsequiar-me o Sr. embaixador e sua « Virtuosa consorte , que summamente cuidadosa se tem « mostrado em salisfazer com profusao 4 todas as minhas « necessidades. » Outra prova da indulgencia com que foi Galileo tratado temos na concessao que lhe fez o Santo Officio de regressar a casa do embaixador, quando ainda instruia-se 0 seu pro- cesso,, para melhor medicar-se de um ataque de rheumatismo que o acommetléra. Em seu despacho do 4° de Maio assim communica Nicolini ao grao-duque mais esta gracga , que ao seu protegido se outorgara: « Hontem, quando menos 0 es- « perayva, entrou o Sr. Galileo nesta residencia, posto que nao « esteja ainda findo o seu processo. Cumpre attribuir este « insigne favor ao cardeal Barberino , que a requerimento « do padre commissario resolveu, por si mesmo e scm con. « sultar a congregacao, restituir-lhe a liberdade, afim de « que possa restabelecer-se dos seus habituaes incommodos , « gue ultimamente mais se hao ageravado. » ~ GALILEO E A INQUISICAO. 63 Neste periodo intermedio da celebre causa de Galileo deu- se uma occurrencia, que essencialmente caracterisa a Lodole de dous homens, cujos nomes tantas vezes vemos citados do envolta com o do grande astronomo. Referimo-nos ao em- baixador Nicolini, e ao secretario de estado da Toscana, Andréa Cioli. Sabe-se que este ultimo, cujo avimo frossciro é avarento estigmatisa a historia, administrava a fazenda do grao-duque, e julgando que Galileo ja estava muito caro a seu soberano, euviou ao diplomata florentino um despacho em que se le o seguinte paragrapho: « Juleo dever recordar a « V. Ex., que escrevendo-lhe para que recebesse na em- « baixada ao Sr. Galileo, assignei a este favor 0 prazo de « um mez, além do qual cumpre que as despezas corram « por Sua conta. » A tao sordido caleulo responden Nicolini por eslas nobres € cavalheirosas palavras : « Roma, 15 de Maio de 1633.—0 Sr. Galileo passa admira- « velmente; seu processo porém ainda nio chegou 4 conclusio, « ficando no emtanto isolado nesta residencia, com o grande « desgosto de nio poder fazer algum exercicio. Quanto ao « que me communica V.S., que entende S. Alleza nio dever « fazer face as suas despezas além do primeiro mez, devo significar-lhe que nto me convém entrar em explicacdes « com elle a tal respeito, emquanto.for meu hospede, to- « mando sobre mim toda a responsabilidade , por isso que « nao excedera toda a despeza de 44a 15 escudos por mez ; « e quando mesmo residisse aqui meio anno elle, e o seu « criado, nao subiriam os gastos 4 somma de 90 a 100 « escudos. » Rodeado de attencdes e carinhos pela familia Nicolini, via Galileo approximar-se o desfecho do drama com crescente anciedade. Novas concessdes, novos favores faziam-lhe prever que a colera pontificia se ia miligando, e que pouco teria de receiar dos rigores inquisitoriacs : assim, por exemplo , ~ a al- 64 REVISTA BRAZILEIRA. cancara o seu solicito e desvelado amigo que fosse conduzido em carruagem fechada aos jardius da villa Medicis para fazer hygienico exercicio. Tres dias antes da conclusaio do processo dava Nicolini minuciosa conta da entrevista que tivera com 0 Santo Padre, Cc « « « € « « « ~ tranquillisava nestes termos ao grao-daque: « Solicitei novamente a lerminacdo da causa do Sr. Galileo, e asse- surou-me S. Santidade que estava ella finda, e que no decurso da proxima semana sera clle chamado uma manhaa ao Santo Officio para ouvir ler a sua sentenga. Suppliquei entao ao Summo Pontifice que , em consideragao para com S. Alieza Serenissima o nosso soberano, mitigasse os ri- gores que a sagrada congregacao julgasse dever usar neste caso, accrescentando mais esta graca 4s muitas outras de que S. Alteza tio grato se mostrava. Respondeu-me o Papa que nenhuma necessidade tinha S. Alteza de incommodar- se, havendo ja concedido porsua causa tantas facilidades ao Sr. Galileo. Quanto, porém, A causa, ajuntou elle, nao é possivel deixar de prohibir tal opiniao como erronea e contraria 4s Sagradas Escripturas, que ex ore Dei foram dictadas. Pelo que diz respeito 4 sua pessoa, conforme 0 uso ordinario, dever’ ficar na prisao por algum tempo, por haver desobedecido as ordens que the foram intimadas em 1616; mas que, apenas proferida a sentenca, cuidaria nos meios de tornal-a o menos afflictiva possivel, convindo todavia que alguma demonstracao penal existisse. Repli- quei-lhe muito humildemente que se dignasse de attender ‘A avancada idade de setenta annos que ja contava esse bom vetho, e 4 sua perfeita sinceridade (posto que nao fosse esta razao das melhores). Respondeu-me que 0 menor castigo que lhe poderia infligir seria o de encerral-o por algum tempo em algum convento, nao havendo ainda determinado de que ordem seria elle. Para evilar prece- dentes, quer S. Santidade que se torne bem publico que an a se GALILEO E A INQUISICAO. 65 miligou os seus rigores unicamente em altencao aS. Alteza « Serenissima; e que sO por essa razao continuarao a ser « facultadas ao seu protegido todas as gracas possiveis. Até « hoje nao annunciei ao Sr. Galileo senao a proxima con- « clusao do seu processo e a prohibicao do seu livro , abs- « tendo-me de fallar-lhe na punicao que tera de soffrer, nao « sO para nao affligil-o , como para obedecer 4 recommen- « dacao do Santo Padre, que nao quer que 0 atormentem, deixando por ultimo entrever a esperan¢a de ainda maior clemencia. » Chegou finalmente o dia da leitura da sentenca, que teve logar na igreja da Minerva e com a maior publicidade no dia 22 de Junho de 1633. Se Galileo tivesse sido submettido 4 tortura, como preten- deram alguns historiadores , devéra ser em época anterior ; e cremos ter amplamente demonstrado que durante a sua primeira reclusao, isto e, de 12 a 30 de Abril, nao recebéra Galileo nenhum tratamento afflictivo ; resta-nos dar conta do que se passou nos dous ultimos dias em que aguardou no Santo Officio a publicagao da referida sentenga, o que fa- remos citando 0 officio com que Nicolini communica ao seu governo este acontecimento : « Roma, domingo 26 de Junho de 1633.— Segunda-feira « de noite (20 de Junho) foi o Sr. Galileo chamado ao Santo « Officio, para onde encaminhou-se terca-feira (21), e ahi ficou. Quarta-feira (22) leyaram-no 4 igreja da Minerva , « perante os cardeaes e prelados da congregacio, onde nao « somente leram-lhe a sentenca, como fizeram-lhe abjurar « a sua opiniao. » Tratando da promulgacao da sentenca, e dos factos 4 ella - posteriores, prosegue nestes termos: « Determina a sentenca « a prohibicio do seu livro, e a sua propria condemnacio « nas prisdes do Santo Officio, durante 0 tempo que aprouver « a0 Santo Padre; por haver desobedecido a intimacio que o a R. B. II. 66 REVISTA BRAZILEIRA. « se lhe fizera a dezescis annos. Immediatamente (subifo) « commutou S. Santidade esta pena em uma detencao no « jardim de Trinita del Monte (Villa Medicis) , para onde « conduzi-o eu sexta-feira (24 de Junho), e onde actualmente « se acha, aguardando os effeitos da clemencia de S. Santi- « dade.....52 Parece-me mui afflicto da punicao pessoal que « lhe fora imposta, e que grandemente sorprendeu-o; quanto, « porém, ao scu livro, esperava que fosse esse mesmo O seu «. destino. » Se soffresse Galileo a tortura na sessio de 21 de Junho, para que conceder-lhe-hia o Papa a graga de ser transferido immediatamente para 08 deliciosos jardins da Villa Medicis ? E como teria podido escapar este cruel tratamento a perspi- cacia de Nicolini, que tantas e tao reiteradas provas lhe dera de sua solicitude ? Obteve ainda a prestante amizade de Nicolini que fosse abreviada a temporaria detencio de Galileo na Villa Medicis , sendo-lhe em poucos dias concedida a licen¢a de ir residir em Sienne, no palacio do arcebispo Ascanio Piccolomini , seu velho amigo. Julgar-se-ha do aprego que fazia 0 pre- lado do sabio pisano pelo seguinte bilhete, que enderegou- Ihe em data de 12 de Junho, conyidando-o para a sua companhia: « A experiencia que tenho do habiiual vagar dessa corte « consola-me do sentimento que experimento em yer re- « tardar-se o instante em que sera a minha casa honrada « com a vossa presenga, Como porém as ullimas intengoes « manifestadas por S. Santidade promettem-vyos prompla e « fayoravel solucao , podereis langar mio de uma liteira, ou « de qualquer outro meio de conducgao, certo das minhas « boas disposicgdes em servir-vos : nao ambicionando eu outro « titulo senao de vosso verdadeiro e sincero amigo. » Pode alfim Galileo deixar Roma quarta-feira 6 de Julho de 1633, e 4 10 escrevia Nicolini 4 sua corte: « O Sr, Galileo GALILEO E A INQUISTGAO. 67 « partiu quarta-feira passada em muito boa saude para Sienne, « @ manda-me dizer de Viterbo que andou quatro milhas « a pé com um tempo fresquissimo. » E’ indubitavel que um velho, que por prazer da tao grande caminhadaa pé, nao pode ser 0 mesmo que quinze dias antes tivesse experimentado os horrores da tortura. Para terminar a odysséa de Galileo, diremos que apdés cinco mezes de residencia em casa do seu respeitavel amigo 0 arcebispo Piccolomini, tornou em principios de Dezembro de 1633 asua predilecta habitacado d’Arcetri, na vizinhanca de Florenca, com a expressa condicao de receber a pouca gente e de ndio reunir assembléas acadeniicas. Confrontemos agora as pecas do processo de Galileo; ve- jamos 0 que se passou nos quatro interrogatorios a que teve de responder. Teve logar 0 primeiro a 12 de Abril com as formalidades usuaes; e perguntando-lhe 0 commissario se sabia por que razao fora chamado 4 Roma, respondeu: « Julgo que é para « dar conta do livro que ullimamente publiquei. Assim o « julge, porque, poucos dias antes de ser intimado a com- « parecer em Roma, foi recommendado, tanto ao livreiro , « como a mim, de nao expdrmos esse livro 4 disposicao do « publico; recebendo além disto o livreiro ordem de remetter « 0 original ao Santo Officio de Roma. » Sendo instado para dizer qual era o livro que suspeitava haver-lhe causado tao grande incommodo, disse: « E’ um livro escripto em dia- « logos, versando sobre a constituicao do mundo, dos dous « grandes systemas {astronomicos) , 6 da organisacao do céo « € dos elementos. » E sendo-lhe mostrado um livro inti- tulado — Dialogo di Galileo Gulilei , Lanceo, etc.—, impresso em Florenga em 1632, reconheceu-o como seu, composto ha dez ou doze annos, ¢ em cuja composicao empregira sete ou oilto. Interrogando-se-lhe por que motivo nao declarara ao mesire 68 REVISTA BRAZILEIRA. do sacro palacio a intimacao que lhe fizera em 1616 6 cardeal Belarmino, replicou « que nao tinha no referido livro sus- « tentado, nem defendido a opiniao da mobilidade da terra « e da estabilidade do sol, demonstrando antes a. opiniao « contraria, e quao debeis e inconcludentes (sono invalidi « enon concludenti) eram os raciocinios de Copernico. » Reuniram-se novamente os juizes dclegados no dia 30 de Abril, e, segundo o testemunho de monsenhor Marino, foi essa sessio em grande parte occupada por um discurso de Galileo, em que confessava humildemente nao se haver estric- tamente conformado com a prohibicao que oulr’ora Ihe fizera o Santo Officio de sustentar e ensinar guovis modo a ja con- demnada opiniio da mobilidade da terra, desculpando-se dessa falta pelo natural pendor que tém os autores de dialogos, de fazerem fallar 4 cada personagem com toda a forca e sub- lileza imaginaveis, em prol da opiniao que se Jhes altribue. Pensando escapar 4 accao judiciaria por uma nova sub- tileza, offereceu-se para accrescentar duas novas conferencias aos seus Dialogos, em que refutaria de modo incontestavel a opiniao censurada pela Igreja. Baldado foi mais esse es- forco do seu agudo engenho ; pois que nio quizeram Os juizes aceitar o pacto que lhes propunha em troca da suspirada liberdade. A 40 de Maio recebcu outra intimacao para comparecer perante os juizes processantes , significando-se-lhe que apre- sentasse dentro de oilo dias suas razdes de defesa si quas facere vult , aut intendit. A semelhante intimacao respondeu 0 accusado : « Ouvi o que me acaba de dizer V. Reverencia : e « por unica defesa, e afim de mostrar a sinceridade e pureza « das minhas intencdes , sem pretender completamente des- « culpar-me de haver cahido em algum erro, entrego-lhe « este escriplo, acompanhado de um atteslado firmado pelo « cardeal Belarmino ; confiando absolutamente na bondade e « clemencia do tribunal. » GALILEO E A INQUISICAO. 69 O ultimo interrogatorio fez-se a 21 de Junho. Compare- cendo nesse dia Galileo ante os officiaes da Inquisic¢ao, foi-lhe perguntado desde que tempo tinha el'e por verdadeira a. opi- ‘niao de Copernico? Disse: « Antigamente, isto é@, antes da « decisio tomada pela sagrada congregacao do Indice, era « eu indifferente ds duas opinides de Ptolomeu e de Coper- « nico, porque ambas podiam ser verdadeiras de facto (in « natura); mas, desde que foi determina:lo este potito pela « prudencia das autoridades ecclesiasticas , cessou em meu « espirito toda a ambiguidade , e cu tive e tenho por ver- « dadeira a opiniio de Plolomeu; isto 6, a immobilidade da « terra ea mobilidade do sol. » Havendo-se-lhe objectado que depois da citada epoca se- evia elle a doutrina reprovada, havendo impresso o livro dos dialogos, retorquiu : « Quanto ao livro dos dialogos, comecet-o, « nao porque tivesse por veridica a opiniao de Copernico , « mas tio somente na persuasio de ser util ao publico, ex- « pondo-lhe as razdes naturaes e astronomicas, que podem « ser produzidas, tanto por esta, como pela de Ptolomeu : « procurando provar que nenhuma dellas tem a forca de « argumentos demonstrativos; convindo, para proceder-se « com seguranea, recorrer 4 determinacao tirada de mais « sublimes doutrinas, como manifestamente se ve em muitos « logares dos ditos Dialogos. D’onde concluo que , depois da « referida decisio emanada das autoridades superiores, nio « segui, nem sigo a opiniao anathematisada. » ~ Terminados os interrogatorios, baixou a sentenca, de que ja demos nolicia, e cuja integra, assim como da a abjuracao de Galileo, damos em additamento. Por esta singela exposieio do que realmente passou-se no famoso processo de Galileo , verao os leitores que nenhuma outra tortura soffreu o eximio astronomo senao a que devéra resullar ao seu espirito, essencialmente livre, da abjuracio das suas mais intimas e profundas conviccdes, sendo con- 79 REVISTA BRAZILEIRA. demnado a subscrever ao erro, tendo em suas mios a tocha da verdade. Vé-se ainda que 0 celebre e pur si muove € uma dessas phrases felizes e de circumstancia, que jamais foram pro- nunciadas. Nenhuma testemunha ocular, nenhum contem- poraneo fazem della mencao , demonstrando a humilde atti- tude de Galileo, seus protestos e retractagdes, que tinha bastante pressa de respirar ares livres, nao podendo passar- Ihe pela mente o provocar de novo as iras de um tribunal , de cujas garras tio felizmente escapava. J. C. FERNANDES PINHEIRO. SENTENCA DOS CARDEAES CONTRA GALILEO, SEGUIDA DA ALJURACAG DO MESMO , EXTRAHIDAS DO —NOVO-ALMAGESTO— DE J. B. RIC CIOLI. Nos Gaspar Borgia, do titulo de Santa Cruz de Jerusalem. Fr. Felix Centino de Asculo, idem de Santo Anastacio. Guido Bentivoglio, idem de Santa Maria do Povo. Fr. Desiderio Scaglia, idem de S. Carlos, chamado de Cre- mona. Fr. Antonio Barberino , idem de Santo Onofre. Laudivio Zacchia, tdem de S. Pedro in Vincults , chamado de S. Sixto. Berlingerio Gypsio , idem de Santo Agostinho. Fabricio Verospio, idem de S. Lourenco in pane et perna. Francisco Barberino , idem de S. Lourenco in Damaso. Martinho Ginetli, idem de Santa Maria-Nova. Por misericordia de Deus, cardeaes da Santa Iyreja Romana e inquisidores especialmente nomeados pela Santa Se Apos- tolica contra a heresia. Tendo sido tu, Galileo, filo de Vicente Galileo, florentino, de idade setenta annos, accusado no anno de 1615 a este Santo Officio , de teres por yerdadeira a falsa doutrina de que 0 sol est’ immoyel no centro do universo, gyrando a terra GALILEO E A INQUISICAO. 71 em um movimento diurno , ensinando semelhante doutrina a teus discipulos ; mantendo correspondencia com alguns ma- thematicos allemaes ; publicando aleumas cartas acerca das manchas solares, nas quaes explicavas a mesma doutrina como verdadeira , e respondias 4s objeccdes tiradas das Escripturas, que contra ti se faziam, interpretando as referidas Escrip- turas segundo o teu entendimento ; e contendo uma de tuas carlas dirigidas aum teu antigo discipulo proposicdes con- (varias ao verdadeiro sentido e autoridade das Sagradas Es- cripturas : Querendo este S. Tribunal prevenir os inconvenientes e damnos, que dahi provinham, e cresciam em prejuizo da santa fe, por ordem dos Em. Srs. cardeaes desta Suprema e Universal Inquisicao foram qualificadas pelos Theologos Qua- lificadores as duas proposicdes relativas 4 estabilidade do sol e 0 movimento da terra, abaixo mencionadas: E uma proposicao absurdae falsa em philosophia a de estar 0 sol collocudo no centro do universo, e sem movi- mento algun ; além de ser expressamente contraria a Sa- grada Escriptura. E” igualmente absurda e falsa em philosophia, e theolo- gicamente considerada como contraria @ Fé, a proposigéio que sustenta nao sera terra o centro do universo, nem im- movel ; sendo antes suje‘ta a um movimento diurno. Desejand) porém proceder para comtigo com toda a be- nignidade, determinou a Sagrada Congregacio, reunida em presenca do Santo Padre no dia 25 de Fevereiro do anno de 1616, que o Em. Sr. cardeal Belarmino te intimasse que ibjurasses inteiramente a supracitada doutrina, nio podendo jamais ensinal-a, nem defendél-a, nem tao pouco tratar della: € se nio aquiescesses ao referido preceito fosses en- carcerado. Em camprimento ao dito decreto, foste admoestado no dia seguinte em presenca do Em. Sr. cardeal Belarmino pelo 72 REVISTA BRAZILEIRA. commissario entao em exercicio, perante um notario e tes- temunhas, chavendo promettido que nunca mais defenderias semelhante doutrina, nem por palavras, nem por escripto , foste despedido. E para que totalmente se abolisse tao perniciosa doutrina, nem jamais causasse grave detrimento 4 verdade catholica, emanou 0 decreto da Sagrada Congregacio do Indice, pelo qual foram prohibidos os livros que tratam da mencionada doutrina, que foi declarada falsa, e inteiramente contraria 4 Sagrada e Divina Escriptura. Apparecendo porém ultimamente um livro, publicado em Florenca, no anno proximo passado, em cujo frontispicio via-se que eras tu o seu autor, tendo por titulo: Dialogo di Galileo Galilei , delle due massimi sistemi.del Mondo Tolo- maico e Copernicano , e conhecendo a Sagrada Congregacao que da impressio causada por esse livro crescia cada vez mais a falsa opiniio do movimento da terra e da estabilidade do sol, foi o dito livro cuidadosamente examinado; e desco- brindo-se nelle a transgressao do preceito que te fora inti- mado, e que tu no supramencionado livro defendias a opi- niao que ja fora conemnada, e como tal em tua presenga declarada ; assim como que nesse mesmo livro, por meio de subterfugios, deixaste indecisa e expressamente provavel 0 que por forma alguma pode ser provavel, depois de haver sido considerada como contraria as Sagradas Escripturas ; Por cuja razio fosts por ordem nossa intimado a compa- recer perante este Santo Officio, onde, depois de havel-o examinado, confessasle debaixo de juramento que fora o dito livro por li escripto, e mandado imprimir; e confessaste tambem que dez, ou doze annos depois de receberes a inti- magao supra, comecaste a eszrever esse livro, € que para a sua publicacao pediste licenca, occultando aos censores a circumstancia de ser-te defeso o professares, defenderes, ¢ ensinares por qualquer forma semelhante doutfina ; GALILEO E A INQUISIGAO. 73 Confessaste igualinente que escrevéras o referido livro, para que o leitor pudesse julgar os argumentos falsos de que se serviam 0s adversarios, e confrontasse-os com os da ver- dadeira doutrina, desculpando do crro em que cahiste com aallegacao de que nos dialogos convinha deixar aos con- trarios suas proprias subtilezas , procurando sobrepujal-as ; E como, sendo assignado o conveniente tempo para ex- hibires a tna defesa, apresentaste o certificado autographo do Em. Sr. cardeal Belarmino, passado para que te defen- desses das calumnias dos teus inimigos , que propalavam que tu abjuraras e foras punido pelo Sant) Officio; em cujo certi- ficado lé-se que tu nao abjuraras, nem foras punido, porém somente intimada a declaracio feita pelo Santo Padre , e pro- mulgada pela Sagrada Congregac*o do Indice, na qual de- clara-se que a doutrina do movimento da terra e da estabilt- dade do sol é contraria 4 Sagrada Eseriptura, nao podendo por isso ser defendida nem professada. E como nao se faga ahi mengao da clausula de ensinar por qualquer forma, Da- turalmente te olvidaste della depois do longo periodo de quatorze a dezeseis annus, sendo essa a razio de haveres. omittido esse. preceito, quando imploraste a faculdade de imprimir o teu livro; allegando esta circumstancia, nao para desculpar o teu erro, mas sim para caracterisal-o antes de vaidade do que de malicia. Esse mesmo certificado, porem, agerava mais a luacausa, en vez de attenual-a ; por isso que nelle se faz expressa mengao de ser a dita opiniao contraria a Sagrada Escriptura, 0 que nao obstante te atreveste a occu- par-te com ella, defendél-a, e artificiosamente buscar divul- gal-a, calando a prohibigao que anteriormente te fora feila; Parecendo-nos, pois, nao estar bastante:nente manifesta a tua intencao, indicamos ser necessario que fosses submettido a um rigoroso exame, no qual (se.n prejuizo das cousas que confessaste, e que contra ti se deduzem acerca da tua in- fencao) respondeste catholicameante. Por cujo motive, ha- 74 REVISTA BRAZILEIRA. vendo maduramente examinado e considerado 0 merecimento da tua causa, juntamente com as tuas confissdes e desculpas, e tudo 0 mais que por direito deve ser visto e attendido » pronunciamos contra ti ainfrascripta e definitiva sentenca : Portanto, invocado o santissimo nome de N. S. Jesus Christo 6 da Gloriosissima sempre Virgem Maria, por esta nossa definitiva sentenca, que proferimos neste tribunal, pre- cedendo 0 juizo e conselho dos RR. Mestres da Sagrada Theo- logia, e doufores de um e outro direito Acerca da causa perante nos controvertida, entre o magnifico Carlos Sincero , doutor em ambos os dircitos, e procurador fiscal deste Santo Officio, deuma parte, e de outra tu, Galileo Galilei, reo presente interrogado e confesso, dizemos, julgamos e declaramos que tu, Galileo, pelas razdes que constam dos autos e que livre- mente confessaste , te lornaste vehementemente suspeito, a este Santo Officio, de heresia, por creres e professares uma doutrina opposta as Sagradas e Divinas Escripturas; isto @, que 0 sol esta no ¢gentro do universo, ¢ que pdde mover-se do Oriente para o Occidente; que move-se a terra, nao sendo ella o centro do universo ; sustentando mais que semelhante opiniao podia ser considerada pelo menos como proyavel,, e isto depois de uma forma! declaracgio, que a tinha por falsa, e contraria 4s Sagradas Escripturas; havendo por conse- quencia incorrido em todas as censuras estatuidas e promul- gadas pelos Sagrados Canonese mais constitnicdes geraes e par- ticulares, ordenadas contra os delinquentes de taes delictos : ordenamos, pois , que para que possas ser absolvido, abjures com animo sincero e detestes os supracitados erros, ¢ heresias contra a Igreja Catholica e Apostolica Romana , na conformi- dade da formula que te sera apresentada ; . Kf para que semelhante erro e transgressio nao fique ab- solutamente impune, paraque no futuro sejas mais prudente, servindo de exemplo a outros , afim de que se abstenham de semelhantes deliclos, delerminamos que por publico edicto GALILEO E A INQUISIGAO. 1d seja prohibido o livro dos Dialogos de Galileo Galilei, e te condemnamos a seres recolhido a um carcere deste Santo Officio pelo tempo que nos parecer necessario , e ordenamos, a titulo de saudavel penitencia , que recites por espaco de tres annos , uma vez cada semana, os sete psalmos penitenciaes , reservando-nos 0 direito de moderar, alterar, ou derogar em todo, ou em parte as mencionadas penas e penitencias : E assim dissemos, pronunciamos, declaramos , determi- namos, condemnamos, e reservamos, deste e do melhor modo e forma que em direito podemose devemos. Assim pronunciamos nods infra-inscriptos : F., cardeal de Asculo. G., cardeal de Bentivoglio. F., cardeal de Cremona. Fr. Antonio, cardeal de Santo Onofre. B., cardeal Gypst. F., cardeal Verospi. M., cardeal Ginetti. ABJURACAO DE GALILEO. Eu Galileo Galilei, filho do fallecido Vicente Galilei , flo- rentino , de idade 70 annos, presente a este juizo e ajoelhado perante vés, EEm. e RR. Srs. Cardeaes, Inquisidores Geraes de toda a Republica Christ&aa contra o peccado da heresia , tendo diante dos meus olhos os Sagrados Evangelhos, que toco com as minhas proprias mios, juro ter sempre crido, actualmente crer, e com o soccorro de Deus sempre crer em tudo o que cré, préga e ensina a Santa Ivreja Catholica e Apostolica Romana; declaro , sendo-me ordenado pelo Santo Officio, que renuncio a falsa doutrina, que pretende que esteja o sol fixo no centro do universo, movendo-se unica- mente a terra, nao podendo jamais professar, defender, e- 76 REVISTA BRAZILEIRA. ensinar por forma alguma a referida doutrina, por ser ella contraria As Sagradas Escripturas; escrevi, e mandei imprimir un livro em que trato desta j4 condemnada doutrina, e produzo razdvs em prol da mesma com grande efficacia e sem dar nenhuma solucio : sendo por essa razao vehementemente suspeito de heresia. Desejando porém agora afastar dos animos de VY. EEm., e de todos os fieis catholicos esta vehemente suspeita contra mim concebida com toda arazao, com sin- ceridade, e longe de toda a dissimulacio, abjuro, amaldicgdo> e detesto os supraditos errose heresias em geral e cadaum em particular, e juro que jimais darei motivos a que se possa conceber contra mim semelhante suspeita; aules se conhecer algum herege, ou suspeito de heresia, denuncial-o-hei a este Santo Officio, ao Inquisidor , ou ao Ordinario do logar onde me achar. Juro igualmente e prometio, de cumprir e observar as penitencias, que me sio, ou pulerem ser impostas por este Santo Officio. Se acontecer, porém (o que Deus nio per- mitta), que deixe eu de cumprir alguma das referidas pro- messas, protestos e juramentos. submetto-me a todas as penas e supplicios que pelos Sagrados Canones e outras Constituigoes geraes , ou particulares foram determina:las e promulgadas : assim Deus me ajude e os Santos Evangelhos, que com as minhas proprias mios toco. Eu, supramencionado Galileo Galilei, jurei, prometti e obriguei-me, na forma acima referida, e em fé do que subserevicom a minha mesma mao 0 presente fermo da minha abjuracao, e recitei-o de verbo ad verbum. Roma, no Convento de Minerva , hoje, 22 de Junho de 1633. Eu, GaAuiteo GALILEL. CANTOS EPICOS A CABECA DO MARTYR E que depois de morto the seja cortada a cabeca e leyada a Villa-Rica , aonde em logar mais publico della sera pregada em um poste alto até que o tempo a consuma. (SENTINGA DA ATCADA.) FE’ dia! — O sol ja doura 0 alto cume Do Itacolumi, gentil mancebo Que 0 indio converter-se em pedra (1) vira; Cantando, a turba dos mineiros folga , Distinguindo no fundo da batéa O aureo metal, ou nos cercados leitos Dos turvos ribeirdes, que alem se escapam , Os diamantinos graos, rivaes do prisma. FE’ dia! — Ja la segue a caravana Dos reaes quintos — 0 suor dos povos — Pelos ingremes trilhos tortuosos Da serra altiva, que os cabecos ergue Calvos , arrepiados — ou cingidos De donosas palmeiras, como oul’ora 0 selyagem bucal — senhor das selvas — — Rei sem sabél-o, de um famoso imperio, A fronte ornava de vistosas plumas ! 8 REVISTA BRAZILEIRA. i’ dia! — Be um azul bello e sem nédoa Se ostenta.o céo ; a natureza ri-se Na pompa e gala das mimosas flores, Que efiluvios perfumaes (2) aos ares mandam ; Murmura a briza; 0 rio se espreguica ; E as aves trinam canticos de amores; Tudo 6 alegre, mas turbada e lugubre Desperta a nobre filha das montanhas , — Villa-Rica— o emporio das riquezas , Aonde de Joao, quinto no nome, Tem a faustosa corte o seu celleiro De diamantinos graos, de graos de ouro, Copia nio visia de thesouro immenso, Qne as frotas annuaes ao reino levam, Acendendo a cubica em lusos peitos ; — Arcadia do Brazil, que afoita soube Cantar de um povo escravo a liberdade, — Mai de heroes (3), que desterro estio soffrendo! E’ dia! — Sobre a praca vé-se um poste , E sobre elle hasteada uma cabeea ; Mirradas faces, moribundos olhos (4) Ainda vertem lagrimas de sangue ; Longos cabellos, mal encanecidos (5), Fluctuam ao passar da triste briza, Que geme, como um peito angustiado. O povo é triste; a mai ao seio estreila A innocente filha, que nao ouse , Pelas desertas ruas percorrendo , Ir no poste filar innoxias vistas ; Passando o viandante a fronte curva ; Leva na mente a prece, a dor no peilo, A CABECA DO MARTYR. As lagrimas nos olhos, malma a crenea , E a expressao, que expira a fidr dos labios : « —Martyr da liberdade, eu te satido!.... » E o filho de Erin (6), que em duros ferros Pagou seu pasmo por um novo imperio , Brada em seu coragao : — « Baldado exemplo! Improficua licho da tyrannia ! Resurge da oppressao a liberdade..... Dos martyres 0 sangue nao se exlingue; — Germen fecundo —phenix da vinganea, Sobre a terra produz e herdes pullulam!. .. Remido 0 povo , adora o cadafalso , Qual symbolo de fe, que ao céo sc eleva! » De quem era acabeca? Se o selvagem, Barbaro filho dessas brenhas rudes, Aqui viesse , e suspendesse 0 passo, Diria que arranecado havia sido As cahigaras, que as tabas contornam (7) Onde em hasteas erguidas tambem tinha Os craneos dos valentes inimigos, Que devorara nos festins da morte ! Negreiros, Camarodes, Henriques Dias Jurariam ver nella a fronte exangue Do traidor (8), que vendéra-se aos contrarios , E aos estranhos abriu da patria as portas! O sol, que a vira, resuregindo bello , Pela primeira vez sobre esse poste , Torvo entre as sombras se sumiu do occaso 80 REVISTA BRAZILEIRA. E sobre elle entornou a escura noite O Into envolio nas sombrias trevas ; Apenas sob a abobada celeste Brilham da cruz as fulgidas estrellas ; E’ mudo tudo; as ruas sao desertas , Ea villa, prostrada ante os altares, Vota em silencio a Deus ardentes preces. Do poste erguido um vullo se approxima ; Mysterioso envolve-o negro manto ; Desabado chapéo lhe cobre a fronte : Para; estremece ; turva-se-lhe a mente, E ao poste se apoiando, o poste abraga ; Mas a hastea fatal se agita e treme ; Rumoreja a cabeca; ave de agouro Silta, voando, desusado grilo. Breve a vertigem foi; 0 animo volta ; E o vulto, a larga fronte descobrindo, Corre a dextra nas trancas, que lhe descem Pelos occultos, torneados hombros ; Cruza depois os bracos; alca os olhos ; E suspirando nestas vozes rompe: « — Eis a infame justiga, a vil vinganca! — O opprobrio —a affronta 4 denodada villa, Que um momento pensou em liberdade ! — Quitacdo da derrama nio cobrada!. .. « —Blasphemia atroz 4 obra de Deus vivo (9), Que insulta um povo e a humanidade avilta ; — Presente indigno —galardao cobarde — Do régio tribunal, da atroz aleada!.... A CABEGA DO MARTYR. 81 Oh! maldigao aos vis, que a patria offendem ! Gloria ao martyr! Bencao sobre 0 seu nome! » Calou-se. A briza perpassando geme Nos longos pinheiraes dos ermos valles ; E a ave de agouro esvoacou de novo, Soltando tristes, agoureiros pios. E o vulto proseguiu: « — Eu sei que um martyr No patibulo expiou 0 amor da patria ; Que outros em vil desterro a morte affrontam Nos areaes de inhospitos desertos ; Porém nao sei ao certo..... Da-se acaso ? Talvez.... pide bem ser.... de horror me gélo! Frio tremor me cia pelos ossos.... « Ai! me sinto morrer.... mas a incerteza.... Oh! a incerteza me envenena a vida. ... Como sem elle vivirei no mundo! Viuvo 0 coracao de amor tao puro Findar-se-ha nas ancias da saudade , Na aridez do pezar que me confrange ; Em vao a mente reproduz em sonhos Quanto frui sem saciar meu peito, — Volcao que em chammas abrazou-se outr’ora, E hoje sem erupcao se extingue, acaba! O que vale alembranca do passado 2? O que gozei e gozarei ainda Que pague o que hoje soffro?... Ave mesquinha, Encontro 0 cagador e nao 0 amante; Vejo o ninho boiando sobre as agoas R. B, III, 6 82 REVISTA BRAZILEIRA. Da cheia immensa que inda inunda os campos, Sinto a tormenta e nao descubro o Iris, Que magestoso liga 0 céo a terra! » Calou-se. A briza perpassando geme, Nos longos pinheiraes dos ermos valles ; E a ave de agouro esvoacou de novo , Soltando tristes, agoureiros pios. E 0 vulto proseguiu: « — Quem quer que sejas, Oh! porque nao te animas neste instante ? Oh! porque me nao vés e nao me fallas ? Ah! Dize se és quem penso— duvidosa — Animo tenho, escuda-me a coragem ; Inda uma vez.... um so signal me basta ; Faze tremer a hastea que sustem-te, Ou rumoreja com oO passar das auras..... Falla no pio dave dos agouros, Com suas azas roca-me esta fronte..... Ou invisivel , qual da morte 0 espectro , Toca-me as fibras que estremeca eu toda... . Animo tenho.... em paga desse gozo Nos frios labios te darei um beijo..... Sim, beijarei a fronte onde brilhava Da patria independencia 0 pensamento.... E onde o estro borbulhando, ardendo N’esse delirio , que arroubava as almas, Vertia em cantos amorosos sonhos! E onde eu vivia qual risonha imagem De amor, de graca, de belleza e encanto ; Idéa fixa, a que jamais mesclou-se Uma outra idéa que nao fosse a amante! » A CABECA DO MARTYR. 83 Calou-se. A briza perpassando geme Nos longos pinheiraes dos ermos valles; E aave de agouro esvoacou de novo, Soltando tristes, agoureiros pios. E o vulto proseguiu: « -— Dourado sonho De meu porvir de amor esvaeceu-se ; Bem te dizia: « Apressa-te! Vem cedo! « Que esperas? Que te falta? Uma licenca! « Dous annos (10) ja la vio!....> Ah! bem sabias Como eram lentas da saudade as horas... . Longo tempo esperei, louca de amores.. .. Vi depois enlutar-se a minha vida... . —O meu véo nupcial ennegrecer-se , . — Nao servir 0 vestido que bordavas (11), — Apagar-se 0 altar de nossos votos , — O thalamo de amor cahir por terra, — E da nossa uniio fugir o ensejo: Vi-te perdido..... na traicao envolto..... E busquei te salvar..... Ah! nao te lembras Do vulto (12) que a deshoras te dizia: «— Foge, evita a prisio, os teus avisa!. » E rapido, qual raio, se perdia Pelas trevas da noite? Nem pensavas Que abysmo immenso se cavava e abria Sob os teus pés!.... Ai! surdo nao me ouviste ; Eu em vao te esperei ; — comtigo iria. .... Para onde? Onde amor nos désse um thalamo E 0 abencoasse Deus. Mentiu a musa Prazeres pastoris ; fruitos campestres (13) , — Poeticas ficcdes , sonhos da vida, Enganos d’alma , que jamais voltaram! * Désse-me ella hoje a choca amiga Com seu tecto de colmo e frescas agoas , 84 REVISTA BRAZILEIRA. Verdes collinas contornando os campos . E o gado errando ao frémito saudoso Da frauta que 0 pastor meigo soprasse , Satisfeito de si, nunca queixoso De mim, ingenua companheira sua! » Calou-se. A briza perpassando geme Nos longos pinheiraes dos ermos valles ; E aave de agouro esvoacou de novo, Soltando tristes, agoureiros pios. . Cora da noite 0 vaporoso seio Incerta luz, que a medo bruxoléa..... Ja mais distincta a vé.... um vulto a segue! Quem sera que , como elle , assim se occulta, Nao em manto , que imila a densa treva, Porém em braneas desusadas roupas ? Alva mortalha o veste , qual espectro ¥ De um justicado..... Alampada funerea , i Que traz a dextra, lugubre derrama, Clarao sinistro, pallido , qual astro Que a luz reflecte de cinereas campas..... Quem sera? Donde vem? O que pretende ? Toma o chapéo, afasta-se , procura Ver quem é, indagar o que ali busca. E o vulto proseguia.. . mas distante O vulto se approxima. Oh! @ um velho De-venerando aspecto e grave passo! Longas as cans descendo se confaundem No largo peito com as espessas barbas ; A CABECA DO MARTYR. 85 Acha brilhante de afiado gume Contim a sestra mao, 4 cincta um gladio ; Pensativo no gesto, chega ; para ; Meéde com a vista o poste ; e suspirando , Assim exclama merencorio e triste : — « Cesse a vergonha atroz , a affronta cesse ! Nao mais 0 opprobrio sobre a patria pese ! Nao mais de insulto esta cabeca sirva A nossa dor, aos filhos desta terra! Sim, 6 meu filho, vem dormir tranquillo No seio de tua mai, em chao de mortos, Onde a cruz do Senhor seus bracos abre , Até que um dia a patria livre seja, E, novo imperio de Romanos novos , Tua grata memoria revindique ! Deus te condemnara, justica humana , A assembléa dos justos presidindo , Coroado de gloria! A sua dextra As obras pesara , nao uma idéa, Nao uma causa, que nao teve*effeito , Que tentativa nem chamar-se pdde! Em Deus confio: — a humanidade um dita Liberta a venda arrancara do erro , E sancta lei de amor e de igualdade 0 Evangelho sera dos povos digna. » Diz, ergue a acha, e 0 golpe descarrega ; Q poste treme como leve setta , Que vai cravar-se a um tronco; convulsivo Gyra o trophéo da morte, que 0 corda . E novo e ousado e mais seguro golpe Desfecha o yelho. O poste estala , tomba , Palpitando no chao. Salta a cabega 86 REVISTA BRAZILEIRA. E cahe, e rola até o negro vulto , Que se ajoelha, a apanha, a abraga, a beija. Suspende o velho a alampada; caminha, Volteando curvo, tateando incerto 0 frio chao, que mal a luz aclara , Quando uma voz mysteriosa e doce Lhe diz: « —O que é que indagas? O que buscas ? A cabeca talvez de.... >» « Tira-dentes (14), (Lhe brada 0 velho com accento austero) Da-m’a se a tens; seu pai (15) eu sou, e devo Cumprir de piedade um acto digno! » — « Toma, nobre anciao, e leva e da-lhe Logar entre os que jazem , que nao seja Affronta para nds , como esse poste , Aqui alcado, qual ingente braco , Ao céo erguido a alardear um crime ; Até agora pensei — incerta — vaga — Que era Wdoutrem..... » « Bem sei (lhe torna o velho , As vistas lhe cravando com malicia , Lendo nos olhos seus, talvez, seu nome! ) De algum bardo de amor... . que eternisasse N’essas tao bellas e sabidas lyras , Uma certa belleza..... e mais ditoso Fosse.... que ao menos lhe coubesse o exilio , Em que a esperanca sempre alenta a vida, E com a idéa da patria nos afagas. » O vulto respirou ; — depois seguiram Ambos por longos trilhos , caminhando Silenciosos , como errantes sombras , Ao pallido clarao da triste lampada , a A CABECA DO MARTYR. 87 Te que pararam juncto de uma hermida; Ceden «to velho a porta ao leve impulso , Sobre os gonzos rangendo, e entraram ambos. Ao romper dalva, ao toque dalvorada , De Villa-Rica as torres resoaram..... Aos sons funéreos , tristes e pesados , Do merencorio toque da agonia, Desperta a villa de pavor tranzida ; Vé-se por terra 0 poste — sem cabeca..... Um nao-sei-que de ledo alegra 0s peitos... . Um sorriso maliguo trahe as faces Do povo que enche a envilecida praga..... Ha quem diga que viu pela alta noite Um padre negro — um justicado Walva ! Fazem-se indagacdes..... mysterio 6 tudo! J. NorBerTO DE S. S. Ly A CABECA DO MARTYR.— NOTAS. NOTAS. (1) Itacolumi, corrupgao de Zta-conwni, mancebo de pedra, nome que envolve a historia de uma metamorphose, talvez, da poesia indiana. E. o mais alto cume da serra da Mantiqueira , ramal da de Ouro-Preto, na provincia de Minas-Geraes. A sua altura 6 de perto de oito mil palmos acima do nivel do mar. (2) Nao 6 muito que a par de tantos substantivos , como perfume, perfumaria, perfumeiro , perfumadeiro, per fumista , per fumador, e perfumadura , tenhamos tambem os adjectivos perfumal e per- Jwmoso. Venia para elles! Dixem-os passar. (3) Villa-Rica figura aqui como cabega da capitania de Minas— Geraes. Ox conjurados mineiros de 1789, que soffreram o exilio , nasceram pela maior parte em differentes villas da capitania e ainda em outros logares do Brazil, como Rio de Janeiro, 8. Paulo, ete (4) Sei que moribundo é 0 que vai morrendo, e que os olhos de um decapitado nio podem ser sendo mortos. Nao pinto aqui o que seriam realmente , mas o que pareceriam ser. Assim dizemos de um morto , ainda nio desfeito de todo pela morte: « — Parece que esta vivo | » 90 REVISTA BRAZILEIRA. (5) Tradicional.— Haviam-lhe crescido durante os dous annos, onze mezes e onze dias de sua prisio. (6) Nicolau Jorge, joven irlandez. Residiu no arraial do Ti- juco, onde era empregado na janta da real extraccao. Admirado da fertilidade, riqueza e vastidaio do Brazil, disse que 0 paiz ofte- recia todos os recursos para vir a ser um grande imperio, indepen- dente e livre como os Estados-Unidos. A idéa tornou-o complice da conjuragao mineira. Denunciado pelo tenente-coronel de auxiliares Bazilio de Brito Malheiros do Lago em 5 de Abril de 1789, foi preso e retido ingcommunicavel na cadéa publica de Villa-Riea , onde o in- terrogaram nos dias 22 e 30 de Junho do mesmo anno. O silencio sobre o seu destino é mysterioso !... Creio que o sol- taram ; nao o sei ao certo; talvez que a historia da diplomacia ingleza nos expligue ainda um dia. (7) Cahigaras, trincheiras que defendiam as suas fabds ou al- déas. (8) Calabar. (9) Considerado o homem em sua generalidade como a obra prima do Creador. (LO) Historico. —Disse-o 0 proprio desembargador Thomaz Antonio Gouzaga em seu primeiro interrogatorio, em 17 de Novembro de 1789, achando-se incommunicavel n’um dos segredos da fortaleza da Ilha das Cobras ; e deprehende-se da attestagio do capitio—general visconde de Barbacena , governador da capitania de Minas—Geraes, datada da Cachoeira do Campo a 23 de Maio de 1789. (11) Historico. — No seu segundo interrogatorio , na fortaleza da Ilha das Cobras, onde se achava ncommunicavel , em 3 de Feve- reiro de 1790, odesembargador Thomaz Antonio Gonzaga respondeu que na sua casa achavam-se hospedados o corone! Ignacio José de Alvarenga, eo vigario da villa de S. José, Carlos Corréa de Toledo, e que nella era frequente o Dr. Claudio Manoel da Costa; e por isso poderiam elles conversar sobre a conjuragio sem que elle ra. A CABECA DO MARTYR.— NOTAS. 91 respondente fosse participante , nao obstante estar na mesma sala , por empregar-se em bordar um vestido para 0 seu casamento , en- tretenimento de que nunca se levantava senaio para a mesa. Entre os seus bens sequestrados nota-se um dedal de ouro. (12) Historico.—A apparigio de um vulto mysterioso, que se- gundo o testemunho de uns era um homem, e segundo o de outros era uma mulher, embueada n’uma capa negra , com um chapéo des- abado enterrado até os olhos, que vai pela noite de 17 ou 18 de Maio de 1789 bater 4 porta de um ou outro conjurado , communicar-lhe que esté trahido e denunciado, aconselhar-lhe que fuja; a sua imprudente divulgayao pelo desembargador Thomaz Antonio Gon- zaga ; as indagacoes particulares feitas a respeito pelo capitao-general visconde de Barbacena, as quaes se seguiram 4 priséo do mesmo desembargador; o interrogatorio do bacharel Diogo Pereira Ribeiro de Vasconcellos na cadéa de Villa-Rica, e 0 comparecimento no palacio do Dr. Claudio Manoel da Costa, afim de darem explicagées sobre esta appatigao mysteriosa, e a attestacao do ajudante de ordens A. Xavier de Rezende relativamente a este objecto, offerecem al- gumas paginas de colorido romantico 4 historia da conjuragao mi- neira , 4s quaes devo o assumpto deste poemeto , digressao do pen- samento , quando confeccionava a obra — A conjuracdo mimeira em 1789, estudos historicos sobre as primeiras tentativas para a inde- pendencia nacional , baseados em numerosos docwmentos originaes existentes no archivo da secretaria de estado dos negocios do im- perro. (13) Sirvo-me desta palavra como um substantivo do verbo — fruir —, e nao como uma corrupeao da palavra fructo. (14) Joaquim José da Silva Xavier, por antonomasia 7?vra-dentes, nasceu em Pombal , termo da villa (entao) de S. Joao d’el-Rei , em 1748. Era alferes do regimento de cavallaria paga da capitania de Minas-Geraes. Denunciado pelo coronél Joaquim Silverio dos Reis , por alcunha Joaquim Salterio , como um dos chefes da cons- piragaio mineira , que projectava a independencia do Brazil 33 annos antes de sua proclamagio , foi em 10 de Maio de 1789 encontrado 92 REVISTA BRAZILEIRA. em um sotao deuma casa d’esta cérte da rua do Latoeiros , onde o havia occultado Domingos Fernandes da Cruz, contractador da prata, a pedido de D.. Ienacia Gertrudes, senhora viuva que lhe era agradecida por lhe ter curado a sua filha. Levado para a fortaleza da Ilha das Cobras, e lancado em um de seus segredos, 0 interrogaram nos dias 22, 27 e 30 de Maio. Tira-dentes, tomando toda a responsa- bilidade sobre si, confessa os seus projectos sem criminar , sem en- volver um s6 de seus complices. Transportado depois para um dos seeredos das prises da Relacao , soffreu ainda oito interrogatorios e acareacoes em 18 de Janeiro e 4 de Fevereiro de 1790; 14 de Abril, 20 e 22 de Junho, 4, 7 e 15 de Julho de 1791. Condemnado 4 morte com outros muitos Brazileiros , ouviu depois a commutacio da pena de seus co-réos em degredo, e a confirmagio da sua; sem alterar-se , deu og parabens aos seus companheiros, e padeceu a morte como martyr da liberdade nacional, subindo heroica e corajosa- mente 0 patibulo no dia 21 de Abril de 1792. N’esse mesmo dia, mas 292 annos antes , encontrava Pedro Alvares Cabral os primei- ros signaes da terra de Santa Cruz !..... A sentenga dos juizes de Tiradentes revela 0 mais execravel canibalismo, e perde todaa gravi- dade, que devia ter um talinstrumento, pelos insultos que atira 4s maos cheias. (15) Domingos da Silva dos Santos, casado cum Antonia da En- carnacio Xavier. Tira-dentes morreu com 48 annos, segundo se deduz de suas proprias declaragdes ; seu pai podia existir ainda por esse tempo; nao o sei; mas talvez Deus j4 0 tivesse chamado 4 sua eloria, bem como a sua mai; sendo assim, nao passaram por tao amargas attribulagdes. Tira-dentes deixou uma filha menor, na- tural , por nome Joaquina , que viveu pobremente em Villa—Rica , em companhia de sua mai. Alludem a estas infelizes os versos deste poemeto : O povo é triste ; a mai ao seio estreita A innocente filha , que nao ouse, Pelas desertas ruas percorrendo , Ir no poste fitar innoxias vistas. SS ee ad VIAGENS Wisita de S. MI. I. o Senhor D. Pedro IE 4’ Cachoeira de Paulo Affonso (*). No dia 16 de Outubro de 1859, 4s 6 horas da manhaa, deixava S. M. a cidade do Penedo, e soberbo sulcava o vapor Pirajd as agoas do rio de S. Francisco, que ate ali nunea tinham sido devassadas senio por candas e ajoujos. Com- pletamenite embandeirado, e tendo o toldo forrado de ban- deiras das nacdes alliadas, em cujo centro estendia-se a nacional, caminhava rio acima, orgulhoso da commissio que ia cuniprir. Pouco adiante da cidade do Penedo, 4 direita , esta situada afazenda Boacica, de que é proprietario o tenente-coronel Bittencourt, que na visila de 5. M. aos diversos pontos da cidade teve a honra de ser seu batedor. Repicava o sino da eapellinha da referida fazenda, paraa qual concorria toda a populacgio soltando continuados vivas acompanhados de foguetes do ar. Defronte , e 4 esquerda (provincia de Sergipe), vé-se 0 povoado d. Carrapicho . com casas dispersas de telha ede palha, formando uma bella vista e concorrendo para mais pilloresco tornar 0 rio nesse logar. Magnifica era a perspectiva: pela ponta da Boacica appa- (*) Extractamos do Jornal da Bahia a narrativa da viagem de 5, M. 0 Im- perador 4 Gachocira de Paulo Affonso, escripta pelo seu redactor em chete o Sr. Dr. Francisco José da Rocha ; e do relatorio do Sr, Ialfeld a descripcao da famosa catadupa. 94 REVISTA BRAZILEIRA. recia a cidade do Penedo, envolfa no manto da manhaa, como uma mulher zelosa que corresse para espiar a festa em que é protogonista o bem amado, que se havia despren- dido de seus bracos para ir admirar em outra parte os bellos olhos e as formas graciosas das suas semelhantes. O sol, que entio erguia-se, parecia ancioso por testemunhar o facto novo que inscreveu nas agoas de S. Francisco uma pagina immorredoura e cheia de resultados — para ir contal-o a todas as paragens onde houvesse de chegar a luz dos seus raios —: ea lua, que ao mesmo tempo escondia:se , dir-se- hia que se apressava para ir revelal-o aos povos doutro he- mispherio , ou entao vergonhosa occultar-se para ir mais longe, entre a folhagem, admirar a magestade da terra que ia Vencontro a magestade das agoas. A alguns minutos do povoado do Carrapicho demora 0 da Saude , onde um grande numero de mulheres corria a saudar o Monarcha, desenhando-se no espelhado do rio. Defronte do lado do Sul esta o logar denominado Sabom- bira, notavel por formar am sacco, onde falta se-npre o vento, por mais que haja no rio: é todo de escarpados, sob o qual se diz que ha muitas riquezas dos Hollandezes. Ate ahi os terrenos das duas provincias sao baixos e cobertos de verde, mas nessa altura o da de Sergipe comeca a ser montanhoso ; distinguindo-se uma grande corda, que se estende muito alem. S. M. estava em pé na caixa da roda entre os presidentes das duas provincias , para cujas margens olhava , tendo na mio um grande papel que parecia um mappa. Vin-se logo a Ponta d’Aréa, na ilha do Coqueiro, onde ha apenas uma aryore desse nome: ahi estreita 0 rio, tendo defronte uma grande montanha verde-negra. Na baixa dessa montanha (provincia de Sergipe) ha um engenho do major Leandro, na ponta da Terra-Nova, que é oO nome da fa- zenda, VISITA IMPERIAL A CACHOEIRA DE PAULO AFFONSO. 95 Adiante , 4 direita, divisa-se um morro coberto de pedra cor de barro, apenas marchetado de algumas arvores. Bas- tante elevado, e adiantando-se sobre 0 rio, descobria-se a crande serra da Preaca , que fica 4 mais de 10 legoas, e onde se diz que ha muitos metaes preciosos. Sobre 0 Morro- Vermelho avistava-se uma simpies e elegante ermida. Via-se em continuacao a serra da Jtiuba, e a esquerda a villa de Propria, que vaidosa apparecia e desapparecia por detras dos serros calcareos , até que o Imperial Visitante a ella chegasse. Encontram-se em diversos logares do rio, antes dessa villa, camadas de pedras soltas, algumas de grandes dimensdes, e formas exquisitas , que parecem ter rolado de cima dos serros. S. M. desembarcou em Propria as 10 horas da manhia. A villa estava apinhada de povo, que acenava com lencos, e incessantemente ouviani-se foguetes estourando no ar. Teve logar o desembarque em uma ponte de madeira com os cor- rimOes forrados de verde e amarello. Recebido debaixo do pallio pela camara municipal cujo presidente apresentou- lhe uma chave de prata, passou o Injperador por duas alas formadas por um batalhao da guarda nacional, comman- dado pelo tenente-coronel Medeiros Chaves. Esperavam-o na ponte varias irmandades, sacerdotes e membros da cOminissao nomeada para recebél-o, Homens , mulheres, criancgas, no geral bem vestidos, agitavam ramos de café no meio de enthusiasticos vivas. Dirigiu-se S. M. a@ matriz, onde assistiu a um Te-Deum, em que officiaram os reverendos vigarios Nunes, e Carvalho , sendo composto 0 coro dos reverendos Fr. Simplicio da San- lissima Trindade, Fr. José da Piedade, e Fr. José de S. Jeronymo. Sahindo do Ve-Deum visitou S. M. as aulas primarias de ambos os sexos e a de latim; examinando meninos e me- ninas. Dirigiu-se depois 4 igreja do Rosario, 4 casa da ca- 96 REVISTA BRAZILEIRA. mara, € percorreu a pé todas asruas da villa, recebendo por toda a parte vivas e flores, que lhe atiravam das janellas, a cujas demonstragdes correspondia com a sua costumada affabilidade. De volta recolheu-se S. M. a uma casa para isso destinada, onde foi servido um almoco, no qual tiveram a honra de tomar parte as pessoas da sua comitiva, os presidentes das provincias, que 0 acompanhayam, 0s membros da commissao de Proprid , e os bardes da Atalaia e de Jequid , recebendo depois as pessoas que 0 procuravam. Quando S. M. dirigia-se 4 matriz, as meninas da escola publica foram-lhe ao encontro , vestidas de branco , e reci- taram-Ihe uma simples e tocante allocucao, atirando-lhe depois as flores, que em bellas cestinhas traziam pendentes aos bracos. Mandando entregar ao vigario 400$000 para serem dis- tribuidos pelos pobres da villa, e dando 50$000 para a liber- dade de uma eserava, embarcou-se o Imperador as duas horas da tarde , ficando na villa o presidente e 0 chefe de po- licia de Sergipe, com todas as pessoas dessa provincia que tinham ido recebél-o. Chegou as duas e meia 4 povoagao do Collegio , aldéa de indios, na provincia das Alagdas, descendo a terra ao som de repetidos vivas e foguetes, e por entre alas de indios armados de arcos e flechas. Encaminhou-se logo 4 capella, que ¢ pobre e necessita de reparos; percorreu a aldéa, e dirigindo-se a um dos indios, que era o chefe, mandou que atirasse sobre um pau plantado a 50 passos. Disse o indio que estava velho , com o olhar pouco seguro, e receiava-se do vento forte , que entao havia ; mas atirando, perdeu a primeira flecha e acertou a segunda. Nessa humilde aldéa deixou S. M. 800000 para os pobres. Dahi sahindo as tres horas, tres quartos depois passava pelo lugarejo de Tibery, e 4s quatro e um quarto chegava a po- VISITA IMPERIAL A CACHOEIRA DE PAULO AFFONSO. 97 voagao de S. Braz, ainda menos importante do que a do Collegio, sendo acolhido com as mesmas manifestagdes de jubilo, e doando a pobreza com igual esmola. Defronte de S. Braz, em Sergipe, existe a fazenda de Cam- pinas com uma bella casa e dependencias , pela qual passou S. M. as cinco horas menos um quarto. Adiante, e do mesmo lado, vé-se a povoacao de Jaguaripe, tendo uma capella com a invocagao de Santo Amaro. Descobre-se em frente uma grande ponta alla, langada sobre o rio, passadaa qual avista- se a pittoresca povoagao da Lagda Com prida, coma capella de S. Sebastiao. Em diversos logares da margem apresentam os terrenos montanhosos em cima, ou em baixo, porcdes de pedras como lages soltas de grandes dimensoes, fingindo tartarugas , tatis, homens sentados, pelles estendidas, e varios outros objectos que prendem a attengao do viajante , e despertam a sua cu- riosidade. Divisam-se pastando nas baixas rebanhos de carneiros , e aqui e ali rezes grandes e gordas, testemunhando a forca vegetativa dessas ribas. Defronte da Lagoa Comprida esta a serra da Borda da Matta, com tres grandes pincaros cobertos de verdura. A’s 6 horas passou 0 vapor pelo Muguengue , braco do rio que divide 0 termo civil do Penedo do do Traipu. Do lado de Sergipe, em face ao Muguengue, é tambem montanhoso o terreno com a encosta de pedra solta na maior parte, amontoada em grande altura, e apresentando varias e maravilbosas figuras. Forma essa immensa pedreira uma curva chamada — Coyio. Em seguida do Muguengue esta o insignificante povoado do Aricury , e logo depois a capella do Amparo, com algumas casas , formando um pequeno povoado por nome Rebello. Os morros que ficam em frente , vindo desde a Borda da Matta, eslendem-se em uma especie de sanefa symetrica. R. B. III, 7 98 REVISTA BRAZILEIRA. Vé-se depois, da parte de Sergipe. os serros dos Tres Ir- mios, notaveis pela sua configuracio e igualdade. Nessa altura, havendo ja escurecido, fundeou o Pirajd, e S. M. passou para a galeota, que foi.entao rebocada pela canda; nao querendo o Imperador arriscar durante as trevas 0 vapor sobre as cordas. A’s 9 horas desembarcou na povoacao de Traipti, onde soltaram fogueles por mais de meia hora, estando todas as casas illuminadas. Recolheu-se S. M. com a sua comitiva a casa da camara, accommodando-se as demais pessoas nas do coronel Theotonio Ribeiro da Silva, e do capitao Benedicto de Freitas Mello, de quem receberam excellente agasalho. No dia seguinte, logo muito cedo, visitou oImperador a matriz, que tema invocacao de Nossa Senhora do O° ; per- correu as ruas, vill as escolas, achando matriculadas na de meninas 58, das quaes apenas frequentaram 20; e 60 na de meninos. Entregando ao vigario 350$ para os pobres , em- barcou-se as 9 1/2, sendo acom panhado pelo povo com muitos vivas, e a que benignamente correspondia. Nesse ponto estreita-se o rio quasi metade, sendo extre- mado do lado opposto Sergipe) pela serra da Tabanga, que sé lanca sobre elle com bellissima configuracao. Meia legoa depois, desse mesmo lado, vé-se na serra da Tabanga uma grande brecha, que prolonga-se quasi perpen- dicular até a base, abrindo a montanha de lado a lado, e sendo conhecida pela denominacao de —Buraco de Maria Pereira.— Toda coberta de catingas € essa serra , e por ella acima ha monticulos de pedras azues , brancas e amarellas , que tomam differentes formas. Refere a tradicao, que uma mulher, por nome Maria Pereira, habitara uma choupana dentro dessa rocha, occultando-se ali dos Hollandezes. S. M. saltou nesse sitio de calca branca, paletot preto, e chapéo de palha coberto de panno de linho. A’s 1014/4 partiu dahi 0 Pirajad, rompendo as agoas do VISITA IMPERIAL A CACHOEIRA DE PAULO AFFONSO. 99 rid, que vai de novo alargando-se um pouco, e cujas margens sao altas, e pedregosas, cobertas de monticulos, onde crescem -algumas poucas e enfezadas arvores. Descortina-se ao longe a serra de Panema, e ao Norte 0 cimo da das Maos, na comarca de Traipt, assim appellidada por ter o feitio duma mao fechada, vista pela parte superior. A’s 11 e 20 minutos chegou S. M. 4 villa do Curral das Pedras , onde desembarcou, sendo recebido com as formali- dades do estylo. Havendo assignalado a sua passagem por novas provas da sua inesgotavel munificencia, retirou-se para bordo ao meio dia. Apresentam dahi por diante as ribanceiras do rio cercas de pedras, banheiros naturaes, pequenas furnas formadas pelos rochedos. Bandos de patos banhando-se nos remansos, enxames de pombas fendendo os ares, e sumindo-se além dos montes ferruginosos, communicam a este sitio o mais apra- zivel aspecto. A’ 4 1/2 hora passou o vapor pelo Sacco do Medeiros , bella enseada do lado das Alagéas , 4 cuja frente prolonga-se uma grande corda. Por dentio do Sacco , e separado do rio por um grande cordao de terra, admira-se a grande lagda de Jacobina, onde existe vasta plantacio de arroz. Passou as 2 horas 0 Piraja pelo logar das Intans, extenso e florescente valle , costeado por uma altissima serra, que desce em forma de gomos. E’ esse logar de grande fertili- dade, abundantissimo em fructas. A’s 3 1/4 ayistou-se 0 Morro dos Prazeres , em cujo cimo eleva se a pittoresca e risonha capella dessa invocacao. EF’ este monte pedregoso com catingas formadas por facheiros e mandacarus , esgalhados como serpentinas, e por um capim grande, que da hastes com a configuragao de lancas. Indo 4 terra, visitou S. M. a ermida que possue uma ima- gem de tamanho natural. Defronte dessa capella, e da parte das Alagoas , ha 0 povoado de Panema, e outro do lado dg 409 REVISTA BRAZILEIRA. Sergipe, ambos cobertos de vegetacao, e donde corriam ondas de povo para saudar 0 Imperante. Passou as 5 horas o vapor pelo povoado da Lagéa Funda , onde existe uma pequena ermida de Nossa Senhora do Ro- sario, e uma escola frequentada por 25 meninos. Via-se na praia o capellao com toda a populacao decentemente vestida , e formavam os meninos filas com bandeiras braneas, circu- ladas de fitas douradas, em cujo centro lia-se: — Viva D. Pedro II. A’s 5 3/4 apparecia a povoacao do Limoeiro , apenas no- tavel pela possessao d’uma bella fazenda pertencente ao mor- cado da Torre na Bahia. Pouco adiante , e sempre do mesmo lado, descobre-se uma linda perspectiva proveniente de dous morros, que inteira- mente iguaes em seus angulos deixam uma aberta por onde se avistam varios serros , sahindo uns detras dos outros, e alguns em direccdes parallelas. Denomina-se 0 mais notayel de — Morro do Faria. Deslisava-se 0 vapor as 6 1/4 por diante do povoado de S. Pedro, aldéa de indios, situada na ilha do mesmo nome (provincia de Sergipe), e onde existe um convento habitado por um so frade capuchinho, que ali se conserva ha muitos annos. Ahi, bem como naldéa do Collegio . occupa-se 0 povo no fabrico da louca. A’s 8 horas chegou 0 Pirajd 4 villa do Pao d’Assucar, onde desembarcou S. M. no meio do geral regozijo da popuiacao ; e no momento de por o pe numa ponte de madeira adrede preparada, soou o hymno nacional, cujas letras eram cantadas por um menino. Atravessando o grande areal que precede a villa, recolheu-se 4 casa de proposito preparada pela muni- cipalidade , que indo receber 0 Monarcha levou um menino vestido de anjo. Até muito tarde conservou-se 0 povo 4 porta da casa dando vivas e tocando musica. Percorreu S. M. a yilla no dia 18 de manhaa, embarcando-se as 7 horas, depois “VISITA IMPERIAL A CACHOEIRA DE PAULO AFFoNSO. 104 de haver deixado 600$ para a pobreza. Grande numero de pessoas visilaram o vapor, e ouvindo uma mulher dizer que era elle de forca de 40 cavallos, perguntou onde estavam elles, que nao os via. Ao deixar a villa do Pao d’Assucar, passa-se pelo serro deste nome, que assemelha-se a uma sentinella avaneada , impedindo que a impetuosidade fluvial perturbe a serenidade das agoas, que em torno da villase espregui¢am. Estendem- se em Seguida, e de ambos os lados, collinas elevadas, aridas e escabrosas, semeadas de serros que se Separam apenas por seus declives cobertos de crestadas catingas. Do lado das Alagoas vé-se o Cayallete, 0 Mampira, o Pau-Ferro, todos pedregosos; e da parte de Sergipe distingue-se 0 Sacco-Grande, que olha para uma enseada. Ao do Pau-Ferro succede 0 morro do Algodio, em que nao ha um sé algodoeiro, e a este o das Trahiras , depois do qual vem o da Serra-Grande , 0 do Riacho-Grande e 0 da Quiraba. Da parte de Sergipe, depois do dos Patos, ha o da Travessada, | o do Riacho-Grande e do Cajueiro. Todos estes morros sao de rocha, mas nao figuram a qualidade de lousa que apre- sentam em grande parte os anteriores. A’s 9 1/2 passava 0 vapor pelo Bonito , logar que € consi- derado como mais perigoso, e onde comeca a descobrir-se pelo meio do rio cabecos de pedras, que ora se apresentam fora dagoa, ora se occullam, mostrando apenas um torvelinho que 0s indica. Dizem as pessoas da localidade que dahi para cima o fundo do rio é todo de pedra; reputando-se por isso impossivel a continuacao da viagem no vapor Pirajd , apezar de somente calar dous e meio palmos d’agoa. Estreilo 60 canal, e difficil a navegacao pelas frequentes e successivas voltas, que cumpre dar, afim de evitar-se oscabecos (las pedras. Que nao era porém impossivel provou-o 0 Pirajrd chegando ale Piranhas, ullimo ponto a que aporlam as me- nores candas, sem haver tocado nem de leve uma pedra. 4102 REVISTA BRAZILEIRA. Nao faltaram comtudo as cautelas, aconselhadas pelas pre- vencoes e receio do perigo. Assim, pois, antes de chegar o vapor ao Bonito, foram postados na pdpa dous homens, armados de machadinhas , um a cada cabo que rebocava a canéa, para—a primeira voz— cortarem-os, e livrarem 0 vapor do reboque que lhe poderia ser nocivo. Era a candéa bastante longa, e estava separada do vapor por duas, ou tres bracas de cabo: e sendo mui curtas as voltas que os cabecos obrigavam a dar, seria factivel que a extensao formada pela canda e pelo reboque impedisse a boa execucao das ma- nobras, sendo necessario para salvar 0 vapor perder a canda, que iria indubitavelmente, impellida pela correnteza, fazer-se em estilhacos de cabeco em cabeco. A vista dos dous porta-machados de sentinella aos cabos do reboque era pouco agradavel aos passageiros da canda; reinava apezar disso a alegria e a confian¢a entre elles. Feliz- mente fez a viagem sem que 0 menor exercicio tivessem Os fataes instrumentos. Largos, e cobertos de arbustos, eram alguns dos cabecos que se erguiam no rio; e extraordinaria a correnteza formada pelos offuscantes redomoinhos. Depois do Bonito, apresenta-se 0 morro do Sacco, defronte do qual desagoa o riacho das Aréas, que se entranha pela provincia de Sergipe, em direccao 4 conhecida barra das Cabacas. O viajante, que neste ponto voltar o rosto, e olhar para o que atras de si deixou, vera o rio atravessado por um fio de pedras unidas como as contas de um rosario, sem des- cobrir entre ellas a mais acanbada passagem. Ostenta-se pouco adiante 0 morro do Armazem , onde con- templa-se um elegante povoado, outrora conhecido por esse nome, e hoje pelo de Entre-Montes. Defronte do povoado ha um grande serro de pedras vermelhas e lascadas. Tanto ahi, como na povoacao, manifestou-se 0 maior enthusiasmo por occasiao da passagem do vapor, correndo todo 0 povo a r VISITA IMPERIAL A CACHOEIRA DE PAULO AFFONSO. 103 saudar 0 Monarcha, com vivas e foguetes, que aturdiam 0s ouvidos. Além do povoado avista-se uma grande collina, que em seus cumes iguaes em forma dum polygono, e alargando-se até a base, ameaca rolar e afogar-se no rio. Prolonga-se essa collina 4 grande distancia, tendo em frente a serra do An- giC0. De Entre-Montes para cima, até mais de uma legoa, es- ireita-se mais de metade o rio, e alargando-se depois pouco inenos do que no Penedo, Propria e Traipt. A’s 14 1/4 costeava o Piraja o morro do Collete, em cuja face eleva-se 0 de Sinimbti. A maxima largura do rio entre esses dous montes sera de 40 a 50 bragas. Faz parte o morro Sinimbd da serra das Piranhas , que es- tende-se alé 0 povoado desse nome. Bandos de gar¢as fen- dem ahi os ares, sustentando-se de peixe, a que declaram a mesma guerra que as piranhas aos corpos humanos. A’s 14 1/2 passavaS. M. pela Pedra do Matheus , enorme rochedo erguido no meio do rio, terror dos canoeiros e dos viajantes, celebre pelos naufragios que tem presenciado , cn- lregando as yictimas 4 correnteza das agoas e a voracidade das piranhas. E’ nesse logar mais forle 0 redomoinho do que em parte alguma do rio, e pela posicao em que se acha yao a seu encontro despedacarem-se as candas , que nao podem resistir a levada. Franquearam felizmente sem o minimo perigo o terrive! Matheus o vapor e a canda da esquadrilha imperial. Pert do morro do Couto, onde existe uma fazenda de gado, alarga-se mais 0 rio, avistando-se dahi a serra da Piranha- Pequena. Nessa serra, @ mui vizinhas 4 povoacao , vém-se duas Ca- vernas no declive duma collina, e um grande talhado na pedra 4 prumo, por onde conta se que descéra ha mais de seculo um cacador Com um veado as costas e calgado de san- 104 REVISTA BRAZILEIRA. dalias , em procura de agoa do rio, que lhe saciasse a séde. Cremos porém tal tradigao inteiramente destituida de funda- mento. . , ; Reclina-se nessa serra a povoacao da Piranha, ultimo ponto a que se pode chegar embareado; e onde, as 14 3/4, apor- tava o Piraja. Desembarcou S. M. com todas as pessoas que tiveram a honra de acompanhal-o, sendo recebido por um grande numero de pessoas, entre as quaes achavam-se as mais no- taveis da circumvizinhaga de 20 legoas. Ha talvez uma distancia de 40 passos do desembarque a primeira casa, e caminhando-se por entre ardentissimo areal. Divide-se a povoacao em Piranha de cima e Piranha de baixo , tendo cada um desses bairros de 25 a 30 casas; e nessa occasiao acoitava a febre o bairro inferior. Chegando a Piranhas, havia o Augusto Viajante transposto 39 legoas; restava a jornada por terra. Haviam anteriormente chegado 4 derradeira estagao fluvial alguns cavallos para conduzirem S. M., sua comitiva e as demais pessoas ; fallaram porém muitos, em razao de serem esperados no dia seguinte. Entre as pessoas que em Piranhas aguardavam o Excelso Hospede, contava-se o Sr. major Manoel José Gomes Callaga, a quem coube a satisfacao de abrir e preparar grande parte da estrada que conduz 4 cachoeira; tendo-se incumbido de identicas funccdes em outros pontos o engenheiro Charambae, seu ajudante o Sr. Joao Pedro Xavier, e 0 prestante cidadao o Sr. tenente-coronel Pedro Vieira Junior. ‘ Sahiu S. M. de Piranhas as 5 1/2 horas da tarde. Trajava sobrecasaca de panno preto abotoada, calca de ganga, chapéo de palha coberto de panno de linho , luvas amarellas e botas de couro branco. Luzida era a cavalgada: mais de quarenta cavalleiros acom- VISITA IMPERIAL A CACHOFIRA DE PAULO AFFONSO. 105 panhavam oImperador, que chegou as 8 horas a fazenda do Olho d’Agoa, arredada cinco legoas de Piranhas. Apenas anoiteceu, deu o mais bello colorido a esta singular scena a luz dos fachos que interrompia a escuridao. Pernoitou S. M. no Olho d’Agoa, donde sahiu as 4 1/2 horas da manhaa do dia 19, chegando as 7 a fazenda do Talliado, que dista dahi tres legoas, em cujo sitio almocou e iantou. Do Salgado , onde pernoitou, sahiu as 3 horas da manhaa, achando-se na cachoeira antes do nascer do sol , depois de um trajecto de cinos legoas. Sahindo de Piranhas, a estrada toma o alto da serra, pela qual segue-se sem encontrar outras casas mais do que cassas dos pousos, que sao mesquinhas habitacdes perten- centes 4 fazendas de gados. Largo é 0 caminho, dando fol- gada passagem a tres cavalleiros, e aberto em muitos logares por cima de rochas, em outros atravessando riachos e lagéas. Todo o terreno atravessado pela estrada é cheio de macam- biras, baraimas , quipds , chique-chiques , e de outras muitas pequenas arvores, que com vantagem podem applicar-se 4 construccao. . O logar onde apeam-se os cavalleiros, que vao observar a cachoeira de Paulo Affonso, é uma planicie pequena de aréa, onde se levantam algumas pedreiras. Immediatamente a ella comeca a cordilheira de rochas que margina 0 rio nessa altura, e estendendo-se pelo leito do mesmo, ergue-se no meio delle formando essa maravilha, que o nosso illus- trado Monarcha nio quiz por mais tempo desconhecer. No centro do areal tinham levantado um grande barracao coberto de palha e forrado de panno branco, dividido em tres partes, das quaes a primeira tinha 0 commodo destinado para S. M. repousar; a segunda, uma sala d’espera; e a terceira, maior do que ambas, a accommodacao para a sua comitiva. Havia no aposento imperial uma cama bem preparada , 106 REVISTA BRAZILEIRA. doze cadeiras de jacaranda e um sofa; era o pavimento coberto por esteiras da terra. Era esse pavilbao circulado de carahibeiras, tendo na frente a maior de todas coberta de flores, e em cujo tronco descascado liam-se gravados 0s nomes de todas as pessoas que tinham anteriormente visitado acachoeira. Nesse mesmo tronco, e em outro logar, foram inscriptos os nomes de quasi todas as pessoas que acompa- nhavam o Imperador. _ Além deste barracao, notavam-se muitos outros distribuidos sem symetria e muito maissingelos, aos quaes se recolheram as demais pessoas que ali se achavam. O observador, que de longe lancasse os olhos sobre acjuella planicie coberta de barracdes , apinhada de gente , que cons- tantemente soltava foguetes , nao deixaria de commover-se com semelhante guadro. Nem menos bello era 0 espectaculo durante a noite, quando numerosas fogueiras acendiam-se diante das barracas e dos ranchos. Descripcao da cachoeira de Paula Affonso, extrahida do Relatorio do Sr. H. J. F. Halfeld, sobre 0 reconhecimento do Rio S. Fruncisco, feito nos annos de 1852 a 1854. «No comeco da legoa 3268 (distancia medida, seguindo o curso do rio a partir da cachoeira da Pirapora , em legoas de 20 ao grau) se mostra a grande cachocira de Paulo Affonso (assim denominada, provavelmente por ter na vizinhanga um sitio com o nome de — Tapera de Paulo Affonso). «A sua primeira catadupa tem 44 palmos e 6 pollegadas de altura, e despenha-se em uma bacia guarnecida de rochas de granifo talhadas quasi a prumo. e inclinadas mesmo al- gumas dellas para 0 lado inferior da corrente. Desta bacia faz o rio uma rapida volta, formando um angulo recto na margem esquerda ; e precipita-se por entre alcantilados pe- nhascos no fundo de um abysmo, transformando-se em uma etl ode Jan i i Lith np! de Ed Renabur’ « Le} ey) Ade Partin Wh. VISTA DE UMA PARTEDA CACHOLIRA DE PAULO AFFONSO. v5 « A o a @ rd rd ms c VISITA IMPERIAL A CACHOEIRA DE PAULO AFFONSO. 107 intumecida massa espumosa, cdr de leite na apparencia , através da qual se elevam a grande altura borbotoes d’agoa, apresentando um aspecto semelhante ao da explosao de uma mina; dahi resulta a permanente existencia de um espesso nevoeiro, o qual, formado da extrema subdivisao das parti- culas aquosas arremessadas ao ar, esta como pairando, a uma notavel altura, sobre 0 abysmo, para onde resvalam estrepitosamente as agoas precipitadas; ora resolvendo-se em chuva de aljofaradas gotas, em tempo sereno; ora arre- messado por forte briza, vai regar longe o terreno adjacente a margem opposta. « E interessante observar esta maravilha pela manhia , quando o reflexo dos raios solares produzem um magnifico arco irisado, penetrando o nevoeiro elevado sobre a ca- choeira. ; « Oruido causado por esta catadupa é tao forte, que fallando entre si duas pessoas, que estejam approximadas uma da outra, vé-se 0 movimento dos labios, sem que se ouca a voz da que falla. « A margem esquerda, sobre a qual actua perpendicular- mente o rio precipitado da catadupa, € formada de rocha granitica, e tem 365 palmos de altura sobre a superficie da agoa, tendo esta a profundidade de 120 palmos. O em- bate das agoas contra essa muralha produz nellas um mo- vimento de vai-vem , semelhante ao das ondas nas praias , elevando , e abaixando alternativamente o seu nivel: dahi tem resultado nao sd 0 desmoronamento de uma por¢ao con- sideravel dessa massa granitica, mas tambem a formacao de uma espacosa lapa, ou furna no interior da rocha, cuja entrada tem 40 palmos de largura e 80 de altura, prolon- gando-se para dentro 444 palmos; sendo dividida em dous grandes compartimentos, nos quaes se acoutam myriadas de morcegos; e é@ por esta razao que a referida Japa se deu 0 nome de furna dos morcegos. 108 REVISTA BRAZILEIRA. « No redomoinho formado pela forte correnteza do rio, tanto na hacia superior da cachoeira , como na inferior (a que os habitantes do logar chamam—Vai-vem de cima, e Vai-vem de baixo) eneontram-se, chocando-se entre si, tocos de ma- deira , taboas, remos, etc. , levados ahi pela corrente : obser- vando-se, que os choques repetidos desses corpos , além de dar-lhes , pela continuada. fricgio , formas arredondadas, e um certo grau de polimento, produzem na bacia inferior sons harmonicos, que 0 vulgo toma por um phenomeno mysterioso, attribuindo-os a musica celeste, e algumas vezes 0s compara ao toque de caixas de guerra. (Estampa H.) » Da precedente descripcao se infere que 0 movimento das agoas , tomadas em massa, na cachoeira de Paulo Affonso, differe notavelmente daquelle que produz a famosa cataracta do Niagara, na America do Norte» porquanto, nesta, pro- jecta-se 0 maior volume da massa liquida, formando uma so queda sobre o leito inferior do rio, em uma differenca de nivel de 442 pés inglezes (798 palmos) ; ao passo que na cataracta de Paulo Affonso, as agoas , precipitando-se na sua primeira queda, da altura de 45 palmos, vao reunir-se em uma vasta bacia, d’onde sao novamente arrojadas em massa, resvalando em larga rampa, singularmente accidentada por numero- sas e profundas anfractuosidades, até ganharem 0 leito inferior do rio, em uma differenca total de nivel de 365 palmos. Para 0 observador intelligeute a cataracta do Niagara ex- primira melhor talvez as condicdes do bello artistico; mas, ia presenca do phenomeno de Paulo Affonso, 0 impressionara mais a originalidade do aspecto, o grandioso de uma natureza selvagem. A cachoeira de Paulo Affonso dista da foz do rio de S. Fran- cisco 57 legoas; e & para sentir que o Sr. Halfeld, no seu noticioso, e muito interessante relatorio, nao fizesse conhecer a posicao geographica de um ponto tao caracteristico do im- , VISITA IMPERIAL A CACHOEKIRA DE PAULO APFONSO. 409 portante rio, que habil, e laboriosamente explorou. (Obser- vucoes do extractador.) S. M. percorreu tudo, 4 excepeao da Caldeira do Inferno, assim chamada a‘furna onde a agoa da cascata, achando um vazio, redomoinha e ferve em grandes proporcoes , como se estivesse numa caldeira de fogo. Caleado com as suas botas de montar, dispunha-se o Im- perador a descer a uma furna, quando, escorregando, am- parou-se com um brago resguardando. 0 rosto, que estava quasi a tocar na rocha. Apoiado, porém, em um bastao , chegou ao logar que desejava examinar. Antes de descer para a furna, S. M. sentado em algumas pedras mais altas fronteiras as grandes cascatas, admirou o espectaculo e desenliotra lapis toda a cachoeira no seu album, com extraordinaria rapidez e admiravel pericia. Alem destas, desenhou S. M. varias paisagens tomadas de lado do Pirajd. Querendo S..M. chegar a uma das pedras mais allas, e @onde melhor se devassavam as cascatas , tinha necessaria- mente de passar por duas pdcas largas, que enchiam e va- savam rapidamente. Diversas pessoas, tanto da comitiva, como estranhas a ella, esperando que a pdca ficasse vazia , tinham saltado molhando-se sempre. Vendo isso S. M.. nao esperou pela vasante; e mettendo-se por dentro da podca, atravessou-a e ganhou a pedra alta. Ahi vendo atacar um foguete do ar, disse: « Atacar um foguete na cachoeira de Paulo Affonso, é 0 mesmo que acender uma lamparina sobre um voleao. » Tiveram verligens algumas pessoas que desceram 4 ¢a- choeira; e uma senhora cahiu, ficando muito maltratada. Havendo percorrido tudo, voltou S. M. para o barraeio , onde chegou ds 410 horas. A’ tarde foi a cavallo apreciar @uma eminencia afastada a caseata, que havia-o obrigado a fazer tio longa e penosa viagem. Das 10 horas da manhaa até as 5 da tarde, nao se pode 440 REVISTA BRAZILEIRA. ir 4 cachoeira porque as pedras esquentam excessivamente. Regressando de manhaa, da catadupa, o digno presidente das Alagoas, teve a idéa de erigir um monumento para com- memorar tao fausto acontecimento. Foi essa idéa geralmente abragada, e um instante obteve-se uma consideravel somma, havendo assignaturas de 500%, 400% e 300%. Solicitando-se do Sr. conselheiro Mello o plano do monu- mento, prestou-se elle de bom grado, desenhando-o logo, como o concebéra. Deve assentar 0 edificio sobre um terrago com quatro escadas. Sera de columnas de ordem dorica , tendo em um friso superior a data da visita imperial; na frente uma ellipse contendo a effigie de S. M.; na face opposta a inscripcao do monumento, e nas duas lateraes , ellipses iguaes, contendo uma o nome do Ex™ Sr. ministro do imperio, e a outra a do Sr. presidente da provincia. Serao na base gravadosos os nomes de todas as pessoas que estiveram presentes ao grandioso successo. Serao as ellipses de mar- more branco, e o monumento formado de alvenaria formada da pedra do logar com cimento romano. O ladrilho do terrago sera de marmore preto e branco. Separado S. M. do logar onde isso se combinava, somente por tapagem de panno, tendo tudo ouvido , apresentou-se dizendo — que seria mais conveniente applicar essa quantia para o melhoramento dos logares de descida e subida para a cachoeira. formando se degraos nas pedras, pois que seria isto proveitoso as pessoas que 1a fossem para o futuro. Re- solveram entio os circumstantes que se fizesse 0 melhora- mento indicado pelo Imperador, e aleém disso 0 monumento anteriormente projectado. AN’s5 horas da madrugada do dia 24 deixou S. M. com toda a sua comitiva aquelles sitios, descansando nos mesmos pontos em que estivera na ida. Para os pobres do Salgado, Talhado e Olho d’Agoa, deixou S. M. 6008, além de varias. esmolas que dera aos decrepitos que se lhe apresentaram, i ee VISITA IMPERIAL A CACHOEIRA DE PAULO AFFONSO. 444 A’s 8 horas da manhiia do dia 22 chegou o Augusto Vian- dante 4 Piranhas , onde, embarcando-se no vapor Piraja , seguiu viagem rio abaixu fazendo escala pelas mesmas locali- dades, e sendo por toda a parte victoriado. Eis, benevolos leitores, o rapido e singelo esboco dessa” Viagem, que tao fecundos resultados prognostica, e que , revelando ao sabio Monarcha um dos mais esplendidos pro- digios do seu Imperio, interessal-o-ha cada vez mais pela Sua prosperidade e futura grandeza. METROLOGIA MEMORIA SOBRE A ADOPCAO DO SYSTEMA METRICO NO BRAZIL E DE UMA_CIRCULACAO MONETARIA INTERNACIONAL Til? e Ex™? Sr.— Encarregado por V. Ex. de examinar, e dar 0 meu parecer sobre varios impressos inglezes, que acompanharam 0 seu officio de 10 do mez de Outubro findo , passo a expender a minha opiniio acerca do assumpto de que elles tratam. Constam os mencionados impressos da seguinte materia: 1.° Dous relatorios annuaes (de 1858 e 1859) da Sec¢ao Britannica da Associacao Internacional, instituida no anno de 1855, para o fim de promover em todos os paizes civi- lisados da Europa e da America, a adopcao de um systema uniforme de Pesos e Medidas, fundado sobre a base de uma unidade linear invariavel, tomada como padrao, e subor- dinada no seu desenvolvimento ao principio decimal, que caracterisa a lei da numeracao geralmente usada naquelles paizes. Re Bs iil, ) 444 REVISTA BRAZILEIRA. 2° Dous bem elaborados opusculos , publicados pela re- ferida Seccio , tendo por objecto a sustentacao dessa impor- tante medida, tanto no intuito de facilitar as transacgoes que fazem objecto do commercio internacional, como tam- hem por conveniencia propria no interior de cada paiz. 3.° Uma abreviada nolicia da origem , @ motivos que de- lerminaram a formacao da referida Associacio Internacional, donde se tiram as informa¢des que seguem. Por occasiao da Exposicao Universal dos productos in- dustriaes , que teve logar pela primeira vez em Londres no anno de 1851, e depois em Pariz no de 1855 , reconheceu-se 0 grave inconveniente de serem avaliados os productos dos diversos paizes, que ahi concorreram , em unidades de diffe- rente valor, peso e medida: e desde entao aventou-se a idea da adopcao de uma Metrologia uniforme para todos os paizes ligados por interesses commerciaes. Este pensamento, que ja havyia sido favoravelmente aco- lhido , e devidamente apreciado pelo Congresso Estatistico , que se reunira em Bruxellas no anno de 1853, e sustentado pelo que o seguira em Pariz no anno de 1855, fora definiti- vamente abracado por uma reuniao de 150 membros, per- lencentes a este ultimo Congresso , os quaes, sob a presi- dencia do Barao J. de Rothschild, tomaram a deliberacao seguinte : « Os abaixo assignados, alim de cuoperarem efficazmente a bem da realisacao da idéa em questao , determinaram (me- diante a approvagao dos seus respectivos governos) formar uma Associacao Internacional , composta de membros esco- Ihidos de todos os paizes civilisados , 0s quaes se compro- metlam, nos seus respectivos paizes, por meio de commis- sdes ahi creadas, a promover a adopgio de um systema uniforme e decimal, de Pesos ec Medidas; e, sendo pos- sivel , tambem um systema monetario. nas mesmas condi _ cues. » SYSTEMA METRICO NO BRAZIL. 115 I. A idéa de uma Metrologia uniforme para todos os paizes, ligados entre si pelas relacdes de commercio; e demais, sendo subordinada ao principio decimal, na deduccio dos elementos que a compoem de uma unidade fundamental, de grandeza invariavel , e-accessivel 4 verificacao em qualquer ponto habitado do nosso planeta, deve ser considerada como um complemento necessario da Arithmetica que transmit- tiram os Arabes a todos os povos da civilisagaio moderna ; essa linguagem que hoje fallam geralmente as nacoes cultas, nos misteres da vida em que o cileulo numerico se faz ne- cessario , mas particularisada em cada paiz, quando é ap- plicada a medir a extensdo, 0 peso e 0 valor, pelo emprego de unidades arbitrarias, e diversamente systematisadas. A conveniencia de tao importante melhoramento , apre- ciado ja pelos homens da sciencia de todos os paizes, foi pela primeira vez reconhecida sole :nemente pela assembléa constituinte da Franga no anno de 1790; a qual, em virtude de uma proposicio feita por Mr. de Talleirand (depois Prin - cipe de Talleirand), decretou a formacio de uma commissio de sabios, para 0 fim de organisar um systema metrologico nas condicdes acima indicadas , o qual pudesse adoptar-se ao uso geral dos povos civilisados. Para dar execucao a esse decreto, foram chamados a com- por a referida commissao os mais notaveis sabios da Franca - _asaber: — Borda, Lagrange, Laplace, Monge e Condorcet ; sendo aggregados & essa commissao sabios de diversos paizes da Europa, em virtude de convite feito pelo governo francez aos de todos os paizes cultos, afim de collaborarem nessa obra de interesse universal. Empregou-se essa commissao sem perda de tempo nos tra- palhos conducentes ao desempenho da sua importante incum- 416 REVISTA BRAZILEIRA. bencia: e havendo tomado, como ponto de partida, a adopc¢ao do comprimento da quarta parte do meridiano terrestre (de preferencia ao comprimento do pendulo simples que bate segundos, por variar essa grandeza nas diversas latitudes) para servir de padrao primordial, donde fosse deduzida a unidade fundamental do systema metrologico projectado ; fixou ella a grandeza dessa unidade em ;aaan do quarto do meridiano, e deu-lhe a denominacao de metro , palavra grega que significa — medida. O comprimento do quarto do meridiano foi determinado pela medicao effectiva do arco de cerca de 12° do meridiano que, passando por Pariz, termina ao Sul na ilha hespanhola denominada—Formentera—, no Mediterraneo; e ao Norte no parallelo de Greenwich: e achou-se equivalente a 5.4380,740 toezas. Dado esse passo, lixou a commissao a grandeza de cada uma das unidades principaes de superficie , de capacidade e de peso, em relacdes determinadas com a unidade funda- mental: as quaes deu denominacoes tiradas do grego ; e aos multiplos , e submultiplos decimaes das mesmas , denomi- nacodes compostas, derivadas do grego e do latim, como adiante se vera. Pelo que respeita a unidade de valor, considerada como parte integrante do systema metrologico, tomou a commissao, para represental-a, um determinado peso {5 grammos) de prata ao titulo de =. de fino; dando-lhe a denominacao de — Franco—, a qual ¢ fraccionada em 1, 2, 5 e 10 centimos, representados por moedas de cobre: sendo os multiplos ex- pressos por 10, e 20 francos, representados por moedas de ouro. ’ Os motivos que determinaram a Commissao a nacionalisar - assim adenominacio da unidade monetaria, afastando-se do principio que seguira a tal respeito, relativamente aos ele- ‘ SYSTEMA METRICO NO BRAZIL. 117 mentos do systema, na parte concernente a extensao e ao peso, foram talvez os seguintes : 1.° A escotha da prata, para servir de padrao monetario, poderia nao ser facilmente aceitavel em todos os outros paizes, onde o ouro fizesse aquellas mesmas funcedes , em virtude de habitos seculares, como acontece em Franca, a respeito da prata. 2.° Qualquer que seja a unidade monetaria, ouro ou prata, adoptada em cada um dos outros paizes, como base do sys- tema monetario, submettido no seu desenvolvimento ao prin- cipio decimal, é sdmente essencial, para satisfazer nesta parte as condicdes da metrologia geral, que seja exactamente defi- nida a relacao entre aquella unidade principal eo Franco ; ficando por outra parte subordinada semelhante determi- nacao (na hypothese de ser essa unidade monetaria repre- sentada por ouro) as variacdes que possam ter logar no valor comparativo dos dous metaes no mercado geral. No fim de 14 annos de accurados e penosos trabalhos, foi 0 systema metrologico, que vimos de descrever, adoptado definitivamente por lei em Franca, sob a dsnominagiao de— Systema Metrico. Laplace , apreciando essa obra de reconhecido interesse para as sciencias, e para os usos do trato social, exprime-se do modo seguinte : « Nao se pode ver 0 numero prodigioso de medidas , nao sdmente usadas por differentes povos, mas ale por uma mesma nagao ; as suas divisdes extravagantes ec incommodas para 0 calculo; a difficuldade de as conhecer, e comparar ; emfim, 0 embarac) e as fraudes que dahi resultam para o commercio ; sem considerar como um dos maiores servicos , que os governos podein fazer & sociedade , a adopeao de um systeina de medidas, cujas divisdes uniformes se prestam facilmente ao calculo, e que sejain derivadas, da maneira 118 / REVISTA BRAZILEIRA. menos arbitraria, de uma medida fundamental indicada pela mesma natureza. « O povo, que creasse para si um semelhante systema, reu- niria, 4 vantagem de colher os seus primeiros fructos , a sa- tisfacao de ver o seu exemplo imitado por outros povos, que 0 reconheceriam por seu bemfeitor : porquanto, 0 imperio lento, mas irresistivel da razio, subjuga com o andar do tempo os ciumes das nacdes, e vence todos os obstaculos , que se oppoem a posse do bem geralmente reconhecido. « Taes foram os motivos que determinaram a assembléa constituinte a encarregar a Academia das Sciencias tao im- portante objecto. O novo systema de pesos e medidas é 0 re- sultado do trabalho dos seus commissarios , auxiliados pelo zelo, e luzes de muitos membros da representacao nacional. Este systema, fundado sobre a medida dos meridianos ter- restres , convém igualmente a todos os povos: nao tem elle relacao com a Franca senao pelo arco do meridiano que a alravessa. « Para multiplicar as vantagens deste systema , e tornal-o ulil ao mundo inteiro, o governo francez convidou as po- lencias eslrangeiras a tomarem parle.em um objecto de tao geral interesse : muitas enviaram 4 Pariz sabios distinctos , que, reunidos aos commissarios do Instituto Nacional, de- terminaram pela discussao das observacdes e experiencias , as unidades fundamentaes de peso e de comprimento; de sorte que a fixacgao destas unidades deve ser considerada como obra commum aos sabios que para isso concorreram, e as nacdes que elles representaram. « Cumpre portanto esperar que um dia, este systema, que reduz todas as medidas e os seus calculos, a escala, e as operacdes mais simples da arithmetica decimal, sera tao geralmente adoptado, quanto o tein sido o systema de nu- meracao, de que é elle o complemento ; 0 qual sem duvida eve que vencer os mesmos obstaculos, que o poder do habit? SYSTEMA METRICO NO BRAZIL. 119 oppoe actualmente 4 introduccao das novas medidas; mas, uma vez vulgarisadas, serao essas medidas snstentadas por esse mesmo poder, que junto ao da razio, assegura as instituicdes humanas uma duracao permanente (systema do mundo). » As previsdes de Laplace sobre este objecto nao tardaram a realisar-se em toda a sua plenitude ; porquanto, ji em alguns paizes da Europa se acha adoptado legalmente o Systema Metrico, na parte relativa 4s medidas de extensiio, e de peso; a saber: na Hespanha, Hollanda, Belgica , Sardenha, e re- centemente em Portugal. Na America funcciona tambem le- galmente esse systema vas Republicas do Chili, Nova Gra- nada, e Equador. I. Na legislatura de 1830, cabendo-nos a honra de ter assento na Camara electiva, e havendo reconhecido a imperfeicao do systema de pesos e medidas , que herdamos dos portuguezes, propuzemos a adopeao pura e simples do Systema Metrico , em substituicao do nosso, que ainda se acha em vigor, na parte concernente 4s medidas de extensao e de peso : offere- cendo para este fim 4 consideragio da Camara o seguinte Projecto de lei: A Assembléa Geral Legisiativa Decreta : Art. 1.° O actual systema legal de Pesos e Medidas sera substituido em todo o imperio pelo Systema Metrico, adop- tado por lei, e actualmente usado em Franga. Art. 2.° FE’ o governo autorisado para mandar vir de Franga Os necessarios padrodes desse systema; e a tomar todas as medidas que julgar convenientes a bem da prompta, facil e geral execucao do artigo antecedente. Paco da Camara dos Deputados, 12 de Julho de 1880.— Candido Baptista de Ohveira. 120 REVISTA BRAZILEIRA. A composicao , e desenvolvimento do Systema Metrico, a que se refere 0 precedente Projecto de lei, se acham descriptos na tabella (A). Entretanto que pendia este projecto da resolugao do Corpo Legislativo, promovemos nos no anno de 1833, na qualidade de inspector geral do Thesouro Nacional, a formacio de uma Commissao incumbida pelo ministerio da fazenda de coor- denar os elementos do nosso systema de Pesos e Medidas ; e de apresentar a organisacao de um novo Systema Monetario, no intuito de obviarao grave inconveniente, que resultava, es- pecialmente para a administracao fiscal, da notavel discre- pancia que offereciam as medidas usadas em algumas pro- vincias do imperio. Essa Commissao, de que fizemos parte, depois de accurados exames , feitos sobre a comparacgao dos diversos padroes de medidas usadas tanto nesta capital, como nas principaes provincias do imperio, elaborou o systema descripto na ta- bella (B). Neste importante trabalho limitou-se a Commissao a sys- tematisar 0 complexo das diversas unidades de peso e de ex- tensao, fixando as relacOes numericas que guardam ellas entre si, e com a vara tomada para unidade fundamental do systema. No intuito de ligar este systema a grandeza invariavel da circumferencia do meridiano terrestre, ja conhecida com exaccao pelos trabalhos que em Franca precederam a orga- nisacao do Systema Metrico , determinou a Commissao com vigorosa precisao a relacao entre as unidades fundamentaes desses dous systemas, asaber, a vara e 0 metro ; achando, por uma feliz casualidade , que estes elementos estao ligados pela seguinte relacao , notavel pela sua simplicidade 4 vara= 1,1 metro. SYSTEMA METRICO NO BRAZIL. 421 Uma vez conhecida esta relacao , facil é deduzir dahi as relagdes numericas que guardam entre si as unidades da mesma especie , pertencentes aos dous systemas: e organisar assim tabellas que sirvam para dar immediatamente as me- didas de um systema, expressas nas que lhes correspondem ho outro. Pelo que diz respeito 4 organisacao do novo Systema Mo- netario , formulou a referida Commissao um systema, to- mando por base a moeda de ouro de quatro oitavas com o valor nominal de L0$ (em conformidade com o padrao mo- netario que entao vigoraya, fixando em 2$500 a oitava de ouro de 22 quilates), cujos elementos , representados por ouro ¢ prata, ficaram subordinados ao principio decimal, em relacgao 4 unidade monetaria, representada por 1§ (’) de ouro; excepto pelo qu2 respeita ao titulo do ouro , sendo conservado o de 22 quilates , ou <> de fino. Este systema se acha actualmente em execugao, com as se- guintes alteracdes substanciaes ; a saber : 1.° A oitava de ouro de 22 quilates é computada no valor nominal de 4§, de conformidade com a lei que allerou em 1846 0 anterior padrao monetario ; 2.° A moeda de prata tem somente curso legal até o valor de 203 em cada pagamento, supportando por isso a senho- riagem de 9 °/o. IV. Sobre 0 modo pralico de levar-se a effeito a idéa de uma Metrologia uniforme, destinada ao uso internacional e do- mestico, nos differentes paizes , debatem-se actualmente pela imprensa, na Europa e na America, opinides que discordam (*) 18 = 1000 Réis. 429 REVISTA BRAZILEIRA. entre si em pontos essenciaes; das quaes passamos a dar abreviada informacao. 1.* Sustenta-se em alguns escriplos, e com certo grau de plausibilidade, que a simples decimalisacio (expressao in- gleza, que exprime sem circumloquio, a deduccaio dos ele- mentos do systema metrologico, subordinada a lei da nu- meragao ordinaria , ou decimal) é por si sO sufficiente para facilitar a conversio dos pesos, medidas e moedas, entre diversos paizes : ficando ao arbitrio de cada paiz a fixacaio da unidade fundamental do systema que Ihe é peculiar; uma vez que as relacdes desse elemento, para os que lhe corres- pondem nossystemas dos outros paizes, sejam conhecidas ; assim Como a construccao de cada systema , derivada da res- pectiva unidade fundamental. Nesta hypothese opinam uns, que a grandeza da unidade fundamental seja fixada em uma determinada relacio com o comprimento do pendulo simples, que bate segundos sexa- gesimaes ; desprezando a variacao desse comprimento entre os differentes parallelos, por ser ella praticamente inapre- ciavel (0 comprimento do pendulo simples augmenta, do Equador até o Polo, de-4 millimetros sémente). Preferem outros, porém, que essa unidade seja fixada em relacao ao comprimento conhecido do quarto do meri- diano terrestre. Fica subentendido que, segundo esta opiniao , devera con- servar-se em cada paiz a nomenclatura usual da sua metro- logia, no intuito de nao contrariar os habitos populares sobre este objecto. 2.2 Em outras publicagdes tém-se pronunciado os seus autores em favor da completa adopcao do Systema Metrico , na parle concernente 4s medidas de extensao e de peso ; ficando porém livre a substituicao da sua nomenclatura tech- nica pelas denominactes peculiares usadas em cada paiz, em relacao as unidades da mesma especie. SYSTEMA METRICO NO BRAZIL. 123 3.* EF’ finalmente a terceira opiniao aquella, que se decide pela inteira adopcao do Systema Metrico, tanto pelo que respeila 4 sua composicao , como a nomenclatura generica~ que 0 caracterisa; com limitacao, porém, as medidas de extensao e de peso. Esta opiniao @ habil, e fervorosamente sustentada nos es- criptos publicados pela Seccaio britannia da Associacao Inter- nacional , a qual ja solicitara do governo britannico instante- mente a prompta realisagao desse pensamento em todo o Reino-Unido da Gran-Bretanha. Nao obstante pronunciarmo-nos em favor desta ultima opi- niao, considerada a questao em relacao ao fim visado pela Associacao Internacional, pensamos todavia que ella pide ser convenientemente modificada na sua execucao, de modo que nao sera talvez difficil chamar a um perfeito accordo as outras duas opinides dissidentes; uma vez que se aceile como praticavel a maneira de proceder que passamos a in- dicar. A relutancia manifestada contra a adopcao completa do Systema Metrico, nos paizes que ja possuem, como 0 nosso , um systema regular de pesos e medidas, provém, em o nosso entender, nao tanto dos preconceitos , ou suscepli- hilidades nacionaes, como principalmente da difficuldade pratica de mudar repentinamente os habitos populares a tal respeito. Reconhecido este serio inconveniente , que em verdade se faz sentir, posto que em grau diverso , nos differentes paizes que podem interessar-se na questao de que se trata, julgamos que, mediante uma conquista lenta, e dirigida com discer- nimento, se chegara a transformar os habitos populares, até 0 ponto de ver-se plenamente realisado o desideratum da Associagao Internacional, em um futuro mais ou menos re- moto, nos paizes civilisados do globo. QO que a este respeito vamos propor para o Brazil, podera 124 REVISTA, BRAZILEIRA. ser applicado a qualquer outro paiz em circumstancias seme- lhantes. « 1.° Adoptado que seja o Systema Metrico por acto legis- lativo (na parte concernente ds medidas de extensao, e de peso), devera elle substituir gradualmente o actual systema de pesos e medidas, nos diversos ramos do servico publico, pela maneira que for delerminada pelo governo ; comegando pelo servico das — Alfandegas, officinas, arsenaes, obras 6 escolas publicas ; de modo que dentro do prazo de 10 annos tenha cessado 0 uso legal do referido systema em todas as reparticoes publicas do imperio, tanto geraecs, come pro- vinciaes: sendo to lavia tolerado dahiem diante 0 emprego das antigas medidas no uso privado, e nos contractos feitos entre particulares, salvo 0 disposto nos dous artigos se- guintes : 2.° As escolas particulares de instruccao elementar serao obrigadas a comprehender no ensino da Arithmetica , a com- posicao do Systema Metrico, a par da explicacio do systema de pesos e medidas, que esta actualmente em uso. 3.° Os estabelecimentos pharticulares de pharmacia usarao exclusivamente do Systema Metrico, logo que essa obrigacao lhes for prescripta pelo governo. 4.° O governo fara organisar tabellas comparativas , que facilitem a conversao das medidas de cada um dos dous sys- temas, nas que lhes correspondem no outro; devendo as relagdes: fraccionaes entre essas medidas exprimir-se sempre por numeros deci:naes exacta, ou approximadamente. Estas tabellas serao destinadas para servirem nas reparti- cdes officiaes, e para uso do publico. » E’ facil de ver, que procedendo da maneira indicada nos precedentes artigos, se conseguira desde logo o resultado util do Systema Metrico, nas applicaedes em que pode ser elle mais facilmente praticavel, e que si0 de mais urgente con- veniencia ; devendo esperar se, que 0 tempo ¢ a experiencia SYSTEMA METRICO NO BRAZIL. 425 acabarao por dar a esse systema, na apreciagao popular, o predominio que lhe asseguram a sua maior perfeicao, e re- conhecida utilidade. Pelo que respeita finalmente a adopgao de um systema monetario destinado ao uso commum dos paizes commer- ciaes, vamos offerecer um arbitrio , que , segundo pensamos, podera dar a essa difficil questao uma solucao satisfactoria, sem affectar neste ponto os habilos, e susceptibilidades na- cionaes. As operagdes mercantis entre os Estados-Unidos e a Ingla- terra especialmente sao reguladas por uma moeda ficticia , denominada — Dollar de cambio —, a qual tem um valor convencional, equivalente a 54 pences de ouro; isto é da Libra sterlina; donde se deduz a relacao seguinte : 40 Dollars = 9 Libras sterl. Comparando o valor real do Dollar de cambio com a nossa unidade monetaria, ter-se-ha tambem 41 Dollar = 2 Mil réis. 0 valor real do Dollar de cambio , representado por ouro , ao titulo de ;; de fino, podera, em o nosso entender, ser aceito como padrao monetario commum entre os tres paizes ; a saber: 0 Brazil, a Inglaterra, e os Estados-Unidos, me- diante uma convencao celebrada para esse fim; 4 qual acce- derao depois 0s demais paizes commerciaes , induzidos a isso por interesse proprio. Admitlido este principio, proporiamos a cunhagem de (luas unicas moedas de ouro, representando uma o valor de 10 Dollars, e a outra de 5 Dollars, destinadas 4 cireulacio internacional; sendo fabricadas em cada um dos paizes li- gados pela referida convengao, sob um emblema caracte- 126 REVISTA BRAZILEIRA. ristico allusivo a0 commercio maritimo, por exemplo, 0 globo ferrestre; e encerrando a sua inscripgao, além da epoca da cunhagem, o valor nominal que representa (5 ou £0 Dollars) , com a designacio do paiz da sua procedencia. Nesta hypothese seria cousa facil determinar com precisao a relacao de valor entre 0 Dollar de cambio (ou de convengao) e a unidade monetaria de cada um dos outros paizes, alem dos tres acima contemplados: ficando assi.n estabelecida geralmente a continuidade entre a circulagao monetaria in- ternacional, ea local ; circumstancia indispensavel para dar maior facilidade, e a necessaria exaccao as transacgodes mer- cantis nos differentes mercados. Nos caleulos de conversio das moedas de circulacao local em Dollars de cambio, e reciprocamente, convira computar as fraccdes da unidade monetaria (0 Dollar) por multiplos da sua centesima parte, com a denominacao de — cen- limos. Deus guarde a V. Ex.—Rio de Janeiro, 30 de Novembro de 1859.--Ill™’ e Ex™e Sr. Angelo Muniz da Silva Ferraz , presidente do Conselho , e Ministro da Fazenda. CaNpIDO BAPTISTA DE OLIVEIRA , Presidente do Banco do Brazil. SYSTEMA METRICO NO BRAZIL. 427 A. Synopse da nomenclatura e composi¢ao do systema metrico. UNIDADES PRINCIPAES DO SYSTEMA, / Myria... 10,000 i Dh Mo a... Oe 2 DE COMPRI-| DE SUPER- |DE CAPACI- FICIE. DADE. | Kilo.... 41,000 | MENTO. DE PESO. | | Hecto... 100 Deca... 10 Metro. —_—_— MULTIPLOS Grammo. wO CS tepa's (Unidade). Coy = ofoaa Seo =) o Aas RO Oba a 5 Revwes as 2 as o's aR em = 2 os estas See Sy or Ce! Ses =2 = = a — S Deci 0.41 aA Ss =e 5 o oS5 ae 1 BAe Sos =5 =z 5 2-308 3 BO = 2 =o Ea aROo 6. D = oo asker es Gag — sae SES eo eS § Centie O04 EES oa S-j¢ |S o° =] = = == oc | 2 Zee z ° ST Ese 1 8 ar Sos = ° BESES ia Milli... .. 0.004 Ess ° Eee Ds =) < | Desenvolvimento do systema como se pratica em Franca. Myriametro......... Kilometro.. . ...> Medidas itinerarias. Mecameiro,....:..... Centimetro... ||. Medidas de comprimento, Millimetro....... ' 128 REVISTA BRAZILEIRA. \ HeceHaG. Aros ae TAD os ee ete Medidas de capacidade para liquidos i 2 a al ati HectolitrOissecicscan~ ] Medidas de capacidade para as Decaliinos.. ok fo _# 4 -. + = ae ‘cere Wikeeos ae eu eri ears cele wh ie be fein witch vn bi set ” aia wie Yds s Sales ee ts ie oe daatl ‘agaist’ eas Be 4 i t tie Z t , ; SOF Tis9 4 a ore aye * sire et 4 Wrabnctis ai > ye " . ite tgs thasuecieee atm ri ene ~ Heer “8n fe bts Chet Denevela Abo Ree . a : geen. the Leu nts eee Pits ee « y tit ; aan indie hv ae: frye cst bate pantie” ECONOMIA POLITICA Estudo politico , economico, e financeiro, e sobre a Republica da Nova-Granada. Pretendeu-se fazer ao homem um affrontoso epigramma , dizeudo-se, que é elle uma besta de habitos ; houve engano em tal apreciacao. Se o homem se deixa guiar pelo habito, eé porque a natureza assim o quiz, sem que por isso possa ser qualificado de besta ; elle mereceria ao contrario tal quali- ficacao , sendo mesmo considerado uma besta no grau mais subido , se nao fosse susceptivel de contrahir habitos: e ¢€. para elle uma felicidade nio poder dispensal-os. Bastard um momento de reflexao, para convencer-nos da influencia necessaria, essencial, que tém os habitos em nossa existencia. Nao sabemos nos cousa alguma bem, sem que tenhamos adquirido um certo habito de estudo , ou de pratica sobre ella: a este respeito nossa imaginacao, nossa razao , @ nossa. consciencia mesmo, nao differem dos nossos orgaos physicos. SO vem a ser bom musico aquelle que tem acostumado os ouvidos, os olhos, e a intelligencia ao com- passo, aos signaes, e ao sentimento da music¢a, assim como os dedos ao uso do instrumento, com cujo auxilio elle a execula: quanto mais fortifica o habito, e o exercicio dos orgags, que percebem, sentem, e transmittem a obra da sua arte, fanto mais habil artista se torna elle, Nao se agaste o 434 REVISTA BRAZILEIRA. philosopho, dizendo-se que elle tambem sente a necessidade de familiarisar, isto é, de habituar 0 seu pensamento as especulacdes abstractas da intelligencia (*); e que a sua razao é susceptivel de contrahir habitos viciosos, assim como 0 seu corpo. Aquillo a que se dao nome de uma boa educagao nao é outra cousa mais, que 0 complexo de bons habitos adqui- ridos no trato social: reputa-se honesto aquelle homem que possue habitos de moralidade, e velhaco o que tem maus habitos de vida; de modo que os conselhos perniciosos des- vairam tio difficilmente o primeiro , como o segundo resiste A aceitacao dos bons conselhos. Se os preceitos ordinarios, com 0 apoio que lhes dao a esperanc¢a, e 0 medo da religiao, bastassem para formar a moralidade dos homens , Roma seria povoada somente de modelos de virtudes. Nao negamos todavia, que existe no homem uma autori- dade superior ao habito. Diz-se que é¢ 0 habito no homem uma segunda natureza; é, pois, na primeira natureza desse ser, que nos collocamos a residencia da autoridade, que pensa, que compara, que julga: e como nos veriamos em- baracados, irresolutos, aturdidos, se nos fora necessario julgar préeviamente cada um dos actos de que se compode a nossa vida em cada dia! Pergunte-se ao homem da sciencia, ao negociante , ao artista, ao simples operario, porque hesita elle muitas vezes em occasides que exigem da sua parte accao, e trabalho ? Tereis em resposta sem duvida, que nesses casos particulares elle opéra pela primeira vez, tendo por isso a necessidade de pensar préviamente. Julgar todos os nossos actos! A nossa razao nao bastaria para tanto. Deixara alguem de reconhecer, em presenca destas consideragoes , (*) Dahi vem que a logica nao é uma sciencia, mas sim 0 habito adquirido de bem raciocinar; como se pratica especialmente no estudo da geometria. (NOTA DO TRADUCTOR.) ECONOMIA POLITICA. 435 que os nossos habitos sao como que pensamentos capitali- sados. riquezas intel'ectuaes accumuladas, de cuja renda nds yivemos, e que nos deixam livre a disposicao de nossas faculdades mentaes, para se empregarem utilmente sobre os objectos, que estao fora do circulo dos nossos habitos ? Nao ha progresso possivel, sem o auxilio de habitos: ¢ 0 homem, gue possue maiores riquezas intellectuaes , é incon- testavelmente aquelle, que, nas devidas condicdes, tem em seu favor a maior somma de habitos: porquanto os juizos ja formados, d’onde derivam os habitos, estao sempre a nossa disposicao, ¢ nos auxiliam na formacao de outros novos. Mas ha bons, e maus habitos, juizos saos, e tambem prejuizos: 6 em fazer a distinceao pratica entre esses dous iodos de obrar, ou de pensar, que a sciencia deve constante- menie exercitar-se. As sociedades sao tao suscepliveis de contrahir habitos , como os individuos; ou, para fallar mais logicamente , os individuos, que compoem as sociedades, tém habitos sociaes. Estes habitos sao relativos as formas governamentaes , 4 li- berdade , que dellas depende immediatamente, as combina- codes economicas, etc.: nao se segue dahi, porém, que taes habitos se achem estabelecidos em toda parte com 0 mesno grau de consistencia; todavia, onde quer que elles exisiam, assumem um imperio incontestavel. As sociedades que tém o habito do despotismo nao sentem {ao vivamente, como outras, a necessidade de serem livres : e aquellas que tém a felicidade , ao contrario, de possuirem habitos de liberdade, experimentam uma energica e salutar aversao para o despolismo. Nao se segue entretanto dahi , que as idéas, ou os preceitos, de que derivam os habitos , sejam mais vivamente sentidos pelos homens habituados , do que pelos outros: @ mesmo muilo commum achar-se o habito fortemente estabelecido no individuo que so tem um conkecimento imperfeito do preceito , ao passo que elle des- 4136 REVISTA BRAZILEIRA. apparece inteiramente naquelles, para quem o preceito é familiar; dahi vem darem-se numerosas contradiccdes, que sOmente embaracam os observadores menos attentos. Se puzessemos um Inglez e um Napolilano em presenca um do outro, € que os provocassemos a fallar de liberdade, ne- nhuma certeza haveria que dos dous fosse o Inglez quem fallasse com mais intelligencia, enthusiasmo , ou generosi- dade: mas, se os fizessemos obrar em quaesquer circum- stancias, que reclamassem a pratica dos preceitos do libera- lismo, ninguem hesitara em dizer que o Napolitano seria o primeiro a violal-os. Queremos nds ouvir um discurso profundo, e consciencioso sobre as vantagens, e necessidade da ordem, e da paz no seio das sociedades , facamos fallar um Americano , tomado em qualquer das Republicas, que formaram o antigo do- minio dos reis da Hespanha: mas consideremol-o posto em accao no seu paiz, e elle vos parecera outro homem. O que faltara pois ao Napolitano, ou ao Americano Hespanhol? O habilo da liberdade, e nada mais que o habito. O Anglo- Saxonio, tao orgulhoso daquillo que elle chama prerogativas da sua raca, nao tem, sobre as oulras populacdes da Ame- rica, senio a superioridade de seus bons habitos sociaes ; mas é necessario convir que essa differenca é immensa. A these que havemos enunciado sobre este objecto nao é nova; a philosophia antiga, e a moderna, della se occu- param, com mais ou menos felicida:le: mas talvez se esteja ainda bem longe de tirar dessa these todas as consequencias moraes que ella comporta: em todo caso vem ella muitoa proposito em uma epoca que affecta desconhecél-a, e que certamente nao a conhece bastante. E sobretudo no ponto de vista moral, que conviria desenvolver as suas fecundas deduccdes; mas nds nao visamos tao allo: por agora so temos tido em vista fazer bem palpavel uma cousa, e é a irresistivel influencia do habito sobre o mundo em geral, e a necessidade ECONOMIA POLITICA. 187 de attender a esta importante circumstancia , quando se trata de realisar reformas politicas , ou economicas. Aquelle que desconhecer a forca dessa lei da natureza humana nao tardara a vél-a reagindo poderosamente contra os seus es- forcos. Entretanto , 0 que mais nos impressiona no espectaculo das reformas de que nos vamos occupar, € a pouca resistencia que ellas excitaram ; ou talvez as informacdes que temos sobre este objecto sejam insufficientes para formar-se esse juizo. E porém fora de contestagao, que essa resistencia nao foi grande na Republica da Nova-Granada , pois que de todaa America Hespanhola, assas conhecida pela turbulencia das suas populagdes, é esse paiz 0 que mais se adiantou no caminho das mudangas politicas, e economicas. Semelhante resultado vem sem duvida do estado relativamente primitivo da sua organisagao, cujos fundamentos puderam ser alte- rados, sem comprometter seriamente a vida das classes ope- rarias. O maior perigo das reformas repentinas entre nos (na Franga) esta na suspensao, ou sdmente na retardacao do movimento da machina social, do qual estao dependentes milhdes de existencias. Nos paizes , cuja economia é menos complicada , nao acon- tece a mesma cousa: necessita-se ahi por certo de muitas commodidades da vida, mas nao ha tio grande, e immediata dependencia do trabalho de cada dia. Accrescentaremos que as formas governamentaes na America nao tém ainda raizes profundas nos habitos dos povos; e podem ellas por isso ser modificadas , sem provocarem, como na Europa, a tempestade das paixdes interessadas. Tudo isto faz que as experiencias reformadoras sao ahi menos custosas, e por conseguinte mais faceis: pois de outra sorte , como teriam relativamente sof- frido tao pouco das suas frequentes revolugdes os povos his- pano-americanos ? Elles nao tém com effeito soffrido tanto, 138 REVISTA BRAZILEIRA. como geralmente se cré na Europa: iremos ainda mais longe, dizendo que soffrem elles menos do que sob 0 antigo regimen ‘colonial, cujo caracter restrictivo e ferrenho era mais fatal ao seu desenvolvimento , do que a agitacdo permanente, em que hoje vivem. Todavia nao Ihes invejemos essa prodigiosa facilidade de mudangas: independentenente de que ella provem de causas, de que nds nio temos motivo algum para ser ciosos — mudar nio 6 a mesma cousa que fundar. I. Temos presente a ultima mensagem dirigida ao Congresso de Bogota pelo Sr. Mariano Ospina, presidente da Republica Granadense: 6 uma exposicio methodica, e muito extensa, de todos os factos de que se occupara o poder executivo, no exercicio de 4858. Offerece elle este anno win interesse par- ticular, ern razao de nos indicar os primeiros passos que fizera 0 povo granadense em o novo caminho tracado pela sua ul- tima constituicao. Ate 1858 era a Nova-Granada um estado paramente militar, tanto quanto a unidade pdde ser compativel com um terti- lorio extenso, fortemente accidentado, e pouco povoado: nessa época constituiu-se elle federalmente, sob a denomi- nacao de — Confederacio Granadense—. Divide-se esta em 8 differentes Estados , tendo cada um sua legislatura , e go- verno particular: residindo em Bogota a administracao cen- : tral, composta de duas camaras, e de um presidente auxiliado por tres secretarios sémente. Nenhum homem seria mais capaz de apreciar os primeiros effeitos da mudanea politica realisada o anno passado no seu paiz, do que o actual presidente , o Sr. Mariano Ospina, o qual professa na cidade de Bogota o direito constitacional : usanos do termo professa, no sentido rigoroso da palavra ; porquanto o Sr. Ospina nao renunciou o exercicio do magis- ECONOMIA POLITICA. 139 terio, depois que 0 suffragio de seus concidadaos o elevara a primeira magistratura da Republica. Simplicidade rara em nossos dias! desce elle da sua cadeira presidencial, mais de uma vez por semana, para ir fazer o seu curso aos estu- dantes de Bogota, os quaes ainda por este motivo mais o estimam. A experiencia da nova constituicao granadense parece fa- voravel. O systema federal, nio sendo exagerado o seu prin- cipio, é mais apropriado, do que qualquer outra forma de governo , ao caracter dos americanos-hespanhdes ; por isso que satisfaz elle a ambieado dos empregos publicos, pelas nu- merosas magistraturas que créa; enfraquecendo por outra parte as attribuigdes do poder soberano, susceptivel nesses paizes de degenerar facilmente em stratocracia. Neste sentido é aquelle systema como uma valvula de se- guran¢ga contra as ambigdes pessoaes, e contra a tyrannia. Verdade é que nao péde elle salvar o Mexico da anarchia, ou do despotismo militar, que o tem flagellado; mas o Mexico tem muitos outros elementos de sale ibe sien da ambicao dos seus proprios cidadios. Eis aqui uma outra vantagem desse systema em a Nova- Granada, a qual nao teria sido prevista pelos nossos leitores : € 0 proprio Sr. Mariano Ospina que a vai assignalar ; e con- vir-se-ha , que a sua opiniio autorisada caracterisara no grau mais eleyado 0 espirito reformador dos Granadenses. « As differentes escolas politicas, que se combatem na im- prensa, e na tribuna, diz a mensagem, tém- -se_esforcado para traduzir as suas oppostas doutrinas em instituicdes , naquelles Estados em que obtiveram maioria de suffragios. Se, como cumpre desejar, essas theorias ahi se estabelecem pacificamente , e subsistem 0 tempo necessario para que os Seus effeitos possam ser julgados; resultara dabi, nd0 somente para a Nova-Granada, “mas para os outros povos da nossa. raga na America, uma experiencia interessante e fecunda. . 440 REVISTA BRAZILEIRA. « Quanto mais discordantes forem taes theorias entre si , tanto melhor se apreciarao as suas Consequencias no movi- mento moral, intellectual, e material do paiz: porquanto, se fossem ensaiadas uma depois de outra, em toda a Confe- deracao, todas essas theorias, que os sonhadores ociosos da Europa lancam no mundo, e que nds acolhemos com ardor, a nacao nao chegaria a ver em um seculo as suas instituicdes consolidadas. Submettendo-as, poréin, a uma experiencia simullanea em todos os Estados , e observando os contrastes que offerecem as suas diversas applicacdes, pouco tempo bastara para que a verdade triumphe, dando logar a que, postos de lado systemas desacreditados pelo uso, a actividade intelligente da nossa mocidade se encaminhe para os objectos mais uteis 4 prosperidade geral. Longe de se apaixonarem , como elles 0 fazem, para obter concessdes de seus adver- sarlos, constrangendo-os a nao realisarem as suas idéas senaod incompletamente, os partidos deveriam, se tivessem fe nos seus proprios principios , deixar livres a applicagae, e 0 desenvolvimento das novas theorias, em toda a parte onde a maioria dos eleitores se mostrasse favoravel a taes experiencias. » Segundo pensamos nao ha na historia dous exemplos de utn semelhante compromisso, sendo de ordinario o exclusi- vismo 0 caracterislico que distingue essencialmente Os par- lidos politicos. Verdade seja, que as cousas nao se passaram sempre assim na Nova-Granada : comecou-se ahi, como em toda a parte, por se bater; mas aconteceu la o que geralmente se nao observa noutros paizes; os partidos ficaram em presenca um do outro, nem vencedores, nem vencidos; e em logar de continuarem a luta, até 4 exterminacao do mais fraco, elles transigiram entre si. NOs applaudimos tao louvavel mo- deracao : e por este facto somente mereceria a Nova-Granada a consideragao dos homens, que sympathisam com tudo | : | | | | ECONOMIA POLITICA. 4144 aquillo que apresenta no mundo moral um caracter parti- cular de originalidade, se nado mesmo de grandeza. Este compromisso conta uma data ainda muito recente , para que possamos apreciar os seus resultados: nao nos 0c- cuparemos, pois, aqui, senao das experiencias tentadas , sob os auspicios do Sr. Ospina, o qual, por sua parte, li- mila-se precisamente a este objecto. ; Eis aqui uma que interessa particularmente aos econo- mistas : « QO Estado de Santander, diz elle, tem adoptado em fi- nan¢as 0 systema, preconisado por alguns , de um imposto directo, unico, e proporcional; abandonando a instruccao publica, e as vias de communicacio aos cuidados daquelles, a quem possam interessar directamente taes objectos ; na confianca de que o estimulo do interesse particular, e 0 es- pirito de associcao satisfariam mais segura e efficazmente ds exigencias destas duas grandes necessidades moraes , do que a administracao official, que era disso incumbida ate eniao. Nada se pode ainda dizer do resultado destes ensaios, que estao apenas esbogados. » De todos os Estados de que se compoe actualmente a Con- federacio Granadense , foi Santander 0 mais afouto a entrar no caminho das reformas. O Estado de Condinamarca é, ao contrario, talvez 0 mais conservador de toda a Confederagao: tem elle por capital a cidade de Bogota, residencia do governo central. Todavia, em prova de que as palavras conservador e progressista nao iém ua Nova-Granada a mesma significacao, que se lhes da em outra parte, cilaremos o facto de haver aquelle Estado realisado uma reforma, que é seguramente mais fundamental, (lo que muitas daquellas que tentam, ou virao a empre- hender os Estados, que se dizem mais avangados. Em apoio (lesta assercio , cifaremos ainda a mensageim do Sr. Ospina: « A assembléa constituinte de Condinamarca tem realisado 442 REVISTA BRAZILEIRA. em quinze mezes uma obra colossal, cuja conveniencia fora reconhecida em todos os tempos, e que, sendo ardentemente desejata, havia sido muitas vezes proposta em vao por todos os partidos: € a codificagao methodica, e eeeinploy da legis- lacao vigente. « Nunea, em qualquer outro paiz civilisado , foi possivel emprehender , e levar a effeito em tao curto tempo, e com tao pequena despeza, uma obra legislativa de tamanha ex- lensio, e importancia. Este unico facto bastaria por si sé para fazer a apologia do systema federal estabelecido. Quaes- quer que sejam os defeitos que tenham escapado na con- feecao deste immenso trabalho, as vantagens que elle of- ferece ao Estado (Condinamarca) s’o de um valor inesti- mavel. « A uma legislacao sujeita, durajite mais de seis seculos , a toda sorte de addicdes, suppressdes, e modificacdes, sem plano nem methodo; escripta na maior parte em uma lingoa (a latina), que deixou de ser intelligivel para o povo; disse- minada em numerosos in-folio, inaccessiveis aos que nao fazem profissio de jurisconsulto; insufficiente nas partes essenciaes, onde 0 vazio eo absur.to sao substituidos pelas opinides contradictorias dos commentadores, sem philosophia, nem crilerio; cujas disposicdes derogadas nao podem ser discriminadas daquellas que se acham em vigor, senao por advogados intelligentes e experimentados, os quaes nio che- gam muitas vezes 4 certeza neste objecto: a uma legislagao, emfim, que era um completo cahos de contradiccdes , e de ohsenridades, substituin-se outra, escripta na lingoa vulgar, ordenada com simplicidade , precisao e methodo, ao alcance do artista e do operario, aos quaes bastara que saibam ler , para conhecerem as disposigdes da lei sobre um objecto qual- quer, sem oauxilio de ninguem, e sem esbarrarem na in- variavel difficuldade da duvida , concernente 4 circumstancia dese acharem em vigor, ou abrogadas as suas disposigoes ; eel ee te ECONOMIA POLITICA. 143 porquanto os novos codigos nao encerram uma so lei, que tivesse sido derogada , ou cahida em desuso; ao passo que ahi se encontra tudo 0 que rege em cada materia. » Os jurisconsultos acharao sem duvida, que é algum tanto aventurosa esta ultima consideracao, segundo a qual se ad- mitte a praticabilidade de poder 0 povo adquirir por si sé 0 perfeito conhecimento das disposicdes da lei em todas as suas applicagdes: quanto a nossa opimiao neste ponto, nds, que antes de tudo apreciamos a simplificacao operada em um regimen confuso de leis, de ordenangas , e de regulamentos, que pertenceram a todos os tempos, e a todas as formas de governo; nos, dizemos, nao podemos deixar de applaudir, sem reserva, a obra e a intencao dos legisladores de Condina- marca. Nos applaudiremos ainda mais explicitamente os prin- cipios geracs do seguinte trecho, que termina a mensagem do Sr. Mariano Ospina : « O poder executivo nao coustruiu, durante o anno findo, longas vias ferreas, nem grandes estradas macadamisadas : nao fez excavar portos, ecanaes; nao fundou Universidades , nem collegios, nem simples escolas ; N40 creou novos ramos de industria, nem desenvolyeu a prosperidade publica, enri- quecendo os particulares: porque nada disto é da sua com- petencia. O especial objecto do governo é@ fazer reinar a ordem, a pazea justica; dar seguridade as pessoas, e a pro- priedade; ede aproveitar tudo quanto puder contribuir para a realisacao de todos estes bens. « A prosperidade publica, ajunta o Sr. Ospina, nao é outra cousa mais , que o bem-estar individual dos membros da sociedade ; é ella devida ao trabalho, e & economia dos particulares; 0 poder nao deve intervir nisso sendo para dar-lhe a devida seguranga; e quando tem elle obrado assim, respeitando os limites legaes das suas faculdades , preencheu bem a sua missio. » Depois disso , dirigindo-se ao congresso , o autor da men- 444 REVISTA BRAZILEIRA. sagem lembra aos seus membros, que elles nao tém, igual- mente por sua parte, outra missao a cumprir. « Vés nao estais aqui reunidos, diz elle , para vos occu- pardes de empresas , que sao exclusivamente do dominio da actividade particular. Do mesmo modo que o poder executivo, vos nao tendes outro dever, que garantir a seguranga e a liberdade , fazendo as leis necessarias para esse fim: tudo quanto emprehendesseis , além deste limite , seria um ataque feito aos direitos individuaes consagrados no texto da nossa constituicao. » Il. Nos sd extrahimos deste notavel documento o que nos pareceu interessar mais aos nossos Icitores: e estes ficarao tocados, como nods, do liberalismo puro e esclarecido, que transluz em todas as suas partes. Este espectaculo cheio de attractivos nos deve regozijar , tanto mais que elle nos é dado pela America Hespanhola , donde sahem infelizmente frequentes exemplos de inconse- quencia, e de desordem. A peroracgao do Sr. Mariano Ospina merece muito particular attengao: ella exprime o melhor ue se poderia desejar a missao dos governos, tal como a comprehendem hoje os publicistas, se nado os mais acreditados, ao menos os mais dignos deo serem. Mr. Dunoyer ahi reco- nhecera os principios do seu magnifico tratado sobre a — liberdade do trabalho —, e convem confessar, que entre nds ainda se esta muito longe de os comprehender da mesma maneira, Quem podera prever hoje o que vira a surgir com 0 tempo, da actual ebullicae dos espiritos americanos ? Nao é ja um feliz presagio, qae dahi parta a manifestacdo de maximas vovernamentaes, tao leaes, e desinteressadas; e cuja autori- dade e ainda fortificada pela rara simplicidade de costumes OO I ECONOMIA POLITICA. 445 privados, e publicos do distincto homem de Estado que as professa? A anarchia. das Republicas hispano-americanas offerece mais de uma li¢ao ulil aos povos que a contemplam. Dei- xemos que passe para esses paizes 0 tempo das infelizes imi- tacdes politicas, e economicas: esperemos que elles levem até ao absurdo a pratica de nossas doutrinas sedigas, que nao podem harmonisar-se com as suas condigdes excepcionaes : e sobretudo nao condemnemos sem exame essa inquietacio febril que os atormenta; pois é ella a consequencia inevitavel de uma situacio; que nao repousa mais sobre os habitos do passado, e que nao tem podido crear ainda outros novos. Quando os povos do novo mundo entrarem no caminho, que elles afanosamente procuram , 4 custa de dolorosos sacrificios, e de amargas decepgoes, talvez nao tenhamos entio sobejas expressoes de admiracao a seu respeito, em logar do desdem com que hoje os tratamos. No banquete da civilisacio sio mais bem servidos os ultimos, que nelle se assentam. Nao ousamos prever hoje a forma social que adoptarao OS nossos descendentes ; parece-nos todavia que ella nao se afastara substancialmente daquellas que dominam em nogsos dias, tendo por principio 0 — self government , nas condicoes da maior simplicidade, que for c impativel com a indole dos povos. : ~ Entretanto os Granadenses, que professam os principios do radicalismo, nos parecem ter avancado demasiadamente na via da demolic¢éo, em que ha dez annos se tém empenhado. Formam elles uma idéa certamente exagerada do que em principio se chama — self government: para elles o actual governo da Confederacao Granadense , despojado quasi de toda a iniciativa, é ainda uma machina demasiadamente complicada: a centralisagao os offusca, ainda mesmo sob as condigdes as mais inoffensivas, e fazem-lhe guerra de morte; nao attendendo que a centralisacao, bem que exposta R, Be Ill, 40 146 REVISTA BRAZILEIRA. a deploraveis abusos , representa a unidade nacional, isto é, a uniformidade das leis, e dos servicos administrativos, le- vada tao longe, quanto o permittam as condigdes politicas, e geographicas da sociedade. Sem duvida desejam elles rea- lisar essa uniformidade, essa unidade, mas em fraccdes sb- mente do territorio nacional; de modo que o resultado ne- cessario dos seus esforgos seria a restauragio do feudalismo. E’ pois 0 feudalismo 0 escolho do federalismo exagerado. A Nova-Granada é de todos os paizes conhecidos talvez o menos regulamentado: nao exceptuando mesmo desta com- paracao os Estados-Unidos, onde, como se sabe, reinam arrei- gados prejuizos de cor, e de religiao, os quaes péam grande- mente o desenvolvimento da liberdade individual. Os Grana- denses possuem , tanto como os Americanos do Norte, a liber- dade de escrever, de fallar , de ensinar, de se reunirem , de se associarem , de trabalhar, de circularem, elles e os seus productos, sem formalidade alguma, prescripta pela lei, ou pelo governo. Tém elles por conseguinte tambem a liberdade de consciencia, podendo cada individuo abracar o culto que mais lhe convenha. Mas nio ha mais escravidio no seu paiz, a qual ainda existe nos Estados-Unidos. Nossos publicistas européos distinguem a liberdade da igualdade: segundo elles, certos povos sao livres sem possuir a igualdade; e outros que possuem a igualdade nao sao ao mesmo tempo livres. Os Granadenses menos sublis querem ser uma e outra cousa de uma vez, isto @, livres, e iguaes. De accordo com este sentimento, tém elles abolido os pri- vilegios pessoaes, que a tradigao os fazia respeitar, e tudo o mais que se ligava 4 existencia desses privilegios. Assim, os titulos de nobreza, as formulas reverenciaes, de pura cortezia, até mesmo a simples particula dom , tao cara aos Hespanhdes de ambos os mundos , foram riscados do seu vo- cabulario. Os tratamentos de alteza, excellencia, e outros, foram substituidos pelo epitheto de cidadao, commum a ECONOMIA POLITICA. 147 todos os individuos que compoem a sociedade, desde 0 presi- dente da Confederacao até 0 mais modesto dos seus subor- dinados. Com disposigdes tao pronunciadas para as mudancas , os reformadores granadenses nao deviam conservar as suas an- tigas medidas: elles as substituiram pois por outras novas, preferindo para esse fim as nossas (0 systema metrico), in- clusivamente 0 nosso systema monetario. IV. O feudalismo em politica, e a banca-rota em economia , taes seriam 0s resultados da marcha adoptada pelos reforma- dores exaltados da Nova-Granada, se uma forca qualquer , a consciencia dos erros commettidos, por exemplo, nao viesse detél-os ainda a tempo no perigoso declive em que se collo- caram. Nao tem elles por ventura um admiravel programma de liberalismo, tao habilmente tracado na ultima parte da Mensagem do Sr. Ospina, acima reproduzida? Que mais hella, e generosa concepcao dos direitos, e dos deveres da autoridade central, poderiam elles invocar ? Nés nio vemos que, apezar das suas boas intengdes, e do seu amor incontestavel-pela liberdade, os reformadores granadenses aspirem a realisar este magnifico ideal: nds os vemos a0 contrario muito empenhados a bater em brecha a autoridade central do seu paiz, a qual seguramente nio offerece motivo alzum de receio na sua organisacao actual. Se fora um amor exagerado da autoridade individual, isto é, da liberdade absoluta, que os impellisse a essa demolicao , elles procederiam do mesmo modo a respeito da autoridade local : mas ao contrario procuram elles engrandecer esta com a parte do poder arrancada 4 autoridade central. Ainda algumas palavras sobre as reformas, e os reforma- dores da Nova-Granada, que julgamos necessarias para bem 448 REVISTA BRAZILEIRA. explicar o seu caracter aventureiro. Em toda a America Hes- panhola, e mais particularmente em a Nova-Granada, a mocidade se acha interessada demasiadamente cedo nos ne- gocios publicos. Nao é raro ver-se, que jovens ainda im- berbes oecupem a attencao publica com as suas temerarias elucubracoes, tanto no jornalismo, como no magisterio ou na tribuna. Como poderao instruir-se seriamente esses beija flores da sciencia, quando elles estragam, produzindo prematuramente, a actividade propria daquella idade , que é entre nds consa- grada invariavelmente aos estudos especiaes? Mas possuem elles uma imaginacao brilhante, muita memoria, e grande facundia de linguagem, qualidades caracteristicas dos His- pano-Americanos: e nada mais se exige delles. Por outra parte nao sao elles os filhos, os sobrinhos, os primos, os afilhados, os amigos, emfim, daquelles que exercem maior influencia no Estado? A sociedade é tio pouco numerosa em seu paiz! de modo que @ impossivel deixar de os admirar. Os governos por seu turno nao podem resistir as solicitagdes do patronato, e as portas da administragio sao franqueadas desta sorte ao privilegio, e ao favor. Quer-se que manifestemos todo 0 nosso pensamento? Na America nio ha cousa que mais se aprecie, do que a mocidade ; todo mundo desejaria ahi con- servar-se sempre nessa idade feliz. E poderemos nds admirar- nos agora que as idéas, sO proprias da juventude , weiss ahi acolhidas até mesmo pelos velhos? Todavia 0s homens sisudos nao faltam inteiramente a esses magnificos paizes; mas sao elles vencidos pela multidao apai- xonada, e a sua voz é quasi sempre suffocada. Em todo caso, nods 0 repetimos, homens de verdadeiro merecimento existem em o novo mundo: e quando a nova geragao se corrigir do fascinador vicio original da mocidade que 0 baptismo da ex- periencia ira desgastando, fara ella predominar o numero (lesses homens de conselho, e de acgao, ECONOMIA POLITICA. 149 O Sr. Mariano Ospina, tantas vezes citado por nos, per- tence a classe desses homens, e é entre todos 0 mais notavel : profundo pensador, sabio modesto , jurisconsulto eminente, escriptor brilhante e fecundo ; elle exerce sobre o seu paiz , mau grado 4 exaltacao das idéas que o dominam, uma grande e salutar influencia. (Journal des Economistes, de Outubro de 1859.) N.B. Extractamos este artigo do excellente trabalho devido 4 pena de Mr. Mannequin, omitlindo porém alguns trechos de menor importancia , ou que so continham materia de in- teresse local. = ~ ASTRONOMIA - Nota apresentada na sessao da Academia das Seien- ecias de Paris, de 24 de Outubro de 1849, por Mr. Faye, sobre o Eclipse total do sol, que deve ter lugar no dia 18 de Julho de 1860. Ja em Janeiro do presente anno a Commissiao, que havieis encarregado de dar-vos conta dos resultados da brilhante expedicao brasileira, que observou o Eclipse total de 1858 (7 de Setembro), prevenira a Academia acerca da impor- tancia do Eclipse, que sera visivel na Hespanha, e na Algeria, em Julho proximo. Na mesma época o sabio director do observatorio de Dorpat (Russia), Mr. Madler, prevendo que os astronomos se encaminhariam de preferencia para a Hespanha, calculava cuidadosamente todas as circumstancias do Eclipse para um grande numero de pontos desse paiz. Foi elle o primeiro , segundo penso,, que fez conhecer a notavel circumstancia de que, no momento em que se verificar a total obscuridade , Venus, Mercurio, Jupiler e Saturno se acharao reunidos perto do Sol eclipsado : combinagao esta tao rara, que muitos seculos se passarao, antes que ella se reproduza. Felizes aquelles, diz Mr. Madler , que puderem admirar esse magni- fico espectaculo. O mesmo astronomo insiste ainda sobre muitas particula- ridades, bem proprias para fazer sentir a importancia desse phenomeno. Com effeito, 0 nosso seculo nao apresentara algum outro Eclipse, que possa ser comparado ao de 1860. 152 REVISTA BRAZILEIRA. A maior parte delles nao se farao visiveis na Europa, a nao ser ao por do sol: e€ 0 unico que podera prestar-se a obser- vacoes toleraveis tera logar em 1887. Todas as circumstan- cias favorecem pois 0 Eclipse de 1860: e nado duvidarei affir- mar, segundo as informacdes particulares que tenho, e em presenca do que se passara na Suecia, por occasiao do Eclipse de 1851, que trinfa, ou quarenta astronomos de todos os paizes se acharao reunidos na Hespanha, no dia 18 do proximo Julho. E nao seria para desejar que entre esses observadores houvesse um accordo previo, acerca da escolha das estacdes? ; Accrescentarei a isté que para tirar desse magnifico phe- nomeno todos os resultados, que offerece elle 4 sciencia , nao é na Hespanha sdmente que deve ser observado. Em verdade, a facilidade das communicacdes é uma condicao attendivel para os observadores isolados ; mas nao acontece © mesmo pelo que respeita aos estabelecimentos astrono- micos. Gracas 4 liberalidade esclarecida dos governos, os observatorios dispoem de grandes recursos: nao sera por- tanto difficil entenderem-se taes estabelecimentos , afim de fixar-se um certo numero de estacdes principaes na area de visibilidade do Eclipse , distribuindo-as do modo que mais convenha as facilidades geographicas proprias 4 cada nacao. Antes de indicar 0 plano das operacdes que proponho, eu passo a formular claramente o seu objecto , afim de julgar-se até que ponto a sua importancia corresponde a efficiencia dos meios. « 1,° Submetter as novas taboas da Lua a uma verificagao rigorosa. « Em tempo algum a exactidao da theoria da Lua, e das taboas que della dependem, se tornou mais impor- lanie para a navegacao, cuja celeridade actualmente , em vez de limitar as suas exigencias, pelo que respeita a precisao astronomica, cada vez as torna ainda mais impe- RCLIPSE DO soL A 48 pE suLHo DE 1860. 153 riosas. Os progressos consideraveis que a theoria do nosso Satellile deve i publicacio das taboas de Hansen ; os que ella espera ainda dos trabalhos ulteriores de Airy , Plana, Pontecoulant, Adams, e sobretudo os de Mr, Delaunay, provocam a seu turno os progressos na exaccao das obser- vacoes. « Ora, é sabido quanto sao preferiveis, sob 0 ponto de vista da exactidio, as observacdes das passagens dos planetas inferiores sobre 0 disco do Sol, quando comparadas as ob- servacoes meridianas. Acontece 0 mesmo no presente caso , visto que os Eclipses do Sol nao sao outra cousa mais , que as passagens da Lua sobre o disco daquelle astro: € portanto a estes phenomenos, susceptiveis de uma precisao alysoluta, que as indagacoes theoricas deverao satisfazer primeiro que tudo. « 2.° Verificar os resultados adquiridos pela geographia sobre os principaes pontos do globo terrestre, e a situagao relativa dos continentes. Emquanto a telegraphia electrica nao se estende effectivamente ds distancias enormes que ella tem tentado vencer nestes ultimos tempos, é aos Eclipses que se deve recorrer , para ligar entre si os pontos separados pela immensidade dos mares. « 3.° Sabe-se que muitos elementos fundamentaes da as- tronomia exercem uma influencia preponderante sobre os Eclipses: modificando profundamente a sua extensao, € Os limites da area de visibilidade na superficie do globo. Taes sao as parallaxes do Sol e da Lua, e 0 achatamento do nosso proprio globo. Reciprocamente os Eclipses (comtanto que sejam elles convenientemente observados) servirao, quando se queira, para determinar aquelles elementos com grande exactidio; ou ao menos para submetter os resultaflos co- nhecidos 4 uma verificacao preciosa. « Ao achatamento, que resulta das grandes operagoes geo- desicas deste seculo, executadas na Europa, e na Asia, nao 154 REVISTA BRAZILEIRA. seria de subido interesse comparar 0 achatamento que fizesse conhecer 0 proximo Eclipse para os dous outros continentes ; sobretudo depois dos mais recentes trabalhos (Russia) , nos quaes é 0 globo terrestre representado como um Ellipsoide de tres eixos desiguaes entre si? « 4.° Os Eclipses totaes nos offerecem emfim o melhor, e talvez mesmo 0 unico meio de resolver certas questées im- porlantes , concernentes a constituicao physica do Sol, e do espaco que o cerca. Uma communicacao recente chamou ja a atlengao des sabios sobre um destes problemas (carta de Le Verrier a Mr. Faye, sobre a existencia provavel de um planeta, ou de um systema de asteroides , gyrando entre o Sol e Mercurio). « Quanto 4 famosa questao das protuberancias, depois da bella expedigao de Mr. Piazzi Smyth ao Pico de Teneriffe , desvaneceu-se toda a esperanca de poder estudal-as fora dos Eclipses totaes. Demais , a ordem inteira das idéas recebidas sobre este mysterioso objecto foi transtornada, nestes ultimos tempos, pela comparacao dos resultados obtidos o anno passado , no Brazil, e no Peri: e eu ouso dizer, que em logar de insistir-se, como se tem feito até o presente (e sempre em vao), em procurar a identificagao das appa- rencias relativas 4 estacdes differentes; convira d’ora em diante ter sOmente em vista por bem em evidencia as discordancias , afim de estudar as variacdes que o phe- nomeno soffre incontestavelmente de uma estacao para outra. » O proximo Eclipse presta-se por ventura ao estudo destas quatro ordens de quest0es? Julgar-se-ha pelo seguinte quadro da sua marcha na superficie da Terra. Comeca elle, e acaba na terra firme; e, cousa notavel , nos logares para onde a actividade humana parece encami- nhar-se cada vez mais. Um desses logares é a California, e 0 outro no litoral do Mar-Vermelho. Pelo que respeita a Cali- ECLIPSE Do sot A 48 bE JuLHO DE 1860. 155 fornia, ou antes ao territorio do Oregon, seria permittido invocar a poderosa iniciativa dos Estados-Unidos. Na Ethiopia poder-se-hia esperar 0 concurso do governo do Egypto , o qual possue actualmente astronomos ao seu servico. Por outra parte o Eclipse acaba precisamente no meio . das estacdes geodesicas , de que Mr. d’Abbadie publicou ja um quadro, entretanto que se espera pela publicacao da sua grande obra. Entre estes dous pontos extremos , no Pacifico e no Mar-Vermelho, o Eclipse percorre a America do Norte na latitude de cerca de 60°: elle a deixa ne estreito de Hudson, onde somente a Inglaterra podera estabelecer uma estacao ; atravessa 0 Atlanticoe a Hespanha, ao longo do Ebro, em uma extensao de 130 legoas (de 4 kilometros), obscurecendo, durante alguns minutos, perto de = do seu territorio: corta em Ivica a meridiana de Franca, prolongada por MM. Biot , e Arago; encontra na Algeria a civilisagao, em Jogar da barbaria, que outrora impédz o seu nec plus ultra ao ardor daquelles sabios; e depois de haver atravessado o Nilo, ao Norte de Dongolah, termina na Ethiopia, no meio dos ou- sados trabalhos geodesicos de Mr. d’Abbadie ; e nos logares visitados ha vinte annos por dous dos nossos officiaes do estado-maior, MM. Galinier, e Féret. Dahi resulta immediatamente a escolha das seguintes es- tacdes principaes : 1.* Oregon — entre 0 Pacifico e as Montanhas Pedregosas. 2.* Labrador — na latitude de 59°. 3.° Hespanha — no litoral do Atlantico. 4.* Dito —no litoraldo Mediterraneo. 5.2 Ilhas Baleares — em Campvey. 6.* Algeria — no Forte de Napoleao (Kabylia). 7.* Dongolah — sobre o Nilo. As estagdes da Hespanha, das Ilhas Baleares e Kabylia. 156 REVISTA BRAZILEIRA- merecem particular attengao ; as da Hespanha, em razao dos recursos locaes, e da affluencia dos observadores; a de Campvey, por causa da sua altura, e do seu isolamento no meio do mar; a do Forte Napoleao, emfim, pela pureza do céo algeriano. E’ nessas tres estacdes que convém estudar de preferencia a parte physica do phenomeno. N. B. O resto da Nota, encerrando o plano das operagoes, sera publicado em o numero seguinte da Revista. MINERALOGIA Note sur le « dimorphisme » de la « silice eristallisée » par M. le Conseiller des mines Dr. Gustave Jenzseh. Jusqu’a présent ou connaissait seulement deux modifica- tions de la silice, dont l'une, Pamorphe, est trés-connue du chimiste, mais pas encore trouvée comme espece minerale, car Yopale, méme lopale hyalite, n’est qu’une silice hydratee , Yautre au contraire , la silice cristalline, était connue comme Quartz, ce minéral si commun. Comme Quartz la silice cris- tallise dans le systeme hexagonal. En examinant scrupu- leusement les melaphynes de Saxe et de Thuringe je viens de trouver une nouvelle modification de silice , qui cristallise dans le systeme anorthique. Il faut considérer cette seconde modification de la silice cristalline, ce nouveau minéral, auquel je propose le nom de Vestane, comme faisant partie caractéristique , quoique ac- cessoire aux minéraux de la composition des melaphynes. Je connais la Vestane non seulement dans les melaphynes de Saxe et de Thuringe, mais aussi dans ceux du Harz, de Darmstadt et de la Silésie. La Vestane est toujours parfaitement inaltérée, quand on observe sous le microscope que la melaphyne est encore inaltérée, c’est-a-dire si on peut considérer comme inaltérés tous les différents minéraux qui composent cette roche. Si les melaphynes sont alterées, la Vestane de son coté est 158 REVISTA BRAZILEIRA. presque toujours crevassée et dans ces crevasses des produits de la décomposition des melaphynes s’y sont alors infiltrés. D’aprés cette observation on peut considerer pour les mela- phynes la Vestane connue dorigine primitive. Le Quartz, ainsi que la Chalcéedoine, on le sait, s’y trouvent toujours WVorigine secondaire. En examinant cette curieuse substance , pai observe quatre directions de clivage: Ja plus parfaite correspond a un hémi- prisme (¢); la seconde, encore parfaite, a Phémidoine a la petite diagonale (0), on trouve o presque toujours strié @apres laréte de combinaison avec la troisiéme direction de clivage, correspondant 4 un hémidoine a la grande diagonale (p). La quatriéme direction est encore visible et correspond a Pautre hémiprisme (m), formant avec fun angle environ 114°. Comme les cristaux de Vestane sont toujours joints tres étroitement a leur gangue, il y aune difficulté a dégager des cristaux libres. Ou y réussit done quelques fois, si les melaphynes sont déja plus of moins altérees. La forme de ces cristaux correspond parfaitement aux. directions de clivage; sauf ces formes deja nommeées, jai observé encore des faces paralléles aux plans de la grande et de la petite diagonale (n) et (r), ainsi qu’un troisieéme hémi- prisme (d), qui émousse laréte de combinaison du premier hemiprisme et de la Lace paralléle au plan de la grande diagonale. Les angles mesures sont pour : t: ma peu pres 111° et pour m,:t, a peu pres 69° o:m » O41) ei 1AyM.:0; » 89° o: t » 84.1/2° » ti 3.0, » 95 4/2° 0: p » 133° d): m, mais seulement approximativement 126° r;m » 132° MINERALOGIA. 459 my, ry La cassure ordinaire est conchoidale. Vif éclat de graisse qui s’approche presque au brillant diamantique. La Vestane est d’une transparence parfaite , incolore, quel- quefois un peu enfumée; sa poudre est blanche. La Vestane est plus froide au touther que le Quartz. La Vestane raye le Quartz visiblem ent, sa durete surpasse donc un peu celle du Quartz. Cest une chose trés-curieuse que la pesanteur spécifique de la Vestane se rapproche presque parfaitement de celle des plus pures variétés du Quartz, je Pai trouvée a une tempe- rature de 28° (== 2,659, réduite a la plus grande densité de eau = 2,649. Infusible au chalumeau, ne donnant pas 4 la flamme ex- terieure une couleur ; inattaquable par Pacide chlorhydrique ou nitrique; moins atlaquable par lacide fluorhydrique que le Quartz. Le borax la dissout et forme un verre incolore. Dans le phosphate @ammoniaque et de soude une grande partie de la poudre employée ne se dissout pas. Sans effervescence soluble dans la soude. La Vestane pulvérisée semble se dissoudre tant soit peu dans une solution de soude bouillante. En employant (1) de soude, (2)de chaux, lanalyse chimique a donne ; 160 REVISTA BRAZILEIRA. (1) 2) CiiC6... ov cewese Ch co | CREME Oh Dae Acide titanique....-- fo UUM Oh aes Protoxyde de manganese avec de traces d’oxyde defetecs oot eee ss 0,4 0,22 Ci ee os oop 0,50 0,18 Magnésie......---- ++: 0,19 0,18 Oxyde de cuivre....--- GAB ia eee RICA oe Besiceoret: § dics non reconnaissable Perte a la calcination... aucune aucune Méme apres la plus forte calcination et sans perdre sa transparence parfaite 1é poids absolu , ainsi que le poids spécifique , reste exactement celui de la substance non cal- cinée, crest a dire 2,649. Sans changer de poids , les varietés un peu fumeées se déco- lorent 4 la température dune lampe alcool. Apres avoir jeté des morceaux de Vestane chauffes 4 blanc ou plutot presqu’a bleu dans Yeau froide, on les peut souvent reduire entre les doigts en aiguilles tres-fines et transparentes. Maintenant c’est aux geologues lithologistes d’examiner les roches, dans lesquelles ou prétend que le Quartz fait partie de leur composition. —————————————————————— eee es nneeme#:£ FINANCAS Falsificacio comparativa das Notas de Baneo em eir- eulacao, eda moeda real de ouroa, ou de prata. Cré-se commummente que o papel fiduciario circulante é mais arriscado a ser imitado pela fraude, do que a moeda metallica. Suppde-se geralmente que-a falsificacdo , e emissao de uma nota de Banco é um crime menos difficil, e perigoso de commetter-se , do que o de falsificar, e emittir a moeda real. Nesta presumpcao se funda um dos mais valiosos argu- mentos, que de ordinario se produzem contra a circulacgio das Notas de wma libra esterlina (‘) (Londres). Allega-se, que 0 papel circulante de baixo valor, quando mesmo seja im- perfeitamente imitado, nao deixara de enganar com facilidade os individuos pertencentes a classe menos illustrada da so- ciedade, em cujas mios elle gyra quasi exclusivamente. Nao obstante a apparente plausibilidade desta opiniio, um valioso documento parlamentar, que temos presente, poe em grande duvida a sua veracidade. Consiste elle na estatistica dos processos criminaes, por falsificagao de Notas de Banco, e de moeda metallica, que tiveram logar na Inglaterra e prin- cipado de Wales, desde o anno de 1852 até 1856; e desde 4849 até o anno de 1857 na Escossia: d’onde se deduz, que a emissio da moeda metallica falsificada é um crime com- parativamente mais commum, do que a falsificacado effectiva das Notas de Banco, coino se mostra pelas seguintes tabellas: (") 4 libra esterlina = 89888 8/9. Ro B, Ul, 44 462 REVISTA BRAZILEIRA. Processos que tiveram logar. na Inglaterra e Wales , pelo crime de falsificacao de Notas de Banco, e moeda me- tallica, em cada um dos annos do periodo acima re- ferido. POR NOTAS DE BANCO, POR MOEDA METALLICA. 7 eae A 11 713° oe ears 18 681 LS TE Ree a 27 750 Loc qe aaa 37 674 PEER tee Wn 6s = 4D 668 138 3,486 Por esta tabella vé-se ja quanto é mais frequente a falsifi- cagao da moeda metallica. E se em alguma hypothese devesse predominar a falsificacao do papel fiduciario , teria isso logar na Escossia, em cuja circulacao bancaria abundam _sobre- maneira as Notas de uma Libra Esterlina; e onde a circulacao dos soberanos e quasi desconhecida. Mas a tabella seguinte apresentara factos em contrario. Processos que tiveram logar na Escossia, no periode acima mencionado. POR NOTAS DE BANCO. POR MOEDA METALLICA, BO ee atkicus ye bs 2 76 ' 13 | RN eae 2 69 RGR ee ers... 0 64 POOR 0 46 ASGGRt Sap nist: 0 34 fo) 9k Filed A 0 39 1855... ; 0 64 TOG a sud sty 5 ieee a 0 46 Loads, >: 0) 57 4 495 FALSIFICACAO COMPARATIVA DAS NOTAS DE BANCO, ETC. 163 Esta tabella mostra especialmente quanto é infundada a epiniao daquelles que consideram a circulacao das notas de uma Libra sujeita a uma falsificacao infallivel. O grande contraste que apresentam os resultados da falsi- ficacio da moeda metallica , em relacao aos da falsificacao das Notas de Banco, ¢ susceptivel de ser um pouco attenuado pela seguinte consideracio. Sendo a moeda de prata o agente real da infima circulacao monetaria (Graa-Bretanha), sera ella por esta razao a mais exposta as tentativas de facil imitagao. A classe baixa do povo, que usa quasi exclusivamente dessa moeda; e de ordinario incapaz de descobrir a fraude; ao passo que as classes mais elevadas dao men-s attengao a moeda dessa especie, do que 4 de ouro, ou as Notas de Banco. Conseguintemente a reiteracao das tentativas na falsi- ficacao da moeda metallica (ém logar nessa circulagao subor- dinada, a qual nao corresponde valor algum do papel fidu- ciario , tanto na Inglaterra, como na Escossia. Dado o devido peso 4 precedente consideracao , mostram ainda os factos acima consignados, que a falsificagao do papel hancario 6 uma fraude, ou menos tentadora, ou de mais difficil execucao , do que a imitagio da moeda metallica: e, segundo pensamos, é isso devido as causas que passamos a examinar. Eu considero como menos tentadora aquella fraude , que offerece maior facilidade 4 sua descoberta. O papel circulante, no presente systema das operacdes hancarias , volta rapida- mente ao Banco emissor , no curso regular do negocio. Uma parte desse papel é levada ao troco, ou dada em pagamentos ao Banco; mas a maior quantidade ahi vai, representando os depositos dos seus freguezes: por um qualquer destes tres meios voltam as Notas ao Banco emissor em um tempo mais ou menos breve. Qualquer Nota falsificada tera de fazer essas mes- mas evolugdes, uma vez postaem circulacao; e, apenas en- war no Banco da sua supposta emissao, sera ella infallivel- 4164 REVISTA BRAZILEIRA. mente reconhecida, e provocara as mais severas pesquizas sobre a sua origem. Nao ha perigo maior para um Banco de circu- lagao ; e, Ou seja o Banco de Inglaterra, ou quaesquer outros de menor categoria, nao poupam elles diligencias e despezas, afim de o remover promptamente. Um plano systematico para falsificar Notas de Banco nao poderia permanecer longo tempo, sem que fosse descoberto pelas diligencias do Banco prejudicado ; 6 esse um crime que ataca os interesses de uma classe de individuos , que dispoem de grandes meios, e que ié'n motivos poderosos para o des- cobrir, e fazer punir. Pelo que respeita, poréin, 4 falsiticagao da moeda me- tallica, ndo tem logar a mesma vigilancia: todos os banqueiros recebem frequentemente a moeda falsificada (especialmente a de prata), sem que julguem necessario, ou conveniente, proceder a uma indagagao minuciosa sobre a sua origem. Somos, pois, de opiniao, que a respeilo das Notas do Banco de Inglaterra, a0 menos, e sem duvida tambem, pelo que respeita as Nolas da maior parte dos outros Bancos, a falsi- ficagdo € incomparavelmente mais difficil , do que a imitacao da moeda metallica: aquella requer 0 emprego de muito maior capital. O papel, de que sao fabricadas as Notas do Banco de Inglaterra, ¢ uma manufactura especial no seu genero, a qual nao pode ser actualmente fornecida senao por um so fabricante: e qualquer tenfativa que se fizesse para o imitar, além de exigir avultados recursos, poderia, dadas certas circumstancias, tornar-se improductiva por longo tempo, ficando ella por outra parle sempre sujeila ao risco da publicidade. Os processos por que tem de passar ainda o papel, para tomar a forma definitiva de uma Nota de Banco, exigem tambem o uso de dispendiosos machinismos, e por conseguinte o emprego de mais dinheiro. Assim a necessi- dade de avultado capital , para que semelhante fraude possa Jevar-se a effeito, 6 talvez a mais efficaz protecgao, que tem FALSIFICACAO COMPARATIVA DAS NOTAS DE BANCO, ETC. 465 em seu favor a circulacio do papel bancario: porquanto , nenhum homem, que possa dispor de consideraveis meios , arriscara a sua fortuna em uma especulacaio , cujos perigos sa0 proximos e grandes, e os lucros tardios e mesquinhos. Pelo contrario a falsificagio da moeda metallica demanda me- nores despezas , 6 menos exposta 4 publicidade , e occupa na ordem dos negocios um logar secundario. Dos factos averiguados precedentemente , nao é possivel tirar conclusao alguma, em relacao a actual circulacio mone- taria do paiz: porquanto, a opinido geral é decididamente pronunciada contra a circulacio das Notas de uma Libra Esterlina , nao havendo por isso utilidade em discutir agora a conveniencia da sua adopeao (*). Mas estes factos encerram preciosa instruccio, a qual muito aproveitara 4 experiencia que provavelmente cedo sera realisada em outra parte. Com effeito, ninguem pora em duvida, que uma das primeiras medidas, que convém tomar na reforma das financas da India, é a substituicao da incommoda, e muito dispendiosa circu- lagao das Rupias (moeda de prata equivalente a 4 shelim e441 dinheiros) , por papel promissorio. Muitas pessoas se acharao talvez propensas a receiar que, em um paiz onde a fraude éem geral cousa muito commum, e habitual, a introduccao dessa nova especie de moeda animara os falsificadores a imital-a: mas em presenca das consideracdes acima feitas , nao se péde ter como fundado semelhante receio, ainda mesmo na India, cujos capitaes apenas chegam para os em- pregos licitos, e nao serao por isso desviados para as tenta- tivas de uma fraude tao dispendiosa. Demais, sendo a Rupia uma moeda de prata usada para os grandes, e pequenos pagamentos, é@ ella mais exposta, como ja se ponderou acima, as tentativas da fraude , do que o papel promissorio. (*) A menor nota circulante do Banco de Inglaterra é de 5 L. : e 86 na Es- cossia circulam as de 1 L, (Extrahido do Econowist de 29 de Outubro de 1839. ) 466 REVISTA BRAZILEIRA. ve Movimento do Banco Pe: Inglaterra da semana a. Quarta-feira, 26 de Outubro de 1859. SECGAO DE EMISSAO. Notas emittidas £ 30.781.300 | Divida do Governo £ 44.045.100 Outras caucdes. . » 8.459.900 Ouro em moeda e Danas’. teeteas » 16,306.300 Prata em barras. . £ 30.784.300 4 30.781.300 Se a sd SECGAO DAS OPERAGOES BANCAES. Capital dos aos £ 44.558.000 | Caucdes do governo, Reserva. ..- .- » 8.423.214 inclusive annuida- Depositos publicos , des. .). . =» - . | & IDRIS inclusive bilhetes Outras caucdes. . » 18.093,163 dothesouro,caixas Notas . . » 8.547.830 economicas, "titulos » 5.590.545 | Moedas de ouro e de da divida nacional prata. 5 Ai) 5 9 Cae e contas de divi- | dendos. .... Qutros depositos . . » 18.921.452 Letras a sete dias e Guttae: fit il. = » 940.190 £ 38.128.401 £ 38.128.401 as | oe ee Extrahido do Economist de 29 de Outubro de 1859. H/P Ge G ‘Ww eT ) WDE VD TD LI G/FGLL G/T LSS 2 G/PGbR® G/PLU CSG "POD *S BY /. 96 “lo Glt & ¥SS°816 "91 180°091 6 £9T°860°8T LGV'SLS"0T GSW FG6'SV GyG"06¢"S 099°EZh' 8s t GoSE LW et ee ‘Py SO G/F 86 peer OLY GET bP 919° G8E Ct LEV Esl Vb LO 608° 91 G66 TSE Sb G96 0819 YZB°E80°SS F Say Ov “Mt oD 9b e Cb Ub 2 Of “I CG pgsg A 68 “la 8 6L°698°6 665°8L0°17 L6S°707° 0G DYS'HGG OF 986°89G' UT OVL V98'V LOL*S8S°06G F o/b LUST GU yh DE tT 9 OF “IF GG eS 6 "SG9 °!, GIL G6 qo L29 965° L9°6 WHL'6S9'E CTS'SVS'St Shs ‘07L0F ee 10G'H raRtetne 1G t yy “Ul Sp VU Gt "9 0G “IN SG PLSTy "lo G/U G6 “le e 91G'6SG CT 999°308'00 169°9G8'6 $90°8tG' NT GUP'SEL OT 68'8S8'°1 790°780°0G iy ee ee ee ee ee “698F ep Oaqnino ep 6G ep pUU0Uodsy op opiqenxy * *(sazaut ¢) oSnquieyy « (Wapt Wap!) WepiaismMy « * * (01.19 ozeAd) zlIeq aiqos Orquieg > * +0811] Op 0de1d op orp9ut OULIag, ‘sopeprfosuod sopuny sop 09244 * -o0leg Op SO}UOISep sop exe y, * * “SP.LIRG 9 BPIOUl Wa Saelay\ a 3 “"epaoul 8 Se}OU Wd BALOSayy "ts 8 8s ss905ne9 SesINO OUIIAOS OP SaodnRD : * * * *so7rsodap sozyng "+ * * = soongnd sopsodac * PISIA B sonbes darsnypour SoRdeINIATD "WNVRAS GINASTUd Ta V HINAWVALLVUVANOO SAVODL SVIVE oayenb op opotsed win ayueanp ‘ odoid Op ‘sojwooSep sop exe} ep “6Y8I op oe ‘svaye souue ZIP opuapuodsos I00 “eyep ayuesaad B oye SOUR So}UALI09 SOLGUILD SOP od OFL1] OP OJoAd Op ‘ SOpepljosud. sopuNy sop ‘Rdlope|Suy op oourg op oAneaeduros oyuoUTTAOW Op jeuRUes eddeyy ‘6S8) HG OUMDLIO AG 9 ELV VNVINGS «.—Balanco do Banco do Brazil, pertencente ao mez SS SS ———e ACTIVO. Accionistas, por entradas a realisar. . - - - + +e ee tees 7,440:000§000 Letras descontadas, a saber: Com duas assignaturas residentes na corte. . . 22,720:9058043 Com uma s6 dita, idem. .......- bis 341:2298915 23,062:134$958 Letras caucionadas , a saber: Por ouro, prata e titnloscommerciaes. . . . . 187:300$000 Por outros titulos e mercadorias. . . - « ae 955:660$000 41,4142:9605000 Diversos valores , importancia de varias contas que formao parte do activodo Banco. . . ..+ +s. 4h a aa 2,264:885%574 Caixas filiaes, a saber: Saldo de snas contas a debito. . . . . ~~. 11,302:495$047 Idem de nossas contas, idem. 3,217:214§233 Deduz-se: importancia de bi- lhetes da Caixa matriz, re- colhidos nas Caixas filiaes de Quro-Preto e S. Paulo. . . 1,483:590§000 2,033:624§223 Capital que hes foi marcado. . .. . 2... 6,600:0008000 Victrde ae MeGebere conic css. w-* se eatente wee 363:977$658 20,300:096§928 | Substituicdo e resgate do papel-moeda, quantia en- trada-na” Gaixa*d’Amortisaca0. 6. ve iese0%s fe 5) Mle 0. et wont bs 7,000:000§000 | Caixa, pelo que nella existe emdinheiro. . . . 6,950:3808754 Em barras de ouro do toque de 22 quilates. . 220:108§770 7,170:4899524 Rs. . 68,380:566$984 4 S. E. e O. Banco do Brazil, 31 de Dezembro de 1859. CAPITAL SE MARGADO REALISADO A REALISAR Caixa filial de S. Paulo. . 2,500| (*) 800:000$000, 400:000§000 100:0005000) D do Rio-Grande. 2,500 *590:0008000 400:000§000 100:000§000° p de Ouro-Preto.} - - | 100:000$000 ae : . D da Bahia. . .| 10,000 2,000:000$000| 41,600:009$c00 p de Pernambuco} 10,000 2,000:0005000) aetogpasi | ; de Maranhio. . 4,000) 800:0003000, 640:000$000 do Parad... . 2,000; 400:000$000! 320:000§000 | 80:000§000 31,000: 6,600:000$000! 4,960:000$000' 4,240:000$000 (*) Neste capital comprehende-se Rs. 300:0005000 remettidos pela Caixa matriz. de Dezembro de 1859 (extrahido da escriptura¢a&o).- SN eeEEE—E————EeEEeEeEEEEEEEEeEEEeEeEeeee PASSIVO. Emisséo, valor dos bilhetes em circulacao. . ... — 24,889:7808000 Deduz-se: bilhetes recolhidos nas Caixas filiaes de Ouro-Preto eS. Paulo. . . . . eer 1,183:590§000 20,706:1908000 Letras a pagar, ines? sobre dinheiro recebido ar MONO sch scitiaf cM cM s) cons ena Wieluel la. ich Tey siya oc RL eeiae ss . 5,825:9158754 Contas correntes , saldo a favor de diversos. . ater eevee os) cing Me Osea BieOoR Caixas filiaes, a saber: : Saldo de nossas contas, a credilo. . ... , 44,406:00080410 Entradas a realisar. ...... Sec ieee a 4,240:000$000 WGHCASEAMDAPAN jo sce, abe 6s soe es Le Pe 6:456$406 5,652: 4558416 Ganhos e perdas, a saber: Lucros Jiquidos das diversas operacées deste se- ESI Ge Cane ies ap 1,269:5208770 Idem, que pertencem ao seguinte semestre, , , 288:3998139 1,557:9198909 Fundo de reserva, por 6 °/, dos lucros liquidados, . EES , See 824:920§843 Capital, valor de 150,000 acgdes de Rs. 200g0e0.. . . 2... eevee Rs. . 68,380:5668984 SSS NOTICIAS SCIENTIFICAS E ARTISTICAS ESTATISTICA, — POPULACAO DA TERRA. Avaliam as obras geographicas em cerca d’um billiao a populacao actual do globo ; devemos porém ao Sr. Dieterici , professor da universidade de Berlim, um curioso caleulo sobre o numero, approximalivamente exacto, dos povoadores do nosso planeta. Em uma communicacao por elle enderegada a Academia das Sciencias de Franga, eleva 0 algarismo dessa populacao em 1,283 milhdes, que, distribuidos pelas cinco. partes do mundo, cabem Pe ERO Pilea oops. cts . 272 milhdes. et .| ae aes a TR. ae » AS PG kore tia es 200 » NR CEN Tee pee 59 » A’ Australia....... a” 2 » Potaloes, 1,283 © -» A populacao da Europa, que hoje é, segundo o calculo do professor de Berlim, de 272 milhdes de habitantes, nao era em 1787 senio de 150 milhdes , havendo augmentado neste intervallo 122 milhdes. Pelo que diz respeito 4 Asia, concede o Sr. Dieterici 4 Siberia, conforme o calculo official fornecido pelo governo russo, 7 milhdes de habitantes. Fixa em 400 milhdes a po- NOTICIAS DE SCIENCIAS E ARTES. 474 pulacgao da China, baseando-se para isso em dados estatis- ticos, que lhe merecem todo o credito; e em 171 milhdes a da India, de accordo com as informagdes ministradas pelas autoridades inglezas. Calcula em 14 ou 15 milhdes os habitantes da vasta pe- ninsula situada além do Ganges , que comprehende o imperio de Birman, o reino de Sido, etc. Para as ilhas da Sonda, Molucas, Philippinas, de Soulon, etc., constituindo o archipelago indiano, admitte 80 milhdes de habitantes. Assigna ao Japio 35 milhdes, 8 4 Tartaria, 13 4 Persia , 4 ao Affghanistan, 2 ae Belondchistan, 5 4 Arabia, e 15 4 Asia Menor. Avaliam os nossos manuaes de geographia em 156 milhdes a populacao da Africa; e segundo as observacoes e narrativas das ultimas exploracdes emprehendidas 4 essas regides , outr’ora inaccessiveis , e principalmente conforme as investi- gacdes do Dr. Barth e do Sr. Levingstone, eleva 0 Sr. Dieterici 0 algarismo da populacao da Africa a 200 milhdes. Nao pode porém deixar de ser muito inexacto este ultimo calculo, por NA0 possuirmos 0 quantum da populagao indigena do in- terior @ Africa. A estatistica da populagao da America, comquanto pare¢a mui diminuta, confrontada com uma sd regijo da Asia, 4 qual assigna-se 400 milhdes, merece a maior confian¢a por basear-se nos documentos officiaes, fornecidos pelos diversos governos do novo mundo. Nao excede a um milhio o numero dos indigenas da Australia , calculando-se no duplo a populacao colonial. Resulta definitivamente deste trabalho do geographo prus- siano, que excede a populacao da terra de 200 a 300 mi- lhdes a somma dum billido , em que ate aqui fora orgada. 472 REVISTA BRAZILEIRA. Artes Industriaes. CARRUAGENS ILLUMINADAS A GAZ. Ha tempos que applicou-se na America do Norte o gaz portatil 4 i‘luminagao dos trens dos caminhos de ferro. O director da companhia do gaz portatil em Pariz, sciente deste resultado, obteve outro ainda mais pasmoso, applicando-o a illuminacdo das carruagens que circulam pelas ruas e es- tradas. No mez de Maio de 858, uma carreta de tapeceiro atravessou Pariz por espaco de muitas noites , munida de dous phardes ambulantes cujo esplendor era fascinador. Para o futuro poder-se-hao illuminar 4 gaz as carruagens ordinarias. O machinismo que permitte attingir a tao van- lajoso resultado compoe-se dum cylindro metallico contendo 0 gaz comprimido 4 doze atmospheras. Nenhum abalo, ou solavanco da carruagem, na peior estrada, poderia apagar esses fanaes, que projectam uma luz prodigiosamente intensa, tornando impossivel todo o accidente nocturno, porque escla- recem o caminho até cem metros adiante dos animaes, O machinismo que funccionou nos boulevards de Pariz era de pequeno volume, podendo apenas alimentar 0 gaz de duas lan- ternas por espaco de 52 horas, mediante um centimo por hora. Seria para desejar que os trens dos caminhos de ferro e as carruagens publicas adoptassem este commodo e poderoso meio de illuminacao. Seriam percebidos em grandes distan- cias os combois dos caminhos de ferro, providos desses astros ambulantes. Conviria especialmente esta illuminagao bri- lhante e economica as vias ferreas, em que os vehiculos nao encontram , como nas estradas communs, desigualdades de terreno, que originam constantes abalos. Causa admiracao. que nao tenham ainda os Americanos pensado em utilisarem-se della para as suas carruagens, como o fizeram para os caminhos de ferro ; seado de esperar que a invencao franceza lhes faga adoptar esse expediente. NOTICIAS DE SCIENCIAS*E ARTES. 473 CASAS DE ALGODAO. Publicou um jornal da Luisiania a seguinte nota sobre o emprego do algodao para construir paredes solidas e resis- tentes. Reproduziremos esse curioso artigo, sem garantir a sua veracidade : 4 a~ « ~ « Fallemos de uma das mais curiosas invengdes da intel- ligente e activa época em que vivemos. Nao necessita mais 0 Sul do grantle state paraconstruir os seus edificios ; pois que yai a archilectura vegetal substituir a mineral. Trata- « se nada menos do que de edificar casas com o algodio. Ja « foi publicada a descoberla, e experimentada com o mais « « favoravel cxito. Emprega-se para esse fim 0 algodao verde de inferior (qualidade, os residuos espalhados pelos campos, e ainda os restos das fabricas; n’uma palavra, tudo quee « desprezado como inutil. .Faz-se uma massa que adquire a solidez da pedra; e para comprehender semelhante trans- formagao, bastard observar a dureza e resistencia das bolas de papel mastigado, logo que seccam: as quaes servem « para fazer moveis simultaneamente leves e duraveis. « Cobre-se 0 algodao-architectural, se assim o podemos « denominar, duma substancia que torna-o impermeavel a « chuya ; sei 0 que converter-se-hiain as habilacdes em ver- dadeiras esponjas. O Courrier de Charleston, e 0 Enquirer de Columbus, fallann com enthusiasmo desta invencao. Segundo 0 seu pensar sera preciso, para edificar uma casa de algodao, metade do tempo que se gasta em construir « uma de tijolos; e se reflectirmos que sera A prova de fogo, « « tao solida , e custando tres vezes menos , ninguem deixara de querer uma casa de algodao, e tera chegado a verda- deira realeza deste producto agricola. Cessara o Sul de ser tributario as florestas e pedreiras dos outros Estados ; antes dominard de modo absoluto os mercados da Uniao. » {74 REVISTA BRAZILEIRA. Mecanica. RASTILHO A VAPOR SOBRE O GRELO. Aperfeicgoaram na America, em 1858, as especies de ras- tilhos usados nesse paiz para a locomocao sobre o gelo. De ha muito que eram conhecidos no Novo Mundo rastilhos que ti- nham por propulsor o vento, e de que se serviam os habitantes para as suas viagens nos rios e ribeiros. Acaba um morador de Jamesville, o Sr. Weard, de substituir 0 emprego das velas pelo da machina 4 vapor. Libertando os rastilhos das difficuldades inherentes ao emprego do vento e das velas, evidentemente aperfeicoou da mais vantajosa maneira uma conduccao, que podera prestar valiosos servicos a0 Commercio ea industria. QO Jamesville-Standar , jornal de Jamesville, descreve nestes termos o novo vehiculo: « Amachina, dizo supracitado jornal, e construida do mes- « mo modo que o tombadilho dum barco a vapor, com seus « camarotes, e outros accessorios. Fixada sobre um truque « corredico, que ¢, como os patins do barco, de altura suffi- « ciente para que a coberta e a machina possam dominar a « neve que se possa encontrar sobre o gelo. O truque é feito « de ferro, e deve ter bastante forc¢a para sO oppor pequena « superficie 4 resistencia, quando atravessar a neve: € 0 « todo tem tal forma, que, no caso de accidente, ou se o « gelo se dissolver, ache-se 0 viajante em um verdadeiro « bareo 4 vapor. Existe no tombadilho um camarote, onde « cem viajantes podem achar espacgo, além da camara do « capitio, ou piloto; ficando na proa logar para a machina « e a Caldeira. « Como nao se necessita sobre 0 gelo de grande forga mo- « tora, sendo o nivel sempre 0 mesmo, nao recorre-se por « isso a pesadas machinas 4 vapor, nem aos solidos metaes NOTICIAS DE SCIENCIAS E ARTES. 175 « para a sua construceado. E movida a machina por uma roda « situada na camara do piloto, com tanta facilidade, e ainda « mais certeza, do que em um barco; por isso que sobre o « caminho gelado, que a natureza gratuitamente offerece , « nao ha que receiar correntes que mudem a sua direceao. « E aquecido 0 camarote pelo vapor da machina, e a « coberta que o circumda serve para depositar as bagagens, « OU para passeio. Cuidouo inventor nos imeios de diminuir « 0 moyimento do rastilho, e pol-o em estado de partir, « sempre que disso houver precisao. » NAVIO DE COMPARTIMENTOS. A Inglaterra é a patria das innovacdes nauticas; e a que tentouem 4858 é€ digna de ser referida por sua singularidade. Trata-se de um navio construido por tal forma, que pode em alguns minutos desembarear todas as suas mercadorias, € proseguir em sua viagem tanto em lastro, como com nova carregacao. Um barco 4 vapor, assim organisado, ja fez o trajecto entre Greenwich e Hartlepool. ” Esta embarcacao, de 90 pés inglezes, @ toda de ferro e dividida em tres compartimentos , que podem separar-se , ou reunir-se por meio de gonzos, ou chameiras, que prendem-na com solidos eixos de ferro. A pdpa e*occupada pela equipagem; destina-se 0 compartimento médio 4 recepgao das mercadorias , destinando-se a proa para a machina. De tal forma feito 0 compartimento meédio, que com a maior facilidade e breve tempo destaca-se como uma gaveta, e substitue-se por outro de identicas dimensdes, vazio, ou cheio de mercadorias. Operada esta substituicio, continuia 0 barco a sua viagem sem ser constrangido a parar em um porto o tempo preciso para a descarga das mercadorias. Se derem as novas viagens os resultados que da primeira se liraram , propde-se o constructor a fabricar outro de 2,00Q loneladas, 476 REVISTA BRAZILEIRA. Telegraphia electrica. MINUTA DAS ACTUAES LINHAS DA TELEGRAPHIA ELECTRICA AERFA. Tendem quotidianamente a augmentarem-se as linhas da telegraphia electrica aerea; e a Europa, segundo o calculo do Practical Mechanic’s Journal, conteém hoje (em 1859) 58,054 kilometros de fios, transmittindo noticias por terra. Sho essas linhas assim divididas: a Franca, 12,000 kilom. ; a Graa-Bretanha, 15,000; a Belgica, 750; a Allemanha , 15,000; a Hespanha e Portugal, 900; a Hollanda , 900; a Suissa, 2,250; a Italia, 3,700; ea Russia, 7,500. Nos Estados-Unidos ha 49,500 kilom. de linhas por terra ; na America do Sul, 2,250; na India , 7,500; e na Australia cerca de 300 kilom. de linhas comegadas ha dous annos. Conta-se portanto uma extensao de 119,344 kilom., ou quasi 30,000 legoas de fios electricos , em que podem-se com- municar as diversas partes do globo terrestre. Hygiene. CONSIDERACOES SOBRE A SALUBRIDADE RELATIVA DOS DIFFERENTES BAIRROS DA CIDADE. Communicou o Sr. Dr. Junod a Academia das Sciencias algumas curiosas observagdes acerca da tendencia que sem- pre manifestaram as populagoes das grandes cidades em di- rigirem-se a certos pontos, de preferencia a outros. Observou 0 Sr. Junod, na mor parte das cidades que visitou, que a classe abastada manifesta decidida tendencia para en- caminhar-se para 0 Oeste, abandonando o lado opposto as diversas industrias, ou a parte da populacao, que nao goza de liberdade na escolha de domicilio. Assim, por exeniplo, em Pariz, desde a sua fundacao, estabeleceu-se a classe opulenta no Occidente; bem como em Londres, e geralmente NOTICIAS DE SCIENCIAS E ARTES. 177 em todas as cidades da Inglaterra. Em Vienna, em Berlim , em S. Petersburgo, ¢ em todas as capitaes da Europa repro- duzem-se os mesmos factos; opera-se 0 movimento da po- pulacio na direccao do Oeste, em que se grupam os palacios dos reis, ¢ as casas de saude, ou de recreio. Demonstra a inspeccao das ruinas de Pompeia , que a par- ticularidade assignalada pelo Sr. Junod verificava-se na anti- guidade. Nas cidades de outr’ora, assim como nas modernas, encontravam se os cemiferios 4 Léste , e quasi que nenhum 4 Oeste. . Se por ventura encontra-se alguma excepcao desta regra, procede ella de que fora tolhido 0 crescimento das cidades para Geste em razao de collinas escarpadas, disposigoes es- trategicas , ou quaesquer outros obstaculos insuperaveis. Al- gumas cidades da Suissa, v. g., Neufchatel, offerecem exem- plos deste facto, que igualmente se da em Edimburgo e em Roma, que estenderam-se para o Norte, em vez de tomarem a sua direccao occidental. Como dever-se-ha explicar semelhante tendencia ? Nao poderia 0 acaso proceder com tal constancia, nem com tao uniforme methodo. Descobre o Sr. Junod essa causa, emi- nentemente physica, na pressao atmospherica ; por isso que, quando é consideravel a pressio barometrica, o fumo e as outras emanacodes prejudiciaes dissipam-se rapidamente no espaco; retendo-se nos aposentos e a superficie do solo na hypothese contraria. Ora, de todos os ventos, 0 que mais elevaa columna barometrica, é de Léste, e 0 que mais abate-a 0 de Oeste. Quando sopra este ultimo, arrasta comsigo sobre os bairros situados a Léste das cidades, todos os gazes dele- terios que encontra em sua passagem. Daqui resulta, que as habitagdes da parte oriental d@uma cidade tém de sup- portar, nao sd a sua propria fumaga e mais mMiasmas, mas tambem os da occidental, que lhes acarretam os ventos de Oeste. Quando pelo contrario sopra o vento de Léste, purifica Hee DB, IIT. 42 178 REVISTA BRAZILEIRA. o ar, fazendo subir as emanacdes insalubres que nao pdde lancar sobre a parte occidental. Assim, pois, as residencias que nas grandes capitaes acham-se situadas 4 Léste recebem um ar puro de qualquer parte do horizonte que lhes venha. Pode-se accrescentar que os ventos de Oeste , sendo os que com mais frequencia reinam, sao essas habitagdes as pri- meiras em receber 0 ar puro que vem do campo. Deduz o Sr. Junod destas observacdes as seguintes regras para 0 uso das pessoas que desejarem escolher uma residencia nas condicdes as mais vantajosas em salubridade : 1.° Quem tiver liberdade na escolha, maxime sendo de saude debil, deve residir 4 Oeste das cidades; 2.° Concentrem-se 4 Léste todos os estabelecimentos d’onde emanam vapores , ou gazes dele- terios; 3.° Construindo uma casa na cidade, ou ainda no campo, deve-se collocar 4 Léste todas as cozinhas e seus annexos, donde podem exhalar-se emanacoes insalubres. O honrado secretario perpetuo da Academia das Sciencias, o Sr. Elias de Beaumont, apresentando a dita corporacao a nota do Sr. Junod, assignalou alguns factos que vém em abono das precedentes observacdes, € que parecem provar a constancia e generalidade das relacdes apontadas pelo autor. Notou o Sr. Beaumont que nas grandes cidades tem a po- pulacao rica uma manifesta inclinacgao em dirigir-se para o Occidente , salva a influencia contraria de certos obstaculos locaes. E 0 que se observa em Turim , em Liege e em Caen ; notando identico phenomeno para Montpellier e Tolosa o Sr. Moquin Tadon. Pariz e Londres offerecem a este respeito factos analogos, ainda que os rios que atravessam estas duas grandes capilaes corram em sentido diametralmente opposto. Lembrou sobre este ponto jo Sr. Elias de Beaumon- tos rifdes populares, e as pecas theatraes, que demonstram a tendenciados habitantes abastados da city de Londres a en- caminharem-se para a extremidade occidental dessa cidade. Pode-se em verdade objectar, contra estes faclos, que Pariz NOTICIAS DE SCIENCIAS E° ARTES. 179 crescia na direccao de Nordeste, na épocaem que foi edifi- cada a Bastilha, o palacio das Torrinhas, o de S. Paulo, ete. Releva porém nao esquecer que estava ainda a cidade sob a influencia do terror produzido pelas incursdes dos Normandos, cujas frotinhas desciam 0 Sena até Pariz, e nao eram detidas pela ponte de Change. Nessa época, e emquanto duraram taes temores, ninguem se resolvia sem grande difficuldade air habitar Anteuil, ou Grenelle; porém depois da fun- dacaio do Louvre, ¢ principalmente desde o reinado de Hen- xique IV, recuperou a cidade a sua natural direcgao. Pensa o Sr. Elias de Beaumont que ds causas indicadas pelo Sr. Junod pode ainda addicionar-se o estado hygrometrico do ar, que é geralmente mais humido durante os ventos de Oeste e de Sudoeste, do que os de Leste, e de Nordeste: A Litteratura nos Estades-Unidos. Ja que desde os primeiros tempos da emigragao puritana nos Estados-Unidos em 1621 , differentes genios privilegiados procuraram esclarecer com 0 tributo do seu espirito as trevas que ainda encobriam este paiz virgem, sd desde 50 annos é que se pode com acerto fixar a origem de uma litteratura propria. Desde entao coryphéos em todos os ramos da lit- teratura tem poderosamente contribuido para a illustragao _geral. Nomes taes, como Chamming, Webster , Cooper, Irving, Wheaton, seguidos de innumeros oulros, cuja fama, passando para o continente européo , além de sanccionada , se tornou ainda mais generalisada; sao uma prova irrefra- gavel do quanto se tem em poucos annos enriquecido a lit- leratura dos Estados-Unidos. Cumpre-nos dizer que o governo de Washington, solicito em promover por todos os meios esta benefica reaccao intel- lectual, nao deixou um instante de proporcionar, por nume- rosas subyengoes, facilidades apreciaveis. 480 REVISFA BRAZILEIRA. Basta referir que 0 governo concedeu de alguns annos para cia quantia de 200,000 dollars para a publicagio de uma Historia Natural dos Estados-Unidos. Entre os ramos das sciencias e da arte, que mais aceitacgao sempre tém encontrado neste paiz, podemos citar: Obras classicas de autores antigos, Theologia, Technologia, Phar- maceutica, Medicina, Homceopathia, etc. ; entre as quaes, para darmos um exemplo da extraccio enorme que algumas destas producgdes tém havido, citaremos as obras de Washington e Franklin, 12 vols. in-8°, a 28,000 exemplares; America Central, de Stephens, a 30,000; Historia do Mexico, de Prescott, a 30,000; Geometria de Day, a 110,000; Geo- graphia para as escolas de Olney, a 360,000; Uncle Tom’s Cabin, a 450,000; emfim, Historia dos Estados-Unidos, de Bancropts, da qual, em pouco tempo, se extrahirao 10 edicdes , algumas até de 25,000 exemplares. Dos periodicos, cujo numero se avalia em 1,800, tém alguns conseguido uma extraccao de 60,000 exemplares, o que pouco estranhara , quando se souber que M. & S. Beach, na Nova-York , empregam machinas movidas por vapor da forca de 20 cavallos, que imprimem por hora 12,000 folhas, gastando assim 50,000 resmas de papel por anno. E’ isso 0 mais glorioso testemunho de um paiz, que sempre vai caminhando na senda do progresso. 7 } . T SHe if: bd : sith ‘ 4 ~ ‘t mis rd Pa E. es. = ». ; i y a cinta tea 5 her ee t ESTUDOS. DE ANALYSE MATHEMATICA ERRATA, Pagina 193, ultima linha, co. .1000, 100, 10, 1, O41, 0.0f, 0.001 ....0 Se na equacio (1) se puzer 5 em logar de [y), devera o expoente («) ter um valor fraccionario , que sera compre- hendido na serie superior entre os termos (0) e (4): e re- R. B. ILI 13 ESTUDOS. DE ANALYSE MATHEMATICA Theoria dos logarithmos tabulares. applicada ao ealeulo numerics. 1. Seja dada a equacao ae i (1) y= (10) " na qual ye « representam numeros yariaveis ; de modo que, podendo () crescer desde zero até o infinito positivo , ou de- crescer até o infinito negativo, tomando todos os valores pos- siveis dentro desses limites, os valores correspondentes de (y) terao por limites extremos o infinito positivo-e zero. Ponha-se em logar de (x) na equagao (1), successivamente os termos da serie dos numeros naturaes, comecando por zero; os valores que resultarem para (y) formarao uma pro- oressao geometrica, cuja razao é (10). Escrevendo, pois, as duas series dos valores de (x) e de (y) de modo que estes se correspondao, dentro dos limites respectivos ; ter-se-ha O.. Boge 40 O00 ay’) 2, —3 ..—o@ o..1000, 100, 10, 4, 0.4, 0.01, 0.001....0 Se na equacao (1) se puzer 5 em logar de (y), deverd o expoente («) ter um valor fraccionario , que sera compre- hendido na serie superior entre os termos (0) e (4): @ re- R- B. Il, 13 182 REVISTA BRAZILEIRA. presentando por (8) essa fraccao sob a forma decimal ; ter- se-ha 5 (m) i ao)?" O valor numerico de (é), nas equacdes desta natureza , que pertencem a classe das que se chamam ¢ranscendentes na analyse algebrica, sd pode ser determinado approximada- mente pela theoria das series infinitas , como adiante se vera em logar competente. Se ambos os membros da equacao (m) forem multiplicados primeiramente por (10) e depois por (10); vira in) soto? +! ao)! 0.6+2 26 'p) 500 =(10) = (10 Se, em logar de multiplicar , se dividirem ambos os mem- bros da equacko (m) primeiramente por (10), e depois por (10)’ ; vira Dos resultados precedentes (n, p), e (n'. p'), se deduzem os corollarios seguintes : 1.° « Se na equacao (1) se considerar (y) representando um numero qualquer inteiro, ou decimal, intercalado entre dous termos da progressio geometrica acima, e fizer-se esse numero 10, 100, 1,000 vezes maior; ou 10, 100, 41,000 vezes menor; a parte decimal (¢) do expoente (7), que the corresponde , sera sempre a mesma: sendo a parte inteira desse expoente augmentada de mais 41, 2, e 3 unidades posi- ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 183. tivas no primeiro caso ; e de 1, 2, e 3 unidates negativas no segundo caso. 2.° « A parte inteira do expoente (7), em relacao a um valor qualquer dado a (y), compde-se de tantas unidades positivas, ou negativas, quantas casas dista o primeiro al- garismo a esquerda do numero (y) da casa das unidades principaes; a saber: para a esquerda sendo (y) numero inteiro, e para a direita se for decimal. 3.° « Dado o valor numerico do expoente (x) correspon- dente a um numero inteiro qualquer representado por [y) , poder-se-ha sempre determinar 0 expoente (x). que devera corresponder a outro numero (y'), submultiplo decimal de (y), € vice-versa. » Considerada a equacao (1) como a expressao geral das duas progressoes acima combinadas, e dos numeros intercalaveis entre os termos correlativos dos mesmos, diz-se que 0 ex- poente (= x) é 0 logarithmo de qualquer numero inteiro , ou fraccionario representado por (y): e da-se a equacao (1) a forma seguinte : (2) y=(10)!08: ¥ A parte inteira que entra-na expresso numerica de (log. y} da-se a denominacao de caracteristica do logarithmo , a qual sera, como Se mostrou acima, positiva ou negativa. O elemento constante representado pelo numero (10), que entra na equagao (2), constitue a base do systema dos lo- garithmos denominados tabulares , ou de Briggs ; nome do sabio professor da Universidade de Oxford , que 0 propuzera no anno de 1615, como util modificacao do systema de lo- garithmos inventado pouco tempo antes por lord Neper , de que fallaremos adiante em logar proprio. Da equacao (2) deduz-se uma propriedade importante; a saber — que 0 expoente qualquer de uma potencia de (10) , 184 REVISTA BRAZILEIRA. equivalente a um numero dado, é 0 logarithmo tabular desse numero. Designando por (y') um numero qualquer differente de (y, ler-se-ha pela formula (2) Mulliplicando esta equacio pela equacio (2), membro a membro, vira yy! =( 0) 08: y -| log. y! (donde se lira (3) log. yy' =log. y +- log. y' Dividindo as mesmas equagdes, uma pela oulra, membro a membro ; vira y , log. y —log. y! of ex (1) o donde se tira (4) Log. = log. y — log. y! ‘ oat Elevando ambos os membros da equacao (2) a potencia (n) ; vira ys 10)" log. y alk donde se tira (5) Log. y"=n. log. y ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 185 Extrahindo a raiz do grau (n) de ambos os membros dessa mesma equacao ; vira 1 log. y ye 10) @ donde se tira * (6) Log." — 28 As formulas 3, 4, 5 e 6, sao adapladas ao calculo numerico, na mulliplicacao , divisao, elevacao de potencias, 6 extraceao de raizes de numeros dados ; e enunciam-se por sua ordem da maneira seguinte : (a) O logarithmo do producto de dous, ou mais numeros , é igual a somma dos logarithmos parciaes desses numeros. (b) O logarithmo do quociente de dous numeros @ igual a differenca dos logarithmos do dividendo e do divisor. (c) O logarithmo da potencia (nx) de um numero dado ¢ igual a /n) vezes 0 logarithmo desse numero. (d) O logarithmo da raiz do grao (n) é igual ao logarithmo do numero dado, dividido pelo expoente da raiz. Composicae, e resolucao geral das equacées FRUeRICaAS. 1. Maultiplicando successivamente os binomios {7—a) , (w—b), elc., por si nesmos, formar-se-ha o polynomio se- guinte : n a | n—2 n—3 ae aie Fable! abela' i abe.) su —b -- ac| ay —¢ -l- be Be Balosn.. bv Be 486 REVISTA BRAZILEIRA. O ultimo termo do polynomio nao contera a quanti- dade (x); e€ sera affecto do signal +, ou (—), segundo for par, ou impar o numero (nv); 0 qual designa quantos fac- tores binomios entram na formacao do polynomio (A). Fazendo a+b-c+&=A, “ ab ac--be+-&=Ag ; abe -+- &=A, , abe...u=N; ter-se-ha (B) x"—Aya" "4 Age" —*. . 4. N= (e—a) (eB) (2—e) . (cx—u) Esta equacao mostra que 0 polynomio A , sob a forma (B); sera divisivel por qualquer dos factores (r—a), (c—b), etc. Faca-se agora (C) ft cs Te acig 4A at Ter-se-ha uma equacao do grau (nm), a uma sd incognita representada por (2). O valor numerico de (x) que satisfizer a precedente equagao, isto €, que reduzir a zero 0 seu primeiro membro, chama-se raiz dessa equacao. Esse mesmo valor de {x) posto na equacao (B) devera tambem salisfazél-a, isto é, reduzir a zero ambos os seus membros: e sera por conseguinte esse valor de =a, ou =bh, ou=c, elc.; para que se tenhav—a=o, oux—b = 0, ou etc. Deste resultado se conclue, que a equacao (€) podera ser satisfeila por tantos valores differentes de (7), quantas sao as unidades do expoente (n) da maior potencia da incognita : e que por conseguinte, tera ella, no maximo, (m) raizes differentes. se ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 187 Designando, pois, por (a, b, c, ele.) as differentes raizes da equacao (, sera esta divisivel por (r—a), (e—b) , ele. Se na formacao da equacao C entrasse um, ou mais fac- tores compostos , da seguinte forma v—2acrta-+bd’ teria ella por cada um destes factores 2 raizes imaginarias ; a saber “=a fe r=a—/—P Estas raizes se descobrem igualando a zero aquelle poly- nomio, ¢ tratando-o como uma equacao do 2° grau. Tem-se com effeito P—2a%-- a —V=(«— a -f/-") (» =i if—"] _ _ Deste resultado se conhece, que na composicao da equacaod U, cujos termos sejam expressos em quantidades reaes, poderao entrar raizes imaginarias, mas sempre aos pares : e que por conseguinte , sendo essa equacgao do grau impar , tera necessariamente uma raiz real. Se for, porém, o ullimo lermo da equacao negalivo, no caso do grau par, havera, pelos menos, duas raizes reaes, uma positiva, e outra ne- - gativa. Seja dada a equacio numerica se Ag’ 1 Bo” 4 Ca oat Neo Chama-se numerica a equacao, em que as quantidades conhecidas sao representadas por numeros ; ou aquella em que os coefficientes de todas as potencias da incognita, desde ‘aR ‘ : wv alex, tem coefficienles numericos, 188 REVISTA BRAZILEIRA. Se a equacaio D é@ susceptivel de ser satisfeita, dando a incognita (x) qualquer valor numerico, torna-se ella com- paravel 4 equacao normal C; e se concluira 0 seguinte : 1.° Que, se os termos da equacio D, desde o primeiro , (representado pela maior potencia (x") da incognita , e tendo por coefficiente a unidade), forem aHernativamente affectos dos signaes +, e (—}, as suas raizes serao todas positivas. 2.° Que, se todos os termos da mesma equacao forem ’ positivos, todas as suas raizes serao negativas. Daqui se deduz o theorema, que, na theoria geral das equacdes algebricas, ¢ conhecido pelo nome de — Regra de Descarles ; a saber: « Que dada uma equacao, cujos termos sao affectos de signaes posilivos, e negativos, em qualquer ordem de collocagao, tera ella tantas raizes posi- tivas, quantas forem as mudancas de signal, de mais para menos, ou vice-versa; e tantas negativas, quantas forem as permanencias dos mesmos signaes; isto é, passando de mais para mais, ou de menos para menos. » Esta regra, bem como as duas propriedades donde ella resulta, s tem logar quando nao entram na composic¢ao da equacgao PD raizeS imaginarias. De resto, a sua demonstracao é facillima: porquanto , multiplicando todos os termos da equagio D pelo binomio a—h, oux-+h; virdo duas novas equacdes: a primeira , tendo mais uma variacao de signal, proveniente do producto do binomio (#—) pelo ultimo termo da equacao; a se- sunda, tendo mais wna permanencia de signal , proveniente do producto do binomio (7--h) pelo ullimo termo da equagao, 3.° Que devendo ter-se A = — A 1. N=+ Ny resulta > dahi, que 0 coefficiente (A) é equivalente 4 somma de todas as raizes da equacio, tomada com signal contrario; e que 0 ultimo termo N representa o producto de todas as raizes ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 189 da equacao , affecto do signal -+ , ou (—), segundo for par, ou impar o numero das raizes reaes (positivas). 2. Na equacio dada P, substitua-se em logar de (2) 1, 2, 3, etc., 0.4, 0.2, 0.3, etc.: ou 10, 20, 30, etc., 0.01, 0.02, 0.03, etc., e semelhantemente —1, —2, —3, elc., —0.1, —0.2, —0.3, ele. : procedendo asssim por multiplos, ou submultiplos de (10), tomados positiva, ou negativa- mente , chegar-se-ha necessariamente a dous valores do pri- meiro membro da equacao, de signacs contrarios ; dos quaes se podera deduzir uma raiz approximada, e menor que a verdadeira (x). Seja essa raiz approximada representada por (7) de modo que se tenha wr al sendo (x') o que falta a (7) para dar o valor exacto de (2). Substituindo o precedente valor de (#) na equacao D; vira / \ n—1 n—2 ’ Les (n+) ac alto) -- ra] +C ig dm NI ptt if ygltcod a+ &...... 45 N ee i a +B hoc -- (n— 2) a eel 4: in 3) Crt + &e. + &e. Despreza'do neste desenvolvimento os termos affectos dos factores v’°, w!*, ete., por ser (v') uma pequena fraccao de (7); ter-se-ha um resultado approximado do valor nu- 190. REVISTA BRAZILEIRA. merico do polynomio PD; e substituindo (2— r) em logar de (a'); vira faa nr + nee +N= +A by Fee n—1 a! + (n—4) Ar"? +B plosP ian (n al ie +-(n—2) Br” oe +€ "alae a (n—3) Cr ie +-(n—3) Cr” + &e. — oe + &e. donde se tira Lorne a? ny (ga) Ar + (n— oe 1 (gh) be os + (n—3) Cr 4 &e. (E) Uma vez que sejam dados os valores numericos de (7), ede(4,B,C,..N), aformula £ dara a raiz (x) da equa- cao proposla, approximadamente; praticando-se do modo seguinte : Achado por tentaliva, como se indicou acima , 0 primeiro valor approximado de uma raiz da equacao proposta, e posto elle, na formula EF , em logar de (r), vira (effeetuado 0 caleulo) para (7) um valor mais approximado : substituindo este valor semelhantemente em logar de (r) vira para (7) um segundo valor ainda mais approximado : e assim por diante. 0 algarismo, que apparecer em um desses valores appro: ximados de (7), e vier reproduzido na operacao seguinte , sera considerado como exacto. Achado que seja um primeiro algarismo exacto, istoé, 0 que representa a parie mais alla do numero buscado ; onha-se em logar de ("), na formula Ek, o valor approxi- ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 191 mado de (#), limitado até um, ou dous algarismos, depois daquelle: procedendo-se da mesma maneira a respeito do segundo , terceiro, etc. algarismo que for verificado ; de modo que em cada nova substituicao em logar de (7), além dos algarismos exactos da raiz, entrem sOmente um, ou dous , dos que seguem depois daquelles, afim de serem submettidos a verificacao do novo calculo. Se chegar-se a um valor de (x), 0 qual posto em logar de (r), na formula &, appareca reproduzido , na seguinte operacao, em todos os seus algarismos , representara esse numero o valor exacto de (2). Na hypothese contraria, terminara o calculo , quando se tiver chegado por este processo a determinar o algarismo exacto da casa decimal do numero, até onde se quer ter a raiz approximada. Achada assim uma raiz da equacao proposta, seja ella representada por (+ a): divida-se a equacao pelo factor (% = a); e viraé uma nova equacao de grau immediata- mente inferior, a qual sendo tratada do mesmo modo, fara conhecer uma nova raiz (+ b): procedendo assim até serem determinadas todas as raizes reaes da equacao proposta. Para mais facilidade do calculo, costuma-se transformar aequacao proposta n’outra , em que desapparece (a potencia (n—1) da incognita): 0 que se conseguira sempre, sub- stituindo em logar da incognita (#7) uma expressio equiva- lente, na qual entra uma nova incognita; a saber ES 2 4 n O signal (—) € empregado , quando o coefficiente A do segundo termo da equacao é affecto do signal (++): e o signal (+-) na hypothese contraria. A formula (£2) nao é actualmente usada na resolugao das equacdes numericas de grau superior ao 2°, por serem co- 492 REVISTA BRAZILEIRA. nhecidos outros processos mais directos, ¢ expeditos ; todavia havemos recorrido aquella formula, para explicar com mais clareza, © menor apparato de combinacdes analyticas , o simples processo pralico da resolugao geral das equacdes numericas. 3. Seja dada a equacio do 3° grau (m) aL PRES icp Rhee th Esta equacao encerra a solucao do problema da triseccao do angulo, cujo coseno é representado por (a); sendo (x) 0 coseno da terca parte do angulo dade, ou do arco que lhe serve de medida. Supponha-se que ¢ dado a= cos. 60° = > | 8 he a equagao precedente tomara a seguinte forma: (m') 1 oh cmb pit ) U L T= —=>—= 4 8 A formula E que resolve esta equacao, fazendo nella , eee 1 b=3,A=0, B= — 7 N=— rm tomara a expres- sao seguinte : » f MY (Op Ptiate (E') r= 4 Gon 3) rr ea Pondo na equacao (m7) a unidade em logar dle (xv), e de- pois 0.9, virao os dous seguintes resultados de signaes con- trarios 1 -— , — ().003. 1 8 Devera porlanto fazer-se rr == 0.9 ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 4193 Pondo o valor de (rr) na formula E'; vira as 1.583 — 0.94 2— = 1.680 Sera por conseguinte (0.9) 0 mais alto algarismo da raiz ; e substituindo na formula E! (0.94) em logar de (7), e assim por diante, chegar-se-ha a um valor de (#) approximado ate i setima casa decimal: cujo logarithmo dara pelas taboas 0 arco de 20°, muito proximamente. Obtida esta raiz, e abaixando a equagao (m') ao 2° grau, por meio da divisao pelo factor (c—a) ; se acharao as outras duas raizes pelo processo conhecido da resolucao das equa- codes do 2° grau. Iie. (4) 4, RESOLUGAO DA EQUACAO (m) pELA GEOMETRIA ANALYTICA. Fazendo na equacao (m) 5 ie See! (ft) -K@ =Ty lomara ella a forma se- cuinte : (2) o(y—=)=! Tiradas as rectas (na figura 1 ) OX, OZ, indefinidas, e formando 0 angulo agudo XOZ = 24; faca-se ——_— =|, ba tang. 9 494 REVISTA BRAZILEIRA. Com estes elementos descreva-se 0 ramo hyperbolico MAM’, o qual tera por asymptotas as rectas OX , OZ, sendo (a) e (b) os dous semi-eixos. Prolongada ZO alé G., de modo que se tenha 3 06.—= a tire-se a recla G/ parallela 4 asymptota OX: e sobre a recta GZ. considerada com um diametro conjugado , descreva-se a o arco parabolico MGm, com o parametro (+) O ponto W da inlerseccao das duas curvas sera o logar geometrico das equagdes (1) e (2): e ter-se-ha por conse- guinte « = OP = coseno da ter¢a parte do angulo dado. Theoria das series elementares. deduzida do prin- eipio dos coefficientes indeterminados. i. BINOMIO DE NEWTON. 1. Seja dada a expressao algebrica (1 + a)”, cujo des- envolvimento se pede, em uma serie de termos formados , segundo uma lei conhecida; sendo (7) uma quantidade qual- quer, e 0 expoente (m) do binomio (1+-*) um numero inteiro e positivo, Desenvolvendo, pela multiplicagao algebrica , as potencias do binomio (1 + ) designadas pelos expoentes (0,1, 2, 3, etc.) ; virao 0s resultados seguintes : (a +a) 1 A+ axt=—i14+2 MiA+ cf =14929-+2 (A + 2)°=1-+ 32 + 3a + a° \(A + v)'=1-+ 4a 62" -b 4° + ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 195 Os precedentes resultados fazem reconhecer : 1°, que qual- quer que seja o expoente (inteiro e positivo) do binomio (1-++ x), 0 primeiro termo da serie, que representa 0 seu des- envolvimento, é sempre a unidade ; 2°, que a quantidade (2), segundo termo do binomio, entra em todos os outros termos da serie, elevada a potencias, que crescem na ordem dos numeros naturaes (1,2, 3, etc.); 3°, que o numero dos ter- mos que compoem a serie é delerminado pelo expoente do binomio, augmentado de mais uma wnidade; 4°, que os coefficientes numericos que affectam as diversas potencias de (x), no desenvolvimento da serie, sao inteiramente inde- pendentes de (7) , e variam sdmente em relagio ao expoente do binomio. Mediante estes dados , deduzidos dos resultados (Mj, co- nhecidos em casos particulares, e applicando o principio da induceao , poder-se-ha representar o desenvolvimento de (1+ x)", em toda a sua generalidade, do modo seguinte : (At 2)™—=1 + Aa + Ba2+ Cx? + he. As quantidades indeterminadas (4, B, C, etc.), que entram no segundo membro desta equacio, representam os coefficientes numericos que mulliplicam as diversas potencias de (x). Devendo a serie acima satisfazer aos casos particulares (M), & evidente: que na expressio numerica de cada um dos coefficientes indeterminados (4, B, C, ete.) entrara em geral um factor (m), afim de que, na hypothese dem =o, lodos os termos da serie se desvanecam, excepto o primeiro : que, semelhantemente , os coefficientes indeterminados (B . (’, el¢.), deverao em geral ter por factor a quantidade (m—41), afim de que, na hypothese de m==1, todos os termos da serie se desvanecam , excepto os dous primeiros : que, assim lambem , os coefficientes indeterminados (C, etc.) deverao ter 196 REVISTA BRAZILEIRA. por factor a quantidade (—2), afim de que, na hypothese de m==2, todos os termos da serie se desvanecam , excepto os tres primeiros: e assim por diante. Ter-se-ha portanto A= ma" B=m(m—1) B' C =m (m—1) (m—2) C' &e. Nas precedentes expressdes (A', B', C’, etc.), representam factores numericos mdeterminados. Substituindo os valores de (A, B, C, etc.) no desenyolvi- mento geral de (4-++-x)™; vira (2) (--ay” = 1+ mA'x+-m (m—1) Bla? m (m—1)X (m—2) Cla*-+- &e. Os factores (A', B', C', etc.) determinam-se facilmente , comparando o desenvolvimento geral (2) da potencia (L+-2)", com cada wm dos resultados (M). achados para os valores particulares de (m); a saber Fazendo m=1 , na expressao geral da serie (2); vira (ta) Ste tthe; donde se tira «= A'x; e por conseguinte... A'==1 Fazendo m= 2; vira (ee een ee ee ew ee Qn + a= A! 0+ OB a Esta equacao ficara salisfeita, isto é, 0 segundo membro sera identico ao primeiro, sendo A'=1, e por conse- 1 gpIDie. . Bp: == 5 ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 497 Fazendo m= 3; vira (1-2) 1430 430? +a° 143.A'0 432.80" 2 Ses Re ie re Bar bBo” bake Al Sax 4+ AB" 327 4-3.2.€12° ee ] Esta equacio ficara satisfeita, sendo A'=1, B= re : 1 SON COMSCOUMMIE. se ces se oye eye oe ee eee ee Cl = 39 Fazendo m= 4, achar-se-ha semelhantemente Fl ou 1 Rees a a pS es Alte dy Bismigss Gem gs weoDhesgs | Destes resultados se pode concluir rigorosamente , que os valores achados para os factores indeterminados (A', B', C' , etc.), sio independentes da grandeza do expoente (m) do hino- mio; ficandopor outra parte manifesta alei da sua derivagao, a partir do primeiro factor ; a saber A! B my! =e ae eS !—— — Ala) 8 o° 8 3 °D 7 &. Substituindo estes valores na expressao geral da serie (2) ; ter-se-ha (3) (Ata) = 4 ++ mer Lae —) a A ees mag a” Esta equacao encerra portanto a solugao completa do problema proposto ; e servird de formula geral para o des- envolvimento em serie de uma potencia qualquer do binomio (1-++-a), cujo expoente seja numero inteiro e positivo. Rk. B, Il, 4h 498 REVISTA BRAZILEIRA. 2. Supponha-se agora, que o expoente (m) € numero in- teiro e negativo : a equagao gerat (1) tomara a forma. se- cuinte : (4) (Aa) ed + Av + Ba? + Cr+ &e. Multiplicando ambos os membros desta equacio por (1 +a)". vira (An)°= 4 = (1 + Ax + Bx? +-C25 + &) (4-bar)™ Desenvolvendo em serie (1-+-x)" pela formula (3); execu- tando depois a multiplicacao indicada; e ordenando todos os termos , segundo as diversas potencias de (x); vira o=Alc +B |x + |e? + &e. +m + mA +m B n—1 ree iS ) aS (m— 1) A (m—4) (m—2) | —_—--——- —_—_—— +m 5) 3 Para que esla equacao de condicao tenha logar, as quan- tidades indeterminadas (A, B, C, etc. ), deverao satisfazer as equacdes seguintes, independentemente do valor de (x) : A+ m0 B--mA + ma 0 oe (m—2) haa C +-mB--m" a atm — Substituindo na terceira equacao os valores de A, e de B, tirados da primeira, e da segunda; ter-se-ha 2 SA) 8 it-4) (m--2) Bn ,c&=—m a RAT &e, A=>—™m, ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 499 Substituindo estes valores na equacao (4); vira —im m+4) 2 pt —ne+ wae mx -- m (6) (142) UV aae a Este mesmo resultado se acharia directamente, fazendo applicacao da formula (3) ao presente caso: e procedendo do seguinte modo : Pela divisao algebrica tem-se | 2 3 iia, 1—2xr +x Saat + &e. Klevando ambos os membros desta equacio 4 potencia (m) ; ter-se-ha 4 ee a He We m 7 Ses ar eee =(l—rt+a—z + &.] Desenvolvendo a potencia (m) do polynomio pela formula (3), considerando-o sob a forma de um binomio ; a saber ‘1 + (—2£ il oe sc.) > vira o segundo membro da equacio (5). 3. Se o expoente (m) é fraccionario da pray sendo (m) e (p) numeros inteiros; a equacao geral (1) se mudara ha seguinte : m ) (Ata) P m1 + Act Be®+Ca9+ &e, for ( 200 REVISTA BRAZILEIRA. Elevando 4 potencia (p) ambos os membros desta equagao ; vira (to) = (1 Aa + Be* + Cx? +80)? Desenvolvendo ambos os membros desta equacao pela for- mula (3): e passando depois todos os termos para um dos membros, ordenados segundo as diversas ROCA de (x); ter-se-ha 0 = Ap\x +B ae 4Cple° + &c —m ny ar -- poy 2AB | cig _ (p—!) (p—2) ,3 Boars +p 9 3 A (m—1) (m—2) =i eae Procedendo como se praticou no caso predente, ter-se-ha JA vm | Ap—m=o, Bp+ pe Pm = Cp + p (p—A) AB . = ») pete! (m—1) eas ee age at Wee a ea, SB, ; m—> 5 0, &e ; Pondo o valor de (m), tirado da primeira equagao , nas outras duas; achar-se-ha ~ m _ A(A—1) ,_A(A—4) (A—2) ao OS OH he. Substituindo estes valores na equacao (6) ; vira ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 201 re sae A. eae at ee pe 2 m ni 2 ae de oe is Ne Bo nn. oe ah Gat BP 2 3 Este mesmo resultado se acharia directamente, desen- volvendo primeiramente a potencia (1+-)", pela formula (3), e extrahindo depois a raiz do grau (p) desse polynomio, pelo processo conhecido na algebra elementar : mas deman- daria esse methodo um calculo muito mais laborioso. 4. Devendo a equacio (3) ter logar, quaesquer que sejam as quantidades finitas (x) e (m), como se acaba de ver; ella Bee anbe: ~ [2 subsistira ainda, pondo em logar de (x) a fracgao (=): feito o que, e multiplicando depois ambos os membros da equacao por (a); ter-se-ha (8) (a-+2)"" =a" + Pile us pees m (m—1) (m-—2) m—3 3 reheat ae E esta a formula conhecida sob a denominacio de — Bi- nomio de Newton —, 0 qual nao dera todavia uma demons- tracao geral, e rigorosa desse bello theorema : ficando isso reservado a outros distinctos geometras , e com especialidade a J. Bernoulli, cuja demonstragao , posto que nada deixa a desejar , pelo que respeita ao rigor da deduceao analytica , é, em 0 nosso entender, inenos comprehensivel para os: prin- cipiantes, do que 0 processo mais simples, e nao menos rigoroso , que havemos empregado para chegar ao mesmo fim. 202 REVISTA BRAZILEIRA. NOTA. Os factores (4’, B.C’, etc.), que entram na expressao geral da serie (2), podem ainda ser determinados por dous outros differentes modos, como se vai mostrar. 1.° Ponha-se primeiramente (—2) em logar de (x) na equa- cdo (2); e faca-se depois «= 4. Ter-se-ha (a) a—1)"" = 0 ==1 — mA’ + m(m—1) B’ —m (m—1) (m—2) C' 4- Ke. Fazendo nesta equacao m=1, m=2, m—=3, elc.; virao as equacoes seguintes : o={— Al, o—=4--24' + OB', oO 1—34A! + 6B'—6C', &c. Sendo a segunda e terceira equacao , equivalentes ao qua- drado , e ao cubo da primeira, a qual representa 0 binomio elementar da potencia (m); deverao ellas ser satisfeitas ao mesmo tempo pelos valores numericos dos factores (A’, B’, C!\: 0 que equivale a dizer-se , que todos os factores inde- ferminados, que entram na expressio geral da serie (2) , sao independentes da grandeza do expoente (m). Tirando pois os valores de (4’) e de (B') da primeira, e Ja segunda equacao, e substituindo-os na terceira ; ter- se-ha ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 203 2." Fazendo 71, na equacao (2); vira (+4) = 2!" —4 +mA' +m (m —4) B' + m(m—1) (m—2) C' + &e. (0) Escreva-se , correspondentemente a esta equacao, a equa- cao (a) Fazendo m= 1, na equacao {b); ter-se-ha Q—-1+1.4'; e A= Tirando a segunda equacao da primeira, e fazendo m2 0= 1 —mA' + m(m—1)B' —m (m—1) (m—2)C' + &e. vira == 9-94 A'=1 E’ logo (A’) independente da grandeza de (m). Fazendo m==2, na equacado (b), e substituindo nella o an ~ B= - valor de (A') ; ter-se-ha A=1 + 24-+ 2B’; Ajuntando a segunda equacao a primeira, e fazendo m=3; bo] — vira o= 2-62 > B= 1 Semelhantemente se acharia C'= a5 Mas havendo assim demonstrado, que os factores indeter- minados (A', B', C', etc.) sao independentes de (mm), passamos a exprimir os seus valores por meio de uma serie infinita. EF’ logo (B') independente da grandeza de {m). , qualquer que seja (7) 204 REVISTA BRAZILEIRA. - Ponha-se, na equacdo (b), (m—1) em logar de (m); e vira oF gt m—A)A' + (m—A) (m—2)B" +(m—1) (m— 2) (m+3)C! + &c. Fazendo nesta equacao mo : vira Paes Sis Mere (—41) Al -+ (—4) (—9) B ) + (—-1) (—2) (—3)C' + &e. Tirando 1 de ambos os membros desta equacao; vira 1 eae == — A! + 2B' — 2.3C! + 2.3.4D' — &e. Trocando 0 signal em ambos os membros desta equacao ; vira 1 (c) z = A'—2B' + 2.3.C' — 2.3.4D! + &e. Tem-se pela divisao algebrica 1 2 ¢ 4 eae —at+a— 7 + a. — A. Fazendo nesta equagao a1; vird seb +1—1+1—&e. Devendo 0 segundo membro desta equagao ser identico ao_ da equacao (c) ; ter-se-ha A'=1, —2B' = —1, 2.3C' = 1, 2.3.4D—=—1, &e.: e por conseguinte i 1 ; ! nc! all i _—es td A'=1, B= 9"? C Ty" D 23h Ke, FSTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 205 If. Desenvolvimento das funceses exponencines , € logarithmicas , ex series convergentes. 1. Seja dada a funcgao exponencial (a*), cujo desenvolvi- mento se pede, em uma serie ordenada, segundo as polten- cias ascendentes do expoente (i). Faca-se fa =: e applicando a formula i conhecida do binomio de Newton ; ter-se-ha aa ta—1)" = +h)" t—l\,., .fa—1\ (2-2): mi qahta(>)h +0(5)] ala a—l\ (7 —-2\ (4-3 oe) SS eee ee RE (A) =1.+ (15 Hh oa T+ ate) Esta segunda serie é deduzida do precedente desenvolvi- L athe = mento de (1 +h)”, executando neste a mulliplicacao dos fac- lores, que formam os coefficientes das diversas potencias de 906 REVISTA BRAZILEIRA. (h); € ordenando a somma de todos os termos. segundo as diversas potencias de (z). Na formacao dos diferentes termos da serie (4), observa-se 0 seguinle : 4.° Que 0 coefficiente de (+ 5 =) fornia-se do quadrado da serie , que exprime o coefficiente de (x), alé a potencia (h‘) , ou até a ullima potencia de (/) no termo em que parou a serie (ikke a precedente : que 0 coefficicnte de( > 33 Ji 0 cubo da referida Serie, até a mesma potencia de (h) , e semelhantemente pelo | pn) : . x ' x f que respeita aos coefficientes de (=): de ( = sabic. 2.° Que 0 numero dos termos da serie que forma o coef- ficiente de (x), é igual ao numero dos termos do desenvolvi- mento da funceao (4 +h”, menos um: de modo que, quando for este desenvolvimento expresso por uma serie infinita , sera igualmente infinita a serie que exprime o coefficiente de (zx). 3.° Que na hypothese de tornar-se infinita a serie que forma 0 coefficiente de (x), serao igualmente infinitas as series que exprimem os coefficientes das diversas potencias de (x), nos termos subsequentes: de modo que: represen- tando por (A) aquelle primeiro coefficiente , serio os outros representados ordenadamente por (4*), (A*), {A‘), ete. 4.° Que no caso de ser (.c) (expoente da funcedo binomial) numero fraccionario , ou negativo , a serie que representa 0° desenvolvimento dessa funccao sera infinila; visto que ne- nhum coefficiente de qualquer das potencias de {h), no pri- meiro desenvolvimento, podera tornar-se nullo: tendo logar 0 contrario, quande aquelle expoente for numero inteiro e positive; pois que entao sera o desenvolvimento da funceao hinomial dado por uma serie de numero determinado de termos , a menos de ser intinito 0 expoente (7). ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 207 Supponha-se, pois, que 0 expoente da func ¢ao proposta é . . . 4D . fraccionario da forma (=) , sendo o numerador desta frac- cao um numero inteiro dado: a equacao (A) tomara a forma seguinte : ae Ar wit ane ORE AP acne (B)a==14+—.—+—7-769T W793 m ae 8) zn m | a m 12! m 133 mi 1.2.3.4 +- ete. Ter-se-ha tambem , substituindo por (h) a quantidade (a—\), (c) ikea Coaail ga iy sal Bees Faga-se, na equacao (B) , ra, o que é admissivel ; por ser (m) um numero arbitrario , e podendo considerar-se como um multiplo de (A): e€ ter-se-ha 1 ae ia Fazendo ¢=2. 7192818 ; numero que representa a somma dos termos da serie precedente , approximada ale a setima casa decimal ; vira ie *. Wonde se tira log. a= A log. e; & eb lg. € Substiluindo 0 valor de (4) nas equacbes (B), e (C); ter- se-ha 208 REVISTA BRAZILEIRA. = a a A ae fig-a\e @ ! ne aaa ee a —- Bee ee ee >) 1 ( Se | al Jy artim beeline isor’ 1 a (a4) (a—iP, @—1) (a) Mise iy reste eee ig ee act +etc. A equacao (B') pode ser escripta da seguinte maneira : mc 1 im. Ig.a'\ «x goa ye (ae aes eae a tae Esta equacao subsistira ainda, substituindo-se.a quantidade 1 representada por (a>) por qualquer outra de grandeza arbi- traria , e finita, a qual podera ser a mesma quantidade repre- sentada por (a). 1 Ponha-se, pois, nessa equagao (a) em logar de (a si e vira 3 Ia.a &£ Ig. ay? x jly.a\3s 2 D a —.. — — Cte: = 1 : Ponha-se ainda, na mesma equacao, ( ) em logar de 2a+ 1 (a); e ter-se-ha 1 Jat * 3Qa4} 1 + sea) + ete. (H) Log. (a-+4) 1g. +2 ly. (say A formula (H) dara o valor do logarithmo de qualquer nu- mero dado (a), augmentado da unidade , uma vez conhecido (/og. a) pela formula (G): dependendo somente da determina- cao de (log. e), de que passamos a tratar, 912 REVISTA BRAZILBIRA. ; 1 Na formula (Z) ponha-se (a em logar de (a); e vira 1 4 4 47 = fam—4 (as— 4)? (a=— 4)? Log. am = lg. e€ car NS == ate — ete. ~ Sendo (m) um numero de grandeza arbitraria, podera elle 4 m _ an representar um valor tal, que torne a™ oug/@ tio pro- xima da unidade, quanto se queira; de modo que as potencias 4 m superiores de a—1 possao ser desprezadas para uma dada 1 approximacao do log. a™: e nesta hypothese a precedente for- mula é susceptivel de uma expressao mui simples: a saber (L) Log. a=m. lg. e | a Esta bella e util transformacao da formula geral(E), ex- pressa em uma serie de convergencia arbitraria, e devidaa Lagrange. Tem-se visto na precedente analyse, que o desenvolvimento da funceao logarithmica, sob as diversas formas em que 0 te- mos apresentado , 6 sempre acompanhado do factor constante (log. e). A determinacao numerica desse factor constante, em qual quer systema de logarithmos , da-lhe o caracter proprio que o distingue dos outros: e a esse elemento assim determinado tém os geometras dado o nome de modulo do systema. Sao conhecidos presentemente dous systemas de logari- thmos; asaber: o primitivo , denominado — Neperiano —, do nome do seu inventor Lord Neper (0 qual é tambem deno- ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 213 minado — Systema dos logarithmos hyperbolicos) , cuja base é o numero, que na precedente analyse havemos designado pela letra (e). E 0 outro aquelle, que ja anteriormente fizemos conhecer, como nome de—Systema tabular, ou de Briggs , cuja base é o numero 10. A determinacao do modulo, no primeiro systema, limita- se a fazer log.e=1; 0 que dA notavel simplicidade as for- mulas que acima deduzimos. Para determinar o modulo no segundo systema, pode em- pregar-se com vantagem a formula (L) de Lagrange ; pondo nella (10) em Jogar de (a), e 2") em logar de (m)\; e ter- se-ha Log. 10 =1—= (2") ly. | Vio—1) O expoente (n) do algarismo (2) exprime, pelo que respeita ao radical, 0 numero de vezes que se deve extrahir a raiz quadrada.de (10) successivamente, pata ter-se o valor de (log. e) com uma approximacao que satisfaga a um limite dado. Da equacao’ precedente se tira (M) Log, é= ak a =0.4342944819 2 —— >Vio—1 Este resultado, approximado até a 10? casa decimal, é tirado do calculo que fizera Briggs, para determinar o Da alo do seu systema, fazondo n==954, Wonde resulta 54 2 V 10 =1.000 000 000 000 0001278191493 R. B, III. 45 214 REVISTA BRAZILEIRA. Ficando assim determinado o modulo (M) do systema dos logarithmos tabulares , as formulas (@) e (H) bastarao para calcular os logarithmos dos terinos que formam a serie dos numeros naturaes, partindo da unidade, até o numero que se quizer fixar como limite superior: e ter-se-ha deste modo construido uma, ou mais taboas de logarithmos desse sys- tema. . If. Funecedes cirrulares desenvolvidas em serie. —— ss Sejam dadas as fancgGes sen. 7, @ cos. .v, Cujo desenvolvi- mento se pede, em series ordenadas. segundo as potencias ascendentes de {). Supponha-se que tem logar a equagao seguinte (4) Cos, s=1 — (Ax + Ba? + Ca? + Dar‘ + Ea’ +- Fa® + etc.) : sendo os coefficientes indeterminados (4, B, C, etc.) quan- tidades constantes, e independentes por conseguinte da gran- deza do arco variavel (). Ter-se-ha semelhantemente Cos. 2a 1 — (A (2x) ++ B (2x) + C(2x)° 4+- D(2x)* +- E (2a) + F(2x)° + etc.) A Trigonometria da a seguinte relagao entre cos. x, e cos, 24 ; : 9 cos. 2x4 ==2 cos.” x —1 Substituindo nesta equacao os valores de cos, 2x, € COs. x; vira ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 215 1 — (A (2x) + B(2x)? + C(Qx} + D(2a)'+ E (2x)? + FQx/ + etc.) =2 {4 —(Ax-+ Ba? -+ Ca + Dai + Ex’ + Fa’ + etc.) }>—1 Ordenando todos os termos desta equacao em um sd mem- bro, segundo as differentes potencias de (x): vira a scguinte equacao de condicao : o=2!+ 2Ala + AB |a2?-+8C |a3 + 16D.04 + 32E'as + 64F a6 +& —2|— 4A| — 4B] —AC —4 Di —A4E —A4FI +.9A7]| +4AB + 4AC} + 4AD). +UAE) + 2B?} + 4BC| +4BD, +2 C2! Igualando a zero cada um dos coefficientes das diversas potencias de («) ; virdo as equacdes seguintes, que farao co- mneeer (A,B; C., etc.).: 4 B—4AB-+ 240 B=B 8C—4C+4AB=0 Rsithok 16D—4D-+44C+ 2B’=0 D=— = 3S2E—4E+4AD+ 4BC=—0 E=0 | 64 F—4F+ 4AE+4BD+ 2C’=o re — Substituindo na equagao (4) os valores achados de (4, B, CD > etc.) ; vira 3 x + ete. ; fi B re 2 4 (2) Cos.2—1— Bu Tat 356 Seja semelhantemente (3) Sen. ¢ == Ala + Bia’ + C'x* + Dit + E's’ +- Fix 216 REVISTA BRAZILEIRA, Tem-se pela Trigonometria 2 2 4 =sen.- «+ cos.” a Substituindo nesta equacao os valores de sen. x, @ COs. x, (2, e 3); e praticando o que se fez precedentemente , vira a equacao de condic¢ao, da qual se deduzirao os valores de (A’, B', C', etc.); a saber: 2 ] 3 5 BY a ih — bl vo+ete; 3 | oe 3 —4) + 4°] 4+24'B + BP \+ QA’) 0O—1| — 2B |? Uh +2A'Cl 4+. 2 BIC + 24'E! + Br | + 2B'D' +c” donde se tira A” A'»— 2B—o0 B= 5 2.A' B!—=0 B'==0 2 ' = + B+ 2A4'C' + B?=0 ca Fk 2A'D' + 2 BIC' — D'=o RB’ Be . my ae B’ A! Sear a —+2A'E' +2 B'D'=0 E 235 Levando o desenvolvimento até (x’), ter-se-hia Fo Subslituindo na equacao (3) os valores achados de (B', C’, D', etc.) ; vira Rr > Bx + bide on ! OE a Cs 7% cab ae a (4) Sen.c—=A (x 3 + 235 ate} Resta pois determinar os valores de (4'), e (B), que deverao ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 217 satisfazer a equacgao Pie 2B=o0: o que se fara da ma- neira seguinte : Dividindo ambos os membros da equacao (4) por (x) ; vira ne Se. £ ; ( Bie be di (n) a =A Se Na equacao (n) a quantidade (= “ye resce, 2 medida que iD diminue (2); e tem por limite maximo (A Posen. E en. £ ee = i, ibe. tem por limite cos. 04; fi, tang. & tang. & cara 0 valor de (A') comprehendido dentro deste limite; e ter-se-ha portanto A’), quando é 7 =o. ; 1 A'=1; e por conseguinte B = i Substituindo estes valores nas equacdes (2) e (A) ; ter-se-ha finalmente ie fin ba (5) Cos. x= 1 ——— + + ete. 4.2 193.4. 42-3:45.6 x A hi 6 Sen. G=2 — ---— pate Si Se - 7 (6) Lite ar 4.2.3 13 4.2.3.4.5 ate Se na serie exponencial e* == 1 +- puzer-se ty ius 1) em logar de (z) ; vira 218 REVISTA BRAZILEIRA. e=1+¢2 —r —£ =} a?) A ig 1 42 1.2.3 1.23.4 ° 12.3.4.5 Git. 2 4 6 capa cs 2 12 (358. 193455 °° En | aan ‘es Ht -}- ie — ete il 2, 1.2.3 ' 1.2345 = Cos.0+4/—1 . Sen. x Ter-se-ha semelhantemente Reunindo os dous resultados precedentes, sob o signal duplo (++); vira k£ezy—i — 7) Gt = U0S- 0 oe nee i Sen. x Este bello resultado (considerado por Lagrange entre as mais importantes descobertas analyticas) é devido 4 Euler: e mostra elle por modo bem singular a relacao que existe entre as funccdes circulares € as exponenciaes, mediante 0 emprego de um symbolo imaginario. Da equacao (7) se deduzem facilmente os valores de (cos. x), e de (sen. x); a saber ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 219 y/ 1 —x/ —1 (8) Cos nes cn : 2 Wf 1 — x ria (9) Sen. x= EL cas Crea a el 4/— 1 Pondo (mx) em logar de (.x), na equagao {7}; sendo (m) um numero qualquer; ter-se-ha (10) Cos.mxz + j/ —4. Sen. max = (cos. £ +)/— 4. sen.x ae Esta engenhosa, e util transformacao da equacio (7), & devida ao distincto geometra Moivre. - Notaremos aqui de passagem , que essa equacao, conhecida geralmente pelo nome de formula de Moivre, é consequencia immediata de uma propriedade muito notavel , inherente ao desenvolvimento das funcedes exponenciaes. Com effeito , pondo (mx) em logar de (7) na equacao £ ae 1 ci e—{+— —~— + —__ | —_— _ ef¢.; iy oF 1.2 + T33 Tyro34a 0 ter-se-ha , mic mea mx mia’ cme Ve + 49s “rages x a? i Hy m = \ +7 79+ pe3t fo34T et 220 REVISTA BRAZILEIRA. Se nas equagoes nf! e =cos.0-+4/ —1. Sen. x —xr/ —1 e Sets -/ —1. Sen. & se tomarem os logarithmos de ambos os membros; vira yf — 1 Jog.¢ —=log.( Cos.x 4/7 — 1. Sen. ) ~ age ke log. e =log.( Cos. nay, — if, Sen. x ) Subtrabindo a segunda equagao da primeira; ter-se-ha cos.n +f — 1. Sen. x cos, &— // —1. Sen. x i +1. tg. £ ‘t—p/ —1. tg.2 Qayp/' — A. log. e = log. Pondo na formula conhecida a? dla 3, fh} deca wv Log, ;~— = 2og.e( Eat eet a H ete / —1.tg.a em logar de (a) ; vira ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 221 . EE! TR bao i alent 7 4) Gat pete gr pe = + etc. Esta equacao notavel (devida a Gregory, compatriota e emulo de Newton) faz conhecer a grandeza de um arco (2) do circulo, cujo raid é a unidade, uma vez que seja dada a sua tangente , expressa no raio. Sendo tg. v=o, quando 6x%#==-0; ely. c—=~x , quando _— r de = , ’ ’ ae segue-se, que a equacao (14) somente tera logar dentro dos limites do Quadrante. Tomando 0 arco de 45°, cuja tangente é igual ao raio do circulo, que supporemos ser a unidade; a formula (11) dara o seguinte resultado : { 1 1 (12) — arco de 45 ay ae cee ay + ete. wo| = ~ | Semelhantemente , sendo sen. 30°—= re ler-se-ha 1 os tang. 30° = 5 gor ie /* : € por conseguinte od . a h 4 | | /* > a5, ae As equacdes (12), ou (43), offerecem um meio obvio, e pratico, para determinar com summa facilidade, e com ap- proximacao indefinida, a razao do raio para a semicircum- ferencia do circulo; sendo esta igual.a 4 vezes 0 comprimento do, arco de 45°, e 6 vezes o do arco de 30°. 1 (13) arco de 80° == sa gict etc. 222 REVISTA BRAZILEIRA. Lagny , servindo-se da equacao (13), achou 0 comprimento da semicircumferencia do circulo, do raio igual 4 unidade , representado pelo numero m= 3.14159, etc. levando a approxima¢io até 127 casas decimaes. Sendo as circumferencias de dous circulos differentes pro - porcionaes aos seus raios, ou aos diametros; o numero (x) representara, ein um circulo qualquer, a razio constante da semicircumferencia para a raio, ou da circumferencia para 0 diametro. Pondo, na formula conhecida, ta w a’ a‘ Log. (1--a) = log. o( —-[4+5-f4 ete 4 em logar de (a); vira 1 {-La { 1 Log. 1 alo. a cea 1; pee -+ sae = ha’ + ete —1 —2 -—3 —4 Log. (1-+-a)—log. a==log.e said ae > — - +- ele. Tirando esta equacao da primeira; vira —& a—a a—a c. —1 2-2 3 —3 Log. a==loq. e i Goan ogee -+ —~—-— ete. —___———_—_—_"—_—_“~—_____ as ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 233 Fazendo nesta formula 1 1 ae | ae ; ter-se-ha i ge Ee ET poets e a a —1. log. e=log. et- j i e eG \e ae 2 a 3 e iia (3a —1 oe) a Substituindo nesta equacao as quantidades exponenciaes pelas fancedes circulares equivalentes ; a saber ay gl Sy eo — e 9 —4. Sen. x; An — 4 — Ia — 4 ey e — e = 9 — 4. Sen. 1 8a = 1 — 3a 4 oe e = 31. Sen. 3x 5 etc. vira x Sen.c Sen.2x0% . Sen. 32 Sen. 4a ceeigen tay reared Biae N AY et aan ae L ete. Esta elegante formula da a grandeza do arco (x), expressa em senos de arcos multiplos de (2). CanpipO BAPTISTA DE OLIVEIRA. : ey 8 ie! i. eee te 7 eto Pee | i ete: Phe bw SAAS ies ne “ ie . Do ; : _ . ® : hui ; ve y ¥} a ‘ ; | Be 7 ; nib p squint cores > Hatake di (ogi TNs a ; : , P are = eit —ahashee Bo} anteater eee a id ‘ ‘ ea4 is : . a : ; : é ze - 7,4 f, Pal —~ r a i } . > as, +h \¢ a5 ae ) 4% t ae ‘ * . ; ? ? . t 2 Ps f . ‘ f ee . > a } ; ite : ' - J Fs . ° ‘ 2 } . be a age , ' We See he : : , 7 im > ba r?," . er ~s ae oe = 4 i — : ' « . . . a i val ae , gg | 4! oi Fan 4 on: “i viet at) sagt Fat ; bate i“ Hees i ; +e a ear nwa cant? Mad * € ECONOMIA POLITICA Da instrucero considerada do pomto de vista ecoOmomico, O homem é uma forea productiva, e até a mais productiva de todas as forgas , porque della 6 que dimanam e dependem todas as outras. Antes porem de ser educada, pouco vale essa for¢a , por- que no estado primitivo o espirito humano é como a mesma terra, uma machina muito imperfeita. A sciencia é a sua arma offensiva e defensiva contra a na- tureza, e occupa o primeiro logar entre os instrumentos pro- prios para se adquirir 0 bem-estar. Por maior que seja 0 interesse que nos inspirem os pro- gressos agricolas, e 0 melhoramento das racas animaes; o aperfeicoamento do honem o sobrepuja, ainda mesmo do ponto de vista economico. Antes de apresentarmos algumas reflexdes que nos parecem uleis sobre os principios de uma materia, que longe esta ainda (le se esgotar, convém lembrar um principio anterior, admit- tido pela mor parte dos economistas , e que nos servira de ponto de parlida nestas investigacdes. No estado presente do mundo, em que a distribuicaéo da riqueza nao offerece 0 espectaculo dessas desigualdades mons- truosas , conservadas 4 custa e a forca de leis de privilegio , 0 problema economico consiste principalmente no augmento da produccao. 296 REVISTA BRAZILEIRA. Se cada um dos membros de que se compoe a sociedade laboriosa nem sempre obtem pelo seu trabalho, e seus es- forcos, uma retribuicao que chegue para ter o bem-estar, é porque a produccao total ainda é insufficiente. A razao ordena, portanto, que se desenvolvam as forc¢as productivas , e em primeiro logar as do productor. Como podera porem o productor desenvolver-se, e adquirir forcas superiores ? Por meio da educacao e da instruceao. Pomos em primeiro logar a educacio ; e ninguem o devera estranhar, porque, como muito bem disse Charning: « a exaltacao do talento acima da virtude é a maldicao do se- culo. » A educagao é a escola da vontade; é@ sobre ella que cumpre sobretudo actuar, porque ahi esta a origem das resolugdes humanas. O grande fim da educagao é, a nosso ver, ensinar ao ho- mem a ser util a si proprio, a elevar-se , e a elevar-se sempre; quando outros ficam estacionarios , ou principiam a decahir , € a viver sempre sob a vigilancia da consciencia e da razao. A educacao, ao passo que modifica e dirige as affeicdes e Os sentimentos, inspira ao homem o espirito de reflexao e de prudencia; e é esta a sua grande obra. E ainda a educacio que forma os habitos; poder este, de que se pdde dizer, como se diz da opiniio, que governa o mundo. Do ponto de vista especial em que aqui nos collocamos, tem a educacao uma importancia immensa e decisiva; por- quanto, ja vinguem contesta, que os bons habitos moraes sao tao necessarios as condicdes da vida economica, como 0 saber, a pericia, e o talento dos productores. Impossivel fora comprehender-se a exislencia de uma in- dustria poderusa, e mesmo do habito da economia, que é 0 seu principal alimento, mum povo, cujas feigdes caracteris- ECONOMIA POLITICA. 297 ticas fossem 0 desprezo da probidade e da justic¢a; a frivoli- dade descuidosa e deleixada, e 0 amor da ostentacao levado ao excessivo ponto de uma paixao. E indispensavel que cada productor se compenetre alta- mente do sentimento do dever. Nao é isto mera declamacao ; e se pudessemos no fim do anno fazer a conta do tempo que se dissipa, das faltas que se commettem, sd porque a religiio do dever nao se acha bem firmada no coracio de cada um dos agentes da produceao , fi- cariamos maravilhados do seu resultado. Eimfim , nao é por sem duvida quasi no dia seguinte a re- volucdes sociaes que ja attestavam profunda perturbacao dos espiritos , antes de lancarem a desordem nas transaccdes eco- nomicas, que ha necessidade de observar quanto é chimerico esperar que haja ordem na sociedade , no meio de tantos con- flictos , e de tantas paixdes odiosas, se a educagao nao fizer penetrar e infillrar na alma de todos alguma equidade, bene- volencia , e caridade reciproca. Cumpre tambem que o homem, collocado em baixo na escala social , aprenda duas cousas de igual importancia para si: uma, € resignar-se aos males que se nio podem evitar ; outra, é resistir aquelles que se podem vencer. Deveremos dizél-o ? Parece-nos ; porem, que aqui é que esta a origem de todo 0 nosso mal. Com a mesma sem razao nos revoltamos todos , e nos re- signamos. A revolta contra os males, que sao inherentes 4 condicao humana em geral, ea cada condicao em particular, so pode wazer decepcoes para quem a ella se entrega, e desordem para a sociedade; por outra parte tambem a resignacao nao deve ser levada até esse abandono de si , que produz a degradacao de nossas melhores faculdades. Tudo quanto na educacas puder contribuir para que o homem se envergonle do estado da primitiva abjeccao, e quanto {Or proprio para inspirar-lhe a vontade firme de sahir 298 REVISTA BRAZILEIRA. dlesse estado por meios licitos e honestos, merece certamente ser approvado pelo moralista , que tem em vista a dignidade dos individuos, e recommendado pelo economista que se preoccupa do bem-estar delles. . Distingue-se a instruccao da educagio ; e se hem que a ins- truccao bem comprehendida nao seja senaio uma ‘parte da educacao geral, que 6 a que diz respeilo e se dirige as facul- dades do espirito, todavia a distinecio que se faz destes dots aspectos de um mesmo e unico objecto, que é@ a cultura da natureza humana em todas as suas partes, tem chegado até a uma especie de opposicao. Assim é que a educacio moral nio carece de defesa ; mas nao se da o mesmo a respeito da instraccao propriamente dita. A instruceao ainda inspira muita desconfianga, e muitos es- piritos se preoccupam dos seus perigos, quer relativanente 4 humanidade em geral, quer em relacio as classes operarias. Nao ha quem nao tenha lido o celebre Discurso de Rousseau sobre a influencia das sciencias, das letras e das artes, e sabem todos de quantos males nio accusa elle a instraccao. Quem nao dira que nao é isso mais do que um paradoxo? _ Entretanto talvez Rousseau nao fizesse senao exprimir uma opiniao muito espalhada, e arraigada em muito bons espi- ritos. Os que pretendem que os crimes augmentam com a Ins- truccao, e em virtude dos progressos que ella faz , raciocinam exaclamente como esse espirito misanthropo , que tratam de sophista. Os que sustentam que a humanidade se corrompe 4 medida que se vaiinstruindo; os que dizem que 0s povos os mais civilisados sio os que estio mais proximos da decadencia ; exprimem por ventura oulro pensamento, que 0 philosopho panegyrista da vida selvagem, a quem Voltaire, para 0 com- primentar dizia, que lendo os seus escriptos , linha vontade de por-se a andar de quatro pes? ECONOMIA POLITICA. 229 Em nossos dias, ninguem tem tal desejo, mas e certo que muitas pessoas nao deixam passar occasiao alguma de mos- trar que temem esse excesso de civilisagao e de Juzes; mal que ja nos ameaca, segundo pensam, se é que ja nao nos arrasta para 0 abysmo da decadencia. Sera porem fundado esse temor, e havera realmente de que nos inquietar? Nao, de certo; basta considerar qne a igno- rancia e arotina ainda dominam em muitos pontos ¢ locali- - dades. A insufficiencia de conhecimentos exactos e precisos, de habilidade profissional, quasi por toda a parte; as capa- cidades falfando para os logares, muito mais do que falta Os logares para as capacidades, tal é a muitos respeitos, e nao obstante os successivos melhoramentos que se tem realisado de cincoenta annos para ca, 0 verdadeiro estado da sociedade laboriosa. Estamos convencidos que nao se repetiria tanto que «ha homens de mais» , se houvesse mais homens en estado de trabalharem para si e suas familias; capazes de arrancar a ferra 6 a industria uma quantidade maior de product is uteis , e de empregal-os com mais previdencia e habilidade. Sea fe, naordem moral, pide levantar montanhas, ne- nhuma duvida ha de que a capacidade industrial na produc- Gao, eo poder da economia, sao capazes de operar iguaes milagres, na ordem economica. Quando se trata de assumptos desta ordem, que entendem com os pontos mais fundameniaes da moralidade , e as con- dicdes mais essenciaes da economia politica, como o livre arbitrio , a justificagao das machinas, e dos processos novos e aperfeicoados de produccio; o trabalho livre, a innocuidade e os beneficios da instrucgio , forgoso é ir a uma questao su- perior ; isto é, indagar se o mundo, como esta, é bem ou mal feilo ; se a grande lei que o rege 6 uma lei de harmonia, ou uia lei de contradiccio; ora, por isso que 0 mundo subsiste, devemos crer que a ordem sobrepuja a desordem: Neste sim- k, B. Ill, 416 930 REVISTA BRAZILEIRA. ples enunciado ja se acha uma justificacio da instruccao, e como que uma inducgio certa de que, existindo ella na or- dem, € em si um bem e nao um mal. E, na verdade , a exis- tencia de necessidades imperiosas , que 0 homem nao pode deixar de satisfazer, sob pena de perecer, suppoe a idéa de faculdades aptas para descobrir os meios, sem 0s quaes a sa- lisfacao dessas necessidades seria impossivel. Aqui esta, portanto, reconhecida a necessidade da instrue- cao. Essas necessidades podem, com se sabe , tomar grande desenvolvimento; donde resulta tambem a existencia de fa- culdades perfectiveis , sem as quaes soffreria 0 homem 0 sup- plicio de uma impotencia absoluta, de uma contradiccaio, nao parcial , mas radical e completa entre as suas necessidades e os meios de satisfazél-as. E isto uma supposicao, que repugna a razao, e que é con- traria a experiencia. E a supposicio que condemna o homem a cultivar suas faculdades, e asd encontrar a desgraca como unico resultado dessa cultura, sera por ventura menos ab- surda? ’ Sem duvida, o privilegio do saber pdde trazer comsigo novos soffrimentos e novos perigos; ninguem o contesta; e os mais sabios tém muitas vezes occasiao de reconhecerem ; com amarga e pungente d6r, quanto sao estreitos os limites da sciencia humana. A vaga percepcao desse mundo desconhecido, que recta sem cessar, arrancou ao illustre philosopho Royer Collard essa especie de grito intimo, ou dolorosa confissao , que a sciencia humana nao faz mais do que « desviar a ignorancia da sua mais longinqua e elevada origem » , expressao bella e verdadeira, e que explica o que levamos dito sobre os soffri- mentos inherentes ao privilegio de saber e de pensar. O mysterio por toda a parte nos cerca e nos esmaga: dahi vém para a reflexao as incertezas cheias de angustias; dahi nasce a inquietacio dos systemas , 0s ensaios e tentativas de ECONOMIA POLITICA. 931 solucao de toda a especie, e que o espirito humano considera por algum tempo como definitiva, e de que depois se abor- rece ; semelhante ao doente , que se revolve no leito, e que acaba por achar insupportaveis todas as posicOes que procura para alliviar seus males. Tudo isto, repetimos, é exacto e muito exacto , e por sine parte tambem é infelizmente verdade que toda a forea nova, que se adquire, inspira a tenfacdao de abusar-se della. Ora, 0 que é a instruccao senao um poder, una forca? E natural, pois, mormente em épocas de perturbacao moral, que se faca mau uso desse instrumento, se a educacao nao o vier im- pedir. Nao é, porém , isso, razao sufficiente para condemnal-o e proscrevél-o, 0 que seria tao pouco sensato como proscrever 0 vapor por causa dos accidentes e desastres das estradas de ferro, ou as Machinas por causa das crises do trabalho. Em ultima analyse, a humanidade deve colher beneficios e vantagens da cultura de suas faculdades, que constitue para ella, segundo o plano da Providencia , uma necessidade, e ao mesmo tempo um dever; ou entao, deve-se reconhecer que nao é uma lei de harmonia, senio a mais absurda contradic- cao, € a mais incomprehensivel loucura, que governam oO mundo. Nao sera, porem, ja muito bastante, que a contra- diccao e o mal tenham no mundo um grande, triste e eterno logar, para que ainda vamos tornal-os soberanos e omni- potentes ? Talvez incorramos na censura de insistirmos de mais sobre verdades tao conhecidas , que nem precisam exprimir-se. Seria, porém, isso, uma injustica; e a prova esta no poder da opiniao pouco favoravel 4 instruccao popular. Nao nos illu- damos: nada nestes tempos deixa de soffrer contestacio ; assiin é que uma idéa, que, simplesmente enunciada , pare- ceria alte trivial; por exemplo, a utilidade da instrucgao , le- vanita montoes de objecedes e de duvidas, logo que se trata 939 REVISTA BRAZILEIRA. de por em pratica 0 aphorismo, ao qual todos se inclinam ; e ém vez do accordo tao unanime, que chegaya a ser monotono, - apparecem os mais violentos dissentimentos , e 0 povo acaba por nao saber em que ha de crer. A Economia Politica nos ministra, a cada momento, a de- monstracao desse estado, por assim dizer, fluctuante e con- lradictorio da opiniao; quer seja porque o publico nao saiba 0 que pensar de tal on tal principio , quer seja porque, ad- mittindo 0 principio, raciocina, como se o ignorasse ou ne- gasse. O que acabamos de dizer da instruccao poderemos applicar i idéa mais geral da civilisacao, cujo desenvolvimento cons- tilue, em ultima analyse, 0 principal objecto da Economia Politica. Se, como julgamos, a moralidade e a riqueza nao sao dous termos de uma antithese ; se estas duas ideas, pelo contrario, fém entre si nuimerosas e estreitas relacdes, difficil @€ deixar de admiltir, que aquelles que accusam a civilisacao de cor- romper a humanidade, cahem wWuma grande confusao de idéas. Examinemos mais um pouco este ponto. O que é que se quer dizer, quando se emitte a opiniao tao geralmente aceila, que o homem corrompe-se pela civili- sacao ? Nao havera nislo alguma prevencio, algum idolo (como dizia Bacon) , que preoccupa 0 espirito ? Nao se amesquinhara a nocao de civilisacio , reduzindo-a arbitrariamente ao luxo, aos prazeres materiaes, as artes e as luzes, que se concentram em certas classes, e se confundem muitas vezes com a immoralidade e 0 sophisma ? Sera por ventura bem comprehender a civilisagao detinil-a por um unico, ou sod por um certo numero dos seus attributos, ou pelos abusos que della se pode fazer ? Emquanto a nods, parece-nos que a civilisagao é a cultura, ECONOMIA POLITICA. 233 por assim dizer, do homem todo, ou talvez com mais proprie- dade , de toda a humanidade, em todas as faculdades de cada individuo , como em todos os individuos que a compoem. A verdadeira civilisagao nao é parcial,enem oligarchica; nao exclue nenhum dos aspectos da natureza humana, e en- cerra em si a moralidade, assim como comprehende a ins- truce2o. Uma civilisacao immoral nao é portanto uma civilisacao excessiva , mas sii incompieta. Uma civilisacao , que se funda e baséa na injustica, ena desigualdade abusiva, nao é senao uma mistura de civilisa- cao e de barbaria. Um povo, verdadeira ec completamente civilisado , nao é aquelle em que as artes estao corrompidas , as idéas sophis- madas, e em que ha abuso de gozos e prazeres sensuaes; um tal povo sO 6 meio civilisado , quando muito; um povo, ver- dadeira e completamente civilisado, @, ou, antes, seria um povo moral, instruido, religioso, sem supersticOes vaas ; phi- losopho, sem gosto para os paradoxos; apaixonado das artes, sem materialismo; que possuisse vaslos e immensos recursos, sabendo usar deiles com prudeneia e crifterio; e que, além de tudo isto, gozasse de uma liberdade assaz extensa, no meio da ordem regular. Quando um destes elementos falha, ja nao existe a imagem perfeita da civilisagao; e entio, ou so reina na superficie , ou apparecem lacunas e manchas deploraveis. Tal foi a civilisacio das sociedades antigas, A idea, que suppoe a civilisagao, tomada na sua mais larga accepgao , e definida como a mais elevada cultura possivel do complexo de todas as nossas faculdades , exclue até o pen- samento de excéesso. Por sem duvida, pode-se ter sciencia de mais, artes de mais , prazeres em excesso, mas nunca civilisacao de mais. O que se chama excesso de civilisacdo , com a mesma sem- * 934 REVISTA BRAZILEIRA. razaio com que em Economia Politica se diz, que ha excesso de producg#0 , nao & senao uma falta de equilibrio. O que 6 verdade @ que a producgao geral e total nunca pode ser excessiva, porque a humanidade nao pode nunca ter de mais, e em excesso, cousas ou objectos, que sao uteis e necessarios & vida; e nunca tambem, mesmo nos paizes Os mais ricos, chegou a produccao a esse ponto le abundancia ; W@onde se conclue. que a palayra excesso dever-se-hia sub- stituir a palavra insufficiencia, que é muito mais justa e apro- priada. Portanto , o que o homein deve fazer é conquistar, para a civilisacio , a porcao ainda mui consideravel de barbaria, que existe em nossas sociedades ; e nao, e de modo algum pos- suir-se de um terror pueril e vaio, pelo excessivo desenvolvi- mento da civilisag*o. Se ha, na verdade, alguma cousa evidente no mundo, é isto que acabamos de dizer. Bastam, nos parece, as observagoes que precedem, para repellir essa especie de excepcao peremploria , que se oppoe aos que ainda se animam a fallar da necessidade de derramar a instruccao , como se fossem intelligencias temerarias , eiva- das dos mais‘arrisca los e perigosos paradoxos. Il. Quaes sio as condigdes mais essenciaes, que a instrucgao deve satisfazer, para lornar-se uma causa e origen do bem - ‘estar e prosperidade ? Quaes sao as razdes que reclamam a intervencao da ins- truccao na industria, ou antes no complexo dos trabalhos , que tém por fim empregar a materia para 0 servico @ satis- facio das necessidades do homem, por meio da produccgao directa e da permuta? ECOMOMIA POLITICA. 935 Toda a instruccao deve, tanto no interesse da riqueza, como de todo outro qualquer ponto de vista , satisfazer a uma con- dicio dupla: ser ao mesmo tempo geral e especial. 0 que éinstruccao geral? E primeiramente a que confere certos instrumentos indispensaveis a todos, como ler, escre- ver e contar; em segundo logar, é a que se propde fazer do espirito o excellente instrumento, que se destina a investigar e a descobrir a verdade , e que para isso deve aprender a ob- servar com exactidao, a reflectir com madureza, e a concluir com justeza, qualquer que seja o objecto a que se applique. A instruccao geral comprehende o complexo das faculdades intellectuaes; pio culliva nenhuma dellas exclusivamente , e trata a intelligencia como uma forca superior e preexistente. Quaes sao 0s meios mais seguros para dar a esta oymnas- lica intellectual toda a forca e todo o poder de que é capaz? E evidente que, quaesquer que sejam, nao podem ser iden- ticamente os mesmos em todos os graus de instruccao. Pode-se discutir se o melhor instrumento de uma tal cultura é, quanto 4 instruccao secundaria, 0 estudo profundo das lin- goas mortas, ou immortaes da antiguidade, tao ferteis em obras primas; pdde-se mesmo indagar se nada poderia sub- stituir o trabalho da traduccao , que fazendo penetrar no es- pirito um certo numero de idéas geraes, e de sentimentos elevados pertencentes a todos os tempos, obriga a intelligencia alutar com as mais delicadas e imperceptiveis modificagoes e gradacgdes do pensamento e da expressio; pdde-se tambem indagar se esta ordem de estudos é que mais convém 4 maioria das intelligencias, mesmo nas classes mais abastadas da so- ciedade; tudo isto 6 uma questao de applicacao, de que nao nos devemos occupar aqui, e cuja solucao nao entende com as classes populares, que nao aprendem o grego nem 0 latim. Limitar-nos-hemos apenas a sustentar, que a instrucgao geral corresponde a uma necessidade commum a todas as classes ; porque, prescindindo-se da diversidade de vocacoes, 236 REVISTA BRAZILEIRA. e de carreiras , que sd mais tarde determina a escotha dos in- dividuos, e que exigem entao estudos especiaes, ha uma srande e preciosa unidade aconservar-se, a augmentar mesmo, se for possivel, entre todos os membros que compoem a grande familia, nacional, social ou humana. Todos sao co-parlicipantes da natureza humana; e 6 justa- mente essa Datureza humana que se deve desenyolver, tanto nas ideas , como nos sentimentos que constituem a sua digni- dade e asua nohreza, e que thes permitte sentirem-se iden- licos de umn a outro limite do mundo, relativamente a certas idéas essenciaes. Sem essa instruccdao geral, ter-se-ha o es- pectaculo da diversidade de idéas, de linguagem, de habitos e de costumes, que manifesta a natureza humana, tao fertil em contradiccoes. A sociabilidade exige, pois, o desenvolvimento, por meio da instruceio e da educacado, dessa unidade sem a qual nao havera senao individaos isolados, e nao homens ligados por communhao de crencas, ¢ por sympathia de opinides e de ma- neiras de sentir. Em cada época ha como que um patrimonio intellectual e moral, que constitue o cabedal ouo fund) commum da civili- sacao: eéjustamente deste cabedal que devem todos com- partilhar, e que podem repartir entre si, sem empobrecer ninguem, e pelo contrario enriquecendo a todos; é@ ainda este mesmo patrimonio, que devem tomar como ponto de par- lida dos progressos ulteriores , que sempre ficam para realisar. Nao sera uma vergonha, e ainda mais um flagello e um perigo para a civilisacao do seculo 19 , que haja homens para OS quaes a moral christaa como que nao existe, e por quem passaram dezoito seculos de civilisacao moderna, sem deixar 0 menor vestigio Nalma? Nao sera uma vergouhae um flagello. que com esses pagaos da civilisacdo moderna, que podiam ter nascido entre a plebe do.tempo de Augusto e de Tiberio, viva uma porgio de ho- ECONOMIA POLITICA. 237 mens, que ainda estao na média idade com as suas grosseiras supersiic¢des , para quem os seculos 17 e 18, e 0 grande movi- ‘mento de 1789 sao como se nunea tivessem existido ? Nao sera por ventura um dever para todos nds o trabalhar, para que nao haja mais homens completamente desherdados desse patrimonio commum, dessa heranca moral dos secalos, que forma, por assim dizer, a alma da humanidade ? A essa grande necessidade da instruceao geral corresponde quasi por toda a parte a insiruccao litteraria. Sem duvida alouma, as letras devem entrar em grande parte na_ satis- facdo dessa necessidade , sobretudo a proporcao que se eleva 0 grau de insiruceao. Mas as letras e as sciencias , que se en- sinam conjunctamente, ou 4 parte, bastarao para a instruceao do productor ? ’ Antes de ser instrumento animado, o intermediario intelli- gente que preenche e executa um fim particular é 0 productor membro da grande sociedade laboriosa. E nao sera, pois, uma necessidade , 0 reservar uin logar na sua instruccao, para o ensino moral, e para curtas nocgdes de economia politica e social ? Parece difficil que um homem, que nao conhece os seus deveres, nem tem idéa exacta dos seus direitos, nao se torne, mormente bestes tempos, no meio de tantas excitagdes e ten- tacdes, que por toda a parte o cercam, um instrumento de um partido ou de um poder, ou um descontente em perpetua conspiracao contra a ordem social. Esta ignorancia da moral social nunca produzio senao a mais profunda degradagio, ou o mais louco espirito de re- Volia, e muitas vezes uma e outra Cousa ao mesmo tempo. E 0 que diremos nds desses ferozes preconceitos , dessas anti- pathias furiosas contra os estrangeiros , sentimentos em que tem origem 0 cego e fatal espirtto guerreiro? A moral, na sua * parle social, a que trata de nossas relacdes Com Os nossos se- inelhantes, é a unica que pode fazer penelrar nos espiritos 238 REVISTA BRAZILEIRA. \ luzes e conhecimentos, que interessam, tanto a saude e ao vigor da alma, como a razao publica e 4 formagao das riquezas. Nao esquecamos tambem que a moral tem por missao, nao 30 instruir 0 homem dos seus deveres para com a sociedade , mas tambem dos seus deveres para comsigo proprio e para com Deus. E aqui nao se pode deixar de observar, que a boa ou ma direccao , que se der ao ensino moral, deve influir poderosa- mente na produccao, ¢ que a sua completa ausencia deve dar logar a funestissimos erros ; assim é que as escolas ruraes e primarias, estabelecidas ha cerca de oitenta annos no norte da Allemanha, e em época anterior na Escossia presbyteriana, produziram optimos e admiraveis resultados. Nao se tem po- rém insistido numa circumstancia importante, e vem a ser que esses estfabelecimentos escolares tinham um fim essen- cialmente moral e religioso; era na Biblia que se ensinaya a ler aos filhos dos operarios e dos camponezes; e os outros livros, que depois se lhes davam para ler, eram meditacdes moraes, reflexdes sobre as maravilhas da natureza , historias verdadeiramente patrioticas , e narracao de accdes proprias para honrarem a natureza humana, as quaes se accrescen- tavam nocdes sobre as sciencias e as artes. A instruccao primaria , dada nestas condicdes , fortifica as inclinacdes boas e honestas; reprime as mas lendencias ; con- serva 0 espirito de familia, 0 amor da patria e os bons cos- tumes. Outro tanto diremos dos principios elementares de eco- nomia politica e social, (que se ensinam quasi por toda a parte, excepto em Franea) (1) cuja ignoranciaé, por assim dizer, 0 (1) Seria loucura o pretender-se que nas escolas primarias do Brazil , mesmo nas da capital do Imperio, se ensinassem os principios elementares, ou rudi- mentos da Economia Politica, que nao se aprendem nem nos estabelecimentos de mais elevada instruccao. Despindo-se porém os principios economicos das suas formas e yestes scienti- ECONOMIA POLITICA. 239 passaporte do erro, e constilue uma lacuna na instrucgao geral, com que quizeramos enriquecer e Grnar 0 espirito de todos os productores , quer grandes , quer pequenos. ; Além do grande proveito que com isso teriam suas facul- dades, habituando-se a conbinar as idéas, e a reflectir nos phenomenos e nas relag@es que os ligam, obteriam, com 0s ¢0- nhecimentos positivos que dia Economia Politica, metos para triumphar de uma nova crisa de perturbacao e de desgraga. Com effeito, sapponhamos que esse tal ou qual conheci- mento da economia social ndo existe em nenhum dos graus ecamadas da popalagio: vejamos o que acontece. Um povo inteiro, que ignora as leis naturaes que regem o trabalho e as riquezas, e nio sabe nesmo9 que taes leis existem, fara depender a sua salvacio e sua felicidade das revolugdes em- prehendidas em nome das mais chimericas idéas de renovacao social. Hoje, applaudira elle um charlatao ou um louco, que pretenda enriquecél-o com um montao de papeluchos, a que se chama moeda. Amanhia, invocara prohibicdes contra os productos estrangeiros, embora venha a pagar tudo mais caro, e corra 0 risco de nao ter os objectos mais indispensaveis a vida (1). Aqui, queimara nas pracas publicas as machinas que ficas, ficam apenas phenomenos sociaes , factos da vida quotidiana , que estao ao alcance de todas as intelligencias, ainda as mais tenras, e que poderiam ser assumpto e objecto de leituras faceis, agradaveis e instructivas. Os contos sobre a Economia Politica de Miss Martineau , e os Manuaes de moral e de economia politica, publicados por occasiao do concurso aberto pelo Instituto de Franca , nao sao de mais difficil comprehensao que as historias de Simao de Nantua, e os Tratados de historia universal, que andam por ahi nas maos dos meninos, e que s6 servem para falsear-lhes e corromper-lhes 0 espirito. A traduccao e vulgarisacdio do manual que obteve o premio do Instituto de Franca seria a nosso ver um servico de grande alcance que se prestaria ao paiz. M. O. F. (1) Nao esta a Franca a este respeito mais adiantada que o Brazil, e, para consolo nosso , talvez devessemos dizer que esta mais atrasada. Causa realmente do 0 que se diz e 0 que se escreye entre nds acerca de ques- 240 REVISTA BRAZILEIRA. Ihe iam dar um novo producto mais barato, e obrigay 0 em- presario de industria a e:npregar dez vezes mais operarios que d@antes. Acola, maltratara os atravessadores; isto é, 0s nego- cianles de cereaes, que cspalhando a mercadoria por uma su- perficie extensa, nivelam por toda a parte os precos, e im- pedem os horrores da fome de se manifestarem perto de uma colheita superabundante, que feria arruinado o lavrador pela baixa excessiva dos precos. Outras vezes reclamara as leis do maximum, ou, convencido da hostilidade radical entre o tra- balho ¢ 0 capital , exigird o angmento dos salarios por meio da intervencao abusiva da forca ou da let; tornar-se-ha adepto dos systemas de organisacio do trabaliio, de que seria elle a primeira victima: exigira a taxa dos pobres que pesaria uni- camente sobre 0 operario laborioso; em uma palavra, com todo o fervor e tenacidade da ignorancia presumpcosa, en- tregue as suas proprias illusdes, e abandonada como uma preza aos fazedores de experiencias sociaes in anima vili, em- pregara esse povo, baldo de principios elementares de eco- nomia politica, todos os seus esforcos e recursos para fazer mala si proprio, e desmoronar o edificio do bem-estar que com tanta difficaldadee sacrificios principiava a levantar se. Dissemos que a segunda condicio da instruccao era a de ser especial; e @ sem duvida por meio da diffusao da instrue- cao especial que as riquezas podem chegar ao mais alto grau de desenvolvimento. E aqui que se encontra a maior difficuldade, e principal causa de divisao entre Os espirilos; porque nio sd e pouco facil dar conjuncta ou suceessivamente duas ordens ou es- toes em que a sciencia economica tem chegado ao ultimo gréu de positivismo e evidencia. . Outra prova nado precisamos apresentar, além dessa prolongada aberragao da opiniao publica , na questao banearia, que foi levada ao parlamento na sessao do anno passado. M. O. F. ECONOMIA POLITICA. Q4] pecies de ensino, que exigem muito tempo, e que sao suscep- tiveis de formas e graus mui diversos, segundo as classes da sociedade a que se destinam; mas é que, além disso, quasi que negam alguns a utilidade da instruccio especial , ou su- bordinam-na 4 instruceao geral; ao passo que outros parecem crer que o ensino especial nunca occupa demasiado logar, e deve principiar o mais cedo possivel. Neste systema principia oO menino por aprender um officio, e depois é que vem a ins- truccao geral, como for possivel ; julgando sem duvida, que sd oensino de uma profissio poe em movimento bastantes idéas e factos, e exercita bastantes faculdades, para que a educacaio geral da intelligencia seja dada, por assim dizer , como accrescimo. Este erro, a nosso ver, deve ser forlemente combatido ; porquanto o conhecimento dos processos e das operacdes de um officio, ainda que seja complicado, ou de uma pro- lissa0, ainda que se supponha elevada, nao da ao espirito idéas geraes , nem sentimentos moraes, nem mesmo a facul- dade de adquiril-os. . A instruccao especial produz na ordem intellectual os mes- ios effeitos , que 0 exercicio exclusivo de um sé dos nossos membros na ordem physica; hypertrophia, por assim dizer , afaculdade que se exerce sd, em detrimento da substancia dlas oulras, como faz a dansa para as pernas do dansarino de profissao, e em outras profissdes 0 habito de exercer constante - mente os bracos; haja vista 0 que na esphera das idéas mo- raes e sociaes tem até aqui produzido a instruccao exclusiva- mente mathematica e scientifica. Homens habituados a Wrabalhar sobre quantidades abstrac- las, sobre numeros insensiveis, sobre toda a casta de objectos que se deixam classificar e manipular, sem oppdrem a menor resistencia, quando lhes vein a velleidade de se occuparem lambem como coracao humano e coma sociedade, nao éde certo para estudal-os em seus variados phenomenos , tendo 242 REVISTA BRAZILEIRA. em vista essa multidao de modificacdes delicadas, que os com- plicam , e essas influencias e resistencias occultas, que nem sempre € dado dominar nem mesmo prever, mas é unica- mente com o fim de transtornar e refazer tudo de novo e vasar num molde ideal. Esses espiritos positives que, se- gundo se diz, habituam-se 4 precisio e justeza estudando a geometria, Sao justanente os que se tém mostrado os mais chimericos e temerarios utopistas do nosso tempo. Assim é que Fourier e seus principaes discipulos, ora se deixam seduzir e embriagar pelo espectaculo de uma harmonia imaginaria, sobre o qual modelam a humanidade conforme ao typo daastronomia, e ora censuram e crilicam a nossa civilisacao com azedume e violencia. Foi tambem do seio das mathematicas exclusivas que sur- giram outros visionariis, que felizmente no meio das nossas ultimas revolucdes, limitaram-se a representar o papel de Ar- chimedes distrahido, tragando na aréa suas imperturbaveis figuras de geometria applicadas 4 sociedade, quando tudo 4 roda delles estava a ferro e a sangue, esquecidos de que, se a sociedade é uma especie de colméa, é@ todavia uma colméa que se quebra em mil pedacos, desde que a querem fazer muito regular de mais, e que as abelhas nao fabricam mel senao trabalhando 4 sua moda, e divagando pelos ares, como lhes pede a phantasia. Sem embargo, pois, das difficuldades do problema, @ mister que se trate de conciliar a instruceao geral com a instruceao especial. Sem querermos entrar aqui na discussao dos meios mais proprios para operar esta conciliacio necessaria, diremos sempre, de encontro a opiniao que parece prevalecer, que estas duas especies de ensino devem ser separadas. Para as classes populares, a instruceao primaria corres- ponde a instraccao geral; mas a escola nao se deve confandir com 0 aprendizado de um officio: para cada cousa seu tempo, ECONOMIA POLITICA. 243 e para cada genero de estudo e de ensino, suas escolas e me- thodos especiaes. Desconfiemos desses programmas, que fazem milagres e maravilhas no papel, dando aos pais inexperientes a idea falsa de que seus filhos hio de sahir dos bancos dos collegios doutores em todas as sciencias; 0 que daria como ultimo resultado a perturbag to completa do espirilo humano desde a mais tenra idade, se felizmente nio fosse o perigo attenuado em parte pela impossibilidade da execugao. Vita brevis, ars longa; deveria este axioma estar sempre presente & lembranca desses fornecedores de instrucgao re- pentina e universal, que querem ensinar tudo a todos, e que parecem partir de uma destas duas supposicoes igualmente inexactas: ou que seus alumnos levam vinte annos a estudar, ou que cada sciencia se pode ensinar em uma ou duas semanas. lil. A instruccio especial, como se acha organisada , tambem nos parece insufficiente ; e quando muito existe ella apenas para algumas profissdes em Franga (4). (1) Outro tanto podemos nds dizer a respeito do Brazil. Essa necessidade de insiruccao especial e profissional ¢ satisfeita entre nds com o ensino das escolas de medicina, de direito e militar, de marinha , de alguns seminarios episcopaes , ¢ da academia das bellas-artes. Serao porém essas as unicas vocacdes dos individuos de que se compoe a nossa sociedade ? O Instituto Commercial , expressao de um pensamento generoso e intelligente, nao preenche infelizmente os fins da sua creacao ; basta, porém , reformal-o, para que se torne ainda wma instituicas util, e allamente proveitosa para 0 paiz. A agricultura e a industria nao tém orgao algam no ensino publico ; dir- se-hia que nao sao fontes de riqueza, e que nao precisam de instruccao para O seu desenvolvimento e aperfeicoamento. Nao queremos, porém, que 0 nosso paiz principio por onde outros acabam ; nao queremos academias de industria e de agricultura , nem estabelecimentos orga- Qt. REVISTA BRAZILEIRA. As escolas de minas, e de pontes e calcadas; a escola flo- restal, e a veterinaria de Alfort; a escola de marinha, ami-- litar de Saint Cyr, e algumas oufras do mesmo genero, sao verdadeiras escolas profissionaes. O ensino industrial conta mui poucas escolas; apenas exis- tem algumas, isoladas umas das outras, e que nenhuma in- fluencia exercem na vida quotidiana das populacodes. Tambem temos em Lyao a escola de Lamartiniere, que cor- responde 4 instruce2o profissional. » Em Pariz ha alguns outros estabelecimentos , que estio por assim dizer nos ultimos limites da instruccao geral e da ins- nisados como os que tém os paizes muito mais adiantados do que o Brazil; que remos, e desejamos ardentemente, que se faca alguma cousa adaptada e accom- ~ modada ds nossas circumstancias, : Emquanto nao pucermos , e nao devermos ter Inslitutos agi onomicos como o de Versailles , e mesmo escolas como as de Grignon, tenhamos estabelecimentos onde praticamente se ensinem os processos da lavoura , e onde yao aprender os filhos dos nossos lavradores, como se faz na Inglaterra; os resultados serao mais certos e mais promptos. Emquanto as nossas circumstancias nao permittem a creacao de um estabeleci- mento como a Escola Central de Pariz , tenhamos alguma cousa que se appro- xime mais ds — Mechanic’s institutions —da Inglaterra, ou 4 escola de Lamar- tiniére de Lyao, que tao bons resul'ados tem constantemente produzido. Principiemos por cousa ainda mais simples, e cujos resultadus serao, quanto 4 nés, ainda mais infalliveis. Principiemos pela creacao e vulgarisacdo de escolas de desenho , ainda mesmo o linear ; nada ha que melhor forme e rectifique 0 espirito ¢ o prepare para 0s trabalhos industriaes. A superioridade incontestavel que mostron a Franca na grande Exposicao Universal de Londres é attribuida por Dupin 4 vulgarisagao do desenho linear , cujo ensino se deve sobreiudo a9 governo da monarehia de Luiz Felippe. A necessidade do ensino do desenho ¢ tio seatida pela populacio do Rio de Janeiro, que ja ua associacao particular tem emprehendido satisfazél-a, A Sociedade Propagadora das Bellas-Artes creou um Lycéo de artes ¢ officios, em que o conhecimento do desenho ¢ facultado a todas as pessoas que 0 desejam. Folgamos ter uima oceasido de patentear os servicos que 4 industria do paiz presta essa util e patriotica associagao, M. O. F. — ee ECONOMIA POLITICA. 945 truccao especial, e que satisfazem as necessidades indus- triaes e commerciaes da classe média, e da por¢ao mais ele- vada das classes operarias ; esses estabelecimentos, porém , nao sao numerosos, nem sufficientes para um paiz como a Franca. Devemos aqui distinguir duas cousas, que ordinariamente se confundem ; a saber: o ensino industrial, que tem por fim preparar productores, antes da escolha de um officio, e o en- sino profissional, propriamente dilo; estas duas especies de ensino tém relacdes intimas entre si, mas nao se devem con- fundir. As escolas de artes e officios , estabelecidas em Chalons , em Aix, e em Angers, dependem do governo, e tem um ¢a- racter mais profissional que o alto ensino industrial do Con- servatorio das artes e officios de Pariz, em que predomina a theoria. As escolas de artes e officios tém por fim formar operarios habeis; cada uma dellas divide-se em quatro officinas, que sio: forja, fundicaio, marcenaria e apparelhos ; e offerecem um nivel de ensino, que pode servir para termo de compara- cao e modelo. Esta qualidade a nenhum outro estabelecimento compete melhor do que 4 escola central de artes e manufacturas, que tem por fim formar engenheiros civis, directores de officinas, chefes de fabricas e manufacturas, e que comprehende quatro especialidades, que correspondem a quasi todos os ramos do trabalho industrial; a saber: artes mecanicas, artes chimicas, metallurgia e construccao de edificios. Em algumas grandes cidades industriaes ha outras escolas locaes destinadas para estudos inteiramente especiaes , como 0 desenho para estofos, a tecelagem, a lithographia, etc., etc. Nao obstante tudo isto , o ensino industrial ainda nao é em Franca o que exigem as necessidades da época, e 0 interesse das classes operarias. R. B, III, 47 246 REVISTA BRAZILEIRA. E nao se pense que esta censura se dirige unicamente a Franca ; de alguns annos para ca tem a Belgica feito grandes esforcos para organisar um modo ou systema especial de ins- truccao. Uma lei de 1850 ordenou a organisacao do que se chama ensino médio. Os estabelecimentos creados para esse fim sao de dous graus: escolas médias superiores, e escolas médias inferiores, as quaes podem depender do governo, das provincias, ou das municipalidades. As escolas médias superiores comprehendem duas seccodes, uma para humanidades, e outra para 0 ensino profissional, e servem mais para as classes abastadas do que para as classes operarias. Na Prussia, e algumas outras partes da Allemanha, ha bons estabelecimentos de instruccao profissional, e é escusado dizer que na Inglaterra tambem os ha. Entretanto, nesta terra da industria, a instruccao profissional esta longe de ser tao adian- tada, e desenvolvida como se poderia pensar. Na Inglaterra pensa-se, com muila razao em alguns casos, mas exagerada- mente em outros , que o escriptorio , o armazem e¢ a officina , constituem o verdadeiro ensino industrial ; para apressar os progressos da industria, nao sao sem duvida as esco!as os unicos meios que se devam empregar, e nao & mesmo por meio das escolas propriamente ditas que se Opéra o progresso agricola na Inglaterra; entretanto a instruccao occupa certo logar nos desenvolvimentos dessa magnifica agricultura, de que a Inglaterra com tanta razao se orgulha. A theoria (entendendo por theoria, nao um complexo de hypotheses arbitrarias, mas sim a sciencia das regras appli- cayeis a uma industria, e aexplicacao de praticas ja expe- rimentadas) tem 0 seu orgao n’uma grande quantidade de jornaes agricolas , que os lavradores léim com avidez: Os mes- ' mos lavradores fazem muitas vezes reunides e meetings, que sa0 como que uma escola mutua agricola , em que a educagao ECONOMIA POLITICA. Q47 continua sempre, e em que pde-se em dia com todos os aper- feicoamentos. Quantos coneursos de animaes, e de instru- mentos, nao tém espontaneamente nascido do desejo de se instruirem ; feitos 4 sua propria custa, sem a menor inter- vencao do governo? Quantas sociedades de agricultura nao existem na Inglaterra, propagando as luzes e a instruccao por todos os pontos do territorio? Que poderosa centralisacao do ensino agricola nao constitue essa grande sociedade , que tem umrendimento annual de 250,000 francos; verdadeira assembléa deliberante da agri- cultura, que se compde do que tem a aristocracia de mais elevado, dos mais intelligentes proprietarios e rendeiros, que nao conta menos de cinco mil socios, que paga professores para ensinarem as sciencias applicadas a agricultura, e cujos membros communicam uns aos outros os resultados de sua propria experiencia, ¢ de seus ensaios de melhoramentos ! Nao é finalmente raro, que os lavradores inglezes ponham seus filhos para aprenderem em casa de outros, que se dis- tinguem por algum talento ou superioridade particular na la- voura. Tudo isto forma sem duvida um excellente ensino profis- sional, se bem que nao se trate dos bancos de uma escola , onde vao os mocos para estudar. A mesma utilidade pdde-se attribuir em Franga a influencia que exercem algumas socie- dades, infelizmente pouco numerosas , como a sociedade in- dustrial de Mulhouse, que tambem tem aberto cursos de ins- truccao variada para os operarios, e confere premios pelas melhores obras ou experiencias sobre os processos aperfei- coados da industria. Como ensino industrial , os estabelecimentos chamados — Mechanic’s institutions — existem em grande numero na In- glaterra, e occupam igualmente um logar distincto e impor- tante. Desses estabelecimentos nao existe equivalente em Franca. Q48 REVISTA BRAZILEIRA. Nao podemos deixar de fallar nos Estados-Unidos, a res- peito da questao de que tratamos. O que caracterisa os esforcos , que se tem tentado nos Es- tados do Norte, em assumpto de educacao publica, segundo observa 0 autor de um estudo recente sobre a instruccaio nos Estados-Unidos , 6 que o Estado nao estabeleceu limites fixos nas suas obrigacdes para com os individuos, e admitte-se pelo contrario, que esses limites devem sempre variar. Ha, por assim dizer, um certo minimo de instruceao, abaixo do qual ninguem deve ficar; mas esse minimo vai-se sempre elevando 4 proporcao que cresce a cultura geral do espirito, a riqueza e a prosperidade publica. Por muito tempo considerou-se na Nova Inglaterra, que ler, escrever e contar, eram elementos sufficientes da instruc- cao publica, mas depois augmentaram muito esses rudimen- tos ; e quer-se hoje que 0 Estado ministre aos menos favore- cidos da fortuna uma insfruccao, com que possam com probabilidade de successo entrar nesse theatro da vida, que a raca anglo-saxonia compara aum campo de batalha. Devemos porém observar, e nisto consiste a feicao carac- teristica da doutrina americana, que, se o Estado distribue liberalmente a instruccao elementar necessaria a todos, tam- bem nao se importa com o que é necessario unicamente a alguns; assim é que ainstruccao superior, o adiantamento das sciencias, e 0 progresso das letras s’o cousas indepen- dentes de todo o patrocinio da parte do Estado ; os collegios , as universidades e as academias, fundam-se e perpetuam-se sem a intervencao do poder social, e unicamente pela asso- ciacao de forcas individuaes; nisto, como em tudo o mais, tem sido a America fiel a seus instinctos puramente demo- craticos. Nada diremos do que respeita 4 organisacio do ensino su- perior nos Estados-Unidos, porque do ponto de vista econo~ mico nao offerece parlicularidade alguma notavel; e asse- ECONOMIA POLITICA. 249 ‘melha-se 4 organisacao de todas as escolas de instruccao secundaria: 0 que constitue a base desse ensino é a littera- tura; elementos de philosophia, algumas sciencias, latim , srego, inglez, francez e desenho, particularmente em Boston, a Athenas americana, a cidade brilhante dos Emersons e dos Channings. O complemento das escolas de instruccao primaria nao é unicamente o ensino superior dos collegios e universidades , é tambem a aula do commercio e da industria, e especial- mente os tao conhecidos Lowell-institute, onde se fazem cursos e leituras sobre mui diversos e variados assumptos ; que sao nui frequentados mesmo por mulheres, e onde a populacao industrial encontra uma instruccao geral e apropriada. Insistimos talvez de mais neste assumplo; mas quizemos apresentar modelos , e mostrar pelo exemplo dos povos mais moralisados e industriosos quanto é util e salutar essa ins- truccao , de que infelizmente ainda se desconhecem os bene- ficios ec a influencia no aperfeigoamento dos costumes, e 0 bem-estar economico das classes operarias. IV. Ou muito nos enganamos, ou as consideracdes que aca- bamos de apresentar sobre a instruccao , considerada do ponto de vista economic’), mostram exuberantemente que , tanto a moral como a economia politica, tém que reclamar nesse grande assumpto do ensino publico; ea este respeito devemos reconhecer , que os conselhos e exigencias de uma e de outra, em vez de se contradizerem, como se afigura aos espiritos superficiaes, chegam exactamente aos mesmos resultados. ~ Quer com effeito a moral que 0 homem forme suas idéas , e eleve seus sentimentos pelo estudo do verdadeiro e do bello, pelo trato intimo das grandes producgdes do espirito humano, 250 REVISTA BRAZILEIRA. pela reflexio applicada a sua propria natureza , e por tudo quanto pdde ensinar-lhe a cultivar os bons e¢ nobres aspectos dessa mesma natureza; pede, e reclama a moral um ensino, que tempere as emocoes pela analyse , e no homem dirige-se ella as suas mais nobres faculdades, ao amor do bem, e 4 idéa do verdadeiro , do bello e do justo. E com que direito excluiria a moral o estudo da natureza exterior , cujos segredos se nio podem descobrir, sem que - encontre 0 espirilo novos motivos para admirar a sabedoria infinita que nella se revela, e para abysmar-se com Euler, Newton e Pascal n’uma profunda adoracao pela infinita sabe- doria e infinito poder? Os primeiros e maiores dos poetas , Homero, Lucrecio e Virgilio, admirar-se-hiao certamente desta exclusao das sciencias, quando elles queriam admittil-a até na propria poesia ! Verdade é que a economia politica pede, antes de tudo o mais, que se formem operarios habeis e peritos; e empresarios e industrialistas capazes e intelligentes, E o que ha nisto, que mereca censura ? Por ventura essa aptidio de fodos os agentes da industria , para preencherem os deveres de sua profissao com capacidade, exactidao e pontualidade , nao ser’ uma garantia de ordem, e por consequencia uma satisfagao, que se da a moral? Na industria, deve-se dar logar a0 que se chama fogo sa- grado, que é o que impelle a descobrir, e aperfeicoar, pelo desejo de ser util, e pela ambicao de distinguir-se , 0 que é muito differente da anbicao de fortuna e riquezas; e um ensino technico nao desenvolveria por certo no homem esses nobres sentimentos, nem lhe daria os meios necessarios para a invencao e a descoberta. ; Em geral a industria nao revela os seus segredos senao aos espiritos muito exercitados, mormente 4 proporcao que as descobertas exigem maior forc¢a de combinagodes ; talvez se possam citar algumas excepcdes na mecanica que forma ECONOMIA POLITICA. 254 como que um genio de instincto em alguns individuos privi- legiados; mas nao ha excepgao alguma para as grandes des- cobertas , que se devem a chimica, a physica e as mathema- ticas. A democracia (bem entendido, a que deseja elevar a todos sem rebaixar ninguem) exige, em nome da igualdade e do progresso geral, que os agentes da producgao sejam todos homens bem educados ‘no sentido nobre e elevado da expres- sao), e capazes de entrar em communhao de idéas e lingua- gem com os que occupam um logar superior na gerarchia social e intellectual. V. Terminaremos por algumas reflexdes sobre a utilidade es- pecial, que para os productores offerece hoje a instrucgao , bem como para operarios, como meio de bem-estar e um dos remedios a0 pauperismo; o que nos dara ainda opportuni- dade para refutar as objeccdes, que se baseam em pretendidas razoes moraes e economicas contra a instruccao popular. Antes de tudo diremos, que a instruccao parece-nos 0 me- lhor, ou talvez o unico remedio contra os inconvenientes da divisao do trabalho. O abuso da especialidade pode transformar 0 homem em simples machina, ou n’uma especie de manivella. A instruc- cio remove este inconveniente pela variedade de idéas e de occupagdes, e pelo movimento de espirito que oppde a essa uniformidade e monotonia acabrunhadora. Economicamente fallando, a divisao do trabalho que pro- duz tantos bens, e sem a qual a sociedade ficaria estacionaria, offerece um inconveniente grave, quando nada o vem corrigir ; é o de prender o operario a uma sé e unica tarefa, em que se torna elle perito, eimpedir, nas occasides de exuberancia 252 REVISTA BRAZILEIRA. industrial, que se opere com a desejavel facilidade a passa- gem do trabalho para outra industria que exija novo concurso de intelligencia e de bracos. Sem duvida alguma, é isto uma inferioridade , que tem o trabalho a respeito do capital, que é muito mais movel; mas 0 operario, que éinstruido, des- loca-se com menos difficuldade , porque 0 seu espirito é mais flexivel e os seus conhecimentos mais faceis de se desenvol- verem, e applicarem-se a outro objecto. A instrucegio pode portanto prevenir e atlenuar as crises, que sao 0 flagello das classes operarias. Vamos agora a objeccao, que a todos é familiar, e que entretanto quasi que se tem vergonha de discutir; e vem a ser que a instruccao tornaria 0 operario exigente de mais, e que ella sO serve para augmentar a raga e 0 numero dos reyo- lucionarios inimigos da propriedade e do capital. Receia-se que a instruccao torne o operario mais exigente a respeito do salario; reconhecemos que esse resultado ha de dar-se, e que ja se da, 4 medida que a instruccao se propaga ; 0 que negamos, porém, € que Seja isso cousa para temer-se. Ha com effeito , ou pode haver, da parte dos operarios duas especies de exigencias: uma legitima, fundada em direito e boa em seus resultados ; outra injusta, e funesta. Injusta e funesta é a exigencia, que quer salarios mais ele- vados, quando o trabalho nao augmentou em quantidade , nem melhorou em qualidade. Mas nao havera tambem uma exigencia legitima, tao fun- dada como a dos empresarios, para realisarem vantajosos lucros, e tao justa como o direito que tem o inventor sobre o producto de sua invencaio? De certo; e quem disto duvidar , duvida, sem o saber, do que constitue o signal da civilisacao ; é justo, e natural, que a remuneracao se eleve com a capa- cidade do operario; para o trabalho puramente muscular e mecanico, salarios baixos e mediocres; para o trabalho menos grosseiro , € que exige intelligencia, salarios elevados ; para ECONOMIA POLITICA. 253 o homem que sé tem as necessidades do animal, salarios que bastem para isso; mas, para o homem cultivado, salarios que cheguem para a satisfagao de necessidades mais nobres, mais desenyolvidas, e mas delicadas. E por isso que o trabalhador, 0 operario francez, 6 mais bem pago que o operario irlandez ; que o official é mais bem pago que o servente; e que 0 tra- balhador do seculo 19 6 mais bem pago que o do seculo 12. A segunda parte da objeccao cahe com a primeira. Receia-se que a instruccao multiplique o numero dos ope- rarios, violentos e systematicos inimigos da ordem , a ponto de fazerem contra o capital e a propriedade o juramento de Annibal. Se se trata da instruccio, nao apropriada a condi¢ao. do homem, entao o perigo ¢ real; mas qual é 0 insensato, que quer a instruccao sem a educacio , e instruccio sem relacgao alguma_com a carreira que o individuo tem de seguir ? Mas nao se trata de distribuir uma instruccao estupida- mente igual e uniforme para todos: tao abusiva maneira de entender a democracia seria a morte da mesma democracia ; 0 que se quer, e 0 que se deseja é uma instruccao de tal modo combinada, que nenhuma capacidade possa deixar de ap- parecer, qualquer que seja a profissao e a condigao do indi- viduo, para que nv industria , assim como no exercito, possa qualquer principiar como soldado e chegar a ser marec hal. Nao devemos, pois, temer esta instrucgao, e, muito pelo contrario , devemos com toda a confian¢a esperar pelos seus bons resultados. A instruccio é 0 unico caminho que conduz aos dous gran- des fins, saber e poder, assim como constitue a grande via de communicacaio entre as intelligencias; 4 instruccao e a edu- cacao sobre o homem, e 4 sciencia nas suas applicacdes ao mundo externo, pertence continuar o combate contra a mi- seria material e moral, que dura desde 0 principio dos tem pos ; @ anossa época nao se poderia de certo propdr obra mais’ 954 REVISTA BRAZILEIRA. bella, commetti vento mais nobre, e empresa mais gloriosa, do que o resgate das almas por meio da educacao e da ins- truccao. Aos economistas cabe um pouco dessa gloria , porque a sua sciencia ja tem dissipado muitos erros grosseiros, € Sua aCCAO © ja se tem manifestado no mundo de maneira sensivel e evi- dente. ‘E sem duvida 4 propagacio da economia polilica que se deve asubstituigao do trabalho livre aos regulamentos abu- sivos; e pode-se sustentar que nio é ella estranha a emanci- pacao dos servos na Russia, que fara época nas grandes datas da historia, nem a destruicao das corporacdes na Allemanha, nem tao pouco a organisacao do Zollverein, imagem de uma futura associacao commercial em grande escala. Em toda a parte tem a economia politica feito penetrar e arraigar a idéa da superioridade do trabalho livre, e da con- currencia. E, entretanto, durante seculos inteiros, estiveram mistu- rados com a economia politica erros (a0 absurdos, como era no seu genero a pedra philosophal. A economia politica tambem teve seus empiricos, exacta- mente como a chimica, quando nao era mais do que a alchimia , e a astronomia, quando a muitos respeitos se con- fundia com a astrologia judiciaria. Nao havia mais loucura em acreditar-se no systema de Para- celso , do que no systema de Law e nas riquezas do Mississipi, e oregente era tao logrado pelo charlatao que Ihe mostrava 0 diabo , como acreditando no espirituoso Escossez , que se jul- gava capaz de pagar as dividas do Estado, e enriquecer o reino com os seus bilhetes de banco ; 0 que é preciso, porém, é continuar esse trabalho de ulil propaganda, destruindo no maior numero possivel de espiritos a ignorancia e 0 erro, que matam os homens, destroem as riquezas, e impedem os ca- pitaes de se formarem. ; ECONOMIA POLITICA. 255 Se a sciencia, porém, em suas relacdes com o. espirito humano, destruindo o obstaculo interior da ignorancia, é essencialmente productiva, nao devemos tambem esquecer quanto se mostra ella fecunda em suas applicacdes directas 4 industria. Emquanto forem contestadas as vantagens economicas da instruccao, nao nos devemos cansar em lembrar 0 que fizeram as sciencias physicas, a mecanica e achimica , por exemplo , para tornarem melhor ¢ mais agradavel a vida physica, por meio das descobertas que se lhe devem. Percorrendo-se as transformacdes por que fem passado a navegacao, a industria manufactureira, a industria locomo- tiva ea agricultura, nao se pode deixar de repetir que o saber ou asciencia, segundo o pensamento de Bacon, é€ um poder e uma fora. Resta pois a vulgarisar e a applicar a sciencia adquirida , e fazél-a penetrar no que tem ella de util, na intelligencia dos numerosos productores que formam 0 corpo das nacodes; e para isso 6 mister que a nossa época aprenda a nAo desconfiar do que illustra e esclarece o espirito humano, A obra divina sO pode ganhar e nao perder em ser conhecida, como ganha a terra em ser explorada. O mundo, vencido pelo homem, é inuito superior ao que era antes, porque é mais fecundo e mais bem ordenado. A ordem é a grande obra que o homem tem por missao realisar, em si proprio e 4roda de si; ora a instruccao é o espirito , mais rico e mais bem ordenado em sua riqueza, do que era na sua miseria, fazendo dimanar mais riquezas sob a forma de bens materiaes, e mais harmonia sob a forma de institui- cdes uteis e de concordia sobre toda a sociedade; é€ esta a obra da instruccao , quando nao a alteram e falseam. Varios seculos de liberdade , de exame e de pensamento , em todos os sentidos e direccdes , tornam hoje mais facil essa instruccao; a0 passo que a energica aspiragao de todas -as 956 REVISTA BRAZILEIRA. classes para uma certa abastanga e bei-estar, tornam-na tambem necessaria. Alem, e fora da instruccdo, que nunca por modo algum separamos da educacao, poder-se-hao sem duvida achar meios de illudir esta grande necessidade do nosso seculo; mas, quanto mais se reflectir, tanto mais se ha de ver que sé a instruccao pode satisfazél-a de modo eflicaz. O desejo e ambicao do bem-estar, separado do amor do trabalho, e dos meios de fecundar 0 mesmo trabalho, nao faz mais do que atear os instinctos de animal que todo 0 ho- mem temem si, e que acabam muilas vezes por se apode- rarem, e tomarem conta do homem inteiro; e sendo assim, tudo quanto moralisa, esclarece ¢ illustra, sera reclamado pela economia politica, como a origem de toda a riqueza, e ainda mais, como garanlia da riqueza ja produzida e adquirida. Entre orico de hoje e 0 miseravel, ou, ainda melhor, entre a sociedade civilisada e a que nao 0 é, OU a que apenas prin- cipia asél-o, ha por assim dizer um abysmo; nesse abysmo cahe muitas vezes 0 pobre, e entao, na sua colera, quer tambem arrastar e precipitar 0 rico. A instruccao, acompanhada de uma boa educacao, 6 uma especie de ponte lancada nesse abysmo, e 0 que cumpre a sociedade é fazer com que nao hajaumsd homem que nao possa passar essa ponte, ate que a margem habitada pela igno- rancia, pela brutalidade e o crime, esteja inteiramente deserta. A religiao, em nome da caridade, 0 reclama; a philosophia, em nome da dignidade humana, 0 exige; e, por tudo quanto acabamos de dizer, vé-se, que a economia politica tem direito de exigil-o tambem em nome da riqueza publica; islo é, em nome do interesse bem entendido de cada ume de todos, o que nao é mais do que uma das formas da justi¢a , e a mani- festacao da ordem universal na humanidade. (Jornal dos Economistas.) M. OQ. F. LITTERATURA Litteratura brazileira. . DA INSPIRAGAO QUE OFFERECE A NATUREZA DO NOVO MUNDO A SEUS POETAS, E PARTICULARMENTE 0 BRAZIL.—OPINIAO A RESPEITO DE NOSSO PAIZ RELATIVAMENTE A QUESTAO DESENVOLVIDA PELOS SRS. ALEXANDRE DE HUMBOLDT, SANTIAGO NUNES RIBEIRO, MAGALHAES, YISCONDE DE S. LEOPOLDO, FERDINAND DENIS, DANIEL GAVET ET PHILIPPE BOUCHER, D’ARCET, VALERA, ETC.—— REFLEXOES DO AUTOR A RESPEITO. — POETAS BRASILEIROS EMINENTEMENTE INSPIRADOS PELO PAIZ (*). Pode o Brazil inspirar a imaginacgao de seus poetas? A questao da influencia dos climas, da configuracao dos terrenos, da physionomia dos vegetaes, do aspecto da natu- reza risonho ou selvagem, sobre 0 progresso das artes € 0 estylo que distingue as stias producgoes, tem sido geralmente debatida entre os sabios do velho mundo. Buffon procurou proval-a com 0s argumentos fornecidos pelos seus estudos , cumo mestre que era na materia. Montesquieu exagerou-a a ponto de consideral-a mais poderosa do que as leis , do que os usos, do que os costumes, do “que a religiao. Voltaire a dev por nulla, e, para comprovar a sua opiniao, notou que sendo o ceo da Grecia ainda (a0 formoso e puro, o da Italia (*) Capitulo ILL do Primeiro Livro da Historia da Litteratura Brazileira do Sr. J. Norberto de Souza Silva, lida em uma das sessoes do Instituto Historico no anno de 1850. 958 REVISTA BRAZILEIRA. tao brilhante e azulado, como nos tempos de Homero e Vir- gilio, vegetava sob o primeiro um povo escravyo, e que 0 capitolio era habitado por trades barbadinhos, e acaba por dizer que as artes florescem em toda e qualquer parte sempre que acham protectores, como Augustos e Mecenas. Hippo- crates, que os precedeu, apresenta a justa apreciacao con- ciliando estas oppostas opinides com a sua obra de Acre aquis et locis, pelo que o digno Santiago Nunes Ribeiro decidiu-se a adoptal-a como a verdadeira. Em relacao ao nosso paiz, isto é, se o Brazil pode inspirar a imaginacao de seus poetas , fem sido esta questao 0 ohjecto das reflexdes de litteratos estrangeiros de reconhecido merito, e que altamente sympathisam com a nossa patria, e por na- cionaes que se interessam pelas nossas cousas; e a sua de- monstracao facil e persuasiva se apresenta ante o espectaculo pomposo que offerece a natureza sob esses céos, por esses mares e nessas localidades que encantaram a Pedro Alvares Cabral e a seus companheiros. Todos elles se acharam pos- suidos desse enthusiasmo que brilha em suas descripeodes ; todos elles, como se colhe de Caminha, escreveram ao rei, a quem a fortuna accumulava de seus fayores, pintando as excellencias do paiz que descobriam e as scenas apraziveis , bellas ou assombrosas da natureza virgem e luxuriante do novo mundo, que se desenrolavam a seus olhos como um novo paraiso! O illustre sabio do nosso seculo, o Sr. Ale- xandre de Humboldt, que averiguou com a profundidade de seus conhecimentos a forca do reflexo do mundo sobre a imaginacgao do homem, bem deixa ver nas suas eruditas pesquizassobre osentimento danatureza, segundo a differenca das racas e dos tempos, toda a importancia dos paizes- ame- ricanos, quando vieram pelo seu descobrimento a concorrer com 0 contingente de suas magnificas imagens. + Pela primeira vez (diz o illustre autor do Cosmos) 0 mundo dos tropicos apresentou aos Européos a magnificencia eee ee LITTERATURA NACIONAL. 259 de suas planicies fecundas, todas as variedades da vida or- ganica graduadas sobre o declive das Cordilheiras, sob o aspecto do clima do Norte, que parece reflectir-se nas espla- nadas do Mexico, da Nova Granada e de Quito. A imaginacao, sem cujo prestigio nao é possivel existir obra humana ver- dadeiramente grande, outorga um attractivo singular as des- — cripcdes de Colombo e de Vespucci. Este ultimo provou, descrevendo as costas do Brazil, 0 conhecimento exacto que possuia dos antigos e modernos poetas. As descripcdes do outro, quando pinta o doce ceo de Pavia e 0 vasto rio do Orenoco, que deve ter a sua cabeceira, segundo o seu pensar, em 0 paraiso, sem que por isso mude de logar, estio cheias de um sentimento gravee religioso. A medida que cresce em annos, e que tem que lutar com injustas perseguicoes , degenera-se-lhe essa disposicao em melancolia, degenera-se- The em exaltacao chimerica. « Nessas épocas heroicas de sua historia, nao foram os Portuguezes e Castelhanos unicamente guiados pela avidez do ouro, como por falta de melhor comprehensao da tendencia desses tempos se tem supposto. Havia um nao-sei-que que se apoderava de todos, e os levava a emprehender essas expe- dicdes longinquas, forcando-os a correr os seus azares. Os nomes de Haiti, de Cubagua, de Darien, seduzia as imagi- nacdes no comeco do seculo XVI, como depois as viagens de Anson e de Cook, os nomes de Tenian e de Otahiti. Bastava o desejo de ver paizes longinquos para arrastar a mocidade da Peninsula Hespanhola, de Flandres, de Milao, do Sul da Allemanha, a cadéa dos Andes, e as planicies abrasadas de Uraba e de Céro sob a bandeira victoriosa de Carlos V. De- pois, quando se adocaram os costumes, e que se patentearam 4 uma todas as partes do mundo, tomou essa curiosidade, entretida por outras cousas , nova direccao, Apaixonaram-se Os animos pelo amor da natureza , cujo exemplo ministraram Os povos do Norte. Ao mesmo tempo que o circulo da obser- 260- REVISTA BRAZILEIRA. vacao scientifica se dilatava, elevavam-se as vistas. A ten- dencia sentimental € poetica, que ja entao dominava no mais intimo dos coragdes, adquiria no fim do seculo XV uma forma mais firme, e deu origem a obras litter arias desconhecidas em tempos anteriores. « Se levarmos ainda uma vista dolhos pela época dos Hanis descobrimentos que prepararam o trabalho novo dos espiritos , veremos que serao ainda as descripcdes da natureza que 0 proprio Colombo nos deixara, que primeiramente se nos apresentaram. Ha bem pouco tempo que conhecemos o Diario de sua viagem maritima, suas Cartas ao thesoureiro Sanchez, a Ama do infante D. Juan, Jwanna de la Torre, earainha Isabel , e ja na obra Examen critico da historia da geographia nos seculos XV e XVI procurarei mostrar que profundo sentimento da natureza animava o grande viajante, — que nobreza, que simplicidade de expressao resalla da descripcao que fez da vida, da terra e 0 ceo, desconhecida até entao, que se descortinava a seus olhos (viage nuevo al nuevo cieloi mundo que hasta entonces estaba en oculto) ; cujas pinturas sd podem apreciar os que bem comprehendem toda essa energia da velha linguagem hespanhola. A physionoinia caracteristica das plantas, a espessura impenetravel das florestas, nas quaes mal é dado saber a que tronco pertencem as fléres e as folhas, a bravia abundancia das plantas que cobrem as margens alagadicas , 0S passaros aquaticos que occupados em pescar desde o alvorecer do dia animam as fozes dos rios, attrahem a altencao do velho mari- timo : emquanto percorre o litoral de Cuba, entre as pequenas ilhas Lucayas e os Jardinillos, que eu por mim proprio visitei. ‘Cada novo paiz que descobria lhe parecia ainda mais bello do que aquelle que precedentemente descrevéra, Lastima a falta de expressdes, que melhor pintem as sensagdes que experi- menta a cada instante; estranho de todo em todo 4 botanica, se bem que um tal ou qual conhecimento superticial dos vege- LITTERATURA NACIONAL. 264 taes jaa esse tempo vogasse pela Europa, gracas 4 influencia dos medicos arabes e judaicos, 0 simplessentimento da natu- reza olevavaa observar attentamente tudo quanto lhe offerecia um aspecto estranho. En: Cuba distinguiu elle sete ou oito especies de palmeiras das mais bellas e altas que as que pro- duzem as tamaras (Variedades de palmas superiores a las nuestras en su belleza y altura). Ao seu amigo Argliera com- munica que se maravilhara de ver em 0 mesmo sitio palineiras e pinheiros (palmeta et pineta) grupados, e entremeiados uns aos outros. Examina os vegetaes com vistas tao penetrantes que foi 0 primeiro que sobre as montanhas de Cibau notou pinheiros que em vez dos fructos ordinarios produzem hagas semelhantes ds oliveiras de axarafe de Sevilha. Assim Co-. lombo, como ja disse, distinguira a primeira vista 0 genero podo carpus na familia das aliétinées. « O encanto desse novo paiz (diz o grande seatondaa) excede em muito ao das campinas de Cordova. Brilham as arvores com as suas folhas sempre verdes, e mostram-se eternamente carregadas de fructos; allas e floridas terras cobrem a superficie do solo; o ar é quente como em Castella durante o mez de Abril; 0 rouxinol canta com uma dogura que impossivel seria descrevél-o; pela noite, outros passaros mais pequenos cantam por seu turno; ougo igualmente o zunido dos grillos e as vozes das raas. Cheguei-me um dia a uma bahia profunda, contornada por todos os lados, e vi ahi 6 que jamais viu alguem neste mundo. Do alto de uma mon- tanba rolava e despedacava-se uma cascata formosissima ; era.a montanha coberta de pinheiros e de outras arvores de formas diversas, ornadas todas das mais bellas flores. Su- bindo o rio, que se langava na bahia, nao pude deixar de admirar a frescura das sombras, a transparencia das agoas , o numero dos passaros que cantavam. Parecia-me que jamais poderia abandonar tal sitio, que nem mil linguas saberao descrevél-o e menos ainda minha mao, que esta encantada! ». R, B. IU, ; 18 262 REVISTA BRAZILEIRA. Vé-se aqui pelo Diario de um homem desdotado de toda a cultura litteraria, que poder nao exercem sobre uma alma sensivel as bellezas caracteristicas da natureza. A emocio ennobrece a lingua. Os escriptos do almirante, sobretudo quando ja na idade de 67 annos emprehendeu a sua quarta viagem, e narra a sua maravilhosa visao sobre as costas de Veragua, sao, se nao mais castigados , pelo menos mais in- teressantes que 0 romance pastoral de Boccace, as duas Arcadias de Sannazar e de Sidney, 0 Salicio y Nemororo de Garcilasso ou a Diana de Jorge de Montemayor. O genero elegiaco e bucolico reinou desgracadamente por muito tempo na litteratura italiana e hespanhola. Era necessario 0 interesse sorprendedor que Cervanteslancgou nas aventuras do herde de la Mancha, para fazer esquecer a Galatéa do mesmo escriptor. O romance pastoril que bem merecia ser relevado pela per- feigao da linguagem, e delicadeza dos sentimentos, 6 con- demnado pela sua propria natureza a ser frio e languido como as subtilezas allegoricas em voga entre os poetas da idade média. Para que uma descripcao respire a verdade, preciso é que seja calculada sobre objectos existentes; tambem tem- se querido ver nas mais bellas estancias da Jerusalem liber- tada os tragos da impressao que sobre o poeta produziu a natureza pittoresca que o cercava, e ura lembranca saudosa do gracioso valle de Sorrento. « Tal caracter de verdade, nascido de uma observacao immediata e pessoal, brilha em todo o seu esplendor na grande epopéa nacional dos Portuguezes. Sente-se fluctuar como um perfume das flores do Indo através desse poema es- cripto sob 0 céo dos tropicos, na gruta de Macau e nas ilhas Molucas. Sem que me demore a discutir a opiniao arriscada de Frederico Schlegel, segundo a qual os Lusiadas de Camodes supplantariam com grande vantagem 0 poema de Ariosto pelo esplendor e riqueza de imaginacao, affirmarei todavia, como observador da natureza, que nos logares descriptivos dos LITTERATURA NACIONAL. 263 Lusiadas jamais 0 enthusiasmo do poeta, 0 encanto de seus versos e os doces accentos de sua melancolia alteram em cousa alguma a verdade dos phenomenos; a arte tornando as im- pressdes mais vivas, associou-se antes 4 grandeza e a fideli- dade das imagens, como acontece as mais das vezes que ella se dirige a uma origem pura. Camoes é inimitavel quando pinta a mudanga perpetua que se opéra entre 0 ar e 0 mar; as harmonias que reinam entre a forma das nuvens; suas transformacdes successivas, e os diversos estados por que passa a superficie do oceano. Primeiramente elle a mostra surcada por um ligeiro sépro de vento; as vagas apenas em- poladas brilham agitando-se aos raios da luz que se reflectem nellas ; outras vezes sao os navios de Coelho e de Paulo da Gama, que, assaltados por terrivel tempestade, lutam contra todos os elementos desencadeados. E elle, no sentido mais amplo da expressao, grande pintor maritimo, que guerreou junto ds abas do Atlas, no imperio de Marrocos, que combateu no Mar-Vermelho e no Golfo Persa, que dobrou por duas vezes 0 cabo da Boa-Esperanc¢a, e que durante 16 annos, penetrado de um profundo amor pela natureza, perscrutou attenciosa- mente nas praias da India e da China todos os phenomenos do oceano. Descreveu o fogo electrico de SantElmo, que os antigos personificaram sob os nomes de Castor e de Pollux , e que elle chama o lume vivo, que a gente maritima tem por santo; elle mostra a formacao successiva das trombas amea- cadoras, e como as nuvens ligeiras se condensam em um Vapor espesso que rola-se em espiral e desce como uma co- lumna que sorve avidamente as agoas do mar; como essa nuyem sombria, depois de se ter saturado, recolhe a si o pé que tem no mar, e, fugindo para o céo, torna em agoa doce as ondas que lhe tomara. Quanto 4 explicacado desses mys- terios maravilhosos da natureza, deixa-a 0 poeta, cujas pa- lavras parecem ser ainda a critica dos tempos de agora, aos escriptores de profissao, que altivos de seu espirito e sua 264 ; REVISTA BRAZILEIRA. sciencia, desdenham as narracdes colhidas da boca dos na- vegadores sem outro guia que a experiencia. « Nao é Camodes unicamente grande pintor na descrip¢ao dos phenomenos isolados; avantaja-se tambem quando abrag¢a as grandes massas de uma sé vista @olhos. O terceiro canto reproduz em alguns tracos a configuracao da Europa, desde, os mais frios sitios do Norte até o reino da Lusitania, e ao estreito onde Hercules poz termo a seus trabalhos. Por toda parte allude aos costumes, e 4 civilisagio dos povos que ha- bitam esta parte do mundo tao ricamente articulada. Da Prussia, da Moscovia, e dos paizes que lava o frio Rheno, passa rapidamente ds terras deliciosas da Grecia, que crearam os peitos eloquentes. No decimo canto o horizonte se engran- dece ainda mais. Conduz Thetis ao Gama a uma alta mon- tanha para lhe patentear os segredos da estructara do mundo , e ocurso dos planetas, segundo o systema de Ptolomeu. E uma visao no estylo de Dante; e como a terra @ 0 centro de tudo 0 que se move com ella, o poeta se aproveita para expor 0 que entao se sabia dos paizes recentemente reconhecidos, e de suas diversas produccdes. Nao se limita, como no ter- ceiro canto, a representar a Europa; passa em revista todas as partes da terra sem exceptuar a propria terra da Santa Cruz, 0 Brazil, e as costas descobertas por Magalhaes, « esse filho infiel da Lusitania, que renegou de sua mii. » « Louvando a pintura maritima de Camdes , quiz mostrar que as scenas da natureza terrestre 0 impressioparam menos que as maritimas. Ja Sismondi notara que nada havia em seu poema que testemunhasse ter elle jamais contemplado a ve- getacao tropical e suas formas caracteristicas. Falla apenas das especiarias e produccdes de que se aproveilava 0 commercio. O episodio da ilha encantada offerece por sem duyida a mais graciosa de todas as paisagens ; mas a decoracao nio se com- poe, como conyém a uma ilha de Venus, senao de myrtos, de limoeiros, de romeiras e outros arbustos odoriferos, todos LITTERATURA NACIONAL. 265 proprios do clima da Europa meridional. Christovao Colombo, 0 maior dos navegantes de seu tempo, sabia melhor gozar das florestas que bordam as costas, e dar mais attengaio a physionomia das plantas; mas Colombo escreveu um Diario de viagem, e tracou as vivas impressdes de cada dia, em- quanto que a epopéa de Camoes celebra a facanha dos Portu- suezes. O poeta, habitnado aos sons harmoniosos, nao se decidira a pedir a lingua dos indigenas nomes barbaros, para fazer entrar as plantas exoticas em a descripcao de uma paisa- gem, que, além disso , nao era mais do que o fundo do painel em frente do qual figuravam as suas personagens, « Tem-se constantemente approximado da figura cavalhei- resca de Camoes a figura nao menos romantica de um guer- reiro hespanhol, Alonso de Ercilla, que serviu no reinado de Carlos V, no Pert e no Chile, e sob essas latitudes longinquas cantou as accoes em que elle proprio tinha tomado parte gloriosa. Mas nada indica na sua Arancana que elle obser- vasse de perto a natureza.— Os volcdes cobertos de neve eterna; os valles abrasados nio obstante a sombra das flo- restas; 0s bracos de mar que avancam pela terra a dentro , nada lhes inspiraram de poetico.—O excessivo elogio que Cervantes teceua Ercilla, quando passou divertidamente em revista a bibliotheca de D. Quixote, sO se podera explicar pela ardente rivalidade que existia entao entre a poesia hespanhola € a poesia italiana; e foi sem duvida desse juizo que se illudiu Voltaire, como outros muitos criticos modernos. KE sem du- vida a Arancana um livro que respira nobre sentimento na- clonal; os costumes do povo selvagem, que combate pela liberdade, sido nelle descriptos de uma maneira ardente; mas — a diceio de Ercilla é languida, sobrecarregada de nomes proprios, sem um so laivo de enthusiasmo poetico. » « Os descobrimentos de Colombo, de Vasco da Gamae de Alvares Cabral (contintia o illustre Humboldt) em o centro da America, na Asia meridional e no Brazil; a extensao dada 266 REVISTA BRAZILETRA. ao commercio de especiarias e de substancias medicinaes que faziam com as Indias os Hespanhdes, os Portuguezes, os Italianos e os Neerlandezes; o estabelecimento de jardins bo- tanicos fundados em Pisa, em Padua, em Boulogne, de 1544 a 1568, sem todavia o util accessorio das estufas, todas essas cousas reunidas familiarisaram os pintores com as formas maravilhosas de grande numero de produccodes exoticas, e até lhes deram uma idéa do mundo tropical. Joao Brenghel, que comecou a tornar-se celebre pelos fins do seculo XVI, representou com verosimilhanca encantadora ramos, flores e fructos de arvores estranhas 4 Europa. Mas so depois do meiado do seculo XVII em diante € que veio-se a possuir paisagens pintadas pelo artista sobre os proprios logares, e que reproduzem 0 caracter proprio da zona torrida. O merito de tal innovacao pertence, como nol-o da Wagen a conhecer, a Francisco Post, de Harlem, que acompanhou Mauricio de Nassau ao Brazil, quando este principe, tao curioso pelas producgoes tropicaes , foi nomeado pela Hollanda governador das provincias conquistadas aos Portuguezes (1637 a 1644). Muitos annos levou Post em seus estudos da natureza sobre 0 cabo de Santo Agostinho, na Bahia de Todos os Santos, sobre as margens do rio S. Francisco, e nos paizes regados pelo curso inferior do rio Amazonas. Desses estudos sao uns pai- sagens acabadas, outros foram gravados por Post de um modo original. A essa mesma época pertence 0 quadro a oleo de Eckhont, composicao muito notavel, conservada em Dina- marca, na galeria do bello castello de Frederiksborg. Eckhont se achou tambem em 1641 sobre as costas do Brazil com o principe Mauricio de Nassau. As palmeiras e paisagens, as bananeiras e os heliconios sao representados nessa paisagem sob tracos caracteristicos, como tambem passaros de bri- lhante plumagem, e pequenos quadrupedes particulares a esse paiz. » . « A escola historica de Hegel (escrevia assim Santiago Nu- LITTERATURA NACIONAL. 267 nes Ribeiro) tem posto a questao dos climas em sua verda- deira luz com a superioridade de vistas que o distingue. As influencias que ella chama exteriores, 0 clima, as racas, sao outras tantas fatalidades naturaes com as quaes a humanidade travou a luta que os seculos contemplam. O progressivo triumpho, a emancipacao da liberdade, do eu, é 0 resultado que ella nos vai dando. Assim é que a educacao moral e re- ligiosa pode nullificar os effeitos da accao das fatalidades physicas de um clima, por exemplo, que em nds desenvolva OS appetites sensuaes. Cumpre porem notar que a mesma educacao, a moral bem entendida, e mais que tudo a religiaio favoneam o desenvolvimento legitimo das nossas faculdades , ou corporeas ou animicas, e longe portanto estao de con- trariar as influencias salutiferas de um céo benigno, de uma terra fertil e piltoresca, abrilhantada e aquecida por um sol vivificante, refrigerada pelas viragdes suaves, por manhaas ervalhosas e nuvens que em pura chuva se desatam ; de uma destas plagas admiraveis que fallam 4 imaginacao e ao senti- mento pela magnificencia dos rios caudaes e oceanos que as circumdam, pelas correntes que as banham, pelo alcantilado de suas montanhas, pelas florestas mysteriosas, por mil as- pectos emfim, bellos, sublimes e graciosos. E a que outra , senao ao Brazil, podem competir as grandiosidades e primor que em mortecér pintamos, fitando apenas alguns pontos desse que nos offerece immenso e animado panorama? Sim, 0 bello phenomenal se mostra com a maior pompa neste solo afortunado ; e nao poucos artistas brazileiros e estrangeiros beberam nelle inspiragao mais pura, a inspiracdo creadora de obras excellentes, revestida de vivas cores, de donosas formas, idealisada nas harmonias da arte musical e poetica. » « Tao geralmente conhecida é esta verdade (ajunta o Sr. D. J. G. de Magalhaes), que nds a passamos como um prin- cipio, e cremos inutil insistir em demonstral-a com argu- mentos e factos por tantos naturalistas e philosophos apresen- 268 REVISTA BRAZILEIRA. tados. Ahi estao Buffon e Montesquieu que assaz 0 demons- tram. Ainda hoje poetas européos vao beber no Oriente as suas mais bellas inspiracdes. Byron, Chateaubriand e La- martine sobre seus tumulos meditaram. Ainda hoje se admira o tao celebrado céo da Grecia, 0 céo que inspirdra a Homero e a Pindaro, e o céo que inspirara Virgilio e Horacio. Nos vim0s 0 céo que cobre as ruinas do Capitolio e as do Coliséo ; sim, elle é bello; mas oh! que o do Brazil nao lhe cede em belleza! Fallem por nés todos os viajores, que, por estran- geiros, de suspeitos nao serao taxados. Sem duvida fazem elles justi¢a, e 0 coracao do Brazileiro nao tendo muito de ensoberbar-se quanto aos productos das humanas fadigas , que sd com o tempo se adquirem, enche-se e palpita de sa- tisfacao vendo as sublimes paginas de Langsdorff, Niwed , Spix, A. Martins, Saint-Hilaire, Debret, e uma multidao de outros viajores, que as bellezas de sua patria conhecidas fi- zeram a Europa. « Este immenso e rico paiz da America, debaixo do mais bello céo situado, cortado de tao pujanies rios, que sobre leitos de ouro e pedras preciosas rolam suas agoas caudalosas ; este vasto terreno, revestido de eternas mattas, onde o ar esta sempre embalsamado com 0 perfume de [ao peregrinas fldres , que em chuveiros se despencam dos verdes doceis pelo entrelacamento formado dos ramos de mil especies; estes desertos remansos, onde se annuncia a vida por essa voz so- litaria da cascata que se despenha; por este doce murmurio das auras que se embalangam nas folhas das palmeiras ; por esta harmonia grave e melancolica das aves e dos quadru- pedes; este vasto eden, separado por enormissimas mon- tanhas sempre esmaltadas de verdura, em cujo tope collocado se cré 0 homem no espaco mais chegado ao céo que a terra, e debaixo de seus pés vendo desnovellar-se as nuvens, roncar as tormentas, e disparar 0 raio; com tao felizes disposicdes da natureza, 0 Brazil necessariamente inspirar devéra seus LITTERATURA NACIONAL. 269 primeiros habitadores; os Brazileiros, musicos e poetas nas- cer deviam. Quem o duvida? — Elles 0 foram; elles ainda hoje o sao. « Do que dito havemos, concluimos que a poesia nao se oppode o paiz, antes pela sua disposicao physica muito favonéa o desenvolvimento intellectual. » « O Brazil, debaixo de um céo benigno e ameno (accres- centa o digno visconde de S. Leopoldo), empolada a terra de cordilheiras de montes de conformacao variada, ora coroados de picos escalvados, que rompem as nuvens, ora acapellados de mattas cerradas, jorrando de seu seio estrondosas cascatas ; contrasta este terrivel magestoso com a macia verdura dos valles cultivados; mesmo em nossas provincias de planicies, os campos dobrados representam as ondas do oceano de re- pente paradas. Aqui tudo ri ou assusta. Tanta variedade de vistas e sensacdes desperta e interrompe tediosa monotonia. Collocado 0 Brazil no ponto geographico 0 mais vantajoso para 0 commercio do universo, com portos bonissimos sobre 0 oceano, grandes lagos ou mares mediterraneos; rios nave- gaveis ou com proporcdes de o serem, por centenares de legoas; a agricultura e a industria em emulagao attrahirao a ‘concurso as nacdes cultas e polidas, que a par dos lucros do commercio nos trarao civilisacao; o estrangeiro, avido de sciencias, vira neste solo virgem estudar a natureza e em- beber-se de inspiragdes, com preferencia a essas romagens, que se nos referem, a Suissa, sd com o fito de alimentar a vida intima e intellectual, ao aspecto dos despenhadeiros dos Alpes: Vulgares invejosos nao viram em nossos jovens mais que uma ephemera imaginacao ardente, influencia do clima, quando nada menos era que os vislumbres rapidos e frisantes do talento. Tudo emfim presagia que o Brazil é destinado a ser, nao accidentalmente , mas de necessidade, um centro de luzes e de civilisagio, e o arbitro da politica do novo mundo. » 270 REVISTA BRAZILEIRA. « E que espectaculo (pondera tambem o Sr. Ferdinand Denis), e que espectaculo! Como deixar de admiral-o ! Nas ribanceiras do mar, no seio de suas profundas bahias, onde as ondas mansamente expiram, as mais das vezes balancam- se docemente os coqueiros ou a ipomeea tapiza as aridas aréas das praias; 14 0 mangue forma seus labyrinthos de verdura; e a vista dessas ilhas longinquas, dessas florestas viridantes, dessas humidas praias, dessas ferteis collinas que se desen- rolam aos olhares, vem ’ imaginacio aidéa do mais pacifico abrigo e de uma solidao sem turbacao. As vezes a briza mari- tima se impregna de odores da terra, e se uma fresca aragem agila Os jardins de larangeiras , derrama para logo na atmos- phera delicado perfume que embriaga o olfacto, foge agora, agora volta, e depois desapparece no espaco. Sob clima tao delicioso reuniu-se tudo para encantar, e apenas 0 tempo da secca interrompe por alguns mezes a belleza da paisagem. No interior, porém, sobre as margens desses rios immensos que inundam 0 paiz, uma humidade benefica entretem quasi que sem interrupcao a pompa vegetal. Nessa grandeza da na- tureza, nessa desordem de suas produccoes , nessa fertilidade bravia que se ostenta a par e passo da arte, nessa esperanca que da a abundancia da terra, ao mugido das florestas pri- mitivas, ao arruido das cascatas, que se despenham de ro- chedos em rochedos, ao bramido dos animaes selvagens, que parecem desafiar 0 homem no imperio de seus desertos, uma nova energia se apodera do pensamento dos Brazileiros ; e tanto é isso assim, que 0 viajante se sente naturalmente dis- posto a fazer resoar as florestas de seus cantos, e maravilhosas narragdes dos tempos dos descobrimentos encantam o rancho das bandeiras. » « Ah! Eno Novo Mundo, exclamam os Srs. Gavet e Bou- cher, que o poeta pode estudar a sua arte; é la que deve brotar por demais forte e superior 0 seu pensamento creador; ahi se encontra 0 gracioso ao lado do sombrio e do horrivel ; LITTERATURA NACIONAL. 274 em face de um painel palpitando de vida, immenso , mages- toso e radiante de poesia, cercam-o, electrisam-o, atormen- tam-o grandes lembraricas de todos os generos que acabam por abalal-o profundamente, por arrancar-lhe lagrimas e por inspirar-lhe cantos que nao perecem, cantos sublimes! Es- tremeca de alegria o genio! Faga elle resoar as cordas de uma nova lyra em o Novo Mundo ! « Nada de gasto, nada que sinta a lima européa deve ser ouvido no paiz das maravilhas , onde tudo é novo, onde corre uma seiva de fogo, onde o pensamento se eleva e se engran- dece, livre, virgem, natural e bello. Assemelhar-se-ha a Ame- rica ao nosso continente? A poesia que ella revela deve pa- recer-se com a poesia que se aprende nos livros? Nao; bastante forte é ella para ser applicavel a tudo, e indistincta- mente a tudo, como aquella de que se acha as regras fixas e reproduzidas ha seculos. La, onde tudo se mostra scintil- lante de sublimes bellezas, radiante das mais vivas cdres ; la, onde montanhas gigantescas se alevantam escarpadas , asperas, terriveis, sobre abysmos cujos flancos tenebrosos encobrem agoas que se nao vém, mas que se ouvem rugir entre rochedos, e d’onde parece que sahem vozes que fazem estremecer; la, onde as florestas curvam-se sobre florestas ; onde os lagos se despenham em lagos, onde cascatas resaltam sobre cascatas; 14, por certo que para exprimir 0 que se sente, para pintar 0 que se vé, nao é preciso constranger 0 pensa- mento; necessita-se de pincel largo, emprehendedor, novo, audaz, de toque vigoroso, verdadeiro. Se nao tendes ahia vossa palheta, se imitais os homens alli onde nao ha outra imitacao a seguir senado a da natureza, frio copista, 0 deserto vos repelle; nem é por vos que elle se reveste de magnificen- cias, e que exhala suaves odores; nao. Ahi onde o machado de vossos povos civilisados impede continuamente a vegetacao de velhos troncos sobre as margens das torrentes, — jamais pudestes comprehender o que é uma floresta ; — jamais pu- 272 REVISTA BRAZILEIRA. destes comprehender 0 que é uma taba (hutte) de selvagens, no meio dessa floresta que nada vos inspira; ide buscar uma alma, e tornai depois para perder-vos em labyrinthos frescos e verdes. Véde: tudo quanto tocou o vosso halito , tudo quanto sahiu de vossas maos depois de um penoso trabalho é secco, inanimado, vazio de interesse, falto de idéa; nao queremos um cadaver onde tudo esta cheio de mocidade e de vida. Differencai os homens, as cousas, 0s logares; nao vos inspire a America como a Franca ou a Italia. Oh! diga-vos alguma cousa de mais esta bella America com suas longas madeixas de florestas virgens, com suas tribus selvagens que a espada europea golpeou lentamente, com suas massas de rochedos suspensas sobre os abysmos, com seus mil perfumes, com seus rios, com seus massi¢os, com seus grandes tapetes de verdura, de purpura e de ouro, com as maravilhas de um solo que produziu e que devorou cem nacdes, que chamamos barbaras, cuja coragem, porém, nos espantara sempre, cujas desgragas serao deploradas por nds, e cujo exterminio appa- recera odioso ante as idades que ahi vém, como uma velha vergonha da Europa. « Nao é nessa terra, tio fecunda para 0 genio, que a ins- piracao se apodera do coracao do poeta, agitando-o e tirando delle sons que jamais se ouviram? Nao é ahi que o grande livro da natureza se abre deslumbrante e se desenrola pagina a pagina aos pes do Eterno ? » « Ah! e que bello paiz nao é o Brazil (declarava ainda nao ha muitos annos o barao d’Arcet, esse talento, como dizia um de nossos escriptores , queimado em flor como a innocente mariposa), ah! e que bello paiz nao éo0 Brazil! Parece in- crivel o que tem a sua natureza de poder, de forea e de vigor; tudo ahi brota, tudo ahi cresce; 6 uma vegetacado perpetua, deslumbrante. « Ao chegar a esse paiz, e primeiro que se examine o que sejam os homens, 0 que tém feito por si, como que se fica LITTERATURA NACIONAL. 273 detido na contemplagao de sua admiravel natureza. Ah! o céo offerece um bello espectaculo aos pobres assaz ricos em poderem-o ver e co:nprehendél-o ! Que orchestras poderao jamais valer essas harmonias ? Que pompas poderao nunca rivalisar com taes maravilhas?! Tudo é grande, tudo é bello quando se recebe das maos da natareza, e tudo quanto ella vai produzindo! Um insecto, uina folha, podem ser consi- derados de face ou de perfil , tudo tem seu lado poetico até aos olhos do botanico e do chimico. Acreditem! A sciencia nos arrefece esses ardores do pensamento, que fazem delirar; é ella assaz fertil para nada materialisar; vivifica e nada esteri- lisa. Toda a sabedoria esta em nao chegar senao aos limites do incomprehensivel, e de 14 ao incognito nada mais pode fazer que admirar e calar!.... « Sob o melhor céo do mundo encanta ainda um mar sem igual, e muito mais bello do que os de Italia, da Grecia e do Egypto. Reuna-se a isso flores e fructos sem numero; passaros e insectos, como diamantes com azas; um sol ardente, na verdade , mas tambem uma viracao que vem quotidianamente ao meio dia para suavisal-a; uma viracao com a qual se conta, que é quasi um direito; emfim, a salubridade do clima, e convir-se-ha que é preciso ser, como dizia Montaigne, assaz estropeado de espirito, e, dil-o-hei eu, de coracao, para nao amar 0 Brazil. » « Os Brazileiros (exprime-se assim o Sr. Juan Valera) pos- suem um inexhaurivel manancial de poesia nessa natureza Virgen que os rodéa, repleta de bellos e magnificos objectos que alé 0 presente nao tém sido descriptos; por todaa parte ‘Ihe cercam mil novas imagens com que possam revestir seus pensamentos, e mil novas inspiragdes nao sentidas pelos poe- las da Europa. E certo que a historia de sua conquista nao é {0 romanesca como a do Peri ou do Mexico; nem tem como estes dous paizes tradigdes tao maravilhosas, nem my- thologia (io variada, Nao ha lembranga, nem consta de suas 974 REVISTA BRAZILEIRA. chronicas que jamais existisse no Brazil uma tal ou qual civi- lisacao indigena comé essa dos Incas oua dos Aztecas; nem muito menos ainda uma civilisacao mais antiga como a que contou 0 Mexico antes da invasao dos Aztecas, e de que fallam por si mesmo soberbas e cyclopicas ruinas. Nao faltam , to- davia, tradicdes brazilicas nem legendas de que se pdde apo- derar a poesia, e das quaes com effeito se vao servindo ja Os poetas contemporaneos. » « Parece (publicava ainda ha pouco um escriptor argen- tino), parece que as artes e as sciencias buscam os formosos bosques de palmeiras do Brazil, suas montanhas e suas ilhas perfeitamente verdes, para plantarem no meio dos mysterios de uma natureza virgem um romantico pavilhao para seu culto. « Alli tudo convida a essas pacificas victorias do espirito humano; e ao observar-se 0 vOo magestoso das idéas nessa regiao afortunada, revive a desmaiada fé sobre os destinos do Novo Mundo. Emfim, um soberano dotado de uma intel- ligencia tao elevada, como seu coracao , ostenta no throno e na flér da mocidade o amor philosophico a liberdade e a sa- bedoria. » Do que fica exposto podera objectar-se, nao obstante a opiniao de Humboldt, de Santiago Nunes Ribeiro, de Maga- Ihaes, do visconde de S. Leopoldo , de Ferdinand Denis, de Gavet e Boucher, do barao d’Arcet e outros a respeito de nosso paiz, que para aquelle que nasce debaixo de um céo brilhante ,— cercado de todos os quadros de uma natureza portentosa , vivificado pelas auras perfumadas das flores de seus bosques , que se acostuma desde a infancia, que se aveza todos os dias ao espectaculo risonho, ou magestoso dos sitios de seu patrio ninho, nenhuma influencia deve exercer sobre a sua imaginacao e sobre 0 estylo de suas obras—esse clima , — essa configuracao de seu solo, — essa physionomia de seus vegelaes , — esse aspecto da natureza risonha ou selvagem de seu paiz. LITTERATURA NACIONAL. 975 Todavia, nao é0 que acontece; a imaginacao avigora-se nesse ber¢o immenso, educa-se com o espectaculo que tem ante si, e como o condor, nascido nos pincaros dos Andes , olha e contempla ainda implume a immensidade do espago , e depois sem temor ensaia 0 hardido v0o; nao é o adejo do passaro que vai como a briza sem murmurio pela superficie das agoas; nio é 0 vOo da ave que nao se alreve a conquistar 0 gremio das nuvens; éa balada do gigante dos ares que sacode de suas amplas azas 0 ronco longinquo do trovao, cujo imperio atrevido invade, devassa, domina. Ah! bem de- pressa a inspiracao impera em seus cantos immortaes ; parece que resoam NOs seus versos as agoas sonoras das cascatas de, suas serranias, e das Igcoaranas de seus rios, 0 bramido do oceano minando as cavernosas penedias de suas praias , 0 trovao reperculindo-se nas abobadas abrasadas pelo halito da tormenta, e echoando nas quebradas das cordilheiras ; 0 grito immenso, horrendo, roufenho do tufio baloicando-se nas grimpas externas das florestas; parece que se ouvem em suas endeixas 0 gorgeio doce e suave dos passaros, 0s solugos da briza que passa por entre flores: o seu estylo reflecte como um espelho o azul de suas serras, 0 anil de seu céo, a luz de seus diamantes, o brilho de seus astros, 0 iris de suas fl6res, o verde de seus bosques. Umas vezes 6 como a ave que re- monta de um so voo a immensidade e some-se no infinito ; outras , o raio que estala nas abobadas celestes; agora sera a borboleta de azas de ouro, e que esvoaca como uma flér aérea ; logo a abelha dourada que susurra seu hymno, libando 0 nectar das flores; alli éo rio caudaloso que tudo arrebata em sua marcha triumphal coroado de pennachos de florestas . que arranca ds suas margens, entoando no seu bramido o canlico de suas victorias antes que se perca no oceano; aqui 0 ribeiro que serpéa entre as hervas aromaticas e se espre- guica pelas campinas. Seus hymnos sao o reflexo de sua imaginagao, sua imaginagao é 0 espelho do seu paiz, que se 276 REVISTA BRAZILEIRA. anima como uma prosopopéa sem fim ao aceno que o inter- roga. E certo que nos primeiros cantos de nossos poetas nao se encontram inspiracdes nascidas da natureza americana. Nao_ foi a educacao européa que lhes apagou a inspiracao — era a idade que ainda lhes nao havia transmittido o enthusiasmo— era a idade que ainda nao havia formado 0 seu canto sob os ensaios de seus gorgeios. Ninguem ainda buscou nos pios in- fantis das aves implumes, quando mal ensaiam seus adejos, as harmonias com que depois saudam os arrebdes da manhaa e da tarde. Os primeiros preludios perderam-se talvez na Brazilia de Gongalo da Franc¢a; repetiram-se depois na lyra de Claudio Manoel da Costa, e no alaide amoroso de Silva Alvarenga; as primeiras harmonias soaram no Uruguay de Basilio da Gama, no Caramuri de Santa Rita Durao, na Assumpcao de S. Carlos, nas odes patrioticas de Natividade Saldanha; nas estrophes brilhantes de Jose Bonifacio, nos mysticos Suspiros de Magalhaes, nos bellos Cantos de Gon- calves Dias, e nas portentosas Brazilianas de Porto-Alegre. E quem duvidara que elles sejam inspirados pela natureza de sua patria? Nao ouvis nos cantos de Claudio Manoel da Costa os trinados das aves dos nossos bosques? Nao sentis nos ma- drigaes e rondds de Silva Alvarenga o perfume das flores ainda agitadas pelo rapido adejo do beija-flr? Nao conheceis todo 0 nosso paiz nos cantos de Santa Rita Durao e de Basilio da Gama? Nao encontrais no Paraiso de S. Carlos as fléres , 0s fructos, as arvores, os bosques, 0s montes, as cascatas de nossa terra? Nao escutais nas odes pindaricas de Natividade Saldanha 0 ribombo da artilharia dos Batavos retumbando nas serras dos Guararapes, e a luta dasracas que compoem a colonia, actuando unidas para um mesmo fim, debaixo de um unico principio? Nao assistis a esse cataclysma que muda aconfiguracao da antiga Guanabara na Metamorphose de Januario da Cunha Barbosa? Nao vos assombrais com a des- LITTERATURA NACIONAL. 977 truicaio das florestas de nossa patria, ou nado exultais de prazer com a pompa, com a grandeza colossal do Rio de Janeiro , » nas Brazilianas de Porto-Alegre ? Nao suspirais pelas. terras da patria, palpitando de amor por ella nos Suspiros de Ma- galhaes? Nao penetrais na taba rustica do indio, e nao la- mentais as suas desgracas nos Cantos de Goncalves Dias? Nao vos engrandeceis com a pintura do oceano immenso, e do espaco sem fim, quando José Maria do Amaral exclama : Quero entornar minh’alma em tanto espago, Quero em tanta grandeza engrandecer-me ? Poetas nacionaes, elles nio forcaram a imaginagao para produzir o que unicamente lhes inspirou a patria, e alguns delles bem distantes della! Sim, 6 longe da patria que a ins- piragao actua com mais forca: e a imagem do sol se repro- duzindo no seio das trevas, bello e pomposo como surgiu do nada 4 voz de Deus. Tanta forc¢a tem a inspiracao para o poeta que para elle nio ha mares nem espacos ; elle pede 4 sua me- moria a pintura de sua patria; longe, distante, os objectos como que se engrandecem avultando no seu horizonte im- menso, e dahi a exageracio; é 0 pincel que carrega na tela a medo que as tintas se lhe desbotem, esmorecam e morram ! A natureza, fonte perenne, nao se esgota; a inspiracao dimana della inexhaurivelmente; o Brazil, dotado de seus primores, de suas bellezas, de suas maravilhas e de suas magnificencias, tem ante si um futuro que pasma, cheio de grandeza , de gloria e de prosperidade ; elle inspira, e pois elle tera nessas épocas, que ahi vém, grupos brilhantes de poe- tas em todos os generos, como as constellacdes luminosas e scintillantes de seu ceo. Nada dependera da natureza da patria que cella inspira , mas tudo dos homens e de suas instituigdes. « America! (ex- clama um de seus illustres filhos, um poeta argentino, o Sr. R. B, Ill. 49 278 REVISTA BRAZILEIRA. José Marmol) quando a liberdade tiver cravado o seu throno de alabastro debaixo de teu formoso ceo; quando a civili- sagao se derramar sobre a fronte de seus filhos, bellas como 0 sol que as doura, 0 genio americano abrira suas azas sobre 0 mundo, e, a sua sombra, os Andes eo deserto, o Parana e 0 Amazonas, tuas flores e teus bosques , tuas tradicdes e tuas glorias, nao serao ja senao propriedade de teus filhos. « Esse dia chegara. O porvir do mundo é o patrimonio da America; porém os decretos da Providencia sao executados pelo homem, »e @ necessario trabalhar. « Nossos pais nos deram uma independencia politica; cum- priram a sua missao, nao devemos exigir mais. Somos nds, seus filhos, os que devemos dar contas 4s geracdes futuras do emprego que fizemos da nossa época. Temos de continuar a revolucao, porque a Hespanha e Portugal ainda imperam em suas antigas colonias; e temos de firmar uma independencia quiga mais cara — a independencia intellectual. » J. NORBERTO DE S. S. LINGUISTICA - Carta do Dr. Castro Lopes ao Ili” e Ex” Sr. Dr. S. sobre a utilidade do estudo da lingua latina. Em resposta a sabia e obsequiosa carta, que V. Ex. me dirigira para provar que 0 estudo da lingua latina é inutil na actualidade, promettendo-me mostrar em uma segunda parte que € tambem pernicioso ; cumpre-me, antes de encetar a refutacao dos seus argumentos, pedir venia para , desviando de mim como improprias e mal assentes as boas palavras , de que tao generosamente dignou-se de usar a meu respeito, empregal-as em referencia 4 pessoa de V. Ex., a quem per- feita e verdadeiramente quadram. Satisfeito este dever, comecarei a tarefa, que, embora deleitosa , nao preencho agora com 0 mesmo prazer de outros tempos, em que nao arrastava uma vida ineloria e melanco- lica, tropecando a cada passo na senda de prosaico positi- vismo, mas vagueayva de continuo pelas especulativas regides da amena litteratura. Diz V. Ex. que a proposicao, que se encarregou de de- monstrar, fara sem duvida arripiar as carnes e 0 cabello a quasi todos os que a ouvirem; e que eu mesmo nao a po- derei ler tranquillo: devo desde ja prevenir ao meu adver- sario (sO relativamente as suas idéas quanto ao latim) que, comquanto defenda por conviccao a these contraria, nao per- tengo todavia ao numero daquelles , que 4 for¢a de muito ha- verem estudado latim , teém-se tanto enamorado dessa lingua , 280 REVISTA BRAZILEIRA. que tudo quanto latim nao seja, entendem que nao presta, ou é pelo menos muito inferior ao idioma de Cicero. Sirva esta prévia declaracao, cuja verdade se prova nos esforcos, que emprégo para acabar com a rotina do ensino do latim, e que me hao de adquirir mais desaffeigoados do que amigos , — para tornar menos suspeitos os meus argumentos, que serao portanto filhos legitimos da razao , e nao fructos de uma cega paixao por essa lingua, de que nao quiz V. Ex., apezar de condemnal-a, prescindir na sua citagao tio modesta — Si deficiunt vires. ete. Traca V. Ex. em um breve , nas vivo quadro, o estado dos conhecimentos humanos na idade média, época na verdade triste para as letras pela barbaria, que reinava entao no mundo conhecido. Nao descoberto ainda pelo incansavel Guttemberg 0 prodigioso meio de perpetuar a palavra, nao firmadas ainda em cada nacio as linguas, mas confundidas e adulteradas pela mistura das vozes barbaras dessa torrente invasora das regides hyperboreas, e entorpecido o progressivo movimento, que deviam naturalmente ter as sciencias e le- tras da antiguidade por esta catastrophe de onze seculos de duracao, — é evidente que os conhecimentos humanos de entao eram ainda os que pertenciam ao dominio das nacdes antigas, Grecia e Roma principalmente, e que as linguas , em que elles se encerravam , eram a grega ea latina. A Phi- losophia, a Historia, a Jurisprudencia, a Poesia, a Rhe- torica tinham como oraculos aquelles mesmos nomes famosos, que ennobreceram os seculos de Pericles e de Augusto; por- que o espirito guerreiro e fanatico daquelles tempos nao se dirigia ao cultivo e aperfeicoamento das letras, entregue s0- mente ao furor dos combates, 4 cegueira da supersticao , e as alternativas de romanescas aventuras. Em uma palavra, as linguas grega e latina eram as de- positarias do que em letras e sciencias se conhecia, e por consequencia, como judiciosamente observa V. Ex., muito LINGUISTICA. 281 explicavel é que na idade média se aprendessem aquellas duas linguas mortas, que com toda a razao e muito devida- mente se chamaram sabias, visto que continham toda a scien- cia de entao. Coméco, pois, ja desde este ponto, a discordar, bem a meu pezar, da opiniao de V. Ex., quando diz nao ser 0 latim lingua sabia; e entendo que, se naquellas épocas era apropositadamente assim denominado, por encerrar a scien- cia daquellas idades , nao menos propria sera hoje a denomi- nacao que se lhe di de wniversal, e ainda de lingua sabia , visto que em todas as Universidades , Academias, Faculdades, e Sociedades scientificas ou litterarias do mundo, é a lingua de que podem usar os estrangeiros em quaesquer obras que lhes apresentem. Ainda accrescentarei mais as boas razdes que ha para acertadamente serem chamadas sabias — 0 po- deroso auxilio philologico, que ambas estas linguas (0 grego e 0 latim) prestam 4 technologia de todas as sciencias, ainda mesmo as de que nado tivera conhecimento a antiguidade; e V. Ex., eximio cultor daquellas, melhor do que eu sabe quaio valiosa e importante é nas sciencias essa linguagem peculiar acada uma, e esses neologismos, que, pela admiravel vir- tude dessas duas linguas, se formam de palavras, que, ex- primindo cada uma de per si nogdes universaes, representam, por artificiosas combinacgdes, idéas novas, que difficilmente achariam termo equivalente nas linguas modernas. Daqui , pois, se vé que, mesmo para a facil comprehensaio do tech- nismo das sciencias, é de utilidade o conhecimento de qual- quer das duas linguas, muito devidamente chamadas sabias. Mas, diz V. Ex.. sera bom, ulil , sera natural no seculo 19 estudar-se latim ? Havera quem diga que o latim seja instru- mento para acquisicao das sciencias e artes? Sera nas obras que nos deixaram os Romanos, continua V. Ex., que apren- deremos a Physiologia, 0 Direito, a Religiaio , a Historia, etc. ? Logo depois estabelece V. Ex. como principio incontroverso que saber uma lingua, assim como saber ler, nao é mais que 982 REVISTA BRAZILEIRA. possuir um instrumento ; e que (na sua opiniao) para nada servindo o latim, 6 rematada loucura aprendél-o, gastando com isso tempo, que em vaoO empregamos por esquecermos logo esse inutil instrumento apenas aprendido. Examinemos estes argumentos. E sem duvida, meu illustre doutor, bom, é util, e atéé natural estudar o latim mesmo no seculo 19: ao menos na Europa culta, e nella em todos os paizes onde a instruccao @ um ramo de servico publico, para o qual se attende com tanto ou maior cuidade como para outros que affectam os vitaes interesses do Estado, 0 estudo do grego, e principalmente do latim, occupa a attencio do governo, e dos homens sabios , como melhor do que eu V. Ex. sabe. Os milhares de edicdes que de todos os classicos latinos se tém feito com um esmero e escrupulo nunca assaz admirados ; as investigagdes philolo- gicas dos profundos litteratos da Allemanha sobre a lingua latina, S40 provas irrefragaveis de que é util estudar mesmo no seculo 19, e até 4 consummacao dos seculos, a lingua que fallou esse povo late rex. Apresento o argumento da universalidade do ensino do latin, porque estou bem certo de que VY. Ex. nao podera ter como cousa que pouco valba, e erronea, este geral consenso de opinides nos paizes cultos sobre a conve- viencia do estudo da lingua latina. Uma lingua ja de si diffi- cultosa, nao fallada, e que entretanto todas as nacdes polidas cultivam com ardor € paixao, tem em si mesma alguma cousa de grande; e sob essa illusoria apparencia de inutilidade en- cerra, e contém por certo muito de proficuo e de util. Antes de desenvolver-me mais a este respeilo, devo occupar-me com o argumento principal , sobre que V. Ex. se firma para provar a inutilidade do latim actualmente. Saber uma lingua, é na verdade possuir um instrumento, e sendo o latim lingua nao fallada hoje , 6 debaixo deste ponto de vista inutil estu- dal-a, diz V. Ex.; mas sera.s0 proficuo aprender linguas vivas pela necessidade que temos de communicarmo-nos com os i LINGUISTICA. 283 povos que as fallam? Se esta fosse a unica vantagem , nao deveriam ser aprendidas todas as linguas vivas , ainda mesmo as das mais barbaras e selvagens nacdes, com preferencia ao crego antigo, e ao latim, que ninguem mais falla? Nao é, porém, diz V. Ex., a unica vantagem de aprender as linguas vivas possuir um instrumento de correspondencia interna- cional; mas poder estudar e acompanhar o progresso das sciencias, que estao escriptas em francez, inglez, allemao, italiano, ete, Nao necessito dizer a V. Ex. que em sciencias até 0 meio do seculo passado, e mesmo hoje, posto que mais raramente, nos paizes que mais a cultivam, tem-se escripto em latim: eu mesmo ha dous ou tres annos traduzia, e ja tinha quasi em metade uma obra scientifica moderna— A materia medica brazileira escripta recentemente em latim por Martius — , quando fui surprehendido pela publicagao de uma traduccao da mesma obra, cujo interprete comecara antes de mim, sem que eu soubesse, igual tarefa. Todos os dias ahi appa- recem medicos estrangeiros, que ignorando a lingua portu- gueza, escrevem em latim, isto é, na lingua que deve ser conhecida pelos homens da sciencia, as suas dissertacoes , respondendo, e sendo muitas vezes arguidos em latim pelos respectivos examinadores. Além disto V. Ex. sabe que para os botanicos é o latim a lingua da sua sciencia, sejam Brazileiros; Portuguezes, Fran- cezes , Inglezes, etc. Posto que ja por muitas e diversas causas nao seja o latim (a0 geralmente bem sabido como outr’ora, quando represen- fava Oo mesmo que hoje representa o francez; bem que ne- nhum povo falle o latim classico, e as sciencias estejam es- criplas mais commummente em linguas modernas, — ha, e havera sempre uma indeclinavel necessidade de estudar essa lingua, nao pelas duas razdes, que diz V. Ex. apontam os seus apaixonados, isto é, desenvolver a intelligencia, e aperfeicoar 284 REVISTA BRAZILEIRA. rs alingua portugueza ; razdes que, tendo alguma cousa de real, nao sao todavia absolutamente, e em toda a sua latitude verdadeiras ; mas pelos motivos que acabo de exhibir , e por outros que passo a expor. A preponderancia, universalidade, e por assim dizer a soberania da lingua latina pertenceriam do mesno modo a qualquer outra lingua, cujo povo se achasse nas circumstan- cias especiaes, em que se achava o romano, que parecendo ter, ou antes tendo realmente tocado o apogeéo da gloria, do poder, e da civilisacao relativa a todos os outros povos do mundo, entao conhecido, devia forcosamente imprimir na- quelles, que por muito tempo lhe pagaram vassallagem , 0 caracter indelevel do. seu dominio: tudo quanto por conse- quencia estivera sob 0 poder romano conseryou mais ou menos modificados pelo correr dos seculos os vestigios da primitiva influencia dessa nacao, conquistadora ; e tao fundas foram.as raizes que por todo o vasto territorio de suas con- quistas lancgara esse povo colossal, nao obstante haver a in- vasag, dos barbaros alterado as linguas dos paizes por elles subjugados, — que predominou comtudo em quasi toda a parte a lingua latina. Com effeito, assim era natural succeder, por ser uma lingua ja firmada, polida, e que encerrava 0 que de melhor se conhecia em sciencias ¢ letras; accrescendo que foi ella afonte donde extrahiram as linguas do Meio-dia , e mesmo as do norte da Europa, aimmensa copia de voca- bulos, com que se enriqueceram. A Peninsula Iberica, espe- ciakmente a Lusitania, e nao fallo ja da Halia , territorio pelos Romanos habitado, ahi estao provando nos seus respectivos idiomas. a influencia latina. A V. Ex. nao pode ser estranho por certo. quanto se infiltrara por toda a Europa o elemento romano, pois que até principios do seculo 17 todos ou quasi todos os actos officiaes em Franga, Inglaterra, Allemanha , elc., eram, escriptos em latim , tendo sido, alé em Franga ne- cessaria a publicacao. de cinco editos ordenando aos magis- ey LINGUISTICA. 285 trados e autoridades civis que escrevessem em francez: Em Portugal, e entre nds até o principio do seculo actual, muito vulgar era 0 emprego do latim em pecas officiaes , e prin- cipalmente no foro; tanto que, ainda ha dous annos, fui es- colhido para traduzir em uns autos tengdes dos desembarga- dores , que as escreveram em latim. Dir-me-ha, porem, V. Ex., que taes causas sao verdadeiras , e que por certo ja Ihe eram conhecidas; mas insistira na sua pergunta : — porque ainda latim , se em linguas mais faceis temos todos os conhecimentos humanos , todas as sciencias , cic.? Eis o ponto essencial. Segundo me parece, essa paixao, esse ardor, e direi mesmo veneracao, com que as nacdes civilisadas ainda neste seculo se entregam ao lalim, e fazem obrigatorio 0 seu ensino para os que pretendem iniciar-se nas sciencias e letras , procede, talvez, alem de outras razdes, que daqui ha pouco apresen- tarei, de um certo instincto de gratidio , de um como vinculo consanguineo, gue liga o mundo moderno ao mundo antigo: 0 apégo a lingua latina, o estudal-a apezar de suas difficul- dades, @ como que a expressio de um amor filial, que busca por este mesmo cultivo patentear-se; &, por assim dizer, o modo de pagar a immensa divida contrahida pelos modernos, que dos antigos beberam as sciencias e letras, que depois aperfeigoaram com o andar dos tempos. Em verdade, quando nenhum outro motivo houvesse para estudar o latim, bastaria aconsideragao unica de que foi esta lingua a mestra dos sabios modernos , que tanto a prezaram, @ veneraram, — para reser- varmos um espago de tempo, que nunca se perde, em apren- deél-a. E aqui occasido de enfadar-me um pouco com V. Ex., quan- do na sua vehemente colera contra o latim, e seus defensores , parece negar aos antigos vastos e variados conhecimentos , muitos dos quaes, bem consideradas as cireumstancias do mundo actual com as daquellas épocas, nao se tém propor- 286 REVISTA BRAZILEIRA. cionalmente adiantado quanto era de esperar, attento 0 pro- gresso, que anima e ennobrece os tempos modernos. Pergunta V. Ex., para provar a inutilidade do estudo do latim, se sera por ventura nas obras , que nos deixaram os Romanos, que aprenderemos a Astronomia, a Chimica, a Historia, 0 Direito, a Medicina, etc. ? Nao € certamente nessas obras que iremos de preferencia estudar essas sciencias ; assim como tambem nio é preferindo as edicdes antigas as novissimas de livros scientificos e litte- rarios, escriptos em linguas vivas, que nos vamos instruir da marcha dos conhecimentos humanos: nao obstante, essas mesmas obras latinas devem ser consultadas por todos os que se applicam as sciencias, e indispensavelmente pelos que se dao ao estudo puramente litterario. Nao temos, é verdade , livro algum dos Romanos sobre finaneas , sobre economia po- litica, sobre geologia; mas depois delles tambem, por muitos seculos nem se suspeitava a existencia desta e de outras scien- cias. Diga-me porém, meu illustre doutor, se para aquelle que quer passar, verbi gratia , por um distincto architecto , nao é triste que ignore a lingua em que escreveu Vitruvio, impedido assim de ler originalmente as suas obras, afim de conhecer ao menos a historia da arte que professa? Nenhum medico certamente estudara por exemplo Celso de preferencia a qualquer escriptor de medicina moderna (ainda mesmo aquelles que formam grossos volumes inventando theorias, e creando palavras, mas nao adiantando nada de positivo e de util sobre a therapeutica); porém que medico deve ignorar ao menos-as sabias instruccdes dieteticas, e mesmo a parte ci- rurgica do Hippocrates nedivivus, do Cicero medico , como a Celso chamavam os medicos do 15° e 16° seculos? Nao é antes para lamentar que alguns profissionaes, pela ignorancia das antiguidades, caiam no absurdo de suppor que Hippocrates escrevéra em latim (como ja tenho ouvido) , isto por que nao aprendem pela mor parle 0 grego, e mal conhecem Hippo- LINGUISTICA. 287 crates pela traduccio latina, cujos aphorismos copiam de umas para oulras theses os aspirantes ao doutorado medico? Muito se ha escripto em medicina; mas que sabio moderno jamais soube exprimir tio concisa, e tao syntheticamente , como o velho de Cds, certas verdades geraes, € axiomaticas, que podem-se considerar como pontos cardeaes da medicina? Pergunta tambem V. Ex. se nas obras que nos deixaram os Romanos é que iremos aprender a Historia? e onde pode- riamos nds outros aprendél-a senio nelles, peco eu agora venia para perguntar a V. Ex.? 0 que saberia o sapientis- simo Cesar Cantu, Rollin, Anquetil, e mil outros, se as aureas fontes dos Livios, dos Sallustios, Floros, Cesares e Tacitos nao Ihes fornecessem o conheci:nento dos usos, dos costumes, e a veridica narragao dos successos contemporaneos? Em uma palavra, 0 que saberiam os modernos acerca do mundo an- tigo, se nao fossem os livros latinos ? Todos os que lemos a Historia, vemos a cada passo as citagdes daquelles autores latinos, unicas fontes para a historia antiga de grande numero de paizes. Das Gallias, da Germania, por exemplo, e de suas extravagantes usancas, 0 que conheceriamos nos, se nao nos deixassem Cesar e Tacito minuciosas descrip¢oes, este ultimo principalmente no seu livro— De moribus Germanice ? i Os antigos nao devem ser desprezados; 6 sobre seus pro- prios erros que se ergue magestoso o edificio da sciencia mo- derna: o culto que elles mesmos renderam aos que os pre- cederam, instincto que no homem se revela sempre, & um exemplo que as geracdes vindouras yao sempre imitando de umas para as outras: as ideas erroneas, que sobre muitas sciencias tinham, se nao nos illustram por absurdas, gozam da feliz vantagem de despertar-nos , e estimular-nos na pes- quiza da verdade: olhando compassiva , ou desdenhosamente para seus defeitos, esforgamo-nos em nao soffrer da posteri- dade igual desprezo. Plinio, 0 antigo, que nos legou 37 livros 288 REVISTA BRAZILEIRA. sobre Historia natural,com toda arazio chamados Encyclope- dia Romana, trata ne'les deastronomia, geometria, mineralo- gia, agricultura, physica, botanica, anatomia, artes mecanicas, e de luxo, etc. E deve ser tido em pouco um homem, que tendo escripto além desta muitas outras obras, que nio chegaram ds nossas Maos , Serviu como militar 4 sua patria, e administrou provincias? E por sem duvida digno de todo o respeito um sabio tal, que tem entre as suas glorias haver servido de modelo ao eloquente Buffon, e ter sido annotado pelos professores do Jardim das Plantas, e por alguns membros do Instituto de Pariz. Pergunta mais V. Ex. se sera nos livros que nos dei- xaram os Romanos, que aprenderemos o Direito ? A este res- peito mui pouco direi, porque seria grande ousadia da minha parte fallar com um jurisprudente, como é V. Ex., sobre ma- teria para mim tao estranha: comtudo permiltta V. Ex. lem- brar-lhe que sabios jurisconsultos estao de accordo em con- siderar 0 Direito Romano como a base e 0 complemento das legislacdes modernas, e tal 6 o elogio que delle fazem, que o denominam — a razdo escripta. Nao direi, fallando em geral do Direito Romano, o que exageradamente disse Cicero (De Orat., |. 1, ¢. 44) fallando (las leis das doze taboas: « Bibliothecas, me hercule, omnium philosophorum unus mihi videtur XI tabularum libellus , sa quis legum fontes et capita viderit, et auctoritatis pondere et utilitatis ubertate superare; » mas citarei as palavras de Leibnitz quando, referindo-se ao desenvolvimento da sciencia do Direito, assim se exprime: « Dixi sepius, post scripta geometrarum nihil exstare quod vi ac subtilitate cum romano- rum jurisconsultorum scriptis comparari possit ; tantum nervi inest, tantum profunditatis..... V. Ex. deve mui bem co- nhecer os nomes e obras dos Mucius Scevola, Servus Sul- pitius Rufus, Tubero, Gajus, Emilius, Papinianus, Julius, Domitius Ulpianus, Paulus, Modestinus, etc. , nomes illustres na sciencia do Direito. Creio mesmo que ainda hoje sao estu- —— i Ate ae tite LINGUISTICA. 289 dadas as Pandectas do imperador Justiniano, e nao sei se os seus Instituta e Novella. Suppondo haver mostrado que a utilidade do estudo do la- tim nao consiste so em desenvolver a intelligencia, porque entao , como judiciosamente diz V. Ex., todos quantos nao soubessem a referida lingua seriam menos intelligentes, o que nao vemos acontecer , direi comtudo que é 0 seu conhe- cimento um indispensavel auxiliar para os que se dedicam ao estudo das bellas letras ; guardando-me para daqui ha pouco provar esta ultima proposigao. Antes porém notarei, que se V. Ex. me apresenta os nomes de diversos artistas, como Rubens, Donizetti, Bellini, Vaucamon, que foram eximios na sua arte sem saberem uma so palavra de latim (o que nao posso affirmar) ; isto nao prova: 4°, que se 0 soubessem, te- riam sido inferiores; 2°, que qualquer homem, notavel em algum ramo arlistico , lilterario ou scientifico, sabendo latim, perca por isso de seu merecimento, ou nio seja tao conspicuo como aquelle, que igualando-o na arte ou sciencia que pro- fessa, ignore a lingua latina: ese o conhecimento desta nao pode directamente concorrer para fazél-o mais insigne na respectiva profissao , tambem o seu espirito nao perde com a posse desse instrumento. Um pintor, por exemplo, que soubesse bem latim, teria muitas vezes occasiao de repro- duzir habilmente sobre a téla, materialisando a palavra do poeta, essas bellas descripedes de Virgilio, de Ovidio, etc. ; e é isto o que vemos succeder com os grandes mestres em pintura, quando possuem bom cabedal de erudicao. Tambem ¢ aqui logar de observar a V. Ex. que Napoleao, se é verdade o que diz Guizot, amava o latim, e os escriptores romanos. Servir-me-hei das palavras do mesmo Sr. Guizot , proferidas no discurso de recepeio de Biot na Academia Franceza em sessao de 5 de Fevereiro deste anno.....: « Como! replicou Napoledo, ja nao se sabe o latim em Franca?! Oh! hei de ver isso. » E assim foi com effeito. As 7 290 REVISTA BRAZILEIRA. sciencias prosperavam antes delle, e sem elle; a restauragao porém dos estudos litterarios e classicos foi obra sua: Os creadores humanos do bello (note V. Ex. como 0 proprio Guizot denomina a Virgilio e a Cicero), Homero e Virgilio, Thuci- dides e Cicero, retomaram, gracas a Bonaparte, sua posicao e seu imperio no desenvolvimento das jovens intelligencias (vide Jornal do Commercio n. 83 de 25 de Margo de 1857), Toco neste ponto em resposta ao que em sua carta me diz V. Ex., quando desta sorte se exprime: « Napoleao, 0 maior homem dos tempos modernos, nunca pdde entrar com o latim. >» _ ; E’ tambem geralmente sabido que esse mesmo homem admiravel commentara as obras do immortal Cesar, onde por certo bebeu as inspiragdes guerreiras, e a quem em tudo quiz imitar ; pois que, semelhante ao vencedor das Gallias, 0 filho de Leticia manejou com habil dextra a espada e a penna. Ja disse, ha pouco, que nao dava como unica razao da utilidade do estudo da lingua latina o desenvolvimento da in- telligencia; mas estou longe de negar que tal estudo concorra para esse fim; e V. Ex. igualmente o reconhece , quando diz que, uma vez que com elle se exerce 0 cerebro, tem-se ipso facto aperfeicoado 0 orgio do esprrito. Entre as provas, porém, que apresenta para mostrar que sem 0 latim nao deixa de haver intelligencia, nota que em geral as mulheres nio sabem esta lingua, e sao entretanto intelligentes. Concordando com Y. Ex., fago todavia uma restriccao , e vem a ser que M™° de Stael, Dacier , Sevigneé , ¢ outras apuraram essa mesma intelligencia tao geral nas mu- lheres, e distinguiram-se (entre as do seu sexo, por isso que sabiam nao so 0 latim., mas o grego; sendo que Dacier ¢ uma das melhores commentadoras de Homero,e de Horacio nasua Arte Poeticu. E se estas tanto apuraram a sua intelligencia , porque nao deveremos antes desejar que essa amavel porgao da humanidade se illustre igualmente, e estude o grego e 0 Te LINGUISTICA. 291 latim, bases eternas de uma educacao litteraria completa , afim de tornarem mais cheia de encantos a sociedade con- jugal ? Diz V. Ex. que os Gregos nao sabiam latim, e que entretanto escreveram obras admiraveis: nao serei eu por certo quem o negue; mas parece ter-se V. Ex. contradicto, visto que, menoscabando as sciencias e letras dos antigos, diz na 38 pagina da sua carta: « Serinstruido, saber portanto nesses desgracados tempos era ter conhecimento do que haviam escripto Epicuro, Socrates, Platao, Aristoteles, etc.;» entre- tanto que na pagina 8* dessa mesma carta diz que os Gregos, apezar de nao saberem latim, tinham tanta intelligencia, que escreveram obras que ainda hoje se lém com admiracao. Convém confessar que assim é, mas cumpre reflectir que os Gregos , como todos os oulros povos que vao sempre buscar , nos antigos e nas nagdes que os tém precedido em civilisacao , 0 conhecimento das sciencias, letras e artes ;— iam estudar no Egypto, como fizeram Thales, Solon, Pythagoras , etc.—; que os Romanos iam beber a instrucgao na Grecia, como o proprio Cicero nos refere a seu respeito: por consequencia, do mesmo argumento de V. Ex. infiro que cumpre remontar aos antigos, até porque assim 0 espirito humano percorre a escala do seu progresso, e liraa vantagem de conhecer as suas phases realisadas e possiveis. En. summa, o principal argumento de V. Ex., para mostrar a inulilidade do estudo do latim, reduz-se ao seguinte : — que nao se deve estudar aquillo que nao pode ter uma utilidade immediata , saliente, e de cujo conhecimento as necessidades da vida actual nao lirem proveilo. Na verdade, nunca pensei que V. Ex. fosse tao exclusiva- mente ulilitario e positivista; pois que, se este argumento prevalece contra o estudo do latim, deve igualmente prevalecer contra o estudo de qualquer outra especialidade das que constituem as humanidades propriamente ditas. Tal argu- 292 REVISTA BRAZILEIRA. mento é susceptivel da maior extensao, que se pode imaginar; porquanto, se diz V. Ex. que sem o latim podem haver grandes artistas, grandes medicos, grandes mathematicos, etc., com igual razao pode-se tambem dizer que o estudo da rhetorica, por exemplo, é inutil, porque nao tem uma immediata ap- plicacao ; que 0 estudo das mathematicas inutil 6 tambem , porque além de difficil, nao é tanta a vantagem que encerre. que se nao possa dispensar: visto como tantos e tao notaveis sabios tém florescido, nao sendo grandes mathematicos > e tendo até para semelhante ramo decidida negacao. Um prin- cipio falso arrasta sempre consequencias absurdas; abyssus abyssum vocat. Eu, como ja fiz vera V. Ex., nao sou cego defensor do latim; mas no que jamais concordarei 6 em que deva ser abolido o estudo de uma lingua que é a fonte e origem do bello, embora possam sem ella passar, e effectivamente passem sem grande prejuizo, os artifices, os operarios, ou os que vivem de qualquer outra industria em condigao menos nobre na sociedade. Apresente-se porém um Jurisconsulto , um Medico, um Poeta, um Orador, um Naturalista, um homem emfim que aspire aos foros de letrado, ja nao digo de sabio, mas ignore 0 latim (note V. Ex. que me refiro a povos civilisados, e nao aquelles que por muitos seculos en- cerrados em seusproprios dominios, ou habitando regides fora do contacto do elemento civilisador da Europa, ignoraram o grego e o latim, como o resto do mundo ignorava a sua lingua e costumes); que importa que tenha qualquer delles talento natural e decidida vocagao cada um para o seuramo , se esse talento nao se apura, nao se firma, nao se aperfei¢da nos elernos modelos da antiguidade ? Em toda a cruel exprobracao, que faz V. Ex. aos que per- dem o tempo em estudar latim, nao vejo que negue, ao menos nas obras puramente litterarias dos Romanos, o merito do pensamento, a grandeza, e sublimidade da idéa; mas que LINGUISTIGA. 993 sdmente condemna 0 ensino actual de uma lingua, que para ser aprendida demanda largo espaco de tempo. Ora, sendo innegavel, e V. Ex. nada diz em contrario, que em poesia, por exemplo, serao sempre admiradas as mellifluas compo sigdes de Virgilio, os sentimentaes e apaixonados versos dé desditoso Ovidio, o magestoso e energico estro de Horacio , etc.; como prescindir de aprender, e bem, a lingua em que taes thesouros se encerram? Poder-se-ha dizer tambem aqui, como affirma V. Ex., que nas linguas vivas achamos hoje trasladadas todas as obras latinas, e que por isso nao néces- sitamos de aprender a lingua do original? Se assim fosse , tambem nao seria a cegueira uma desgraca completa; porque 0 ente, que viesse a0 mundo privado da visto, podia julgar compensada essa falta, satisfazendo-se com a narracxo do pasmoso panorama do mundo: o honem, que jamais tivésse ultrapassado os limites de seu paiz, nada perderia’ em nao ter empregado algum tempo de sua vida viajando pelos paizes estrangeiros para admirar-lhes os monumentos, e maravilhas da natureza ou da arte; porquanto o buril do gravador Ihe poria’ diante dos olhos a estampa fiel de todas essas obras porten- tosas. Mas pode o cego de nascen¢a ter jamais uma idéa ver- dadeira e completa do brilhantismo do sol, do pomposo eé arrebatador espectaculo da aurora, da magnifica e sublime abobada cerulea inundada pelos raios da alvinitente lua, e' de fulgurantes estrellas? Péde elle formar uma’ idéa eXaeta’ do coruscante lampejar do fuzil, dos escarceos do oceano’ em furia? E que importa que a arte reproduza na téla a imagem’ de objectos, que nunca impressionaram nossas\ vistas'?' Por’ mais fiel que seja o transumpto, 6 sempre como’ a luz réver- herada, pallido e tibio. Semelhantemente , quem'nurica tiver’ estudado a lingua vernacula, jamais tera perfeito conlieti- mento das bellezas da forma, que nas obras de imaginacao- poderosamente concorrem para aprimoral-as: o§ grandes rasgos do pensamento, e¢ a harmonica escructura, que o R. B. Ill. 20 294 REVISTA BRAZILEIRA. reveste, se na mesma lingua nao podem ser expressos por mais de um modo , menos podem ser transportados e vertidos para lingua estranha. Daquise infere portanto que, ao menos paraa litteratura propriamente dita, é indispensavel o estudo e 0 conhecimento do latim. Aponta VY. Ex. Mahomet como grande legislador, e diz que n&o sabia latim: eu nao entro nesta questao, mas apenas observarei que tendo elle escripto 0 seu Koran ou Alcorao, sob as inspiracdes da Biblia, e do Evangelho, e havendo-se ligado em suas viagens com um rabbino e um monge christao, parece que, ou do grego, e mais provavelmente do latim, devia ter conhecimento : nio obstante, nio cuide V. Ex. que disto quero concluir que procede essa nomeada, que o pro- pheta arabe tivera; pois ja tenho dito que péde haver e ha quem tenha vasta intelligencia sem saber latim, como sem saber allemao, grego, rhetorica, etc., mas que nao concordo em que dahi se collija que é inulil qualquer dessas cousas por ser possivel a existencia de grandes homens que as ignorem: a posse ad esse non valet consequentia. _ Diga-me finalmente , meu respeitavel amigo, poderia V. Ex. supportar um poeta, cuja imaginacao fosse alias. bri- lhante, se elle, nunca tendo lido os inimitaveis preceitos da Arte Poetica de Horacio, desse codigo do bom gosto em poesia, soltasse as bridas 4 essa mesma inflammada imagi- nagao, e percorresse os ethereos espacos da phantasia? Nao seria essa mesma imaginacao, illudida specie recti, e igno- rando as restricgdes que a arte aconselha, capaz de pintar delphinum sylvis, fluctibus aprum ? _ Quem, por maior que seja a eloquencia de que a natureza 0 dotasse, pode dispensar pelo menos 0 modelo do estylo oratorio do vehemente accusador de Catilina, se o proprio Cicero traduzia, copiava, e tinha sempre diante de seus olhos exemplaria graeca ?. Meu illustre doutor, a cada pagina que escrevo para res- Ff LINGUISTICA. 295 ponder-Ihe, me parece que commetto uma especie de pleo- nasmo; porque tal é a conviccao que tenho destas verdades, e tao incontroversas as considero, que chego muitas vezes a persuadir-me de que asua carta é mais um desses paradoxos litterarios, com que, novo Rousseau, folga V. Ex. de ostentar brilhantemente os seus vastos recursos intellectuaes. Mas, como quer que seja, eu devia a V. Ex. uma resposta; e aqui adou, mal feita 6 verdade, e tardia, por motivos porém independentes da minha vontade. Permitta-me ainda que, ao terminar estas mal tragadas linhas, eu pecaa V. Ex. que comigo se congrace acerca deste ponto, para que nao possa cahir sobre V. Ex. a justa incre- pagao que faz La Bruyere aos que nao olham com a devida veneracao para os antigos: «On se nourrit des anciens, on les presse, on en tire le plus que lon peut, on en renfle ses ou- vrages ; et quand Von est auteur, et que Von croit marcher tout seul, on s’éleve contre eux, on les maltraite , semblable a ces enfants durs et forts, d’un bon lait qwils ont sucé, quit bat- tent leur nourrice. Rio de Janeiro, 5 de Abril de 1857. Sou de V. Ex. Amigo respeitador, e criado obrigadissimo Dr. ANTONIO DE Castro LoPEs. CANTOS EPICOS A Coréa de fogo. Era noite, — no céo sereno e bello Brilhavam as estrellas. Fresca aragem Vinha ondeando brandamente as agoas Do aureo Tejo, que em murmurio triste Levava seus queixumes ao Oceano, - Que outr’ora o sceptro lhe entregou dos mares. Placida e meiga, reclinada 4 margem De seu queixoso Tejo, adormecéra A soberba Lisboa. — Decahida Senhora do Occidente, — nobre sombra De pompa, de grandeza e magestade ; —Illustre moribunda , a quem o fogo Da vida, que se extingue, ainda aquece ; — Mai de tantos herdes, que a ennobreceram O orbe avassallando ; — ella repousa Sobre trophéos de esplendidas victorias ; 298 REVISTA BRAZILEIRA, Cinge-Ihe a fronte régio diadema Nodoado de sangue.... (1) e nos seus muros Pompa, miseria, corrupcao , virtude, Supersticao e ignorancia dormem.... Dormem.... mas véla o fanatismo, e soffrem Em negros antros desgracados entes _ Pra quem a morte eternamente impera, Sem que a esperanca lhes lampeje ao menos Como um raio de luz rompendo as trevas. E dormia tio bella como d’antes Quando Gama voltava do Oriente Por indomitos mares nao surcados ; Quando Cabral buscava no Oceano, Para asylo da estirpe lusitana Nos evos do porvir, um novo imperio ; E Camdes, embocando épica tuba, O luso no universo eternisaya ! E dormia tio bella como dantes Com seus sonhos de gloria, que na mente Em amplo peristyllo lhe mostrava Do passado as acgdes, que a heroificaram : Mas la d’entre os herdes que 4 patria vo'tam Curvados aos trophéos que conquistavam Tanto sangue vertendo, eis que desponta Um valto feminil trajando verdes Douradas roupas. Vem em luz envolta, Incerta — ja mais bella— emfim distincta , E pura como a luz do diamante. Na fronte tem 0 elmo luzidio Inda c’roado co’as vistosas pennas De seu patrio cocar ; a dextra empunha = A COROA DE FOGO. 299 A espada rutilante , que lhe dera O seu primeiro herde, que em paz descansa- Dentro nos muros seus (2). E traz na sestra Escudo cor do céo, onde rutila Aurea esphera armillar (3). No largo peito Inscripgao diamantina em faxa de ouro Patentéa o seu nome GuANABARA. E mais se approximava. No semblante Amorenado, como a tez do jambo, Tem um nao-sei-que de magoado Que vem do coracao. Nos olhos bellos Duas ardentes lagrimas lhe rolam; Lisboa a reconhece. E. ella, é ella, A princeza da America! Nos bracos A aperta, a beija, e as lagrimas lhe enxuga, Que mal estanques novamente brotam! «—Salve, augusta rainha do Occidente , Mai de-tantas cidades, e senhora Das agoas do Universo, salve!» Disse E se calara, e os échos acordando Nas quebradas da serra repetiram Tres vezes «— Salve! —» Magestosa e triste , Suffecando os solucos e contendo As lagrimas de dér, prosegue a bella, Fauslosa Guanabara : « — Sim, cidade Dos sete montes, gloriosa e ingente, Que tens sob teus pés teus verdes loiros; Mai de herdes, que no orbe eternisaram Tantas virtudes com teu nome e gloria, Quando remotas plagas perlustraram REVISTA BRAZILPIRA. Co’a palavra de Deus, n’ellas plantando A civilisagao ao som da harpa, — Da flauta e do anafil, ai! decahiste Do teu throno de gloria!. . . Envilecida Rojaste a régia fronte 4 torpe infamia Do fanatismo vil! Ludibriado Por injuria sacrilega , cobarde, Cuspida sobre a campa, inda orvalhada Das Jagrimas do povo, esposa e filhos, Aguarda o grande rei, 0 teu monarcha (4) A hora da vinganca que nao sda! E tu que eras inveja das cidades, Hoje em triste ignominia has convertido _ Teu fausto e tua fé. Cantos entoas A Deus por tanta infamia e iniquidade , Quando outr’ora subias tuas preces Pelas tuas empresas. Os ministros Da tua Igreja alfim se corromperam, E em vez de asylo que a miseria amparem, Cavam masmorras humidas, sombrias, Esse inferno de horror, onde a tortura, Para saborear os seus martyrios , Sustém a vida na agonia extrema, Um a um arrancando os ais da morte! La aos gritos de dor e do martyrio Em torpes lupercaes a vida passam ! — Cerdos — no lodo do prazer se cevam , — Midas — em fontes de ouro se saciam, — Abutres — os mortos desenterram , — Atheus —— com a tonsura se cordam E profanando do Senhor o nome Vertem os labios seus sagrados cantos ! « E tu dormes, Lisboa, recostada A COROA DE FOGO. 301 Em trophéos de victoria, como nunca , Oh! nunca mais alcangarao teus filhos ! Mortos sao os heroes! Cohorte infame , Pelo facho sanguento das fogueiras Trocou os gladios seus. Em vez de ago Se vestem de estamenha. E o que te lucram Suas victorias? Que trophéos? Que loiros? Que novas possessdes?... Somente cinza , Cinza fria, que ahi dispersa o vento ; E a vergonha emfim, labéo tremendo Que um dia pelos povos do universo Em rosto a Portugal sera langado Como um escarneo vil, como um ferrete. Tu dormes,e o patibulo de fogo Se prepara nas pracas aguardando As victimas que 0s carceres povoam , Ja cansadas de tratos e flagellos , Que é para ellas lenitivo a morte. « Rainha do Occidente! Nao estranhes A filha tua esse dizer singelo ; Na nossa cara America — innocente — Como a filha da taba humilde e tosca, So tem cabida as fallas que nao mentem. Nascida ingenua nos meus verdes bosques , Onde vivificou-me a aura sagrada Da liberdade , desconheco a arte Com que em tua cérte adorna-se 0 discurso ; Mas justa é minha dor, e verdadeiras As lagrimas que choro agora e sempre. « Rainha do Occidente, empunha o gladio Com que outr’ora mil pugnas pelejaste , REVISTA BRAZILEIRA. -E apaga essas fogueiras , e dos templos Varre esses sacrilegos ministros, Auri-sedentes , perfidos algozes. Abre as portas aos carceres. Penetra A luz da liberdade essas masmorras, E vinga-me tambem. Oh! sim, Lisboa, Do filho de tua filha a vida salva ! Madrasta de Cam@es, ai !"restitue-me O filho , o meu poeta (5) que mais prézo. Ai! basta de martyrios e flagellos, Que algozes nao, porém santos ministros De um Deus, que é todo puro amor, inventam! « Ah! vinga-me tambem! Leva teus olhos Pelas plagas da America, que inculta Se diz a falta de fataes fogueiras, De tribunaes de sangue, de masmorras ; Veras minhas irmas em dér envoltas Chorando os filhos seus, que lhes roubaram , Para transpondo 9 mar, 0 céo transpondo , Expiarem nas pracas e masmorras Ligeiras culpas que nem sempre existem ! — Nem o pudor da candida donzella , — Nem a honra da esposa e da viuva, — Nem o fructo da industria e do trabalho Que obteve o anciao na mocidade, Podem nossas florestas occultar-lhes. Os bracos da fatal concupiscencia , Da sedenta cobica , vao la mesmo, Roubar-lhes tudo a troco de tormentos! « O digno rival de Gil Vicente, O Plauto do Brazil que Lysia honrava, Definha na masmorra (6)! Dentro em breve A COROA DE FOGO. 303 O sol vira dourar teus sete montes. E o filho do Brazil, meu caro filho , Entregue a vis algozes e 4 fogueira, Entre o horror das chammas ondulantes Sua alma mandara 4 eternidade. Com elle morrerao os seus martyrios , Mas ai da mai, da esposae filha sua (7) Que mum valle de lagrimas expostas , A irrisio ficarao da bruta plebe! Véde-o li na masmorra (8)! E elle! E elle! Bracos cruzados sobre o peito, envolto Em longa roupa (9), pensativo erra, E suspira e pranteia de saudade Longe de Leonor e de sua filha, A tenra filha, que no berco dorme!... — Em vao por elle os grandes se interessam , —Em vao por elle os seus amigos pedem, E o proprio clero o defender procura; ~—Em vao da esposa as lagrimas ardentes Correm, mas nao abrandam-lhe os verdugos! E elle soffre ; e n’aquella vasta mente , Donde Deus fez brotar tanta poesia, Arde a fogueira. que queimal-o deve , Mais e mais realgando os seus horrores ; No duro leito se recosta e dorme, E no meio da noite acorda o triste Entre a chamma e a fumaga de seu corpo. E a febre que o escalda!... Sio os sonhos Que o porvir lhe antecipam!... Que agonia De longas noites, que jamais se findam, Quando, ai! pobre.de mim, misero delle, Alegre 0 povo teu — ebrio de gézo — Seu genio applaude em publico theatro |... REVISTA BRAZILEIRA. « Lisboa, inda uma vez attende , escuta A triste Guanabara, a predilecta Filha de tua America ; — Desperta ! Vinga ati e a mim; acorda os Lusos ; Chama por teus herdes! Ah! vence e doma, E aniquila o tribunal de sangue , Que a corda de espinhos convertera Em carocha, e 0 sudario em sambenito, A cruz no poste erguido da fogueira, O fel da esponja em fogo chammejante , E na sua irrisao se disse — Santo! » « Rainha, eis-me a teu lado, e a teu lado Ao brado teu se enfileirao teus filhos ! Radiante de gloria e culta e livre Eia te ostenta entre as nacOdes do orbe.... E entao?.... Ah! decrepita rainha , Decahida senhora do Atlantico , Desamparada ficaras dos filhos! Rotos os lacos, qu’indaa ti me ligam, Nao compartilharei tuas infamias.... Olha, transpde os annos, vé, escuta O brado ingente :— Independencia ou morte! » ” O sonho ou a visao se esvaeccera , E ao som dos sinos lugubres Lisboa Desperta e ouve a fimebre arvorada Desse dia fatal! Oh! Céos! que pompa Cruenta procissao sanccionada Co’a presenga do rei la sahe , la segue E no meio dos martyres caminha 0 filho do Brazil... (10) Retumba a nave ——we LL ee —— = A COROA DE FOGO. 305 Os canticos divinos com que os homens Tudo profanam na vingan¢a sua. Para occultar aos céos esses horrores — Esse duro holocausto — essa hecatombe, —— Esse acto de fé — esse espectaculo Sacrilego, tremendo.... qual os deuses Dos barbaros nao viram, ja sem raios Transmonta o sol, e desce a escura noite Pejada de tristeza. Eis se dispersa Do templo a multidao , que afflue 4 praca (11) Impassivel e muda. Aos vis algozes As victimas se entregam. La crepitam Ensanguentadas labaredas! Elle, Primeiro do que todos, sdbe altivo E impavido a fogueira — 0 altar de sangue: Satida a patria e o seculo futuro, Que saberao vingar sua memoria , E co’o nome da esposa e Deus nos labios Se consome nas chammas; po e fumo Se torna emquanto o espirito sublime, Phenix do céo , regressa a origem sua, E entra em Siao ao som de dulios hymnos ! A aragem da manhaa tomou-lhe as cinzas, Leve rocando as azas na fogueira Extincta e fria, e as sacudiu ao longe. O Tejo as recebeu , e 0 Oceano , Melhor , mais compassivo do que os homens, As trouxe 4s praias de seu patrio ninho. J. NoRBERTO DE S., S. ‘ ‘ ‘ 1a ae ea) e e : i 2 ans) aj ¥ iF - } + : * o na . < 7 Ss ; ey Viens = Tit = é » - ; hf ‘ . 2 5 , ' * ’ . NOTAS. (1) Das victimas da inquisig&o. (2) Estacio de Sa, que morreu pelejando pelo Rio de Janeiro. (3) Armas do Rio de Janeiro nos tempos coloniaes , e que hoje figuram no pavilhao nacional. (4) D. Joao IV, cuja luta com a inquisigao é geralmente sabida. Foi a elle que Joao Fernandes Vieira, em Pernambuco, e Amador Bueno da Ribeira, em S. Paulo, provaram a sua fidelidade, e que os herdes do Brazil no eram inferiores aos herdes da India. (5) Antonio José da Silva, poeta comico , nascido no Rio de Ja— neiro em 8 de Maio de 1705, e para quem Portugal nao teve senao uma corda de fogo! Era filho de Joio Mendes da Silva, tambem natural do Rio de Janeiro , e que teve os matores creditos de poeta em seu tempo, e de Lourenga Coutinho. Esta desgragada mulher, que tanto soffreu n’este mundo, foi arrastada pelas ruas do Rio de Janeiro, mettida n’uma embarcagio e levada 4 inquisigéo de Lisboa, e Wahi se originou a desgraca de Antonio José, que, na idade de 8 308 REVISTA BRAZILEIRA. annos , acompanhou-a a Portugal com seu pai e seus irmaos. Aos 21 annos formou-se elle na universidade de Coimbra, e de volta 4 Lisboa , foi n’esse anno, a 8 de Agosto de 1726, levado ao tribunal do Sancto Officio , e solto dous mezes depois n’ um auto de fé. Desde entéo se deu, pelo espaco de dez annos, 4 coinposicao das suas operas comicas , que tanta voga tiveram no Brazil, n&o obstante opiniao em contrario, como mostrarei em logar mais competente. (6) Em 5 de Outubro de 1737 entrou Antonio José pela segunda vez para os carceres da inquisicao , dos quaes sé sahiu para a horrivel fogueira dous annos e quatro dias depois. Nas masmorras foi posto a tratos e padeceu os tormentos da polé. (7) Casou-se com D. Leonor Maria de Carvalho em 1734, e em Outubro de 1735 nasceu-lhe a filhinha Lourenga. (8) Carcere n. 6, corredor meio novo. (9) Trajava um roupao azul forrado de encarnado, e passeava com as mos mettidas nas largas mangas, e para repouso sé tinha - o duro taboado da tarimba de seu carcere. (10) Lavrada aos 11 de Margo de 1739 a sentenga de Antonio José em que foi condemnado por conyicto negativo e relapso, foi-lhe ella intimada na tarde de 16 de Outubro d’esse anno, e logo entregue no oratorio ao‘euidado do jesuita Francisco Lopes, e no auto de fé de 19 d'esst mez subia elle 4 fogueira ! Estremeco-de horror quando contemplo essa época negra de Portugal , Hespanha e Italia ; n’esses paizes, e durante tao barbaro fanatismo , envergonhar-me-hia de ser christ&o. (11) Campo da La, logar em Lisboa, onde hoje existe o haver do peso’ e o terreiro publico. PHYSIOLOGIA © somnambulismo natural e o hypnotismo. E apenas apparente a multiplicidade dos phenomenos de- que se compoe 0 universo: as forcas physicas, por mais nu- merosas que parecam, nao sdo mais do que diversas mani-. - festacdes dos mesmos principios, sempre activos, mas cujas . effeitos variam segundo o seu modo de applicagao e duracao de sua accio. Reciprocamente exige 0 mais simples pheno- meno o concurso d’uma serie de varias acgdes, tomadas para __ nds de outras tantas forcas distinctas. Nao ha portanto facto. isolado na natureza em desharmonia com a ordem geral; sendo cada phenomeno uma consequencia de leis universaes.. . E se essas leis nao nos sao igualmente conhecidas na com- plexidade de suas applicacdes , indicam-nos a0 menos 0 SEU caracter e marcha os factos que quotidianamente presen- . ciamos. Assim , pois, os espiritos criticos, educados na escola da experiencia scientifica, recusam aceitar esses systemas - especulativos, essas theorias sobrenaturaes, que suppoem no - universo phenomenos em desharmonia com os principios que . os regem. Logo que um facto desta ordem é proclamado, submette-o a sciencia ao seu exame, e demonstra immediata- Re B. Ill. Dt 310 REVISTA BRAZILEIRA. mente pertencer elle 4 categoria das forgas analogas as que intervém nos phenomenos anteriormente ohservados, obrando porém de diverso modo. Applica-se esta observacao ao que se tem dito acerca dos phenomenos do magnelismo animal, ou mesmerismo. Em- quanto nio fora sufficientemente estabelecida a realidade dos phenomenos, emquanio escrupulosa experiencia nao acau- telara contra a fraude e a illusao, foi tratada com desprezo pelos sabios a pretencao dos magnetisadores de produzirem uma ordem de factos contrarios 4s leis physiologicas, porque semelhante pretencao conslituia por si sd legitimo motivo de suspeita; porém , no dia em que alguns dos factos magne- ticos foram submettidos a serias-observacdes , e verificados por espiritos prudentes, 0 que apresentava-se com a appa- rencia do maravilhoso offereceu immediatamente novos ef- feitos que registrar da parte dos agentes que presidem 4a sen- sibilidade e 4 vida. Entrou entao 0 magnetismo animal na senda verdadeiramente scientifica , e uma parte das obseuri- dades que o encobriam foi dissipada. ‘Recente foi esta revolucao , que apenas comeca. Apos tres quartos de seculo de charlatanismo e i/luminismo, pheno- menos singulares , estranhos ao primeiro aspecto , foram es- clarecidos pela physiologia e pathologia, e desappareceu todo - 0 cortejo do maravilhoso de que se rodeara para dar logar a accao nervosa que ora trata-se de estudar sob as suas varias formas e graos de intensidade. As recentes communicacdes feitas ao Instituto a respeito do hypnotismo, promettendo as Sciencias novos dados, vieram confirmar as idéas que certos - physiologistas haviam concebido do verdadeiro caracter do somnambulismo artificial. Procuremos compendiar a historia destes successos scientificos, que, como tantos outros, es-— trearam por um periodo de fabulas e chimeras, e cujo pri- meiro resultado contribue para melhor julgarmos da extensao e variedade dos phenomenos da vida. ; i ; . y O SOMNAMBULISMO NATURAL E O HYPNOTISMO. 344 O Dr. Alexandre Bertrand, um dos primeiros observa- dores que, com completa boa fé@, e seguindo um methodo racional, emprehendeu uma serie de experiencias acerca do Magnetismo animal, veio ao conhecimento de que os phe- nomenos desta ordem, se existem, nao poderiam ser factos isolados , manifestagdes em que a natureza se contradissesse a si propria. Em duas obras, publicadas ha mais de trinta annos , esforcou-se por averiguar a que ordem de factos physiologicos e pathologicos se prendiam os estranhos effeitos que observara. Reconhecia quanto é ridicula a theoria do fluido magnetico animal, que Mesmer pretendia identificar: com 0 que outrora denominava-se — fluido electrico —, e cuja intervencao nas acedes que resultam do exercicio da nossa economia, queria substituir esse sonhador. Achou, no que se contava dos possessos do demonio, e especialmente das religiosas de Lodun, dos prophetas protestantes de Ce- - vennes, dos convulsionarios de S. Medard, e d’outras sin- gularidades historicas, a prova de que o somnambulismo artificial nao é@ mais do que uma forma de extase cataleptico, affecgao rara, mas real, que de tempos em tempos reproduz- se epidemicamente. E pouco mais ou menos esta a these que acaba de sustentar o Sr. Luiz Figuier na sua Historia do Ma- ravilhoso. Para que mais sensivel se tornasse essa identidade, fora preciso ter 4 vista, e de novo observar essas curiosas epidemias mentaes. Nio viam alguns nellas senao a loucura, € comprehendiam-nas na classe das perturbacoes intellectuaes que desenvolvem-se em certas occasides como um contagio, que parecia ao Dr. Bertrand uma affeccdo especial e parti- cular desordem ; outros, prevenidos pelas fraudes e embustes . que haviam surprehendido no exercicio do somnambulismo : 342 “REVISTA BRAZILEIRA. a que tinham assistido, nao viam senao illusao e. charlata- nismo nas possesses, no enthusiasmo dos fanaticos, e nas convulsdes produzidas no tumuto do diacono Pariz. Por mais graves e sinceras que fossem as observacodes de Bertrand, de Georget, e de tantos outros medicos convencidos da reali- dade do magnetismo animal, cumpria comtudo estar alerta contra as impulsdes de que os espiritos eminentes nem sempre escapam. Sem fallar de Swedenberg , que associava conhecimentos mineralogicos e physicos 4s mais extrava- gantes idéas, e 4s mais chimericas illusdes sobre os pheno- -ménos da natureza, muitos outros sabios foram o ludibrio de sua propria imaginacgao, em face da menor apparencia do maravilhoso. ‘Tinha Descartes por certos os sonhos dos vera-cruzes , @ quiz filiar-se 4 sua sociedade. Um celebre naturalista allemao, companheiro do capitao Cook, Jorge Forster, confessa ter cahido por algum tempo em todas as extravagancias do illu- minismo e d’alchimia. O fino e espirituoso observador Ra- mond nao soube se preservar das imposturas de Cagliostro, e Arago deixou-se enganar com a presenca d’uma supposta rapariga electrica, Angelica Cotin. Assim, sem irrogar injuria 263 homens distinctos que haviam admittido a realidade dos effeitos do somnambulismo artificial, podia-se ainda suppor que as Suas experiencias nio eram absolutamente conclu- deates. Consiste a difficuldade de bem verificar a exactidao dos factos que pertencem ao systema nervoso, em nao se apresentarem elles nunca com constancia e regularidade pro- prias para serem estudados; porquanto, nada é mais movel e caprichoso do que as affeccdes nevropathicas. O que domina hoje, pode deixar de dominar amanhia: a doenca nervosa é um verdadeiro Protheo, que se transforma de minuto em minuto, e cada caso d’hysteria , d’hypocondria , offerece-se com um caracter diverso, que 4 cada instante se modifica. O mesmo acontece com a alienacio mental, onde extraor- — | 0 SOMNAMBULISMO NATURAL E 0 HYPNOTISMO. 313 dinariamente varios e multiplos sio os phenomenos psychicos. Gada loucura tem seu particular genero de delirio. Nao 6 concludente a grande objeccao dirigida contra o magnetismo animal, e reproduzida pelo Sr. Mabru n’um livro destinade a combatél-o. Se existisse , como pretendem os magnetisa- dores de profissio, um fluido magnetico animal, a que se referem todos os factos da ordem intellectual e moral, de- veramos encontrar em sua distribuicao e modo de accio a mesma constancia que se observa na electricidade e magne tismo terrestre: nao pode porém tao chimerica theoria resistir aum profundo exame, sendo, como o demonstrou o Sr. Mabru, um tecido de extravagancias e contradiccdes, Nao consiste porém nisto a questao: trata-se de verificar os factos physiologicos e pathologicos, cuja irregularidade nao pode despertar 0 nosso scepticismo, por isso que as affeccdes de que dependem sao por si mesmo caprichosas e variaveis em seus symptomas. . Ha no magnetismo animal um facto, por demais verificado, para que possa ser posto em duvida; istoé, 0 somno é a imsensibilidade. Ora, encontra-se, fora dos casos magne- ticos, doencas, ou situacdes em que se observam pheno menos inteiramente identicos. Bem que a catalepsia seja uma enfermidade pouco conhecida, esta comtudo sufficientements estudada para que se conteste o caracter que lhe é proprio. 0 individuo, possuido por uma especie de torpor. torna-86 subitamente immovel e insensivel; retira-se a sua vontade ; ou cessa de poder governar os membros, que conservam desde entao a posicao em que estavam no momento da in- vasdo do mal, ou naem que foram collocados. Sea doenga é muito pronunciada, debalde dar-se-hio as pernas,, braces e cabega as attitudes as mais constrangidas, fica quasi que indefinidamente 0 corpo nessa posicio fatigante. Nao é oca- taleptico acommettido pela febre; nenhuma alteragao parece experimentar a sua economia interna: as oscillagdes do 6e-. 314 REVISTA BRAZILEIRA. racao, arespiracio, os movimentos dos intestinos executam- se como no estado normal; tornam-se unicamente os mus- culos incapazes de movimentos espontaneos, e soffrem; a semelhanca dos corpos inertes, a i:mpulsao das forgas ex- ternas. Péde ser a catalepsia mais ou menos completa ; re- apparece por intermittencia, e algumas vezes manifesta-se independente de phenomenos precursores. Entorpece-se a intelligencia; sendo quasi sempre este entorpecimento pre- cedido por sonhos penosos e verdadeiro delirio. Accidental: mente péde qualquer cahir n’um somno analogo ao que se produz sob a influencia dos processos usados pelos magne- tisadores ; e se devemos precaver-nos acerca da realidade do somnambulismo, apresentado por alguns profissionaes, nao esta todavia o facto inteiramente em contrario ao que tem-se observado em alguns docntes. Basta, quanto ao somno ; passemos a insensibilidade. E incontestavel que respiram impunemente os somnambulos ammoniaco mui concentrado , deixando-se belliscar, fazer co- cegas, e até ferir, sem que manifestem a minima dor, 0 menor signal de sensibilidade. Um celebre cirurgiao, o Sr. Julio Cloquet, declara ter extirpado um tumor do seio direito @uma mulher merguihada em um somno magnetico, sem que observasse nella o mais ligeiro indicio de dor. Em 1846, os Drs. Loysel e Gibon, de Cherbourg, fizeram a ablagao duma glande cancerosa em uma mulher adormecida por um magnetisador , a qual mostrou-se insensivel durante a ope- racio. No anno seguinte, um medico de Poitiers praticava uma operacao igualmente dolorosa sobre um somnambulo, que nao manifestou a menor sensibilidade, Estes factos, bem que perfeitamente authenticados, tinham provocado algumas duvidas; depois, porém, da descoberta dos anasthesicos, 0 que antes parecia um milagre converteu-se depois num phe- nomeno qnotidiano. Pela accio toxica, prudentemente appli- cada, do ether sulphurico, do chloroformio, da amylena, O SOMNAMBULISMO NATURAL “E O HYPNOTISMO. 315 pode-se determinar uma insensibilidade completa, e reproduz- sé agora em poucos minutos o que excitava, ha vinte annos, a admiragao do Dr. Cloquet. Reapparecem no somno oc- casionado pela inspiracao dos anasthesicos quasi todas as circumstancias que se dio na catalepsia. A insensibilidade dos somnambulos , bem como a relaxacgao dos seus musculos, a perda da vontade, nao estao pois em contradiccao com a physiologia , e se 0 uso dos toxicos da logar aos phenomenos da catalepsia e hysteria, porque nao poderao ser os mesmos’ phenomenos nervosos produzidos por outros processos?. O somno lethargico e a insensibilidade, pontos de partida do somnaimbulismo artificial, ndo sao ainda os mais singu- lares effeitos. Além destes phenomenos, reproduzem-se mui- tas vezes uin desenvolvimento particular, uma exaltacaio. da sensibilidade, e uma super-excitacao das faculdades intel- lectuaes. Comeca aqui o dominio do que chamou-se mara- vilhoso do magnetismo. De ha muito que se haviam observado, nos hystericos, effeitos nervosos da mesma ordem dos que se tém verificado no somno magnetico. O vulgo, sempre disposto a fazer in- tervir 0 sobrenatural para explicar 0 que excede aos pheno menos que lhe sio familiares, via, com os magnetisadores, 0 maravilhoso em todos esses effeitos. E sem duvida a hys-. teria uma das mais curiosas enfermidades que se possam encontrar : a pessoa que por ella é atacada passa successi- vamente da prostracao completa, que muitas vezes se con- funde com a morte, 4 uma excitacao prodigiosa, que com- munica aos sentidos certo grao de finura e de perspicacia , desconhecidos no estado normal. O0 mesmo da-se com os etherisados: 0 ouvido, por exemplo, como observou 0 pro- fessor Gerdy , assaz embotado para nao perceber os sons arti- culados, ouve todavia os sons com uma repercussio que - duplica e triplica a intensidade. O mais ligeiro ruido fazia experimentar 0 somnambulo cataleptico , descripto pelo Sr. 316 REVISTA BRAZILEMRA. Puel, uma especie de commogcao electrica. Esse subito e in- solito desenvolvimento da sensibilidade nunca foi tomado por tim dom particular : supp6z-se que essas hystericas eram inspiradas por espiritos, ou atormentadas pelo demonio. Como bastava-lhes a minima sensacao para serem advertidas da presenca de qualquer pessoa, ou objecto, como o seu éuvido e vista estendia-se muito, chegou-se a acreditar qué éram dotadas de verdadeira adivinhacao, duma virtude pro- phetica. O que ainda corroborava os espiritos supersticiosos nesta opiniao, 6 que mostram os enfermos, durante esses aecessos , prodigiosa memoria, e facilidade e clareza d’elo- cuedo inteiramente extraordinarias. Victimas dessas halluci- nacdes, e Visdes habitualmente em relagdo com as idéas que 68 preoccupam , Ou provocados por sensacodes internas e in- Solitas , que nelles se produzem, contam, n’win tom inspirado é convicto; 0 que viram durante 0 seu delirio, sendo outrora recebidas essas narrativas como outras tantas revelagdes. Os chronistas e analystas da idade média estao cheios de factos dé semélhante especie, que tambem se encontram entre 68 pOvos antigos e selvagens. Em (ao intima dependencia acha-se a intelligencia do sys- téma nervoso, que nunca profundas commocdes affectam esté, sem que um delirio, quasi sempre associado com 0 des- efivolvimento excessivo de certas faculdades intellectuaes, se produza consecutivamente. E o que diariamente se observa na alienacao mental. Causa pasmo a forga da memoria de certos loucos, locando muitas vezes a sua loquacidade as raias da eloquencia. _ Van Swieten cita o caso de uma moga costureira, que: jamais manifestara as menores disposicdes para a poesia, @& que no delirio da febre péz-se a fazer versos. O Sr. Michéa Observa que, na especie de loucura chamada evcitacdo ma: niaca , as analogias de palavras, as semelhangas das conso-: nanicias apresentam-se tio rapidamente ao espirito do doente, : ee O SOMNAMBULISMO NATURAL E O HYPNOTISMO. 317 que dani-lhe extrema facilidade em fazer trocadilhos, apre- Sentando-se ao seu espirito a poesia primeiro do que a prosa. Sentia-se Tasso mais inspirado nos seus accessos de loucura, do que nos lucidos intervallos. Accrescenta outrosim o re- ferido Sr. Michéa, que no hospicio de Bicétre vira um rapaz carniceiro, que num accesso de mania recitara passagens da Phedra de Racine, que apenas léra uma sd vez, nao Ihé séndo possivel recordar-se d’um sO verso , quando restituido a razao. Affirma Erasmo ter ouvido um mancebo de Spoleto fallar correntemente allemio , n’um delirio provocado pela presenca de vermes intestinaes , nao possuindo dessa lingua senao ligeiras nocdes. Pessoas simples e ignorantes, pos+ Suidas pela monomania religiosa, dao provas dum conheci- mento dos textos sagrados e das materias theologicas, que _ Gausa verdadeira sorpresa. As citagdes que ouviram num sérmao , as oracdes que chegaram aos seus ouvidos durante 0 Officio divino , voltam-lhe immediatamente 4 memoria, 6 sabem distribuir convenientemente pelo discurso, a que com- municam certo ar de inspiragao. Coleridge, em sua Biogra- phia Litteraria, mencionou o exemplo de uma criada louca, que, ainda que completamente analphabeta, repetia sen- fencas gregas, extrahidas @um padre da igreja, que acci- dentalmente ouvira ler em voz alta pelo pastor, a cujo ser vito sé achava. Foi reconhecido nos somnambulos magneticos esse assom- broso desenvolvimento da memoria. Ja no somno simples, durante o sonho, achamos a lembranca de objectos, figuras; passagens de autores, que, acordados, haviamos imteira- mente esquecido. E ainda mais pronunciado éste retrocesso da memoria nos somnambulos naturaes. Um medico italiano, Pezzi, refere que um seu sobrinho, sujeito a actcessos dé somnambulismo, procurara um dia recordar-se de certa pas sagem d’um discurso, relativo ao enthusiasmo nas bellas- artes, sendo baldados todos os esfor¢os que para esse fim 318 REVISTA BRAZILEIRA. empregara. Cahindo, porem, num accesso de somnambu- lismo, ndo sO encontrou a passage que procurara, como citou o volume, pagina, e até a linha. E ja que fallo de som- nambulos naturaes , farei notar que por mais uma vez viu-se em suas respostas a mesma concisao, prupriedade de termos e até essa eloquencia observada n’uma multidao de hystericos, Da-se 0 sonho em accio no somnambulo natural, anda, move- se, conversa solo imperio do sonho que o domina, e no qual as sensagdes externas , como em muitos sonhos ordi- narios, intervém a titulo de elementos geradores. Somnam-. bulos e hystericos, catalepiicos e extaticos, tém todos suas visdes , ou sonhos, reflexos mais ou menos completos de: suas sensacdes e idéas. Reproduz-se 0 mesmo phenomeno no emprego dos anasthesicos; tendo as pessoas submettidas 4 etherisacio quasi sempre sonhos , em conformidade como seu estado physiologico, ou pathologico. Por occasiao das primeiras experiencias tentadas em Franca, sobre as ins- piracdes ethericas, um celebre cirurgiao, o Sr. Laugier, tendo. feito respirar a uma mog¢a de dezesete annos, a quem fora amputada uma coxa, uma mistura de ar e vapor Wether ; cahiu essa moca, dum espirito naturalmente mystico, num verdadeiro extase. Despertada, apOs a operagao , lamentou haver voltado para entre os homens, e referiu que, durante 0 seu somno, vira Deus e os anjos. Os proprios animaes experimentam o mesmo effeito, e o Dr. Sandras observou que os caes, a que fizera respirar chloroformio, davam gritos e faziam gestos, indicando claramente que eram atormen- tados por sonhos e por uma especie de delirio. Deu ainda os mesmos resultados o recente emprego da amylena. Donzellas tratadas pelo Dr. Roberto foram acommettidas de singular delirio, acompanhado de gritos, risos e solucos. Ninguem desconhece as visdes extaticas, occasionadas pelo opio e o hachisch. E pois natural que o somnambulismo artificial, que QO SOMNAMBULISMO NATURAL E O HYPNOTISMO. 319 produz um estado nervoso analogo ao que se observa na hys- teria, catalepsia, e somnambulismo natural, e por conse- quencia na inspiracao dos anasthesicos , reproduza effeitos do meso genero. Nada ha de maravilhoso no que se conta . das pessoas magnetisadas , nem dessa hyperesthisia , ou su- per-excitacao dos sentidos, do accrescimo da memoria, 6 das visdes que algumas vezes estao em exacta relacio com 0 que osomnambulo podia saber, ou sentir da realidade dos factos. Por nao saberem apreciar 0 caracter do phenomeno, foi que os espiritos enthusiastas, e o credulo publico da idade média, buscaram explicacdes sobrenaturaes. Nestes phenomenos , ja por si bastante singulares , basta exagerar um pouco o que nelles ha de estranho, para chegar ao maravilhoso ; e sob 0 dominio da admirac¢ao provocada pelos phenomenos inesperados, accrescentamos, talvez sem querer, na balanca do espirito, 0 peso que fal-a pender para o lado do absurdo. . De tal modo se prendem os effeitos do magnetismo animal com as affeccdes nervosas, acima mencionadas, que de or- dinario comecam pela mesma firma. Um grande adepto da doutrina, o Sr. barao Dupotet. espirito sincero, porém pouco critico, diz nos que os individuos a quem se comeca a magne- tisar sao atacados de convulsdes assaz prolongadas. Ora, é exactamente o que acontece no emprego dos anasthesicus , € que constitue um dos fundamentaes symptomas da hysteria: Muitas pessoas submettidas 4 inspiracaéo do ether cahiramt numa especie depilepsia, ou de furor, e eu proprio tive occasiao de observar este facto em muitas pessoas magne- tisadas. Foi 0 anno passado sujeito ao conhecimento do tri-. bunal de Donai um processo em que tratava-se d’uma affec- ¢a0 epileptiforme, determinada pelo emprego do magnetismo animal. Para acabar de convencermo-nos do estreito parentesco dos factos magneticos, e os da pathologia nervosa, basta estudar 320 REVISTA BRAZILEIRA. osomnambulismo natural. Desde 0 comeco que nio deixou de causar impressio as semelhancas que existem entre 0 estado em que cahe o magnetisado, e o que offerecem os somnambulos propriamente ditos. Foi essa mesma semé- Ihanca que fez concluir a identidade dos dous phenomenos, e determinou 0 ampliar-se 0 nome de somnambulismo ao estado magnetico. Prejudicou demasiadamente essa confusao aos progressos dos conhecimentos positivos sobre os effeitos do magnetismo animal. Como era mais facil magnetisar 0s individuos. do que procurar e observar pessoas acommet- tidas dum verdadeiro accesso de somnambulismo, voltou-se toda a attencao para o que denominou-se — somnambulismo artificial — , sendo destarte desprezado o natural, ou es+ sencial. AJexandre Bertrand chamou a attencao dos sabios sobre este ultimo ponto; limitando-se, porém, a colleccionar em sua obra factos que ainda nao haviam sido submettidos a sufficiente exame, os quaes, sem serem apocryphos, nao tinbam sido estudados nas suas circumstancias principaés , decisivas para a apreciacao da verdadeira natureza do phe- nomeno. Outro grave experimentador, o Sr. general de en- genheiros Noizet, nao fez em sua Memoria mais do que reproduzir os mesmos testemunhos. « Nao fallei do somnam- bulismo natural, escreve elle, senio porque é geralmenté conhecido. » O que nao é exacto; porquanto, nada tem sido ienos estudado do que este estado; bem que muita gente discorra a seu respeito por simples informacdes, e ligeiros boatos. Limitaram-se pela mor parte a exames superficiaes, seth que buscassem verificar por que caminho chegam as sensacdes a0 somnambulo. A Sociedade Medico-psychologica, fundada nestes ultimos tempos para o progresso da pathologia mental, fez do somnambulismo natural assumpto de novas indagacdes , e sérias pesquizas. Resultou de certas communis © cacdes , que esse estado, ainda que anormal, nio origina nenhuma inversao das leis physiologicas, Haviam-se ja pro- O SOMNAMBULISMO NATURAL E 0 HYPNOTISMO. 324. posto varias theorias mais fundadas n’uma coneepeao: a. priori , do que em observagoes positivas. Reconheceu-se nes: a¢tos do somnambulo, assim como no sonho, um augmento excessivo da memoria; nao €, porém, ainda sufficiente este. phenomeno, para dar conta de todos os actos, como sera facil de convencermo-nos por alguns exemplos. O celebre. somnambulo Castelli traduzia em seus accessos do italiano ~ para o francez, e procurava os vocabulos no diccionarie. Um pharmaceutico somnambulo, cuja historia conta-nos professor Soave, de Pavia, levantava-se de noite para pre-: parar os seus medicamentos, e, quando via-se embaracada, la consultar as receitas dos medicos, guardadas na gaveta, Por mais poderosa que seja a memoria , impossivel é admittir. que Castelli soubesse de cor, pagina por pagina, o diccionario italiano-francez, e que o boticario de Pavia lesse simplesmente pelo pensamento as receitas ja gravadas em seu espirito. Vém portanto os somnambulos, ainda que fiquem seus olhos in-: sensiveis 4 luz: nada vém do que 0s cérca, e proseguem ne: mundo real a realisacio de idéas chimericas. Contribuiu este facto para que prevalecesse a opiniao de que 0 somnambulo sente , percebe por outros conductos, outros orgios diffe- renles dos das pessoas acordadas: porém nao passa isto de- uma hypothese; havendo de ha muito estabelecido a obser- . vagao, que no estado do somnambulismo natural nao se atham fechados todos os sentidos. Sem fallar do tacto, que: noloriameniec conserva-se assaz desenvolvido, o ouvido nao: se acha senaio n’um torpor imperfeito, como frequentemente - aconiece no somno ordinario; porque quem dorme faz al- guimas vezes intervir em seus sonhos os ruidos que vém im-- pressionar 0 seu ouvido. Casos ha em que os somnambulos.. si0 sensiveis 4 accio da luz. Castelli, havendo apagado a- vela, collocada sobre a sua mesa de trabalho, foi 4s apal- padelas acendél-a na cozinha. Mas, se os olhos continuam a ver, 140 é a sua faculdade visual inteiramente semelhante. a. 322 - REVISTA BRAZILEIRA- nossa; por isso que os somnambulos executam nas trevas 0s mais difficeis trabalhos, e andam com firmeza sobre os tectos das casas, para onde, durante o dia, teriam grande difficul- dade de se dirigirem. Fez observar 0 Dr. Michéa, que para explicar este phe- nomeno basta admittir leve modificacio no apparelho visual. Nao é facto inaudito a faculdade de ver na escuridao: os mo- chos, ratos e gatos tém a retina tao impressionavel, que distinguem claramente os objectos durante a noite; e exis- tem muitos outros animaes, cujos habitos nocturnos suppoem a mesma faculdade. E sufficiente uma excitacdo do orgao da vista, analoga 4 essa excitacio do ouvido, que faz perceber ao hysterico os mais leves ruidos, para que adquiram os nossos olhos a faculdade que possuem outros entes. [gnora-se por ventura que as pessoas atacadas de myctalepia nio podem ver senao nas trevas? Verificou-se igualmente nos somnam- bulos a excessiva dilatagao da pupilla; nao sendo pois neces- sario recorrer-se 4 transposicgao dos sentidos para explicar os actos que praticam durante os seus sonhos. Nao é a vista 0 unico orgao super-excitado ; o tacto , ja tao delicado nos cegos de nascenca, vem, como a memoria, em auxilio da vista; participando tambem este orgao da hyperesthisia dos outros. Demonstra o estudo do somnambulismo natural, que nao é elle mais do que um sonho em accio , um desses somnos nos quaes os sentidos continuam a transmiltir certas im- presses, 0S membros e a voz a obedecer 4 vontade; assim como se observa nos somnos agitados em que falla-se e ges- ticula-se. Procede 0 somnambulo conforme as imagens que se desdobram diante de sua imaginacio, e absorvido nellas nao vé, nao ouve senao para transmitlir ao seu sonho o que . impressiona a sua vista, ou 0 seu ouvido. Se Ihe fallam, responde segundo 0 curso de suas ideas ; assim como 0 so- nhador, sem comparar as visdes que 0 rodeam com os ob- i, O SOMNAMBULISMO NATURAL E O HYBNOTISMO. 323 jectos reaes que lhe revelariam a natureza fantastica. Eis o que acontece no somnambulismo magnetico. Nao ouve o magnetisado senao a voz do magnetisador,‘conservando-se estranho a tudo o que em torno delle se passa. Esta como 0 somnambulo natural, absorvido numa idéa, num acto, e -€ por isso que ambos revelam tanta exactidio. Fazem os somnainbulos adormecidos o que nao poderiam executar acordados; devendo o desenvolvimento da sua memoria ex- plicar-se pela absoluta concentracao da sua altencao n’um sé. objecto. Em resumo, se 0 somnambulismo natural traz comsigo maior actividade nervosa, ou mesmo quando associado a ca- talepsia, 4 hysteria. nio deixa por isso de ser uma forma es- pecial de somno, €0 somnambulismo nao € por sua vez senao uma modificacao mais desenvolvida e particular do somnam- bulismo natural, como bellissimamente o demonstra o general Noizet, quando reconhece nos tres estados outros tantos graos do mesmo phenomeno. Assim encarado, perde 0 somnambulismo o seu caracter maravilhoso para entrar na ordem dos phenomenos, de que se pode dar completa explicagio. Permiltem-nos estes dados reduzir ao seu justo valor os factos os mais estupendos que foram citados pelos magnetisadores, e que successivamente provocaram credulilade absoluta e louca superstigao; pare- cendo-nos, pois, conveniente estanciar por alguns instantes, afim de esmerilhar a verdade, desfigurada pela credulidade e.a fraude. -Nao vém os somnambulos naturaes sem o intermedio do apparelho visual, como havia-se affirmado: nem tao pouco é exacto que distingam os magnetisados pela cavidade do es- tomago , pelo occiput, pela fronte, e até pelas pontas dos dedos; factos estes admittidos por Alexandre Bertrand. Eis,’ segundo cremos, a origem do equivoco: os somnambulos e 0s hystericos, quando victimas de violenta crise nervosa, que. 324 REVISTA BRAZILEIRA. tem sua séde no epigastro, imaginam, assim como muitos hallucinados, experimentar sensacdes em partes do seu: corpo, que por forma alguma sao affectadas. E este um phe- nomeno de sympathia enferma, analoga 4 que experimentam as mocas atacadas de chlorese, e que crém ao ruido do sangue- que circula pelas suas arterias, ec reage fortemente sobre o seu ouvido, ouvir cantos harmoniosos. Em presenca d’uma attenta verificacao do phenomeno, desapparece completa-. mente a prova que alguem pretendeu tirar do somnambu- lismo natural, em prol da transposicao dos sentidos no estado magnetico. Basta, para o primeiro prodigio ; passemos ao segundo. Muito se tem fallado acerca da previsao dos somnambulos magneticos. Cumpre procurar a origem desta cren¢a nas Vi- sdes , sonhos, mais ou menos em relacao com a realidade , que experimentam os catalepticos e os somnambulos ; e nos quaes com cerlo grau de condescendencia, pdde-se descobrir uma especie de intuicao do passado, do longinquo e do futuro. Destas suppostas prophecias nao exisle uma que séria- mente se haja realisado. ‘ Fornece-nos o Sr. Mabru curiosos specimens, pouco pro-~ prios para recommendar o espirito e o juizo dos somnam- . bulos, se somnambulos si0, porque as ais das vezes essas. dizedoras de boa aventura, asoldo de algum charlatio , estao mais acordadas do que os assistentes. Ha outro genero de previsdes , sobre 0 qual com mais preferencia tem-se insistido, : e que serve de pretexto para explorar a credulidade dos doentes. E a visdo através dos corpos, a intuigao therapeu- tica, e a previsio dos remedios. Sio puras chimeras, que talvez achem explicacio no sentimento por vezes bastante exacto, que possuem os doentes no estado somnaimbulico, do tratamento que mais lhes convem. Apresentam 0 mesmo ins- tincto muitos enfermos; instincto que tambem manifesta-se » nos animaes , sem serem por isso dotados de faculdades mag- O SOMNAMBULISMO NATURAL E O HYPNOTISMO. 325 neticas; mas é por demais favoravel aos interesses de cerlos Mmagnetisadores a pretencio de curar enfermidades e dores, que nenhum refrigerio obtiveram da medicina, para que con- fessem elles a sua futilidade. Esses somnambulos, que dizem possuir a sciencia medica infusa, nao puderam ainda des- cobrir um unico especifico, e trilham as mui conhecidas veredas das Pharmacopéas. Segundo a propria confissao dos mais graves e sinceros magnetisadores, 0 conhecimento das molestias reduz-se nos somnambulos 4 consciencia mais ou menos: distincta das modificacdes organicas, que nelles se operam. Ora, para este phenomeno, nio pide o magnetismo animal reclamar 0 monopolio; porquanto, em muitas enfermidades, principal- mente nas nervosas, a consciencia da crise que vai dar-se revela-se de notavel maneira; mas esse sentimento, por via de regra vago, nao passa de um primeiro symptoma. Pre- dizem 0s seus accessos os alienados e hystericos, e os epilep- ticos reconhecem frequentemente, pela indisposicao precur-, sora, a primeira invasao da crise. Concebe-se facilmente , sem necessitar-se de recorrer ao dom prophetico, que esta faculdade de prever as mudan¢as- que yao operar-se no or- ganismo seja mais pronunciada nas pessoas, cuja sensibili- dade acha-se mais excitada. Demais, se em alguns casos predizem com exactidio os somnambulos 0 instante em que. devera vir, ou cessar a crise, acontece-lhes tambem enga-. narem-se erosseiramente, como confessam-no os proprios adeptos do magnetismo animal; e nao prevém jamais as cir- cumstancias independentes, ou accessorias, que podem, adiantar, ou retardar a invasio do mal, ou o momento da cura. Provém essas prediccdes, algumas vezes assombrosas, do sentimento pronunciado do tempo, como foi verificado por observadores de boa fe, a cuja frente cumpre collocar 0 ge- neral Noizet, e ullimamente o Dr. Puel, num cataleptico R. B. III. 22 326 REVISTA BRAZILEIRA. submettido 4 observacao perante a academia de medicina. Fornece-nos igualmente exemplos de igual sentimento o somno ordinario. Nao se despertam certas pessoas exacta- mente a hora que determinaram em seu espirito? Os ani- maes, que nao possuem pendulas nem relogios, tém 0 mesmo instincto ; e ha cao que sabe, com a maior exaccao, a que hora dar-se-Ihe-ha a comida. EK uma nova analogia entre o somno e 0 estado somnambulico; a qual deve ainda ser su- jeita 4 derradeira verificacao. Apresenta-se a memoria, nao sO com extrema vivacidade no estado somnambulico , como que se apura de uma crise a outra de modo tal, que vé-se 0 somnambulo praticar, em certos accessos, actos que sao a consequencia dos que come- cara no precedente accesso , ainda que durante o lucido in- tervallo perdesse completamente a sua nocao. Foi este sin- gular phenomeno observado da mais concludente maneira pelos Srs. Archambault e Meslet, n’uma somnambula natural, cataleptica e hysterica. Victima, durante seus accessos, de uma monomania suicida, que desapparecia na vigilia, e de que nao tinha a minima idéa, acabava nas crises successivas de preparar os meios de buscar a morte. Do mesmo modo que nos somnambulos magnetisados, a lembranca das res- postas dadas num precedente accesso, apagada durante um intervallo, voll com extrema lucidez. Passa-se nos sonhos semelhante facto; e eu mesmo fui perseguido num sonho por uma serie de actos imaginarios, comecados nos prece- dentes, e de que entao recordava‘me muito bem, posto que acordado as tivesse inteiramente esquecido. Muito concorreu esse curioso phenomeno para fazer crer que o estado som- nambulico é uma existencia intellectual independente, e que nos transporta a um mundo impenetravel ao pensamento do homem acordado; releva, poréin, nio buscar nelle senao uma progressao de lembrancas, identicas ds que anterior- mente indiquei. Finalmente , affirmam muitos observadores, ee ae ee O SOMNAMBULISMO NATURAL E O HYPNOTISMO. 327 que em casos rarissimos, e quanto a idéas mui simples, existe uma communicacio entre 0 pensamento do magnetisador e 0 do magnetisado. Confesso que parece-me o facto por demais problematico: quando, porém, tratar do hypnotismo , mos- trarei como um phenomeno desta ordem, quando demons- trado, acharia ainda explicacao sem dependencia das relacdes sobrenaturaes. Il. Acabamos de ver como os factos verdadeiramente averi- guados do somnambulismo artificial nada offerecem de in- compativel com os fornecidos pela observacio medica, nao podendo-se portanto por em duvida a sua possibilidade ; mas, ‘Se sao esses phenomenos possiveis, e até entram na categoria dos que tém sido por varias vezes verificados, produzem elles por ventura por meio (os processos usados pelos magnetisa- dores? Se é uma entidade chimerica 0 fluido magnetico, como esses passes e gestos singulares , que denomina-se magneti- sagao, podem arrastar a um estado proximo 4 catalepsia, e determinar artificialmente uma faculdade tal como o som- nambulismo, que parece idiosyncrasica? Apresenta-se na- laralmente aqui esta segunda questao, cuja resposta servira de prova a precedente verificacao. - Reconhecem muitas pessoas a possibilidade e a realidade de certos phenomenos magneticos ; mas negam absolutamente que a magnetisacao contribuisse para isso em nada. Obser- vando que os processos de que se servem os magnetisadores sao extremamente diversos e sem connexao sensivel entre si, e que a faculdade chamada magnetica procede diversamente nos individuos, e nao termina em nenhum resultado, con- cluiam que a verdadeira causa dos phenomenos era a im- pressao feita sobre a imaginacao do individuo magnetisado, 328 REVISTA BRAZILEIRA. Os que cahem num estado somnambulico sao quasi sujeitos a uma affeceao nervosa , ou possuem um temperamento ex- cessivamente impressionavel. Sob o imperio de uma preoccu- pacao, de uma especie Wespera temerosa, terminam por suc- cumbir a uma verdadeira crise hysterica , ou cataleptica; e attribue-se ao magnetismo animal effeitos nervosos, unica- mente devidos 4 passageira enfermidade que se deelara. E esta opiniio certamente plausivel , e apoia-se em obser- vacoes, na apparencia deeisivas. Um partidista enthusiasta do magnetismo animal, cujo testemunho ja invoquei, 0 Sr. barao Dupotet, refere que, havendo-se collocado ao pé de algumas pessoas, que estavam persuadidas que ia magne- tisal-as, viu-as cahir n’um estado somnambulico, ainda que nenhum meio houvesse empregado de magnetisacao, nem mesmo tivesse semelhante pensamento. Sera, pois, pura in- fluencia da imaginacao, que produza todos os resultados magneticos? Alguns magnetisadores, por exemplo o celebre abbade Faria. recorreram, para adormecer os seus doentes, - ’ unica forg¢a de sua vontade; olaavam-nos fixamente, ea simples palavra — dormi — apossava-se delles 0 somno. Con- venho que seja facil de illudir-se um magnetisador tao con- fiado na virtude do seu olhar; mas o general Noizet diz ter experimentado ainfluencia desse terrivel—dormi—.« Apenas ouvi-o, lancou-se sobre os meus olhos um espesso véo, um desfallecimento apoderou-se de mim, acompanhado de ligeiro suor e forte pressao no estomago ; todavia, ainda que repe- lisse a experiencia, ndo chegou a emocao até 0 somno.» Asse- melha-se tudo isto aos effeitos da imaginacao ; e comparando- se aradical differenca que separa os processos de Mesmer, e os de Puysegur, ficamos absortos pela semelhanca dos resultados determinados por tao diversos methodos ; e somos naturalmente inclinados a nao ver no magnetismo, bem como nas operacdes dos magicos, sendao um meio de impressionar Os espirifos, e preparal-os para todas as illusdes. O SOMNAMBULISMO NATURAL E O HYPNOTISMO. 329 Importa, porém, que nao nos percamos n’um labyrintho de palavras. O que é obrar sobre as imaginacdes? perguntam com razao os fautores do magnetismo animal. Em que con- siste isso, e nao teria essa expressao uma elasticidade que dispensasse de ir ao amago do phenomeno ? E evidente que, todas as vezes que em nds se produz um facto psychologico, é elle acompanhado de outro physiologico, que lhe corres- ponde. O delirio do febricitante, assim como a hallucinaciao do maniaco, procede de certa commocao cerebral e ner- vosa, que, por nao ser ainda bem definida e estudada, nao perde por isso o seu caracter particular. Pode acontecer que aimaginacao seja impressionada; mas 0 que se passa em nossa economia quando tem logar semelhante phenomeno psychologico? Vejamos que solucio offerecem-nos as recentes observacoes feitas sobre o hypnotismo. Ha quinze annos que um medico de Manchester, o Dr, James Braid, que se occupava com 0 magnetismo, descobriu novo processo para abysmar seus pacientes num somno som- fNambulico. Tomava um objecto brilhante, por exemplo o estojo da lanceta, e punha-o diante da pessoa a quem queria adormecer, numa distancia de trinta centimetros dos seus olhos, e n’uma posicao tal que pudesse ter a vista constante- mente fixada sobre 0 objecto brilhante , convidando-a a niio pensar senao no objecto que deslumbrava os seus olhos. De- pois de se haverem por um instante contrahido as pupillas da pessoa submettida 4 experiencia , dilatavam-se excessiva- mente , ficando os olhos num movimento de fluctuacio ; declarava-se depois 0 somno cataleptico , entravam em sin- cular exaltacio os sentidos e algumas faculdades mentaes , affectando os musculos extrema mobilidade : e 4 esse periodo de exaltacao seguia-se por ultimo o do torpor e insensivel immobilidade. Dous distinctos medicos, os Srs. Azam e Broca, experimen- laram recentemente no hospital de Necker, sobre mogas que 330 REVISTA BRAZILEIRA. queriam operar, 0 processo descripto por Braid. Completo foi o resultado: cahiram as doentes em manifesta anasthesia ; tomaram seus membros a rigidez cataleptica, e ficaram in- sensiveis aos belliscos e picadas , de modo que sem dor al- guma pdéde effectuar-se a operacao. Foi so depois de ter-se-lhe tirado de defronte o corpo brilhante, e com o auxilio de leve friccao e insufflacgio de ar, que despertou-se uma das doentes, vinte minutos depois de haver principiado 0 accesso catalep- tico. Como vé-se, 60 processo de despertar em tudo identico ao empregado pelos magnetisadores para com seus somnambulos. Havera ainda influencia da imaginacao? Parece difficil. Produziu-se certamente um effeito pathologico, como vai de- monstrar-nos 0 seguinte facto. O Sr. Michéa experimentou sobre gallos e gallinhas, cujas cabecas conservaya suspensas, e sobre cujos bicos, partindo da raiz, tracira uma linha recta com giz. Collocada a ave sobre um banco de pau pintado de verde, ou sobre 0 vidro contiguo ao seu bico e 4 linha branca prolongada sobre esse vidro, ou banco, no fim de alguns minutos, 0 animal que antes da operacao levantava-se com forca sobre os seus pés, e tinha grande mobilidade no olhar, comecou a fechar as palpebras, enlangueceram depois seus musculos, e declararam-se a anasthesia e a catalepsia: nao sentindo o gallinaceo as espetadellas d’agulha. Foi o despertar annunciado por um ligeiro grito, e, tomando seus primitivos movimentos, procurou fugir. Ha mais de dous seculos que essa curiosa experiencia fora descripta pelo padre Kircher, sob o nome de actinobulismo, em sua Ars magna; sendo porém inadmissivel a explicacao dada pelo sabio jesuita. Achou-a igualmente o Sr. Guerry consignada com circum- stancias, que nao podem ser desprezadas, Numa obra hoje rarissima, as Delicie Physico-mathematice de Daniel Sch- wenler, publicada em 1636. Era este meio tao conhecido pelos pelotiqueiros, que transmittiani-no como um segredo magico para adormecer os gallos. Oe S i. 7 i Fa 7 0 SOMNAMBULISMO NATURAL E O HYPNOTISMO. 334 Em presenca de taes experiencias, tantas vezes repetidas, impossivel é admittil-as como simples effeito da imaginacao. Produz-se naturalmente uma verdadeira vertigem em conse- quencia da fixidade do olhar deslumbrado; e essa vertigem era de ha muito conhecida, havendo-se della apoderado a supersticao. Na primeira metade do XVI seculo imaginaram que, ficando-se por muito tempo com os olhos fixos no em- higo, e 0 espirito absorvido nesta contemplacao , via-se a luz divina, de que se rodeava Jesus-Christo sobre o Thabor. Foram por essa razao appellidados de enphalopsychicos , ou umbicilanos ; eo singular processo que empregavam para ver a Deus, f6ra ja preconisado no XI seculo por um abbade do mosteiro de Xerocerca, em Constantinopla, por nome Simeao, em seu Tratado espiritual , onde faz mencao da especie de somno produzido por este methodo, e das visdes por elle alcanc¢adas. E portanto pela fixidade do olhar sobre um objecto de natureza propria a attrabir a attencao, ea impressionar a nossa retina, e pela absorpeao do pensamento nessa con- templacao, que declara-se uma vertigem, seguida da cata- lepsia. Na opiniao dos physiologistas, tem esta pratica por effeito causar uma hyperemia, o plethora do cerebro , que éa sede do phenomeno. Vé-se muitas vezes o refluxo de sangue no cerebro, acompanhado de certa excitagio nervosa, determinar varios accidentes nevropathicos. Nao tem outra causa a hysteria nas mocas, e mulheres cujas funcgdes pe- riodicas nao sao convenientemente regulacas. Oceasiona tam- bem certa hyperemia cerebral a excessiva attencao. O Dr. Baillarger cilao exemplo @um mancebo que cahia em epi- lepsia, se, lendo, encontvava-uma palavra que o embara- casse, provocando insolita attencao da sua parte. Produz omesmo effeito uma viva impressao sobre a retina; eo Dr. Pierry conta que uma rapariga tornou-se cataleptica por ter olhado fixamente para o sol, Como faz observar um celebre 332 REVISTA BRAZILEIRA. physiologista italiano, 0 Sr. Tigri, numa nota enderecada a Academia das Sciencias , 0s processos usados pelos magneti- sadores tém os mesmos effeitos que a hypnotisagio, por isso que. se prescreve ao paciente ter a vista constantemente dirigida para os olhos do magnetisador, collocado de ordi- nario Wuma posicao mais elevada, por isso que esta de pé, eo magnetisado deitado ou sentado. Determina esta attitude no ultimoum strabismo convergente e prolongado, que, junto a attencao que se lhe recommenda, lanca-o num estado de vertigem , identico ao que obteve Baird e seus imitadores, vertigem que conduz a catalepsia. Nao sao, pois, illusorios, os methodos empregados para magnetisar; tém seu effeito porém diverso do que suppoem- no os defensores do magnetismo animal. Consiste a sua vir- tude em delerminarem excessiva attenedo, que nas organi- sacdes nervosas e delicadas termina num estado hysterico, ou cataleptico. Eis a razao por que so os individuos impres- sionaveis € nervosos sio os proprios para serem magneti- sados ; nao operando outrosim o hypnotismo senao nas pessoas de igual constituicao. Nao obram do mesmo modo os anasthesicos sobre todos os temperamentos ; e ha quem seja completamente rebelde 4 accio do ether e da amylena. Se tal é a impressionabilidade, que a simples olhar, como o do padre Faria, dotado de uma forca e vivacidade que perturbam ou aterram, os olhos do magnetisador desempenham -o papel analogo ao do estojo de lanceta, ou da chapa de metal luzente. Eo que parece que succedéra as religiosas de Loudun; 0 olhar de Urbano Grandier punha-as fora de si, e todos os phenomenos da catalepsia e hysterica declaravam-se nellas apenas avistavam-no, sob o imperio do medo, ou da sym- pathia , capazes de perturbarem suas fracas imaginacdes. Cumpre accrescentar que, uma vez manifestada a molestia nervosa, propaga-se ella pela imitacao. Sabem todos os medicos que sao contagiosas as affeccdes deste genero pela simples O SOMNAMBULISMO NATURAL E O HYPNOTISMO. 333 vista: a epilepsia, a hysteria, a loucura, nao tém outra origem. Descreveu Hecker a historia dessas curiosas epidemias , que desenvolveram-se debaixo da influencia das crencas super- Sticiosas, e cujo interessante quadro tracou o Dr. Calmeil, , na sua interessante’ obra sobre a Loucura. Declarou-se ulti- mamente no norte da Islandia uma affeccao convulsiva, acom- panhada de hallucinagdes , com symptomas mui analogos aos precedentemente descriptos. {mpressionadas as imaginagoes de algumas infelizes mogas por fanaticas prédicas, cahiram ellas em accessos de catalepsia , que foram tomados por ex- tases sobrenaturaes, e communicacdes com a Divindade. Nin- suem ha, que por si mesmo nao haja verificado a influencia do exemplo nesse espasmo nervoso chamado — bocejo —. Pode tambem o somnambulismo natural assumir ao caracter de um contagio; porque estabelecem recentes observacgdes a intima affinidade desse estado com a hysteria € a catalepsia. Refere Pezzi que seu sobrinho fora acommettido de accessos de somnambulismo, em consequencia de prolongadas leituras sobre esta extravagante affeccao, da qual igualmente partici- para o criado empregado em seu servico. ‘Nao nascem por certo caprichosamente os sonhos , ou vi- sdes, que se manifestam durante as crises de quasi todas as nevropathias : porquanto, estando em estreitas relagdes com as sensacoes particulares da hysterica, ou do somnambulo, reflectenr as preoccupacdes do seu espirito , e sobretudo as modificacdes que em seu organismo se operam. Segundo J. Baird, e o Sr. Azam, podem ellas ser provocadas nos hypno- tisados, cujos sentidos adquirem extrema agudeza , por movi- mentos que se thes facam executar , ou ainda pelas idéas que se Ihes sugeerem. Tenho tido muitas vezes occasiao de ob- servar, que respondendo 4 uma pessoa adormecida, e que falla durante 0 seu somno, pode-se leval-a a pensar sobre Objectos que Ihe servem de assumpto a novos sonhos. Pode-se produzir nos somnambulos um facto analogo; e assim se 334 REVISTA BRAZILEIRA. explicaria 0 phenomeno da suggestdo attestada por pessoas dignas de fé, e a que denominou-se communicacaio do pensa- mento. A attitude dada aos somnambulos causaria nelles certas visdes. que se achariam entao em conformidade com a idéa do magnetisador que. Ih’as communicasse. E certamente por identico influxo do estado physico sobre 0 cerebro que vém- se Os ebrios , ou as pessoas etherisadas terem constantemente em suas hallucinagdes as mesmas illusdes, ou preoccupacoes delirantes. Cita-se 0 exemplo da casa de Tropéa na Calabria, na qual aquartelou-se um regimento francez, local haixo e insalubre, e onde sonhava com um cao preto quem ahi per- noitava. A influencia physica e moral dessa habitacao levava cada individuo ao mesmo estado physiologico, e por conse- quencia ao mesmo sonho. E quasi que invariavelmente in- separavel aloucura paralytica das idéas de grandeza e opu- lencia, que fizeram dar 4 primeira phase desta molestia a denominacao de monomania ambiciosa. K uma nova prova da dependencia em que estao certas hallucinagdes das des- ordens particulares do cerebro, e do systema nervoso. Essas correspondencias significativas explicam as sym- pathias, e tornam possivel a produccao concomitante das mesmas idéas nas pessoas de analoga organisacao , ou collo- cadas nas mesmas condicdes physiol :gicas. Se, como ob- servou Adam Smith, procede a sympathia menos do espec- taculo da paixao do que da presenca das circumstancias que a provocam, com mais forte razao devera ella nascer de uma relacio nas modificagdes da economia, de uma especie de harmonia preestabelecida entre dous temperamentos su- jeitos a influencias physicas e pbysiologicas identicas; sem que haja precisao alguma da mysteriosa transmissao dos pen- samentos, para explicar como a mesma imagem offerece-se simultaneamente a duas imaginacdes. Ainda foram, poréem, mais longe: no dizer dos experimentadores (refiro-me aos de O SOMNAMBULISMO NATURAL E O HYPNOTISMO. 335 maior conceito , (como sejam o general Noizet e o Dr. Puel), pode o magnetisador suggerir ao somnambulo uma opiniao, uma verdadeira idea delirante, de que este fique por algum tempo dominado; n’uma palavra, transmittir-lhe um sonho a seu bel-prazer. Delicada é a verificacao deste phenomeno , porque é sempre facil ao magnetisador enganar; e dous homens de espirito, fervorosos partidistas do magnelismo ani- mal, Deleuze e Puysegur, parece terem sido por mais de uma vez mystificados desse modo. E ainda quando chegasse esse phenomeno a ser definitivamente, verificado , nao veriamos nelle mais do que nova forma dos que ja havemos estudado. Existem individuos de tal maneira sensiveis , que, como pondera o general Noizet, basta despertar-lhes a idéa de certas modificagdes da sua existencia, para que se lhes re- produzain: e é6 o que succede no somnambulismo, quando soffrem os nervos incrivel excitacao. Nos hypocondriacos ¢ hystericos vé-se nascer a dér, e manifestarem-se os symp- tomas, pela mera conviccao de que existe o mal. Nao sao raros 0S casos de pessoas persuadidas de padecerem desta, ou daquella enfermidade , apresentarem logo os symptomas dessas enfermidades : bastando acalmar 0 seu espirito , e des- viar-lhes a attencao, para que desappareca o mal. Se pois, como pretendem os observadores que acabo de mencionar, paralysias imaginarias foram provocadas nos somnpambulos, é ainda sobre individuos submettidos ao imperio de uma forte impressao , como acontecia no salao do abbade Faria , é por- que 0 espirito reagia sobre 0 cerebro e o systema nervoso , para ahi produzir sensacodes identicas as que teriam resultado de uma causa morbida real. Serviria tudo isto para explicar porque ossomnambulos necessitam de fé para serem influen- ciados; nao que seja estas fé um salvo-conducto, como pre- tende o charlatanismo, mas por ser ella a condigio que estabelece mais intima connexao entre a imaginacao e o or- ganismo. 336 REVISTA BRAZILEIRA. Releva, porém, nao esquecer que 0 phenomeno da sug- gestao nao é ainda um facto sufficientemente demonstrado, aconselhando a prudencia aguardar novos e concludentes experimentos , antes de pronunciarmo-nos. Ainda nao se pode, no actual estado dos conhecimentos, dar explicagao das circumstancias que acompanham o hypnotismo ; 0 modo, porém, por que se produzem os phenomenos que o determi- nam, ligam-no 4 classe das molestias, que teve por caracter a éxaltacao , ou o torpor quasi que simultaneo dos sentidos. E um somno nervoso provocado, como a catalepsia som- nambulica, por uma vertigem, e que expoe a sensibilidade as anomalias proprias das affeccoes nevropathicas. Assim, 0 que poder-se-hia chamar de naturalismo do som- nambulismo artificial , e as praticas empregadas pelos mag- netisadores, sao factos que sobresahein dos mais serios e ériticos estudos. Nada tém de commum com os milagres e coma magia os phenomenos a que alludimos: entram na or- dem natural, bem que accidental, das cousas ; porque tambem os accidentes tém suas leis. Longe de contrariarem as nogdes que nos fornecem a observacao e a experiencia, alargam pelo contrario 0 seu circulo: nao nos transportam as elevadas re- gides do sobrenatural, deixando nos no firme terreno dos phenomenos terrestres, para onde sO sabemos dirigir-nos. Convenho em ser este terreno monotono e semeado de abrolhos; convidando-nos a imaginacao para remontarmo- nos as nuvens. Quem porém succumbe 4 essa tentacao en- contra quasi sempre a sorte de Simao Mago, e abala-se a razao ha quéda, se de todo nao succumbe. As theorias psychologicas que se quizeram basear nas especulacdes mystico-magneticas Sao empresas deste genero, sempre imprudentes e nao raro funestas. O erro dos adeptos do magnetismo animal foi 0 de associal-o a observacdes cujo valor compromettiam-no. Uma vez voltado para o infinito, ndo vé o homem mais do que suas proprias sensacdes, nada podendo tactear, nem A 4% O SOMNAMBULISMO NATURAL E O HYPNOTISMO. 337 comprehender: olha-o como para um espelho de augmento, que lhe transmitte a sua propria imagem. As hallucinagdes do sonho, da catalepsia, do extase e do somnambulismo, sao como as mesas gyrantes e fallantes, que nao respondem senao ao que temos no pensamento, no temor, ou na esperanga. Existe certamente em nds mais alguma cousa do que essa materia inerte e inintelligente, que sera preza dos vermes e se decompora em imperceplivel pO; porém o principio mys; terioso , que nos anima tanto, intervem nos actos da vigilia , como do somno cataleptico ou magnetico. Neste ultimo estado torna-se a alma muito mais vezes ludibrio da imaginagao e dos sentidos ; pois que passiva é a vontade. Soffre forgosa- mente 0 nosso espirito a influencia das imagens que fazem nascer os movimentos espontaneos da fibra cerebral, ou ner- vosa: entramos, ate certo ponto, pelo somno na vida instine- tiva, insciente de si, como a dos animaes: a razao, essa su- blime conquista da experiencia, esse producto completo do juizo, escapa-nos, ou enyia-nos entao uma luz que apenas serve para lancar-nos na incerteza sobre o verdadeiro caracter das visdes , que nos rodeam. Perde por ultimo a nossa pessoa 0 sentimento da sua identidade, uma das mais rigorosas provas de que o ew é distincto de um organismo sem cessar renovado e transformado ; porque, ao despertar-se 0 som- nambulo, e algumas vezes 0 sonhador, tudo esquece, e pa- rece-lhe que outro individuo disse e fez tudo o que a seu respeito ouve referir. Nao é portanto nesses anomalos estados em que reduz-se 0 homem a um ente inslinctivo, especie de automato, que Deus, a suprema e eterna razao revela-se-nos ; porque entao estaria 0 bruto mais vizinho 4 Divindado, do que 0 homem. Cumpre procurar no somnambulismo cousa diversa. Instrue- nos este phenomeno das intimas relacdes do organismo com a intelligencia, de certos meios de descobrir 0 poderio de uma economia perturbada e enferma sobre a imaginacao , 338 REVISTA BRAZILEIRA. que pede ao corpo os elementos de suas creacdes, quando cessa o espirito de fornecer-lh’as, pela sua regular e extrema actividade. E igualmente 0 magnetismo animal um meio de dar ao systema nervoso certa aceao gue lhe falta, ou acalmar uma excitacao que 0 exhaure. Foi por muitos medicos em- pregado no curativo das molestias nevropathicas, para as quaes era a therapeutica impotente: procurou allivio a déres excessivas, e somno reparador, apds prolongadas crises ; supprindo em alguns casos 0 uso dos anasthesicos. Sao estes relevantes servicos que fazem-no digno do nosso reconheci- mento. Esclarecer 0 homem sobre a natureza do elasterio, a que obedece seu organismo, mitigar seus soffrimentos, eis por certo virtudes que faltam a muitas philosophias, e de que se honram muitas sciencias. Reciainam elles para 0 magnetismo animal alguma cousa mais do queo desdenhoso indifferentismo que mostramos aos charlataes, e que seria injustificavel logo que homens ho- nestos e graves apresentam-nos factos, cujo estudo por longo tempo os occupara. ALFREDO MAURY, (Extrahido da Revista dos Dous Mundos.) ASTRONOMIA Sur la nouvelle planéte annoncée entre Mereure et le Soleil (*). 1.° observation du Dr. Lescarbault est fausse. Je vois dans le compte rendu de la séance du 2 Janvier 4860, une lettre du Dr. Lescarbault qui annonce avoir vu passer le 26 Mars 1859 dans la région voisine du péle nord du soleil un point noir, parfaitement rond, et qwil attribue au passage W@une planete devant le soleil. A la lecture de cet article, je me suis empresssé de verifier dans mes notes si je Navais point observe le soleil le méme jour, vu que vers cette époque, c’est-a-dire , depuis Janvier jusqu’a Aotit 1859, j’ai fait dans la baie de Rio de Janeiro aS. Domingos de tres nombreuses observations, ayant pour but de determiner le décroissement de lintensité lumineuse du soleil depuis le centre jusqu’au bord et de Pequateur aux poles. Les résultats de ces observations seront publiés ulte- rieurement dans un ouvrage sur la constitution physique du soleil, auquel je travaille déja depuis long temps et dont jai publié quelques fragments dans le journal la « Science » en 1858. Or, le 26 Mars je trouve deux séries de comparaisons, la premiere de 11" 4" a 41" 20™ sur Vintensité relative du centre (*) Publicamos este importante trabalho do distincto astronomo, Mr. Em, Liais, em francez, para que possa elle ser conhecido, e apreciado dentro e fora do Brazil, (O Editor.) 340 REVISTA BRAZILEIRA. et du bord du soleil, la seconde de midi 42” a 4" 17™ pour la comparaison des poles et de Péquateur. L’intervalle entre les deux series est di a des nuages. En ayant égard a la différence de 3 heures entre les longi- tudes d’Orgéres ot a observé Mr. Lescarbault et S. Domingos, on trouve que lentrée du point noir d’aprés son observation dentrée aurait eu lieu a 1" 5" de S. Domingos, et celle de sortie 4 2" 23" du méme lieu. A 1" 417" de S. Domingos, la tache était done entrée sur le soleil 4 Orgeres depuis 12”, et d’aprés la vitesse de sa marclie d’aprés Mr. Lescarbault, elle aurait avance de 41',4 sur le disque , de sorte que sa plus petite distance au bord du soleil etit été de plus de 20 secondes darc. Cette quantité est trop grande pour que la difference des parallaxes dOrgéres et de S. Domingos ett pu Paneantir, eten conséquence, quand jai fait ma derniere comparaison jaurais du voir sur le soleil le point noir en question sil y avait été a Orgeres, et cela d’autant plus que Wapres Mr. Lescarbault, ce point est entré 4 environ 14° du pdle nord du soleil, region que jexplorais. Or, est-il possible que dans un travail fait pour des recherches sur la constitution physique du soleil je n’aurais pas remarqué une tache du soleil a 79° de son équateur et cela avec un grossissement double de celui qu’employait Mr. Lescarbault, et quand pour chaque compa- raison je Visilais avec soin la région solaire pour tenir compte de ses variations apparentes dintensile par les rides et les lucules ? Je suis done en mesure de nier de la facon la plus nette et la plus positive le passage @une planéte sur le soleil a Pheure indiquee. C’est au reste ici le lieu de faire remarquer une contradiction notable qui existe dans l'article de Mr. Les- carbault. Dans sa lettre, il présente ses observations comme s'il avail observe réellement Pentrée sur le disque solaire; apres avoir donne l'heure de cette entrée, il ajoute: erreur possible NOVO PLANETA ENTRE MERCURIO E O SOL. 344 est de 4 a 5 secondes moyennes qu'il faudrait ajouter, tandis qwil donne pour erreur possible a la sortie de 1 4 3 secondes moyennes qu il faudrait retrancher. LVierreur sur lentrée nexcéde donc guere celle sur la sortie, et par leurs grandeurs ces erreurs sont celles que les astronomes donnent générale- ment aux passages de Mercure, celles d’entrée 4 peu-pres doubles toujours de celles de la sortie. Il est donc parfaite- ment evident que Mr. Lescarbault a présenté et entendu pré- senter son observation comme ayant réellement observé l’en- trée. : Or, Mr. Le Verrier, quand il la consulté sur ses obser- vations, n’a pas manqueé de lui en faire Vobservation ; car si pour une planete attendue, comme Mercure ou Venus dans leurs passages, on peut saisir la moindre impression, surtout par Pavantage que lon a de concentrer son attention sur le point solaire ou doit avoir lieu le phenomene, il n’en est pas de méme quand il sagit dune planete inconnue qui a du se projeter sur le soleil en totalite pour étre vue, apres quoi Yobservateur qui nattendait pas le phénoméne a dt re- chercher la seconde a sa montre et se préparer a lobser- vation. Or, devant la remarque de Mr. Le Verrier, Mr. Lescarbault sest retracté, comme il résulte de la phrase suivante de Mr. Le Verrier : « Mr. Lescarbault a bien voulu nous permettre d’examiner dans le plus scrupuleux détail les instruments dont il s’est servi , et il nous a donné les explications les plus minutieuses Sur ses travaux et en particulier sur toutes les circonstances du passage d’une planéte sur le soleil.— L’entrée elle méme Wa point été observée par lui; la planéte avait déja parcouru quelques secondes sur le disque du soleil au moment ou Mr. Lescarbault l’a apercue, et c’est en tenant compte de la vitesse qu’il a reconnue, qwil a jugé le moment de Ventrée. » Or, ceci est en contradiction manifeste avec la maniére dont Ry @. II 23 342 REVISTA BRAZILEIRA. Mr. Lescarbault a presenté Ventrée. En effet, il résulte de la description méme de ses instruments quwil n’avait pas les moyens de mesurer une distance de la planéte au bord, mais seulement ceux de determiner des angles de position. Le calcul de l'entrée ayant été fait apres coup, n’a pu étre fait en conséquence que sur une estimation de cette distance. Or, par les incertitudes qu'il laisse 4 lestime du diametre de sa planéte, Mr, Lescarbault reconnait lui-méme Vimpossibilité dune telle estimation exacte. Il regne dans ses expressions a cet égard une incertitude de plus de moitié de la valeur la plus probable, ou de plus de deux secondes. A plus forte raison dans lestime de la distance de la planéte au bord avait-il conscience de pouvoir se tromper de 2 ou 3 secondes ou méme plus, puisque la planete, dit Mr. Le Verrier, était déja entrée de quelques secondes (on ne donne méme pas le nombre estimé) , et cette erreur pourrait étre en plus ou en moins. Or, la planéte supposée employant 11 secondes de temps environ a parcourir une seconde sur le disque solaire, il en résulte que d’aprés la vitesse observée, et Vestimation de la distance, Verreur possible sur Ventrée présentée comme le fait Mr. Le Verrier etit été de 20 4 30 secondes et méme plus, et cela en plus on en moins. Si donc, des l’abord Mr. Lescarbault avait entendu pré- senter son observation comme il l’a dit & Mr. Le Verrier, il aurait dit apres Pindication de Pheure dentrée : lV erreur pos- sible est de 20 & 30 secondes en plus ow en moins, au lieu de erreur possible est de 145 secondes moyennes qwil fau- druit ajouter. Il résulte de cette comparaison des textes que Pobservation du Dr. Lescarbault est partiellement fabriquée apres coup, et dés lors, il n’y a pas plus de raison pour qu'elle ne le soit en totalité. Par consequent, elle ne mérite aucune créance , méme abstraction faite des observations si- multanées, En présence de cette contradiction, il y a lieu aussi _— NOVO PLANETA ENTRE MERCURIO E O SOL. 343 au sujet du retard apporté a la publication , d’étre moins in- dulgent que Mr. Le Verrier qui avait intérét a ce que Yon accordat créance 4 Mr. Lescarbault. Porquoi en effet, apres une pareille découverte, ne pas appeler de suite les efforts combines des astronomes de tous les pays a chercher le retour de cette planéte? Si Mr. Lescarbault eut possédé une obser- vation réelle de cette importance, il laurait publiée depuis long temps. Ne doit-on donc pas supposer que c’est parce que lattention a été appelée sur ce sujet par le travail de Mr. Le Verrier sur le mouvement du perihélie de Mercure , que certain @ailleurs de trouver de lappui, il a voulu arriver de suite a la célébrité ? 2.° Contrairement a lassertion de Mr. Le Verrier, toute planete plus rapprochée du soleil que Mercure, serait plus visible hors du soleil dans les lunettes que cette derniére pla- néte, a laseule condition de présenter un disque sensible, Une observation facile prouve donc qu'il n’existe pas de grand planéte entre Mercure et le soleil. La visibilité des étoiles et la visibilité des planétes en plein jour dans les lunettes sont réglées, comme le fait remarquer Arago, par des lois différentes. Pour ces derniéres, pourvu quelles présentent un diamétre sensible dans les lunettes, la visibilité ne dépend nullement de ce diametre, mais unique- ment de l’éclat de la surface, et par conséquent elle augmente avec le rapprochement du soleil. Ainsi Jupiter malgré son diamétre ne peut étre vu de jour au méridien que le matin et le soir quand le soleil est peu elevé sur Phorizon; Mars, quoique beaucoup plus petit, peut dans des cas favorables étre vu jusqu’a 2° de différence d’ AR du soleil; Venus se voit plus prés encore, mais la seule planéte que l'on puisse suivre dans le voisinage pour ainsi dire du soleil, est Mercure. Je Vai observée une fois moi-méme a 1° du soleil, et d'autres astronomes ont fait des observations semblables. Toute planéte plus rapprochée du soleil que Mercure sera 344 REVISTA BRAZILEIRA. plus fortement éclairée, et par suite présentera plus prés du soleil encore sur la région atmosphérique, ou elle se projetera Pexceés de 1/64 de lumiére qui peut la rendre visible. Admettons donc pour la planéte de Mr. Lescarbault la distance qui résulte de ses observations, c’est-a-dire, la dis- tance de 1,427, il est facile de calculer que l’éclat qui- est en raison inverse des distances sera 7,36 plus grand pour la pla- nete en question que pour Mercure. Cela posé, admettons pour limite de visibilite de Mercure la distance de 1° au soleil. A cette distance, Vintensité de la surface de Mercure sera donc égale a celle de Vatmosphere plus 1/64 de cette derniére ou 7,47 fois plus grande que celle de Yatmosphere a 14° de distance du soleil. Elle présentera donc sur une atmosphere plus lumineuse de 7,36 fois que Patmosphere a 1° du soleil Pexcés de 1/64 de lumiere qui peut la rendre visible. Or, les expériences photométriques d’Arago nous ont appris que atmosphere solaire est d'une intensité 4 peu prés cons- tante dans une étendue égale au diamétre solaire , ce qui indique que Vintensité varie trés lentement dans le voisinage de cet astre. Quelques expériences m’ont au reste indiqué qu’a 30! du soleil, Vintensité est de 2 4 3 fois plus grande au plus qu’a 4°. Done avec l’intensité en question , la planéte de Mr, Lescarbault pourrait étre vue hors du soleil 4 peu prés jusqu’au contact avec cet astre, pourvu qu’on mit son disque hors du champ. Done elle serait visible en permanence avec les lunettes. En visitant les environs du soleil avec soin, en faisant dé- crire a la lunette une série de cercles de plus en plus grands, autour de cet astre, on ne peut manquer de voir la planéete, si Pobservation est faite seulement 2 jours consécutifs, pour le cas ou le prémier la planéte aurait été derriére le soleil. Tout le monde peut répéter cette observation qui donne un résul- tat négatif. NOVO PLANETA ENTRE MERCURIO E O SOL. 345 Le genre d’observation que je viens d’indiquer prouve non seulement que la planete de Mr. Lescarbault existe pas, mais il fait voir en plus quil n’existe aucune planéte dans Ie voisi- nage du soleil, assez grande pour qu’on puisse observer son passage sur le disque, du moins avee des grossissements modéres ; car toute planete qui serait vue en projection sur le soleil, aurait un diamétre sensible plus grand méme quiil ne paraitrait sur cet astre a cause de Virradiation. Quant 4 la planéte de Mr. Lescarbault, elle avait @aprés lui un diamétre trés sensible: « La planete, dit-il en effet, parait comme un point noir dun perimetre circulaire bien arrété,» et plus loin «jai la conviction que quelque jour on verra repasser devant le soleil un point noir parfaitement rond. » Ces indications si nettes sur la forme , indiquent un disque bien marqué, comme au reste son estimation 4 vue du diamétre qwil compare au quart de celui de Mercure dans Ses passages l’indique également. Cette planete serait done nettiement accusée par le genre Wobservation que je viens de rapporter, ef est une nouvelle preuve de sa non existence, et méme de celle de toute autre analogue. Quoique devant étre visible dans le voisinage immediat da soleil, les planetes du genre de celle de Mr. Lescarbault deviendraient de plus en plus brillantes en sen éloignant. Au dela de la limite ou on peut voir Mercure, c’est-d-dire, au dela de 1° leur éclat ne pourrait manquer de frapper Vobser- vateur le moins attentif. Je dis maintenant que la planéte de Mr. Lescarbault, si elle existait, serait visible 4 Poeil nu le soir apres le coucher du soleil et le matin avant son lever, quand elle est dans les en- virons de sa plus grande élongation. En effet dans ma traversée de France a Rio de Janeiro en Juin et Juillet 1858, j'ai tous les soirs et méme fréquemment le matin fait des observations suivies sur le erépuscule; ob- servations, dont jai méme communiqué antérieurement le 346 REVISTA BRAZILEIRA. résultat 4 PAcademie. Or, en méme temps que je m’occupais du crepuscule et de la lumiére zodiacale, j'ai toujours porte une attention spéciale aux régions voisines du soleil, afin de voir si je Napercevrais pas quelque cométe ou planéte. Dans ces observations, jemployais une petite lunette de Galilee du grossissement de 3 fois, vu la difficulte a bord par suite des mouvements du navire , de pouvoir faire des recherches avec mes autres instruments. Or, je trouve dans mes notes que le 44 Juillet par 1° de lati- tude sud et 28 de longitude ouest, apres le coucher du soleil Japercus Mercure sans d’ailleurs le chercher d’abord avec ma lunette; puis en fixant la méme région 4 [ail nu, je la dis- tinguai 4 environ 4° au dessus de Vhorizon. En faisant au moyen des éphémeérides le calcul de sa distance au soleil, a cet instant, il est facile de voir qu’elle était de 7° 10! et que son diamétre vu de la terre soustendait seulement un angle de 5’, et était plus de deux fois plus petit que son diamétre dans ses passages sur le soleil. Le 16 Juillet par 5° de latitude sud et 34° de longitude ouest, Mercure était apercue dans le crépuscule sans difficulté et au premier coup devil. Il etait alors a 9° 15 du soleil. Il résulte de ces observations que dans la région équatoriale, Mercure peut étre vu le soir apres Ie coucher du soleil dés que sa distance angulaire a cet astre approche de 7°. Dans ce cas la planéte ne présentant pas de disque appreciable , la visibilité dépend de la lumiere totale , cest-a-dire , ala fois du diamétre et de léclat superficiel. La planéte de Mr. Lescarbault a daprés son estimation un diamétre inférieur au quart de celui de Mercure dans son pas- sage sur le soleil, c’est a-dire, un diamétre de moins de 2",5. Avec le grossissement de 150 fois qu’il employait, le diamétre de 2",5 lui aurait paru soustendre tn angle de 6! 15", et méme moins, 445! au plus en tenant compte de Virradiation. Or, on ne peut distinguer aucune forme, et que les termes dont eee ees one —" OD PI as NOVO PLANETA ENTRE MERCURIO E 0 SOL. 347 sest servi Mr. Lescarbault un point noir parfaitement rond , un périmétre bien circulaire, bien arrété, indiquent néces- sairement un diamétre de 4 45 minutes au moins, on voit que son estimation que la planete serait inférieure au quart du diamétre de Mercure projeté sur le soleil est un peu faible par rapport a sa redaction, et on se trouve forcé @admettre que cette planéte soustendait au moins 2'',5 pour paraitre avec le grossissement employe comme un disque bien arréte et par- faitement circulaire. Ce diamétre de 2!',5 est la moitié de celui de Mercure le jour que je l’ai apercue a 7° du soleil. La surface de la planeéte serait donc aussi le quart de celle de Mercure le méme jour, mais comme léclat est 7 fois 36 plus grand par Yeffet du rapprochement du soleil, on voit que la Lumiere totale envoyée a la terre par la planéte Lescarbault devait étre double 4 peu pres de celle de Mercure le 14 Juillet 1858. Donec, comme Mer- cure était dans ce dernier cas visible 4 7° 10! du soleil prés de ’équateur oui cet astre s'abaisse rapidement sous Phorizon, il sensuit qu’on peut affirmer avec certitude que la planéte Lescarbault doit étre visible sous Péquateur dés qu’elle est 5 a 6° du soleil, et par conséquent en approchant r’époque de sa plus grande ¢clongation qui serait de 8°, et lorsqu’elle a atteint cette plus grande elongation elle doit étre tres-brillante. La visibilité 4 Poeil nu soit avant le lever du soleil, soit aprés le coucher de cet astre, aurait lieu alors pendant plus de la moitié de la révolution de cette plancie, c’est-a-dire, pendant plus de la moitié du temps. On la verrait alors pendant 5 jours environ apres le coucher du soleil, elle disparaitrait 5 jours et paraitrait 5 jours avant le lever et disparaitrait de nouveau environ 5 jours pour reparaitre le soir. fl s’ensuit donc qu’une série dobservations du ciel dans la zone intertropicale aprés le coucher du soleil, prolongée pendant plus de 5 jours seule- ment avant le lever et apres le coucher du soleil, ou bien 15 jours aprés le coucher de Vastre seule, la ferait apercevoir, 348 REVISTA BRAZILEIRA. Or, mes observations en considérant seulement la partie faite dans le trajet du tropique du cancer au tropique du capricorne forment une serie beaucoup plus longue dans laquelle je aurais pas manque de voir la planéte Lescarbault, ou toute autre planete semblable, sil avait existe des astres de cette nature. De plus, depuis 18 mois que je suis au Brésil, j'ai bien des fois eu Poceasion de repéter ces observations. Au reste en pareil cas on ne serait pas venu jusqu’au 19° siecle sans les voir, et les nombreux observateurs qui cherchent sans cesse des cometes le matin et le soir dans les environs du soleil, nauraient pas manqué de découvrir la planéte de Mr. Lescarbault, ou Panneau de planetes de Mr. Le Verrier, s‘ils étaient des réalités. 3.° Dans les éclipses de soleil , la planete de Mr. Lesear- bault n’a pas été vue. Pendant Véclipse du 7 Septembre 1858 & Paranagua , un soin trés-grand a élé apporté par la Commission Scientifique pour reconnaitre les étoiles qui pouvaient étre visibles. Les environs du soleil ont été explorés avec soin, pour voir sil ny aurait pas quelque comete. Or, tous les points lumineux apereus sur la totalité du ciel ont été reconnus pour Mercure, Venus ou des étoiles, et ils sont désignés dans le rapport de la Commission. Le préparateur des plaques photographiques qut sortait de Pobscurilé et devait par suite, conformément a la remarque de Mr. Faye, avoir les yeux plus sensibles encore que les autres personnes a la lumiére, a remarqué les étotles lorsquil a®ardé le phénomene en sortant de la chambre obscure avec les plaques préparées que je me proposais de tirer. Ha vu Mercure, mais n’a pas vu plus que les autres personnes un cortége de planétes autour du soleil. Le genre Vobservation demandé par Mr. Faye existe done, et a moins de faire la supposition que tout Panneau de pla- nétes de Mr. Le Verrier serait venu se placer juste derriére le NOVO PLANETA ENTRE MERCURIO E O SOL. 349 soleil au moment de léclipse, ce qui bien que possible a supposer pour quelques uns ne peut étre admis par la totalité de ces corpuscules ; Péclipse de Paranagua feurnit le moyen de répondre négativement 4 Vexistence des planetes en ques- tion. A ce sujet, il est bon de prémunir les observateurs de Véclipse de 1860 qui Samuseraient 4 chercher des planetes, contre une apparence qui pourrait se produire et qui pourrait les tromper. Deux fois un point tumineux a élé vu sur le disque de la lune dans des éclipses par Ulloa et Mr. Valz. Celte apparence parait due a des réfractions anormales ou une sorte de mirage, qui aurait porté Pimage dun point du soleit dans cette direction pour Yobservateur. Il pourrait done se faire que des points semblables pussent @une station paraifre hors des deux disques. Une telle apparence ne prouverait done lexistence de pla- nétes qu’a la condiction de se reproduire identique dans di- verses stations. It résulte de tout ce qui précéde quwil n’existe pas entre Mercure et le soleil de planete assez grande pour étre vue projetée sur le soleil avec des instruments dun grossissement modéré. Le mouvement du périhélie de Mercure, sil est dt a des planétes circutant entre le soleil et la terre, ne peut donc provenir que des efforts combinés d’une multitude de petites planetes. Mats alors les passages sur le soleil doivent étre frequents. Comment donc se fait-il que les observations con- scientieuses des nombreux observateurs qui surtout depuis quelques années observent les taches du soleil avee soin et presque en permanence avec des instruments puissants n’aient pas vu Ges passages. Comment se fait-il aussi que quand avec les mémes instruments on a exploré les regions voisines du soleil avec tant de soin pour tacher de voir la couronne ou des flammes rongedtres, on Wait rien vu, puisque ces planétes devraient étre tres-brillantes ? Comment aussi se fait-il que 350 REVISTA BRAZILEIRA. dans les éclipses on n’aif pas vu la couronne solaire remplie de points brillants ainsi que. les régions voisines du soleil, lorsqu’on sest arrélé aux moindres détails de ces appa- rences ? Il ne faut pas perdre de vue que depuis un siécle surtout les observations du soleil et les dessins de ses taches ont eu lieu par milliers, Dans toute cette immense quantité de materiaux on ne trouve rien qui permette d’admettre Pexistence de corpuscules tournant autour du soleil. Les observations de Pastorff, rap- portées par Mr. Hervick dans sa communication a Institut du 21 novembre 1849; dans lesquels cet observateur 4 remarqué quelques taches qui ont éprouvé un grand déplacement en peu dinstants sur la surface solaire, se lient 4 une autre classe de phénomeénes; les changements rapides qui ont lieu quelques fois 4 la surface du soleil. On a méme vu plusieurs fois des taches naitre et disparaitre pendant que Pobservateur avait ceil 4 la lunette, et méme une tache disparaitre et paraitre un peu plus loin; ou de grandes taches changer rapidement de forme. Il ne faut pas confondre ces apparences vues par Pastorff avec des planetes passant sur le soleil. Onest donc fondé a conclure que, si accroissement du mou- vement du périhélie de Mercure est dt a lattraction de matiere comprise entre le soleil et cette plancte, cette matiére ne forme pas des planctes proprement dites; elle esta état de poussiere cosmique et ferait dés lors partie de la nébulosité solaire ou lumiere zodiacale. 3.° Ce n’est qu’en supposant aux observations astronomi- ques une precision dont elles ne sont pas susceptibles, que Mr. Le Verrier 4 supposé l’existence d'une forte perturbation entre Mercure et le soleil. Le mouvement du périhélic de Mercure a été déduit des 24 passages observes de celle planete. Mais dans ce travail, il elt été important de tenir compte de la réfraction qui, comme NOVO PLANETA ENTRE MERCURIO E O SOL. 351 jelai fait voir dans un mémoire récent, change le lieu d’ou la projection de Mercure sur le bord du soleil est vue en un instant donné. En refaisant le calcul de cette maniére, on trouverait nécessairement pour expliquer le mouvement de Mercure, un mouvement du périhélic un peu différent de celui quwindique Mr. Le Verrier. Les observations comportent Wailleurs des erreurs tres notables, et on pourrait par un mou- vement du perihélie un peu plus petit que celui que suppose Mr. Le Verrier, les représenter Vune maniére satisfaisante, et dés lors ce mouvement pourrait étre expliqué en supposant la masse de Venus plus grande @une douziéme 4 une quin- zieme. Il est vrai que dans ce cas, la variation séculaire de Pobli- quite de lécliptique serait un peu modifiée et introduirait des erreurs de 1,4 sur la mesure de Vobliquité. Lorsqu’on re- marque: 1°, que les observations des bords du disque solaire donnent lieu 4 des équations personnelles trés-fortes; 2°, qu’en Europe ot ont étés observes les 7 solstices d’oti la valeur de Pobliquité est déduite, le soleil est trés-bas en hiver et dans une zone ou les réfractions sont trés-fortes; 3°, que les di- verses tables de refraction présentent entre elles des diffé- rences déja plus grandes ; 4°, qu’on n’a pas encore déterminé si les mémes tables conviennent au jour et ala nuit; 5°, en- fin, que le nombre des solstices en question n’est que de 7 : on est bien force d’admettre la possibilité derreurs de cette grandeur, et mémes Verreurs plus grandes, surtout si on ajoute aux considérations précédentes la remarque que pour une méme etoile, telle que la polaire, deux pointes distantes de quelques minutes donnent, ramenées au méridien, des diffée- rences de hauteur qui peuvent atteindre deux secondes. Il suffirait @admettre une erreur possible de 2"',5 surYobli- quilé de Pécliptique pour augmenter d’un dixiéme la masse de Venus et expliquer la totalite du mouvement que Mr. Le Verrier trouve au périhélie de Mercure. Or, @aprés ce qui 352 REVISTA BRAZILEIRA. préeéde une telle erreur est admissible quoique Mr. Le Verrier la rejette. Mais comme il n’y a pas lieu de supposer toutes les erreurs sur lobliquité de lécliptique, et qu'il y en a bien aussi sur Jes passages de Mercure, il ne resulte qu'avee une aug- mentation moindre de la masse de Venus on rend aisement compte des deux choses avec une approximation plus grande pour Pobliquité et suffisante pour les positions de Mercure. Cest donc, en supposant aux observations astronomiques. une précision dont elles ne sont pas susceptibles, que Mr. Le Verrier a émis Fopinion de Ja nécessité de planétes entre te soleil et Mercure pour expliquer le mouvement du périhélie de cette derniere. Au reste en renoncant a l’invariabilité des mouvements moyens qui suppose la constance des masses et que rien ne prouve, on peut encore expliquer les positions de Mer- cure, Sans supposer un mouvement si grand de son périhélie. Emm. LIAls. Premiére approximation des éléments de la Co- méte découverte ®# Olinde le 26 Février 1860, par Mr. Emm. Liais. Distance du périhélic..... 1,20 Inclinaigon, ....- . 6). 20s 000 80° 5! Longitude du nceudascend. 324° 0! » Equinoxe moyen du Longitude du périhélie.... 174° 2! 1* Janvier 1860. Passage au périhélie...... 16 Février 4 23°48"temps moyen d’Olinda. Sens du mouvement : direct Ces éléments qui recevront ultérieurement les corrections indiquées par les observations futures, ont été déduits des observations faites parla méthode du micrometre circulaire. HISTORIA A estatua da ilha do Corvo. E quer na nuyem propria que te indico Que esse cadaver meu vA transportado E na ilha do Corvo do alto pico O vejam n’uma ponta collocado ; Onde acene ao paiz do metal rico , Que 0 ambicioso européu vendo indicado Dara logar que ouvida nella seja A doutrina do Céo e a voz da Igreja. (CaramuRU’ — Canto I, Est. 63.") 0 martello demolidor da critica historica tem destruido em nossos dias os vetustos monumentos do erro e da supersti¢ao : os factos, que melhor averiguados pareciam , 0s axiomas pe- trificados pelos seculos tém sido submettidos 4 analyse, a cuja luz electrica hio poucos resistido.. Impiedade! exclamam alguns; é dest’arte profanar 0 pas- gado, ¢ expdr ao ridiculo as venerandas tradicdes de nossos pais.— As tradicdes , convertidas em legendas, sao, respon- deremos nos, excellentes para o romance, para as baladas e cangdes, que formam a poesia do povo; nao podendo porém aspirarem os foros da historia, nem com ella cumpre que confundidas sejam. Resentem-se os chronistas e historiadores antigos da falta de critica; acolhiam os boatos com a facili- dade dos modernos jornalistas, e sem se darem ao trabalho 354 REVISTA BRAZILEIRA. de examinarem os principios, apressavam-se em tirar as con-. clusdes: tal é seu mor defeito. Escolhemos para assumpto deste estudo uma dessas tradi- cdes, que mereceu a honra de ser acolbida por graves autores, passando até nds com a aureola da verdade. Da fama era que no cimo d@uma montanha da ilha ago- riana, denominada do Corvo, achara-se a estatua dum ho- mem montado em um cavallo sem sella, com a cabeca des- coberta, a mao esquerda collocada sobre a crina do cavallo , ea direita estendida para o Occidenle , como para indicar aos navegantes essa direccao. Accrescentaya-se que era essa estatua de pedra, em cujo pedestal da mesma pedra viam-se alguns caracteres desconhecidos. Vejamos como um dos nossos primeiros chronistas, Damiao de Goes, refere esse achado, na sua Chronica do Principe D. Joao, pablicada em Lisboa no anno de 1567, afl. 9, v. « Hos mareantes lhe chainam — ilha de marquo—, por- que com ella (por ter uma serra alta) se demarga , quando va demandar qualquer das outras. No cume desta serra, da parte do Noroeste, se achou hua estlatua de pedra, posta sobre uma lagea, que era hum home em cima de hum cavallo em osso, e 0 home vestido de hua capa quam bedem, sem barrete, com hua mao na coma do cavallo, e o brago direito stendido, e os dedos da mao encolhidos, salvo o dedo se- gundo, a que os Lalinos chamam index, com que apontava para o Ponente. Esta imagem que toda sahia maci¢ada mesma lagea, mandou el-rey D. Emanuel tirar pelo natural por um seu criado debuxador, que se chamava Duarte Darmas, e de- pois que viu o debuxo madou hum homeim engenhoso, na- tural da cidade do Porto, que andara muito em Franga e Italia, que fosse 4 esta ilha para cd aparelhos que levou tirar aquella antigualha, ho qual quado della tornou dixe a el-rey que a achara desfeila de hua tormenta que fizera 0 inuerno passado. Mas a verdade foi que a quebraram por mao azo, e A ESTATUA DA ILHA DO CORVO. 355 trouxeram pedacos della,— s. acabeca do home, e ho braco direito cO a mao e hua perna, e a cabeca do cavallo, e hua mao que staua dobrada e aleuantada, e um pedaco de hua perna, ho que tudo steue na guarda roupa del-rey alguns dias, mas ho que se despois fes destas cousas, ou honde se puseram eu nam ho pude saber. Esta ilha do Corvo, e san- tantam foram de Joam dafonseca, scriuam da fazenda del rey D. Emanuel , e delle has herdou seu filho Pero dafonseca , scriuam da chancellaria del rey D. Joao terceiro, seu filho, ho qual Pero dafonseca no Anno de Mil C.XXIX, has foi ver, e soube dos moradores que narocha abaxe donde stiuera a statua, stauam talhadas na mesma pedra huas letras, e por ho lugar ser perigoso pera se poder hir honde o letreiro sta, fez abaxar algus homes per cordas bem atadas, hos quaes imprimiram has letras que ainda ha antiguidade de todo nam tinha cegas, em cera que pera isso levaram, contudo has gue trouxeram impressas na cera eram ja mui gastadas, € quasi sem forma, assi por serem taes, ou por ventura por na companhia na haver pessoa que tiuesse conhecimento mais que das letras latinas, e este imperfecto, whu dos que se alli acharam presentes soube dar rezam, nem do que has letras diziam, nem ainda puderam conhecer que letras fos- sem. » Sujeitando ao crisol da critica esta narragao de Gdes, ve- mos que refere-se elle a um boato, ou rumor vago, que corréra em seu tempo, sem que affirme haver presenciado nada do que conta. Nao viu o debuxo, que do monumento fizera Duarte d’Armas, nem os fragmentos da estatua que por alguns dias estivera na guarda-roupa do rei, porque talvez nessa época ainda nao estivesse empregado no paco; levado, po- rem , pelo maravilhoso, registrou a legenda, que por algum malicioso fora inventada. Dos seus poucos conhecimentos geographicos da o chro- nista exuberante prova, affirmando que a ilha do Corvo, por 356 REVISTA BRAZILEIRA. ter uma serra alta, serve de demarcacao aos navegantes, que buscam 0 archipelago dos Acores. « A ilha do Corvo (diz o Sr. José de Torres) é a menore a mais septentrional das agorianas. Quem vai do Norte, Leste ou Sul, quem vai do Velho-Mundo, topa primeiro com as outras, maiores, mais elevadas, mais grupadas, emfim. Quem vemdo Sul ou do Oéste, quem vem do Novo-Mundo, succede-lhe outro tanto, ou primeiro avista a ilha das Flores, que, se apenas esta separada da do Corvo por um canal de nove milhas e meia, fica poreém mais ao Sal, e mais 4 Oéste, e é terra muito mais alta e volumosa. SO quem vem do Norte, ou Nordeste da America, a pode avistar pelo Noroeste, ou Norte; e ainda assim nao sabemos se a avistara primeiro, ou independente da proxima ilha das Flores, quando a maior montanha desta (o Morro-Grande ao Norte) mede 942 metros, emquanto a maior clevagao da ilha do Corvo é de 777 metros, do pico pelo Sul da Caldeira (1). » Investiguemos a mui nolavel circumstancia de apontar a dextra do cavalleiro para o Poente. Ninguem ignora que desde a mais remota antiguidade existiu 0 costume d’erguerem os povos navegadores, padroes que marcassem 0 termo das suas viagens. Com o andar do tempo variou a natureza desses padroes, que foram successi- vamente columnas, arcos, e finalmente estatuas. A dous desses marcos, designando os limites do mundo conhecido , e situados nos montes Caipe e Abyla, denominaram-se co- lumnas d Hercules, de tio poetica e legendaria recordagao. A propor¢io que foram-se adiantando os conhecimentos geographicos, mudaram essas columnas de direccao, sendo facil, como observa o sabio Humboldt, de acompanhar com certeza este mytho geographico em sua direccao de Hste para (1) Original. da Naveg. do Oceano Atl. Sept. e do Descokr. das suas Ithas pelos Port, no seculoXV.— Lisboa, 1857, A ESTATUA DA ILHA DO CORVO. 357 Oeste. Strabao , fallando da fundagaio de Gades pelos Tyrios, discute com aiff argucia e liberdade de espirito 0 que deve, ser entendido pela denominacao de columnas , e pergunta se assim devem ser appellidados os monumentos algados pela mao do homem, nos logares que delles derivaram seus nomes. Herdando dos Gregos o sceptro dos mares, aceitaram os Arabes a mesma usanga; variando porém em sua lingua a pa- lavra columna de significagao , e sendo tomada como syno- nyma destatua, Seus viajantes e cartographos semearam pelas ilhas do mar tenebroso, estatuas de bronze, cobre, ou granito , apontando para tras, e como que aconselhando aos navegantes que nao se aventurassem pelas regides do Occi- dente, de que tao horriveis cousas contavaa tradicao. Facil é de suppor que nao deixassem de partilhar os prede- cessores d) Gama desses preconceitos; e que na exaltada imaginagao de nossos maiores , 0s gigantes e hippogryphos do mar dos idolos occupassem distincto logar. Se alguns vestigios se pudessem descobrir desse debuxo , de que falla Gées, sustentavel seria a historia da estatua. As conscienciosas e profundas indagacdes do Sr. José de Torres, cuja autoridade folgamos de repetidamente citar, provaram porém, a todas as luzes, que imaginario era 0 debuxo : por- quanto, 0 unico autor que delle poderia fazer mencao, Duar te d@Armas, na unica obra que delle existe com o titulo — Das Fortalezas que esto situadas no extremo de Portugal ede Cas- tella—, guarda a tal respeits 0 mais completo silencio. Contintia o chronista em sua narragio, dizendo: guebraram a@ estatua por mao azo , mas desculparam-se como rei que a tinham achado desfeita por tormenta do inverno passado. Claramente vé-se que os encarregados dessa missio historico- scientifica desempenharam-na de mancira infiel, e que, no plano inclinado da mentira e da fraude , difficil sera sempre marcar um paradeiro. Note-se que nada diz 0 chronista sobre 0 merito artistico da estatua, que, pela sua remota antigui- R. By III, 24 358 REVISTA BRAZILEIRA. dade, nao deixaria de despertar a curiosidade dos archeologos, O mesmo desprezo em que foram tidos esses fragmentos pa- rece estar demonstrando que conhecéra el-rei que haviam-no mystificado , julgando mais prudente nao dar-se por achado, e castigar com severidade os falsarios. Qual seria, poreém, a origem de semelhante fabula? — A configuracao das rochas voleanicas dos Acores, que de certa distancia apresentam em suas cristas formas tao phantasticas, que com facilidade se prestam a illusao, que passando pelo microscopio do maravilhoso, engrandecet-se ao ponto em que a vimos chegar. « Concebe-se , diz Humboldt, que uma dessas configura- cdes grutescas e imitativas , tao communs entre os rochedos volcanicos de basalto, de trachytes e de porphyro amphibolico, puderam dar logar ao conto de uma estatua equestre, que os eruditos nao deixaram de altribuir aos Carthaginezes e Phe- nicios, pouco inclinados, como se sabe, a mostrarem aos seus rivaes 0 caminho das suas descobertas (2). » Se por ventura em algum tempo tivesse existido semelhante estatua, nao deixaria a tradicao de conservar a sua lembran¢a, maxime num paiz onde , 4 mingoa de grandes acontecimen- tos, cuidadosamente archiva os pequenos successos a memoria dos povos. E o que refere a tradicio a tal respeito? Ougamos o testemunho do general Antonio Homem da Costa Nogueira, perfeito conhecedor da localidade : « Os naturaes (da ilha do Corvo), que nao excedem a mil almas , nenhuma tradicao tém de haver na ilha nem vestigios daquella estatua; sendo que, se 0 achado della fosse his- torico , memoria de monumento tao notavel nao deixaria de perpetuar-se de pais 4 filhos. O que porém é incontestavel , (2) Examen Critique de (Histoire et de laGéographie du Nouvedu Continent, ‘tom, IL | ; | ; ; —— A ESTATUA DA ILHA DO CORVO. 359 é que ja sobre as rochas, ja na superficie do terreno, se avistam penedos, que em certa distancia, ao olho nu, parecem figuras semelbantes a organisadas. Nas immediacodes do Cal- deirao, agradavel cratera dum volcao extincto, coberta de lagos e ilhotas, matizadas, como as margens, de bella verdura, a0 Norte da ilha, e ja notadas nas cartas maritimas do capitao Vidal, abundam os exemplares dos taes penedos-estatuas (3). » Nada vimos por ora senao 0 resultado de arrojadas imagi- nagodes, que, alimentadas pelas reminiscencias da antigui- dade, julgaram descobrir nos rochedos da ilha do Pico uma estatua equestre. Onde porém se manifesta a matlicia, e in- lencional proposito de roubar a Colombo a gloria do desco- brimento do Novo-Mundo, esta na affirmacao de haver-lhe ella servido de guia, ou, como se expressa Manoel de Faria e Souza, nos seus Commentarios aos Lusiadas de Camies :« « Tambien es de creer le serveria de luz.... al mismo Colon... aquella estatua equesire hallada de los portuguezes en la isla del Cuervo, una de las lamadas Azores, i la mas occidental, e septentrional delas...cd... em braco derecho rendido , apuntando con el indice azia Poniente : que sin duda mostrava essa America Occidental... » Cumpre notar que, antes do feliz descobrimento de Co- lombo , nenhuma mengao se faz dessa estatua, nem apparece ella indicada no globo de Maritim Behain, publicado em 1492, quando é certo que nao se olvidara esse illustre cartographo de registrar as menores circumstancias relativas As ilhas ago- rianas as quaes, uma residencia de muitos annos no Fayal permittia de amplamente conhecer. Nenhuii escriptor con- temporaneo relata a sua existencia, nem della possuiam a menor idéa. VD. Diogo Ortiz, bispo de Ceuta, e os. mestres Rodrigo e Josepe, a quem, na phrase de Joao de Barros , commettia el re. (D. Joao Il) essas cousas de geographia e des- (3) Revista dos Agores , Tom. 1, pag. 93, 360 REVISTA BRAZILEIRA. cobrimentos ; porquanto, se assim nao fosse, assignalariam tao singular circumstancia, quando" em=4484 , isto é. trinta e dous annos depois da descoberta da ilha do Corvo, acon- selhavam 0 indeferimento da supplica do Genovez, por ser, diziam elles, fundada em imaginacodes e cousas da ilha de Cypango de Marco Polo. ; Demonstrando a impossibilidade de ser vista a pretendida estatua antes do descobrimento da America, serve-se destas palavras 0 illustre sabio, cuja morte prantéa a Allemanha e o mundo: « Corvo nao é absolutamente o ponto mais occidental do srupo dos Acores, estando a 3’ 5” mais para o Oriente do que Flores; porém voltando do Brazil, do Mexico, das Antilhas , os navios favorecidos pelo Gulf-Stream (corrente de agoa quente do Atlantico), preferem a ilhota mais septentrional 4 propria ilha do Corvo. A forma dum rochedo do cabo Noroéste nao pode receber sua mysteriosa significagao senao depois da descoberta da America, e no tempo em que tornou- se mais activo 0 commercio, e por consequencia mais fre- quentado o mar dos Acores (4). » Parece, pois, evidente, que ninguem cogitava de seme- Ihante mytho, antes que o genio e apertinacia de Colombo dotassem a Hespanha com os thesouros do Novo-Mundo. Obtido 0 maravilhoso resultado , que confundia a sciencia dos sabios da época, despertou-se a inveja, buscando obsecu- recer, ou attenuar o valor do feito. Inventaram-se muitos contos, cada qual mais ridiculo; ora o de um piloto por- tuguez, residente na Madeira, de quem recebéra Colombo a derrota, que com tanta seguranca devéra depois seguir ; ora o da estatua da ilha do Corvo, que lhe indicava o caminho do Occidente , etc. (4) HumBpoLpt. — Examen Critique de (Histoire et Géographie du Nouveau Continent, Tom. I. A ESTATUA DA ILHA DO CORVO. 361 Distinctos escriptores portuguezes haviam ja posto em du- vida semelhante tradicao, e, nao desejando para o seu paiz nada que de justica nao lhe pertencesse , recusaram acreditar que a estatua a que nos referimos fosse a indigitadora do des- cobrimento da America. Aferravam-se porém outros 4 narra- cao de Damiao de Goes, e, julgando-a associada 4 honra nacional, por ella pleiteavam, como pela apparicao d’Ourique. Coube ao illustrado Sr. José de Torres descarregar a clava de Hercules da critica em tao carcomida cren¢a , e exuberante- mente provar que fora ella filha dum sentimento, que por forma alguma se concilia com a lealdade do caracter por- tuguez. Julgamos-que agradavel sera aos leitores depararem aqui com 0 imparcial juizo, que a tal respeito forma o escriptor acima mencionado : are ata y ar «oe .... Os offerecimentos de Colombo, primeiro desprezados por Portugal, depois aceitos pela Hespanha, e coroados do successo promettido, foram uya accusacao a ignorancia, a imprevidencia, ou a ma vontade dos nossos sabios e politicos. Despeitaram-se contra os novos descobri- mentos, que iam enriquecer outra nacao rival. Daqui por ventura inventaram, ou apoderaram-se da nocao popular e phantastica uma estatua na ilha-do Corvo, com o intento secreto de tirar por este meio a Colombo a originalidade e prioridade de seus descobrimentos, que desde muito o dedo do cavalleiro, apontando para o Occidente, indicava conhecer. Assim o descobrimento d’America pelos nossos rivaes ficava reduzido a facil consequencia dum descobrimento portuguez, e da luz que delle emanava. Quando nao podiam desluzir o feito, por elles perdido, minavam-lhe sua reputacao dori- ginal, e queriam de algum modo associar Portugal, ao menos pela historia, 4 gloria daquella descoberta. Se a sua impru- dencia nos fizera perder 0 dominio daquellas importantissimas regides, queriam, e¢ em compensagao, levantar ao orgulho 362 REVISTA BRAZILEIRA, nacional um falso monumento, que attestasse a paternidade da idéa; contentar o descontentamento publico com a van- gloria, e distrabir-lhe a attencao das accusacdes que tambem mereciam Os que aconselharam, e os que rejeitaram as pro- postas do aventurado navegante genovez. Entretanto, mal sabiam elles que , lisongeando as ruins paixdes do seu tempo, combatendo surdamente 4 prioridade dos descobrimentos hespanhdes no Novo-Mundo, tambem davam falsas armas, com que os inimigos pudessem combater a originalidade da nossa havegacao, e descobrimentos modernos no alto mar atlantico septentrional. Para salvarem o ciume nacional dos martyrios da occasiao., sacrificavam as consequencias 7uma fabula, grande parte da nossa gloria passada (5). » Desterrada da historia pela severidade da critica, pode ser erecta a estatua, que se dizia encontrada na ilha do Corvo, no paiz das legendas, de sociedade com tantas outras bri- Ihantes chimeras, em que por largos annos acreditaram 0s homens. (5) Original. da Naveg. do Oceano Atl. Septent. e do Descobr. das suas [lhas pelos Port. no seculo XVI. J. C. FERNANDES PINHEIRO. PR Sand CRde 8s gr ds it ee hr hh ¢ 4 if ‘ ed Besumo das observagses meteorologicas feitas no Imperial Observatorio Astronomico no periodo decorrido de Setembro de 1859 a Fevereiro de 4860. | £859 — Setembro. HORAS THERMOMETROS BAROMETRO HYGROM. COND. Fahrenh. Centigr. Réaum. red. a 0° detp. De Saussure. mE 7986, © ONBS9 47,034 <.acus. esse: RRS or iP Tie: 75088 2 28b. ee pales ra had tect telat gery Sel 93,683 ee 72 O04 29.958 LTBOB. 5/2 92,000 ee he FOG poe Ol share gee Medias 71,224 21,791 17,433 757,164 92.886 Total Dias de céo limpido 1,2,3,4,5,8, 9, 10, 7 ee St RS ee Oe ie Peer 10 Dias de céo nublado 6, 7,26,27.......... 4 Dias de céo encoberto 11, 13, 14, 17,18, ES ee 5 Fos he ad ahs ohana’ oe 14 Dias de ar sempre nevoado 11,43, 44,45, a ERA Be OE 5 eo) a 12 Dias nevoados sé de manhaa 2, 4, 5, 9, 10, MES ee ier ise ies. sak ae ope 8 Sees oe chuva 42. 90,24.95°30.... 0. Jae. 5 Alturas do pluviometro 41. 2.4,25. 4,25. 4,84 26,34 364 REVISTA BRAZILEIRA. Dias de evaporacao 2, 3,4; 5,6, 7, 8, 9, 115°:2, 93, 16,4779, 21 92 es oe Alturas do evaporatometro 0,75. 4. 6,25. 13,1.2,25. 10,75. 9,6. 6. 16,25. 3,8. 2,25. Bee 1 Rae Be Re ee ek ap 134,10 Dias de vento constante 1, 3, 12,29....... Se Rumo dos ventos, SE. Dias de vento variavel 11, 13, 14, 16, 19, 22, - Rumos dos ventos, NO. SO. S. SSO. SSE. NE. Dias de terral e viracio 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 49,47, 18, 2000124 20597 OS yn oa 17 p hit 9 tel \Dia 23, as 4.265 Temperaturas extraordinarias ..... 7a bm {Dia 25, is 7 19,5 Outubro. HORAS THERMOMETROS BAROMETRO HYGROM. COND. Fahrenh. _—Centigr. Réaum. red. a 0° de tp. de Saussure. O72 °70:007 2424315. 16,890.43... 60 Yo ede Ona es oe Aya 92,419 TF aaa a aay 79 | THD ASE i.) cates oo. Bonets, “Wa he mites 2. es ee 90,726 chat f yc ea hee tar i day a 752,898 Lee Si) fh SOS. SEE ORT ADE Fine ass cri ern Médias 70,747 24,526 17,2241 754,144 91,739 Total Dias de ceo limpido 4, 4, 11, 12, 16, 17, 20, ag i eae | ana ae eee | 7 SP 10 Dias de céo nublado 3, 5, 6, 7,10, 13, 19, 23, Fy 29, QO PORE ea ee ys vais 12 OBSERVACGOES METEOROLOGICAS. 365 Dias de céo encoberto 2, 8, 9, 14, 22, 29... 6 Dias de ar sempre nevoado 7, 8,9, 14..... 4 Dias nevoados so de manhaa 12,13,17.... 3 Moe irovoada Bs es ds ees { Pease Chuva lonter 3). 6 ae. oe agp 3 Alturas do pluviometro 13. 13,8. 23,2...... 50,00 Dias de evaporacao 2, 4, 8, 9, 10, 11, 12. 13, 46; 47, 419, 20, 24, 22, 23, 24, 25, 26, 29, MIM Se oat Be aie ed. one a1 Alturas do evaporatometro 3,75. 1,4. 4,25. 4. feroet, 8:6. 18.138. 725-1 AST, 9:25. 1. Bose 045.°7.250959539,8. 10,558,802. 07.3 151,70 Dias de vento constante 3, 7, 10, 14, 17, 20, 0 Seid eae Rae 5 eee ea eee 8 Rumo dos ventos, SE. Dias de vento variavel 1, 9,12, 13, 15, 18, 23, ea re re oe Moe Ne SO a ne a ace 9 Rumos dos ventos, SO.SE.NNO.SSE.NO.SSO.S. Dias de terral e viracao 2, 4, 5, 6, 8, 14, 16, eA 22, Be 259128, 30 co). csc odes then 14 bm ) Temperaturas extraordinarias..... \Dia Rose #y.00 \Dia 30, 4s 7 24,75 Novembro. HORAS THERMOMELROS BAROMETRO HYGROM. COND Fahrenh. Centigr. Réaum. red. a 0° de tp. de Saussure. SIR AR eb a iat Oe a oe, at. 92,817. en eos: MATS: SF TBO ee Se my 72140 22,300: 17,840 752,862.) wee % as ey at Ged as ss epee ctl faieie acs 90,833 ef Bi abahet as ts «0 08 754,763 ae. Médias 741,422 24,901 17,524 753,755 91,742 366 REVISTA BRAZILEIRA. Dias de céo limpido 3, 4, 13, 17, 18, 25, 27, IR: ara ADE aie seers ee aniclipy 4 Dias de ceo nublado 5, 6, 8, 14, 14,19, 24, 26 Dias de céo encoberto 12, 15, 16, 22...... Dias nevoados sé de manhaa 6, 14, 18, 19, 28 Dias de chuva 1, 2,7, 9, 10, 20, 23, 94.... Alturas do pluviometro 3,25. 9,75. 4. 4. 5.2. Ee Ns eons cl als a eee Sie SI ea Dias de evaporacao 2, 3, 5, 6, 7, 8,14, 42, 13, 14, 15, 18, 19, 24, 23, 24, 25, 26, 27, 29,30 Alturas do evaporatometro 1,29. 8,75. 19,384. 99.34. 12,5. 9,34. 19,5. 9,59. 1,35. 9,5. 10,84. 44,25. 13,59. 41. 12,84. 3. 24,34. Es Os Be 1 Ee Oe eee BS, Dias de vento constante 1,8, 9, 141, 12, 15, Rumos dos ventos, SE.SSE. NO. Dias de vento variavel 10, 23, 25, 28...... Rumos dos ventos, NO. ONO. SSO. SE. SSE. Dias de terral e viracao 2, 3, 4, 5, 6, 7, 13, 14, PAS, 19, 20, S17 24) 96, 27539, JOk Temperaturas extraordinarias.. . Dezembro. HORAS THERMOMETROS BAROMETRO Fahrenh. Centigr. Kéaum. red. a 0° de tp. 8 73.144 22.858 18,286 he cas ee ne ae 753,322 hm \Dia 2,488 19,5 Ss to ht IDia 30, As 3 25,5 HYGROM. COND. dle Saussure. 93,347 ee es ee ee ee 2 er ea ee ae for, aA PU tes 4 Bekele ad OBSERVACOES METEOROLOGICAS. HORAS. THERMOMETROS BAROMETRO Fahrenh. Centigr. Réaum. red. a 0° de tp. 2 74,345. 23,525 °°18,820 1 Neier a ee 751,31 weil RIN Medias 73,726 23,181 18,545 752,166 ios de ceo limpido 5; 46; 29... ......-... Dias de céo nublado 4, 12, 13, 15, 18, 19, 20, A eras sautiiane a a ada « MORO, WO Dias de céo encoberto 6, 8, 14, 17, 22, 23, Dias de ar sempre nevoado 3, 27.......... Dias nevoados sO de manhaa 5, 6, 20, 28, 31. Mele (rovoada 16 Logs). .ica amid | a ++i) Dias de chuva 4, 2, 3, 7,9, 10, 11, 24, 26, 27, Alturas do pluviometro 4,34. 11. 8,5. 1,75. 3. eet 8.75. 0. 9,04. 46,543,205 0.5 0 ME. Dias de evaporacao 1, 4, 5, 6, 7,8, 10, 14, 12, 43; 44, 15; 16; 17,19, 20; 24,.22, 23,24, STII 0 elit a0 as Gn enn ee CR Alturas do evaporatometro 3. 5. 9,34. 2. 14. 7,84. 2,75. 14,25. 6,1. 6.17. 3.418,6. 2,75. 10. 8. 16,34. 13,34. 9. 12,6. 2,5. 18,4. 3,5. Dias de vento constante 4, 5, 8,9, 44, 15, 16, Rumo dos ventos, SE. SO. Dias de vento variavel 2, 7, 20,24........ Rumo dos ventos, SSE. SO. ESE. NO.ENE. OSO. Dias de terral e viracao 1, 3, 6, 7, 10, 12, 13, 44,418, 19, 24, 23, 25, 26, 28, 29, 30, 34. Temperaturas extraordinarias...... ht Dia 7, a 1 hm Dial, as 8 367 HYGROM. COND. De Saussure. eee fee 205,04 9 368 REVISTA BRAZILEIRA. 1860 — Janeiro. HORAS THERMOMETROS BAROMETRO Fahrenh. Centigr. 6) 74,257 23,476 18,784 EL Ry at gee ee tee ce 753,489 Bae seeped. Vi Stems s'. 32". 751,897 5 75,708 24,282 19,426 Medias 75,011 23,895 19,416 752,729 Dias de céo limpido 7, 8,9, 10, 11, 12, 13, 14, 415, 16, 31 Dias de céo nublado 17, 18, 20, 22, 23, 24, 27,29, 30 ’ Dias de céo encoberto 4, 2, 6, 19, 25 Dias nevoados sd de manhaa 7, 8, 9 Dia de trovoada 28 Dias de chuva 3, 4, 5, 21, 26, 28 Alturas do pluviometro 1. 0,25.1,75. 3. 6,75.4 Dias de evaporacao 4, 2,3, 4, 7, 9,10, 11, 12, 43,424, 17, 18°19, 20, 22; 23,25, 20, “27; 28,29: 30, 34 Alturas do evaporatometro 11,5. 9,7. 3,25. 22,8. 19,8. 8,5. 17,8. 6. 16,8. 8,75. 17,6. 15,5. 14,3. 8,25. 9,4. 8. 14,4. 12,75. 8,3. 4. 11,5. 10,8. 4,25. 29.4 Dias de vento constante 1, 3, 14, 17, 28.... Rumo dos ventos, SE. NO. Dias de vento variavel 2, 4, 5, 9, 19, 23, 25, a <6 fol 0, ea: 8.40) © a B. wlfe 6) 6 6 0 048 Oe Wirene 6 oe @ © 2 eee Ss eSin vw Ve Ble ee’ Ob: 0 fete Sais ol? (Oe 6 S10, bod) Spe G16 6. Be ie e as Dp Sus 6/00 e Sis 26 Re ee 2 2 bs @ p88 Rumo dos ventos, SE. SSE. NO. ONO. SSO. OSO. SO. HYGROM. COND. Réaum. red. a 0° de tp. de Saussure. 92,323 cr ee oe 10 OBSERVACOES METEOROLOGICAS. 369 Dias de terral e viragao 6, 7, 8, 10, 14, 12, 13, 15, bo AGo Sl OF 94.97.98. Shae. oni: 16 bm tn) Dia 4,4s410 24,75 ht Dia15,4s 6 26,75 Fevereiro. HORAS THERMOMETROS . BAROMETRO HYGROM. COND. Fahrenh. Centigr. Réaum. red. a 0° de tp. de Saussure. 6 74,095 23,386 18,709 er ead Be. Oh wh, iss. ee ctcin ania GOT MR citric 5 Caierlend o PQA s dihicstAieie 7285.4 24.000 > LRG6B2) Fi. 6ae ee ed Scr 5 Ay Gls Sinreiatee 4 teia's deen Er 90,707 SMM Eso SSA nl a wea Sant de PSA Aho. Sepa? Médias .75,603 24,224 419,379 751,333 91,872 Total Dias de céo limpido 10, 15, 16, 17, 20, 21, 27 y Dias de céo nublado 4,6, 9, 11, 14, 18, 19, 20 8 Dias de céo encoberto 2, 3, 7,22,29....... 5 Dias de ar sempre nevoado 13, 29........ 2 Dias nevoados so de manhiaa 6, 12,45, 16... 4 Dias de trovoada 7, 8, 12,49,23.......... 5 9 Dias de chuva 1, 5, 8, 12, 13, 23, 24, 25, 28. Alturas do pluviometro 42,75. 0,5. 1,75. 1.4,9. BMGT BBE 9, EP nce uiniiew ave os 44,60 Dias de evaporacao 1, 2, 3, 4,5, 7, 8, 9, 10, 41,412,413, 44, 16, 47, 18, 19, 20, 24, 22, NN Ti a wa is anelinys, ans Mi 22 Alturas do evaporatometro 3,3. 7,8. 12,3.3,3. — 44,3. 8,8. 5,3. 8,3. 14,8. 18,6. 7. 6,5. 10,6. 6,5. 19,3. 14,8. 4,8. 3,8. 2,8. 12,8.45,3.6,5 244.50 370 REVISTA BRAZILEIRA. Dias de vento constante 9, 15,18, 26....... 4 Rumo dos ventos, NO. SE. Dias de vento variavel 42, 13, 14, 20, 23, 24, Rumo dos ventos, NO. SSE. SE. SSO. SO. Dias de terral e viracao 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 40, 44, 16, 47, 19, 941, “22, 25,27, 28. ... 18 ht ° Dia 24,:4s 3 27,75 Temperaturas extraordinarias... . i Dia 26, as7 2455 Nos dias de chuva incluem-se aquelles em que sd choveu de noite. Os instrumentos estao 28,5 bracas (62,7 metros) acima do nivel do mar. Rio de Janeiro, 9 de Marco de 1860. O ajudante , Francisco Duarte Nunes. ee ee C2 @ abel ©, tae beet co? & 2h tp Pes) Pp 8 Beg cp eens VARIEDADES @s waivens da fortuna mas industrias. Parece que por prazer e por systema, ha cousa de meio seculo para ca, a industria nao faz senio lamentar-se. Entre as queixas, algumas ha, que sao fandadas, e outras que nao resistem ao exame mais superficial; en todas ha ceria exageragao, que sempre perde as melhores causas. Sem querermos entrar no exame minucioso dos aggravos da industria, vamos fazer algumas breves reflexdes acerca de um ponto especial desta questao. Nos soffrimentos de que sto acommettidas as vezes certas industrias , alguns resultam da ordem natural das cousas, e dependem de circumstancias que era facil prever. Sao inevitaveis vaivens da fortuna; 6 uma especie de ex- plagao, de que as viclimas nao podem lancar a culpa a nin- guem, porque sao ellas as unicas culpadas; 6 um periodo de languidez e torpor, que succede a excessos de actividade ; sao alguns prejuizos e perdas, depois de vantajosos lucros e consideraveis beneticios. Citemos alguns exemplos. . No tempo em que a guerra da Criméa exigia um grande desenvolvimento de transportes, foi preciso appellar para as 372 REVISTA BRAZILEIRA. companhias de navegacao, e para os armadores particulares. Todos os vasos, quer a vapor, quer de vela, ficaram a dispo- si¢ao do governo para o embarque de tropas e de material de guerra, e nem permittiam as circumstancias que se olhasse para 0 preco e condicdes de afretamento. Tudo servia; nunca igual actividade tinha-se visto nos portos da Frang¢a, e a in- dustria, com o fito nos grandes lucros, respondeu ao appello com todo o ardor e promptidac. Bello tempo foi esse para a marinha mercante e para as companhias que podiam dispor de alguns paquetes. Compraram-se navios estrangeiros , pozeram-se outros em construcgao nos estaleiros, com a esperanga de que esti vessem promptos e acabados anles que se esgolasse a veia. Tres ou quatro viagens bastavam para cobrir o capital em- pregado : as sociedades faziam taes lucros, que pode-se dizer que batiam moeda; as acgdes elevaram-se tres e qualro vezes ao valor da emissao, multiplicavam-se as accdes, e assim mes- mo nio chegavam para todos. Qual era, porém, a base de todo este movimento, e de tao grande actividade? Apenas uma circumstancia fortuita que tinha um periodo determinado, e que, cessando, deixaria sem causa todos esses effeitos: foi exactamente 0 que acon- teceu. Acabada a guerra, ainda durante alguns mezes continua- ram as operagdes, que nao estavam liquidadas; e quando o ultimo soldado e a ultima peca de artilharia entraram em Franca, acharam-se em presenca de um material sem des- tino, e fora de toda a proporeao com as necessidades ordi- narias. Muitos desses navios desarmaraii-se, e ficaram sem prestimo algum, porque la se tinham ido os bellos dias. Essas accdes , outr’ora tao procuradas, desceram de pre-o, foram abaixo do par, liveram desconto, e ainda assim nin- guem as queria. Entao houve o que nao podia deixar de haver: liquidagdes forgadas , e embaragos financeiros. Desse : Jie pe ee P _— — a — F. OS VAIVENS DA FORTUNA NAS INDUSTRIAS. ore tempo para ca muito tem custado 4 industria maritima a le- vantar-se, e restabelecer-se desse periodo de prosperidade , rapido como o relampago, e seguido de adversidade mais duradoura. A fortuna vinga-se das violencias que Ihe fazem ; pode-se até certo ponto sorprendél-a, mas nao se pdde fixal-a. Nada é mais proprio para enlorpecer as industrias, do que 03 successos que cllas obtém sem esforco; mais vale a luta nas suas mais rigorosas condi¢coes. KE na lucta que as indus- trias ganham uma tempera solida, ¢ mostram o que realmente sao: fora_disto, tudo 6 artificio ; ¢ ao primeiro choque, nao tendo foreas proprias para resistir, desfallecem ce morrem. Numa existencia mais sobria, adquirem as industrias forc¢as mais verdadeiras, ¢ menos susceptiveis de se allterarem, uma constitui¢ao mais saa, ec disposicdes viris; nos momentos de crise devem ellas ser 0s seus proprios medicos, e nao ator- mentarem 0 governo com queixas, a que por sua dignidade deveriam renunciar. A industria maritima nao grila, e nunca fez tnuito barulho ; sabe soffrer sem murmurar, e exemplarmente supporta os vaivens da fortuna. Deveriam as outras industrias imitar tio digno procedimento, e deixar-se desses ares de arrogancia e lurbulencia, e cuidar mais em sc aperfeicoarem, em contar comsigo mais do que com os outros, e empregar em desen- volver os seus recursos, toda essa actividade que se emprega em defender os seus privilegios ameacados. Entao marchariam em terreno solido, conquistado pollegada por pollegada, mais solida e definitivamente adquirido, que as poria ao abrigo das inquietacdes e dos embaracos da dependencia. Vamos a outro cxemplo. Ha alguns annos, a industria da distiilacao de espiritos e da agoardente pertencia quasi exclusivamente ao Meio-dia da Franga; as vinhas davam productos tio regulares e abun- dantes, que excluiam toda a concurrencia. Apenas fabri- caya-se no Norte alguma agoardente de cereaes por pro- R. Be IIL 25 374. REVISTA BRAZILEIRA. cessos inteiramente elementares e primilivos. De repente ap- parece um flagello que atacou a vinha ; os pregos da agoar- dente e dos alcoos elevaram-se a taes proporgdes, que disputaram e desafiaram a especulacio; e 60 que entao se passou todos sabem. Em todos os paizes productores de beterraba, estabelece- ram-se fabricas de distillar, e appareceram no mercado novas especies de alcool, a par da agoardente da uva; e foi tao crescido o numero dessas fabricas, que a produccao do as- sucar resenliu-se, diminuindo consideravelmente ; brilhan- tes lucros acompanhavam e justificavam todo esse movimento, tanto que a Picardia, Flandres e outras provincias, amea- cavam transformar-se uma vasta e immensa fabrica de dis- tillacdo. Foram indo assim as cousas, até que a vinha pdde tirar a desforra da epidemia que a atacara; e nao obstante ser a cura parcial, foi quanto bastou para causar a baixa dos precos , e 0 desmantelamento das fabricas de agoardente de beterraba, que nao se achavam nas melhores condicdes. O vaivem tornou-se evidente, eco enthusiasmo esfriou; e de enlao para ca a marcha dessa industria improvisada tem sido decrescente. E se agora conseguir-se a cura completa da molestia da vinha, se a agoardente do Sul vollar aos precos antigos, e se todas essas fabricas montadas com enormes despezas se fecharem ama auma, de quem sera a culpa? Neste caso nao havera o commodo expediente de langar a responsabilidade sobre 0 governo, e de pedir-lhe a reparacao de um damno, que os proprios fabricantes voluntariamente procuraram. A industria ficticia desapparecera com as causas que lhe deram o ser; um accidente a credra, outro accidente a matara. Havera uma liquidagio forcada, em que alguns poderao ganhar, e em que outros terao de perder. Na industria dos cereaes livemos um espectaculo analogo, porém com outro desfecho. OS VAIVENS DA FORTUNA NAS INDUSTRIAS. aiD De 1835 a 1857, quatro colheifas escassas puzeram a Franca na necessidade de recorrer aos productos estran- eeiros para se abastecer; Os precos nos mercados eram ver- dadeiros precos de fome; em taes circumstancias era mister tomar um partido. Conceden-se toda a especie de franqueza a importacio de generos alimenticios, e excitou-se a espe- culacio particular por meio de favores e recompensas. Por sua parte a agricultura, attrahida pelo lucro , multiplicou as sementeiras ¢ procurou supprir a penuria dos productos. Até aqui nada ha que dizer, e cada um preenchia a sua missao: 0 governo, conjurando os effeilos da escassez ; 0s lavradores, procerando tirar partido da situagao ; estes no seu interesse particular, 0 governo no interesse geral. Ninguem se podia queixar. No entretanto péz o Céo trégoas a seus rigores ; os campos principiaram a mostrar-se menos avaros, as colheitas torna- ram-se mais bellas ¢ abundantes, e os depositos e armazens comecaram a encher-se de novo. Era um dos vaivens da fortuna de que todos devem soffrer as consequencias. Nenhuma objeccio, nenhuma queixa tinha feitoo consumidor, quando os precos do mercado eram pesados e estavam acima de suas posses, e nem perguntava se nao seria possivel ganhar-se menos, para que o pobre nao soffresse tanto; o seu respeito pela liberdade das transaccdes abafava 0 grito da fome. Chega porém o movimento inverso ; porque razao nao ha de o productor guardar a mesma reserva ? Com que direito vira elie pedir soccorro para Os seus pre- juizos, quando ninguem se importou com os seus lucros ? Seria isso uma falta de justica, seria o mesmo que ter dous” pesos e duas medidas, e prevalecer-se da liberdade a seu favor e contra os outros. Pois foi isso exactamente o que se fez. Apenas haixou o preco dos cereaes, logo os officiosos levantaram a voz para declararem que o preco erainsufficiente, que nio era um preco 376 REVISTA BRAZILEIRA. remunerador; ¢ nao obstante os conselhos de alguns homens sensalos, pdz-se de novo em execugao a legislagao mais ab- surda que é possivel imaginar-se, e a que se da o nome de escala movel. Taes sao os exemplos dos vaivens da fortuna a que estao expostas as industrias; © 0 que se deve notar nesses casos ¢ a que ponto os privilegios aggravam as crises, e 0 trabalho e as difficuldades com que luctam as industrias para sahirem de um regimen de favor, e entrarem em condicdes rege- lares. O caracter proprio de todo o excesso é produzir 0 excesso contrario; portanto nao ha em todos estes exemplos cousa alguma que cause estranheza. As industrias tém todas mais 0u menos um caracter essen- cialmente aleatorio, que ao mesmo tempo que constitue a sua forca 60 seu principal escolho ; devem portanto deixal-as in- teiramente livres em seus actos, guardando porém ellas a responsabilidade que lhes ¢ inherente. Se ha verdade que precise e deva entrar e fixar-se na con- sciencia publica, ¢ que ao Estado ou ao governo nao pertence fazer a fortuna das industrias. O Estado s6 lhes deve, como a toda a communhio politica, seguranca, liberdade de movi- mento, o direito de usar de suas faculdades e de suas forgas , e nunca, e de modo algum, ser 0 seu arbitro e garante, Se o governo manifestasse por uma classe uma protecgao e uma solicitude especial, todas as outras classes poderiam com razao querer tambem ser protegidas; ¢ nio sei de que modo poderia 0 governo esquivar-se a essa obrigacao. No movimento da riqueza do paiz, o que se chama gene- ricamente industria tem em ultima analyse o melhor quinhao, e em nenhuma outra classe elevam-se em lao pouco tempo existencias mais brilhantes; deixemos-lhe, pois, em com- pensacao o seu caracter aleatorio, e os revezes que podem-lhe sobrevir como em todas as outras carreiras, Se no fosse assim, ry i" OS VAIVENS DA FORTUNA NAS INDUSTRIAS. 377 quem ¢ que $3 quereria resignar a essas funccdes ingratas,em que a dedicacao domina mais que o interesse, a esses cargos uteis 4 sociedade. e que quem os exerce sabe que volta as costas & fortuna ? Quem ¢ que se resignaria, por exemplo, 4 condi¢io que impode a vida do magistrado, do professor, ou do soldado ? Quem é que de boamente iria occupar-se de satisfazer as ne- cessidades moraes da sociedade , se as necessidades materiacs se tornassem objecto de uma preferencia manifesta e evidente da parte do Estado, ese este se apresentasse por assim dizer como o fiador de certas classes, prompto para soccorrél-as , todas as vezes que sofiressem algum revez? Nio; para quem tem a seu cargo os destinos de um povo, nao pode ser essa a preoccupacio mais legitima e mais momentosa. F mais ele- vada a missao dos que governam: devem elles dominar as cousas, e nao ser por ellas dominados; sobranceiros a todos os interesses, nao devem aquilatar a sua impor- fancia pelo alarido que fazem, nem pelas pretencdes que ostentam. Em geral as industrias nio gostam que se lhes dém con. selhos, porque pelo habito de dominar lém-se tornado allivas ; dir-Ihes-hemos entretanto, ¢ ainda que nao nos prestem ou- vidos, que o partido mais digno e mais honroso que poderiam fomar seria 0 de habituarem-se a viver sem o governo, e a caminharem para a independencia. Este regimen que aconselhamos nio tem os perigos de que se arreceia a industria, ¢ talvez produza mais vantagens do que se suppoe. Jai mostramos de que modo e como do seio do privilegio nasceram os revezes de que tanto tem custado as industrias levantar-se; ciliimos exemplos da industria do aleool de be- terraba e dos cereaes, e poderiamos lambem citar a industria do ferro, e muilas oulras; e em todos esses exemplos veria- mos que as industrias soffrem, quando abusam, e expiam 378 REVISTA BRAZILEIRA. por vaivens da fortuna, a prosperidade ephemera de que gozam. O remedio esta, pois, no regimen da liberdade, e com ella emancipar-se hao as industrias dessas inquietacdes periodicas, que lhes inflige a instabilidade da legislacao que hes diz res- peito, e entio obterao ellas o que favor algum pdde-lhes ga- rantir; isto é, a seguranga nas suas condicdes de existencia, a posse plena e completa do presente, e a certeza absoluta do futuro. As industrias nessas condicdes poderao dispdr de si, e so de si dependerao ; terao entio o legitimo orgulho que acom- panha as posicdes regulares; e gozando do socego e descanso, respeitarao tambem o descanso do governo. A actividade que empregam em recriminacdes sera mais bem empregada num trabalho regular e portiado, em que os successos serao proporcionados aos esforcos , e a recompensa ao merito. Por sem duvida, ainda assim terao de passar por provacoes ; mas é isso a condic¢io da actividade humana, de qualquer forma que se exerga, @ essas provacdes serao inherentes a natureza das cousas; além de que, numerosos exemplos mos- lram que essas provacdes nao sao tao frequentes nem tao crueis sob um regimen, que, respeitando os direitos de todos, assuine um caracter de duracao e permanencia. As feridas que nascem do exercicio da liberdade sao da- quellas que se curam por si, @ promplamente se cicatrizam. (Jornal dos Economistas.) M. 0. & QUADRO ESTATISTICO Da quantidade universal, e do valor do ouro, e da prala, produzidos desde os tempos historicos alé o anno de 1855. — Extrahido da obra do economista russo « Narcés Tarassenko-Olreschkoff. » TERMO MEDIO ANNUAL DA PRO- DUCGAO DO OURO E DA PRA- PAIZES PERIODOS TA NAS EPOCAS INDICADAS PRODUCTORES DE PRODUCCAO ; OURO Kilogrammos (4) PRATA Kilogrammos TOTAL Francos (2) {4° deJ. C. 21492) 106] 2905] 4056588 \e de 149221810) 965] 43985] 13002788 Puropa combre-}3° de 1810 a 1825, 2220] 84612] 26184012 Reet? & he de 1885 a 1848, 11737|117922| 65429624 "> “P53 de 1848 a 1851] 27392/149290|194606448 (6° de 1854 a 1853] 25931]149410]117210879 1° nao existe ica com-\2° de 1492a 1810) 75421389379]102729782 aishendendo 13° de 1810a 1825] 77921319215] 96980000 Pee etifornia, )°, de 1825 a 1848) 10787|568857|162490000 : [5° de 1848 a 1851] 61786 )755180)374112280 (6° de 1851 a 1855,156911)755180 691612280 (1° de J. €.a 1492) 3000; 6000} 11441708 o- 2° de 1492. 1810} 3000} 6000] 11441708 aa deni,’ \3" de 1810.2 1825, 6000] 12000) 22683446 Seg IE de 1825 a 1848] 12000) 40000] 48924932 5 6 \ 5° de 1848 a 1854 20000) 100000 88958056 ° de 1854 a 4855) 27000,110000 (114527820 ) Kilogrammo = 2,2 libras prox. (4 (2) Franco = 352 réis. 380 REVISTA BRAZILEIRA. DA PRO- DUCCAO DO OURO E DA PRA- TERMO MEDIO ANNUAL PAIZES PERTODOS TA NAS EPOGAS INDICADAS PRODUCTORES DE PRODUCGAO ; ig! OURO PRATA TOTAL Kilogrmmos Kilogammos Franeos f4° de J. C.a 4492} 1000) » 3331332 \2 de 1492241810! 1000} » 3331332 Africa. . . . . 23° de 18410.a 1825 2000) » 6662664 ja de 182521848! 3000' » | 10007648 5° de 184801851] 4000; » 13338980 \6° de 185404855} 4200) » 13980672 5° periodos nao existem 6° de 1854.a 41855}190570) =» 656300000 Se eae en LT Ce Australia . RESUMO. — Produccao geral e total desde a antiguidade até 1855; a saber : Ouro.—Quanlidade presumida até o tempo de J. C. 2,245,562 Kil. » » produzida dessa data até 1855—13,069,091 » Total 15,314,653 Kilogr., valendo em francos 50,882,324,020 Prata.—Quantidade presum. até o tempo de J _C, 63,630,128 Kil. » » prod. dessa data alé 1855—180,780,047 » Total 244,410,170Kilogr., évalendo em francos 54,802,590,172 TOTAL DO VALOR PRODUZIDO EM FRANCOS. 102,684, 914,192. Ohbzexrwagées. O importante trabalho executado pelo Sr. Narcés, cujos resu!— tados se acham comprehendidos no precedente quadro synoptico , offerece materia para delles se tirarem interessantes dedueedes ; e€ nds passamos a assignalar aquellas que mais podem interessar ao leitor. 1." Comparando o 2° periodo da produecio do ouro e da prata, VALOR DO OURO E DA PRATA. 381 na America, com o 6° periodo, a saber, o espaco de 318 annos com o de 4 annos, acha-se que o termo médio annual da referida pro- ducgiio foi no 6° periodo cerca de 7 vezes maior do que o termo médio annual da mesma _produceao no 2° periodo, no qual se com- prehendem todas as riquezas em ouro e prata que ahi encontraram accumuladas os Hespanhves na época da conquista (1492) 2.* Continuando a Australia a produzir ouro, segundo o termo médio annual que teve logar no periodo de 4 annos até 1855, a saber, 190,570 kiloorammos, no fim de 12 annos tera ella sé pro- duzido maior quantidade de ouro, do que a que existia em todo o _ mundo antes do nascimento de J.C., isto é, 2,245,562 kilooram— mos. > * . 3.° Comparando o numero de kilogrammos, que representa a j quantidade total do ouro produzido até o anno de 1855, com o nu- “mero que exprime a quantidade total da prata produzida até essa “Mesma época, acha-se a seguinte relacio numerica : ] para 15.9 Esta relag&o approxima-se por modo muito notavel daquella que exprime actualmente o valor comparativo do owro puro para o da prata pura, asaber : 15.3 para 1; isto é, «o valor de um kilogrammo de ouro equivaleao valor de 15.3 Kulogrammos de prata. » Se, pois, se considerarem os dous metaes, acima comparados , no seu estado de pureza , a primeira relactio achada entre as respec- tivas quantidades produzidas em bruto podera ser substituida pela Segunda , sendo invertidos os termos desta ; a saber: 1 para 15.3; isto G, sera relagio entre as quantidades produzidas de ouro, e de ata, inversa daquella que guardam entre si os valores compara- tivos dos dous metaes. _ Da conformidade dessas duas relacdes deduzem-se os resultados Seguintes : Re B. IU. 26 382 REVISTA BRAZILEIRA. I. Que a producgio do ouro, e da prata, ficou subordinada ao — principio economico da proporcionalidade do valor ao custo de pre= duegiio de cada um dos dous metaes , na hypothese da livre offerta, — eillimitada demanda, resultando dahi que as quantidades produ- — zidas de um, e de outro metal , representam igual valor ; indepen- _ dentemente das qualidades physicas que especialmente caracterisam cada um desses metaes, sob o ponto de vista da utilidade, nos va— riados empregos para que siio adaptados. II. Que a verificagiio desse mesmo facto 6 prova irrecusavel da exactidio dos elementos que compoem o interessante quadro elabo- rado pelo Sr. Narcés (quando tomados em massa), tanto quanto comportam as investigagdes estatisticas sobre semelhante materia , a qual niio é susceptivel de rigorosas averiguacdes. a C. Bi. 5 ‘ a ee 7 INDIO BOS ARTIGOS CONTIDOS NO N.° 8, EsTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. —Theoria dos Jogarithmos tabulares 2 5 applicada ao calculo numerico. — Composicao ¢ resolucao geral das equa ; cdes numericas. — Theoria das serics elementares d¢eduzida do Bunce dos coeflicientes indeterminadas , por C. B, de O.. ECONOMIA PoLiTIca. — Da instruccdo , considerada do ponto de vista eco- | nomico, com observacdes do Dr. Manoel de Oliveira Fausto. = ‘ LITTERATURA BRASILEIRA — por J. N. de S. S. LincuisticA, — Carta do Dr, C. L. sobre a utilidade do estudo da lingua latina, CANTOS EPICOS. — A Corda de fogo, por J. N. de S. S. PHYSIOLOGIA. — O somnambulismo natural e 0 hypnotismo. ASTRONOMIA, — Novo Planeta enue Mercurio e 0 Sol, por M. Emm. Liais, Wistorta, — A Estatua da ilha do Corvo, por J, CG, Fernandes Pinheiro. © ~ ‘| OBsERVAGOES METEOROLOGIGAS feitas no Imperial. Observatorio astronomico , E de Setembro de 1859 a Fevereiro de 1860. ‘+ VARIEDADES. — Os vaivens da fortuna nas industrias.— Quadro estatistion da quantidade universal e do valor do ouro e da prata produzidas desde os tempos historicos até o anno de 1855, com observacdes de C. B. O. REVISTA BRAZILEIRA JORNAL DE | | SCIENGIAS, LETTRAS E ARTES POR CANDIDO BAPTISTA DE OLIVEIRA Rumero 9. — Setembro de 1860 RIO DE JANEIRO | _ PYPOGRAPHIA UNIVERSAL DE LAEMMERT Rua dos Invalidos, 61 B vee a ERE ie: in aes Aina! ata cS aoe 4 | Vee 5 al ; = ae. = cree : : at ova ae > * iweedkyrtinl +6 ada? Libis baasstee af; Vawter iets. pak = a einen ae iie> an ae _ t¢f Byes! " tas ere aa ye Ve opty euti silts ac 7 gree ot ¥ isin y% = — 7 LU MW re P . *, 4 i #7 > *¢ es | ps ‘as > . i At An a («—h) —2h) —2h) = “Th an Oa ee. ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 387 E evidente, que fazendo nesta formula #1, vira a for- mula (3), visto haver-se supposto acima, que (v) representa um multiplo de (2), sendo por conseguinle numero inteiro, como é (s) na formula (3). A formula (3) @ apropriada especialmente para coutinuar a serie proposta indefinidamente, depois dos (7) primeiros lermos, cujas differengas sejam dadas , até a differenga cons: tante Aare E ou calculadas pela formula (4): podendo 1 ao mes'no tempo applicar-se 4 delerminacio de qualquer dos EY primeiros termos, dando a (s) o valor conveniente, desde 0 até s=n—1. S$ -Se, na formula (5), se considerar a quantidade (a) expri- mindo o mullip!o de uma fraccao de (h); fica evidente , que por essa formula se podera intercalar um, ou mais termos, entre dous quaesquer (y, ey. 41) da serie proposta, dan- x ; : doa @ valores fraccionarios comprehendidos entre B a fate Late i oF it A formula (5) dependera tambem da formula (4) para o cal seo in n— culo das differengas até a differenca constante [ A\ F | spage 1 nao forem estas achadas directamente. Se, na equacao (m), pondo resultareia para (y) respeclivamente os seguintes valores : Y=", YHfr, Y=Is, ClC., 388 REVISTA BRAZILEIRA. a equacao (n) , que em geral pode ser dada sob a forma se- seguinte (m') y==A+ Ba-+ Cx + @te., ficara satisfeita, fazendo | _ («#—a") ) (4— —a"™) xr—a') ( x—a'") (6) y= (a a") (a'— ay" Ws (aa) (aa) * Ys (_ a—a") ( «—a") + (@—@') @™ aly” Ys + etc. Com effeito, se nesta equacao se puzer (a') em logar de (x), desapparecerao todos os termos do segundo membro , excepto aquelle em que é factor (y,); e ter-se-ha \ eee Pondo semelhantemente (a") em logar de (x); vira Y = Fazendo a mesma substituicao por (a"*) ; vira Dando pois a (2) valores arbitrarios, comprehendidos entre y=0', 0 c=n", virao outros tantos valores para (y), comprehendidos entré YH OY SY = ee —s —e fs ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 389 A formula (6) ¢ portanto adaptada para intercalar os termos que se quizer entre dous quaesquer termos da serie Wis Irs ys, elc., uma vez que sejam conhecidos os valores dea’, a" a'", etc., que os determinam na equagao (1). Essa bella formula é devida 4 Lagrange ; e tem ella sobre a formula (5) a vantagem da maior generalidade, nao de- pendendo da condicao, a que esta esta subordinada, de variar o valor de (x) por differengas constantes, na equagao (m) , que determina os termos da serie. Se na formula (6) se suppuzer, que as quantidades (a', a" " ete., crescem por differencas constantes , ella se tornara identica a formula (5), como se vai mostrar. Seja a'=a'-+-h, a"=—a"+h=a'-+ 2h, etc.: desig- nando por Ha differenga variavel entre a quantidade (#7) e (a); ter-se-ha g—-a=H, o—a=2—a—h=H—h, c— a" =a —a' — 2h—= H— 2h, etc. Substituindo as expressdes precedentes na formula (6), e desenvolvendo a serie até o terceiro termo somente; vira Pha 2h) = H(H—h) Tito 8h aw mee __ H(H—h) (H—2A\( yy ‘i Ys h. 2h (H H—h H—2h Pela formula (41) tem-se p=ntAms CY¥s=N+2Ant AY 390 "REVISTA BRAZILEIRA. Substituidos estes valores de (y,) e de (y;) na precedente equacao ; vira, H—h "7 ym te ant EY ny, Fica portanto demonstrado , que levando o desenvolvi- mento do segundo membro desta equaedo além do terceiro termo da serie, se chegara a reproduzir a formula (5), com a unica differenca de designar-se naquella por (H) a ee que é nesta representada por (2). Da formula (3) se deduz com facilidade outra formula apropriada para determinar a somma dos (7) primeiros ter- mos da Serie Yi, Yr, Ys--- Yu, OU de (vw) lermos quaesquer , que forem dados, como se vai mostrar. Seja pedida a somma dos (n) primeiros termos da serie (A) wes ad“ hes te: Forme-se com estas quanlidades a serie seguinte, tomando zero para primeiro termo : (B) 0,a,a+b, a+b+c, a+b+c+d, a+b+c+td-+e, ete. Applicando a esta serie a formula (?) ou (4); ter-se-ha Ay=a—0 =a; por ser y,—0 Aire ee eee Sat Aine bese (43-0) 430 6 Ae —b —(b—a) = Ab — At=—A*a A‘yi =a +b+c+d—A(a+b+c) + 6 (a+b) —4a=d —2¢ + b—(c—2b+- a) = A’) — A’a=A'a Etc. ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 391 -Substituindo na formula (3) os valores precedentes dé (yr, Ayr, A’ys, A’ys, etc.) ; e designando por (S,) asomma dos (n) termos da serie proposta (4), a qual representa na serie (B) o termo da ordem (n-+-4); e€ mudando (s) em (n) ; ter-se-ha eat ce (8) S,—=na+n——fAa+n 3 Aa (n—1) (n—2) (n—3) ,,. , +n 3 3 i La + ete. Esta formula resolvera 0 problema proposto, sendo dado o numero (n) , e conhecidas as differencas Aa, A’a, L'a, etc., com o primeiro termo da serie (a). Passamos a exemplificar a applicagao das formulas (3) e (8) em algumas series numericas. 4° Exemplo.— Pede-se a somma dos (1) primeiros termos da serie dos numeros naturaes : Ter-se-ha , ee Primeiras differencgas 1 Segundas diflerengas (n—1) \ __2n +7 —n nee) S,=n1i +n a: 9 == 3 392 REVISTA BRAZILEIRA. 2° Exemplo.— Seja dada a serie dos quadrados dos nu- meros naturaes Bie Se nga A eo Olen cujo decimo termo seja pedido: e bem assim a somma dos dez primeiros termos. Ter-se-ha a Primeiras differencas 3 Segundas differenc¢as Terceiras differencas 0, 0 =1; An=3; A’yi=2; Ai’ =9; s=9 a=1; Aa=3; Ara=2; A*a =0; n=10 Substituindo estes valores respeclivamente nas formulas (3) e (8); vira ,. 98. ; Yo44 = 1+ 9.34 =~. 2= (10) aah Peale! LS Mle S 33 10 Se fosse pedida a somma dos (7) primeiros termos; ter- se- hia a 1) . oe 1) Sans (n+1) (2n-+1) 5 8-) See ae lids ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 393 3° Exemplo.— Pede-se o decimo termo da serie dos cubos dos numeros naturaes; e asomma dos dez primeiros termos. Ter-se-ha , procedendo como se praticara nos exemplos antecedentes W=1; An=7; Ayn=12; An=6; A'yi=0; s=9 a=1; Aa=7; A’a=12; A’a=6; A‘a=—0; n—10 9.8.7 Yoni! dee 12+ 5 .6= (10) 10.9 _ 10.9.8.. . 10.9:87 1p ere e028 Se fosse pedida asomma dos (n) primeiros termos; viria (n— (n—1) Samah ar) 49 an S, =n+n —— 5 7+7 (4) (WB) (93) (nad) _ fay. ted Al, ag oh Sa designando por (S',) a somma dos (n) primeiros termos da serie dos numeros naturaes : propriedade bem notavel, em virtude da qual sera (4°+-2°+-3°. .. +405) = (14-2+38... +10)? == (55)? = 3025. 394 -. . REVISTA BRAZILEIRA. Series tnfinitas. Chamam-se infinitas, na analyse algebrica, as series cujos termos procedem indefinidamente, de modo que qualquer delles € maior, ou menor do que o precedente, os quaes guardam entre si uma dada razdo, constante ou variavel : tomando a serie a denominacgao de crescen‘e no primeiro caso, e decrescente no segundo. As series cujos termos, em numero infinito, sao iguaes entre si, e affectos alternativamente dos signaes (++) e (—), chamam-se neutras. As series infinitas dividem-se tambem em convergentes, divergentes. K convergente a serie, na qual a somma de um numero finito dos seus termos decrescentes approxima-se tanto mais de uma quantidade finita, quanto for maior 0 numero de termos contemplados naquella somma: sendo a serie divergente, na hypothese contraria. Toda a serie infinita crescente @ necessariamente diver- gente. Ha tambem series infinitas, cujos termos comecam por convergir, divergindo depois, ¢ vice-versa: neste caso tomam essas series a denominacso de mixtas. Seja dada a serie infinita decrescente. 1 1 = oe = 5 a pm pars @w) S=a+ TV get ga tee t ele. ESTUDOS: DE ANALYSE MATHEMATICA. $95 Ponha-se 1 1 1 !- — — Paes S ih ae gm = 5 =F etc. representando por S'asomma dos termos impares da serie (w). Subtrahindo a segunda equacio da primeira, membro a membro; vira 1 1 1 —_ tee — — Ss Ss gm ois 4™ Fi 6" as etc. 1 1 1 A aaa a Meee et Gara 1 Cl Rye tT Ray fama Tt cela pron , sae ye + eae + ee.) { — ow S Ter-se-ha portanto 25.5 )— 5 Desta equagio se tira a proporcao seguinte : St S— S's Qed da qual resulta, compondo 396 REVISTA BRAZILEIRA. Representando (s—s') a somma de todos os termos pares da serie dada, este resultado se enunciara da maneira se- guinte : « A somma dos termos impares da serie infinita (w) esta para a somma dos termos pares, assim como a potencia (m) de 2, diminuida da unidade, esta para (4). » Este curioso resultado , que se encontra na Ars conjectandi de J. Bernoulli, é attribuido a Lorgna por Lacroix. Fazendo, naserie (w),m==3, m=2, m=-1; viragos seguintes resultados: (Gre S': $—S'3:7:4 (2) S'; S—S':: 3:4 (3) S': S—S'i34:4 Isto é: na serie formada de fraccdes, cujos denominadores sao OS numeros Naturaes elevados ao cCubo ; a somma dos ter- mos impares esta para asomma dos termos pares, assim como 7 esta para 1: sendo os denominadores quadrados, a pri- meira somma esta para a segunda, assim como 3 esta para 1: e finalmente, no caso de serem os denominadores simples numeros naturaes , sera a somma dos termos impares da serie rigorosamente igual 4 somma dos termos pares. A serie que corresponde a este ultimo resultado ae 4 1 1 (w') sees mile VE CAT A Mites tem o nome de serie harmonica, em razao do uso que della se faz na theoria dos sons. Cumpre aqui observar, que se pode chegar ao mesmo — a ee ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 397. resultado acima deduzido do theorema de Bernoulli, relati- vamente a serie (w'), procedendo do seguinte modo: 1 Aes x 1 1 A contradiccaio apparente que apresenta a iqualdade destas duas series, prolongadas ate o infinito, com a desiqualdade que guardam entre si quaesquer dous termos consecutivos da serie (w'), se desvanece , considerando o desenvolvimento in- definido desta serie do modo seguinte : Crescendo indefinidamente os denominadores das frac- coes, que formam os termos successivos da serie (w’), chegar- se-ha a dous termos contiguos, cuja differencga seja menor , do que qualquer quantidade assignavel, sem que por oulra parte sejam nullos esses mesmos termos : de modo que dahi em diante continuara a serie até o infinito, sendo formada de termos constantes, e iguaes entre si. Com effeito, tome-se a fraccdo algebrica i] -+C : atne mn et, Senda’, Uc. G), iF bg 398 REVISTA BRAZILEIRA. quantidades finitas , e (n) um coefficiente numerico que pode crescer indefinidamente. Fazendo nessa expressao no ; ter-se-ha a+ ne Cc b+ nd dt? BA hypothese acima fi- guradaem que se temc—d: donde se tira a+nc=b + nd Daqui se conclue que a somma de um numero infinito de termos da serie harmonica (w') nao pode ser representada por uma quantidade finita, que seja o limite do seu cresci- mento: e que por conseguinte é aquella serie divergente, nao obstante ser formada de termos decrescentes. Em differentes categorias devem ser consideradas todas as outras series comprehendidas na expressao geral (w). Porquanto as series , em que a potencia (m) é o quadrado , quarta potencia, etc. , sao susceptiveis de um limite represen- tado por uma dada fraceao do quadrado, etc., da quarta po- tencia da semicircumferencia do circulo do raio igual a unidade ; como se mostra no calculo infinitesimal. Fazendo, por exemplo, m2, na equacao (w) ; ter-se-ha nm I 1 1 1 et + Se OT ae ee 6 + or + ar + ae tart Todavia taes limites nao podem exprimir-se em numeros , senio approximadamente, em razao de dependerem da re- lacao do raio para a semicircumferencia, a qual é designada — a ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 399 na precedente equacao por (x) , quantidade que nao tem um valor numerico exacto, e é representada approximadamente pelo numero 3.44159, etc. Dada uma serie infinita, e decrescente, procure-se a expres- sao geral de qualquer dos seus termos ; deduzindo dahia ex- pressao do anterior. O primeiro termo, dividido pelo segundo , dara a razao de uma progressao geometrica decrescente, cujo primeiro termo é aquelle termo daserie tomado para divisor do immediatamente menor, e 0 ultimo termo zero. Se, pois, conhecida assim a expressao geral da razao entre dous termos contiguos da serie, se reduzir ella a zero, quando considerada no infinito, se concluira dahi que a serie proposta é convergente. Nesta hypothese , tomado um termo qualquer da serie para primeiro termo da progressio geometrica, e calculada a razao da progressao como se disse acima, achar-se-ha a somma dos termos da mesma progressio pela formula sabida; e essa somma sera 0 limite maximo do resto da serie, em relacao aos termos que precedem o primeiro da progressao. Por este modo se julgara tambem da maior, ou menor con- vergencia da serie proposta: e cumpre advertir, que este processo € somente applicavel as series, cujos termos sao to- dos positivos , ou todos negativos. Nos casos em que for praticavel este methodo de investi- gacao , podera acontecer, que o valor da expressao geral da razio entre dous termos consecutivos da serie, quando con- siderada no infinito, se apresente sob a forma indeterminada ({), ou igual a unidade. De um, on outro desies resultados nao se concluira, que a serie de que se trata é convergente, ou divergente : e convira recorrer a outros meios para resolver essa ambiguidade , como abaixo se vera. Applicando o processo indicado as series que sio compre- R. B, III, 27 400 - REVISTA BRAZILEIRA. hendidas na forma geral (w), ter-se-ha para ex pressio da razao entre dous quaesquer termos da serie n—i m 1 m - a) = (1 ——) = 1, quando for - n n n= Este resultado comprehende tanto a serie harmonica (w’) , que ja havemos mostrado por outra maneira nio ser conver- gente, e tambem todas as outras series, que acima dissemos terem limites expressos em funccoes circulares, entrando por conseguinte na categoria das series convergentes. Na serie logarithmica fundamental a—1 (a—1) a—1i)* a—1)* (P) log.a=-log. ¢ (t(D 4 f - niga ; ) ete: fazendo a=—O; vira log. O==lo (1+5 A jo Rag ayo hist eR AE ba RO yw Em qualquer systema de logarithmos tem-se log. O= — Se, pois, nio fora ja sabido, pela doutrina precedente , quea serie, comprehendida na expressao aualytica de (log. 0), é divergente , este resultado, deduzido da theoria dos loga- rithmos, 0 faria conhecer. ~ ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 401 Fazendo na mesma formula (p) Q==2: vira F y 1 1 | log 2=log.e(1 > ee + 5 = ry + 5 —ete.) A serie que entra no segundo membro desta equacao péde transformar-se na seguinte prem iy { kei (q) 3 8 ag th le atta ag tee) Pelas consideracdes feitas anteriormenle sobre o desen- volvyimento da serie harmonica (w'), se mostra facilmente, que a serie (q), cujos ternTos exprinem as differencas dos fermos conseculivos daquella, decrescer. indefinidamente até um termo que sera rigorosamente zero, sem que os dous correspondentes na oulra serie sejam nullos: entrando por conseguinte na categoria das series convergentes. Para descobrir porém a convergencia dessa serie pelo pro- cesso acima indicado, notar-se-ha, que sendo a serie (q equivalente & metade da serie, que se compoe dos termos impares da seguinte (r) “ahaa et ote. 3 Teas dis ge rat i 28 cujos termos té-n por denominadores os numeros conhecidos pelo nome de friangulures, na classe dos que se chamam figu- rados ; bastaraé mostrar que esta serie pertence a categoria das convergentes. 402 REVISTA BRAZILEIRA. Se exprimir-se um termo qualquer da serie {7) por 1 : Bass oO que o precede sera expresso por ,: sendo por n—n conseguinte a expressao geral da razao entre deus quaesquer termos da serie Crescendo (n') indefinidamente, 4 medida que (n) cresce , como é facil de verificar na serie (7), ter-se-ha no infinito n—n': e por conseguinte n—n' n =—1—1=0 E portanto convergente a serie (r); e por conseguinte tam- bem a serie (q), que faz parte integrante della. A somma do numero infinilo de termos, que formam o desenvolvimento da serie (7), pode ser achada mui facil- mente, do modo seguinte : Representando por (S) essa somma ; ter-se-ha as=2+2(5+ =)+ 2 (a+ aye 9 ere + ete. 15 1 1 1 1 3+ @t io tit ct =2-+ 5S: e por conseguinte S=ae2 Designando por (wu) a somma dos termos impares da serie ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 408 (r); e por (v') a somma dos termos (pares) : .ter-se-hao as ' e a - duas equacdes seguintes : u ’ 2—=u-+u'. log. 2—= a log.e: Monde se tira r— log. e log. e log.e log. ¢ Ter-se-ha portanto a seguinte propor¢ao : u: u' 33 log. 2: log.— 2: 1: 0.4495 prox. ; ki 3 propriedade analoga 4 do theorema de Bernoulli; d’onde se deduz u=1.3865, wu! =0.6135. A theoria das series infinitas tem por objecto representar por uma expressao geral qualquer termo de uma serie equi- valente a uma funccao dada: ou determinar a somina dos termos de uma serie dada, em numero finito, ou illimi- tado. Foi Archimedes 0 primeiro geometra, que deu a conhecer esse poderoso instrumento da analyse mathematica , quando achou, pela sommagio de uma serie infinita , a quadratura da parabola. E, cousa bem notavel! so em meiado do se- culo xvit, cerca de 2 mil annos depois de Archimedes, come- caram os geometras modernos a dar a esse objecto a devida allencao. Dous geometras inglezes , Wallis e Gregory, foram 0s pri- meiros a revelar com os seus importantissimos trabalhos 4O4 REVISTA BRAZILEIRA. a riqueza dessa nina, que depois delles fora profundamente lavrada por Leibnitz, e muitos outros geometras, entre os quaes figuram, com notavel distincedo , os dous irmaos Ber- noullis (Jacques , e Joao). Sao mui variados os methodos que hoje se conhecem > destinados 4 sommacao das series infinitas , segundo varia a forma destas: nao fallando do desenvolvimento das series > de que ja tratamos anteriormente. Daremos aqui, como specimen desses engenhosos processos analyticos , uma das formulas devidas a Jacques Bernoulli, a qual é applicavel as series menos compostas. Seja dada uma serie , cujo termo geral se represente pela fraceao Ee e outra cujo termo geral seja a ie n n+ q Subtrahindo da primeira fraccao a segunda; ter-se-ha Lg! (Le P nintq) on tq. donde se tira Peart uae —(4— _—_ n (n+ q) q\n n-+-q O primeiro membro desta equacao pode ser considerado como a expressao do term geral de uma terceira serie , formada com os elementos das duas series dadas : e ter-se-ha (s) sb _ = —(zt—= Pp ~ n(n-+q) he ee ~n+q A caracteristica = indica, no primeiro membro desta equa- ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 4O5 cao, asommia de todos os termos da serie, cujo termo geral é ae Bihev n(n-+q) cujo termo geral é (= ‘ e da que tem por termo geral ee dando-se a (n) os valores que comportar, desde n=1, alé n= . Se porém se considerar (n) variando até um valor finito, serao as referidas sommas parciaes, relativamente as tres differenles series. ; € no segundo membro sommas analogas, da serie 1.° Seja dada a serie infinita cuja somma total é pedida; ter-se-ha a=, ¢—2; n=, S.5:, Cit: Formando com estes elementos as duas series parciaes , indicadas no segundo membro da formula (s); vira 1 ahi te : ni at. .. ele. ==1; © por conseguinte 1 1 1 ee p 4 asomma dos termos da serie composta os a : . n(n-+q) 2 somma pedida. 406 REVISTA BRAZILEIRA. Se fosse pedida a somma da serie, alé o numero (n') dos seus termos; ter-se-hia Gem ere 1 1 Qn pce yy lisse a me Gt’ © hapa T ae na) Greate 1 1 agentes or arme eee * por conseguinte 1 = P SS n n(ntq) 2n'+4 2.° Seja pedida a somma da serie J rl 1 r Fae. bp Ces Ter-se-ha p= dyog==2, nee, 4; 6 etc. 1 1 1 4 ae —--+ “er elo. = gq Ne pOE conseguinte a o* somma edida Cre mi Se forem reunidas em uma so as duaseseries infinitas dos precedentes exemplos ; ter-se-ha yf Esta theoria do valor nao é completa, mas basta para o fim que tinha 0 autor em vista: Smith ainda reproduz depois a mesma idéa na distincgao entre o preco natural e o prego do mercado, @ a este respeito desenvolve elle uma das mais lu- minosas formulas da economia politica; a formula da offerta e da procura (command and supply). Apressemo-nos porém em sahir desta metaphysica econo- mica, que nao tem hoje a mesma importancia que tinha na origem da sciencia, € vamos as applicacdes positivas. Smith distingue no preco das cousas tres partes : uma que serve para remunerar 0 trabalho propriamente dito do ope- rario, e que elle denomina — salario do trabalho (wages of labour) ; outra que serve para pagar os instrumentos de tra- hbalho, e que elle denomina — lucros do capital (profits of stock); e a ultima que serve, pelo menos na maior parte das mercadorias, para pagar o aluguel da terra, e que elle chama hh REVISTA BRAZILEIRA. —renda da terra (rent of land). E por estes tres caminhos que 0 preco se distribue por entre os differentes membros da sociedade: salario, lucro e renda, eis as fontes de todo o rendimento, bem como de todo o valor permutavel. Tratando separadamente do salario e dos lucros, menciona Smith 0 duplo facto que se da em todo o paiz que se enri- quece; a saber: os salarios vao subindo por effeito da de- manda crescente de trabalho, e os lucros dos capitaes vao baixando em virtude da multiplicacio, e por conseguinte da offerta crescente dos capitaes. Smith mostra depois como, tanto os salarios como Os ¢a- pilaes, esto sujeilos a desigualdades naturaes, por effeito da maior ou menor difficuldade de trabalho, do maior ou menor risco, etc. Cada uma destas consideracgdes da logar a interessantes desenyolvimentos ; mas todas ellas desapparecem perante esta consideracato suprema que as termina: Das desiqual- dades causadas nos salarios e nos lucros pela politica geral da Europa. E com effeito aqui que se apresenta em face dos antigos privilegios 0 que se pode chamar o principio dos prin- cipios — a liberdade do trabalho. « A mais sagrada ea mais inviolavel das propriedades , diz Smith, @ado trabalho, porque é a Causa originaria, e a fonte de todas as outras. O patrimonio do pobre esta na sua forgae na habilidade de suas maos; impedil-o portanto de empregar a sua forga e habilidade da maneira que elle julgar mais conveniente, é uma violacio manifesta dessa propriedade primitiva. E uma usurpacao clamorosa da liberdade legitima , tanto do operario, como daquelles que estariam dispostos a dar-lhe trabalho ; 6 impedir a um, de trabalhar no que elle julga mais lucrativo, a outro, de empregar quem lhe parecer. « A solicilude que affecta o legislador para prevenir que se empreguem pessoas incapazes, é tao absurda como op- pressiva, » ECONOMIA POLITICA. 425 Nesta passagem de Smith reconhecem-se , Nao sO os prin- cipios, mas até quasi 0s proprios termos do celebre edicto de Turgot, publicado mezes antes : « Deus, dizia elle , dando ao homem necessidades , e fa- zendo para elle indispensavel 0 recurso do trabalho , fez do direito de trabalhar a propriedade de todo 0 homem; e esta propriedade é a primeira, a mais sagrada, @ a mais impres” criptivel de todas. » Eis em toda a sua simplicidade a phrase que mudou 0 mundo, e que ainda hoje o esta transformando. Diante desse principio cahiram as antigas corporacoes: as alfandegas internas, 0S monopolios excessivos; e diante delle hao de desapparecer ainda todos os outros obstaculos que se oppoem 4 emancipacao do trabalho. Diante desse principio recuam a miseria, a ignorancia, 0 vicio e 0 crime; porque, diga-se 0 que sé disser, 0 mundo vai melhorando, tanto na ordem material, como na ordem moral. A delicada questao da renda da terra nao foi tao bem elu- cidada por Smith, e foi talvez a sua definicao que fez toda a confusao desta materia. Smith, bem como Ricardo e todos os economistas inglezes, dao A renda a signilicagao de premio que se paga ao proprie- tario (landlord), pelo goz0 do poder productivo inherente a terra; mas nao é esse 0 unico sentido que 0 uso daa palavra renda. Entende-se ordinariamente por esta palavra, e@ neste sentido tambem a emprega Smith, toda e qualquer especie de retribuigao paga ao proprietario pelo usufructo, quer da terra propriamente dita, quer dos capitaes incorporados a terra, como os cercados , construcgoes , edificios , caminhos, derrubadas , etc. Smith teve consciencia desta confusao , mas nao tratou de desfazel-a. Ohabil autor da Riqueza das nagoes teria pou- pado muitas torturas a seus successores , © alguns desvios a 426 REVISTA BRAZILEIRA. sciencia, se, insistindo mais nesta idea, tivesse adoptado pa- lavras differentes , para exprimir cousas tambem differentes. Rigorosamente seriam precisas tres; porque a palavra ge- nerica renda devia ser empregada segundo 0 uso universal para designar a retribuicdo que se paga ao proprietario: de- pois, esta nocao deveria subdividir-se em duas—a retri- buicao que se paga pelo uso da faculdade productiva nataral, e inherente a terra (1), e aretribuicao que se paga pelo uso dos melhoramentos incorporados: uma poderia chamar-se renda natural ou gratuita, e outra renda adquirida ou capi- talisada. A primeira das duas recta e desapparece com 0 tempo, e acaba quasi sempre por absorver-se e fundir-se na segunda. O uso e emprego de uma so palavra para estas tres significacdes levou alguns espiritos exaltados a monstruosos erros, e entre outros a negagao mais ou menos formal do direito de propriedade. Esta observacio nao é a unica que suscila esta parte da obra de Adao Smith. O principal defeito deste precioso livro, eo que torna a sua leitura difficil para quem nao tiver uma altencao firme e perseverante , é a extensao das digressdes, (1) Sobre as funestas consequencias que podem resultar da doutrina de Smith da maior parte dos economistas , acerca da renda da terra, veja-se a bella obra de Bastiat — Iarmonies économiques —, e especialmente os capitulos 5°, 9° e 43, O Sr. L. de Lavergne, censurando, e com razao,a doutrina de Smith, cahio no mesmo erro, porque diz que a renda « é a retribuicdo que se paga pelo uso da faculdade productiva , inherente ao solo. » Se assim fora, justificado ficaria 0 famoso Proudhon, quando fez esta terrive interrogacao , seguida, como diz Bastiat , de affirmacao ainda mais terrivel : « Quem é que tem direito 4 renda da terra? Sem duvida o productor da terra. Ora, quem fez a terra? Deus. Nestle caso, retira-te, proprictario. » A verdade & que nao se paga cousa alguma pela ulilidade ou fecundidade do solo; 0 que se paga é 0 trabalho do homem ou da sociedade , numa palavra o valor, e nao a utilidade que é sempre gratuila. M, 0. F. ECONOMIA POLITICA. 4Q7 Por occasiio do estudo sobre a renda da terra, materia ja bastante ardua em si, entra Smith de repente, esem que se possa 4 primeira vista descobrir a ligacao das idéas, numa dissertagao sem fim sobre as variagdes da prata (silver), a partir do seculo xy. Esta discussio historica abunda, como tudo quanto es- creveu Smith, em investigacdes curiosas e em vistas pro- fundas ; mas nao guarda a devida proporgao com a extensao total do primeiro, de que forma ella a terea parte pouco mais ou menos. O assumpto merecia uma obra 4 parte, porque ha poucos pontos mais obscuros na sciencia, ainda hoje que tantos trabalhos importantes tém tentado elucidal-o. Nao obstante, porém, estes defeitos de ordem e de me- thodo, é o primeirolivro da Riqueza das nacoes 0 magnifico portico de um magnifico monumento. Ja a economia politica, pode-se dizer, que ahi esta com- pleta; os successores de Adao Smith poderao ter mais ordem e methodo na sua exposicao, elucidar melhor alguus pontos obscuros, desenvolver com mais minuciosidade algumas ap- plicagdes da sciencia , mas em nada poderao mudar as bases, que Smith estabeleceu de accordo com Turgot. I, O segundo livro ¢ consagrado a0s capilaes. Para exprimir aidéa que se liga 4 palavra —capital—, Adao Smith serve-se de dous termos: stock e capital. Stock 6 uma palavra ingleza que significa toda a especie de abastecimento e provisoes, quer sejam destinadas para 0 con- sumo, quer para servir de instrumentos de producgao ; ca- pital é palavra que designa a parte do stock que serve para a produccao, 428 REVISTA BRAZILEIRA. Depois desta primeira distinccao entre o fundo de consumo e o fundo de produccao de um paiz, Smith estabelece outra da mesma, se nao de maior importancia, entre os capitaes fixos e os capitaes circulantes. Quantas nacdes, e quantos particulares nao se tém perdido por nao terem comprehendido estas simples differencas entre o fundo de consumo e o fundo de produccao , entre o capital fixo e o capital circulante , e por terem sacrificado um ao outro (1)? A nocao do capital conduz naturalmente a theoria da cir- culacao (currency). O dinheiro (monay) é, segundo a feliz expressao de Smith, a grande roda da circulagao , @ & esse 0 seu verdadeiro officio. Por intermedio do dinheiro podem os capitaes passar ra- pidamente de mao em mao, e multiplicar a sua forca pro- ductiva, tanto pela quantidade como pelo movimento. Quando este movimento se accelera, podem o ouro e a prata ser até certo grau substituidos pelo papel, e a circulacao se estabelece entao sobre uma segunda roda que custa muito menos a fabricar e a suslentar do que a primeira. De que modo, porém, e com que condicoes sera possivel esta substiluicao? Aqui expde admiravelmente o autor a theoria dos bancos em geral, e dos bancos da Escossia em particular; e esta parte da obra de Smith é com razao uma das mais celebres , e quem accusar a economia politica de imprudente e aventurosa, basta lél-a para desenganar-se. Uma viva polemica suscilou-se entre os economistas acerca (1) Grande parte das difficuldades com que luta actualmente 0 nosso paiz , e da crise que esta atravessando, deve ser lancada 4 conta da ignorancia desta doutrina fandamental, uma das de maior aleance pratico. A meu yer, nenhum escriptor tem melhor elucidado esta materia do que \Wilson, na sua obra — Ca- pital, currency and banking. M. O, F. ECONOMIA POLITICA. 429 de outra distincc&io que faz Smith entre o trabalho productivo e o trabalho improductivo. Segundo Smith, so é trabalho productivo aquelle que, in- corporando-se ds cousas, da-lhes maior valor, como o tra- balho do lavrador e do operario; todos aquelles cujo trabalho nada augmenta ao valor dos objectos materiaes , como os homens de sciencia, os medicos, os administradores, os mi- litares, os legistas, sao trabalhadores improductivos. O rigor desta linguagem offendeu os mais respeitosos dis- cipulos do illustre mestre, e J. B. Say esforcou-se por evitar 0 mesmo escolho por uma nova classificacio dos productos materiaes e immateriaes ; Classificacao que o Sr. Dunoyer posteriormente adoptou, modificando-a e precisando-a me- lhor (1). Adao Smith foi de certo longe de mais, empregando estes termos; mas para rectificar o absoluto de sua linguagem nao nos parece necessario mudar a significacao da palavra producto , applicando-a a objectos nao materiaes; basta ad- mitlir-se, 0 que 6 exacto, que as artes que actuam sobre as pessoas podem contribuir para a produccao , como as que actuam sobre as cousas, com a differenca, porém, que sd as ultimas é que cream productos, e as primeiras servem para formar os productores. Deste modo permanece intacta a especialidade da sciencia economica, relativamente aos outros ramos das sciencias mo- raes € polilicas; e os trabalhos immateriaes nio entram no seu dominio senao emquanto se realisam, directa ou indi- reclamente, em productos materiaes uteis. Quanto 4 distinccio em si, ¢ ella fundamental, como todas (1) A theoria de Bastiat sobre a mutualidade dos servicos parece remover - as difliculdades que , nao obstante os escriptos do Sr. Dunoyer , ainda suscita esta parte da sciencia, M, O, EF. . 430 REVISTA BRAZILEIRA. as de Smith; e nao ha verdadeiramente trabalho produc- tivo, do ponto de vista economico, senao o que créa utili- dade. O que importa aqui, e 0 que queria o autor da Riqueza das nacodes , € bem estabelecer a existencia de occupacoes total- mente improductivas, afim de assignalar, ¢ de evitar quanto for possivel os parasitas} de toda a casta que vivem a custa do trabalho e do capital alheio ; 0 mal consiste em applicar a uma ordem e categoria inteira de funccdes 0 que sd se deve applicar ao abuso. O proprio J. B. Say, que em parte recti- ficou esta confusao , tambema commetteu e até aggravou-a , qnando admittiu que os productos immateriaes , como elle chama, se dissipam e desapparecem, a medida que sao creados , e nao fazem parte do capital accumulado da socie- dade. O Sr. Dunoyer foi o unico que elucidou completamente este ponto. Nao sd 0 juiz, o soldado, o medico, 0 advogado, 0 sacerdote eo sabio, contribiem para a produccao material quando fazem bem o seu dever, favorecendo a seguranc¢a, a propriedade, a saude, a moralidade, e a habilidade dos pro- (dluctores; mas tambem os fructos do seu trabalho nio des- apparecem, 4 medida que se cream, e constiluem por sua accumulacao um capital particular, que é o capital intellectual e moral da sociedade. Este capital, longe de ser 0 menos util, exerce sobre a produccao uma influencia mais poderosa que o capital ma- terial; e se num cataclysma fosse preciso escolher 0 que se pudesse salvar para assegurar 0 prompto restabelecimento da produceao , os depositarios das luzes deveriam ter o primeiro _logar, porque o espirito, armado das conquistas seculares da civilisacao , mais depressa conquistaria de novo sua ac¢gao e superioridade sobre a materia, do que a materia mesmo a mais rica poderia suscilar o fecundo poder do espirito. Quando se remonta 4 origem da produccao, encontra-se a ECONOMIA POLITICA, 431 intelligencia humana; e este facto esta subentendido na theoria do trabalho de Smith, mas nao o exprimiu elle com a clareza necessaria. Depois destas premissas, nao ha difficuldade em claramente definir-se 0 que se passa no emprestimo a juro. Os homens os mais eminentes daquelle seculo, como Locke e Montes- quieu, tinham commettido o erro de suppérem que 0 aug- mento da quantidade do ouro e da prata, proveniente do descobrimento das Indias, tinha sido a causa de baixar na Europa a taxa do juro; Smith demonstra que nao é a maior ou menor quantidade de moeda, e sim a maior ou menor porcao de instrumentos de trabalho e de productos obtidos com esses instrumentos, que faz augmentar ou diminuir 0 juro. Esta demonstracao responde aos escrupulos dos casuistas que repelliam o emprestimo a juro, fundados em que o dinheiro por sisO nada produz; e pela theoria de Smith nao éo di- nheiro que produz, é o capital que se obtem com o dinheiro. Vé-se despontar neste capitulo a doutrina que mais tarde teve de ser desenvolvida por Bentham, da legitimidade do juro convencional. Passando as differentes maneiras de empregar os capitaes, Smith distingue quatro, que sao: a agricullura, as manu- facturas, 0 commercio em grosso, e 0 commercio de retalho. Cada um destes quatro modos de empregar um capital lhe parece essencialmente necessario , tanto para a extensao dos outros, como para a commodidade geral da sociedade: o que elle prefere, porém, como mais vantajoso, é@ a agri- cultura, porque nenhum capital, ceteris paribus , poe em aclividade mais trabalho productivo que o dos lavradores. Smith consagra quasi todo o quarto livro de sua obra ao exame minucioso do systema conhecido pelo nome de sys- tema mercantil, e verdadeiramente a obra toda nao tem outro fim, porque o systema mercantil resume em si todos OS erros que a economia, politica vinha combater. R. B. Ill, 29 432 REVISTA BRAZILEIRA. Sendo a causa do systema mercantil a eterna confusio entre dinheiro e riqueza , Smith comeca por demonstrar que uma nacao pdde ser pobre com muito dinheiro, e rica com pouco dinheiro; e depois examina os expedientes empregados para attrahir a cada paiz a maior porcao possivel de dinheiro 4 custa dos seus vizinhos, e que consistiam em diminuir por todos os meios a importacio de mercadorias estrangeiras para 0 consumo, ea favorecer a exportacao dos productos da in- dustria nacional ; era isto que se chamava por a balanca do commercio a seu favor. Comprar pouco, vender muito, e saldar a differenca em dinheiro, era o ideal que procurayam, tanto os governos como os particulares ; e para realisal-o recorriam a toda a sorte de leis e regulamentos , que ainda hoje nao desappareceram inteiramente da maior parte das legislacoes. Os argumentos de Smith contra semelhante systema tém sido tantas vezes reproduzidos, que desnecessario se torna apresental-os aqui. Depois de combater e refular 0 systema mercantil, consagra Smith um capitulo especial ao exame da doutrina dos econo- mistas francezes, a que chama systema agricola, por oppo- si¢ao ao outro. Na realidade as idéas dos physiocratas nao differiam muito das suas: mas os escriptores francezes sao em geral mais claros e mais brilhantes que os escriptores inglezes; e como tém, por assim dizer, os defeitos proprios das suas qua- lidades, cahem facilmente na exageracao systematica. A escola de Quesnay queria, como Adao Smith , combater a escola mercantil, e substituir-lhe a liberdade do trabalho; via ella tambem que a agricultura era a primeira das indus- trias, e que a nocao falsa de riqueza é que a tinha rebaixado ao ultimo logar, mas nao se contentou com isto; e exage- rando uma opiniao exacta chegou a sustentar que 0 trabalho agricola era 0 unico productivo, o unico que augmentava ECONOMIA POLITICA. 433 alguma cousa a riqueza da sociedade. Facilmente refutou Smith esta exageracio, demonstrando que a industria e o commercio produzem tanto como a agricultura. Nesta discussio , porém, usa Smith de um tom affectuoso € mesmo respeitoso, muito differente da vivacidade com que julga o systema opposto. Conhecéra elle os principaes phy- siocratas na viagem que fizera a Pariz, e muito linha apro- veitado com o trato e escriptos delles, a ponto de dizer que, Se Quesnay ainda vivesse em 1776, ter-Ihe-hia elle dedicado a sua obra. Depois das violencias dos tempos barbaros, e das prohi- bigdes da escola mercantil, ainda ha para OS governos um meio de perturbar a ordem estabelecida por Deus para o desenvolvimento da riqueza: esse meio é 0 imposto. Pago por todos, deve o imposto ser gasto em proveito de todos; se nao, torna-se um poderoso instrumento de espo- liagao dos fracos pelos fortes; desvia os capitaes dos empregos uteis, que elles naturalmente procurariam, para perdél-os em empregos improductivos. Sd falta, pois, a Smith, para finalisar a sua obra, determinar em que casos as despezas publicas sio legitimas, e em que casos deixam de sél-o. O quinto e ultimo livro trata deste objecto, que foi sempre a pedra de escandalo entre os economistas e 0s governos. Smith divide-o em tres partes: a primeira, occupa-se das despezas que devem ser feitas pelo Estado ; a segunda, dos melhores systemas de impostos ; a terceira, das dividas pu- blicas. O philosopho escossez nio admitte verdadeiramente senao duas especies de despezas , que devam ser confiadas ao Es- lado: as que exige a defesa do territorio, e as que servem Para sustentar a dignidade e o prestigio do soberano; se bem que ao exclua elle absolutamente a intervencao do Estado nas despezas que exigem a administragio da justica, o culto, a instrucgio publica e as obras publicas, 434A REVISTA BRAZILEIRA- IV. Taes eram os problemas que occupavam ha cem annos, no fundo de uma pobre aldeia de pescadores, as meditacdes de um professor de philosophia moral. De entiao para ca, a dou- trina do solitario pensador caminhou pelo mundo; e por toda a parte em que foi applicada, mesmo imperfeitamente , logo appareceu uma prosperidade até entao nunca vista. Sua terra natal foi sem duvida a que colheu melhores fructos; mas o resto do mundo vai-se aproveitando tambem pouco a pouco. KE essa doutrina que faz nascer e prosperar nacdes novas nos confins da terra, e que impelle as nacdes mais rebeldes do velho mundo. Entretanto, se dermos ouvidos aos moralistas intolerantes, a economia politica é um estudo materialista, que so cuida nas necessidades do corpo. E exacto; a economia politica cuida de dar pao a quem tem fome, e de vestir a quem tem frio; de multiplicar quanto for possivel 0 numero das creaturas de Deus, a quem chegam os seus beneficios; de derramar a abastanca e o bem-estar em roda de si, e de fazer todos os povos mais ricos e mais felizes. E quaes serao 0s meios para isso se conseguir ? Unicamente a justica e a liberdade, diz a economia po- litica. E sera por ventura isto 0 que merece o desprezo @ Os ana- themas? Dizem que a economia politica é a sciencia das riquezas , ou a arte de se enriquecer por todos os meios. Ha nisto, porém, ma {6 ou engano, porque ha duas espe- cies de riqueza: a yerdadeira, legitima, que provém do tra- ECONOMIA POLITICA. 435 balho e da economia; e a falsa, injusla, que provém da fraude e da astucia. A primeira adquire-se lenta e laboriosamente , e aproveita a toda a sociedade, e essa a economia politica procura ¢ aconselha; a segunda obtem-se 4 custa dos outros, e essa a economia politica condemna e esligmatisa sem piedade. Se a sciencia economica estivesse mais espalhada e conhe- cida, haveria certamente menor numero de pobres ; mas tambem haveria menor numero de ricos. O trabalho, mesmo Nos paizes em que é elle inteiramente livre , poucas vezes faz homens ricos; créa muilas riquezas , é verdade, mas essas riquezas repartem-se mais igualmente, € pouco resta para a ociosidade. Quem mais do que a economia politica tem atacado o luxo? Quem tem melhor demonstrado a uniio intima do luxo e da miseria ? Vimos que a economia politica nasceu da moral, pelo me- nos como a entende a escola escosseza, @ que ambas tém um principio commum, que é o amor da humanidade. Ainda mais: a idéa de responsabilidade pessoal domina a moral, e domina tambem a economia politica; e ésem duvida uma das circumstancias que mais mal lhe tem feito. A fraqueza natural do homem repugna a essa sciencia austera, que, despojando de suas vestes 0 mysterio da ri- (queza, mostra por toda a parte a dura necessidade do tra- balho e da economia. O credito, essa palavra magica que parece que créa the- souros sem conta, a economia politica mostra que tem por origem, para cada qual, a estricta fidelidade em cumprir a sua palavra e 0s seus Compromissos. . Todo 0 preceito economico suppde uma virtude; e todaa conquista legitima de bem-estar depende do cumprimento de um dever. 436 REVISTA BRAZILEIRA: Depois de fazer quanto @ possivel para evitar a pobreza, a economia politica ainda ensina a soffrer sem murmurar, mos- trando que todo o soccorro implica um sacrificio , e que nao se pode dar a uns sem tirar a outros; 0 que é de certo o mais duro castigo que pode soffrer a imprevidencia humana. | Dir-se-ha que isto nao basta? E quem affirma o contrario? - A economia politica nao ¢ a moral, assim como a moral nao é areligiao ou a politica, nem a philosophia é a historia na- tural ou a litteratura. Para que a unidade primordial sobreviva a esta diversi- dade, basta que-estes differentes meios concorram para o mesmo fim; e aexpericncia mostra effectivamente que as populagdes que devem ao trabalho a abastanga e 0 bem-estar material, sao tambem as mais moraes, mais livres, mais religiosas , mais illustradas, mais polidas, e as mais saas de corpo e dalma. No bem, como no mal, tudo se liga e se encadeia neste mundo. As virtudes publicas tambem tém diversos moveis ou mo- livos, como as virtudes privadas; e o interesse bem enten- dido, se nao 60 unico, & 0 mais poderoso e 0 mais vivaz de todos. Os povos que mais tém perdido o sentimento de seus di- reitos ainda conservam o de seus interesses; e emquanto esta mola nao esta quebrada, nao esta tudo ainda perdido. Numa sociedade sceplica e desorganisada, pode cada qual ter esperanca de fundar ou salvar sua propria fortuna sobre a ruina dos costumes publicos; mas chega um dia em que todos vém que, se nessa misera loteria os que ganham sao aos centos, os que perdem sao aos milhdes, e entao co- mecam todos a chorar e a prantear as garantias perdidas. Nao ha, pois, prosperidade duradoura para uma nagao, fora do cumprimento viril e sensato dos deveres politicos. — Esta verdade podem os poyos esquecél-a n’um. momento —— a —— ECONOMIA POLITICA. 437 de cansaco ou de desanimo , mas as licdes da experiencia se encarregam de lembrar-lh’a; e na falta de nobres instinctos , tristemente obscurecidos, o aguilbao da necessidade mais tarde ou mais cedo levanta as almas decahidas. E este um dos caracteres que mais distinguem as socie- dades modernas das antigas; e qualquer que seja sempre a forca eo poder dos elementos morbidos, .a reaccao vital é hoje mais forte, e 6 por isso que nao se pode mais repro- duzir nada que se assemelhe ao imperio romano. De resto, a moralidade de uma doutrina julga-se pelos seus fructos; isto 6, pelo procedimento publico e privado dos que a professam. 4 O movel especial dos estudos economicos é o interesse ; mas é 0 interesse de outrem, o interesse nacional e patrio- tico ; 0 interesse do genero humano. As exageracdes de Bentham, aggravadas ainda por com- mentarios malevolos, nio devem desnaturar o verdadeiro sentido de uma doutrina, que, se toma por guia o- interesse privado, é porque elle se confunde com o interesse geral, e que o repelle logo que deste se desvia. Quanto 4 preoccupacao exclusiva do interesse pessoal , quem mais do que os economistas tem-se mostrado isento ? Quem como elles tem repudiado as riquezas mal adquiridas, 0s monopolios lucrativos , as honras que se obtém por meios duvidosos , etc. ? Quem mais a peito descoberto tem resistido as violencias populares nos dias de revolucaio, e as cobardes condescen- dencias dos tempos de servilismo ? Quem melhor tem vivido e sabido morrer do que elles, que supportam sem trepidar as provacdes da vida, e a provagao suprema do ultimo suspiro ? Em Franca, a economia politica comega com Vauban, que morreu no desagrado de Luiz XIV, por ter tido a coragem de lhe dizer a verdade. 438 REVISTA BRAZILEIRA. O fundador da escola dos physiocratas, Dr. Quesnay, con- serva-se pobre no meio da corte de Franga, quando melhor do que ninguem podia elle , pelas funccdes que exercia junto a pessoa do rei, alcancar gracas e pensoes. Lemercier de La Riviere foi demittido do logar de inten- dente da Martinica, por ter querido introdazir nessa colonia a liberdade do commercio. Turgot arrosta a colera dos parlamentos e, da corte; nao receia ir @encontro 4 opiniao publica, e cahe do poder sem hesitacao e sem pezar, para nada ceder do que consideraya como a salvacao do throno e do paiz. Sobreveio a revolucio, e Dupont de Nemoens anima-se a lutar contra Mirabeau, para combater a funesta creagao dos assignados. Morellet clama contra a confiscacao das propriedades. Lavoisier sobe tranquillo ao cadafalso, com o unico pezar de deixar incompleta uma experiencia de chimica, Condorcet entrega-se a seus inimigos, depois de com mao firme tragar as ultimas paginas do seu Esboco dos progressos do espirito humano. Em nossos dias J. B. Say, excluido do governo do seu paiz, antes quiz, para viver, montar uma fabrica de fiagao , do que dobrar-se 4 inflexivel vontade que governava entao a Franea ; é, finalmente, Rossi morre assassinado, por querer glorio- samente resislir as faccdes. Na Inglaterra ,. onde a sociedade é mais calma e a virtude mais facil, os economistas nio passaram pelos mesmos pe- rigos ; mas, se o theatro é menos agitado, o exemplo que la mesmo dao os economistas nio & menos digno de res- peito. Nao ha vida mais pura, mais desinteressada, e mais de- dicada a sciencia, que a de Adao Smith. Malthus, cujo nome excita lantas imprecagdes , era o mais ECONOMIA POLITICA. 439 ameno, affectuoso e sincero dos homens, e um verdadeiro philosopho christao. Sahindo-se do dominio da sciencia pura para entrar-se no das applicagdes, encontram-se nomes como os de Pitt, Hus- kisson, Robert Peel, etc. Pitt, que na leitura assidua de Adao Smith féra buscar a coragem rara que mostrou na luta que emprehendéra contra os abusos , e de quem o conde de Adhémar , embaixador de Franca, escreyia em 1785: « Pitt ousou entrar no exame de lodos os ganhos illicitos , e de todos os abusos ; faga-se idéa se é ow nado umhomem perdido. » Huskisson, que, apezar da opposicao furiosa dos interes- sados, fez em 1824 levantar a prohibicado das sedas estran- geiras , € que nao teve medo de atacar 0 acto de navegacao e as leis dos cereaes, que poderosos preconceitos ainda pro- tegiam. Robert Peel, que antes quiz romper com o seu partido, mudar publicamente de opiniao, e condemnar-se ao isola- mento para o resto dos seus dias, do que demorar um so momento 0 triumpho de uma idéa verdadeira, que por muito tempo combateéra, e de que afinal se tinha convencido. Se algum dia houve actos de desinteresse, sao de certo estes, porque todos esses homens teriam pessoalmente ganho muito mais, sustentando opinides contrarias; mas aO menos na Inglaterra ha uma opiniao publica, as idéas economicas fa- zem progressos todos os dias, mesmo nas classes populares, e quando Robert Peel morreu, a nacao inteira chorou a sua morte. Em outros paizes, infelizmente, nao acontece 0 mesmo ; 40 SO OS economislas excitam a colera e 0 odio dos parasitas, ce dos privilegiados , mas ainda sao detestados Sas proprios que deveriam ouvil-os ¢@ respeital-os. E ale 0 povo que & economia politica deve tudo quanto tem ganho de ha cem annos para ca, e que a ella devera 44O REVISTA BRAZILEIRA. ainda tude quanto ganhar, chega a maldizél-a em sua igno- rancia; gosta mais dos que o lisongeiam e o perdem, do que daquelles que o servem, illustrando-o e dirigindo-o para 0 caminho da verdade e da justiga: o povo lembra-se de Ro- hespierre, e nem conhece o nome de Turgot. Se as verdades economicas fossem sujeitas ao suffragio universal, seriam provavelmente condemnadas por immensa maioria, como muitas outras verdades. Mas nao importa ; as verdades economicas ate aqui nao morreram e€ nao morrerao mais; essencialmente pacilicas , nada pedem ellas ao numero e 4 forga , e tambem, sirva isto de alento aos que poderiam desanimar — 0 numero e€ a for¢a nada podem contra ellas. (Extrahido.) MO ss ASTRONOMIA Note sur les observations physiques de la comete découverte *« Olinda le 26 février 1860. Le 26, jour de ladécouverte et le lendemain 27, la cométe a présenté le méme aspect. Elle offrait deux nébulosites dis- linctes, Pune beaucoup plus grande que lautre. La grande nébulosité qui entrait la premiere dans le champ de la lunette, avait une forme allongée sensiblement dans le sens du rayon vecteur du soleil. C’etait aussi dece cote qu'elle avail le plus @éclat et elle y présentaif vers son extrémité un petit point lumineux comparable pour lintensité a une étoile de 8° a 9° grandeur. La seconde nébulosité paraissait & peu préscircu- laire et employait 4 secondes pour passer, ce qui, vu sa dé- clinaison, lui donnait un diamétre de 29 4 30 secondes are. Cette seconde nébulosité était plus faible que la premiére et elle suivait celle-ci le 27 4 10" 25 " de 27 secondes de temps en ascension droite. Sa déclinaison sud était plus petite de 1'8!. La faiblesse de la lumiére de la seconde nébulosité surtout rend ces mesures un peu incertaines. Les observa- tions ctaient trés-difficiles vu Pimpossibilité @éclairer con- venablement le champ sans faire disparaitre Vastre. La grande nébulosite navait ni sa grande , ni sa petite dimension 442 REVISTA BRAZILEIRA. dans le sens du mouvement diurne ; ses dimensions nont donc pu étre étudiées par la durée du passage, mais je les ai estimées par comparaison avec la petite nébulosite, savoir la petite dimension au double, la grande de 6 a4 8 fois plus grande que le diamétre de la petite nébulosité. L’aspect de la cométe ne changea pas sensiblement jusquau 3 mars, toutefois la seconde nébulosilé surtout me parut diminuer beaucoup dintensiteé. Le 3 4 4141" 16" cette seconde neébulo- silé suivait la premiere de 23 secondes de temps en AR et sa déclinaison Sud était plus petite de 46". Le 6, lalumiére de la lune, malgré état favorable du ciel suffit & empécher de re- trouver la cométe. Le 10 mars, la seconde neébulosité de la comete qui était a peine visible le 3, était beaucoup plus brillante qu’a cette derniere date. A 8" 25" elle suivaitla premiere de 21 secondes de temps en ascension droite etsa deéclinaison sud était infé- rieure de 24 secondes d’arc. Elle était comme précedemment sensiblement circulaire et employait de 4 4 5 secondes a passer, ce qui, vu sa déclinaison, lui donnerait un diametre de 34 4 42 secondes dare. La partie anterieure de cette ne- bulosilé-était la plus brillante, mais toutefois, toutes ces lumieres étaient faibles. La premiere nébulosité ctait beaucoup moins allongee que lors des observations antéricures ; sa largeur dépassait cerlai- nement le double et atteignait presque le triple de celle de la petite nebulosité. Le point brillant avait disparu. La grande longueur était encore sensiblement dans l’are de grand cercle passant par le soleil et dans la partie située du cdté de cet astre, il y avail une condensation trés-notable et a peu pres circulaire de la matié¢re nébuleuse. C’est au centre de cette région condensée quont ele rapportees les observations. Le rapport des deux dimensions de la grande nébulosité était sensiblement celui de 2 a 3. eee O COMETA DESCOBERTO EM ‘OLINDA. KAS Le 11 mars, la cométe a été vue, mais au moment ow je m’appreétais 4 déterminer sa position, les nuages sont venus interrompre les observations. La premiére nébulosité était sensiblement de méme forme et de méme grandeur que la veille , mais la condensation de matiére qui sy remarquait , ne presentait plus le méme aspect. Au lieu dun centre de condensation , il y en avait deux plus petits placés 4 peu pres sur larxe de la grande dimension. La seconde nébulosité pa- raissait @une intensité uniforme sur tout son contour. Elle était beaucoup plus faible que la veille et peu visible. Des dessins de l’aspect de la comeéte Je 10 et le 14 mars ont (indépendamment du dessin fait déjale 27 fevrier) été exécu- lés par Mr. Ladislau de Souza Mello Netto. Ils sont @une exactitude parfaite. Un exemplaire a été envoye a VInstitut de France, lautre est ci-joint. Le 12 mars, la grande nébulosité avait encore la méme forme que la veille, mais il n’y avait plus quwun seul centre de condensation placé 4 peu prés comme le 10 mars, mais plus faible d’intensité et plus grand. Les dimensions angu- laires semblaient toutes agrandies. C’est avec beaucoup de difficulté qu’on distinguait la seconde nébulosité, et seule- ment par instants. Le 13 mars, il a été impossible de voir aucune trace de la pelite nébulosité. La grande présentait un aspect beaucoup plus uniforme. On n’y distinguait plus aucune condensation circulaire de matiere nébuleuse, mais une région plus intense, décroissant régulicrement d’intensité en tous sens. La comete était presque circulaire, présentant encore une petite ellipti- cité, mais peu prononcée. Sa lumicre etait tres-faible. En doublant l'image avec un prisme biréfringent, les deux images ainsi obtenues étaient peu visibles. J'ai utilisé cette faiblesse méme des images pour reconnaitre la polarisation de la ma- niére suivante. Pai diminué par un diaphragme ouverture de 4L4L REVISTA BRAZILEIRA. Yobjectif jusqu’a ce que les images fussent trés-difficiles a voir et j'ai alors constalé en faisant tourner le prisme que une des images seulement se voyait quand la section prin- cipale du prisme était ou située dans Parc de grand cercle passant par le soleil, ou perpendiculaire 4 cet arc. Dans le premier cas, cétait Pimage extraordinaire, dans le second , Yimage ordinaire. Cette observation indique une polarisation notable dans le plan passant par le soleil, c’est-a-dire, une polarisation par réflexion. La cométe était cependant pas alors dans les conditions du maximum de polarisation, les- quelles doivent avoir lieu quand langle entre le soleil et la terre vu de la comeéte est de 90°, car cet angle d’aprés les élé- ments que jaicalculés, métait que de 50°. Jai constaté que ni Venus, ni Jupiter ne donnaient de polarisation sensible dans la région ow se projetait la comete, en remarquant que la visibilité des deux images des plus petites eétoiles dans le voisinage de la comete, n’était pas modifieée (en séparant complétement les deux champs) par la rotation du cristal. Le 13, la valeur moyenne du diametre de la cométe , es- timé par la durée du passage (19 secondes environ) était de 2' 45". Cette estimation est toutefois incertaine et plulot au dessous de Ja vérite. La lumiére se fondant insensiblemant sur les bords. Depuis le 15 mars, la comete n'a pas ete revue. L’atmos- phere setant pendant le voyage de la commission a Taman- daré, montrée défavorable les premiers jours, quand les dispo- sitions du voyage auraient permis observer. Plus tard, la puissance limitée des instruments de la commission comme pouvoir optique, n’a pas permis de la retrouver. Evm. LIats. a Sur d’anciens déplacements de taches sur le soleil a Voceasion de la note de Mr. Wolf, imprimée dans le compte-rendu del’ Académie des Sciences de Pa- ris, em date du 5 mars 1860. Dans le compte rendu dela séance du 5 mars 1860 de PAcadémie des Sciences est imprimée une note de Mr. Rod. Wolf dans laquelle sont rapprochées quelques dates ou ont été observés de grands déplacements de taches sur ie soleil. Ces dates, dit ’auteur, semblent se rapporter a des passages de la planéte Lescarbault sur le soleil. Il les compare de la maniere suivante : OBSERVATIONS. DIFFERENCES. OSS eee a Dangos. . 1798 janvier 82 jours jours Fritsch. . 1802 octobre 10 Whe {i teria oay-4 BIS) Stark.... 1819 octobre 9 6208296 x 20.973 Stark.... 41820 février 42 (41) 126—= 6 x 21,000 Lescarb.. 1859 mars 26 14287680 x 24,010 L’accord entre la durée des périodes ainsi calculées @apres le intervalles, parait frappant au premier abord, mais il n’en sest pas moins fictif et résulte uniquement de ce que pour 3 intervalles, les nombres supposes de révolutions sont tres- crands. Or, il est évident que quand les intervalles sont (1) Dans le compte-rendu il y a une faute impression: on a mis 2 féyrier au lieu de 12 février. ALG REVISTA BRAZILEIRA. tels que les diviseurs doivent étre tres-grands , en les faisant varier arbitrairement d'un nombre convenable (unites, on peut faire que les quotients different entre eux d'une fraction trés-petite. En conduisant Je calcul d'une autre maniére, il est facile de voir que les observations cilées par Mr. Wolf ne peuvent étre des passages de la planéte annoncée le 26 mars 1859 par Mr. Lescarbault. En effet, il y aurait eu, d’apres Mr. Wolf, pour expliquer les diverses observations en question, 1064 révolutions entre Yobservation de Dangos et celle du Dr. Lescarbault , et Pin- tervalle de ces deux passages serait de 22346 jours; ce qui donnerait 21,002 jours pour la durée moyenne de la révo- lution synodique. Remarquons maintenant que cette valeur de la révolution synodique donnerait entre observation du Dr. Lescarbault et celles de Stark et de Fritsch les nombres de jours suivants : Nombre de jours Nombre de jours _—biférence caleulé. observe. eale,—ebs. pour l’obsery. du 12 févr. 1820 680 révolut. 14284 44287 — 6 id. du 9 octh. 1819 686 id. 14407 Ahhi1s —6 id. du 10 octhb. 1802 982 id. 20624 20621 +3 Comme on le voit, les differences avec ce que donnerait la révolution moyenne atteignent presque le tiers de la période , et entre les observations de 1819 — 1820 et celles de 1802, existe la plus grande difference qu’on puisse rencontrer, celle Wune demi-période, car il y a entre ellesune difference de 9 jours. Loin done quil y ait accord de période entre ces diverses observations, ily ale plus complet désaccord. Il est impossible de recourir 4 une grande excentricilé de Yorbite pour expliquer le désaccord des dates des diverses observations citees par Mr. Wolf, car alors cette excentricrté MANCHAS NO SOL. 4AT devrait étre énorme et inadmissible, dautant plus qu'une grande excentricité en placant le périhélie tout prés du soleil rendrait les passages trés-frequents, contrairement aux ob- servations de tous les astronomes qui observent le plus as- siduement le soleil. Une grande excentricité ne pourrait Wailleurs expliquer le méme retard pour deux observations distantes de 4 mois, celles de 1819 et 1820, et de plus la grande difference de 9 jours entre les conjonctions a précise- ment lieu pour des observations dela méme époque de année. celles de 1802 et 1819. En outre pour expliquer la rareté des passages , il faut admettre une grande inclinaison , et dés lors il naurail pu y avoir a la fois passage le 9 octobre 1849 et le 12 février suivant. Fai au reste,dans une note précédente,cité mes observations qui prouvent que le point noir dont parle le Dr. Lescarbault doit étre explique autrement que par un passage de planéte, sans quoi je laurais également vu a S. Domingue ott j’obser- vais le soleil au méme instant. Mes notes disent régions po- laires du soleil trés-uniformes dintensité, peu de pointillé. Je cherchais les points a peine visibles et je n’aurais pas vu une tache enorme. C’est un fait impossible indépendamment des considerations fondées sur l’intensité de la lumiére et sur les observations @éclipses et en particulier, celle de Paranagua , considerations qui prouvent qu'il n’existe pas de semblable planete. Mon observation négative ne peut recevoir aucune explication autre que la non-existence de la planéte en ques- tion, tandis que l’observation affirmative du Dr. Lescarbault peut étre expliquée par une illusion due soit & un phénoméne subjectif de vision, provenant de la fatigue de Vceil, soit peut- étre méme a un phénomene de réfraction ou extérieure ou intérieure a la lunette et qui aurait formé sur Vimage solaire celle dun point noir en transportant dun lieu sur un autre lieu de Yimage les rayons venant dun certain point et quy f, B. Il, 80 448 REVISTA BRAZILEIRA. alors auraient manqué ence point, phenomene semblable a celui qu’on remarque dans les occultations d’etoiles par la lune ou quelquefois on voit Pétoile se projeter sur le disque lunaire; soit peut étre encore a un passage de bolide ou a un phénome- ne météorologique que ’heure de observation d’Orgeres per- mettrait également de supposer. Je veux parler de ces bandes de nuages noirs que lon voit souvent quand le soleil est bas, couper nettement le disque solaire et qui quelquefois pré- sentent sur leurs bords une nettelé trés-grande que n’annule pas le grossissement dela lunette. Quelquefois avec ces bandes de nuages, apparaissent des petits points noirs detachés. Jen ai vu plasieurs exemples dont le plus remarquable a été note dans la baie de Rio de Janeiro le 8 septembre 1859, mais le phénoméne appartient 4 tous les climats. Ne serait-ce pas un ou plusieurs points conseécutifs de cette nature quauraitvu le Dr. Lescarbault? Sil aréellement apercu le point noir en question, il est du moins certain quwil avait garde da doute sur la nature de son observation , puisqu’au lieu de la com- muniquer de suite, il a attendu 9 mois dans lespoir de revoir le méme phénoméne , ce qui indique quil n’osait pas publier sans vérification. Ce west que quand il a cru voir dans la note de Mr. Le Verrierune probabililé tres-grande pour une planéte, qu’il s’est hasardé a faire connaitre son obser- vation. Au reste, quelle que soit explication qu’on veuille ad- mettre, iln’y a pas lieu de s’arréler aux détails, vu quils ont été arrangés, comme je le fais remarquer dans ma premiere note, de maniére a présenter une observation dentrée sur le disque, observation impossible pour un astre inconnu. Evm. Liars. ee ee a ee ithe Gana Sur deux phénoménes remarquables observés dana la Province de Pernambueo, ie if avril 1860. Le 14 avril 1860, la commission scientifique qui s’oc- cupait alors dans son voyage de retour de Tamandaré, de divers travaux hydrographiques sur la céte , partit de ’em- bouchure du Rio Formoso, rive gauche, pour celle du Se- rinhaem. Pendant le commencement de la route, je m’occupai — avec Mr. le 1° lieutenant Luiz Antonio de Souza Pitanga de relever quelques détails de la céte pres de Pembouchure du Rio Formoso. II était alors 5" du soir. Ce travail nous mit en retard et nous restames en arriere du reste de la commission, avec un cavalier portant notre signal pour Pemploi de la lunette de Rochon. Quand la nuil fut tombée, nous accélérames la marche de nos chevaux, mais, au bout de quelques instants, nous sen- times passer des bouffees @air brilant qui nous firent éprouver un peu de malaise. En méme temps, nos chevaux refusérent de courir, haletants et épuisés, A chaque instant, ils ten- daient a tomber et nous fumes obliges de continuer la route au pas. Nous suivions le rivage de la mer et la brise venait du large. Elle était fraiche et de temps en temps, toutes les minutes environ, on sentait passer pendant quelques se- condes un air soufflant de la méme direction et @une tem- perature bruilante. Du céte d’ou soufilait le vent, c’est-a-dire dans Est-Sud-Est, Pair etait chargé de vapeurs épaisses pres de Vhorizon. Vu leur peu de durée, il ett: été impossible de A450 REVISTA BRAZILEIRA. mesurer la temperature de ces bouffées d’air, mais la sensa- tion n’etait pas seulement celle Wun air tiéde ou chaud, mais celle dun vent brilant. Cette circonstance pour un vent venant immédiatement de la mer est tres- Fhe es et merite d’étre cilée. En arrivant a Serinhaem, je sus que les autres membres de la commission avaient fait la méme observation que nous. Le 16 avril, la commission rentra a Olinda. La nous ap- primes que le méme jour 14 avril, il avait ete remarqué vers midi dans les villes de Olinda et du Reécife un autre phénomeéne qui peut avoir quelques relations intimes avec le premier. Entre 44° 4/2 et midi, Peéclat du soleil saffaiblit notablement. Liastre pouvait étre regardé a loeil nu pendant quelques instants, et autour de lui on voyait, quoique le ciel partt pur, une couronne irrisee qui, dapres la description qui mena - été donnée, ressemblait a la couronne méteorologique. En méme temps, plusieurs personnes du peuple et un des arti- ficiers au service de Ja commission laissé a la garde de la station d’Olinda, Joao Baptista Hylario, apercurent a lceil nu eta Vest du soleil une etoile brillante qui, dapres la position indiquée , ne peut étre que la planéte Venus. Il n’y avait de nuages que pres de horizon et le phénoméne n’a duré que quelques minutes. En apprenant te fait, mon premier soin fut dexaminer comment il se faisail que nous n’eussions pas remarqueé ce phénoméne a Yembouchure du Rio-Formoso, et je trouvai dans nos notes qu’apreés une sortie fatigante sur la cdte, sous un soleil ardent et sur lesable brilant, sortie faite pour quel- ques triangulations , nous entrames vers 11° dans une maison ot. on nous avait offert Phospitalité, afin de nous reposer en attendant un voyage en mer pour quelques sondages , voyage pour lequel une embarcation étail commandeée pour midi et ne vint qua 1 heure, a in a a oe DOUS PHENOMENOS OBSERVADOS EM PERNAMBUCO. ADA Apres cette vérification de nos notes, il n’y avait pour la commission aucun motif de rejeter les informations re- cueillies, et attestees par un grand nombre de témoins. La visibilité de Venus a l’oeil nu, le 14 avril, est un fait trés- remarquable. En effet, ce méme jour, cette planete mélait qu’aux 3,5 environ de lintensité répondant 4 son maximum peut étre vue sans instrument. Depuis le 14 avril, éclat a augmenté, et cependant MM. Pitanga, Januario Candido de Oliveira et moi, Nous avons constateé a la date du 18 et méme du 28 avril qu'elle n’était pas visible. Or, si alors nous n’avons pu lapercevoir méme en la cherchant, il faut admettre une forte réduction de la lumiére atmosphérique pour qu'elle ait frappé des hommes du peuple qui ont vu une belle étoile. La diminution de léclat solaire le 14 avril ne peut étre attribuée 4 une cause météorologique , cest-a-dire, atmos- phérique, car alors Vénus, loin détre plus visible, aurait été moins perceptible encore. Le phénomene vu parait donc de la nature de ceux qui ont ét¢ remarqués en 1106, 1208, 1547 et 1706 et que M. Erman a attribués a des passages de nuages cosmiques d’astéroides devant le soleil. A cet egard, il est digne de remarquer que les 4 époques que je viens de citer, ont été 4 6 mois environ des époques de maximum détviles filantes @aott etde novembre. Pareille chose a lieu pour le phénomene que nous rapportons, qui sest produit 4 6 mois du maximum du 441 au 29 octobre. On pourra peut-étre savoir si le phénomeéne dont nous parlons, a été remarqué sur une grande surface de terrain en longueur et en largeur, et hors de VAmérique Méridionale. Dans ce dernier cas, sile phénomene est di, comme il y a lieu de le croire, 4 un nuage cosmique, ce nuage aurait été tres-éloigné de la terre. Si, au contraire, Vobservation est plus locale , la relation du phénomeéne avec le fait météorolo- 452 REVISTA BRAZILEIRA. gique noté le méme jour par la commission serait plus visible. En effet, la localisation de Papparence proviendrait de ce que le nuage aurait passé assez pres de la terre pour que, comme dans les éclipses de soleil, les differences de parallaxe aient suffi 4 projeter en ua point le nuage sur le soleil, et en (autres hors de cet astre. Alors quelques uns des corpuscules auraient pu rencontrer Patmosphére et y déterminer une notable perturbation locale. Quant a la couronne vue autour du soleil, elle pourrait recevoir deux explications: ou bien elle a été produite par diffraction dans le nuage Gosmique composé alors de pous- siére d'une grosseur assez uniforme, ou bien, elle est due a un petit refroidissement,, lequel aurait déterminé dans [at- mosphere la formation de globules aqueux , assez peu nom- breux pour ne pas allerer sensiblement la limpidite du ciel , mais en quantité suffisante pour, avec la lumiere solaire encore assez vive, donner lieu au phenomene de la couronne méteorologique. Quoiqwil en soit, la visibilite nette de cette couronne , quon ne peut apercevoir dans les Gas ordinaires quen atténuant Pintensite des rayous solaires , est un indice de plus de la diminution de Péclat du soleil et pourrait meme permettre d’évaluer numeriquement la perte @intensile. Emm. LIAlIs. | ASTRONOMIA Eléments paraboliques de Vvorbite de la grande Comeéte de 1860. Passage au perihélie 16 juin a 0"54™ 34°, temps moyen de Rio de Janeiro. Distance périheélie = 0,2896823 Longitude du nceud ascendant== 84°27' 3!,3 Equinoxe moyen du Longitude du périhelie = 160° 51! 15" ne premier janvier 1860 Inclinaison 1 78a, BOG MOUVEMENT DIRECT. Ces elements ont été déduits des trois positions normales Suivantes , déterminées au théodolite répetiteur. Temps moyen de Rio de Janeiro. Positions apparentes. 8 juillet6°44" 8°38 AR= 9°47°39°,91; D=19°31! 3',.7N 13 juillet 6°50"53'°,4 AR=10°47" 3°64; D== 2° 41'8'5N 17 juillet 6°55"32°9 AR=11°26"722',21; D== 9° 24'20"75S Les éléments qui précedent, sont une seconde approxi- mation de Porbite , les observations ayant été, a Taide dune premiére approximation , corrigées des effets de la parallaxe et de aberration de la lumiere. Ces éléments ne ressemblent 4 ceux d’aucune autre cométe connue. (’) Rio de Janeiro, 4& aout 1860. Emm. Lials. (*) Il restera a l’aide de Ja totalité des observations quand elles seront réu- nies, a reconnaitre si cette cométe n’a pas un mouvement elliptique. A454 REVISTA BRAZILEIRA. - Posicées do Cometa de 4 de Julho de 41860. DIA T. M. Pus. POSICOES DO COMETA |ESTRELLAS DE COM- PARACAO ‘ ee SS ES OS SE ee ee ee ee h m s h m s | h m s hm «6 43.] 7.17 8,75) 44-49 1,19) AR =10 49 17,64 10 58 52,64 (A) | D'= 2, 49° SOND NG) 4.-57750,025 71. 15 | 7 27 87,40} 15 3 33,13 AR=11 7 56,61 44 8 41,64 (B) D= 0 51 Ah,24 S.| 0 52 54,24 S.| 16°] 7 45 44,40] 14 55 4,98)AR—11 16 49,43 [44 18 27,26 (C) ; D = 6 24 26,52 S.| 6 25 26,52 a 18 | 7 32 52,32] 15 20 38,59/AR=141 35 20,77. [414 36 42,39 (D) D=11 2h 8,84 S.|44 21 4,34 Sl 19 | 7 49 41,80] 15 41 27,39/AR=11743 9,149 [44 43 44,39 (E) D =14F18 36,94 S.|44 24 58,14 S. 23 | 7 36 59,97] 15 44 29,70,AR=12 43 58,25 42.27 4,25 (F) D =22 10 14,44 S.)22 37 44,44 S.! 24 | 6 56 54,11] 145 8 10,80/AR=12 19 30,24 |42 97 4,24 (F) D—=24 1 6,05 S.|22 37 41,05 .) h,72 |42 27 4,22 (F) 26 | 8 27 83,68) 16 47 1,39 AR=12 3 58 30,87 S.|22 37 40,87 at D=26 3 3 27.| 7 387 4,14) 16 0 20,06 AR=12 36 58,71 42 27 - 4,24 -(F) 41h S. | D —98 0,78 S. |22 37 40,78 8,70 |42 27 4,20 (F) 28 | 8 (29 44,21) 16 56 32,29|/AR —12 2 2 23 40,69 S.|22 37 40,69 S., D=29 ew) ESTRELLAS DE COMPARACAO. (A) Gobel (B) ‘ (C) ¢ Boguslawski Catalogo de Berlin para 1800. (D) (E) (F) 6 Corvo Imperial Observatorio do Rio de Janeiro, 1 de Agosto de 1860. Antonio Manoel .de Mello, director do Observatorio. CANTOS EPICOS Ypiranga Detem-te, 6 viajor! — Nao vés 0 rio Que a montanha contorna e além se perde Por entre arbustos sussurrando e rindo ? Nao vés 0 sol abrilhantado e bello A descambar no fulgido horizonte ? A brisa que respira 0 odor das flores ? As aves que acolher-se aos ninhos cantam ? E o pastor que o rebanho ao aprisco leva Ao som da frauta suspirosa e triste? Tu estas no Ypiranga!... Ah! que nesta hora Ainda o écho dos vizinhos montes ‘ Repete o brado: « Independencia ou morte! » Oh! nesta hora tambem Cabral pairava Sobre 0 Oceano, extatico, enlevado, Ante dos Aymorés 0 erguido cume, Que dourava tambem em luz immensa Vaidoso o sol no rubido occidente ; 456 REVISTA BRAZILEIRA. E da terra, que entao se alevantava Como uma flér do seio do Oceano, Trazia a brisa sobre as curvas azas O hymno da brazilia liberdade, Que morria pra sempre se quebrando De encoutro as préas dos bateis soberbos. Era 0 sol como agora! Oh! como agora A aragem murmurava Os seus queixumes Enleada nos leques das palmeiras , Ou sorrateira ao manaka roubava Subtil perfume, que embriaga, encanta, E as azas encolhendo docemente Se extinguia. No fulgido occidente, Rubro como um oceano incendiado , O sol fluctuando como um globo de ouro, Magestoso ao occaso caminhava, E a luz dourada que mandava 4 terra, No bello valle projectava a sombra Do vulto equestre que assomando vinha. Seguia-o0 numerosa comiliva ; E elle era bello em seu corcel fogoso , Como 0 anjo da guerra em seu cavallo De vastas azas com sua brida de ouro, Voando sobre 0 campo da batalha ; E seu corcel nitria — sequioso Do pouso amigo que adivinha ao longe. Pensativo, em si mesmo recolhido, Nao falla o cavalleiro, e o silencio Pende dos labios dos fieis que 0 seguem ; Dorme tambem nas quebras das montanhas O écho, que a gloria do porvir nem sonha , YPIRANGA. - - ; A457 Sem saber qual 0 brado que da inercia hes O vira despertar pra todo o sempre. Pensativo —e seguindo, elle dizia Naquella alma tao grande como o imperio Que elle creou depois no novo mundo : « — Salve, 6 terra benigna e hospitaleira , 0’ patria de Amador! (4) Rei quum segundo Eternisou por seculos e seculos Deixando-lhe na fronte magestosa O brilho da coréa que engeitara , Tanto a abnegacao no mundo é rara! E qual teu premio foi? Livraste a patria De iberos ferros entregando-a aos lusos ! Talvez que 0 sangue tepido , fumante , Do martyr (2), que jorrou as maos de algozes , Te coasse na lousa do sepulchro E humedecesse teus mirrados ossos ! E quando o craneo seu livido e secco, Inda ensombrado por melenas negras , Rangesse volteando sobre o poste Da praca ao bafo da nocturna aragem , Quem sabe se 0 rumor nao te quebrava A mudez do sepulchro interrompendo O teu dormir de morte? Além, 1a nessas Terras de diamantes sergue altivo O monumento (3) que o seu crime lembre, E o teu nome esquecido 4 patria deixam!.. . « Negreiros , Camaroes, Rabellos, Dias, Jazem sob a poeira em que repousa As cinzas de um traidor (4), cuja coragem Contra a patria alentou estranha guerra ! REVISTA BRAZILEIRA. — Herdeiros de Camdes —brazilios bardos , Sobre a terra africana a vida exhalam , E tu, 6 Amador, dormes na campa, E teu dormir nao é de paz por certo ; Mas dorme, e um dia acordaras de todo! « — Gigante do poder — em vao tua patria Inda no berco seu ergueu seus bracos; Negros grilhdes os pulsos lhe opprimiram ; — Escravo — pelejou como homem livre, — Infante — batalhou como um gigante, Mas tudo lhe faltou, que nao medrasse ; Artes, letras, sciencia e commercio Lhe negou a miserrima politica Desses tempos de entao, e o Luso ufano E avaro das riquezas deste solo Trancou os portos seus ao orbe inteiro. Fora de Portugal restava — um mundo, Porém para o Brazil mais nada havia ! « Ah! nao foi illusio, quando cansado De longo viajar ouvi 0 brado Do gageiro que a terra annunciava ; Entao meus olhos absortos viram Sobre a plaga da America ditosa Resupino gigante (5), e no seu sonho Pareceu-me dizer com voz tao clara Que os povos todos do Universo 0 ouviram : « — Vem com tua palavra despertar-me ; « Da-me esse gladio , tira-me as algemas ; « Ah! ja me cansa esse dormir de pedra ; « Dize qu’eu viva, manda que me erga, « E o mundo todo ficara pequeno Lat bal « « YPIRANGA. 459 Ante o gigante armado de teu gladio ! Em troco tu teras immenso imperio,. Seguro throno, diamantina c’rda ; Junto 4 cruz de Cabral dards aos povos Sagradas leis em taboas argentinas ; E unida a monarchia 4 liberdade Em sagrado consorcio, a tua estirpe Eterna gozara de seu imperio. Oh! brilhante futuro! La nos Andes Sobre o seu throno de alabastro e ouro Se sentara brazilia liberdade! — Rainha das nagdes — seu justo sceptro Nao pesara jamais sobre 0 universo ; Nao tera por tributos de outras plagas Os sanguentos tropheos de escravos povos ; Nao virao os bateis sulcando os mares Trazer-lhe as pareas de vencidas gentes ! Outra sera sua gloria, outra mais bella, Digna da humanidade. De seu throno Ha de a filha (6) sahir que os Lusos livre Do rude despotismo. No seu throno Se mostrara o rei 4s musas dado , Pio, clemente , justiceiro e grande. (7) Folga, ditosa America! As esquadras Da brazilia nacao singrando os mares , Soltas as vélas aos galernos ventos, Nao irdo aviltar nagdes estranhas , Nem deixando os exercitos as fronteiras, Como longa guerreira caravana~ - Serpeando nos aridos desertos , Irao a conquistar estranhas terras , Mas farao baquear.os falsos thronos De novos Neros, que o teu solo insuliem , 460 REVISTA BRAZILEIRA. « Eo auri verde pavilhao brazilio « Ovante ondulara por toda a parte! » « Ecalou-se. Tambem as naus ja vinham Longe cortando as marulhosas ondas, E em breve 0 nao vi mais. Qual visao grata Despareceram do gigante as formas ; Desfeito todo em montes e collinas Patenteava assim 0 seu imperio; A brisa me trazia um como hymno Da plaga que meus olhos encantava ; Eis ribomba o canhao, eis la risonha Abra immensa — do mundo maravilha — Prodigio sem igual da natureza — (8), Em seu seio acolheu as naus possantes (9). « Folga o genio da America — com 0 riso Da vinganea nos labios — vendo a estirpe De anligos reis buscar seguro abrigo Na terra onde o tinido das cadeias , Que os seus conquistadores lhe traziam , Afugentou a patria liberdade, Deixando escravos Os seus tao livres povos. « Foi longa a escravidao , porém o dia Chega ja de ser livre! La estala O primeiré grilhao do captiveiro! Os portos abrem-se as nacdes do mundo, Prospéra a agricultura, e 0 commercio. E a industria e as artes avultando crescem ; Renasce a imprensa, brilham as sciencias , E na brazilia sonorosa lyra Preludia seu hymno a independencia. « Vai, saudoso baixel, vai, entra o Tejo Que viu a esquadra de Cabral partindo, - YPIRANGA. Ir longinqua buscar um novo imperio, Onde a cruz do Senhor abriu seus bracos ; Leva o rei (40) que de Lysia adorne o throno, E eu ficarei na terra americana.... No festim das nacdes — novo conviva — Recebe os parabens, Brazil potente ! La vence a independencia! Livre, exulta! Em breve tempo que porvir risonho ! Rompem canaes a terra; ferreos trilhos Varam a noite das umbrosas selvas ; L64 — Gloria da nossa idade — orgulho do homem — O rapido vapor vencendo 0 tempo As distancias encurta e estreita os lacos ;_ Surgem cidades e pullulam povos ; Provincias hontem ja sao hoje imperios ! Oh gloria! Oh meu porvir! Nao és um sonho! » Pensava assim. Veloz como 0 relampo Junto a elle parou um mensageiro ; Rapido salta do fogoso bruto , Que nitrindo , co’as maos oO chio escarva ; E 0 mensageiro se descobre ; beija A regia dextra; entrega-lhe a missiva, Que vem de longes mares, longes terras, Ah! de fadiga o seu corcel arqueja, E entre vellos de espuma o freio tasca! Parara a comitiva. Toma a carta O principe, e a percorre ea lé de um rasgo! Na frente bella, magestosa e vasta ’ Contraceao de pezar lhe notam todos; Eis subito se anima ;— no seu peito Se lhe dilata 0 coragao ; — os olhos Ao longe os leva — , ea terra se lhe ayulta” 462 REVISTA BRAZILEIRA. Em extensa campina e serra immensa, Que cingem rios que 0 universo assombram |! — Elle vé um imperio ingente e bello, E invicto brada: « Independencia ou morte!... » Que electrico furor! Que enthusiasmo Inunda as almas de prazer divino! Abrasados do santo amor da patria , Cheios de brio e ardor os cavalleiros As espadas arrancam repetindo O grito, que soara magestoso, Como 0 vagido immenso de um gigante Que ahi nascia para o orbe. Ainda Pela ultima vez 0 sol luzira Sobre as espadas que cruzadas brilham Symbolisando um santo juramento , E se abysmara no horizonte infindo, Deixando 0 ceo apavonado e bello. Tambem a numerosa comitiva , Como longa serpente sinuosa , A estrada voltejando se sumira, Ouvindo sempre o portentoso brado, Que de écho em écho revivia ao longe. Cahe a sombra da noite. O sol ja brilha * A outros povos como novo astro , E amanhaa Juzira a um povo livre Que sem sabél-o vivira em ferros ! Poreém o brado retumbando em breve Desde a foz do Amazonio 4 foz do Prata Fara cahir as ultimas algemas. — O’ princeza do Sul —, sentada 4 margem Do Tamandatahy (44), — illustre bergo 4. (age — a YPIRANGA. 463 Da liberdade, independencia e gloria — , — Nobre terra de herdes! — Ebria de gozo , Que os ares encha derramado em vivas , FE a te sorrir de amor, recebe, acata Bravo guerreiro que as tuas portas entra . E vem do campo da maior victoria! A sua espada nao goleja sangue, Nem retinio na pugna mal ferida ; O seu ginete nao calcou cadaveres . O odor da guerra respirando em fumo ; A batalha custou somente um brado , Cadente brado que o Ypiranga ouvira ! Ah! primeira que todas as cidades, — 0 filha do Brazil — virgem do valle — Proclama e c’rda em teus invictos muros O grande imperador — Pepro Primeiro. Setembro 7 de 41855. J. NorBerto bE S. S. RK, 3B, Ll. 3 NOTAS. (1) Amador Bueno da Ribsira, nobre Paulista, que rejeitou o titulo de rei que lhe offereceram os seus conterraneos. Vid. Maprz pe Deus, Memorias historicas da capitania de 8. Vicente. (2) Tiradentes. Executado no Rio de Janeiro em 21 de Abril de 1792, sua cabega foi exposta no Campo da Forca, em Villa- Rica , sobre um poste , para exemplo dos inconfidentes ! (3) A casa de Tiradentes em Villa-Rica , hoje cidade de Ouro- Preto, foi arrasada, salgado o logar, e levantou-se ahi um monw— mento ou padréo de imfamia, que depois um illustre Mineiro , o Sr. Jorge Benedicto Ottoni , conseeuio que se desmoronasse. (4) Calabar. (5) O gigante que dorme & entrada do Rio de Janeiro. (6) D. Maria II, rainha de Portugal. 466 REVISTA BRAZILEIRA . (7)-S. MO. 0. Sep. Padve Il. (8) A bahia do Rio de Tancite: (9) A esquadra portugueza que trouxe a familia real. (10) D. Joao VI. (11) A eidade de S. Paulo, 4 qual Dom Pe lro conferiu o titulo de imperial em 17 de Marco de 1823. OBRAS DO DIABINHO DA MAO FURADA PARA ESPELHWO DE SEUS ENGANOS E DESENGANO DE SEUS ARBITRIOS PALESTRA MORAL E PROFANA ONDE 0 CURLIOSO APRENDA PARA O DIVERTIMENTO DICPAMES E PARA O PASSATEMPOQ RECRETOS OBRA INEDITA DE ANTONIO JOSEPH DA SILVA Natural do Rio de Janeiro COPIADO DO ORIGINAL POR DEILIGENCIA DO SR. MANOEL DE ARAUJO PORTO-ALEGRE A QUEM LER. Leitor curioso , estas fabulosas obras do Fradinho da mao furada te offereco desenganos das suas tentagoes, @ escar- mento das penas dellas , para fugires a umas, e femeres ou- tras; que no entrelenimento da jocosidade acharas o provei- toso, se prudente te quizeres inclinar 4 doutrina que nellas se te envolve, para que ache em tio melhor acolhimento o moral entre o profano, como se disfarca . que estao os gostos hoje de tio mau gosto, que se inclinam mais ao que damna , que ao que aproveilta, Faze o signal da cruz primeiro que leias , para que o mau fuja de ti, e-0 bom te persuada. De cineo folhetos te dou esta beberagem ; se te nao souber bem, suspende no primeiro a tua direcgao, que te nado vai nisso nada; calumnia e murmura quanto quizeres, pois és livre e senhor do teu alvedrio, e sao baldadas as desculpas com tentacdes maliciosas. 468 REVISTA BRAZILEIRA. PROEMIO. Estranhos si0 os meios que a fortuna toma para facilitar felicidades aos homens ; dos mats pobres nascimentos muitas vezes os expoe as dignidades supremas , ¢ dos mais nobres € ricos os precipita para as desgragas incomparaveis. Baldadas sao as diligencias contra este destino impenctravel e mysterioso, sem prejuizo da livre vontade; quantos de- meritos com todo o sete-estrello estimados e preferidos! ef- feito monstruoso da fortuna , cujos sumptuosos edificios cos- iumam fabricar sem alicerces , & por esta razao duram: tao pouco ! . Nao éa penetracao deste segredo para humana capacidade, mas concernente 4 nossa historia 0 principio do primeiro pa- ragrapho; como se vera no meio que a fortuna tomou para enriquecer um affligido e pobre soldado. Nem sempre se podem escrever historias verdadeiras , po- liticas e exemplares; tambem do fabuloso e jocoso se colhe muito fructo, por ser salsa para desfastio da dontrina que nella se pode envolver aos que se applicam mais 4 ociosidade illicita, que a licao dos livros espirituaes e& graves. De que servem as fabulas, que 0s anligos escreveram , mais que de inventiva e assumpto de catholicas moralidades? que nao profana a licdo o fabuloso, quando se toma por motivo para inclinar ao acertado ; nem reprovar ociosidades geral- mente dos que prevaricam offende os merecimentos dos que seguem o diclame da razao, nao soffrendo o genio curiose ociosidades , por nao mallograr o tempo. DIABINHO DA MAO FURADA, 469 Obras do Diabinho da mao furada.: FOLHETO 1. Retirou-se um soldado da milicia de Flandres em tempo de Philippe I, chamado André Peralta, afflicto e maltratado da guerra, (a0 pobre como soldado, e tao desgragado como pobre. Depois de entrar neste reino, onde havia nascido, € caminhava para Lisboa, patria commum de estrangeiros , madrasta de naturaes e prolectora de yenlurosos, comecou de anoitecer-ihe uma legua de distancia da cidade de Evora, em um sitio onde estavam umas casas abertas e desoccupadas de gentle. Vendo o soldado caminhante que a noite ameacava escuridao, © que as huvens scm descansar choviam, se re- solveu a passar a noite, como pudesse, em algum aposento- mais reparado daquelle edilicio, contentando-se nelle, para seu sustento, com o limitado provimento do seu alforge; e cortando com a espada ramos de wmas arvores e vallados , que perlo eslavam, para acender fogo a que se enxugasse e reparasse do frio, se recolheu a um dos aposentos, que julgou por mais accommodado. Tirou do alforge fuzile pederneira, que é a mais importante alfaia de quem caminha, acendendo fogo, 4 cuja claridade varrendo com uns ramos parte do aposento, em que se accom- modou , depois de se enxugar ceiou do pobre sustento que lrazia. Ja tinha o soldado, depois de ceiar, dormido um breve somno, que seria passada a terga parte da noite, quando acordando a wn grande estrondo, que nas vizinhas salas se fazia, applicou ao lume alguns ramos, para que com mais luz pudesse melhor testemunhar o que aquillo era; ouvio 470 REVISTA BRAZILEIRA. que uma voz desentoada e medonha the dizia: « Despeja , atrevido soldado , este aposento, se nao queres perecer nelle , derribando-o € desfazendo-o sobre ti. » A esta voz altendendo o soldado, viu que, a seu parecer, as paredes do cubiculo estremeciam. prognosticando sua ruina, e que os fragmentos das antigas portas e janellas se quebravam ; mas nem por esse respeito perdeu o animo ; fa- zendo das tripas coragao, pelo nao matar primeiro o medo que o perigo (como muitas vezes succede aos desalentados) , respondeu 4 dissonante voz, dizendo: « Se és espirito trans- migrado desta vida, e necessitas de algum suffragio nella, eu te requeiro da parte de Deus me digas quem és © 0 que pre- tendes , que animo tenho para te servir, e te prometto fazer tudo o de que necessitares para teu remedio; ainda que por ser um pobre soldado me seja for¢oso mendigar para o fazer. E se és espirito damnado, nada me da de teus ameagos , que aqui tenho a cruz da minha espada, e palavras me ensina a santa fé catholica, que me livrarao de ti e de teus poderes ; pois nao tens jurisdiceio para execular sem a divina justicga o per- nittir; demais, que se eu aqui te enfado , pouco tempo teras essa molestia; pois éja da noite passado tanto espaco, e apenas apparecera a luz da resplandecente aurora, quando despeje; que o rigor da escuridao e tempestade me nao ada logar a obedecer-te logo. Com isto me parece que se em ti ha algum conhecimento da razao, te podes dar por satisfeito ¢ haver-me por desculpado de me atrever a ser teu hospede ; que se no campo havia de perecer a vida esta noile 4 chuva e ao frio, mais licito me pareceu fial-a ao abrigo do solilario desta casa. » Replicou a voz: « Ora ja que estas tao perlinaz em nao despejar, tanto chovera aqui, como no campo » ; — e dizendo isto, em um breve instante se destelhou o telhado do apo- sento , e ficou chovendo nelle como na rua. DIABINHO DA MAO FURADA. 471 O soldado vendo-se naquelle aperto, nao teve outro remedio mais que metter-se no canto da chaminé, e tornando-se as boas com o dono da casa (que até o diabo se obriga de li- sonjas pelo que tem de enganador), lhe disse: « Senhor Bar- rabas , Astarat, Belial, Ssmodeu, Levitan ou Berzabu, ou qualquer outro principe infernal que Vossa Diabrura seja , nao é politica de grandes sujeitos usarem rigores com os hu- mildes. Perdée Vossa Diabrura violar 0 solitario desta casa com minha assistencia ; e considerando que o medo e o frio faz metter o homem com seu inimigo , e como o desta noite era {a0 grande, me obrigou a nao reparar no terror della : Sirva-se Vossa Diabrura de torpar a telhar a casa, porque me repare da chuva, que em rompendo a luz do dia a despejarei logo. Contente-se por castigo do meu erro com os sobresaltos e molestias, que me lem dado, que tanto @ o de mais, como o de menos ; € se quer que Conversemos UM poUcoO, appareca, que animo tenho para isso, e por mais feio que se me repre- sente, nao me aproveitarei das palavras que sei para me livrar de Sua Demonencia, nem lhe direi vade refro, nem o nott- ficarei com os exorcismos, que tanto descompoem a Vossa Diabrura. » Palavras nao eram dilas, quando ja a casa estava oulra vez telhada, eo Diabinho da mao furada em presenca do nosso soldado Peralta, em figura de fradinho de pequena estatura , mas de disformes feicgdes, os narizes rombos e ascorosos de moncos, a boca formidavel com colmilhos de javali, e os pes de bode; 0 qual ao sobresaltado Peralta articulou estas palavras : « 0 animoso soldado, nao sou nenhum desses principes infernaes que disseste; sou, sim, commissario geral para lentador e provocador das maldades; depois que , por: so- herbos e ingralos , 0 nosso ineffavel Creador nos despenhou das celestiaes alluras, uns de nds outros foram sepultados 472 REVISTA BRAZILEIRA. nos abysmos infernaes , outros ficamos no ar a superficie da lerra lendo nossa pena, para movermos as tempeslades e lerremotos, quando o poder, que nos precipitou, o permitte por castigo ao mundo. Destes sou eu um dos mais perversos e endiabrados de todos. Ku fui o que inventei o tomar, ta- baco, para que os homens perdessem o sentido e regalo do olfacto, @ andassemn sempre ennodoados nelle; e bem se ve que foi invenliva minha semclhante vicio, tanto sem gosto, pois nao soffrem os que oO tomam quando espirram , que hes digam Dominus-fecum , porque respoudem logo para evilal-o; — Senhores, ¢ tabaco—, e tém por delicia metlel-o em po pelos narizes, e bebendo-o em fuwmo pela boca, a imitagao do inferno. Eu inventei vs sapatos acolherados com um palmo de polivi e sua forquinha adiante em signal do que merece quem os usa. Eu inventei os rebugos de meio olho, por levar ds mulheres Jiberdades sob capa delle; os monhos e as ana- eoas, os guarda-infantes , punhos francezes pelo meio dos bracos, e decolados provocadores das lascivias. Nao fallo em capainas, serambiques, chacoinas, sarabandas e seguidilhas deshonestas, que isso sho cousas de nonada para mim. Uns me chamam Diabinho da mao furada, e oulros Fradinho, por alguns de nos termos as mios lo rolas de iiberdades , que em muitas casas onde andamos fazemos ferver o mel, crescer 0 azeite, angmentar-se os bens, lograreim-se felicidades, e sobre- tudo, quando nol-o merecem com a boa companhia que nos fazem, descobrimos thesouros escondidos aos donos das casas em que andamos. A estas me inclinei para minha habitagao, pelos infelizes donos que tiveram, @ os execraveis maleficios , que nellas se execularam ; daqui tenho ordem de Lucifer para acudir a todos os magicos e bruxas, que comnosco tem pacto, elhes dar razao do que por meio de minha industria que- rem saber. Determinava fazer-le ma hospedagem, mas vendo- te {a0 animoso e justificado, revoguei minha tengao (que ale DIABINHO DA MAO FURADA. ATS os diabos, pelo que tivemos de atrevidos, respeilamos os su- jeilos valorosos); que nao somos tao feios , Como Hos pintam ; e ja folgo de te ter hospedado esta noite para a passar con- versando comligo, por seres homem de inestimavel valor, a quem minha presencga nao atemorisa, como a alguns que so do nome della se assombram e arripiam ; assim nao partiras daqui sem ir aproveilado e te fazer grandes bens. » Responden o Peralta: « Agradeco a Tua Diabrura, Sr. Diabinho da mao furada, a hospedagem desta noite , por ser inescusavel, mas Os favores , que prometle, Os escuso ; por- que, como Sua Demonencia costuma por o mel pelos beicos de semelhantes promessas, com que engana os parvos, para depois se pagar dellas com tanto damno dos que lhe dao cre- dito, nao quero eu prato de ouro em que hei de escarrar sangue, c.sangue espiritual com risco de minha salyacao. » « Ora digo (replicou o Diabinho) que és disecreto, pois me conheces tio bem: © verdade que a profissio de minha nalu- reza @ a que suppoes de enganar com promessas de bens, para delles tirar males de quem os recebe, sem considerar a pensio com que llyos concedo ; porque os ignorantes cuidam que no receber nao ha engano; mas de min podes estar se- guro, que de ti nao quero nada mats que fazer-le bem ; por- que parece que outro demo como ew me cortou o embigo. » « Nao entendo vespondeu Peralta), a mim mio me enganam palavras : a verdadetra felicidade nao consiste em ter tudo, senio em desejar nada, e Sua Demonencia bem sabe que neste mundo o fazer male fazer bem lem igual perigo; por- que nunca falfa contradiecao aquem bem, obra, nem quem é mau tem boa correspondencia. Sempre observel 0 nao teimar com rei, hem superiores, nem com os ricos, € muilo menos com os diabos; porque nao ha valor na hatureza humana para porliar muito, havendo de medrar pouco. Alguns avisos se da0 a0s superiores, que nado sao fallas do infamado , senado ATh REVISTA BRAZILEIRA. mentiras do invejoso, e por isso commummente leva 0 premio quem o nao merece. A Sua Demonencia nao peco nada mais que me deixe socegado passar 0 restante da tempestuosa noite. » « Nao sejas tao descunfiado da afleigao que te tomei (res- pondeu o Diabinho), por que te nao parecas ingrato ; che- gaste aqui pobre, @ quero que vas rico ; considera, para nao engeitares o que te offereco, o que diz 0 castelhano : — haga semilagro. y haga lo el diablo » ; — ao que respondeu Pe- ralla: « Se Vossa Diabrura quizer obrar comigo essa gran- deza, sem esperar de mim que quebrante em nada a obrigacgao de fiel catholico, nd. sera mi decha tanta, quanto sera mi plazer. » « Ainda (replicou o Diabinho) nao se pescam trulas a bragas enxutas. » — Respondeu Peralta: « Tambem se to- mam trutas a bragas enxutas. Os bons pescadores as tomam presenladas ; e presentes ha que nao custam a quem os recebe mais que o aceital.os, » — Teimou o Diabinho: « Nunea o muilo cuslouu pouco; ja te disse nao queria que le cuslassem nada os favores que te fizesse , porque me pago delles no gosto que tenho de fallar comtigo. » Querendo a isto responder Peralta, Iho impediu a vista de quatro femininos vullos, que com notavel estrondo en- travam pela janella com grandes alaridos, ¢ as grenhas sollas e empegadas ¢ negras, as Caras disformes , as carnes curtidas, e nas grosseiras e lorpes mads umas candeinhas acesas , as quaes ajoclhando ao Diabinho, the fallaram na forma se- cuinte : « Ati, 6 podeross commissario do principe das tenebras , reverenciamos ¢ rendemos gracgas; como fidedignas subditas tuas, vimos publicar os heueficios que temos feito, em virtude do pacto que comtigo temos celebrado, para que o julgues por bom acerto, e nos nao falles quando te invocarmos. » « Eu vosagradeco, amigas minhas (respondeu o Diabinho), DIABINHO DA MAO FURADA, ATD esse cuidado e adoracao que me fazeis; assim bem podeis relatar as maravilhas que tendes executado em virtude do favor que vos concedo. » — Levantou-se uma das bruxas com humilde submissao, e disse ao Diabinho: « Ku, 6 Lucifero Commissario , venho esta noite de chupar o sangue a um me- nino, que nao havia mais que dous dias fora baptisado , eo deixei sem vida; »— ao que respondeu o Diabinho, dando um formidavel grito: « 0’ monstro indigno de meu favor , e do litulo de bruxa, merecéras por tal feito logo, logo, em corpo e alma te sepultasse nas profundas do inferno, e que nao viras mais luz do mundo ! Nao fora mais licito que antes de se bap- lisar esse menino lhe tiraras a vida; que entao, quando nao livera pena, nao gozira a gloria, que perdeu a nossa soberba, cuja inveja nos abrasa ¢ obriga a procurar a perdicao de todas as creaturas, porque nao oecupem as cadeiras que nds per- demos ? — A innocentes em graca matas, feminino Herodes, para irem gozar da eterna gloria? Nio fora melhor que esse innocente vivéra até a idade em que peccara , para que ti- veramos parte nelle , que nio evitar-lhe este perigo com Ihe tirar a vida? » « Grandes diligencias fiz, 6 indignado commissario (res- pondeu a bruxa), por executar minha maldade antes de se haplisar; mas semeando seus pais mostarda pela casa, le- vantando os ferrolhos das portas , e pondo as espadas nuas nas entradas dellas, m’a impediram; que nac sei a anti- pathia que tem comnosco a virtude destas cousas, que nos encontram com grande violencia nossos intentos; se nao é que procedeu de semelhante effeito da virtude de alguma re- liquia, que ao infante se tinha posto, que sera o mais certo. Quanto ao que me dizes, que mais justo fora que vivéra aquelle innocente até idade em que peccara , para nelle teres parte , contenta-te com a que tiveste pela culpa original que layou 0 baptismo; pois se vivéra poderia ser um grande santo, 476 REVISTA BRAZILEIRA. além de ficar por tal capaz de maior gloria. que pudéra acon- tecer com seu exemplo reduzir muitas almas a Deus, e tirar-te das mios as prezas dellas; e sobretudo tu tens a culpa da minha hydropisia do sangue humano, pois te tizeste insaciavel sanguesuga delle. » O Demonio endemoninhado lhe disse : « O° inferno abre- yado! 6 feminino Herodes! 6 diabo dos diabos! pois ator- mentas com 0 sangue que cChupas aos innocentes haptisados ; nao te iras daqui, 6 indigna da minha presenca e de meus favores, sem o merecido castigo! » —E sem mais nem mais, tomando um pau dos que Peralta tinha dedicado para o lume, amoeu em pancadas, de sorte que lhe aletjou uma perna. Admirado estava Peralta, e fora de seu sentido, de ver aquelle espectaculo, e de haver gente haptisada, que por vozar favores do demonio para sua eterna condemnagao sof- fresse tal ignominia! Desejava-se ver dali cem leguas, e mal- dizia em seu coracao a sorte que ali o trouxera, onde se jul- gaya em tamanho perigo, vendo, a seu parecer, o inferno em vida; se bem fiava de seu animo e coragao , que encom- mendando-se interiormente a Deus. mediante o seu divino favor escaparia de tudo. O diabo depois que derreou a bruxa com o referido castigo, e the mandou que dentro de quinze dias nao fizesse signos salomonicos, nemo invocasse, sob pena de lhe tirar logo a vida, e Ihe antecipar o inferno, onde ecleraamente beberia chumbo derretido, pelo sangie innocente baptisado que chu- para, mandou as companheiras que referissem o que tinham feito , ao que ellas logo ohedeceram , relatando laes enormi- dades e torpezas, que Peralta. por Ihe parecerem indignas de se escreyerem, nio fez dellas memoria : so referiu que foram taes, que 0 Diabinho Ihes disse: « Victor! amigas minhas! vos oulras sim, que sois merecedoras de meus fayores: eu yos engrandeco por superlativas bruxas; e porque tenho o DIABINHO DA MAO FURADA. 417 hospede que ali védes, e é ja tarde, vos podeis reslituir as vossas habitagdes. » — Ellas, que até entio nao tinham re- parado em Peralta, por allenderem simente ao Diabinho , Peralta estar muito quieto e sem fallar palavra retirado ao canto do aposento, tanto que delle tiveram vista, transfor- mando-se em gatos negros, sallaram pela janella fora da quadra com horrendos maulos. Assombrado estava Peralta e sem golla de sangue, por que todo Ihe tinha o coracao , com temor do que tinha visto , pa- recendo-lhe illusao do diabo o que julgava realidade, quando desapparecidas as bruxas lhe disse o Diabinho: « Que te parece daquellas subdilas minhas? » — Peralta respondeu : « Estou admirado e¢ allonito como fora de mim: dizer que jiaja gentle ao brufa, tao cega e tao irracional, que conhe- cendo-le a ti, por executar maldades contra seus proximos , 6 viver quatro dias licenciosamente ’ custa do desprezo com que as tratas, comprem um inferno, onde hao de ee eler- namente; 6 miseria grande, 6 execravel maldade! Eu te confesso que vivia enganado ; porque por mais que ouvia dizer haviam bruxas, ¢ que com teu favor obravam grandes maleficios, e para isso te communicavam, nao me podia persuadir que assim fosse , imaginando que nao passava de supersticdes de mulheres embusteiras ; mas agora que vi com 08 meus olhos o contrario do que imaginava, sc nao foi il- lusao do tea engano, fico desenganado, er coracao sem arle nao cuida maldade. » « Quantos desses enganos ha no mundo (disse o Dia- binho) ; mal sabes o que corre nelle, e quantos fazem praca de timoratos e virtuosos que me estio entregues ! > « Con supan se lo coman (respondeu Peralta), que eu lhes nao tenho inveja, e la thes vira seu S. Martinho a tempo que 0 arrependimento nao tenha remedio ; que quem tempo tem, e tempo espera, tempo é que o demo the leva; mas é nata- 478 REVISTA BRAZILEIBA. reza humana que com aidade, com a fortuna, com o inte- resse , @ com paixao se vai mudando,. assim como os male- volos com as palavras, riso e lagrimas encobrem o que tém no coracao: erram com capa de bem, e com amor proprio perse- veram e fazem reputagao da vinganca e da croeldade. Quanto melhor fora ao sujeito, que persuadido de ti engana ao mundo com capa de virtude , o nao haver nascido nelle: nem visto aluz do sol, por se livrar da eterna condemnacao! Assim é aquelle que nas necessidades ¢ humilde, e fora dellas arro- gante e desprezador ; 0 que em si louva e affecta , é o que lhe falta; julga-se fino na amizade, mas nao asabe guardar ; despreza o proprio, e ambiciona o alheio; quanto mais al- canca, mais deseja; com bens e accrescentamentos alheios se consome e inveja. » « Mais pareces prégador, que soldado (disse 0 Diabinho) , contra 0 habito da tua profissao ; porque os mais dos soldados se nao sio diabos, sao as pelles delles na blasphemia e liber- dade da consciencia , com que executam seus vicios. » . « E verdade que a vida do soldado é muito licenciosa (disse Peralta); mas nem por isso deixa de haver muitos ti- moratos e reformados: porque os perigos de que escapam na guerra, muilas vezes Ihes fazem emendar a vida, por nao os tomar nelles a morte carregados de maleficios. » « Esses sio poucos (respondeu o Diabinho); nao queiras tu ser agora corrector do mundo, examina-le ; porque nao és tio Paulo que nao tenhas cahido em bastantes maleficios ; nao Vo digo, porque tu o sabes; e no meu.livro de memoria tenho tomado assento para tua accusacao, quando for tempo ; mas ninguem yé as trancas nos seus olhos, @ sb ve OS ar- sueiros alheios. » Disse Peralta: « Confesso que {ui moco esoldado, e que como tal cahi em grandes desacertos contra a obrigagao de catholico; mas ja agora arrependido e confessado procuro DIABINHO DA MAO FURADA.- 479 emendar-me de meus erros; que gato escaldado dagua fria tem medo ; e porque este conhecimento me obriga a apartar- me da tua companhia, e a luz da manhia vem ja rompendo, peco-te me dés licenga, para proseguir meu caminho. » « Nao sei que secreta causa (disse o Diabinho) me obriga de te fazer bem; segue-me, e irds aproveitado, ja que tua ventura assim 0 permitte. » —E descendo por uma escada abaixo, disse 4 Peralta 0 seguisse , o que elle fez contra sua vontade, e chegando a uma acotéa, onde signalando-lhe o Diabinho um canto della lhe disse, que cavasse com a sua adaga , que com pouco trabalho descobriria uma panella com quinhentos cruzados em ouro, que ali deixara enterrados certo miseravel , que naquellas casas morava e morréra su- bitamente, havia mais de cem annos. Assim 0 fez Peralta, e brevemente descobriu a panclla com a quantia mais copiosa, que o Diabinho disse accommodasse no alforge e se partisse logo, que elle o queria acompanhar até Lisboa, pelo livrar de alguns contrastes , que no caminho ihe podiam succeder , e manifestar-lhe os enganos do mundo. Sentidissimo ficou Peralta da offerta da companhia, e antes de boa vontade largara 0 dinheiro, que ir com o diabo; e assim lhe disse: « Deixe-me Vossa Diabrura ir sé , porque tenho muito medo de seus enganos, e me nao deixara lograr uma so hora de descanso ; e se para isso 6 necessario largar a panella de dinheiro , eu 0 faco de muito boa vontade. » — Ao que 0 Diabinho replicou: « Nao sei que secreta causa me obriga a respeitar-te e a fazer-te bem; e assim te nao hei de largar até te por em porto seguro. » — « Pois ja que assim é (respondeu Peralta), e te resolves a acompanhar-me, ha de ser com condicaio , que me nao has de impedir as boas obras que fizer. » — Disse 0 Diabinho: « Disso te dou eu firme pa- lavra. » — E Peralta respondeu: « Vamos em boa hora. » Nesta conformidade partiram da pousada (ou conciliabulo) R. B. JIL. 32 480 REVISTA BRAZILEIRA,. o Diabinho da mao furada eo famoso Peralta. Chegados que foram a ribetra chamada Enxarrama, viram como naquella noite tinha chovido, muita agua ia de monte a monte; mas sem embargo disso, disse 0 Diabinho 4 Peralta que passasse, que elle o tomaria as costas, e a pe enxuto o poria da outra parte do rio em paze salvo ; nio consentiu Peralta, dizendo- dhe: « Vossa Diabrura faz de mim Judas, quer-me mergulhar com a panella de dinheiro; rodeemos um pouco, e vamos & ponte, que @ 0 mais seguro € 0 mais aceriado» ; — no que com faciiidade veio o Diabinho por ter occasiio de mostrar a Peralta que, por mais que se acautelasse dos seus enganos, - se nao poderia ver livre delles, se elle os quizesse executar. Caminharam breve espaco, e pareceu a Peralta que estava na ponte ; porque o Diabinho phantasticamente lh’a representou fingida, e indo passando ao parecer de Peralta pela ponte , no meio della desappareceu a supposta machina, e se viu Pe- ralltano meio do rio, sustentado no ar do Diabinho , o qual the disse , que ali veria 0 pouco que importavam para com elle prevencdes e cautelas, quando quizesse executar mal- dades; porém, que nao desconfiasse mais delle por nao dar oceasiao a fazer verdadeiros seus receios. Assombrado ficou Peralta quando se viu no meio da cor- rente impetuosa , pendendo da voutade de quem o sostinha ; imaginando que para executar a maldade de se afogar na- ‘quelle rio, usara 0 Diabinho com elle os referidos enganos ; e fazendo interiormente naquelle aperto actos de contricao , e pedindo soccorro ao Céo, esteve por muitas vezes largando 0 alforge com os cruzados que trazia, julgando-os tao falsos como o dono, por tambem ficar mais desembaracado para lutar com as aguas; mas fazendo das tripas coracao, e da necessidade virtude, mostrando que nao temia nem devia, disse ao diabo que 0 puzesse em terra; que dali por diante o reconhecia por fiel amigo. Assim o fez 0 Diabinho , e foram DIABINHO DA MAO FURADA. 48] caminhando para a cidade de Evora; Peralta imaginando no meio que havia tomar para se apartar de tao prejudicial com- panhia,e o Diabinho fulminando embelécos para executar suas maldades. Chegaram 4 dita cidade, onde se apresentaram em uma estalagem 4 Porta de Aviz; nella deixou o Diabinho a Peralta, udizendo-lhe que descansasse e se regalasse aquelle dia, que elle ia dar uma volla pela cidade a fazer umas galanterias , que a noite se veriam. Com isto se despediu o Diabinho, e Peralta se recolheu a um aposento, onde fechando-se tirou do alforge o dinheiro , porque se nao podia persuadir que fosse tao favorecido da ventura, que por tao estranho modo lhe deparasse aruelle remedio para reparo de tantas miserias e trabalhos, como na milicia tinha padecido. Tirado o dinheiro e desenganado com a vista delle , e de sua realidade , nao cessava de dar gragas ao Céo por aquelle amparo ; porque como nada se move sem permissao sua, ainda que o instrumento daquelle bem fosse o demonio, 0. aliribuia 4 maravilha da Divina Providencia, e assim em agra- decimento de tal mercé, promettia de fazer todas as boas obras que pudesse. Depois de Peralta contar o dinheiro tres ou quatro vezes, e -tirar delle o que lhe parecew necessario para os gastos do ca- minho, pediu linhas e agulha 4 dona casa ; gastou o restante da manhaa em coser os dobroes entre os forros do jubio e da roupeta. Acabada esta obra pediu de jantar, e tratou do regalo da _ Sua pessoa, Como quem se achava com dinheiro fresco ; que pela vida que professava de soldado nada tinha de miseravel, como alguns malditos, que feitos escravos do dinheiro, por nao trocarem um tostao se deixam perecer de fome, e jejuam sem algum merecimento, poupando para outrem o que nie 482 REVISTA BRAZILEIRA, logram para si. O nosso Peralta que era livre desta relé mi- seravel, além da Olha da hospedagem , mandou assar uma boa franga, e com os mais fragmentos de queijo, azeitonas e bom licér de péra-mansa fez a razao ; e depois de jantar, como tinha velado a noite stint fechada a porta do aposento se Janeou a dormir. Entregues os senlidos exteriores a0 somno, ociosidade da alma e esquecimento dos males, e soltos os interiores . como se Jhe nao tirava do sentido o Diabinho, Jhe occorreram a es- limativa e phantasia imaginacgdes, ajudadas do vapor do péra- mansa, e se lhe figurou com representacdes evidentes se via com elle no inferno. ; FOLHETO IL. Chegado Peralta com o Diabinho por representagdes a porta do inferno, viu que um grande tropel de gente vinha correndo para elle lhe preterir na entrada della; e admirado de ver tao grande alvoroco para tao triste habitacao, per- guntou ao endiabrado companheiro, que gente era aquella ? ao que Ihe respondeu, que eram uns condemnados por mi- seraveis, que La0 souberam na vida que cousa era dar esmola, nem fazer boa obra, nem tio pouco ser senhores do que tinham ; os quaes tinham passado a vida em tanta abstinencia, que Ihes representava a sua ignorancia que a haviam ter menos penosa no inferno; e por esse respeilo vinham com tanta pressa a tomar logar, cuidando furtavam bogas; mas_ alla se lo diran de misas. Admirado ficou Peralta da bratalidade de tal gente; e en- trando (aseu parecer) pela boca da infernal grata, 0 atur- diram ¢ assombraram alguns horrendos latidos do cao Cer- DIABINUO DA MAO FURADA. R ASS bero, a quem o Diabinho assobiando secegou, dizendo que eram amigos. Passaram adiante. Em 0 primeiro aposento vin Peralia muitos homens em pé, arrimados a varas de justica, e detras delles outros tantos escrevendo en feitos, e um grande numero de demonios espancando-os com varejoes tao compridos, que aleancavam a todos. Os que tinham as varas clamayam pelos escrivaes, que da parte Wel-rei notificassem aquelies perversos malditos para autos de resistencia; porque aijyuelles desacatos feitos a ministros e officiaes reaes, eram dignes de um asperissimo castigo; e@ nisto persistiam de con- tuo , e quanto elles mais gritavam , mais hes davam, di- zendo-lhes : Varas que per ambicoes De interesse e da cohicn Mediram mal a justica , Se tornaram varejoes, Que gentle era aguella, perguntou Peraita a seu socio, por- que ali nao se conhecia rei, nem roque? respondeu-lhe: que eram ministros, meirinhos e alcaides, e detras delles seus escrivaes ¢ porteiros, que naviam sito condemnados por obrarem mal em seus officios, @ que por haverem sido ins- trumento da sua condemnacao pela ma alministragao da justica , subornacao que netla tiveram , respeitos e empenhos por que a mal usaram, peilas e interesses que reeeberam por proferirem sentencas injustas, se usava naquelle logar do poder e jurisdiccio infernal, alormentando-os com pancadas daquelles varejdes, sem allencdo a requerimentos, autos ou protestos, nem appellacao ou aggravo, nem outro algam re- curso superior. Em outra estancia se representaram a Peralta algumas pessoas graves sentadas em tribunaes ascorosos, a quem ASL REVISTA BRAZILEIRA. muitos espiritos malignos defumavam com papeis queimades, e abrasando-os com fogo lento, Ihes diziam : O interesse e respeito A tal pena causa deram , Pois na vida vos fizeram Fazer do torto direito. E informando-se Peralta do seu Fidus Achates quem erant os defumados, lhe disse: que eram alguns ministros condem- nados por confirmadores do julgado contra o direito e 0 mere- cimento dos autos, movidos por paixdes , peilas ou respeitos, ou tambem de sua ma tencao, de que de tudo procedem as fumacas, com que os offendiam, que significavam os maos feitos delles ; 0 que nio succede aos bons, bem tencionados, porque em todos os estados ha maos e bons. Em outra parte viu Peralta outros com alguma autoridade, e ao redor delles muitos demonios atordoando-lhes os ouvidos. com disformes buzinas , dizendo-lhes de quando em quando. o seguinte quarteto : Ouvidos, que ouvir na vida Nao quizeram pretendentes , No inferno as tristes. buzinas Ouvirao elernamente. Perguntando Peraltaa seu familiar, quem eram aquelles 7 respondeu , que eram ministros occultos das partes , que fe- chavam as portas e cerravam os ouvidos, fazendo dos plei- teantes aves baldias ; as chancellarias sao a éra onde se poe 0 cebo para enganal-os; 0 juizarede, ¢ os advogados e mi- nistros os cacadores ; e por mal obrarem cacaram os tor- mentos que estao padecendo. DIABINHO DA MAO FURADA. ; 485 Admirado estava Peralta de ver taes espectaculos , e nao se podia persuadir que fossem verdadeiros , senao outra illusao phantastica, semelhante 4 da fingida ponte; porque se Ihe nao accommodava 4 boa razio que houvesse sujeitos de juizo e catholicos romanos taes que com conhecimento do bem e mal, dessem occasiao a commetterem taes aggravos a Deus, que Os sujeitou aquellas penas infernaes, sem remedio, quando no mesmo districto se Ihe representaram outras figuras fo- Iheando grandes livros, os quaes lhe arrebatavam da mao alguns demonios, e com elles Ihes davam muitas pancadas , dizendo-lhes de quando em quando os epigrammas seguintes: -Folheai sem descansar Os textos com desprazeres , Pois vossos maos procederes Vos fizeram condemnar. Padecei a infernal ira, Pois fazieis com maldade Ou da mentira verdade, Ou da verdade mentira. Perguntou Peralta ao Diabinho companheiro , quem eram aquelles? respondeu-lhe que eram advogados constituidos em trapacas , onzenas e affectacdes, que por terem das partes -interesses e dadivas com esportulas mais excessivas ao mere- cimento de seu trabalho, fulminavam requerimentos chime- ricos, sem fundamento de razio ou justiga, afim de atropellar e inquietar 0 socego justo, limitando as leis, dirigindo-as com diversos sentidos, trazendo autoridades e fingindo-as apparentes ao caso; inculeando-se por discrelos , doutos e verdadeiros, sendo entranhavelmente enganadores, vaos ¢ mentirosos, @ por isso eram com os mesmos livros espancados dos demonios e condcmnados a cternas penas. 486 REVISTA BRAZILEIRA. A estes se seguia outro conclave de gente muito esfarra- pada, rota e mal vestida; uns muito pensativos e cuidadosos, outros mordendo nas unhas, e outros dando palmadas na testa, fazendo accdes como doudos, e juntos a clles alguns demonios, dizendo-lhes os seguintes quartetos : Prodigos, que dispendendo Tanto ouro, e tanta prata, Tantos rubins e diamantes , Tantas perolas e esmeraldas, Encarecendo bellezas , Que se hao de tornar em nada, Apenas no fim da vida Tivestes uma mortalha! Informando-se Peralta do companheiro das maos rofas, que gentle era aquella? Ihe respondeu que eram poetas, que se condemnaram por darem epitheto ds bellezas humanas , cha- mando-lhes divinas, angelicas, idolatradas e soberanas , com oulras semelhantes loucuras , que por mais que se quizeram desculpar dizendo, que eram ornato e exaltacio da poesia as hyperboles daquellas lisonjas, Ihes nao foi aceita a des- carga. Aquelles que ali vés pensativos estao desatinados, buscando conceitos no entendimento para um certame poetico , que Plutao ordenou sobre o roubo que fez de Proserpina; e os que vés batendo na testa e mordendo as unhas, estao buscando conceitos para os versos que tém ja comecados; e 0 premio que por elles hao de receber sao os tormentos dobrados que padecem , pois nao sei que antipathia tem a fortuna com a pobreza, que tio pouco favorecida é della no mundo, sendo (io applaudida nelle; nem que implicancia tem a poesia com a pobreza ¢ miseria, que pao houve professor seu, por mais DIABINHO DA MAO FURADA, 487 insigne que fosse , que nio acabasse infeliz e miseravel; por isso esta naquelle canto Ovidio, acoutando-o seu pai por fazer versos, e elle promettendo em vers) de se emendar; porque é tal a doenca da poesia, que por mais que procurem os genios, que a professam, deixal-a, se nao podem livrar della. Nao tinha o Diabinho acabado as referidas razdes, quando Peralta olhou e viu muitos cavalleiros vestidos de capa e volta, sem espadas , com anneis de bispo, e luvas fechadas has maos, virem fagindo de grande multidao de gente, que os seguia, dizendo-lhes: « Esperai, infames magdes, verdugos da morte, que vds aqui pagarcis as erradas medicinas, que nos applicastes, sem mais conhecimento, ou razio das queixas que aquellas que voluntariamente arbilrava 0 vosso asnatico: entender, sem cessardes , com 0 sangue das veias de nossos: corpos, nem com as beberagens das boticas sem serem coa- dunadas ds queixas ; nem de leites, frangos, ajudas, e ultima- mente se nao morremos de garrote, banhos e fora da terra ; extorquindo-nos 0 cabedal tanto do corpo, como da fazenda ;. € 0 peior foi, estando nds morrendo , dizerdes escapavamos da morte, motivo por que nos descuidamos da nossa salvacio ; pelo que vs, malditos, fostes o instrumento de virmos aqui com este epigramma : E assim com razao pagais Com pena o rigor tio forte, Seres ua vida da morte Gadanhas universaes. » Seguiram tambem a estes carnicciros da gente humana dous tumulios de gente, uns tirando-lhes com redomas, almofarizes: e espatulas , e outros com malvas, violas e jogos de tabulas,. dizendo-lhes os primeiros : « Aqui, falsos Galenos , nos ha- 488 REVISTA BRAZILEIRA. vemos de vingar de serdes a causa da nossa perdicao com 2 prodigalidade de vossos récipes, sendo igualmente interes- sados com os boticarios ; » — os segundos clamavam, arguin- do-lhes a culpa das innumeraveis execucdes das sangrias e sarjas. Nao ignorou Peralta que os cavalleiros eram medicos, e os das redomas e guitarrinhas boticarios e barbeiros ; por isso nado perguntou ao Diabinho quem eram, attendendo sd a ver’ em que parava aquella revolta, que foi o chegarem todos aos doutores , e depois de os derribarem das bestas abaixo , e os arrastarem largo espaco, os boticarios lhes deram ascorosas beberagens, e os barbeiros muitas sangrias com lancetas abrasadas em fogo. Occupado estava Peralta na representacao deste objecto, quando advertiu delle, outro, de um grande tropel de gente, uns com sovelas e tesouras nas maos, fazendo uma barafunda de todos os diabos, e acausa da sua differenca era sobre quaes foram na vida maiores mentirosos; ¢ como os das so- velas eram sapateiros e os das tesouras alfaiates, nao se re- solveu; alguns demonios os acompanhavam a determinar a questao , dizendo-lhes : Destes por ser singular O mentir por seu prazer , Podemos nds aprender A mentir e a enganar. Logo nas costas destes viu Peralta que vinham outros muitos, e atras delles outros tantos demonios, que os traziam de rastos a lancar em um lage de agua sordida, fedorenta e turva. para que bebessem nelle a que tinkam Jancado nos vinhos, que venderam por serem taverneiros ; elles gritavam que os nao langassem , que nao mereciam lao grande castigo DIABINHO DA MAO FURADA. 489 por baptisarem 0 vinho, eo fazerem christao: os demonios , em paga de uma tao boa obra, como era o serem missionarios baptisantes, lhes diziam : Recebei nesta eternidade , Velhacos de infame ser, © Dessa agua mais quantidade , Que aqui fizestes beber Aos homens contra vontade. Estava Peralta admirado, considerando como se pagavam no inferno as maldades, que se faziam no mundo, quando viu sahir de uma sala, ou gabinete, muitas mulheres enfei- tadas e besuntadas , olhando para os peitos se os levavam altos e bem puxados, ¢ para os pés se brilhavam, e as meias se appareciam , fazendo-se escoadas da barriga, e botando 0 cui para tras, influindo mais gravidade , e circumdando-se todas, se foram chegando: para as outras, que ja la estavam, e mandando-as retirar para tomarem melhor logar, nao lhes. quizeram as outras obedecer, supposto estavam mais des- preziveis ; e sobre 0 —tire-se para li, e — va para acola, e — nao quero, e —olhe para ella —, houve tal tumulto no inferno , que nem os diabos paravam; engadelharam-se umas nas oulras, e tudo ardia em tanto fogo e alarido, que atroavam os infernos; alguns demonios lhes diziam : ~ Porque nao ardem galantes Nesta infernal officina , A todas as circumstantes Manda queimar Proserpina Os monhos e guarda-infantes. Sorrindo-se Peralta de ver semelhante barafunda , per- 490 REVISTA BRAZILEIRA. cuntou a seu Diabinho, quem eram as duas mulheres, que vira como senhoras mandar queimar ds outras os monhos e guarda-infantes ? — respondeu-ihe o Diabinho que eram Eu- ridice e Proserpina, que os poetas fingiram ser roubadas do principe infernal , — « e foi falso testemunho que the levan- taram, que alé os demonios no inferno nao estao livres delles; ea verdade é que ellas pelas suas obras ¢ por seus pés vieram ca, que ninguem as foi buscar. » | Nao bem tinha o Diabinho acabado de referir estas palayras, quando Peralta em outra parte viu muitas pessoas cobertas de asperos cilicios, macilentas e fracas , ajoe!hadas defronte de um demonio, que estava sentado sobre um throno de fogo , que ardia sem dar luz, e coroado de negro fumo. Assombrado Peralta de tal visao, perguntou a seu familiar infernal que gente era aquella ? — elle lhe respondeu: que eram martyres do Diabo, que na vida chamavam hypocritas, que com as contas na mao fingiam que rezavam , ec com ayuelles cilicios e outras penitencias se mostravam virluosos, para os terem por bons, sendo os mais perversos e depravados delles, por cajo respeito tinham no inferno as insignias com que o gran- gearan , podendo ser instrumento da sua salvacao, e que 0 principe a quem adoravam era o grande Lucifer, o qual Ihes dizia: Castizga-te meu poder, Sem ninguem poder livrar-te ; Pois te quizeste perder , Ninguem podera salvar te. Em outra parte se representaram a Peralta muitos homens em grandes porfias com compassos, quadrantes e espheras nas mios , cujas insignias os manifestavam por astrologos : uns defendiam que nao havia mais que o c¢o enpyreo, e¢ que DIABINHO DA MAO FURADA. 49] no convexo delle estavam as estrellas ¢ mais corpos celestes ; outros negavamh a esphera do fogo; outros contradiziam esta opiniao; e sobre isto havia taes gritarias, que 0 mesmo in- ferno se asso;nbrava de os ouvir; sobre cujas porfias se vic- ram a descompoér de maneira que se tiravam uns aos outros com os globos celestes e terrestres espheras , astrolabios , bussolas, dioptras, cylindros, compassos e pantometros, fazendo tal revolta, que um diabo que os acompanhava lhes disse: « Maldita gente, quem te mette a querer testemunhar do que nao viste, e a trochemoche dizer taes disparates ? Que astrologia, ou que sciencia foi a tua, pois te nao sabes livrar de vir argumentar sobre ella neste logar e abysmo? Por vida do Sr. Lucifer, que se mais alguem falla palavra , que hei de tapar a boca a cada um com seu demonio, que o martyrise ; deixem estar 0 cé., as estrellas, o sole a lua em suas eés- pheras, c nao se mettam no que ndo sabem, nem deste abysmo se pode considerar. » — Calaram-se todos, e 0 demonio pro- seguiu, dizendo : A astrologia divina , De que todos sois indignos , De entendimentos divinos Somente pode ser digna. Em outra parle appareceram grande numero de mancebos, esmerados em todo o asseio, vestidos 4 moda, com calcas justas, meias de glovia, sapatos acolherados com sua for- quinha e saltos de palmo, as cabelleiras bem talhadas e muito polvilhadas , dando muitas vezes 4 cabeca por ver se desco- briam janellas , e nellas alguma dama para exercitarem os vis € escandalosos rompantes de que usam, e ainda nos templos com mais devassidao e toleima, ludibriando do divino culto, e nelle com muitos risos e escarneos , fazendo mais capricho 492 REVISTA BRAZILEIRA. da vaidade e namoro que da ovacao: detris destes estavam muitos demonios enfarruscando-lhes os vestidus , e sujando- ihes as meias e sapatos, pondo-lhes fogo as cabelleiras, e mettendo-lhes tides pelos narizes, com que desatinavam, ¢ faziam notaveis clamores e gritarias , rogando aos demonios que antes Jhes fizessem outros males, que sujar-lhes 03 ve3- tidos, porque na limpeza delles estava o remedio de seus en- ganos; mas elles nao cessaram sO com este maleficio , porque depois de os ennodarem, lhes entraram com tesouras ar- dentes a tirar as guedelhas, e queimar as bigodeiras , com o que elles faziam taes extremos de sentimento, que pareciamn doudos ; e os demonias lhes davam vaias, dizendo este epi- eramma : Vossa perversa maldade Aqui donde parar veio Kez a limpeza e asseio Converter-se em sugidade. Perguntou Peralta ao seu interprete de mao furada, que gente era aquella? respondeu-lhe que cram puldes, que sem eira nem beira ostentavam aquella Jimpeza ; porque com ella passavam praca do que nao eram , ¢ enganavam 0 mundo; e que em pena disto se thes fazia o referido, que elles sentiam mais que outro qualquer tormento, Nao tinha acabado bem Peralta de se admirar desta repre- sentacao, quando por outra parte viu que vinham correndo muitas pessoas vestidas de comprido , com barretes e bada- mecos, e com elles outros tantos demonios, dizendo-lhes : « Vao-se com todos os de cavallo de nosso inferno a ser de- monios do mundo, como eram, que nao queremos ca tal gente nelle; porque se nio levantem com nosso imperio, e vsem de seus embustes e trayessuras : » —e sobre nao ha- DIABINIO DA MAO FURADA, A938 vemos de ir, sim havemos deir, foi grande revolta. Aqui acudiu o Diabinho, e porque via eram estadantes, os expulsou, dizendo: « a paz, a paz, cavaileiros, amigos somos todos ; estes senhores foram meus companheiros em executarem mal- dades; Vossas Diabruras me hio de fazer mercé de lhes dar casalhado , pois tantas diligencias fizeram na vida pelo me- recer; » — dizendo-lhes este satyrico epigramma : Sao de maneira endiabrados Os estudantes bragantes , Que d’onde estao estudantes Sao demonios escusados. Comtudo foram admittidos por intercessao do interlocutor infernal , o Fradinho da mio furada ; ¢ por isso se disse que até no inferno era bom ter um amigo. Enlevado estava Peralta na dita representacao, quando por uma infernalrua viu passar grande numero de coches e li- teiras, do que admirado disse ao Diabinho: « EF possivel que tambem no inferno se ande em coches e liteiras ? » — Disse- The o Diabinho: « Daquillo ha infinito numero » ; — porque nelles e nellas penaram aquelles a quem os coches e liteiras haviam trazido ao inferno com innumeraveis maleficios » ; — ao que Peralta replicou, dizendo : «Como podiam os coches e liteiras ser causas da sua condemnacao, se ella pendia dos seus insultos e mdos procedimentos? »— Respondeu o Dia- binho: « Pois elles ¢ ellas os originaram ; porque em se vendo em coche ou liteira, qualquer daquelles vao soberbos des- prezando a humildade , imaginando-se sobre as estrellas , cuidando que na carruagem caminham para o céo, vanglo- riando-se daquella ostentacao , e por Ihes nao faltar para ella 0 preciso deixam de favorecer os pobres, e de pagar o alheio; 4Qh REVISTA BRAZILEIRA. e por isso digo hem, que nos coches e liteiras penam no in- ferno. » A isto replicou Peralta, dizendo: « Sao pragas tuas; porque muitos fidalgose grandes senhores conheci eu em carruagens, coches ¢ liteiras muito caritativos, benignos e ajustados com a razio. » — « Nido nego, disse o Diabinho , que ha bons e maos; e os que merecem o nome de bons sao aquelles cujas obras se conformam com a antiga nobreza de seu sangue; porem aquelles que entram no noviciado da fi- dalguia, cuidam que na inchacao e soberba consisle a sua conservacao e respeito. Todos se perdem sem que minhas tentagoes os obriguem.» A isto ia Peralta para responder , quando viu que muitos demonios que seguiam as ditas car- ruagens, vinham gritando aos cocheiros: « Para, para», — e elles fazendo-se moucos as diabolicas vozes, se detinham de outros demonios, que lhes sahiam diante: foi forcoso obedecer-lhes, e parados que foram, disseram os demonios aos encochados ¢ liteirados: « Vossas mercés, senhores ga- lantes, cuidam que neslas carruagens vém passear no in- ferno? pois estao enganados; apeiem-se logo , que lhes que- remos dar os tormentos que merecem; » — ao que lhes responderam que aquelle termo era muito descortez, e in- digno de suas qualidades, qae se fossem embora, que elles nao se haviam de apear; e nisto houve uma revolta tao in- fernal, que indignados os diabos puzeram fogo aos coches e liteiras, em que se abrasaram os que vinham dentro, sem que para isso fosse bastante os lastimosos gemidos e horriveis sus- piros, com que dentro repetiam estes dous resentidos quar- tetos : Estes coches e lileiras Deram comnosco através ; Porque as vanglorias do mundo Nisso sempre a parar vem. DIABINHO..DA, MAO .FURADA. 495 0’ quem a nascer tornara De novo agora outra vez, Para que viver soubera, Como havia de viver, Nao acabou bem Peralta de se admirar desta representacao, quando em outra parte viu muitos homens agarrados a grades de fogo ardente , e outros tantos demonios dando-lhes rigo- rosissimos tormentos , de que os atormentados se queixavam com lastimosos e horreridos alaridos , a que os demonios lhes respondiam juntamente: « Padecei, velhacos , ociosos, las- civos ; pois tendo na vida tantas mulheres com liberdade para vossos gostos, inquietaveis em suas clausuras as religiosas dedicadas para esposas do ineffavel Creador, tao cioso da pureza, como poderoso para o castigo de semelhante sacri- legio; » e depois deste vexame, lhes comegaram todos a dar vaias, dizendo-lhes : Mentecaptos e ignorantes, Que fabricais de amor cegos Edificios de esperancas Sobre alicerces de vento. Que pretendeis de mulheres Detras de grade de ferro Com esposo tao cioso E com poder tao immenso. Sem temer quem pode tudo Como. brutos, mais que nescios Navegais com vento em popa Na vida para os infernos. R. B, Ill. m7 Oo 496 REVISTA BRAZILEIRA. Tantalos de vossas glorias Sois pois dellas os desejos , Tendo-as 4 vista dos olhos Lograis s6 com 0 pensamento : Que toda a mulher queria , Por isso disse um discreto: Mas que a freira e a pintada Aborrecia em extremo. Estas letras vos contamos Nao para vos dar conselho : Mas para vos dar vexames De mentecaptos e nescios. Acabada a musica, desalaram os demonios das grades aquelles affligidos e os levaram de rastos a langar em ardentes fornalhas, onde se abrasavam; de que compadecido Peralta contemplava quao arriscado desacerto era na vida desin- quietar as religiosas dedicadas a Deus , e quao dignos do cas- tigo que se lhes dava. Nesta consideracao eslava , quando desapparecida aquella visdo , vil em outra parte muitos demonios, os quaes estavam fazendo pellas de velhas setentonas, muito’ aulorisadas com seus capellos, inculcando virtudes, que davam rigorosos re- chacos de uns para os outros, com pellas de ferro ardentes as faziam em pedacos, e ellas com horrendas vozes gritavam que nao era aquelle 0 gasalhado que esperavam no inferno em premio de serem na vida almoeda de tantas virgindades , profanidades de tantas virtudes , e recolhimentos e motivo de tantos adulterios, € assim requeriam as levassem perante 0 Sr. Lucifer , para lhe pedirem justica, o que elle estava obri- gado a fazer como absoluto senhor e rei do infernal imperio ; DIABINHO DA MAO FURADA. 497 os demonios lhes respondiam : « Que justica se vos pode fazer, infames , mais que 0 que padeceis , que é sd 0 que mereceis ; pois os servicos que allegais ao Sr. Lucifer nao foi pelo obri- gardes a elle, senao por vossos particulares interesses, co- mendo e regalando-vos com 0 dinheiro que vos davam pelas alcovitices que fazieis; e assim vos nao deve nenhuma re- muneracao, pelo que justamente se vo§ da o castigo, que padeceis por vossas maldades , e por serdes a causa de todas as que fizestes peccar com vossas persuasOes e€ enganos, que tambem.carregam sobre vOs; e assim tapai as bocas, e séde nossas pellas; » — com que comegaram de novo a pellotal-as, é ellas gritavam dizendo este quarteto: Penamos, porque de gostos Alheios fomos terceiras ; Que as pagas que da o mundo Sao todas desta maneira. Desapparecida esta visto, se representou a Peralta logo outra de muitos homens com crueis mordacas na boca, de ferro abrasado ; e perguntando a seu companheiro que gente era aquella? elle lhe respondeu: que eram barqueiros, al- mocreves , carreteiros, carniceiros, € os que por dinheiro juravam falso; que a todos por blasphemadores e por perjuros mal tencionados se lhes dava a pena daquellas mordagas. A esta se seguia logo outra representacao de grande nu- mero de homens e mulheres, espedacando-se com grandes alaridos e gritarias; perguntando Peralta ao Diabinho, que gente era aquella? lhe disse; que eram os mal casados entre os quaes havia diversidades de genios, de que procediam muitas discordias , e taes que raras vezes se conformavam ; ellas pelos profanos trajes e appetites de suas pessoas , com que vexayam os maridos, obrigando-os a excessivas despezas, 498 ' REVISTA BRAZILEIRA. com que as suas possibilidades se nao atreviam , occasionan- do-lhes com esta desordem amofinacdes ¢ empenhos de tal sorte que passavam a vida desgostosamente em continuos dissabores , pragas e motins tambem motivados das suas per- versas condicdes, além dos particulares desgovernos de suas casas; elles por fallarem ds obrigacdes de seus estados, e 7 terem erande descuido em stias casas, mulheres e filhos, sem a contribuicao do preciso trato , doutrina e sustento, conforme suas posses e intelligencia, e de nao reprimirem prudente- mente os desordenados luxos e appetites profanos de suas familias , instruindo-as em bons costumes, e tementes ao Al- tissimo com seu exemplo e applicacao, resultando do con- trario muitas desordens, e finalmente virem a padecer no inferno os referidos tormentos ; e@ assim estavam: em porfias ellas dizendo: « Vocé nao me davao que the pedia, nem obedecia aos meus preceitos , e menos se conformava com a minha vontade ; »—celles dizende: « FE vocé com as suas per- seguicdes , agonias e gritarias, teimas, acinfes e rebenditas , me movia a fazer 0 que nado devia, e se nao conformava com a minha vontade isto me permitlisse; » —‘e nestes — dize tu,—direi eu—se travaram de sorte que saltaram as punhadas entre todos , fazendo tal motim e alarido, que aturdiam o in- ferno; as mulheres, umas assombradas dizendo em gritos : « Ai! que me quebrou um braco este traidor; » — outras : « Ai! que me arranhou a cabeca este inimigo; — ai! que me matou este ladrao; » — e emquanto se estavam espeda-~ canclo feitos uma brasa, os demonios que thes assistiam, lhes repetiam o seguinte quarteto : Estes desconformes casados Em depravadas vontades, O merecido padecem De suas desconformidades. DIABINHO DA MAO FURADA. 499 Ayistada esta representacao , olhou Peralta para um lado e viu uma disformidavel porta negra, a qual abrindo-se de re- pente com grande estrondo, se via dentro um intenso fogo em profunda concavidade , e infinitas pessoas ecclesiasticas > divididas em congressos, todos com seus superiores e prelados maiores, acompanhados de muitas legides de demonios que os acommettiam ferozmente com execrandos tormentos , e lao crueis, que , atemorisado, disse Peralta ao seu Diabinho que eram as mais insoffriveis penas que tinha visto: e a sua maior admiracao era executarem-se em pessoas daquella qua- lidade e de differente jurisdiccao ! Ao que the respondeu o Diabinho: « Pois que cuidas? O serem grandes indagadores das yidas alheias, e as suas deslealdades, ambicOes, man- cebias, tratos e commercios illicitos, e atalta de pasto es- piritual Ines move aquelles rigorosos tormentos para toda a eternidade ; e para se dizer tudo em uma palavra, é.a peior gente que ha no mundo, excepto alguns bons. » Acabada esta representacao, viu Peralta em outra parte. wm rei acompanhado de muitos homens, cujos trajes os acredi- lavam por grandes sujeitos, aos quaes seguia infinito nu- mero de demonios, que os martyrisavam com rigorosissimos tormentos, e lhes diziam de palavra como por injuria : Pagais, desagradecidos , No eterno fogo infernal Pagar na vida tao mal Beneficios recebidos. Lastimado de ver tao rigorosos tormentos, perguntou Pe- ralia ao Diabinho que rei era aquelle, e que pessoas eram aquellas que 0 acompanhavam ? elle lhe respondeu: que eram os ingratos , e que o rei era Saul, que depois de ser ingrato a quem da baixeza da sua humildade o levantou a dignidade 500 REVISTA BRAZILEIRA. real, 0 foi tambem a David, querendo-lhe tirar a vida por ga- lardao de o livrar do gigante Goliat, e Ihe lancar o demonio do corpo com a suavidade de seu cantico, e virtude das vozes de sua harpa; e que os que 0 acompanhavam eram senhores, que 0 imitaram em semelhante vicio. Por diante fora Peralta com as representacdes das visdes , em que estava engolfado , e acabara nellas de revolver o in- ferno, se 0 Diabinho da mio furada, entrando pela janella do aposento, lh’o nao impedira, dizendo-lhe: « Nao durmas mais , companheiro, porque é tarde e te podera fazer mal. » Acordou Peralta sobresaltadissimo , e disse a seu familiar endiabrado: « Ai! companheiro, deixa-me, que me tens morto; porque com a communicacao da tua pessoa e pre- senca de teu espirito estou admirado de hontem para ca: acabo agora de umas visiveis representacdes , acompanhado de ti no inferno , e estou fora de mim, mais morto que vivo; e quando isto foram horrendissimas representacoes visiveis , que fara a realidade de seu espectaculo ? » « Deixa-te desses assombros (respondeu o Diabinho) , que isso sao illusdes da phantasia; que 0 inferno nao se vé senao quando se padece ; porque se 0 Céo permittira o contrario , ninguem se condemnaria, e estiveram os demonios ociosos. Para te livrar dessa imaginacao , quero-te divertir com 0 que passei esta tarde depois que me apartei de ti. « Primeiramente me fui aos estudos , e sobre certos argu- mentos fulminei taes dissensdes, que sobre ellas se altercaram de sorte, que estiveram a pique de se matarem todos, se os religiosos da companhia nao acudiram com justica a atalhar a pendencia, depois de bem escalavrados. Fiz jurar falso a algumas pessoas por limitados interesses ; levantar a outros falsos testemunhos; e taes alvorocos em toda a cidade , que bem diziam todos — anda o Diabo solto. « Logo fui a certo convento de religiosas fomentar dis- DIABINHO DA MAO FURADA. 501 cordias que entre ellas havia sobre a eleicao de nova abba- dessa. Estavam ellas divididas em dous ranchos, em cada um delles sua cabeca, yue motivava as dissensdes ; uma dellas inclinada a differente sujeito com tal paixao, que diziam umas as outras do seu sequito: « Manas, Fulana se nao for abbadessa, nao seremos nods filhas de nossos pais ; » — « Pois isso (respondiam outras) pode deixar de ser, tendo da nossa parte tantos votos? Pelo dia de Deus! que quando succedesse nos faltassem , que seria neste convento outra como a de Ron- cesvalles. » — « Eu (disse outra) lanco muito bem as favas aos pausinhos de Santo Antonio, e sempre me sahia a sorte em fayor do nosso intento. » « Pois eu, mana (disse outra) , este S. Joao passado lancei por ella tres alcachofras, e todas me sahiram floridas, de sorte que nao havia mais que ver. » — « Eu (disse outra) estive no nosso miradouro com uma bo- checha de agua na boca até dar meia-noile, e 0 primeiro nome que ouvi foio da nossa abbadessa. ».— « Nao me fio dessas cousas (disse a cabeca do bando), porque todas sao supersticdes e disparates sem fundamento algum, e catho- licamente se nao devem crer, antes julgo por grande impru- dencia e offensa de Deus 0 exercital-as. » « Da parte do outro rancho contrario dizia uma as compa- nheiras: « Nao ha duvida que a nossa parte ha de prevalecer, porque eu mandei chamar a certa beatinha minha conhecida, e diante de mim fez andar a peneira como uma desatinada ; eum devoto meu me avisou que encommendara 0 negocio a certo mathematico judiciario, e que elle levantara figura sobre a nossa pretencao, e Ihe mandara dizer que nao tinha duvida. » — « Nao durmamos nos sobre essas tentagdes (disse outra mais ancian), que destas cousas nao faco casu , nem cabedal pelo que tém de enganosas , que os contingentes fu- turos sO Deus os pide saber. » — « E fallou verdade, que nds outras nao sabemos mais que conjural-os incertamente. » — 502 - REVISTA BRAZILEIRA. « Ai! mana, pois dizéi-me, os astrologos nao fazem os reper- torios, em que adivinham os tempos? » — « E quando (re- plicou a ancian) fallaram elles verdade, se nao foi acaso ? nao védes vos que quando dizem — ha de chover — faz bom tempo; e pelo contrario quando dizem — nao ha de chover— entao chovem diluvios de agua? e por esta razao tomam sempre salva de suas mentiras, dizendo: Deus super omnia. » — « Pois eu tenho feito devocao (disse outra) para’ esta noite tirar uma alma, que me ha de vir fallar, e dizer-me toda a verdade. » — « Tambem disso me rio eu (respondet a vete- rana), porque a palavra de Deus nos ensina, que a que desta vida vai nao torna a ella. » — Disse a que fallava: « Quando a difficuldade, que digo, se venca, tereis vés animo para lhe fallar? » —« E como (respondeu ella) que nao ha mulher déliberada e appetitosa, que sé intimide de nada. » « Néstas praticas as deixei; e eu sou o espirito que’ esta noite pelas onze horas lhe hei de ir fallar , que ella cuida ha de ser alma passada desta vida; porque as devocdes , que ellas para as tirarem fazem , tém pacto secreto comnosco; o péior 6 que muiltas vezes por esta via nos invocam, e quando lhes apparecemos e fallamos nao tém valor para nos ouvir, € nos lancam de si assombradas com palavras, a que nao po-— demos resistir; mas ellas 0 pagam com o que thes custa o sobresalt0s » Admirado estava Peralta de ouvir o Diabinho; e quanto elle mais Ihe manifestava seus poderes e suas obras, mais 0 atemorisava sua companhia , e desejava livrar-se della. Neste tempo subia ao aposento, onde estava uma fragona muito bem parecida, que na pousada havia, chamada Angela Pedrosa, que por fer ouvido pela manhaa contar 0 dinheiro a Peralta, se vinha a elle ,. como gato a bofes , confiada na sua agradavel presenca ; — disse a Peralta que vinha saber o que queria se lhe ordenasse para a ceia; 0 qual respotideu : — DIABINHO’ DA MAO’ FURADA. 503 « Senhora Angela, se ha lombo de porco, mande-me assar um pedaco; » — ao que ella disse: « Eu mesma 0 assarei'e 0 trarei a Vm. quando lhe vier por a mesa, porque'desejo muito agradar-lhe e servil-o. » — Peralta, por nio deixar de fallar ao galanteio de soldado , lhe disse: « Nao errou quem lhe poz a Vm. onome que tem; pois o acredita com a sua gentileza. » — «Prouveraa Deus, senhor (respondeu Angela), que eu devéra menos a natureza; porque ella me tem desterrada da minha patria e feito grandes males: nasei em Arrifana de Souza, filha de lavradores honrados; e porque estando uma noite fallando'a um mancebo que me pretendia para esposa , se veio a encontrar com elle outro que tambem me pretendia, e movido de ciumes lhe tirou a vida; foi-me forcoso au- sentar-me aquella noite com temor da justica, e deixar os. pais e patria; e por nao molestar a Vm., lhe nao refiro os successos que tive no caminho até chegar a esta pousada, onde haverad um anno que assisto, servindo. » Neste passo deu o Diabinho uma risada, que até ali estava calado; e a dita Angela Ihe disse: « De que se ri Vm., Sr. fidalgo ? » — Respondeu o Diabinho: « Das patranhas que Vm. nos conta, nao sabendo que a conheco eu melhor que as minhas maos. Vm. nao é filha de um remendao, chamado Joao Fernandes Pedroso? e por essa boa cara que a natureza lhe deu , nao era ama de um abbade, onde por sua feeun- didade deu tal escandalo, que quiz o Ordinario evilal-o, pondo a Vm. na clausura de Terena, e Vm. por evitar este recolhimento , nao tomou as de Villa-Diogo com um soldado - que vinha do Porto , a que serviu na jornada de companheira de cama e mesa até chegar a esta pousada , onde a deixou é se passou a Lisboa? Pois se isto é assim , como Vm. muito bem sabe , por que nos esta encampando , vendendo-se por outra que nao 6? Cuida que mamamos no dedo, e que nao sabemos quantos sa0 cinco? » 504 REVISTA BRAZILEIRA. Assombrada ficou Angela de ouvir a relacao verdadeira do Diabinho , fazendo-se muito vermelha, e de envergonhada nao soube outra cousa que lhe responder mais que sd: « Vm. €0 Diabo! pois tambem sabe das vidas alheias. » — « Zom- bando se dizem as verdades (disse 0 Diabinho), mas nem pelo que tenho dito, Vm., Sra. Angela, deve perder com o Sr. Peralta; porque a graca desses olhos, e a perfeicao dessa cara, com a disposicao desse corpo, se faz credora dos maiores empregos. O certo 6 que pouco lizera o Sr. Peralta em se obrigar de Vm. ¢ leval-a em sua companhia até Lisboa, onde Vm. pelo seu bom parecer podera ter melhor ventura, » — Bem entendeu Peralta os enganos e gabos de Angela, e 0 ar- hitrio que o Diabo lhe dava de a levar comsigo em ordem a movél-o ao peccado da sensualidade , com o trato e communi- cacao de Angela; mas elle que, escarmentado das visdes in- fernaes e do que via obrar ao Diabinho, tinha oulros pensa- mentos dirigidos a melhor fim, dissimulando o luciferino intento, disse a Angela, dando-lhe cinco reales para ajuda de uns sapatos, que fosse dar ordem a ceia e que mais de- vagar fallariam ; ao que ella logo obedeceu , fazendo sua me- sura de mantéo até o chao com esperanea de conseguir aquelle ganho. O Diabinho ficou contentissimo, parecendo-lhe que Peralta se affeicoara de Angela, e assim como ella se retirou, Ihe disse: «Ora ja te fica esta noite com que te divertires ; por- que esta moca parece te roubou os affectos. » « Estou tao sobresaltado (respondeu Peralta) depois que se me representaram os horrores do inferno, que as delicias da vida me aborrecem, ¢ assim pouco tem Angela que esperar de mim, € muito menos as tuas persuasdes , 4 visla deste des- engano. » — « Nao te tinha por tao ignorante (replicou o Dia- binho), que cresses em sonhos. » — « Bem sei (tornou Pe- ralta) que nao é licito crer nelles ; mas os que representam 0 mal para se temer e fugir delle , nao sao sonhos , sao avisos DIABINHO DA MAO FURADA. 505 do Céo. Se queres que sejamos amigos, ha de ser com con- dicao que nao me has de persuadir a cousa que seja contra 0 meu Creador.» — « Companheiro (disse 0 Diabinho) , eu nao posso deixar, por mais que teu amigo seja, de usar da natureza que professo em te armar lacos, em que cahem os fracos e ignorantes; vence-os tu com prudencia, que para fugir ao mao e seguir 0 bom foste creado com livre alvedrio; e quanto mais venceres os estimulos de minhas tentacdes, teras maiores merecimentos. » — « Confesso que assim é (tornou Peralta) ; mas tambem é temeridade fiar semelhantes resistencias da fraqueza humana; que quem rao teme os perigos, perece nelles; pelo que te peco, como companheiro, que emquanto 0 formos, te queiras moderar comigo nas tentacodes. » O Dia- binho, ainda que dissimuladamente , disse que assim 0 faria; e parecendo-lhe que da inclinacao de Angela resultaria 0 mao fim que esperava, se despediu de Peralta, dizendo-lhe que tinha certo negocio que fazer aquella noite, e se ficou invisivel na pousada fazendo das suas. ' (Continua.) * a are. t aati ‘ ‘ ood rt rir t Ais s ’ : no € . , x ¢ ney : f ~t r i Ae t sf'’s : * ws et foc es Re wk : ae Trois . jira Fete sraay "ry ; ostay paar = os — oe ! . PAPE SALLE i BA pot ucts ~ a i sD . ° b : . wea ‘ Hos imi £) i BIOGRAPHIA. rr. Franeiseo de S. Carlos. Francisco Carlos da Silva, que na Ordem Seraphica tomou ~o nome de Fr. Francisco de S. Carlos, nasceu nesta cidade “do Rio de Janeiro aos 13 de Agosto de 1763. Baptisou-se na freguezia da Se como filho legitimo de José Carlos da Silva e D. Anna Maria de Jesus, ambos naturaes desta mesma Ci- dade. Na tenra idade de treze annos tomou 0 habito de S. Fran- cisco no convento de S. Boaventura da villa de Macaca , onde “mais tarde professou. Seu grande amor pela solidao , e pelo estudo, levaram-no a dar semelhante passo, e em verdade nenhuma outra profissio podia tao hem quadrar ao genio me- —lancolico de S. Carlos. No collegio desta capital fez 0 joven religioso os seus cursos de philosophia e de theologia, e chegando 4 idade canonica —recebeuo presbyterado que lhe foi conferido pelo illustrebispo D. José Joaquim Justiniano Mascarenhas Castello-Branco, a quem tanto deve a nossa diocese ; sendo logo depois eleito passante (professor substituto) do seu collegio, em premio do ~ seu grande talento e notavel applicacao. 508 REVISTA BRAZILEIRA. A instancias dos seus superiores partiu S. Carlos em 1790 para a cidade de S. Paulo afim de ahi exercer, por cinco annos, 0 honroso cargo de lente de theologia dogmatica; o que desempenhou com geral applauso. Regressando 4 patria em 1796, foi nomeado commissario dos Terceiros da Peni- tencia, em cujo emprego pouco demorou-se por ter de acom- panhar a Bernardo José de Lorena, capitao-general de Minas- Geraes , na qualidade de visitador geral das Ordens Terceiras e Confrarias Franciscanas. Terminada a sua honrosa commissao, voltou ao Rio de Janeiro em 1801, onde a fama dos seus grandes talentos oratorios 0 havia precedido a tal ponto, que o bispo Mas- carenhas convidou-o para reger a cadcira de eloquencia sa- grada no seminario de S. José. No curto espaco de cinco annos exerceu duas guardianias (a do convento do Bom-Jesus da Ilha, e de N.S. da Penha da provincia do Espirito-Santo) com grande prudencia e criterio, fazendo amar-se pelos seus confrades. Coube-lhe mais tarde (em 1813) ahonra de presidir ao convento desta corte, rece- bendo em galardao dos seus relevantes servicos 0s cargos de definidor e visitador geral da provincia da Immaculada Con- ceicao, como se denomina a ordem franciscana do Brazil. Sendo escolhido para prégar por occasiao das festividades que se celebravam nesta capital pela chegada da familia real (4808) , ficou o principe-regente (depois el-rei D. Joao VI) tao encantado da sua eloquencia, que confessou nunca ter ouvido nada de melhor, escolhendo-o logo para prégador da sua real capella; e agraciando-o pouco tempo depois com o honorifico emprego de examinador da Mesa da Consciencia e Ordens. Retirado do pulpito, theatro da sua gloria, logo que se sentiu falto de foreas recolheu-se 4 solidao do claustro, onde calmos se deslisaram seus derradeiros momentos, e onde veio puscal-o 0 archanjo da morte no dia 6 de Maio de 1829, na FR. FRANCISCO DE S$. CARLOS. 509 idade de sessenta e seis annos, tres mezes e sete dias. Jaz sepultado na quadra em que se enterram os religiosos. Estas particularidades sobre a vida conventual de Fr. Fran- cisco de 8. Carlos (que devemos a bondade do muito digno provincial dos Franciscanos, 0 Rev" padre-mestre Fr. An- tonio do Coracao de Maria e Almeida) foram desprezadas pelos seus anteriores biographos, por julgal-as talvez de pouco interesse para 0 publico. Discordamos do seu juizo, do que lhes pedimos desculpa; porque pensamos que nao pdde ser indifferente aos vindouros 0 saberem se o frade foi ou nao considerado em sua ordem, quaes 0s cargos que nella exerceu, e a que circumstancias deveu o elevar-se na hierarchia mo- nastica. Seria completa a biographia d’um militar em que se omittissem as patentes que oblivera, as batalhas em que se distinguira , e as pracas que commandira? — Nao por certo; pois 0 mesmo acontece com o frade. Outra consideracio nos levou a indagarmos dos passos da sua carreira claustral. Para obter um logar distincto na Ordem Franciscana do Rio de Janeiro na epocaem que viveu S. Carlos, em que tantos talentos floresciam a sombra do san~- tuario, em que tao profundo e variado saber abrigava-se de- baixo da estamenha, devéra-se possuir um merito real, e uma illustracao transcendente: taes eram, pois, as qualidades de Fr. Francisco de S. Carlos. -Dupla corda adornava sua magestosa fronte, a dorador e a de poeta: como orador sagrado magnetisou seus contempo- raneos, que chamavam-no —seréa do pulpito— ; como poeta, legou-nos 0 poema da Assumpcao da Virgem, que a critica colloca a par do Paraiso Perdido e da Messiada. Fr. Francisco deS. Carlos era o Pindaro da tribuna sagrada; delle diria Bocage : «,..... Agitado @impeto divino « Acesos turbilhdes na voz desatas, » 510 .REVISTA, BRAZILEIRA. Torrentes.de eloquencia despenhavam-se de seus labios , como.as aguas do rio S. Francisco na cachoeira de Paulo Af- fonso ; Sua voz maviosa, semelhante a do sabia, deleitava os ouvidos do auditorio ; emquanto sua vigorosa dialectica pren- dia as attengdes. Por vezes abandonava-se a inspiragao ; voava sobre as azas do improviso e arrebatava os ouvintes a regides desconhecidas : entao era Chrysostomo , era Basilio , era Gre- gorio de Nazianzeno, numa palavra, era Massillon. A frescura das suas imagens, 0 vico e o esplendor da.sua diceao trans- mutaya o'sermao em hymno, e dir-se-hia que dedilhava a harpa de David. Na oracao funebre reconheceriam nelle um .digno emulo Bossuet.e Flechier. Fallando da que pronunciara nas exequiasida rainha D. Marial, assim se exprime o Sr. Dr. J. M. Pereira da Silva: « Todo este sermao € admiravel; os pensamentos supe- « riores, a elegancia da phrase, a.eloquencia das. idéas e.a « yivacidade do estylo se reunem, e se combinam em pro- « porgdes iguaes :-a alma do prégador expande-se maravilho- -« samente ; seu coracao falla em todas as palavras ; sua in- « telligencia apparece em todas as expressoes: Fr. Francisco « de §. Carlos, com este sermao funebre, toma logar entre « 0S mais respeitados e conhecidos prégadores de todas as « modernas nacoes (1). » Seguindo a trilha do grande bispo de Meaux na sua famosa -oragao funebre da rainha de Inglaterra, viuva do desgragado Carlos 1, 0 nosso illustre patricio iguala, se nao excede.o seu modelo. QO que ha de mais pathetico do que o logar em que descreye a morte da,Sra. D. Marial, e de mais sublime do que a sua entrada na bemaventuranca ? Julgamos nao abusar da bene- volencia dos leitores citando este bellissimo trecho : (1) PLUTARCHO BraziL.y Tom. 1, pags, 132 e 133. FR. FRANCISCO DE S. CARLOS. 541 EMER S PE — Assim viviamos, quando...... E direi eu, Portuguezes, aquelle sussurro triste e pavoroso , que vossos coracdes presagos rejeitavam, como ave de mao agouro?... Aguella voz surda, que sahia pela boca do povo, e que dizia, como que em segredo — Nossa rainha esta mal — Nossa rainha perece — morre! — Oxala que nao fora! Ve- rificou-se ! — Morreu! — Aqui a tendes morta! — Morta? — Eu me reporto — nao — viva, porque os justos nao morrem ! — Era necessario que se rompesse este muro de divisao , que impedia-Ihe ver o seu Deus sem enigmas: era necessario que os olhos, que foram sempre inundados de lagrimas, estancassem 0 pranto, e vissem aquella fer- mosura sempre antigae sempre nova, como diz Santo Agos- tinho. Bate pois as azas, oh! pomba, solta-te das prisdes terrestres, do peso da casa de barro! Hoje é o dia dos teus triumphos! Ergue o collo altivo ; remonta os vdos, atra- vessa as portas dos tabernaculos eternos, abysma-te no coracao do teu Jesus, cujas ingratiddes nos peccadores tanto magoarani o teu. Recebe o sceptro que elle te ha preparado; mas que sceptro? — Uma vara arrancada de uma arvore, despojada de suas folhas, privada de fazer sombra, a que o artista dando-lhe um verniz doiro nao lhe tirou a condicao de corromper-se? Nao.— E este sceptro da virtude de Deus que o Senhor envia a Sido para dominar sobre seus inimigos. Arrecada 0 reino em que teu Deus te mette de posse: mas que reino? — O de Portugal, que fol fundado em rios de sangue nos campos d’Ourique, que no quarto seculo da sua fundacao esteve em perigo de ser a heranca de estranhos, que no sexto gemeu na viuvez, e que agora um atrevido repartia sem ser 0 seu dono (2)? — Nao. (2) Allude 4 divisio do reino de Portugal por Napoleao I, em virtude do tratado secreto de Fontainebleau, Re B, IIL, 34 512 REVISTA BRAZILEIRA. « —E este reino que nao tem fim; et reqni ejus non ertt « finis.—Recolhe emfim a corda, que te é@ reservada pelo « justo juiz.— Que corda ? — Disto que se chama oiro, a que « um falso brilhantismo da o merecimento, e a avareza 0 « preco? — Destas pedras chamadas ricas, que brilham com « aclaridade emprestada do sol, e para dizer tudo — terra « e@ mais terra—? Nao: a recompensa e cordaé 0 mesmo « Deus recompensador! » Juntai ao vivo colorido destas palavras a magia d’uma pro- nunciacao clara e elegante , gestos expressivos e apaixonados, a natural sympathia que inspirava uma bella e magestosa fi- gura, que seus coetaneos comparavam a de S. Basilio, € for- mareis idéa do eximio orador que possuiu 0 Rio de Janeiro na pessoa de Fr. Francisco de S. Carlos. Mas, me pergunlareis vés, onde param as homilias, os sermodes, as oracdes funebres do illustre Franciscano ? Monte Alverne responder-vol-o-ha : « A difficuldade da impressao, a falta de recursos , a in- « differenca para com toda a sorte de empresas typogra- « phicas, talvez mesmo a modestia dos autores, impediam a « execucao destes projectos, que illustraram outras nacdes, « e fizeram avultar a massa dos conhecimentos humanos. « Todas essas inspiracdes do genio, essas felizes produccdes « que faziam 0 encanto e a admiracao dos nacionaes e dos « estrangeiros, eram destinadasa morrer no mesmo dia de sua « apparicao, ou quando muito a obter, qual peca de theatro, « novas recitas. A posteridade estava fechada para 0s nossos « oradores: as honras da imprensa eram apenas concedidas « aos discursos recitados por occasiio d’algum grande acon- « tecimento, e cuja publicagao convinha aquelles, que os « pregavam, ou faziam imprimir. A ninguem lembrou ainda « reunir as oragdes funebres de S. Carlos e de S. Paio, e for- « Mar uma colleccao, qual a que os Francezes fizeram das -— * FR. FRANCI6U0 DE S. CARLOS. 513 « oracdes funebres de Bossuet e Flechier. Estes brios na- « cionaes estao quasi extinctos: para nds tudo esta materia- « lisado; nossa vida é para o dia de hoje, porque a vida dos « sentidos— é 0 presente; o futuro pertence 4 intelligen- « cia (3). » - Oxala que tao severo anathema nao caia sobre a nova ge- ragao: oxala que os depositarios desses magnificos discursos os transmittam a posteridade pelo maravilhoso invento de Guttemberg. (3) OBRAS ORATORIAS. — Discurso Prel., pag. XI. J. C. FERNANDES PINHEIRO, iy) a ; rs 7 rat , . A . i 2 i ee yoy Ph Pier OFT PN : * tae © - ‘ i : ‘ fies = Os te ¥ i ‘ x aa er y ri a7 A i: cumin wih Md Neat aS Pal atral ‘ , " . as . “ ~ - - T N 4 icc RR RUN PMD CE ROHS AL ORR ; en re eR RES * ui vw y soe e at aati? - 3 Sane 4 ae r * . a s * ‘ ‘ 7 % . ' . cy - . e . = ‘ . : —— A ‘ y » - » = i . ‘ ~ ? — F ? ' ' WNC er eT EY aa a ‘ A : 2 } Pra ie) tM ae bt ¥ } se) 2S ted etch ih) Re rE mee, ‘ Din AARON ES +3¥ a Ju $o1 . Taine yee ag gran ern Risa aha } m } iia : i oe. : , ¥ ~~ ” + i. 6 ee ss 5 he +s , <=. LITTERATURA Diseurso preonunciado pelo Sr. Elias de Beaumont, presideate da Sociedade Geographica de Paris. Senhores, chamado por vossos benevolos suffragios para presidir a esta assembléa, rogo-vos que vos digneis de receber a expressao do meu reconhecimento. Independentemente da alta distinccao que hoje recebo, cumpre-me agradecer os valiosos auxilios que para meus fra- balhos pessoaes tenho encontrado em vossas sabias publica- edes. A geographia é 0 ponto. de partida, guia, e, por assim dizer, uma das pedras angulares da geologia. Occupado em escrutar a natureza interna da terra, em investigar em suas profundidades os multiplos contornos do grande mosaico terrestre , apoia-se 0 geologo nas forgas ex- ternas do solo. Uma boa carta topographica é para elle o mais precioso dos instrumentos. Se a geographia pede a astronomia os meios de fixar as posigdes respectivas dos pontos mais remotos da superficie do globo; se pede a phy- sica geral os dados que servem para precisar a diversidade dos climas , faz aproveitar 4 geologia de todas as luzes por ella reunidas. Bem como as musas sa0 as sciencias irmaas, e a geographia que presta seu concurso 4 historia para restabe- lecer os annaes das mais antigas é esquecidas nacdes, nio é menos util a geologia para fazer reviver pelo pensamento , 516 REVISTA. BRAZILEIRA. sob os climas que as viram prosperar, essas racas successivas, hoje perdidas, de vegetaes e animaes, que povoaram antes da existencia do homem as diversas partes do seu futuro do- minio. A geographia physica, a mineralogica, a botanica, a z0o- logica, a das racas e linguas humanas, e a antiga , sao como uma brilhante pleiade de sciencias que se juntam sem con- fundirem-se , tendo por laco commum a sciencia cheia de erudicao dos Danvilles, e dos Malte-Bruns, que estao tao longe de se confundirem que tém autores e monumentos dis- tinctos. Um sé homem conseguira abracal-as todas , e derramar em cada uma das suas partes luzes igualmente vivas: sua morte foi o principal luto da sciencia no anno que vai findar. O illustre autor da Geographia das plantas e dos monu- mentos americanos terminou sua longa e laboriosa carreira a 6 de Junho ultimo, depois de haver dado a ultima demao na grande obra que debaixo do titulo de Cosmos apresenta- nos o fiel e completo quadro dos nossos actuaes conheci- mentos sobre 0 mundo physico. Pensou, senhores, a vossa — commissao central, que a primeira sessao publica celebrada pela Sociedade de Geographia depois da morte do Sr. de Humboldt, devéra em parte ser consagrada ao elogio desse excellente e venerando confrade que fora um de seus funda- dores, um de seus presidentes, e que por um terco de seculo nao cessira de ser seu mais constante e activo collaborador. Confiou a redaceao desse elogio 4 habil e adestrada penna de um de seus mais eminentes membros. Outra e dolorosa perda acaba de experimentar a Sociedade de Geographia no decurso do corrente anno. O Sr. Carl Ritter succumbiu igualmente em avancada idade levando ao tu- mulo os inexhauriveis thesouros d’uma erudicao que nao fora completamente vasada em sua grande obra sobre a Asia. DISCURSO DO SR. ELIAS BEAUMONT. 517 Proporcionando o seu trabalho a importancia do assumpto , ao numero e extensao dos documentos que accumulara a sciencia desde Herodoto e Strabao alé Everest , Jacquemont e de Hugel, o Sr. Ritter apreseniou nos successivos volumes da sua Geogruphia d Asia (die Erdkunde von Asien) 0 mais com- pleto quadro dessa parte do mundo, que foi o bergo do geucro humano, e cuja vasta extensao alimenta ainda , na variedade infinita de seus climas, mais da metade dos homens actual- mente vivos. Tambem teve o corrente anno o triste privilegio de ver apagarem-se Os ultimos raios da esperanca , que apaixonados admiradores porfiavam em conservar acerca da volta de Sir John Franklin e de seus intrepidos collaboradores. Regressou este anno a expedicao, armada ha dous por lady Franklin, e commandada pelo capitao Mac-Clintock , depuis de ter invernado por sua vez nas regides polares. Trouxe a dolorosa nova que Sir John Franklin morréra em seu navio a 44 de Junho de 1849, e que seus desditosos companheiros , apods um novo inverno, passado em seus navios, enclausu- rados pelos gelos, viram-se constrangidos a abandonal-os na primavera de 1848, perecendo todos antes de poderem al- cancar 0 rio do Grande Peixe (Great-fish river), que corre na extremidade norte do continente da America Septentrional. Tributando justa e sincera homenagem ao heroico fim desses martyres da sciencia, mortos em silencio, e sem tes- temunhas no meio das gelidas soliddes, seja-nos licito, se- nhores, pagar tambem o tributo de nosso respeito 4 essa mu- lher admiravel , que superando a prostracio @uma profanda dor, consagrou mais de dez annos @incessantes esforcos, e despendeu a maior parte de sua fortuna para saber se seu dilecto esposo a precedéra na mansao eterna, ou se jazia abandonado aos rigores do exilio polar, e 4s torturas da fome. 518 REVISTA BRAZILEIRA. Taes sao com effeito os perigos que arrostaram com tanto valor e coragem esses denodados campedes da geographia, a quem devemos saber que a passagem de noroeste sé d’illu- soria maneira existe. Aprouve-vos, senhores, de cordar por muitas vezes suas successivas descobertas , e por certo que poucas cordas foram melhor merecidas. Sobre o tumulo dos herdes que mais queriam honrar ce- Iebravam os antigos jogos funebres ; assim por notavel coin- cidencia 0 anno que inscreveu sobre suas taboas necrologicas tao gloriosos nomes para.a geographia, foi igualmente aquelle que yiu inaugurar duas das mais importantes empresas cujo pensamento fizera conceber a geographia, e cuja utilidade demonstrara. Ao passo que vé a humanidade finar-se o genio investi- gador que, depois de Christovao Colombo , mais contribuira para fazer 0 novo mundo conhecido; ao mesmo tempo que vé desapparecer 0 illustre sabio, que como o Sr. de Humboldt, mais doutamente concorréra para aprofundar o estudo da Asia ; quando a descoberta dos vestigios de Sir John Franklin vém encerrar talvez para sempre a serie de audaciosas ten- tativas successivamente emprehendidas ha quarenta annos, com o fim de contornar a America pelo noroeste , occupa-se a sciencia com os meios de tornar possivel a grande nave- gacao que deve rodear o globo, sem sahir das calidas e ac- cessiveis regioes , cortando os isthmos de Suez e da America central. A Sociedade de Geographia associa-se com tanto maior prazer 4 essas duas grandes empresas, por isso que tiveram ellas por advogado a um dos nossos veneraveis decanos, sabio presidente de nossa commissao central , membro sempre activo e vigilante do antigo instituto egypcio, a quem o Egypto agradecido folga de chamar — Jomard-Bey. — Per: tencia por certo ao sabio illustre que Mehemet-Alli consti- - DISCURSO DO SR. ELIAS BEAUMONT. 519 tuira representante da nascente civilisacto de seus estados junto de nossas sociedades scientificas e grandes escolas , 0 -assignalar a melhor e mais conyinhavel direccio do canal maritimo do isthmo de Suez, bem como de proclamar a exis- tencia no monte Kenia da principal fonte do Nilo, que desde Herodoto debalde buscava-se adivinhar. Cumpria igualmente ao zeloso promotor das pesquizas so- bre os mysteriosos monumentos de Palenque constituir-se , para com os homens da sciencia e chefes do grande movi- mento industrial, 0 apostolo desse canal interoceanico de Nicaragua, cujos primeiros delineamentos uma augusta mao nao desdenhara de tracar. Foram esses projectos inspirados por vistas pacificas. As colonias européas espalhadas nos dous hemispherios; as nossas de Taiti e da Nova-Caledonia, que feliz previsio pa- rece ter situado como balisas sobre um dos mais directos caminhos que devera seguir de preferencia a navegacao abre- viada ; os portos da China e do Japaio franqueados ao nosso commercio ; Cantao, Tourane e Saigoun , recentemente oc- cupados por nossas tropas, bastavam para dar aos dous canaes Maritimos maxima importancia; porém, como se semelhantes circumstancias ainda nao fossem sufficientes para determinar sua immediata execucao, como se 0 assassinato dos nossos missionarios, com menosprec¢o dos tratados , nio chamassem para a extremidade do Oriente as vistas e a espada d@uma civilisacao , em que o sentimento da honra predomina , acaba 0 governo desse imperio do Meio, que serve de commum alvo para 0 corte dos dous isthmos, de commetter, sem por- vocacao alguma, inqualificavel afaque aos pavilhdes, tao felizmente unidos da Franca e da Inglaterra , chamando desta arte as ribas do Pei-ho alguns dos soldados de Sebastopol , Magenta e Solferino. Uina pancada do leque do dey @Argel valeu 4 Franca 6 520 REVISTA BRAZILEIRA. magnifico dominio que converteu-se no principal foco da civi- lisagao africana ; esperamos igualmente que nao sejam menos proveitosas para 0 conhecimento e civilisacao da Asia oriental as ultimas injurias do governo de Pekin. Porém a sciencia que abre a estrada ao commercio, e que honra-se de marchar nos estados-maiores dos exercitos e das armadas, a frente das expedicoes militares , melhor conserva 0 seu caracter e mais completamente se ostenta nas missdes pacificas. , Compenetrada da utilidade que haveria, tanto para o nosso commercio como para 0 conhecimento da Africa interior, em prender por estreito laco nossas possessdes d’Argelia com a nossa colonia do Senegal, tao felizmente augmentada com a sabia e emprehendedora direccao do coronel Faidherbe , fundou a Sociedade de Geographia um premio de 6,000 fr. para o viajante que com mais facilidade conseguisse ir do Senegal 4 Argelia, passando por Tomboucti. Justifica a magnitude desta excepcional medida a impor- tancia de tal viagem, que ligaria as regides que possuimos com as que percorreu o Dr. Barth, que tao justamente co- roastes. Crearia homens emprehendedores, que seguindo as glo- riosas pisadas de Mungo-Park, de Richardson, d’Overweg , completassem o estudo do Niger e do lago Tsad , batedores de nossa diplomacia africana, nao restando mais do que um in- tervallo, comparativamente limitado, entre 0 campo das des- cobertas que partem do litoral para oeste e para o norte, e os paizes atravessados pelo Dr. Livingstone e pelos exploradores do Nilo Branco. As regides em que mutuamente se encontram, e algumas vezes se combatem as populagodes christ as e musulmanas, 0 Sahara, o Sudan , o Egypto, a Persia e a Turquia asiatica , essas regides que a nossos olhos dao tanto attractivo as tra- 7 ~ DISCURSO DO SR. ELIAS BEAUMONT. ae | dicdes biblicas, combinadas com as lembraneas das cruzadas, parecem proximas a nos serem patentes, nao so pela forea e pelo interesse , como pelas sympathias de seus habitantes. Tal é, pelo menos, 0 objecto dos esforgos @um pio missio- nario que occupa-se em espargir a civilisacao na Africa e no Oriente por escriptos nas linguas orientaes. Jao jornal arabe intitulado Birgis-Baris (a aguia de Pariz) , que ha seis mezes publica 0 Sr. abbade Bourgade, cura da capella de S. Luiz em Carthago, conta leitores em quasi todas as cidades da Africa e do Oriente ate Bombaim e Calcuta. Crrioso é ler os juizos que acerca delle emittiram alguns dos homens que n’outras éras teriam sido os mais ardentes adversarios de tudo 0 que partia do Occidente. O ex-emir Abd-el-Kader, cuja coragem e desditas folga a Franca de honrar, depois de havél-o ven- cido, assim se exprimia ultimamente, n’uma carta dirigida a redaccio do jornal: « Lio vosso Birgis-Baris , que causou- « me summa satisfagao. Havia pedido ao vosso agente em « Damasco que tomasse a minha assignatura ; mas visto que estainos em contacto, nio ha mais necessidade dinterme- « diarios. » O cheikh Nassif-Eliazedj, sabio autor de grande numero de obras arabes, escrevia por sua vez: « Vi a brilhante luz de « vossa estrella (allusao ao titulo do jornal Birgis , Jupiter) , « cujo encanto domina os nossos coracdes. E na realidade « uma bella e util cousa: arte destylo, docura d’expressao, « eloquencia de palavras, esplendor de pensamento, con- « correm para o complemento do vosso fim. E 0 nec-plus- « ultra dos talentos do escriptor e dos desejos do leitor. » Ora, as paginas que inspirain ao emir e ao cheikh estas benevolas palavras, sao consagradas a consideragdes fendentes a provar que a respeito da moral e caridade afasta- se menos 0 Koran da doutrina christaa , do que até agora o pensaram as populagdes musulmanas. 592 REVISTA BRAZILEIRA. E muitas vezes a firmeza o mais efficaz dos meios concilia- torios: e @ satisfactorio ver que depois da expedicao dos Francezes ao Egypto, da conquista d’Argelia, e da guerra da Crimea, estejam mais proximos a se entenderem o Oriente e o Occidente. Approximados pelo vapor, e cedo pela electricidade, nao lhes restara, para serem verdadeiramente irmaos, senao di- minuirem por uma iastruccao, cada dia mais facil, os in- convenientes das differencas das linguas , essa praga do ge- nero humano, que fez-se datar da torre de Babel, e cujos funestos effeitos tem a geographia, mais do que qualquer outra sciencia, frequentes occasides de deplorar. Porém a docura do sentimento religioso, libertado da in- tolerancia dos seculos passados, tende a introduzir nas rela- codes dos povos entre si, parece destinada a progredir cada vez mais,revestindo-se das formas da mais graciosa cortezia. Sera as senhoras a quem deveremos esta ultima transformacao ? Devemos esperar que nao tarde ella a consummar-se, lem- brando-nos que uma senhora de Vienna, a quem a Sociedade de Geographia deferiu, por acclamacao, o titulo de membro honorario, e a quem o Sr. de Humboldt honrara com uma recommendacao para todos aquelles que conheciam seu no- me ; que a Sra. Ida Pffeiffer pode terminar pacificamente seus dias em sua cidade natal, depois de ter feito por duas vezes 0 gyro do mundo, sem outro proposito mais do que o de ver por si mesma as maravilhas da creagio, e ser testemunha da curiosa diversidade de usos e costumes dos differentes povos. Talvez que em breve existam entre as populacdes , sepa- radas pelo oceano, nio sé relacdes commerciaes, mas ainda sociaes e domesticas. Nao sera bastante fazerem-se, em Auc- kland e Sydney, cursos sobre as sciencias da.Europa, e adoptarem-se na Nova-Caledonia e na Terra de Van-Diemen DISCURSO DO SR. ELIAS BEAUMONT. 523 as_modas de Londres e Pariz: estara 0 homem tao completa- mente de posse do globo terrestre , que tratar-se-hao como vizinhos os habitantes das regides anlipodas Senhoras e senhores, a musa da historia Junta em nossos dias grandes e bellas paginas aos annaes humanos. Coube-me a felicidade de ter sido chamado para assignalar, bem que imperfeitamente, o glorioso logar que ahi deve occupar a Sociedade de Geographia. (Extrahido do Bulletin dela Société de Géographie , tom. XVII} PALEONTOLOGIA Relatorio acerca do grande premio das sciencias physieas para o anno de 1856, lido na sessao de® de Fevereiro, e cujas conclusoes foram impressas ma acta dessa sessao (14). (Commissarios os Srs.: Elias de Beaumont, Flourens , Isid. Geoffroy Saint- Hilaire , Milne Edwards , Ad. Brogniart , relator.) O estudo das camadas da crosta do globo demonstra que a superficie da terra soffreu grande numero de revolugdes antes de tomar a sua forma actual. Os restos de vegetaes e de animaes, tao abundantes em muitas dessas camadas, estabelecem igualmente “que na época em que liveram logar essas revolucoes era ja habitada a terra por numerosos e€ varios seres organisados. Qual, porem, 0 numero, e natureza desses seres ? Que mudanc¢as experimentou essa populacao animal e ve- (1) A questaéo proposta pela academia era a seguinte : « 4,° Estudar as leis da distribuicao dos corpos organisados fosseis nos diffe- rentes terrenos sedimentarios , segundo a sua ordem de superposicao. « 2,° Discutir a questao da sua apparicao e desapparicao successiva , ou st- multanea. « 3.° Procurar a natureza das relacdes que existem entre 0 estado actual do reino organico e seus estados anteriores, » 526 REVISTA BRAZILEIRA. getal, emquanto essa longa serie de transformacdes modifi- cavam a superficie da terra? Como se effectuaram essas mudancas ? Pode-se, finalmente, apreciar as Causas que as produziram? Taes sao Os principaes problemas que comprehende a questao posta em concurso e que tao grave interesse lhe communicam sob o ponto de vista da historia do nosso globo. Para que a solucao fosse possivel, fora mister que a z00- logia e a botanica houvessem chegado a um grau de aperfei- coamento tal, que bastasse o estudo de alguns fragmentos desses seres destruidos para chegar ao seu conhecimento exacto, e que pudesse com certeza fixar 4 geologia a sua idade relativa. Fora mister ainda que 0 numero dos restos fosseis conhe- cidos fosse assaz consideravel, para que nao viessem novas pesquizas profundamente modificar os resultados obtidos. E 0 que pdde-se esperar actualmente. Com effeito, desde o comeco deste seculo fez a historia natural considerayeis progressos em todos os seus ramos, No espaco de cem annos, de tal modo se augmentaram 0s nossos conhecimentos relativos as especies de animaes e ve- getaes que actualmente habitam o nosso globo, que decuplou o numero das especies conhecidas. Ha apenas um seculo que no recenseamento geral da na- tureza, publicado por Linneo, comprehendia o reino vegetal apenas 8,100 especies, estando 0 reino animal muito longe de attingir a este numero. Conhece-se agora mais de 10,000 especies de cada um dos dous reinos organisados. Tém os algarismos mais importancia do que se peasa para a questao que nos occupa; porque indicam quao numerosos e variados sao os meios de comparagao de que dispomos para chegar ao conhecimento dos seres que viviam durante os pre- cedentes periodos geologicos, ee — . —ee — or | O GRANDE PREMIO DAS SCIENCIAS PHYSICAS. 527 Mas nao é somente pelo augmento do numero das especies conhecidas que facilitou-se a determinacao das especies fos- seis; mas tambem pelo conhecimento muito mais profundo de sua organisacao , que permitte estabelecer comparacées certas entre cada uma das partes e fragmentos muitas vezes imperfeitos e mutilados, conservados no estado fossil. Mais rapida foi ainda a extensio dos nossos conhecimentos relativamente aos seres organisados fosseis. No principio do presente seculo nao existia mais de um milheiro de fosseis descriptos com alguma exactidao; em 4850 mais de 32,000 especies podiam ser enumeradas com certeza e comparadas com exactidao, quer entre si, quer entre os seres vivos. A propria geologia é uma sciencia moderna. Pelo fim do seculo passailo as camadas do globo, que encerram restos organicos, eram apenas distinctas umas das outras, e sua ordem de successao, isto é , sua idade relativa, base da his= tonia chronologica dos seres cujos despojos contém, em parte algwma achava-se com exactidao estabelecida. Hoje pelo contrario a ordem de successio das camadas sedimentarias desde as mais antigas alé as mais modernas, foi reconhecida em suas menores particularidades ; compa- radas nos pontos mais remotos da terra; reunidas para cons- tituir terrenos correspondentes a outras tantas epocas da formacao da crosta do globo; épocas que podem grupar-se em periodos geologicos, cuja duragio impossivel de fixar-se ao certo devéra prolongar-se por grande numero de se- culos. Vé-se, pela latitude dos nossos conhecimentos sobre os ve- getaes e animaes vivos, 0 grau de perfeicgao a que chegou a geologia dos terrenos sedimentarios; finalmente , 0 grande numero de corpos organisados fosseis, de que acabamos de fallar, permitte procurar quaes foram os habitantes antigos R, B. II 35 528 REVISTA BRAZILEIRA. da terra, e em que ordem suas diversas racas tomaram suc- cessivamente posse della. Desde o seculo xvi que os fragmentos dos corpos organi- sados, encerrados em estado de petrificacao nas camadas da terra, haviam attrahido a attencao de um dos homens mais notaveis desse tempo. Bernardo Palissy , esse oleiro artista e sabio, quasi estranho aos conhecimentos depostos nos livros tao imperfeitos dessa época , hebendo por isso mesmo toda a sua instruccao na observacao directa da natureza, precedia mais d’um seculo as pesquizas dos naturalistas. Revoltando-se contra a opiniao da mor parte dos sabios de entao, que consideravam as petrificagées como brineos da natureza, e simples imitacdes dos seres vivos, Bernardo Pa- lissy declara positivamente que a pedra nao pode tomar a forma de uma concha, seo animal nao a construir. Combate por outra parte a opiniao, ja emiltida por Cardan, de que todas essas conchas e outros restos de animaes ha- yiam sido transportados pelo diluvio aos pontos da terra em que foram encontrados: « Eu sustento, diz elle, que as conchas quando, sao petrificadas em muitas carreiras, foram formadas no mesmo logar, quando os rochedos nao eram mais do que agua e limo. » | Levando por ultimo mais longe suas observacoes, colhen o e desenhando as formas dessas petrificagdes, accrescenta que encontrou mais especies de conchas petrificadas do que as que existem vivas no oceano; que muitas sao de formas com- pletamente desconhecidas, e outras estranhas aos nossos mares vivem somente no das Indias e costas de Guine, d’onde sao trazidas pelos navegadores. Nao parecem ja formuladas as fundamentaes idéas da paleontclogia nestas linhas escriptas no fim do xvi seculo ? Todavia as idéas de Bernardo de Palissy, tao notaveis para essa epoca, passaram desapercebidas ; e nenhuma influencia O GRANDE PREMIO DAS SCIENCIAS PHYSICAS. 529 tiveram sobre os trabalhos dos naturalistas do seguinte se- culo. O xv seculo com effeito, tao brithante pelos progressos do espirito humano nas letras, philosophia e mathematicas, nao occupou-se no ponto de. vista que nos interessa, senio com discussdes sobre a origem dos corpos fosseis. As mais extravagantes hypotheses reinaram por muito tempo acerca da formacio directa desses corpos no meio das rochas que 0s contem. Assim a volta desta idéa, que erain restos de seres organisados, que tinham vivido na superficie da terra, des- truidos e sepultados depois por uma submersao geral do globo, deve ser considerada como um novo passo para a verdade. -Reinou esta ultima opiniio durante grande parte do xvi seculo. Todos os corpos organisados fosseis , contidos nas differentes camadas do globo, eram attribuidos ao diluvio universal, e considerados como um irrecusavel testemunho dessa grande revolucio do nosso globo. Scilla, na Italia; Scheuchzer » Wolkmann, Gesner , Walch, na Allemanha; Woodward e Brander, na Inglaterra ; Pallas, na Russia; Antonio de Jussieu , Bourguet , Guettard, em Franca; e muitos outros, que longo seria enumerar, fizeram conhecer, com mais ou menos exactidao , esses restos da antiga populacao da terra. A medida, porém, que esses fosseis eram melhor conhe- cidos , que as camadas que os encerram mais estudadas, tormava-se cada vez mais evidente a impossibilidade de re- ferir a sua origem a um acoptecimento unico e de curta du- ragao; € pouco a pouco desapparecia a idéa do diluvio como causa de todos esses depositos. Linneo attribuia-os jd a uma retirada lenta e prolongada do mar, que successivamente descobrira a superficie dos nossos continentes, phenomeno de que ainda lhe offereciam 530 REVISTA BRAZILEIRA. recentes vestigios as costas da Suecia. Buffon considerava-os como productos de duas épocas diversas, prolongadas por milhares de annos. De-Luc, buscando harmonisar as obser- vacodes geologicas com a narrativa do Genesis, considera Os dias da creacio como longos periodos, durante os quaes, e de modo inteiramente distincto do diluvio biblico , se pas- saram 0s principaes phenomenos cujos vestigios se observam sobre o globo, e de que seria 0 diluvio 0 ultimo. Houve no fim do seculo passado uma tendencia em dis- tinguir a formacao das partes superficiaes da terra em épocas mais ou menos numerosas ; fandam-se porém, essas distinc- coes antes em hypotheses do que em factos bem observados, e assaz numerosos para firmal-os sobre solidas bases. Multiplicavam-se no emtanto as observacdes geologicas : de Saussure , estudando com admiravel talento a estructura tio complicada das grandes cadeias de montanhas; Pallas , examinando com rara Ssagacidade a constituicao geologica da Russia, fazendo-nos conhecer essesgrandesmammiferos ainda sepuliados no gelo das praias do mar glacial, abriam novo caminho, e tragavam aos geologos modelos que deveram buscar imitar. A distinccao das grandes épocas da formacio, caracteri= sadas, nao sO pela natureza e posicao das camadas que hes correspondem , mas pelas produccdes marinhas contidas em umas, pelos animaes terrestres encerrados ein outras, trazia a divisao da crosta da terra em terrenos primitivos , secun- darios e terciarios, como ja se nota nas Epocas da Natureza de Buffon , e nos trabalhos de Pal'as, de Saussure, e De-Lue. Mas nao existia ainda nesse tempo 0 estudo completo da successao das camadas da superficie da terra, que faz da geologia moderna uma Verdadeira historia chronologica do nosso globo. A idéa da retirada successiva das aguas do mar, que teriam © GRANDE PREMIO DAS SCIENCIAS PHYSICAS. 531 primeiramente coberto o cume das mais alias montanhas, e nellas deposto os despojos dos seres que a habitavam , idéa que. do:ina geralmente durante grande parte do xvmt se- culo , lornava-se cada vez mais contradictoria com os factos observados, e suppunha hypotheses de difficil admissao. Nao tardou que mostrasse o estudo profundo dos paizes monta- nhosos que a presenga dos corpos fosseis sobre os pontos os mais elevados podia explicar-se pela elevacao dessas mon- tanhas de modo mais simples do que pelo abaixamento das aguas do mar. Nasceu dahi essa theoria da elevacao das montanhas, que deve a un dos nossos confrades suas leis e admiraveis desen- volvimentos. Permittiu-lhe ella fixar a idade de suas diversas cadeias, e estabelecer a ordem chronolugica de sua apparicao, e tracar de modo seguro a origem dos principaes contornos da configuracgao actual do nosso globo. De maneira clarissima explica semelhante theoria as altera- goes do estado physico da superficie da terra nas differentes épocas da sua fundacao , mudangas que ligaram-se de modo tao intimo aos da natureza organisada. Apresenta além disso essa simplicidade e unidade que, principalmente, na natu- reza, temo cunho da verdade. As revolugdes e mudancas do estado physico da terra re- sultam, segundo ella, d’uma so causa, a liquifacgao primi- tiva do globo e seu resfriamento gradual, phonomenos que nao poderiam ser hoje postos em duvida. Nao é mais necessario recorrer 4 elevacao geral do nivel dos mares para explicar a presenca dos corpos organisados fosseis até perto do cimo das mais altas montanhas. Qs ro- chedos que os contém, forma:os no seio do mar, ergueram-se com as montanhas de que fazem parte, até a altura em que os vemos; podem pertencer as formacdes mais recentes, e@ nao sao, como Buffon suppunha, restos dos mais antigos ha- bitantes do globo. 539 REVISTA BRAZILEIRA. Vimos que muitos naturalistas do ultimo seculo haviam reconhecido que todos os seres organisados fosseis nao ti- nham vivido contemporaneamente na terra, e muitas vezes distinguiram as produccdes maritimas dos terrenos secun- darios dos seres mais analogos aos da epoca actual , depostos nos terrenos terciarios e nas grandes alluvides. Quao longe porem eslavam essas indicagdes geraes do exacto conheci- mento dos seres proprios a cada uma das idades da superficie da terra! Comecam com o nosso seculo as primeiras applicagdes da paleontologia a geologia. Viram-na nascer quasi que simul- taneamente a Franca e alnglaterra. A distinccao mais minu- ciosa dos terrenos sedimentarios nestes dous paizes devéra realmente fixar a attencao dos geologos sobre Os corpos orga- nisados fosseis que encerram; identico porém nao foi 0 seu ponto de vista. Em Franga foi o proprio solo do valle de Pariz , que desde 0 comeco deste seculo constituiu-se objecto das investigacdes de Cuvier e de meu pai; depois de dez annos de pesquizas demonstraram no Ensaio sobre a Geographia Mineralogica dos arredores de Pariz (1), que cada una das camadas que constituem nossas collinas encerram corpos organisados fosseis que lhe sio proprios; que esses fosseis se encontram nas mesmas camadas a grandes distancias, e podem servir para caracterisal-os; devendo por ultimo concluir-se da na- tureza desses seres que uma parte das camadas foram for- . madas no mar, e outras nas aguas doces, que alternativa- mente, e por varias vezes, cobriram o nosso solo. Facil é de reconhecer em semelhante estudo do valle parisiense , tra- balhos de geologos a quem eram familiares todos os ramos da historia natural, e que delles sabiam fazer feliz e fecunda applicagao. (1) Lido no Instituto em 1810, e publicado ém 1844. 0 GRANDE PREMIO DAS SCIENCIAS PHYSICAS. 533 Alguns annos depois da publicagao do Ensaio da Geologia dos arredores de Pariz, um engenheiro inglez, William Smith, ao qual haviam permittido seus trabalhos fazer um profundo estudo do solo da Inglaterra, e reconhecer a im- portancia dos corpos organisados fosseis , como signaes dis- tinctivos das formacdes geologicas, publicou igualmente o resultado de suas observagoes (1), onde assignalou as especies (1) A primeira publicacao de William Smith foi a sui carta geologica da In- glaterra e do paiz de Galles, que appareceu em 1845 , primeiro trabalho deste genero applicado a um grande paiz ,e que exigira multiplicadas viagens e ob- servacdes. Em 1816 comecou a publicacao uma obra intilulada Strata tden- tified by or ganized fossils, acompanhada de estampas representando os prin- cipaes fosseis de cada uma das formacoes distinctas por elle: nao appareceram mais do que quatro fasciculos comprehendendo dezoito estampas in 4.° Abra- cam as formacoes desde 0 crag e 0 london-clay até 0 oolitho superior e 0 fuller’s raxzh. Em 1817, sob o titulode —A stratigraphical system of orgunized fossils in 4°, publicou sem figuras enumeracdes mais extensas dos corpos organisados fosseis desses mesmos terrenos. As outras obras de William Smith sao cartas geologicas locaes , posteriores ds publicacoes precedentes. Nestas duas obras, cujo assumpto prende-se 4 questao que nos occupa , nao indica o autor ter o menor conhecimento da Geographia Mineralogica dos arredores de Pari: , publicada comtudo em 1844. _O Sr. John Philips , seu sobrinho e discipulo , professor de geologiaem Du- blin, que !he consagrou uma mui minuciosa noticia biographica (Memoirs cf (William Smith , London 1818) , e que deu uma lista das suas obras , nao cita outras. O mesmo di-se com o Dr. Fitton, n’um artigo sobre 0 mesmo sabis » publicado na Revista d’Edimburgo e reproduzido no Philesophical Meguzire (Agosto, 1832) , no qual exprime o pezar de que nenhuma commenicacao ienha sido dirigida 1 Sociedade heal, e dos cutres corpos scientificos haja estabvlecido de modo positivo os resultados das pesquizas deste geologo em épocas anteriores as publicacdes que havemos ciiado. Causa pois sorpresa , que o Sr. Lyell , na Historia da Geologia , que faz parte dos seus Principios de Geologia , indique até na sua ultima edicaéo William Smith como tendo publicado em 1790, isto 6, vinte e cinco annos antes da primeira publicacao que lhe attribuem seus biographos , um quadro das camadas da Inglaterva: Tabular view of the Bristh strata, no qual se acharia esta ap- plicacao da paleontologia 4 geologia stratigraphica, _ Tudo denuncia um erro de data, grave todavia neste ponto da sciencia. William Smith, nascido em 1769, foi encarregado, de 1790 a 1800, de su- 534 REVISTA BRAZILEIRA. caracteristicas dos terrenos de sedimento da Inglaterra, cuja distinccao e ordem de successao contribuira elle para esta- belecer ; vé-se porém que esses fosseis sao antes considerados como indicios proprios para reconhecer as camadas que en- cerram, do que como indicacao da natureza da creacao de cada uma dessas épocas de formacao. Geralmente admittidos foram logo os novos principios : sua applicacao propagou-se com rapidez pela Franca, In- glaterra, Allemanha, Italia e Estados-Unidos; e no espaco de poucos annos, pelo concurso dos sabios de todos os paizes, boas descripgodes e figuras exactas fizeram conhecer os vege- taes e animaes proprios 4 cada uma das terras que os geo- logos distinguiam por sua posicao relativa na superficie do slobo. Fornecia a paleontologia descriptiva materias destinadas para compor floras e faunas das épocas contemporaneas as diversas formacdes geologicas. Emquanto foram mui restrictos esses catalogos, nao comprehendendo senao um limitadis- simo numero de animaes e vegetaes contemporaneos dos de- positos que encerram seus despojos, ou emquanto esses seres, mal conhecidos em sua estructura essencial nao puderam com certeza ser comparados com os gue actualmente vivem , nao foram mais do que especies de signalamento para cada uma dessas épocas; nao se pode tirar nenhuma consequencia perintender os trabalhos de exploragao das minas de carvao de pedra e canali- sacao, que dirigiram a sua altencao sobre a stratificacao dos terrenos secundarios, e sobre os fosseis que contém , e parece mesmo, a vista de notas e communi- cacdes verbaes, que reconheceu ja por essa época a importancia dos corpos organisados fosseis como servindo de caracteres a certas camadas. A historia, porém, dos geologos do continente , mostraria igualmente que suas idéas eram dirigidas para 0 mesmo alvo muito tempo antes das publicacdes que poderiam fazer conhecer ao publico seus resultados. Nosso unico fim é, pois, estabelecer que as publicacdes de William Smith séo muitos annos posteriore 4s de Cuvier e Brongniart sobre 0 valle de Pariz. O GRANDE PREMIO DAS SCIENCIAS PHYSICAS. 535 verosimil sobre a natureza do reino animal, ou vegetal, em uma época determinada da formacao da crosta do globo; factos novos nao tardariam em vir contradizer resultados ob- tidos precedentemente, e as generalisacOes sb eram permit- tidas como simples ensaios, a que cumpria renunciar, 4 proporcao que o exigissem novos descobrimentos. De ‘tal sorte porém se multiplicaram ultimamente as observacoes , que licito é caminhar com seguro passo no terreno das idéas geraes. Em muitos casos nao bastou reunir os restos fosseis que podiam offerecer ao colleccionador as exploracdes feitas no ponto de vista industrial; em varios pontos da Europa, sabios, cheios de dedicacao , fizeram explorar rochas ricas em fosseis , no unico fim de reunir da maneira a mais com- pleta esses representantes d’uma antiga creacao. Para asse- gurar a sciencia a conservacao desses restos da antiga popu- lacado da terra, vimos o Estado adquirir num departamento da Franca um terreno que contém immensa quantidade desses fosseis, e fazél-os extrahir com o cuidado pecessario para a reconstruccao dos seus esqueletos. Desses trabalhos pro- seguidos com ardor no mundo inteiro da Siberia 4 Nova- Hollanda, do Canada as Terras Magalhanicas, resultaram progressos inteiramente imprevistos na sciencia dos fosseis. Faunas e floras mais completas , comprehendendo muitas vezes milhares de especies , nos representam melhor 0 com- plexo dos seres organisados de cada época; specimens mais perfeitos permittiram melhor estudar a organisagao desses serés, e estabelecer de maneira mais precisa suas relacdes com os que actualmente vivem. Péde-se emfim deduzir de seu todo leis mais certas sobre 0 seu modo de successao, @ sobre as suas relagdes provaveis com 0 estado physico do globo durante cada periodo da creacao. Por certo que longe esta esta sciencia de haver chegado a 536 ’ REVISTA BRAZILEIRA. seu termo ; novas descobertas virao enriquecél-a ; o numero das especies, de 30,000 elevar-se-ha- bem depressa a mais de 50,000 ; serao conipletados alguns fragmentos imperfeita- mente conhecidos, e algumas modificagdes podera experi- mentar a sua classificacao ; a massa poreém dos nossos conhe- cimentos a seu respeito & assaz importante para que chegasge em opporluno momento a questao proposta pela Academia : porque a sua solucao agora, ainda imperfeita em certos pontos , pode offerecer novos horisontes , dar util direccao as futuras indagacoes, e estabelecer as balisas duma historia mais completa do globo. Mas para chegar a esses resultados geraes, fora preciso organisar catalogos exactos dos vegelaes e animaes cujos restos estao encerrados e 11 cada uma das camadas consti- tutivas do globo; assegurar-se da exactidao de sua determi- nacio, e da natureza exacta do terreno que as contem; formando destarte faunas e floras das epocas correspondentes a cada formacao geologica. _ Era este longo e difficil trabalho que evens servir de base a todos os raciocinios e seneralisagdes que mais tarde poderia estabelecer o autor. Cumpria calcular sobre mais de 30,000 especies dle animaes e vegetaes, repartidas em vinte e cincoa trinta épocas differentes de formacao. Incompleto e inexacto, todas as consequencias lornavam-se falsas ou duvidosas , e essas consequencias formavam a parle mais i » portante (um trabalho deste genero. Essas minuciosas pesquizas, esses catalogos com cuidado organisados , essas consequencias deduzidas com prudencia e rigor, compativeis em assumptos taes, achou-as a com- missao na grande obra manuscripta, dedicada 4 Academia pelo Sr. Bronn., professor de historia natural na universidade de Heidelberg , sabio assaz conhecido por todos os geologos é paleontologistas, pelos seus accurados estudos nesta materia. a - 0 GRANDE PREMIO DAS SCIENCIAS PHYSICAS. 537 Differimos apenas em alguns pontos das opinides emittidas pelo sabio autor da Memoria coroada ; todos os factos que por elle nao puderam ser verificados , aceitou-os na fé dos tra- balhos de outros paleontologistas ; e os mais celebres nomes garantem as suas determinacoes. Nao raro é descobrirem-se divergencias de opinides entre os mais afamados naturalistas sobre cerlas formas singulares desses seres destruidos (1), ou sobre a posicao de terrenos problematicos ; e com justic¢a nao devem ser exprobrados ao autor alguns equivocos que em semelhante trabalho possam ser encontrados. Seu principal merito é o de ter sabido grupar esses factos -com aptidao para mostrar sua mutua correlacao , e Com as al- -teracdes do estado physico do globo, d’onde facil seria deduzir -outras consideracdes geologicas. E o que buscaremos de- monstrar, expondo neste relatorio alguns dos principaes re- sultados a que as investigacoes paleontologicas conduziram , (1) Neste numero citaremos 0 que no trabalho do Sr. Bronn diz respeito 4s sligmarias, que faz representar um papel muito importante na formacao do carvao de pedra. O Sr. Bronn, adoptando as idéas ja antiquadas dos Srs. Lindley e Goeppert, considera as stigmarias como vegetaes de forma especial , cujo modo de desen- volvimento seria inteiramente insolito , e que propagando-se em grande numero nds paizes dessa época, teriam contribuido mais do que qualquer outra-cousa para a formacao do carvao de pedra. Numerosas observacdes, porém , e que quotidianamente se confirmam, estabelecem que as stigmarias nao sao vegetaes completos e de genero particular , mas raizes prolongadas horisontalmente de grandes vegetaes arborescentes do genero sigillaria ; podem ter essas raizes concorrido para a formacao dos jazigos de carvao de pedra, mas suas hastes volumosas deveram representar um papel mais importante nessa produccao, sem- fallar dos ramos e das folhas de tantas plantas diversas que por vezes se reco nhece no mesmo carvao de pedra. Accrescentaremos que a estructura anatomica das stigmarias, bem conhecida hoje, torna-as pouco proprias para fornecer muita materia carbunculosa, porque nao possuem mais do que um eixo lignoso mui pouco consideravel, relativamente ao seu volume total, cuja maior parte é formada pelo tecido cellular. 538 REVISTA BRAZILEIRA. e que mais importancia offerecem para a historia do desen- volvimento dos seres vivos do nosso globo, Um dos principaes resultados dos modernos estudos pa- leontologicos foi provar que cada formacao geologica contém muitas vezes fragmentos de seres organisados completamente differentes dos das outras formacdes , e que essas mudangas na natureza dos seres vivos se renovaram por varias vezes durante a successao total das camadas sedimentarias que formam a superficie da terra. Como se operaram essas successivas mudancas? Foi por uma destruicao simultanea e completa de todos os seres que viviam sobre a terraem uma época determinada. e pela sua substituicao por um aggregado de seres differentes? Ou entao uma parte somente das especies que formavam a populagao do globo foi destruida em um momento aprazado, tendo a outra parte continuado a viver misturada com nova popu- lacio? Numa palavra, 0 renovamento dos seres vivos foi completo e simultaneo, ou parcial e successivo 7 E esta ultima opiniao a adoptada pelo Sr. Bronn, apoiade em numerosos factos, e reconhecendo todavia que em cada passagem d’uma nova formacao, isto é, @uma época geolo- gica particular, a proporcado das especies destruidas e das novas que as substituem € quasi sempre mui superior a das especies que sobreviveram as causas de destruigao, e que em certos casos 0 complexo dos seres organisados parece ter cessado de existir para dar logar a especies totalmente diversas. Conduz-nos esta questo 4 outra mui debatida e que pren- de-se 4s mais sublimes theorias da philosophia natural ; os seres de varias formas que successivamente apparecem sobre 0 globo sao o resultado de nova creagao, ou descendentes modificados e transformados de antigaS especies hoje ex- tinctas ? O GRANDE PREMIO DAS SCIENCIAS PHYSICAS. 539 O Sr. Bronn, cuja opiniao a tal respeito de bom grado aceitamos, mostra quanto este ultimo modo de explicar a produccao das especies , generos, e muitas vezes até classes inteiras de animaes e vegetaes, completamente differentes das que lhes precederam , esta em contradiccao com todos os . factos conhecidos e todas as leis da natureza organisada tal qual agora a vemos. Nao se trata realmente dessas ligeiras modificagdes que poderiam transformar uma especie Woutra vizinha, e que entrariam quasi nessas mudane¢as que as variacdes das con- dicdes physicas , ou a influencia do homem podem imprimir €m nossas racas domesticas. Sao novas formas, typos de or- ganisacgao completamente novos cuja origem deve ser pro- curada em seres totalmente diversos. Suppor que um passaro, ou um mammifero tiraa sua origem ‘dum peixe, ou dum reptil: suppér ainda que um pequeno tmammifero insectivoro, como os descobertos nas calcarias ju- rassicas, @ o tronco d’onde ter-se-hia mais tarde derivado um elephante, ou um rhinoceronte, constitue uma extravagante theoria, que nenhum facto positivo corrobora, e que por ‘ultimo conduziria 4 esta consequencia, simultaneamente re- pellida pela religiio, pela sciencia e pela philosophia, de que 0 homem, que por ultimo apparece, como para coroar a obra da creacao, nao seria mais do que o resultado de alguma transformacio das racas animaes que 0 precederam. Addicionemos a isto, que o estudo attento da successao dos seres nos diversos periodos geologicos nao é de modo algum favoravel 4 semelhante hypothese, que para ter alguma vero- similhanca, devéra mostrar-nos as transicdes desses seres successivamente modificados, e permittir ao zoologo, ou ao botanico estabelecer uma serie de anneis que tivesse al- guma probabilidade. No theio da obscuridade que cérca taes mysterios, e que 540 REVISTA BRAZILEIRA. debalde intenta o nosso espirito lobrigar, reconhecemos que menos difficilé para a nossa intelligencia conceber que o poder divino , qae na terra creou os primeiros seres vivos , nao baja repousado, e que continue em outras épocas geo- logicas a exercer 0 mesmo poder creador , imprimindo ao conjuacto dessas successivas creagdes os caracteres de gran- deza e unidade. que o naturalista, mais do que os outros homens, admira em todas as suas obras. Quica se originara a hypothese, que acabamos de com- bater, @um principio verdadeiro, mas cuja generalidade foi todavia exagerada; isto 6, 0 de aperfeicoamento gradual dos seres organisados desde 0s mais remotos tempos até a pre- sente epoca. Certo é que tanto no reino animal como no vegetal co- mecou a populacao da terra por individuos pertencentes a classes geralmente consideradas como as mais imperfeitas , ao passo que as mais perfeitas sO appareceram em tempos relativamente mais posteriores. Assim oS mais antigos terrenos sedimentarios sé contém restos de animaes invertebrados e plantas cellulares, consi- deradas como fazendo parte das mais simples ramificagdes destes dous reinos. Nao tardaram em seguirem-se-lhes mais perfeitos animaes e vegelaes; os mammiferos, porém, no reino animal, e as plantas phanerogamas, no vegetal; admittidas como occupando a mais insigne ordem nos dous reinos or- ganicos, sO se desenvolvyeram em época mais recente no ponto de vista geologico. Somos portanto induzidos a admittir que uma lei geral de aperfeicoamento dos seres organisados presidiu as succes- Sivas creacdes que habitaram 0 nosso planeta; mas, se é ver- dadeiro em these geral este principio, e encarando unica- mente as grandes divisdes dos dous generos organicos, deixa de ter lao positiva applicagao, quando examinada em parti- O GRANDE PREMIO DAS SCIENCIAS PHYSICAS. 544 cular cada classe do reino animal e vegetal, e muito enganar- nos-hiamos se considerassemos 0 complexo dos seres que se succederam nos differentes periodos geologicos como for- mando uma serie regular do simples ao composto. Ainda mesmo admittindo essa geral tendencia para 0 aper- feicoamento successivo dos seres por uma longa serie de tempos geologicos, vé-se que alterou-se ella em sua marcha regular por um segundo principio muitas vezes preponderante, o da apropriacao dos seres ds condicdes de existencia a que eram submettidos em cada época. Nao s6 nos mostra o estudo da distribuicio geographica dos entes que vivem na superficie actual do globo, que cada especie requer certa reuniao de condicdes physicas para poder existir e perpetuar-se ; mas tambem que algumas familias de animaes, ou vegetaes nao podem viver senao em determi- nadas situacdes. Assim, por exemplo, as palmeiras, bana- neiras ; e muitos outros vegetaes, sd podem viver em climas alidos; os grandes panchydermes, elephantes, rhinoce- Tontes, hippopotamos, sio submettidos 4s mesmas condicdes de existencia. O mesmo acontece aos habitantes dos mares: nao sO as especies, mas tambem os generos das regides tro- picaes sao diversos dos dos mares polares , como certas fa- Inilias so vivem no meio do oceano e longe de todas as praias, emquanto exigem outras mar pouco profundo e vizinhanea de costas. - Deveram necessariamente influiridenticas influencias sobre Os seres organisados do velho mundo, e o estado particular dla superficie terrestre em cada época geologica devéra sem duvida oppor-se a existencia de determinados grupos de seres, favorecendo ao contrario 0 desenvolvimento de outras familias. - Constitue o estudo dessas diversas condigdes physicas, e de sua influencia sobre a natureza dos animaes e vegetaes 542 REVISTA BRAZILEIRA. em cada epoca da formacaio da crosta terrestre, uma das mais importantes partes da Memoria coroada, a que deuo seu autor inais amplo desenvolvimento, e onde maior somma de novas idéas apresenta. Demonstra, v. g., que em cada epoca dependiam as condicdes de existencia a que eram os seres Vivos sujeitos: 1°, da natureza da atmosphera, que in- fallivelmente devéra modificar-se em differentes epocas por erupedes gazosas , resultantes dos phenomenos plutonicos, on volcanicos. e pela propria influencia dos seres organisados ; 2°, da mesma temperatura da terra , que em épocas vizinhds ao seu estado primitivo era mais elevada e tornava menos sensivel aos seres organisados as differengas dependentes das latitudes e da diversidade das estagdes; da extensao relativa dos mares e das terras ; bem como da profundidade das pri- meiras e elevacao das montanhas que alteravam a natureza do clima d’um mesmo logar em cada epoca geologica; final- mente, o que o Sr. Bronn chama relacdes sociaes, Ou antes de associacio, isto é, as relacdes que existem de modo ne- cessario entre diversos seres, dos quaes estao uns na depen- dencia dos outros. Acha-se confirmada, por numerosos factos fornecidos pela moderna paleontologia, a influencia dessas diversas condi- des sobre a existencia, ou desenvolvimento maior, ou menor de certos seres em cada época geologica, e que @ priori podia= se quasi prever; e se rapidamente seguimos a progressad dos tempos e das revolucdes geologivas desde as épocas as mais remotas, em que apparece a vida na superficie da terra até OS nossos dias, reconheceremos a accio simultanea dessas diversas causas sobre a natureza dos seres vivos que succes- sivamente habitaram-na. Nao é do nosso intuito o seguirmos essa longa historia do mundo organisado em sua serie de epocas distinclas, reco- nhecidas pela geologia. Basta-nos assignalar as mais nolaveis O GRANDE PREMIO DAS SCIENCIAS PHYSICAS. 543° mudan¢as, operadas nos tres principaes periodos a que po- dem-se reduzir as numerosas épocas geologicas: 0 corres- pondente as mais antigas formacdes sedimentarias, 0 secun- dario e 0 terciario. Provam-nos todos os phenomenos physicos, relativos a formacao do nosso globo, que nos primeiros tempos da con- solidacao da sua crosta devéra apresentar-se elle sob a forma dum espheroide cuja superficie, sem notaveis desigualdades, achava-se coberta, desde que o permittira o seu resfriamento d@uma camada de agua de espessura quasi uniforme , e sobre 0 qual talvez nao se visse nenhuma particula de terra. Con- corda absolutamente com semelhante resultado a natureza dos seres vivos nessa primeira epoca. Aquelles, cujos des- pojos encontram-se nas primeiras camadas de sedimento, depositadas nesse mar primitivo , sao effectivamente vegetaes e animaes maritimos. Nenhum ser organisado terrestre an- nuncia-nos a existencia de terras, erguendo-se sobre o nivel dos mares. Os vegetaes, pouco numerosos, em consequencia talvez da facil destruigao dos seus tecidos, fazem todos parte da familia das algas marinhas, um dos mais simples grupos do reino vegetal. Nao pertencem no comeco os animaes senao as mais simples ramificacdes do seu reino, e so mais tarde é que os peixes e os replis vém completar esta fauna do pri- meiro periodo geologico. Muitos differem dos animaes que hoje existem ; ligam-nos comtudo a sua estructura e analogias 4 mér parte desses mol- luscos que vivem longe das costas no meio do oceano nas regioes tropicaes , ou as madreporas , que se erguendo do in- terior dos mares pouco profundos, formam ainda em nossos dias as ilhas de coraes do grande oceano. Revela-nos igualmente a natureza desses animaes que as aguas desse vasto mar tinham ja uma natureza analoga 4 dos actuaes, e que participava a sua alta temperatura da do pro- prio globo terrestre. R. B. Il, 36 544 REVISTA BRAZILEIRA. Demonstra-nos outrosim a geologia physica, que durante esse periodo de resfriamento da crosta do globo, occasionou dobras e excrescencias, origem das primeiras cordilheiras. Deveram essas desigualdades da superficie terrestre elevar acima do nivel das aguas porgodes de terra que formaram ilhas numerosas , € mais OU Menos extensas. Veio a paleontologia confirmar taes resultados; porquanto, pelo meiado e fins desse periodo , vém-se espacos maiores , ou menores da superficie do globo cobrirem-se de abundante € poderosa vegetacao ; a qual por muito tempo se perpetuara por entre as alternativas de destruigdes e novas creacoes , jamais abdicando esse singular caracter de simplicidade e grandeza, que a differenca mais do actual reino vegetal, do que acontece no animal para com as especies desses lon- ginquos tempos. Pertencendo esses vegetaes aos grupos menos perfeitos do respectivo reino, recordam-nos pela abundancia de certas fa- milias, principalmente a dos fetos, as formas ainda predo- minantes hoje nas pequenas ilhas do grande oceano , confir- mando dest’arte o caracter insular da superficie terrestre nessa época. Os restos dessa primitiva vegetacio, accumulados pelo tracto dos seculos sobre 0 solo que lhe dera nascimento, sao a origem dessas poderosas camadas de combustiveis que for- mam 0s nossos jazigos de carvao de pedra, e esse combustivel, producto das mais antigas florestas do nosso globo, e con- servado por milhares de annos no seio da terra, tornou-se em nossos dias um dos principaes elementos da riqueza e poder das nacoes. Durante esse primeiro periodo a elevacao da temperatura devida ao calor peculiar do globo, a pouca importancia das primeiras eminencias sobre a superficie terrestre, e a ausencia de grandes continentes e altas montanhas, deveram com- municar ao clima dos varios pontos do mundo singular uni- formidade. O GRANDE PREMIO DAS SCIENCIAS PHYSICAS. 545 E o que evidentemente prova o estudo dos fosseis ; porque nesse periodo , mais do que em qualquer outro, Os seres que viviam W’uma mesma época sobre as localidades mais remotas da terra apresentam identicos caracteres, ou mui passageiras differencas; nao se lhes descobre apparentemente latitudes , nem longitudes, e sua semelhan¢a permitte investigar directa- mente a uniformidade quasi absoluta de clima em todas as zonas do globo. Depois dos grandes depositos da época carbonifera, a po- pulacao marinha, que sob tao variadas formas se mostrara , a vegetacao terrestre, tao poderosa e singular, que produzira as camadas de carvao de pedra, parece desapparecer com- pletamente, ao menos sobre a immensa maioria de logares da superficie da terra, para ser substituida por seres mui differentes. Comeca 0 periodo secundario ; novas familias se mostram nos reinos animal e vegetal, e sobretudo a variedade das formas entre os animaes parece emrelacao com a variedade das condicdes physicas que a superficie da terra comeca de apresentar. \ As numerosas elevacoes que se succediam deveram tornar mais desigual essa superficie , mais profundos os mares, tnais altas as montanhas, e ilhas mais extensas jA offereciam um solo menos uniforme. Acarretava cada um desses phenomenos mudangas physicas na superficie terrestre , que causavam a destruicao de grande parte dos seres existentes, que uma creacio acabava de substituir. E todavia durante esta suc- cessao de diversas creacdes, correspondentes ao que geral- mente se chamam terrenos terciarios, que parece se completar 0 reino animal nas suas principaes formas. As grandes classes do reino animal, ja existentes nos mais remotos tempos , comprehendem entao formas mais variadas, mais perfeitas, e por vezes mais vizinhas 4s do mundo actual, 546 REVISTA BRAZILEIRA. constituindo tambem typos mais singulares: taes sao esses replis extraordinarios pela sua estructura e modo de exis- tencia que formam um dos mais notaveis caracteres dessa epoca. Péde-se logo no comeco de tal periodo reconhecer a exis- tencia de animaes da classe dos passaros , de que nenhum indicio encontramos nos terrenos mais antigos. Nada pos- suimos desses animaes, excepto assuas pégadas conservadas na areia das praias, hoje transformada em pedra-lioz, e que nenhuma duvida deixam acerca da existencia de ragas de passaros gigantescos. Assignalam mais tarde alguns raros fragmentos Ossosos a primeira apparicao dos mammiferos, que apenas consistem em algumas pequenas especies de pequenissimo tamanho, e de estructura assaz anomala, para que por muito tempo se hajam conservado duvidas sobre a sua classificagao. Assim, pois , principia no fim do periodo secundario o reino animal a mostrar-se com todas as formas que caracterisam suas grandes divisdes. Nao comprehende ainda o reino vegetal durante a mor parte desse longo periodo senao alguns grupos mais simples por sua organisagao , havendo inteiramente desapparecido as familias singulares da epoca carbonifera, e diversificando muito as formas que as substituiram , das que ainda habitam 0 nosso globo. Vem finalmente nos ultimos tempos desse periodo pequeno numero de especies, pertencentes a mais allas divisdes do reino vegetal, completar a totalidade dos grupos que 0 cous- tituem. Péde-se ainda crer que durante esse periodo secundario condicdes physicas, mui pouco differentes umas das outras, reinavam na maior parte da superficie da terra; e que os di- yersos climas, actualmente tao distinctos, 0 eram muito me- O GRANDE PREMIO DAS SCIENCIAS PHYSICAS. 547 nos entao; por isso causa-nos verdadeira impressao a seme- Ihanga das formas, e até da identidade de muitas especies, que na mesa época viviam em pontos os mais remotos do globo, na Europa, Asia, Africa , e nas duas extremidades da America. A esse longo periodo secundario , testemunha do deposito de tao importantes formacdes geologicas, desde a pedra de cantaria de Vosges alé a greda, e da renovagao tantas vezes reiterada das populacoes animal e vegetal do globo, succedem notaveis mudancas na constituicao physica da terra, e ao mesmo tempo na natureza dos seres que habitam-na. Augmentaram maiores protuberancias na superficie das terras emergidas; formaram-se grandes ilhas, ergueram-se importantes cadeias de montanhas ; rios e vastos lagos ac- crescentarain a extensao das aguas doces. Nao participando tanto do calor interno, submetteu-se a superficie da terra 4 mais immediata accao dos raios solares ; modificaram a dis- tribuicdo da temperatura correntes maritimas e atmosphe- ricas, determinadas pela extensao dos continentes; pro- nunciaram-se cada vez mais as differencas dos climas, ea proporcao que nos adiantamos para o ultimo periodo, o ter- ciario, approxima-se’ mais a terra ao seu estado actual. Dest’arte mostram-se os seres organisados com formas mais analhgas com as que hoje existem, 0 que nao fivera logar nas épocas anteriores. Possuem representantes nas faunas e floras desse periodo todas as varias classes dos reinos vegetal e animal, e pouco differe a sua proporcao das que ora se nos apresentam. Iden- ‘tica differenca que agora notamos offereciam os seres organi- sados , conforme os logares que habitavam. Differiam entre si, como ainda hoje os animaes que viviam nas regides do globo , onde estao actualmente a Europa, Asia, America , ou a Australia; sendo portanto evidente a influencia do clima sobre os seres organisados. 548 REVISTA BRAZILEIRA. No fim desse periodo os habitantes dessas diversas regides pareciam ter ja recebido em grande parte os caracteres que essencialmente distinguem as actuaes faunas desses mesmos paizes. Apresentam-nos a Europa e a Asia os grandes pachy- dermes, elephantes, rhinocerontes, hippopotamos, que ainda habitam o antigo continente. Achamos na America do Sul, sob analogas formas, gigantescos tatus, tamanduas, pre- guicas, que ainda actualmente ahi existem. Na Australia , muitos mammiferos fosseis reduzem-se a essa divisao de ani- maes marsupiaes tao caracteristicos da moderna populacao dessa regiao. ° Ninguem se capacite poreém que 0 aggregado dos entes que nessa €poca viviam tenha-se perpetuado até hoje. Radicaes differencas apresentam-se a este respeito, conforme a natu- reza dos seres que analysamos. Procedem talvez da influencia dos meios em que viviam semelhantes seres, e do grau de perfeicao dos seus orgaos, que faziam-nos mais ou- menos sensiveis 4 ligeiras differencas nas condicdes physicas que os circumdavam. Assim, Vv. g., OS animaes marinhos, e particularmente os das classes inferiores , parece terem-se perpetuado em grande proporcao desde a mais recente época terciaria até hoje. Sua organisacao menos desenvolvida, sensibilidade mais obtusa, e vida menos sujeita as variacdes que as circumstancias ex- ternas imprimem na atmosphera, podem explicar sua resis- tencia em face das influencias que bastaram para destruir os animaes e vegetaes das classes superiores , desenvolvendo-se uns e outros no meio da atmosphera, e submettidos a todas essas variacdes do clima que ainda hoje limitam a mor parte de suas especies nas regides assaz circumscriptas. Com effeito, 0 attento exame dos restos dos mammiferos que viviam pouco, mesmo nos tempos mais recentes do periodo terciario, prova- nos que a mor parte desses animaes differiam de maneira bem notavel dos actuaes habitantes do nosso globo. O GRANDE PREMIO DAS SCIENCIAS PHYSICAS. 549 Além disto, os limites geographicos dessas especies an- tigas, actualmente destruidas, nao eram os de seus congeneris do tempo presente. Os elephantes, os rhinocerontes, os hip- popotamos, os tapires, as girafas, habilantes actuaes das regides tropicaes, estendiam seu dominio afé as praias do Baltico e do mar Glacial. Prova-nos isto que , se nessa época climas differentes caracterisavam as diversas zonas da super- ficie lerrestre , nio tinham ainda tomado seus limites actuaes, € por certo que mais elevada temperatura reinava entio em nossa zona temperada. O que finalmente distingue estes ul- timos tempos do periodo terciario da época actual é ausencia do homem. Tudo na realidade tende a provar que 0 homem nao existia, ainda mesmo na época desse grande cataclysma que cobriu vastas extensdes do globo desse terreno d’alluviao, impropria- mente chamado de diluvio, e no qual acham-se ossos de grandes mammiferos, hoje extinctos. Nenhum resto humano , nenhum resultado da industria do homem mesclou-se a esses Ossos nos depositos regulares, resultantes dessa ultima grande revolucao do globo. O diluvio cuja narragao nos transmittiu a Biblia, e cuja lembran¢a conservaram todas as antigas tradicdes dos povos do Oriente, seria um acontecimento posterior aquelles de que a geologia pode até hoje verificar a existencia e fixar a ordem chronologica de maneira segura; seus vestigios teriam geral- mente desapparecido ouse confundido com os phenomenos di- versos que se produzem na superficie da terra desde a creagao do homem. Assim nao teria elle assistido a nenhuma das grandes re- volucdes geologicas, que deixaram profundos vestigios sobre 0 nosso globo, e todavia por sua intelligencia conseguiu distinguir essas revolugdes , representar 0 estado do globo nas diversas épocas de sua formacao , e repovoal-o com os 550 REVISTA BRAZILEIRA. seres que 0 habitavam ; obra immensa, cujo plano, hoje em parte realisado, tracava Cuvier, ha cerca de cincoenta annos, e cuja grandeza assignalava com estas palavras, que fina- lisam seu Discurso sobre as revolugoes do globo : « Quao bello seria, diz elle, ter agproduccoes organisadas « da natureza em sua ordem chronologica , como possuimos « as principaes substancias mineraes, como que ganharia « asciencia; da organisacao os desenvolvimentos da vida , « a successao de suas formas , a exacta determinacao das « que primeiro appareceram, 0 nascimento simultaneo de « certas especies, sua destruicao gradual, instruir-nos-hiam « talvez muito mais sobre a essencia do organismo, do que « todas as experiencias que podemos tentar sobre as especies « Yivas,eo homem,a quem apenas foi concedido um instante « de permanencia na terra, teria a gloria de refazer a his- « toria de milhares de seculos que precederam sua existencia, « e de milhares de entes que nao foram seus contempo- « raneos. >» (Extrahido des Comptes Rendus Hebdomadaires des Séances de l’ Académie des Sciences de Paris). loo NOTICIAS SCIENTIFICAS E ARTISTICAS (Extrahimos da excellente obra do Sr. Luiz Figueir, intitulada — Anno Scientifico e Industrial, as seguintes noticias que julgamos de summo in- teresse). Physica. NOVA EXPERIENCIA PARA TORNAR MANIFESTO 0 MOVIMENTO DA ROTAGAO DA TERRA. O Sr. Perrot, engenheiro, communicou a Academia das Sciencias uma nova maneira de tornar manifesto o movi- mento da rotacao da terra. Desde que o Sr. Foucault fez a magnifica experiencia que celebrisou 0 seu nome, e que consiste em tornar evidente, pela variacao duma pendula oscillante , o deslocamento da terra através do espaco ; desde que pela invencao do gyroscopio tornou o referido physico ainda mais simples e pratica a demonstragao do mesmo facto, publicaram-se diversos meios para chegar, com mais, ou menos exactidao, ao mesmo resultado. Porém de todos os methodos que foram propostos para fazer sensivel aos olhos 0 movimento da rotacdo da terra, omais simples, se nao mais convincente , sera o que propdz em 1859 o Sr. Perrot. . 552 REVISTA BRAZILEIRA. Para manifestar a movimento relativo do nosso globo, toma uma simples celha redonda cheia d@agua, segura por escéras bem firmes, e furada no fando e no centro.com um buraco circular para o esgoto d’agua. Segundo as theorias da hy- draulica, as particulas d’agua contidas na celha, dirigindo-se das extremidades para o centro pelo movimento do esgoto, em vez de seguir o raio que vai da circumferencia para o centro do liquido, devem-se encaminhar para a direita. Ora, se espalharmos na superficie dagua, e seguindo um raio da celha redonda, uma linha de pds, ou pequenos corpos fluc- tuantes, formados por exemplo, pela cera de carnatha, notar-se-ha que durante o esgoto d’'agua, esse raio ao prin- cipio.rectilineo, curva-se na direccao d’uma linha cujas partes mais vizinhas ao centro inclinam-se insensivelmente para a direita da posicao que teriam occupado se tivessem seguido exactamente o raio rectilineo. Quando chegam perto do centro de esguto, gyram em espiral, e 0 seu movimento , observado das bordas da celha, é ainda para a direita. A influencia do movimento da terra manifesta-se pois por essa direccao que tomam os corpusculos chegando ao centro do esgoto. VELOCIDADE DA PROPAGAGAO DOS SONS FORTES E FRACOS. Sabem todos que os sons fortes, ou fracos, propagam-se com a mesma velocidade. Eis um facto que parece attestar 9 contrario : Em sua expedicado aos mares do norte o capitao Parry man- dara um dia fazer exercicio de artilharia, com o fim de ex- perimentar a velocidade dos sons, e determinara que cada artilheiro nao fizesse fogo antes de haver recebido ordem do official. Ora, muitas pessoas, situadas a alguns kilometros de distancia, observaram que ouviam o ruido do canhao- NOTICIAS SCIENTICAS E ARTISTICAS. 553 antes de haverem ouvido a ordem para fazer fogo , provando assim que o som da artilharia precedéra ao da voz do official. —— ey INFLUENCIA DA MUSICA SOBRE OS BICOS DE GAZ. Observou-se que emquanto o gaz arde no orificio dos bicos uma especie de pulsacao, ou de augmento e diminuigao da corrente, produzia-se , 4 proporgdo que ouvia-se musica em um aposento illuminado 4 gaz. O jornal inglez da Illuminagao d gaz referiu uma curiosa observagao neste genero. Execu- tava-se com piano, violio e violoncello os grandes trios de Beethoven, e os bicos correspondiam por um movimento de chamma, marcando um compasso em harmonia com 0 das pecas; e verificou-se que nao procedia tal movimento doutra cousa senio da vibracao do ar pela musica. Pode este facto tornar-se assumpto de importantes estudos. Mecanica. COMMUNIGAGAO ENTRE OS VIANDANTES E OS CONDUCTORES DE TRENS NAS ESTRADAS DE FERRO. De ha muito que se buscam os meios de por os viandantes das estradas de ferro em communicacao com os conductores | dos trens. Difficil € 0 problema; porquanto, se forem dadas aos viandantes grandes facilidades para fazer parar 0 comboi, produzira isso demoras muito mais perigosas do que 0s accidentes pessoaes de que se desejam remedios. Achou um engenheiro inglez em 1859, simples e efficaz meio de obter-se semelhante resultado. Consiste esse meio em collocar sobre o tender , no logar reservado ao foguista, um espetho no'qual 554 REVISTA BRAZILEIRA. venha reflectir-se 0 comboi inteiro. Gracas a esse espelho, podem o conductor do trem e 0 machinista verem tudo 0 que se passa no comboi. Logo que apparecer um viajante, ou mostrar um lengo na portinhola do wagon, sera este signal conhecido, e podera parar o trem a ordem do conductor. Uma das vantagens de tal disposigao 6 que nao podera ser contra- riada pelas sinuosidades do caminho. . Parece-nos excellente este systema para o servico diurno ; sendo porém de difficil applicagao durante a noite. Verdade 6 que pensa o inventor, que fixando duas lampadas nas duas extremidades das ultimas carruages do trem, permittira a reflexao dessas lampadas sobre o espelho collocado no tender que aviste o conductor toda a extensao do trem, apezar da obscuridade da noite, tao distinctamente como durante o dia. Nao partilhamos inteiramente da sua confianga neste ponto: mas confessamos que seria ja um grande resultado o de dar durante o dia aos viandantes das estradas de ferro a faculdade de se relacionarem com o conductor do trem. Este meio, ha tanto tempo procurado , parece-nos haver-se por este modo engenhosamente realisado.; e procederiam com acerto as nossas companhias de vias ferreas, se o submet- tessem a alguns ensaios. Possuem quasi todas as locomotivas sobre o tender grandes oculos postos numa vidraca, que servem para protegerem o conductor e o machinista contra o mao tempo: é, pois, diante dessas vidracas , que collocou o engenheiro inglez o seu espelho reflector. Chimiea. A ALUMINIA EM FOLHAS. Um batefolha doiro de Pariz, 0 Sr. Degousse , conseguiu reduzir a aluminia a folhas tao delgadas , como o ouro e a — NOTICIAS SCIENTICAS E ARTISTICAS. 555 ‘prata, e por consequencia a produzir pd daluminia tao fino como o dos metaes preciosos. Grandes difficuldades apre- sentou semelhante operacao: o recozido d’aluminia deve ser bem frequente ; nao podendo porém ser feito pelo methodo ordinario ao ouro e a prata, cumpre empregar o fogo d’um braseiro. Simples e commum é batedura. Destarte substituira em muitos casos a folha d’aluminiaa da prata, e ainda que menos branca , sera menos susceptivel de alteracao. Arte de econstrucg¢ées. PONTE SUSPENSA SOBRE O NIAGARA. Acaba de terminar-se a gigantesca obra que devera ligar na fronteira do Alto-Canada 0 caminho de ferro do Estado de New-York ao do Canada Oriental. E uma ponte suspensa que pretendeu-se lancar sobre o Niagara, 4 curta distancia das celebres catadupas desse grande rio. Observada das catadupas , essa ponte, ou ferreo carril, que esta a 250 pés acima do nivel d’agua, parece inteiramente incapaz de supportar 0 peso d’uma locomotiva, puxando seus carros carregados de 200 pessoas: e nao obstante des- empenha ella essa tarefa diariamente. Verdade é@ que nao podem os viandantes atravessarem essa ponte sem serem acommettidos duma verdadeira vertigem: tendo assim idéa das sensacdes que devéra experimentar o famoso acrobata Blondin, quando realisava em 1859 sobre uma corda esten- dida acima das cataractas desse rio, rasgos de agilidade e audacia que arrancaram a admiracao enthusiastica e os fre- neticos hurrhas demilhares de Americanos. A ponte suspensa de Niagara é de dous andares, o.que lhe da tanta seguranga quanta se pode esperar da ponte mais bem Suspensa , permittindo-lhe resistir 4 accio dos trens e 4 vio- 556 REVISTA BRAZILEIRA. lencia dos furacdes. Quando um trem cheio de mercadorias carrega a ponte com o peso de 326 toneladas, é apenas a de- pressao de dez pollegadas. Tem 800 pés de comprida, e€ os cabos que a suspendem sao de fio d’ago. Serve a ponte inferior para a passagem dos pedes, caval- leiros , carruagens, elc.; sendo a superior exclusivamente destinada aos combois do caminho de ferro. Desde a sua con- clusao nenhuma deterioragao experimentou, nenhuma repa- racao foi-]he necessaria: e mostra mesmo o constructor tal confianc¢a em sua obra, que assevera que nem 0 uso ordinario podera alterar sensivelmente esta magnifica ponte suspensa. Hygiene. ACCAO DO CHUMBO SOBRE 0 TABACO. Ha annos que notara o Sr. Chevallier que o envoltorio de chumbo de que se servem alguns negocianles para guardarem o rapé oxyda-se ao contacto do fumo, e communica-lhe pro- priedades venenosas. O Sr. Felix Boudet quiz tratar directa- mente desta questao, e assegurar-se um envolucro de chumbo pode por seu contacto, mais ou menos prolongado, commu- nicar-lhe propriedades venenosas. Introduziu o referido Sr. Boudet certa porcao de tabaco n’um sacco de chumbo: collocou-a num quarto, separando cada camada de tabaco por discos mui delgados de chumbo. Suspendeu depois uma folha de chumbo em uma campona de vidro, debaixo da qual puzera uma larga capsula cheia de tabaco, de tal sorte, que 0 unico vapor do tabaco pudesse actuar sobre 0 vidro. No fim de algum tempo estava o chumbo rapida e forte- mente atacado em cada uma das tres condigdes experimen- taes. O chumbo em contacto com o tabaco desmaiava imme- NOTICIAS SCIENTIFICAS E ARTISTICAS. 557 diatamente, apresentando uma superficie descorada, e na qual podiam-se com facilidade observar com a lente algumas manchas esbranquicadas. A accao causada pelo vapor do tabaco era muito menor, posto que evidente, e a superficie metallica exposta directamente 4 esse metal cobria-se d’uma especie de pennugem esbranquicada que amortecia 0 seu brilho. As porgdes de po destacadas das superficies metallicas encerravam certa quantidade de parcellas esbranquicadas. Parte do sacco de chumbo, limpo com cuidado e desem- baracado das parcellas de tabaco que adheriam-lhe, foi lavada com agua distillada, e nessa agua reconheceu-se, por meio de reactivos , a presenca d’um sal de chumbo em dissolucao. O exame mais profundo da substancia branca formada na su- perficie do metal demonstrara que era composta de sub- acetato de chumbo. Resulta destas observacoes do Sr. Boudet que nos saccos de chumbo , nos quaes se guarda 0 tabaco em pod, pode formar-se sub-acetato de chumbo, que , desprendendo-se com facilidade do metal, mistura se com 0 tabaco. Essa mistura , introduzida nas ventas , daria logar a uma entoxicacao chumbaria, e po- deria causar graves accidentes. Haviam os factos feito d’antemao presentir esta conclusao. Acha.-se na Gazeta Hebdomadaria de Medicina de 34 de Julho de 1857, observacoes do Dr. Mayer de Berlim, que mencionam cinco casos de envenenamento e paralysia saturnina, pro- duzida pelo rapé, que conforme o uso mui vulgarisado na Allemanha, fora conservado em saccos de chumbo, e entregue neste estado aos consumidores. ts > Al \- vis ihe ‘ Baa “ ‘ - : ' HUTS a) fee hh “J i 4 ; nhs tL) xi r ‘ & es ele if yt iSite C ° 4 ’ ‘ i ‘ my? w 2 Wy ed aA i : : an ) st ‘ ‘ 43 { ~. to i yeurit oe ctiG et pen a as TT ek ’ ) d A 4 4 Pa has? | : te ¢ > the r [ 4 i ‘ ' i ? ‘ ‘ i if pie : j i? j *% ene arb) 3a ' eS ae eee Le he c j } Sage is at , Ay : ' ft =) 44 (224d 2 Fieve ui Sy eat Ris J : * re | : sé y { ‘v \? ue ; ATM eT tS 4 bi } , ' . : > imthes v mae {> ark. Fy bd a fe aot ye 409 } ’ ‘Z a ro] Rae 4 : . 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Nesta segunda hypothese o termo complementar da serie tendera a approximar-se do termo que 0 precede, ou do subsequente, 4 medida que (n) se appro- ximar do infinito, ale que se tenha he f(a) wep (w+ 9h). AZo bs tx Ee qualquer que seja 0 valor finito de (h): e neste caso sera 6=0. Este resultado suppde, que a serie 6 sempre convergente ; porque de outra sorte nao exprimira ella a quantidade finita representada por f (7#--h). Se por outra parte suppuzer-se que 0 termo complementar da serie € transportado 4 origem do seu desenvolvimento , devera ter.logar a seguinte equivalencia, guardada a notacao convencional , saa ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 7 * f (w-+h) = hf (x-+ 9h) Para que haja identidade entre os dous membros desta equacao , devera ser Deste e do precedente resultado se conclue, que o coeffi- ciente (9), que entra na expressao do termo complementar da serie, € uma quantidade variavel que tem por limites abso- lutos a wnidade , e zero. Foi no intuito de bem caracterisar 0 termo complementar da serie, que nos havemos notavelmente afastado do pro- cesso analytico empregado por Lagrange na deduccao da bella formula representada pela equacao (3); chegando nds ao mesmo resultado por um methodo mais simples, e mais di- recto, sem quebra (em nosso entender) do rigor analytico. Uma vez conhecida a lei que seguem os coefficientes nu- mericos , que affectam os termos da serie a partir do primeiro, podera dar-se ao desenvolvimento da formula (3) a seguinte expressao, que, a par de notavel simplicidade , tem a van- tagem de representar o desenvolvimento indefinido da serie ; a saber : (4) « Ferh)=f (x) + hf'(x-+ eh) Assim , querendo-se levar 0 desenvolvimento da serie até o 2°, 3°, etc., termos; ter-se-ha ——— eee (*) E evidente que o factor (A°) nao pdde ter outro divisor sendo a unidade, para que a expressdo do termo complementar represente neste caso a somma total dos termos da serie, a qual se tornaria infinita, se o divisor de que se trata fosse zero, $ REVISTA BRAZILETRA- fa+l)= fle) + (a) +r (e+ om =f) Fle) + Peltz z Sah to+ on) Etc. Esta propriedade caracteristica da formula (4) nos induziu a dar-lhe a denominacao de evolutiwa. _ Para que a formula (4) se torne applicavel aos usos da ana- lyse , indispensavel é conhecer-se previamente o que devem exprimir (r én), fw), FG); ete ) em relacio a f(x) dada: e passamos a mostrar a maneira por que desta funcgao se deduziram aquellas. A formula (4) dara a equacao seguinte : (m) ep (x-+ 6h} Se, pois, for conhecido o desenvolvimento de f («-+-h) até o segundo termo da serie , sendo esta representada do modo seguinte f(a) +hA-+ WB 0 primeiro membro da precedente equacio sera divisivel por (h); e fazendo depoiskh=0O, em ambos os seus mem- bros; vira A=fi(z) Ter-se-ha semelhantemente, usando da mesma formula (m) OF afl tab oa Ae eN iS ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 9 ee = f" (x + oh) d’onde se tira, fazendo h =o At = f" (x) Procedendo deste modo, ficarao determinadas todas as funcgdes que entram na expressao do desenvolvimento da formula (4) até o termo, em que se quizer parar. Lagrange , na sua preciosa obra intitulada — Theoria das Funccoes — , chamou as funcedes { f" (x), f(x), f'" (x), ete} 1°, 2%, 3°, etc., derivada de f(x). 2. Applicacio da formula (4) ao desenvolvimento do bi- nomio de Newton (#-+-a)", sendo dada a funcgao (x”}. Posto que o desenvolvimento do binomio proposto ate 0 segundo termo da serie seja conhecido pela applicagao das nocoes elementares da algebra, qualquer que seja 0 expoente dado (m); a saber, numero inteiro ou fraccionaria , positivo ou negativo; nds supporemos, no presente caso, que é (m) numero inteiro e positivo: e ter-se-ha m me m—1 (e+a) =a + th Jas vB Pondo este desenvolvimento na formula (m) , e substituindo nella (4) por (a); vira 10 REVISTA BRAZILEIRA. Pondo agora (v+a) em logar de (x) nesta primeira deri- vada ; ter-se-ha , como precedentemente , m—1 m—2 m(x--a) es ae i a (m—1) x ee ae) Fazendo a mesma applicacgao deste desenvolvimento a for- mula (m); vird m—2 m (m—A) x =F (4) Operando da mesma sorte sobre cada uma das derivadas conhecidas ; ter-se-ha m—3 m(m—A) (m—2) x = jet) Etc. Substituindo estes valores no desenvolvimento da formula (4) ; ter-se-ha m m—1 m (A) f(e+a)=(rx+a) =x +mz. a we (">) (“) ‘: m—3 Js as + 94 f" @+6a) f’ (w+4a) exprime-se neste caso pela /"’ (x), pondo nesta ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. if funccio (v+4a) em logar de (x); isto é, m—4 f* (e+9a) = m (m—1) (m—2) (m—3) (a+ 4a) Fazendo m—=3 no desenvolvimento (A), a serie terminara no quarto termo; e sera por conseguinte nullo o termo com- plementar, como mostra a sua expressao. Faca-se agora m==5, levando o desenvolvimento da serie alé 0 terceiro termo: e vira F Aa x = Pep bag ane | EES et 0) Se o valor numerico de (9) fosse conhecido , 0 desenvolvi- mento do binomio (7+ 4a)* daria o termo complementar da serie equivalente 4 somma dos tres termos que faltam para completal-a. Se 4 : ; eto Fazendo primeiramente § = we e depois 6 = tT virao as duas series 5 h 2d 3 2.) 2a a “°-+- Saz'+- 10a°x’* + 10a (« i as t+ 7 xv +-5ax‘-- 10a74°+-10a° (« eho 7 OUT FG “) O desenvolvimento completo de (x-+-a)’ differe de uma destas duas series nos dous ultimos termos , e de outra s0- mente no ultimo ; ficando a somma dos dous ultimos termos daquelle desenvolvimento intermediaria; a saber: 20 Riis 10, aint oa | bate i 42 REVISTA BRAZILEIRA. Se o desenvolvimento da serie parar no segundo termo ; 1 1 ¢ fizer-se §= >, hao virao os resultados seguintes ‘ 3 w+ 5ax'+- 10a’ (w+ = aa Sat +) 2 3 a 5axt- 10a"(u’+ ax? ela =] Comparando os restos destas duas series com os termos differentes no desenvolvimento completo ; ter-se-ha 10 a°a?-+ 5a‘x+ a® + a‘x- ae 15aea?-+ ae -+- ce Destes resultados se pode concluir por induccao, que no desenvolvimento geral da funccao (A) 0 coefficiente imdeter- minado (9) esta comprehendido dentro de limites variaveis com a posicao, que occupa naquelle desenvolvimento o termo complementar da serie: de modo que, sendo f" (w+ 4a) a funccao que entra na expressao do termo complementar, tera 0 valor numerico de (@) por limites as fraccdes ices isto é, OS menores factores dos coefficientes numericos de dous termos complementares successivos. Cumpre ainda observar , que os resultados acima compa- rados fazem ver que o verdadeiro resto da serie ténde a ap- nah ep alleles Hin a en ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 13 proximar-se notavelmente mais do que da o limite inferior ene ke do valor de (9); istoe, (7). n-+-4 Supposto nao seja licito fazer extensiva esta propriedade “ao desenvolvimento das funccdes transcendentes (exponen- ciaes, logarithmicas, e circulares) sem que seja ella a0 menos verificada em resultados particulares , como havemos pra- ticado relativamente 4 funccio algebrica (v-+a)”; todavia, no caso de querer-se somente, no desenvolvimento de qual- quer das referidas funccdes, um valor approximado do resto da serie, calculando o termo complementar expresso por h° : a = f(x-+ 6h), poder-se-ha fazer nesta expressao 9—= —— n+1 1 ened, — a segundo corresponder a um, ou a outro destes > valores o limite inferior do resto da serie ; ou, em ambos os 1 : , easos, 9 ek obtendo-se assim resultados tanto mails z approximados do verdadeiro resto, quanto maior for o numero representado por (n). Por outra parte notaremos , que é esse 0 unico uso pratico, 4 que se presta a apreciac’io do resto de uma serie dada (). 3, As funccdes derivadas que empregou Lagrange, no desenvolvimento da formula evolutiva, representada pela equacao (4), nao sao outra cousa mais, que as mesmas func- cdes que Newton e Leibnitz denominaram coefficientes dijfe- a D (*) M. Duhamel, no seu excellente tratado de analyse infinitesimal , consi- dera a quantidade (6) como funccdo da variavel (x) no desenvolvimento da formula (4): nds pensamos ao contrario, que aquella indeterminada é inde- pendente de (x), e que sé varia com a posicao do termo complementar, em relacdo ao primeiro termo da serie. 14 REVISTA BRAZILEIRA. renciaes de (1°, 2*, 3* ordem, etc.) de uma dada f(x), na analyse infinitesimal. Com effeito, segundo a notacao de Leibnitz, que tem:sido adoptada geralmente , tem-se wage (x) y y I : gt, eee 7 recom (a) ay. cee f (x) Pondo estas novas expressdes em logar de (f" (@ \ f” (x), etc.) na formula (3) ; ter-se-ha Apap 6 We OY i: We dy | ©) ¥ (CT) ITT ae ida 123 ae os nt dy h” .d"fiz-++-6h) 4.2.(n—1) da? 1.2..n dx" Esta formula era ja conhecida pelo nome do geometra inglez — Taylor — que a descobrira, no tempo em que La- grange enriqueceu a sciencia com a sua bella formula, na qual supprio esse grande geometra o defeito notavel que offerecia o desenvolvimento da formula de Taylor ; isto é_ a falta do termo complementar da serie. A formula (5) é susceptivel de exprimir-se abreviadamente, dando-lhe a forma da equacao (4), pondo nella f(x) em logar de (y); a saber: (6) f(w+h)— f(a) 4-na Sa ESTUDOS DE ANALYSE MATHEMATICA. 45 Desenvolvendo esta formula até o termo a epee da ordem (n) ; vira f(e@th)=f(a) +h. ar E at) iia. iN Fazendo primeiramente s—0, em ambos os membros desta equagao ; e pondo depois (x) em logar de (h), 0 que é licito, por serem quantidades independentes uma da outra; vira eet oe eee f(0) representa nesta formula o que fica da f(x) fazendo nella c—=0: a0 representa semelhantemente 0 que fica do coefficiente differencial de f(x), expresso em termos finitos , depois de fazer nelle ~==»0: e o mesmose dira dos coeffi- cientes differenciaes da 2°, 32 ordem , etc. A formula (7) é conhecida pelo nome do seu autor 0 muito distincto geometra — Maclaurin. A feliz applicacio das for- mulas de Taylor, e de Maclaurin, as questdes mais impor- tantes da analyse infinitesimal deve principalmente esta su- blime sciencia os mais assignalados progressos, que fizera, desde o seculo passado até o presente. _ A formula (7) exprime-se de ordinario por modo mais sim- ples, empregando a notacao de Lagrange ; a saber: (7bis) f(a)=f (0) +7 “f ‘(0)+- er "O)F Tos ne od Se na mesma formula de Taylor, acima desenvolvida , se’ 16 REVISTA BRAZILEIRA. fizer z—=a, © puzer-se depois (x—-a) em logar de (h) ; ter-Se- ha, usando da nolacio de Lagrange 6 i=so+ Fra + Sr (t—ay + Op at 5 (a—a)| Esta formula é a mesma de Maclaurin , sob uma expréssao mais geral ; e nella se.torna fazendo a=0. E ella empre- gada com vantagem em alguns casos, especialmente na ana- lyse applicada. - 4. A formula evolutiva de Lagrange pode dar o desenvol- vimento das funccdes exponenciaes , logarithmicas , e& ciren- lares , praticando acerca dellas do mesmo modo que se pro- cedeu em relacao 4 funccio algebrica (v-+a)": uma vez que seja conhecida por qualquer maneira a primeira funcgao de- rivada de cada uma daquellas funecdes , 0 que sé conseguira mediante algum artificio de calcuto. Nao se conclua porém daqui, que se possa dispensar a deduccio das cinco series elementares, de que nos havemos occupado no artigo l, e seguintes , empregando para esse fim um processo analytico differente : porquanto, a concordancia dos resultados assim obtidos, com os que dia formula de Lagrange, servird vantajosamente para fortificar o espirito dos principiantes , inspirando-lhes a necessaria confianga no emprego da referida formula, ou daquellas que lhe sao equi- valentes; a saber: a de Taylor, e a de Maclaurin. Pondo termo a este nosso trabalho , julgamos opportune explicar os motivos que nos induziram a fazer objecto dos nossos estudos analyticos, publicados até o presente , ma- _ terias de ordem elementar, e ja sabiamente tratadas pelos mestres da sciencia. » ESTUDOS DE. ANALYSE MATHEMATICA. 47 Ha muito que a experiencia do magisterio nos convenceu da necessidade de uma instruccao systematica, clara, e com- pendiosa nas referidas materias, servindo de prddromo ao estudo da analyse infinitesimal: e é nossa conviccao , que , sem essarindispensavel preparacao, impossivel sera, ainda mesmo aos talentos superiores, adquirir uma instruccao subs- tancial, profunda, nesse ramo sublime das sciencias exactas. Reunindo, pois, em um corpo de doutrina aquellas ma- terias, e expondo-as com simplicidade, e clareza, foi 0 nosso fim meramente utilitario: e se algama novidade ahi se en- contra, em relacaio ao que escreveram’sobre este objecto geo- metras eminentes , nao tivemos certamente a pretengao de fa- zer obra mais perfeita, mas sim 0 intuito de facilitar 0 estudo de taes materias , removendo os embaracos, com que de ordi- nario lutam os principiantes, tanto em razao do defeituoso methodo por que as aprendem, como principalmente pelo apparato de calculos complicados , e de consideracgdes meta- physicas, que acompanham a exposicao de alguns pontos im- portantes, que ellas encerrao nos tratados classicos. Nos julgaremos felizes, se os nossos trabalhos nesta parte corresponderem ao designio que os motivara. Rio, 30 de Setembro de 1860. ’ CanpIDO Baptista DE OLIVEIRA. R B. X 2 18 REVISTA BRAZILEIRA. NOTA. CORRECCOES ESSENCIAES. 1.2 N. 2 da Revista. — Geometria analylica, pag. 173 e 174. — Em logar de as rey! Sen. 24,’ Sen. | leia-se 2 2 ca 2A;+41 ° Cos. srr) 2.2 N. 8. —p. 189— depois das palavras— Chegar-se-ha necessariamente a dous valores do primeiro membro da equa- cao de signaes contrarios — accrescente-se — (nao sendo a equacao de grao par, e o seu ultimo termo positivo). 3.° Ibidem —p. 221 — depois das palavras — Segue-se que a equacao (11) sémente tera logar dentro dos limites do qua- drante— accrescente-se — pondo nella (+ —2x Jem logar de os (x), quando fdr 0 arco (x) > 45°; porque neste caso a serie que representa (x) torna-se divergente. 4.° N. 9—p. 398 — em logar de n=O: leia-se : no 5.2 Ibidem — p. 400 — depois das palavras — entrando por conseguinte na categoria das series convergentes -— ac- crescente-se — a qual pertencem em geral as series repre= sentadas pela equacao (w) que satisfizerem 4 condicao de ser 0 expoente (m) maior do que a unidade. Este resultado pode ser deduzido da propriedade de guardar a somma dos termos CORRECCOES ESSENCIAES. 19 impares uma relacio numerica definida para a somma dos’ termos pares, em cada uma dessas series: porquanto nao se pode conceber a existencia de partes aliquotas em uma quan- tidade infinita. 6." Ibidem —em logar de: log. 0 = log. (1 aa s tet.) leia-se: log. 0 =— log. e (1 a = +ete.) 7.2 Ibidem — p. 4041 — depois do periodo que termina pelas palavras — entrando por cunseguinte na categoria das series convergentes — accrescente-se — Por outra parte é facil de ver, que em uma serie decrescente, cujos termos sao alternativamente positivos, e negativos, um termo qualquer é numericamente maior do que a somma dos termos restantes da serie: e que por conseguinte é ella convergente. at ’ < -~ LEV ai ‘ t Pat i bak wit ri ———<$<$<$<$$ $n ASTRONOMIA Sobre o eclipse do sol de 18 de Julho de 1660, na Hespanha. Os jornaes scientificos, vindos pelo paquete inglez, tra- zem-nos alguns dos relatorios dos astronomos que observaram na Hespanha o ultimo eclipse total do sol. 0 fim principal da observagao dos eclipses totaes é de nos fazer conhecer com certeza a natureza do sol, e, em _parti- cular, a existencia de uma terceira atmosphera em torno desse corpo. As observacoes das manchas do sol, feitas ha muitos annos ja provaram que esse astro é composto de um globo obscuro, cercado por uma atmosphera analoga 4 nossa, e na qual fluctuam nuvens de diversas formas, que lembram as nuvens terrestres. No limite superior dessa atmosphera reina uma camada quasi continua de nuvens luminosas , d’onde partem a luz e o calor que recebenos. Mas, por seu brilho, essas nuvens luminosas, que formam o que se chama segunda atmosphera, photosphcra do sol, impedem-nos de distinguir se para fora dellas existe uma outra camada gazosa. E, pois, somente durante os eclipses, em que a lua vem esconder aos nossos olhos a vista do globo luminoso, pondo ao mesmo tempo em escuridao a nossa atmosphera, sobre a 99 REVISTA BRAZILEIRA. qual é projectada a sua sombra, que se pode esperar ver as _regides que se avizinham do sol. Ora, a historia de todos os eclipses anteriores ensinou que, na occasiao desses phenomenos, existe uma brilhante aureola de luz, a qual, escondendo o sol, cérca o disco da lua. Em 1842 0 celebre Arago chamou sobre esse ponto, de um modo todo especial, a attengao dos sabios. Qual é a natureza dessa aureola ? Pertence ella ao sol, ou, melhor, depende ella da lua, no qual caso seria uma dessas illusdes de optica, que tém logar em algumas circumstancias perto das bordas dos corps opacos projectados diante de uma fonte de luz, illusdes que se designam em physica sob o nome de diffrac- cao. Os eclipses de 1842, 1850, 1851 e 1853 foram aprovei- tados para a solucao destas questOes ; mas nenhum resultado definitivo pdde ser obtido. Arago tinha citado como pedra de toque da theoria a polarisagao da luz; e, cousa singular, esse ponto essencial foi quasi completamente desprezado, é verdade que por causa de difficuldades de observagao, por nao terem determinado a direccao do plano de polarisacao , pois os raros observadores que se dedicavam a esse objecto nao puderam chegar senao a duvida, e nao apresentaram os seus resultados senao com todas as reservas. Alem das descripcdes das apparencias geraes do pheno- meno, e de uma multidao de pormenores, sem duvida alguma de grande interesse , a questao principal nao déra um passo quando teve logar o memoravel eclipse de 7 de Setembro de 1858. Estarao lembrados que nessa época o governo do Brazil nao quiz que a primeira nacao da America do Sul ficasse es- tranha ao grande movimento do espirito humano, e orga- nisou uma expedicao perfeitamente calculada que devia ob- servar 0 eclipse no porto de Paranagua. A expedicao propdéz-se, a Ai Sit cages penta haa tsi tat weal il SOBRE O ECLIPSE. 23 como fim principal, determinar se a aureola era realmente uma atmosphera do sol, e suas tentativas foram coroadas pelo mais completo exito. Por dous methodos diversos a polari- sacao da luz da areola foi reconhecida, a direccao do plano de polarisatao determinada, e uma distinceao se achou clara- mente estabelecida entre a polarisacao da cordéa solar e a da atmosphera terrestre, de maneira a nao dar mais logar a duvida. Foi, pois ,em Paranagua, que pela primeira vez executou- se a experiencia apresentada como decisiva pelo immortal Arago. A polarisacao da cor6éa, uma vez conhecida, tornava- se evidente que essa corda nio era um phenomeno de diffrac- cao, mas um phenomeno real, pois que a luz diffractada nunca é polarisada. A corda provém, pois, de uma atmos- phera ; mas uma atmosphera tao extensa nao pdde, segundo outras experiencias, pertencer 4 lua. A coréa é, pois, a ter- ceira camada do sol, descoberta que tornara para sempre a expedicao de Paranagua celebre na historia da astronomia. Nao foi unicamente pela polarisacao que se firmou a des- coberta de que acabo de fallar. Todos os outros pormenores da observacao vieram confirmal-a. A constancia das appa- rencias geraes do phenomeno, constancia notada pelo Sr. conselheiro Candido Baptista de Oliveira e por mim; 0 mo- vimento da lua diante da aureola, movimento que mui clara- mente percebi; emfim, os feixes conicos e curvos dos raios , vistos por todos os membros da commissao, sem excepeao , provaram que a corda nao podia ser um phenomeno de dif- fraccao, pois que a diffraccao nao da raios curvos desta -na- tureza, pois que essas observacgdes mostravam que a corda estava situada por detras da lua, e que, portanto, pertencia ao sol. Foi, pois, pelo todo das observagdes , e nao sdmente pela polarisacao , que a existencia da terceira atmosphera solar Dh REVISTA BRAZILEIRA. ficou estabelecida; e, se citei a polarisacio em primeiro logar, foi porque esta experiencia, como fez notar Arago, é decisiva e esta ao abrigo de qualquer objeccao. O que acabamos de dizer explica a estima com que o mundo scientifico acolheu o relatorio da commissao brazi- leira, € a immensa publicidade desse trabalho na Inglaterra, Franca, Allemanha, Russia, Italia, Estados-Unidos , ete. A grande consequencia que acabo de relatar juntou-se uma multidao de observagdes curiosas e interessantes que vém descriptas no relatorio da commissao. Mas ainda que a questao principal, aquella que diz res- peito 4 natureza da corda, tenha sido resolvida em Para- nagua, nao se deve por isso deixar de aproveitar todas as circumstancias favoraveis para observar 0 phenomeno, e pro- curar-se descobrir novos factos concernentes 4 aureola solar e as nuvens que ella contém, porquanto em um so eclipse 0 sol nao deixa ver todos os phenomenos interessantes que podem ter logar na sua atmosphera. Sob este ponto de vista, a importancia das observacoes dos eclipses totaes augmentou, em vez de diminuir, com 0 notavel resultado obtido em Pa- ranagua, pois que nao sao mais simples apparencias , porém sim phenomenos reaes que se tratam de observar. Foi , pois, com um novo interesse que lemos alguns relatorios , vindos pelo paquete inglez. Em primeiro logar, eutre esses relatorios , deve-se incon- testavelmente c.llocar o de meu sabio collega da academia de sciencias de Roma, o P. Secchi, director do observatorio do Collegio Romauo, Faremos notar primeiramente nesta relacao a verificacao da polarisagao da luz da cordae de seus raios , verificacao feita por um terceiro methodo, differente do que foi se- guido en Paranagua. Esse processo é menos sensivel do que a variagao da intensidade que tivemos de empregar em Ue 7 ei mom ey rm ea A pre ae tw SOBRE O ECLIPSE. 95 primeiro logar, quando a polarisagao era ainda duvidosa. Mas a variacao de cor, observada pelo P. Secchi, prova quanto essa polarisacao 4 clara e sensivel, e a verificacdo da pola- risacao por este methodo é a confirmacio mais evidente e brilhante do importante resultado obtido em Paranagua. Mas nao foi sdmente pelas experiencias do polariscopio chromatico que o P. Secchi, e os astronomos hespanhdes que acompanhavam os Srs. de Aguilar e Cepeda, confirmaram Os nossos resultados. De um lado este ulfimo observador notou um raio curvo dividido em muitos ramos , e que, por- tanto, nao podia ser devido 4 diffraceao; do outro , o rela- torio faz ver que, durante o eclipse parcial, antes da obscu- ridade total, o campo da luneta era muito mais claro do lado do bordo do sol do que do lado da lua, o que indica evidente- mente a influencia de uma aureola em torno do sol, e nao em torno da lua. Esse genero de observacao é muito interes- sante, e nao posso deixar de com elle confrontar uma obser- vacao inedita de um joven amador da sciencia, o Sr. Charles Noel, que ja tem publicado muitos trabalhos nas Memorius da academia da Belgica. Essa observacio foi-me communicada por seu autor, e cito-a na minha noticia sobre a constituicao physica do sol e natu- reza deste astro, noticia quasi terminada , e cuja publicagao tem sido demorada pelos trabalhos da commissao astrono- mica e hydrographica. Ha alguns annos 0 Sr. Porro teve a engenhosa idéa de substituir os vidros negros , destinados a apagar pela absorp- cao aluzdosol, afim de deixar encarar esse astro, por um systema polarisador, formado por dous espelhos pretos per- pendiculares, e recebendo um e outro os raios solares sob 0 angulo de polarisacio. Esse novo instrumento recebeu 0 nome de helioscopio, e tem a vantagem sobre o vidro negro , de nao espalhar como este ultimo, sobre a totalidade do 26 REVISTA BRAZILEIRA. campo da luneta, uma porgao da Juz solar , reflectida no sys- tema absorvente. Ora, o Sr. Charles Noel, empregando um helioscopio, re- conheceu que o sol se mostra cercado de uma aureola em todos os tempos e fora de qualquer eclipse. Poder-se-hia ser “Jevado a attribuir essa aureola 4 nossa atmosphera ; mas entao, com o ceo carregado de ligeiras nuvens, ou de va- pores, a aureola deveria augmentar , se essa explicacao fosse verdadeira. O contrario tem logar, como notou o Sr. Charles Noel, e, a vista disto , nao resta outra explicacao possivel senao a visibilidade da coréa dos eclipses, a qual se vé assim fora da presenga da lua, e consequentemente fora das cir- cumstancias em que ella poderia ser explicada pela diffrac- cao ou por uma atmosphera lunar. A nova observacao do P. Secchi confirma a do Sr. Charles Noel, e todos esses factos vém ainda juntar-se aquelles que anteriormente citamos, e que provam de um modo innegavel a existencia da terceira atmosphera solar. Em presenga das experiencias claras e decisivas que pre- cedentemente enumeramos, a impressao das observacdes é certamente de pouca monta. Comtudo, em attengao ao po- sitivo e 4 forca de suas expressoes, NAO posso deixar de relatar aqui a opiniao do P. Secchi. Esta impressao é inteiramente conforme a da commissao do Paranagua: « Nesses momentos, diz elle, minha convicgao sobre a natureza do que eu via foi que o phenomeno era real, e que distinguia na verdade chammas na atmosphera solar e nuvens suspensas nessas chammas. « Ter-me-hia sido impossivel imaginar outra cousa, como por exemplo, que isso pudesse ser um phenomeno qualquer de diffraccao ou de refraceao. « A graduagao tao clara e a mistura tao sensivel da luz de cor flor de pecego , com o branco do que nds chamamos pho- . SOBRE O ECLIPSE. 27 tosphera , era de um caracter inteiramente diverso daquelle que tenho visto nos phenomenos de diffracgao , de inter- ferencia e de refraceao, e inteiramente fora dos limites de qualquer illusdo. » Para quem ja viu um eclipse total, a narragao do P. Secchi é cheia de verdade; julga-se, lendo-a, assistir-se realmente ao phenomeno. Apezar da diversidade de formas, que trazem as differencas de épocas, todas as apparencias geraes con- cordam com aquellas que vimos a 7 de Setembro de 1858. O cuidado tido nas observacoes dos eclipses de 1842, 1850, 1854, 1853 e 1858 faz com que a nova descripgao nao tenha podido dar factos novos, 4 excepgao da parte photographica, com que me vou occupar ; mas essa observacao nao é menos importante, como confirmagao brilhante dos resultados ob- tidos em 1851 e 1858 sobre a natureza das nuvens roseas, e em 1858 sobre o ponto essencial, a existencia da terceira atmosphera do sol. Acabo de fallar da parte photographica das observagoes: é ella devida aos Srs. Monserat e Vinader. A duracio do eclipse, duracao triplice do phenomeno observado em Paranagua, permittiu dar-se um grande desen- volvimento ao estudo debaixo do ponto de vista photogenica das nuvens roseas ou protuberancias, questio para a qual faltou-nos tempo em Paranagua, onde, além disto, tinhamos a resolver um problema mais importante. Ora, foi verificado: primeiro, que nas provas obtidas as partes as mais vivas nao correspondem as protuberancias; segundo , que a impressao dessas ultimas foi quasi instantanea, emquanto que a da corda requer uma exposigao mais demorada. Segundo 0s re- sultados desta indagacao, sera possivel em.um novo eclipse combinar as observacoes , de modo a obter-te bellas provas do phenomeno. E este o logar de dizer-se algumas palavras sobre a unica 298 REVISTA BRAZILEIRA. objeccao de séria apparencia’ que foi feita a existencia da atmosphera solar. Essa objeccao tanto mais merece 0 nosso exame que foi apresentada por um astronomo celebre. O grande cometa de 1843 passou por tal modo perto do sol, que, segundo as dimensdes apparentes da terceira atmos- phera solar , leve de penetrar no interior desta camada gazosa, e de soffrer ahi uma resistencia, a qual poderia por seu turno modificar a orbita desse cometa. Arago nao achou essa ob- jeccao tao importante como parece a primeira vista, por- quanto, segundo a sua justa observacao, 0 cometa de 1853 nao foi visto senao depois da sua passagem pelo perihelio; e, portanto, ignorando nds a sua orbita anterior, nao sabemos se ella foi modificada. . Demais, logo que existe polarisacao da coréa, nao se pode negar aessa corda uma existencia real; e, se um cometa que atravessa a sua regiao nao soffre modificacao notavel na sua orbita, isso nada prova; é apenas uma indicacao que faz crer que esse involucro gazoso é bem pouco denso, em re- lacio ao nucleo do cometa, para que a perda de velocidade deste ultimo nao seja sensivel. Porém, além disso, ainda que o cometa de 1853 nao tenha sido visto antes da sua en- trada na atmosphera solar, pude reconhecer, submettendo a questao a analyse mathematica, que a orbita nao poderia ter sido modificada de uma maneira sensivel. As mathema- ticas sao auxiliares poderosos nessas quest0es, e, pode-se dizer, em geral, em todas as questdes de astronomia e de physica. No caso presente 0 objecto era complicado; e tal é sem duvida 0 motivo pelo qual até agora ainda nao foi submettide ao calculo. Comtudo consegui, tirando da lei da diminuigao do calorico e da luz do centro a borda do disco solar certos dados indispensaveis, relativos 4 lei das densidades com a altura da atmosphera, 4 integrar a equacao que da esta agp de MRA 5 eS a ee SOBRE 0 ECLIPSE. 99 lei. Pude em seguida obter a expressao da resistencia do cometa , segundo seu diametyo, fornecido pelas medidas an- gulares e segundo a densidade relativa 4 atmosphera solar , densidade deduzida de observacdes photometricas. Nao posso desenvolver aqui toda esta theoria por causa de sua extensao, é ella sera publicada na minha noticia sobre a constituigao physica do sol; mas posso fazer conhecer o resultado a que se chega, substituindo 0s numeros nas formulas obtidas. Esse resultado mostra que a objeccao nao resiste a analyse. Com effeito, a velocidade do cometa, depois da sua sahida da atmosphera solar, nao diminuiria de mais de 1 metro e 3/410 por segundo. Ora, uma tao fraca diminuigao permit- tiria a este astro, visto a extensao de seu periodo, circular durante mais de um milhado de annos em torno do sol , pene- trando de cada vez na atmosphera desse corpo antes de ser a sua orbita notavelmente modificada. Assim cahe por si, e independente da consideracao j4 apresentada por Arago, a unica objecedo 4 existencia da atmosphera solar. Mas, alem disso, euo repito, nenhuma objeccao, por mais séria que pareca, pode ser feita em presenca da verificacao da pola- risacao da luz da corda. E bem de admirar que as actas da academia de sciencias do Instituto de Franea nio déem o relatorio da commissao do observatorio de Pariz, e que seja necessario procurar este relatorio nos jornaes. Eu esperava achar nesse trabalho ob- servacdes importantes, e contava.a este respeito com 0 talento dos meus collegas, os Srs. Foucault , Chacornac e Villarceau. Mas a minha esperanea foi frustrada. Comtudo, nao se dle- vera imputar esse mallogro aos habeis observadores que acabo de citar. Isso proveio unicamente das instrucgoes que thes foram impostas. Assim, leio no relatorio do Sr. Le Verrier que o Sr. Foucault foi encarregado de funcgdes que, no ap- parelho do P. Secchi, eram preenchidas por um relogio ; isto 30 REVISTA BRAZILEIRA. é, de manter dirigido para o sol o apparelho photographico. Ao observatorio de Pariz, entretanto, nao faltam equatoriaes, movidos por um mecanismo de relogio. Os Srs. Chacornac e Villarceau receberam ordem expressa de se occuparem com a medida de uma, quando muito de duas, das protuberancias roseas. Mas isso tinha sido feito em 18541 por um numero consideravel de astronomos. Era a parte principal das ins- truccdes dadas aos observadores nessa época, e a questao das protuberancias é hoje uma questao decidida. A expedicao brasileira em 1858 tambem occupou-se com esse objecto, e confirma as conclusdes anteriores. O Sr. Le Verrier cita como um facto capital o resultado das medidas dos Srs. Cha- cornac e Villarceau, medidas cujo unico interesse consiste em concordar com as nossas e com a de todos os astronomos que observaram em 1851. O director do observatorio de Pariz julga ensinar-nos que as protuberancias sao nuvens solares. Ja o sabiamos. Arago e o Sr. Airy sufficientemente 0 demons- traram. Nossas observacdes em Paranagua confirmaram esta opiniao tanto quanto as dos Srs. Chacornac e Villarceau. Nao é sO isso. Essas medidas nao tém a importancia que o Sr. Le Verrier lhes attribue. Em 1851 a comparacao das apparencias, para os observadores situados na Noruega e na Allemanha, fez ver que essas nuvens, como as da nossa atmosphera, mudam incessantemente de forma. Alem das mudangas reaes, ha tambem mudanc¢as apparentes, provenientes de refraccdes anormaes da nossa atmosphera ; refraccdes que, para o Sr. Parés e alguns observadores italianos, transportaram em 1842 a imagem dessas nuvens para dentro da lua. Nao posso mes- mo deixar de admirar a singeleza com que o Sr. Le Verrier julgou dever certificar-se de que essas protuberancias “nao pertencem a lua. Se ellas dependessem desse astro, como ellas sao muito mais brilhantes que a luz acinzentada que es an eS SOBRE 0 ECLIPSE. 341 vemos, nao se mostrariam ellas sempre em torno do nosso satellite, mesmo durante a lua cheia ? O Sr. Le Verrier julga ter feito uma observagao nova, tendo notado uma imagem isolada no bordo da lua, e uma cadeia de protuberancias baixas cobrindo a maior parte do disco. Ora, tudo isto foi visto em 1851 tao claramente como hoje. Mas o que ha de mais curioso é ver-se o Sr. Le Verrier, depois de ter contemplado pela primeira vez em sua vida um eclipse do sol, nao assignalar neste phenomeno senao 0 que ja se sabe perfeitamente , depois partir disto para fazer a de- claracao seguinte: « Chego a constituicao physica do sol; uma reforma ou mesmo um abandono completo da theoria que se tinha admittido até agora me parece necessario. » Depois de ter feito esta declaragao, apresenta uma theoria do sol em contradiccao directa com todas as observacdes, com todos os principios bem verificados da sciencia. Diz-nos que as manchas solares sao nuvens que interceptam a vista de certas regides do sol. Mas Galileo nao demonstrou que as man- chas dosol nao fazem saliencia sobre a superficie da photos- phera? Wilson nio provou que sao excavagoes no involucro luminoso? E essas demonstracdes tém o caracter da evidencia mathematica. Herschell, Arago, de Humboldt e uma centena de outros observadores as multiplicaram, e emfim a theoria do sol é precisamente fundada sobre observagdes em tudo semelhantes aquellas que relata o Sr. Le Verrier. Os eclipses anteriores, e 0 de 7 de Setembro em particular, fizeram ver, além disso, que nao ha nenhuma relagao entre as manchas e as protuberancias roseas. Mas, porque cansar-me-hei em refutar uma theoria tao absurda como aquella que nos da o director actual do observatorio de Pariz? Basta appellar-se para os tratados elementares de astronomia, onde se achara resposta directa a essas hypotheses. 32 REVISTA BRAZILEIRA. O Sr. Le Verrier nao se descuida de dizer-nos que era dia claro durante 0 phenomeno. Entretanto, como em todos os eclipses anteriores, viu-se as estrellas e os planetas prin- cipaes. O planeta Lescarbault e o annel dos planetas, an- nunciado pelo Sr. Le Verrier, faltaram. Fiquei muito satisfeito por ver que o Sr. Le Verrier pode por si mesmo verificar a nao existencia desses planetas. Eu ja o tinha demonstrado na gazeta allemaia Astronomische Nachrichten (1) ena Revista Brazileira. A parte photographica é a unica que pode ser citada no relatorio do observatorio de Pariz. Bem como o P. Secchi, o Sr. Foucault obteve algumas estampas. Mas, por habil que seja, um relogio vivo nio se compara com um relogio me- canico. Assim, a Julgar-se pelas palavras do relatorio , os resultados parecem inferiores ao da expedicao italiana e hes- panhola. Ha mesmo um facto que faz desconfiar do valor do apparelho empregado, ou, se 0 apparelho é bom, da exis- tencia de uma refracc¢ao anormal no seu interior, devida sem duvida a nao ter sido 0 instrumento, antes da obscuridade total, posto ao abrigo dos raios solares. O contorno da lua nas estampas nao é regular; entretanto o P. Secchi, e mesmo o Sr. Le Verrier, dizem que 0 desapparecimento do sol teve logar normalmente. (1) A este respeito creio dever reproduzir aqui a opiniaodas duas primeiras autoridades da Europa, 0 Sr. Peters, sabio director do observatorio de Altona e das Astronomische Nachrichten, 0 Sr. Hansen, 0 celebre autor das novas taboas astronomicas do sole da lua, e director do obseryatorio de Gotha. Esta opiniao é mencionada na carta seguinte que me foi dirigida pelo Sr. Peters ; « Veuillez excuser, monsieur, du retard que de nombreuses occupations mont fait mettre 4 vous adresser mes remerciments pour yos communications aussi intéressantes qu’importantes.—Vous avez bien mérité des sciences en yous opposant sérieusement aux fantaisies légéres relatives a l’existence d’une planéte entre Mercure et le Soleil.— fl vous sera sans doute agréable d’apprendre que M. Ilansen s’accorde avec vous pour reconnaitre que les anomalies sur les- quelles M. Le Verrier fonde son hypothése d'une planéte inférieure a Mercure sont dues 4 des erreurs d’obseryation, provenant surtout de-ce que les ins- truments n’avaient pas été mis a couvert des rayoas du soleil. » SOBRE 0 ECLIPSE. 33 As irregularidades nao dependem, pois, do contorno lu- nar, como diz o Sr. Le Verrier, e creio que se deve atiri- buil-as ao apparelho. O facto notado comiudo tem analogias com as proiuberancias negras vistas em 1853 pelo Sr. Moerta. Mas, no caso da observacao feita no Chile, a refracgao anor- mal foi provavelmente exterior ao instrumento, na propria atmosphera, emquanto que no caso presente devia ter tido logar no interior, pois o Sr. Foucault nada de semelhante assignalou no seu Chercheur. O Sr. Le Verrier quer fundar sobre as irregularidades da imagem photographica da lua uma theoria da corda, theoria em que nao é mais* feliz do que na das manchas solares. NOs nao nos demoramos nesse onto. Os relatorios dos eclipses anteriores a desmentem completamente. ; Co!locando-se sobre a linha central de um eclipse, nao se vé a vizinhanca immediata das bordas do sol senao do lado da immersao e da emersao. Para vél-a no sentido perpen- dicular é preciso collocarmo-nos nos limites norte e sul da banda eclipsada. Em Paranagua todo o contorno do sol foi observado , tendo-se dividido a commissiao brazileira em tres seccdes, das quaes uma ficava sobre a linha central e as duas outras nos dous limites da banda da obscuridade total. Se bem que a commissao franceza fosse composta de uma dezena de pessoas, como eu soube por uma carta particular, o Sr. Le Verrier reuniu toda a expedicio em um mesmo ponto, de maneira que nao pode fallar dos bordos norte e sul do sol (°). A reuniaio de todo 0 pessoal no mesmo logar tinha , além disso, 0 inconveniente de, em caso de mau tempo , ornar todo e qualquer trabalho impossivel. Dever-se-hia (*) E verdade que no dia mesmo do eclipse, vendo a atmosphera carregada, decidiu-se a fazer duas estacdes ; mas era um pouco tarde. Nao havia tempo para afastal-as suflicientemeate se o céo estivesse na realidade muito mau. R, B. I. 3 34 REVISTA’ BRAZILEIRA. collocar uma estacao nas praias do Atlantico, ‘uma outra no centro da Hespanha, uma terceira nas praias do Mediter- raneo , e duas outras nos limites norte e sul da banda eclip- sada. Foi sd a grande difficuldade de communicacdes que nos impediu de estabelecermos em Paranagua muitas esta- coes sobre a linha central. Nao tinhamos, como a commissao franceza, as facilidades offerecidas por dous mares e pelos caminhos de ferro. Teriamos sido obrigados, para estabe- lecer estagdes afastadas umas das outras, a penetrar no centro da America, e é uma viagem de muitos mezes, que nao poderiamos fazer em tres semanas sdmente, tempo que nos restava para prepararmo-nos. O Sr. Le Verrier queixa-se de nao ter tido senao tres mezes para a preparacio, e do eclipse nao ter durado senao tres minutos. Acha o encargo ingrato e perigoso !! Seja como for, em um minuto, tempo este que durou o eclipse de Paranagua, pudemos assignalar pontos novos, entretanto que o Sr. Le Verrier em tres minutos sd reconhe- ceu o que jase sabia. E verdade que elle receiava fazer de mais, quando diz no seu relatorio que aquelles que nao que- rem limitar-se nunca chegam aum resultado util! O Sr. Le Verrier declara que em nenhwma circumstancia pode achar o menor signal da existencia de uma atmosphera lunar. E verdade que esta atmosphera, se existe, 6 pouco apparente e pouco elevada; mas a assercao é por demais absoluta. Foram observadas , pelo contrario , em muitas cir- cumstancias , em particular durante o eclipse de 1858 , al- suns factos que podem talvez ter outras causas, mas que concordam tambem com a existencia de uma atmosphera lunar. Nao terminaria se quizesse tornar patentes todos os erros desse. relatorio. Disse bastante para ter o direito de accres- SOBRE O ECLIPSE. 35 centar que é um tecido de inexactiddes e de desprezos para com os trabalhos anteriores. Temos ainda que ver os relatorios da expedicao ingleza, os dos astronomos hespanhoes, os dos Srs. D’Abbadie e Petit, eos de uma multidao de outros observadores. Analysal-os- hemos quando os paquetes da Europa nol-os trouxerem. Concluimos hoje, exprimindo o pezar sufficientemente justi- ficado, pelo que precede , de que a direccao da commissao franceza tenha sido tirada ao Sr. Faye. Este habil astronomo tinha concebido um plano notavel de observacdes, que as actas do Instituto fizeram chegar ao nosso conhecimento. Foi em razao da direccao que a expedicao de Pariz nau- fragou, que o seu relatorio nao podde sustentar comparacao com 0s feitos sobre os eclipses anteriores. Em 1853 o Chile, em 1858 0 Brazil, mostraram 4 velha Europa que a America do Sul tem o direito de figurar na historia dos progressos da sciencia, ; O eclipse de 1860 na Hespanha, para o qual se tinha an- nunciado que se devia fazer tantas maravilhas, nao parece ter-nos dado mais do que confirmacdes aquillo que se obteve em 1858 em Paranagua. Esta longe de ter dado, quanto a factos novos, um resultado igual. E esta a occasiao de lembrar a phrase do escriptor 0 mais popular da Europa, depois da morte de Arago e de Hum- boldt, a phrase do celebre Babinet, que escreveu em Pariz no Jornal dos Debates: « O mundo scientifico deve, por causa da expedicao de Paranagua, um profundo reconheci- mento ao Brazil, ao seu augusto Imperador, sabio, mais sabio que muitos sabios de profissao » ; expressdes cheias de verdade e que sao o maior elogio que pdde ser feito a um soberano no seculo do progresso , e baseado sobre um facto de que se pode gloriar a nacao brazileira. EMMANUEL Liais. ECONOMIA POLITICA 0 commercio do cha na Russia. A importancia e extensao do commercio do cha na Europa e na America torna-se de dia em dia mais consideravel. A China (até que o Japao se resolva a entrar em concur- rencia) € 0 unico paiz que abastece desse producto as duas partes do mundo, numa das quaes occupa a Russia como consumidora um logar importante. E de facto 0 consumo de cha neste imperio é prodigioso : 0 seu uso naturalisou-se a ponto de tornar-se uma necessi- dade (a0 geral , que nenhuma classe da sociedade pdde passar sem elle: e pode-se dizer que o cha entra como elemento constitutivo nas condicdes de exisiencia dos Russos. Para proteger 0 commercio deste producto, o governo do Czar prohibiu a entrada delle por todo e qualquer ponto que nao seja a povoacao de Kiakhta; de sorte que a enorme quantidade de cha que se consome na Russia vem toda pela fronteira mais distante da Siberia, e ja nos limites das fron- teiras da China. | O espago immenso que percorre assim esse genero ate chegar aos centros de consumo, e as multiplicadas e suc- 38 REVISTA BRAZILEIRA. cessivas taxas de que é carregado , fazem com que os precos se tenham augmentado extraordinariamente, e ainda com esta circumstancia mais, que, como é 0 cha quasi o unico genero de trafico importante entre a China e a Russia, vé-se esta obrigada a grande dispendio de moeda, o que vem de alguma sorte corroborar a opiniao dos economistas modernos que indicam a Asia como o ponto do globo onde vai-se perder 0 numerario européo. O que €, porém, incontestavel , é que os metaes preciosos da Europa nao cessam de se dirigir para as Indias; e a Russia, como acabamos de ver, manda por sua parte uma grande quantidade delle para a China pela fronteira de Kiakhta, assim como para as regides da Asia Central. Seja, porém, como for, resulta da prohibigao que o go- verno russo estabeleceu sobre 0 cha, que o prego deste ge- nero, tao modico em Cantao e nos outros portos da China, onde os Armenios vao compral-o, é tao caro e elevado em Kiakhta, que ha toda a vantagem em introduzil-o por fraude ; e assim foi, que nao tardou o contrabando em estabelecer-se em tao formidavel escala, que se pode assegurar que a me- | tade pelo menos do cha que se consome na Russia é intro- duzida por contrabando. Esta situacao tao anormal nao podia deixar de attrahir a attencao do actual ministro de financas o Sr. Kniajevitch , que por muitos actos ja tem mostrado espirito illustrado e vistas largas e organisadoras. Para fazer cessar 0 estado de cousas que acima indicamos, nomeou o Sr. Kniajevitch uma commissao a qual encarregou de examinar e estudar a questao, e de propdr as medidas mais adequadas aquelle fim. - Consta que essa commissao ja concluiu os seus trabalhos, € que propoz medidas, se nao radicaes , pelo menos proprias para darem nova face ao commercio desse artigo na Russia, e mesmo modifical-o sensivelmente na Europa. ECONOMIA POLITICA. 39 A commissao propde em primeiro logar que se levante a prohibicao , e que se deixe entrar livremente o cha. por,todos os portos e fronteiras do imperio, pagando-se simplesmente um direito, ainda algum tanto exagerado, mas assim mesmo muito reduzido , comparativamente as taxas actuaes. E portanto de esperar que daqui a pouco tempo possa a Russia receber excellente cha (cha conhecido no commercio européo por cha de Cantao), por precos razoaveis ; e pode ser que as novas medidas tambem produzam a vantagem de diminuirem a sahida dos metaes preciosos, que vao, por assim dizer, enterrar-se na Asia. Estas importantes medidas, cujos effeitos devem-se es- tender alem da Russia, suggeriram-nos a idea de fazer uma rapida analyse da notavel obra do economista russo Tar- rassenko-Otreschkoff, intitulada —Ensaio sobre 0 commercio da Russia —, obra que ainda nao sahio dos prélos, mas da qual ja foram publicadas algumas paginas n’uma Revista russa de economia politica, da qual extrahimos os seguintes dados relativos ao commercio do cha. A Russia entrou em relacgdes de commercio com a China em 1727; ha portanto quasi seculo e meio. A essa €poca remonta o co umercio de cha que faz com este paiz, e que tem continuado até agora, sem que du- rante esta longa serie de annos se tenham alterado. as bases dessas relacdes que eram, e ainda sao mui viciosas; verdade é que nestes ultimos tempos fizeram-se algumas ‘modifica- codes, porém sem resultado apreciavel , porque eram insuffi- clientes. ; O cha vai da China para a Russia pela fronteira de Kia- khta; é escusado pois demonstrar quaes sao os inconve- nientes que resultam de uma viagem tio longa, quao lenta € escabrosa, ¢ para evilal-os fizeram-se ullimamente algumas expedigdes pela cidade de Semipalatinsky, no governo de 40 REVISTA BRAZILEIRA. Tomsk na Siberia, que demora la para as margens do Irtisch na fronteira occidental da China. Em virtude porém de embaragos, que nao cabe aqui men- cionar, e dos quaes o principal é a alfandega, e apezar das vantagens que offerecia a posicao destas cidades, as remessas de cha nao foram tao importantes como se esperava; se bem que chegassem a 144,000 kilogrammas , representando ap- proximadamente a somma de 350,000 rublos , algarismo em que nao se conta o cha chamado de tijolo, qualidade gros- seira, que se amassa com sangue de boi ou de carneiro, e que se corta depois em pedacinhos, ou formazinhas qua- dradas, donde se deriva a sua denominagao. Esta qualidade de cha, que é 0 de que fazem uso 0s povos nomadas da Russia e dos paizes vizinhos, sé figura nas en- tradas de Semipalatinsky pela somma de 50,000 rublos. E isto 0 que dizem os dados officiaes; mas é escusado observar que a immensa extensao das fronteiras desse lado do imperio da completa expansao ao contrabando , e que os contrabandistas nao cruzam os bracos. Antes da applicagio da pauta actual, isto ¢, antes de 1819, o principio que regulava as importacdes era mais liberal ; sob esse regimen o cha podia entrar na Russia por todas as fronteiras européas, e tambem pela de Kiakhta. Veio depois 0 systema protector de 1822, e de novo a im- portacao do cha foi rigorosamente prohibida, excepto pela fronteira de Kiakhta. Deixando de parte os dados officiaes, e os algarismos que apresenta o autor para fundamentar as suas conclusdes, vejamos as mesmas conclusdes a que elle chega , segundo os documentos que consultou. A importagao do cha tem permanecido estacionaria du- rante os ultimos quinze annos , ou;talvez com mais exactidao se deva dizer que soffreu uma pequena diminuicaio. Pode- . ECONOMIA POLITICA. 4A se calcular em 3,520,000 kilogrammas por anno, e mai 2,400,000 kilogrammas de cha-tijolo, o que da, como con- sumo official, um quarto de libra por habitante: proporgao certamente muito inferior ao consumo effeciivo. O preco do cha na Russia, comparado com o dos ouiros mercados da Europa, é prodigiosamenie caro ; assim é que a libra (peso da Russia que coniém 409 gram. 3/10) de cha ordinario que cusia nos porios da China 10 a 25 kopecs (140 a 350 réis) ou, termo médio, comprehendendo todas as qualidades , 30 kopecs (420 réis), que sahe em Londres por 15 a 35 kopecs (210 a 490 réis), e em Hamburgo por 20 a 40 kopecs (280 a 560 réis); vende-se na Russia e mesmo na fronteira de Kiakhia, sem coniar os direitos @alfandega , por 50 kopecs (700 réis}, e o cha superior por um rublo (cerca de 1$750 réis). Em Nijni, a primeira qualidade de cha vende-se a um rublo e 75 kopecs (15960 réis), e a quali- dade interior a um rublo (4$750 réis), eo mesmo cha vende- se a varejo nas lojas de Moscow e de S. Petersburgo a 2 rublos e 50 kopecs (3$500 a 4$200 reéis). Nao sera talvez destiiuido de interesse 0 indagar as causas desta carestia, e de antemaio péde-se dizer que consistem em geral na maneira especial por que se faz esse com- mercio. reich Até agora as compras de cha que se faziam em Kiakhta eram reguladas por lei. Os negocios nao se tratavam livremente como nas outras partes ; 0 negociante nao tinha a faculdade de estipular 0 pagamento e de effectual-o como lhe convinha, mas sim conforme a regra estabelecida, e durante muito tempo a regra era que 0 pagamento se fizesse por via de troca ou permuta directa. O comprador pagava o cha dando mercadorias russas, principalmente tecidos de laa, veludos de algodao , couros curtidos e pelles. Por aqui ja se vé quaes deveriam ser as delongas, porque essas mercadorias tinham 42. REVISTA BRAZILEIRA. de ser avaliadas pelos mercadores chinezes ; depois havia discussao com os mercadores russos até chegar-se a um accordo sobre a fixacao do valor, e a final sempre a mer- cadoria soffria notavel depreciacag. O governo actual, para remediar a0 menos em parte esses inconvenientes, modificou em 1855 a base e o principio re- gulador das transaccoes. Permittiu que os pagamentos se facam, parte em merca- dorias, e parte em moeda estrangeira; com a condi¢ao , porém, de que esta somma nao exceda a terca parte do valor dos productos manufacturados, ou 4 metade do valor das pelles. Ate agora, escusado é até dizél-o, os metaes preciosos passaram para a China por contrabando ; mas depois do novo regulamento, os negociantes de Nijni e os de Moscow, que traficam com a China pela fronteira de Kiakhta, afim de cumprirem a letra da lei, imaginaram converter a moeda da Russia em objectos manufacturados , como vasos, salvas, bandejas, jarros, etc., e 0 metal assim transformado vai para a China com a porcao de moeda que o regulamento permitte; e & de certo esta pratica uma das causas da di- minuicso do numerario da Russia. Voltando, porém, 4 carestia do cha, parece fora de du- vida que uma de suas causas esta tambem na_prodigiosa distancia dos logares em que elle se fabrica e no modo de transporte. Os principaes estabelecimentos e plantacgdes, em que se culliva e manipula o cha para exportar, acham-se nas pro- vincias meridionaes da China, e na vizinhanga do litoral, como Cantio, Fou-Kian, Schang-Hai, a ilha de Emoi, Ning- Po, etc.; isto é, provincias cujos portos estao abertos ao conimercio estrangeiro, e onde os Inglezes e os Americanos tém estabelecido suas relacdes e feitorias. ECONOMIA POLITICA. 43 Quasi toda a porcio de cha que vai para a Russia por Kiakhta, e mesmo por Semipalatinsky, sahe de Fou-Tchaon, cabeca da provincia de Kiang-Si. E esta mesma provincia que fornece grande parte do cha que se embarca em Cantao, e nos outros portos das pro- vincias vizinhas, e que dahi se exporta para a Inglaterra, e em geral para a Europa e America. Pelo que respeita 4 qualidade do cha, pareceria que, como a de qualquer outro producto agricola, deveria ella depender do terreno em que nasce 0 arbusto que 0 produz, bem como do cuidado que se emprega na cultura. Mas é@ isso um engano; e os Russos que tém visitado as - provincias da China, onde o cha 6 mais abundante, asse- guram que a qualidade da folha depende principalmente da maneira de preparar-se , € sobretudo da colheita a que per- tence, porque a mesma arvore da ordinariamente duas e tres colheitas. Da primeira colhe-se o que se chama flor de cha; na segunda colheita sao as folhas menos finas; e na terceira a qualidade ainda é mais inferior; e por fim, das folhas mais ordinarias, e do refugo das primeiras colheitas , faz-se o cha de tijolo de que ja fallamos. Desses paizes longinquos que acima cifamos é que se ex- porta o cha que vai para a Russia. Antes de chegar a Muscow, gasta em viagem 7 a 10 mezes e as vezes mais, porque a distancia que tem de percorrer é immensa. De King-Si, por exemplo, até Kiakhta, a distancia é de 5,000 verstes ; de Kiakhta a Moscow, de 6,000 verstes; ao todo 14,000 verstes, cerca de 3,000 leguas ! Os perigos e obstaculos que tém de vencer durante uma tal viagem, sao extraordinarios ; e ainda é preciso , alem de Ah REVISTA BRASILEIRA. tudo, atravessar climas e paizes os mais inhospitos e ri- gorosos. Ao sahir de Fou-Tchaon, na provincia de King-Si, é 0 cha levado em caravanas ; perto da cidade de Tsin-Schan , descarregam-se as caixaS, amarram-se a uns varaes, e Car- regadas aos hombros de homens, atravessam assim as mon- tanhas locaes. Descem depois pelos rios até ao mar do Oriente , que vao costejando em juncos durante um mez ou mais, e a final desembarcam perto da cidade de Tien-Tsin. Chegadas ahi, carregam-se de novo as caixas em camelos e bois, e assim caminham quatro a cinco mezes até che- garem a Kiakhta. Nesta povoacao sao baldeadas de novo para serem transportadas primeiramente por terra e depois pelos” rios, € assim successivamente descem 0 Tom, o Irtisch, 0 Obi, o Tur, o Kama, e a final 0 Volga até chegarem a Nijni- Novgorod, grande cidade mercante , emporio geral do com- mercio russo do interior. Pelo simples e rapido esbogo deste itinerario , vé-se que é um grande erro suppor-se , como muitos, que o cha que se consome na Russia é de excellente qualidade , e superior ao chi que se toma em muitos outros paizes, por nao ter de atravessar estradas maritimas ou fluviaes, quando aca- bamos de ver que uma grande parte do immenso espacgo que percorre é sobre a agua, @ na agua passa mais de metade do tempo antes de chegar ao mercado. | Quanto aos gastos que exige uma viagem desta extensao, ja se vé que devem ser enormes; e € por isso que com Cer- teza pode-se calcular que o cha exportado para a Inglaterra por mar custa apenas a terga parte desses gastos: e 6 essa sem’ duvida a causa do contrabando. E sabido que a quantidade de cha que entra pela fronteira de Kiakhta vai diminuindo todos os annos, a0 passo que 0 ECONOMIA POLITICA. A5 consumo do cha na Russia augmenta de dia em dia. D’onde vira a differenca, senaio do contrabando ? As modificagdes que o ministro da fazenda da Russia vai fazer neste importante commercio, nao sd sao evidente- mente justas e razoaveis, mas serio tambem vantajosas para os consumidores do paiz e favoraveis ao fisco, porque pro- vavelmente a receita ha de crescer pela diminuigao do con- trabando , e talvez até por sua completa extinccao. A Russia prepara-se, pois, para sahir de seu velho sys- tema proteccionista que por tanto tempo conservou a sua industria no berco, e dar o primeiro passo para o systema mais intelligente do commercio livre ; e temos confianga de que esse primeiro passo nao sera o ultimo. O commercio do cha nao tardara a passar por uma re- volugao completa ; e é de suppor que este genero seja levado a Russia pelos portos de Odessa e de Riga, em navios eu- ropéos , e serao sem duvida os Inglezes, os negociantes de Hamburgo e da America que abastecerao a Russia de cha. (Extrahido.) if 4i5 *f ‘ a sed 7 wir vat poopie a : a = ate a igs dist aaa li) amd eee 7 ie he 1 AS 2S ORE PEK, OUP, ARO: os he oN 7 ee ae PTF Shee Ht wu, hy odo oo] tits ate) Gant 2 2 ahiatedioe ob kag? eed iti ts 6 Se heosebal-ontriitinit oO) SUR: Oe pO ey Ae > 5! he Git. Of pane) Vt BES) APM, eta oahih ied. doy eer ennerE) 4ahag ob ae tel eeaa ate reeri ls phe eee OT SE) cok BEIT ote TBS 74 bya alah ind atte Jobe koe ies Oe 6h >i he Bt okbettod 6g sineatahes Ase Catees’ eke og: Supt abe AGL ema pened 2k ATUGOEAGY Ae 0 aa april osetia. ob oes aibaen. Will. G@ Piss on 8p OO Geet til heck apeival off Saath a! [VTC Ab, Bs a ' i332 i¢) sik ree (be Sih) ; rola mae iy a ti xy geod) oh 26 ites i] wit At isha én ee Py orale id eo sev dette OF Pe ae Te, ¢. enpeolias. op Eni? ee vowdetta § x) ee , (pe) a DS in ¥@ . . Fay bb AAS mnie ey oe me MARINA DE GUERRA. Do equilibrio e do estado das foreas navaes em Franea e Inglaterra. Os publicistas , que ligam algum preco a manutencao da paz maritima, incumbem-se de um trabalho penivel, e muitas vezes ingrato; quando 0 suppoem terminado , elle lhes reapparece , acontecimentos inesperados o transtornam , e perturbam os espiritos, quando menos se pensa. Queiram, ou nao, colloca-se a questao entre duas potencias, que tem serios direitos ao imperio, e policia dos mares: trata-se de saber sempre o que uma dellas tolerara da outra, sem des- cobrir-se, e sem rebaixar-se. E assim que a politica geral domina o desenvolvimento de forgas, seja qual for sua deno- minacao e numero. Emquanto euarda esta politica um caracter sincero, e estio suas intencdes de accordo com o que se diz, ou es- creve, nao causa grave inquietagao ver que as proporgoes se alteram, e a vantagem vai notoriamente pendendo para um dos lados; se nuvens, porém, se espalham por sobre as relacdes; se as notas trocadas mais exprimem pelo que oc- cultam do que pelo que dizem; a prudencia ordena entao que se preste particular attengio a esta falta de equilibrio, e 48 REVISTA BRAZILEIRA. se redobre de esforgos para oppér-lhe o conveniente remedio. Sem exagerar as circumstancias, temos razao para crer que somos chezados a este ponto. Nao pretendemos desconhecer algum dos graves motivos, que induzem a acreditar na duracao do accordo entre Ingla- terra e Franca; tal como, por exemplo, o estado do Oriente, desde a China até 4 Syria, e mais ainda 0 interesse dos dous povos tao estreitamente ligados em bem da civilisagao. Nao se pode, entretanto, dissimular mais a existencia de symp- tomas demonstrativos de que o longo periodo de boa intelli- gencia entre os dous Estados ribeirinhos da Mancha vai ser substiiuido por outro, nao de hostilidade , por certo, mas de resfriamento de relagdes. Sem que se pronunciem ainda, observam-se as duas partes mutuamente. A coexistencia , e communidade de accao nos mesmos campos de batalha , nao tiveram a necessaria forca para desarmar as prevencoes de raca; 0S coragdes presiam-se a isso menos do que os bragos. Para que fossem sensiveis os effeitos de um iratado de commercio, conviria sujeital-os 4 prova do tempo, e fazer maior numero de concessdes do que aquelle a que estamos dispostos. Do outro lado do canal vé-se uma leva de broqueis em todas as classes, e em todas as provincias; declaram-se ameacados para tornarem-se ameacadores, e tomaram a peito fazer o estado de paz nao menos custoso que o de guerra. Vao as costas ser ericadas de fortes; voluntarios equipam-se a sua custa; e aquelles que, como eu, assistiram 4 revista de Hyde Park, e ao ¢iro de Whimbleeton, sabem de que espirito estao animadas as populacdes inglezas. A queixa principal contra a Franca, que ninguem trata de occultar, é 0 ier-se ella ullimamente engrandecido contra a vontade da Inglaterra, e, diz-se mais, em oppusicio a compromissos formaes. Ter-se-nos-hia perdoado o havermos modificado , em proveito alheio, o direito publico européo; nao se nos MARINHA DE GUERRA. 49 perdéa que o fizessemos em beneficio nosso. Dahi nascem esse equivoco de relacdes, e deslocamento de alliancas, que, subterraneamente comecados, revelam-se ja por certos actos. Outra queixa, menos séria embora, é a linguagem que em nosso paiz empregam alguns escriptores. A embriaguez da victoria apoderou-se de alguns cerebros, que diariamente reformam, a seu talante, 0 mappa da Europa. Que vasto campo para diatribes contra os governos, que se tém mostrado economicos do sangue, e do ouro do seu paiz, e que en- caram a paz como um bem tao precioso, que por elle nao duvidam fazer sacrificios ! Mudaram os tempos, e o modo de proceder! De humildes, que antigamente eram, tornaram-se hoje altivos ; a Franca, dizem , com mais ninguem pdde contar, e todo 0 mundo é obrigado a contar com ella; se desde ja nao reassume seus limites naturaes, é por mera generosidade; é, por ser discreta, que nao saqueia seus vizinhos. Eis 0 que se diz, e oO que se escreve em estylo, e com ares por demais pre- tenciosos. Pode ser, talvez, muito a proposito essa classi- ficagao, que a si propria se da a nacao, e com que se li- songeia a vaidade popular, que de semelhante incentivo nao precisa; mas, admitta-se tambem, esta linguagem doce aos nossos ouvidos nao é tao agradavel ds nacdes con- demnadas a um papel secundario , a quem deve parecer de bastante mau gosto 0 assignalarem-se os factos consummados como prejudiciaes 4 sua influencia, ou como ameaca contra a sua integridade. Nao se accommodam ellas j4 com seus decretos de deposicao prematuros, que as levaria a mostrar que nao esfao, como se pensa, inteiramente desprevenidas de recursos, nem faltas de vigor. Inevitavel effeito de um regimen, em que o exame exercido sobre as opinides des- loca-lhes a responsabilidade! Nos paizes verdadeiramente livres a responsabilidade das palavras, e dos escriptos, nao Re B. I. 4 50 REVISTA BRAZILEIRA. passa de quem as proferiu, ou publicou: nao acontece assim sob o imperio da liberdade relativa; em tudo se vé a mao do governo, tanto no que tolera, como no que reprova. Tanto nos factos, como nos sentimentos, ha, tambem, um lado bom e outro mau, que convem ter sempre presentes quando se queira dar conta exacta de qualquer cousa. Va- leria mais, certamente, associar-se aos testemunhos de con- fianca, que nos tém chegado este anno de alguns conselhos geraes, e com esta sd garantia acreditar na manutencao da paz. Nao depende ella, infelizmente, nem de intencdes nem de desejos engenhosamente expressados; anda adstricta a causas mais profundas. O estudo de nossas forgas toma, por -isso, um interesse facil de comprehender-se. E bom, sobre- tudo, saber em que circumstancias nos achamos, quanto a marinha, que pode passar do segundo ao primeiro plano. Ha vinte annos successivos que trabalhos cheios de autoridade acompanham e assignalam na Revista os esforgos desta arma, suas necessidades , historia, e repetidas transformacoes. Conta, pois, esta questao, na presente obra, nobres e sabias tradicdesa cujo abrigo se colloca 0 menos competente de todos que se tém della occupado. Antes de entrar no exame dos detalhes, @ essencial fazer justiga a uma palavra bastantes vezes usada, e que, prin- cipalmente em Inglaterra, serve para cobrir a exageracao dos preparativos. Nao se trata. diz-se, senao de medidas de defesa. Mesmo em Franca, falla-se de uma marinha offen- siva, e outra defensiva, distinguindo uma da outra, como se desta distinccao tudo dependesse. Fora preciso , pois, fixar a intelligencia sobre os termos desta distincgdo. Pode ad- mittir-se que os reductos em terra, e as obras fixas, sejam MARINHA DE GUERRA. 51 considerados como simples meios de defesa, com certa re- serva, porém; e arazao € porque taes obras, dando se- guranca, deixam mais disponiveis os recursos fluctuantes , e augmentam forcas, que podem ser mettidas em linha: quanto ao material do mar, equivoca-se 0 que suppde haver differencga entre ataque e defesa. Um bosque fluctuante, ani- mado de movimento e provido de artilharia, é instrumento, tanto offensivo como defensivo; o servigo, que para estes dous fins tem a fazer, 6 0 mesmo; nao ha differenca senao na maior ou menor quantidade da forca, e sua qualidade. A armada do canal, por exemplo, que o almirantado parece destinar 4 preservacao das costas, e arsenaes inglezes, nao pode, por ventura, em um dia dado, bloquear e ameacar nossos arsenaes, e costas? Pouco importa o destino do mo- mento; os destinos mudam-se: 0 que se deve considerar é menos 0 emprego do que o valor intrinseco das cousas. Dizer que os grandes armamentos destinam-se 4 propria defesa, @ mostrar uma boa intengdo, a que faltam as ga- rantias: € preciso tambem nao tomar estas declaracdes se- nao pelo que ellas valem, nio dando credito ao que tenha visos de ficgao. E bom que, neste presupposto, passemos ainda uma vez em revista o estado das duas marinhas. Ja 0 fizemos no anno passado (1), e voltamos agora a esta grave questao com documentos novos. Durante a sessao, que acaba de terminar, estudou o governo inglez o modo de entreter Os espiritos em alarma, com a mira de certo plano de de- fesa, em que o parlamento difficilmente consentiria , se es- tivesse a sangue frio. Tratava-se de armar as costas, e de provar que trezentos milhodes, destinados a esta defesa fixa , nao eram um pesado sacrificio para 0 paiz, que em menos (4) Das duas grandes potencias maritimas, Revista dos Dous Mundos de a de Setembro de 1859. 59 REVISTA BRAZILEIRA. de cinco annos despendéra perto de seiscentos milhdes para o naval. A tarefa era ardua, e em seu desempenho envidou 0 primeiro ministro todas as forcas; pintou a tracos largos, em um painel que phantasiava , os riscos em que era factivel incorrer-se ; mostrou Londres ameacada, os portos militares destruidos, e 0 territorio inteiro 4 mercé de uma sorpresa: apontou os armamentos da Franca como desproporcionados, é tomando cada vez mais o caracter de desafio @ ameaca. Apoiando-se no relatorio de uma commissao de inquirito , reclamou da camara a adopcao de suas conclusdes. Em vao objectaram certos membros, que este relatorio nada mais éra do que um documento incoherente, aonde cada um dos commissionarios abundava no sentido de sua respectiva arma, aconselhando 0 artilheiro baterias em terra, o maritimo ba- terias no porto, 0 engenheiro campos entrincheirados , e 0 official de infantaria 0 augmento da tropa de linha; nem por isso 0 primeiro ministro deixou de conduzir sua maioria, através das tres leituras, ao fim a que se propunha. Com sua habilidade ordinaria, e um talento que parecia haver re- mocado, illudiu difficuldades, opp6z ironia a irona, mis- turou 0 verdadeiro com o falso em razoaveis proporcoes , lisongéou as paixdes, e fez um appello aos interesses, sa- crificando mesmo aum exagerado mau sentimento , terrores, que no fundo deveria elle considerar como chimericos. Era indispensavel vencer; venceu, e os milhdes foram votados. Neste inventario de motivos, que tornavam as precaugdes urgentes , nossa marinha nao foi esquecida. Nenhuma outra arma é vista em Inglaterra com tanto ciume. Nao tem 0 pri- meiro ministro deixado de apresentar o desenvolvimento da forca ingleza como consequencia do da nossa ; sO falta ajun- tar-lhe, que nesta rivalidade de esforcos se tem o almirantado atrasado um pouco; que é preciso apressar mais Os passos para alcangar-nos e acompanhar-nos. Lord Clarence Paget MARINHA DE GUERRA. 53 encarregou-se do commentario; ensaiou restabelecer a ba- lanca entre as duas marinhas, pondo dez naus inglezas fora da conta, Estas ficgdes nada tém de digno, ainda mesmo que seja para forcar o voto do parlamento. O exacto detalhe, e a tabella nominativa dos armamentos inglezes, tém sido publicados recentemente, e em comparacao com 0s arma- mentos francezes (1). Como auxilio destes documentos, e dos que fornece 0 Navy-List do 4° de Julho de 1860, pode- se na presente occasiao fixar, da maneira a mais certa, 0 estado das duas marinhas, Naquella data tinham os inglezes no mar, em estado de entrar em combate, 63 naus, e 41 fragatas a helice; nds 35 naus e 38 fragatas, tambem a helice, sendo a differenga a favor delles 28 naus e tres fragatas. EK, pouco mais ou menos, a proporcao que no anno passado verificamos. E yerdade que, para tanto adiantar-se, tem o almirantado precisao de fazer um grande e custoso esfor¢o. Ha bem pouco tempo, regulavam uma por outra as forcas das duas marinhas; e, ainda que iguaes em numero, tinhamos a vantagem pela qualidade. As festas maritimas de Cherbourg trouxeram a Inglaterra a examinar mais de perto seus recursos; fez pro- ceder a um inquirito, e reconheceu, que das 50 naus a helice , que figuraram nas listas do almirantado, sO 20 eram proprias para o servigo de guerra. Tinhamos nos enfao 39 no mar, ou proximas a serem lancadas dos estaleiros. A Inglaterra contava apenas 34 fragatas, quando nos tinhamos 46. Assim se achavam as cousas em 1858; a vantagem evidentemente nos pertencia. Além disso, um decreto de 1857 abria 0 credito de 170 milhdes, repartidos por dez exercicios até 1867, para construccdes novas que deviam (1) Vide — Brochura sobre os orcamentos da marinha em Franga e Ingla- terra —cujo autor se apresenta debaixo dos auspicios do ministro, 54 REVISTA BRAZILEIRA. elevar nossa forca naval a 40 naus e 50 fragatas a helice. Em presenca destes factos, a Inglaterra tomou 0 negocio ao serio; viu nesta distribuicao de forcas uma calamidade pu- blica, e nada poupou para conjural-a: despertou, dando a medida de sua actividade e poder. Desde o fim de 1858 quatro naus de vela estavam transformadas: em 1859 foram lancadas ao mar seis outras novas, e ainda cinco conver- tidas; duas baterias arietes a vapor entrincheiradas tinham sido encommendadas a industria particular: cinco fragatas novas, € alguns navios accessorios completavam esta res- tauracao de material. Nunca se vira um movimento igual. Segundo os dados fornecidos ao parlamento por Lord Paget, secretario actual do almirantado, comprehendiam as cons- truccdes novas,no decurso dos dous ultimos annos, 46,284 T., sendo 20,210 para as naus, e 21,268 para as fragatas. Ele- vava-se 4 forca de 16,730 cavallos o numero de machinas encommendadas. Em 1860 a 1861 ajuntar-se-ha a estas cifras 13,216 toneladas de naus de linha, 13,500 de fra- gatas, 4,874 de corvetas, 8,041 de navios inferiores, e mais 42,800 cavallos de vapor. Parece que, 4 porfia, os gabi- netes que succedem-se acceleram, em vez de retardar, este impulso; e, 6 evidente que, ressentindo-se de um tal pro- gresso, comece a foreca ingleza a tomar um caracter de exa- geracao. O que faziamos nos entretanto ? respondiamos por esforgo igual ao da marinha rival? deixavamos nos arrastar pelo exemplo? Basta recorrer aos documentos officiaes para con- vencer-se de que nao temos levado muito longe as repre- salias. Amarramos-nos estrictamente ao decreto de 1857, pre- parado em 1855 por uma commissao, que fixou, com os creditos annuaes, as proporcoes de nossa forca naval effectiva e regulamentar. Nao se ajuntou mais nem uma nau, nem um milhao 4 esta lei, que retarda por dez annos 0 completo MARINHA DE GUERRA. 55 restabelecimento de nossas forcas. As trinta naus novas, ou transformadas, que a Inglaterra fez sahir de seus estaleiros em vinte e seis mezes, nao oppuzemos mais do que cinco, ou seis da mesma Classe: era isto mostrar uma discricao exemplar. Exigia ella consecutivamente, e em tres paga- mentos, 200 milhdes para augmento do material naval, e nao sahimos dos 17 milhdes , que nosso orcamento destina annualmente a este emprego. Como explicar, pois, as re- criminacodes de que fazem objecto nossos armamentos; re=- criminacdes que, a bem justo titulo, poderiamos reenviar aquelles que as fazem? Que para manter a sua grandeza se julgue a Inglaterra obrigada a fazer sacrificios até agora sem exemplo: que queira, por meio de preparativos imponentes, suffocar em germen até o desejo de attentar contra o seu repouso; que se ponha em guarda até 0 excesso contra as sorpresas e as aventuras, é isso uma conducta, que por si mesma se justifica, sem que seja preciso addicionar-lhe falsos alarmas indignos de um povo esclarecido e resoluto , do qual depende sd, que as forcas de que dispde sejam mais consideraveis , 4 medida que tém ellas de operar em um raio mais extenso, na certeza de que, a potencia que tem muitos pontos a proteger, deve esforcar-se em estender por todos elles essa proteccao. Eis ahi grandes consideracées , que nada teriam perdido em ser desembaracadas de accusa- cOes injustas , e terrores pueris. A verdade fallar, 0 problema da superioridade naval so tem um termo verdadeiramente essencial — o dinheiro. Depois que uma nau de primeira classe custa cinco milhdes, uma fragata encouracada seis milhdes, e que estas machinas de guerra nao podem entrar em operacdes sem uma despeza em combustivel, que orca por tres a quatro mil francos por dia, 0 papel, que se tem de representar sobre os mares, esta na razao das sommas que para esse fim forem consagradas, no que concorre em 56 REVISTA BRAZILEIRA. grande parte tambem o credito e riqueza de um Estado. & um duello financeiro e militar; convir-nos-ha leval 0 a ef- feito? convira oppor milhdes a milhdes? sera preciso dar ao exercito do mar 0 equivalente , ou pouco mais ou menos, do que damos ao exercito de terra? a quantas naus construir a Inglaterra, responderemos pondo outras tantas quilhas nos estaleiros? collocada a questao nestes termos, resolve-se ella por si mesma. Por muito abundantes que sejam nossos recursos, tém seus limites, e seria triste exhauril-os todos com a marinha de guerra. Basta que tenhamos de sustentar- nos em uma attitude dispendiosa de vigilancia contra os Estados empobrecidos do continente; seria temeridade pre- tender, 4 forca de dinheiro , ao imperio do mar contra um povo, que por seu commercio e industria poe em contribuicgao todos os paizes do mundo? A este respeito, 0 remedio que ha, é saber resignar-se, e regular as pretengdes pelo estado da propria fortuna. Fizessemos o que fizessemos, ficariamos sempre, quanto a numero de armamentos, a uma grande distancia da Inglaterra. Podera variar a propor¢ao, e ficar naquillo que a Inglaterra julgar ser util, e prudente. Acaba ella de provar que a despeza nao a amedronta, e que neste ponto vai a opiniao publica ainda além da do governo. A vista disto, acha-se tracada a marcha que temos a seguir ; em falta de numero, @ a qualidade que devemos visar: é pelo cuidado dos detalhes; pela instruccgao das equipagens; pela escolha dos homens, que se deve ensaiar 0 modo de estabelecer as probabilidades em nosso favor. Tomar a peito que cada navio se torne um modelo de perfeicao, aonde cada servigo esteja detalhado a quem melhor o saiba cum- prir, eis o fim a que se deve caminhar, e o conselho que dao os homens esclarecidos. Um official eminente, cujos trabalhos os leitores da Revista conhecem, 0 almirante Jurien de la Graviére, tratando dos recontros maritimos de 1842 ¥ hy" an = Se | ~~ MARINHA DE GUERRA. 57 entre a Inglaterra e os Americanos, recordou, ha pouco tempo, 0 que pode uma nascente marinha animada do de- sejo de brilhar. Con seis fragatas, e alguns brigues, fez a Uniao frente 4 Graa-Bretanha, que cobria os mares com suas esquadras, e trouxe até 4s aguas da Mancha audaciosos e felizes cruzeiros. E porque estas fragatas e brigues eram navios de escolha, bem equipados e bem commandados, e que com sua marcha superior podiam, 4 sua vontade, aceitar, ou recusar 0 combate, perseguir e fatigar o inimigo até que a fortuna lhes offerecesse changas de destruil-o. Nenhum exemplo prova melhor que o respeito ao pavilhao pode fundar-se em outras causas que nao armamentos excessivos ; e que, em circumstancias escolhidas , a boa organisagao contrabalanca vantajosamente o numero. Esta boa organi- sacao tem-a a nossa marinha? esta ella disso bem longe, se acreditarmos as censuras recentemente apparecidas no seio do corpo legislativo. Um deputado, que representa Toulon (1), enunciou contra a marinha accusagdes, que chegam a considerar-se amargas. Tornando-se écho das queixas, e dos ciumes de que os corpos combatentes jamais se tem sabido abster, arremetteu sobretudo contra os corpos administrativos, e com particularidade contra os engenheiros : langou-lhes em rosto, que nao ouvindo o conselho dos ho- mens do mar, faziam mysteriosamente os planos dos seus navios, que na experiencia conhecia-se depois carecerem das mais importantes qualidades nauticas: segundo elle, nossas construccdes peccam em muitos pontos; a altura das baterias, as condigdes de velocidade, a proporcao entre a forga da machina e a capacidade para a accommodacao de seu combustivel, e pertences. Nao lhe faltaram exemplos para apoiar-se: citou a Bretagne de 1,200 cavallos, que, (1) Mr. de Kerveguen. 58 REVISTA BRAZILEIRA. consumindo 120 toneladas de carvao por dia, nao tem paides para mais de 400, ficando assim sem elle depois de oitenta e quatro horas de navegagao. O mesmo disparate observa , quanto as velocidades: ao lado de naus com machinas de 1,200 cavallos tem anossa marinha outras, que descem a 140, como ado Montebello; as do Luiz xiv a 600; as do Austerlitz a 500; as do Donawert, S. Luiz e Fontenoy a 450. Comprehende-se facilmente os inconvenientes , que se ligam a esta desigualdade de marcha entre as naus, Formadas em esquadra, dependem ellas umas das outras, e as mais ve- leiras sao forcadas a esperar pelas ronceiras, do que segue-se uma lentidio de movimentos, que influe sobre o successo das operagdes, e seria perigoso em um combate. Quanto a altura das baterias, é ainda mais grave 0 caso. Tém nossos rivaes sabido dar as baterias proporcdes, que, debaixo de qualquer tempo, permittem a efficacia do tiro; éa altura de seis, sete pes, € mesmo mais; as Nossas tém menores proporcdes. Segue-se que, com mar cavado, nossas baterias da coberta ficam com as portas debaixo d’agua, o que obriga a fechal-as, tornando-as inuteis, emquanto que as do inimigo estao abertas, e jogam sua artilharia. Todos estes defeitos , e outros ainda se teria podido evitar, segundo dizem, se a pratica viesse em auxilio da theoria, e se aos calculos de gabinete se tivesse ajuntado um pouco mais de experiencia do mar. Os melhores juizes em materia de instrumentos de batalha, sio aquelles cujas funccdes os chamam a mano- bral-os e conduzil-os. Muito ha que responder a estas criticas. Tratando por esta forma aengenharia naval, mostra-se es- quecimento e ingratidao: é a luta eterna dos homens da accao conira os homens da sciencia. Os engenheiros tem suas fraquezas ; e quem esta isento dellas? nem por isso é menos certo, que a arte nautica lhes deve seus aperfeigoamentos os mais felizes, e suas mais bellas descobertas. Estudando em ——_ es a MARINHA DE GUERRA. 59 seu gabinete a curvatura das madeiras, a relagao e harmonia de suas formas, é que oengenheiro Sané achou o modelo dessas bellas naus, que todas as marinhas do mundo co- piaram como typos os mais perfeitos da architectura naval. Nao foi no mar, onde sd figurou bem tarde, que Borda imaginou os scus circulos de reflexdes e repetidor. Qual foi o homem do mar, que possa lisongear-se de haver feito mais pela sua profissao do que aquelles dous, que eram apenas uns sabios? Vai-se desprezando a theoria, e acreditando que a observacao especial a suppre; mas nem por isso deixa ella de ser a regra das artes que as anima, as inspira, e as remoca, quando assim é preciso. O homem de accao nada vé alem do que sabe; 0 homem da sciencia procura sempre 0 que ignora. A quem se deve, mesmo hoje, o typo das naus a vapor, que os officiaes de marinha suppunham im- possivel, e de que, ha doze annos, nao fallavam senao rindo-se? A um de nossos engenheiros, o Sr. Dupuy de Lome. sustentado por um principe, cujas luzes estavam acima das prevencoes profissionaes. Quando a nau Napoleao foi lancada ao mar, e fez evolugdes com sua machina de 900 cavallos, esuas noventa pecas, obrigou os incredulos a aceitarem este presente da sciencia. Haveria razao de se queixarem de nao terem sido consultados? Sem duvida, os homens, que tém de usar dos instrumentos, devem, antes de trabalhar com elles, ser chamados a julgar do seu merito, e nao se deve deixar tudo ao capricho, e phantasia dos en- genheiros navaes. E necessario um contraste, e elle existe. Os planos de construccio partem do conselho de trabalhos , aonde, ao lado de quatro engenheiros , figuram dous al- mirantes, e tres capitaes de mar e guerra. O elemento militar contrapesa assim o elemento administrativo , e reconduz o projecto as realidades do servico, quando houver tentagao de afastar-se dellas. 60 - REVISTA BRAZILEIRA. Voltando as objeccdes apresentadas ao corpo legislativo ; algumas dellas sao justas, outras exageradas. Quanto a al- tura das baterias, parece admittido que as nossas peccam a esse respeito, 0 que nos expde a uma desvantagem. Con- siste a difficuldade em conciliar um pontal maior com as dimensdes geraes das naus, e a necessidade de arranjar em outra parte espago para as provisdes de toda a qualidade. E mais um estudo que ha a fazer, e talvez se pense nisso. Quanto a desigualdade de marcha de nau a nau, esta-se ainda a soffrer as consequencias de um longo andar as apal- padellas. Nossa marinha nao chegou de um so jacto a nau de grande porte: entendeu-se por muito tempo, que os mo- tores de pequena forga bastavam, e que 0 vapor seria apenas 0 auxiliar da vela. Foi debaixo da impressao deste modo de pensar que tiveram logar as primeiras transformagoes ; comecou-se por machinas insufficientes para , pouco a pouco, chegar a outras de forga mais apropriada. Ninguem duvidara que deixem estas desigualdades de ser um embaraco, e uma causa de enfraquecimento; a uniformidade de marcha é um ideal, atras de que se tem sempre corrido na marinha , sem ser possivel jamais altingil-o. Sané o tinha em vista nos seus modelos, e de todos os nossos constructores, é elle 0 que esteve mais proximo a alcangal-o. Com o uso da vela era 0 problema quasi insoluvel; com o vapor nao sao tantas as difficuldades. Bem singulares anomalias tém assignalado comtudo nossos ultimos esforcos. No typo mais geral da nossa armada, a nau de 9) pegas com machina de 900 cavallos , tem-se en- contrado faltas de igualdade notaveis observadas em com- paracio com outras da mesma forga e armamento. Nave- gando em esquadra, occupava sempre a Algesiras a van- guarda; a Arcole, a Imperial, a Eylau, a Redoutable, s6 a acompanhavam a distancia; havia entre ellas a differenga MARINHA DE GUERRA. 61 de uma, duas, e tres milhas de marcha por hora. De que provinha isto? Nossos officiaes, entre outros o capitao La- brousse, depois promovido a almirante, estavam muito preoc- cupados com semelhante acontecimento. Elle prestou seria attencio ao detalhe das machinas; mudou as disposicdes das corredicas ; supprimiu, por combinacdes engenhosas , as friccdes atrasantes ; e chegou a restabelecer em algumas das naus, e com pouca despeza, o grau de velocidade que deviam ellas ter. E assim que depois de muito tempo , de pacientes obser- vacoes, e de felizes correccdes , poder-se-ha dar a esta ma- rinha nascente aquelle vigor e precisao, de que é ella sus- ceptivel. E demais, os Inglezes tambem hao soffrido graves enganos, com cujas provas se encheria muitas paginas. Tém-os tido nas formas dos cascos, nas capacidades , na estabilidade, e na marcha dos navios. Milhdes se tem es- tragado em experiencias improficuas; a lista de seus abortos é muito superior 4 nossa. Ha em suas naus bem saliente desigualdade de marcha. A Royal Albert e a Victoria tra- zem Oo mesmo armamento de 121 pecas; a primeira tem apenas a forca de 500 cavallos, e a segunda 1,000, diffe- renga esta bastante consideravel. Quanto 4 marinha, estao os Inglezes em circumstancias identicas 4s nossas: procuram, ensaiam, apalpam. O ultimo facto, que tem dado logar a censuras, é a ma sorte experimentada pelo calculo da provisao de combustivel, e a differenca depois encontrada entre as capacidades presu- mida e real. A sciencia errava em seu proprio terreno. Os calculos feitos para a Bretagne davam-lhe quinze dias de combustivel, que na pratica ficaram reduzidos a quatro; 0 mesmo aconteceria 4 Gloire, segundo dizem, pois estimado em quatorze dias seu aprovisionamento em completo estado de armamento, chegaria apenas para cinco. Ha evidente 62 REVISTA BRAZILEIRA. exageracao nestes calculos, e na maneira por que sao elles apresentados ; mas, nem por isso € menos constante, que se tem elles algumas vezes reconhecido exactos,concorrendo para as graves difficuldades que lhes sao inherentes accidentes for- tuitos, modificagdes de maturidade nos materiaes empre- gados, o que faz mudar alinha d’agua calculada. E uma das mais sérias difficuldades que offerece 0 emprego do vapor. Deve o navio conduzir 0 alimento da sua marcha: sua de- mora no mar esta limitada pela quantidade de combustivel , que seus flancos podem conter, do qual os mais favorecidos neste ponto contarao apenas uma quinzena de dias, outros nao terao mais do que uma semana, e mesmo sd alguns dias. Toma assim 0 carvao uma importancia na economia naval, 4 qual parecem subordinados os outros elementos; e por isso 0 almirante Berkelley disse, que a mais temivel frota seria aquella que mais carvao tivesse. Seja como for, é preciso occupar-se do carvao antes de tudo mais , arranjar- lhe espaco, de preferencia aos viveres e municdes, e até mesmo a artilharia. Nio é possivel mais andar-se no mar, como antigamente, mezes e annos: quando o terrivel con- sumidor chamado machina tiver devorado suas provisoes, forcoso sera entrar em algum porto para renoval-as. Como diminuir esta dependencia? como dar a esta marinha nova mais alento, um campo mais vasto, uma inteira liberdade de movimento? Disso tem-se occupado por diversos lados, e em diversos sentidos: os fabricantes de projectos tomaram a dianteira. Uns nao vém maneiras de dar remedio a esta difficuldade, senao levando as construccdes militares a pro- porcdes monstruosas, ja ensaiadas nas commerciaes. Navios de 15, 20, e 30 mil toneladas, de armacao airosa, tornar- se-hiam verdadeiros armazens de carvao, capazes de dar conta das mais longinquas navegacoes. Outros, com menos ambiciosos planos, tém dirigido suas vistas e esforgos para a ee ee ee ee a MARINHA DE GUERRA. 63 a machina, e seu alimento. O problema é simples: obter mais forea em menor espaco. Ja se comprimiu o carvao, reduzindo-o a tijolos com successo comprovado. Acham-se em ensaio outros systemas, como 0 emprego do vapor secco, e do vapor condensado. Parece mesmo que este ultimo sys- tema entrou ja em processo de experiencia corrente com ajuda dos apparelhos de Mr. John Wetherhed, membro do congresso dos Estados-Unidos. O almirantado applicou-o ao novo Yacht da rainha, e parece applaudir-lhe os resultados. Tudo esta em germen, e é de crer que a marinha seja um dia senhora dos motores de que é ella aciualmente escrava. Emquanto se espera, fazem nossos engenheiros 0 que po- dem; e se alguma arguicao ha a lancar-se-lhes em rosto , nao é, por certo, a de ter Ihes faltado a coragem, e de se terem recusado a ensaios perigosos. O caracter da nova marinha €, para bem definil-o, um es- tado perpetuamente prolifico. Créa mais do que acaba; passa de uma concepcao a outra com rapidez, que tem tanto ou quanto de vertigem ; perturbam-se os olhos seguindo-a em seu movimento. A vantagem desta actividade é de em nada ficarmos atrasados dos oulros; 0 inconveniente é de nao chegar a ver o fim da viagem. Aonde se pensava encontrar repousu, apenas se tem uma parada. Pega-se e larga-se ; enfaslia-se e desengana-se; esta-se em continua busca, e em nada se assenta; multiplica-se as sorpresas a ponto de cansar. Lance-se uma vista retrospectiva, e siga-se 0 tra- balho de Penelope, a que assistimos ha quinze annos! Ti- nhamos entao, confessado pelos entendedores, uma bella armada, que formaram almirantes exercitados sob a vista de um Principe, que os animava com o seu conselho e in- fluencia. Apparece a nau a vapor, eclipsa-se a vela, e tudo vai de novo comecar. Imagina-se enlao uma armada mixta, como 64 REVISTA BRAZILEIRA. uma sorte de compromisso entre 0 passado eo presente : admittindo o motor a fogo, toma-se a peito conter-lhe os effeitos ; nao se quer ver nelle senao um accessorio, e li- mitam restrictamente o grau do seu poder. As transforma- codes continuam neste sentido, e, ainda nao acabadas, passa-se a novas revolucdes. Prefere-se agora tratar antes de pequenas embarcacdes do que das de alto bordo, isto é, a flotilha toma o passo a frola: farao maravilhas as flotilhas, que para tudo bastam; sejam, portanto, ellas as favore- cidas , 0 dinheiro e os bracos estao a disposicao das ¢a- nhoneiras e das baterias fluctuantes; cinco destas, e 53 das outras acham-se simultaneamente nos estaleiros , assim como uma esquadra de transportes ; ter-se-ha assim uma esquadra de trocos miudos: mas, quando se conhece que estas ca- nhoneiras e baterias fluctuantes saio tristes instrumentos de navegacao , que como mais pequeno mau tempo mostram a quilha, e precisam de constante reboque, volta-se ao principio, que jamais deveriam ter perdido de vista, que 0 navio de linha fortemente armado, e dotado de uma grande velocidade, @€ a unicae verdadeira base de uma armada, que tenciona demorar-se no mar, alacar, defender-se, e assegurar 0 respeito do seu pavilhao. Ea volta desta opiniao que devemos a serie de naus a helice de melhores modelos. Teremos alcancado, emfim, 0 que desejavamos? Parece que nao. A invencio offegante procura com anciedade novos melhoramentos. Trata-se de tornar invulneraveis nossas grandes machinas de guerra, e ajuntar-lhes 4 muralha de 45 a 55 centimetros de madeira uma armadura de 14 a 13 centimetros de metal. E dahi que provém as fragatas en- couracadas, 0s ariefes a vapor, como Jhe chamam os In- glezes, e & para este lado que se dirige hoje a voga , e todos os seus esforcos. Corresponderao estas fragatas encouragadas ao que se espera dellas? e serao tao poderosas como as ie 3 Ae Ae ATER Tf) MARINHA DE GUERRA. 65 , preconisam 2? Esoa experiencia que nos desenganara a este respeito. Ha apenas duas no mar, a Normandie e a Gloire ; estao, alem destas, quatro nos estaleiros,, em diversos graus de promptificacio : tém uma forca que varia de 900 a 1 000 cavallos, e sao destinadas a montar de 36 a 40° pecas de _grosso calibre. Os Inglezes sé tém quatro, que sio a Warrior e a Black Prince, de 6,000 toneladas cada uma, de 1 ,250 cavallos , e de 36 pecas; e duas outras de menor for a em construccao. Nas recriminacoes periodicas, que se repetem na camara dos communs, figuram estas fragatas_ como, es- pantalhos. Lord Paget prevaleceu-se desta idéa para. em um dos seus discursos captar a maioria; e, ainda que tivesse a vista 0 mappa da nossa forga naval, nao se apegou ds cifras reaes, multiplicou-as, e deu-nos generosamente quatro, “fra- gatas de mais, A este respeito suggere-se-nos uma Teflexio : se, com effeito, as fragatas encouracgadas sao um instramento _terrivel , diante do qual as naus sem armadura_ nada mais tem que fazer senao arrearem sua bandeira , por que razao nao augmenta o almirantado inglez o numero das | que tem? Tanto se esmera elle em possuir, em todos os casos , uma forca dupla da nossa, que se torna estranho 0 Tesignar-se em um ponto capital a condigdes de ‘inferioridade. Tem sé quatro. grandes navios entrincheirados de metal , e nds temos _ Seis: esta maneira de proceder é nova, e a ella nao tem-nos habituado 0 almirantado. Sera porque nutre duvidas sobre as qualidades nauticas destes navios, e quer, ao justo , saber 0 que sao elles antes de emprehender sua construc¢ao em grande escala? A despeza, neste caso, sahiria de 1 nossas al- " gibeiras ; e em qualquer tempo copiar-se-nos-ha, se a ex- a _periencia sahir favoravel. Nossos vizinhos sao useiros deste systema ; €, quanto ao avango , que sobre elle ganhamos, _nao se Ihes da disso; 14 custa menos o ferro do que aqui. Por emquanto nao é ainda favoravel a opiniao publica em Bye. 1. 5 66 REVISTA BRAZILEIRA. Inglaterra 4s armaduras de metal; acreditasse até, que as mais poderosas cederao ao effeito da nova artilharia. Ex- periencias feitas em Portsmouth e em Shoeburyness pare- ceram concludentes. As pecas Armstrong e Wittewort atra- vessavam, a grandes distancias, chapas de ferro batido de quatro e cinco pollegadas de espessura. O tiro era dirigido contra o costado da Trusnty, bateria fluctuante. A escola de tiro estabelecida a bordo da Excellent obteve os mesmos resultados sobre a velha fragata Briton em chapas fundidas de quatro pollegadas de espessura, que nao sdmente par- tiram-se 4 terceira bala recebida, mas que pelos fragmentos — de taes chapas, mostram mais um resultado desfavoravel, e mais um perigo, quando a armadura cede. Nao deixa, comtudo, de ser uma experiencia curiosa a destes navios — cobertos de ferro 4 guisa dos antigos cavalheiros, que nem as balas 6cas, nem as solidas poderao atravessar, suppondo mesmo que a artilharia aperfeicoada chegue a este resultado. — Um tiro feito de terra contra um objecto fixo nao da sempre — idéa do que é no mar o feito contra objecto movel; e uma — couraca com todos os seus defeitos nao deixa de ser couraga. Quando mesmo nio annullasse ella sobre a massa dos pro-- jectis mais do que o effeito de um tergo, ou metade, nao deixaria ja de assegurar uma enorme vantagem ao navio que ; a tivesse contra 0 adversario, que nao a tivesse. Applicar- — se-ha pois a todos o que até agora se nao tem applicado” senao a um pequeno numero? A experiencia o decidira. A- questao de dinheiro, com cifras mais elevadas, ainda se re- produzira, se os resultados forem favoraveis a esta ultima transformacao: as armadas, ja bastante caras , sél-o-hao ainda mais. Ha épocas em que o genio dos homens se atira de preferencia ds artes que cream, e outras em que elle sé apaixona pelas que destroem, 0 que prova o espirito rei- nante dos tempos. e suas consequencias. Nossa marinha eS bee-s Tidy! eit: |) a MARINHA DE GUERRA. 67 tem sido arrastada pela forca das cousas neste movimento e gosto militares. Nenhuma arma tem trabalhado tanto pelo seu proprio adiantamento, nem passado por mudangas mais profundas : nenhuma se tem applicado a averiguacdes mais momentosas , e passado por maior somma de provacoes. Por tres vezes foi seu material transformado; viveu seis annos na febre das descobertas. Chegou-lhe 0 momento de escolher seu caminho, em logar de procural-o ; de, conhecendo os elementos que a cercam, fixar-se nos mais apropriados. Correr ainda atras de hypotheses , estragar sua imaginacao em descobertas disparatadas, @ expdér-se ao vaivem dos acontecimentos. Aconselha a prudencia 0 concentrar-se em alguns typos escolhidos , bem estudados, e levados ao grau de perfeicao de que sio susceptiveis. Eis o que convém fazer, quanto aos instrumentos : vejamos agora o que con- vém fazer, quanto aos homens. II. Quando se lé, coma attencao que merecem, os estudos, que Mr. Jurien de la Graviére reuniu em volumes, depois de havél-os publicado na Revista, nao se pode deixar de ‘sentir uma emocao misturada de tristeza. Tome o caso um caracter familiar em memorias de tocante piedade , ou eleve- se na descripcao dessas batalhas fataes, de que nossas ar- madas se retiraram, sOmente quando destruidas e despe- dacadas; communica-se tambem ao leitor 0 sépro, que influe 0 espirito do illustre almirante: nao se acompanha a des- cripcao dessas campanhas sOmente com o pensamento, as- siste-se a ellas. Destacam-se algumas figuras com grande relevo : Jervis e Nelson, da parte dos Inglezes; Jervis, que prepara sabia e friamente o successo ; Nelson que lh’o rouba por suas effervescentes temeridades. Collingwood entre os \ 68 REVISTA BRAZILEIRA, bisy dous ,, com, ‘menos felicidade , mostra um pouco de tempera de um e outro, allianga rara da energia razoavel, da pre- _cisao do golpe fe vista, e do genio feliz! O que domina neste campo é a confianca na victoria : os almirantes contam com _ Suas equipageus, estas com os seus almirantes. No nosso campo é a confusao, e 0 desanimo que reinam. A taes chefes, _ fata da sua corporacao, quem tinhamos nds a oppor? Brueys em Abouquir, Villeneuve em Trafalgar ; Brueys , que morreu - antes de ser derrotado, e expiou nobremente suas mal to- madas disposicdes; Villeneuve, que sobreviveu ao desastre _da sua armada, e, depois de um curto captiveiro, veio a _ Franga suicidar-se, afim de que nao ficasse em* duvida sua _coragem. Ajudado por documentos particulares, restabeleceu _Mr. Jurien de Ja Graviere, debaixo de seu verdadeiro ponto de vista , ésta physionomia singular de Villeneuve, que mais se deve deplorar do que censurar. Antes de sahir para 0 mar, tinha elle consciencia da desgraca que 0 esperava: via navios mal armados, mal apparelhados, e mal providos ; equipagens cua inexperiencia trahia-se 4 mais pequena manobra, e nao, occultava estas faltas ao ministro sob cujas ordens servia, ag quem com instancia pedia ser substituido: negou-st-lhe isto, e levaram-o ao combate contra vontade, entrando nelle ja com a certeza de ser batido. Eis as duas marinhas de _entio, uma cheia de confianga, e outra de hesitagao ; uma segura dos seus golpes, e outra duvidando de si mesma, _Dronde vinha este contraste? Da organisacao e da preparagao ‘das for as. Houve depois uma especie de vertigem na maneira de que se usou das nossas. Desde que Villeneuve denunciou suas fraquezas , devia seu commani:o passar a outras maos: a disposigao de espirilo em que elle se achava é daquellas “que um, official superior nao deve j jamais conhecer, e ainda _menos reyelar, E preciso que, ainda mesmo contra a. evi- ‘dencia, elle acredite no bom resultado: a coragem propria . z ; E MARINHA DE GUERRA. 69 vale menos a quem tem uma tal graduacio , do que a que inspira. Mais valeria ter entregado 0 commando da esquadra ” ao mais temerario dos commandantes, a um soldado de- fortuna decidido a correr aventuras, a muito ousar,'@ a muito arriscar. Fosse qual fosse o resultado, nenhum teria sido peior: ha certos momentos em que a audacia é 0 melhor dos calculos; ella se propaga e se communica, é restabelece” a balanca. Em seus despachos falla Villeneuve das’ equi-" pagens em termos desesperados : quem ‘sabe O que se teria’ obtido tratando-as com mais um pouco de vigor? Pertenciam © ellas 4s racas fortes do litoral; que, quanto a ‘intrepidez e intelligencia, a nenhuma outra cedem : ellas jamais Viraram ” a cara ao inimigo no fogo, e 0 corso deve-lhes os seus mais” determinados campedes. O elemento era bom; faltava s6 qué’ 0 soubessem bem manejar; o que era preciso a estes homeiis “ para pol-os a par dos meJhores ? Algum pouco mais ‘dé ins” truccao. O que valia a instruccao nao era ainda naqielle’ tempo apreciado ao justo, nem quanto ella exige. Agarradas sem methodo, e vindas de diversas partes , nao tinha havido © tempo de classificar, e distribuir convenientemente esta marinhagem. Assim, com o primeiro mau tempo cinco ndus ” soffreram avarias grossas, e o servico de sua artilharia emi combate era defeituoso: nds apontavamos ao apparelho e aos mastros, emquanto os Inglezes atiravam aos cascos ; suas” cobertas contavam alguns feridos, ao passo que as nossas estavam cheias de mortos. A inexperiencia dos homens | ajuntava-se tambem o effeito do mau systema. O que nos’ aconteceu de nefasto, proveio destas causas combinadas. ; Servem de licio estas desgracas para nunca mais nellas ge recahir ; a instruccao, eis a melhor forca de uma armada; é a ella que deve a nossa ter-se depois rehabilitado. A ins- truccao do homem do mar nao é um fructo temporao; sé amadurece com o tempo. Para formar-se uma idéa do que 70 REVISTA BRAZILEIRA. ella 6, precisa-se seguir-lhe 0 desenvolvimento nestas me- morias de familia, que Mr. Jurien de la Graviére acaba de colligir, e que, depois de terem servido de exemplificagao na marinha, nella sao hoje como que um compendio de ensino. E seu pai que esta em scena; nenhuma outra voz tem mais autoridade. Vice-almirante, Prefeito maritimo, Par de Franca, percorreu com distinccao todos os graus da hie- rarchia, conheceu todas as fortunas do mar, passou pelas provas do captiveiro, e assistiu ao laborioso nascimento da nossa marinha. Nestas paginas, aonde o interesse é sempre crescente , vé-se como chega a reconstruir-se uma armada, sahindo de suas ruinas. Data este movimento de 1820. Es- tavamos entao, quanto a forcgas navaes, no ultimo grau de abandono, com as equipagens, e um material cada dia mais estragado. Um ministro, que a vistas rectas unia uma grande firmeza, nao pode resignar-se como seus predecessores, a um tal espectaculo. Apresentou perante 0 conselho a questao em termos nada equivocos; mostrou por calculos exactos que se marchava para uma inevitavel destruicao, e propéz que se adoptasse, de duas cousas uma — ou renunciar a ter marinha para poupar despezas , ou despender sufficiente- mente para sustental-a. Ou nada de marinha, ou uma ma- rinha em estado de fazer-se respeitar. Por honra sua 0 go- verno decidiu-se por este ultimo partido, e accrescentou alguns milhdes ao orcamento. De entao para ca melhores tém sido as intencgdes , e melhores, com o andar do tempo, os actos que sao dellas consequencia. Sabe-se quanta soli- citude desenvolveu o governo de Julho, quanta perseveranga, esforcos e sacrificios. A ninguem é permittido esquecer, ou desconhecer, 0 que fez um dos filhos do rei Luiz Philippe por esta arma da sua adopcao; é& dahi que partem os mais reconhecidos melhoramentos, as reformas e os aperfeigoa- mentos os mais salutares. A instituicao remoga e anima-se ; MARINHA DE GUERRA. 11 a arte torna-se mais sabia e reflectida ; sabe-se para onde, e como se caminha; sahe-se do empirismo para obedecer- se ao espirito do methodo. Para se ter uma perfeita con- viccao disto, basta langar um golpe de vista sobre os detalhes deste movimento, que nos conduziu ao ponto em que es- tamos. ; O primeiro obstaculo a vencer era a intermittencia dos armamentos ; anligamente, e assim era ha trinta annos, a esquadra que se recolhia ao porto depois de terminada sua campanha, contava se como uma for¢a inutilisada. Para fazer uma economia mal entendida, dispensavam-lhe os ele- mentos , disseminava-se-lhe até as guarnigdes. Como des- armamento perdiam-se todas as vantagens adquiridas du- rante a campanha. Em taes fluctuagdes do servigo, nada guardava consistencia, nem duracao ; passava-se sem regra nem medida, do estado de actividade ao repouso enervador. Se as circumstancias exigiam novo armamento, era preciso fazer novas despezas, recomecar trabalhos interrompidos, reunir de novo elementos dispersos, e recompor os quadros das guarnigdes. Feita a conta, o dinheiro despendido nesta resurreicao de esquadras excedia talvez ds economias pro- venientes dos intervallos de ociosidade, a que tinha sido alguma dellas condemnada. Em geral o proveito era im- perceptivel, e a perda grande: neste proceder sacrificava-se a instruccao , a tradicao, o espirito de classe, tudo o que nasce de uma existencia regular, de um exercicio constante, e da mantenca de habitos bons. Parece que a este regimen funesto para os homens, e para os navios; se renuncion depois de bastantes hesilacdes ; a causa da permanencia dos armamentos, ao menos, alguma cousa ganhou. Teve-se o bom senso de conservar-se sempre prompta a primeira voz uma esquadra de evolugdes de pequena forca: Fixaram-se algumas equipagens, aonde a tradicao se conserva, e se trans- 72 REVISTA BRAZILEIRA. initio; quadros aonde a aprendizagem se torna mais facil Sy. . mais ‘rapid a ‘classificacao : ‘tem-se um nucleo de officiaes, que escapam 4 languidez de uma grande demora em terra , e avs inconvenientes de um servico profissional muitas vezes - intetrompido e ‘recome¢ado : tem-se emfim um servico con- tinud, em‘logar de outro que procede por alternativas ; por muito reduzido que seja 0 numero dos navios armados, sao, pelo menos, navios com guarnigdes completas, e nao bosques fluctuantes, que nao passarao da inercia a actividade, senao ° por ‘meio ‘de grandes dispendios de tempo e dinheiro. ‘0 systema fem apenas um lado mau, que é nao ser extensivo a resérva. WP 80% Outro ponto a por fora da questao era a instrucgao especial - para “'servicos: determinados. O ensino das equipagens tinha recentemente um caracter geral, como se todos os homens fossem chamados a tudo fazer, e a ‘substituirem-se indis- | tincfamente em ‘funcedes distinctas. Esta variedade de i ins- trdecao linha um grave inconveniente, o qual era que oO servico nao “chegava a0 ultimo gorau de perfeigao , por nao ser sempre. entregue a mesma gente. E uma verdade ele- meitat que dividida a forca, torna-se ella menos efficiente; e que, concentrando- a, & mais efficaz. Ha pois vantagem em tholtipticar OS corpos dotados de aptidao, e investidos | de altribuicoes particulares; é 0 principio da divisao do tra- balho’ applicado 4 4 arte militar. No exercito se tem ja reco- nhécido 0 ‘Yom effeito deste systema , porque aos corpos especiaes tem provindo um sensivel augmento de vigor : se cada “parte ‘toma importancia maior, mais importante se torna o todo. 0 exemplo communicou-se 4 marinha, que fez tentativas neste sentido, de que tirou bons resultados. Crearam- “se escolas especiaes, em que se da a instruccao a - fundé, © aonde os recrutas encontram cascos de corpos, a’ que ficam ligados: tal é a escola de marinhéiros artilheiros | costar ET IASe : : be al ; ne pero’ MARINHA DE GUERRA. 73 estabelecida a bordo de um navio constantemente em exer- cicio , umas vezes fundeado, e quasi sempre a vela. Esta escola pode formar mil pracas por anno, que, depois de exa- minadas, della sahem providas de um titulo, e sao repar- tidas pelos navios aonde se tornam excellentes chefes de peca, e a seu turno formam tambem discipulos. Fora con-— veniente ampliar esta util instituicdo: o manejo de artilharia é, per excellencia, e sera sempre, ou cada vez mais, a base de uma boa marinha; o intervallo de tiro a liro nos nossos ? navios em Trafalgar era de tres minutos, quando nos inglezes se dava dous tiros no mesmo tempo. No ancoradouro de Overlac tinha o almirante Lallande chegado a obter, 4 forca de exercicios, que dessem seus artilheiros, sem prejudicar a precisio, um tiro por minuto. Tudo quanto se fizer no sentido da rapidez e justeza da pontaria, sera outro tanto augmento de poder no armamento: dadas duas iguaes ar- madas, a vantagem pertencera a que tiver sua artilharia melhor servida. A escola dos fuzileiros preenche 0 mesmo fim. O tiro de mosquetes foi sempre familiar 4 gente do mar ; mas até estes Ultimos tempos confiava-se mais na habilidade individual do que na instruccao da gente, e qualidade do— armamento. Entretanto em parte nenhuma é um tiro certo tao util e proveitoso como nos combates, em que todos os officiaes, desde o almirante até o guarda-marinha, estao a descoberto , e aonde os fogos, que se cruzam das cobertas e das gaveas, podem, tanto como o das baterias, influir sobre o resultado da accao. A escola de fuzileiros fornece esta instruccao especial: ella reproduz para as equipagens 0 que faz a de Vincennes aos batalhdes de cacadores a pe ; nella se aprende a manejar as armas aperfeigoadas, que lanc¢am com a maior precisao, e a grande distancia , os seus projectis. Esta instituigao comega apenas na marinha,; ella sd produz setecentas pragas por anno: poderia talvez pro- 74 REVISTA BRAZILEIRA. duzir mil, que distribuiriam na esquadra o conhecimento e habito de fazer boas pontarias. KE verdade que o marinheiro presta-se pouco e mala este estudo; seu humor de mobili- dade nao se accommoda a sujeicao, que traz 0 uso das armas novas ; elle repugna aos exercicios frequentes, 4 attengao nunca interrompida, aos cuidados de detalhe , sem os quaes tornam-se esses exercicios de nenhum effeito. E uma in- teira educagao a fazer, um habito novo acrear, o que tudo se alcancara com a perseveranca. O que se fez a respeito dos artilheiros e fuzileiros, é 0 que se tem ensaiado a respeito dos timoneiros (homens do leme): mas vivas resistencias se tem nisto encontrado ; tem-se ficado em ensaios, que, apezar de evidente apro- veitamento, nao foram muilo longe: quanto a gageiros, nao se tem ainda tentado a experiencia; acham-se dous sys- temas em presenca, um que deseja levar ao fim a creagao destes cascos de corpos escolhidos , destinados a conservar pelo maior tempo possivel no servico homens experientes ; e o outro temente de que a parcimonia da inscripeao mari- tima nao seja affectada por esta combinacao, e que o ele- mento fixo das equipagens nao prejudique ao elemento movel. Ede alguma forma a luta entre a escolhae o nu- mero. Dizem uns que vale mais guardar os homens formados, oulros que abrir as portas aos que se tém de formar. Os primeiros quereriam, para chegar ao seu fim mais segura- mente, que se fizesse extensivo a todos os marinheiros ins- criplos 0 dever do reengajamento com premio, que o De- creto de 5 de Julho de 1856 limita a certas categorias ; os outros repelliam esta disposigao , temendo que os reen- gajamentos em grande escala prejudicassem a leva perma- nenle, e enfraquecessem a cifra da reserva. Entre estas duas opinides nao é& permittido hesitar. Em todas as categorias MARINHA DE GUERRA. 75 do pessoal o que importa é formar, e ter bom; o mediocre nao custa a apparecer. Como explicar-se esta especie de culto pela inscripcao maritima, que attenta contra o direito commum, e que encadeia as populacdes que vivem do mar? Este regimen é tao oneroso, que com o que se acaba de dizer se lhe nao exagera os effeitos. E pois preciso nao esperar tudo delle, nem tudo pedir-Ihe: 0 que contribuir para adocal-o, sera um acto de justica, um beneficio. Assim, elevar, mesmo a forca de dinheiro , a parle fixa das equi- pagens para alliviar a parte movel, 6 uma combinacao mais recommendavel, principalmente quando por meio delle o - nivel da instruccao se eleva, e o espirito da armada se me- - lhora; nao é fora de proposito, portanto, insistir sobre o _ preenchimento destes quadros especiaes. Abram-se escolas para os timoneiros e gageiros, que saiam dellas com os competentes titulos , e ter-se-ha entao em todas as partes de servico uma escolha, que dara o tom e servira de modelo. Muito se tem feito, quanto 4 composicao das equipagens ; muito ha ainda a fazer. O regulamento de 20 de Maio de 1857 fixa-lhes 0 detalhe, e comprehende quatro effectivos : sendo 0 effectivo completo, o effectivo reduzido, o effectivo em disponibilidade, e o effectivo em commissao. Admittindo estes termos, uma nau de segunda classe, como a Napoledo, _ teria 913 homens no primeiro caso, 480 no segundo, 56 no terceiro, 49 no quarto, 0 que é muita complicacgao , e muita gradacao. Querendo este decreto assegurar tambem aos na- vis de reserva um certo numero de pracas de escolha, da acada nau quatro artilheiros marinheiros de provimento , em logar de marinheiros de escolha; tres ds fragatas; dous as corvetas; e um a cada navio de ordem inferior. Se as nossas informagodes sao exactas, estas disposicdes ficarao em ~ letra morta. A permanencia dos quadros nao é extensiva a reserva, que, pouco mais ou menos, se conserva ainda pelo 76_ REVISTA BRAZILEIRA. systema antigo. Ora, reserva ¢ toda a armada, com excepcio. das nove naus da esquadra de evolugdes. Nao seria possivel estender-se em certo ponto este beneficio da permanencia a semelhante parte da nossa forca naval, que esta della pri- vada? Para este fim se tem proposto planos bem simples , que merecem ser attendidos. Para duplicar nossa armada activa bastaria dar um segundo, por assim dizer, a cada navio da esquadra de evolucdes, passando metade de um pessoal escolhido para aquelle, que, segundo as circums-— tancias, fosse chamado a supprir outro. Ter-se-hia, é ver- dade, effectivos reduzidos , mas ter-se-hia ao mesmo tempo, sem augmento sensivel de despeza, dezoito naus disponiveis em logar de nove, umas em effectiva campanha, e outras promptas a entrarem nella: em caso de necessidade dar-se-hia a umas e outras 0 complemento de suas guarnicdes. Ter-se-— hia, além disso, uma forca permanente de dez mil homens de escolha, tirados das diversas especialidades maritimas ,e¢ conservados no servico pelas vantagens , que um orcamento sabiamente repartido permittiria conceder-lhe. Ou se adopte este plano, ou se imagine outro, a organisacio da reserva sera sempre uma das mais urgentes necessidades, e a melhor demonstrada do nosso servico naval. Uma outra idéa se tem propalado, que 6a addicao as equipagens de um certo nu- mero de soldados aguerridos: esta idéa suscitou objeccdes, e merece nao tomar corpo, por ser repuznante a marinha, cuja indole nao admitte corpos estranhos. Este sentimento— explica-se por si, e nao é preciso exageral-o : os que neste pensamento se apoiam com mais calor sao os que fazem da inscripeao a primeira e ultima palavra da defesa naval, e nada querem ver aquem, ou além della. A inscripgao, in- — felizmenle, lem limites a que promptamente se chegaria et uma guerra prolongada. Seria entao preciso, dado este caso,” abandonar a resistencia? seria preciso renunciar 4 procura * " MARINHA DE GUERRA. ar de outros meios, € arranjar em outra parte um supplemento de forca? Mais sabio seria, porém, prever-se desde 0 principio da luta a insufficiencia deste elemento, e poupal-o, amal- gamando-o com outro. Nao seria a primeira vez que embat- cassem tropas a bordo de uma esquadra para supprir a falta de marinhagem; a historia Ingleza, e a nossa, fornecem disso mais do que um exemplo; homens escolhidos sao sempre homens escolhidos, seja qual for o elemento em que sirvam. Ahi estio navios encouracados de ferro, que se atacarao um ao outro em um momento dado: suppondo-os, como se cré, impenetraveis 4 bala, cansar-se-hao em dar bandas inutilmente, queimando muita polvora para se fazerem muito pouco mal; como se acabara esta questio ? Ha sé um meio , a abordagem: neste momento decisivo sera inopportuno ter a bordo alguns soldados de escolha habituados aos com- bates corpo a corpo, e sabendo manejar essa terrivel baio- neta, cujo jogo é tao mortifero? nao valera cada um destes homens um marinheiro, e nao pertencera a victoria aquelle dos dous havios, que tiver a guarnigao de melhor tempera é€ mais numerosa? Estas consideracdes tém seu valor, e exigem ser examinadas sem paixao ou desdem: é bom que ellas se reproduzam, e se discutam; seu germen ahi esta langado, e so nao produzira, se o terreno a isso se nao prestar. Se o excesso de audacia é algumas vezes um perigo, ha outro perigo peior, 0 excesso de rotina. A respeito dos ma- chinistas da-se um facto analogo: elles nao tém na armada a graduacao que corresponde a importancia de suas func- goes; e mal classificados, como estao, escapam a responsa- bilidade séria. Um dos mais distinctos officiaes, 0 contra- almirante Paris, reconhecendo este vacuo, fez delle objecto de uma nota, que depois de ter sido entregue ao ministro da marinha, se tirou della um pequeno numero de cdpias 78 REVISTA BRAZILEIRA. autographicas ; queria-se ouvir a opiniao do corpo. Com as antigas machinas de balanco poder-se-hia fechar os olhos a alguns destes inconvenientes : eram ellas pesadas, e occu- pavam um espaco fora de relagao com sua forga; mas, em compensacao , tinham suas pecas uma solidez, que parecia desafiar a destruigao, e se prestava a tal ou qual incuria. Com as novas machinas directamente articuladas a helice, sao estas negligencias inadmissiveis; a vigilancia dos de- talhes é a condicao rigorosa de um bom servico. Tém estas machinas maior velocidade, e occupam menos espaco; re- solveram ellas 0 problema, que com as antigas era indeter- minado: sao uma honra para a arte naval, e tornarao muito mais poderosa a accao das armadas. Estes bellos titulos, porém , sao contrabalancados por alguns defeitos; as novas machinas tém pecas mais delicadas: as pressdes, a veloci- dade das rotacdes particulares expoem-as a estragos conti- nuados; estao sujeitas a caprichos, cujas causas escapam aos olhos mais exercitados; a menor friccdo produz nellas alteracdes, e muitas vezes rachadellas. Muitos destes incon- venientes nao provém so da qualidade do instrumento,nascem do descuido e ignorancia dos que delle servem-se. Comega aqui a responsabilidade do machinista, que presentemente nao é real, nem definitiva. Recebe um machinista a sua ma- china, sobre a qual tem feito uma serie de observacdes durante a montagem, sem apresentar objeccdes , pois sabe que um corpo acima delle collocado nao |h’as aceitaria, poe o seu apparelho em movimento pela melhor maneira que pide ; e quando se da uma troca das tao frequentes por bem do servico, cede o logar ao seu successor, depois de um pequeno inventario do material, e sem, algumas vezes, lhe confiar as observacoes technicas, que pdde colher. Os defeitos desta organisacio sao patentes ; ella exclue 0 es- pirito de continuacao, a tradicao, e as vantagens do systema MARINHA DE GUERRA. 79 methodico ; nao identifica o artista com o instrumento , e créa, por assim dizer, um novo estado de cousas em cada transmissao , que se opera no governo das machinas, O remedio ¢ simples, e reduz-se a conservar pelo maior tempo possivel, dirigindo um apparelho, 0 machinista que 0 co- nhece e que o tem estudado. Diga-se emhora ser preciso ensaiar e formar muitos ma- chinistas, e que, em verdade, se niio sabe 0 que vale uma machina sendo quando tem ella passado por um grande numero de maos: é@ a objeccao ja produzida a respeito das escolas especiaes, objeccao que se nio presta a exame; nada equivale ao beneficio de um estudo seguido sobre uma de- lerminada materia. Deveria ter-se em vista que a entrega das machinas se nao fizesse tao superficialmente, e que a pratica adquirida pelo machinista substituido nao fosse in-: leiramente perdida para o que o rende. Seria mesmo con- veniente que o que deva dirigir uma machina fosse admittido a julgar préviamente das qualidades della, e considerar ao chefe machinista com direito de voto nas commissdes de recebimento e exame. Em compensagio destas vantagens, seria justo exigir dos machinistas maior somma de garantias. Elevados, a seus proprios olhos, teriam em mais allo grau consciencia de sua responsabilidade , e na forma das suas attribuigdes melhor definidas, tomariam mais consistencia, maior desejo de acertarem, e elevar-se-hiam ao nivel dos outros officiaes da armada pelo espirito e dignidade do corpo. Eis bastantes pontos sobre os quaes se tem exercido, e pide ainda exercer-se a reforma da organisacao naval : ha outros de puro detalhe, a tactica, por exemplo, dos officiaes de marinha em terra, sobre a qual acaba de escrever uma ex- cellente obra Mr. de Laporterie, que todos os profissionaes - devem tratar de consultar. Tudo, porém, desapparece diante de uma questao capital, 80 REVISTA BRAZILEIRA. é -Tem-se pensado nas equipagens, nos artilheiros, nos fuzi- leiros, nos gageiros, nos timoneiros, e nos machinistas ; esqueceu-se, poreém, o quadro dos officiaes de marinha. Este quadro esta abaixo das necessidades, e quanto mais nos vamos adiantando, melhor o attestam os factos: duas expedicdes bastarao, em plena paz, a da China e a da Syria, para desguarnecer nossos portos, e deixal-os desprovidos , principalmente nos graus inferiores. Temos ainda almirantes disponiveis , mas temos poucos guardas-marinhas e tenentes. Entretanto é 0 quadro superior que procura lei novissima e tem sido objecto de um insignificante augmento. Nao nos cansaremos de repetir que esta situacao é cheia de perigos. Em 1867 teremos 150 navios de combate, e se se persistir nestles quadros, immutaveis ha mais de seculo, nao havera numero sufficiente de officiaes para guarnecél-os. Tudo soffre com este systema: o Estado, quanto ao servico; e o official, quanto ao seu adiantamento. O zelo do melhor dos officiaes ressente-se disto, e a tibiez delle se apodera, quando vé encurtar-se- lhe 0 horisonte, restringindo-se-lhe as occasides de adiantamento : assim mais de uma demissio se tem dado antes de tempo, e € grande a emigracao para servicos parti- culares. Para fazer parar este movimento, e dar maior elasti- cidade aos quadros, acaba o governo de tomar duas me- didas a titulo de palliativo, creando para os officiaes de ma- _ rinha um novo estado, que é o de residencia fixa, em que, mediante certas vantagens, elles renunciam ao direito de promocao: a mesma medida é extensiva aos officiaes , que depois de uma licenca de tres annos, se demorem volun- tariamente em qualquer servico particular. Para completar estes desbastes seria preciso ir mais longe, e tocar no capi- tulo delicado das pensdes de reforma. Ha no quadro officiaes, que sO por seu beneficio, mas contra a sua vontade, nelle se conservam , desgostosos ans do servico, doentes outros; ca- >. « wv. rl ‘ MARINHA DE GUERRA. 81 sados, que em sua vida privada compensam a repugnancia da de bordo ; descontentes, que se dizem sacrificados ; insubordi- nados, que os commandantes afastam , desembaragando-se delles na primeira occasiao, € ao primeiro pretexto; uma categoria inteira, finalmente , que parece ter raizes em terra, e que so vai ao mar o menor numero de vezes que pode. Esta categoria obstrue mais do que serve, e sem proveito para si propria, prejudica as verdadeiras vocacées ; ella se faria justica por suas maos, se nao recuasse diante da in- sufficiente pensio de reforma. Nao seria possivel elevar esta pensao de maneira que facilitasse as sahidas, retendo-se uma quantia mais forte, cinco por cento, por exemplo , em logar de tres; desembaracar o terreno, augmentar as proba- bilidades aos officiaes de merecimento e perseverantes? E um calculo que se pode fazer, e uma prova que se pdde tentar. Apezar destes arranjos, os limites dos quadros de- viam ser alargados , pois apenas estao ao nivel das neces- sidades correntes, e bem abaixo das eventualidades, que é sempre prudente prevenir. Diz-se que o augmento seria unicamente uma satisfacao passageira, e que levando para a frente dos quadros homens mais mocos, reproduzir-se- hiam com maior intensidade as desesperangas e queixas da parte inferior do quadro: accrescenta-se que ao augmento de cada classe deveria corresponder igual augmento de ser- vico, sob pena de terem sido creados graus sem que se thes désse as funcgdes correspondentes. Nascem dahi despezas , que a boa ordem de nossas financas nao aconselha fazer. Bem basta que tenhamos de prover a creacao , e conservagao destas custosas machinas de guerra, que nao chegam ao mar, nem se movem por um preco menor de 5 ou 6 milhdes cada uma: é preciso nao esgotar os recursos por dous lados simultaneamente; um destes encargos bastard; quando se cumprir um, tratar-se-ha do outro. Péde, além disso, acon- R. B. ly x 6 82 REVISTA RRAZILEIRA. tecer , que com 0s novos elementos de guerra se tire do mesmo pessoal um partido maior do que com os antigos. Proscripta a vela do servico de guerra, mais simplificadas ficarao as obrigacdes dos officiaes, 0 que, permittira reter uma boa parte dellas em reserva para preenchimento dos vacuos deixados pelo combate. Indiquei as objeccdes: por muito graves que sejam ellas, pode-se responder-lhes. Que o alargamento dos quadros nao aplana as impaciencias da promocao, é possivel e provavel; 0 homem quer sempre mais do que o que tem: 0 essencial € examinar a queixa em si mesma, e assegurar-se se é ella, ou nao fundada. Hoje é, por certo, fundada;e nao o seria, se 4 opiniao publica se désse uma satisfacio, ainda que pouco importante. Quanto a des- peza, nao é ella de natureza tal que possa affectar a economia de um orcamento; um milhao por anno seria sufficiente para, segundo calculos muito precisos, costear 0 augmento dos quadros, pondo-os ao nivel das necessidades actuaes. Depois, é preciso ter presente a situacao da Franca, em face da potencia que a observa. Procuramos por 0 nosso material ao par do seu; nao ficamos 4 retaguarda della senao em proporgdes, que nao nos atemorisam inteiramente. E esta proporcao que convira conservar no pessoal, de forma que 0 numero de officiaes nossos corresponda, como acontece em Inglaterra, ao numero de navios: estamos por ventura nds, em semelhantes circumstancias? E o que se vai ver. Os quadros apresentam em Inglaterra 350 capitaes de mar e guerra, e nds temos 110; 459 capitaes de fragata, e nds temos 230; 1,200 tenentes de nau, e nds temos 650: é nos graus inferiores, aonde nao existe analogia, que o equilibrio se estabelece. Assim estamos para os Inglezes, quanto a ¢a- pitaes de mar e guerra, na razao de 1: 3,18, para capitaes de fragata, na de 1: 1,99; para tenentes, na de 4: 4,85. A proporgao dos navios entre a nossa marinhae a delles é ee ee ee ee a eee MARINHA DE GUERRA. 83 deel a 1.82. Nao ha, portanto, exageracao em pedir que seja restabelecido 0 equilibrio; e que, tanto para o pessoal como para o material, sejam guardadas as devidas proporcoes. Quando se trata de marinha, somos sempre levados a estas comparacoes entre a Franca e a Inglaterra. Mas nao seria necessario forgar termos, e procurar similes entre objectos que se podem comparar , como fez o autor de uma brochura, que ja citamos: as instituigdes sao tao distinctas entre os dous paizes, como os genios e os caracteres. Se procurais comparar os orcamentos, declaram-se-vos logo as incom- patibilidades : nada se adopta ; nem o systema de contabili- dade, nem os meios de fiscalisagao. Com o escalpello da analyse pdde-se dissecar engenhosamente estes membros dispersos, reunil-os e grupal-os ; nada se obtera de positivo nem de rigoroso, mas sOmente uma approximacao. Tém estas analyses um outro inconveniente, o qual vem a ser, que entre a multidao de pequenos factos os grandes escapam, e desapparecem, quando convinha que fossem estes os mais esmerilhados para dar-se-lhes a devida forga. Dizendo-se que 0 orcamento da marinha inglezaé de 390 milhdes, e o de Franca 124, ficara a opiniao publica mais impressionada, e melhor esclarecidos os espiritos, do que esforgando-se em estabelecer, capitulo por capitulo, detalhe por detalhe, d’onde procede esta desigualdade, e como se responda a esta diffe- renca. O mesmo acontece com os postos superiores. Temos em Franca um ministro responsavel cercado de funccionarios especiaes, e de conselhos consultivos. A Inglaterra tem o seu almirantado, que se compode de um primeiro lord com as- sento no conselho dos ministros, e de um conselho de cinco lords, quatro dos quaes sio escolhidos entre os officiaes- generaes, e 0 outro, chamado lord civil, alheio ao servigo naval, e com assento na camara dos communs. Um primeiro e um segundo secretarios, ambos personagens politicos , sao 84 REVISTA BRAZILEIRA. adjuntos ao almirantado para a preparacao e expedicao ds negocios. Nestas duas instituicdes esta reproduzido o genio de ambos os povos. Em Franca ressente-se tudo do grau de accao do ministro: os negocios da sua reparligao tomam melhor , ou peior direccao, segundo é elle bem ou mal ins- pirado, conforme seu muito ou pouco desembaraco; taes alternativas, ao menos em grau igual, nao se encontram no almirantado: ahi se conserva um espirito mais perseverante, e a tradicao melhor mantida; muda-se o pessoal, mas 0 casco fica sempre, 0 qual se guarda no terreno de suas at- tribuigdes com umn cuidado cioso, e mantém a independencia dos seus movimentos acima de todas as consideracdes. Assim fazendo, é elle fiel 4 sua origem. O almirantado deve a sua existencia a uma luta havida contra a coréa, e em prejuizo de uma das prerogativas della; ellaé uma prova de mais da importancia que os Inglezes ligam a serem governados por si proprios. Ha dous seculos, 0 commando da marinha era um dos cargos, que dependia do soberano: delle, com 0 titulo de grande almirante, era investido um membro da familia reinante, e o exercia fora da fiscalisagio dos com- muns, que reclamaram e promoveram um conflicto; tendo logar um compromisso, depois de pequena resistencia. O cargo de grande almirante nao foi supprimido; nada em Inglaterra supprime-se , transforma-se somente. Manteve-se pois o cargo, passando-o a uma commissao ; e os lords que foram a ella promovidos tomaram o titulo de —commissarios encarregados das funcgdes do grande almirante de Inglaterra e Irlanda.— O poder effectivo passou ds suas maos, e 0 par- lamento teve ganho de causa: quanto a corda, tornou-se-lhe menos sensivel o revéz, deixando-lhe o attributo da no- meacao. Multiplique-se os exemplos, e todos concluirao pela mesma forma — a dessemelhanca das instituicdes. Temos para 0 nosso corpo de officiaes uma escola naval , que éo ie eee” os eT eee ee * ~ ris ae atl MARINHA DE GUERRA. 85 ponto de partida da sua carreira, e aonde adquirem elles a brilhante e solida instrucca’o, que os distingue. A ella de- vemos este corpo de escolha, que é a honra e esperanga do paiz: créa-se ahi, entretanto, homens do mar de uma maneira um pouco artificial. Na idade em que os jovens destinados 4 vida do mar passam por seus exames para en- trarem naquella escola, nao tém ainda consciencia do que sao, nem das aptiddes cujo germen possuem; obedecem | menos a um gosto decidido do que a um vago desejo, e a uma phantasia ; julgam que a dragona lhes assentara bem, e ficam cheios de prazer com a idéa de trazél-a cedo: a maior parte nao conheceu o mar senao pela leitura dos livros , que delle fallam , ou através do prisma de sua imaginacao ; sor- riem-lhes.as aventuras e as campanhas. Algumas vezes é a familia que excita esta inclinagio, tendo em vista dar a actividade do adolescente uma direccao e um emprego , ha- bituando-o a disciplina, e fornecendo-lhe cedo meios de vida independentes. Estas impressdes sio muito superficiaes, e estes calculos feitos um pouco ao acaso; e dahi vém mais de uma vocacao duvidosa. Recebem os quadros por esta forma sujeitos que nao tém, quanto fora para desejar, quéda para a vida do mar. Nao estao os Inglezes tambem ao abrigo destes contratempos, mas nao se expoem a elles de uma maneira tao facil: sua verdadeira escola é 0 mar, e querem que aelle se chegue pela forma a mais natural; ha entre elles dous generos de vocagao, 0 nascimento e 0 gosto: para uma porcao de filhos mais mocos de familias titulares é um destino, por assim dizer hereditario;; pertencem 4 marinha, porque seus antepassados a ella pertenceram; acostumam-se desde a infancia 4 perspectiva de para ella entrarem ; pre- param-se para esse fim com os estudos proprios, e, chegada a occasiao, entram a bordo como se fora para sua casa. Mais rudes sao para a outra categoria de officiaes os accessos 86 REVISTA BRAZILEIRA. da profissao ; como nao trazem as patentes na algibeira, é preciso que as ganhem por uma capacidade demonstrada, e servicos effectivos e brilhantes. E entao indispensavel ter pelo mar 0 gosto mais pronunciado, o vigor de espirito e do corpo necessario para nelle fazer boa figura; a resignacao nos postos obscuros para chegar aos mais elevados; emfim, a nocao completa do officio, que é 0 primeiro e 0 mais se- guro dos titulos. Desta mistura de officiaes de nascimento e de fortuna tem resultado para a Inglaterra um fundo solido sobre o qual repousa a boa conducta de suas armadas, que jamais se desmentiu. E um facto digno de observacao que os mais illustres dos seus capitaes pertencem 4 categoria dos homens de fortuna. Nelson era filho do reitor de uma parochia; Cook, de um jornalista ; Collingwood, de um mercador: todos tres passaram pelas mais humildes funcedes de moco, marinheiro, e guarda-marinha. Differindo os dous Estados, quanto 4 educacao dos seus officiaes, nao differem menos, quanto 4 composicao de suas equipagens e recruta- mento de sua marinhagem. Nossa unica ressur¢a é a inscrip- cio, a cujo respeito j4 acima fallamos. E um processo ins- truido; Mr. Marcel d’Amiens acaba de ajuntar-lhe uma peca curiosa pelos detalhes, que nao pecca senao pelas conclusdes. E constante que um tal regimen fere os os direitos communs; recahe sobre uma classe de homens, que sujeita durante o curso de uma vida activa, tirando-lhes o beneficio da exo- neracao, que todos os outros tém. Esta instituicao nao tem defesa possivel como principio; mas, como facto, haveria perigo em tocar-lhe, e mesmo em insistir sobre o que ella tem de injusto e de flagellante; seria mal escolhida para isso a presente occasiao. A inscripcao existe; é isto o que lhe da forca, e a escusa. A tocar-se-lhe profundamente , provocar- se-hia uma crise, a que seria imprudente expdr-se: pdde-se aconselhar comtudo alguns palliativos, por exemplo, a faci- MARINHA DE GUERRA. 87 lidade da substituicio directa sob certas garantias, e uma escala de premios para 0s reengajamentos voluntarios depois do primeiro periodo do servico. Este systema, ja adoptado no exercito, alliviaria os marinheiros das classes, nao sd- mente sem prejudicar o bom servigo, como melhorando-o antes por um maior numero de elementos de escolha,.e vantagem na sua permanencia. Permittiria outrosim intro- duzir entre o estado de actividade e o de reserva uma distinccio mais pronunciada, e dar um caracter de fixidez as baixas, que sao hoje concedidas, e tornar em direito 0 que é apenas uma tolerancia. Ter-se-hia sempre debaixo de vista 0 livro de registro das isengdes para se langar mao dellas até 4 ultima, no caso de urgencia, e nao seriam mais concedidas senao sob condicdes bem definidas, e mais tutelares. Em rigor, valeria mais prolongar o primeiro periodo de em- barque, do que manter na profissao tantas existencias pre- carias. Fixadas por mais tempo, e de um modo mais cons- tante, a bordo, as equipagens tomariam mais gosto pela vida; as aptiddes se desenvolveriam melhor; formar-se-hia mais seguramente, e com mais cuidado, um quadro de es- colha de dez ou doze mil homens, que é o voto dos que conhecem o mar, e que sd pode conduzir a um estabeleci- mento duravel. Os Inglezes nao conhecem os encargos da inscripcao; o espirito e costume das populagdes a isso ree pugnam. Tanto para a marinha como para 0 exercito, sd um systema de engajamento se emprega, que é 0 alistamento voluntario. E soldado, é marinheiro quem quer sel-o: nao foialei, mas 0 costume quem isto regulou. Quanto 4 ma- rinha, a lei é muito rigorosa , porque da ao governo 0 direito de requisicao contra todo o homem que tenha seguido a vida do mar; era isto uma medida de guerra, a que completa- mente se renunciou depois da paz: excepto no caso de grande extremidade, seria difficil fazél-a reviver. Na realidade 88 REVISTA BRAZILEIRA. o homem do mar exerce em Inglaterra uma profissao livre ; o Estado compra 0s seus servicos, e nao lh’os impoe, chama os homens para a marinha por premios, salarios, e ragoes , que conslantemente augmenta , vantagens de posigao, e pe- quenas pensoes de reforma. Este systema nao deixa de ter inconvenientes , sendo 0 mais grave o fornecer recursos even- tuaes em logar de recursos certos. Relativamente a equi- pagens, nunca se sabe o que se tera, nem como e quando se tera; &€ uma especie de colheita, cuja abundancia varia em relacao com as circumstancias e necessidades. A ma- rinha mercante é um terrivel concurrente; € preciso lutar com ella em esforcos e sacrificios, trabalho rude para o al- mirantado. Nao ha muito tempo era 0 systema de curtos en- gajamentos, tres ou quatro annos ao muito, a que elle re- corria, e formava muito superficialmente marinheiros, que lhe escapavam, quando comecavam a estar bons para qualquer cousa. Assim marchou-se até 1852, epoca em que se abriu um inquirito. Estavam em presenca duas opinides , que sao as reproduzidas nos conselhos consultivos, uma tendo por fim obter muita gente por meio de arrolamento, outra que pre- fere tél-as menos, e instruil-as mais; uma que pretende elevar o elemento movel, e outra que se esforca pelo aug- mento do fixo. Destas duas opinides foi a ultima que preva- leceu, € comecou depois disto na marinha ingleza o que se chama servico continuo. A categoria de engajamentos de tres e quatro annos accrescentou-se outra, que se estendia a dez annos consecutivos , com grande vantagem em favor dos que se contractavam por este periodo. Sua paga elevavasse em relacao com o tempo por que durava 0 servigo; 0 Ga- minho do avanco era-lhes aplainado; merecendo-o, podiam passar para as classes superiores, tornarem-se officiaes de apito e de provimento, e obter pensdes reversiveis as suas viuvas. Para o marinheiro era de seis pences por dia, no fim MARINHA DE GUERRA. 89 de dez annos, um sheling no fim de vinte, com direito ao pensionato de Greenwich, aonde entravam no corpo de guarda-costas. Eis os meios que 0 almirantado tem empregado para com- bater as difficuldades e as incértezas de arrolamento. O effeito tem sido bom ; da menor numero de marinheiros 4 armada , taes, porém, que lhe tém ganho mais estabilidade e vigor. Ficou tambem a porta aberta para os engajamentos a curto _prazo, e a classe destes engajados forma ainda a terca parte do estado effectivo. Nao tem o almirantado ficado nisto sé: sua solicitude se ha tornado sensivel em todos os graus : tem cuidado, tanto nos que entram para o servico, como nos que sahem delle ; em seus filhos, e nos veteranos: multi- plicou as escolas dos mocos, e deu um quadro a reserva. Os mocos sao um elemento precioso para as esquadras, como se tem reconhecido nos inquiritos, e no seio do parlamento. Entrados jovens para o servico, ligam-se a elle fortemente , e nelle adquirem uma instruccao, um espirito de disciplina e _ bons habitos , que os marinheiros mercantes jamais poderao chegar a adquirir. A armada é para elles como 0 tecto pa- ternal; della se afastam com desgosto, e a ella voltam com prazer: sua educagao comeca pelo mais pequeno detalhe, se eleva com todas as forcas, e se applica, pouco a pouco, a todas as partes da profiss’o. E uma completa iniciacao ; tanto melhor, porque se opéra lentamente. Tem o almiran- tado caprichado tambem em dar a estas instituicdes todo o possivel desenvolvimento, que mostrou por cifras significa- tivas, que seu secretario ha poucos mezes submetteu a consi- deracgao da camara dos communs. Em 1857 ao contava a armada em suas escolas, ou a bordo dos seus navios, mais do que 1,898 mocos; e em 1858 um numero pouco mais ou menos igual. Em 1859 elevava-se este numero a 5,747, e em 1860, a 8,535. Foi esta declaracao acolhida com tanto favor, 90 REVISTA BRAZILEIRA. que é de crer nao fique ella sé no que esta. Pedem uns que se estabeleca escolas de mocos em todos os portos commer- ciaes, e que sejam admittidos a seguir o seu curso todos os rapazes do porto que para esse fim voluntariamente se apre- sentem, outros que a proporcao dos mogos e novigos para os homens feitos, que da sexta parte foi elevada 4 quinta, passe 4 quarta. A predileccio por este systema é viva, e talvez se esteja proximo do excesso. Quanto d reserva, tem o almi- rantado sido menos feliz; ha pouco tempo nao tinha ella mais do que um corpo composto de bateleiros, de pescadores, e de habitantes do litoral, que se estavam exercitando em artilharia, e que teria sido para a armada antes um emba- raco do que um auxilio. Em 1856 fez acquisicao de um mais poderoso recurso. Ficaram debaixo de sua autoridade os marinheiros da alfandega, que com o nome de guarda- costas, e em numero de oito mil, formam um corpo esco- lhido sempre disponivel, e que pode servir de modelo. Nao era isto mais do que um supplemento de forgas, e nao uma reserva na verdadeira accepeao da palavra. Ensaiou-se crear um outro, que tivesse este caracter, e eis como o fizeram. Segundo calculos exactos, 0 numero de marinheiros empre- gados na cabotagem, e nas curtas navegacdes, elevava-se no Reino-Unido a mais de cem mil: viu-se nisso 0 elemento de uma reserva. Vollando muitas vezes aos portos de sua origem , prestam-se estes homens melhor do que outros a uma mistura de empregos: imaginou-se ligal-os 4 armada sem retiral-os do exercicio de sua profissao. Era para esse fim preciso convidal-os com algumas vantagens. Por lei vo- ladaem Julho de 1859, assegurou-se uma gratificacao de 150 francos por anno aos marinheiros, que preencherem estas condicdes, engajando-se a servir na reserva por cinco annos. Este servico é somente eventual, e em termos pres- criptos nos seus regulamentos. A unica obrigacao imposta i a ss tS Pi ." — ee MARINHA DE GUERRA. 91 é a de passar vinte e oito dias por anno a bordo de navios transformados em escolas, aonde recebem soldo eracao dé marinheiro da armada; devendo, somente em caso de guerra, ficar 4 disposigao do almirantado. Tinha-se fixado em 30,000 0 limite destes arrolamentos, temendo-se que passasse muito além deste numero: aconteceu 0 contrario; a chamada pouco produziu. Esta medida, que ja esta em vigor ha sete mezes, tem dado apenas 3,000 engajados ; d’onde provém esta con- trariedade ? deve-se a regulamentos por demais minuciosos , como disse Lord Lyndhurst? ou ao cuidado que preside a escolha da gente, como 0 affirma 0 Duque de Sommerset? ou, finalmente , 4 clausula que exclue da reserva os homens acima de trinta e cinco annos? O que é certo, porém, é que nao ha affluencia. As conviccdes do almirantado nao se abalarao com isso: elle conta com o effeito do tempo, e persiste em acreditar, que, melhor apreciada a instituigao , produzira seus fructos. Antes de captivar-se , 0 marinheiro , ente naturalmente livre, hesita, reflecte, e quer saber bem 0 que vai fazer, e o proveito que dahi lhe resultara ; isto 6 do caracter nacional: os mais decididos rompem a marcha, e os outros os seguirao. E para duvidar, comtudo, que o quadro se preencha; ficara muito abaixo do que era de es- perar. Ainda que, porém, devesse esta reserva ficar em estado de projecto, nem por isso deixariam os recursos da marinha ingleza de ter proporgdes imponentes , que dao muito que reflectir. Nunca, ha meio seculo, tomou ella o desenvolvimento que tem hoje, que nao é um pé de paz, mas verdadeiramente um pé de guerra. Era em 1836 0 seu effectivo 17,500 homens; em 41859, 37,000 homens: em 1860 é de 40,000 homens, e sera em 1861 de 58,000. A isto ajunte-se 18,000 soldados de marinha, ou royal-marines, como oschamam, e ter-se-ha 0 total de uma forca embarcada de 76,000 homens. E quasi tres vezes mais do que contam 92 REVISTA BRAZILEIRA. nossas equipagens. Os marines, de que se acaba de fallar: sao preciosos auxiliares a bordo dos navios, aonde fazem a guarnicao militar: em muitos servicos se identificam elles com os marinheiros, guardando o caracter distincto de tropa formada para o mar. Elles sao fuzileiros, artilheiros, ser- ventes das pecas em combate ; saltam 4 abordagem , operam desembarques, e sO as manobras de trincheiras acima é€ que sao estranhos. Em todas as occasides os tém encontrado fieis, firmes, e disciplinados: elles tem muitas vezes contido as equipagens, e reprimido em algumas occasides suas des- ordens. Quando em 1797 a esquadra de Lord Bridport nas aguas de Spithead se poz em plena revolta, 0 exemplo nao se estendeu aos soldados, que fizeram fogo sobre os amoti- nados , contribuindo seu bom comportamento para chamal-os de novo aos seus deveres. Nenhuma instituigao é melhor, nossos soldados artilheiros de marinha, excellente tropa , della se approximam, quanto ao nome, mas nao pelo ser- vico que desempenham, e sua economia. Nao temos 0 equi- valente do Master inglez. Nossa mestranga , que abunda em homens escolhidos, nao exerce funcgdes cuja importancia seja igual 4 do Master. A bordo de um navio inglez partilha este com o commandante a responsabilidade da navegagao , para 0 que se prepara com estudos serios, observacgdes, e cophecimentos pessoaes acompanhados de uma instruceao nautica muito desenvolvida. Todas as costas lhes sao fami- liares; s80 ao mesmo tempo um piloto pratico, e um official de patente; pdde-se descancar sobre elles, quanto 4 direcgao da navegacao ; nossos commandantes nao tém auxiliares iguaes; elles supportam sos, além de todos os cuidados do commando, a obrigagao de dirigir a navegagao. E muito exigir das forgas e responsabilidade de um homem: o fardo & pesado, e seria de grande conveniencia tornal-o mais leve, eestudar os meios de modifical-o, ampliando as funcgdes MARINHA DE 6UERRA. 93 dos chefes de timoneiros , para tornar delles alguma cousa parecida com os antigos pilotos-mores. Nao se teria por esta forma 0 Master inglez; mas, pelo menos, tirar-se-hia melhor partido da nossa mestranca @€m um ramo determinado, De todos os factos que deixamos citados, muitas conclusdes se derivam. A primeira vista se conhece, entrando nos detalhes, existir entre os nossos vizinhos uma arte vigilante, sempre em guarda para que nao descaia; sempre avancando sobre 0 que se faz n’outras partes; e fortificando pela experiencia 0 que a tradicao cousagra. Nenhuma revolucao mecanica os acha em falta, ou 0s apanha desprevenidos. Acreditaram-os vencidos ou enfraquecidos , quando a vela cedeu diante do vapor; mas elles estudam o vapor como estudaram a vela, com a firme vontade de sahirem intactos desta prova, con- servando nella sua posicao. Uma outra revolucao rebenta na artilharia; a bala 6ca e a bala espherica nao sao ainda meios sufficientes de destruicao: o canhio liso é condemnado como sujeito a defeitos no tiro; de la vém as balas conicas , balas a ailettes que correm por chanfros engenhosamente feitos , Os quaes preservam os projectis das desviagdes , e o langam a maiores distancias. A arte naval estremece entre os nossos vizinhos com estas invencoes, que elles sentein ate que ponto lhes tocam. e faz por isso aos engenheiros particulares um appello, que é ouvido. Succedem-se as experiencias; 0s pro- cessos estao em face uns dos outros. Armstrong de um lado, -Whithwort do outro. Sem esperar mesmo que 0s ensaios tenham dito a ultima palavra, multiplica-se o numero de encommendas 4 industria particular, para que com brevi- dade sejam com a artilharia destes autores providos 0s navios da armada, o que se fara tambem com os encouragados. Os ensaios da Gloire, em que se prosegue em um de nossos portos, devem tocar o almirantado: ate aqui parecem elles concludentes; a fragata supportou sem embarago o sobre- 94 REVISTA BRAZILEIRA. carregamento de sua armadura de metal; nem suas quali- dades nauticas, nem sua velocidade, nem a regularidade de seus movimentos ficaram prejudicadas. Em um mar calmo cortou a agua sem choque, e quasi sem produzir escuma : com mar cavado cortou a vaga com facilidade, e deitava , termo médio, doze a treze milhas. A severidade de suas linhas, a massa de ferro que a cinge, a altura de suas ba- terias, o calibre de suas pecas, bem denotam a importancia de sua forga. Se estes resultados persistirem, e se confir- marem depois de uma experiencia mais larga, a arte naval nao lhes ficara indifferente entre os nossos vizinhos , acre- dite-se bem. Nao se ter mais no mar senao esquadras for- radas de ferro; os navios operarao, tanto pela sua massa, como pela sua artilharia. Pode ser entao que o problema re- solvido pela resistencia dos costados passe a occupar-se das capacidades , que por si sO asseguram a duracao do servico. Para que um navio se conserve por maior numero de dias fora dos portos, € preciso que tenha maiores dimensoes , sendo forcoso olhar com mais attengao 4 relacao entre a des- peza exigida e o trabalho executado. Um navio de 225 me- tros de comprimento, como 0 Great-Eastern , nao queimaria mais do que uma gramma de carvao para transportar um peso dado com uma velocidade determinada, emquanto que um navio de 22,50 queimaria um kilogramma para cumprir igual commissao, Por outra, 0 navio pequeno nao podera conduzir combustivel mais do que para algumas horas de nave- gacao, e o grande leval-o-hia para muitos mezes. Assim aconteceria, como sonhava Mr. Brunel, com os gigantes dos mares. O effeito das revolucdes é gerarem-se umas as outras. Sejam quaes forem as que sobreviverem, proximas ou Te- motas, nossos vizinhos adaptar-lhes-hio seus meios de defesa por forma que hao de conservar suas vantagens. Acreditar que 0 cansarao com mudangas apparentes, e que o reduzirao MARINHA DE GUERRA. 95 a extremo pelas sorpresas e descobertas, é entreter uma com- pleta illusao. Um ponto ainda, sobre o qual parece que nao estao elles dispostos a ceder, 6 a proporgao de suas foreas. Querem que sua superioridade seja bem sensivel. Ha pouco contentavam-se coma differenca de um terco entre os seus € OS nossos armamentos ; elevaram esta differenca ao dobro. Sua intencao evidente é desenganar as potencias, que ten- larem elevar-se ao nivel delles: sua idéa fixa é serem e con- servarem-se 0s mais fortes, aconteca o que acontecer. De- vemos, ou podemos nds em Franca ter a mesma idéa fixa, e leval-a tao longe que um choque supremo della decida ? Convéem oppor a esta altiva pretencao outra pretencao equi- valente, e levantar aluva do desafio em termos igualmente absolutos? sel-o-hia, bem se sabe, o signal de convulsao, cuja violencia ou termo se nio poderia prever. Bem consi- derado tudo, a situacio dos dous imperios nao é a mesma. Emquanto que a Inglaterra nao tem portas , e nao corre risco senao pelo lado do mar, nds temos de operar ede guardar- | nos pelo lado do mar, e pelo da terra. Trahida pelo mar, esta a Inglaterra, se nao entregue, pelo menos desarmada ; nossa fortuna continental sobrevive aos desastres que o mar nos inflige ; nossas armas podem ter um theatro de menos, sem nada perder, como se tem visto, de seu brilho : segue- se dahi que os nossos esforcos sao divididos, emquanto que os de Inglaterra 0 nao sao: a marinha é para ella o principal elemento, e para nds é um accessorio, ainda que muito im- portante. Dous motivos tem para isso concorrido, as despezas que a armada impoe, e as susceplibilidades que ella des perta. Se nossos arsenaes sao a séde de uma actividade , este duplo obstaculo reapparece. Por um lado , as despezas nio podem ultrapassar os limites, que lhe s’o mareados pela boa ordem das nossas finangas; por outro, logo que nossos armamentos augmentam , as desconfiangas estao em campo: 96 REVISTA BRAZILEIRA. por pouco que fagamos, entende-se que temos feito muito. Nossa marinha vé-se desde logo collocada na mais embara- cante das alternativas; estacionaria, abdica; movendosse , faz sombra: por sua honra nao péde collocar-se em qualquer dos dous casos sem promover represalias. Assim se explica 0 regimen sob o qual a conservam ha quarenta annos, em que tem ella sido, passo a passo, lancada e contida , segundo as circumstancias supervenientes. E chegado o tempo de dar 4 instituigao mais fixidade, e de conceder-lhe em bem da nossa defesa, o favor que ella merece, e a posigao que deve ter. Uma ultima reflexao se apresenta. E’ um axioma aceito que, para afastar a guerra € 0 meio mais seguro 0 preparar- se para ella. Neste caso nao teria 0 mundo jamais tantas razoes como agora para contar com um longo repouso. De todos os lados voltou-se a actividade para os armamentos. Nos estaleiros, nas fundicdes, nos arsenaes, milhares de bracos forjam instrumentos de batalha; cobrem-se as costas de entrincheiramentos ; as guarnicdes dos navios acham-se no seu estado completo; succedem-se as invengdes para augmentar a energia da destruic¢ao. Sera preciso assistir com confianca a este espectaculo, e ver nelle uma garantia de se- curanca? A duvida é, pelo menos, permittida. Esta febre de preparalivos impOe aos paizes que a soffrem encargos bas- tante pesados: seja qual for a resignacao com que os sup- portam, @ forcoso que cesse este estado de cousas. Pode ser que , observando-os de perto, se venha a conhecer que a paz assim comprehendida é menos um beneficio do que um sacrificio ; e que, em todo caso, vale mais a guerra como inedida de economia, e como meio de liquidagao. Eis até aonde podem chegar despezas sempre crescentes, e arma- mentos levados ao excesso! Tenham-se os governos em guarda contra este trabalho dos espiritos : depois de terem arrastado a opiniao, € possivel que, a seu turno, a opiniao MARINHA DE- GUERRA. 97 6$ arraste, e que nado fiquem mais dominadores destes movi- mento e gosto militares, por lhes nao terem melhor regulado a marcha, e vigiado mais attentamente seus principios. (Revue des Deux Mondes.— Lovis REYBAUD.) x Ss * Observacoes. De muito bom grado damos publicidade ao precédenite -artigo, cuja materia offerece uma licao proveitosa aos paizes, que se acham nas condicdes de manter uma forga naval efficiente, em relacao com as necessidades da defensa do proprio territorio, e da proteccio devida ao seu commercio maritimo. - Pelo que respeita ao Brazil especialmente , reconhecerao ahi os homens competentes, que a actual organisacao da nossa marinha de guerra participa dos principaes defeitos da marinha franceza, notados pelo autor do artigo (o muito distincto escriptor Mr. Reyband), além de outros que lhe sao peculiares. E foi sem duvida, no intuito de chamar a atten- cao do governo brazileiro para esse objecto de vital inte- resse para o Estado, que o distincto e benemerito general da nossa armada, o Sr. conselheiro Joaquim José Ignacio , julgou conveniente reproduzir aquelle artigo na Revista Bra- zileira, encarregando-se de o traduzir em lingua vulgar. Com effeito as necessidades do paiz reclamam serios cui- dados da parte do governo brazileiro, a bem de uma organi- sacao mais racional da nossa forga naval ; dando-lhe o desen- volvimento preciso, e elevando os servicos importantes, que ella é chamada a prestar, @ categoria que lhes compete , em R. B. I ae 7 98 REVISTA BRAZILEIRA. um paiz destinado, pela sua posicao geographica, a figurar desde ja entre as potencias maritimas do mundo. Os nossos conterraneos Norte-Americanos nao contavam — ainda 10 milhdes de habitantes, como incontestavelmente possue hoje o Brazil, e ja faziam respeitar em todos os mares o Pavilhao Estrellado; sem que por outra parte se avanta- jassem ao nosso paiz nos recursos, e condigdes necessarias, para chegarem a esse resultado. Nao é, em nosso entender, mais avullada verba do orga- mento, na parte concernente ao servico naval, que dard 4 nossa marinha de guerra a importancia de que ainda carece: mas sim uma organisacao simplificada, e efficiente nesse ramo da administracao geral; e sobretudo uma di- reccao intelligente na especialidade desse servigo, cuja acgao se fortifique como tempo, mediante a estabilidade de um pensamento regulador, sempre attento, e competentemente esclarecido. C. 2: MARINHA DE GUERRA. 99 Apontamentos justifieativos do naufragio da eorveta nacional — D, Isabel. A 18 de Novembro passado, no Estreito de Gibraltar , reinava o vento peloSO., fresco ao principio, e augmen- tando gradualmente de intensidade, até tornar-se temporal. O mar Jevantava 4 medida que o vento crescia. Navegava-se com amura a BB. sobre a costa de Hespanha. A cerracao era fortissima ; 0 horizonte estava ao pé do navio. Emquanto o vento permittiu puxar, fez a corveta forca de vela, bordejando para barlavento com reconhecida van- tagem; e montou o Cabo de Trafalgar, o que nenhuma das embarcacdes em vista, que eram, parece que, quatorze, nao puderam obter. Conforme o vento crescia, assim ia-se diminuindo de panno, ate ficar em gaveas nos 3°s PP. FF. O mar tornara-se disforme: 0 apparelho fixo, e o de laborar, arrebentavam successivamente ; a mastreagao ameacava nao aguentar a vela, e ir por sotavento fora. Por duas vezes rasgaram-se as gaveas pelas testas, e outras tantas foram substituidas , sendo a ultima andaina nova aca- bada da agulha. ; Escasseando o vento, virou-se de bordo, amura a EB., sobre a costa d’Africa, que melhor bordada dava. _ Cresciam tempo, mar, e cerracao: a operacao do prume era perigosa e incerta: perigosa, porque os prumadores fi- cayam expostos terrivelmente ao mar; e incerta, porque nao era possivel collocar 0 navio na immobilidade indispensavel para lancar a sonda. Ao meio dia de 14 tivera-se uma muito duvidosa altura meridiana do sol: 0 ponto della deduzido, quer em latitade, quer em longitude chronometrica , nao podia merecer con- 400 REVISTA BRAZILEIRA. fianca. Combinado o resultado das prumadas. a qualidade do fundo por ellas revelada, e 0 ponto estimado sob funda- mentos tao desarrazoados, mas unicos elementos de calculo , que as circumstancias forneciam ; levada em conta a direcgao e velocidade da corrente, que devia suppdr-se ao NE., 0 ponto estimado combinava. é Dous conselhos de officiaes, convocados um apos outro , iduziram o commandante a arribar, ds 8 horas da noite, ao porto mais proximo e mais seguro, Deveria suppdér-se elle, pouco mais ou menos, na Lat. N. 35° 40°, e na Long. Q. de Ger. 6° 30!. Correndo, como mandou, a ESE. dagulha, faria o rumo verdadeiro de E., ou E4 NE., e mesmo ENE., attendendo 4 corrente, com o que embocava o Estreito , e poderia avistar phardes do lado da Europa. A catastrophe succedida, quasi uma hora depois, prova que a corveta estava mais ensacada para a costa d’Africa. Se nao fora a grande cerracio, a terra estaria em vista , e com uma guinada de duas ou tres quartas para o N., que o vento periittia dar, ter-se-hia evitado o Cabo Spartel, e a perda da gloriosa corveta. Os roteiros e cartas, que consultei, dao por limpa nestas paragens a costa do lado WAfrica , 0 que nao acontece a da Hespanha. O bordo d’Africa era, pois. nio sé o mais largo, segundo o vento reinante, como 0 mais aproveitavel , por poder-se despejar, com menos perigo, em proximidade da terra. Tres arbitrios se offereciain nesta navegacao — Capear — puxar com toda a for¢a — correr. . Capear, em um logar estreilo, de correntes variaveis, de tanta concurrencia de navios, era erro crasso, cuja menos funesta consequencia seria o effeilo de alguma abal- roacao. - MARINHA DE GUERRA. 104 Puxar com toda a forga € 0 que se fez, emquanto se pode: mas corria-se ja risco de ficar raso, ou sossobrar. For¢oso era pois correr. Correr era a unica esperanga de salvacao ; esperanca que se verificaria, se coubesse na sciencia humana conhecer exactamente sua posicao em circumstancias quaes as da corveta Isabel em 11 de Novembro. E, comtudo, a perda em uma Costa traz a idéa da salvacao, ao passo que de um navio sossobrado, raro ¢ salvar-se um homem, quando tem isto logar longe da terra, e em temporal. O illustre marinheiro que commandava a Isabel portou-se como devia: sé néo péde fazer 0 impossivel ! 26 de Dezembro de 1860. * rae x Julgamos que, em seguida a estes importantes aponta- mentos, serdo Jidas com particular interesse as informagdes que abaixo transcrevemos, sobre a tempestade de que foi victima a corveta D. Isabel , extrahidas do Moniteur Universel de 24 de Novembro de 1860. G2 B. 50; « Un rapport du capitaine Lavallee , commandant le stea- mer frangais Ville de Paris, arrivé @’Espagne et de Portugal 4 St. Nazaire, fait mention, dans le passage suivant, des effets d'une tempéte devant le port de Cadix. Pendant les journées du 10 el du 11 Novembre, une vio- lente tempéte a constamment regné, et toute communication a été interdite avec la rade. Les petils bateaux a vapeur qui font le service de Cadix ao chemin de fer de Séville, qui arri- vent de lautre coté dela baie, n’ont pu continuer leurs services. 102 REVISTA BRAZILEIRA. is Les poteaux du télégraphe ont été renversés, et les fils brisés. Enfin, le 10, a dix heures du soir, une espece de trombe étant passée sur la rade, trois petits navires, dont une goelette d’au moins 100 tonneaux, guise trouvaient a petite distance de mon navire, ont chaviré la quille en Pair... Le 12, a huit heures du matin, le temps s’étant amélioré, Jai quitté Cadix et fait route pour Lisbonne, ov je suis arrive le 44 4 dix heures du matin. » (Courrier du Havre.) a a ‘ CHRONOLOGIA ® Calendario. fPxtrahido da — Astronomia Popular — de Mr. F. Arago.) 0 Calendario nio tem sido até o presente explicado com o preciso desenvolvimento, ¢ a necessaria clareza. Nos e8- criptos dos meus antecessores sobre esta materia tem-se deixado inteiramente de parte um grande numero de ques- tdes interessantes ; diversos pontos sao em verdade ahi tra- tados com notayvel superioridade, mas, seja-me permittido dizer, por Maneira que excede a comprehensao daquelles que nao possuem conhecimentos mathematicos. E meu in- tuito supprir aqui essa lacuna, reunindo a abreviada indi- cacao dos differentes methodos usados entre os antigos, ¢ modernos, na computacao do tempo. Apezar de hayer eu posto todo o cuidado em evilar as inexactiddes, que receiava commetter , tratando uma ques- tio que exigia o concurso de indagagdes scientificas e his- toricas, e de um certo cabedal de erudic¢io; nao obstante haver eu bebido nas melhores fontes, como sejam — Cla- vius, Gassendi, Blondel , Delambre, Daunou, etc., nao posso 404 EVISTA BRAZILEIRA. om todavia lisongear-me de que alguns erros, mais ou menos graves, se nao encontrem neste meu trabalho. Minha unica pretencao é esclarecer mais um objecto, de que os astro- nomos de profissao se occupavam com repugnancia, em razao dasua complicacao. Ainda uma palavra antes de entrar em materia. Le Bourgeois gentilhomme , na comedia de Moliére, queria que o seu mestre de philosophia lhe ensinasse o almanak. Era isso, no meu entender, um desejo muito razoayel: e quem quer que fizesse disso objecto de escarneo se acharia bem embaracado, se lhe fizessem sobre essa materia cates questdes, mesmo das mais elementares. Mas deve-se conyir, que Mr. Jourdain se enganaya gran- demente, suppondo que as licdes que elle pedia ao seu mestre eram faceis, e simples. Com effeito a explicacao do almanak entende com os pontos inais difficeis, e de- licados da sciencia, e da erudicao: e o leitor vai ajuizar por si mesmo. Il. DEFINIGOES, Almanak — vem da palavra man, que significa Lua, entre os Orientaes. jus Calendario designa uma colleccao de preceitos, ou de taboas, Nas quaes as subdivisdes do tempo sao conside- radas nas suas relacdes naturaes, ou convencionaes, - de posigao e de grandeza. A palavra Calendario vem do termo calendas, pelo qual- os Romanos designavam o primeiro dia de cada um dos seus mezes. Tem-se pretendido derivar a palavra calendas do verbo. grego caled, que significa chamar, visto que no primeira “tree a ee a CHRONOLOG IA. 105 dia de cada mez o povo de Roma era convocado para reunir-se em assembléa geral. Os Gregos nao faziam uso das calendas na sua divis’o do anno: e dahi vem a ex- pressao proverbial remetter para as calendas gregas ; isto é, desembaracar-se de alguem por meio de uma promessa illusoria. Os phenomenos astronomicos da rolagio da terra ao re- dor do seu eixo, ec do seu movimento de translacdo em torno do sol, induziram todos os povos a adoptarem as -divisdes do tempo em dias, e annos, Havendo nds dado precedentemente as precisas nocdes astronomicas, para de- terminar com exactidaio0 — as horas, minutos, e segundos — os dias syderaes, ¢ solares — 0 anno syderal, e tropico — € 0 tempo medio, com aregulacao dos chronometros; pas- saremos agora a tratar da semana, dos mezes, dos annos , dos seculos, e das éras entre os differentes povos conhe- cidos. Estas divisdes do tempo tém por fim indicar de uma maneira precisa, e commoda a época dos acontecimentos : o dia do mez, eo numero ordinal do anno, sao empre- gados para recordar os factos da vida civil, e da historia dos povos. Tem-se procurado fazer concordar esses ele- mentos. com a successio periodica das estagdes; e geral- mente sao elles regulados pelos movimentos apparenies do sol. III. A SEMANA. Goguet, adoptando sem reserva as opinides — de Philon , de José, e de S. Clemente de Alexandria — pretendeu sus- tentar que o periodo de sete dias esteve em uso entre todos os povos da antiguidade. Outros, como seja Costard , 106 - REVISTA BRAZILEIRA. tém sustenlado ao contrario, que unicamente os Judeus fizeram uso da semana nesses remotos tempos. Ha porem alguns escriptores , entre os quaes figura Daunou, que accordemente contestam essas duas opinides extremas. Segundo estes a semana foi empregada, como divisao do tempo, entre os Chins, os Judeus, os Egypcios, os Chaldeus, e os Arabes. Por outra parte a instituigao dessa pratica lhes parece ter sido desconhecida na Persia, na Grecia, em Roma, e em Carthago, etc. E tal € presentemente a opiniao mais geralmente aceita sobre este assumpto. Presume-se , que 0 uso da semana s6 penetrou na Grecia, e no Occidente , cerca do terceiro seculo da éra christaa. Seria levar muito longe o scepticismo. para nao reco- nhecer em os nomes que, em differentes nacdes, designam os dias de que se compde a semana, os vocabulos ( modi- ficados , ou corrompidos pelo uso) pelos quaes na antiga as- tronomia, eram designados os sete Planetas do nosso sys- tema. Examinemos cada um desses nomes, e todas as du- vidas desapparecerao a tal respeito. Tomem-se primeiramente os nomes dos dias da semana nos dialectos do Meio-dia da Franca: e ter-se-ha por sua ordem di-luns, di-mars, di-mercres, di-jous, di-vendres, di-sate, di-menge. A origem dos seis primeiros nomes e bem manifesta: e quanto ao setimo, vem elle de dies dominica, de que os nossos antepassados fizeram ( segundo os elymologistas) do- mingue , depois dominche, dimenche, e emfim dimanche. No Calendario inglez o domingo conservou o nome do Sol (sunday), o segundo dia ten o nome da Lua {monday ); na designacao dos quatro dias seguinles, os nomes das di- . CHRONOLOGIA. 107 vindades septentrionaes prevaleceram aos das divindades gregas ; voltando depois 4 mythologia dos povos meridionaes na designacao de setimo dia — sabbado (saturday }, dia de Saturno. Segundo Dion Cassius (consul, no anno 229) estas de- nominagoes tiram a sua origem de uma pratica geralmente seguida entre os Egypcios: isto é, consagravam estes povos as 24 horas do dia aos sete Planetas, succedendo-se estes em uma ordem invariavel, de modo que o Planeta que presidia a primeira hora dava 0 seu nome ao dia inteiro. Ora a ordem natural que guardavam entre si os sete Pla- netas , segundo os conhecimentos astronomicos desses tempos , era a das suas revolucdes apparentes, a qual se considerava ser amesma das respectivas distancias em relacdo a Terra: a saber : Saturno, Jupiter, Marte, Sol. Venus, Mercurio, Lua, sendo a Luao Planeta mais proximo da Terra, e Saturnoo mais afastado della. Tomando nesta serie o Planeta Saturno para presidir 4 primeira hora do dia, e seguindo a indicacaio de Dion Cassius, vira Jupiter presidir 4 2* hora, Marte 4 3", Sol 4 42, Venus a 5*, Mercurio 4 6°, Lua a 7, Saturno a 8°, Jupiter a9*, etc. ; repetindo assim a serie dos Planetas até se preen- cherem as 24 horas, achar-se-ha que 4 Marte corresponde a ultima hora do dia: cabendo por conseguinte ao Sol presidir 4 4* hora do dia seguinte. E facil de ver por simples computacao, que, tomando para ponto de partida o termo da serie representado pelo Sol, correspondera ainda a este Planeta a 22° hora do dia, como se viu precedentemente a respeito de Saturno ;a 23" 4 Venus, e a 244 4 Mercurio : -devendo por conseguinte presidir a Lua 4 4* hora do dia seguinte. 108 REVISTA BRAZILEIRA, Procedendo por este modo, até o ultimo termo da serie dos Planetas, vira uma nova serie, formada dos mesmes Planetas , dispostos na mesma ordem em que se succedem os dias da semana ; a saber : Saturno (Sabbado), Sol (Domingo), Lua (2* f), Marte (3° f*), Mercurio (4 (*), Jupiter (52 f*), Venus (6° f@). Assim o periodo de tempo denominado semana , longe de ser uma creacao arbilraria, parece inteiramente ligado ao systema de astronomia, que yogava nos tempos da sua ins- tituicao. Qual é o dia da semana que deve ser contado como o 4° na ordem dos sete, de que ella se compde? _E esta uma questao suscitada muitas vezes na sociedade, para cuja solucaéo nao serao inuteis as reflexdes seguintes. © mundo, segundo o texto do Genesis, foi creado no es- paco de seis dias, descansando Deos no setimo dia. Aquelles pois, que assemelhando os sete dias da semana aos sete dias da creacao do mundo, observam que entre todos os poyos christaos € o Domingo 0 dia de descanso, devem julgar-se autorisados para considera-lo como o setino dia da semana, — sendo por conseguinte a segunda-feira o primetro dia. Mas sera concludente semelhante argumentacao? Sendo de guarda para os Judeus 0 sabbado , dir-se-hia com mais fundamento, que é esse o diade repouso de que fallam O08 livros sagrados. Pondo agora de parle qualquer hypothese sobre este ponto , é evidente , que o dia designado como primeiro, ou o ultimo da semana , so podem ser determinados por uma convengao explicila. Ora consultando o Diccionario da Academia { nada tendo a astronomia com esta questao ) acha-se o Domingo designado como 0 primeiro dia da semana. Em Franca esta 0 problema resolyido por esta decisao, Na Allemanha 0 uso ke 2 ee ee ee CHRONOLOGIA. , 109 tem consagrado a mesma pratica, visto que a quarta-feira se chama mitfwoch em allemao , que significa 0 meto da semana. Os nomes dos dias da semana em cinco das linguas mais conhecidas sao os seguintes : | FRANCEZ ITALIANO | HESPANHOL |PORTUGUEZ (*) INGLEZ | ! | | Domenico Domingo Domingo Sunday | Lundi Lunedi _ Lunes Seyund.-feira) Monday Mardi Martedi | Martes Terca-feira Tuesday | | } | | { | Mercredi Mercoledi ' Miercoles Quarta-feira | Wednesday A ’ Jeudi Giovedi | Jueves Quinta-feira | Thursday Vandredi Venerdi | Viernes Sexta-feira Friday ‘Samedi —_|,_ Sabbato | Sabbado Sabbado Saturday iY’. MEZES. No intuito de auxiliar a memoria imaginaram-se os dif- ferentes grupos compostos de dias, que tomaram as denomi- nacdes de semana , mez, € anno. E provavel que a revolucao periodica da Lua tenba sugge- rido a primeira idéa da subdivisio do anno em mezes. (*) A notavel discrepancia que apresenta a lingua portugueza, na denominagdo dos dias da semana, principalmente em relacio as linguas italiana e hespanhola, em um objecto de uso eminentemente popular, é, em nosso entender, um forle indicio, senao mesmo um facto demonstrativo, da originalidade daquella lingua : como ja o fizera conhe- ‘cer O muito distincto litterato Fr. Francisco de S$. Luiz (depois Patriarcha de Lisboa), ndo obstante a grande autoridade de Camées, que lhe achara a filiacio no Latium. Tao pouco deriva ella do hespanhol, differindo tanto as duas linguas, no genio que as earacterisa, quanto os primilivos Lusitanos se estremayio de todas as racas comprehen- didas naPeninsula [herica, GB: 0, / 110 REVISTA BRAZILEIRA. Neste assumpto os etymologistas , e a arithmetica conduzem a0 mesmo resultado. Com effeito em grego méné, e men, significam Lua , e mez : e néomenia, Lua Nova. ou =_—_ dia do mez. A antiga relacao entre as denominacodes da Lua, e do mez, torna-se manifesta na lingua ingleza , na qual moon significa Lua , e month significa mez. O tempo que decorre entre duas Luas Novas successivas , ou dous pleni-lunios, o qual representa a revolucao samen da Lua, ¢ proximamente igual a 29.5 dias. Romulus instituiu um periodo de dez mezes, findoo qual repetiao-se 0s mezes na mesma ordem. O primeiro desses dez mezes chamava-se Mars, nome da divindade de que Romulus pretendia descender. O nome dosegundo, Aprilis, tem uma origem mais incerta: segundo Ovidio, vem elle, por corrupeao , da palavra Aphro- dite, um dos nomes dados a Venus. O terceiro mez, Maius, foi consagrado a Maia, mai de Mercurio. O qnarto mez, Junius, por abreviacio de Junonius, era semelhantemente consagrado a essa divindade. Os nomes dos outros seis mezes reslantes exprimiam simplesmente a ordem em que se succediam , a saber : Quintilis (quinto), Sextilis (sexto), September (setimo), October (oitavo), November (nono), December (decimo). Numa accrescentou depois mais dous mezes aos dez de Romulus ; um dos quaes tomou o nome de Januarius, deri- vado de Janus: o outro mez, Februarius, vem, segundo Cagnoli, de Februo, odeos dos mortos, ao qual fora aquelle mez consagrado. Os mezes romanos passaram para 0 nosso uso; sendo por eo ee te ee ee ee oh ee OTe gee MOF Ge et : CHRONOLOGIA. 444 isso indispensavel considera-los na sua origem, e ver como tém sido elles modificados. _Censorin diz, segundo o testemunho de Varrao, e de Sue- tonio (e pudera accrescentar 4 estes 0 de Ovidio), que primi- tivamente havia somente os dez mezes de que fizemos men- ¢ao acima; comprehendendo os mezesMars, Maius, Quintilis € October 31 dias; e os restantes 30 dias cada um. Era entio 0 anno romamo composto somente de 304 dias. Numa, ou Tarquinio (os eruditos deixam indeciso qual desses dous reis fizera a modificacdo), ajuntou 54 dias ao anno de Romulus, os quaes serviram para formar os dous novos mezes; elevaido-se o anno a 355 dias. Os 54 dias accrescentados assim nao eram sufticientes para dar aos dous mezes novos um comprimento pouco diffe- rente daquelle, que fora assignado aos dez mezes primitivos ; € corrigiu-se esle defeito, tirando um dia a cada um dos mezes de 30 dias, sem alterar os quatros maiores de 34 dias. Os 6 dias assim obtidos, juntos aos 54, formaram o total de 57 dias, os quaes foram repartidos entre os mezes de Janeiro, @ Fevereiro. cabendo ao primeira 29 dias, e 28 somente ao segundo. Seja-nos permittido dizer alguma cousa sobre o que offe- rece de estranho semelhante arranjo. Os Gregos computavam o tempo por periodos de 354 dias : ajuntando 50 dias aos 304 do anno de Romulus, se formaria aquelle periodo. Ajuntaram-se 51 dias por supersticao, afim de que-o novo anno nao comprehendesse um numero par de dias, pela persuasao de serem os numeros impares mais agra- daveis aos deoses. Foi esse mesmo motivo que determinou a extravyagante reparticao dos dias entre os 12 mezes: ficando 4com 31 dias, 7 com 29, e cabendo ao mez de Fevereiro sé- mente 28, 0 qual, além de ser o mais curto, tinha em si o grave defeito de compor-se de um numero par de dias, 442 REVISTA BRAZILEIRA. Eis aqui, observa Daunon, 0 ryue valia a sabedoria romana nos tempos de Numa !° = Cada um dos mezes romanos dividia-se em tres secgdes desiguaes, separadas por dias designados com os nomes de C€alendas, Nonas, e Idos. As Calendas eram invariavelmente fixadas para 0 primeiro dia de cada mez; as Nonas verificavam-se nos dias 5, ou 7 do mesmo mez; € 0s Idos eram contados nos dias 13, ou 45. Os meninos de escola, tendo em particular aprego 0 Do- mingo, por ser 0 dia feriado, designam muitas vezes os dias da semana pelo numero dos que faltam para tocarem essa época almejada: assim dizem elles—estamos dous, tres, ou quatro dias longe do Domingo. Por modo semelhante contavam os Romanos os dias de cada mez; caracterisando cada dia pela distancia, em que se achava das épocas acima assignaladas ; a saber, immediatamente depois do dia das Calendas de um mez qualquer, as datas se referiam ao dia das Nonas, e di- zia-se sete, seis, cinco, etc., dias antes das Nonas: do dia seguinte ao das Nonas contava-se semelhantemente por Idos: e os dias emfim restantes depois dos Idos, referiam-se do mesmo modo as Calendas do mez seguinte. Assim os derradeiros dias do mez de Fevereiro chamavam- se 0 setimo, 0 sexto, 0 quinto, etc., dia antes das Calendas de Marco. Quando os Jdos cahiam no dia 13 do mez, contavam- se 17 dias antes das Calendas do mez seguinte. E conveniente consignar aqui uma observagio que fara sobresahir ainda mais a incrivel extravagancia desta Maneira de contar. O dia que precedia immediatamente ao das Nonas, Idos, e Calendas, chamava-se, como era de razao, a vespera das Nonas, a vespera dos Idos, a vespera das Calendas: mas, por uma singular aberracao da ordem numerica, a ante- vespera do dia das Nonas, dos Idos, ow das Calendas, nao ~~ % 9 —- ob: eee OR LF < oy, Zz t. & “ [ ; CHRONOLOGIA. 113 tomava o nome de segundo dia antes das Nonas, dos Idos, ou das Calendas; e era designado pelo ferceiro dia, prece- dendo a este 0 quarto dia, etc. Os Romanos reconhecérao, como os Egypcios, a necessi- dade { que em outro lugar se demonstrara) de recorrer ao emprego de mezes intercalares: e no periodo de cada dous annos se ajuntava aos 12 mezes ordinarios um mez supple- mentar, ao qual se deu o nome de Mercedonius (*). Por uma extravagancia quasi inexplicavel, 0 mez supplementar se intercalava entre o dia 23°, e 0 24° de Fevereiro: assim depois de 23 de Fevereiro, enumeravam-se o 1°, 2°, 3°, etc., do Mercedonius ; e depois de ter passado o ultimo dia deste mez, continuava-se a numeracao dos dias restantes de Fevereiro, dizendo 0 24°, 25°, 26°, 27°, 28.° V. ANNOS SOLARES. Os etymologistas concordao geralmente em considerar as pa- lavras—annus e annulus—como derivadas de uma fonte com- mum: yvé-se por exemplo em Macrobio annus traduzido por circuito do tempo. O tempo que emprega o Sol {no seu movimento appa- rente) a voltar ao mesmo equinoxio é 0 que se chama anno tropico, cuja duracao exacta, expressa em dias solares médios, é de 365°.242264, ou 3657 5" 48™ 51°.6. Chama-se anno syderal 0 tempo que o Sol emprega para (*) Mercedonius vem talvez de Mercedona, Deosa que presidia 4s mercadorias, € aos pagamentos ; visto que esse mez intercalar foi destinado para ajustar a conta entre o anno civil e 0 astronomico. GB." O. R. B. I, 8 114 REVISTA BRAZILEIRA. tornar 4 mesma estrella, cuja duracgio, expressa em dias médios solares, é de 365°.25637, ou 365° 6" 9" 10°.37. O anno syderal excede pois 0 anno tropico em 20" 48°.77. Esta differenca é devida ao movimento retrogrado dos equinoxios, a que se da 0 nome de Precessdao. O tempoque emprega o Sol, no seu movimento apparente em torno da Terra, para voltar exactamente ao mesmo ponto da sua orbita, 6 0 anno anomalistico, cuja duracao, expressa em dias médios solares, 6 de 365°.259709, ou 365° 6" 13" 58.8. Este anno é maior do que o anno syderal, em razao do movi- vimento directo dos elementos da orbita terrestre, devido 4 accao perturbadora dos outros planetas. Para intelligencia das explicacdes que vao seguir-se, bas- tara observar aqui, que 0 anno tropico (365".242264) encerra, na sua expressao numerica, uma fraccao do dia, a qual tem dado causa as discordancias do Calendario, e as reformacdes successivamente imaginadas neste objecto. E note-se desde ja, que exprimindo approximadamente a duragao do anno tropico por 365°.25, 365° 7, ou 365° 6", commette-se um erro de — 11” 8°.6 para mais. Vi ANNO ROMANO. O anno civil dos Romanos comprehendia, como ja se disse, 304 dias no reinado de Romulus: foi elevado por Numa a 355 dias, e depois 366 dias pela intercalacao do mez Merce- donius. Dahi nasceu um desacordo sempre crescente entre 0 ¢o- meco do anno civil e 0 do anno astronomico; nao obstante ter sido 0 mez Mercedonius instituido para remediar esse inconveniente. Reeorreu-se entao a um expediente precario, autorisando os Pontifices para assignarem ao mez infercalar 0 A’ CHRONOLOGIA. — 115 numero de dias que as circumstancias exigissem. A partir desse moimento foi convertido 0 Calendario em instramento de corrupeao, e de fraude. A este respeito nos diz Cicero, que os Pontifices, armados desse poder discricionario, prolongavam a duracao da ma- gistratura dos seus amigos, ou abreviavam o tempo da mesma para Os inimigos : que elles, aseu bel prazer, faziam abreviar, ou retardar 0 termo dos pagamentos; beneficiando desta sorte os rendeiros do fisco, ou aggravando os seus em- baracos. A ignorancia, a supersticao, e a fraude, haviam por tal ma- neira peiorado as cousas, que chegou-se a celebrar na prima- vera as festas do Outono, que tinham o nome de — Autum- nalia. VIL. REFORMAGAO JULIANA. Julio Cesar (sendo Pontifice) resolveu por termo as des- ordens, que vimos de assignalar, propondo-se estabelecer uma intercalacao regular, invariavel , e isenta do arbitrario, afim de as prevenir no futuro. Um astronomo egypcio (Sosigenes) (") 0 auxiliou nesse importante trabalho, do qual resultou 0 que ainda hoje se chama Reformacdao Juliana, em honra do seu autor Julio Cesar. A idéa de regular 0 anno civil sobre um periodo, que com- prehendesse um numero fraccionario de dias, devéra ser re- jeitada in limine pelo espirito eminentemente atilado de Cesar. Supponhamos com effeito que fosse 0 anno civil regulado sobre uma duracao de 365° +, e que um dado anno do noyo (") Sosigenes, astronomo distincto, foi levado do Egypto por Cesar, para o auxiliar na reforma do Calendario, mas era elle talvez grego, e nao egypcio. G. B. O, 146 REVISTA BRAZILEIRA. Calendario tivesse por origemo 4° dia de Janeiro 4 meia noite; 0 anno seguinte comecaria 4s 6 horas damanhaa, e 0 que succedesse a este ao meio-dia; esd findo o periodo de 4 annos se renovaria 0 comeco do anno a meia-noite. E inutil insistir sobre os inconvenientes que resultariam de comecar 0 anno com uma data variavel. Uma segunda condicao , 4 que era indispensavel satisfazer , para que Os annos se prestassem 4 uma facil conversao em dias, era que a intercalacao se operasse de uma maneira regular, e simples: e pdde-se affirmar que esta condicgao fora bem preenchida no Calendario Juliano. No intuito de reparar o mal causado pelo comprimento defeituoso assignado ao mez Mercedonius, e as praticas vi- ciosas estabelecidas pelos Pontifices, Cesar fixou parao anno 708 da fundacao de Roma uma duracao de 445 dias, a qual se formou, reunindo ao anno ordinario um Mercedonius de 23 dias, e mais dous mezes intercalares, um de 33 dias,eo outro de 34, os quaes foram collocados entre Novembro e Dezembro. O anno em que se operou esta reforma chamou-se 0 anno da confusao: ¢ 0 quadragesimo-sexto antes da éra christaa. A reformacao Juliana fixou 0 comprimento do anno astro- nomico em 365°.25: 0 mez supplementar Mercedonius des- appareceu do Calendario, sendo os dias de que elle se com- punha distribuidos pelos mezes ordinarios , de modo a chocar 0 menos possivel as idéas , e prejuizos dos Romanos. Assim 0 mez de Fevereiro conservou Os seus 28 dias ; pois que julgar- se-hia comprometter a seguranca do Estado , dando-se-lhe 30. Sete mezes foram elevados 4 dignidade de menses majores , comprehendendo 31 dias: sendo de 30 dias os mezes de Abril, Junho, Setembro , e Novembro. Depois que Julio Cesar reformou o Calendario, Marco Antonio , entao Consul, no intuito de perpetuar tao grande CHRONOLOGIA. 1417 beneficio, fez decretar que 0 mez Quintilis, em que nascéra Cesar, tomasse 0 nome de Julius (Julho). Mais tarde {no anno 730 de Roma) o Senado decidiu, como nos informa Macrobio, que, em recompensa dos valiosos servicos que Augusto prestara ao Imperio durante o mez Seztilis, se chamasse elle Augustus { Agosto). Estas duas mudancas de nome foram aceitas universal- mente: e dahi nasceram as tentativas que fizeram Tiberio, Claudio, Nero, e Domiciano , para inscreverem Os seus homes no Calendario: mas felizmente para 0 mundo, nao teve elle de passar por essa ignominia. Julio Cesar e Sosigenes collocaram o dia complementar no mez de Fevereiro. Mas essa ousadia nao foi tao grande como parece a primeira vista ; esse mez infeliz , esse mez par, conservou 0 seu antigo caracter; porquanto em logar de o elevar a 29 dias, nos annos de intercalacao, conservaram- se-lhe apparentemente 0s seus primitivos 28 dias , proceden- do-se a tal respeito do seguinte modo. Havia no mez de Fevereiro um sexto(’) dia antes das Calen- das de Margo, que era designado por sexto Calendas , no qual se celebrava a festa do regifugius ("), instituida para comme- morar a expulsao de Tarquinio: é entre esse dia e 0 da Ves- pera, que se intercalou um dia, com o nome de bisexto Calen- das, donde vem 0 nome de bisexto dado ao anno de366 dias. Esta notavel transformacao verificou-se 45 annos antes do nascimento de Christo, segundo a maneira de contar dos -astronomos, e um anno apenas antes da morte de Cesar. Os Pontifices successores de Cesar foram incumbidos de presidir 4 execucao da reforma por elle feita: mas commetteram (*) Este diadeve ser 0 guinto, segundo 0 modo de contar dos Romanos. (**) Regifugius, ou Fugalia, eram festas inslituidas para commemorar a expulsao dos reis , ou a extincgao da realeza. Cc. B. O. 118 REVISTA BRAZILEIRA. esses Pontifices o engano singular de considerarem cada anno bisexto decorrido como fazendo parte dos quatro annos em que se tinha de contar o seguinte bisexto: de sorte que os annos bisextos repetiam-se de {res em tres annos, e nao de quatro em quatro, como o exigia 0 prinzipio sobre que se haseara areforma do Calendario. E em verdade digno de notar-se , que essas graves perso- nagens, que nao teriam hesilado em predizer o futuro, con- sultando 0 vo, ou as entranhas das victimas degoladas pelo sacrificador, nao tivessem comprehendido , que era indispen- savel multiplicar (+) por 4 para ter (1)! Este erro commettido na applicacao da reforma Juliana durou 36 annos; até que Augusto remediou esse mal, supprimindo daquelle periodo OS annos bisextos , que tinham sido contados de mais. VILL. REFORMAGAO GREGORIANA. 0 Concilio de Nicéa , no anno 325, julgava que o Calen- dario Juliano indicava uma época invariavel, em que se verificasse annualmente 0 equinoxio da Primavera, a saber, 0 dia 24 de Marco. A duracao do anno solar tomado para base da reforma Juliana é de 365°.25, quando sabe-se presentemente com mais exactidao, que o comprimento do anno tropico é de 365°.242264. Vejamos o que podia resultar dessa differenca, relativa- mente 4 posicao occupada pelo Sol em uma época dada, a 24 de Marco por exemplo. Se o equinoxio teve logar pela primeira vez no dia 21 de Marco de um anno Juliano , esse phenomeno se verificara no anno seguinte um pouco mais cedo, de uma fraceao de dia, CHRONOLOGIA. 1419 igual adifferenga que existe entre 0 * 250000 e 0 * 242264 , a saber, 11" 8°6. Esta differenca, comquanto pequena seja, accumulando-se no fim de cada um dos annos successivos, chegara a representar dias inteiros. A temperatura que se experimentou na primeira coincidencia do equinoxio com o dia 21 de Marco se verificaraé successivamente nos dias 20, 19,18, etc., de Marco. Por effeito da progressiva accumu- lagao dessa differenga, ja 0 equinoxio nu seculo xv anteci- pava-se notavelmente a data que lhe havia assignado 0 ce- lebre concilio. . Convinha por um terino ao crescimento desse erro, porque de outra sorte elle collocaria em pleno inverno uma festividade (a Pascoa), cuja celebragao, segundo o rilto da Igreja, devia constantemente seguir-se depois de 21 de Marco, e nao passar alem de 25 de Abril. Retocar novamente o systema da intercalacao Juliana era 0 unico meio para chegar-se a esse resultado. Este meio havia ja sido proposto pelo Cardeal Pedro d’Allhy a0 Concilio de Constan¢a, e ao Papa Joao xxi, desde 0 anno. de 1444. Por essa mesma época o Cardeal Cusa escreveu sobre & materia: e anteriormente Rogerio Bacon tinha apresen- _tado uma proposi¢ao formal sobre este objecto. O Concilio de Trento, ao separar-se no anno de 1563, recommendou expressamente ao Papa a execucao dessa re- forma; a qual foi operada finalmente por Gregorio xi, no anno de 1582, com o auxilo de um sabio da Calabria, cha- mado Lilio. Digamos ainda mais um vez, o fim da reforma em questao devia ser 0 ajustamento do anno civil com o comprimento do anno astronomico, de tal sorte que os dias da mesma deno- minacao correspondessem, termo medio, as mesmas tempe- raturas thermometricas ; e que os trabalhos da agricultura se regulassem sempre pelas datas indicadas no anno civil. 420 REVISTA BRAZILEIRA. _A intercalagao Juliana, fundada sobre uma duracao do . anno astronomico maior do que a verdadeira, devéra neces- sariamente comprehender um numero demasiado de annos bisextos, passados alguns seculos. Supprimir 0 numero exces- sivo dos annos bisextos por um modo regular, no intuito de approximar-se do anno solar, tal devia ser, e foi com effeito, o resultado da Reforma Gregoriana. No Calendario Juliano, todo 0 anno, cujo millesimo (ex- pressao numerica da epoca) é divisivel por (4) sera biseaxto. Os annos seculares 1600, 1700, 1800, 1900, sa’o por conseguinte bisextos, visto que qualquer numero que ter- mina por dous zeros é divisivel por (4). Imaginou-se primeiramente supprimir todos estes bisextos, masentao cahia-se no defeito contrario, isto é, o Calendario da Reforma Gregoriana nao comprehenderia o numero preciso de annos bisextos. Evitou-se este grave inconveniente , con- servando os bisextos, cujos millesimos sejao divisiveis por (4). Neste systema tres annos communs sao seguidos de um anno bisexto ;e tres annos seculares serao semelhantemente se- guidos de um anno secular bisexto. Assim nao differem entre si as intercalagdes Juliana, e Gregoriana, senao pelo que respeila aos annos seculares: 1600 é bisexto em ambos os systemas de intercalacao ; 1700, 1800, 1900, que sao bisextos no Calendario Juliano , deixam de sé-lo pela intercalacio Gregoriana; sendo bisexto em ambos os systemas 0 anno 2000, no qual se contaram 366 dias: e assim por diante. . Aregra a seguir-se, para saber se um anno secular é bi- séexto, ou nao, 6 muilo simples: separando as casas que, no seu millesimo , occupam os dous primeiros zeros, se 0 numero que fica for divisivel por (4) sera o anno secular bisexto; ou deixa de o ser na hypothese contraria. Vejamos agora com que grau de approximagao 0 compri- ' , a Oe, CHRONOLOGIA. 121 mento do anno, que suppoe a intercalacao Gregoriana, acom- panha o anno astronomico. Cem seculos, 10 millenarios , ou 10,000 annos compoem-se em realidade de 3,652,422°.64 ; e, segundo o Calendario Juliano, de 3,652,500 dias. Haveria portanto a differenca de 77°.36 entre a duracao real de 100 seculos, e aquella que suppde o Calendario Juliano. O primeiro pensamento que occorreu , como ja 0 dissemos, para fazer desapparecer essa differenca, foi supprimir os bi- sextos correspondentes 4 todos os annos seculares, ou cujo millesimo & composto de um numero redondo de seculos. Ora em 40,000 annos ou 100 seculos, ha 100 annos seculares: e subtrahindo 100 dias de 3,652,500°, ficariam 3,652,400 dias, numero que differe da duracio real de 10,000 annos 22°64 para menos. A suppressao pois de um bisexto, em cada um dos annos seculares , no Calendario Juliano, daria ainda uma differenca attendivel. No intuito de attenuar , quanto fosse possivel, esta segunda differenca, imaginou-se entao restabelecer, no fim de cada periodo, composto de 4 annos seculares, o bi- sexto, que fora supprimido de mais. Nesta hypothese devera supprimir-se de 3,652,500 dias, nao 100 dias, mas 100 menos ; de 100; istoé, 75": o que dara, para a duracao de 10,000 annos, 3,652,425. Havera:portanto, no fim de 100 seculos, ainda a differenca de 2".36 (-) entre o anno astro- nomico, e 0 que suppode a inlercalacao Gregoriana. Por outros termos, no fim de 10,000 annos a temperatura meédia correspondente a origem do periodo, contado do dia 21 de Marco, como acima se supp6z, se verificara a 18 desse (*) Esta differenca ficaria reduzida simplesmentea 04 64, substituindo a interca- lacdo Gregoriana de 95 dias por outra de 22 diassémente nos 100 seculos: a qual poderia eifectuar-se, seguindo o mesmo principio da intercalagao Juliana ligeiramenite modificado; a saber, conservando os annos Disextos nos periodos alternativos de 4 e de 5 seculos: 0 que é facil de verificar. Cc. B. O, {22 REVISTA BRAZILEIRA. mez, isto 6,2 a3 dias mais cedo. Os trabalhos da agricultura nao se achariam deslocados, depois de 100 seculos, senao do curto intervallo de 3 vezes 24 horas. A Reforma Gregoriana satisfaz portanto , com a axaisiana necessaria , a0 fim que se deve propér em qualquer systema de intercalacao. Ajuntaremos a isto que essa intercalacao esta sujeita 4 regras tio simples, que permittem sempre con- verter com extrema facilidade em dias qualquer duracao ex- pressa em annos Gregorianos. Em 1852, época em que teve execucao a Reforma Grego- riana, nao bastou ter acautelado o futuro, era ainda neces- sario por as cousas no estado em que ellas se achavam na epoca em que teve logar 0 Concilio de Nicea ; e como 0 equi- noxio, fixado em 24 de Marco pelos Prelados que formaram esse Concilio , se tinha antecipado 4 essa data, verificando-se no dia 44 de Marco (1852), foi decidido que se avangasse dez dias na computacao desse anno do Calendario Juliano, o que se fezsupprimindo 10 dias entre 4 de Outubro, dia de S, Fran- cisco, e 15 do mesmo mez, de modo que o dia 5 se chamou 45 de Outubro. Tal é a origem da differenca primitiva de 10 dias que por muito rempo existira entre as datas dos paizes onde a Reforma Gregoriana foi adoptada, e daquelles em que dominavam as communhdes Protestantes , ou estavam submettidos a religiao Grega. Esta differenca disltingue o antigo estylo do Calendario christao do novo estylo : conservou-se ella a mesma no anno secular de 1600, por ser esse anno bisexto em ambos os Ca- lendarios, Juliano e Gregoriano ; mas augmentou de um dia em 1700, ede outro mais em 1800, prefazendo 12 dias; e é estaa actual differenca entre as datas dos Russos ( que tém até o presente conservado o Calendario Juliano) e as dos outros povos da Europa. vi A 4 4 - © CHRONOLOGIA. 23 A reforma Gregoriana, nio obstante a sua manifesta con- veniencia , nio foi adoptada desde logo, e sem resistencia, , ainda mesmo em alguns paizes catholicos. Nos paizes pro- testantes , segundo a espirituosa observagao de um erudito — para nao estar de acordo com 0 Papa, preferiu-se ficar em desacordo com o Sol. Scaliger contribuiu muilo com seus escriptos, e por suas declamacdes mais ou menos fundadas , para impedir que os paizes nao catholicos adoptassem a nova reforma. Em Roma comecou a reformacao de (5 a 15) de Outubro de 1582, como jase disse. Em Franca de (10 220) de Dezembro do mesmo anno de 1582. - Na Allemanha, nos paizes catholicos, em 1584, por ins- tantes solicitacdes de Rodolpho Il: nos paizes protestantes , em 1600, de (19 de Fevereiro ao 1° de Margo). A Dinamarca, a Suecia, e a Suissa, seguiram 0 exemplo da Allemanha. Algumas povoacdes somente da Helvecia re- sistiram , sendo preciso, para reduzi-las, recorrer 4 commi- nacao de multas, e ao emprego da forca armada. A Polonia recebeu a reforma em 1586, apezar de uma se- dicio , que essa mudan¢a havia occasionado em Riga. A Inglaterra finalmente decidiu-se a adopta-la em 1752 (quasi dous seculos depois!), de (3a 44) de Setembro. A differenca entre os dous Calendarios era entao de 44 dias, por causa do anno secular 1700, que tinha sido bisexto no Calendario Juliano, e commum no estylo Gregoriano. IX. COMEGO DO ANNO CIVIL. As nacoes modernas, que regulam o tempo pelo anno solar, téin assignado cinco épocas differentes , para mmarcarem o comeco do anno civil; a saber : 424 REVISTA BRAZILEIRA. 42 — 25 de Dezembro, dia do nascimento de Christo. Qe — 4° de Janeiro. 38 — 1° de Marco. 4 —25 de Marco, dia da Assumpcao. 5@— O dia da festa de Pascoa (22 de Marco a 25 de Abril). - Citemos alguns exemplos. 1° dia do anno. Dia de Natal— em Franca, no tempo de Carlos M. 1° de Marco—em Frang¢a, no anno de 755. 25 de Marco —em Inglaterra, até o anno de 1752. em Fran¢a , sob a dynastia Capetiana , Dia de Pascoa —\‘e quasi geralmente usado no xi e xii Larite | actualmente entre todos os povos Ccivi- 1° de Janeiro — ears bias da Europa e da America. O mesmo acto legislativo que na Inglaterra substituiu 0 Ca- lendario Gregoriano ao Juliano encurtou de perto de; o comprimento do anno 1751 : este anno, como os que 0 pre- cederam, tinha comecado no dia 25 de Marco. Contando-se o anno 4752 do 1° de Janeiro, deixou de acabar 0 anno 1754 , supprimindo-se nelle os mezes de Janeiro , e Fevereiro , completos, e mais os primeiros 2% dias do mez de Margo. Esta circumstancia explica o facto de amotinar-se a populaga de Londres contra Lord Chesterfierd, promotor do Bill; bra- dando freneticamente —dai-nos os nossos tres mezes ! A pratica de fazer comecar o anno no dia de Pascoa tor- nava os annos desiguaes, a ponto de contarem-se dous mezes de Abril quasi inteiros dentro de um mesmo anno. Sirva de exemplo o anno 1347, 0 qual, tendo comegado no 1° de Abril, nio podia terminar senao na Pascoa seguinte, a qual cahiu no dia 20 de Abril. Esse anno portanto contou dous CHRONOLOGIA. 125 dias como nome de 1° de Abril, dous (2 de Abril) ....., dous (19 de Abril ) , dous ( 20 de Abril)! Os Gregos , depois de haverem adoptado 0 dia 25 de Marco para comeco do anno civil, voltaram 4 data do 41° de Se- tembro, seguida pelos Russos, até o reinado de Pedro-o- Grande , 0 qual transportou a origem do anno para o 1° de Janeiro (13 pelo novo estylo ). A Igreja repugnou por muito tempo tomar para origem do anno um dia que tem o nome de uma divindade pagaa (Janus). Por fim reconheceu-se geralmeule a vantagem de fazer co- megar 0 anno no 4° dia de Janeiro, na Franca, Italia, Hes- panha, Allemanha, Inglaterra, na America, ete. X. SECULO. ~O seculo & 0 maior periodo de annos, adoptado pelos povos, de accordo com os astronomos, para ser empregado na divisio do tempo. A palavra seculo nao tem tido sempre a mesma. signifi- cacao. Entre os Romanos distinguiam-se os seculos naturaes , em relagao com a vida humana, dos seculos civis. Os primeiros foram computados por diversos escriptores em 25, 30, 112, 116 annos (’). Plinio chamou seculo o periodo de 30 annos. Pelo que respeita aos seculos civis, nao foram elles reputados da mesma duracio em todos os escriptores : Horacio os avalia em 110 annos. (*) Os numeros 25 e 30 exprimem evidentemente a vida média de cada geracao: e os numeros 112 e 146 representao talvez a maxima longevidade des jndividuos pertencentes a uma mesma geracao. Segundo Newton exprimiao - estes numeros a reuniao de tres geracdes seguidas. Quanto ao numero 110 entra elle talvez na categoria das longevidades. c. B. OO. 126 REVISTA BRAZILEIRA; Presentemente , por um consentimento unanime, enten- de-se geralmente por seculo 0 periodo de 100 annos do Calendario. mH. ERAS, Ainda que a escolha das évas tenha sido raras vezes dictada pela astronomia, daremos aqui alguns detalhes sobre este objecto, visto que a palavra éra figura imevita- velmente em todos os Calendarios. A etymologia da palavra éra é muito controvertida: alguns autores a fazem derivar do grego, e outros do latim. Ha mesmo quem tenha achado a sua raiz na lingua arabe. Emfim tém-se querido descobrir nas letras que compoem a palavra @ra as iniciaes da formula—ab exordio regni Augusti. Era do Mundo. A idéa de fixar uma éra que coincidisse com a creacao do mundo, a qual dispensasse de recor- rer-se, pelo que respeifa aos acontecimentos antigos, a computacao de periodos ascendentes, era em verdade hem natural. Nasceu ella no seio da igreja christda, se nado nos tempos apostolicos, ao menos em uma data muito remota- Infelizmente o texto hebreu da Biblia, o texto samaritano, e aversao grega dos 70 offerecem variantes: e dahi vém as notaveis discordancias entre as supputagdes, ou antes con- cepgdes imaginarias daquelles que se tém occupado da fixacao desta era mundana; como se vai ver. Tomai Julio Africano; a éra do mundo, cha- mada Alexandrina, remontara, a partirda éra christaa, MO ANNO oem sie (ec arte tye tS ke Consultai o autor da éra chamada d’Antiochia, o CHRONOLOGIA. 497 monge Panodoro, e elle fixara 0 comeco do mundo Barer rss re oe, OE) Ti EI? LO ae ees A éra mundana dos Gregos, chamada de Constan- tinopla, corresponde a. . . . . 5509 Scaliger, por uma discussao roaiealae dns textos. e i. ge HRs ao eal alt ae eae ae Usserius a Son PIA «1155 4004 Este ultimo numero é 0 oe fora adeptade Dal Bossuet e Rollin. Nao levaremos mais longe esta enumeracao, na qual poderiamos apresentar mais de duzenfas maneiras de contar por annos do mundo. Era da fundagaio de Roma. Seguindo a opiniao de Varrao sobre um acontecimento, cuja data era de sua natureza muito incerta, os modernos tém geralmente concordado em admittir, que Roma tinha ja de existencia 753 annos, quando nasceu Christo. A nossa éra comecou portanto, nesta hypothese, no anno 754 de Roma. Era christia. Durante mais de cinco seculos os christaos nao tiveram uma era particular: a éra.christaa foi pro- posta pela primeira vez, em 532, por um monge da igreja romana, nascido na Scythia, e chamado Denys Pequeno , por causa da sua pequena estatura. Denys suppdz que o nascimento de Christo tivera lugar no dia 25 de Dezembro do anno de Roma 753: e 0 anno seguinte 754 se chamou da éra Dionisiana. Vé-se pois, que segundo as proprias idéas de Denys, a época do nas- cimento de Christo foi 7 dias antes do comeco do anno 754, isto 6, no anno 753. 428 REVISTA BRAZILEIRA. XII. DIVERSA MANEIRA POR QUE OS CHRONOLOGISTAS E OS ASTRONOMOS CONTAM OS ANNOS ANTERIORES A ERA CHRISTAA. . Os Chronologistas chamam 1 anno antes de J. C. o anno que precedeu immediatamente o primeiro da nossa éra: os astronomos 0 qvalificam de anno zéro. Oanno 2 antes de J. C., dos Chronologistas, @ 0 anno 4 dos astro- nomos, e assim por diante; havendo sempre entre essas computagodes a differenca constante de wm anno. Qual dessas duas maneiras de computar sera exacta? Nao é difficil, segundo pensamos, de mostrar que 0 modo de proceder dos astronomos, neste ponto, é 0 unico con- forme ds regras do bom senso, da logica, e da arithme- tica. A data da morte de J. C. 6 Marco do anno 33 da nossa éra; a data da morte de Cesar, segundo contam os Chronologistas, € Marco do anno 44 antes da nossa éra: 0 intervallo entre esses dous acontecimentos sera pois para os Chronologistas, de 77 annos. Reportando porém os dous acontecimentos 4 época da fundacio de Roma é facil de ver, que aquelle intervallo deve ser representado por 76 annos. Os astronomos teriam evilado esse erro, assignando a época da morte de Cesar 43 annos antes de J. C.: com effeito a somma de 43 e 33 prefazem 76 (’). (*) Esta discrepancia provem de contarem os chronologistas por inteiro tanto o anno 33 da morte de Christo, como 0 anno 44 da morte de Cesar. Por outra parte, havendo a Igreja fixado a época do Nascimento de Christo no dia 25 de Dezembro do anno 753 da fundacado de Roma ; e contando-se o anno 754 como o 1° anno da éra christa; é evidente que o anno do Nascimento | CHRONOLOGIA. ~ 429 Uma ambiguidade da mesma natureza se da na solugao da seguinte questao. Qual é a data em que acabou o seculo xvm, e aquella em que comecou o seculo xIx? Bsta questao se reduz a seguinte. O anno que figura na composicao de uma dst deve ser contado como anno corrente, ou como anno passado? Quando se escreve 28 de Marco de 1800, entender-se-ha por ventura o anno ainda nao acabado, ou bem, que depois da origem da nossa éra, tém passado 1,800 annos intei- ros, augmentados do mez de Janeiro , do mez de Fevereiro e de 28 dias do mez de Marco do anno de 1801? E evidente que pertencendo o dia 31 de Dezembro de 4800 ao seculo xvm, 0 seculo xix nao poderia comecar senio no primeiro dia de Janeiro de 1804: ¢ esta data equivale a dizer-se —- 1° dia do anno 1801 que comeca. de Christo deve ser considerado como origem commum 4 escala das datas des- cendentes, e 4 das datas ascendentes, como zero n’uma palavra. E nesta intel- ligencia se diz com precisio, que um dado acontecimento tivera logar em época anterior, 0U posterior ao anno do nascimento de Christos ‘ G. B. O. We B,J. 9 430 REVISTA BRAZILEIRA. NOTA. Julgamos conveniente completar na presente Nota o impor- tante, e consciencioso trabalho do nosso mestre e amigo, 0 illustre Arago, sobre o Calendario; transcrevendo aqui um interessante trecho do Resumo Historico da Astronomia, que acompanha a preciosa obra de Laplace, intitulada Exposi- cao do Systema do Mundo; relativamente ao estado dos conhecimentos astronomicos entre os povos mais Givilisa- dos do novo mundo, os Mexicanos, e Peruvianos, na epoca’ - da sua conquista pelos Hespanhoes. « A historia da America,. antes da sua conquista pelos Hespanhdes, nos offerece alguns vestigios de astronomia; porque as nogdes mais ele.nentares desta sciencia tém sido eutre todos os povos os primeiros fructos da sua_ Civi- lisagao. « Os Mexicanos tinham, em lugar da semana, um mais curto periodo de cinco dias; os seus mezes comprehendiam cadaum vinte dias; e dezoito destes mezes formavam 0 seu anno; 0 qual comecava no solsticio do inverno; e a que juntavam elles cinco dias complementares. « Ha fundamento para pensar, que elles formavam da reuniao de cento e quatro annos um grande cyclo, no qual intercalavao 25 dias: 0 que suppde uma duracao do anno tropico mais exacta, do que a que fora determinada por Hypparco ; e, 0 que é ainda mais notavel, era ella quasi iden- tica 4 que fixaram os astronomos do califa Almamon. « Os Mexicanos, e os Peruvianos, observavam com exacti- dao as sombras do gnomon nos Solsticios, e nos Equinoxios : e tinham mesmo erigido, para esse fim, torres e pyramides, « Entretanto quando se considera a difficuldade de che- gar-se 4 uma determinacao tao exacta do comprimento do anno, parece a primeira yista, que semelhante resultado fora f ¢ CHRONOLOGIA. 131 transmittido 4 esses povos pelo antigo Continente. Mas de que outro povo, e por que meios, o receberam elles? Por que razao, se taes conhecimentos thes foram transmittidos pelo norte da Asia, possuiam elles uma divisao do tempo tao radicalmente differente daquellas que tém sido usadas nessa parte do mundo? Sao questdes, cujasolucio nos parece impossivel. » Este facto tao singular, authenticado pela respeitavel au- toridade de Laplace, nos induz a deduzir delle duas conse- quencias, de subida importancia, sob o ponto de vista eth- nologico, a saber: 1.* Que o estado de civilisagio, em que os Hespanhoes acharam o Mexico, e o Pert, revela a existencia de uma civilisagao mais adiantada em tempos anteriores, e talvez remotos; a qual, na época da conquista, havia ja conside- ravelmente decahido, sob o dominio da mesma, ou de outra raca de habitantes. 2.2 Que a profunda discordancia de praticas eminente- mente scientificas, e ao mesmo tempo de uso popular, entre os povos do Velho e Novo Continente, mostra com plausivel probabilidade, que as primitivas racgas americanas tiveram uma origem propria, local; embora, nas actuaes, ou em differentes condicdes da superficie do globo, tivessem ellas communicado em algum tempo com os habitantes de qual- quer outra regiao da Terra. Aproveitamos esta opportunidade, para expender aqui a nossa opiniao sobre um ponto do Calendario, que é ainda hoje debatido , pelo que respeita a subdivisio do anno civil — em mezes. t q ; 432 REVISTA BRAZILEIRA. Na occasiao em que se organisou em Fran¢a o admiravel systema metrico , depois da revolucao de 1789, foi tambem substituido o Calendario Julio-Gregoriano por outro que se denominou republicano ; no qual era o anno civil subdividido em 412 mezes iguaes, de 30 dias, com um pequeno periodo complementar de 5, ou de 6 dias, segundo fosse o anno commun, ou bisexrto. Esta innovacio , que fora copiada fielmente do antigo Ca- lendario Egypcio, poucos annos vigorou em Franga, voltan- do-se novamente ao Calendario, que esta universalmente aceito entre os povos cultos : sendo este facto devido principal- mente 4 resistencia que oppuzeram a semelhante innovacao os usos, e habitos populares , fortalecidos por uma pratica de seculos, naopiniao daquelles que ainda hoje , menos reflecti- damente, prefeririam a divisao do anno em 412 mezes uni- formes de 30 dias, substituindo os mezes irregulares do actual Calendario. Apezar da apparente conveniencia que aconselha a reno- vacao dessa idéa, nds pensamos diversamente sobre este ponto: e nao nos sera difficil mostrar, que o Calendario Julio- Gregoriano subdivide 0 anno civil por um modo mais accom- modado is necessidades sociaes , especialmente no ‘trato mer- cantil. Com effeito sendo a divisio do anno em dous periodos iguaes, ou que proximamente salisfagam 4 esta condi¢ao, una necessidade reclamada por numerosas transacgdes no rato commum, mal se prestaria a ella o emprego dos 12 mezes uniformes de 30 dias: porquanto, representando 0 primeiro periodo do anno aduracao de 6 desses mezes , com- prehenderia o segundo periodo, além de 6 mezes, mais 5 ou 6 dias complementares, sendo 0 anno commum, ou bisexto; visto nao ser praticavel.a distribuigio dos dias complemen- tares entre os douls semestres. CHRONOLOGIA, 133 No Calendario Julio-Gregoriano sio os dous periodos , que formam a bisecgao do anno civil, representados nominal- mente por dous semestres , de duracio pouco desigual : com- prehendendo o 1° semestre, contado de Janeiro a Junho, 181, ou 182 dias, segundo & commum, ou bisexto , o anno; € 0 2° semestre , contado de Julho a Dezembro, permanente- mente 184 dias. Ha portanto neste systema unicamente a differenga de 2 a 3 dias, na computacio pratica dos dous pe- riodos que subdividem o anno. Observaremos agora, que essa mesma differenca desap- pareceria inteiramente nos annos bisextos, e ficaria reduzida a4 diasomente nos annos communs, mediante uma ligeira mudanga operada no Calendario, a qual por outra parte nao offenderia em cousa aleuma os usos recebidos. Tal seria a simples suppressao de wm dia no mez de Outubro, para o ajuntar ao mez de Junho: porquanto , em virtude dessa alteracao, comprehenderia o 1° semestre do anno 182 dias nos annos communs ; e 183 dias nos annos bisextos ; ficando para 0 2° semestre 183 dias invariavelmente. Essa tao simples modificagao do Calendario, que nao altera , a fixacao das épocas notaveis dos phenomenos astronomicos 4 que se ligam os trabalhos da vida social, a saber, os Equi- noxios, e Solsticios, offereceria, aleém da vantagem que vimos de assignalar, a facilidade de regular por semanas os con- tractos, e transaccoes , realisaveis dentro do periodo de um se- mestre , como se pratica em alguns paizes , e especialmente na Inglaterra; visto que, nesta hypothese , comprehenderia o 1° semestre do anno 26 semanas completas, ou mais 1 dia, se o anno é commum, ou bisexto; correspondendo ao 2° semestre 26 semanas e mais 4 dia. C. Baptista DOLIVEIRA, is CANTOS EPICOS A wisao do prosecripto. Um escolho!... Eis 0 vasto e grande imperio Que tanto ambicionou-lhe a alma ardente, Barreira extrema aos vous de seu genio! Assim ante os seus olhos 0 oceano Immenso e livre suas ondas rola, Quando junto de si possue apenas Pobre regato a saciar-lhe a séde! Oh que tormento e gloria! —Ceos diversos Na ventura e infortunio 0 coroaram Co’a luz sidérea de seus bellos astros! E como nao sorrir-se de despeito?... Mas quando a tempestade envolve tudo, E o silvo seu a seus ouvidos treme, Como 0 sibilo de candente bala ; E ouve das ondas o feroz bramido, Como 0 relincho de corceis indomitos ; E o ronco do trovao que se avizinha, Como o som da funesta artilharia ; 136 REVISTA BRAZILEIRA. Entao sua alma com batalhas sonha , Sanguento quadro de dantescas scenas ; Entao brilha o relampo nos seus olhos, Como o reflexo outr’ora de sua espada Ante o sol de Austerlilz e Marengo ! Eil-o em pé no rochedo, que lhe resta_ De tantos thronos que lhe dera o genio, Cruzos os bracos sobre 0 altivo peito E curva a augusta fronte, meditando ; E a viracao da tarde amena e fresca , Mansa e risonha refrangindo as ondas, Vém as ondas murmuras quebrar-se Contra esse escolho’, que uma lousa yale , Apos tanto esplendor de vida e gloria ! E rolam-lhe as batalhas gloriosas Na vasta mente que 0 universo abrange ; E a frente dos herdes, que em vez de louros Alcancam diademas, elle marcha De victoria em victoria. O mundo inteiro Ja cré pequeno para impér-lhe o mando, Ou para imperio de tamanha gloria! Elle vé, elle ouve; — altento escuta : — La retinem as armas encruzadas : — La sibilam as balas — la relincham Impavidos ginetes e ribomba A pesada fatal artilharia. ... — La ruem thronos — la baqueiam reinos. . . E Os povos livres e Os reis vencidos Abrilhantam-lhe a marcha no triumpho!.,. A VISAO DO PROSCRIPTO, E a brisa que cresce e que murmura E harmonica voz a seus ouvidos « Austerlitz e Marengo » entio dizendo. Cresce 0 sépro da brisa — eis a tormenta ! Rolam as ondas umas apds outras : — Sao as alas do exercito invencivel ! Brame 0 Oceano — é seu corcel que irado Nitre sedento de afogar-se em sangue ! Ruge 0 trovao — é 0 canhao que atroa Inimigas phalanges envolvendo Em turbilhdes de fumo e de metralha! Agglomeram-se nuvens — sao abobadas Do fumo despedido das bombardas ! Fuzila a tempestade — sao as armas Que relampejam, se emmaranham e cruzam! Sibila o vento — sao candentes balas Que voando e zunindo os ares rompem ! E 0 vento e 0 trovao e o mar que fremem Sao como um sé bradar a seus ouvidos, Que « Waterloo » estao ahi dizendo, , Seus olhos se incendeam ; elle se anima, O halito da guerra respirando Ao crepitar do raio que se inflamma ! Eil-c de sobre 0 campo ensanguentado Por entre os esquadrdes, que ja recuam Ante a voragem de inimigas tropas De nagdes e nagdes, que ali pleiteam Armadas contra 0 genio das batalhas. De sob um céo de fumo e de pelouros , Sobre um chao de cadaveres juncado, 137 438 REVISTA RRAZILEIRA. Rubro de sangue, harto de ruinas, Cruza-se 0 fogo que retumba e tréa Dos canhdes, das bombardas; e a baioneta Contra a baioneta, a espada contra a espada La se enredam em confuso torvelinho. Eis 4 voz do canhao que longe séa, As roufenhas descargas de arcabuzes , Ao canglor das trombetas, ao sibilo Das balas, ao relincho dos ginetes Emmaranhados em tropel confuso , E ao grito penetrante dos feridos, : Ulula a morte, arquejae treme a terra Ebria de sangue tepido, fumante, Que a innundaeacobre de funereo manto ; E os écos repetindo os sons do inferno Cadenceiam um cantico terrivel , Como um clamor que ao ceo dirige a terra! Enfumacados, rotos, lacerados , Por granadas aos centos disparadas, Desgrenhados ondulam os estandartes Das aguias immortaes, que ovante vdo Des das margens do Sena desferiram , Ouvindo sempre o hymno do triumpho. Dos bronzicos trovoes fuzila 0 raio, Desnovela-se 0 fumo; ardentes bombas, Como globos de sangue 0s ares rompem, Gemem, sibilam, cahem, rodam, estrondam , Rebentando em diluvio de metralha, Que prostra em terra muros de baionetas , E arrebata 4 peleja, e embrulha e envolve Vivos, feridos, moribundos , mortos, ee tain Sl eee A VISAO DO PROSCRIPTO. E de novo os espalha sobre 0 campo, Como folhas que o vento redemoinha, E as esparge de novo.— La nas armas, Que deixam trepidando , a vida buscam Longe de tanto horror, de tanto estrago As contrarias cohortes. Elle escuta. — Séaa victoria? Nao, que li de novo Troa 0 canhao; renova-se a batalha, Qual nova alluviio que tudo innunda! Qual novo incendio que das cinzas surge!... E o sol e seus soldados o abandonam Hartos de pelejar, mortos no campo, Ou prostrados de afan, e elle exclama: « —Tem-te, 6 sol! Nao me roubes a victoria , Que todas quantas alcancei te cedo Por esta tao somente!...» E a vez primeira Fugia-lhe a victoria!... 0 sol no occaso Ouvindo-o, se sumiu!... Do herde o vulto Projectado tambem no vasto campo Nas sombras se extinguio!... Ultimo esfor¢go Elle tenta; no prelio se arremessa ; Procura a morte.... E entao levando a dextra A invencivel espada, busca em torno De si os marechaes.... E onde estao elles?... Desparece a illusao!... Subito esconde Nas maos os olhos e de dér e opprobrio , O peito se Ihe opprime, e o ingente brado, Que deveria animar os combatentes, Troca-se em triste , funebre gemido Que vem do coracao morrer-lhe aos labios ! 139 1440 REVISTA BRAZILEIRA. Ah so fieis amigos do desteérro, So mercenarios guardas que 0 vigiam , So o exilio, o mar; — tao longe a Franga!... E o vento e o ltrovao e o mar que bramam , SAo como um so bradar a seus ouvidos , Unisonos dizendo: « — Santa Helena! » J. NorBERTO DE S. S. VARIEDADES SOCIEDADE STATISTICA DO BRAZEL ACTAS DAS SESSOES. SESSAO DE INSTALLACAO NO DIA 16 DE JULHO DE 1854. Presidencia do Ex Sr. Visconde de Abrantes. Aos 416 dias do mez de Julho de 1854 pelas onze horas da manhaa reunidos no salao do Museu Nacional, que serve para as sessodes da Sociedade Auxiliadora da Industria Na- cional , os membros installadores Ex™°s Srs. Ministro do Im- perio 0 conselheiro Luiz Pedreira do Coutto Ferraz , os vis- condes de Abrantes e Mont’Alegre , conselheiros Joaquim José Rodrigues Torres, Candido José de Araujo Vianna, Manoel Vieira Tosta, Luiz Antonio Barbosa, Alexandre Maria de Mariz Sarmento, os desembargadores Jeronymo Marti- niano Figueira de Mello e Joao Antonio de Miranda, os Drs. Manoel de Oliveira Fausto, Manoel da Cunha Galvao, Ber- nardo Augusto Nascentes de Azambuja, Joaquim Augusto do Livramento, José Ribeirole Souza Fontes, José Bonifacio Nascentes de Azambuja, Joaquim Maria Nascentes de Azam- buja, Caetano Alberto Soares, Frederico Leopoldo Cesar Burlamaque , Candido de Azeredo Coutinho , Roberto Jorge 442 REVISTA BRAZILEIRA. Haddock Lobo, José Tell Ferrao, o bacharel José Augusto Nascentes Pinto, Manoel de Araujo Porto-Alegre, Francisco Corréa da Conceicao, Antonio Luiz Fernandes da Cunha, Angelo Thomaz do Amaral, Luiz Antonio de Castro, José Albano Cordeiro e Joaquim Antonio de Azevedo ; procede- se ainstallacao da Sociedade Statistica do Brazil. O Ex™? Sr. Visconde de Abrantes occupa a cadeira da presidencia na qualidade de presidente da Sociedade Auxi- liadora da Industria Nacional, e convida ao Sr. Dr. Oliveira Fausto, secretario perpeltuo da mesma, e na ausencia do secretario adjunto ao socio effectivo J. A. de Azevedo, a servirem interinamente de secretarios, e em seguida expoem ein breve allocucao o fim da presente reuniao. O Sr. secretario interino faz aleitura do seguinte officio : Illm° Sr.— Tenho a honra de remetter a V. S., de ordem da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional, as inclusas bases para ser installada a Sociedade Statistica do Brazil, ap- provadas em sessao do Conseiho de 16 de Junho passado e de assembléa geral do 1° do corrente mez, afim de que os nobres membros da Sociedade Aunxiliadora assignados nas referidas bases prosigam no patriotico empenho da fun- dacao de tao util associacao. Deos guarde a V.S. Rio de Janeiro, em 3 de Julho de 1854. — Ill™° Sr. Joaquim Antonio de Azevedo, membro effectivo da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional.— Dr. Manoel de Oliveira Fausto , secre- tario perpetuo. Ili™° e Ex™? Sr. Presidente e mais membros do Conselho Administrativo da Sociedade Auxiliadora da Industria Na- cional.— Se outrora reconhecestes quanta utilidade e gloria trazia 4 nossa patria a fundaca® de um Instituto Historico e Geographico, nao desconhecereis hoje por certo o grande proveito que tiraremos da creacao de uma sociedade que cure da statistica geral do Imperio. VARIEDADES. 143 Se a historia nos registra aexistencia dos nossods antepas- sados, e a de successos de differentes ordens ; se a geo- graphia nos ensina o conhecimento dos paizes , ou antes o conhecimento da parte physica da terra, a statistica com- pleta o que adquirimos por esta Sciencia , enumerando-nos tudo quanto constitue a forca das nacdes, como bem diziam Os antigos, a nossa arithmetica politica. Releva referir aqui o que a respeito della diz o celebre publicista francez Moreau de Jonnés: « Na vida privada, a Statistica toma conta do homem desde o seu primeiro dia, considera-o como unidade que entio ajunta ao numero total dos nascimentos, e que depois reprodaz nos recensea- mentos, nas fileiras do exercilo, no registro dos casamentos, na classificacao das profissdes, entre as capacidades_ poli- licas e as illustracdes do paiz. Por fim colloca-o na fatal columna, onde todas as vaidades humanas vao rematar. Mas, antes de terminado o drama de sua vida, quantas vezes nao apparece o homem nas cifras da statistica! No jury, nas eleigdes , no parlamento, 6 uma voz, um suffragio, um voto que 0 representa. Se possue terras e manufacturas , a Statis- lica mostra a quantidade de trabalho de que dispde, e a producgao agricola e industrial, e os demais interesses que acompanham a fortuna. Se é proletario, a statistica mostra - lhe a proporgao entre 0 consumo eo salario, ensina-0 a eco- nomisar, e esclarece os estabelecimentos de beneficencia que hao de soccorré-lo na desgraca, etc. » A vista, pois, da autoridade de taes palavras, forcoso é reconhecer a necessidade que temos de uma sociedade que, protegida pelos poderés do Estado, se occu pe em enumerar, colher e methodisar os factos que devem constituir a statis- lica geral do Imperio , tao difficil de ser organisada sempre que nao partir de um centro, onde eslejam reunidos os éle- mentos necessarios 4 sua existencia. Esta sociedade con- 444 REVISTA BRAZILEIRA. correra demais para a consecucao dos fins dos Decretos ns. 797 e 798 de 18 de Junho de 1851, cuja execucao tem in- felizmente encontrado embaracos nos animos de uma grande parte da nossa populacao ; ¢ portanto, os abaixo assignados, membros da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional , anhelando a gloria da creacao de tao util associagao, tem hoje a honra de apresentar 4 vossa consideragao as seguintes bases, pedindo-vos que as approveis e as leveis ao conheci- mento da assembléa geral da Sociedade, na: sua proxima reuniao, solicitando della a definitiva approvagao, para assim ser installada a Sociedade Statistica do Brazil, da qual re- sultara gloria 4 Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional, de cujo gremio ella surge. BASES. Primeira.— Fundar-se-ha, sob os auspicios da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional, uma sociedade com o titulo de — Sociedade Statistica do Brazil — que tera por fim promover e organisar a statistica geral do Imperio. Segunda.— Sera composta de numero illimitado de mem- bros effectivos, honorarios e correspondentes. Os membros honorarios serao escolhidos d’enire os sabios nacionaes ou estrangeiros, por eleicgao da Sociedade, sob proposta da Mesa. Terceira.— A Sociedade Statistica do Brazil abrira corres- pondencia com as sociedades de igual natureza estabelecidas nas Nagoes estrangeiras ; remettera todos os documentos de sua installacao; e se ramificara nas provincias do Imperio , para melhor colligir os documentos e informagdes necessarias aos diversos ramos da statistica geral do Brazil. —. Quarta.— Logo que dezeseis membros effectivos se reu- nam, depois da approvacao desta proposta, se procedera por eserutinio secreto 4 eleicao de um presidente, e dous secre-_ VARIEDADES. 145 tarios. Presidira a este primeiro acto 0 presidente da Socie- dade Auxiliadora da Industria Nacional, que feita a eleigao, convidara os eleitos a entrarem no exercicio de seus cargos. Quinta. —Installada a Mesa da Sociedade Statistica do Brazil, proceder-se-ha 4 escolha de tres de seus membros, que organisem os Estatutos; e sd depois de discutidos e ap- provados estes pelos membros da Sociedade, proseguira ella nos demais actos regulares, devendo considerar-se como preparatorios outros quaesquer que antes disso se celebrem. Sexta.— A Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional, a cujo conhecimento se farao chegar estes trabalhos , prestara a sala onde celebra as suas sessdes, para que nella tenham tambem logar as da Sociedade Statistica do Brazil, provi- denciando-se convenientemente para que nao se embaracem uma a outra. Setima.— Entre a Sociedade Auxiliadora da Industria Na- cional e a de Statistica do Brazil, se observara a mais reci- proca coadjuvacaio, para que ambas attinjam a seus fins. — Sala das sessdes da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional, em 16 de Junho de 1854.— Joaquim Antonio de Azevedo, Dr. Manoel de Oliveira Fausto, Dr. Manoel da Cunha Galvao e Bernardo Augusto Nascentes de Azambuja. Socios Installadores. — Visconde de Abrantes, Antonio Paulino Limpo de Abreu, Joaquim José Rodrigues Torres , Eusebio de Queirds Coutinho Mattoso da Camara, José Mar- tins da Cruz Jobim, Aureliano de Souza Oliveira Coutinho , Pedro Rodrigues Fernandes Chaves, Francisco Gé Acayaba de Montezuma, Visconde de MontAlegre, José Antonio Pi- menta Bueno, Manoel Vieira Tosta , José de Araujo Ribeiro, Visconde de Olinda, Candido José de Araujo Vianna, Manoel Alves Branco , Gabriel Mendes dos Santos, Paulino José Soares de Sovza, Antonio Luiz Fernandes da Cunha, José da Silva Mafra, Visconde de Parana, Carlos Pinto de Figueiredo , R. Be I. 40 446 REVISTA BRAZILEIRA. “Manoel de Araujo Porto-Alegre, Alexandre Maria de Mariz Sarmento, Carlos José do Rosario, José Bettamio , Sebastiao Ferreira Soares, José Augusto Nascentes Pinto , Antonio José ‘de Bem, Francisco Corréa da Conceicio , Manoel Paulo Vieira Pinto, Luiz Antonio de Castro, Angelo Moniz da Silva Ferraz, Francisco de Paula Candido, Visconde de Baependy, Luiz Antonio Barbosa , Luiz Pedreira do Coutto Ferraz, Francisco Octaviano de Almeida Rosa, Joaquim “Augusto do Livra- mento, José Bonifacio Nascentes de Azambuja, José Ribeiro ‘de Souza Fontes, Joaquim Maria Nascentes de Azambuja, José Tell Ferrao, Hermano Eugenio Tavares, Candido de ‘Azeredo Coutinho, José Antonio de Miranda, José Maria da Silva Paranhos, José Thomaz Nabuco de Araujo, Candido Borges Monteiro, Candido Mendes de Almeida, Jeronymo Martiniano Figueira de Mello, Joao Duarte Lisboa Serra, Antonio da Costa Pinto ¢ Silva, José Agostinho Moreira Gui- maraes, Roberto Jorge Haddock Lobo, José Albano Cordeiro , Frederico Leopoldo Cesar Burlamaque, Angelo Thomaz do Amaral, Pedro de Alcantara Bellegarde, Antonio José Vic- torino de Barros, Manoel Felizardo de Souza e Mello, Josino do Nascimento Silva, José Mauricio Fernandes Pereira de Barros, Candido Baptista de Oliveira, Gaetano Alberto Soares, Ignacio da Cunha Galvao, Guilherme Schuch de Capanema e José Goes de Siqueira. O Ex™ Sr. presidente convida aos membros presentes a proceder 4 nomeacao de um presidente, e sendo recolhidas 30 cedulas, obtiveram voltos os Ex™*s’Srs., Visconde de Mont’Alegre, 29; conselheiro Candido José de Araujo Vian- na, 1. Para secretarios achando-se de novo 0 mesmo nu- mero de cedulas, obtiveram votos os Srs. Dr. Bernardo Au- gusto Nascentes de Azambuja, 29; Joaquim Antonio de Azevedo, 27; Dr. Manoel de Oliveira Fausto, 1, e Angelo Thomaz do Amaral, 4. 0 Ex"? Sr. presidente, proglamando VARIEDADES. 147 0 resultado da eleicao, convida ao Ex™ Sr. Visconde de Mont’Alegre a tomar a presidencia ; aos Srs., Dr. Bernardo de Azambuja, 0 primeiro logar de secretario, e ao Sr. Azevedo , o de segundo, ficando assim constituida a mesa provisoria da Sociedade. Procedendo-se a eleicao da commissio de tres membros para a confecgao dos Estatutos, vém 4 mesa 30 cedulas, qué dao em resultado, ao Ex™ Sr. Joaquim José Rodrigues Torres, Francisco Octaviano de Almeida Rosa e Angelo Tho- maz do Amaral, 29 votos a cada um; e aos conselheiros Manoel Vieira Tosta, Candido José de Araujo Vianna e Dr. Manoel de Oliveira Fausto, 1 voto a cada um; sao procla- mados membros da commissao os tres primeiros mais vo- tados. O Sr. Manoel de Araujo Porto-Alegre propoe, e é approvado, que sejam adjuntos 4 commissao dous dos mem- bros fundadores Drs. Manoel da Cunha Galyao e Manoel de Oliveira Fausto. E offerecido, eremettido 4 commissao nomeada, um projecto de Estatutos, assignados pelos quatro membros fundadores, Nao havendo mais nada a tratar, 0 Ex™° presidente declara que a primeira reuniao preparatoria tera logar, logo que a commissao apresente os seus trabalhos; e depois de lida e approvada esta acta, o Ex™? presidente da por encerrada a presente sessio 4s doze horas da manhaa. E para constar, eu Joaquim Antonio de Azevedo, escrevi € assigno com os membros presentes acima mencionados. 4® SESSAO PREPARATORIA DO DIA 12 DE DEZEMBRO DE 41854. Presidencia do Ex™® Sr. Marquez de Mont’ Alegre. A’s 6 horas da tarde achando-se presentes os Ex™ Sts. Marquezes de MontAlegre e Abrantes , conselheiros Manoel 448 REVISTA BRAZILEIRA. Felizardo e Joaquim Azambuja, senador Miranda, Drs. Ber- ‘nardo Azambuja, Oliveira Fausto, Burlamaque, Azeredo Coutinho, Gées, Pereira de Barros e Tell Ferrao , Conceigao, Manoel Paulo, Nascentes Pinto, Fernandes da Cunha, Castro, Albano Cordeiro e Azevedo. - Aberta a sessio, o Ex™ Sr. presidente declara, que o fim da presente reuniao é para a discussao do projecto de Es- tatutos apresentado pela commissao. O Sr. conselheiro Azam- , ‘buja obtendo a palavra, propde o adiamento, visto nao se achar presente nenhum dos membros da commissao: o que posto a votos, é approvado. 0 Ex? presidente designa o dia 14 do corrente mez para a segunda conferencia, e levanta a presente as 6 1/2 horas da tarde. 2® SESSAO PREPARATORIA DO DIA 14 DE DEZEMBRO DE 1854. Presidencia do Ex™ Sr. Marquez de Mont Alegre. A’s 6 horas da tarde achando-se presentes os Ex" Srs. Marquezes de MontAlegre e Abrantes, conselheiros Manoel Felizardo, Pimenta Bueno, Tosta e Joaquim Azambuja, des- embargador Miranda, Drs. Bernardo Azambuja, Octaviano , Burlamaque, José Azambuja, Tell Ferrio , Azeredo Cou- tinho, Nascentes Pinto , Fernandes da Cunha, Conceicao , Albano Cordeiro, Manoel Paulo, e Azevedo. Lé-se e approva-se a acta da sessao anterior. EXPEDIENTE. Um officio do Sr. Angelo Amaral, participando nao poder comparecer a sessao. Fica a Sociedade inteirada. ORDEM DO DIA. Entrando em discussao o projecto de Estatutos apresen- tado pela commissao, sao offerecidas 4 consideragao da So- ee ee ee ee ee ae eet air sit Aen Bardi. «+ ie VARIEDADES, 149 ciedade as seguintes emendas: 0 art. 4° divida-se para titulo — Estatutos da Sociedade Statistica do Brazil, fundada na cidade do Rio de Janeiro sob a Immediata Proteccao de Sua Magestade Imperial o Senhor D. Pedro II.— Para art. 4° — A Sociedade Statistica do Brazil tem por objecto colher, systematisar e publicar os factos que devem constituir a stalistica geral do Imperio.— Ao art. 2° — Os Principes de Familia Imperial, que se dignarem de pertencer 4 Socie- dade, sao considerados presidentes honorarios.— Ao art. 4°, sendo collocada onde convier — A designacao dos membros que devem ser inscriptos em cada uma das seccdes sera feita pelo presidente da Sociedade, tendo em attencado as habilitagdes especiaes dos socios, e os desejos por elles manifestados , consultando para esse fim, sempre que for possivel , aquelles que se acharem ausentes.— Ao art. 9°, § 2°— Pertente ao Conselho a approvaciao , para socios ho- norarios , de sabios distinctos, ou de individuos que te- nham feito servicos relevantes 4 Sociedade, sendo os mesmos adoptados por acclamacio em assembléa geral.— Ao art. 44 — Em logar de contribuicao trimestral de quatro mil réis — diga-se — contribuicao semestral de cinco mil réis. Sendo assim approvado o projecto de Estatutos, é a mesa encarregada de os redigir, solicitar a approvagao do governo imperial, e de os mandar imprimir. ao havendo mais cousa alguma a tratar, levanta-se a presente sessao as 9 horas da tarde. SESSAO DE INAUGURACAO EM 22 pe MARCO DE 1855. Presidencia do Ex™ Sr. Marquez de Mont’ Alegre. A’s © horas da tarde achando-se presentes os Ex™®s Srs. Marquezes de Mont’Alegre e Abrantes, Viscondes de Itaborahy 150 REVISTA BRAZILEIRA. e Abaeté, conselheiros Coutto Ferraz, Jobim, Azambuja e Mariz , desembargadores Miranda e Figueira de Mello, Drs. Bernardo Azambuja, Oliveira Fausto, Caetano Alberto, Aze- redo Coutinho, Burlamaque, Tell Ferrio, José Azambuja , Castro Pinto , José Agostinho , Victorino de Barros, Albano Cordeiro, e Azevedo. E approvada-a acta da anterior. O Sr. 1° secretario, dando conta do expediente , 1é 0 se- guinte: « Pela secretaria de estado dos negocios do Imperio se Temelte a Sociedade Statistica do Brazil, nao sb a copia do Decreto n. 1565 de 24 de Fevereiro ultimo, que approvou os seus Estatutos, mas tambem a dos mesmos Estatutos. « Secretaria de estado dos negocios do Imperio, emo 1° de Margo de 1855.— Fausto Augusto de Aguiar. COPIA. — pecreTo n. 1565 pe oy DE FEVEREIRO DE 1855, Approva os Estatutos da Sociedade Statistica do Brazil estabelecida nesta cérte. « Attendendo ao que Me requereu a Mesa interina da Sociedade Statistica do Brazil estabelecida nesta cérle, e de conformidade com a Minha Immediata Resoluciio de 47 do corrente mez, tomada sobre parecer da seccao dos negocios do Imperio do Conselho de Estado, exarado em consulta de 25 de Janeiro ultimo: Hei por bem Approvar os Esta- lutos organisados para a referida Sociedade, os quaes com este baixam. Luiz Pedreira do Coutto Ferraz , do Meu Con- selho, ministro e secretario de estado dos negocios do Im- perio, assim o tenha entendido e faca executar. Palacio do Rio de Janeiro, em 24 de Fevereiro de 1855, trigesimo- quarto da Independencia e do Imperio.— Com arubrica de VARIEDADES. 151. Suva MaGestabe 0 IMpeRADOR.—Luiz Pedreira do Coutto Ferraz — Conforme.— Fausto Augusto de Aguiar. COPIA.— Estatutos da Sociedade Statistiea do Brazil. CAPITULO I. | DOS FINS DA SOCIEDADE. « Art. 1.° A Sociedade Statistica do Brazil tem por objecto colher , systematisar e publicar os factos que devem constituir a Statistica geral do Imperio. « Art. 2.° Para esse fim estabelecera nas provincias cir- culos filiaes ou correspondentes ; promovera 0 ensino da economia politica e da statistica, e publicara trimestralmente uma revista. « Art. 3.° Logo que a Sociedade tenha organisado traba- lhos systematicos acerca da statistica geral do Imperio, ou de alguns de seus ramos, devera publica-los em volumes especiaes. CAPITULO II. DA ORGANISACAO DA SOCIEDADE. « Art. 4.° A Sociedade se compora de membros effec- tivos, honorarios e correspondentes. O titulo de membro honorario sO deve ser conferido como grande distinccao. O de membro effectivo, depois de organisadas as secgdes, sera precedido de algum trabalho statistico do candidato. 0 de membro correspondente sera concedido as pessoas nao residentes na corte, que se interessarem pelos trabalhos sta- tisticos. « Art. 5.° Os principes da familia imperial, que se dig- narem de pertencer 4 Sociedade, sao considerados presi- dentes honorarios. Tambem o poderao ser os chefes das nacoes estrangeiras. 152 REVISTA BRAZILEIRA. « Art. 6.° A Sociedade elegeraé annualmente: um presi- dente, dous vice-presidentes (um primeiro e outro segundo), dous secretarios (um geral e outro adjunto), e um thesou- reiro. « Art. 7.° Dividir-se-ha, por emquanto, a Sociedade em treze seccdes ; a saber: de territorio , de populagao , de colo- nisacao, de instrucgao publica, de agricultura, de industria, de commercio, de navegacaio, de rendas publicas, de jus- tica, de forca militar, de administracao publica, e de statistica comparada. « Art. 8.° A designacio dos membros, que devem ser inscriptos em cada uma das seccoes, sera feita pelo presi- dente da Sociedade, tendo em attencao as habilitacgdes es- peciaes dos socios, e os desejos por elles manifestados , constiltando para esse fim, sempre que for possivel, aquelles que se acharem ausentes. « Art. 9.° Cada uma destas secgdes tera um presidente e um secretario, eleitos annualmente pelus membros res- pectivos. « Art. 10. As seccdes se podem subdividir em commissdes especiaes para facilidade do trabalho. CAPITULO III. DA DIRECCAO DA SOCIEDADE. « Art. 44. A direccao da Sociedade competira a um Con- selho, composto dos funccionarios do art. 6° e dos presi- dentes e secretarios das seccdes. A presidencia do Conselho competira ao presidente da Sociedade. « Art. 42. O Conselho funccionara ordinariamente uma vez por mez, devendo estar reunidos pelo menos dez mem- bros. « Art. 13. Ao Conselho compete : ‘VARIEDADES. 153 « § 4.° A direccao da Sociedade, dando instrucedes para se preencher o fim da sua creacaéo, resolvendo as duvidas das secgdes apresentadas por intermedio de seus presidentes, distribuindo por ellas os trabalhos , e discutindo-os a final , quando das seccdes voltarem preparados. « § 2.° A concessao dos titulos de membros effectivos ou correspondentes, sob propostas das seccdes. « § 3.° A approvacao, para socios honorarios , de sabios distinctos, ou de individuos que tenham feito servicos rele- vantes a Sociedade. « § 4.° O governo economico, a autorisacao de quaes- quer despezas necessarias, e a tomada de contas ao the- soureiro. « § 5.° A nomeagao de quaesquer empregados, sob pro- posta da mesa, dando-lhes regimento ou instruccdes sobre os seus deveres. « Art. 14. Compete tambem ao Conselho Srguivaoae as questoes de concurso aos premios que se fundarem, e julgar as memorias ou trabalhos desse mesmo concurso. CAPITULO IV. DAS SECCOES. « Art. 15. As secedes trabalharao em conferencia, todas as vezes que 0 julgarem necessario , e pelo menos duas vezes mensalmente , afim de tratarem do estudo e discussio das respectivas materias; da preparacao dos trabalhos statis- ticos, que tém de ser presentes ao Conselho; e de qualquer assumpto sobre que tenham de representar-lhe para o anda- mento daquelles trabalhos. « Art. 16. Quando houver materia que interesse ao mes- mo tempo a duas ou mais seccdes, estas se reunirao para 154 REVISTA BRAZILEIRA. discutirem em commum. Presidira nestas occasides 0 mais velho dos respectivos presidentes. « Art. 17. As secedes devem proceder a eleicio de seus presidentes e secretarios na ultima conferencia do mez de Novembro. « Art. 18. O regimento interno das seccdes sera dado pelo Conselho director. CAPITULO V. DAS ASSEMBLEAS GERAES. « Art. 19. As assembléas geraes so terao logar, ordinaria- mente , nos primeiros dias de Dezembro, e poderao durar até tres dias consecutivos ou interpoladamente. « Art. 20. Nestas assembléas se procedera : « § 1.° Ao exame das decisdes do Conselho sobre a au- torisagao de despeza. Este exame sera feito 4 vista de um relatorio e do balanco apresentado pelo Conselho. « § 2.° A adopcao, por acclamacaio dos membros hono- rarios , approvados pelo Conselho. « § 3.° A adopcaio de quesquer medidas, que nao esti- yerem na alcada do Conselho. « § 4° A eleicio e installagio dos novos funccionarios. « Art. 21. Para se abrirem as sessdes da assembleéa geral, devem estar presentes, pelo menos, vinte e quatro mem- bros. « Art. 22. Alem das assembléeas geraes ordinarias e ex- traordinarias, haveraé uma sessao solemne annual no dia anniversario da inauguragao da Sociedade. « Art. 23. Nesta sessao o secretario geral lera o relatorio dos trabalhos da Sociedade durante o ultimo anno, termi- nando pela analyse das memorias apresentadas no concurso aos premios, com a declaracao das que foram preferidas , VARIEDADES. 155. e dos nomes de seus autores. Em seguida o presidente da Sociedade conferira os premios e mandara ler e distribuir os novos programmas. No fim da sessao o secretario geral pro- clamara os nomes dos membros honorarios, adoptados na ullima assembléa. CAPITULO VI. DAS OBRIGACOES E DIREITOS DOS SOCIOS. « Art. 24. Os membros effectivos ficam sujeitos a uma contribuicao semestral de cinco mil réis. No acto de sua inscripgao, como membros, pagaras uma joia de dez mil Yeis. « Art. 25. Estas quantias e quaesquer outras que a. So- ciedade puder alcan¢ar por suas publicagdes, por donativos particulares ou por decretacdes dos Poderes do Estado, ser- virao para occorrer as despezas do expediente , do paga- mento dos empregados, dos premios que se fundarem, da compra de livros, e da impressao das revistas e mais obras- « Art. 26. Qualquer membro podera assistir 4s sessdes do Conselho; propér ahi e discutir, sem voto, 0 que julgar conveniente para desempenho do fim da Sociedade ; ler na bibliotheca respectiva, e consultar as actas, e os manuscriptos nao reservados. « Art. 27. Todos os membros da Sociedade tém direito a receberem um exemplar de qualquer publicagao feita por ordem della. CAPITULO VII. DISPOSICOES GERAES. « Art. 28. A Sociedade trabalhara desde quinze de Marco até quinze de Dezembro. O tempo que medeia entre aquellas duas datas sera considerado de férias. 156 REVISTA BRAZILEIRA. « Art. 29.-Os nomeados para o primeiro Conselho de direcgao servirao até Dezembro de mil oitocentos e cincoenta e cinco. « Arf. 30. Qualquer reforma nas disposicdes destes Es- tatuto sera iniciada no Conselho , e (depoiS de approvada) submettida a consideracgao de uma assembléa geral extraor- dinaria. « Art. 34. Os presentes Estatutus , assim como qualquer reforma ou alteracao, que houver de ser adoptada pela So- ciedade , subirao 4 presenca do governo imperial, de quem se solicitara a approvacio, antes de se imprimirem e distri- buirem. « Rio de Janeiro, 146 de Margo de 1855.— Marquez de Mont’ Alegre, presidente. — Dr. Bernardo Augusto Nas- centes de Azambuja , 41° secretario.— Joaquim Antonio de Azevedo, 2° secretario. > O Ex™ Sr. presidente declara inaugurada a Sociedade Statistica do Brazil. Em virtude do art. 6° dos Estatutos 0 Ex™° Sr. presidente convida os membros presentes a proceder 4 nomeacao dos membros que devem compor a Mesa; e correndo o escrutinio para presidente , acham-se sobre a mesa 18 cedulas , e obtém o Ex™ Sr. Marquez de MontAlegre, 18 votos, declarando S. Ex. nao ter votado. Para 1° vice-presidente, acham-se 18 cedulas, e obtém, o Ex™ Sr. Visconde de Itaborahy 17 , e 0 Ex™° Sr. Marquez de Abrantes 4. Para 2° vice-presidente , recebem-se 21 cedulas, e obtém 0 Ex™ Sr. conselheiro Eusebio de Queirds 24 votos. Para secretario recebem-se 20 cedulas, e obtém, o Sr. Bernardo Azambuja, 19; e Dr. Oliveira Fausto, 4. Para secretario adjunto acham-se 19 cedulas, e obtem, 0 VARIEDADES. 457 Sr. Azevedo, 15; Dr. Oliveira Fausto, 3; e Visconde de Ita- borahy , 4. Para thesoureiro acham-se 20 cedulas, e obtém o Sr. Hermano Tavares unanimidade de votos. Concluida a eleigio, o Ex™° Sr. presidente convida aos membros eleitos, que se acham presentes , a tomarem posse de seus respectivos logares. O Sr. secretario geral propode, e é approvado , que uma commissao composta dos membros da mesa, e de mais 15 membros, se dirijam aS. M. o Imperador a agradecer a Alta Proteccao , que o mesmo Augusto Senhor se dignou de con- teder a esta Sociedade, e que nessa occasiado fossem offe- recidos os Estatutos e a medalha da fundacao da Sociedade. Nao havendo mais nada a tratar-se , levanta-se a presente sessao ds 8 horas da tarde. A sciencia e os sabios na Russia. Quando se ouve fallar de sciencia franceza e de sciencia allemaa , todos sabem o que essas palavras significam , por- que do ponto de vista do desenvolvimento scientifico todos tem das duas nacoes, idéa tao clarae tio precisa, comoa que os anthropologistas podem ter do desenvolvimento phy- ‘sico das differentes racas. Se se dissesse, porém, — sciencia russa, — quem é que poderia comprehender tal expressio, pelo menos no estado actual das cousas? Talvez se comprehendesse ainda menos do que se se dissesse — a sciencia hespanhola, ou a sciencia portugueza. Verdade é que de tempos a tempos vém-se alguns sabios acabados em off ou em itch, atravessarem como brilhantes 458 REVISTA BRAZILEIRA. meteoros, a atmosphera scientifica; e esses sabios, apre- ciados como curiosidades exoticas, sao logo addidos aos grandes corpos academicos. O Instituto de Franca conta nada menos do que sete Russos como membros correspondentes sO na classe das sciencias ; mas, apezar disso, essas individualidades cosmopolitas ainda nao puderam constituir um complexo sufficientemente ca- racterisado, para que seja possivel estabelecer-se em tragos salientes a physionomia ou 0 lado original do espirito scien- tifico na Russia. Nao temos de certo a pretencdo de encher esta lacuna, mas Vamos ao menos ensaiar, e ver se poderemos reunir os elementos dispersos , que sirvam algum dia para a solugaio da questao ; e para isso vamos desenterrar das trévas em que esto sepultados, trabalhos que, fora da esphera em que foram produzidos, ninguem conhece; e esbocar rapidamente 0 desenvolvimento official da sciencia na Russia, e a orga- nisacdo interna do mundo scientifico desse paiz. E talvez se venha a reconhecer que, além de suas illus- tragdes européas, possue a Russia poderosos elementos de futuro e de progresso, e que se acha ella numa dessas si- tuagdes em que basta um pequeno impulso, e algumas cir- cumstancias felizes, para que o desenvolvimento eleve ra- pidamente o voo. A Russia, do ponto de vista que nos occupa, poda ser.e e com effeito mais conhecida e apreciada na Allemanha do que em Franca, e muitos sabios russos consideram a Alle- manha como uma segunda patria. Na Allemanha é que elles vao publicar os seus trabalhos, que sao sempre bem aco'hidos nas grandes publicagdes pe- riodicas. A razao desla especie de emigracao intellectual, é prin- cipalmente nao ter a Russia jornaes consagrados 4 sciencia Oe a ee VARIEDADES. 159 pura, e depois é€ porque a Russia nao tem um publico que comprehenda os seus escriptos e trabalhos, e que recom- pense assim os seus esforcos e fadigas. A actual sociedade russa pertence quasi exclusivamente a litteratura; e esta tendencia para um objecto tao fora das idéas militares, € um bom symptoma para um povo que por tanto tempo viveu estranho ao movimento intellectual da Europa. Para os Russos que pensam e reflectem, é de certo lison- geiro verem que os espiritos se preoccupam sériamente da historia nacional, do desenvolvimento da lingua do paiz, e das transformacdes economicas ; e ninguem se poderia sem duvida queixar deste ardor de publicidade, dessa exube- rancia de produccoes de toda a especie , que constituirio mais tarde um dos caracteres da época actual. Entretanto pode haver excesso mesmo nas cousas mais louvaveis; € a experiencia dos seculos poderia mostrar-nos que no desenvolvimento confuso e desregrado dé todas as idéas, chegaria a Russia em breve tempo a essa especie de -anarchia intellectual ni Bossuet tinha on rts as seitas ~protestantes. A economia politica é a sciencia e a occupacao da moda: no ensino das universidades, dos lyceus, e até na escola do estado-maior encontra-se a economia politica. A facilidade com que todos podem tratar e discutir, mais ou menos bem, as mais transcendentes questdes da sciencia economica, estabeleceu na sociedade russa uma especie de nivel igualitario, que poe na mesma linha a intelligencia e a inepcia, e que assegura ainda por muito tempo 4s dou- trinas economicas justa e legitima popularidade. Para que a sciencia possa reclamar um logar fixo e estavel nas preoccupacoes do que se chama o mundo intelligente , é mister que o terreno esteja preparado, e que a diffusio dos 460 REVISTA BRAZILEIRA. conhecimentos tenha disposto os espiritos a bem perceber aconnexao intima que existe entre 0 progresso das sciencias e o desenvolvimento da civilisacao e do bem-estar. Ora, na Russia, nenhuma das classes da sociedade a se aclualmente nestas condicoes. Os sabios nao tém e nao podem mesmo ter outro publico senao elles proprios ; e por consequencia o logar que oceu- pam, a par da litleratura, 6 mui pouco importante. Qualquer personagem na Russia ficara mui lisongeado e honrado em travar conhecimento e entreter relagdes com tal ou tal litterato; mas pouco se importara, e nada se lison- geara de sentar-se 4 mesa ao lado de um sabio; se 0 sabio tiver uma patente, ou uma posicao official, especialmente se tiver a felicidade de servir num corpo especial do exercito, entao talvez se lhe perdée o facto de ser chimico, physico ou mathematico. Os jornaes, que sio sempre a expressao e 0 reflexo do estado social, denotam bem este facto caracteristico, porque a litteratura e 4 economia politica 6 que pertence o logar de honra na imprensa periodica da Russia; quanto as outras sciencias, desterram-nas para 0 pavimento terreo dos jor- naes, como simples e modesto folhetim. Fora das publicagdes por assim dizer vulgarisadoras , e cujo objecto é derramar conhecimentos geraes pela socie- dade, € a0 mesmo tempo o gosto e a intelligencia das occu- pacoes scientificas, os sabios nao podem produzir senao duas especies de obras. Umas destinadas ao ensino, @ que sao resumos mais ou menos importantes dos differentes ramos da sciencia, e outras, que tratam de pontos novos, elucidados pelos au- tores, e que se dirigem a um publico cuja educagao ja esta feita. Os livros classicos, de que vivem tantos sabios modestos Pr. > Boece VARIEDADES. 164 em Franga, na Inglaterra e na Allemanha. sao mui pouco numerosos na Russia: pouco haveria talvez para citar, de- pois do pequeno tratato de physica de Lenz; a chimica, ja algum tanto atrasada, de Hess, mal substituida por um re- sumo do Resumo de Regnault; 0 Compendio de historia na- tural de Simachko, e os Elementos de arithmetica de Bou- niakopsky. Em todos os estabelecimentos existem em profusio as obras classicas francezas, e todos sabem que para os Russos ® francez é uma segunda lingua vernacula. A mesma razao explica porque nao ha ainda na Russia traducgdes completas dessas obras uteis : os livreiros nada venderiam. Quanto aos tratados especiaes, nao tém, nem podem ter leitores na Russia; e para citarmos apenas um facto carac- teristico, basta dizer que o Sr. Somoff, um dos geometras mais distinctos , nao pode ate hoje vender mais de oito exem- plares do seu Tratado sobre as funcgdes ellipticas , trabalho do maior alcance , e que se fosse publicado em francez, teria feito sensacio na Europa. Toda e qualquer publicacgio neste genero tornar-se-hia mesmo impossivel, se 0 governo nao se encarregasse dos gastos da impressao, de sorte que o autor, em falta de lucros, tem ao menos a satisfacao de ver a suaobra impressa; embora tenha a certeza de que vai ella ficar para sempre enterrada nas bibliothecas. Nao é, pois, de admirar, se os Russos vaio procurar lei- lores na Allemanha e na Franea , e que o Boletim, periodico official da academia, assim como as suas Memorias, sejam publicadas exclusivamente em lingua franceza e allemaa. Ha tres aunos formou-se em S. Petersburgo uma sociedade commercial, com o louvavel fim de dar impulso ao desen- valvimento do espirito scientifico. Re Be i: ; 4M ‘462 REVISTA BRAZILEIRA. Para isso montou ella typographias e fabricas; publicou livros de instruccao geral, escolhidos com todo o discerni- mento e criterio: organisou armazens para a venda de ins- trumentos; e estabeleceu sales e sessdes de leitura 4 moda de Inglaterra, que sd por espirito de novidade foram fre- quentados por algumas pessoas durante certo tempo. Indicamos esta tentativa como um bom exemplo; mas nao como um symploma de reaccio do gosto publico pelos ob- jectos scientificos. Esta revolucao ha de se fazer sé quando a experiencia tiver demonstrado ao bom senso natural da nacao a vaidade, a nihilidade e o perigo das theorias f6fas. A agricultura e a industria, essas duas fontes da pros- peridade futura da Russia, esperam seu desenvolvimento da verdadeira sciencia; isto 6, da sciencia que estabelece os problemas, sonda-os e resolve-os segundo as regras da logica e com o concurso da intelligencia. Nao sera talvez destituido de interesse 0 resumir aqui 0s documentos mais recentemente publicados na Russia sobre a organisacao scientifica em seus differentes graus. A Franca, e em geral a Europa, nao conhece a Russia senio por publicagdes que ja tém mais de vinte annos de data, e que induzem os estatisticos 4s mais erroneas con- clusdes. Em Franca pide-se fazer idéa, quasi dia por dia , querendo, do numero de estabelecimentos de instrucgao pu- blica, do numero de professores e dos alumnos que fre- quentam as aulas, porque, com poucas excepcoes , esta tudo centralisado n’um unico ministerio. Porém na Russia é preciso ir procurar os elementos de qualquer calculo ou trabalho que se queira fazer a tal res- peito, nao sd nos documentos do ministerio da instrucgao publica , mas tambem nos do ministerio da guerra, da ma- rinha, dos dominios da corda, dos negocios da corte, ete., ete, VARIEDADES. 163 Comecando-se pela instruccao elementar , encontra-se logo um embaraco. porque ha escolas que existem nas terras ¢ propriedades de particulares nobres, e onde vive uma po- pulacao que comprehende a terca parte da de todo o imperio. Essas escolas sao de certo numerosas, mas como estao sob a dependencia dos senhores territoriaes , escapam a direccao e vigilancia do governo, e .portanto tambem a estatistica. Os mestres, ou outchitels, sio en: geral servos educados especialmente para esse fim , e ensinam o que sabem: ler, escrever, contar e rezar. O ministerio dos dominios comprehende sob sua direccao uma populacao talvez de 30 milhdes de homens livres. Por aqui pode-se calcular o que deve ser esse ministerio , e Os encargos e responsabilidade que lhe sao inherentes de- vem assustar a qualquer homem de Estado que nao conheca a Russia. Este ministerio conseguiu em alguns annos fundar e or- ganisar 2,500 escolas elementares, regidas por 2,800 pro- fessores, e frequentadas por 110 mil alumnos. sendo 90 mil do sexo masculino, e 20 do sexo feminino. Este numero de escolas e de discipulos , parecendo consi- deravel em relacio ao estado pouco adiantado do paiz, e entretanto diminuto , comparando-se com o das colonias es- trangeiras fundadas no tempo da Imperatriz Catharina, as quaes tém hoje 360 escolas, frequentadas por 40 mil me- ninos e 30 mil meninas. O ministerio da instruccao publica tem sob sua depen- dencia, como estabelecimentos elementares , as escolas das parochias, que andam por 2,231; metade das quaes per- tence propriamente 4 Russia, e a outra metade ao reino da Polonia; o numero de alumnos dessas escolas nao se pode determinar com toda a exactidao, mas nao pode ser menor de 150 mil. 164 REVISTA BRAZILEIRA. Tambem pertencem ao ministerio da instruccao publica as escolas elementares do domingo , estabelecidas s6 para as cidades, por um decreto recente, e cujo numero de alumnos | nao se pode determinar. O clero possue 200, estabelecimentos de instrucgao pri- maria, frequentados por 45 mil alumnos. Estas escolas do clero tém um caracter especial, porque servem como de viveiro d’onde se tira o pessoal para 48 se- minarios. Ha pois , na Russia, além das escolas que se podem chamar senhoriaes, mais de 5 mil estabelecimentos consagrados ao ensino elementar, e frequentados por 400 mil alumnos: em ‘todos estes estabelecimentos a instruccao é inteiramente gra- tuita, e as despezas sao pagas 4 custa das contribuigdes locaes. Passando ao grau superior de instruccao, temos em pri- meiro logar as escolas de districto em numero de 365, que sao como 0 primeiro passo para 0 ensino dos gymnasios : depois os mesmos gymnasios que correspondem até certo ponto aos lyeeus do systema francez, com a differenga que nos gymnasios da Russia o estudo das linguas mortas occupa pouco logar, e é substituido por outros ramos de ensino de maior utilidade pratica. Chamam-se lyeeus na Russia certos estabelecimentos ex- cepcionaes, que tém o privilegio de conferirem graus e di- reitos universitarios. Desses estabelecimentos apenas ha quatro com um in- significante numero de alumnos. Dos lyceus passa-se 4s universidades , das quaes algumas compoem-se de quatro, e outras de cinco faculdades; a saber: sciencias physico-mathematicus ; sciencias historico-phylolo- gicas ; sciencias philosophico-juridicas ; sciencias medico- VARIEDADES. 165 cirfrgicas ; e sciencias chamadas na Allemanha — cameraes, — gue sio propriamente sciencias administrativas. Estas universidades, na ordem de importancia numeriga, sao as seguintes: a de Moscow , com 2,000 estudantes; a de Kiew , com cerca de 900 ; ade S. Petersburgo, com 700 ; a de Dospat, com 550; a de Kharkoff, com 460; ¢ final- mente a de Kasan, com 350. 0 alto ensino ecclesiastico nao figura nas universidades: - comeca nos seminarios de que ja fallamos, e termina em quatro academias ou facuidades ecclesiasticas , que contam 72 professores e 350 estudantes ; mas para se ordenar nao 6 indispensavel passar pelo ultimo grau do ensino ecclesiastico. O exercito russo recruta o seu pessoal de officiaes nos corpos de cadetes, que sao 27, disseminados nas principaes cidades do imperio. Os alumnos entram na idade de 9 annos, e sahem aos 17. A educacao é€ bastante variada, e comprehende , além dos conhecimentos indispensaveis aos militares, os que devem ter as pessoas de boa sociedade, o que facilmente se explica, attendendo a que todas as familias mandam geralmente os filhos passarem algum tempo no servico militar, e por outra parte tambem , que muitos officiaes. no fim de um certo numero de annos de servico, tornam a entrar para a ‘so- ciedade; de sorte que o estado militar nao constitue na Russia uma dessas profissdes que se nao pode mais deixar , uma vez que foi abracada. Segundo os documentos russos, esses 27 corpos de cadetes contam 8 mil alumnos e 900 professores. Os professores sio nomeados e escolhidos dentre os me- lhores das universidades e das escolas especiaes : sao larga- mente retribuidos, e tratados com consideracdo , e para muitos tem sido esse 0 caminho para chegarem a altas po- sigdes, é 166 REVISTA BRAZILEIRA. - Talvez pareca exagerado o numero dos professores , com- parado com o dos alumnos; mas é isso devido ao systema russo, no qual o ensino oral occupa muito mais tempo que em outra qualquer parte, sem chegar todavia 4 exageragao da escola polytechnica de Zunch, em que as ligdes oraes dos professores gastam 9 horas todos os dias. Pouco podemos dizer, neste rapido esboco, das escolas especiaes que correspondeim , quanto ao objecto, as de igual natureza que existem em Franca e outros paizes; citaremos unicamente o Instituto de pontes e calgadas, a escola das minas, os Institutos agronomico, technologico e florestal ; as academias, ou escolas do estado-inaior , de artilharia, de engenharia , e de medicina e cirurgia militar. Nao ficaria completo este quadro, se nao mencionassemos tambem 40 estabelecimentos de diversas classes em yue se educam, a expensas dacorda, perto de 7 mil meninas; e finalmente, para fazer 0 contraste a estes importantes alga- rismos , duas insignificantes escolas de surdos-mudos, uma com 65 meninas e outra com cerca de 100 meninos. A Academia Imperial das sciencias, que corresponde ao Instituto de Franca, comprehende tres classes : 1°, sciencias physico-mathematicas ; 2*, lingua e litteratura russa; 33, sciencias historico-philologicas. Occupemo-nos por ora da primeira seccao, que @ a que mais nos interessa. Percorrendo-se a lista dos ville e um membros que com- poem esta seccao, fica-se admirado da grande proporgao de nomes allemaes: ha doze allemics membros desta seccao; &@ mais de metade. Quanto ds pessoas em si, nenlunia objeccao se pode fazer, porque sio todos nomes admittidos e consagrados por toda a Europa scientifica; taes sao: Lentz, Kupper, Jacobi, VARIEDADES. 167 Hammel, Brandt, Struwe, Baer, Fritzsche , Middendorph, Ruprecht, Helmersen, etc. Entretanto parece singular que uma academia russa, que faz suas sessdes em S. Petersburgo , declare assim 140 publica e ostensivamente a penuria da sciencia indigena; o que de certo nao é grande incentivo para os sabios russos. Desde a eleigao do Sr. Ostrogradsky, eleito, apezar de ser. russo, talvez por causa de suas longas e interessantes viagens, e da gloria scientifica adquirida em paizes estrangeiros , ne- nhum Russo foi ainda eleito para a academia de sciencias da Russia, e isto durante um periodo que comprehende vinte e quatro annos. Entretanto, de 1852 para ca, parece que se vai mani- festando uma reacgao em sentido contrario; e é de esperar que venham outros Russos sentar-se ao lado dos Srs. Pere- vostchikoff, Tchebischeff, Geleznoff, Zinine , e Kokscharoff. Entre os academicos de S. Petersburgo, alguns ha que tém a honra de pertencerem tambem ao Instituto de Franga ; taes sao os Srs.: W. Struwe, Baer, Ostrogradsky , Tchebis- cheff, Wrangel e Nordmann, Pelo que fica dito vé-se que o pessoal official scientifico da Russia é numeroso, e que sua organisacao approxima- se muito da que existe nos outros paizes da Europa. Materialmente fallando, a situacao dos sabios officiaes nao é peior na Russia do que n’outra qualquer parte. Os academicos recebem so pelo titulo tres ou quatro vezes os emolumentos que tém os membros do Instituto de Franga. Os professores das grandes escolas e das universidades tém vencimentos um pouco superiores aos que exercem funcegdes correspondentes em Franca. Nas escolas do segundo grau ha um systema de retribuigao por hora; de maneira que cada professor recebe uma pe- quena somma de cada estabelecimento ; mas como se péde {68 REVISTA BRAZILEIRA. leccionar n’um grande numero de eslabelecimentos , vém esses professores a ter 0 mesmo que os membros do ensino secundario em Franca. Quanto ao ultimo grau do ensino , ¢ incontestavelmente muito mais mal retribuido do que em Franca, e talyez mesmo do que n’outro qualquer paiz ; e se nao fossem as condicdes economicas da vida patriarchal do campo , os vencimentos que o Estado paga aos professores de instruccio primaria na Russia, seriam inteiramente insufficientes. Em ordem de gerarchia , os sabios officiaes na Russia nib tém de que se queixar, porque estao bem classificados ; por- que na Russia, assim como na China, todo 0 emprego pu- blico corresponde a um grau ou gira: militar, e que se chama tchine. As universidades conferem diplomas que equivalem aos titulos de bacharel, licenciado e doutor, e a que corres- pondem échines de 10*, 9* e 8 classe. O ultimo ¢chine russo, correspondente ao grau de aspirante, é a 14 classe. Assim um doutor é igual a um major pela classe que occupa na gerarchia social e militar; e a gerarchia vai assim caminhando até aos membros da academia, que tém todos. a patente de general, e o tchine de conselheiro de Estado. O governo é quem organisa tudo na Russia; e nos limites de suas attribuicdes e de seu poder, é justo dizer que elle faz aS cousas grandiosamentie. Os grandes estabelecimientos de instrucc¢ao sao verdadeiros palacios , onde se encontram magnificas collecctes e labo-— ratorios ricamente providos de tudo quanto & necessario. Os sabios e professores na Russia tém a grande felicidade, que nao tém os de outros muitos paizes, de dispérem dos instrumentos necessarios para o trabalho. E para sermos em tudo justos para com 0 governo russo, VARIEDADES. 169 devewos accresventar que nunca recusa o seu auxilio e assistencia ads homens que a bem da sciencia desejam viajar pelos outros paizes. A verba das commiss0es scientificas absorve todos os annos uma somma consideravel do orgamento da Russia, e se os resultados nao correspondem as despezas e ao sacrificio , nao é de certo por culpa do governo. Sahindo-se do circulo scientifico official, torna-se mui difficil continuar a comparacao que fizemos entre a Russia € Os outros paizes da Europa. Neste imperio, feito por assim dizer de uma s6 peca in- teiriga, e pela vontade de um homem, era indispensavel que toda a vida social se concentrasse nas maos de um sd, e que toda a direccao partisse de um centro commum. A sciencia na Russia esta arregimentada como tudo o iwais; € a iniciativa individual nao tem occasiixo de se ma- nifestar. Nao se deve portanto ir procurar na Russia dessas instituigdes que se tém multiplicado em toda a Europa, fora da intervencao e influencia dos governos; dessas institui- des que sao infelizmente pouco numerosas em Franga , e que pullulam na Inglaterra onde sio como que uma das con- diedes do seu equilibrio social. Sendo assim, jase vé que a enumeracao das sociedades scientificas e litterarias da Russia nao nos pode tomar muito tempo. A mais conhecida de todas ellas, talvez porque durante muito tempo publicou o seu jornal em francez, é@ a Socie- dade dos Naturalistas de Moscow, muito inferior a outras do mesmo genero que existem na Europa. Uma Sociedade Geographica, fundada ha dez para doze annos ein S. Petersburgo, @ sem duvida a unica associacdo russa que trabalha e procura tornar-se util. Essa sociedade ja tem reunido em seu gremio os mais emi- 179 REVISTA BRAZILEIRA. nentes geographos, ethnographos e navegadores: organisou excursoes scientificas da maior importancia ; publica interes- santes Memorias sobre as regides ainda nao exploradas da Mongolia Chineza, de Bokhara, do Caucaso , da Persia Cas- piana, e do Norte da Siberia. A esta lista devemos accrescentar a Sociedade Chimica de S.Petersburgo, fundadahacerca de dous annos com as maiores probabilidades e elementos de vida duradoura, e ja contava em seu seio muitos chimicos distinctos , como Fritzsche , Zinine, Workressensky, Ilienkoff, Chichkoff, Khodneff , Illich, Deeping , Lascowky , Socoloff, Beketoff, Boutleroff, Abocheff, Clauss , Schmidt e Harpe. Esta sociedade ja tinha tambem organisado um labora- torio completo e uma bibliotheca magnifica: para prosperar faltou-lhe porém infelizmente um pouco desse sentimento de confraternidade que deveria animar os homens de sciencia, - e por mau fado torna-se cada dia mais raro. Fora da sciencia pura, temos em primeiro logar a Socie- dade Imperial Livre Economica de S. Petersburgo, a qual tem por fim o desenvolvimento da agricultura e da in- dustria. Nenhuma sociedade é mais rica do que esta e tem mais recursos para fazer bem; e entretanto nada faz, e a sua influencia é inteiramente nulla. Além desta, ha quatro sociedades de economia rural: uma em Moscow, uma em Odessa, uma em Kasan, e outra em Tiflis, tendo esta ultima uma seccio de sericultura. Estas sociedades tambem trabalham pouco , e poucos re- sultados dao. | Q que acabamos de dizer das sociedades, pode se ap- plicar exactamente 4 imprensa scieutifica. Nio existe propriamente na Russia publicagao alguma pe- riodica que tenha por objecto a sciencia pura, salvo se se VARIEDADES. 474 quizer considerar coiuo tal o Mensageiro das sciencias na- furaes, que se pudlica em Moscow, o Jornal Chimico de S. Petersburgo, e mais alguns jornaes de technologia ou de construcedes civis, todos de pequena importancia e pouco valor. Ha trinta annos peblicava-se na Russia um jornal, unico no seu genero em toda a Europa; era o Indicador das des- cobertas scientificas e industriaes da Europa pelo professor Schtchégloff , da universidade de S. Pelersburgo; mas depois da morte do fundador em 1834, esta revista cessou de publi-. car-se, deixando uma lacuna que ainda nao foi preenchida. A imprensa official, como por compensacao , apresenta algumas publicacdes de merecimento , que sao poderosa- mente sustentadas pelo governo. Em primeiro logar temoso Jornal du artilharia, publi- cacao mensal que contém trabalhos originaes e preciosos , sobre todas as questdes relativas 4 artilharia; bastando-nos apenas citar os estudos do coronel Mayewsky sobre as pegas raiadas. Este jornal publica minuciosameute vs resultados das com- missoes technicas especiaes , 0 que em oulros se conserva em segredo, contra a opinido dos homens mais competentes. O exemplo da Franca e da Inglaterra basta para convencer que nio ha uma sd invencao que possa ficar occulta por muitas semanas. O Repertorio da Marinha é de certo a mais volumosa Re- vista dos dows Mundos : este jornal apparece duas vezes por mez, e da conta de tudo quanto apparece de novo na Ame- rica, na Inglaterra e na Franca sobre a construcgao dos navios a vela e a vapor, a organisacao das armadas, 0s aperfeicoamentos da mecanica ; e publica os relatorios das numerosas coimmissdes scientifisas confiadas aos officiaes e engenheiros da marinha russa, 172 REVISTA BRAZILEIRA. A Russia, por excellencia, é 0 paiz das minas ; por isso 0 corpo de engenheiros, a que esta entregue a exploragao dellas, por conta do governo e dos particulares , € mui numeroso. Os Annaes das minas , sao uma das publicacdes mais an- ligas e mais estimadas, pelos interessantes trabalhos sobre a geologia, Os processos para a exploracao dos metaes, a direccao dos estabelecimentos metallurgicos e a paleonto- logia. Os Annaes de pontes e calcadas tambem publica as vezes artigos originaes de grande merecimento , alguns dos quaes tém sido reproduzidos ein Eranga. A Revisiu do Ministerio dos Dominios € uma publicagao agricola muito apreciada na Russia, mas cuja redaccao vai decahindo de alguns annos 4 esta parte. A Revista Florestal ministra abundantes e preciosos es- clarecimentos a quem quizer.estudar minuciosamente essa vasta administracao. A Revista do Ministerio da Instruccao Publica pode ser consultada com proveito sobre todas as questdes que dizem respeito a organisagao e ao estado actual dos estabelecimentos pedagogicos: tambem se encontram relatorios das commis- sdes scientificas. O minislerio da fazenda publica tambem am Jornal das Manufacturas , que tem sua analogia com o Boletim da Sociedade Auxiliadora da Industria de Pariz, mas que ordi- nariamente esta pouco ao facto da marcha ative e dos pro- gressos dla industria na Europa. Tal é de maneira geral 0 que se pide dizer do estado actual da sciencia e dos seus cultores na Russia. (Presse Scientifique des Deux Mondes.) M. 0. F: * VARIEDADES. 173 A primeira Typographia na Groenlandia. Em toda a parte vai a necessidade de Typographias tornando-se cada dia mais indispensavel. Para onde quer que lancemos a vista, nas regides as mais remotas da Siberia ou nas Ilhas da Polynesia, na Costa Africa ou nos sertdes da America apenas habitados. por sel- vagens: em toila a parte surgem Typographias. Pouco tempo ha, que se imprimiu na California um periodico em cima do tronco d@’uma arvore. Entretanto a invengao de Guttenberg ainda nao tinha pe- netrado nos territorios mais chegados ao polo arctico; — era impossivel que assim permanecesse. Noticiam effectivamente as Geographische Mittheilungen de Petermann que na Colonia de Goodhaab ao Sul da Groen- landia se acaba de estabelecer uma Typographia, cuja pri- meira obra ha pouco se concluiu. Torna-se esta noticia tanto mais interessante e merecedora da maior attencio, por ser essa obra impressa n°um logar pouco distante do polo arctico, n’um territorio cujos limites geographicos até agora ninguem explorou. — Eis 0 titulo dessa obra: « Kaladlit Okalluktualliait. » Consta 0 seu con- teudo de uma colleccio de Legendas escriptas e impressas pelos naturaes em lingua da Groenlandia com a traduccio em dinamarquez. Acham-se annexadas ao texto 12 estampas xylographicas igualmente desenhadas e entalhadas pelos mesmos naturaes, cuja habilidade para twabalhos destarte é extraordinaria. Concluem a obra 8 cancdes com o texto e a musica ; e forma esta reaniao de materias 0 opusculo o mais interessante e exquisito que ver se pide. Aguardamos anciosos uma continuagao dessa collecgio , pois possuem estes povos uma verdadeira riqueza de tra- dicdes deste genero. 174 REVISTA BRAZILEIRA. Posto que essa obra ja pela sua execucao typographica e as suasestampas nos cause bastante admira a0, merecem tambem os primeiros ensaios da arte xylographica na Groenlandia toda a attencio , pois faltando 1d artistas entendidos, foram obrigados a Jancar mio de meios inteiramente novos, e auxi- liar-se com invencdes exquisilas para alcangarem o seu fim. — As estampas xylographicas enviadas 4 Redaccao das « Geo- graphische Mittheilungen » sao de tamanho regular, coloridas, e representam a Colonia de Goodhaab , sita ao Sul da Groen- landia, n’um logar onde subsiste ainda alguma. vegetacao. Acha-se igualmente estampado um monte de gelo, uma parte da praia do Disko, etc.. formando junto uma paisagem suave, realcada por uma agglomeracao espantosa de mon- tanhas de gelo que muito se parecem com uma grandiosa cascata. Acompanham a obra dous mappas organisados e dese- uhados por um missionario, segundo as instruccdes forne- cidas por um natural entendido, Benjamim Peter, que se tem occupado na caca dos rennos. E bem conhecido possuirem os naturaes desta terra co- phecimentos mui exactos sobre o seu paiz, e os seus caca- dores, cujas ausencias 4s vezes duram todo o verao, indo até aos limites das regides polares, representam sobre 0 papel com um talento particular os logares e terras que alravessaram. — Trata-se actualmente da organisacao successiva duma por¢gao destes mappas para uso do « Instituto Geographico de Petermann em Gotha» afim de habilita-lo a empenhar-se com 0 desvelo acostumado em fornecer ao mundo civilisado nocdes assaz exactas sobre estas regides ainda tao pouco co- nhecidas. » VARIEDADES. 175 A morte de James Wilson, O clitna da India tem sido fatal aos homens de quem mais se esperava para regeneracgao de um systema que se desman- telara sob a accao dos vicios inherentes 4 sua propria orga- nisacao. Apenas se tinha cerrado a sepultura que nos roubara para sempre Sir Henry Ward, e com elle todas as esperancas que fizera conceber a sua nomeacao para Oo governo de Madraste, @ eis que de novo temos de registrar a perda de um homem que occupava a posicao mais proeminente na India, e a quem considerava comnosco a grande maioria da Inglaterra como orestaurador das financas da India. Mr. Wilson succumbiu 4 influencia e accao siinultanea de um clima a que sua constituicao nao estava acostumada, e dos cuidados e apprehensdes de uma posicao cujo trabalho, difficuldade e responsabilidade sio quasi sem exemplo. — Apenas viveu elle bastante para poder apresentar, e fazer passar na legislatura da India 0 seu grande plano para a re- forma dos impostos desse paiz. Quanto ao complemente desse plano, isto é, a reorgani- sagao da reparticao das rendas, e o estabelecimento de um regulador central da despeza, receiamos que nao tivesse elle tempo de realisa-lo. Wilson levou comsigo para a sepultura um grande cabedal de conhecimentos, e uma consummada experiencia dos prin- cipios e até dos mais iminuciosos detalhes de todos os as- sumptos que tinham relacgao com as financas, assim como a pratica e o trato dos negocios da India indispensaveis para tornar esses conhecimentos totalmente applicaveis e provei- tosos. Os negocios da India tinham chegado ao ponto de grande e perigosa crise, A insurreicao estava debellada, porém 9 476 REVISTA BRAZILEIRA. deficit assumia proporgoes ainda mais formidaveis e terriveis do que a propria insurreicao. Principiava-se a considerar as financas da India n’um es- tado desesperado e sem remedio. A doutrina corrente e geralmente recebida era que a re- ceita era e devia ser inteiramente tirada da renda da terra, e que portanto nao era elastica, e que no caso de deficiencia nao havia alternativa senao econonisar ou contrahir empres- timos. Todos sentiam que era chegada a occasiao de fazer-se al- guma cousa decisiva, e foi Wilson por assenso unanime es- colhido como o homem mais capaz de dominar a situacao e de dar remedio ao mal. Seus actos desde que chegou a India sao mui conhecidos e recentes para que seja preciso recapitula-los miudamente. Wilson principiou a trabalhar com toda a dedicacao, com maior zelo e energia, Percorreu a India desde Calcuta ate Lahore ; voltou de novo a Calcuta, praticando com os princi- paes funccionarios civis, e com os mais influentes naturaes do paiz, e obtendo delles a mais importante copia de informa- goes sobre a possiblidade dos impostos que levava em mente. Nao perdeu tempo algum em por por obra os conhecimen- tos adquiridos, e tirou partido dos dados e informacdes que colhéra, e seguidamente redigiu e apresentou dous projectos , um que tinha por fim regular .o meio circulante, outro sobre um imposto do rendimento, e umimposto sobre 0 commercio , OS quaes mMereceram a approvacao e os applausos da grande maioria dos homens illustrados e competentes da Europa. Nao obstante a opposicao que tao inesperadamente se le- vantou em Madraste, e que vinha assim aggravar a situagao accrescentando um perigo que ninguem podia ter previsto, as medidas lembradas por Wilson nao tém ate aqui produ- zido embaracgo algum serio, e tudo parece indicar, tanto VARIEDADES. 477 quanto se pdde por ora julgar , que serio coroadas do r completo e feliz successo. O tom da opposigao amenisou-se consideravelmente , e aquelles que mais clamavam sobre 0 perigo das medidas de Wilson limitam-se agora a sustentar que, sao ellas inconvenientes e inopportunas. Wilson acompanhou as suas medidas através das, intermi- naveis delongas do conselho da India durante a estagig mais caliosa e acabrunhadora do anno, com imcansavel energia; nao obstante vir assim penosamente aggravar os seus ja pe- sados trabalhos o ter de gastar tao fastidiosos dias em sus- telitar os seus projectos perante um corpo composio de agentes do governo que lhe tinha delegado a responsabilidade de suas finangas. Wilson , soffrendo cruelmente sob a influencia do clima da India, aconselharam-lhe que procurasse residir n’algum lo- gar elevado para assim melhorar sua saude visivelmente dete- riorada ; porém tal era o zelo pela empresa que tinha tomado sobre seus hombros, eo sentimento do dever actuava tao po- derosamente naquella organisagao privilegiada que chegou a declarar que nenhuma consideracao pessoal poderia arre: da-lo de suas occupacoes. Ao sentimento do dever sacrificou elle sua preciosa vida. Ja era triste perder-se um governador como Sir Henry Ward; ja era difficillimo achar-se um homem que possuisse todas as qualidades de um administrador de primeira ordem como Sir Charles Trevelyan; estas perdas porém com 0 serem conside- raveis € crueis nao sao irreparaveis. Podem encontrar-se homens com as qualidades precisas para o governo da India, e que cumpram os deveres desse cargo com intelligencia, prudencia e energia, de maneira ‘a inspirar toda a confianga; porém debalde se langam os olhos ese alonga a vista para encontrar-se um homem que se possa Re Be ly 43 478 REVISTA BRAZILEIRA. collocar no posto. que por assenso unanime Wilson preenchia perfeitamente. . Havera de certo homens versados nas financas inglezas, e pessoas ao facto dos negocios da India; poreém um homem que reuna o conhecimento de ambas as materias como Wilson nao se deve esperar que se encontre mais. O mais digno panegyrico que se pdde fazer ao funccionario publico que acabamos de perder é 0 seguinte: Wilson passou, e nao deixa successor. (Extr. do Times e do Economist.) M. O. F. A eolheita e a exportacao do algodac nos Estados- Unidos em 1860. Superfluo seria hoje pretender-se mostrar a importancia que tem o algodao no movimento commercial do mundo in- teiro ; 0 que porém nao é inutil patentear é 0 augmento con- tinuo da producgao deste artigo nos Estados-Unidos, e 0 aug- mento do consumo que delie se faz na Europa. Os documentos mais recentes sobre a safra e a exportagao do algodao nos Estados-Unidos durante o anno de 1860 sao novas provas desse prodigioso desenvolvimento a um tempo agricola e industrial. Limitar-nos-hemos a apresentar os algarismos que dizem mais que quaesquer observacgdes que pudessemos fazer a tal respeito. A produccao do algodao nos Estados-Unidos esta concen- — trada em nove Estados, que nao tém dado todos o mesmo des- envolyimento a tio importante cultura, fonte de immensa VARIEDADES. 179 riqueza para a Uniao Americana. Esse grupo de Estados pro-, ductores de algodao compunha-se durante algum tempo uni- camente de sete, que eram: a Luisiania, a Florida, a Geor- gia, a Alabana, a Carolina do Norte, a Carolina do Sul e a Virginia; os dous Estados que vieram depois augmentar ogrupo, foram o Texas, e o Tennessée, que trouxeram o contingente dessa energia que caracterisa os Estados novos da America. Vejamos a parte que teve cada um desses Estados no mo- vimento productor do anno que findou. O mais productivo dos nove Estados que cultivam o al- godao na Uniao Americana é até o presente a Luisiania, assim Como 0 mais importante mercado é o da Nova-Orleans. Em 1850 sahiram da Nova-Orleans 2,293,470 fardos de algodao : dos quaes 2,005,662 com destino para paizes estran- geiros, e 208,634 para o interior e para outros portos da Uniao. . Do algarismo 2,293,470 deduzindo-se 154,045 fardos que vieram para Nova-Orleans dos Estados vizinhos, resulta que a produccao real da Luisiania foi de 2,139,425 fardos, ou mais 470,151 do que o anno anterior, e 563,016 do que o anno de 1858. O Estado de Alabana, que é 0 segundo na produc¢ao do al- godao, produziu, no anno de 1860, 843,012 fardos, dos quaes 659,481 foram exportados para paizes estrangeiros, 158,332 para 0 interior, e 41,682 ficaram em ser. Em 1859 a produccao do mesmo Estado foi de 704,406 fardos: houve portanto um augmento de 138,606 fardos. A producgao da Florida foi de 192,724 fardos. Destes, 59,108 foram para paizes estrangeiros, 131,594 para o interior; no anno anterior (1859) a exportacao da Florida foi de 173,484 fardos, e de 122,351 em 1858; houve por- {80 REVISTA BRAZILEIRA. ianitd um augmento de 19,240 fardos sobre 1859, e de 70,373 sobre 1858. Os documentos que temos 4 vista dao o algarismo de 531,219 fardos como o da produccao da Georgia. Esta pro- duiccao tem um augmento de 55,431 sobre a de 1859, e de 948,306 sobre a de 1858. ‘A Carolina do Sul exportou por Charleston, seu principal porto, 556,091 fardos, dos quaes 386,770 com destino para paizes estrangeiros, e 16,040 para o interior. Comparada esta produccao com a dos annos anteriores, vé-se que houve um augmento de 29,456 fardos sobre a de 1859, e de 103,858 sobre a de 1858. ‘A’Cirolina do Norte é de todos os Estados productores de algodao'o que apresenta resultados menos satisfactorios , nao sd nesta cultura do algodio como em todos os outros ramos de agricultura. Sua exportacao em 1860 foi de 41,194 fardos, 0 que da um augmento de3,712 fardos sobre 0 anno de 1859, ede 17,194 sobre o'de 1858. A exportacao da Virginia para paizes estrangeiros é quasi insignificante: foi ella de 3,259 fardos, e de 33,462 para o interior. As quantidades consumidas pela fabricacao industrial no proprio Estado representam 17,841 fardos. A Virginia, que é hoje um dos Estados manufactureiros da Uniio Americana, consome uma grande parte da sua propria produccao. Esta produccao foi em 1860 de 56,987 fardos, em 1859 de 33,014, e em 1858 de 24,705. Os sete Estados que acabamos de mencionar foram, como ja dissemos, os unicos productores de algodao durante mui- tos annos. Em tres de entre elles, isto 6, a Luisiania, o Alabana, VARIEDADES. 184 é a Georgia, a cultura do algodao desenvolveu-se em pro- porcdes além de toda a expectativa; os outros dous Estados, que se aggregaram depois aos productores de algodio, tam- bem deram a essa cultura, grande e progressivo incremento. A produccao do Estado de Tennessée que em 1858 foi de 9,624 fardos, e em 1859 de 85,321, chegou em 1860 a 108,676 fardos. O progresso nao foi nem rapido nem menos considera- vel no Estado de Texas: porquanto a produccaio que em 1858 fora ahi de 145,286 fardos, e em 1859 de 192,062 fardos, subiu em 1860 a 252,424 fardos. A exportacio de Texas para paizes estrangeiros subiu a 114,967 fardos, e para o interior a 139,767. De todos os Estados da Unido, é talvez .ao Texas que esta reservado o mais brilhante futuro como productor de algodao. Reunindo agora os algarismos relativos a cada um dos novos Estados productores de algodao, temos que a pro- duceao total do algodaio da America do Norte elevou-se noanno de 1860 a 4,675,770 fardos, tendo sido de 3,851,484 em 1859, e de 3,113,962 em 1858, o que da um augmento de 824,289 fardos sobre a produccao de 1859, e de 1,561,808 sobre a de 1858. Na distribuicao das quantidades exportadas pelos eae Unidos de 1° de Setembro de 1859 a 31 de Agosto de 1860, cabe a Franca 589,587 fardos, ou 138,891 de mais que no anno de 1859. __ A parte relativa 4 Inglaterra representa 2,669,432 fardos, tendo sido de 2,019,252 em 1859, o que constitue um augmento de 650,180 fardos. Em resumo, a Europa recebeu dos Estados-Unidos, em 1860, 3,774,173 fardos de algodao; tendo recebido, em 1859, 3,021,403, 0 que indica um augmento de 36,301 fardos de algodao. 182 REVISTA BRAZILEIRA. Estes algarismos, sobre cuja significacao e importancia nada devemos accrescentar, eo grande logar que occupa a Inglaterra nesta prodigiosa exportacgao de algodao ame- ricano , justificam a pretengaio que teve a America do Norte de elevar o algodao a4 altura, nao de uma questao, mas de um systema politico. Ainda nao ha muito tempo que um jornal de Nova-York discutia a seguinte these : « Da produccao do algodao em suas relacdes com a politica internacional. » O jornal americano pensa bem, e os factos vio demons- trando que o algodao, nas maos dos Americanos, é um terrivel argumento contra a Inglaterra; e o que melhor que qualquer theoria 0 prova @ que apezar dos incessan- tes esforcos da parte da mesma Inglaterra para libertar-se do tributo que paga 4 America, a importacao do algodao dos Estados-Unidos vai augmentando todos os annos na Inglaterra. (J. des Economistes.) 1 APR 1886 Wee i Se er Neate: * ee ; ade Pe ‘A ne - ar 4 ee 1 Ginyah yA leh, pam % ey >4 Hi adi 4 Pa roy : 7 1 vas ieee 54 ¥rt ? * ius) ee ae ‘anne met, IL Set, INDICE DOS ARTIGOS CONTIDOS NO N.° 10. ——— af Estupos bE ANALYSY MATHEMAT:CA. — Formula evolutiva de Lagrange, por CG. B. de Oliveira. ASTRONOMIA.— Sobre 0 eclipse do sol de 18 de Julhode sii observado na ““Hespanha, por Emm. Liais. ECONOMIA PoLiTica.— O commercio do cha na Russia , traduccao do Dr. M. de Oliveira Fausto. MARINHA DE GUERRA. —Marinha Inglezae Franceza comparadas, traducgao do chefe de esquadra Joaquim José Ignacio, com observacdes de C. B. de Oliveira. — Naufragio da corveta D. Isabel, pelo. mesmo chefe de esquadra. CHRONOLOGIA. — O. calendario, extrahido da Astronomia Popular de Mr. ®. Arago, com annotacdes de C. B. de Oliveira. Cantos Epicos. — A visio do proscripto, por J. Norber to de S. 8. VARIEDADFS. — Actas dassessdes da Sociedade Statistica do Brazil. — Ascien- cia e os sabios na Russia, traduzido pelo Dr. Mo 0. F.— A primeira typographia na Groenlandia. — A morte de James Wilson, — A colheita © a exportacao do algudio nbs Estados-Unides em 1860. —_——. Ce oo