o pe 0e eas - om rer er ET rs > - agé: “ apimentado Cio pd rip e pe Pal ei eres et 2 Egas ter etes md ASE rene ‘ y porto intra o conter te pi ae oe ra se Pa meer cadre” re | [HT =, SEP sf "=f W=f = = a = oD d x S | = x = = EL, = =} q = YA WM Ae Amn PUBLICADA POR H. von IRERING, Dr. med. et phil. Director do Museu Paulista, socio honorario da Sociedade anthropologica italiana, da Academia de sciencias em Cordoba, da Sociedade geographica de Bremen, da Sociedade anthropologica de Berlim, da Academia de sciencias em Philadelphia, da Sociedade dos Naturalistas em Moscow, da Sociedade entomologica de Berlim, do Museu etnologico em Leipzig e da Sociedade scientifica do Chile. NA COTE 6” 06 “O S. PAULO Typ.a Vapor de Hennies Irmãos, rua Caixa d'Agua, 1 C 1895. A PROCLAMAÇÃO DA INDEPENDENCIA DO BRASIL PELO Barão de Ramalho.” Corria o anno de 1822, quando o Principe Regente D. Pedro, accedendo ao conselho de seos Ministros, deli- berou vir á esta capital para restabelecer a ordem pu- blica perturbada pelos movimentos sediciosos de 23 de Maio e 19 de Julho, deixando a Princesa Real presidindo os Conselhos d’Estado e de Ministros. Trazendo comsigo, por seo ministro itenerante, Luiz de Saldanha da Gama, depois Marquez de Taubaté, e sua Guarda d'Honra, e dous criados de sua casa, partio da corte no dia 14 de Agosto; chegou a Freguezia da Penha de França, legoa e meia distante da cidade, á 24 do mesmo mez, e d'ahi expedio um Decreto dissolvendo o Governo Provisorio e ordenando que sahissem da ca- pital os principaes autores da sedição. Fez no dia se- œuinte a sua entrada solemne, que foi explendida : o povo formando alas, desde a Penha até a cidade. O re- cebeo com grande applauso e contentamento. A sua estada na capital foi assignalada com varios actos ad- ministrativos: além de outras providencias, ä bem da ordem publica, chamou a Guarnição da capital os Mili- cianos de Iti e de Sorocaba que, por seo patriotismo, na emerguencia de 23 de Maio, inspiravão plena confiança- Restabelecida a ordem, encarregando do expediente ao Ministro, no dia 5 de Setembro, dirigio-se 4 praca de (1) Reproduzido do Relatorio do Presidente da Commissão do Monumento do Ypiranga, lido na sessão de 7 de Setembro de 1885. S. Paulo 1885. 234/03 24 tie ae FOR AVIS Santos para examinar as fortificações, ver a casa em que nascéra o Patriarcha José Bonifacio d'Andrade e Silva e conhecer as outras pessoas dessa familia illustre. Demorou-se alli um só dia e voltou á Capital na madrugada de 7 de Setembro. No lugar denominado — Meninos — ordenou que sua Guarda o procedesse e o esperasse ds portas da cidade, deixando apenas comsigio os Cidadãos Joaquim Maria da Gama Freitas Bercó, João Carlota, João de Carvalho e Francisco Gomes da Silva. A Guarda, cumprindo as ordens recebidas, segue e faz alto às margens do Ypiranga, em uma casa pequena, situada ao lado esquerdo do corrego, propriedade do Al- feres Joaquim Antonio Mariano. No mesmo dia (7 de Setembro) chegarão á Capital o Major Antonio Ramos Cordeiro, Guarda d' Honra e Paulo Bregaro, official da Secretaria do supremo Tribu- nal Militar, trazendo ao Principe novas da córte, e sendo: informados de que Sua Alteza estava em Santos, partem sem demora. Nas margens do Ypiranga, sabendo que a Guarda d’Honra o espera á todo momento, seguem a toda brida para encontral-o. Pouco terreno havião ga- nho, assoma o Principe ao alto da collina do Ypiranga. Vendo Elle um facto tão extraordinario, pára e espera o exito. Approximão-se os mensageiros (erão 4 horas da tarde) e mal se apeião beisão reverentes a dextra ao Principe: entregão-lhe meia carta da Serenissima Princeza, e um officio de José Bonifacio. A carta e o officio contem um aviso dos Decretos tyrannicos das Córtes Portuguezas, chamando o Principe ä Portugal para viajar incognito e declarando nullas e irritas as medidas por elle toma- das no Governo do Brazil. Comprehendeo o principe o alcance destes Decretos e exclamou: « Não cessão de ca- var a nossa ruina!» Então desembainha a espada e se- gue ä todo galope com direcção à sua Guarda d@’ Honra e mais pessoas de sua comitiva que adiante o esperavão, proclamando resolutamente — Jndependencia ou morte! LES: ont Em breve a sentinella o avista e brada, ás armas! Em- «quanto apressados correm as Guardas á seus postos, chega. o Principe, suspende o corcel, e assim lhes falla: «Ca- marados! as Córtes de Portugal querem mesmo escravi- sar o Brasil; cumpre declarar já sua Independencia... Laços fora.» Todos arrancäo o laço Portuguez que tra- zem ao braço esquerdo, e muitos (Guardas o dilaceram à fio de espada. Continuou D. Pedro : «D'ora avante traremos todos outro laço de fitas verdes e amarellas; e estas serão as cores Brasileiras. » A Guarda d'Honra se põe ao largo debaixo de forma e © Principe, elevando a espada, proclamou solemnemente: Independencia ou morte! À guarda toda repete enthu- siasticamente, por longo tempo, as palavras do Principe: palavras sublimes que elevaram o Brasil á cathegoria de nação livre e independente, e o Principe á gloria de ser o fundador d'um vasto Imperio e d’uma nova dynas- tia. Sem mais detença dirige-se o Principe a Capital. 1) Pela estrada e ruas da cidade que passavão, vierão todos com o mesmo enthusiasmo, repetindo incessantemente, em altas vozes — Independencia ou morte —. Ao chegar o Principe na Capital, espalha-se com a velocidade do raio, a noticia de tão extraordinario acon- tecimento A’ noute illumina-se espontancamente a cidade toda; e o povo, com alegria nunca vista, precorre as ruas le- ‘2) A Guarda d'Honra que accompanhava o Principe em sua volta de Santos a S. Paulo compunha-se dos seguintes cidadãos : Coronel Antonio Leite Pereira da Gama Lobo, pri- meiro Commandante; Capitão Manoel Marcondes d’Oliveira Mello segundo dito ; Sargente Môr Domingos Marcondes de Andrade ; “Tenente Francisco Bueno Garcia Leme e as guardas. Tambem testemunharão o acto da acclamação da Indepen- dencia o Guarda-Roupa João Maria da Gama Freitas Berquó, depois Marquez de Cantagallo; o ajudante Francisco Gomes da Silva; o Padre Melchior Pinheiro; o Brigadeiro Manoel Rodrigues Jordão e o official da Secretaria do Supremo Tribu- nal Militar Paulo Bregaro. RE ee vantando estrondosas vivas á liberdade da patria e ao seu libertador. Para melhor mauifestar-se o jubilo pu- blico, a Companhia Zacheli annuncia abrir o theatro e repetir O «Convidado de Pedra». Foi extraordinario o con curso de espectadores Brasileiros e Portuguezes, querendo todos com o Principe tomar parte na primeira festa da Independencia. Em um dos camarotes do theatro (o do nº 11) estava reunida essa mocidade talentosa, cheia de vida e de patriotismo que, atrahida pelas esperanças do futuro, seguia a inspirações dos Andradas; e ahi elabo- ravão a ideia que depois se revelou. Era grande a ancie- dade para ver o Principe, quando Elle, em grande gala, mostra-se a frente ao camarote do Governo com seus gloriosos companheiros do Ypiranga, e Já todos trazendo ao braço esquerdo o laço Nacional. Causon a presença do Principe os mais vivos transportes de contentamento e de alegria. O Brigadeiro Martiniano, o Dr. Chicorro, Secretario do Governo, e o Capitão Thomaz d'Aquino e Castro, repetem poesias sob o mote — Independencia ou morte! — O padre Ildefonso Xavier Ferreira, por unani- me accordo, tomando na plateia uma posição conveniente a ser bem ouvido, proclama por tres vezes em alta voz e bem intelligivel — Viva o primeiro Rei do Brazil! O Principe fez signal de acquiescencia e o povo applaudi — O com estrondo, repetindo o mesmo viva durante todo o espectaculo da noite. A’ todo o instante, um coro unisono entoa este estrebilho do hymno Portuguez, tão admiravelmente aproveitado a occasiao, como a traduc- ção fiel do brado levantado no Ypiranga. Por Vós, pela patria O sangue daremos ; Por gloria só temos: Viver ou morrer. Assim na capital de S. Paulo, os Paulistas festejavão a liberdade e a Independencia da Patria, quando as ou- tras Provincias ainda desconhecião que formavão parte Rene dum Estado livre e independente, e que o Brazil já não era uma colonia Portugueza. No dia seguinte, oito de Setembro, ainda os Pauli- stas tiverão novo assumpto de regosijo, lendo a procla- mação que o Principe publicára, sendo affixada em to- dos os lugares publicos da cidade : « Honrados Paulistanos! O amor que eu consagro ao Brazil em geral e a vossa Provincia em particular, por ser aquella que, perante mim e o mundo inteiro fez conhecer, primeiro que todos, o systema machiavelico, desorganisador e facioso das Córtes de Lisbôa, Me obrigou à vir entre vós fazer consolidar a fraternal união e tran- quilidade que vacillava, e era ameaçada por desorgani- sadores, que em breve conhecereis, fechada que seja a devassa, 4 que mandei proceder. » «Quando eu mais que contente estava junto de vós chegão noticias que de Lisbôa os traidores da Nação, os infames deputados, pretendem fazer atacar ao Brasil e tirar-lhe do seu seio seu defensor : cumpre-me, como tal, tomar todas as medidas que minha imaginação me sug- gerir; e para que estas sejão tomadas com aquella ma- dureza que, em taes crises se sequer sou obrigado, para servir ao meu idolo, o Brasil, ä separar-me de vós (o que muito sinto) indo para o Rio de Janeiro ouvir meus Conselheiros e providenciar sobre negocios de tão alta monta. » «Eu vos asseguro que cousa nenhuma me poderia ser mais sensivel que o golpe que minha alma soffre, separando-me de meus amigos Paulistanos, 4 quem o Brasil e Eu devemos os bons que gosamos e esperamos gosar de uma Constituição liberal e judiciosa. Agora, Paulistanos, só vos resta conservardes união entre vos, não só por ser esse o dever de todos os bons Brasileiros, mas tambem porque a nossa Patria está ameaçada de soffrer uma guerra, que não só nos ha-de ser feita pelas tropas que de Portugal forem mandados, mas igualmente or oué pelos seus servis partidarios e vis emissarios, que entre nós existem atraiçoando-nos. Quando as autoridades vos não administrarem aquella justiça imparcial, que. d'elles deve ser insepa- ravel, representae-me que eu providenciarei. A divisa do Brasil deve ser Independencia ou morte. Sabei que, quan- do trato da causa publica, não tenho amigos e validos em occasião alguma. » « Existi tranquilos, acautelai-vos dos. facciosos sicarios das Córtes de Lisbôa e contai em toda a occa- sido com o vosso Defensor Perpetuo. » Paço, em 8 de Setembro de 1822. — Principe Regente.» Na segunda-feira, 9 de Setembro, o Principe entre- gou as redeas do Governo á um triumvirato, de que fizerão parte o Bispo Diocesano, D. Matheos d’ Abreu Pereira; o Ouvidor da Comarca, Dr. José Correia Pacheco e o Commandante da Praça de Santos, Marechal Candido Xavier d'Almeida e Souza. Dadas estas e outras providencias indispensaveis à ordem publica, retirou-se o Principe para a córte na ma- drugada do dia 10 de Setembro. + > on pe K Dee — DO VE pl, Pe en SES Historia do Monumento do Ypiranga E DO Museu Paulista PELO Ie MAVILLE EE LING: Näo ha ponto mais importante na historia do Estado de S. Paulo, do que a collina do Ypiranga. Aqui pulsou a vida paulista desde mais de tres seculos. Foi desta collina que o primeiro donatario da capitania de S. Vin- cente, que o legendario e heroico Martim Afonso de Souza, no anno de 1531 lançou a primeira vista de olho sobre a nascente capital deste Estado, representado na- quelles dias pela povoação de Piratininga. na qual o celebre chefe dos Goyanás (Goyanazes), Tebiriça reinou como alliado e amigo dos portuguezes, e foi esta collina, sobre a qual passa a antiga rua de Santos a S. Paulo, sempre no meio dos acontecimentos importan- tes que decidirão os destinos da capitania, da provincia, do Estado de S. Paulo, até que veiu o dia glorioso, o dia 7 de Setembre de 1822 em que nasceu a independen- cia do Brazil, que creou para sempre a nacionalidade brazileira. E' facil a entender que já datam de tempos remotos os ensaios para vêr construido nesta collina de Ypiranga um monumento commemorando o facto historico. Temos no Archivo do Museo os differentes relatorios da Commissão do Ypiranga e será conveniente tirar do primeiro, redigido pelo conselheiro Barão de Ramalho, as datas de maior interesse. RUE O Presidente da Provincia Lucas Antonio Monteiro de Barros, depois visconde de Congonhas do Campo, por acto de 27 de Setembro de 1824 tentou realizar, ou ao menos dar começo a um Monumento, abrindo em toda a provincia uma contribuição voluntaria com applicação especial a essa grande obra. Sem referirmos aos diffe- rentes phases seguintes do projecto apenas mencionamos, que afinal foi installado 4 15 de Agosto de 1875 a Com- missão do Monumento. Diz o relatorio (pag. 27) que a Commissão sempre tive a ideia de ser o Monumento um estabelecimento de educação, deliberando á 15 de Dezembro de 1880 que o Monumento do Ypiranga fosse um edificio destinado á instrucção primaria. Correu á 26 de Fevereiro de 1881 a primeira loteria concedida ao Monumento de Ypiranga por lei provincial, dando como resultado a somma de mil contos. A 3 de Abril aprovou o Presidente do Estado a planta levantada pelo Architecto Thommaso Bezzi. Em Setembro de 1884 foi rescindido o contracto com o Architecto Bezzi, sendo feito outro, pagando-se-lhe por todo o tempo que estivesse empregado além dos quatro annos de que reza o mesmo contracto a quantia de 1:666$666 Rs. mensaes até a conclusão das obras. Sendo acceito das propostas offerecidas por varios empreteiros a do architecto Luiz Pucci fez-se a cerimonia da inauguração dos trabalhos do edificio projectado a 25 de Março de 1885. Por lei da Assemblea Provincial de 23 de Março de 1885 foi o Monumento de Ypiranga des- tinado a um estabelecimento scientifico, comprehendendo o ensino de todas as disciplinas designadas sob o titulo de sciencias physicas e mathemathicas e sciencias na- turaes. A Commissão modificou o plano original do Archi- tecto Bezzi, conforme o qual ainda deviam ser levantadas duas azas lateraes do Monumento dando a figura de um E e officiando elle que fizesse reducções na planta já approvada e apresentasse um orçamento das obras à E ada. ‘ RG à M a não exceder de mil contos. O relatorio lido pelo Presi- dente da Commissão do Monumento do Ypiranga, Barão de Ramalho, na sessão de 7 de Setembro de 1889 infor- mou que muito adeantados estão as obras do Monumento, faltando poucos trabalhos para a conclusão do edificio. Foi considerado findo a construeção do Monumento em 1890, colocando o Architecto no vestibulo uma chapa de marmore dizendo : Ne aee Lo) O ENGENHEIRO TOMMASO GAUDENZIO BEZZI Projecto 1882 Construccäo 1885 - 1890 chapa esta que em 1895 pelo Governo foi substituida por outra maior, dizendo: Este monumento commemora a independencia do Brazil, proclamada a 7 de Setembro de 1822 Parece pois que no anno de 1890 0 Monumento foi con- siderado findo, sendo porem certo, que o serviço ficou interrompido antes da conclusão das obras. Assim, como parece por falta de meios, parou tudo, até que no anno de 1892 o Congresso do Estado occupou-se de novo da questão, declarando por lei N. 76 de 25 de Agosto de 1892 o Monumento de Ypiranga e suas dependencias proprio do Estado. Nu anno seguinte esta lei foi executada, sendo declarado findo o contracto celebrado com o architecto Bezzi, e sendo administrado o Monumento pelo Director geral do Thesouro, coronel Pedro Goncalves Dente. De 1890 até 18940 Monumento ficou desoccupado e sem destino. No anno de 1893 o congresso votou uma lei, destinando o Monumento para o Museu do Estado e para Pantheon, e mais uma lei reorganisando o Museu. A pri- meira é a lei N.º 192 de 26 de Agosto, a segunda a lei N.º 200 de 29 de Agosto de 1893. Em principio de 1894 estas duas leis importantes forão executadas. A 15 de Janeiro foi nomeado o 27.7. DES (o es ron Jhering director do Museu, a 3 de Fevereiro foi a este entregue o Monumento pelo director geral do The- souro, coronel Pedro Goncalves Dantes, e na mesma data principiou a mudança do Museu, terminado a li de Maio. Recomecaräo então os trabalhos com o Monumento. Ficou collocada a claraboia, assolharam-se dous quartos do andar terreo; assentaram-se os pararaios; a casa dos serventes levou grandes reparos; construiu-se uma secreta e cercou se o terreno situado atraz do Monumento. No anno corrente fez-se muito pela conservação do Monu- mento, especialmente concertando os telhados que muito haviam soffrido. Foi o Momento abastecido de agua en- canada, vindo de Cassunung'a, sendo collocadas duas caixas d’agua de deposito em baixo do telhado. Acabou-se a escada grande e as rampas da entrada, collocou-se va- sos ornamentaes, tapetes etc. no vestibulo e concertou-se o aterro. muito estragado pelas aguas pluviaes, sendo as rampas do aterro plantadas de gramma, e construidas sargetas para o esgotto das aguas pluviaes. Como se vê pelo balancete communicado pelo Dr. João Alvaro Rubião jun., D. Secretario da Fazenda, no seu rela- torio apresentado ao Presidente Dr. Bernardino de Campos em 3] de Maio de 1894 pag. 213 a despeza com a cons- truccäo do monumento inciusive o modelo em gesso, quadro historico e parte da estrada da Gloria montou a 1.715:124$261 Rs. Para demonstrar a distribuição das localidades no Monumento serve o mappa junto PI II, dando a estampa Pl. T o aspecto da fachada do Monumento. Quanto a historia do Museu, dirigi-me pedindo 1n- formações ao Dr. Orville 4. Derby D. Chefe da Commis- são Geographica que tinha a delicadeza de mandar-me 0 documento que no seguinte publicarer. ted! oe Ec AN [3 Res co“ MI ES GEOGRAPHICA E GEOLOGICA { de S. PAULO | Cidadão S. Paulo, 29 de Agosto de 1895 Em resposta ao vosso officio de 31 de Ju- lho, pedindo informações sobre o Museu Pau- lista, tenho a dizer o seguinte: Tendo em fins de 1890 o Sr. Conselheiro Mayrink adquirido o predio situado no Largo Municipal construido pelo CEL Sertorio para sua residencia e para accomodar a collecção que tinha accumulada e que era geralmente conhecida pelo nome de « Museu Sertcrio, » es- tando a dita colleeção incluida na compra do Conselheiro Mayrink, esta foi offerecida em seu nome ao Governo do Estado em 23 de Dezembro de 1890. Retirando-se o CEL Sertorio da casa, esta ficou fechada, e durante alguns mezes 0 Go- verzo do Estado nenhuma providencia tomou sobre a dadiva que tinha recebido. Finalmente a instancias do Sr. Alberto Loferen, botanico “desta Commissão, que tinha collaborado na formação do « Museu Sertorio» e que se in- teressava para que não fosse deixado assim no abandono este cabedal scientifico que podia servir para nucleo de um museu digno do Estado de S. Paulo, o Prezidente Dr. Americo Braziliense em 7 de Abril de 1891 providen- ciou a respeito encarregando o Sr. Léferen da sua direcção interina, e destinando uma CAE au pequena verba para a sua conservação. Foram nomendos naturalistas ajudantes os cidadãos Guilherme Friedenreich e Alexandre Hummel (depois substituido por Gustavo Kônigswald), e zelador, o cidadão Roberto de Almeida. Na lei do orçamento votada em 1892 para o exercicio de 1893 0 Museu foi annexado à Commissão Geographica e Geologica, e em Janeiro deste ultimo anno cessou a sua admi- nistração provisoria, ficando o seu pessoal en- corporado com o da Commissão Geographica e Geologica. No emtanto tinha o (Governo procurado entender-se com o proprietario do predio occu- pado pelo Museu a fim de aluga-lo por conta do Estado, sem sequer obter resposta; instan- do, pelo contrario, os representantes do pro- prietario nesta Cidade para a desoccupacao immediata do predio. Não se encontrando na occasiäo outro predio para alugar que pudesse servir para a installação do Museu, as collec- ções foram em principios de Dezembro de 1892 removidas para uma casa no Largo do Palacio, o qual o Governo desappropriara para ser de- molida. A final em Marco de 1893 encontrou o Governo e alugou, à Rua da Consolação n. 91, um predio em condições de servir para 0 duplo fim de escriptorio da Commissão e para o Museu; e assim as collecções foram instal- ladas no referido predio. Tendo acceitado a responsabilidade do Mu- seu com grande reluctancia e em obediencia ä lei que fora votada sem eu ser consultado e sem fazer provisão para o desenvolvimento conveniente do Museu, esbocei um plano para o coordenar e desenvolver modestamente à sombra da Commissão Geographica e Geolo- TA É - A Ie a gica, que tinha a seu cargo diversos servicos que podiam contribuir para varias secções de um Museu de Historia Natural, notadamente as de Geologia, Mineralogia e Botanica. Sen- do-me offerecida a cooperação de um zoologista de grande nomeada, aproveitei o ensejo para completar o programma de um verdadeiro museu propondo ao governo a creação de uma secção zoologica nesta Commissão — proposta que foi acceita, sendo-vos confiada a direcção da nova seccão que foi iniciada em Maio de 1893. Logo depois o Congresso do Estado deter- minou crear no monumento do Ypiranga um museu independente, e no principio do exer- cicio de 1894 cessou a ligação provisoria do Museu com a Commissão Geographica e Geo- logica, passando para o novo estabelecimento o pessoal da secção zoologica desta. Saúde e fraternidade. Ao cidadão Dr. Hermann von Iherine, M. D. Director do «Museu Paulista.» ORVILLE À. DERBY Quanto ao serviço do Museu no anno de 1894 consta pelo relatorio que apresentei ao Secretario do Interior Dr. Cesario Motta Junior e publicado em 1895. No anno corrente continuou o serviço da installação do Museu, sendo os armarios todos construidos no Monu- mento mesmo por quatro marceneiros. O mais constara pelo relatorio que será apresentado ao fim do anno. Basta aqui dizer, que 4 7 de Setembro foi inaugurado o Museu, solemnidade sobre a qual aceito a descripção seguinte, tirado da imprensa da cer especialmente do «Correio Paulistano». RAR ES MUSEU DO ESTADO Realisou-se a 7 de Setembro de 1895 a inauguração do Museu Paulista, no monumento de Ypiranga, com grande concorrencia de convidados e representação de to- das as classes. Os bondes a vapor, que conduziram os convidados áquelle logar legendario, partiram ä uma e meia da tarde, chegando ao Ypiranga um quarto d'ora depois, approxi- madamente. Alli já se achava o Dr. Bernardino de Cam- pos, presidente do Estado. Entrando na sala destinada á solemnidade da sessão da inauguração, o Dr. Bernardino de Campos, occupando a presidencia, abriu a sessão com um discurso, que foi vivamente applaudido, sobre a data immorredoura de 7 de Setembro e sobre a escolha que della havia feito para a inauguração do Museu Paulista. Ao seu lado achavam-se o Dr. Cerqueira Cesar, vice-presidente do Estado, Dr. Al- fredo Pujol, D. secretario do Interior, Dr. J. A. Rubiao jun. D. secretario da fazenda e Dr. H. von Ihering, director da instituição que se inaugurava. O aspecto da sala, nesse momento, era simplesmente brilhante. Ornamentavam-lhe as paredes, num destaque vigoroso, o quadro da «Independencia», do pintor brazi- leiro Pedro Americo; o «Paulista», de Almeida Junior; «Manhan de inverno», de Antonio Parreiras; telas de Pedro Alexandrino e de outros pintores brazileiros. Viam-se alli, no deslumbrante recinto, os Srs. Drs. Bernardino de Campos e Cerqueira Cesar, presidente e vice-presidente do Estado; Alfredo Pujol, secretario do interior, Alvares Rubião Junior, secretario da fazenda, Antonio Cintra, Carlos Teixeira de Carvalho, Antonio Mercado e Frederico Abranches, senadores estadaes, José Pereira de (Queiroz, Estevam Marcolino e Eduardo Garcia de Oliveira, depu- tados estadaes, coronel José Antonio Pereira de Noronha e Silva, commandante do 4.º districto militar, Jorge Ritt, consul francez, Dr. João Neave, consul da Belgica, Alfredo AA ats Ancosano, vice-consul da Italia, tenente Pedro Arbues, ajudante de ordens do dr. presidente do Estado, William Speers, superintendente da estrada de ferro Ingleza, Bo- nilha Junior, official de gabinete do secretario do inte- rior, Leopoldo do Nascimento, chefe da estação do Tele- grapho Nacional, Tancredo do Amaral, official de gabinete do secretario da agricultura, drs. Valois de Castro e José Vicente de Azevedo, lentes do Gymnasio do Estado e do Curso Annexo, Mondim Pestana, director interino da secretaria do interior, Buarque Hollanda, director da pharmacia do Estado, dr. Alfredo de Campos Salles, major João Baptista de Azevedo Marques, capitão Lamagnere Teixeira e tenente Marcondes de Brito, officiaes do exer- cito, Duarte Rodrigues, 1º secretario da Associação Com- mercial, Victorino Carmilo, capitão Pelopidas Ramos e tenente Salles Guerra, officiaes da guarda nacional, dr. Antonio Piza, director da repartição de estatistica e archivo do Estado, dr. Pedro Vicente, presidente da ca- mara municipal, Joaquim Piza, vereador, dr. Clementino de Souza e Castro, juiz de direito da capital, dr. Soter de Faria, algumas senhoras, os representantes da imprensa, Antonio de Oliveira, d’ O Estado de São Paulo, Apparicio Sampaio, d’ O Commercio de São Paulo, dr. Leopoldo de Freitas, d'O Municipio, Amadeus Lisboa, do Diario Po- pular, Cantidio Bretas, d'A Platéa, Celso Pasini, d’ A Tribuna Italiana, Luiz Silveira, desta folha, e outras pessoas gradas, cujos nomes não pudemos obter: Os convidados foram recebidos na entrada do Muséu, pelo dr. Ihering, director, e por todo o pessoal daquelle estabelecimento. A 1 hora teve logar, no salão nobre do monumento, a sessão inaugural, que foi presidida pelo dr. Bernardino de Campos, secretariado pelos drs. Cerqueira Cesar, Al- fredo Pujol e Alvares Rubião. O dr. Bernardino proferiu uma breve allocução allu- siva ao acto solemne e abriu a sessão dando a palavra ao dr. Ihering, que leu o discurso que abaixo publicamos : RE OL «Sr. Presidente do Estado, Sr. vice-Presidente, srs. secretarios do governo, minhas senhoras e meus senhores: — O dia da inauguração solemne do Museu convida-nos a examinarmos por breve lancear de vista o que foi alcançado até agora, o que será o rumo a seguir no futuro. A maior parte dos museus do mundo têm a sua ori- gem em collecções particulares, que crescendo além das localidades e dos recursos de que dispõe o colleccionador, são transferidas ao governo, chegando depois da primeira phase, a do colleccionador, a segunda, a da lucta pelos meios e pelas localidades sufficientes, até que afinal, impondo-se pelo successo e pela utilidade evidente, o estabelecimento entre no numero dos institutos de exis- tencia garantida, funccionando com regularidade e meios sufficientes: Examinando a historia deste nosso museu estamos logo verificando que o seu desenvolvimento corresponde bem ao de outros estabelecimentos analogos. O nucleo do museu é formado por collecções que pertenceram a um colleccionador apaixonado, o sr. coronel Joaquim Sertorio. Estas colleccdes, rennidas ás de um outro colleccionador, sr. Pessanha, foram adquiridas pelo sr. conselheiro Mayrink, que as doou ao Estado, donativo deli- cado que não podemos deixar de mencionar nesta occasião. A segunda phase do museu data do anno de 1893. O governo resolveu confiar a guarda das collecções pro- visoriamente 4 Commissão Geographica e criar uma sec- ção zoologica da mesma commissão, incumbindo-a dos trabalhos do museu. Foi por proposta do meu distincto collega e amigo sr. Orville Derby que fui chamado para tal cargo. Veio então o periodo das dificuldades. Não houve localidade sufficiente para o museu, não houve verba. Existiam dois logares de preparadores, mas ne- nhum dos respectivos empregados sabia empalhar. Fal- tavam instrumentos, vidros, olhos de vidro, armarios e quasi tudo que se precisava, sendo especialmente sensivel a falta completa de livros adequados. hé.‘ dl ATOS Convicto destas dificuldades o Congresso estadal determinou a reorganização do museu e sua transferencia para o Monumento do Ypiranga. No principio do anno passado começou a mudança do Museu para o Monu- mento e a execução das leis mencionadas. Se eu tivesse de apreciar os serviços prestados pelos distinctos senhores, que pelo lado do congresso e do governo ajudaram a crear a actual situação deveria ser mais extenso do que a occasiao o permitte. Seja-me permittido dirigir ao go- verno do Estado e ao congresso, o que ha pouco disse no meu relatorio ao digno secretario do interior, dr. Cesario Motta Junior : «Si bem que saibamos que é regra geral «inter arma silent artes », entretanto, neste prospero Estado de São Paulo, nem em tempos mais criticos, como os da revolta, foram descuidados os interesses geraes da ins- trucção e de todos os outros ramos de progressos, tão notaveis neste Estado e nesta capital. Si bem que as outras repartições continuassem apenas a sua tarefa, o Museu pela sua installação e pela con- servação do Monumento exigiu sempre providencias, e nunca emquanto existir sobre base séria e scientifica o Museu do Estado de S. Paulo poderá ser esquecido da protecção valiosa pela qual garantistes o seu desenvol- vimento, mesmo em tempo dificil e critico para o go- verno, tão dignamente representado por vos. » Se acrescentamos que tambem os excellentissimos srs. dr. Rubião e dr. Pujol ligaram grande interesse ao Museu, prestando a elle serviços importantes, fica evi- dente que tudo isto corresponde bem as intenções do governo do excellentissimo sr. presidente do Estado, dr. Bernardino de Campos, governo de grande successo para o progresso real e intellectual deste prospero Fstado. Seja-me permittido, congratular-me com sua excellencia por ter creado um Museu sobre bases scientificas como até agora no Brazil não existiu. PR || Me A disposição geral do Museu é a seguinte: o andar terreo serve para a administração, laboratorios, oficinas, bibliotheca e colleeção de estudos; o primeiro andar é: destinado ás collecções expostas ao publico as quaes occupam 16 salas que hoje são abertas a excepção de: uma, destinada aos insectos, a qual só mais tarde poderá ficar prompta. O fim destas collecções é dar uma boa e instructiva idéia da rica e interessante natureza da America do Sul e do Brazil em especial, como do homem sul-americano e de sua historia. E’ esta a razão porque dos diversos. grupos do reino animal, temos e queremos boa repre- sentação do Brazil, acceitando de outras regiões do globo apenas alguns representantes caracteristicos, As nossas. collecções neste sentido já não são pequenas e ellas tor- nam-se notaveis pela exactidão da determinação scien- tifica. Sempre que foi possivel, foi notado com tinta ver- melha, o nome vulgar da especie e com tinta preta 0 nome scientifico, assim como proveniencia, sexo e outras. informações. Assim cada um dos visitantes que quizer instruir-se, achará os necessarios dados nos letreiros e rotulos. Por ora nota-se certa desegualdade nas collecções dos. diversos grupos, mas temos a observar que apenas esta- mos no principio, e quem conheceu estas collecções anti- gamente, desde logo convencer-se-ú, de que já se aug- mentaram e completaram, assim como da mudança na preparação, collocação e determinação. Uma das colleções que ainda não nos satisfaz e cujo desenvolvimento re- commendo especialmente a esta illustre reuntão é a secção historica. O que mais me está satisfazendo na actual instal- lação do Museu é a separação das colleeções expostas e das colleccôes de estudo: As experiencias feitas neste sentido nos grandes Museus da Europa e dos Estados Unidos demostram a inconveniencia de cançar o publico SOS ONE ee. com a exposição de objectos em demasia. E’ esta a razão porque os grandes Museus como os de Londres e Berlim comecaram a separar as colleccdes exspostas e que sao escolhidas com todo criterio, e as collecções de estudos «que armazenadas, menos logar occupam. Este systema razoavel e pratico já temos aqui seguido desde o prin- cipio. Será assim a nossa tarefa completar as colleccües existentes, eliminar os exemplares feios substituindo-os por outros mais perfeitos, tudo conforme plano combinado, e do outro lado reunir quanto mais material de todas as partes do Brazil e de outras partes da America do Sul para as collecções de estudo. Tinha no principio o desejo de vêr adoptado o systema “moderno de armarios de Museus. applicando apenas ferro e vidro, e dando pela perfeição do mechanismo das portas garantia contra a entrada da poeira e de traças. Mas estes armarios exigiriam muito dispendio. O Museu de Hamburgo gastou com elles ha 8 annus «quatrocentos contos e o fabricante a quem me dirigi a respeito, communicou-me, que neste momento estava occupado em fazer armarios novos para o Museu de S. Petersburgo, na importancia total de 1.200 contos de Reis. Sahiu relativamente barato a construccão dos nos- sos armarics e que foram feitos no Museu. Ha muitas pessoas que julgam acabado o serviço do Museu depois de inaugurado e aberto ao publico. Julgo portanto bom expor em poucas palavras o nosso programma. Não posso fazel-o sem referir-me a um facto que sinto: Não temos até hoje universidade alguma no paiz, nem ao memos uma academia ou eschola de sciencias naturaes. Nestas condições não é difficil a explicar o estado de atrazo em que até hoje acha-se o estudo das sciencias naturaes no Brazil. Entendo que será o nosso dever contribuir quanto mais possivel para modificar esta situação : mas é quasi impossivel avaliar completamente as dificuldades que se oppõem. ESS D ee Vamos tomar como exemplo a situação de um pro- fessor que, dedicado ao estudo da natureza, quer estudar a botanica, fazer excursões com os discipulos e ensinal-os, tornal-os em summa versados na rica natureza do Brazil. Quaes serão os recursos litterarios ? Temos a flora brazi- liensis. Mas é escripta em latim, é uma obra que consta de muitos volumes, custa perto de cinco contos de réis e tem o fim de servir a sabios e não a amadores. Além disso não se refere só as plantas do Rio e São Paulo, mas tambem ás dos Campos do Rio Grande do Sul, como ás do sertão do Ceará ou as das mattas do Amazonas. Kk’ afinal obra para especialista e não para dilettantes que ao assumpto não podem dedicar-se completamente. Perguntamos agora: qual será a posição do professor nas mesmas condições na Europa? Onde elle viver, sempre lhe será facil comprar um compendio da flora do seu paiz, um livro bem illustrado, dando descripções, nomes vulgares e scientificos e mais informações. Se elle viver por exemplo numa provincia da Allemanha, haverá a disposição não só a flora da Allemanha, mas tambem livros sobre a flora da provincia e até da cidade na qual mora, indicando as localidades onde poderá en- contrar certa planta e o tempo quando está com flores. E este livro lhe custará apenas 10 ou 20 mil réis. O que se dá com o estudante da botanica, se da do mesmo modo com o amador de borboletas, de coleopteros, de conchas, etc. Tenho aqui um livro destinado para dilettantes de borboletas, livro que contem mumerosas figuras e custa 5 mil réis. O amador da colleccäo de borboletas acha ahi indicadas as especies mais communs, descripções e illustrações e até informações sobre as la- gartas e as plantas nas quaes são encontradas. Assim 0 que no principio é divertimento, torna-se em estudo. O menino aprende vêr e observar, fazer observações biolo- eicas, comprehender e admirar a magestade da natureza, obter uma idéia das leis elementares que no cosmo de- LAND EE terminam tudo, desde o movimento das estrellas até a circulação e diffusão do plasma na cellula. E' geralmente reconhecido hoje que fóra do estudo das linguas não ha meio mais proprio para a educação do espirito infantil do que o ensino das sciencias natu- raes. Si, porém, o Brazil já fez progressos animadores no ensino, si já tem os institutos para formar medicos, jurisconsultos e engenheiros, não ha uma academia de sciencias naturaes para formar professores de historia natural, que sejam mais ou menos comparaveis com os da Europa. Neste sentido tudo e transtorno. Os livros que devem servir para estudos scientificos e escriptos na nossa lingua são traducções de livros publicados para leitores europeus. Existe um unico livro tratando da natureza do Brazil. E' esta a obra de Marcgrave e Piso, naturalistas que acompanharam o principe Moritz de Nassau. Esta obra foi publicada em mil seiscentos e quarenta e oito e desde aquelle tempo ninguem tem experimentado escrever um livro analogo sobre o Brazil. E temos de ajuntar que escrever um livro como aquelle é questão absolutamente impossivel neste nosso seculo, nem ao menos para a parte da natureza que forma a zoologia. Os viajantes extrangeiros, que fizeram colleccôes no Brazil, não se importaram com os nomes indigenas. O que nós precisamos é fazer a classificação scientifica e conhecer os nomes vulgares, conhecer a distribuição geographica, o modo de viver das diversas especies e sua importancia sob o ponto de vista economico. Neste sentido, muito, para não dizer tudo está por fazer ainda. As nossas colleeções, neste sentido, já estão bem estu- dadas e serão de grande utilidade aos professores e a todos os que queiram informar-se. E’ nossa intenção publicar annualmente trabalhos relativos a um ou outro grupo ou assumpto e, assim, com o tempo, fornecer base para os que mais tarde escreverem livros sobre a riquissima natureza do Brazil, no sentido de Marcgrave. PO My Está se vendo que não pretendo exagerar os ser- vicos que este museu poderá prestar. Exprimo apenas meus desejos de ver chegar o Brazil, quanto ao estudo das sciencias naturaes, a um nivel mais alto: mas en- tendo que, para melhorar estas circumstancias, uma das condições principaes é o conhecimento completo da nossa natureza — e neste sentido o estabelecimento que hoje é inaugurado ha de prestar serviços importantes. Não posso deixar de mencionar que, além do Estado de S. Paulo, um outro dos mais prosperos do paiz, creou um museu com pessoal scientifico e sobre bases mais amplas do que este; refiro-me ao museu do Pará, creado por iniciativa do benemerito governador dr. Lauro Sodré e confiado á direcção competente do meu amigo dr. Goeldi. Seria de sumo valor se tambem o estado de Per nambuco deliberasse organizar um Museu scientifico, visto que desde a exploração daquelle Estado, no tempo do principe Moritz, nada alli foi feito neste sentido, de modo que a nossa interpretação da obra de Marcgrave em numerosos pontos é incerta, podendo ser rectificada só alli. Se assim hoje as nossas sympathias nos levam até ao Pará, felizmente neste Estado mesmo não faltam esta- belecimentos scientificos com os quaes estamos entretendo as melhores relações e para cujo progresso fazemos votos sinceros não só pelas sympathias que unem entre si todos os homens dados ao culto das sciencias, mas pela razão especial de vêr-nos cooperando na tarefa. Refiro-me a Commissão Geographica e Geologica e ao Instituto Agronomico de (Campinas. Razão especial ainda temos que agradecer ao digno chefe da Commissão Geographica Dr. Orville Derby os serviços que tem prestado a esta repartição, quando unida a commissão. A organização do Museu que o governo desejava vêr acabada este anno, não foi completada pelo congresso; não posso deixar de exprimir a minha esperança de que no anno futuro será preenchida esta lacuna, sendo ne- ya cessario augmentar o pessoal scientifico. Além disto é preciso acabar o edificio e ajardinar a praça da Inde- pendencia, situada em frente ao monumento. Tomando em consideração que o monumento do Ypiranga passa por ser o edificio mais notavel do Brazil, quer quanto a sua architectura, quer pelo Museu e como Pantheon, não podemos duvidar que completados o mo- numento e o Museu e ajardinada a praça, este edificio seja um ponto de attracção para a cidade de S. Paulo, como bem poucas cidades da America do Sul o têm. Aqui tudo ajuda, desde a belieza do edificio até a vista esplendida a cidade e para a serra da Cantareira e espe- cialmente a recordação historica. Não era possivel, portanto, construir um monumento mais digno, commemorando a independencia da patria, do que este esplendido predio, que como Museu, como Pantheon e como meio da investigação scientifica do Estado está destinado a prestar grandes serviços à causa da instrucção publica. Que esta repartição sempre esteja na altura desta sua missão, que seja ella um elemento ponderoso para 0 progresso deste rico e futuroso Estado, são os desejos que me dominam neste solemne momento. » O orador ao terminar foi applaudido por uma pro- longada salva de palmas. Em seguida o dr. Bernardino de Campos dá a pa- lavra ao dr. Alfredo Pujol, que faz o discurso de encer- ramento da sessão. O dr. Pujol em um brilhante improviso, relembrou a commissão que deu os primeiros passos para a con- strucçäo do monumento (da qual fazia parte o venerando mestre Barão de Ramalho) onde se inaugurava em sessão tão solemne o Museu Paulista. Encerrada a sessão, convidou o director Thering o dr. presidente do Estado e outros convidados a visitarem o Museu cuja inauguração acabava de ser feita. Durante essa visita, tocou a banda de musica do 4°. batalhão policial. Foram muito boas as impressões que receberam os convidados, ao percorrerem as diversas secções do Museu, riquissimas de specimens dos diversos reinos da natureza e de valiosos productos da nossa primitiva civilização. Na parede fronteira á escada e que communica com o 1º andar, está gravada, em uma lapide de marmore, a seguinte inscripção : Este monumento commemora a independencia do Brazil, proclamada à 7 de Setembro de 1822 Na mesma parede está collocado o busto, em gesso, do dr. Prudente de Moraes, presidente da Republica. No corredor principal esta collocado, em photogra- phia, o retrato do dr. Bernardino de Campos e ha uma inscripção analoga recordando a lei, que destinou o Monumento para o Museu. No salão nobre, além do grande quadro commemo- rativo da independencia do Brazil, ha outros de notaveis pintores nacionaes. O museu tem a sua bibliotheca que conta escolhido numero de volumes, principalmente sobre Historia na- tural. Tivemos occasiao de ver tambem a rica bibliotheca do director dr. von Ihering, que possue obras raras e preciosas. Entra estas vimos um grosso volume em latim, sobre historia natural do Brazil, do qual sao auctores Gui- lherme Piso e Marcgrave. Esta obra foi escripta em 1648, ha quasi tres seculos portanto, e é dedicada a D. Mauricio de Nassau, o celebre governador da capitania de Olinda, Pernambuco. DEA Ode A's 3 e meia horas da tarde foi servido um /wnch aos convidados, trocando-se ao Champagne os seguintes brindes : Do dr. Ihering, em nome de todo o pessoal do Museu, ao governo do Estado e ao Congresso Estadal ; Do dr. Bernardino de Campos ao Congresso Estadal, aos seus companheiros de governo e ao dr. Thering:; Do dr. Cerqueira Cesar ao Coronel Noronha e Silva; Do dr. Alfredo Pujol ao corpo consular de S. Paulo; Do dr. Jorge Ritt, agradecendo o brinde do dr. Pujol e saudando a Republica Brazileira ; Do dr. Leopoldo de Freitas, em nome da imprensa paulista, ao dr. Alfredo Pujol; Do sr. Antonio de Oliveira em nome do Estado de S. Paulo, ao governo do Estado; Do dr. Alvares Rubião ao dr. Cerqueira Cezar ; Do dr. Alfredo Pujol á imprensa de S. Paulo; Do dr. Valois de Castro ao dr. Alvares Rubião ; Do dr. Cerqueira Cesar ao dr. Pedro Vicente de Azevedo ; Do sr. Cantidio Bretas, agradecendo em nome d’ 4 Platéa o brinde do sr. Pujol e saudando este sr. : Do dr. Alfredo Pujol á Associação Commercial de S. Paulo, representada na pessoa do sr. Duarte Rodrigues; Do dr. Pedro Vicente de Azevedo, agradecendo o brinde do dr. Cerqueira Cesar e saudando, em nome do municipio de S. Paulo, ao Congresso do Estado ; Do sr. Celso Pasini, saudando o estado de S. Paulo: Do sr. Luiz Silveira, agradecendo em nome desta folha, o brinde feito 4 imprensa e saudando o funccio- nalismo publico, na pessoa do dr. Antonio de Toledo Piza; Do dr. Pereira de Queiroz, 4 magistratura paulista, na pessoa do dr. Clementino de Souza e Castro ; Do sr. Duarte Rodrigues, agradecendo o brinde feito a Associação Commercial, pelo dr. Alfredo Pujol. eis o mi Finalmente o brinde de honra foi levantado pelo dr. Bernardino de Campos ao primeiro magistrado da Republica, dr. Prudente de Moraes. O lunch que foi fornecido pela Confeitaria Castellões nada deixou a desejar. Durante as visitas e o lunch, a musica do 4.º bata- lhão policial, executou varias peças do seu repertorio, no saguão daquelle monumento. Os convidados retiraram-se para esta capital ás 5 horas da tarde. Foi assim inaugurado, com a assistencia dos repre- sentantes de todas as classes de S. Paulo, com todo esse brilhantismo, o Museu Paulista, creação emanada do Congresso do Estado e que vem agora corroborar mais os creditos do governo, sob cuja direcção se estabeleceu esse melhoramento de importancia capital para todos os paulistas. ch sah Ca RT RR A disposição das localidades é a seguinte. No andar terreo: Sala A. 1. Bibliotheca e escriptorio do Director. » A. 2. Laboratorio do Director. » A. 3. Sala de conferencia e Bibliotheca. » A. 4. Sala reservada para visitantes que querem fazer estudos. » A. 5. Laboratorio conchologico e collecçäo de estudos (conchas). » A. 6. Laboratorio entomologico e collecção de estudos (insectos). » A. 7. Deposito de vidros, drogas, etc. MENA: ee de estudos (de reptis e amphi- 10S). ° Hs » DRAC ua . 9. Colleeção de estudos (de peixes). . 10. Collecção de estudos (de animaes infe- riores). . Il. Laboratorio do custos e collecção de es- tudos (de mammiferos e passaros). . 12. Officina de preparadores. A. . 14. — 16. Reservado para a secção botanica 13. Officina de marcenaria. (servindo agora como officina de marcenaria e deposito de madeira). No primeiro andar acham-se as colleeções expostas ao publico. Sala B. » » S mw sy y Err De HP SRD WWW 1. Collecção de passaros. 2 » » ninhos e ovos de passaros. 3. » » aves. + » » cobras. D » » amphibios, reptis e peixes 6. Colleeção de peixes do mar. Wie » » insectos. 8 » » objectos historicos. 9 » » » » e arma- mento. 10. Colleeção de animaes inferiores (crusta- zeos, conchas, coraes, etc.). 11. Colleeção mineralogica e paleontologica. 12. » ethnographica e archeologica (Indios do Brazil). 13. Collecção numismatica. 14. 15. Collecção de mammiferos. 16. 17. Sala de honra contendo o quadro histo- rico de Pedro Americo « Brado da Inde- pendencia » e mais telas de pintores na- cionaes. | Er 305— O Monumento do Ypiranga, obra do architecto 7hom- maso G.Bezzi em S. Paulo e construido, conforme os planos aprovados, pelo architecto Zuiz Pucci com capricho e so- lideza passa por ser o edificio mais bello do Brazil. Em todo caso esta belleza da architectura, do mesmo modo como a recordação historica e a vista esplendida a S. Paulo e a Serra da Cantareira e o Morro do Jaraguá são mo- mentos que só podem augmentar a boa impressão que um Museu como este fará aos que querem informar-se a respeito da historia e da natureza de sua patria. E' ver- dade que o Monumento não foi feito para a installação de um Museu e que foi mais feito para offerecer uma vista esplendida ao visitante do que para fins de serviço. Os telhados construidos de telhas nacionaes muito ordina- rias sem o cahimento necessario, os corredores estreitos demais, que unem B. 7.—8. e B. 9.—10., de modo que nos domingos quando ha muita gente ali não se pode fazer a circulação do publico, a distribuição das escadas interiores, as galerias abertas e as salas acanhadas entrem no numero destas disposições architectonicas que difficul- tam o serviço do Museu. O que mais ainda é a lamentar, é que o edificio não tem muito espaço, contando com a fachada de 123 m. apenas 13 de fundo, levando ainda as galerias abertas e o vestibulo a metade do lugar dis- ponivel. Assim é que o primeiro andar chega por ora para as colleções expostas, mas não offerece o espaço necessario para o desenvolvimento futuro das collecções. O que porém neste sentido corrije muito o defeito mencionado, é a separação das colleccôes de estudo e das que são expostas. E” esta a razão porque provavelmente por muitos annos poderá correr 0 serviço sem embaraço. Talvez que no futuro será necessario applicar tambem o andar terreo para as colleeções expostas e consteuir atraz do Monumento uma aza impar para a administração e as collecções de estudo. Por hora não falta o lugar e temos ainda alguns quartos do segundo andar para depo- sitos e laboratorios. So Se bem a distancia do Monumento da cidade é grande, se bem o Monumento não foi feito para Museu. não po- demos deixar de declarar nesta occasião, que o Congresso e o Governo não podiam dar ao Monumento um destino mais apropriado do que para Museu e Pantheon. E’ de nossa parte que com enthusiasmo estamos trabalhando para a execução das duas leis referidas, tão vantojosas para a sciencia e a instrucção publica, satisfeitos da organisação dada ao Museu, satisfeitos do esplendido edificio em que está funccionando e gratos aos poderes legislativos e exe- cutivos por terem creado no Estado um estabelecimento scientifico que quer e pode comparar-se aos institutos analogos dos Estados Unidos da America do Norte e da Europa. dCINILISAÇÃO PREHISTORIC Dr. H. von IHERING BRA, I. — Introducção. Il. — Os Coroados. HI. — Tradições historicas. IV. — Archeologia rio-grandense. V. — Conclusões. VI. — Comparações e relações com os estados limi- trophes, especialmente a Republica Argentina co Estado de Sao Paulo. I. INTRODUCGAO. Existem hoje trabalhos numerosos e solidos dos quaes nao póde custar muito informar-se pela historia do Bra- zil e dos Estados do Rio da Prata; quanto aos indigenas, porém, à historia e cultura d'elles, nas obras historicas não acham-se noticias senão insufficientes, talvez insuf- ficientes ainda quando consideradas sob o ponto de vista da investigação historica propriamente dita. Hoje, porém, não podemos contentar-nos com um modo de proceder tão insufficiente, tendo-se ajuntado a anthropologia assim como a ethnologia a investigação historica como irmãs de igual dignidade e importancia, as quaes, chegando pelo estudo dos povos naturaes á conclusões preciocis- simas para a historia das origens da cultura humana, exi- gem por isso uma nova exposição da historia mais antiga d'estas raças, em grande parte extinctas ou pouco civili- sadas—exposição que possa detalhar e completar em todos os respeitos, o quadro antigo imperfeito. Sob este ponto de vista carecemos ainda de investi- gações mais minuciosas a respeito dos indigenas do Bra- ail. As exposições linguisticas e ethnologicas dos viajantes modernos, apresentam-se destituidas da connexão neces- saria com as antigas descripções do tempo da conquista; a prehistoria e a ethnologia, embora dedicadas ao estudo do mesmo objecto, procedem de todo separadamente, sem que, por outro lado, os seus resultados sejam aproveitados pela parte das investigações historicas. E' assim que de muitas tribus do Brazil conhecemos apenas os nomes e algumas noticias insufficientes do ter- ritorio e de suas occupações. Além disto, quando muito, uma pequena collecção de palavras, sendo ainda mais insufficientes os conhecimentos que possuimos das tribus já extinctas, sobre as quaes além de nome e territorio CESP não sabemos quasi nada. No estudo da historia antiga dos indigenas do Perú e Mexico todas aquellas sciencias acima mencionadas, têm procedido ajudada mma pelas outras; assim como a respeito da Venezuela e da America do Norte, já existem muitos trabalhos feitos no sentido, por mim caracterizado. Não acontece assim quanto ao Brazil. Por mais que se tenha adiantado a ethnologia do Brazil pelas expedições de von den Steinen e de Ehrenreich, a historia antiga d'estas tribus fica-nos desconhecida e a possibilidade de se fazerem a este respeito consideraveis progressos não parece-me garantida senão por estudos continuados, feitos n'este mesmo paiz, de maneira que sejam apropriados tanto para colleccionarem e combinarem as tradições historicas e prehistoricas existentes nas di- versas regiões, como para esciarecerem as origens dos indigenas ainda hoje conservados. E” n'este sentido que durante annos occupei-me em estudar a historia dos in- digenas do Rio Grande do Sul, publicando tambem uns pequenos estudos sobre elles, os quaes porém foram contestadas, por investigadores do Rio da Prata. Sendo facil de se comprehender, que nós no Brazil chegámos a resultados em parte differentes d'aquelles dos colle- gas platinos, uma explicação das differenças não po- derá deixar de ser de utilidade. Faltando por fim quasi completamente na litteratura trabalhos a este assumpto dedicados, sem duvida será util uma compilação de todos os dados scientificos, actualmente conhecidos. que nos pareçam correctos, e um estudo critico-comparativo do assumpto, referindo tambem ao Rio e S. Paulo e a Ar- gentina. Habitam hoje o Rio Grande do Sul pouco mais de mil indios, os quaes baptizados e designados pelo nome de Coroados, vivem no alto Uruguay em povoações fisca- lizadas, chamadas aldeamentos. Nunca, segundo Hensel, foram elles de consideravel importancia para a historia d'este Estado, conhecendo-se isto pelo facto de não haver nomes Sy By nem de lugares (1), nem de animaes ou plantas, tirados da lingua d'elles. Esta circumstancia, entretanto, por si só não seria de força demonstrativa, visto que os Crens, Botocudos, etc. homens pavidos e ordinariamente pouco inclinados a sahirem das suas florestas, nunca tiveram em alguma parte tal influencia, que só puderam conseguir as tribus civilisaveis reunidas em aldeamentos, e é esta a razão, porque todas as influencias linguisticas e culturaes exer- cidas pelos indios brazileiros originaram-se dos Guaranis e Tupis. Ainda que não se possa negar que a divulgação da lingua geral se deva em parte aos Portuguezes e jesui- tas, a larga divulgação precolombiana dos dialectos gua- rani-tupis, demonstrada principalmente pelos nomes de animaes e plantas, é um facto dos mais importantes que os americanistas não devem deixar de tomar em consi- deração. Referindo-me á obra de Waitz (30. Vol. III. pg. 349.) menciono só de passagem que a cultura guarani não se limitando ao Amazonas, se estendeu até á Gu- yana e ainda mais para o Norte. Quanto ao Rio Grande do Sul, o elemento guarani antigo já ha muito se tem fundido na população deste Estado. Acham-se por exemplo entre os habitantes da região da foz do Camaquam muitos mestiços guaranis, os quaes em parte produzem a impressão de serem des- cendentes puros dos autochtones do paiz. Quanto ao numero d'estes habitantes antigos não devemol-o considerar como pequeno. Segundo Ruy Diaz de Guzman, em 1612 mais ou menos, viviam sobre o Rio Grande, na lagoa dos Patos, e entre o Paraná e Paraguay, não menos de 365,000 indios pertencentes ao povo guarani. A julgar por uma carta que dirigiu o bispo João de Saricolea em 1730 ao papa Clemente XII, n'aquelle tempo ainda 130.000 guaranis estavam aldeados nas trinta e duas reducções jesuiticas. Já em 1801 porém, avaliou Azara o numero dos indios (1) Goio-en, o nome do alto rio Uruguay, é palavra da lingua dos Coroados, significando agua grande, e haverá outras semelhante Re es das missões do Rio Grandee de Corrientes em 40,355, o numero dos do Paraguay em 26,715 ao todo por conse- guinte em 67,070, os quaes, segundo Azura, todos estavam baptizados. No Rio Grande do Sul porém habitavam se- gundo o rescenseamento de 1814, apenas 8655 indios. Deve-se entretanto tomar em conta, que recenseamentos no Brazil ainda não puderam-se fazer exactamente, 0c- correndo ainda hoje defeitos de 10 °|, ao menos. No capitulo seguinte tratarei primeiramente dos in- digenas ainda conservados no Rio Grande do Sul; exporei então as tradições historicas e as antiguidades, assim como as relações existentes entre ellas reciprocamente, lançando finalmente uma vista rapida sobre os territorios visinhos, tomando principalmente em consideração as re- lações com a cultura peruana antiga. Não tendo a in- tenção de recolher aqui todo o ma‘erial, nunca deixarei de apontar as fontes. Trabalhos descriptivos justamente para o Rio Grande do Sul existem muitos, faltam, porém, de todo trabalhos criticos e comparativos, não se achando: n'este sentido em condições mais favoraveis o resto do Brazil. Aquelles que prestarem interesse ao cultivo pre- historico do Brazil não desconhecerão o estado insufficiente dos conhecimentos que possuimes a este respeito. O qua- dro tal como agora se pode desenhar para o Rio Grande do Sul e para São Paulo, ainda não existe para outro Estado: deste intenso territorio. Nos territorios visinhos, na Ar- gentina e principalmente no Perú, os conhecimentos n'este sentido são mais adeantados; entretanto, ainda ha muito que fazer a respeito do methodo comparativo. E I], COROADOS. Em geral estes chamados Coroados que se podem se- guir desde Corrientes pelo Estado do Paraná, até São Paulo são hoje os unicos representantes da raça india no Rio Grande do Sul, tendo-se fundido na população os Char- ES ORE ruas, emquanto não exterminados nos annos da revolução: de 1835 a 1844. E’ mais difficil a saber, se ainda n'este seculo existiam Botocudos no Rio Grande do Sul, por nao saberem alguns auctores, que o costume de perfurar o labio inferior para trazer n'elle ornamentos é muito com- mum entre as tribus guaranis, 0 aue não permitte por conseguinte consideral-o como um caracteristico especifico dos Botocudos. Diz O. Canstadt (Brasilien, Land und Leute, Berlin, 1877 p. 82.) ter encontrado no alto Uruguay Boto- cudos que traziam discos de madeira no labio inferior e nas orelhas. Zombava-se muito no Rio (Grande do Sul d'esta noticia um pouco extraordinaria; existindo, porém, até hoje Botocudos em Santa Catharina, é possivel que occasionalmente tenham entrado no territorio limitrophe do Rio Grande do Sul. O que é fóra de duvida é que nas proximidades de Nonohay e desde alli ao longo do rio para baixo em todo o territorio das missões não vivem Botocudos nem foram alli encontrados pelo que sabemos. Hensel (6 p. 125.) accredita que na parte septentrio- nal d'este Estado, existem Botocudos differentes dos que habitam mais para o norte, pelo facto de não terem no labio inferior senão uma pequena abertura, servindo-se Vella para assobiarem; eram muito temidos por causa da sua ferocidade e molestavam ainda os primeiros colonos allemãos na matta virgem. Entretanto se engana Hensel; pois estes indios que sobresaltaram as colonias, todos eram Coroados. Diz Hensel que ainda nos annos de 1864 e 1865 no alto Taquaray e entre elle e a Cahy havia Coroados, ainda inteiramente selvagens. Um dos ultimos assaltos feitos na zona colonial, teve lugar em 1852, não tendo por auctores uma horda de Coroados inteira, mas uma banda pequena que se separára do seu cacique Doble, e logo depois foi exterminado por elle. O ultimo assalto do qual consegui ter noticia, deu-se em 1862 ou 1863 na colonia de Nova Petropolis, no qual aconteceu que um dos colonos foi morto a flechadas. Foi Bartholomay, então director d'esta colonia, que encarregando-se da persegui- AD AE ção dos indios, descobriu n'esta occasião o campo dos Bugres. Desde então os progressos da civilisação não se in- terromperam mais no Rio Grande do Sul, em quanto que em Santa Catharina os Botocudos continuavam a causar desastres. Refere por exemplo Avc-Lallemant (Reise durch Südbrasilien, Leipzig, 1859, Bd. II. p. 82.) um assalto feito pelos Botocudos em 1854, nas proximidades do Rio Bonito, situado perto de Lages. Dista Lages tão pouco da fron- teira Rio-Grandense, que é fóra de duvida que os Botocu- dos entraram de tempos a tempos tambem no territorio Rio-Grandense. Os indios que ainda hoje vivem no Estado do Rio Grande do Sul, pertencem todos à raça dos Coroados. Molestavam estes, ainda na primeira metade do nosso seculo, a população civilisada, pelos assaltos frequentes, assustando um destes ultimos os habitantes da colonia alemã de Mundo Novo em 1852. Naquelle tempo entra- ram elles em continuadas relações amigaveis com 0 go- verno provincial, domiciliados desde então em pequenas povoaçães chamadas aldeamentos. Em 1865 havia de taes aldeamentos tres maiores, no planalto do Estado Rio-Gran- dense, um dos quaes foi visitado então pelo naturalista allemão Hensel, cujas communicações peço comparar. Em desaccordo com Hensel, n'um relatorio official de 1860, se faz menção de seis aldeamentos com mais de 2000 almas. Em 1864 uma horda de Coroados, commandada pelo seu cacique Doble, visitou a cidade de Porto Alegre, para receber do Presidente da Provincia a recompensa devida, pelos serviços que prestarem ao Estado, em apanharem ou exterminarem indios selvagens. Contagiavam-se n'esta occasião, de bexigas, as quaes depois de voltarem elles para os seus aldeamentos, fizeram grandes estragos, cau- sados principalmente pelo costume commum entre elles, de procurarem os doentes de mitigar o molesto calor fe- bril por meio de banhos frios. Succumbiu n'aquella epi- — DE. ie demia tambem o cacique Doble, o ultimo chefe reconhe- cido como tal, por todos os diversos aldeamentos. O nu- mero dos indios diminuiu por isso tanto, que 1880 ja não existiram mais de 1255 em oito aldeamentos. Subor- dinados á inspecção exercida por um director nomeado pelo governo, occuparam-se elles um pouco da agricultura. Cada aldeamento obedece a um chefe chamado cacique, tendo tambem um sacerdote encarregado da catechese. A conversão d'elles, como é facil de presumir, sómente é muito superficial, demonstrando-se isto tristemente em 1880 pelo facto de que um destes caciques, chamado capitão Domingos, assassinou uma tropa de indios guaranis pa- cificos, os quaes do seu domicilio situado sobre o Iguassú na Provincia-do Paraná, tinham immigrado para as mattas do alto Uruguay, esperando encontrar alli maior abun- dancia de herva mate. Assaltando de noite estes trabalha. dores pacificos e laboriosos, que sem suspeita estavam dormindo no seu campo, Domingos assassinou-os quasi todos. O trabalho de Hensel, acima mencionado, é o funda- mento principal dos conhecimentos que possuimos dos Coroados. Dez annos depois Jaz Beschoren visitou ao velho cacique, intitulado major Fongui, perto do Campo Novo, não muito distante do rio Guarita, assim como oO aldeamento situado perto de Nonohay. Em 1845 Fongui e a tribu do cacique Doble de Vaccaria, ainda não esta- vam aldeados, o que succedeu só em 1847. A impressão que recebemos pela descripção de Beschoren (4, pag. 14 e pag. 25) não se pode caracterizar, senão como triste. Nos mezes do inverno vivem elles nas florestas, afim de colherem herva-mate, cuja colheita dá-lhes recursos suffi- cientes para viverem, e dinheiro bastante para comprarem aguardente; passam o resto do anno nas suas cabanas pobres, dedicados a ociosidade indolente, immoderados e sordidos. Ainda em 1875 consistiam as suas armas em arcos, flechas e lanças, introduzindo-se porém cada anno mais armas de fogo. Fabricam ainda elles mesmos os oies Seus utensílios de cozinha, de uma especie de barro S'rosso escuro, emquanto que pela importação de chitas baratas, vai-se diminuindo mais e mais a fabricação do seu tecido nacional chamado Kuru, preparado da cortiça fibrosa de uma grande ortiga. Na colleccao primeira do senhor C. van Koseritz destruida em 1882 pelo incendio da exposição brazileira-allema de Porto Alegre, havia uma bella peça d'este Kuru, sobre a qual Aoserit: (16, p. 27.) referiu mesmo. Diz Aoseritz, que esta peça de tecido muito gros- seiro, pesado e bem conservado, pouco ornamentado de linhas azues e vermelhas, estava feita das fibras de gra- vatá, especie de grande bromeliacea. Sinto muito não poder achar actualmente as amostras deste tecido reser- vados para 0 exame microscopico. _ Näo seria facil de suppor-se que com estas circums- tancias, Nonohay podia ser recommendado de outro lado como modelo de aldeamentos. Comtudo se fez isto. Tenho ad mão um tratado do Dr. Joaquim Ant. Pinto Jun. inti- tulado: Memoria sobre a catechese e civilisação dos indi- genas da provincia de São Paulo. Santos 1872. Os dados que contem este livro sobre os aldeamentos de São Paulo, fornecidos pelo director d'elles, são, cumpre dizel-o, muito lamentaveis. Foram concedidos para os differentes aldea- mentos, subsidios de 400, 600 e 800 mil réis; apezar d'isso não foram pagos mensalmente, senão dez mil réis por um mestre sem discipulos. O decreto regulamentar de 1845 nomeou um director geral com o titulo de brigadeiro e alguns subdirectores; estes directores, porém, não sou- beram da existencia dos aldeamentos senão pelo diploma que lhes confere as honras militares, existindo os aldea- mentos mesmos realmente só na secretaria do governo. Por isso é com razão que diz o auctor: Um aldeamento sem parocho, sem mestres, sem oficina alguma, sequer de ferreiro, é uma utopia inconcebivel. Sendo assim não se póde deixar, sem duvida, de as- sentir á opinião do general Couto de Magalhães, que diz acerca da catechese usada no Brazil, no seu livro intitu- = Au. lado: Ensaio de anthropologia, Rio de Janeiro 1874, p. 120: « O indio baptizado é um homem degradado, sem costu- mes proprios, indifferente para tudo, por conseguinte tambem para com sua mulher e quasi tambem para com toda sua familia. » O systema official da catechese tem feito fracasso no Brazil tão completamente que é condem- nado por todos os homens de criterio. Successos gran- diosos, não têm sido conseguidos senão pelos jesuitas. Só é a faisca d’um amor que abrace tudo, só a dedicação enthusiastica jara uma obra considerada como meritoria, ou antes como santa, que possa dar estimulo e satisfaccao a quem estiver dedicando a sua vida á educação de hordas indolentes semiselvagens. E verdadeiramente grandiosos são os resultados obtidos pelos jesuitas no seculo XVIII nas missões da America do Sul. E’ especialmente tambem o Rio Grande do Sul que nos seus futurosos territorios occidentaes, situados sobre o Uruguay, foi elevado por isso a um estado tão florescente, que, se lhe for possivel attingil o de novo, talvez não se elevará a mesma altura de civilisação senão depois de seculos. A historia do reino jesuitico na America do Sul, o maior successo conseguido em algum tempo pela missão entre selvagens incultos, é bem conhecida. Possuímos especialmente para o Rio Grande do Sul boas informações, pela obra rara do padre Gay, da qual offerece um resumo Beschoren. Com sorpreza vemos alli os indios, trataveis como a cera nas mãos dos seus pios instructores, mani- festarem estudo e habilidade para qualquer trabalho, ga- rantido o sustento das reducções populosas pela agricul- tura e criação de gado, cultivadas todas as profissões por mestres capazes, ornadas as soberbas cathedraes até de orgãos, estatuas e paineis de altares, fabricados pelos proprios catechizados, emquanto que a biblia e outras obras compostas em guarani foram impressas nas proprias typographias. Tudo isso pereceu pelo dominio luso-hespanhol. Quanto entristece a descripcao das ruinas feita por Beschoren. EP aes lembrando nos d'um passado tão grandioso! Para que serve o facto de dar-se hoje n'estes territorios o apito da locomotiva, de annunciar-nos das terras mais remotas o fio telegraphico os acontecimentos mais recentes, em quanto que a população indolente e analphabeta vai-se perdendo de ignorancia e barbaria. São Christãos, é ver- dade, mas ha apenas trinta por cento que saibam rezar o Pater Noster...senç O chamado progresso de cultura não é nem sempre nem em toda a parte um melhoramento na situação da humanidade. Não se deve, porém, a respeito da antiga flor da cul- tura indigena esquecer-se, que os representantes d'esta cultura foram os Guaranis, emquanto que os Coroados pertencem ao grupo dos Crens.— Parece que sob o nome de Coroados têm sido comprehendidos elementos de dif- ferentes povos. Em todo o caso os Coroados, de que falla- mos aqui, com certeza se estendem desde as missões argen- tinas, até o Estado do Paraná. Relações extraordinariamente amigaveis existiam sempre entre os Coroados Rio-Gran- denses e os do Paraná. Em 1845 emprehendeu 4. 7. deRocha Loires, ajudado pelos caciques Coroados Victorino e Conda, abrir uma estrada que vai dos campos de Palmas, situados no Estado do Paraná ás missões do Rio Grande do Sul. A horda do cacique Nonohay tentou impedir a bandeira de Rocha no lugar designado pelo nome d'este mesmo caci- que, mas aplacou-se pela intervenção de Conda. Este Conda (1), entrado em differenças com o cacique Hongui, retirou-se para Palmos pensando em vigança. Quanto aos Coroados é de importancia tambem o facto de ser identica a lingua d'elles com a dos Camés. Julgo ter sido o primeiro que descobri isto, observando em 1888 (1) Será este sem duvida o mesmo a quem Rath (24 pag. 30.) chama Condõe e cujo tumulo elle viu no Estado do Paraná perto de Guarapuava. Não entendo a razão porque Aazh identificou os Coroados com os Tapes. Os Tapes riograndenses pertenciam sem duvida ao grupo guarani. A Se na bibliotheca da universidade de Gotinga que entre as muitas linguas chamadas por mim á comparação, só era aquella dos Camés que a julgar pelo vocabulario de Jar- tius (21 pag. 212.) era concordante com o thesouro lin- guistico dos Coroados, publicado por Æensel, havende com- pleta identidade. E” uma cousa estranha que 0 nome de Camés, por mais que eu até agora perguntasse por elle, no Estado de São Paulo já não é conhecido, servindo, porém, sem duvida para designar os Coroados (1) que vivem no valle do Paranapanema, os quaes habitam tambem no Estado do Paraná. A suppor-se com Hensel que só foi relativa- mente tarde que as hordas Rio-Grandenses foram expulsas para alli, de São Paulo e do Estado do Paraná, seria facil de comprehender porque não podiam exercer in- fluencia alguma sobre os nomes de lugares, etc. Esta consideração de Hense/ seria somente de força demons- trativa, se em outros Estados, onde vivem Coroados, como por exemplo em São Paulo, o caso fosse outro, isto é, se existisse aquella influencia cuja falta Æensel estranhou: mas pelo que sei, isto não acontece. E” em geral que todos os Crens quasi não influiram na cultura actual e nos nomes de lugares, animaes plantas, etc. emquanto que os Guaranis, respectivamente os Tupis, fizeram-n'o consideravelmente em toda a parte; pois os povos guarani- tupis são muito civilisaveis é proprios para assimilarem-se, emquanto que os Crens quanto ä sua cultura e relações para com os seus visinhos civilisados, pouco se elevam sobre as feras da floresta entre as quaes vivem. Sendo assim os Coroados Rio-Grandenses hoje não of- ferecem ao ethnologo senão um interesse bastante limitado; (1) Resulta isto tambem da identidade das amostras tiradas da lingua dos Coroados paulistas, communicadas pelo general Ewerton Quadros, concordando estas palavras precisamente com as dos Camés assim como com as dos «Coroados» Rio-Gran- denses. ASD pe a época de serem elles dignos de maior interesse já se foi ha meio seculo. Quanto aos Coroados temos de distinguir dous mo- mentos. Primeiro que a região occupada pelos Coroados aqui caracterizados como um elemento linguisticamente e culturamente homogeneo estende-se pelo Estado do Pa- raná até São Paulo, no valle do Paranapanema. Segundo, porém, que sob o nome de Coroados tem sido comprehen- didas tambem outras tribus, sobretudo tambem povos tupis. E’ pois com razão que diz Waitz (3º vol. III pag. 439.), quê o nome de Coroados ethnographicamente nao é de importancia alguma, por ser attribuido sem respeito do parentesco de raça indistinctamente a todas as tribus acostumadas a tosar o cabello. Como muitas tribus tupis tambem tiveram este costume, a tonsura não pode servir melhor de caracteristico ethnographico, do que, por exem- plo, o habito de trazerem ornamentos no labio inferior perfurado pode distinguir os Botocudos dos Guaranis. Nada seria por isso menos correcto do que referir as relações dos viajantes sobre os chamados Coroados ao grupo caracterizado por nos — observação que diz res- peito principalmente ás relações de Eschwege, Wied e Martius, dos quaes 0 primeiro por exemplo afirma -(seg. Waitz, vol. II. pag. 439.), que os Coroados costumam en- terrar o chefe da familia em posição acocorada n' uma grande vasilha de barro oblonga. Parece-me fora de du- vida que estes Coroados no interior do Rio de Janeiro € Minas Geraes pertenceram ao grupo das tribus guaranis. Até agora não consegui encontrar outra lingua que de todo estivesse de accordo com a dos Camé-Coroados, embora existam algumas palavras que offerecem certas analogias indubitaveis (1), as quaes porém não lembram o grupo guarani, como alias era de esperar. Assim con- (1) Assim por exemplo as palavras que no idioma dos Gei- cos do rio São Francisco significam fogo e pé. RAT tentar-nos-l:emos do resultado de que do chaos dos Co- roados um grupo natural, aquelle dos Camé-Coroados, se distingue, podendo ser seguido desde o Rio Grande do Sul até São Paulo, e que esta tribu enterra os seus mortos e não os sepulta em urnas. Será o objecto de futuras in- vestigações mostrar a distribuição d’ esta tribu assim como a sua connexão com outras do Brazil central ou septentrional. Antes de entrarmos na historia destas tribus sera conveniente fallar em poucas palavras da historia dos descobrimentos d'estes paizes. O territorio da antiga pro- vincia, hoje Estado do Rio Grande do Sul, não era, como o das outras provincias brazileiras, desde o principio uma d'aquellas capitanias, parte doadas a excellentes fidalgos, parte administradas como bens publicos. Só muito tarde o Portugal começou a tratar do Rio Grande do Sul, subor- dinando-o 4 capitania geral do Rio de Janeiro. Foi apenas em 180% que creou se uma capitania geral chamada de São Pedro do Rio Grande do Sul, a que a principio per- tencia tambem Santa Catharina. Como por muito tempo nem a Hespanha, nem o Portugal cuidassem destes terri- torios, em geral não succumbirão elles durante o seculo XVII e no começo do XVIII a nenhuma administração. Ambos os poderes civilisadores reclamaram-n'os, os Hes- panhóes porém ficaram donos do littoral e assim acon- teceu que ambas as provincias brazileiras mais meridio- naes a principio estavam subordinadas ao governador do Paraguay. A este respeito refere Gay (5, a pag. 15.), que EAN de 1530 até 1534 se deram luctas entre Portuguezes e os Hespanhdes sob o commando de Ruy Garcia Mosqueira, pelas quaes os ultimos occuparam a colonia portugueza de São Vicente, isto é o littoral de São Paulo, e então se estabeleceram em Santa Catharina. Em 1540 0 gover- nador hespanhol do Paraguay, Alvar Nunes Cabeça de Vacca, tomou posse de Cananéa, situada na costa de São Paulo, e alli seachava então a fronteira oriental do Pa- raguay. No Brazil attribue-se geralmente o descobrimento deste paiz ao Portuguez Cabral, embora já alguns mezes antes, em 1499, dous Hespanhôes chegassem á costa. Só nove annos depois, em 1500, descobriu Solis o Rio da Prata, em cujas margens mataram-n'os mais tarde os Charruas. D'este modo foi constituida a futura separação dos ter- ritorios de colonisação, ficando sómente os territorios con- finantes do Uruguay e do Rio Grande do Sul no principio litigiosos, não deixando tambem de dar occasião, até ao nosso seculo, a complicações bellicas numerosas. Apezar de estenderem ostentativamente os Portuguezes a esphera dos seus interesses até a foz do Prata, fundando ja em 1680 a colonia do Sacramento no Uruguay, só em 1715, porém, effectivamente tomaram posse do Rio Grande do Sul, aprestando de Laguna em Santa Catharina duas ex- pedições para o Rio Grande. D’estas expedições uma sahiu mal, chegando a outra com bom successo ao Rio da Prata, encontrando na volta outra expedição composta de indios civilisados e enviada para o mesmo fim pelos jesuitas hespanhôes. Este encontro seguida de reclama- ções feitas pelos Portuguezes tive o effeito de que os Je- suitas, já fundados sete missões no territorio Rio-Grandense, isto é, na margem esquerda do Uruguay, não procuraram se estender mais para leste, emquanto que as missões ficaram primeiramente sob a soberania hespanhola. Foi só em 1737 que começou a occupação militar do Rio Grande pelas forças portuguezas. LAG ae. Já no seculo XVII, entretanto, segundo refere Han- delmann (Geschichte von Brasilien, Berlin 1860, pag. 490) o Rio Grande foi em parte colonizado por Paulistas; alcançaram tambem os negociantes de Santos sustentar um commercio aproveitavel com as tribus indigenas; seguiram a elles missionarios e é assim que já em 1680, mais ou menos, estavam fundadas no territorio Rio- Grandense algumas povoações pequenas. Em todo o caso, porém, além d'estas relações commerciaes bem co- nhecidas, já no seculo XVI haveria outras semelhantes tambem com os habitantes do Rio Grande. Em antigas sepulturas ou moradias dos indios, e isto na região das mattas virgens do Rio Grande do Sul, já por vezes achámos perolas de côr, as chamadas perolas de Aggry, as quaes Zischler (28) demonstrou por um exemplar ex- traordinariamente grande e bonito, recebido de mim, serem por sua composição de origem veneziana antiga. Sem duvida taes perolas foram fabricadas em Veneza ao fim do seculo XV e ao principio do XVI; se mais tarde tambem, não consta nem é verosimil, a julgar pelos outros modos de fabricação que então entraram em moda. Os indios Rio-Grandenses, quanto a sua industria, achavam-se sempre em um gráo muito baixo de habili- dade e não conseguiram senão fabricar urnas e armas de pedra grosseira. Além (estas emprezas dos Hespanhoes e Portuguezes, summariamente caracterizadas, foram principalmente tambem as relações com os jesuitas que determinavam a sorte dos indios do Rio Grande e dos territorios limi- trophes do Prata — relações nas quaes tanto mais cum- pre aqui entrar, quanto mais justamente as diversas publicações ou manuscriptos jesuiticos, publicados pela maior parte na lingua guarani, são as fontes mais va- liosas que possuimos sobre as tribus indigenas do nosso territorio. Naturalmente não tenho a intenção de recapitular aqui a historia bem conhecida do reino jesuitico na RUE ESS America do Sul; desejo apenas apontar os momentos importantes, especialmente para o Rio Grande, os factos aos quaes até agora pouca ou nenhuma importancia se ligava, no que sigo de preferencia a obra do padre J. P. Gay, (Historia da Republica jesuitica do Paraguay, Rio de Janeiro, 1863). Como vivia Gay por muitos an- nos em S. Borja, isto é, na região d'estas antigas mis- sões, podendo aproveitar-se de diversos manuscriptos guarani-jesuiticos ineditos, dos quaes se compõe justa- mente a parte mais valiosa do seu livro, porisso é, sem duvida, esta obra a fonte mais importante para o estudo da historia e cultura dos indigenas do Rio Grande do Sul, João Dias de Solis, que descobrira em 1509 a foz do rio da Prata, voltando para alli em 1515, perto de Santa Luzia, na margem septentrional do rio da Prata, a pouca distancia de Montevideo, encontrou indios, que o mataram e parte da sua comitiva, quando ia entrar em relações com elles. Estes eram Charruas, tribu er- rante, que tinha então occupado a região entre o Uru- guay e Maldonado, por espaço de cerca trinta milhas geographicas para o interior e para o norte. Gaboto tambem, successor de Solis, caracteriza em 1530, pouco mais ou menos, as tribus guaranis do rio da Prata como bellicosas, soberbas, crucis e perfidiosas. Assim aconteceu que os Hespanhóes levantaram as suas colonias, pouco antes fundadas perto de Buenos Ayres, e desde então até 1580 só no Paraguay fundaram colonias, porque alli os selvagens geralmente cram mais pacíficos. Tendo ahi rapidamente bons successos, entraram os Hespanhóes depois de muitas vicissitudes, em boas relações com os indios. Taes eram as circumstancias, quando em 1610 os jesuitas vieram para o Paraguay, onde principal- mente na provincia do Guayra com tanto successo se occupavam em civilisar os selvagens, dos quaes em 1631 tiveram alli 31 reducções. Comtudo estas não podiam prosperar, porque os Portuguezes paulistas, alliados com os indios tupis, con- pus | ars sideravam o Paraguay como região a mais propria para as suas expedições, destinadas para obterem escravos. Segundo d'Orbigny, estes Paulistas, chamados Mameluccos, sómente desde 1628 até 1631 escravizaram mais de 6000 homens das reducções jesuiticas. Com razão, pois, diz o proverbio brasileiro: « Não é o diabo que faz mal ao homem, mas um christão ao outro». Com estas circumstancias o padre Mazeta resolveu- se a abandonar o Paraguay com o resto dos seus fieis e ir 1200 kilometros mais para o sul, onde já havia entre o Uruguay e Paraná outras missões numerosas, o que deu-lhes mais esperança de defenderem-se com successo contra os Mameluccos. Esta expedição emprehendida com mais de 15,000 homens pelas mattas virgens, é uma empreza das mais grandiosas que neste sentido a his- toria conhece. Não é Xenophonte com a sua tropa va- lente, mas sim Moyses, o qual livrou um povo inteiro da escravidão egypcia e o restituiu a patria, que pode- mos comparar com o bravo padre Mazeta. Depois de soffridas muitas fadigas a expedição chegou ao salto do Guayra, as grandes caractas do Pa- rand, onde toda a massa do grande rio, estreitando-se subitamente de 4500 m. à 66 m. vai se precipitar re- tumbando cerca de 18 m., e continua correndo em ca- choeiras por trinta milhas, produzindo um estrondo que se ouve por oito milhas geographicas. Nas proximidades d'estas caractas acabaram-se os viveres, dos quaes elles, obrigados a transportal-os nas costas, não podiam trazer comsigo bastante provisão, por levarem as mulheres os filhos e muitos homens os velhos e doentes. Foi assim que os homens se dispersaram entrando nas florestas em busca de alimentos, não desprezando até cobras e outros bichos, do que resultaram novas doenças e mortes. Muitos pereceram assim na matta, presa agradavel dos carni- ceiros, os quaes em falta de cadaveres entre os vivos tambem faziam grandes estragos. O padre Mazeta estava E quasi desesperando, quando Deus dando ouvidos ás suas Al A? RRQ ESS preces ardentes, impelliu uma grande barca vasia 4 ribeira. Por meio d'esta barca e de jangadas desembar- caram todos prosperamente ao outro lado. Embora seguros ahi de seus perseguidores, que iam no seu alcance, mais de 2000 dos homens que erravam em busca de alimentos, foram aprisionados pelos habitantes d’ aquella região. Finalmente chegaram a Loreto, ponto final da expedição, onde já existia uma missão e havia grande abundancia de gado. Mas como os indios esfomeados- gozassem da carne immoderadamente, foram atacados pela dysenteria de modo que morriam diariamente mais de 40 pessoas, até amadurecerem as plantações recentemente feitas. Com os 12,000 homens restantes, começaram então em 1631 os jesuitas a fundarem novas reduccôes sobre o Paraná e Uruguay. E’ conhecido quanto prosperavam desde então os jesuitas em organisarem e administrarem as suas missões e como sete de taes missões no territorio Rio-Grandense: tambem foram estabelecidas. Nunca depois Hespanhôes ou Portuguezes conseguiram elevar em parte alguma os indigenas a tanta altura de desenvolvimento como os jesuitas n’aquelles paragens felizes. Além de darem optimos resultados a agricultura e criação do gado, e de ser garantida a prosperidade material dos seus cate- chizados, estes habeis selvagens eram proprios mesmo para grandes obras de arte. Que contraste! Hoje uma popu- lação pobre inculta e quasi depravada, onde ha seculo e meio cs jesuitas construindo cathedraes soberbas fabri- cavam tudo, servindo se de indios como obreiros e artis- tas desde as obras de pedreiro e carpinteiro até a fabri- cação dos sinos, orgãos, paineis de altares e livros feitos nas suas proprias typographias! A respeito militar tambem confirmou-se a prevenção dos jesuitas. Estendendo as suas expedições tambem por Santa Catharina e Rio Grande ás novas missões os Mameluccos já no Matto Castelhano encontraram as vigias dos jesuitas, as quaes para darem aviso retiraram-se apressadamente, de maneira que os — 53 — invasores ao chegar ás missões encontraram um inimigo bem armado que os repelliu com grande perda. Sabe se que esta destreza militar manifeston-se tam- bem, embora menos prosperamente, no seculo XVIII nas lutas pelas quaes resistiu o estado jesuitico á reali- sação do tratado de 1750; apezar d'isso os jesuitas eram e continuavam a ser os autores intellectuaes e governantes «da nova civilisação de tal modo que esta descahiu, quando o governador de Buenos Ayres executou a lei expulsoria que foi publicada contra os jesuitas primeiro (em 1759) em Portugal, então (em 1767) tambem na Hespanha. Os padres sujeitaram-se á lei e embarcaram-se para a Italia. Os seus protegidos, mais de 100,000 almas, depravaram-se rapidamente sob a administração descul- dada e inhabil dos Hespanhões; as varias complicações bellicas nas missões, tambem as bexigas, etc. comple- taram a destruição. A população das sete missões situadas no territorio Rio-Grandense, que era de cerca de trinta mil almas nos tempos dos jesuitas, já em 1801 diminuira-se a 14,000 e em 1825 a 1847 almas. Os tres annos de guerra, que seguiram então, dispersaram estes restos completa- mente; parte d'elles reuniu-se aos charruas e só poucas familias d’estes indios missionados ainda se tem con- servado na aldea de São Vicente. Em vista destas circumstancias é muito compre- hensivel, que as noticias que possuimos dos autochtones Rio-Grandenses, pelo menos quanto ao seculo XVI, são muito insufficientes ou faltam inteiramente. Mesmo quanto aos indios Platenses estas fontes mais antigas são muitos defeituosas, já pelo facto de que os conquis- tadores não entraram com elles senão em relações hostis, emquanto que para o começo do seculo XVII, principal- mente pelos jesuitas, a litteratura é mais detalhada. E assim resumindo aqui os dados fornecidos por Gay, vou expôr no seguinte os conhecimentos d’aquella epocha sobre os indigenas do Rio da Prata e dos paizes limi- trophes. ee NE pe 1) Guaranis. Entre os rios Paraná e Paraguay, e entre o primeiro e o Uruguay a maior parte dos habi- tantes compunha-se de Guaranis. Ainda que vivessem principalmente da caça e pesca occupavam-se um pouco de agricultura, inclinando-se tambem mais do que a maior parte das outras tribus a misturar-se com os habi- tantes europeos das povoações vizinhas. Esta classificação é pouca correcta sendo Guaranis tambem quasi todas as tribus seguintes. 2) Guayanas. Estes distinguem-se pouco das outras tribus por lingua e modo de viver; moravam nas proxi- midades do Salto grande do Paraná. Com elles talvez sejam identicos os Guaycanans dos campos de Vaccaria. 3) Tapes. Uma grande tribu que era domiciliada no Estado oriental e no centro do Rio Grande do Sul, entre o mar, o Uruguay e a serra dos Tapes no Rio Grande do Sul. Eram de estatura alta, malignos e crueis. Enterravam os mortos com as suas redes, flechas e outras armas. Os jesuitas chamaram uma parte d'elles á civi- lisação, a outra parte, que talvez ainda existe, mistu- rou-se com a população actual do Rio Grande e do Uru- guay. Além da serra dos Tapes, fazem lembral-os ainda um pontal e uma ilha na margem occidental da lagoa dos Patos, que trazem tambem o nome de Tapes ow Taipes, como outros o pronunciam. 4) Minuanos. No tempo da conquista habitavam elles. as planicies septentrionaes sobre o Paraná, assim como: o territorio entre os rios Paraná e Uruguay até a altura da ilha de Santa Fé. Apertados pelos conquistadores e jesuitas, atravessaram o Uruguay e dominavam a região situada ao norte e oeste da lagoa Mirim e da lagoa dos Patos. Quando espalharam-se os Portuguezes no Rio Grande, retiraram-se os Minuanos para oeste, para OS rios Vaccacahy e Cacequi. Construiam as suas cabanas de varas e esteiras. Cada aldea constava de 50 familias. governadas por um chefe. Eram mais corpulentos e reso- lutos do que os Tapes. Suas armas consistiam em arcos 5) —— e flechas. Eram habeis em domesticar animaes e bons cavalleiros. Segundo Azara os Minuanos tomaram parte na fundação de São Borja em 1690, emquanto que se- gundo o visconde de São Leopoldo esta missão jesuitica compunha-se de Charruas. Pode ser que ambos tenham razão, porque os Minuanos repellidos pelos Portuguezes, os Charruas pelos Hespanhóes, entraram uns com outros n' uma especie de alliança, occupando o territorio entre o Rio Negro e o rio Ibicuhy, ficando aquelles mais perto do Ibicuhy, os Charruas mais perto do rio Negro. Elles adoptaram quasi os mesmos costumes, de tal modo que alguns autores chegaram até a confundil-os. O autor da cosmographia brazilica diz que pouco antes de fundarem os Portuguezes as missões, os Minuanos invadiram à reducção de São Borja, fazendo alli grandes estragos. Actualmente elles são todos civilisados assim como os Tapes. Foram os Minuanos que mataram a João de Guaray, um dos primeiros conquistadores. 5) Charruas. Esta tribu numerosa, cruel e bellicosa, que matou a João de Solis, descobridor do rio da Prata, dominava entre a lagoa Mirim e o Uruguay respectiva- mente o rio da Prata. Inquietados pelos Paulistas, Os quaes escravizavam a quantos pdiam apanhar, retira- ram-se para a margem septentrional do rio Negro e nas regiões das missões, alliando-se com os Minuanos. Além das flechas e arcos serviam-se em guerra tambem de lanças e fundas, as quaes manejavam habilmente. Estas fundas sem duvida não são outra cousa senão as bolas, de cujo uso fallaremos mais. Ainda hoje o camponez Rio-Grandense trata estas bolas de vez em quando encon. tradas de «bolas de Charruas ». Como os Charruas ainda nos annos da revolução Rio-Grandense, de 1835 a 1844, tomassem parte nas lutas como gente auxiliar, entre muitos dos habitantes mais velhos a lembrança d'elles ainda bem se encontra, e a historia e a tradição estão portanto aqui de accordo assim como a archeologia, que Justamente no Rio Grande, principalmente nos campos» DE pen demonstra-nos as bolas d'aquelles Charruas, as quaes em outra parte do Brazil näo se encontram. Julgo porém muito provavel, que os Minuanos, talvez tambem outras tribus Rio-grandenses, adoptassem dos Charruas o uso das bolas. Accredito por isso que Gay esteja enganado, di- zendo que os ultimos Charruas desappareceram pela carniçuria feita entre elles por D. Yructuoso Rivera por occasião da sua expedição de 1828. Devem porém partes d'elles dispersas se ter conservado ainda um decennio mais. Achamos algumas noticias sobre elles no livro de Azara, intitulado Memoria historica sobre a provincia das Missões, publicada em 1785, onde se faz menção de um cacique chamado Miguel Caray. Diz que recolhem nas suas cabanas todos os Guaranis, que fogem das missões e querem viver com elles, sustentando tambem boas relações com os Hespanhões e Portuguezes, aos quaes em troca de presentes permittem tirar gado dos seus campos. E' por isso tambem que resistem a colo- nisação em aldeamentos, aborrecendo-se menos da religião christä do que do constrangimento que resultasse da colonisação em missões para o seu modo de viver. 6) Tupis. Desta nação, que no tempo do descobri- mento do Brazil occupava todo o littoral, habitavam os Carijos desde São Paulo até a ilha de Santa Catharina. Uma tribu d'elles apparecia ás vezes nas proximidades das missões Rio-Grandenses, sem que, porém, entrassem em relações amigaveis. Espreitavam como tigres os indios missioneiros, que por acaso ousassem entrar isolados nas florestas, pelo que estes, quando em busca de herva maté, deviam tomar cuidado de não separar-se dos seus companheiros, E” assim que os (Guaranis extremamente temem os Tupis, aos quaes a sua phantasia attribuia propriedades incriveis; accreditavam, por exemplo, que os Tupis não tivessem dedos nos pés, mas dous calcan- hares por não manifestarem os vestigios d'elles, se iam ou vinham. MTS TES 7) Bugres. Espalhados desde São Paulo por Santa Catharina até o alto Uruguay no Rio Grande e Cor- rientes. «Alguns perforam o labio inferior como os Boto- cudos, outros se distinguem pelos cabellos cortados em forma de coroa. Construem as suas cabanas de postes cobrindo-as dos lados assim como em cima de folhas da palmeira anã a que chamam guaricanga.» Esta especie de palmeira do planalto Rio-Grandense é a scientificamente denominada Geonomma gracillima. A respeito d'estes Bugres Gay está enganado. No Rio Grande todos os selvagens dos mattos são designados pelo nome de Bugres, pelo contraste com os indios domiciliados ou camponezes (Charruas e Minuanos). Os chamados Bugres não são por conseguinte uma nação, mas é este nome uma expressão collectiva para designar Coroados, Botocudos e outros indios selvagens isolados, sobretudo os Crens. Fora d’ estas tribus importantes para o Rio Grande houve no seculo XVI e no XVII mais outras tribus domiciliadas sobre o Uruguay, que parte, como os Chanas, alliaram-se e misturaram-se com os Hespanhoes, parte, como os laros e Iarris, foram exterminados pelos Charruas, Na lista (1) de Gay porém não se faz menção dos 8) Patos. Este povo de pescadores não só habitava na lagoa dos Patos, e como presumo, principalmente na margem oriental d'esta, mas provavelmente ao longo de toda a cadeia de pequenas lagoas do littoral entre a lagoa dos Patos e Santa Catharina. Em obras geogra- phicas encontram-se geralmente a afirmação de que a lagoa dos Patos deve o seu nome as aves aquaticos espe- cialmente aos patos suppostos que existem n’ella em abundancia. KE’ porém de notar que na região da lagoa dos Patos ha abundancia só de mareccas, sendo o pato propriamente dito (cairina moschata) raras vezes alli (1) Martius que dá uma enumeração mais ou menos conforme à lista de Gay, menciona ainda os Pinarés, que dominavam a região ao sul das cabeceiras do rio Uruguay. TM En encontrado, visto que prefere as margens dos rios cobertos de mattos. Não se trataria pois senão do cysne de pescoço preto, a que se chama pato arminho e que em tempos mais remotos era commum n'esta grande lagoa; todavia este não é um pato, mas um cysne. Affirmando pois a lagoa dos Patos não trazer o seu nome pelos passaros patos mas pelos indios Patos, estou-me baseando no facto de que na litteratura mais antiga Santa Catharina não é designada por este nome, mas sim pelo do Porto dos Patos, o que tambem lembraria os indios Patos, sendo mar grosso e não uma lagoa rica de patos, que está banhando ahi o porto. O porto de Laguna tambem a principio chamou-se Laguna dos Patos. Por fim acho algumas noticias tambem sobre os Guanaos, que habitavam na região septentrional do Rio Grande assim como em Santa Catharina, os quaes men- ciona como em parte convertidos o padre Garcia n'uma carta escripta em 1683. (Como lhes fallasse na lingua d'elles, sem duvida têm sido, assim como todas as outras tribus catechisadas, pertencentes ao grupo dos Guaranis. Suas cabanas estavam construidas de esteiras feitas de palha ou de juncos compridos; em occasião de obitos costumavam cortar-se uma parte do dedo. São estes pro- vavelmente os Guanãs conhecidos do Paraguay. Para supprirem-se estes dados ajunto algumas noti- cias tiradas por Gay @ uma obra publicada em 1612. «O rio da Prata tem na embocadura ao sul o cabo branco, ao norte o cabo de Santa Maria perto das ilhas dos “astilhos. Ao norte do ultimo cabo estende-se o dominio hespanhol por 200 leguas até Cananéa. Esta costa é baixa e sem abrigo até a ilha de Santa Catharina. O segundo porto é o do Rio Grande a 70 leguas de distan- cia do rio da Prata. A entrada deste porto apresenta grandes difficuldades pela correnteza forte com que este rio desagua no mar. Depois de praticada porém a en- trada acha-se tranquilla a agua, estendendo-se como uma EO EE lagoa. A entrada é escondida por uma ilha.(1) Nas mar- gens do rio habitam mais de 20,000 indios guaranis, chamados alli Arachánes, não que distinguissem-se por lingua e costumes dos outros Guaranis, mas porque usam o cabello elevado em forma de topete, penteado para cima. São homens fortes e bem formados, que estão frequentemente em guerra com os Charruas do Prata ou com os Guayanas, habitantes no interior — nome este que se attribue a todos os indios, que não são Guaranis nem designados especialmente. » «O porto do Rio Grande está aos 32° L. S.; existem na costa para o norte mais algumas povoações das mes- mas tribus. Todo o territorio contém excellentes pastos para o gado. Perto da cordilheira, não muito distante observam-se plantações de canna de assucar e de aigodão; dizem alli encontrar-se tambem ouro e prata. » «Aos 28—º segue o porto de Laguna dos Patos com uma entrada dificil a 40 leguas de distancia do Rio Grande. Habitam alli mais de 10,000 Guaranis mansos, os quaes são amigos dos Hespanhões. Dez leguas mais adiante segue a ilha de Santa Catharina, que tem sete leguas de comprimento e quatro leguas de largura, possuindo um porto excellente. Tem montanhas e grandes mattos. Era povoada por Guaranis, que mais tarde aban- donaram a ilha, retirando-se para a terra firme. No alto Uruguay habitam Guayanas, Bates, Chovas e Chovaras, que todos fallam quasi a mesma lingua.» E” possivel que os Guanaos ou Guanoas, designados como habitantes no interior do Rio Grande, sejam identicos com estes Guayanas e pertencentes tambem ao grupo dos Guaranis, apezar da affirmação contraria acima men- cionada, o que se indica claramente pelo facto de que o padre Garcia poude-lhes fallar immediatamente na lingua (1) Esta ilha não existe mais. Mudou-se aqui por conse- guinte a configuração geograplica da costa nos ultimos 280 annos. = GO d'elles. Os Guanãs verdadeiros, porém, segundo affirmam @ Orbigny, Martius e outros, quanto á lingua sua não pertencem ao grupo dos Guaranis. Geralmente no Brazil meridional, assim como no Prata e no Paraguay, a maior parte dos povos mansos, respectivamente dos viventes mais ao alcance da civilisação em maiores povoações, “sem duvida têm sido Guaranis. Com muita razão diz Varnhagen, que foi justamente esta conformidade lin- guistica relativamente extensa, tanto nos Tupis do :it- toral brazileiro como no grupo do meridional d'elles, nos Guaranis — conformidade esta, pela qual designava-se a lingua d'elles como lingua geral — que tanto ajudou os Portuguezes a se estenderem no immenso paiz. IV. ANTIGUIDADES DOS ABORIGINES Foram principalmente os colonos allemães, que explo- rando as mattas virgens do Rio Grande do Sul, encon- traram muitos objectos archeologicos e os guardaram por curiosidade. O snr. ©. von Koseritz, muito relacionado com estes seus patrícios, conseguiu reunir uma das me- lhores collecções de artefactos antigos, sendo realmente de lastimar que a mesma levasse sumiço em Porto Alegre no anno de 1882 por occasião do incendio da Exposição Brazileira-Allemã. Não desanimado com este revez, dedi- cou-se o snr. von Aoseritz a recomeçar a collecçäo que, ja bastante enriquecida, acha-se em mãos dos seus her- deiros que desejam desfazer-se della. Numerosos objectos foram colligidos por mim; muitos delles achão-se incorporados ás collecgdes do es (63) Museu Nacional do Rio de Janeiro, e outros nos Museus de Berlim e Leiden. Colleccionadores importantes e assi- duos são ainda os Snrs. Aunert de Forromecco, Pastor Evangelico e o P. Schupp de Porto Alegre. Diversos tratados referentes a estas colleccdes foram publicados por Aoseritz, Bischof, Schupp, Kunert e por mim, sendo porém estes trabalhos espalhados por diversos periodicos. Tratarei de reunir os resultados no esboço seguinte. Instrumentos de pedra Nada ha que mais perturbe as discussões do que a applicação illimitada de noções theoricas, como adaptar, por exemplo, os resultados dos estudos da Archeologia européa á nossa. E” pois erradamente que fallam de uma epocha paleolithica ou neolithica na America do Sul. Como pude observar, até agora no Rio Grande do Sul encontram -se indistinctamente reunidos instru- mentos de pedra, quer lascada, quer polida, dando-se o mesmo no Uruguay, Argentina e nos sambaquis do Brazil. Si um dia descobrissemos os logares que serviram de moradia ao homem plioceno ou pleisthoceno no Rio Grande do Sul, de certo encontrariamos os artefactos somente de pedra lascada, que em todos os paizes repre- sentam o primeiro degräo da civilisação primitiva. Assim, todos os achados feitos por Ameghino nas pampas plio- cenas da Argentina, pertencem ad esta ordem. Ao contrario da Europa na America do Sul e em geral em todaa America, os dous ty pos coexistem; ao passo que na Europa um seguiu o outro. Na America as pontas de flechas e as hasteas são em geral de pedra lascada, ao passo que os pilões, mãos de pilão, bolas e em geral os machados, são de pedra polida. Só os machados da Patagonia são sempre de pedra lascada. Acham-se ordinariamente estes artefactos prehisto- ricos dispersos pelas mattas, e raros são os logares onde NPA) PRE se encontram em maior quantidade, como na Picada Solentaria do Mundo-Novo, em que se descobriu grande numero de machados e outros objectos rudemente traba- lhados. Todos são feitos de diabas azul-escuro. Em geral porém, os machados polidos, como os representados na FIG. I. Machado polido de melaphyrio. figura são de diorito ou de melaphyrio, sendo este muitas vezes confundido com aquelle. As bolas em geral são fabricadas de uma pedra ver- melha, provavelmente porphyrio, e são encontradas em logares onde esta pedra é rara, como em S. Lourenço e em todo o Sul do Rio Grande; isto denota que para lá foram levadas por indigenas emigrados de Cima da Serra e de outros logares onde se encontra o porphyrio. O que prova ainda estas migrações, são as conchas do Oceano, que muitas vezes se encontram nas moradas antigas dos indi- cenas; achei muitas destas conchas, como a Oliva bra- siliana, a Oliva auricularia c outras na região denomi- nada Serra dos Taipes. O explorador experimentado facilmente reconhece estas habitações antigas pela côr mais escura da terra. Examinando-se melhor o solo, encontra-se logo carvão de lenha, cacos de panellas eartefactos que servem de guia — 63 — ás nossas investigações. As pontas de flecha, em geral las- cadas, são trabalhadas quasi sempre de Quartzo ou Agatha» Um bonito specimen destas pontas de Silex, proce- dente da colonia de S. Lourenço está representado na figura 2. PIGS 72: Ponta de flecha. Dos artefactos polidos, os mais simples sao as pedras de moer, do tamanho e forma de uma laranja cortada pelo meio, tendo um lado achatado, que serve para descascar grãos ou fructas. Strobel diz que Claraz encontrou semelhantes pedras entre os habitantes da Patagonia, ainda hoje em uso, para moer o sal. Mais raramente encontram-se almofarizes, que são de pedra bruta e toscamente trabalhados, tendo uma cavidade pouco profunda; as mãos de pilão, porém, são sempre bem acabadas e de cumprimento regular. Entre os instrumentos de pedra podem-se distinguir muitos typos, segundo os differentes perfis, acho porém sem interesse a descripção de todos, dando em seguida, apenas os caracteres dos principaes. O typo mais commum dos machados polidos, geral- mente com o corte bem afiado, tem a forma quadran- gular, com as faces superior e inferior bem polidas. O segundo typo é de forma cylindrica, tendo na extremidade embotada uma acanalladura circular ou semi-circular. GEL O terceiro typo dos machados é de forma semi-cir- cular, e o quarto de forma circular, perfurado no centro. Tratarei em seguida mais detalhadamente das fórmas typicas dos machados e dos outros artefactos, e tambem do uso e distribuição dos mesmos. Machados circulares perfurados Uma particularidade do Rio Grande do Sul são es machados circulares; tem a forma de um disco, mais ou menos delgado e as bordas bem afiadas. No meio são cuidadosamente perfurados, alargando-se o orifício do cen- tro para as bordas do instrumento. Em geral tem um diametro de 90 a 120 millimetros, e quasi sempre são bem acabados. Vide figura 3 e 4. FIG. 3. Machado circular percluso. FIG. 4. O mesmo, secção vertical. A tradição popular no Rio Grande legou a estes instrumentos o nome de Machados. O Snr. Sins da expedição de Mabilde, trouxe um destes machados de Vaccaria a S. Leopoldo sendo ainda, como dizem, afixado no respectivo cabo. bearer ges 5 fe Em relação ao uso destes curiosos artefactos nada consta de certo. De accordo com as minhas informações, diz (. von Koseritz (pag. 10) que segundo a tradição estes discos per- furados erão afixados a um páo pesado, servindo de massa aos guerreiros e aos caçadores de anta. No mesmo sentido trata Ladislau Netto, (pag. 494) destes machados circulares perclusos. Estes instrumentos de pedra vieram dos Coroados, restando apenas a veriguar si foram elles os fabricantes dos mesmos, ou si provieram dos despojos de guerra com as outras tribus. Propendo para a ultima hypothese, porque sendo este machado, de forma tão caracteristica e particular, dos Coroados, de certo sel-o-hia encontrado tambem ao Norte, em regiões muito extensas habitadas outrora pela mesma tribu. Porém isto não se dá, tanto em São Paulo, como no Rio de Janeiro, nenhum specimen foi encontrado. São desconhecidos tambem no Paraná e S. Catharina. Parece, pois, que nada se oppõe á asserção do Snr. Koseritz, que suppôe a ausencia completa deste artefacto ao Norte do Rio Grande do Sul. E” porem, engano mani- festo suppor-se, que o machado circular seja limitado somente ao territorio Rio-Grandense. Ameghino diz (I pag. 440), que um machado figurado por elle e analogo ao typo Rio-Grandense provem do Chile, sendo ahi mais commum juntamente com a bola do typo dos Charruas. Atreghino chama este artefacto « bola circular aguje- reada » e declara que o mesmo não é encontrado nas plagas argentinas, proximas ao Rio da Prata e nem na Republica do Uruguay, mas sim no Chile, ao Norte da Argentina, na Bolivia e no Perú. Ameghino representa uma destas pedras do Perú (I. Pl. VIII. fig. 423), que em vez de ter a borda circular, tem o pentagonal, em forma de estrella e outra parecida do Mexico (II Pl. fis. 524). RE Da harmonia das formas deste typico instrumento, pode-se deduzir, que existiram relações antigas de cultura entre estes dous povos. Ficará, entretanto, indecisa a questão ; si estes instru- mentos são destinados ao mister de machados, ou de bolas, como suppõe Ameghino. Da Europa se conhecem artefactos prehistoricos, semelhantes aos nossos, e inter- pretados como balas de funda. Só os parallelos ethnologicos nos poderiam explicar o uso destas mysteriosas pedras, e só conheço a este respeito as pedras perfuradas dos buschmans da Africa, que as afixam aos cabos das cavadeiras para darem maior peso, e facilitarem desta maneira a extracção das raizes. Deixando de parte as conjecturas sobre o mister destes artefactos, mesmo assim elles nos podem guiar nas investigações pela sua distribuição geographica. O centro da distribuição destes instrumentos é 0 Perú e a Bolivia, donde passaram para o Norte até o Mexico, e para o Sul até o Chile, e espalhando-se tambem a Leste, pelas regiões septemtrionaes da Argentina, che- garam até o Rio Grande do Sul. Raras vezes são encontrados fóra desta zona, e quando isto se dá, é pela permutação com algum outro objecto. Assim manifestou-se o Snr. Carlos Daniel Rath, declarando-me que o seu fallecido pai, o Dr. Carlos Rath, encontrára um destes machados circulares em S. Paulo, e fizera doação delle ao Museu Nacional do Rio de Janeiro. O Museu de S. Paulo não possue nenhum specimen destes curiosos artefactos, a não serem algums do Rio Grande do Sul e todos os colleccionadores interessados não o encontraram ainda no territorio do nosso Estado. Tenho de observar porém que não conheço ainda exemplares destes artefactos originarios do Chile. Se não engano elles tem as duas superficies parallelos e não convergentes a bordo como os do Rio Grande do Sul, o que representa uma diferença notavel. Waztz, (30, vol. ROM 3, p. 521) mencionando estas pedras do Chile, diz: « nada consta-nos sobre o uso daquellas pedras redondas e acha- tadas, perfuradas no meio que naquelle paiz muitas vezes se encontra, e que são parecidas ás que Cook (cf. Molina 58, note) encontrou usadas como armas pelas indigenas das ilhas oceanicas do oceano pacifico. » Uma pedra deste typo existe no Museu Paulista e sem duvida podemos suppôr que a pedra mencionada por ath pertenceu ao mesmo typo, que por ora não conheco do Rio Grande do Sul, faltando ao contrario em S. Paulo, etc., aquelles machados circulares perclusos com orla cortante dos quaes como typo caracteristico do Rio Grande do Sul aqui tratemos. («Wirtelaexte» em allemão.) Machados semi-circulares. Estes machados ( « Ankeraexte» em allemão) geral- mente bem trabalhados, tem o corte de forma semi-cir- cular, alongando-se para traz em um cabo. Como já ficou dito anteriormente o unico specimen deste typo foi achado no Rio Grande do Sul na Serra do Herval, que é o lugar mais meridional donde são conhecidos estes machados. Mais abundantemente são elles encontrados nos Estados septemptrionaes do Brazil. Já citei as obras que tratam mais detalhadamente destes instrumentos, limitar-me-hei aqui apenas a citar a publicação do Snr. Schmeltz, que esclarece o modo porque estes machados são atados ao cabo. (1) Nenhum destes curiosos artefactos foi encontrado até agora nas republicas do Prata, nem mesmo ao Norte da Argentina, onde ao menos poder-se-hia alimentar a esperança de encontral-os. (1) Internationales Archiv für Ethnologie, B. III, Leiden, 1890 pag. 195 Tab. XV, fig. 3, e Ibid. B. IV, 1891 N.º XXII, pag. 257. FIG. 5. Machado semi-cireular No Museu Nacional do Rio de Janeirozexiste grande numero destes machados, procedentes ordinariamente do Norte do Brazil, dos quaes Ladislau Netto dá varias: estampas no volume VI do Archivo daquelle Museu, sendo um exemplar de syenito, de rara belleza. No Estado de S. Paulo tambem foram encontrados alouns exemplares. Machados entalhados. São estes os que tem um entalhe que rodea a extre- midade contraria ao gume, servindo, como supponho: para facilitar de adaptal-os a um cabo por meio de cordas, e não, como descreve o P. Schupp para servir de apoio ao dedo pollegar e o index. FIG. 6. Machado entalhado =) == Este typo tão original é rarissimo no Rio Grande do Sul, observado porém e já descripto peio Snr. Koseritz e outros. E" conhecido tambem no Estado de S. Paulo, porem ainda muito raro. Segundo Ladislau Netto (1. c. pag. 490) este machado encontra-se mais pelo Norte do Brazil; e segundo Ameghino tambem é commum nas provincias septemptrionaes da Argentina, dando mesmo estampas «le dous exemplares procedentes da Catamarca. (I, Pl. IX fig. 318-319.) EK’ muito caracteristica a distribuição deste artefacto, 6 preciso investigal-o mais detalhadamente. Em Buenos Ayres, bem como no Uruguay, o typo «deste machado já não é mais encontrado, porem Strobel publicou a figura de um specimen encontrado em S. Luiz. Koseritz affirma a existencia dos mesmos nos sam- baquis do Rio Grande do Sul e em Conceição do Arroio, sendo encontrados tambem em S. Catharina e Paraná. Parece que todo este territorio corresponde á antiga «istribuição dos indios da tribu dos Patos. Quebra-nozes Encontra-se frequentemente no Rio Grande do Sul pedras do formato de um pequeno queijo, com as duas superficies mais ou menos polidas, tendo no centro uma pequena cavidade do tamanho de uma ponta de dedo. Tem estas pedras em geral um diametro de 4a 8 em., raras vezes de 10 e mais. O seu uso era até bem pouco tempo ignorado, suppon- «lo os investigadores que serviam para polir o barro na fabricação de vazos e outros utensilios keramicos. Strobel (II, Tab. X, fig. 5) e Ameghino (I, fig. 305, pag. 454), descrevem semelhantes pedras da Argentina, porém nada dizem a respeito do seu uso. FIG. 7. Quebra-noz Como as depressões centraes geralmente são situadas: bem oppostas e correspondentes, podem-se suppôr que aquellas cavidades tem o fim de servir para as pontadas. dos dedos, pollegar e index. Em 1888 dei ao Snr. Æwd. Virchow algumas destas pedras, sendo uma d'elles um machadinho bonito. Foi, porém, em vão que delle e de: outros sabios pedi informações. O primeiro que deu a explicação exacta foi o falle- cido Dr. Carlos Rath, apaixonado explorador da archec- logia dos Estados de S. Paulo e Paraná, e que (24, a pag. 288) declarou ellas destinadas para abrir sementes: de coqueiros. Esta explicação foi firmado por G. Koenigs- wald que entre os guaranis da costa de S. Paulo, domiciliados ao margem do Rio Preto viu usadas estas. pedras como quebra-noces. Uma pedra maior, tambem com a mesma cavidade foi collocado em baixo e a outra mais pequena servia para bater e quebrar a se- mente de palmeira. Tambem nos Sambaquis de S. Paulo: são encontradas estas pedras. Pedras sulcadas São de uso mysterioso certas pedras geralmente de: erés, de tamanho regular, trazendo na superficie supe- rior diversos sulcos parallelos ou convergentes, da lar- gura e profundidade mais ou menos de um centimetro. EN RUE Suppunham alguns autores que estes sulcos eram feitos para adelgaçar os machados de pedra, porém esta supposição não me é bastante plausivel, oppondo-se a forma semi-circular da secção do sulco. Para mais esclarecimentos é preciso lançar mão do estudo comparativo de artefactos analogos, usados por outros povos. Rau fez varias descripções de semelhantes pedras da America do Norte, demonstrando que os indigenas se serviam dellas para endireitar as flechas recurvadas, sendo as pedras aquecidas e logo collocadas na parte encurvada da flecha. Uma outra observação que podia servir de explicacão é a do Snr. Schmeltz que diz que os sulcos serviam para descascar as arvores, proprias para a fabricação do livrilho. Propendo para a opinião do Snr. au, e confesso que só outras investigações nos poderão esclarecer a questão. Compare-se as descripções dos Snrs. Kunert e Schupp e as estampas fornecidas pelos Drs. Ludislau Netto (p. 486) e Strobel (III, fig. 60). O Snr. G. Koenigswald encontrou destes sulcos, aber- tos em rocha viva na Serra do Mar, e como eram feitos em geral a heira dagua ou de uma corrente, concluio o mesmo senhor que estes sulcos serviam para amollar machados. Uma solução exacta da questão só nos pode vir de observações directas, feitas em tribus indigenas existentes ainda no centro do Brazil. Tembetá Ha duvidas si os tembetás são ou não encontrados no Rio Grande do Sul. Ladislau Netto apresenta-nos varias figuras caracteristicas destes tembetás (I. c. pag. 522 ff.) Aoseritz (pag. 20 e 61) dá noticia de ter achado dous destes objectos feitos de uma substancia incognita, parecida com o osso, e os denominou tembetás, no que, porém, ha duvidas. Acreditando mesmo que fossem tem- betás, o que não é razoavel é deduzir deste facto a exis- tencia de Botocudos no Rio Grande do Sul. E” certo que existem ainda botocudos em S. Catharina e Paraná, é bem provavel, portanto, que elles transpuzessem de tempos a tempos o rio Uruguay e entrassem no Rio Grande do Sul, porém nada se sabe ao certo a este res- peito. Em todo o caso, o tembetá, como adorno do labio inferior, nada pode demonstrar, visto que todos os povos indigenas da America, mesmc os Esquimous, usavam destes enfeites. O vocabulo «tembeti» é guarany e Os verdadeiros tembetás de osso ou pedra são particulari- dades dos mesmos Guaranys, emquanto que os Botocudos uzavam rodellas de pau bem largas, sendo o orificio do beiço successivamente alargado até adaptar se áquelle tamanho informe. Os adornos, provenientes dos sambaquis, de que falla Koseritz, não são tembetás, o que perfeitamente é demons- trado pelo diminuto diametro dos mesmos, que é de 5 a 10 mm. FIG. 8. Ponta de flecha polida de agatha Tambem não o pode ser um cilyndr» de agatha, figu- tado pelo Rvd. P. Schupp (I, p. 98, fig. 38), e que foi achado no Rio Grande do Sul. Ladislau Netto descreve uma pedra, identica como ponta de flecha (1. c. pag. 503), possuindo tambem o Museu Paulista uma ponta seme- lhante. DARE yo LUE Schupp faz menção de uma pedra, semelhante «a precedente, porém com rego circular perto do fim, que parecia servir de adorno pindurado ao pescoço; descreve o mesmo Snr. outra pedra de schisto, tendo no lado mais estreito 2 perfurações. Para estes collares, os antigos indigenas usavam ainda dentes e conchas maritimas, todas devidamente perfuradas. Destas conchas foram encontradas diversas ao Norte de Porto Alegre e na colonia de S. Lourenço, sendo as especies as mesmas que ainda hoje se vêm nas pratas. O que prova que os indi- genas do interior fizeram viagens regulares pelo littoral. Waitz conta (1. c. pag. 416) que entre os tupys os homens usavam de tembetás e as mulheres de orna- mentos de orelha, sendo o tembetá feita de uma pedra verde. Estamos assim tocando a questão celebre de ne- phrito om jadeita, questão importante tambem para nos no Brazil. Refiro-me neste sentido as publicações de Barbosa Rodrigues e a critica respectiva por Sylvio Romero (24 b., pag: 65 ff.) Conhecemos estes artefactos do Rio ae Janeiro, e temos um machadinho de Chloromelanite no Museu de S. Paulo, mas nada por ora nos consta sobre taes «muirakitan» do Rio Grande do Sul. Tão pouco encontram-se no Rio Grande do Sul os tembetás feitas do resina de Jatahy (Hymenaea courbarril), que temos do Estado do Paraná, parecendo que a arvore de Jatahy falte mais para o Sul. Bolas No Rio Grande do Sul ha abundancia destas bolas. Hoje são ellas fabricadas de ferro, emquanto que os antigos indigenas adoptaram pedras mais ou menos redondas, com a superficie quasi lisa e aspera (Schupp IT, 93 e 95, fig. 28.) Ameghino tambem trata detalhadamente destas bolas. (1,-p: 428. ff. Pl. VIT.) 7 A bola mais commum é a chamada «bola de char- ria» que tem ás vezes a forma de um ovo; feita de melaphyrio, é sulcada de um circulo no meio. FIG. 9. Bola de charria Pedras com sulcos tanto meridionaes como equato- riaes, são procedentes da Argentina (cf. Ameghino I, PI. VIII, fig. 298 e 299 completamente deconhecidas no Rio Grande do Sul. Posto que as bolas hoje sejam geralmente de ferro, entretanto ainda encontram-se aleumas de pedra natural e sem nenhum sulco. São collocadas em um couro e são por laços compridos unidos entre si tres bolas e para serem arremessadas, prende-se a menor das tres bolas e com o impulso é despedida a arma tomando a direcção desejada. Schupp suppõe, que esta maneira de se usar estas bolas tambem era conhecida dos antigos indigenas, Ame- ghino, porém, (I, p. 429), demonstra, que as bolas dos Charruas e Querandis, ao menos quanto as maiores e de sulcos circulares, chamadas bolas perdidas, eram usadas de outra forma: atadas estas bolas a um lóro comprido, eram atiradas a grandes distancias. Algumas vezes ainda era o lóro atado a um curto cabo de madeira. Como Ameghino demonstra, o uso das- bolas quer simples, quer sulcadas ou perfuradas é commum em orande parte do mundo. E’ mister pois acautelar-se quanto a decisões falsas sobre o valor das mesmas na Archeologia. Para o estudo da Archeologia brazileira, porém, as bolas são de grande importancia, visto que são encon- tradas apenas no Sul do vasto territorio brazileiro, sendo importantes para o estudo dos antigos povos. No Rio Grande do Sul as bolas são encontradas, tanto nos campos, como nas mattas virgens. Ora, sendo a bola arma pouco apropriada para as mattas, é muito provavel que para lá foram levadas pelos indios que habitavam as vastas campinas. Tambem se encontram nos campos do littoral, mas o que é de admirar é que ellas não existam nos sambaquis das costas do Rio Grande do Sul, facto este que merece muita attenção. O mesmo se dá com os sambaquis de S. Paulo. O Snr. Mueller confirma o mesmo relativamente aos sambaquis de S. Catharina. Ha duvidas, portanto, de que as bolas sobre que falla Aoseritz (pag. 61) fossem achadas nos sambaquis da Conceição, como elle diz, mas sim nas suas vizinhanças. O Snr. Bischoff é da mesma opi- nião, não tendo as enc ntrado nos sambaquis. C. Rath affirma que o seu defuncto pae achou algumas bolas nos sambaquis de S. Paulo, as quaes devem ainda existir no Museu Nacional do Rio de Janeiro. Não se deve entretanto excluir a ideia de que taes pedras se tivessem confundido com outras de diversa serventia. Ladislau Netto figura diversas bolas (I. €. p. 506), sem dar a procedencia; provavelmente são bolas de origem Rio-Grandense. A respeito das bolas de sulco circular chamadas bolas de charrúa, tenho ainda a mencionar que os Charruas fizeram muito uso dellas, como uma arma horrivel, na revolução Rio-Grandense de 1835 a 1844. Usavam de duas bolas unidas e amarra- das a um lóro de couro do comprimento de uns 4 metros. A verdadeira bola perdida, porém, é uma unica bola. DE EE Actualmente servem-se do typo descripto com 3 bolas. Tendo o emprego das bolas o inconveniente, de machucar e mesmo de inutilizar muitas vezes os ani- maes assim presos, o seu uso tende-se muito a diminuir, sendo substituido pelo do laço. Urnas Os productos da arte ceramica dos indigenas do Rio Grande do Sul em nada differem dos de outros estados do Brazil e do Rio da Prata. Apenas no territorio dos Calchaquis ou nos mounds da ilha de Marajó, situada na fóz do Amazonas, apresentam-se typos estranhos; nos demais casos trata-se de urnas mais ou menos gros- seiras, fabricadas de barro e á mão, e rudemente quei- madas. Os indigenas confeccionaram-as de pedaços compridos em forma de linguiça, de modo que collocavam camada sobre camada até chegar 4 altura desejada. As paredes são em geral grossas e de superficie lisa; outras porém são ornamentadas de figuras lineares, meandricos, etc. Urnas anthropomorphicas ou zoomorphicas não exis- tem no Rio Grande do Sul. FIG. 10. Igacaba Te Todas as urnas Rio-Grandenses são mais ou menos piriformes, e da mesma forma são os tampas com os quaes são cobertas as grandes urnas funerarias (iga- cabas). Rath diz (pag. 27) que as igaçabas de S. Paulo e Paraná tinham tampas providas de um botão ; destas nunca vi, nem no Rio Grande nem em S. Paulo. O tamanho das urnas é muito variado, e já se encon- traram algumas de tamanho desusado, podendo conter 6 hectoiitros. A maior da colleccäo de Schupp tem uma bocca de 62 cm. de diametro. Muitas destas urnas con- tinham esqueletos humanos, quando desenterrados ; isto foi verificado tanto no Rio Grande do Sul, por Xoserit: e mim, como em S. Paulo e Paraná. (1) Resta saber-se agora, qual o modo de interramento, si o individuo é enterrado na igaçaba logo depois da morte, ou só a ossada depois da putrefação da carne, ou ainda se ambos os modos estavam em uso. Rath diz, que os indigenas enterravam provisoria- mente os seus mortos, que falleciam longe da aldeia, para mais tarde tirarem a ossada, que levavam á aldeia do morto, dando-a então á sepultura definitivamente em pequena igacaba. Koseritz (pag. 24) dá noticia de urnas funerarias, que foram desenterradas de um cemiterio indigena, desco- berto em 1867 no Campo dos Bugres, hoje Colonia Caxias, contendo esqueletos humanos, tão bem conservados que de certo não podiam exceder 4 edade de um seculo. Um meu conhecido contou-me tambem, que durante a guerra do Paraguay, encontravam nas proximidades do rio Uru- guay uma igaçaba que continha o corpo de um indio ainda muito bem conservado. Ouvi dizer que muitas vezes encontram-se duas urnas juntas, das quaes uma servia de tampa a outra. Aoseritz, porém, affirma que os indigenas enterravam as igaçabas sempre de bocca para baixo. Não duvido que haja muita differença entre os (1) Assim observado por Aazh (f. Ladislau Netto 1. c. pag. 428. APN ES indigenas na maneira de enterrar os mortos. Todas estas questões devem ser estudas, comparando-se as observações de exploradores circumspectos. O que é essencial, é saber, si Os ossos encontrados em igaçabas, são inteiros ou fracturados. Barbosa Rodrigues assevera, que os indigenas quebravam os ossos, principalmente dos membros, dos mortos, porque de outra sorte não caberiam na igaçaba. Rath sustenta que a posição dos mortos nas urnas é a mesma que a dos embryões no ventre maternal, tendo os Puris e outras tribus o costume de amarrar com cipó os membros do corpo. Desta maneira não é de admirar, que as igaçabas podessem conter o corpo inteiro. Affirma ainda com outros o mesmo Rath, que os Botucudos inci- neravam os mortos, para enterrar logo a cinza em pequenas urnas. Conclue-se pois, que e preciso muito cuidado para examinar o conteudo das igaçabas, e colligir as noticias a respeito, tanto mais que talvez estes diffe- rentes modos de sepultura correspondem á differentes tribus. Pelo momento parece-me provavel, que as tribus dos Guaranys enterravam os mortos em urnas, e os cadaveres que eram enterrados simplesmente em pequenos monti- culos, pertenciam ás tribus dos Crens. Supponha-se com razão, que as igaçabas de paredes grossas, isto é, com uma pollegada de espessura ou mais, e ornamentadas apenas de impressões feitas com o dedo pollegar, sejam as mais antigas, emquanto que as de paredes mais delgadas e mais bem acabadas e pintadas sejam de uma epocha mais moderna. Interessante a este respeito é uma observação feita por Xoseritz (pag. 23), dizendo que encontrou à margem do Rio Taquary em uma profundidade de 10 metros, cacos grossos de uma igaçaba muito antiga, cuja edade foi avaliada em milha- res de annos, visto o solo ali crescer apenas de 10 cm: em 50 annos. Awnert ao contrario nunca encontrou cacos de louça antiga em camadas fundas do alluvio, referen- do-se isto ás suas pesquizas feitas no territorio do Cahy. SR ets Tambem é elle da opinião de que os indios só adop- taram a pintura em suas urnas depois de terem visto os productos europeos, que foram introduzidos logo depois da descoberta da America (l. c. pag. 33.); si, porém, tivesse elle conhecido as delicadas ornamentações da louça pintada, entre os indigenas prehistoricos do Marajó, Catamarca, etc., certamente não seria induzido a enuuciar um erro tão manifesto. Kunert descreve uma grande urna funeraria com tampa, encontrada no valle de Forromecco, contendo um esqueleto em posição acocorada ; pelo contrario uma outra igaçaba, encontrada em Lombo grande, continha no fundo os ossos em confusão, sendo, porém, a caveira collocada sobre um prato especial; a tampa é curva e sem botão. Este mesmo typo representa uma igaçaba de Piracicaba (S. Paulo), que me foi gentilmente offerecida pelo Snr. Carlos Nehring. Cachimbos Entre os productos da antiga industria indigena são os cachimbos em geral de grande raridade, tanto no Rio Grande do Sul como em toda a America do Sul. Todos são, como as urnas, fabricados de barro, sendo porém o material melhor escolhido. São fabricados de um barro fino bem misturado e sem pedrinhas. Contesto a opinião sobre cachimbos fabricados de pedra. | Tanto Ladislau Netto (1. e. p. 447), que falla de um cachimbo de steatite, do Rio Grande do Sul, como Kose- ritz (1. c. p. 18) que descreve um outro de grés em forma de uma cabeça de Azteko, confundiram o material. Tive mesmo occasião de examinar o cachimbo a que se refere Koseritz, e achei que era fabricado de barro cosido. Todos os typos de cachimbos, por mais differentes que sejam, são pouco volumosos, em geral tem 6 a 8 cm. de comprimento, e o receptaculo é nunca maior que um dedo pollegar. NET AE A particularidade de todos estes cachimbos é terem a chaminé sempre curta, provida de um orifício estrei- tissimo, que apenas permitte a introdução de um fino tubo. Supponho que para tal ffm applicaram elles tubos de um bambusaceo (taquara), ou a haste de uma gra- minea, porque a ponta da chaminé é pouco adaptada a bocca do fumente. Awnert estampa, (I. c. p. 697, fig. 10), um caximbo com duas chaminés, de maneira que duas pessoas ao mesmo tempo |odiam servir-se delle. Quanto ao receptaculo ou fogão, podem-se dividir os caximbos em dous grupos; ao primeiro pertencem os que tem o eixo do receptaculo na mesma linha hori- zontal que o do tubo; ao segundo pertencem todos os FIG. Il. Caximbo de S. Lourenço. demais, sendo mais ou menos inclinado o eixo de cha- miné com o do receptaculo, formando em geral um angulo recto. Tenho recebido grande numero de caximbos do primeiro typo, do Rio Grande do Sul, principalmente da colonia de S. Lourenço. FIG. 12. Caximbo do Cahy. Quanto ao segundo grupo apparecem typos ditfe- rentes, sendo o mais commum o de receptaculo e chaminé ENS QNTO bem desenvolvidos, sendo este ultimo de forma cylin- drica ou quadrangular. Foi modificação singular deste typo um cachimbo anthropomorphico de Æoserit:, o qual infelizmente per- deu-se no grande incendio da Exposição Brazileira-Al- lemã em Porto Alegre (1882). O receptaculo tinha a forma de uma cabeça humana a queixos salientes e com a fronte francamente recuada, de maneira que Koseritz o comparou com uma cabeça de azteko (1. c. p. 18). Esbocei-o ha pouco, de memoria, dando a figura (15 p. 191, fig. 1) e nesta occasião tambem descrevi outro cachimbo anthropomorpho, que encontrei na colonia de S. Lourenço, e o qual hoje está no Museu de Leiden. E’ de forma mais ou menos redonda, sendo a chaminé muito curta. Ha na frente uma cara humana, fingida por meio de impressões, tendo em baixo da bocca tres sulcos pe- quenos, mais ou menos verticaes; estes são justamente o característico da authenticidade do objecto, visto que entre as esculpturas e desenhos dos indios do Norte do Brazil tambem são encontradas da mesma maneira, pro- vavelmente para significar a barba. O P. Schupp (1. e. p. 131, fig. 12) dá uma figura indicando um cachimbo an- thropomorpho, sendo porém difficil a dar uma explicação exacta, por estar muito estragado. Outro typo de cachimbo de configuração interessante, e de forma mais ou menos cylindrica, é o que tem o eixo da chaminé horizontal, sendo collocado verticalmente ao do receptaculo. A este grupo pertencem os cachimbos de Buenos Ayres, de que falla Ameghino (2, Pl. VII, fig. 271-272) e os da Bahia, figurados por Ladislau. Netto (23 p. 448. Desconheço cachimbos deste genero no Rio Grande do Sul, porém encontram-se outros mais ou menos seme- lhantes, e a este grupo deve ser incluido o cachimbo anthropomorpho, encontrado em S. Lourenço, e que já ficou descripto. RES QUO RE E' de grande interesse conhecer-se a zona por onde são distribuidos os cachimbos. Ameghino os encontrou na Argentina, principalmente na provincia de Buenos Ayres. Ha grande quantidade no Rio Grande do Sul, porém mais raramente são encon- trados no littoral do Norte deste Estado até a Bahia e Alagoas. Parece que são completamente desconhecidos no Pará e Amazonas, e segundo J/arcano tambem o são em Venezuela. Não existem no Perú, emquanto que no Chile são conhecidos. Segundo Philippi (cf. Kunert, 18, p. 695), os cachim- bos chilenos säo semelhantes aos da Argentina e do Rio Grande do Sul, e lá tambem são elles designados pelo nome de « cachimbos ». A palavra cachimbo, segundo penso, foi acceitado por importação pelos portuguezes no Brazil, os quaes propagaram o seu uso e nome, tanto entre os indigenas do Brazil, como entre os da Argentina e do Chile. Não ha prova de que os indigenas do Chile conhecessem o uso do fumo em tempos precolombianos, tanto que os Araucanos ainda hoje designam o tabaco por puethem. palavra guarany. | Para solver a questão, é preciso antes de tudo vêr qual a distribuição dos cachimbos, nas diversas epocas da historia; infelizmente temos a este respeito, como para todos os achados archeologicos do Brazil, poucos dados para se lhes poderem determinar a edade. E' certo que os sambaquis e os mounds em geral são precolombianos; é esta a opinião geral de todos os exploradores. E' um erro, porém, suppor como A. Loef- gren (Os Sambaquis de S. Paulo—Boletim da Commissão Geographica e Geologica de S. Paulo. N. 9-1893 p. 78 ff.) que a cultura dos sambaquis seja exclusivamente de tempos precolombianos. Dos sambaquis de S. Paulo principal- mente e dos do Paraná, se pode em parte demonstrar que ainda foram habitados por algum tempo pelos indigenas, depois que os portuguezes occuparam a costa. — 83 — G. Koenigswald, que tem bom conhecimento dos sam- - paquis, affirma, que em um delles proximo ao Mar Pe- queno, foram encontradas perolas venezianas, e em outro no Paraná uma cruz papal, com os signaes de religião catholica. Todos os missionarios e os soldados que os acompanharam naquelles tempos, receberam do Papa uma cruz, como insignia de defensores da religião catho- lica. E’ porém mister, proceder neste sentido com muito cuidado, visto que objectos em forma de cruz e até de cruz papal existem tambem entre as antiguidades ame- ricanas, como declara Vadaillac (L' Amerique prehistorire. Panis 16685. p. Lil e 1/5). Não é, pois, de estranhar, que de vez em quando nos Sambaquis se encontra um cachimbo entre objectos postcolombianos, como aconteceu a C. Rath, que deparou um, de barro bem queimado, e que mostrava por si, pelo modo como foi feito o queimado, ter sido dos portu- guezes, ou de qualquer povo europeu (1). Em Santa Ca- tharina, segundo H. Miiller, tambem foram encontrados em camadas superiores de um sambaqui ossos de cavallo e cacos de louça européa. Quanto ao mais. estamos de accordo com À. Loefgren, que os sambaquis em geral são de tempos precolombianos e a falta absoluta de cachimbos nos mesmos (salvo as excepções supra indicadas), de- monstra, que o uso de fumar o tabaco por cachimbo era desconhecido, antes da vinda dos europeus, como fui eu o primeiro a demonstrar (12 pag. 871). Nenhum dos nu- merosos autores que tratam dos Sambaquis, encontrou nelles cachimbos. Nota-se tambem a ausencia dos cachimbos nos mounds de Amazonas e na ilha de Marajó. Outra questão interessante é o ponto linguistico, cuja importancia já foi reconhecida por Awnert (18, p. 695), como abaixo vemos. Diz elle: «Segundo as informa- (1) Um cachimbo queimado duro como o vidro achei perto da cidade de Rio Grande do Sul, junto com objectos de ferro e louça. PHS Yi ções do Dr. Philippi de Santiago os cachimbos encon- trados nas sepulturas dos antigos indigenas do Chile, nao differem em nada dos que ha no Rio Grande do Sul. “Ainda hoje estes mesmos cachimbos são usados pelos Pehuenches, a Leste dos Andes chilenos, bem como entre os indigenas da Patagonia. Os bugres do Brazil dão ao tabaco o nome de petim (pito-cigarro, etc.), o mesmo vocabulo, de que segundo Philippi já se serviram os historiadores hespanhóes no seculo XVI para designar o tabaco. Os araucanos chamam o tabaco puethem. « Parece-me que a palavra pitar muitas vezes subs- tituida pelo vocabulo fumar, deriva-se da lingua Guarany. « Resta ainda à provar se foram os portuguezes que introduziram na America do Sul o uso do fumo, ou si os indigenas já usavam antes o tabaco, ou qualquer outra planta nicotinica, que designavam pelo vocabulo petim. « O uso geral desta palavra entre os indigenas de toda a America do Sul, deixa suppor que o costume de fumar em cachimbos existia ja antes da descoberta da America; como é certo tambem que os antigos indigenas do Chile usavam o fumo antes da chegada dos conquis- tadores hespanhóes ». Acho que o ultimo topico é inexacto, e que as cita- das « antigas » sepulturas são post-colombianas. O uso da palavra pelim, em nada attesta o costume de fumar o tabaco em cachimbos em tempos precolombianos, de- monstrando apenas que o tabaco era conhecido, e que o seu uso era outro, demonstrou-o Wittmak (31 p. 345). O exame cuidadosamente feito das plantas encontradas nas sepulturas peruanas mostra que 0 tabaco ja existia, e é claramente expresso nesse sentido: o tabaco não se fu- mava, porém era usado como rapé e medicamento. Certo é que entre as plantas indigenas da America do Sul, existem varias especies de tabacos, como no Bra- 245.85 = zil a Nicotiana Langsdor fii Weinm. (1) e é esta exactamente a planta que os Guaranys designavam com o nome de petûm. Não ha prova de que esta especie de planta servia aos indigenas para fumar, e se o era, empregariam tal- vez a fórma de charutos, visto que em todas as sepul- turas indigenas de tempos precolombianos, não se en- controu ainda nenhum cachimbo. Resta-nos, pois, afigurar, que o uso do cachimbo foi introduzido pelos Europeos, propagando-se rapidamente entre os indigenas do Sul do Brazil e da Argentina; mais tarde o uso do cachimbo foi adoptado pelos indi- genas da Patagonia e pelos Araucanos do Chile. Isso não é de admirar, porquanto sabemos, que desde tempos mui remotos existiram relações entre os povos dos pam- pas argentinos com os que habitavam os territorios si- tuados além dos Andes. Moreno achou em antigas sepulturas da Argentina, conchas do Oceano Pacifico, e vice-versa os Chilenos adoptaram o uso dos cachimbos e do tabaco, que lhes trasmittiram os Guaranys, e não tendo em sua lingua denominação para os mesmos, acceitarem igualmente as palavras púthem e cachimbo, usados dos Guaranys. Em favor da hypothese sobre as relações existentes entre estes dous povos, temos ainda a bola, que existe não só no Rio Grande e na Argentina, como tambem no Chile, e mais os machados circulares perclusos. Martius ainda observa que a palavra « juá » dos Tupis, que significa fructa de caroço, era usado pelos indigenas do Chile com o nome de « gud » para designar o grão de milho. (1) Engler e Prantl: Die natiirlichen Pflanzenfamilien, Lief. 67. Leipzig 1891. p. 32 dizem: Nicotiana tabacum I. provem da America meridional, de mesmo modo Nic. rustica encontrada tambem ao Mexico, sendo silvestre no Brazil Nic. Langsdorffi Weinm. A cultura da planta do tabaco começou na Europa em 1518, em Lisboa. = 890 — Estende-se ainda o mesmo escriptor em explicações, estabelecendo, (21, pag. 378) certas relações entre as duas linguas, as quaes não poderiam existir, sem communi- cações entre os dous povos. Pode-se concluir, pois, que sendo o cachimbo post- colombiano no Brasil e na Argentina, tambem o é no Chile. O uso geral da palavra petim, entre as muitas tribus guaranys e Tupis, prova que o tabaco era conhecido por elles desde tempos mui remotas. Entretanto não é de sorprehender que inventassem a palavra pitybao, para designar cachimbo, como inventaram palavras para todas as demais inovações européas, como: para animaes do- mesticos, metaes, etc. Parece-nos verosimil, que comparando-se methodica- mente as designações de objectos e noções, conhecidas de ka muito pelos indigenas, este estudo mostrasse grande variabilidade destes termos, comquanto a sua lingua não seja rica para significar tudo que foi importado dos Eu- ropeos. Designam a gallinha, o porco, etc. com as mes- mas denominações que dão 4 animaes seivagens, mais ou menos semelhantes, e faltando-lhes esta comparação, como acontece para o cavallo, adoptam o nome portu- guez, muitas vezes mutilado. O tabaco não pertence a este ultimo grupo, pois que já era conhecido (petüm); o contrario, porém, se da com o cachimbo, para o qual quasi que não existe outro nome. A significação da palavra cachimbo, ainda não está bem esclarecida; Martius (21, p. 424) suppõe que origina- se da lingua dos negros da Africa, questão a que logo voltarei. Como resultado das nossas investigações, podemos affirmar, que o tabaco já era conhecido em tempos pre- colombianos, não só no Brazil, como quasi em toda a America do Sul e que servia de rapé e como medicamento: onde for fumado o foi em forma de cigarros. A este res- peito estão de accordo tanto os historiadores, como os E EN botanicos, porém não era cultivado geralmente pelos indigenas do Brazil. Ainda hoje, segundo von d. Steinen, é desconhecido aos Bakairis do alto Xingú, bem como as bananas e os metaes. Si bem aqui os cachimbos sejam postcolombianos, já os indigenas da America do Norte conheciam-os e usavam delles antes da descoberta de Colombo. O grande centro do seu uso era a bacia do Mississippe, porém estes cachimbos nada tem de commum com os do Brazil, tanto em forma e material, quanto em sua importancia tradicional. Na America do Norte elles são quasi sempre de pedra, ao passo que na America do Sul nunca o são; a forma typica norte-americana tem o receptaculo no centro da base, o que não se dá com os da America do Sul. O ca- chimbo, que os selvagens da America do Norte offerece- ram aos seus adversarios, como symbolo de paz, é neste sentido inteiramente desconhecido no Brazil. Sabemos pela historia, que o uso do fumo, antigo na Asia ena America, relativamente a este ultimo conti- nente, originou-se da America do Norte e das Indias Oc- cidentaes. Emquanto na epoca da descoberta da America os norte-americanos usavam o cachimbo, era o fumo usado pelos indigenas das Antilhas na forma que tem hoje os nossos charutos, e que chamavam « tabaco ». Humboldt encontrou semelhante costume entre os Tamanacos e Maypuros da Goyanna, que envolviam po- rém os charutos em palha de milho, uso este que existiu no Mexico antes da conquista de Cortes. Como se sabe, o mesmo uso de se envolverem os charutos em uma outra palha, especialmente de milho, existe ainda hoje entre todos os povos hespanhôes e portuguezes da America. Contraria a este parecer é uma noticia de Zrnst,(1) que descreve um cachimbo em forma de phallus achado (1) ef. Verhandlungen d. Berliner anthropol. Gesellschaft 1884, pag. 455 e mais 4. Ernst. Venezuelanische Tlongefasse. Interna- tionales Archiv f. Ethnograph. vol II. 1890 pag. 169-175. PI. XIII. Rie Soi em Venezuela, e estampa um outro, encontrado na lama endurecida, à margem do lago de Valença em Venezuela. Continua dizendo, o mesmo sabio, que os antigos habi- tantes da região de Valles de Aragua, eram bastante ha- beis na fabricação de artefactos deste genero, e que na Venezuela tem-se a palavra de cachimbo, o mesmo nome que se usa no Brazil: Suppõe elle, que cachimbo deriva- se do guarany, sendo uma palavra composta de ca e timbo (queimar-fumaça). Segundo, porém, as opiniões de linguistas compe- tentes, este parecer não poderá ser adoptado, mesmo porque em nenhum lexicon da lingua guarany se en- contra esta palavra. Martius é da opinião de que a pa- lavra enigmatica de cachimbo, se originou de uma lingua dos negros da Africa. O uso geral da mesma palavra em Venezuela, Brazil, Argentina e mesmo no Chile, é uma prova bastante forte de que o nome e o proprio objecto foram introduzidos pelos conquistadores. O cachimbo de Torocoa é bastante differente dos que ha no Brazil (1), e duvido que seja de tempo precolombiano, pois, 0 lugar onde foi achado, nada pode demonstrar, porque é muito provavel que a deslocação das margens do lago se tenha feito em um ou dous seculos. Marcano não registra ca- chimbos entre as antiguidades de Venezuela, oppõe-se mesmo a opinião de terem existido cachimbos em Vene- zuela em tempos prehistoricos, pelo facto de não existi- rem nos mounds do Amazonas. Nas sepulturas do Perú, nos Mounds do Marajó, nos Sambaquis do Brazil, e emfim em todos os lugares em que foram examinadas as antiguidades precolombianas da America do Sul, faltam os cachimbos. Outro argumento importante nos dá a etymologia da palavra « cachimbo ». Como já mencionei, ha até (1) Um cachimbo bastante parecido com este estampa Virchow (Verhand. der Berliner Anthropologischen. Gesells. 1884, Taf. VII, fig. 5, pag. 372-380), e que lhe foi enviado por Burmeister entre outras antiguidades dos calchaquis. — 89 — autores que esta palavra querem exvlicar pelo idioma guarany, porém de certo por engano. Nota-se que ne- nhum dos escriptores competentes sobre as linguas tupy- guaranys acceita tal explicação, e nenhum diccionario desses idiomas contem a palavra cachimbo. Os dicciona- rios portuguezes do Lacerda, de E. de Faria e outros com- binam a palavra cachimbo com a palavra turca Tschibuc, o que pouco provavel apparece. Marius a declara origi- naria das linguas africanas e tem razão, pois a explica- ção mais criteriosa que acho na litteratura diz o mesmo. E’ o «Diccionario brazileiro da lingua Portugueza», pu- blicado nos Annaes da Biblioteca Nacional do Rio de Ja- neiro que no Volume VIII. 1889 pag. 126 esta se expri- mindo do modo seguinte: caximbo é identico com qui- xima (objecto ouco) da lingua bundo ou angola. E’ deste dialecto africano que acceitou a lingua brazileira nume- rosas palavras como calunga, caxinguelê, camondongo e outras. Resta á saber se veiu nos da Africa não só a palavra mas tambem o-objecto: o cachimbo e o seu uso. Falta- me a litteratura para estudar esta questão. O que sabemos, é que muito commum é na Africa o costume de fumar. Os livros que tratam da questão como p. expl. o de Tiedemann «O tabaco», dizem que tanto na America como na Ásia é antigo o costume de fumar. A Europa veiu o tabaco e o costume de fumar no seculo XVI pelos Hespa- nhóes e Portuguezes. A cultura do tabaco principiou em Lisboa, no anno de 1518. Quanto a America os relatorios do tempo da conquista mencionam o uso do cachimbo para a America do Norte mas nao para a America do Sul. E” assim que o livro de Oviedo (Natural historia de-las Indias. Toledo 1529) falla dos cachimbos usados entre os indigenas do territorio dos Estados Unidos. Neste sentido estão em perfeita har- monia as tradições historicas e os dados archeologicos, e peço relativamente ás primeiras vêr Wuitz (1. e. pag. 84 e 424) e sobre os ultimos o livro de Nadaillac (1. c. pag. — 90 — 153, 161, 258). Do valle do Ohio e do Mississippi 0 uso do cachimbo propagou se a Sul e Oeste, sendo porém tanto no territoria dos antigos cliffdwellers como na America central raramente encontrados cachimbos. Ao contrario as obras antigas tratando do Brazil, nunca fazem menção do uso de cachimbos, dizendo que onde existiu o costume de fumar forão usados cigarros. Assim lemos no livro de Waitz (l. c. pag. 192) que os Potigoares ou Pitigoares, tribu tupy, tem o nome da pita (Fourcroya gigantea), visto que os tupinambas aproveitam a hasta da florescencia para fumar, e mais (pag. 48 e 424) que fumavam os tupys o tabaco em forma de charutos. Se Martius accrescenta, que fumar é tambem no Brazil signal de paz e de amisidade, creio que .o nosso autor generalisou muito demais qualquer observação isolada. Varnhagen afirma que as vezes como signal de amisidade offerceu-se tabaco. Tambem nas Antilhas usavam os indigenas de ci- garros com capa de palha, etc., e este uso o temos ainda hoje no Brazil, fazendo cigarros com folha de milho. Se os tupys usavam dos canudos de pita para enchel-os de fumo para fazerem cigarros «ptybao», nos temos ainda conservado a palavra «pitar » para fumar. Para resumar os resultados obtidos por esta investi- cação, podemos dizer: O fumo, planta silvestre do Brazil, era na epoca da descoberta da America usado na America do Sul como remedio e para fazer cigarros com capa do canudo de pita (por essa razão «pitar») ou de palha de milho. Forão os hespanhóes e portuguezes que introduzirao o uso do cachimbo e tambem a palavra de cachimbo, palavra da lingua angolense e que divulgou-se desde a Venezuela pelo Brazil até a Argentina e o Chile. Eis a razão, porque nos Mounds do Amazonas, nos Sambaquis do Brazil como entre as antiguidades peruanas faltam os cachimbos, que para a nossa archeologia representam por conseguinte .— 91 — o mesmo papel como moedas, objectos de ferro ou perolas da Veneza. Ao contrario foi commum já antes da descoberta da America no territorio occupado hoje pelos Estados Unidos o uso do cachimbo, que porém alli differe em forma, ma- terial e significação symbolica do que encontramos no Brazil e no Chile. Mesmo assim, tambem na America do Norte não é bem antigo o uso do cachimbo, visto que estes faltam ali nos Kjockkenmoeddings comono Brazil fa- zem falta nos Sambaquis. E' provavel, quea cultura do fumo como aquella do milho entre no grande numero de objectos e costumes de distribuição universal por todo o continente americano, e que formam o grande e até hoje impenetra- vel mysterio do americanista. Culto aos mortos e Inscripções em rochas. Relativamente as sepulturas (tibycoara) respectiva- mente ao modo da inhumação dos antigos indigenas no Rio Grande do Sul, distingue-se o enterro simples e a inhumaçäo em urnas funerarias, chamadas igaçabas. A respeito destas ultimas veja-se o respectivo capitulo. Sabemos dos Coroados, que enterravam os seus mortos, construindo um monticulo de terra sobre a sepultura, que era vigiada por algum tempo; a expedição de Ma- bilde encontrou uma destas sepulturas em Cima da Serra. Para os caciques, os montes das sepulturas erão maiores, assim assevera Rath, que viu o do cacique Condá nos Campos dos Guarapuavos no Paraná. Segundo muitos autores tambem os Botocudos enterravam os seus mortos da mesma maneira, e parece que este uso era commum entre todos os Crens. Os Guaranys, ao contrario, inhumavam os mortos em igaçabas, resta, porém, saber qual o modo porque eram collocados os corpos, si intactos, com os membros amarrados por cipós e os ossos quebrados, ou tão so- mente os ossos, ou finalmente si guardavam unicamente a cinza depois da cremação do corpo. eg: PS A este respeito divergem as opiniões, e esta mesma divergencia prova, que os indigenas tinham differentes methodos no culto que davam aos mortos, conforme as circumstancias do local. E' certo, porém, que os indios de uma tribu que morriam longe de sua taba, eram enterrados provisoria- mente, para serem depois os ossos levados para a sua aldeia, e lá enterrados definitivamente em uma igaçaba. Não ha noticias exactas de que as tribus dos Crens se servissem de urnas para inhumarem os seus mortos, por isso acredito que todas as igacabas encontradas tivessem pertencido aos Guaranys. E’ duvidoso que todas as sepul- turas abertas em terra firme, fosse somente de uso entre os Crens, e muito provavel é que entre parte dos Gua- ranys estivesse em voga este uso tambem. Parecem-nos provar esta asseveração, os poucos esque- letos, encontrados nos sambaquis. Sabemos que muitos indigenas da America do Sul tinham por costume enter- rar Os seus mortos na propria cabana, sem que a familia sempre depois deixasse a cabana; é, portanto, erradamente que se tratam de cemiterios os sambaquis, sendo mais certo, que antes foram antigas habitações dos indi. genas, e que as conchas, ossos, etc., que nelles se encon- tram são os restos das suas refeições. Foi encontrado em um sambaqui proximo á Cidreira, um esqueleto compléto e em bom estado, porém, tal fracasso soffreu, que nada mais se poude reconstruir senão o craneo. Foi descripto por Aoseritz (cf. pag. 80), que infelizmente não lhe deu a figura. Os poucos dados que a este respeito pude colligir, não permittem estender-me sobre a anthropologia physica dos antigos indigenas do Rio Grande do Sul, podendo, sómente para o futuro, ser preenchida esta lacuna. O que conheço dos ossos humanos encontrados nos sambaquis do Rio Grande do Sul, concorda com as observações feitas em outros Estados nos sambaquis observados, — 93 — isto é: que os ossos do corpo humano são ali encontrados completamente misturados com outros de animaes, pei- xes e conchas, de modo que só nos é possivel vêr nelles os restos das suas refeições. Parece-nos isto tanto mais verosimil, quanto é sabido, pelas, narrações dos primeiros exploradores como Huns Staden, Lery e outros, que a an- thropophagia era commum entre os indigenas da Ame- rica do Sul, e especialmente do Brazil. A respeito das inscripções em rochas, veja-se as notas do capitulo VI. (cf. Ausland, 1861, nº 49, pag. 96). A esta minha opinião, acrescenta C. von d. Steinen, que recebeu outra semelhante pedra de Aoseritz, e combate a opinião de vêr nelles signaes graphicos. Pode ser que tenha razão, porem não esclarece a repe- tição de certos signaes typicos em lugares entre si dis- tantes. Kunert provocou-me serias duvidas, ha bem pouco tempo, sobre a veracidade das pequenas pedras de Aose- ritz; segundo elle, são ellas apocryphas. Inscripções cuja genuidade está fóra de duvida, co- nhecemos no Rio Grande do Sul somente duas, uma da picada da Solentaria, descripta por mim, outra a do Vi- rador, sobre a qual Awnert deu minuciosas noticias. Em todas estas inscripcôes se repetem varias vezes differen- tes signaes como: mãos, pés, vulvas com e sem cabellos que, porém, em parte talvez representam 0 sol, pinheiros, figuras de forma espiral e circular, etc. Me parece duvidoso, que estes petroglyphos Rio-Grandenses tratem de problemas particulares, visto que semelhantes inscrip- ções estão distribuidas em toda a região oriental da Ame- rica do Sul, e parece-me que foram só os indios das tribus Tupy e Guarany que as gravaram. Não existe razão para acceitar a ideia de Nadaillac (1. c. pag. 473 que estas inscripções não podem ser feitas por tupys, que elle não julga habeis por tal fim, visto que elles fizeram muitas obras de arte muito mais aperfeiçoadas, como redes, arcos, tembetas, machados e outros objectos. — 94 — E” sensivel a falta de uma monographia comparativa que reproduzisse todo o material a respeito dos petrogly- phos sul-americanos. Como supponho, o Rio Grande do Sul é o Estado mais meridional onde foram encontradas taes Inscripções. Si com o tempo as investigações de- monstrassem a razão da minha hypothese, affirmativa de que os autores destes petroglyphos tão semelhantes entre si, fossem os Tupys e Guaranys (Itambé ou Itacutiara em sua lingua), estas inscripções ganhariam grande im- portancia para o estudo da antiga distribuição geogra- phica destes povos. Sambaquis Nossos conhecimentos sobre os sambaquis do Rio Grande do Sul são limitados, sendo a respeito pequenos trabalhos apenas publicados por Bischoff, Aoseritz (16 pag. 59) e por mim (7 e 11). Os sambaquis examinados por Bischoff, são compos- tos exclusivamente de Mesodesma mactroides, uma especie de concha, que ainda hoje é commum em toda a costa; sendo tiradas da areia pelos pescadores, quando o nivel do mar o permitte, pois nas costas Rio-Grandenses nao ha fluxo, nem refluxo regulares. O interesse que nos inspiram os sambaquis Rio-Gran - denses, não é de todo especial. Encontram-se nelles cacos de urnas, armas de pedra polida, entre ellas tambem os machados entalhados de sulco circular e pontas de flechas. Os typos mais aperfeiçoados, como os machados perfu- rados, são inteiramente estranhos, como tambem as bolas e os cachimbos. Koseritz menciona (pag. 61), que foram achados dous tembetas de um centimetro de comprimento, porém, estou certo, que eram apenas pontas de flechas. Diz mais, que tambem encontrou uma igaçaba ricamente pintada e que continha um craneo e duas pequenas chapas de prata, rudemente trabalhadas e de forma triangular. Estes artefactos parecem ser da epoca precolombiana, WEN ETES pois e muito provavel que sejam objectos de permutação com os povos andinos. São de um interesse bem especial os sambaquis, si- tuados a grande distancia da costa. Como elles forão feitos no tempo quando o mar estava neste lugar, são elles o signal de modificações na topographia da respec- tiva região; modificações que não podem ser de hoje nem do seculo passado, provando a antiguidade dos respectivos sambaquis, que são precolombianos, nos quaes nem moedas ou ferro nem caximbos são encontrados. Emittiu uma opinião bem falsa sobre os sambaquis do Rio Grande do Sul Ladislau Netto (Archivos do Museu nacional. Rio de Janeiro. Vol. |. 1876 pag. 2) julgando que os indios fizerão os sambaquis durante o inverno. E' verdade que na costa do Rio de Janeiro e de S. Paulo o inverno é tempo agradavel e procurado para banhos de mar. Mas no Sul o caso é contrario. O tempo de tomar banhos de mar é só de Dezembro em diante e no inverno o clima é de summo rigor, chuvoso, sendo a costa do mar entre todos o lugar menos agradavel, nem dando abrigo contra a força do minuano (oeste) e do pampeiro (s. oeste). Não podemos nestas condições duvidar, que os indios pouco vestidos ou nus não procurarão o tempo mais frio e mais feio para o passeio á costa, nem no Rio Grande do Sul, nem nas costas Argentinas. Se neste sentido precisava-se de mais provas, poderia nos dal-as a obser- vação dos indios da Patagonia. Sabemos que na região do Chubut uma vez só por anno vem a costa, e isto no verão (veja « Export » Berlim, 1893, n. 51, pag. 782). E’ de maior interesse, estudar os sambaquis que mostram a alteração geographica no tempo decorrido desde que foram feitos. Na visinhança da cidade do Rio Grande do Sul, existem sambaquis, que são camadas de terra, contendo grande quantidade de conchas, ossos de animaes, peixes, carvão de lenha, artefactos, e tudo em condições taes, que provam o desarranjo que tem havido = 06:— até entäo. Estas collinas estäo infelizmente em risco de serem destruidas pelos ventos e pelas aguas atmosphericas. Em geral são cobertas de vegetação visosa, 0 que está provando que não originaräo-se de comoras, O que tambem estaria em opposição á existencia nestas collinas, de conchas maritimas e terrestres. Com a alte- ração geographica mudou-se tambem a fauna dos mol- luscos, sendo interessante a observação que a respeito fiz em um Bulimus (Borus lutescens, King), que encontrei num sambaqui da villa Siqueira. Este caramujo não é mais encontrado vivo no Rio Grande do Sul, e só é co- nhecido hoje nas republicas platinas. Os sambaquis da villa Siqueira, contem numerosas conchas de grandes volutas, e não se pode imaginar que estas conchas fossem levadas para lá, como objectos de “mera diversão, sendo ellas representadas em grande quan- tidade. E’ certo, pois, que os indios se serviam desses mol- luscos como alimentos, visto que o Sacco da Mangueira era naquelle tempo unido ao mar, e hoje só se encontram ali duas especies de molluscos: Solecurtus platensis e Azara labiata, ambos de agua salobre, e não são ali con- siderados como alimento, e nem se acham nos sambaquis. A tradição historica está de accordo com esta dedu- ção, demonstrando que ainda no começo do seculo XVII existia uma ilha, que hoje se desconhece, fora da barra. As collinas cobertas de vegetação mais ou menos frondosa, das quaes tratei e que se observam no littoral do Rio Grande do Sul, naquelle tempo não existirão na forma actual e tão elevados, o que induz a concluir-se, que o solo cresceu de uns seis metros nestes ultimos tres seculos; este crescimento é bastante para desorganisar toda a configuração geographica de outrora e transformar os lu- gares pouco fundos do mar, em lagôas de agua salgada, como deve ter acontecido com a lagôa dos Patos, Lagoa- Mirim e outras muitas do littoral Rio-Grandense. Por isso não é de admirar que alguns sambaquis estejam distantes 10 Kilometros ou mais, da costa actual; o que se dá, por AO exemplo, com o sambaqui da Conceição do Arroio. E” composto como os outros de Mesodesma mactroides, e em nenhum sambaqui do Rio Grande foram encontrados conchas de especies fosseis. Como já demostrei (7 pag: 190 ff.), ainda hoje, conforme o exame feito pela commis- são do Barra, o nivel da Lagôa dos Patos está 8 centi- metros acima do Oceano, resultado, porém, muito duvi- doso, visto que o vento influe de 20 a 25 centimetros no nivel do mar. Nestas terras planas e baixas pequeno crescimento basta para mudar a configuração geographica. Perolas de vidro e metaes. Desde que os indios tiveram relações com os Europeus souberam approveitar varios objectos, que estes lhes trans- mittiram. Assim é que se encontram dispersos nas mattas virgens, objectos de ferro e até flechas com pontas de canivete (cf. Aoseritz, pag. 11). Porém, todos estes objectos de ferro, assim como moedas, não existem nos sambaquis do Rio Grande do Sul. Entretanto nada prova que os sambaquis do Rio Grande do Sul continuassem a ser habitados, depois da descoberta do Brazil; porém, mesmo assim, parece-me provavel que os indigenas os visitassem ainda por aleum tempo, o que pode-se referir tambem aos sambaquis de S. Paulo, Paraná e Santa Catharina. Neste ultimo Estado HZ. Mueller encontrou ossos de ca- vallos nas camadas superiores de alguns sambaquis. Nas urnas funerarias raras vezes encontram-se metaes; en- tretanto Aoseritz: (pag. 22) faz menção de uma chapa de cobre rudemeute martellada, de forma oval, tendo dous orificios, a qual foi encontrada em uma igaçaba em Santa Christina do Pinhal, e duas outras chapinhas de forma “triangular em uma outra igaçaba pintada, econtrada em um sambaqui da Conceição do Arroio. Sendo porém, este sambaqui um dos mais antigos, por ser um dos mais afastados da costa, parece certo que aquellas cha- DOS EE pinhas ali chegaram por meio de troca prehistorica, sendo objectos precolombianos. Ao contrario parece-me provavel que a chapa de cobre, que acima ficou mencionada, seja postcolombiana, por ser encontrada juntamente com duas perolas de vidro. 3 Está confirmado pela historia que os Guaranys ja antes da descoberta da America, entretinham relações com os povos do Perú e da Bolivia, e que possuiam já naquelle tempo placas e ornamentos de ouro e prata, que eram collocados nas orelhas. Assim, Luiz Ramirez, referindo-se aos Guaranys ou Chandies da Argentina septentrional, diz em uma carta de 1528, que estes mes- mos indios tinham relações com as tribus da serra. Os Xarayes possuiam tambem vasilhas de ouro e prata, e segundo Alvaro Nunez Cabeça de Vacca, os Gua- ranys do Paraguay gostavam, em tempo de guerra, de ornamentar a testa com chapas de ouro e cobre em forma de um pequeno Sol. E”, pois, falso suppôr-se que os poucos objectos de ouro, prata e cobre, encontrados no Rio Grande do Sul, são de origem postcolombiana, tanto mais que Gay demons- trou, referindo a um antigo manuscripto Guarany, a existencia de ouro e prata entre os indigenas Rio-Gran- denses (1. c. pag. 430). Talvez a forma e a analyse chimica nos deem melhor base para uma determinação exacta, quanto a sua origem. Ao contrario, as perolas de vidro achadas varias vezes, são testemunhas de relações commerciaes, existentes entre os europeus e os indigenas na epocha posteolombiana. Muito conhecida a este respeito é uma grande perola, quasi do tamanho de um ovo de gallinha, encontrada em uma matta-virgem da Colonia do Mundo-Novo. Esta eu a descrevi em um artigo na «Deutsche Zeitung» de Porto Alegre (1881), e a minha opinião, que antes se devia en- contrar estas perolas em tumulos europeus, de que nestes logares, assim bastaria para que o snr.von Koseritz (16, 8 (050) pag. 22 e 39), formasse a hypothese da origem pheniciana destas perolas. Ladislau Netto (1. c. pag. 442) era da mesma opinião e dá a figura de um fragmento da minha perola, feita de uma massa de esmalte em camadas con- centricas de côres esverdinhada, branca, vermelha e azul. Koseritz recebeu perolas semelhantes, porém menores. Como eu conhecia perfeitamente os resultados pouco satisfactorios de outros investigadores, na demonstração de relações commerciaes entre os antigos Phenicianos e a America, sempre duvidei da veracidade da origem phe- niciana destas perolas. Foi então que O. 7ischler começou os seus profundos estudos microscopicos sobre perolas, examinando cortes transversaes das perolas de vidro. Approveitei a occasião e mandei-lhe o ultimo dos tres fragmentos da minha perola. O resultado do estudo de Zischéer foi surprehen- dente, pois demonstrou elle, que estas perolas eram de origem veneziana e fabricadas no fim do seculo XV e no começo do XVI. (Vide os seus trabalhos 28 e 29). R. Andree dá outro importante trabalho sobre a distribuição des- tas perolas, chamadas agora perolas de Aggri, e que eram um artigo de commercio muito estimado no se- culo XVI. A sua fabricação e distribuição é, pois, do tempo das grandes descobertas geographicas. Resumindo, temos como resultado, que as perolas de Ageri e os ca- chimbos são productos postcoiombianos na archeologia brazileira, assim como o ferro, o vidro e os vasilhames esmaltados. A prata e o cobre, porém, podiam ter uma existencia precolombiana no Rio Grande do Sul, e ficou demonstrado que de facto isto se deu. O inesmo se pode dizer da Republica Argentina. Moreno (1) menciona terem-se encontrado nos cemi- terios prehistoricos do Rio Negro fragmentos de vidro e esmalte, e é da opinião, pela comparação delles com outros (1) ?. Moreno, Anthropologia e Archeologia. Buenos Ayres, 1881, pag. 2º. — 100 — objectos semelhantes, que viu nos museus europeus, de que se originam do antigo Egypto. Diz mais que se tem feito eguaes descobertas em Ancon e outros lugares do Perú. Sobre os respectivos fragmentos esmaltados, não estou bem orientado, porém é certo, que tanto estes como os primeiros, são como os suppostos do «antigo» Mexico, de origem veneziana, e por conseguinte postcolombianos. Conclusões archeologicas. O que existe de antiguidades no Rio Grande do Sul é demonstrado por este nosso pequeno trabalho, bem como a ausencia de varios outros typos. Assim pois, alli nunca se encontraram os magnificos zoolithos, que em forma de peixes, passaros, etc., se co- nhecem em outros Estados do Brazil e da Argentina sep- tentrional, sendo, porém, em todos estes lugares de grande raridade. Quanto a novos achados, será facil examinar a sua importancia, comparando-os com os dados archeolo- gicos aqui publicados. | A questão mais importante que nos resta para o fu- turo, é a da determinação da edade das differentes. epo- chas culturaes. A este respeito as descobertas nos barancos dos antigos leitos dos rios, posto que raras, são de grande valor. Mais importante e de maior interesse é o quadro instructivo que nos desenrola o estudo dos sambaquis; é mister, porém, examinal-os mais minucioso e systema- ticamente. E’ de desejar-se que por nivelamento seja determinada a altura exacta do sambaqui da Conceição do Arroio, e que se obtenha por estudos geologicos dados verdadeiros sobre o tempo decorrido desde a sua formação até agora. E” certo que este sambaqui, que agora está situado a 10 Kilometros distante da costa, anteriormente, ou melhor no tempo da sua formação, estava á beira-mar. v. Koseritz avalia este tempo em seis mil annos, supposição esta toda arbitraria. Já anteriormente ficou demonstrado, que em uma costa tão plana como a do Rio Grande do Sul, uma ele- — 101 — vação de poucos metros, pode occasionar grande modifi- cação geographica. Porém mesmo assim não duvido que o sambaqui da Conceição do Arroio tenha a edade de mais de 4 seculos, e porisso concluir-se-á, que as chapinhas de prata, que nelle fo- ram achadas, são de origem sul-americana. Tenho a lembrar que só um exame detalhado, sobre camadas ainda intactas, poderá nos dar uma ideia certa do que contem o dito sambaqui. Não se deve somente colligir fragmentos da cultura, mas sim tambem os restos de diversas conchas, ossos de mammiferos, de peixes, dentes e outros indicios. Como é certo, que as perolas de vidro, a louça esmal- tada e o ferro, são productos europeus e portanto post- colombianos, assim tambem é certo que a formação de sambaquis, que contem fragmentos de ossos de cavallo ou de gado, seria postcolombiana. E’ de grande importancia tambem a este respeito, um exame minucioso sobre a opinião que dei da edade postcolombiana dos cachimbos na America do Sul. Outro objecto de valor decisivo, é, como ha pouco verifiquei pelo estudo dos sambaquis da bahia de Para- naguá, um pequeno caramujo ou caracol terrestre, Helix similaris Fer., caracol mais commum do Brazil, que é original da Asia meridional, e importado para o Brazil juntamente com as bananas, expalhando-se por toda a parte nas visinhanças das habitações. Examinando o grande Sambaqui do Boguassú na bahia de Paranaguá achei numerosos exemplares desta Helix na superficie do sambaqui onde houve canteiros com couve, verificando porém que no interior do sambaqui ha falta completa deste caracol. Helix similaris é, pois, tão bom signal de edade postcolombiana, das camadas examinadas, nas quaes é encontrada, como o são os ossos de boi, instrumentos de ferro, cacos de louça fina e moedas. ARE) — 102 — VY. RESUMO Quanto ao Rio Grande do Sul podemos por conseguinte demonstrar por restos da cultura prehistorica ao menos tres elementos de povos e culturas differentes. São estes os restos : 1) de um povo de pescadores que moravam ao longo da costa, vivendo de peixes do mar e molluscos. Pelos otolithos encontrados eu pude classificar as especies ma- iores unicamente conservadas, que são principalmente Miraguaya (Pogonias chromis), Bagre (Arius Commersonil) e Corvina ( Micropogon undulatus); estas todas são especies as quaes ainda hoje de preferencia são apanha- das pelos pescadores da mesma região. Além d'isso restos de mammiferos, veados, etc., indicam que a caça tambem de tempo a tempo devia servir para o sustento. Ossos de Eomens tambem acham-se bem como outros ossos entre os restos de cozinha. Estes homens dos sambaquis não conheciam nem caximbos nem bolas. E” de notar que encontramos entre os artefactos d'elles machados de pedra polida, com sulco circular na extremidade superior, que foi assim fixada ao cabo por meio de cipós — modo de fixação este que não se observa fora d'isto no Rio Grande do Sul nem nos territorios platinos, sendo, porém, não raro nas regiões septentrionaes do Brazil. 2) de habitantes das mattas. São elles a quem se refere principa Imente a nossa descripção acima feita. E” aqui que encontramos os caximbos, os machados semicir- culares perclusos, além d'isso as grandes urnas funerarias. Quanto ás ultimas existem algumas differenças, encon- trando-se além d'urnas viradas, tambem outras com a bocca por cima e providas d'uma tampa (Awnert). — 103 — 3) de Indios dos campos, cuja cultura não apresenta cousa aleuma que não se encontrasse tambem no Estado oriental. As bolas d’elles são principalmente caracteristicas. Conhecemos por isso que os resultados da investiga- ção prehistorica, se podem ajustar bem com os dados for- necidos sobre os antigos habitantes do Rio Grande, pela ethnologia e historia. Quanto aos sambaquis existentes desde a Lagõa dos Pa- tos na costa até a Santa Catharina, poderemol-os attribuir tanto mais ao povo de pescadores, chamado dos Patos quanto mais tambem os antigos nomes de Laguna (dos Patos) e de Santa Catharina, chamada antigamente Porto dos Patos, dão a entender que os Patos não se limitavam à lagôa dos Patos, mas habitavam ao longo da costa até Santa Catharina, domiciliados nas numerosas lagôas desta zona rica de peixes. A respeito dos habitantes das mattas os nossos co- nhecimentos, cumpre dizel-o, são muito insufficientes; conhecemos, porém, os nomes de algumas destas tribus pela maior parte pertencentes ao grupo Guarany. Ainda não sabemos se ao lado d’elles já antigamente existiam Crens, os quaes, no territorio que se estende de Corrientes até Santa Catharina, têm hoje os Coroado-Camés e algu- mas hordas de Botocudos por representantes os mais es- tendidos para o Sul. E' de suppor, que a este respeito seremos adiantados pelo progresso das pesquizas archeo- logicas. Entre os artefactos dos Coroados, trazidos pela expedição de Mabille, affirma-se terem-se achado exem- plares d'aquelles machados perforados, dos quaes fallei acima. À ser assim, talvez deveriamos attribuir estes machados aos Camés e Crens. Quanto porfim aos Indios dos campos, cujas bolas se encontram no Rio Grande e Uruguay, com certeza pode- mos reconhecer como aquelles os Charruas e Minuanos, talvez tambem os Tapés e outras tribus viventes na vi- sinhança dos Charruas. As bolas encontradas aqui e — 104 — acolá, tambem nas mattas confinantes, só demonstram de novo que tambem têm tido lugar migrações. E’ por isso que é de esperar que possamos successi- vamente reconhecer um numero consideravel de typos caracteristicos de antiguidades sul-americanas, como li- mitados a certas regiões geographicas. Facilitará-se tam- bem, depois de feito isto, o rec nhecimento do valor eth- nologico de taes artefactos. E' muito provavel que d'este modo consigamos mais tarde demonstrar differenças entre as antiguidades de Tupis e as de Guaranys, que apenas representam o grupo meridional dos Tupys, tendo-se en- contrado, por exemplo, até agora um só machado semi- circular no Rio Grande do Sul. Aquelles que descreveu Ladislau Netto no tomo sexto dos Archivos do Museu Nacional originam-se do Brazil central e septentrional, e das mesmas regiões origina-se tambem um machado se- micircular ainda fixado no cabe, que foi trazido para a Hollanda no tempo de dominarem os Hollandezes no Brazil septentrional, e sobre o qual Schmeltz agora chamou a attenção. Por isso é de presumir que possamos conhecer pela distribuição d'estes machados semicirculares, se po- demol-os attribuir aos Tupys. Será necessario tambem estudar a distribuição gecgraphica dos machados polidos com sulco circular subterminal, encontrados no Norte do Brazil e tambem no Sul, embora que raras vezes. E” assim que a respeito do Rio Grande do Sul os dados historicos se podem ajustar bem com os achados archeologicos, sendo só a relação com os territorios limi- trophes, assim como a investigação dos diversos typos de antiguidades, distribuidos pelas regiões confinantes, que apresenta maiores difficuldades. Por esta razão dedi- caremos o capitulo seguinte e ultimo ao estudo archeo. logico destes territorios visinhos, assim como a compa- ração dos achados d'alli com os do Rio Grande do Sul. = —— #9 84 — — 105 — VI. COMPARAÇOES E RELAÇÕES COM OS TERRITORIOS VISINHOS. (São Paulo-Argentina) A historia primitiva do Rio Grande do Sul tem, como é facil de comprehender, uma connexão muito intima com a dos estados brazileiros limitrophes ao Norte. Pois eram tambem alli principalmente tribus Guaranys que occupavam o littoral, e esta cultura Tupy-Guarany se pode seguir desde o Rio Grande do Sul por todo o Brazil, até além da Guyana. A conformidade dos petroglyphos (1), muitos productos da industria primitiva assim como outras particularidades, como as pedras ornamentaes, chamadas tembetás, trazidas no labio inferior, explicam-se (este modo muito simplesmente. Apezar disso os restos d'esta cultura Gurany antiga são relativamente tão sim- ples e uniformes, que por si só apenas offerecem pontos de vista e problemas universaes. Em outro sentido, porém, o caso não é tão simples; pois descobrimos quasi em toda a parte, principalmente tambem no Rio Grande do Sul, as influencias d'uma cultura superior, cujos elementos e origem cumpre-nos indagar. Já agora podemos recenhecer, que esta cultura su- perior, pela qual além d'outras cousas metaes e sem du- vida tambem plantas de cultura e a agricultura se espa- lhavam por toda a America do Sul, nem traz a sua origem do Brazil nem dentro do Brazil se communicou (1) Diz John Branner (Rock inscriptions in Brazil. American Naturalist, Dez. 1894, pag. 1192, a) que o Imperador D. Pedro II. considerou as inscripções como obra de Quilombeiros, julgando provavel que elle mais tarde deixasse esta ideia. — 106 — de uma tribu a outra na direcção do Norte ao Sul. Quanto a cultura antiga brazileira das duas regiões da costa mais distantes, isto é da foz do Amazonas e do Rio Grande do Sul, não existem relações senão inteiramente geraes. Os característicos especificos da cultura da ilha de Marajó, os mounds, 0 alto grão de desenvolvimento a que chegou a ceramica, as tangas de barro, etc., faltam de todo no littoral meridional, emquanto que as poucas cousas par- ticulares do Rio Grande do Sul, como as bolas, os ma- chados circulares perclusos, etc., não se acham no littoral brazileiro septentrional. Os machados circulares perclusos, por exemplo, já faltam completamente em São Paulo e no Rio; estende-se entretanto a região, por onde se en- contram, pela Argentina até aos Andes e ao oceano paci- fico, e já estes dados conduzem-nos para o resultado mais geral das nossas considerações, das quaes resulta, que as influencias da cultura superior não-indigena não chegaram as tribus do Brazil meridional do Norte, mas do Oeste. Quanto é isto correcto, já faz conhecer um golpe de vista lançado para a cultura dos sambaquis. São justa- mente elles, que nos ultimos decennios têm sido tomados de preferencia por objecto da investigação archeologica; apezar de não se ter achado nem um só instrumento, nem ornamento, nem outro artefacto particular da cultura sambaqui. Isto é tanto mais importante, quanto é, que a formação dos sambaquis não continuou senão em pequena parte, e pouco tempo depois do descobrimento do Brazil, demonstrando-nos, portanto, a cultura precolumbica quasi intacta. Infelizmente deixaram até agora os naturalistas de estudar separadamente os achados dos sambaquis pre- columbicos, assim como os dos postcolumbicos. Nestes occasionalmente encontram-se tambem perolas, ossos de cavallos, etc., naquelles situados em parte mais para O interior acham-se até conchylios, agora extinctos, como Azara prisca Martens e outros, que faltam agora n'aquelle littoral. — 107 — Se bem já nos capitulos anteriores sempre nos refe- rimos de modo comparativo ás condições analogos dos Estados do Rio de Janeiro, S. Paulo, etc., será aqui con- veniente fazer um pequeno estudo especial sobre a antiga historia e cultura do Estado de 8 Paulo, como sobre as tribus que neste Estado ainda existem. E' grande a confusão relativamente ás tribus que habitavam a costa do Estado de S. Paulo e dos , Estados visinhos. A «Noticia do Brazil do anno de 1589» menciona do littoral de S. Paulo as seguintes tribus: Tupininkins, Tamoyos, Carijos e Goyaná (Goyanazes). Diz Martius (1. c. pag. 299), que destas tribus as tres primeiras faziam parte do povo dos tupys, continuando porém, referindo-se as Goyanás: estes, porém, que occuparão o littoral desde Angra dos Reys até ao rio Cananea, confinando pelo lado do Sul com os Carijos e ao Norte com os Tamoyos e Tupininkins, pertencerão a outra nacionalidade, sendo, como os seus companheiros septentrionaes, os Goyatacazes, estabelecidos na região entre o Cabo S. Thomé e Espirito Santo, envolvidos em guerras continuas com aquelles. Os Goyanazes habitavam os campos e distinguirão-se na lingua e nos costumes dos Tupys. Eram, quanto a sua cultura, inferiores, pois não moravam em aldeas fortifi- cadas ou casas, mas em covas feitas no chão e cobertas de ramos, tendo alli fogo acceso de dia e noite. Aos Europeus mostrarão-se mais amigaveis como os Tupinambas e par- ticularmente os Tamoyos. A sua lingua distinguiu se daquella dos Tupys, mas entenderão-se com os Carijos (1).» Mais ou menos no mesmo sentido exprimiu-se Wait: (1. ce. pag. 409), observando, que Azara está distinguindo os Guayanás dos Guaranys, reunindo ambos ao contrario A. @ Orbigny, continuando: «sob a denominação de Gua- yanas, que se dão tambem o nome de Gualacha, diz Guzman, entende-se em geral aquellas tribus que não são Guaranys, afirmando porém Doblas que embora que contenham varios elementos ethnographicos não deixam (1) Faziam, pois, como estes parte dos Guaranys. — 108 — de ter affinidade com os Guaranys.... Diz Charlevoix, que os Gualaches, e ao Sul delles os Guanos, estão derivando dos Guaranys; as noticias porém sobre todos estes povos, e sobretudo os Guayanás, são confusas e contradictorias». Quanto aos Guanaos, informa-nos Gay (1 c. pag. 206 e 71) que viviam desde Santa Catharina até ao Rio da Prata; que os seus costumes eram aquelles dos Guaranys e que a sua lingua não differenciou-se muito daquella dos Guaranys, visto que o padre Garcia fallou com elles na sua lingua. Tratando dos Guayanás diz Gay, que estão domiciliados no rio Ignassú, etc., e que a lingua pouco differe daquella dos Guaranys (1. c. pag. 53), observando porém em outro lugar (1. c. p. 430), que o nome de Gua- yanäs dão a todas as tribus, que não tem outra denomi- ração e que não são Guaranys. Parece-me n'este sentido claro, que houve entre a lingua dos Guayanás e aquella dos Guaranys certa differença, considerada pequena por uns, maior por outros, sem que seria possivel negar por todo o parentesco com os Guaranys. Será conveniente, para melhor entender-mos taes differenças, de examinar por breve olhar as variações linguisticas entre 9s indigenas do Brazil. Além das lin- guas do grupo tupy-guarany no Sul do Brazil, apenas temos linguas dos Crens, grupo linguístico de Martius, que comprehende os Coroados, Botocudos, Puris e Goatos. No systema mais moderno ©. von den Steinen reune os Crens com os Goyatacás e Gés (Chavantes, Cherentes, Cayapós, etc.) num grupo das linguas de Tapuya. Não me consta pela literatura, que existissem a qualquer tempo Goyatacás ao Sul do Estado de São Paulo. Quanto aos Puris affirma-nos Varnhagen (1. c. pag. 19) que, embora que actualmente viventes ao Norte do Rio, viviam. em 1649 perto de Taubaté. A primeira aldea de Puris, esta- belecida pelos portuguezes, foi aquella de S. João de Queluz, no Norte do Estado de S. Paulo, a beira do Rio Parahyba, e que não deu resultado (cf. Martius 1. c. p. 335). vara — 109 — Nada conhecemos no Sul do Brazil daquelles povos que conforme as suas linguas formam os grupos dos Guk de Martius ou dos Nu de O. von den Steinen. Apenas podiam entrar nesta cathegoria os Guanás ou Guanaos do Paraguay e das Missões de Corrientes, seguindo-nos neste sentido ©. von den Steinen, o que porém pelos motivos já expostos, não julgo razoavel. No extremo Sul, i. e. no Rio Grande do Sul, encontramos povos das linguas pampas (Charruas). Dos Quichuas não temos representan- tes neste nosso territorio. Fica assim evidente, que no Sul do Brazil em geral todos os povos indigenas são do grupo tupy-guarany, e que as numerosas differenças e confusões que estão nos difficul- tando o estudo, apenas provem do modo como os diver- sos autores estão distinguindo os Guaranys e os Tupys. Desde Vater está-se costumado a considerar os Tupys como a secção septentrional, e os Guaranys como a secção meridional do grande grupo dos povos Tupys. Waits tambem (1. c. pag. 405) admitte este modo de vêr, cha- mando, porém, a attenção ao facto de terem os Tupys antigamente estendido-se muito mais para o Sul. E’ assim, que ainda em 1785 Doblas está fallando de Tupinambas, morando no Sul do Uruguay, na Serra atraz de S. Fran- cisco Xavier, o sendo provavel que são os mesmos a que se refere Azara (II, pag. 70). Tambem Gay, como já vimos, está mencionando como antigos moradores do Rio Grande do Sul aos Tupys e Guaranys, sem, porém, precisar a distincção artificial. Declaram-nos, que fazem parte dos Guaranys os Carijós, Patos e Tapes. Suppondo que os Guayanas antes pertenciam ao grupo dos Tupys, podia-se entender como certos autores os separam dos Guaranys, embora que a differença linguistica não era grande. Seja como fôr — é quasi impossivel formar-se uma ideia bem certa em vista das opiniões contradictorias dos diversos autores — não tenho duvida, que os Guayanás faziam parte daquelle grande grupo de tribus, do qual os Tupys e Guaranys são os principaes representantes. — 110 — A solução mais simples desta questão nos dá Æa- daillac (1. c. p. 468) dizendo: « cette population indigène appartenait à la race appellèe Guaranie par les Espagnols, Tupi par les Portugais. » Tirando em consideração especial os Guayands de São Paulo, tanto que saiba nenhum dos autores que delles tratarão emittiu duvidas, que elles não pertenciam ao grupo dos Tupys. Veja-se neste sentido Varnhagen (1. c. pag. 18), autor que tambem publicou um Vocabu- lario da lingua guayaná (Revista do Instituto historico. Rio, Vol. XII pag. 366). Sobre os Guayanás não fazem-nos falta informações mais exactas, visto que forão elles que sob o seu cacique Tibyriça habitavam a povoação de Piratininga, que formou o primeiro nucleo da cidade de São Paulo. João Mendes de Almeida (1. c. pag. 293) julga os goyanás identicos com os Tupinakins, o que não posso admittir em vista da affirmação contraria da «Noticia do Brazil de 1589», concordando, porém, com João Mendes de Almeida no que diz a respeito das designações das varias tribus, sendo ás vezes os varios grupos duma mesma tribu designados por nomes differentes, sendo ao contrario dado muitas vezes o mesmo nome a differentes tribus, Isto parece ter-se dado com os Goayanás, como o sabemos do mesmo modo dos Coroados e Tapuyas. Quanto aos Tapuyas, creio como João Mendes de Al- meida (1. e. pag. 297) que a palavra tamuyo ou tamoyo é corrupção de tapuya. Forão os Tamoyos, que com os seus alliados e parentes os Tremembés — que chegarão do Norte. do Rio S. Francisco e do Ceará — em 1562 atta- carão a villa de S. Paulo (Piratininga). Entende-se em geral, que os Tapuyas não pertencem aos Tupys; se po- rém, como o vemos, os Tamoyos do Rio de Janeiro e de S. Paulo eram Tupys, temos de formar-nos a ideia, que a palavra de tapuya significava os inimigos dos Tupi- nambas, seja de outra lingua, seja do grupo dos povos tupys mesmo. — lll — Se bem assim torna-se muito difficil a classificação das tribus que habitavam o Brazil na occasião do desco- brimento, mais facil é o assumpto se nos limitarmos ao estudo das tribus que occupavam o territorio de S. Paulo até ao Rio da Praia. Occupando-nos neste sentido de novo com os Guayanás, não vejo nada que se oppõe a nossa conclusão, i. e., que são identicos entre si os Guayanás de São Paulo e de Paraná e aquelles do Rio Grande do Sul. Achamos elles mencionados na literatura antiga de São Paulo e do Rio Grande, e Gay indica como moradia delles o rio Iguassú e o alto Uruguay. Nestas regiões elles conservarão-se até hoje. Os que habitam o rio Iguassú no seu curso inferior e o rio Paraná visitou ha pouco Ambrosetti (cf. Bolet. del Inst. Geograph. Argent. Tom. XV. 1894). Julgo provavel que com elles sejam iden- ticos os Guaya-ki do Paraguay, dos quaes trata Ch. de La- hitte («Nacion» de Buenos Ayres, 12-13 Fever. de 1895 e «Globus» Braunschweig, Vol. 67, 1895, pag. 248). Da pa- lavra Tupinaki nos dá João Mendes de Almeida a etymo- logia seguinte: na = parente, qui — espinho, querendo dizer a palavra: parentes mãos. Neste sentido goia-ná são os parentes dos gola e gola-qui goias mãos. A pa- lavra goiá, do que vem tambem o nome de Goyana, nos faz lembrar um povo antigo, que se espalhära por regiões immensas da America do Sul. Sabemos que os indigenas actuaes do Paraguay con- sistem especialmente dos Cayuás e Guayanás, estes ul- timos ao Leste. Como Ambrosetti só falla nos Cayuás e Guayaquis, dizendo que estes occupao a região ao Leste, sem mencionar os Guayanás, creio que ambos são iden- ticos. Será agora conveniente a examinar-mos quaes as tribus encontradas hoje no Estado de S. Paulo. Temos em varios aldeamentos «Guaranys», que provavelmente são os restes dos antigos Guayanás, e mais os Cayuds pertencentes do mesmo modo ao grupo dos povos Tupys. Seguem mais tres tribus, que não fazem parte deste grupo — 112 — Tupy, e que são os Coroados, identicos com aquelles do Rio Grande do Sul e designados antigamente por Martius de Camés; os Chavantes moradores como os Co- roados do valle do Paranapanema, e afinal no rio Paraná os Cayapos. Estes ultimos, pertencendo mais ao Estado do Matto Grosso, podem aqui ficar fora da discussão. Embora que não nos faltam outros dados exactos, julgo bom acceitar aqui um artigo do Senhor General Ewerton Quadros, publicado no mez de outobro de 1893 no «Diario Popular» de S. Paulo, que vale ser reimpresso. Diz elle: O pouco cuidado que entre nós se tem manifestado na colheita de dados que possam servir para no futuro se escrever a historia dos nossos selvagens, me leva a recorrer á benevolencia d'esta folha para a publicação do que pude recolher á respeito dos que abitavam os sertões de São Paulo, quando em commissão do governo visitei as visinhanças do Paranapanema. Os selvagens dos sertões de São Paulo, filiam-se a tres grupos distinctos, tanto por seus caracteres physicos, como por suas linguas, usos e costumes, e são conheci- dos com os nomes de Cayuás, Coroados e Chavantes. Os Cayuás são menos robustos e valentes que os Coroados, os quaes se temem muito; são mais preguiçosos e não primam pela sua lealdade. Sua côr é de cobre amarellado; seus cabellos negros, erossos e lisos, seus olhos muito pretos e bridados como os dos mongoloides, seu rosto achatado, seus beiços erossos, suas orelhas grandes, seu queixo saliente, sua fronte abambada, seus membros reforçados, seus pés pe- quenos e suas unhas chatas. Suas armas são as mesmas que as dos Coroados, po- rém, de mais fracas dimensões. Os homens andam nús, mas as mulheres usam de uma estreita fita de embira trançada ao redor da cintura, com uma mais larga, presa a essa e lhes passando por entre as pernas. — 113 — Todos elles furam o labio inferior, conservando nessa abertura um pequeno prisma de resina. Os homens cortam os cabellos, mas as mulheres con- servam Os seus. Ellas fabricam louças de barro em que cosinham e guardam seus alimentos. O Cayuá sepulta os cadaveres dos seus, em posição horisontal, e devora os dos seus inimigos por elles mortos. Sua lingua é a Guarany com muito pouco alteração. E' esta uma tribu sahida dessa grande familia, que levou outrora seus passos triumphantes do Paraguay e sul do actual territorio do Brazil ate às Antilhas, mas que hoje decadente se vê expuisa de seus dominios pe- los bellicosos Coroados. Domesticados, elles se transfor- mam em cidadãos prestantes, como vê-se nas colonias de Jatahy e no serviço que prestam aos navegadores do Paraná-panema. Seu respeito á velhice se nos manifesta no fazerem elles uso da mesma palavra — Ru— quando falam de seu pai ou de um velho qualquer. Seu systema de numeracão é o septenal; elles tem sómente sete signaes para exprimir os numeros simples: Peten, Móchoén, Boapé, Irundy, Tinhernin, Temová e Boaperá. Elles empregam tres pronomes pessoaes: Che-eu, De- tu, Upeä-elle, os quaes antepostos e ligados aos substan- tivos exprimem relações de possessão; assim se aos subs- tantivos Ao (roupa), Juá (braço) e Juguá (cão), juntarmos os pronomes pessoaes, teremos Cheaó (a minha roupa), Dejua (o teu braco) e Upedjugua (o cão seu, ou delle). Entre os adverbios de tempo contam o seguinte: Cucê-hontem, Angué-hoje, Coeramo-amanhan e Angave- logo, e entre os de lugar Coêpe-aqui e Upépe-alli. Na conjugação dos verbos formam todos os tempos do infinito, seguido da terminação agué ou aguá para o passado, avan ou angave para o futuro, e precedido do pronome pessoal ligado pela lettra @ na primeira pessôa e pela lettra o nas outras. — 114 — O participio presente se forma de infinito com a ter- minação oina ou ina. Exemplos: Cheamonhá — eu corro Deomonhá — tu corres Upeomonhá — elle corre Cheamonháagué — tu corrias Upeomonhágué — elle corria Cheamonháavan — eu correrei Deomonháavan — tu correrás Monhá — correr Monháoina — correndo Cheamondó — eu mando Deomondó — tu mandas Upeomondó — elle manda Cheamondóagná - eu mandava Cheasnondóangave — eu mandarei Mondó — mandae Mondóina — mandando O v no começo das palavras tem, na linguagem dos Cayuás, como na dos Coroados, a mesma pronuncia do nosso, quando collocado entre duas vogaes. Os Coroados são sahidos dos Caingangs de Paraná. Os Cayuäs os chamam de Tupys. São corpulentos, melhor conformados que os outros e, mesmo, bonitos quando crescem no seio da nossa civilisação. Sua pelle é mais clara que a dos Cayuás, encontrando-se nas mattas alguns quasi brancos, seus cabellos negros e lisos: seus olhos geralmente horisontaes, apparecendo, porém, alguns com elles ligeiramente. bridados, seu nariz pe- queno e um tanto achatado, seus labios menos grossos que os dos Cayuäs, suas orelhas pequenas e sua frente abom bada. O Coroado é laborioso e ambicioso, trabalhando sem- pre para melhorar o seu estado. Suas armas são o arco, a flexa, a lança e o cacete. O arco é feito do lenho da guajuvira, bem trabalhado e liso, medindo 17 a 26 decimetros de comprimento e 25 — 115 — a 35 millimetros de maximo diametro de grossura, preso por uma corda de embira de urtiga; as flechas são de canna de um centimetro diametro e 180 de comprimento, com ponta de osso ou de ferro. No arco e na flexa se vêm anneis, mais ou menos largos, de casca de embira, untada de resina, os quaes representam graus de commando. Suas lanças são compridas hastes pontudas, de ma- deira rija. Os homens andam completamente nús; as mulheres se servem de uma tanga que lhes desce até aos joelhos, ou de uma faxa de embira trançada de imbé, de um palmo de largura, presa ao redor da cintura pelo baixo-ventre e entre as pernas. Elles fabricam louças de barro, panellas de fórma tronconica, com as bordas salientes para poderem ser conduzidas suspensas, balaios e esteiras de embira. As mulheres extrahem a embira da urtiga branca e outros vegetaes, reduzem-na a finos fios e em STOSSeIrO teares preparam um panno de admiravel perfeição e fresco como o linho. O Coroado não come a carne humana em condição alguma. Este povo, segundo conta um de sua raça, já muito velho e morador do Jatahy, habitava outrora o territorio das Missões, quando a cêrca de cento e sessenta annos, rebentou em seu seio formidavel luta civil, cuja conse- quencia foi a emigração de muitas familias para este lado do Paranapanema. Com o fim de se destinguirem dos que ficaram em sua primeira morada, os emigrantes abandonaram o uso dle raparem a cabeça em forma de corôa, costume que aquelles conservaram ainda por muito tempo. Os que fi- caram na sua antiga patria, foram por muitos annos o flagello dos moradores de Guarapuava e Palmas, que afi- nal se levantaram e nelles fizeram grande morticinio em 1859. Foragidos e disimados muitos dos vencidos, — 116 — vieram-se apresentar em Jatahy, onde havia um aldeia- mento de Cayuás. Ahi elles vivem em sua aldeia negociando, sem nunca fazer allianças como os seus predecessores no lugar; mas reconhecendo como os seus. parentes os descendentes da primeira emigração que vi- vem nas mattas deste lado do Paranapanema. No Jatahy elles tambem abandonaram o costume de rasparem a cabeça em forma de corôa. O Corcado planta o milho e come a carne de caça, assada ou cosida sempre sem sal. Sua bebida predilecta que elles chamam café, é preparado assim: pisam em parte o milho e collocam-n'o no fogo em uma panella de barro com agua; quando a agua se acha um tanto aquecida, duas mulheres novas e de bons dentes sentam- se junto e vão tirando aos punhados o milho que, dépois de mastigado por ellas, volta á panella. EK’ a bebida que os Cayuás chamam cauim. Suas cabanas têm a forma de toldos de carreta com 20 palmos. de comprimento e 10 de altura. O Coroado, como o Cayuá, crê na existencia de for- cas superiores á natureza humana, e que as almas dos seus mortos vão viver em outras regiões da terra. Nem uns nem outros adoram idolos. E" costume entre os Coroados, em certos tempos, os chefes e os guerreiros valentes chamarem a combate os jovens da tribu afim de que estes se fortaleçam nessas lutas, onde se trocam golpes violentos que, muitas vezes, conduzem á morte. A polygamia é admittida em sua sociedade, na qual a constituição da familia obdece a leis rigorosas. Quando um Coroado dá sua irmã para mulher do outro, contrahe o compromisso de desposar as filhas que provenhão desse matrimonio, e passa desde o nascimento de uma dellas a trabalhar aos seus futuros sogros. Não ha cerimonia alguma no casamento; logo que a mulher attingiu a idade, vai para a companhia daquelle que desde o berço lhe foi destinado. ‘y LPS — 117 — Näo säo permittido os enlaces entre irmäos ou entre primos, tambem considerados irmäos. A crueldade selvagem dos exploradores das brenhas dos sertões de S. Paulo foi a causa unica de não terem ainda esses pobres se lançado nos braços da civilisação. Os Coroados só empregam cinco signaes para repre- sentar os numeros simples do quinzenal que adoptam e são: pirê, rengré, tecton, veicaugrá e pentecára. Em todo o seu vocabulario só ha duas palavras iden- ticas ás que os Guaranys e Cayuás empregam para re- presentar os mesmos objectos. Pirá-peixe e Bocá-arma de fogo grande. A lingua dos Coroados conta quatro pronomes pessoaes. In-eu, An-tu, Ti-elle, e Ein-nós, os quaes, como na dos Cayuás, antepostos aos substantivos exprimem a idéa de posse; assim, se aos substantivos Aiefi-anzol, Fa-canella, Ong-pai e Dó-flexa, antepormos ligados os pronomes pes- soaes: Inaniefi — o meu anzol, Anfá a tua canella, Tiong — o pai delle e Eindé — a nossa flexa. Seus adverbios de tempo são Ranqueta-hontem, Hun-hoje, Uaica-amanhan e Car-logo, e os de lugar Taqui-aqui e Enqui-alli. Na conjugação dos verbos todos os tempos se formam do infinito precedido do pronome pessoal, com a terminação ia para o passado e a collocação do adverbio car entre o pronome e o infinito para o futuro. O participio presente se forma do infinito com a ter- minação nhê. Exemplos: Invenvô — eu corro Anvenvô — tu corres Tivenvô — elle corre. Envenvô — nos corremos Invenvoia — eu corria ou corri Incarvenvô — eu correrei Venvô — correr Venvonhê — correndo — 118 — Infan — eu choro, etc. Aufan — tu choras etc. Infania — eu chorava ou chorei. Incarfan — eu chorarei Fan — chorar Fanhê — chorando As mais das vezes 0 pronome é separado em todas as pessoas como em Inaman — eu tomo, Einaman — nós tomamos, Inamania — eu tomava, Man — tomar, Manhê — tomando. O terceiro grupo de selvagens de São Paulo, é muito: impropriamente chamado de Chavantes, pois nenhum laço os prende aos Chavantes de Matto Grosso. Os Coroados os chamam de Curuton, que quer dizer nú, sem camisa e talvez, figuradamente, sem morada, vagabundo. Os Cayuás os chamam de Otto. São os mais escuros e ignorantes desses servicolas + vivem nos campos, morrendo á fome e se alimentando com insectos e larvas e com os productos de suas rapi- nas. Os Coroados os expellem do matto, os Cayauás des- persaram-nos e o sertanejo combate-os, muitas vezes de- sapiedadamente, para evitar os prejuizos que lhe causam, roubando-lhe o fructo do seu trabalho. São timidos, doceis e muito fieis, quando domesticados. Têm os pés pequenos, as pernas finas, o ventre crescido, as mandibulas salientes, os olhos pequenos e horisontaes. Seus arcos são feitos de madeira de palmeira e as pontas de suas flexas do cerne de alecrim com muitas. farpas de um só dos lados; e suas lanças do cerne da arueira, com 25 decimetros de comprimento para os ho- mens e 15 para as mulheres. Todos elles, homens, mulheres e crianças, usam de um cordão de embira ao redor da cintura, tendo o das mulheres um appendice que passa por entrepernas. Todos elles cortam os cabellos e fazem no pavilhão das orelhas. cortes longitudinaes. SL — 119 — Usam collares de dentes de animaes, não fabricam e nem se servem de louça. Suas choupunas, feitas de folhas de palmeiras, são muito baixas e acanhadas, não se podendo alojar em cada uma mais de um casal. Elles repellem a polygamia e não empregam suas armas contra o homem. Quando quasi todas as palavras do vocabulario das outras duas tribús terminam por sylabas agudas, as destas tem quasi todas o acento agudo na penultima, Innáde-homem, Atáve-ceu, Tuasia-estrella, etc. O pouco que pude colher sobre esta ultima tribu, basta-me para me certificar de que elles são differentes dos Cayuás e Corcados, bem como dos Chavantes, Cayá- pos e Carajás. Os Cayuds são os que melhor conhecemos. No Pa- raguay estudou elles Rengger, que no seu livro (Reise nach Paraguay. Aarau, 1835, pag. 101 ff.) nos fornece as melhores informações e munidas de illustrações em es- tampas. Quanto aos Cayuás do Estado de S. Paulo temos além do artigo reproduzido aqui do General Zwerton Quadros communicações valiosas do Dr. Theodoro Sampaio (25, a), e que trata bem da lingua delles. Temos, porém de notar, que os Cayuás entrarão só em 1830 no Estado de S. Paulo, vindo do Paraguay e da região das Missões do Paraná. Naquelle tempo deixarão as suas antigas mora- dias no Rio Iguatemy e passando Tybagy chegarão até Itapetininga. Tudo isto e mais informações, vocabulario, etc., acha-se no respectivo artigo publicado na Revista do Inst. Histor. do Rio (Tom. XIX. 1856, pag. 434, ff.) Os Coroados, como já mencionei, são identicos com aquelles do Rio Grande do Sul, como prova a comparação das palavras communicadas por ÆZwerton Quadros e por — 120 — Hensel. À lingua dos Coroados acceitou certas palavras dos idiomas tupys. Martius nos dá uma collecção de vocabulos, designando elles de Camés. Não sei que razão Martius tinha para applicar aquella designação, que ao menos actualmente, está desconhecida em S. Paulo. Quanto aos Chavantes viventes como os Coroados na valle do Paranapanema. nada acho por hora sobre elles além da decripção dada por Hirerton Quadros. E’ e resta problema. As palavras que este observador nos communicou não combinam de modo aleum com aquelles dos Chavantes bem conhecidos do Goyaz. E' necessario arranjar um vocabulario completo da lingua delles, e espero que esta communicação chamará ao assumpto a attenção de pessoas que nos possam dar melhores escla- recimentos. Tratando agora da archeologia do Estado de S. Paulo existe tanta semelliança com a do Rio Grande, que ape- nas temos aqui de referir a certas diferenças. Neste sentido já no capitulo IV sempre referi-me aos casos analogos de S. Paulo. Sao mais raros em S. Paulo os ca- chimbos, e os poucos que no Museu Paulista possuimos me parecem falsificados. Em todo caso no futuro temos de ligar mais attenção a estes objectos. De igaçabas e machados de pedra encontramos os mesmos typos, sendo porém extremamente raros e não bem conforme ás do Rio Grande os machados circulares perclusos. Temos uma destas pedras neste Museu, porém, sem indicação da pro- cedencia; ella não corresponde bem aos do Rio Grande, sendo de forma elliptica em vez de circular e tendo os lados verticaes em vez de conicas. (1). Talvez que corres- ponde ao typo mencionado por Loe/gren (1. e. pag. 64) como (1) Parecem corresponder antes aos typos conhecidos do Chile, e que infelizmente não conheço ainda bem, faltando na collecçio do Museu do Estado de São Paulo. — 121 — achado num sambaqui. Bolas faltam em S. Paulo. Não faltam, porém, as inscripções nos rochedos, conhecendo eu a descripção de uma que existe a Vora, 3 leguas distante de Faxina (S. José da Boa Vista.) (veja Correio Paulistano de 1. de Janeiro de 1889. Contem figuras de circulo, de U, C, de mãos e pés e outras que podem representar ar- vores ou gente. Ha duas questões apenas que exigem uma discussão especial: — os sambaquis e os machados de cobre. Sobre os sambaquis da costa de S. Paulo foi o pri- meiro que fez estudos serios o fallecido engenheiro Carlos Rath em S. Paulo, e que sobre elles publicou um estudo que merece nossa plena attenção. Outra publicação refe- rente ao mesmo assumpto é a de 4. Loefgren, baseado es- pecialmente no estudo de numerosos sambaquis exami- nados por G. Aonigsimwald. O Snr. Loefgren é da opinião que todos os sambaquis sejam formados pelo homem sendo compostos de restos de cosinha. Ao contrario Rath distinguia tres classes de sambaquis, consistindo os da primeira classe de ostras, os da segunda de berbigões ambos feitos pelo homem e não excedendo quanto a altura a 15 palmos, sendo ao contrario os sambaquis da terceira classe os maiores, as vezes immensos, compostos de varias conchas e feitos pela natureza. De mesmo modo um dos melhores exploradores dos sambaquis, Ch. Wiener, distingue sambaquis feitos pela natureza é outros feitos do homem, julgando que parte delles sejam feitos de proposito como monumentos» representando os outros apenas montes de scisco, viz. de restos de comida. Não examinei por hora bastante os sambaquis, para formar-me já em questão tão complicada uma opinião certa. Tenho, porém de notar, que por investigação exacta conheço bem uma daquellas immensas ostreiras da costa, que Rath considera como naturaes. Este sambaqui, o de Boguassú, na bahia de Paranaguá, pertencente ao Snr. G. Eisenbach em Curityba, será daqui a poucos annos com- — 122 — pletamente destruido, visto que ao lado delle existe um engenho para queimar cal. Este sambaqui que tem a al- tura de cerca de 20 metros consiste de camadas sobrepostas de ostras (Ostrea gigantea Lam. e O. puelchana orb.) e de berbigões (Cryptogramma flexuosa L.). Estas camadas de 2—3 decimetros umas, de mais de um metro outras, são horizontaes, as vezes um tanto onduladas, e declives aos lados. Entre as conchas acham-se pedras, armas de pedra e ossos de homem. Não achei outros ossos a ex- cepção de alguns de baleia, sendo bem raros tambem os restos de peixes. Faltam absolutamente cacos de panellas e carvão de lenha. Como o gerente da fabrica ligou ao assumpto um interesse especial conservando tudo o que acharão de mais ou menos notavel, obtive uma ideia mais correcta de que o trabalho de alguns dias o pode dar. Parece-me, que um sambaqui como este só pode ser feito pela natureza, embora já no tempo da presença do homem, do que um ou outro ali perdeu objectos de pedra e até a vida. Suppondo que tambem este seria feito com restos de cosinha, não entendo, por que razão os mora- dores por muitos annos nutrirão-se sómente de ostras, e por outros 5 ou 10 annos sómente de berbigão. Mais ainda custaria a crêr, que de proposito despejavam por muitos annos só conchas de berbigão no sambaqui, car- regando por outro lugar as ostras. Para acreditar, que a natureza podia fazer conglome- ração de conchas como esta, precisamos apenas ter exem- plos de casos analogos da epoca actual, e estes nos fal- tam tão pouco como de periodos anteriores geologicas. Assim ha na bahia de Paranaguá logares onde só ha berbigão, outros onde se encontra em grande numero as ostras. Ha localidades onde os berbigões formam ca- madas, cobrindo com as conchas numerosissimas 0 fundo da agua baixa. Na costa da Lagôa Mirim encontrei ca- madas de conchas recemmortas de Azara labiata, que o vento e a correnteza ali reunem e depositam, sendo esta — 123 — uma das razões porque os sambaquis consistindo das conchas de Azara prisca me parecem suspeitos, a serem naturaes. Perto de Montevideo ha camadas, compostas na maior parte de mytilaceas, que consistem exclusivamente de conchas. Julgo provavel, pois, que estes grandes sambaquis são formados pela natureza, sendo mais tarde pela ele- vação lenta da costa levantados a um nivel mais alto. Se niste tenho razão ficavam conservadas estas ostreiras, sendo carregado ao mar pela acção dos athmospherilios a camada de terra ou areia que as cobriu e uniu. Já tinha occasiäo á provar em outros lugares, que a costa do Sul do Brazil está levantado, e que todo o terreno na costa perto da cidade do Rio Grande do Sul está gasto e demolido, a excepção de algumas collinas que se con- servarão, cobertos de vegetação arborea. (cf. 77. von 1 ering. Ueber Binnen-Conchylien der Kiistenzone von Rio Grande do Sul, Archiv f. Naturgesch. 1893, pag. 37—40). Quanto às questões geraes, referentes aos sambaquis de S. Paulo pouco concordo com os resultados obtidos por Loefgren. Se elle julga, que nada podemos saber sobre os povos que deixarão os restos de sua cultura nos sam- baquis, sou ao contrario da opinião, que são formados pelos povos, que como expuz, occupavam a parte meri- dional do Sul. Não existe o minimo indício, que nos mostrasse um antagonismo entre a cultura dos construc- tores dos sambaquis e os povos Tupy-Guarany, de cujas antiguidades trata este trabalho. Ha neste sentido com- pleta accordança entre os resultados dos estudos archeo- logicos e historicos. Emquanto a classificação principal dos sambaquis tambem tenho, deixando de lado os importantes pontos de vista ja expostos, de insistir sobre a necessidade, de ligar mais importancia a composição conchologica dos sambaquis. Conhecemos alguns compostos principalmente da concha Azara prisca v. Martens, especie que é extincta. Conheço bem as especies de Azara da costa do Brazil e — 124 — das Republicas platinas. A especie commum do Rio Grande do Sul, Azara labiata Mat., recebi no anno passado do snr. À. Locfgren, que a colleccionou na bahia de Iguape. Azara prisca é bem differente e não foi encontrada viva. Sendo estes sambaquis em geral muito remotos da costa, temos de consideral-os como dos mais antigos. Sou, pois, da opinião, que a formação dos sambaquis ainda merece estudo os mais profundos e que quanto ao estudo da cultura que elles contem, tem de sepa- rar-se os mais antigos sambaquis, os que mais dis- tam da costa e os que consistem de Azara prisca dos outros mais modernos, e que será necessario ligar a maior attenção ao estudo dos ossos, dentes, etc., de peixes, mammiferos e aos mais restos do reino animal. Temos de tratar ainda de um machado de cebre, que foi achado no decennio passado perto de Iguape na pri- meira ilha do rio Ribeira. Este objecto foi mandado a Berlim e ali reconhecido como identico com os que são encontrados no Perú entre as antiguidades precolombia- nas. Veja-se o trabalho de JZ Uhle (Verhandl. d. Berliner Gesellsch. f. Anthropologie, 1887, pag. 20). No seu livro Œthnographia brazileira. Rio de Janeiro, 1888, pag. 158» falla Sylvio Romero de um machadinho de bronze e sobre as conjuncturas disparatas feitas sobre elle pelo Sur. Ladislau Netto. Como nada encontrei a respeito na respectiva publicação de Ladislau Netto e não tendo Sylvio Romero indicado a publicação a que se refere, nada de positivo a respeito me consta. Creio, porém, que não poderá referir-se ao machado de cobre. do que aqui trato, visto que este da Ribeira é de cobre e tendo imformações directas sobre este objecto do sur. R. Arone em Iguape, confirmando a exactidão das afirmações de Vhle. Quanto a mais machados de cobre, achados fóra do Perú, apenas conheço os que se encontraram nas provin- clas argentinas de Salta e Catamarca, i. e, no antigo territorio dos Calchaquis, e que descreve e figura Moreno (Revista del Museo de la Plata, Tom. I. 1890, pag. 213). 7 | — 125 — Moreno diz, que estes machados são encontrados nos de- sertos de Atacama e que differem um tanto daquelles do Perú. Deixando ao lado esta controversa, aqui apenas quero demostrar, que machados de cobre, iguaes aos que forão usados pelos antigos povos andinos, foram es- palhados tambem pelas regiões a Leste das Cordilheras. Nao faltem neste sentido na literatura mais provas. Assim diz Waitz (1. c: pag. 426): « Orellana encontrou no paiz dos Omaguas (no valle do Amazonas) um machado de cobre mais ou menos conforme aos usados no Perú, e mais louça fina, bem envidraçada com desenhos ele- gantes e idolos grandes. » E mais diz (pag. 500): que os Araucanos ao Sul do Chile usavam de machados de cobre e de formões de bronze. Sabemos por Zschudi que a cultura do reino dos Incas não so ao lado pacifico da Cordilheira estendeu-se ao Sul, mas tambem ao Leste dos Andes até ao Paraguay e as Missões argentinas. Sabe- mos, que os indios deste territorio eram ricos em ouro e prata. Martin de Moussy (De Vindustrie indienne dans le bassin de la Plata. Paris, 1866, pag. 8.) refere, que os Carijós estabelecidos no valle do Paraná possuiam Chapinhas de prata, que obtiveram das tribus morando rio acima, e que Cabot affirma aue elles tiveram tambem machados de cobre, já tendo assim o afirmado Cabecir de Vaeca. E’ certo, pois, que a cultura dos Incas estendeu-se tanto ao Chile como pelo valle do Amazonas e por aquelle do rio da Prata, e que deste modo forão a grande dis- tancia tambem espalhados machados de cobre consta-nos tanto pela litteratura, como pelos objectos archeologicos mesmos. Se entre os povos que receberão deste modo macha- dos de cobre, encontramos indicados tambem os Carijós do rio Paraná e do Paraguay, não é de estranhar, se tambem em S. Paulo, no antigo territorio dos mesmos Carijós é encontrado um destes machados. Não pode mos duvidar, que nos tempos prehistoricos houve expe- dições e emigracdes ao menos do mesmo modo como ainda neste seculo, em que os Cayuás mudarão o seu domicilio do Paraguay ao São Paulo. Por estas emigrações podiam chegar objectos usados no Paraguay ao Estado de São Paulo, porém raras vezes, sendo acquisições mais valio- sas e duraveis só as plantas culturadas, como o milho, o feijão, o fumo, a mandioca, os amendoins, as abo- boras, etc. Se objectos raros, provindos destas emigrações e re- lações commerciaes, como o machado de cobre da ilha da Ribeira, e as chapinhas de prata dos sambaquis Rio- vrandenses, para a cultura destes povos eram de influen- cia bem secundaria, para a archeologia ao contrario são de summo interesse, e será necessario pelo futuro ligar a elles o maior interesse e toda a attenção, de que são dignos. Conhecendo agora bem tudo que refere ao Brazil, relativamente aos assumptos dos quaes aqui tratamos, temos no seguinte de chamar 4 comparação os Estados do Rio da Prata, de cuja archeologia por isso tratare- mos n9 seguinte. Os habitantes primitivos da Republica Argentina dividem-se em tres grupos principaes, pertencentes se- gundo ás suas linguas aos Guaranys, Pampas e Quichuas. Aos Guaranys encontraram os conquistadores hespanhées principalmente ao norte do Rio da Prata, assim como entre os rios Paraná, Uruguay e Paraguay. Ao Sul do Rio da Prata, dominando a vastissima planicie dos Pampas de Buenos Ayres até aos Andes, morarão indios dos Pampas, dos quaes os Querandis como é bem sabido, resistirão com grande energia e successo aos hespanhôes. Mais ao norte havia ainda outros indios, os Calchaquis e tribusada mesma origem, de todos os mais civilisados. Olhando para estas differentes tribus, uma por uma, e sua cultura primitiva, só a comparação com o estado inferior de cultura dos Pampas e Guaranys nos dará uma ideia exacta da importancia de tudo o que achamos or. entre os Calchaquis, cujo territorio, a provincia Colla Suyu, era uma das quatro provincias mais importantes do imperio dos Incas. O que sabemos dos indios argentinos antes e durante o tempo da conquista, devemos em parte ás relações dos con- quistadores, em parte as investigações archeologicas muito adiantadas já na Republica Argentina. Em quan- to a litteratura historica acho-me algum tanto embara- cado, por não ter podido conseguir aleumas das obras res- pectivas das quaes é, sem duvida, a mais importante a de um Allemão que tomou parte nas expedições de descobri- mento e conquista dos hespanhves ao Rio da Prata: Ulrich Schmidt von Straubingen: Descripção fiel de al- gumas navigações. Frankfurte sobre o Meno 1567. Sobre este e alguns outros navegantes como Ruy Diaz, Alvaro Nunez Cabeza de Vacca, falla extensamenta a obra do Padre Pedro Lozano: Historia de la consquista del Pa- raguay, Rio de la Plata y Tucuman. Buenos Ayres 1874, Tambem Martin de Moussy dá uma exposição succinta no seu livro: De l'industrie indienne dans le bassin de La Plata 4 l’époque de la découverte. Paris 1866. Opportunamente me referirei a esta obra, como mais adiante me occuparei tambem detidamente dos tra- balhos de Ameghino, Moreno e Strobel. Os Indios dos Pampas estão no degrau mais baixo a respeito da civilisação. Não conheciam a agricultura, mantendo-se da caça e da pesca. Como os Charruas, não levavam, mesmo no maior rigor do inverno, ves- tuario algum, só as mulheres trazião uma saia curta de couro. Com tudo erão os inimigos mas perigosos dos hespanhôes, pois era uma das suas tribus, os Querandis, que no anno de 1538 cbrigarão aos hespanhóes a abando- narem a sua posição em Buenos Ayres, depois de ter luctado em vão por tres annos, posição que não recu- perarão senão no anno 1580. Suas armas consistiam em lanças flechas e bolas. As pontas das lanças e flechas eram feitas de pedra lascada. As bolas eram uma ou — 128 — duas, presas por correias. Tambem accostumavam lan- çar palha accesa por meio destas bolas ou flechas contra o inimigo sitiado. E’ desta maneira que os Querandis incendiaram quatro navios dos hespanhões e os edificios recentemente construidos em Buenos Ayres. Faltando as pedras nos Pampas, os Querandis se as procurarão atravessando o rio em canoas, auxiliados pelos Charruas, que moravam em Uruguay, em tanto que os Indios das Pampas de hoje fazem suas bolas de argilla, queiman- do-as. Tambem o laço, como indica M. de Moussy, in- ventarão os Querandis, e os dous, laço e bola, são ainda hoje armas indispensaveis do criador na Republica Ar- gentina e no Sul do Brazil. Logo que os hepanhdes abandonaram Buenos Ayres, os Querandis começaram a domesticar e a criar o gado e os cavallos importados, costume que transformou consideravelmente o seu modo de viver. Com tudo isso, já sabiam tambem antes apa- nhar com laço e flecha o veado de suas vastas planicies cujo sangue chupavam ainda quente, como até hoje fa- zem os Indios do sul da Republica Argentina. Os Abi- pones, Tobas e Mocovis, que moravam nos arredores de Santa Fé e Cordova e que todos pertenciam á raça dos Pampas, não se afastavam no seu modo de viver dos Querandis. Tambem elles alimentavam-se da caça e pesca, como de fructos do mato. Muito mais adiantadas na cultura achavam-se as nu- merosas tribus Guaranys que moravam ao longo dos grandes afluentes do Rio da Prata, e que fallavam todas a lingua geral, bem que havia uma grande diffe- rença entre umas e outras. Os que o maior progresso apresentavam são, sem duvida, os Carios no Paraguay, cuja civilisação conhecemos melhor. Vivião em aldeas que estavão rodeados de estacas, formando um cerco, como tambem de uma larga fossa onde estavão igualmente estacas cobertas de ramos. Nas choupanas, construidas - de canna, dormião sobre pelles de animaes ou em redes, pan. Seu fato era feito de algo lão ou de pelle de veado ; ornavão-se com pennas de passaros, especialmente em for- ma de diademas, feitas de pennas de papagaio, e tambem collares de conchas e dentes de animaes. No furo do labio inferior trazião o tembetá, ornato de pedra polida ou osso. Furavam tambem as orelhas para pennas ou enfeites de madeira pintada e tatuaram o corpo. As mulheres vestiam a tipoy, camisa comprida de cortiça ou algodão sem mangas, usada ainda hoje em muitas tribus. Em dias de batalha, os homens ornavam-se de uma maneira especial, applicando pennas com gomma no corpo e pintando a cara com diversas côres. Como armas tinhão, além de flexas e arcos, lanças compridas com pontas de pedra ou osso. Lançavam pe- dras por meio de fundas e possuiam macanas, massas de quatro facetas ou planas. Alguns tinham escudos de pelle de anta, outros uma especie de pequena espada munida com as queixadas summamente cortantes das Palometas (uma especie de peixes). Apanhavam os pei- xes tanto por meio de anzoes de páo como por meio de redes, flexas e venabulos. Serviam-se dos ultimos so- bretudo para apanharem os grandes peixes como o dou- rado, o pacu, o surubim e outros, pois os peixes erão o seu alimento principal. Mas tambem caçavam e co- miam jacarés, cobras e grandes lagartos. Fazião suas facas e machados de pedra, ligando-as por meio de cor- rêas aos cabos: por demais tinhão machados de cobre, como menciona expressamente Cabeza de Vacca, os quaes receberão sem duvida do Perú, respectivamente das tribus dos Quichuas. Incumbia ás mulheres a fabricação das panellas, entre estas aquellas immensas igacabas em que enterravão celebres guerreiros. Seccavam primeiramente ao sol estas urnas, feitas com a mão, queimando as depois em um fogo forte. Erão grosseiras, se bem com impressões e outros ornamentos de côr. Do que se admiravam mais os hespanhoes, como producto notavel de sua industria, erão as suas candas. Nestas embarcações, feitas de um — 130 — tronco a força de inachado, pedra e fogo, havia iugar para trinta guerreiros e mais ainda. E’ bem conhecido que grandes perdas causaram aos hespanhèes. Era da caça e da pesca que tiravam em primeira lugar seu sustento. Sabião deseccar a carne ao sol e conserval-a pelo fumo. Mas o que constituia seu ali- mento principal erão peixes seccados e triturados no pilão com milho e mandioca. Não faltavão-lhes animaes domesticos. Ulrich Schmidt, Cabeza de Vacca e outros relatão unanimamente que acharão gallinhas, gansos e patos que em parte se parecião bastante aos europeos, e tambem duas especies de carneiros indigenas, domes- ticada uma, selvagem a outra, mas tambem facil de domesticar. Isto prova que o lama e o guanaco que só se vêm hoje no oeste do Gran Chaco, por conseguinte só no oeste do Paraná e Paraguay, se achavão naquelle tempo ainda em estado livre no Paraguay. Mas todos estes animaes indigenas não forão mais cultivados de- pois da introdueçäo dos animaes europeos, que lhes erão superiores. Ulrich Schmidt relata que não podendo ca- minhar a causa de ferida de uma perna, fez quarenta leguas montado num destes animaes. A agricultura era muito limitada. Não produzia senão milho, feijão, amendoim, mandioca, melancias. A terra era trabalhada com um páo apontado ou com uma pá, feita da omoplata de um animal. Guardavam pro- visões de milho e farinha de mandioca. Tambem reco- lhião fructos do mato e mel. Deste ultimo tanto como do milho, da mandioca e das fructas da Algarroba fazião bebidas embriagantes, sendo a desta arvore a mais esti- mada. Tambem tomavam infusões da herva maté. As bebidas alcoolicas tomavam especialmente nas suas fes- tas que acabavam-se com embriaguez geral. Raras vezes entregavam-se á anthropophagia, que era limitada para prisioneiros de guerra. Suas relações commerciaes res- tringião-se a trocos occasionaes com as tribus mais sep- tentrionaes, ás quaes davam armas, bótes, etc., para re- — 131 — ceber em troco redes, objectos de ornato de ouro e prata, e igualmente tecidos de algodão que se procuraram das tribus dos Andes, das quaes provinhão tambem os ma- chados de cobre que já mencionei. De que maneira as raças dos Pampas e dos Guaranys erão relacionadas entre si, está ainda totalmente duvi- doso, mas 6 certo, que a exploraçäo archeologica obteve resultados que sao perfeitamente conformes com estes contrastes que acabo de mencionar. Na provincia de Buenos Ayres, como em geral nas Pampas, mas tambem em Uruguay e na Patagonia, achao-se restos de v- cultura muito primitiva da epoca das pedras. Os mavia- dos e as facas, as pontas das flechas e lanças são todas feitas de pedra lascada; polidos, bem que imperf amente, sao só os pilões e as bolas; accrescentando aleuiias urnas bem primitivas, eis aqui tudo. No territorio do Paraná, pelo contrario, como no sul do Brazil achão-se machados de pedra lindamente polidos e de differentes formas; objectos de enfeite, sobretudo, os tembetás do labio in- ferior por demais ha trabalhos de argila mais variados, nem faltam cachimbos; finalmente ha tambem aquellas figuras zoomorphas finamente polidas, obras verdadeira- mente exquisitas e de summa paciencia e habilidade dos Indios. Quanto mais adiante vamos ao longo dos Andes para norte, tanto mais encontramos indicios de uma cultura muito mais adiatanda, onde não se pode negar a influen- cia do imperio dos Incas. Ruinas de povoações e forti- ficações, indicios de trabalho mineiro e obras de irri- gação unem-se com urnas admiravelmente formosas e elegantemente pintadas, vasos anthropomorphos, etc., e instrumentos de differentes metaes, especialmente de cobre, para dar-nos uma idéa dessa civilisação extincta, que não se suspeitava ao éste das Cordilheiras. Muito tem-se já escripto sobre a historia do antigo Perú, mas nunca até agora deu-se a devida attenção á divulgação da cultura peruana no sudeste da America do Sul, e com — 132 — tudo esta influencia insinua-se por todas as partes do Rio Grande e da Republica Argentina até 4 embocadura do Amazonas, de uma maneira, que não deixa de ser interessantissima uma pequena revista de toda a litte- ratura que trata della. Merece ser mencionada a obra de Florentino Ameghino: La antiguetad del hombre en el La Plata, Paris, 1880 e 1881. E" verdade, porém, que não appareceram ainda as publicações mais importantes, como a obra sobre as colleccôes riquissimas das anti- guidades dos Calchaquis no museu de La Plata, que tem de ser publicado pelo seu director vr. P. Moreno e das quaes temos até agora sómente curtas relações que men- cionarel mais adiante. Por emquanto, seguindo em geral Florentino Ame- ghino, vou expôr a historia dos Calchaquis em quanto seja conhecida. Durante os dous seculos anteriores à conquista, a dominação dos Incas estendeu-se ao este dos Andes até a provincia de Cordova, onde moravão nos mon- tes os Comenchigones, povo pacifico, que, supponho, perten- ceu a raça dos Quichuas, internando-se do Perú ao sul, como prova o facto de failarem só a lingua dos Quichuas. E’ no seu territorio que Cabrera fundou no anno 1573 sem difficuldades a cidade de Cordova. Na provincia de S. Luiz teve lugar o mesmo. A serra de S. Luiz era occupada pelos Michilingues, que differenciavam-se tam- bem das tribus das planicies, tendo-se igualmente esta- belecido em tempo relativamente moderno, provavel- mente na epoca em que os conquistadores peruanos estenderão a sua dominação em Chile até o Maule, cem annos mais ao menos antes da conquista hespanhola. Igualmente as provincias de Mendoza, S. Juan e Rioja erão sujeitas á dominação dos Incas, mas parece ao contrario, que sua povoação não era de origem qui- chua. Havia nas ribeiras do rio Mendoza os Huarpes ou Guarpés e os Calingastas e outras tribus. A fraca resistencia que oppuzerão primeiro aos Incas e depois aos hespanhóes, como a facilidade com que se accomodavam — 133 — au nova civilisação, fazem suppor uma cultura superior à dos outros Indios. Outra prova disso é a densidade «la sua população antes da dominação dos Incas. Esta começou, pouco mais ou menos, no anno 1300 com sub- missão voluntaria de aleumas tribus, quando reinava o oitavo Inca Ripac-Viracocha, progredindo gradualmente € acabando pela submissão de todo o territorio até Men- doza e S. Luiz na occasião da passagem de Yupanqui, o decimo Inca, para a conquista do Chile. As provin- cias de Mendoza, S. Luiz e S. Juan receberão ao serem incorporadas ao imperio dos Incas, o nome da provincia de Cuyo, nome que se conservou até os nossos dias. Parte dos Quichuas, companheiros de Yupanqui, esta- belecerão-se nas planicies de Santiago del Estero; o mesmo fizerão os Chicuanas entre Jujuy e Tarija. Não é, pois, de admirar fallar-se ainda hoje a lingua dos Quichuas em Santiago del Estero e no planalto da Püna de Jujuy. Ao norte da provincia de Cuyo morava um povo bellicosissimo, sujeito aos Incas, mas de raça differente, os Calchaquis, que disputavam, passo a passo, O territorio aos hespanhõóes nas suas expedições de conquista. O terri- torio d'elles, a antiga provincia de Tucuman dos hes- panhóes, de nome Colla-Suyu, era uma das quatro pro- vincias principaes do imperio dos Incas, cujos habitantes chamavão-se Collas. O nome antigo deste territorio era Collau, quer dizer, o territorio habitado pelos Collas, uma das quatro provincias em que Viracocha, o funda- dor de Tiahuanaco, o dominador dos Aymaras, o dividiu. Quando foi substituido a cultura dos Aymaras pela dos Incas, esta antiga divisão foi conservada, e a provincia meridional, que antes comprehendia só a Bolivia, esten- deu-se as partes septemtrionaes da Republica Argentina actual. (Que a população no norte da Argentina foi nu- merosa no tempo dos Incas, deduz-se entre outras provas do grande numero de Indios que os hespanhdes estabe- leceram nas suas povoações. Assim Diego de Villaroel — 134 — fundou a cidade de Tucuman com 10.000 Indiose Aguirre a de Santiago del Estero com 40.000. O facto de fal- larem estes Indios a lingua dos Quichuas não é por si mesmo uma prova de que erão todos da raça dos Quichuas, pois os Incas forçavam as tribus sujeitas a aceitarem sua lingua. Os Calchaquis habitavam, pouco mais ou menos, toda a provincia de Catamarca e as partes occidentaes de Tucuman e Salta. O primeiro Europeo que penetrou no seu territorio, foi Almagro, que no anno 1536 partiu com um exercito de 20.000 homens para conquistar o Chile. Os Calchaquis atacaram-no com violencia, ma- tando-lhe o cavallo em que ia montado, mas não podiam impedil-o de alcançar e atravessar os Andes. Alguns annos mais tarde, Diego Rojas foi enviado pelo gover- nador do Perú para sujeitar o territorio no sul de Char- cas. Tomou o mesmo caminho como Almagro e encontrou como aquelle, forte resistencia no paiz dos Calchaquis, sendo na batalha decisiva o seu exercito completamente batido e morrendo elle mesmo nella. Com novo exercito, Nuíez de Prado partiu no anno 1550 para conquistar este territorio. Perto de Tucuman elle foi atacado pelo chefe dos Calchaquis Tucumanao; logrou repellir os ageressores e fundar ao pé do Acon- quija a cidade de Barco de la Sierra, mas não podendo manter-se nella, tinha logo de abandonal-a, sendo repel- lido pelos Calchaquis. ~ Alœuns annos mais tarde, os Calchaquis submette- rão-se voluntariamente ao Capitão de Santiago del Es- tero Juan Perez de Zurita; mas o successor deste, Casta- ñeda, tratou-as tão mal, que no anno 1556 revoltarão-se de novo contra os hespanhóes e destruirao todas as ci- dades que aquelles tinhão fundado nas fronteiras. Sendo vencidos fizerão a paz, revoltando-se de novo no anno 1562, e esta vez com feliz exito, pois que expulsarão os hepanhúes de seu territorio. As guerras entre os hespanhóes e os Calchaquis — 135 — duraräo com successo variavel ainda mais de cem annos até que no anno 1664 o governador Mercado sujeitou a ultima tribu delles, os Quiimes, e para segurar-se delles fez seguil-os para Buenos Ayres, onde o lugar Quilmes leva ainda hoje este nome. Não ha tribus de Indios na America do Sul que defendesse a sua liberdade e patria contra os invasores europeos com maior sucesso e valor do que estes Calchaquis. Sobre a cultura delles somos bastante bem infor- mados por causa deste frequente contacto com os hes- panhoes. Na terra que habitavam, acham-se numerosas estradas construidas como as Peruanas mas, como pa- rece, sem estarem tão regularmente repartidas aquellas estações de correio que forão chamadas tambos, nome este que foi introduzido na lingua hespanhola. Moravao em casas de pedra, cobertas de juncos ou de palhas. Cada tribu era governada por um Cacique, cuja eleição precisava da approvação do Inca. Em geral, os Incas, eram respeitados, mas devido a grande distancia, eram antes senhores de terras nominaes do que em realidade. Kram só os Caciques que fallavam a lingua dos Qui- chuas, sendo a lingua da população muito differente. O culto do sol foi evidentemente introduzido pelos Peruanos. Além delle veneravam numerosos idolos, entre estes alguns de cobre de forma pequenissima, le- vadas como amuletos ao redor do pescoço. Em ‘asos de doença, todos os amigos e parentes reunião-se na casa do doente onde ficavam bebendo, emquanto durava a molestia. Muitas flechas deitadas no chão ao lado da cama diziam, que afugentava a morte. Se não obstante esta sobreveiu, enterravam o morto em uma erande urna com os seus mais caros animaes domesticos, com armas e seu vestuario. Então incendiavam a casa com o fim de impedirem a morte de voltar, visto que já conhecia a casa. Os arcos eram altos e direitos, a corda era torcida de tripas dos animaes ou de fibras de palmeiras assim, — 136 — provavelmente, como no sul do Brazil, das da palmeira Tucum. As pontas das flechas eram feitas de pedra, ma- eira, ferro ou cobre. Além disso empregavam bolas. Sobre a existencia do ferro na America do Sul no tempo anterior a Colombo Ameghino faz algumas obser- vações, que vou expôr aqui. O ferro era conhecido não sómente pelos Calchaquis. Molina diz na sua historia do Chile, que o ferro, de que crea-se que não era conhe- cido na America do Sul antes da descoberta, tem um nome especial na lingua araucana, panilgue, como tam- bem os utensilios de ferro teem um outro nome do que os de outra materia. Mentesinos nas suas memorias onde falla dos Chimus, povo que veio no Perú 1500 annos antes da nossa chronologia («era») diz, que elles talhavam as pedras com intrumentos de ferro que troxerão da sua terra. Velasco na sua historia del reino de Quito, diz que os Peruanos não empregarão o ferro para suas armas, bem que o conhecessem com o nome de quillay. A linguistica contirma isso. A palavra para ferro era em Quito quillay, em Cuzco quellay, nos Aymaras cuja lingua, bem que um pouco differente, pertencia tambem as lingnas Quichuanas, quella. Eram, pois, estas palavras precolombianas e proprias a estas linguas sem duvida derivadas d'um idioma primitivo e commum. O mercurio peruviano de 1791 tom. I. pag. 201 menciona entre as minas exploradas pelos Incas ou pelos predecessores delles tambem as excellentes minas de ferro de Ancoriamis (16º 25’ lat. sul), na costa oriental do lago de Titicaca. Ameghino crê que nos objectos de ferro achados entre os Calchaquis se trata de ferro meteorico e accrescenta, que o empregavam tambem algumas tribus no Rio da Prata para pontas de flechas, etc. « Na banda oriental achei entre primitivos utensilios de pedra tambem bolas e outros objectos de ferro metcorico que eram batidos em estado frio, como os Americanos do Norte trabalhão o cobre. » Não sou desta opinião. Todo o ferro no Rio Grande do Sul é postcolumbico e, creio, que o mesmo — 137 — se dá no Rio da Prata. Utensilios de ferro eram a preza mais apetecida dos Indios nas suas invasões nas colonias, e então dellas faziam pontas de flechas. Não é assim, porém como as bolas de ferro que conheço do Rio Grande, e que consistem em pedras de ferro, mas não são batidas. Alli achamos aleumas vezes numerosas bolas de ferro e pedra argillosa, cujas partes exteriores são oxydadas e podem ser facilmente separadas por camadas concen- tricas, emquanto a parte interior redonda é muito firme e dura, não podendo ser batidas em estado frio. Creio, pois, que tambem no Rio da Prata o ferro não era trabalhado na epoca antes de Colombo, mas de- vemos fazer uma excepção emquanto aos Calchaquis e aos habitantes do Perú e Chile, os quaes, como me parece provado, exploravam as minas de ferro e empregavam este metal. Além d'isso, eram expertos na fundição do metal pela fabricação de utensilios de cobre fundidos. Algumas destas machadas e tambem chapas circulares de cobre, etc., figurou 77. P. Moreno (Informe annual del Museu de la Plata, 1890, pag. 13 e 21.) Ellas provêm de Salta ec Catamarca. O museo de La Plata tem 15 destes objectos. Ameghino deu as figuras de um certo numero delles, entre outros um martello e dous alfinetes de prata, daquelles que se conhecem como topus do Perú. Entre estes objectos chama sobretudo a nossa attenção um pequeno sino de cobre, ajustado para ser suspendido. Até agora tres destes sinos parecem ter-se achado, mas não são retratados ainda. De uma perfeição sorprehendente na forma e pintura são os productos de argilla. O museu de La Plata possue ca. 400, entre elles alguns de uma altura de 80 cm., que servirão de urnas funerarias. Pintavam-se pela maior parte com desenhos lineaes ou com figuras de passaros, reptis e caras humanas. Duas destas urnas foram pho- tographadas por Moreno. Sao vasos com a parte inferior conica e tendo na parte superior uma aza grossa, apre- sentando em alguns por meio de olhos, etc. o symbolo — 138 — de uma cabeza de animal. Na parte superior mais estreita debaixo do borde um pouco inclinado é ornado com a cara de um homem. Os arcos dos sobreancelhos marcão na ponta em que se encontrão entre os olhos o nariz; sendo numa dellas tatuada a cara debaixo do olho direito com quatro linhas verticaes e mais linhas entrepostas. Outras urnas photographadas por Ameghino estão provis- tas de tampas e aos dous lados de duas pequenas mangas. Em algumas delles vê-se entre a ornamentação a figura de uma cruz em pé. Outras, em fim, descreverão Vir- chow e Philippi nos annaes da Sociedade anthropologica de Berlim em 1884—85. Por mais differentes que sejam estas urnas, teem de commum o esforço que se nota de conseguir ornamentos em forma de escada, e a intenção a dar-lhe por meio de linhas verticaes on por quadros cheios, uma divisão symetrica, como se estivessem divi- didos por meridianos. Ao lado destes acham-se figuras anthropomorphas e urnas duplas, das quaes Ameghino photographou uma das mais curiosas. Esta tem na parte superior duas ca- beças, ficando no resto sómente indicado o corpo duplo por desenhos. Uma das figuras parece-me ser a de mu- lher, pois que tem dous pontos indicardo os seios. Uma das urnas duplas de Virchow, as quaes são duas figuras em barro unidas entre si, representa um casal, sendo uma de homem, a outra de mulher. Com frequencia se vêm nas differentes cabeças de argilla e nas urnas an- thropomorphas estas linhas verticaes debaixo dos olhos, o que indica ser este modo de tatuar proprio aos Calcha- quis ou aos seus antecessores, sendo assim provavel que só as mulheres gosavam desta distinccao. Philippi attribue decididamente a estas urnas à ori- gem peruana, dizendo que urnas semelhantes encontra- vam-se tambem em Chile, mas só na parte septentrional, encarecendo dellas e de objectos de metal as tribus chi- lenas que não attingiu a influencia dos peruanos. J/- reno, emtanto, affirma que os machados de cobre dos — 139 — Calchaquis acham-se em forma identica em Atacama e seus redores, mas não em Perú; alguns destes objectos de metal fez analysar chimicamente. O resultado era puro. Uma das rodellas porém continha 80,5 ty, de cobre, 3 “|, oxydado de cobre, 16,5 °|, de zine». Uma prova das suas relações commerciaes exteusas são as differentes especies de conchas do oceano pacifico, que encontrou Moreno nas urnas funerarias delles. O assumpto é porém tão complicado, que deve suppôr-se ter existido já antes dos Calchaquis uma cultura superior, que é presumivel, pertencia a outro povo expluso pelos Calchaquis. Os Hespanhõóes, nas suas luctas com os Cal- chaquis encontraram numerosas ruinas de construccäo de pedra, fortalezas, assim como povoações e fornos. Ge- ralmente, as fortalezas estavam situadas nas entradas dos passos estreitos ou de difficil accesso, formados os muros de pedras sobrepostas, algumas vezes juntos, por meio de argilla. Martin de Moussy achou uma das melhor conservadas no valle de Anucan, na entrada do passo, que da accesso ao planalto dos Andes, servindo de cami- nho de Catamarca a Copiapo. E’ um lugar fortificado com muros e terraços, occupando a ponta extrema uma torre baixa, unida com o centro por um muro, faltando o telhado. Toda a construceção occupa uma superficie de 3000 metros quadrados, mais ou menos. KE’ nestas ruinas que se achavam, pela maior parte, estes restos. Os ro- chedos nos redores das ruinas levam muitas vezes ins- cripções como tambem morteiros. No lugar em cima citado, dá Moreno a photographia de uma tal ruina. Muros de alguns metros de espessura separam centenas de patios pequenos. As aperturas, servindo de portas, acham-se só no interior, não havendo- as nos muros exteriores. O mesmo se vê nas antigas ruinas das povoações em Arizona, o que induz Moreno a considerar os constructores identicos pelo que toca a ci- vilisação, supposição que me parece muito arriscada. Até a altura de 4000 metros acham-se taes ruinas, das ee As quaes ha algumas aos lados das estradas antigas dos Incas, que atravessão o paiz até o passo de Uspallata. Diz o mesmo Moreno tel-as seguido numa extensão de cem leguas, sendo a sua direcção tão direita como a duma estrada de ferro nas Pampas. Ameghino communica-nos alguns dados respectiva- mente a viagem do professor #. Ziberani em Tucuman. Este recebéra alguns objectos curiosos procedentes de St. Maria em Catamarca pelo que resolveu-se ir alli mesmo, para proseguir nas suas investigações. Grande foi a sua surpreza quando em vez de urnas, etc., achou grandes ruinas, restos duma civilisação extincta daquelles valles agora desertos. O viajante não só tem diante de si velhos muros cahidos, senão até pode distinguir as ruas e praças que existiam outrora naquellas cidades desap- parecidas. Além disso, as mil curiosidades nos cemite- rios, pegadas quasi sempre ás ruinas. Nas excavações praticadas até a profundidade d’um metro topou uma urna funeral de extraordinaria belleza, pintada d’um modo curiosissimo, mas esta urna cahiu em pó ao contacto com o ar. Continha ella os ossos de um homem adulto e outra pequena urna com milho torrado, perfeitamente conservado. Segundo ás tradições daquelle povo, o milho era destinado para o morto, pois, criam que ia resuscitar à beira do mar. Uma outra urna continha o mesmo, € numa terceira achava-se uma medalha de cobre coberta de hieroglyphos. Logo depois partiu o professor Zierani com R. Her- nandez em commissão do governo para uma exploração na Loma Rica, em que segundo á crença do povo, deviam achar-se occultas grandes riquezas. A parte superior da loma, ainda com restos de uma antiga cidade, apresenta uma planicie em forma de ellipse, tendo 670 metros de comprimento. As vertentes são defendidas por muros. A loma, em uma altura de cem metros sobre o nivel do rio, offerece uma vista ampla. Estas ruinas cobrem uma superficie de 380.000 metros quadrados. As paredes das — 141 — habitações são direitas, cruzando-se em angulo recto e tendo um metro de espessura e dois de altura. Aqui e alli, achão-se aperturas, servindo, sem duvida, de portas no interior tanto como no exterior. As ruas, de uma largura de um metro e meio, são muito irregulares, pois, não ha uma só que atravesse toda a povoação. São cons- truidas de pedras, pela maior parte de granito, sem ci- mento. Ameghino dá o plano de uma casa que consiste em dous quartos communicando-se por uma apertura, dos quaes o primeiro é maior, tendo oito e meio metros de comprimento por sete de largura. N’uma das paredes acha-se uma grande pedra cuja parte superior é ouca, pelo que se vê que se trata d'um morteiro. Em um outro canto: ha quatro morteiros soltos. No outro quarto mais pequeno vêm-se tres figuras circulares de pedra, rodeando uma ou mais pedras maiores e tidas por tumulos. Em outro canto havia a cozinha, tambem rodeada de uma fileira de pedras; que este lugar era a cozinha indica a existencia de cinza, como de carvão e de ossos de gua- naco. Duvidoso é o desitno das outras pedras para tu- mulos. E’ costume entre os Indios da America do Sul queimar ou abandonar a choupana em que morren um individuo, enterrando-se não obstante aleuma vez o morto na mesma choupana. Assim diz von den Steinen no seu livro: « Atraves do Brazil central »: « E no meio da choupana achavam-se dous tumulos. Os Yurunas enter- ravam os seus mortes em sua casa; a rede do parente está suspensa ao lado do tumulo do fallecido. » E’ de sentir-se não haverem-se praticado excavações em estes tumulos suppostos, se bem a disposição das pedras o faça possivel, como veremos. Chamava, sobretudo, a attenção um edificio destinado sem duvida, a actos publicos, talvez uma especie de camara municipal de hoje. Havia nelle uma grande sala de 28 metros de comprimento por 15 de largo, tendo numerosas fileiras de assentos regularmente dispostas e uma tribuna a qual se acha na parede que tem no meio "po a porta, chegando-se a ella por um corridor estreito, pa- rallelo 4 mesma parede. No sul, ao pé da loma estende-se de NE. a SO. a necro- polis. As excavações praticadas produzirão muitas urnas funerarias de differentes tamanhos, fechadas por tampas. Além de restos humanos contêm diversos outros objectos. Conhece-se o tumulo por algumas pedras que rodeão uma ou algumas maiores, em forma oval. As urnas têm uma posição vertical com pedras aos lados. Tambem outros objectos de argilla encontrarão-se alli, cabeças de homens e animaes, principalmente da raça felina, como tambem idolos de pedra representando animaes, mortei- ros e machados de pedra polida entalhados, 1. é, com um sulco circular na parte superior. Accrescentam-se as agulhas de prata já mencionadas e objectos de cobre, emtanto que nem Ziberani, nem Methfessel, que collec- cionava para Moreno, não parecem ter achado objectos de ferro. E' assim bem possivel, que as pontas das fle- chas de ferro dos Calchaquis datão do tempo posterior a Colombo, como as dos Indios do Rio Grande do Sul. Em geral, a existencia de metaes está ainda muito pouco esclarecida. Na rica colleccao de Moreno ha só utensilios de cobre e uma rodella de bronze, emtanto que os ob- jectos de prata são considerados postcolombianos, o que porém parece duvidoso. A circumstancia de serem os topus de prata, photographados por Ameghino, identicos na forma com os peruanos, prova que com a cultura dos Incas chegaram tambem os metaes empregados por elles aos Calchaquis, pois sabemos que Cabot recebeu dos Carios peças de prata, as quaes receberão de tribus septemtrionaes, a tradição historica sendo em tudo con- forme com a observação archeologica. Não pode surprehender, estarem espalhados ouro, prata e cobre entre os Calchaquis, existindo estes metaes no antigo Perú em grande quantidade. Pelo que toca ao ferro tenho duvidas, assim como da rodella de bronze da qual falla Joreno, sendo esta a unica achada de sua especie. mas igualmente é possivel, por encontrar-se bronze no antigo Perú. Outros metaes faltão. Se bem uma parte dos objectos metalicos são de origem peruana é fóra de duvida serem elles na maior parte a chados e trabalhados alli mesmo. Segundo Ameghino, havia for- mas de pedra para fundir o cobre, tendo-se effectiva- mente achado minas antigas na provincia de 8. Luiz, perto de Toma-Lasta. Sendo este nome de origem Qui- chuana, parece certa a supposição de provirem ellas desse povo, que penetrou neste lugar, sendo-lhes tambem at- tribuidas as da serra Famatina, minas nas quaes, se diz, trabalharão milhares de individuos. Perto d’alli existem ruinas de fortificações em que os naturaes resis- tiam aos hespanhoes por muito tempo. O engenheiro Nicourt encontrou alli n’uma altura consideravel um antigo cemiterio, em que havia esqueletos em urnas de duas pollegadas de espessura, tendo a posição como o fetus no ventre da mãe, e levando na bocca uma ponta de flecha triangular, analogo ao obolo que puzerão na antiguidade ao morto na bocca. Tambem este costume faz-nos lembrar o Perú, onde achavam-se aleumas vezes mumias com objectos de ouro, prata e pedra na bocca. A cultura peruana trouxe igualmente a agricultura ao sul. Os conquistadores ensinavam aos naturaes a irrigação e o abono dos campos. Entre as plantas cul- tivadas devem-se mencionar, sobretudo: o milho, os feijões, as batatas, etc., algumas classes de arvores fructiferas, fumo e algodão. Serviam-lhes de animaes domesticos o lama e o alpaca; o primeiro como animal de carga assim como comiam a sua carne, o segundo por sua lã, que apreciavam muito, sendo animaes de caça 0 vicunja e o guanaco. As mulheres sabiam fabricar da lã e do algodão tecidos muito finos, tingindo-os com côres ve- getaes. Tambem dedicavam-se á agricultura os Guarpés, que moravam mais ao sul. Viviam debaixo de chefes — 14H — militares em cidades com casas de pedra. Faziam finas redes, cestos e mesmo vasos para beber de juncos dos pantanos. Ameghino dá a photographia d'um cesto acha- do n'uma caverna. Os Guarpés que moravam na mar- gem do lago Guanacacho, empregavam os juncos tambem na construcção de jangadas. O mesmo faziam os Qui- chuas e Aymaras nos arredores do lago de Titicaca, mas não os Guaranys. Criavam o lama e o alpaca, fabri- cando tecidos de lã e algodão, e curtiam as pelles dos guanacos e outros animaes que caçavam. À sua reli- giao era como a dos Incas, 0 culto do sol. Não obs- tante, não fallavam a lingua dos Incas, senão um idioma, que se suppõe ser parecido ao dos Araucanos. Lancando uma olhada sobre os resultados obtidos, se nos apresenta mais que tudo, a differença da escala de cultura em que se acham estas tribus de Indios mo- rando no sul e no norte da Republica Argentina. Ao contrario desta cultura adiantada dos Calchaquis e seus visinhos como elles submettidos aos Incas, occupam os Indios dos Pampas o lugar mais inferior na escala da cul- tura paleolithica, emquanto aos primitivos artefactos, que além de rudes potes consistiam quasi exclusivamente em utensilios de pedra lascada. Nem havia metaes, nem cidades, nem agricultura, nem animaes domesticos, notando-se nem a menor influencia d’uma cultura su- perior. E' por certo um erro, se Moreno attribue os raros objectos de vidro e esmalte à origem phenicia. Desde que Tischler, pelas suas excellentes investigações mi- croscopicas, provou a origem Veneziana das perolas rio-grandenses, tidas até então por phenicias, esta hy- pothese de Joreno carece de fundamento. Os respetivos artefactos são objectos de troco do tempo posterior a Colombo. Ao desapparecerem estas armas de pedra € começar o emprego dos machados polidos com apertura circular, approximamo-nos 4 cultura provindo do Perá. Talvez se mais tarde pudermos traçar o caminho que — 145 — seguirão estes machados, será tambem esclarecida a ex- tensão da influencia da cultura do antigo Perú. Já uma vez (Ausland 1890, p. 908) fiz vêr, que era possivel estender-se esta cultura muito mais além dos limites do poder effectivo dos Incas. O Dr. Zrnst provou que o cultivo do coco e seu consumo era divul- gado em Venezuela e Guyana, como em parte acontece ainda hoje, e isto em regiões não attingidas pelo poder dos Incas. E” nesta occasiao que expressei a supposição que eram tambem os Peruanos e outros póvos influen- ciados por elles, os quaes levavam a coca ao sul, cha- mando a attenção ao facto que a unica especie alli exis- tente do genero Erythroxylon, tem no Rio Grande do Sul o nome de «cocão», 1. é, coca grande. Soube de- pois que a mesma arvore, E. ovatum Cav., se acha igu- almente nas provincias septentrionaes da Republica Argentina, levando o nome de «Coca del monte» Pre- cisa-se conhececer a coca verdadeira para poder-lhe comparar outro erythroxylon, a saber uma especie sil- vestre maior, parecendo-se-lhe muita. Novas investi - cações hão de constatar o que haja emquanto a littera- tura historica sobre o cultivo da coca na parte sudeste da America do Sul. Já encontrei neste sentido mais um ponto de apoio. JZ de Moussy (1. c. p. 30) diz que os Chiriguanos na parte septentrional da Republica Ar- gentina eem Bolivia, cultivavam a coca para o seu uso. Esta tribu, que ainda existe, forma parte dos Guaranys, recenendo varias vezes gente do Paraguay, paiz de sua origem provavelmente. E”, pois, possivel que tambem no tempo anterior ao descobrimento cultivou-se a coca naquellas partes da Republica Argentina que estavam debaixo da influencia dos Incas, d’ onde provavelmente chegou ás outras tribus o conhecimento destas e outras plantas cultivadas na America do Sul, provindo do Perú, bem que não haja, como parece, prova linguistica dos Quichuas. Zschudi affirma que a influencia dos Incas estendeu-se ao Sul até as Missões. — 146 — De importancia me parece resolver estas questões, pois havemos de saber então a origem de taes antigui; dades daquelles habitantes primitivos do Brazil, as quaes contrastam singularmente com a rude cultura destes indigenas. Era antigamente minha opinião que o cobre e a prata do Rio Grande do Sul tinham uma origem europea, pertencentes, pois, ao tempo postcolombiano. Induzia-me a esta crença. sobretudo, o facto que encon- travão-se com um destes objectos, achado numa urna fune- raria perto de S. Christina, uma chapa de cobre, duas perolas venezianas, emtanto que no sambaqui de Cidreira, que é certamente um dos mais antigos do Rio Grande do Sul, não se achavam artefactos europeos alguns, senão só tres pequenas chapas de prata triangulares, que bem podem ser de origem peruana. Não é, pois, necessario attribuir-lhes uma origem postcolombiana. Ha com effeito algumas cousas que fallam em favor da supposição de terem todas as differentes culturas sud-americanas uma origem commum, em primeiro lugar as inscripções nos rochedos. Moreno tanto como Ameghino considerão estes petroglyphos, que se achão desde a Ame- rica central até a Patagonia mais ou menos analogos entre si. E’ sobretudo Ameghino que dedicou-se ao es- tudo profundo delles, informando aos congressos dos americanistas de 1878 e 1881, e fallando mais detalha- damente no seu livro em cima citado (I, 545562). Se- gunda a sua opinião, as inscripcdes nos rochedos de Catamarca apresentão um systema de escripta com- pleta, composta em parte de figuras symbolicas, em parte de caracteres phoneticos, explicando-o com muitos docu- mentos. Assim, diz elle, o preto significa causas sacer- dotaes e divinas, grisoferro é a morte, amarello o ouro e as riquezas, branco a prata e a tranquillidade, as alas de passaros a velocidade, o rectangulo a bocca e a fala, uma arvore tornada a esterilidade, um circulo com duas linhas que sahem delle parallelas, um trabalhador, etc. Bem pode ter razão Ameghino em algumas das suas — 147 — supposições, mas tambem é possivel que outros vêm nellas significados differentes. Assim, pois, os poucos exemplos que expõe para decifrar estas inscripções, não são convincentes. Por exemplo, interpreta a figura 316, na qual se vêm duas figuras humanas, um lama, um avéstruz e o sol, da maneira que apresentaria uma fi- gura o indigena recebendo com braços abertos ao con- quistador, cuja cultura seria indicada pelo sol e pelos animaes domesticos, adorados por elle. A isso pode se oppôr que as duas figuras pelas pennas da cabeça iguaes pertencem provavelmente á mesma raça, como são tam- bem differentes nas partes sexuaes, pelo que creio que uma deve considerar-se a de um homem a outra de mulher. De maior peso do que a interpretação destes hiero- elyphos, parece-me a prova que Ameghino da, de conhe- cerem os Peruanos e outros povos visinhos a arte de escrever, já antes do descobrimento. Montesinos, nas suas memorias, falla d'um velho regente dos Peruanos que prohibia o uso da escripta, sendo confirmada por Garcilasso de la Vega esta communicação, sem razão posta em duvida. Segundo Montesinos, os Araucanos escreviam no tempo da conquista sobre papel de folhas de bananeira ou pelles preparadas, chamadas quilcas, facto confirmado pela linguistica. Na lingua dos Aymaras «escrever» se dá por cquelcaña» na dos Quichuas «quelca». Estas duas palavras que acharão os conquistadores em- pregadas, derivão-se duma raiz commum. O facto de acharem-se estas palavras no quilca dos Araucanos do que os Indios dos Pampas fizerão chilca, é uma nova prova. Assim, esta escripta parece ter-se divulgada do sul ao norte, tomando os quipos uma direcção con- traria. Assim, pode comprehender-se o ponto de vista de Ameghino emquanto aos Calchaquis e Quichuas, dizendo: «O solo argentino deu uma civilisação singular que data de longe, sendo differente da dos Incas. Deu se — 148 — o nome de Quichuas, ao principio, a uma pequena tribu que morava ao este de Cuzco, sujeitando-se uma das primeiras aos Incas ; mas se sabe que numa epoca an- terior florescia em Callao a civilisação dos Aymaras, superior a dos Quichuas, tendo o centro do seu poder perto do lago de Titicaca. Não fallando os Calchaquis a lingua dos Quichuas, senão um idioma semelhante a lingua dos Aymaras, eis aqui uma prova que eram, mais: ou menos, alliados com o antigo povo que erigiu os monumentos de Tiahuanaco. «Tambem os nomes de lugares desde o Ecua- dor até a Republica Argentina, levão-nos a crêr na exis- tencia de dous povos differentes que nunca se confun- dio inteiramente. No norte do Perú e em Ecuador encontramos muitos nomes de lugares que terminão em bamba (como Jamobamba, Condebamba, etc. ). No sul do Perti e Bolivia, estes nomes sao mais raros, fal- tando na Republica Argentina; pelo que se vé que aquelle povo não penetrou até lá. Na antiga lingua dos Calchaquis, o «lugar» se chama gasta, d'alli os nomes como Calingasta, Tinogasta, etc., no seu territorio, mas não naquelle de Bolivia. Os Aymaras chamavam o lugar marca, razão de acharmos em Bolivia e na Ar- gentina septentrional muitissimos nomes de lugares, terminando assim, como Parmamarca, Catamarca, etc. nomes que se encontrão até Ecuador e Columbia. Chego, pois, á conclusão que um povo que tinha estreita affini- dade com os Calchaquis, habitava em tempos remotos a Argentina septentrional e Bolivia, estendendo-se depois. mais ao norte. » Para comprehender a historia primitiva da America do Sul, o estudo dos petroglyphos será, sem duvida, o mais importante ; seria, pois, de summo valor recolher o material disperso e estudal-o devidamente. Apresento aqui dous retratos de petroglyphos do Rio Grande do Sul. O primeiro vem da picada Solentaria na co- — 149 — na wi Wilh) ny fe) a Gee Nir, TM CA EME ( FIG 13 Inscripção da Solentaria. lonia do Mundo Novo que foi-me - entregue pelo Sr. Th. Bischoff. A pedra em que foram gravadas as figuras cobriu-se no decurso do tempo com uma capa de humus e relva. Ao tirar-se esta, chegou a apparecer a inscripção ja bastante confusa, sendo agora quasi illegivel a causa FIG: 14 Pedra com figuras gravadas de C. v. Koseritz. «le estar exposto á intemperie nos ultimos 30 annos. Mais curioso é o segundo achado na picada Bom Jardim, numa fazenda perto de S. Leopoldo, que Aoseritz retratou e descreveu nos seus Bosquejos ethnologicos, Porto Alegre 1884, p. ff. As figuras estão gravadas numa pedra de l cm. de espessura e 6 cm. de largura não podendo-se constatar o seu comprimento por estar quebrada. As mesmas figuras, consideradas como signaes de escripta — 150 — por Aoseritz (1) achavam-se nos dous lados desta pedra dura, bem polida, sendo num dos lados melhor con- servadas. Noque sorprehende é a dimensão pequena da pedra, estando todas as inscripções até agora conhecidas feitas em rochedos. Emquanto ás figuras, apresentão uma grande differença das que se acharão nas outras partes do Brazil, com as quaes é analoga nossa figura 13 Koseritz acreditava, pois, que esta pedra não era de origem americana, senão importada. Acho, ao contrario, seme- lhança com as inscripções de Catamarca. Primeiramente vêm-se nellas muitas vezes pontos e circulos pequenos, não raramente dispostos em grupos. Depois, a figura do Y, a de circulos com pontos centraes, e figuras em formas de cruz, sendo as vezes regulares e outras vezes tão irregulares como sobre a nossa pedra, emtanto que neste como naquellas faltão mãos e pés, os quaes são tão frequentes nas brazileiras. Parece-me por cou- seguinte, que devemos vrocurar a explicação não na Asia, etc., senão que a acharemos aqui mesmo na Ame- rica do Sul; a não ser no Brazil, será certamente naquella região dos Andes que já muito antes dos Incas era o berço d'uma antiga civilisação singularissima cuja influencia era innegavelmente muito maior do que ge- ralmente hoje se crê. Do ponto de vista americano, as duas regiões, das quaes novas e extensas explorações muito temos de dese- jar e que prometterião uma colheita riquissima, são por uma parte os Mounds de Marajó, na embocadura do Amazonas, já celebres pelos importantes descobrimentos de Ladislau Netto, e por outra, as provincias septentrionaes. (1) v. den Steinen ( Ausland 1891 pag. 967) contesta a opinião de Xoseritz julga a pedra pequena de Avseritz falsificada. — Para mim merece mais interesse do que a decifração das inserip- ções tio duvidosa e problematica, a distribuição geographica delles sobre o continente sul americano e as conclusões que per- mittem a respeito da extensão e immigração antiga dos povo: que os fizeram. — 191 — da Republica Argentina. Não obstante conhecermos a extensão da civilisação dos Incas para o sul, nos fica desconhecida a que lhe precedeu. Aceitando mesmo a supposição de Ameghino de haver uma affinidadade ou identidade entre os Calchaquis e Aymaras, ha de pro- var-se ainda como é que se differenciavam realmente as duas epocas de civilisação que se seguirão. E' de presumir que as publicações de Moreno darão alguma luz. O que não se pode deixar de reconhecer é que os sabios Argentinos, sobretudo Ameghino, têm razão em afirmarem, que seria um erro considerar a cultura dos Calchaquis e outras tribus semelhantes puramente como a continuação da civilisação dos Incas, que ao contrario, esta já se encontrou na provincia de Colla-sayú com uma cultura anterior, por certo não inferior, a qual se accomodära á nova civilisação com tanta facilidade e vontade. As tradições historicas e os achados archeolo- gicos tanto como a comparação linguistica darão aos exploradores a explicação do papel que fizerão os diversos elementos nacionaes e culturaes. Sómente depois poder-se- ha estimar o que na cultura dos Indios America do Sul menos adiantados é o resultado do proprio esforço e em- “quanto forão influidos sobretudo em respeito ás plantas cultivadas por influencias estranhas. A respeito da relação que existe entre os poucos vestigios da influencia exercida sobre o Rio Grande do Sul por uma cultura occidental e os diversos territorios muito remotos, os quaes a este respeito se podem tomar em consideração, não poderemos julgar senão depois de conhecermos completamente a extensão da cultura peruana antiga. KE’ por isso que esperamos com at- tenção as novas investigações feitas por J/oreno na Argentina septentrional. Figurou Moreno (1) urnas de Catamarca as quaes aflirma com razão serem conformes (1) Revista del Museo de La Plata, Tom. I. 1890 pg. 9. SAC RS aquellas de Marajó. Encontramos aqui formas muito semelhantes, tambem anthropomorphas, e o que mais me parece estranho é que uma destas ultimas urnas de Marajó (cf. Ladislau Netto, 1. c. p. 327) tem um cabo pouco saliente, cujo ponto livre engrossado está mode- lado em forma d'uma cabeça. Urnas semelhantes encon tram-se tambem em Catamarca. Além d'estas, cumpre dizel-o, acham-se em Catamarca urnas em forma de gar- rafas e outras com fundo conico achatado, as quaes não são representadas em Marajó, sendo, como diz Philippi (Verhandl. Berliner Anthrop. Ges. 1885 p. 269) com razão, de origem peruana. No demais temos de distinguir bem entre as urnas importadas e aquellas, que só se apresentam sujeitas 4 influencia peruana. E” impossivel de presumir que toda a cultura marajó se compunha de artigos importados, mas não se poderá negar, que ella tenha sido sujeita á influencia da ceramica peruana e dependente de amostras importados. E’ assim que te- remos de imaginar-nos 6s homens de Marajó como In- dios (1) que desceram o Amazonas, e sob a influencia do gosto nacional ficaram auctores d’um novo estilo. Sa- bemos que nos ultimos seculos da dynastia dos Incas colonias peruanas se estendiam até Tabatinga e além Wahi pelo territorio brazileiro. (1) Neste sentido sou mais ao lado de Barbosa Rodrigues, do que naquelle de &. Andree (cf. À. Andree Ein Idol vom Amazonen- strom. Wien 1890). Julgo a cultura de Marajó como indigena, porém influenciada dos povus andinos. Não entendo como Barbosa Rodrigues pude considerar o animal inferior do idolo como um chelonio. O pescoço comprido e erecto é signal’ evidente que se trata de um mammifero, e creio como XR. And ce que seja um Lama. Este trabalho de Barbosa Rodrigues foi publicado no Rio de Janeiro em 1875. Onde está a pedra ? No Museu Nacional? E Ladislau Netto (\. e. p. 514 e 516) em 1885 repro- duziu a ficura e a interpretação falsa, sem fallar em Barbosa Rodrigues. Como se explica isto ? Parece incrivel. (cf. Barbosa Rodrigues, Idolo amazonico. Rio de Janeiro. Typographia de Brown e Evaristo. 1875). — 153 — A influencia, porém, que teve a cultura peruana sobre os povos visinhos estendeu-se por um espaço muito maior do que a esphera do dominio territorial dos Pe- ruanos. E' sabido isto de ha muito e confirmado pelos achados archeologicos. Hrnst por exemplo demonstrou, que a coca antigamente era cultivada e usada por grande varte da Venezuela, o que eu pude confirmar para a região do Sul, tendo-se exercido a cultura da coca no Paraguay e sem duvida espalhado d'ahi pela Argentina septentrional até o Rio Grande do Sul. Quanto aos machados de cobre peruanos 0 caso é quasi o mesmo. Acharam-se estes em Catamarca, Salto, etc., e Orellana encontrou-os sobre o Amazonas entre um povo talvez identico com os Omaguas (cf. Waitz, 1. c. p. 426.) Até onde chegaram occasional- mente taes artefactos, conhecemos pelo facto por May Uhle communicado, de ter-se encontrado um machado de cobre n'uma ilha situada na Ribeira no Sul de São Paulo (Verhandl. Berliner Anthropolog. Ges., 1888, p. 20), facto sobre cuja authenticidade tenho informações exac- tas. Sendo assim, já não póde causar-nos estranheza que n'um velho sambaqui rio-grandense, situado dez kilo- metros para o interior, se têm achado chapinhas de prata, sem duvida artigos de permuta, importados do Paraguay. . Pelo que sei foi Zschudi o primeiro que apontou as avançadas que fez a cultura peruana em grande dis- tancia para o Sul e Leste, estendendo-se na ultima di- recção até o Paraguay e além d'ahi até as Missões. Exis- tem entretanto alguns factos, pelos quaes se apresenta muito mais larga a esphera da influencia peruana. A criação de animaes domesticos e a cultura do milho, da mandioca, das aboboras, do algodão e de outras plantas, sem duvida não podiam originar-se senão de um povo que em outro respeito tambem occupava um alto gráo de civilisação, como qual podemos considerar na America do Sul sómente os Peruanos. No tempo do descobri. mento da America algumas destas plantas, principal- — 154 — mente o milho, estavam espalhadas tanto pelo Norte como pelo Sul, tanto no golpho de Mexico como sobre o rio da Prata. Como é dificil de presumir que para ' estas plantas, das quaes faz parte tambem o tabaco, tenha havido duas espheras de cultivação, independentes uma da outra, devem-se ter feito de tempo a tempo permutas via America Central. Não cumpre aqui indagar problemas de tanto al- cance. O que entretanto é fóra de duvida, é que têm tido lugar immigrações consideraveis, indicando-se isto tambem pelo facto de terem os povos do rio da Prata tido relações com os do Chile. Referindo-me ás obser- vações expostas no capitulo intitulado «caximbos» só repito, que Moreno achou conchylios proprios do oceano pacifico em povoações prehistoricas da Argentina. Estão de accordo com isto os dados historicos, referindo por exemplo Luiz Ramirez n'uma carta escripta em 1528, que os Querandis domiciliados sobre o Rio da Prata possuiam flexas, arcos e bolás, que fallavam da serra, isto é, dos Andes, e do rei branco, assim como d’um mar situado além da serra, que enchia e vasava (cf. Schultz, 25, p. 94). Nesta mesma carta se faz tambem menção dos Carcarais e Timbus, que plantavam feijões e aboboras, assim como dos Guarenis ou Chandies, que tinham muito ouro e prata assim como instrumentos de metal para a lavoura, e estavam em relações com as tribus da serra. E" assim que o Rio Grande do Sul tanto em respeito archeologico como a respeito da geographia botanica e zoologica offerece um interesse especial como região transitoria. Encadeado de um lado completamente com a cultura primitiva dos outros territorios brazileiros do Sudeste, apresenta do outro lado relações com os territorios do rio da Prata, pelas quaes se indicam influencias duma civilisação superior procedida dos Andes. Vos tempos precolumbicos não havia na America do Sul senão um so centro de civilisação superior, isto é o territorio peruano- boliviano situado nos Andes, o qual directa e indirectamente — 155 — tem infiuido na cultura dos outros poros da America do Sul por um espaço muito maior do que se presume ordi- nariamente. Como uma influencia cultural que se communicasse de tribu a tribu ao longo de todo o littoral brazileiro não é demostravel, mas se púde rejeitar já pela diffe- rença existente entre o Rio Grande do Sul e São Paulo, tudo obriga-nos a presumir, que a cultura peruana an- tiga partindo do seu centro andino se tenha propagado em circulos ondulatorios por toda a America do Sul, à excepção talvez da Patagonia. Como os machados cir. culares perclusos, os quaes faltam em São Paulo, no Rio, etc., se podem seguir pela Argentina até o oceano paci- fico, como encontramos chapinhas de prata em sambaquis prehistoricos do Rio Grande do Sul e um machado de cobre no littoral de São Paulo no antigo dominio dos Carijós, e como em relações historicas se faz menção de ouro e prata que possuiam os indigenas rio-grandenses, e que os Carijós receberam machados dos povoso andinos, esta concordancia da tradição historica com a archeo- logia convence-nos, que já temos conseguido uma base solida para discutir a historia primitiva da parte meri- dional do Brazil. le (Dye (im) (a DA Litteratura principal consultada neste trabalho. Florentino Ameghino — Noticias sobre anteguedades indias de la Banda oriental. — Mercedes 1877: Florentino Ameghino — La anteguedad del hombre en el Plata. — Paris tom. I. 1880, Tom II. 1881. Richard Andree — Ueber Aggriperlen. Max Beschoren — São Pedro do Rio Grande do Sul, . Petermanns Mittheilungen. Ergänzungsheft N. 96. — Gotha 1889 Th. Bischoff — Ueber die Sambaquis in der Provinz Rio Grande do Sul. ( Brasilien ) Zeitschrift für Ethnologie. Bd. 1887, p. 276 — 198. Taf. V. a. J. P. Gay -— Historia da Republica jesuitica do Paraguay. — Rio de Janeiro, 1868. R. Hensel — Die Coroados der brasilian. Provinz Rio Grande do Sul. Zeitschr. f. Ethnologie. Bd. I. 1869 p. 124 — 135. HH. v. Ihering — Die Lagoa dos patos. Deutsche geo- œraph. Blatter. Bremen, Bd. VIII, 1885 p. H. ©. Mering — Die Verbreitung der Ankeraexte in Brasilien. Verhandl. d. Berl. anthropol. Gesell- schaft. Mai 1888 p. 217 — 221. Lhering Zur Urgeschichte von Uruguay. Verhandl. d. Berl. anthropol. Gesellschaft, Nov. 1889 p. 656 — 659. 10: PE 12. 13. 14. E 18. 18 a. 19. 19 a. — 157 — . v. LThering — Ueber die Verbreitung des Coca- Genusses in Südamerika. Das Ausland. Stutt- gart 1890 p. 908 —"910. H ©. Ihering — Zum Vorkommen von Kürbiskernen in Sambaquis. Das Ausland. Stuttgart 1891 p. 149. v. Lhering — Ueber praecolumbisches Tabackrau- cher u. caximbos. Verhandl. d. Berl. anthropol. Gesellschaft. Nov. 1891 p. 81]. Ihering — Die Calchaquis. Das Ausland, Stuttgart 1891 p. 941 — 946 a p. 964 — 968. . Lhering — Versuch einer Geschichte der Ur- einwohner von Rio Grande do Sul. Globus. Braunschweig 1891 p. 172 — 181 und. p. 194 197 Publicado por traducção pelo Jornal do Commercio do Rio de Janeiro. v. Ihering — Bemerkungen zur Urgeschichte von Rio Grande do Sul, zumal über die caximbos. Verhandl. d. Berl. Anthrop. Gesellschaft 1893 p. 189 — 196. S S v. Koseritz — Bosquejos ethnologicos. Porto Alegre 1884. Typogr. de Gundlach « Comp. . Kunert —- Riograndenser Alterthümer. Verhandl. der Berl. Anthrop. Gesells. Jan. 1890 p. 31 37. . Kunert — Caximbos in Südbrasilien. Verhandl. der Berl. Anthrop. Gesellsch. Oct. 1891 p. 695 — 698. A. Kunert — Das Alter der im Gebiete des Rio Cahy u. Forromecco gefundenen Steinwaffen. Verho do «Berl: Anthropol. = “Geselisch. “21: Mirz 1891 N. 339. A. Kunert —Siidbrasilianische Hühlen u. Riickstiinde der friiheren Bewohner. Verhandl. d. Berl. An- throp. Gesellsch Dec. 1892 p; 502 ff. A. Loefgren — Os Sambaquis de Sao Paulo. Bo- letim da Commissão geographica e geologica do Estado de S. Paulo, N. 9, S. Paulo 1893. — 158 — 20. CF P. o Martius — Zur Ethnographie Ame- rikas u. zumal Brasiliens. Leipzig: 1867. 21. CFP. v. Martius — Beitrige zur Ethnographie u. Sprachenkunde Amerikas, zumal Brasiliens. IT. Zur Sprachenkunde. Leipzig 1867. 21 a. João Mendes de Almeida — Algumas notas ge- nealogicas. Livro de familia. S. Paulo 1886. 22. H. Mueller — Sur les débris de cuisine (Sambaquis) du Bresil. Congrès internat. des Americanistes. Compte rendu de la VII. session à Berlin 1888. Berlin 1890 p. 459 — 462. 22 a. Marquis de Nadaillac — L'Amérique prèhistorique. Paris 1883. 23. Ladislau Netto — Investigações sobre a Archaeo- logia Brazileira. Archiv. do Museu Nacional vol. VI. Rio de Janeiro 1885 p. 257 — 554. 23 À. À. A. Philippi—Taback u. Pfeifen in Chile. Ver- handl. der Berl. Gesellsch. f. Anthrop. Ethnol. 16. Dec. 1893 p. 551. 24. C. Rath — Die Begräbnisse der jetzt lebenden brasil. Eingeborenen. Verhandl. d. Berl. An- throp. Gesellsch. 1891 p. 25— 30. 24 a. C. Rath — Noticia ethnologica sobre um povo que já habitou a costa do Brazil antes do di- luvio universal. Revista do Instituto historico do Brazil. vol. 54, 1871. p. 287—293. 24. Sylvio Romero — Ethnographia brazileira. Rio de Janeiro 1888. 25. Woldemar Schultz — Natur- u. Culturstudien über Siidamerika. u. seine Bewohner. Dresden, 1867. 29 À. Theodoro Sampaio — Considerações geographicas e economicas sobre o valle do Rio Paranapa- nema. Boletim da Commissão geographica e geologica do Estado de São Paulo N. 4. São Paulo 1890. 28. 29. 30. 31. — 159 — A Schupp — Die Ureinwohner Brasiliens vom eth- nolog. Standpunkt. Natur u. Offenbarung. Muen- ster, Bd. 38. 1892 I. p. 14—32; II. p. 93—106. eTII. P. Strobel — Materiali di Paletnologica comparata raccolti in Sudamerika. Parma fase. I—II 1868, fasc. III. 1885. O Tischler — Ueber Aggriperlen u. die Herstellung farbiger Gläser im Alterthum. Schriften der Physik. oekonom. Gesellschaft zu Kônigs- berg. Bd. XXVII. 1886. O. Tischler—Ueber altamerikanische Glasperlen. Con- grès internat. des Americanistes. Compte rendu de la VIII. session á Berlin 1888. Berlin 1870 p. 97. Th. Waitz — Anthropologie der Naturvülker. Leip- zig. Bd. III. 1862, Bd. IV. 1864. Wittmack — Die Nutzpflanzen der alten Peruaner. Congrès internat. des Américanistes. Compte rendu de la VII. session á Berlin 1888. Berlin 1890 p. 97. Or Gime va disposição DE UM MUSEU BOTANICO PELO > DR. P. TAUBERT :<- Pareceu-me sempre que a exposição de objectos, tão vantajosa para o reino animal e mineral, não o é de mesmo modo para o reino vegetal, sendo o modo mais proprio de expôr este ao publico o jardim botanico. Sabendo, porém, que na Europa existem Museus botanicos e desejando o Governo do Estado completar a organi- sação do Museu Paulista tambem neste sentido dirigi-me ao Ill. Sr. Dr. P. Tuubert, ajudante do Museu Botanico de Berlim, pedindo informações, que eile teve a bondade de fornecer-me e que no seguinte communico. H. vox IHERING V. S. pergunta, o que é e quer ser um museo bota- nico, e julga que plantas seccas não são objectos de exposição. Nisto tem, geralmente fallando, toda a razão; pois que o melhor modo de apresentar plantas ao publico, é e será sempre o jardim botanico. O meio mais pratico de responder em poucas palavras á sua pergunta será talvez o dar-lhe uma descripção do nosso museu botanico. Este liga-se ao Herbario só pela circum- stancia de achar-se no 2° andar do mesmo edificio e receber fructos e sementes, que pelo seu tamanho não cabem ‘no Herbario. — 162 — Os compartimentos constam de um vestibulo, do qual á direita e ä esquerda dous corredores conduzem cada um para dous quartos contiguos; do segundo destes chegamos de cada lado á uma vasta sala de trabalho com duas janellas e dando para o Norte. Emquanto que aquelles quatro quartos se acham na direcção de Este para Oeste, são elles ligados do lado de Sul e Norte por duas espaçosas salas com tres enormes janellas cada uma” e rodeada em meia altura por uma galeria. Admittem-se á exposição objectos do reino vegetal que ou offerecem interesse meramente scientifico, techno- logico e agronomico, ou que se distinguem por qualquer especialidade na sua estructura, forma, etc.: portanto fructos, sementes, madeiras, raizes, fibras ou outras materias primas, assim como plantas inteiras ou partes das mesmas, seccas ou em alcool; ao pé destas modelos em cera de flôres e fructos, copias de plantas medicinaes e outras importantes. A maior parte dos objectos acha-se em armarios envidraçados e é munida de grandes rotulos, que explicam não somente o nome scientifico como tam- bem a procedencia, utilidade, etc. Os objectos, que só offerecem interesse scientifico, são dispostos, systematicamente, por familias; aquelles, porém, que, offerecem um interesse mais geral, são collocados pela ordem dos territorios geographicos das plantas, sendo expostas as regiões seguintes : 1.º O districto indo-malaio, com muitos productos de plantas industriaes, como fibras cruas e tecidas de Musa, Hibiscus cannabinus, Corchorus capsulatus e olito- rius (jute), sandalo branco (santalum), madeira de Téca (Tectona grandis), Bambus, arroz, fructas de pão (Arto- carpus incisa e intogrifolia), Durião, Mangosta, nozes Betel, pimenta, nozes ae Moscadeira, Batali oenzibre, œergelim e seu oleo, cautchu, etc., etc., e não somente os productos, mas tambem modelos coloridos delles, copias das plantas inteiras, vistas, reproduzindo sua cultura, exploração e fabricação, etc., dados estatisticos — 163 — relativos à exportação da respectiva patria, Importação para a nossa terra e consumo. 2.º O districto subtropical da Asia Oriental e seus productos principaes: Ramié (Boehmeria), Broussonetia, papel feito da mesma, Morus nigra, Kaki, Nephelium, Litchi, Cha, Camphora, Stachys affinis, etc., e no mais como o precedente. 3.º O districto do mar Mediterraneo e dos mattagaes da Asia Occidental com o linho, as especies correspon- dentes de cereaes, legumes e fructas (nozes, marmelos, amendoas, romães), hortaliças, plantas com substancias colorantes, etc. 4.º O districto das mattas da Africa tropical, com palmeira azeiteira, especies de Landolphia e Sanseviera, Dolichos Lablab, Voandzeia, etc, assim como sementes, grinaldas, ete., de tumulos do antigo Egypto. 5.º O districto da Arabia e Africa oriental com café, Durra, figos, Papyrus, Aeschynomera, Elaphraxylon, Ara- chis, etc. 6.º Productos das partes subarcticas, atlanticas e pacificas da America septentrional, e do planalto mexicano, p. ex. Sequoia gigantea, Taxodium, immensos cones de pinheiro, carvalhos, nogueiras e Hickorys, resinas, etc. 7º O districto das Indias occidentaes e da America central, com Carica, Sapota, Haematoxylon, Guayacum, Persea, Batatas Ipom., Baunilha, ete; fibras e tecidos de Agaves e Yuccas. 8.º O Districto tropical da America meridional de cujos numerosos productos temos Ananas, Acaju, nozes do Pará, Phytelephas macrocarpa, Havea, Cacäo, Orlean, Hymenaea, Copaifera, Castilloa, Copernicia cerifera, resi- nas de Burseraceas, Manihot Glazovii, Lecythis, Ipomoea purga. 9.º O districto dos Andes, com numerosos e esplen- didos exemplares das diversas plantas criniferas, Arau- pi carias, especies de Prosopis, magnifica collecção de ma- deiras (cortes verticaes e horizontaes) e arvores platenses. 10. O districto palaeo-oceanico, representado por Araucarias, Damaras, Phormium tenax, etc. Do mesmo modo haverá exposição dos districtos, te ainda faltam, por suas plantas industriaes mais. iracteristicas, copias, etc. Uma pequena sala é destinada as cryptogamas, espe- cialmente aos cogumelos; ahi encontram-se estes seccos, em alcool, com preparados de espóros, assim como os uteis e os venenosos em modelos de cera. Os logares vazios entre os armarios, resp. mostra- dores, são occupados por estantes rotatorios. que mostram ao publico, entre chapas de vidro, cortes de madeira. amostras de terra com diatomeas, etc. (augmentadas por photographias, ou molestias de plantas, quadros de vegetação (p. ex. da Flora brazil. I). Enchem tambem os logares vazios copias em cera de flores de Victoria regia, Rafflesia, etc., troncos de samambaias, Welwitschia, gigantescos cones de coniferas, cachos com fructas de palmeiras. Parte das vidraças mostra elegantes formas de algas maritimas entre chapas de vidro. Espero que esta breve descripção lhe dê uma ligeira ideia da multiplicidade dos objectos expostos. O pequeno espaço, de que ainda dispomos, infelizmente não nos permitte expôr tambem os objectos ainda encaixotados ; occupariam pelo menos tres vezes os compartimentos. que actualmente formam o museu. Um catalogo explica t do minuciosamente aos visitantes, chamando-lhes a a enção para os objectos mais importantes. O Museu esta averto para o publico durante o verão duas vezes por semana, das 3 ás 6 horas da tarde, recebendo cada vez a visita de 80 para 120 pessoas. Por mais pequeno que ainda esteja, só depois de tres ou quatro visitas será possivel aleuem adquirir uma comprehensão mais pro- funda dos objectos expostos. Os crustaceos Phyllopodes do Brazil” Dir yo ns, FACE OR ENYG Conhecemos por numerosos trabalhos os crustaceos maiores do Brazil, aquelles caranguejos que são conhecidos de Malacostraceos, subclasse immensa a que pertencem OS Siris, Carangueijos, lagostas, camarões e tamarutacas ‘Squilla). Ao contrario pouco, bem pouco sabemos da- quelles crustaceos menores que formam a subclasse dos Entomostraceos. Estes ultimos, ao contrario dos Malacostraceos, — que possuem vinte segmentos ou anneis do corpo, todos munidos de pernas ou patas, a excepção do ultimo, do anal — não tem numero fixo de anneis nem de pares de patas. Ha entre elles generos, que vivem como para- sitas, outros que se encontram no mar, e outros que vivem nas lagoas, nos banhados e rios, ou para exprimil-o «le modo mais exacto, na agua doce. KE’ destes ultimos que sómente aqui queremos tratar. Ha entre cs Ento- mostraceos d'agua doce representantes de tres ordens, e que são os Copepodes, Ostracodes e Phyllopodes. Os Copepodes WV agua doce são bichos pequenos, quasi sempre de 3—5 mm. ou menos de cumprimento, de corpo (1) Este pequeno estudo é o principio de uma serie de pu- blicações sobre a fauna do Estado de S. Paulo, que pretendo publicar na Revista do Museu,e que me servirão para a publi- cacao de um livro illustrado sobre o reino animal desse nosso Estado. — 166 — comprido, e regularmente divididos em anneis, sem con- cha ou escudo. O corpo compõe-se de 3 regiões: do ce- phalothorax, thorax ou peito e abdomen. A primeira região é formada da cabeça e do primeiro segmento tho- racal, portando por esta razão além das partes da bocca o primeiro par de patas. Nesta primeira região distin- guem-se dous pares de antennas longas e filiformes, um par de mandibulas, um par de maxillas, um de maxillas auxiliares ou patas-maxillas e um par de patas. A região thoracal consiste de quatro anneis, dos quaes cadaum tem o seu par de patas, que são bifidas, 1. e. com dous ramos terminaes cadauma. O abdomen tem 5 segmentos, destituidas de pernas e terminando por dous ramos setiferos que formam a « furca ». As femeas põem os ovos em dous saccinhos, adhe- rentes ao abdomen Os filhotes nascem em estado bem differente da forma da mai, 1. e. em estado de larva tra- tado de « nauplius », e que é caracterisada por 3 pares de extremidades terminadas por dous ramos. Deste grupo de crustaceos pequenos fiz collecçäo no Rio Grande do Sul (1), e temos de esperar que os Snrs. Poppe em Vegesack e J. Richard em Paris publicarão a lista e descripção das especies colligidas por mim. Não conheço estudo algum até agora referente aos Copepodes do Brazil, e nunca forão estudados e colleccionados no Estado de S. Paulo. Os Ostracodes são bem distinguidos pela concha que está envolvendo o corpo do pequeno animal, que é menos (1) A. Wiercejski, Skorupiaki argentinie. Krakau 1892 e Anzeiger d. Akad. d. Wissensch. in Krakau 1892 No 32., achou entre os entomostraceos argentinos 5 especies de Cyclops, entre ellas duas novas (C. annulatus Wierc. e C. mendocinus Wierc.). sendo as outras identicas com formas europeas, 1. e. C. simplex Pogenp (Leuckarti Sars), C. oithonoides Sars e C. macrurus Sars. O Sr. Poppe me escreveu que tinha recebido do Brazil (St. Ca- tharina) uma outra especie commum na Europa: Cyclops agilis Koch (serrulatus Fisch.). cg 28 evidente segmentado. Existem apenas sete pares de ex- tremidades, sendo dous pares de antennas, um par de mandibulas, dous pares de maxillas e dous pares de patas. Quem acha estes pequenos crustaceos julga elles conchas. Só mettendo elles n'agua e vendo nadando o bichinho mediante de suas pernas, reconhece-se logo a natureza das pretendidas conchas e que ellas nada tem de ver com os Molluscas. Tambem estes crustaceos tenho colleccionado no Rio Grande do Sul (1), não me constando porém que forão examinados pelos sabios, aos quaes tenho mandado. Nada consta neste sentido a respeito de S. Paulo... (Quanto á fazer — como ainda estamos atrazados ! Os Phyllopodes tem o corpo bem dividido em anneis e coberto de um escudo ou de uma concha dupla São um pouco maiores, existindo especies de um cm., ou mais, e havendo um genero (Apus), cujas maiores espe- cies medem 6—7 cm. (Quanto a organisação é a cabeça, que em geral não é coberta pela concha, munida de dous pares de antennas, de um par de mandibulas des- tituidas de palpos, e de dous pares de maxillas. E’ va- riavel o numero de pares de patas (4—10), que são fo- liaceas de dous ramos, dos quaes um, munido de guelras, serve ä respiração. Os machos, quasi sempre menos (1) Zr. Mueller encontrou em Santa Catharina varias espe- cies de Cypris e um genero novo Elpidium, que vive na agua que se conserve entre as folhas das Bromeliaceas e que perten- ce a familia das Cytheridas. veja Archivos do Museu nacional. Rio de Janeiro. Vol. IV, pag. 27—35 e Est. II. (Elpidium brome- harum Fr. Muell.). 3—4 especies de Cypris em Rio Grande do Sul e em S. Paulo. Na Republica Argentina vivem como sa- bemos por Wiercejski 'l. e.) Iliocypris gibba Ramd., Cypria oph- thalmica Iur., Cypridopsis vidua O. F. Muell., Cypris reptans Baird, Cypris limbata Wierc., Eucypris incongruens Ramd. e Eucypris similis Wierc., sendo deste modo das 7 especies encon- tradas 5 identicas com especies europeas. — 168 — numerosos do que as femeas, distinguem-se por outra configuração das antennas e dos primeiros pares de pernas. Temos a distinguir duas subordens bastante diffe- rentes: os Cladoceros e os Branchiopodes. Os Cladoceros as « pulgas d'agua », vivem quasi todos, exceptos os generos Podon e Evadne — na aguado ce. São pequenos, de poucos mm. de comprimento, de corpo transparente e munidos de uma concha delgada de duas valvas. As antennas do segundo par são grandes e fortes, servindo para nadar e sendo por esta razão tra- tadas de antennas natatorias. A femea tem na região dorsal, em baixo da concha, uma cavidade destinada a receber e criar os ovos. Destes ha duas qualidades, ovos de verão, que são transparentes, incluidos em capa fina e que se desenvolvem rapidamente, e ovos de inverno que são maiores, escuros, incluidos em capa dura e além disto defendidos por uma capa especial chamada ephip- pium, e que é formada pela membrana dorsal da femea. Cada ephippium contem um ou alguns ovos de inverno, e que neste estado conservam-se durante o inverno. E-tes ovos de inverno garantem a continuade das gera- ções no tempo quanto morrem todos os individuos adul- tos, seja pelas condições desfavoraveis da temperatura no inverno, seja pela evaporação completa da agua no respectivo banhado ou fosso. Quando porém na primavera ou no verão as condi- ções biologicas são as mais vantajosas, desenvolvem-se numerosas gerações por parthenogenese, 1. e. OS ovos de verão, não precisando de ser fecundadas, desenvol- vem-se sem intervenção do elemento masculino. Os embryões desenvolvem-se nas condições mencio- nadas no interior do ovo. Abundam nas nossas aguas estes crustaceos pequenos, sem, porém, até hoje serem examinadas. A primeira es- pecie de Cladoceros descripto do Brazil é Diaptomus brasiliensis Lubbok. Duas outras especies de Diaptomus do Brazil descreveu S. A. Poppe (Zoolog. Anzeiger 1891 — 169 — No. 368), i. e. D. gibber do Brazil meridional e D. Dei- tersi de Cuyaba. No Rio Grande do Sul achei especies de Simocephalus, Macrothrix, Alona e Sida. No Estado de St. Catharina encontrou Yr. Mueller, conforme me escreveu, especies de Canthocamptus, Chydorus, Alona, Camptocercus, Pasithea, Moina, Ceriodaphnia, Simoce- phalus e uma especie nova de Acanthocercus, a que deu o nome de A. immundus sp. n., e da qual me deu as figuras aqui reproduzidas. es FIG | Acanthocercus immundus Fr. Muell. FIG. 2 Acanthocercus immundus Fr. Muell. O ENCRANDECIMENTO É DE 180 : | NA FIG. |, DE 90 : | NA FIG. 2. — 170 — Ajunto aqui a lista das especies viventes na Repu - blica Argentina, conforme a publicação de 4. Wiercejski, todas encontradas tambem na Europa. Daphnia pulex de Geer. Daphnia galeata var. microcephala Sars Ceriodaphnia pulchella G. O. Sars. Ceriodaphnia asperata Moniez. Simocephalus exspinosus Koch. Moina brachiata Tur. var. n. Bosmina cornuta Iurine. Macrothrix laticornis Iurine. Alona acanthocercoides Fisch. Alona intermedia Sars. Alona costata Sars. Pleuroxus nanus Baird. Sobre a distribuição geographica dos Entomostraceos d'agua doce e especialmente dos Cladaceros veja-se 0 meu trabalho seguinte: A. von Ihering. Die geogra- phische Verbreitung der entomostraken Krebse des Süsswassers. Naturwissenschaftl. Wochenschrift von H. Potonié Bd. VI. 1891 Berlin No. 40 e 41. Os Branchiopodes, a segunda subordem dos Phyllo- podes. representam um grupo dos mais interessantes entre os Crustaceos. Representantes de Branchiopodes jé conhecemos dos tempos mais remotos, existindo nu- merosas especies de Estheria nas camadas da formação devoniana e representantes do Genero Apus na formação triassica. Conforme esta antiguidade do grupo temos nelle de notar grande variação de typos. Assim existem formas cobertas de um escudo dorsal, os Apodidos, outras sem concha (Branchiopodidae) e outras com concha dupla, 1. e. de duas valvas (Limnadiadae). Bastante variavel é tam- bem o numero dos pares de patas, sendo de 10—28 nos Limnadiados e elevado se a 63 no genero Apus. O numero dos anneis do corpo é de 17 em Limnetis e de 69 em Apus. Existem dous pares de antennas, um par de mandibulas, dous pares de maxillas e nos Apo- didos mais um par de patas-maxillas. As patas são chatas e largas, foliaceas, divididas em lobos internos e externos, formando estes ultimos as guelras ou branchias. A região thoracica não é bem distinguida da região ab- dominal, e tão pouco são differentes as patas destas re- giões. Os olhos são as vezes reunidos em um orgão, em outras especies separados, sendo ou sesseis, 1. €. no nivel da cabeça, ou elevados sobre pedunculos. A cauda (telson) é larga, munida de espinhos e de dous appendices. Os filhotes deixam o ovo em forma de larva cha- mada nauplius, que é munida de 3 pares de patas bifi- das, que correspondem ás antennas e mandibulas do crustaceo adulto. Este modo de desenvolvimento, o elevado e varia- vel numero dos segmentos e a antiguidade geologica são os caracteres que motivam o interesse especial que se liga a este grupo, um dos mais inferiores e primitivos entre os crustaceos. Sobre este grupo de crustaceos temos uma esplendida monographia, a de A. S. Packard jun. A monograph of north american Phyllopod Crustacea. U. S. Ceolog. and Geograph. Survey XII. Report. Washington 1883, p. 295—592 PI. 1—39. Distinguem-se as tres familias seguintes : 1.º Familia Limnadiadae. Corpo e cabeça incluidos n'uma concha dupla; parte anterior da cabeça prolongada como « rostrum »; olhos sesseis, 1. e. sem pedunculo, pequenos, contiguos ou reu- nidos. A primeira antenna fina e pequena, a segunda forte, terminanda por dous ramos (flagella) de 9—20 juntos cadaum; 10—27 pares de patas natatorias, compostas de 6 lobos interiores (endites) e 2 lobos exteriores (exites), — 172 — dos quaes um forma a branchiae o outro (flabellum) um appendice destinado no sexo feminino a fixar no seu Jogar os ovos. As duas primeiras patas do macho terminam em pinças. Cadaum dos ultimos segmentos abdominaes tem um par de espinhos. O ultimo segmento ou telson é comprimido, curto e munido de dous appendices com- pressos ou verticaes. Vivem n'agua doce. Pachard distingue nesta familia duas subfamilias, os Limnetinos, com o genero Limnetis, caracterisados pela concha globosa sem zonas de crescimento, e os Estherinos cuja concha é oblonga mais ou menos acha- tada, com zonas distinctas de crescimento, sendo o animal munido de 18—28 pares de patas. Os flagellos da segunda antenna tem 9—10 juntos no genero Eulimnadia, 12—13 no genero Limnadia e 15—20 no genero Estheria. 1. Estheria Ruepell. A concha é dura e opaca ou côr de ambar, munida de vertebras, um tanto subglobosa com numerosas (18—22) linhas de crescimento. A cabeça é grande, larga, sem orgão de adhesão. Flagellos da segunda antenna compridos, estendendo-se além da borda da concha, e compostos de 15 20 juntos. O corpo forte, enchendo a concha. Existem 24-28 pares de patas, das quaes as duas primeiras do maxo são munidos de ganchos, que formam uma mão. (Conhecemos do nosso paiz: Estheria brasiliensis Baird. Brazil. Estheria Dallasi Baird. Brazil. Não encontrei ainda especies deste genero no Brasil, tendo as porém encontradas #renzel na Republica Argen- tina. Não posso neste momento consultar as respectivas publicações de Baird. 2º Zulimnadia Packard. Concha oval, delgada, transparente, sem vertebras e com 4-5 linhas de crescimento só. O numero de pares de patas é de 18. A cabeça está na frente munida de uma papilla, que serve como orgão de adhesão. De genero affine Limnadia differe pela concha menos alta, pelo numero de pares de patas (22 em Limnadia) e pelo numero limitado de linhas de crescimento da concha que é de 18 em Limnadia. Temos deste genero no Brazil as duas especies seguintes : 1.º Eulimnadia antillarum Baird. Concha medindo 6 12 mm. de comprimento, e 4 172 mm. de largura, pouco transparente, com 6: linhas pouco distinctas de crescimento. A linha dorsal, um tanto arcuada, forma angulo com a linha marginal anterior e posterior. A primeira antenna corresponde no seu comprimento ao pedunculo da segunda antenna: esta tem 9 juntos e em cada junto no lado superior um espinho curto e forte e no lado inferior 1 ou 2 sedas cumpridas plumosas. Descripta da Ilha de São Domingo e achado tambem no Rio Grande do Sul por mim, nos banhados de São Lourenço, perto da Lagoa dos Patos. 2º Kulimnadia texana Packard. Concha oval, esbranquiçada, meio transparente, com 5 linhas de crescimento, medindo 7 mm. de com- primento e 4 mm. de largura. Olhos duplos, separados mas contiguos. 20 anneis atraz da cabeça, sendo nelles incluido o telson. Primeira antenna estendida até ao primeiro junto dos flagellos da segunda antenna. Cada flagello tem 9 juntos e em cada junto 4—5 espinhos curtos no lado superior e sedas compridas espinhosas no lado inferior. O Telson tem 16 espinhos ou dentes acima. Os appendices caudaes são compridos, compressos e munidos no lado inferior de cabellos compridos. D PRES Esta especie, encontrada no Texas, Kansas, etc., nos Estados Unidos, foi encontrado no mez de Junho de 1894 pelo Dr. A. Lutz por occasiäo de uma pequena enchente nas aguas que cobriram os campos a Ponte grande, perto da cidade de São Paulo. Sendo esta especie affine da primeira e faltando-me de ambos o necessario mate- rial para a comparação, seria possivel que outros obser- vadores julgam a especie de São Paulo nova e interme- diaria entre as duas referidas. Por minha parte não achei differenças que seriam bastante importantes para motivar a separação. Somente os ovos não me pareciam bem correspondentes a descripção de Packard, mas antes aquella que W. Lilljeborg nos deu dos ovos da Limnadia antillarum. 2.º Familia Apodidae. A concha é grande, formando uma coraça ou um escudo que cobre a cabeça e grande parte do corpo; a concha é na parte anterior mais larga, por atraz mais estreita e munida de uma carina mediana. Os olhos são incluidos na coraça dorsal. As antennas são pequenas, faltando porém muitas vezes o segundo par. Patas numerosas, 63 pares ou menos. O primeiros par de patas termina em 3 4appendices filiformes compridos, repre- sentando os endites. O telson é curto no genero Apus, comprido em forma de pua no genero Lepidurus. (1) São compridos os dous appendices filiformes da cauda. (1) Como o livro de Martin e Rebau. Historia natural Popular. Rio de Janeiro, 1894 (5. ed.), embora que de pouco valor sob o ponto de vista scientifico, está divulgado entre nos, vale a pena dizer aqui, que a figura da Est. 33 fig. 11 não representa, como pretende, o Apus cancriformis, mas uma especie de Lepidurus. À descripgao é toda falsa, tratando dos olhos em vez de ovos e de 2 pares de patas em vez de 3 na larva, etc. — lib — Estes crustaceos, que medem de 1 — 7 cm. vivem nos banhados ou fossos, nadando virado no dorso como tambem os Brachipodidos. A larva tem a forma de nauplius. Não conhecemos representante algum do Brazil. Na Republica Argentina porém encontrou #renzel uma especie de Apus. 3.º Familia Branchipodidae. Corpo comprido, sem concha. Cabeça pequena com um olho simples no meio e dous olhos lateraes pedun- culados. As antennas pequenas, o primeiro par filiforme, o segundo modificado em orgão de apprehensão no sexo masculino. Patas em numero de 11 ou de 19 pares. O abdomen tem 8-—9 anneis sem patas, e termina por dous appendices filiformes. A femea tem no lado infe- rior dos primeiros dous segmentos do abdomen uma bolsa destinada para a criação dos ovos. 1º Branchipus Schaef. O corpo tem 11 pares de patas, o abdomen consiste de 9 segmentos. Os appendices caudaes são munidas de sedas ao lado. Ao lado da segunda antenna que forma como uma pinça, ha nos machos lobos triangulares e compridos (appendices frontaes). Não conheço especies deste genero no Brazil. “renzel declara ter encontrada uma especie na Republica Argen- tina em agua salobre de uma lagoa. 2º Branchinecta Verrill. Genero parecido ao precedente, porém sem appen- dices frontaes. O abdomen tem 9 anneis, a bolsa para os ovos é estreita e comprida. A pinça do macho é simples. — 176 — Branchinecta jheringii Lilljeb Lilljeborg. Diagnosen zweier Phyllopodenarien aus Süd- brasilien. Verhandl. d. Naturh. Vereines zu Bremen Bd. X. 1889 pag. 424. Pouco differente de B. coloradensis Pack., tendo o primeiro segmento da segunda antenna munido de espi- nhos. Na femea a cauda é menos comprida como o resto do corpo. O comprimento é de 11 mm. do macho e de 8 mm. da femea, sem contar os appendices caudaes. Os exemplares forão encontrados perto da cidade do Rio Grande do Sul, na estrada, onde depois de chuvas houve um pouco d'agua. 3º Chirocephalus Prevost Pinga do macho com o junto segundo bem com- prido. Os appendices frontaes do macho säo ramosos e compridos, parecidos aos chifres do cervo. O corpo é mais comprido e estreito do que aquelle de Branchipus. Exi- stem 11 pares de patas. Não conhecemos por hora especie alguma deste genero do Brazil. Na Republica Argentina encontrou Frenzel uma especie descripta por Weltner como Ch. cervicornis (cf. IVeltner Sitzungs-Berichte d. Gesellsch. naturf. Freunde zu Berlin, 1890 N. 3). Singular é o modo de viver destes bichinhos. Não vivem nos rios e nas lagoas, mas sim em agua baixa, em fossos, tanques, na rua mesma, afinal em logares onde depois de chuvas copiosas ha por algum tempo agua, dando assim uma vida curta a colonias destes crustaceos. Assim achei numerosos exemplares de Bran- chinecta jheringi perto da cidade do Rio Grande do Sul na estrada, num logar onde houve: pelas chuvas por. aleumas semanas ou talvez mezes agua, e onde pouco depois passei sem molhar os pés. De mesmo modo deu-se o caso com a Limnadia texana de Ponte Grande, que ali existiu em colonia numerosa em fins de Junho de 1894,e que na primeira metade de Julho já tinha desapparecido completamente. Explica-se o facto pelo modo de viver destes crusta- ceos d'agua doce, constumados a vida temporaria passa- geira destas aguas accidentaes ou periodicas, visto que os ovos delles não só podem persistir em estado secco por annos — não, muito mais ainda, que o ovo não se desenvolve senão depois de um periodo prolongado de secca. E' assim que a natureza garante a existencia de sociedades ou colonias de organismos, adaptados a vida dificil nas aguas periodicas, nos lugares onde as vezes ha agua estagnante por semanas ou mezes, e onde depois por muito tempo o solo fica secco ou banhado só de vez em vez por alguma garrua. Ha para estes organismos como garantia de existen cia das especies a necessidade de corresponder a duas exigencias: 1.º de persistir directamente ou em forma de ovos, ete. no chão seccado durante periodos prolongados de falta d'agua e 2.º de poderem ser transportados a grande distancia ás localidades, que offerecem condições vantajosas de vida. Que de facto são realisadas estas condições já nos o demostra o facto da distribuição vasta destes crustaceos e dos grupos analogos. Na America do Sul até agora não foi encontrado um unico typo singular ou carac- teristico, e mesmo as especies em grande parte são iden- “ticas aos que conhecemos da America do Norte. Eis a Lista completa dos Branchipodes encontrados até agora na America do Sul Estheria brasiliensis Baird. Brazil. Estheria Dallasi Baird. Brazil. Bulinnadia texana Packard. — Brazil (São Paulo) e Texas. Eulimnadia antillarum Baird. — Brazil (Rio Grande do Sul) e Ilhas Antilhas. Apus sp. — Republica Argentina. Branchipus sp. Republica Argentina. Branchinecta jheringi Lilljeb. — Brazil (Rio Grande do Sul). Chirocephalus cervicornis Weltn. — Republica Ar- gentina. A maior parte destas especies não estão bem conhe- cidas, e os que já bem conhecemos são identicas com especies da America do Norte ou bem parecidas, de modo que podem ser consideradas de especies correspondentes um pouco modificadas. A mesma observação refere tambem, e talvez em grão mais notavel ainda, aos outros grupos já mencio- nados dos Entomostraceos. Assim /. Wrenzel que por annos, em Cordova, estudou a fauna de agua doce, ali achou muitos organismos microscopicos, tanto de infusorios como de rotatorios identicos ds especies conhecidas da America do Norte e da Europa. Temos um outro trabalho sobre a fauna, isto é, o reino animal, das lagoas argentinas, do sr. Wierzejski, de Krakau, que declara, que entre 36 especies de crus- tuceos e rotatorios observados, apenas 4 são novas; 0 resto é encontrado tambem na Europa. À mesma experiencia que estamos fazendo na Ame- rica do Sul foi feita na Asia, de maneira que temos de explicar o facto extraordinario de uma distribuição enorme e quasi cosmopolita de muitos organismos da agua doce. E” evidente que para estes bichinhos existem meios especiaes de dispersão que faltam aos animaes maiores, como os peixes, kagodos, conchas, etc., que nestes paizes tão distantes são absolutamente differentes. E' quasi impossivel de imaginar-se um contraste mais forte do que aquelle que existe entre os peixes, kagodos, caranguejos, etc. do Brasil e aquelles dos Estados Unidos da America do Norte, facto que facilmente se explica, visto que ambas — 179 — as Americas quasi sempre estiveram separadas. A reu- nião pela America central só existe desde a formação pliocena e deu logar para uma permuta reciproca dos mammiferos, passaros e outros typos terrestres, mas não produziu uma mistura dos typos aquaticos, por falta de communicacao dos systemas hydrographicos. Como então temos de entender o facto, que de um lado estamos vendo um contraste enorme entre a fauna de agua doce das duas Americas, e de outro lado iden- ticas especies desde Buenos-Ayres e S. Paulo até Chicago, Berlim, Tiflis e Hong Kong? Conhecemos agora as razões. Uma porção destes pequenos organismos púde seccar sem morrer, outra, seccando, morre, nas não se dá o mesmo com os seus ovos. Estes ovos, tão pequenos que sem microscopio não se podem vel-os, são com facilidade carregados pelo vento a grandes distancias, mas o meio regular de transporte são os passaros aquaticos, as mare- cas, garças, biguas, etc., que nos pés levam terra e lodo dos banhados e lagôas a outras bacias d'agua doce, ás vezes bem distantes. Já Darwin fez observações sobre o transporte de lodo adherente ao pé das marecas, lodo que continha grande numero de sementes de plantas. Nos ultimos annos cultivou de Guerne todos os orga- nismos, cujos ovos estavam contidos na terra encontrada nos pés de marecas caçadas, e Migula demonstrou, lavando certos besouros aquaticos, voando d’um banhado a outro, que muitos organismos microscopicos são distribuidos pelos insectos que vivem n'agua. Estes ovos podem seccar completamente sem perder a faculdade de desenvolver-se, logo que passam de novo para a agua, seja isto depois de um mez ou depois de 6 annos. Sabemos agora que este periodo do estado secco é até para muitos de entre elles conveniente ou necessario, de maneira que os ovos, por exemplo, do Apus não se desenvolvem logo que entram na agua, mas só depois — 180 — do intervallo de alguns annos, caso analogo ao que se dá com as sementes do taquaraçú. E' assim que Sars estudou, em Christiania, os pequenos crustaceos da Aus- tralia chamados pulgas d'agua, cultivando o lodo secco: que se tirou de um banhado australiano. Está, pois, provado, que os organismos pequenos da agua doce podem ser transportados de um banhado a outro, a grande distancia, pelos passaros aquaticos. Ora, sabemos que não ha grupo de passaros de dis- tribuição tão vasta como o dos maçaricos, garças, etc. todos finalmente que pescam n'agua. Muitos d'elles se estendem do norte da America até ao Chile e Buenos- Ayres, e são elles sem duvida que em suas emigraçües dão passagem gratuita aos organismos pequenos dos rios, lagdas e banhados. Mas ha cutras especies de uma distribuição mais vasta ainda, que vivem nas regiões arcticas de todo o hemispherio septentrional e que nas suas emigrações de inverno chegam ao Brasil como os outros individuos das tundras sibiricas emigram até à Africa, a India e a Australia. Para citar algumas destas especies cosmopolitas citarei o Charadrius fulvus, Calidris arenaria, Tringa canuta, Totanus stagnalis e outros maçaricos, gallinhas d'agua e mais passaros aquaticos americanos, que se encontram tambem na Europa e Asia, etc. A esta vasta distribuição geographica corresponde a não menos vasta dos organismos pequenos e microscopicos da agua doce, apesar de ainda não estarem taes organismos devida- mente estudados, como é facil reconhecer. Desejo que este pequeno estudo servirá para attrahir a attenção aos crustaceos pequenos e pouco conhecidos dos quaes aqui tratei, e que é facil a colleccionar mediante da rede para borboletas, e que se conserva em vidrinhos com alcool, notando logar e data. Peço as pessoas que neste sentido acham crustaceos respectivos, mandal-os ao Museu do Estado de S. Paulo. DISTORA OPHISTHOTRIAS RR AD O EN ON PR as pt EN OMS "An & PELO DR. ADOLPHO LUTZ. A lista dos Zrematodes observados neste paiz é com- parativamente pequena. Este facto não se deve attribuir à falta de estudos helminthologicos, mas a escassez de molluscos terrestres e de agua doce. Estes servem ge- ralmente de hospedes intermediarios aos trematodes, que acabão a sua evolução em vertebratos aquaticos ou ter- restres. N’estas circumstancias a descripção de uma es- pecie nova não deixa de ter um certo interesse scienti- fico, tanto mais que esta appresenta uma organisação bastante aberrante dos typos geralmente conhecidos. Este parasita, que denominarei: Distoma opisthotrias, foi encontrado por duas vezes em numero assaz grande no intestino de uma especie de gamba ( Didelphis aurita, determinada pela deseripçäo fornecida por Bur- meister). Tratava-se de machos velhos, apanhados nos arrabaldes de São Paulo, um no Braz e outro a pouca distancia na Moóceca. Os distomas habitam a parte infe- rior do intestino delgado que apresenta a mucosa con- cesta e coberta de mucosidades espessas, um pouco san- guinolentas. Encontrei tambem alguns exemplares no intestino grosso, mas estes pareciam achar-se em via de emigração. Exaininando o catalogo de vermes parasitarios for- necidos por O. ». Linstow, assim como o supplemento dado pelo mesmo autor, encontro tres especies de trema- todes parasitas de varias especies do genero Didelphis — 182 — Duas pertencem ao genero Rhopalocephalus, a saber: Rh. coronatus Rudolphi e Rh. horridus Diesing. Nao me foi possivel obter a descripção d' estes vermes, mas segundo Claus o genero é caracterisado pela pre- sença de duas proboscides, guarnecidos de espinhos, na extremidade cephalica. Estes faltão completamente ao nosso distoma que fica assim distinguido das especies de «Rhopalocephalus» ; sendo elle um distoma legitimo tambem não pode ser identificado com o terceiro Tre- matode encontrado nos gambas, o Hemistonum pedatum Diesing. Junto com este Distoma foi encontrado ambas as vezes um nematode que determinei como Ozys ma ten- taculatum Schneider e uma vez uma pequena especie de érichocephalus, provavelmente o Tr. minutus Ru- dolphi. O novo distoma assemelha-se por sua forma äs outras pequenas especies (este genero. Visto de cima tem o contorno ovalar ou lanceolar allongado. O diametro dorsoventral geralmente é menor do que o bilateral, mas em certos estados de contracção pode chegar a ser egual ou mesmo superior. Como termo medio achei as me- didas seguintes: comprimento 4, largura 1,1, espessura 0,9 millimetros ; mas estas medidas varião muito quando ha contracção ou relaxamento parcial da musculatura. Já com augmento fraco reconhece-se distinctamente a ventosa boccal, situada na extremidade cephalica e um pouco inclinada sobre o plano ventral. Communica directamente com o pharynge de forma espherica que dá sahida aos dous ramos do intestino. Estes correm pri- meiro na direcção dorsal e cephalica, depois fazem uma curva e dirigem-se para a extremidade posterior, seguindo as margens lateraes. Terminão-se perto da extremidade: caudal e quasi em contacto um com o outro. Estes tubos intestinaes não tem ramificações segundarios e seguem uma linha quasi direita quando o animal está bem esten- dido; mas, quando se contrahe, ficão tortuosos e até podem -— 183 — formar uma serie de alças. Nos córtes distinguem-se facilmente as cellulas epitheliaes com base larga e ter- minando-se em ponta de forma de uma chamma de vela. A ventosa ventral é bem desenvolvida e pouco in- ferior em tamanho comparada com a ventosa boccal. Ella occupa o campo livre da parte anterior do corpo que se acha entre o pharynge e os tubos intestinaes. No terço posterior o campo limitado pelos dous ramos do intestino é occupado por tres orgãos glandulares de forma espherica, coliocados em fileira. Vistos de lado approximão-se da superficie dorsal, sendo bastante affas- tados do plano ventral. O corpo situado no meio é assaz menor que os dous outros e “na occasião de fortes con- tracções fica comprimido por elles, principalmente na sua parte dorsal. No mesmo tempo os corpos esphericos afastão-se um pouco da linha do meio, os maiores por um, 0 pequeno por outro lado. Entre a glandula do meio e a superficie abdominal observa-se um corpo muito menor em tamanho e munido de tres processos conicos; dous destes são lateraes e correm para fora e na direcção da cabeca; o terceiro, situado na linha media e mais perto da extremidade caudal, dirige-se para a superficie dorsal. O estudo d'estes quatro orgãos mostra que fazem parte do apparelho sexual, sendo os dous maiores, de structura identica, os testiculos e o do meio, differente de tamanho e organisação histologica, o ovario. O quarto corpo contem a substancia secretada pelos corpos vitel- ligenos, com os quaes communica pelos processos la- teraes. Nao se pode deixar de considera-lo como ootypo ou orgão de formação dos ovos. O processo mediano deste corpo parece emboccar na porção inicial do utero. Além d'isso ha uma communicação com o ovario que creio ter percebido na forma de um canal muito fino e tortuoso, e deve. haver outra com o canal de Zaurer. Este ultimo é pouco saliente e só em con- dições muito favoraveis pode ser reconhecido no animal — 184+ — inteiro. Porém estudando-o em series de córtes reco- nheci que corre quasi direitamente na direcção ventro- dorsal e, passando na linha mediana entre o ovario e o testiculo posterior, abre-se logo na superficie dorsal. O espaço limitado pelos ramos intestinaes e o tes- ticulo anterior é quasi todo oceupado pelas alças nume- rosas do tubo uterino, sendo que a porção inicial é si- tuada principalmente na região ventral e a metade terminal na parte dorsal. A porção inicial do utero, que na sua totalidade representa um tubo singelo, mas muito comprido e tortuoso, dirige-se n’uma linha um pouco tortuosa até ra parte do campo medio situada adiante do testiculo anterior. Depois de occupar toda a parte ventral com as suas alças dispostas mais ou menos ho- rizontalmente, attinge a altura da ventosa ventral, onde se dirige para o plano dorsal, para descer da mesma forma em numerosas alças horizontaes. Chegado á parte inferior do campo medic dirige-se em sentido dorso- ventral para a cloaca sexual. Não é raro ver umas poucas alças do utero occupando parte do espaço livre adiante da ventosa ventral. Nos vermes adultos as alças do utero estão completamente distendidos por um enorme numero de ovos com casca espessa, de côr amarella parda, mais clara nos ovos da parte anterior, mais escura nos da porção descendente do utero. Os campos lateraes, isto é, as regiões situadas para fora dos ramos do intestino, são occupados pelos corpos vitelligenos, formados por grande numero de vesiculas dispostos em forma de cacho em redor do terço exterior do intestino e ao longo de um tubo excretorio. Este está frequentemente distendido por massa vitellina, o que permitte seguil-o até 4 sua entrada no ootypo. A massa vitellina é granulada e contém muita gordura, como se reconhece pela côr preta intensa que lhe dá uma solução de acido ósmico. Tem tambem uma grande affinidade por certas materias corantes, o que permitte reconhecel-a tanto na glandula vitelligena e no seu — 185 — ducto exeretorio, como no ootypo e nos seus processos e até nos ovos recemformados, onde a casca menos escura ainda permitte observar a reacção. Nos exemplares mais velhos os corpos vitelligenos são exgotados e a massa vitellina tem quasi desapparecida fora dos ovos. A cloaca sexual é situada no plano ventral e na linha mediana, na altura da margem anterior do primeiro testiculo. Assim fica mais perto do centro que o ootypo, mas ainda longe da ventosa ventral. Contem um cirro muito voluminoso, situado na sua bolsa ou mais ou menos sahido, e a vulva que se acha mais perto da ex- tremidade caudal. A ultima parte do vaso deferente é frequentemente distendida por esperma e apparece então na forma de um canal grosso e tortuoso, situado entre o cirro e a superficie dorsal. Não pude perceber distinc- tamente os tubos excretorios dos testiculos que nunca encontrei distendidos, mais creio que estão situados no plano dorsal. Os ovos são pequenos, ovaes, achatados de um lado e munidos de um operculo. Existem em numero enorme nas alças uterinas, mas são rarissimos nos excre- mentos dos animaes infectados. Isto parece indicar que, como regra geral, o verme emigra com toda a sua provisão de ovos, quando as elandulas germinaes e vitelligenos estão esgottados. (Parece que os testiculos deixam de func- cionar já bastante cedo, depois de ter fornecido a quan- tidade pecessaria de esperma, mas conservam a sua forma, em quanto que os corpos vitelligenos ficão manifestamente atrophiados. Encontrei no recto dos gambás alguns dis- tomas com os corpos vitelligenos esgottados e julgo que estavam em via de emigracao, por faltar qualquer irri- tação da mucosa rectal. Infelizmente esta questão fica em duvida, porque os gambás só puderão ser examinados aleum tempo depois da morte, quando os distomas já es- tavam destacados. A evolução ulterior dos ovos só pa- rece ter lugar depois de terem deixados o intestino do gambá. Conservando alguns distomas na camara humida, — 186 — depois de 5 dias encontrei nos seus corpos quasi dissol- vidos uma certa proporção de ovos com embryões já formados. Supponho que as vhedies e cercarias este distoma devem ser encontradas em molluscos terrestres e talvez em especies de Zimacidae, mas não me foi ainda possivel de esclarecer este ponto. Ainda não fallei do systema vascular excretorio. Consiste n'um porus excretorins curto, situado ven- tralmente na extremidade caudal. Divide-se logo em 2 ramos lateraes que quasi immediatamente se subdividem. Não se pode determinar todas as ramificações, porque quando vasios são imperceptiveis e só raramente encontrei uma ou outra parte do systema vascular bem distendida. O calibro então pode ser consideravel, mas o conteúdo é pouco visivel e só raras vezes contem algumas gotti- nhas ou granulos que ennegrecem-se, tratados pelo acido osmico. O que reconheci geralmente com bastante fa- cilidade são dous vasos longitudinaes, um ventral, outro dorsal, que seguem o lado exterior dos dous tubos in- testinaes e fazem anastomose por meio de uma alça tor- tuosa, situada por fora do bulbo do pharynge. Esta disposição encontra se dos dous lados, mas não se per- cebe anastomose entre elles. Os tubos sempre apparecem tortuosos, evidentemente porque o seu comprimento cor- responde i extensão longitudinal maxima do corpo do distoma. O parenchyma do corpo é bastante solido, lembrando na sua apparencia o tecido connectivo reticular; no animal adulto parece muito reduzido pelo desenvolvi- mento das alças uterinas. A cuticula é transparente e quando contrahida disposta em pregas transversaes. Ap- presenta em grande extensão pequenas espinhas ou es- quamas pontudas, principalmente na parte dorsal cepha. lica e na superficie ventral. Na extremidade cephalica percebi algumas cellulas maiores situados de baixo da cuticula nos campos late- raes. Não pude estudar o systema ganglionar e nervoso ER Pen por ser muito indistincto n'esta especie pequena. À es- tructura das ventosas e do bulbo pharyngeo não offerece particularidades, faltando o diverticulo em forma de papo que se encontra no distoma hepaticum. Devido a sua Inclinação a ventosa boccal é um pouco assymetrica, sendo a metade ventral e posterior mais curta do que a outra. Quando fiz a descripção acima julguei que 0 nosso distoma era distincto de todas as outras especies pela sua organisação aberrante, mas, ha pouco, achei num tra- balho de Looss (Ueber die Distomen unserer Fische und Froesche) o desenho de uma especie analoga. E o dis- toum leptostomum descoberto por Olsson no Meles taxus e observado por Zooss no ouriço (erinaceus europaeus). Esta especie e tão similhante 4 nossa por sua organi- sação e até pelo seu tamanho que se podia quasi julgar identica, não obstante a differença do habitat. Mas sempre acho algumas differenças: O desenho de Zooss não mostra as espinhas da cuticula que elle não podia ter deixado de observar, porque sempre estudava exemplares frescos, nem podia ter omittido nos seus desenhos muito bem executados. Tambem falta a curva do principio dos in- testinos e na sua especie o bulbo pharyngeo não se junta immediatamente a ventosa boccal. Emfim a disposição dos vasos excretorios não deixa de ter as suas differenças que parecem excluir uma indentificação, mas este ponto precisa ainda de estudos ulteriores. Outra especie similhante foi descoberta tambem no ouriço europeo por O. v. Linstow, que lhe deu o nome D. caudatum; distingue-se dos outros dous por um ap- pendice caudal retractil. Si se trata com effeito de tres especies differentes não deixão de ter relações muito estreitas e provavel- mente terão uma evolução analoga. E” de suppor que os distomas novos passão junto com o seu hospede in- termediario para 0 intestino de seus hospedes definitivos, 0 que é facilitado pelo modo de alimentação destes ultimos. — 188 — Os gambás especialmente tem habitos omnivoros; comem fructas, passarinhos, ovos e até, como se sabe, costão tanto da aguardente de canna que se deixão apanhar por este meio. No estomago de uma especie achei uma caeciha grande. Cinco exemplares apanhados perto de Santos tinhão nos seus intestinos grande numero de especie de Achinorhynchus muito parecida e talvez iden- tica ao E. gigas, que n'este estado já observei nos porcos. Este tem como hospede intermediario conhecido a melo- lontha vulgaris que no Brazil deve ser substituida por outras especies de bezourros. Indica este facto que o gambá não despreza insectos e em tempos de fome provavel- mente come qualquer especie de bicho pequeno. Brplicacäo das figuras 1.º Verme adulto. Face abdominal. Augmento 25 v. 2.º Córte sagittal do verme adulto, um tanto contra- hido. Augmento 25 v. 3.º Córte transversal pela parte central de um verme adulto. Augmento 25 v. 4.º Ovo. Augmento 500 v. Abreviações: v. c. - ventosa cephalica, b. ph.- bulbo do pharyuge, v. a. - ventosa abdominal, t. u.-tubo uterino, €. v. - corpo vitelligeno, t. a., t. p. - testiculo anterior e posterior, OV. - ovario, 00. - ootypo, ci - cirro, cl. - cloaca sexual, v. s. -vaso deferente, formando uma vesicula seminal, v. e. - vasos excretorios. Distoma Ophisthotrias ein neuer T[Tarasit der Beutelratte: VON DR. ADOLPH LUTZ, ‘ABGEKURZTE UEBERSETZUNG). Die Zahl der bisher in Brasilien beobachteten Trematoden ist keine grosse, was weniger dem Mangel an einschlagigen Studien, als der Spärlichkeit der als Zwischenwirthe fungirenden Land- und Süsswassermollusken zuzuschreiben ist. Die Beschreibung einer neuen Art scheint daher nicht ohne Interesse, umsomehr als dieselbe eine ziemlich abweichende Organisation besitzt. Ich bezeichne diese Art als Distoma opisthotrias, weil die dre}. Geschlechtsdriisen am Ende des Leibes liegen. Sie wurde bisher nur in Sao Paulo und zwar im Darm zweier alter Männchen von Didelphis aurita gefunden; sie zeigten sich in grosser Zahl im untern Theile des Dünndarmes, dessen Schleimhaut stark geréthet und mit dickem, theilweise blutigem, Schleime bedeckt war. Im Dickdarme fanden sich nur vereinzelte, wahrscheinlich im Auswan- dern begriffene, Exemplare. Ausserdem fand sich noch Oxysoma tentaculatum Schneider, beide Male in grôsserer Anzahl, sowie einmal ein kleiner Z7zchoeephalus, wahrscheinlich 77. minutus Rud. Diese beiden Arten finden sich im Kataloge von v. Linstow angeführt, wahrend eine Art, welche sich mit unserm Distoma decken kônnte, vermisst wird. Distoma opisthotrias hat eine bei kleineren Arten haufige, lang- gestreckt ovale, der cylindrischen sich nähernde Form. Die Dimen- sionen, welche natürlich nach dem Contractionszustande stark wechseln, betragen im Mittel ungefähr 4 mm. fiir die Lange, 1,1 mm für die Breite und 0,9 mm. für die Dicke. Der Kopfsaugnapf ist schon mit blossem Auge sichtbar und erscheint etwas nach der Bauchseite geneigt ; auf ihn folgt umit- telbar ein kugliger Pharynx, aus velchem die beiden Därme ent- springen. Dieselben biegen sich erst dorsalwärts und nach dem Kopfende zu, schlagen sich dann im Bogen um und streichen in der Nahe der Seitenrander nach dem Schwanzende zu, wo sie, sich beinahe berührend, enden. Sie verlaufen nur bei äusserster Streckung gerade, sonst in mehr oder weniger ausgesprochenen Biegungen und selbst Schlingen, wie man leicht auf Durchschnitten sieht. Dabe: erkennt man auch die typisch geflammte Form der Epithelien. — 190 — Der Bauchsaugnapf ist wohl entwickelt und nimmt den im vordern Driltel noch verfiigbaren Theil des Mittelfeldes ein. Im hintern Drittel wird dasselbe durch drei rundliche Driisenkôrper eingenommen, welche sich mehr der Rückenfläche nähern. Der mittlere ist bedeutend kleiner und entspricht dem Ovarium, die beiden andern sind circa gleich gross und zweifellos als Hoden aufzufassen. Bei starken Contractionen riicken sie aus der Mittel- linie seitwaris, während das oft stark deformirte Ovarium nach der anderen Seite auweicht. Zwischen Ovarium und Bauchflâche erkennt man einen andern, weit kleineren Kôrper; derselbe ist von rundlicher Form und mit drei konischen Fortsätzen versehen. Zwei derselbe n legen seitwarts und verlaufen nach vorn und aussen; der dritte, welcher median und mehr zurück liegt, wendet sich der Riickenflâche zu. Ich fasse diesen Kôrper als Ootyp auf, da er Dottermasse enthalt, welche ihm durch die seitlichen Fortsátze zugefiihrt wird. Dieselben ent- sprechen naemlich der Miindung der Dottergänge, währed der mediane Fortsatz mit dem Anfangstheile des Uterus communicirt. Eine Weitere Verbindung mit dem Ovarium glaube ich in der Gestalt eines sehr feinen und gewundenen Kanales erkannt zu haban; aus- serdem muss aber auch eine solche mit dem Laurer’schen Kanale bestehen. Letzterer ist wenig deutlich und am ganzen Thiere kaum zu erkennen; dagegen sah ich ibn in Serienschnitten fast senkrecht nach dem Ruecken zu verlaufen, wo er ausmiindet, nachdem er in der Mittellinie zwischen Ovarium und letztem Hoden durchgetreten ist. Der Rest des Mittelfeldes ist fast vollständig durch die zahlrei- chen Uterusschlingen eingenommen und zwar breitet sich die erste Hälfte der Róhre besonders auf der Bauch-, die letzte auf der Rückenseite aus, woselbst sie zahlreiche, nahezu horizontale Win- dungen bilden. Die Umschlagsstelle ist in der Nahe des Bauch- saugnapfes, über den sich einzelne Schlingen hinaus erstrecken kônnen. Das Endstück des Uterus verläuft vom Riicken her etwas schräg nach vorn und abwarts nach der Geschlechtscloake zu. Bei erwachsenen Wiirmern sind die Uterusschlingen voll- gepfropft mit zahllosen Eiern, deren dicke gelbbraune Schale im aufsteigenden Theile des Uterus bedeutend heller ist, als in der letzten Hälfte. Im mittleren Drittel der Seitenfelder finden sich die Dotterstôcke, dieselben bestehen aus traubenfôrmigen Bläschengruppen, welche — 191 — das äussere Drittel des Darmrohres umfassen und einem Aus- fibrungsgange angelagert sind. Letzterer ist Gfters mit l'ottermasse arsgefüllt und kann dann bis zum Ootyp verfolgt werden. Dieses Secret ist kérnig und sebr fettreich, wie die intensive Schwárzug durch Osmiumsäure beweist. Auch zeigt dasselbe eine grosse Affini- tat für marche Farbstoffe, so dass man es leicht vom Dotterstock durch die Ausführungsgänge und das Ootyp mit seinen Fortsätzen bis in die Fier verfolgen kann, soweit die noch dünne Schale die Farbung gestattet. Bei alteren Exemplaren findet man die Dotter- stôcke erschôpft und die Dottermase ausserhalb der Eier fast ge- schwunden. Die Geschlechtskloake liegt ventral in der Mittellinie auf der Hohe des Vorderrandes des ersten Hodens, also mehr central, wie das Ootyp, aber immer noch weit vom Bauchsaugnapt entfernt. Sie enthält einen voluminôsen Cirrus, entweder ganz in seinem Beutel gelegen oder mehr oder weniger ausgetreten, sowie die, mehr nach rückwärts miindende, Vulva. Der letzte ‘Theil des Vas deferens erscheint oft als ein dickes, gewundenes, mit Sperma erfuelltes, Rohr zwischen dem Cirrus und der Rtickenseite. Die Ausfuehrungsgaenge _ der Hoden fand ich immer leer und konnte sie daher nicht genau erkennen; doch glaube ich, dass sie auf der Rueckenseite verlaufen. Die kleinen gedeckelten Eier sind oval und auf einer Seite abgeplattet. Trotzdem sie im Uterusrohre äusserst zahlreich sind, werden sie nur sellen in den Excrementen der Wirthsthiere gefunden. Wir schliessen daraus, dass der Wurm mit seinem ganzen Eiervor- rath auswandert, sobald die Dotter- und Keimdriisen erschôpft sind. (Die Hoden scheinen ihre Function schon ziemlich friih einzustellen, uachdem sie das nôûthige Quantum Sperma geliefert haben; sie behalten aber ibre Form, wahrend die Dotterstücke deutlich atro- piiren). Solche Exemplare wurden im Rectum gefunden, dessen Schleimhaut nicht gereizt erschien. Diess spricht fiir eine Auswan- derung, doch kann ich die Frage nicht definitiv entscheiden, weil die Beutelratten erst einige Zeit nach dem Tode untersucht wurden, als sich bereits alle Distcmen losgelést hatten. Die Bildung des Embryos sc.ieint erst ausserhalb des Darmes des Wirthsthieres stattzufinden; ich fand sie fünf Tage nach dem Vode der Mutterthiere, in deren feucht aufbewahrten und bereits fast zerfallenen Kürpern. Die Zwischenwirthe diirften Land- mollusken, speciell Nacktschnecken, sein, doch habe ich diesen Punkt noch nicht feststellen kônnen. Be hap ie cet Vom Excretionssystem beobachtete ich einen kurzen Pocus excretorius, e Was ventral von der Schwanzspitze gelegen. Er gabelt sich in zwei Aeste, welche sich fast sogleich wieder theilen. Es lassen sich nicht alle weiteren Verzweigungen erkennen, da dieselben in collabirtem Zustande nicht wahrnehmbar sind und ich das Gefass- system nur selten und streckenweise gefiillt fand. Das Kaliber erscheint dann ziemlich weit, aber der Inhalt ist kaum erkennbar und erthalt nur selten einige, mit Osmiumsâure schwãrzbare, Kô rn- chen und Trépfchen. Am leichtesten liessen sich zwei Längsgefässe, ein dorsales und ein ventrales, erkennen, welche den Darm von aussen begleiten und nach aussen vom Pharynx mit einer gewun- denen Schlinge anastomosiren. Diese Disposition findet sich auf beiden Seiten, ohne dass eine Verbindung zu erkennen ware. Die Gefasse erscheinen immer stark gewunden, offenbar, weil sie der dussersten Streckung des Kôrpers angepasst sind. Das Kórperparenchym ist ziemlich fest gefiigt und erinnert in seinem Aussehen an reticulirtes Bindegewebe ; doch ist es beim erwachsenen Wurme durch die Fintwicklung der Uterusschlingen sehr reducirt. Die Cuticula ist durchsichtig und legt sich bei Con- tractionen iu transversale Falten. Sie ist in grosser Ausdehnung mit Stachelschuppen besetzt, besonders an der Bauchseite uud an der Rückenfläche des Kopfendes. In den Seitenfeldern des Kopfendes scheinen auch unter der Cuticula einige grôssere Zellen zu liegen. Das Nervensvstem, welches bei dieser kleinen Art schwer zu erken- nen ist, wurde nicht studirt. Die Structur der Saugnapfe und des bulbus pharyngeus bietet keine Besonderbeiten; ein kropfartiges Diverticulum, wie es bei D. hepaticum vorkômmt, ist nicht vorhan- den. Der Bauchsaugnapf ist in Folge seiner Neigung etwas unsym- metrisch, indem die bauchwärts und mehr nach hinten gele- gene Halfte kiirzer ist, als die andere. Als ich die vorstehende Beschreibung entwarf, glaubte ich, dass unser Distoma in seinem anatomischen Bau einzig dastehe. Seither fand ich in der Arbeit von Zooss: «Ueber die Distomen unserer Fische und Frésche» eine Abbildung von D. leptostomum, welches von Olsson im Dachse entdeckt und von Looss im Igel wiederge- funden wurde. Diese Art zeigt mit der unsrigen die unverkennbarste Aehnlichkeit und stimmt auch in der Grôsse so gut überein, dass man in Versuchung kommt, sie trotz der verschiedenen Herkunft für identisch zu halten. Ich finde indessen folgende Unterschiede : Erstens fehlt in der Looss’schen Abbildung jede Spur von Bestache- — 193 — lung, welche ihm doch an frischen Exemplaren kaum entgangen sein kônnte und deren Andeutung auf der Zeichnung kaum unter- blieben wäre. Zweitens fehlt bei ihm die, bei meiner Art constante, schlingenfôrmige Umbiegung des Anfangstheiles des Darmkanales und der Bulbus pharyngeus schliesst sich nicht unmittelbar an den Kopfsaugnapf, endlich erscheint die Disposition der Excretionsge- fässe, wenn ich sie bei meinen Exemplaren auch nicht ganz ver- folgen konnte, doch bei beiden Arfen nicht übereinzustimmen. Freilich bedarf dieser Punkt noch einer Nachuntersuchung. Eme ähnliche Art, wie die unsrige ist auch von v. Linstow im Igel gefunden und als D. caudatum bezeichnet worden. Dieselbe unterscheidet sich von den beiden andern Arten hauptsachlich durch eine einziehbare Schwanzspitze. Wenn wir es hier mit drei verschiedenen Arten zu thun haben, so bilden sie jedenfalls eine eng verwandte Gruppe, die wohl eine analoge Lebensgeschichte hat. Es erscheint wahrscheinlich, dass die jungen Distomen mit den Zwischenwirthe zugleich in den Darmkanal des endgiiltigen Wirthes gelangen, entsprechend der Ernahrungsweise der letztern. Die Beutelratten speciell haben vollständig omnivore Gewohnheiten. Sie fressen Friichte, Vôgel, Eier und haben bekannt- lich eine besondere Vorliebe tiir Zuckerrohrbranntwein, die haufig zu ihrem Fange benutzt wird. Im Magen eines derselben fand ich eine grosse Caecilia und im Darme von fiinf Exemplaren von San- tos zahlreiche Echinorrhynchen, welche wohl sicherlich durch Insec- ten übertragen wurden. Sie waren dem Echinorrhynchus gigas dusserst ähnlich und dürften sich bei genauerer Vergleichung als identisch herausstellen; letzterer wird auch hierzulande bei Schwei- nen gefunden. Als Zwischenwirth ist Melolontha vulgaris bekannt, dessen Stelle hier jedoch von andern Lamellicorniern vertreten _ werden muss. Es ist also wahrscheinlich, dass die Beutelratten gelegentlich auch Insecten und überhaupt allerhand kleinere wirbel- lose Thiere verzehren. Erklärung der Figuren. I. 2. 3. Erwachsener Wurm. Vergr. 25. I. Ansicht von der Bauchseite; 2. Sagittalschnitt; 3. Querschnitt durch das Mittel- sttick 4. Ei. Vergr. 500. Durchgehende Bezeichnungen: v. c. - Kopfsaugnapf, b. ph. — bulbus pharyngeus, v. a.— Bauchsaugnapf, T. u. — Uterusrôhre, c v. — Dotterstock, t. a., t. p. — vorderer, hinterer Hoden, ov. — Ovarium, oo. — Ootyp, ci. — cirrhus, cl. — Geschlechtscloake, v. s.— zur Samenblase erweitertes vas deferens, v. e. — Excretions: gefässe. O veneno ophidico. — PELO te UN LE A = C & in mea ET em “a les vor AEE RING. by ae k Ha certas questões, que para nos são de summa importancia e de tal modo, que convem sempre ficar ao par dos estudos. Deu-se o caso. que as experiencias do Ill. mr. João Baptista de Lacerda nutrirão entre nos a esperança de ter sido descoberto o remedio infallivel contra a mordedura de cobra, esperanças que forão accei- tas com o mesmo enthusiasmo como o tratamento da tuberculose por Aoch e tiverão mais ou menos a mesma sorte. O grande premio que o Governo da India offerece a quem descobre a cura, o tratamento certo da morde- dura de cobra, ainda não foi nem pode ser distribuido. Veiu como remedio depois do permanganato de Lacerda o chlorureto de ouro e agora o chlorureto de cal. E' o futuro que nos explicará os resultados. Parece que o permanganato, embora que muito inferior no effeito ao chlorureto de cal, poderá produzir effeito, se for applicado logo depois da mordedura, mas infelizmente quasi sempre passam-se horas entre a mordedura e a applicação do remedio. Conheço do Rio Grande do Sul, Colonia S. Lourenço, um caso fatal no qual meo amigo Dr. O. Mescó ca. 2 horas depois da mordedura pela jara- racca applicou o permanganato sem effeito. Eu uma vez só o tenho applicado a uma vacca mordida e sem resultado. Tratei ao contrario varias pessoas que forão mordidas por jararacas, mas a grande distancia de minha moradia, e que não morreram. — 196 — EK’ nestas condições de valor para nos seguirmos os resultados obtidos nos diversos estudos sobre o trata- mento da mordedura de cobra, e estou neste anno prin- cipiando a communicar por relatorio certos trabalhos. novos e importantes. I. Fayrer. On the nature of snake-poison ; its effects on living creatures, and the present aspect of treatment of the poisoned. Med. Times and gaz. 1884 Febr. 2 (Summario im Central Blatt f. klinische Medizin. V.. Jahre. Leipzig 1884. p. 189.) Fayrer tem grandes experiencias sobre a mordedura de cobras na India. As esperanças que se ligarao ás conhecidas investigações de Lacerda de ter no perman- zanato de potassio um antidoto são rejeitadas por elle como não fundadas. Na India ingleza estão por anno morrendo perto de- 20.000 homens por mordedura de cobra, de maneira que: ali aos medicos não falta a occasiäo ao tratamento. As glandulas que preparão o veneno correspondem à parotis dos mammiferos. O veneno é um liquido viscoso: e transparente, que, seccando, perde 50—75 porcento de agua e torna-se semelhante 4 gomma da Arabia. O exame microscopico não dá resultado algum. A mor- dedura mata tanto os evertebrados como os vertebrados. á excepção das mesmas cobras venenosas, sendo ao con- trario as cobras inoffensivas mortas pela mordedura. O veneno produz effeito rapido quando entra na circulação, e deve: notar-se que o veneno fica resorbido tambem pelas membranas mucosas, de maneira que não é sem perigo tirar o sangue envenenado de uma ferida chu- pando. O veneno produz effeito sobre o systema nervoso central, particularmente sobre a medulla oblongata, produzindo assim paralysias. E’ provavel, que influa tambem a innervação do coração. Fora disto produz inflam- mação local, seguindo ás vezes haemorrhagias e pro- cessos septicos. Mas a acção do veneno é differente nas — 197 — «liversas especies, ás vezes predominando a accão sobre o sangue e em outros casos 0 sobre o systema nervoso. Convem applicar o permanganato na ferida, depois de ella ser aberta por incisão. E' certo que o perman- ganato applicado directamente sobre o veneno o está «lestruindo por oxydação, mas injectado na circulacäo o permanganato ataca antes o sangue e os tecidos do que o veneno. Para avaliar os prejuizos, produzidos na India pelas «cobras venenosas, compare-se o livro de J. Lockivood Kipling. Beast and Man in India. London 1892. Este autor refere, que só na provincia de Bombaim diminuiräo-se os casos fataes em vista da destruição systematica das cobras venenosas mediante de pagamento de premios. Communica (pag. 312) conforme o Relatorio do Governo da India, que forão mortos no anno de 1889 por mordedura de cobra na provincia de Bombaim 1000 pessoas » » » Bengalia 10.680 » nas provincias de N. O. 6445 » Ao contrario o numero das cobras mortas foi no mesmo anno na provincia de Bombay 400.000. « » Bengalia 41.000 nas provincias de N. O. 26.000 -oppondo-se a população hinduana a destruição de cobras por motivos religiosos. C. I. H. Warden. O efeito dos reagentios sobre o veneno da cobra Chem. News. p. 197 e p. 209. 188%. Relação na Deutsche Chem. Zeitung 1887 e Deutsche Medicinal Zeitung 1887. p. 344. As experiencias forao executadas na reparticao da hygiene em Berlim com amostras que o Prof. Koch — 198 — trouxe do Assam. Estas amostras se apresentarão como pedaços pequenos, seccos e transparentes, semelhantes à gomma arabica. O veneno mostrou-se soluvel em agua fria; a solução meia acidula mesmo quando muito diluída ficou espumosa quando saccudida. Ficou dissolvido o veneno na quantidade de 0,01 gram. em 10 cent. cub. de agua destillada. As experiencias forão feitas com comondungos brancos, ficando applicado o veneno sob a pelle por injecção. A quantidade minimal do veneno suficiente para produzir a morte foi 0,000008 gm. até 0,000016 grm. Esta ultima quantidade produziu a morte dentro de 3—4 horas, mas se foi applicada a quantia de 0,012 grm. de veneno a morte já entrou depois de quatro minutos. O calor destrue antes por temperatura menor mas continua, do que por temperatura alta mas applicada por pouco tempo as propriedades toxicas do veneno. Julius Gnezda fallou no Congresso internacional das sciencias medicaes em Washington (5—10 de Set. de 1887) sobre estudos queem Berlim fez sobre o mesmo veneno da India (Summario na Deutsche Medicinal Zeitung: 1887 p. 1040). O veneno é soluvel só em agua, não em alcool ou ether, mas perde a sua acção venenosa sendo cosido. O fluido é albuminoso mas a composição chimica é desconhecida. Applicado ás membranas mucosas tem effeito toxico sem produzir os effeitos de um caustico. Mais apparente é 0 effeito se o veneno entra na circulação do sangue. A pressão do sangue eleva-se, os globulos sanguineos mudam de forma e fica caracteristico o spectro do sangue. A morte não apparece logo mas só depois de meia hora e por asphyxia, de maneira que o governo da India recom- mendou para tal fim a respiração artificial. Dos antidotos recommendados nenhum foi geralmente reconhecido util, e emquanto nem ao menos se sabe se o veneno é um alcaloide, um ptomaino ou outra substancia, esta questão não pode sahir de simples especulação. O» == Hire veneno é secreção das glandulas de saliva e provavel- mente é um albuminato. O permanganato de potassio não mostrou-se como antidoto eficaz. Na respectiva discussão disse o Dr. Z. Lewin que é verdade que não existe um antidoto que pode destruir o veneno que já entrou na circulação, mas que o per- manganato de potassio e outros reagentios causticos podem destruir o veneno sendo logo applicados local- mente na ferida. Alem disso o Dr. Woodburg, que os Snes. Mitchell e Reichert de Philadelphia mostrarão por experimentos, que o veneno consiste de duas substancias, uma das quaes é um peptono. Francis Buckland infeccionou-se sob a unha com uma quantidade minimal. O effeito foi fraqueza e dôr de cabeça, que só passarão depois da applicação de grandes dozes de Alcali volatil e Alcool. Pode pois dizer-se que estes meios servem para com- bater os effeitos do veneno introduzido em pequena quantidade, mas se o veneno entrou em quantidade maior na circulação não ha cura. William Heidenschild. Untersuchungen über die Wir- hung des Giftes der Brillen- und der Klapper-Schlange. Inaug:. Dissertation. Dorpat. 1886. Este trabalho principia com uma introducção lite- rarica rica, dando summarios de muitos trabalhos mas não conhece ainda o de Lacerda. A reacção do veneno é um. pouco alcaloidica no veneno da cascavel e neutra no da Cobra capel. O autor examinou os effeitos do envenenamento sobre o sangue e observou como uma das consequencias a diminuação dos leucocytos até a 30 ou 40 porcento do numero normal. Mas como por outros experimentos é conhecido que depois de injecções nocivas o algarismo dos leucocytos pode diminuir-se até a 10 porc. sem que o animal morre, esta diminuição de leucocytos não pode — 200 — ser a razão principal da morte, e tanto menos como a proporção dos leucocytos logo depois augmenta de novo. O sangue mostra ao principio do envenenamento um augmento de coagulabilidade do sangue e pode imaginar-se que nos casos de morte repentina depois da injeccao de grande porção de veneno, seria isto a razão da morte, por coagulações intravasculares. Depois desta primeira phase segue a outra de diminuição da coagu- labilidade do sangue, que nos extremos casos de modo algum é coagulavel, ficando depois da morte o sangue liquido, facto muitas vezes observado. O veneno não produz effeito sobre as culturas bac- teriologicas. O veneno não mata infusorios e outros organismos unicellulares, e mata só depois de muito tempo Hydra, Planarias e Rotiferos, tambem carangúeijos. A immunidade do Erinaceus contra a mordedura das cobras é só relativa, visto que um Erinaceus ao qual uma Vipera berus deu tres mordeduras morreu -no ter- ceiro dia. A. Calmette, directeur de TInst. bactcriologique de Saigon. LH tude experimentale du venin de Naja tripudians ou Cobra capel. Annales de Vinstitut Pasteur. VI. année. Paris 1892. p. 160—183. O instituto bacteriologico de Saigon recebeu em 1891 quatorze cobras capeis, capturadas n'uma aldea invadida por estes reptis venenosos por occasião de uma enchente, tendo elles nesta occasião mordido 40 pessoas, 4 dos quaes logo morrerão. Estes reptis derão ao Dr. Calmette occasiäo para fazer os estudos alí publicados. Elle refere-se quanto ao veneno ophidico, és investi- cações dos Snrs. Weir Mitchell e Reichard da America, de Wal e Armstrong em Inglaterra e de A. Gautier e na França Bull. de "Acad. de med. Janv. 1886). Gautier tirou do veneno dous alcaloidos, najina e élaphina, com a reacção dos ptomainos, mas que não são a parte mais nociva do veneno, sendo este azotado mas não alca- loidico. Os trabalhos de Gnezda e de Warden não conhece O he Calmette. A. Gautier affirma que a saliva das cobras venenosas differe da nossa antes pela intensidade do veneno do que pela natureza, visto que o secreto da elandula parotis tambem do komem contem substan- cias toxicas (cf. Journal d'anat. et de physiolog. Sept. Oct. 1881.) Ao contrario existem muitos trabalhos sobre o veneno da vipera (Pelias berus), particularmente pelo Dr. land Grandmarais, que no seu artigo «serpents veni- méux» dans le Dictionaire encyclopédique 3. ser. Tom. 9, publicou a bibliographia completa. Cada glandula de veneno deu ca. 30 gottas de veneno, sendo a quantidade total do veneno de uma grande cobra ca. de 3 grm. O veneno ficou dissolvido em agua na proporção de 1:50 e desta solução de 2 porc. basta tres cottas a injectar a um pombo para matal-o dentro de 10 minutos. O coelho francez supporta ds vezes até 1/8 de centm. cub. (— 3 gottas ? v. Ih.) mas por injecção na veia duas gottas 0 matam com certeza A mordedura da cobra não mata infalivelmente. Conforme a estatistica de #ayrer e de Desaint a mor- talidade media das pessoas mordidas é de 25 à 30 por- centos. O veneno matou todos os animaes a que se fez as injeccoes menos a cobra capel mesma e uma outra cobra não venenosa. E difficil indicar a quantidade necessaria para produzir a morte para os diversos ani- maes de experimento, pois uma unica gotta de uma solução de oito glandulas venenosas em 300 grammas d'agua destillada e introduzida n'uma veia de um coelho matou este dentro de 5 minutos. As rãs só sentem depois de muito tempo o effeito do veneno. Foi feito a uma injec- cão que em 10 minutos mata o um coelho francez, a uma rã que ainda vivia por 30 horas. Um macaco ao qual se fez uma injecção subcutanea do veneno mostra os seguintes symptomas. O primeiro signal da acção do veneno é uma fraqueza geral; custa ao animal andar e manter se nas pernas. Procura um lugar onde vai parar; as palpebras restam meio Ds Omo 2 fechadas. Seguem-se os vomitos e anxiedade de respiração. Deita-se no lado, o rostro virado no chão, ficando cada vez maior a asphyxia. A urina e os excrementos são lan- cados, no macho tambem apparecem ejaculações de sperma. O coração continua a bater ainda cinco minutos depois de sistida a respiração e então para em diastole. Todos estes symptomas se explicam pela acção do veneno sobre a medulla oblongata. Nos globulos san- guineos Calmette não observou os corpinhos ovoidos brilhantes que Lacerda descreveu. Comparando a sangue das pombas antes e durante 0 envenenamento não pude observar a minima mudança nos globulos de sangue. Misturado com o sangue o veneno não muda a forma dos globulos, ou só depois da morte. O veneno é muito diffusivel, ficando resorvido em poucos minutos. Calmette fez alguns experimentos com ratos, que forão inoculados no ultimo quarto de rabo, sendo depois cortado o rabo na sua raiz. Applicado uma gotta do veneno em glycerina e sendo o rabo cortado, despois de 5 minutos já foi absorvido tanto veneno que o rato morreu ao fim de uma hora, morrendo outro rato envenenado do mesmo modo e ao qual se deixou o rabo depois de 40 minutos. Outro rato que recebeu uma injecção de uma gotta de veneno puro e ao qual cor: tou-se o rabo um minuto mais tarde, mesmo assim morreu envenenado depois de 4 horas e 20 minutos. E” pois evidente que a resorpção do veneno é tão rapida que já depois de poucos minutos grande parte do veneno entrou na circulação e que a cauterisação da ferida então não pode dar mais resultado favoravel. O envenenamento mais perigoso é o que está intro- duzindo o veneno na veia. Applicando-se por injecção subcutanea uma gotta de veneno em glycerina a um coelho francez esta dose não sempre mata, e applicando-se duas gottas estas produzem a morte dentro de 8 horas. Mas se a injecção de uma gotta só é feita numa veia da orelha, o coelho morre em menos de 5 minutos. A — 203 — membrana mucosa da trachea resorve facilmente o veneno, mas aquella dos intestinos e do estomago não o absor- vem, de maneira que o veneno ingerido no estomago não traz perigos. Lacerda e Fayrer dizem, que o sangue de um animal matado por envenenamento de cobra é venenoso. Cul- mette não pode confirmar esta observação, como a trans- fusão do sangue envenenado nunca deu resultado fatal para o animal ao qual foi inoculado e Viaud Grand Marais obtive o mesmo resultado nos experimentos feitos com viperas. O veneno da cobra pode ser exposto durante uma hora ä temperatura de 90º C. sem perder as suas proprie- dades nocivas, que são destruidas só pela temperatura de 97° ©. e mais. O veneno tem reacção neutra, dissolve- se facilmente em agua, mas fica precipitada por alcool forte alcali volatil, ete., mas este precipidado se resolve de novo em agua. Todos os experimentos tendo por fim fazer immu- nos contra o veneno certos animaes não derão resultado. Quanto aos antidotos vamos reproduzir as palavras do autor: Todos os reagentios até hoje recommendados não produzem cura. O permanganato de potassio está des- truindo a actividade do veneno que resta na ferida, mas não é capaz de impedir os effeitos do veneno que ja foi resorvido. O veneno já resorvido pode ser neutralisado somente por injecções de chlorureto de ouro. Até à appli- cação deste remedio convem impedir o mais possivel a absorpção do veneno introduzido na ferida em in- terrompendo a circulação entre a ferida e o coração mediante de uma ligatura elastica, que pode ser tirada logo depois da applicação do chlorureto de ouro. Este reagentio é applicado na solução esterilisada de 1 por- cento e podem-se applicar successivamente 8 ou 10 injec- coes de 1 centim. cub., cada uma ao redor da ferida. Outras infecções podem-se fazer em outras partes do corpo. CENA A solução de chlorureto de ouro ha de ser conservada em vidro de côr amarella ou preta. Até agora o effeito do chlorureto de ouro foi experimentado só nos animaes e não no homem. Afinal deve-se ter em vista o facto, que o veneno das differentes cobras não produz sempre o mesmo effeito. Assim o veneno da naja só pouco está modificando a coagulabilidade do sangue, em quanto que o veneno da Daboia da India impede a coagulabilidade do sangue depois da morte. C. Phisalio et G. Bertrand. Sur la présence de glan- des venimeuses chez les couleuvres et la toxité du sang de ces animaux. Comptes Rendues Acad. Sc. Paris. Tome 108. 1894 p. 76—79. Os autores experimentarão com as cobras não vene- nosas do genero Tropidonotus, e em especial Tr. natrix L. Depois de ter reconhecido que o sangue destas cobras contem veneno, foi estudado qual o orgão que o prepare. Foi provado que dos diversos orgãos são só as glandulas salivares, que cóntem o veneno. O extracto das glaudulas preparado com agua contendo glycerina é tão nocivo, que bastam dous centimetros cubicos injectados na cavi- dade abdominal de um porquinho da India para matal-o. O effeito do veneno é parecido ao da Echidnina. Este mesmo veneno das glandulas salivares do queixo superior é encontrado tambem no sangue, e assim accontece, que 1,5 centim. cub. do sangue applicado por in- jeccao na cavidade abdominal do porquinho da India mata a este sob os mesmos symptomas que a mordedura da vibora produz. E' esta tambem a razão da immunidade destas cobras contra a mordedura das viboras, facto que ja foi demonstrado em 1787 por Fontana, observando este, que as cobras do genero Torpidonotus podem ser mor- didas por viboras sem consequencias fataes. E' conhecido que tambem as viboras não podem ser matadas por mordeduras de outras viboras, sendo a razão a presença do veneno echidnina no sangue dellas. A, — 205 — Os mesmos autores publicarä : no mesmo Periodico Compt. r. Paris T. 118 p. 288—291 e p. 356—358 mais os resultados de dous estudos sobre a acção do calor sobre o veneno da vibora e sobre a vaccinação do por- quinho da India. Foi demostrado, que a influencia do calor modifica o veneno da vibora, diminuindo a força toxica de maneira, que os mammiferos vaccinados com este veneno alterado, são mais ou menos immunes contra o effeito fatal da mordedura de cobra. Existem no veneno da vibora dous venenos, dos quaes a Echidnase produz inflammação, sendo o effeito do segundo, i. e. do Echid- notoxina irritar 0 systema nervoso e alterar a activi- dade do coração. A lympha venenosa modificada pelo calor cria no sangue dos animaes vaccinados uma substancia antito- xica. E° a idea dos autores, que neste modo será possivel obter tambem successos therapeuticos. Temos de mencionar aqui tambem o trabalho de Jourdain (Ibid. T. 118 p. 207) demonstrando que tambem outras cobras não venenosas podem ser mordidas pela vibora sem prejuizo, sendo provavel que esta propriedade seja commum a todas as cobras. A especie opisthoglypha Coelopeltis lacertina, passando por innociva tem a glan- dula do veneno, cujo secreto mata os mammiferos e passaros pequenos. Ao homem não pode ser perigosa em vista da situação bem removida por atraz dos dentes do veneno. Parece que 0 Dr. Calmette agora prefere ao chlorureto de ouro o chlorureto de cal que já ha muitos annos foi recommendado pelo instituto physiologico de Bonn, acon- selhando o seguinte modo de applicação. O chlorureto deve ser guardado em garrafa bem rolhada: visto que não deve ter absorvido humidade alguma. Antes de applical-o dissolve-se uma parte de chlorureto em onze de agua a ferver, e com a dissolução dão-se injeccdes hypodermicas em torno da picada e no abdo- men, de modo que o remedio entre na circulação o mais — 206 — depressa possivel. Affirma que vinte ou trinta centimetros cubicos da dissolução, ministrados em doses de 5 centim. cub. bastam para salvar a vida d'um homem. Além disto continuam os estudos a respeito da inoculação preventiva para fazer as pessoas immunes dos efeitos do veneno das cobras venenosas. ee . de — —_— Os Unionidos da Florida PELO es teia BEBE RES Gs O methodo scientifico e especialmente na zoologia é o comparativo. E' facil formar-se a regra de restrin- elr-se nas suas investigações ao Brazil ou talvez à America do Sul, mas a sciencia não conhece e não respeita estes limites artificiaes, de maneira que não é possivel de determinar de antemão até que ponto a comparação se estenderá. Assim p. expl. as conchas flu- viaes da familia dos Unionidos são extremamente diffe- rentes em diversas regiões da America, mas não conhe- cemos ainda os limites especialmente em quanto ao America central. Isto nos explica como o estudo das conchas de nossos rios e lagoas não se limita ao Brazil, nem a America do Sul, mas como é precisa de conhecer tambem as outras regiões zoogeographicas, A America do Norte é a parte do globo mais rica em Unionidos, mas falta muito ainda até que a riqueza extraordinaria que existe, particularmente nas numerosas especies do genero Unio, seja bem entendida. Muitas vezes forão conchas de uma especies duas, tres ou mais vezes, descriptas sob differentes nomes. Zea especialmente, a grande autoridade neste ramo de estudos, appreseutou- nos 0 caso raro, que os seus trabalhos tornarão-se mais fracc de anno em anno, de maneira que nos ultimos - decennios elle descreven muitas vezes especies de novo, que elle já antes tinha publicado. Assim se deu p. expl.. que elle até aos diferentes individuos d’uma especie, tirados todos do mesmo arroio, figurou e descreveu sob outro nome. Aqui alguns exemplos: RIO ee Unio aquilus Lea U naviculoides Lea U. maconensis Lea U. hgatus Lea U. infuscus Lea U. fuscatus Lea U. occultus Lea Em quanto a literatura a que me refiro noto além das obras conhecidas de Lea, Reeve e outros: Berlin Hart Wright. Descriptions of new species of Uniones from Florida. Proc. of the Acad. of Nat, Sciences of Philadelphia. 1888 p. 113—120 Pl. I— VI. Charles T. Simpson. Notes on the Unionidas of Florida and the Southeastern States. Smithsonian Ins- titution Proced. of the U. S. National Museum Vol XV p. 405—436 Pl. 49—74 Washington 1892. R. Ellsworth Call. A Study of the Unionidas of Arkansas. Transact. of the Acad. of Science of St. Louis Vol. VIII, 1895 p. 1—64 Pl. I—XXI. Foi só agora, nestes ultimos annos, que os Zoologistas dos Estados Unidos começarão a estudar com mais cri- tica este assumpto, tirando em consideração a variação individual e sexual, e combinando em grupos naturaes as especies aliadas. Sobresahe entre as regiões melhor estudadas agora o E. de Florida, devido aos importantes trabalhos de Berlin H. Wright e de Ch. T. Simpson. E ao primeiro destes dous distinctos conchologistas que estou devendo boa representação dos Unionidos da Flo- rida, e as completas series me derão a possibilidade de seguir o modod e transformação de um especie a outra, se- paradas até agora sem razão. Dou em seguido o resul. tado dos meus estudos e folgo que em geral concordo bem com autores tão competentes como Swnpson e Wright, e espero que tambem elles de seu lado acharão onu er estas observações de utilidade. E” natural que num estudo tão dificil como aquelle dos Unionidos sempre existam certas devergencias das opiniões, mas immensa seria já a vantagem se por todos os Estados da America do Norte chegamos a uma clareza relativamente tão bem concordante como para o E. de Florida actualmente o parece. Na lista que segue refiro-me especialmente ao tra- balho de Simpson, mas acceitei algumas epecies não mencionadas por elle mas incluidas n'uma lista não publicada que o Snr. Berlin H. Wright me communicou. Estas especies indicadas por Wright para a Florida são Unio dariensis Lea, granulatus Lea (parvus), hepaticus Lea, luridus Lea, micans Lea, obuscus Lea. Unionidos da Florida ! Unio anodontoides Lea floridensis Lea U. modioliformis Lea Prevostianus Lea nigrinus Lea rutilans Lea Averillii B. H. Wright. exiguus Lea subellipsis Lea U. tenerus Rav. nashvillensis Lea U. lienosus Conr concestator Lea fallax Lea (Ga. Tenn.) (1) Não incluo nesta lista uma especie mencionada na Chek List de B. H. Wright: U. Hartwrighti Newc., por nao ser publicada. (? U. U. U. U: OL U. U. DE — 210 — U. parvus Lea) granulatus Lea (Alab.) apicinus Lea (Ga.) pusillus Lea buxeus Lea Anthonyi Lea et var. angulata B. H. Wright. minor Lea paulus Lea (Ga.) . amygdalum Lea vesicularis Lea Singleyanus Marsh lepidus Gould papyraceus Gould corvinus Lea (Ga., S. C.) trossulus Lea coruscus Gould Var. Fryanus Wright diasensis Wright tortivus Lea tetricus Lea fuscatus Lea ocultus Lea var. insulsus Lea purpurellus Lea denigratus Lea. hepaticus Lea Cunninghami Wright — 211 — UV. angustatus Lea aheneus Lea prasinatus Conr. Oscari B. H. Wright. U. Waltoni Wright U. Buckleyi Lea Buddianus Lea Orcuttii S. H. Wright Dorei B. H. Wright Simpsoni B. H. Wright Dallii B. H. Wright Hinkleyi B. H. Wright Ferrisii Marsh ocmulgensis Lea Liebmanni Phil. (1), mexicanus Phil. Var. lacustris : U. Jayanus Lea U. Marshii B. H. Wright U. Tryoni B. H. Wright U. dariensis Lea (cf. Nautilus IV. 1891 p. hopetonensis Lea U. obesus Lea Blandingianus Lea — hebes Lea paludiculus Gould rivicolus Conr. tetraformis B. H. Wright U. Jemettii Lea U. obfuscus Lea (1) Tenho exemplares typicos na minha collecção. 125 See te Pire . obnubilus Lea ? opacus Lea ? fumatus Lea ? aequatus Lea ? Nolani B. H. Wright . luridus Lea lugubris Lea subluridus Simps. micans Lea . subgibbosus Lea subangulatus Lea . Forbesianus Lea vestitus Lea Moussonianus Lea U. monroensis Lea U. squalidus Lea . dorsatus Lea . Downie: Lea Websteri B. H. Wright U. infucatus Conr. Kleinianns Lea succissus Lea cacao Lea ERA o U. cicur Lea ( cf. Nautilus IV. 1891 p. 125) Anodonta Couperiana Lea Dunlupiana Lea SE GE >= Antes de tratar dos caracteres desta singular fauna vou communicar uma tabella dando a distribuição geo- graphica de todas estas especies. VIDE A TABELLA NA PAGINA SEGUINTE AS ESPECIES Georg, Outros Estados Carol. EE a ie JUL eat, aI, Domes * Unio anodontoides Lea U Ur Anodonta Couperiana . modioliformis Lea . tenerus Rav. . lienosus Conr. . parvus Lea . pusillus Lea. . Anthonyi Lea . minor Lea . amygdalum Lea . trossulus Lea . coruscus Gould . tortivus Lea . purpurellus Lea . hepaticus Lea . Cunninghami Wright . angustatus Lea . Waltoni Wright . Buckleyi Lea J- obesus Lea . Jewettil Lea . obfuscus Lea . obnubilus . lugubris Lea . subluridus Simps. . subgibbosus Lea. . subangulatus Lea . Forbesianus Lea. . monroensis Lea . squalidus Lea . dorsatus Lea . Downiei Lea . Websteri Wright . infucatus Conr. . succissus Lea . luridus Lea Lea micans Lea. dariensis Lea cicur Lea Lea ps Pe e Saat E pa | ? |O. Miss.,Alab., Tex. 1| Miss., Alab. Tenn., Alab. Alab., O.) [|| Mexico Va., Texas., La. mm — — La., Missou., Ark. | CAP EE CEM RR ES Roi Notei nesta tabella com um asterisco as especies representadas na minha collecção. São, como se está vendo, não numerosas as especies limitadas á Florida, a maior parte é encontrada tamoem na Georgia e Carolina. Typos bem caracteristicos da Flo- rida não existem e entre os que tambem na Georgia, etc. vivem é notavel sómente Unio infucatus Conr., uma das especies mais singulares da America do Norte. Concordo bem com Simpson, que diz que não pode ser comparada com as outras especies da America do Norte mas antes com U. corrugatus da India. Os Unio esculptados dos Estados Unidos são de typo nodulifero ou undulifero, mas este typo antes pode ser tratado de angulifero. E’ certo que estes typos são ligados entre si, de maneira que do typo angulifero formarão-se os outros e podemos crêr; que no tempo terciario e talvez antes especies de typo angulifero não faltarão nos Estados Unidos, mas hoje U. infucatus é o unico representante na America do Norte como um fossil vivente. E’ pois minha idea que U. infucatus não é typo caracteristico da Florida, mas que elle persistia ali, sendo extinguido nas outras regiões antigamente por elle habitadas. Esta idea deve tambem ser a de Simpson que diz que U. infucatus ás vezes apparece em variedades quasi lisas e que de maneira assemelhão-se ao U. chic- kasawhensis, que esta especie pode ser considerada como o representante de U. infucatus nas aguas do Missisippl. Não temos, pois, typos bem caracteristicos da região à leste dos Alleghanies, mas esta fauna é nada mais do que uma parte empobrezida da fauna do valle de Mis- sisippi. Esta fauna é mais rica ainda na Georgia, onde por exemplo os grupos do Unio ventricosus, U. clavus, etc. ainda tem representantes, que na Florida não existem. De certo existiu na epoca terciaria boa communicação entre os systemas hydrographicos de ambos os lados dos Alleghanies. Depois de interrompida esta communi- — 216 — cação formarão se novas especies de ambos os lados e grande parte da fauna antiga commum extinguiu-se. Mas esta antiga communicação das aguas agora separadas foi mais intensa e conservou se por mais tempo na Georgia e nas Carolinas do que na Florida, pois ha na Georgia especies de Margaritana e typos de Unio não representados na Florida. Assim temos na Georgia representantes dos grupos de U. ventricosus Barn. U. ventricosus Barn. (dolabraeformis Lea) U. ovatus Say (excavatus Lea) U. multiradiatus Lea (lineatus Lea femea) (doliaris Lea macho) U clavus Lam. U. consanguineus Lea U. chattanoogaensis Lea U. anaticulus Lee U. circulus Lea U. keinerianus Lea U. Murrayensis Lea U. irrasus Lea U. lacrymosus Lea U. Blandianus Lea U. Rumphianus Lea U. plicatus Lea U. atrocostatus Lea Nenhum destes grupos vive na Florida, tão pouco como uma especie de Margaritana. Assim estamos vendo que a serra dos Alleghanies não forma um limite z00- logico, e se mesmo assim com Simpson quer-se acceitar SN Ses. a região atlantica como uma provincia zoologica, tem de notar-se que ella apenas é empobrecida e antes por caracteres negativos do que por caracteres positivos distinguida. Desta subregião atlantica a fauna da Florida é uma parte integrante cada vez mais empobrecida. Não é crescido por ora o numero de especies de Unios da Florida, que tem uma distribuição vasta. São as se- guintes. U. anodontoides Lea: Ga. Alab., O., Miss., Tex. U. modioliformis Lea: Ga. C., Alab., Miss. U. parvus Lea: Ga., Alab., O. U. Buckleyi Lea: Ga., Mexico U. obesus Lea: Gas C2" Vas, bas lex. U. subgibbosus Lea: Ga., La. Ark. I pouco provavel que não haja outras especies na mesma condição, e que p. expl. U. amygdalum Lea, U. angustatus Lea ou certas variedades dellas não sejam tambem especies de uma extensa distribuição geogra- phica, mas isto por hora não se sabe, porque não é completamente estudada a respectiva synonymia. Da mesma maneira não duvido que de modo que os Unioni- dos da Georgia formarão o objecto de estudos mais serios e criticos, a comparação demonstrará ali representadas cortas especies que por ora só conhecemos da Florida e que são: U. Anthonyi Lea, coruscus Gould, Cunninghami Wright, Waltovi Wright, subluridus Simps., monroensis Lea (Forbesianus Lea?), Websteri Wright, succissus Lea. No principio da formação terciaria a Florida ainda foi submergida sob 0 nivel do oceano Atlantico. Foi, pois, na segunda metade do terciario 1. é, no neogeneo, que as aguas doces da Florida se formarão e receberão a sua fauna d'agua doce das regiões limitrophes. De certo naquelle tempo e até na formação pleistocena as aguas hoje separadas da Florida, Alabama, Tennessee, Georgia, etc., estiverão em communicação, e se na Florida — 218 — encontramos a fauna muito mais pobre de Unionid isto em parte será devida a uma separação do systema hydrographico mais antiga. Assim certas especies pu- derão extinguir-se, sem que outras novas pudessem entrar. Outra razão desta uniformidade será o caracter hydrographico. Toda a Florida é terra baixa sem serras altas, arroios, rios magestosos e encachoeirados, de ma- neira, que grande parte das especies de Unio ali vive em lagoas. Tudo isto é differente na Georgia e nas Carolinas. Sem duvida hoje a serra dos Alleghanies é uma divisa completa das aguas e embora que o systema das Alle- e@hanies seja velho não podemos duvidar, que ainda no tempo terciario tinha de subir modificações, elevações ou depressões locaes ou geraes, de maneira que aguas que antigamente correrão ao Missisippi depois poderão tomar o rumo ao Atlantico, como em outras serras consta por muitissimos exemplos. E’ assim e só assim, que podemos entender porque a serra dos Alleghanies não forma uma divisa zoogeographica muito mais importante. Nos rocky mountanis não existe ao contrario uma unica especie identica de ambos os lados daquella serra, se não queremos fallar de uma especie circumpolar hola- rctica, Margaritana margaritifera. Sao bem singulares os Anodontas da California e do Oregon, sendo An. Wa- hlamattensis e as especies parecidas identicas com An. rostrata Kock. da Europa e que não tem representação nos Estados Unidos a leste dos rocky mountains. O cenero Unio quasi não está representado ali e uma das respectivas especies (U. famelicus Gould) não é caracteris- tica. Ao contrario a outra, U. oregonensis Lea é tão se- melhante aos Unios do mesmo ty po encontrados no Mexico e na America central, que talvez será reconhecida iden- tica com U. Rowellii Lea e outras especies parecidas, não podendo eu admittir como exactas as ideias emittidas a respeito por Ch. Simpson. Assim me parece que os Estados pacificos em parte NU pc receberão os seus Unionidos do Norte e em parte formão uma provincia natural com a America central. Será só mais tarde possivel occupar se mais exactamente com estas questões, quando conhecemos Unionidos fosseis dos Estados pacíficos e da California. O que ja hoje po- demos dizer, é que as montanhas rochosas formam uma divisa zoogeographica muito mais importante do que a serra dos Alleghanies. Summary Having received by Mr. Berlin Hart Wri ht many species of Unionides from Florida, and being the matter well studied by him and by Charles T. Simpson, I have pusblished here the results of my respective study, indicating by an asterisk the species represented in my collection, and hoping to receive by the time the others species, which in great part seem duvidous to me. The list of species and of the geographical distri- buition is given. Florida has some species not recog- nized today in Georgia etc. (U. Anthonyi, coruscus, Cun- ninghami, Waltoni, subluridus, monroensis, Websteri- succissus), but these may be recognized as identical to others and may be found also in other states. The only singular type is U. infucatus, a living tertiary fossil, extinguished in others regions of North America. The Florida fauna therefore is not at all a caracte- sic one, but a depauperated one, related with the Missisippi fauna. Unio parvus seems not to be represented in Florida, but substituted by U. amygdalum. U. minor Lea is represented. I can not accept the synonymy of E. Call in this point. U. minor is a good species from which U. paulus Lea not differ, and allied to U. glans Lea., of which marginis Lea is synonymic. Not being disposed to accept the combination of parvus and minor, on the other hand I cannot understand how Simpson se- Spies pares the very allied forms of the amygdalum group. The true parvus seems not to occur in Florida, but in- Georgia, where the variety with more marked undula- tions was named otherwise by Lea. Tagree with Simpson in the synonymy of U. modio- liformis and believe it necessary to join U. Prevostianus Lea. Allied species are U. lienosus and tenerus, both probably only varieties of one species, and which has an other and angular form of the posterior extremity of the female as it isthe case of U. modioliformis. It seems to me to be quite essential, to know of all species 01 Unio: the sculpture of the beaks and the difference or sexes as soon as there is any such dimorphisme. It seems to me that north american conchologists, in accompanying Leas errors, are always much dis- posed, to avalue too much the value of the Alleghanies as a faunistical separating barrier. The Alleghanies by no means have such an importanceas the Rocky Moun- tains have, nor for fishes nor for Unios. We have nu- merous species identic to both the sides of the Alle- ghanies, and in Georgia we have as demostrated above representants of such characteristical groups as Unio ventricosus, ovatus, clavus, circulus, lacrymosus, plicatus, etc. are. In Florida th Unionid fauna is the same but depauperated, having no Margaritana, but one Anodonta, and none of the types above cited from Georgia The Roky Mountains form a much more important limit, as we have besides of the holarctic Margaritana margaritifera the european Anodonta rostrata Kock called An. nuttaliana Lea (1) and 2 species of Unio, concernig to which I am not in concordance with Simpson, judging Unio oregonensis Lea, which he says to be allied to luteolus, as a membre of the great number of sulcate (1) Synonymic are A. wahlamatensis Lea and californiensis Lea, but. A. oregonensis Lea and angulatus Lea are different species. — 221 — Unios well represented in Central America. Unio ore- gonensis Lea is allied to U. Rowellii Lea and others: and I have no doubt that systematically organised re- searches will learn us some more species of Unio of the Pacific slope. The depauperation of Unionids is howewer avery great and singular one, and we may be very anxious to know the fossil species of Unio. In Mexico there is a singular ageregation of north and central american Unionidae besides especial forms and some south american ones. There existe Anodontas (An. globosa Lea, nopalatensis Reeve, viridans Cless. besides of Glabaris (Gl. glauca Val, ciconia Gould, Brid- gesil Lea, Strebeli Lea). (1) Thus the pacific province and the mexican are im- portant ones, being on the contrary the Alleghanies a barrier of secondary value in a common great province We must suppose, that the Alleghanies, althoug a very ancient vrange of mountains, have ondergone some changes of nivel and of hydrography during the ter- tiary period, and that thus the rivers now separated once were comunicating. Sooner, etablished the sepa- ration hydrographic, some species remained conserved identic, others remained on one side of the Alleghanies extinguishing on the other, and other species have ondergone modifications, which determine a specific separation, as p. expl Atlantic slope Missisippt drainage U. nasutus Say — JU. subrostratus Say U. cariosus Say — JU. ovatus Say U. ochraceus Say — U. multiradiatus Lea U. radiatus Lam. — U. luteolus Lam. U. complanatus Sol. — U. camptodon Say (2) Next year I will publish a Catalogue of Glabaris. Con- chologicaly are the beaks (smooth in Glabaris, undulous etc., in Anodonta) and the ligamental sinus quite sufficient for the distinction of the two genera. = Doe We are now on the best way to study the syno- nymy and relations of the different natural groups of the United States Unios, and these studies and the fossil material by the time will permitte us, to make a recons- truction of the ancient hydrographic and faunistic con- ditions. CONCHAS MARINAS DA FORMAÇÃO PAMPEANA DE LA PLATA PELO DRE MONTRE RENE Ha dous annos que me mandou para examinal-as o distincto paleontologista argentino Florentino Ameghino uma pequena collecção de conchas marinas achadas por elle na formação pampeana de La Plata. E’ esta aqui a primeira e unica publicação que sobre o assumpto estou fazendo; foi, porém, já muito conhecido o resultado destes estudos, pois apparecerão communica- ções sobre elles nos jornaes «Science» de 19 de Abril de 1895 e «Globus» Vol. 68. 1895 N. 4 pag. 68. Não duvido, que a origem destas publicações seja devido ao Snr. Flo- rentino Ameghino, a quem tinha communicado um rela- torio sobre as minhas pesquizas. Sobre a formação dos pampas argentinas emittirão os diversos naturalistas, que do assumpto se occuparam, as opiniões mais differentes. D Orbigny julgou estes sedimentos formados pelo mar. Neste sentido o accompanhou Darwin, explicando, que nas concreções calcareas achadas no meio dos depositos pampeanos e tratados «toscas» existem foraminiferos, provando a origem marina, conforme ao examen feito por Carpenter. Burmeister contestou esta observação, oppondo resultado negativo das suas pesquizas. Bravard, ao contrario, declarou o material da forma- ção pampeana como comoros deslocados pelo vento e Santiago Roth acceitou e modificou esta theoria, refe- Mona rindo-se ás novas theorias sobre a formação do « loess » pelo vento, com transformação secundaria dos depositos. Burmeister, Ameghino e outros sabios julgam estes sedimentos produzidos por agua doce, em parte por lagoas, rios, etc. em parte por enchentes. Burmeister oppoz a theoria de D'Orbigny dous argumentos dos mais impor- tantes 1.) que esta formação pampeana não é limitada ás planicies argentinas. mas que ella está subindo na Republica Argentina à altura de 1700 m. e na Republica Bolivia mais alto ainda (1). Não se pode pois accreditar que o mar até a estas alturas tenha subido, e especial- mente como na Patagonia estes depositos completamente faltam 2.) que se encontram muitas vezes esqueletos in- teiros no meio desta formação, sendo impossivel, que os rios e depois o oceano transportassem a grande distancia os corpos pesados de Glyptodontes. Além disto achou-se o esqueleto completo de um Mylodon gracilis junto com o seu filhote, sendo assim provado que elles morreram ali mesmo, seja sumindo-se no lodo ou seja apanhados no banhado por enchente. Burmeister considerou a formação pampeana como diluviana ou postterciaria. Foi Ameghino que demonstrou a idade terciaria. Sabemos agora por Dall, em Washing-- ton, que na America do Norte forão encontrados mam- miferos fosseis, característicos da formação pampeana e emigrados para norte, sob camadas com conchas fosscis do plioceno superior. Não resta nos, pois, a minima du- vida sobre a idade pliocena de formação pampeana. Com- parando as varias explicações sobre as formações tercia- rias da Republica Argentina encontramos as maiores divergencias entre Ameghino, Doering, Burmeister, Santiago Roth e outros. A questão é muito complicada, mas existe um meio certo de estudar a idade das differentes camadas e faunas, (1) Se bem a idade destes depositos seja a mesma, o será tambem o modo de formação. Tenho duvidas neste sentido. a comparação dos mammiferos com as especies norte- americanas. Nas camadas eocenas e miocenas faltam na Argentina os typos norte-americanos, na America do Norte os typos argentinos. E’ só no fim da epoca miocena ou no principio da pliocena, que apparecerão os immigrantes novos, como signal da ligação definitiva de ambas as Americas. Só os trabalhos scientificos que tomam por base estas considerações merecem toda a nossa attenção, e neste sen- tido são os trabalhos de Ameghino os mais importantes. N'um trabalho interessante trata Zittel no mesmo sentido. Ha entre elle, Ameghinv, mim e outros, que com a questão se occuparam, quasi completa concordança das opiniões. Na divergencia que houve entre mim e Ajne- ghino está Zittel (1) no meu lado, reconhecendo já aa ntiga fauna eocena da Argentina, differente daquella da America do Norte e antes em relação com aquella que naquelle tempo deve ter tido na Australia. A formação araucana, na qual a primeira vez apparecem na Argentina os typos immigrados da America do Norte (Tapirus, Mastodon, Canis, etc.) considera elle pliocena, mas do principio desta formação. Concordo em geral com Burmeister (2) quanto ao modo do que foi formado o solo dos pampas. Tive a 0c- casiäo (3) de elucidar um ponto bem dificil de entender: a pobreza ou quasi absoluta falta de petrefactos. Expondo a vida animal da Lagoa dos patos. pude demonstrar que não ha agua mais pobre em conchas, crustaceos, etc., do que estas lagoas de agua ás vezes doce ás vezes salobre, (1) A. A. von Zittel. Die geologische Entwicklung, Her- kunft und Verbreitung der Säugethiere. Sitzungs—Ber. d. K. Baier. Akad. d. Wissens. math. u. phys. Klasse Bd. XXIIT Heft II. Munchen 1895. (2) Burmeister. Description physique de la Republique Ar- gentine. Tom. II. Paris 1876. (3) H. von Ihering. Die Lagoa dos patos. Geograph. Ges. Bremen, Bd. 8. 1835 p 16%—2)5. Taf. IL. = 1996 que são situadas entre o oceano e a embocadura de um caudaloso rio. Creio nestas condições que para entender bem a formação das pampas deve ter-se conhecimento das condições da vida organica na lagoa dos patos e nos terrenos alagadicos da Florida. Se bem em geral accordo com a opinião de Burmei- ster e outros, não julgo de modo algum possivel, conhecer ja hoje a extensão que por bahias mais ou menos extensas teve o mar, e o papel que o mar fez na deposição dos materiaes dos quaes se compõem as camadas pampeanas, Só quando estudos como este serão muito mais numerosos, é que poderemos julgar bem a questão. Pois camadas sem objectos fosseis podem ser tanto marinos como depo- sitados em agua doce. Se bem que eu julgue importantes as deducções de Burmeister, não tenho duvida que à communicações como esta seguirão-se outras. Em todo caso vale a pena independente de qualquer theoria, es- tudar aqui o que sabemos até hoje a respeito de restos marinos da formação pampeana. Darwin (1) falla varias vezes sobre restos marinos encontrados na formação pampeana. Assim (p. 131) elle declara, que Carpenter encontrou no material das con- creções de tosca restos de coraes, esponjas e Polythala- mias, e que Zhrenberg encontrou na massa calcarea em que forão encontrados os ossos e dentes fosseis, foramini- feros, em parte marinos em parte de agua salobre ou doce. Burmeister p. 176) emitte duvidas na exactidão dos resultados de Carpenter, duvidas que só entende quem sabe que Burmeister não quiz admittir que sejam encon- trados fosseis marinos. Carpenter, porém, neste sentido foi autoridade. Burmeister tambem em outro lugar demonstrou a sua tendencia de não entender, o que certos factos provam. O Sr. Moreno deu a elle amostras de coraes, pedaços de (1) Ch. Darwin. Geologische Beobachtungen über Siidamerika. Stuttgart 1878. — 227 — colonias immensas de duas especies de Astraea, encon- trados a S. Nicolas em 2 m. de profundidade. Mas Bur- meister não conclue o que devia, e diz pag. 177: « On ne sait d'ou sont venus ces morceaux, car ils n'ont pas les caractéres d'une formation sur place, et il n'existe pas de formation antérieure dont ils aient pu se détacher.» Os factos que logo depois communicarei rejeitam estas hypotheses e duvidas. Não sou capaz de julgar melhor a explicação dada por Santiago Roth (1). Elle escreve (pag. 434): Achei no pampeano medio e superior ossos de mammiferos com conchas marinas. O «loess» em que encontraram-se estas conchas nem por isso é formado numa bahia do mar, mas as camadas já formadas do «loess» chegarão por submersão do solo sob o nivel do mar, ou talvez 0 «loess» foi formado perto de uma costa do mar. E” singular como a dedicação a uma theoria predi- lecta faz cego para a observação e discussão imparcial dos factos. Foi Ameghino (2) o primeiro, que reconheceu como marinas as conchas por elle encontradas no meio do barro pampeano. Elle me mandou uma collecção destas conchas, achadas em La Plata, no piso belgranense. His a lista delles. Conchas marinas da formação pampeana, piso belgranense. La Plata Purpura haemastoma L. Nassa polygona Orb. Bullia deformis King. 4) Suniago Roth. Beobachtungen über Entstehung und Alter der Pampasformation in Argentinien. Zeitschr. d. deutsch. geolog. Ges. 1888, p. 375—464. Taf. XXII u. XXIII. (2) Florentino Ameghino. Contribucion al conocimiento de los mamiferos fosiles de la Republica Argentina. Actas de la Acad. nac. de Ciencias, Cordoba, Tom VI. Buenos Aires 1889. = 2) q Olivancillaria auricularia Lam. Voluta brasiliana Sol. Littorina flava King. Littorinida australis Orb. Crepidula sp. (protea Orb.). Ostrea cristata Born. « puelchana Orb. Mytilus platensis Orb. « exustus L. Arca Martinii Recl. Azara labiata Mat. Tagelus gibbus Spengl. Mactra patagonica Orb. « isabelleana Orb. « byronensis Gray. Cytherea rostrata Kock. Além destas conchas houve na respectiva collecçäo: o otolitho de um peixe da familia das Sciaenidas, da Corvina: Micropogon Furnieri Desm. KE’ peixe do mar, que porém entra no curso inferior dos grandes rios e que é encontrado na Lagoa dos Patos e no Rio da Prata. As conchas da nossa lista pertencem todas a especies ainda communs nas costas argentinas, a excepção das tres seguintes: Purpura haemastoma, Littorina flava, Nassa polygona, que hoje não são encontradas mais para Sul, do que em St. Catharina ou no Rio Grande do Sul. Littorina flava e Nassa polygona não são actualmente conhecidos nem do Rio Grande do Sul nem do La Plata, mas sim de St. Catharina, S. Paulo e mais ao Norte. Quanto a Purpura haemastoma é ella especie muito di- vulgada nas aguas da Europa e America. D'Orbigny, Petit e outros sabios julgam esta vasta distribuição como de- vida á navegação, que ds vezes carrega presos no casco do navio certas conchas ou crustaceos. Sabemos po- rém que esta argumentação neste caso é falsa, e conhe- cemos agora esta especie de camadas terciarias não só da Argentina mas tambem da Europa. — 229 — Diremos, pois, que as conchas ali encontradas fosseis säo todas de especies vivas, mas em parte de especies que näo säo mais encontrados hoje ao sul de St. Catha- rina ou do Rio Grande do Sul. Se assim podemos con- cluir, que a temperatura do mar que cobriu La Plata foi mais elevada um pouco, estamos confirmados neste sentido pela presença de coraes do genero Astraea, que pelo que sei agora não são encontrados ao Sul do Paraná e St. Catharina. Se naquelle tempo houve em La Piata uma bahia do oceano, esta com certeza por muito tempo ainda con- servou-se, visto que tenho recebido do Dr. HWlorentino Ameghino tambem de depositos modernos de La Plata conchas marinas, sendo ellas : Tagelus gibbus Spengl. Olivancillaria auricularia Lam. Mactra isabelleana Orb. Ostrea cristata Born. Ostrea puelchana Orb. Bullia cochlidium Kien. E” provavel, que os bancos com Azara labiata perto de Buenos Ayres sejam mais modernos ainda e deposi- tados em agua salobre, sendo ao contrario provenientes do mar as especies agora mencionadas. Üebersicht der Resultate. Im Allgemeinen nimmt man jetzt mit Burmeister an, dass die Ablagerung der Pampas in Süsswasser erfolgte. Das letzte Wort ist aber in dieser Angelegenheit noch lange nicht ge- sprochen, und Beobachtungen wie die vorliegende sind beson- ders geeignet zur Vorsicht und zu weiteren vorurtheilsfreien Studien anzuregen. Die hier mitgetheille Liste mariner Conchylien aus dem Pampaslehme von La Plata führt uns eine marire Küstenfauna vor, die nur wenig von der heutigen Argentiniens abweicht. Dagegen befinden sich in ihr drei Species die heute nicht mebr so weit siidlich leben: Purpura haemastoma, Littorina flava» Nassa polygona. Erstere kommt noch in Rio Grande do Sul, letztere beiden kommen noch in Santa Catharina vor. Purpura haemostoma ist eine weit verbreitete Species, von welcher Orbigny, Petit u. a. annehmen ihre Verbreituns sei grossen- theils passiv durch die Schiffahrt erfolgt. Diese Annahme ist hierdurch widerlegt, zumal wir auch in Europa diese Art aus Terliarschichlen kennen. Es wird also damals die Temperatur des Meerwassers in Argentinien etwas hôher gewesen sein, eine Annahme fir die auch der Fund von zwei Arten Korallen der Gattung Astraea spricht, da auch diese heute nicht siidlich von Paraná und St. Catharina angetroffen werden. Burmeister suchte diese ihm unbequeme Thatsache durch Annahme einer sekundären Lager- statte zn entkräften, wie er seine negativen Ergebnisse jenen Carpenters entgegenstellte, der in Kalkknollen («toscas») der Pampasformation Foraminiferen, Korallen und Schwaemme nach- wies. Auch Santiago Roth, der im Anschlusse an die neue Loesstheorie einen aeolischen Ursprung des Pampaslehmes an- nimmt, entzieht sich den klar gebotenen Folgerungen, wenn er die schon abgelagerteu Massen der Pampasformation sekundiir unter den Meeresspiegel gelangen und da mit marinen Schalen durchsetzt werden lässt, die er nachher mit Säugethierknochen zusammen antraf. — 231 — Die hier mitgetheilten Thatsachen entziehen diesen Hypo- thesen den Boden, und lassen àltere Beobachtungen wieder zu ihrem Rechte kommen. Wenn Schichten der Pampas, die seither für Ablagerungen in Süsswasser gallen, marinen Ur- sprungs sind, so kann eventuell anch die ganze Formation ma- rinen Ursprungs sein. Es ist Aufgabe der Zukunft diese Ver- haltnisse aufs Neue und griindlich zu untersuchen. Erst dann wird sich beurtheilen lassen, welchen Einfluss das Meer hier hatte, ob es sich um eine allgemeine Bedeckung oder um mehr oder minder ausgedehnte Buchten desselben handelte. BIBLIOGRAPHIA © Res 5.06 E E SSS SSS ae 2 à a) Os Museus da America do Sul. === PES Não é pequeno talvez o numero de Museus que já existem na America do Sul. Para nós, porém, só podem ser de interesse os Museus organisados sobre base scien- tifica é com pessoal competente. De Museus que cor- respondem a estas exigencias temos dous no Brazil— os de S. Paulo e do Pará —dous na Republica Argentina — os de Buenos Ayres e de La Plata—um em Motenvideo « um no Chile, em Santiago. Todos estes Museus como tambem varias Sociedades sctentificas publicaram nos ultimos annos numerosas publicações. Infelizmente não recebemos aquellas do Museu de Buenos Ayres, dirigido por meu distincto amigo Dr. Carlos Berg. Quanto aos outros dou no se- guinte o relatorio completo. O Museu de S. Paulo, que só neste anno acabou a sua nova organisação, até agora não tem publicado trabalhos scientificos, à excepção do pequeno catalogo dos mammiferos de S. Paulo (de 1894). Anales del Museo nacional de Montevideo. Publicados baja la direcion de J. Arechavaleta. Nº TI. Montevideo 1894. O primeiro numero desta nova publicação já nos deixa reconhecer que está na altura de uma revista moderna dedicada ao estudo da historia natural de sua patria. Será, pois, mais um passo nó desenvolvimento scientifico da America do Sul, e assim damos os nossos parabens ao director daquelle estabelecimento, que por — 234 — decenios achou-se no estado ridiculo de muitos Museus sulamericanos, que é afinal o estado de cada Museu ad- ministrado por pessoas de influencia local e não por pessoas formadas e dedicadas ás sciencias. Foi no anno de 1890 que o celebre Carlos Berg, actual director do Museu Nacional de Buenos Ayres. foi incumbido da direcção daquelle instituto, que eu ainda um anno antes não pude vêr sem um sentimento de lastima e misturado com um sorriso ironico, com os mesmos sentimentos afinal, com os quaes alguns annos depois acceitei a di- reccäo do Museu sob meu cargo. A direcção do Dr. Berg foi de pouco tempo, mas bastava para dar ao Museu de Montevideo o seu actual cunho, o seu caracter scien- tifico. E’ de summo interesse comparar nas diversas re- publicas da America do Sul o caracter dos Museus e dos ontros institutos scientificos. Uns, são dirigidos por celebridades nacionaes incapazes, simplesmente carica- turas, e outras se poem ao lado dos melhores da Europa e da America do Norte. Assim os Museus, institutos bacteriologicos, agronomicos, etc., podem servir para medir o valor e a capacidade de um governo, como o consumo do sabão, segundo Ziebig, indica a altura da ei- vilisação de um povo. | A antroducion» escripta pelo Dr. C. M. de Pena nos dá uma instructiva idea da historia não só do Museo mas tambem dos trabalhos scientificos no Estado Oriental. São dois sabios importantes Pérez y Castellano e o padre D. À. Larrañaga que no principio deste seculo dedicarão-se ao estudo da historia natural de seu paiz e tornarão-se uteis pela introducção de muitas plantas domesticadas. Em geral se deu com elles o que se dá com os autodi- dactos que vivem fóra de contacto com a sciencia. Não creio, que será de grande utilidade publicar ainda os manuscriptos velhos. Assim o que está publicado neste numero por Zarrañaga sobre a «formacion geologica do Rio de La Plata» é de pouco valor pela falta de determi- nações exactas. O mesmo se dará com os trabalhos bo- DONS tanicos, e até com os manuscriptos de Bonpland, cuja publicação só seria util, se um botanico competente estu- dasse de novo por muitos annos a flora das Missões. Se não, à identificação ficaria em muitos casos duvidosa, e du- vidas temos bastantes na sciencia, não vale a pena aug- mental-as. Ainda hoje temos muita dificuldade para verificar as especies descriptas por Marcgrave, Azar, Gay e sendo isso ás vezes impossivel por numero cres- cido de especies. As contribuições valiosas deste numero são; 0 prin- cipio da descripção dos gramineas do Uruguay por . Arechavaleta e a descripção de novos hemipteros por C. Berg. O trabalho sobre as gramineas é munida de boas figuras e será de summo valor quando acabado. No artigo de Berg encontramos tambem especies brazileiras provenientes de Matto-Grosso, do Rio Grande do Sul, e de S. Paulo, colligidas por Rohde, v. Lhering e Puiggari, agora botanista da Commissão Geographica e Geologica de S. Paulo e que por suas collecções botanicas e ento- mologicas muito contribuiu para o conhecimento de certas partes da flora e fauna de S. Paulo. As respectivas especies, colligidas em Apiahy são : Arotrocoris dentifer. Berg. Cebrenis latifrons Berg. Desejamos que o Museu de Montevideo continue neste raino e nunca mais fique presa de ignorantes incompetentes, cuja unica recomendação é a protecção do Governo. Revista del Museo de La Plata, dirigida por F. P. Moreno. Tomo IV. La lata 1893. Um volume forte de 432 paginas, mas que não ostá bem ad altura de seus antecessores. Falta em primeiro lugar o relatorio annual do director, dando conta dos trabalhos no Museu, cujo desenvolvimento sorprehen- dente tanto gosto nos deu nos volumes anteriores. Entre — 236 — os trabalhos temos de mencionar o diccionario Mocovi- espagnol do snr. 4. Lafone Quevedo. O snr. À. Hauthal descreve um novo genero de filiceos de la formacion rhetica del Challao (Prov. de Mendoza) sob o nome de Bravardia mendozensis, e elle dá pormenores sobre a formação carbonifera de S. Rafael ( Prov. de Mendoza ). Elle tambem faz aleumas observações sobre as morenas e outros signaes do tempo glacial de Mendoza. Parece-me, que o Museu de La Plata devia mandar estudar muito mais em extenso esta questão importante, publicando depois os resultados com illustrações photographicas. Um estudo interessante publica o snr. 77. ten Mate sobre os craneos dos indios araucanos da Republica Argentina. Elles são por 80 ‘, brachycephalos-e o apparecimento de craneos mesocephalos e dolichocephalos, proveniente talvez da influencia dos indios da terra do fogo, é um facto inesperado e inexplicado. O resto dos trabalhos e de menor interesse. As notas de viagens do snr. Burmeister (Patagonia) e Am- brosetti (Missiones) são agradaveis a lêr mas sem valor. E” bem singular um trabalho grande de XY. Ramos Mexia da Evolucion de los animales» compilação sem mereci- mento. A ideia, que o signal da Swastica prova, que os «sabios prehistoricos» sobre a evolução tiverão «conhe- cimentos» mais «exactos» de que nos, é nova, isto é verdade, mas para quem é publicado este trabalho meio-prehis- torico, com figuras sem explicação da respectiva especie e sem referencia especial ao paiz onde foi publicado ? Esperamos que os volumes vindos deixarão de lado os «dei minorum geniiuns» e que nos darão não só as descripções mas tambem as figuras das novidades pa- leontologicas, annunciadas e descriptas por Moreno e Mercerat. O pessoal do Museu, com sabios da impor- tancia de Moreno, Lahille, Mercerat, Valentin e outros é garantia para o valor scientifico dos volumes futuros e nos será grande prazer observar o progresso deste Museu, que embora que novo já tem riquezas pheno- PARTIES menaes. Nós aqui, que quasi nada temos para o estudo anthropologico dos nossos indios, podemos apreciar isto, se estamos ouvindo que o Museu de La Plata tem perto de 300 craneos de Indios araucanos! Revista del Museo de La Plata dirigido por Fr. P. Moreno. Tomo V. La Plata 1894. O conteudo deste volume refere-se em grande parte a assumptos historicos e linguisticos. Contem umas notas de viagens às Missões por 7. B. Ambroseti, mais ou menos feitas no mesmo sentido da descripção das viagens ás Missões de Ho/mberg, que entre as numerosas referentes ao mesmo assumpto é a melhor sem duvida. O snr. 4. Kurtz forneceu a este volume uma contribuição valiosa, descripçäo de plantas novas de Cordova. De valor é tambem um relatorio provisorio de Zen Kate sobre as suas excursões archeologicas ao Salto e Catamarca. Revista del Museu de La Plata. Tomo VI, I parte 1894 e ll. parte 1895. A primeira parte é dedicada a assumptos geologicos, dando um estudo sobre a serra de Azul pelo Dr. Juan Valentin e contribuições para a paleophytologia argen- tina de XY. Kurtz. Um artigo de R. Zydekker : dos pajaros misteriosos de la Patagonia» contem a deseripção de um ovo que parece ser de uma especie pequena de abestruz, que Zydekhker propõe chamar Rhea nana. Pa- rece-nos em verdade questão um pouco mysteriosa. Na segunda metade do volume encontramos numerosos trabalhos importantes sobre assumptos zoologicos. Zahille publica o catalogo dos peixes do Rio da Prata, e do mesmo autor encontramos um estudo sobre as conchas argentinas do genero Voluta, questão muito digna de um exame exacto e cuja difficuldade em vista da grande variabilidade já conheço da costa do Rio Grande do Sul. — 238 — Outro autor que neste volume nos offerece varios e importantes trabalhos é 7. Xoslowshy, que descreve varias novas especies de amphibios e reptis argentinos e trata dos indios Bororós e Guatos. Uma observação extrema- mente importante fez este naturalista na planicie boli- viana, verificando que no tempo das enchentes ali se misturam as aguas do Amazonas e do Paraguay. Anales del Museo de La Plata, Palacontologia ar- gentina. II. La Plata 1893. Neste novo e esplendido volume temos do eminente paleontologista inglez os seguintes trabalhos: Dino- saurios da Patagonia; Craneos de Cetaceos da Patagonia; Ungulados extinetos da Argentina. Parece-nos de summa importancia este ultimo estudo, que se refere aos ge- neros : Toxodon, Nesodon e outros Toxodontia, ás familias dos Pachyrucidos, Typotheridos, aos Antropotherios, Li- topternos, Perissodactylos e Artiodactylos. Dr. Carlos Berg. Geotria macrostoma (Burm.) Berg y Thalassophryne montevidensis Berg, dos peces particu- lares. Anales del Museo de La Plata, publ. de F. P. Moreno. Seccion Zoologica I. La Plata 1893. p. 1—1. Lam. 1— LI. O segundo destes dous peixes foi encontrado em Montevideo em agua salgada e pertence aos Acanthoptery- gios cotto-scombriformes, formando uma especie nova do genero Thalassophryne, conhecido por seus ferrdes oucos, pelos quaes passa o veneno de uma glandula. De grande interesse é o outro peixe, uma lampreia d'agua doce da Republica Argentina. O primeiro exemplar foi encontrado em 1867 em Buenos Ayres n'uma rua e offerecido ao Museu por 1000 pesos. Não podendo pagar a somma exorbitante, Burmeister limitou-se a dar uma descripção, classificando o peixe como especie do genero Petromyzon. Zerg obteve um exemplar em Montevideo, que agora está aqui descripto e figurado como uma especie do genero Geotria. — 239 — Sobre o trabalho de Berg publicou 7%. Gill (1) em Washington algumas observações. Em uma questão se- cundaria creio que Gill enganou-se, dizendo que o exemplar de 1867 foi adquirido por 15.000 pesos ou dol- lars. Berg menciona isto como um boato dos jornaes e diz que Burmeister não pagou o preço pedido de 1000 pesos. Parece pois que aquelle exemplar não foi vendido. Gui diz que a especie não pertence ao genero Geo- tria mas ao de Exomegas, e pede certas informações que não são dadas por Berg. Ajunto aqui que as lampreias da agua doce só vivem nas regiões temperadas e que faltam nas zonas tropicaes completamente. E”, pois, bem pouco provavel, que nas nossas aguas do Brazil ainda possam ser en- contradas lampreias. Os peixes que na forma do corpo se assemelham são as enguias das familias de Sym- branchidae e Sternopygidae. Anales del Museo nacional de Chile. Santiago de : Chale. Temos 4 mão desta esplendida publicação official as seguintes partes novas. Algunos peces de Chile por Dr. R. A. Philippi 1892. Contem a descripção e as figuras de varias especies de arraias e outros peixes marinos (Raja, Myliobatis, Callorhynchus, Orthagoriscus). Osnr. Philippi descreve e figura o ovo do Callorhynchus antarcticus, sem saber, ao que parece, que já está descripto por Cunningham. A respectiva figura é reproduzida por A. Guenther. (Intro- duction to the study of fishes. Edinburgh 1880 pag. 169). Parecem-me sufficientes os caracteres da nova especie : Callorhynchus argenteus Ph. para ser ella reconhecida uma boa especie. (1) Zh. Gill. A South America Lamprey. Science Vol. EN RINS 2572 p. 30. — 240 — Las especies chilenas del genero Mactra. por el Dr. R. A. Philippi. 1893. Entre os varios trabalhos do eminente naturalista é este o que menos nos satisfaz. Parece-me pouco pro- vavel, que todas estas numerosas especies, especialmente de Mulinia sejam distinctas. Tendo dedicado um estudo especial ás Mactras das costas do Brazil e da Argentina, espero que me será possivel obter material para estudar tambem as especies chilenas, Não será a Mactra pai- tensis Phil. identica com Mactra velata Phil. Reeve ? El Guemul de Chile por R. A. Philippi. 1892. Des- cripção de Cervus chilensis Gay. Drei Hirsche der Anden., von Dr. R.A. Philippi. Leipzig, 1895, (traduzido dos Anales), As tres especies de veados andinos são Cervus antisensis Orb., C. chilensis Gay, C. brachyceros Phil. Descripcion de algunos fosiles terciarios de la repu- blica Argentina por el Dr. R. A. Philippi. 1893. Descripçäo de 23 especies de conchas terciarias de la Bajada em Corrientes, collectas por Bravard. Pretendo occupar-me mais tarde do assumpto, tendo-me o Dr. Florentino Ameghino offerecido a sua respectiva collecção. Descripcäo de los idolos peruanos de greda cocidu. Por el Dr. R. A. Philippi. 1895. Objectos raros, valiosissimos, bem descriptos e figu- rados. Ha mais duas publicações do mesmo autor (Pflan- zenthiere Chiles e Delphine von Südamerika) que não conheco. É id — 241 — Seja-me permittido exprimir nesta occasião os meus sentimentos de consideração e admiração ao venerando sabio, o Nestor dos naturalistas da America do Sul, que hoje ainda com 87 annos continua do mesmo modo nesta vida laboriosa, dedicada toda a sciencia e tão rica em successos. Temos do mesmo uaturalista duas pu- blicações novas botanicas: plantas nuevas chilenas, Anales de la Universidad de Chile 1893, 1894 e 1895. Actes de la Societé scientifique du Chile. Tom IV. 1894. Santiago. O volume é como os anteriores rico de communi- cações interessantes. Um trabalho util é o do snr. Boulenger sobre os Per- cidas da agua doce do Chile e que consistem de tres especies : Percichthys trucha C. V. e melanops Gir. e Percilia Gillissii Gir. A primeira destas especies é com- mum no Chile e na Patagonia (Rio St. Cruz, Rio negro). Varias communicações de Grard e Lataste referem-se a um novo parasita das videiras chilenas, o Margarodes vitium, insecto do grupo dos Hemipteros. Diz Giard que o genero Margarodes Guilding é differente de Par- phyrophora Brandt. O parasita vive nas raizes da videira. Tendo o snr. Lataste observado uma larva singular de um coleoptero com luz vermelha na cabeça e luz azul no corpo, a esta observação referem-se cartas dos snrs. R. Dubois, H. von lhering e E. Olivier. A larva ea femea observada tambem por mim é a do genero Phengodes. O snr. Cockerell descreve duas especies chilenas de Coccidae, sendo uma a especie conhecida Aspidiotus nerii Bouché a outra nova Aspidiotus Latastei. O snr. Z. Vergara Flores trata de craneos dos Indios da Bolivia. Seria muito mais valiosa esta communi- cação, se o autor a tivesse provida de boas figuras dos craneos em norma parietalis, temporalis e facialis, e — 242 — valeria dar estas figuras ainda no volume seguinte, re- produzindo boas vistas photographicas. Interessante é o estudo de Barros Grey sobre a es- criptura dos Calchaquis. Se bem, que as opiniões possam ficar divididas em relação á interpretação destes petro- glyphos, ao menos a publicação das figuras é uma con. tribuição interessante e importante para o estudo da archeologia sulamericana. Accompanhamos com as nossas sympathias o desen- volvimento desta Socidade scientifica, que neste sentido tambem me deu um direito especial, elegendo-me seu socio honorario. Verhandlungen des Deutschen wissenschaftlichen Veremes zu Santiago (Chile) IT. Band Heft 5 und 6. 1893. (mit 3 Tafeln.) Podemos felicitar tambem a sociedade scientifica allemã em Santiago pelo valor das suas publicações. Este novo fasciculo é rico em contribuições importantes. O celebre director do Museu de Santiago Dr. R. A. Phi- lippi trata sobre as analogias entre a flora da Europa c do Chile, explicando os factos pela hypothese de analo- gias climaticas como Grisebach o fez, ao passo que eu seguindo & £ngler as julgo explicadas pela antiga exis- tencia de terras antarcticas, ligando a Patagonia com a Nova Zealandia e Australia. Outros trabalhos do Dr. Philippi sen. tratam da idade geologica dos Andes e sobre o genero Phalaropus. O Snr. Frederico Philippi de- screve uma nova especie de Didelphys (D. australis F. Phil.), conhecida na provincia de Valdivia sob o nome de monito del monte, ao passo que a outra especie chilena (D. elegans Waterh.) é conhecida sob o nome de com a- dreja ou Llaca. Ambos vivem sobre arbustos. Duas estam- pas boas do Dr. Philippi sen. representam Phaloropus antarcticus e Ph. Wilsoni. Entre os outros artigos podemos mencionar os necrologios de H. Burmeister e do chimico Dr. ZH. O. — 243 — Schulze, moço talentoso que morreu victima de seus estu- dos, tendo-o mattado as evaporações venenosas de arse- nico, que elle procurou tornar soluvel. Deixando de lado os trabalhos mineralogicos ainda temos de mencionar um estudo interessante do Dr. 7. Fonk e H. Kuntz sobre a idade archeolithica do Chile, que trata especialmente sobre as pedras munidas de excavações em forma de prato ou bacia («Naepfchensteine»). Não podemos deixar de ajuntar algumas observações aos trabalhos mencionados do Snr. R. A. Philippi. De certo é singular que as flores e os animaes da região arctica são encontrados de novo na zona antarctica, mas a explicação, para nós, não é a analogia climatica mas a distribuição geographica actual ou passada. Neste sentido é de observar que p. expl. Phalaropus Wilsoni é conhecido não so no Chile e na Republica Argentina (Patagonia, Mendoza), mas tambem no Brazil no E. de Matto Grosso, onde foi caçado em Caiçara por Natterer. Boletim do Museu Paraense de Historia natural e ethnographia. Vol. I. No 1, Setbr. de 1894. Nº 2, Abril 1895. Para. O Boletim consiste de uma parte administrativa, dando relatorio, regulamento, ete., do Museu, e de uma parte scientifica. Encontramos nesta ultima dous interessantes estudos do Director do Museu, Kmilio Goeldi, sobre as aranhas e os myriopodos (embuás e centopeias) do Brazil, infor- mando-nos o autor sobre os trabalhos mais importantes que a respeito forão publicados e dando a lista das especies até hoje conhecidas no Brazil. Naturalmente não será completa, e assim não estão ali incluidas as unicas duas especies que até hoje conheço do S. Paulo (Paradesmus gracilis e Oxyurus sp. n.) O estudo mais valioso do volume é o do Dr. Goeldi sobre a cigana (Opisthocomus cristatus) demonstrando — 244 — Goeldi, que os pintos desta ave têm na aza duas garras, que nos individuos adultos faltam, garras, «que repre- sentam irrefutavelmente uma herança antiquissima dos primeiros tempos da independencia da individualisação: da classe das aves do tronco commum entre aves e reptis. » 7 Seguem umas cartas ineditas de Z. Agassiz sem importancia, e um catalogo das formigas do Brazil por A. Forel, o competente naturalista suisso, enumerando 440 especies, que corresponde a ca. 1j3—1j4 do numero total das especies até hoje conhecidas. E' nesta condicçäo conveniente completar a lista, podendo eu por hora ajun- tar as especies seguintes. 441. Pachycondyla Fauveli Emery. Bolivia (ef E. Wasmann Die Ameisen- und Termitengaeste von Bra- silien I. Wien, 1895 p. 41. a. d. Verh d. K. K. Zool. bot. Ges.). 442. Solenopsis basalis Forel. Rio de Janeiro (Ibid. p. 44) 443. Pheidole Goeldii Forel. Rio de Janeiro (Ibid. p. 44.) 444. Cyphomyrmex bicornis Forel Rio de Janeiro (Ibid. p. 45). 445. Camponotus personatus Emery., Rio de Janeiro, Paraguay—Rio Grande do Sul. (7. v. Lhering. Die Amei- sen von Rio Grande do Sul. Berlin. Entomolog. Zeitsch. Bd. 36. 1894 pag. 373). 446. Myrmelachista gagatina Emery (Ibid. p. 377). 447. Iridomyrmex ceucomelas Emery (Ibid. p. 378). 448. Solenopsis angulata Emery. Rio Grande do Sul (Ibid. p. 393.) 449. Crematogaster rudis Emery. Rio Grande do Sul (Ibid. p. 395.) 450. Acanthostichus quadratus Emery. Bolivia, Ama- zonas (cf. O. Emery, Die Gattung Dorylus Zool. Jahrb. Bd. 8 Jena 1895. pag. 750.) — 451. Acanthostichus Kirbyi Emery. Paraguay e Matto Grosso (Ibid. p. 752.) 19215 — 452. Acanthostichus fuscipennis Emery. Pará. A. Schultz coll. (Ibib. p. 752.) Não podemos deixar de referir-nos afinal a outro artigo do Dr. Goeldi, tratando de varias vermes: Chor- dodes brasiliensis Janda (fam. Gordiidae) do Rio de Janeiro ; Schizocardium brasiliense Spengel (fam. Ente- ropneustos) da bahia do Rio de Janeiro e Haemerteria Ghilianii De Filippi do Amazonas, sanguesuga immensa medindo até 19 centim. de comprimento com 10 centim. «le largura. EK’ com um interesse bem especial que estamos observando o desenvolvimento do Museu do Pará, em tão boa hora confiado á direcção competente do nosso distincto collega Dr. Goeldi. Oxalá seguissem tambem outros Estados do Brazil os exemplos dados pelos Estados do Pará e de S. Paulo, organisando os seus Museus sobre bases serias e com pessoal scientifico e competente, pessoal que não podemos achar no mesmo Brazil até que este tenha creado uma universidade, que esteja á altura das da Europa ! b) Livros e folhetos. E. Wasmann. Kritisches Verzeichniss der inyrmeko- philen und termitophilen Arthropoden. Berlin 1894. E. Wasmann. Die Ameisen und Termitengacste von Brasilien. Wien 1895 (Verh. d. Zool. Botan. Ges. Wien). O sabio padre Wasmann está desde annos estudando os insectos que como parasitos ou inquilinos vivem nas colonias de formigas ou de cupim. Temos aqui dous importantes folhetos referentes ao assumpto e ricos em formas novas para a sciencia e ricos em observações biologicas. Do Brazil o autor obteve material para estudos OMB tt pelos Drs. Goeldi, ©. Lhering, Moeller, Hetschko e tambem do E. de S. Paulo pelo Rev. Padre Badariotti, importante colleccionador de coleopteros. Emil A. Goeldi. Contribution to the Breeding Habits of some Tree-frogs (Hylidae) of the serra dos orgãos, Rio de Janeiro, Brazil. Proceed. of the Zoolog. Soc. o1 London, Febr. 1895 pag. 89—97. Observações lindas sobre biologia das ras Hyla Goeldi Boul. vive na agua que se encontra no meio das. folhas das Bromeliaceas que vivem como parasitas em cima de arvores. A femea leva comsigo os ovos, applicados: numa massa sobre o dorso, até que os gyrinos ficam livres, nadando na agua. Hyla venulosa Spix, inclue os ovos numa massa espumosa deitada no lado interior das velhas folhas da Bananeira. Hyla faber, o conhecido « ferreiro » faz no lodo dos banhados covas chatas nas quaes depõe os ovos. Com muita razão diz Goeldi que foi engano de ZX. Hensel dizer, serem do Cystignathus ocellatus estes ninhos, estranho porém que o collega não conhece o modo de desovar desta rã. Ella faz uma massa espumosa como saliva e que está nadando em cima da agua e no meio da qual se encontram os ovos. Não sei ainda como fazem esta massa, mas nos ovarios e nos oviductos os ovos não são ainda incluidos: nesta espuma, que provavelmente é feita pela bocca. Prof. William A. Haswell. A Monograph of the Tem— nocephaleae. Macleay Memorial Volume, 1893, p. 93 — 152. PI. X—XV. Melbourne. | Esta monographia trata de modo excellente do grupo aberrante, do qual o genero Temnocephala forma o typo. Todos estes vermes são pequenos quasi todos de tamanho menor de um centimetro, e são parasitos, embora WENO) ly gene que tambem possam viver aleum tempo em plena liber- dade na agua. O integumento é em geral destituto de cilios vibra- teis, mas estes existem ao menos em duas especies, 1. é., Temnocephala minor e Dendyi. Assim fica difficil decidir, se as afinidades da familia são mais intimas com os Trematodos ou com os Turbellarios, mas e de notar que os Trematodos ectoparasitos não só são privados dos cilios mas tambem de tecido epithelial da epidermis. Estas difficuldades existem tambem nos outros systemas organicos, de maneira que Temnocephala pode ser consi- derado tanto um Rhabdocoelido aberrante como um Trematodo, mas Haswell acha que a affinidade com os Trematodos predomina um pouco sobre aquella com os Turbellarios. Prof. Haswell descreve no mesmo volume p. 153— 158 e Pl. XVI um outro parasito que vive sobre o Engaeus fossor, crustaceo de Gypsland em Australia e que julga bastante differente para formar uma nova familia, a dos Actinodactyleae, com a unica especie Actinodactylella Blanchardi. Na familia dos Temnocephaleae distingue-se um typo singular o genero Craspedella, tendo na região dorsal lamellos transversos munidos de papillas. No genero Temnocephala, Haswell distingue já 12 especies encontradas em Madagascar, India, Philippinas, Java Australia, Nova Zealandia, Chile e Brazil. Quasi todas as especies vivem sobre caranguejos da familia dos Paras- tacidos (Astavoides de Madagascar, Astacopsis da Australia e Tasmania, Engaeus da Australia, Paranephrops da Nova Zealandia, Parastacus do Chile e Rio Grande do Sul). Encontram-se elles tambem sobre outros crustaceos da agua doce. Do Brazil conhece-se 1. Temnocephalu Theringi Hasivell, encontrada no Rio Grande do Sul na cavidade pulmonar da Ampullaria canaliculata Lam. MAR 2. Temnocephala brevicornis Monticelli encontrada 1856 por Reinhardt sobre o casco de cagodos (Hydrome- dusa Maximiliani e Hydraspis radiolata.) 3. Temnocephala chilensis (Philipp) Blanch., prova- velmente do Rio Grande do Sul (Brazil; Museu Berlim). 'omo no Chile foi encontrada sobre Aeglea laevis e como esta especie existe tambem no Rio Grande do Sul e com o mesmo parasita, creio que a especie será identica, 0 que diz tambem Jonticelli. No Rio Grande do Sul observei Temnocephala sobre Aeglea laevis e Parastacus brasi- liensis, e creio que foi sempre a mesma especie, á exep- ção naturalmente do Parasita da Ampullaria. Annual Report of the Curator of the Museum of comparative Zoology at Havard College for 1892—1893. Cambridge U. S. A. 1893. Existem poucos Museus que com igual satisfacção podem passar revista aos trabalhos de um anno como 0 de Cambridge. Os cursos de instrucçäo em Zoologia e Geologia forão bem frequentados como tambem o labo- ratorio marino de Newport. Nas colleecôes foi finido 0 novo systema de exposição geographica-zoologica. Assim os visitantes na sala da Africa podem apreciar as giraf- fas, antilopes, hippopotamos, etc. ao lado de papagaios, abestruzes e outros passaros ethiopicos, até ás borboletas, centopéas, etc., da mesma região. Creio que não ha outro Museu uo mundo que tenha applicado e aperfeiçoado este novo systema do mesmo modo. Grande é o numero de trabalhes scientificos publicados nos Boletins e nas Memorias do Museu. O pessoal technico-scicntifico consiste em 31 pessoas, quasi todas conhecidas no mundo scientifico por publi- cações valiosas. Só para a Zoologia, a Paleontologia e a Anatomia são empregados 15 sabios. Uma perda sensivel foi a morte do Prof. Hagen, cuja memoria ficará em grata recordação tambem entre nos no Brazil, visto que — 249 — a monographia delle sobre os termitidos (cupins) nos é indispensavel. O que falta ao Museu de Cambridge é mais espaço, e tambem no pessoal tem faltas que são sorprehendentes. Para o typo dos molluscos, tão bem estudado em Was- hington por Dall e Simpson, em Philadelphia por Pils- bry, etc., não tem ajudante. Desejamos ao Museu de Cam- bridge, que breve lhe seja possivel fazer desapparecer este defeito na organisação, tão lamentavel. A. Forel. Les formicides de la Provence d'Oran (Algerie). Bull. Soc. Vaud. Sc. Nat. III N. 114 Lausanne 1894. Publicacäo rica como todas as de Forel em obser- vações interessantes biologicas. Para o estudo das nossas formigas parecem-me importantes as observações sobre polymorphismo entre as operarias de Ponera, e sobre os costumes de parasito-assassinos de Solenopsis ora- niensis e de outras especies do Solenopsis, que vivem nos cupims ou nas formigueiras, mattando os construc- tores destas habitações ou as larvas delles, sendo defen- didos pela extrema reducção em tamanho em conse- quencia da qual o operario é 8—10 vezes menor do que a formiga alada. A razão porque aqui me refero a este trabalho é o appendice, em que Zorel desereve uma nova especie de Camponotus, C. Goeldii Forel, que foi encontrada em Theresopolis, E. de Rio de Janeiro, por Goeldi, distinguido pelo ninho feito de massa de cartão ao redor de uma vara de taquara e munido com 2 ninhos accessorios pequenos. A formiga é mansa e lenta, não tentando fugir do ninho, que sempre está construindo sobre taquara. Esta formiga não pertence ao grupo dos Camponotus char- tifex, Fabricii, Traili et nidulans, conhecidos por fazerem — 250 — ninhos em massa de cartão. #orel não conhece o ninho parecido que Camponotus rufipes está construindo nas arvores nas regiões do Rio Grande do Sul, expostas ás inundações. A. Lutz. Beobuchtungen über die als Taenia nana und flavopunctata behannten Bandiviirmer des Menschen. Central-Blatt fiir Bakteriologie, Bd. XVI. 1894 p. 61—67. Taenia nana, parasito raras vezes observado no homem, foi achada duas vezes em S. Paulo, sendo os doentes crianças de 2—4 annos. Esta especie é identica com a T. murina do ratto e dos comundungos. Taenia flavopunctata, observado por Lut: como parasita de uma criança de 2 annos em S. Paulo é até agora na Europa 5 vezes (Blanchard, Zschokke) encon- trada. Lutz diz, que este parasito não é raro no ratto. Revista Brazileira, 1º anno 1895. Rio de Janeiro. Redigido por José Verissimo. Parece que em geral o Brazil não é o paiz para revistas serias. Pode-se porém dizer, que a vida literaria de cada nação torna necessarios estes periodicos, e assim temos a esperança, que esta nova Revista seja mais feliz do que as que a ella precederão. Entre o grande numero de artigos podemos notar aqui alguns que para nos são de um interesse especial. Assim podemos mencionar os artigos de: J. Pandia Calogeras : a fabrica de ferro de S. João de Ipanema. Orville A. Derby: Investigações geologicas do Brazil. Mello Rego: Indios do Matto Grosso. b. A. Goeldi: As aves nadadoras do Brazil. Capestrano de Abreu: Os Bacaëry. Hf. von Ihering: As ilhas oceanicas do Brazil. ES ro CS — 291 — José Verissimo. A pesca na Amazonia. Rio de Ja- neiro 1895. Não é muitas vezes que estamos encontrando na nossa mesa de estudos livros que com tanto gosto estu- damos. O autor, um dos melhores conhecedores da região amazonica, trata successivamente da pesca do pirarucú, do peixe-boi, das tartarugas, da pequena pesca e dos respectivos instrumentos como da estatistica e legislação da pesca. Quanto á parte zoologica — não é a culpa do autor se não nos satisfaz mais. Luz Agassiz nunca acabou os estudos das colleceções feitas por elle e avaliou o numero de especies novas demasiadamente, fallando em 1800 em vez de 1000 especies mais ou menos. Tambem não é exacto dizer que os peixes do Amazonas todos differem dos de outras partes do Brazil. E’ por engano que o autor diz, que ao pirarucú faltam as barbatanas dorsaes. Tem porem /. Verissimo vazão desconfiando, que o pira- rucú quando vem ä superficie da agua o faça para respirar. O facto é conhecido com referencia á maior parte das peixes d'agua doce e para o pirarucú já o communicou-nos o Snr. General Couto de Magalhães no seu livro: Ensaio de Anthropologia. Rio 1874 pag. 29. Valeria a pena examinar o modo de desovar do Pira- ruct. Como zoologista não posso muito apreciar os tra- balhos do Dr. Alexandre Rodriguez Ferreira, que a res- peito conta historias — como aquella de terem os ovos deste peixe até a 3 palmos de comprimento. O que é verdade é que numerosos peixes do Brasil cuidam de um modo especial da sua cria — precisamos porém de novas e boas observações. E’ certo, que o bagre e o Card criam os ovos na bocca, mas se é verdade o que /. Verissimo conta do tambaqui (Erythrinus) e que a mim tambem disserão pescadores a respeito da piava, que recebe os ovos sob as escamas, não sei, se é ou não exacto. Dr. H. von IHERING. NP aid WIRE Le RATE 0 Pag. 3. — Barão de Ramalho. — Proclamação da inde- pendencia do Brazil. » 9 — Ho. Ihering. — Historia do Monumento do Ypiranga e do Museu Paulista. » 33. — HH. v. Ihering. — A Civilisação prehistorica do Brazil meridional. » 162. — P. Taubert. — O fim e a disposição de um Museu botanico. » 165. — H. 0. Lhering. — Os crustaceos Phyllopodos do Brazil. » 181 — A. Lutz — Distoma opisthotrias, um novo parasito do gambá. » 195. — 77. 0. Lhering. — O veneno ophidico. » 207. — H. v. Mering. — Os Unionidos da Florida. » 223. — H. o. Thering. — Conchas marinas da for- mação pampeana de La Plata. » 233. — Bibliographia. PES Saat EAE ANT a A o a D ME d . Fes |” at . a VITE: a : = # le ae 5 3 é A PE MA ee x fe aa i ; 7 sit, = e [Se a REA ah lg “a ea PN ‘ + ; SUMO RE si is De Soh aie ie KM a ry ER e PNEU, RULES 3 NS e : Pr | Wa + er SACS RE NE Va Sh AE SR re ehh sk e, COST T DSR, SUD] WISN, ISNIV OP VISA, LIT > ‘ * 7 A . + $ | ' o os 1 4 \ b > 4 5 ie = , + | , de j - À , . 4 i à ‘ # » ‘ y x ' 5 , i : - ES A ENE a 4 + £ É ! F q ' - EL - , st # ; - 4 , sas o. i EN x z | E (as a | ’ : i E de y ? k 2 + = ES ¥ ‘ > é 1; : en : = ai E 4 a Ef a ; a Cs y 1 es TS * x 1 ‘ ns à i ‘ E ions © we Es ote”. a ‘ tés > = = é 4 P * = Revista do Museu Paulista 1. 1895. 2 TE nin 12 Ea FINE Estab. graph de ViSteidel &:0S Paulo a. NEC | GOUT SON. 8 S.. PAULO Typ. a Vap. de O a. rua Caixa d'Agua, 10 1895. BO Ea AE et er — om PUBLICADA POR H. von IHERING, Dr. med. et phil. À | Director do Museu Paulista, socio honorario da Sociedade anthropologica italiana 4 da Academia de sciencias em Cordoba, da Sociedade geographica de Bremen, da Sociedade anthropologica de Berlim, da Academia de sciencias em Philadelphia, da Sociedade dos Naturalistas em Moscow, . da Sociedade entomologica de Berlim, do Museu ethnologico em Leipzig e da Sociedade scientifica do Chile. BL WHO! Library - Serials wi IN SE 022% kes 17 cheptel regret pás / 54 ae dor ; . + z 1 + : Paim ai % + Le 4 q = ane ae a - bo ‘ 4 ARE a 2 re De here