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Full text of "Cosmos"

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Director  e  administraiior  —  V.  GUIMARÃES  Edito-craprietario— ADOLPHO  DE  MEND0N(A 

TTPOGfSHFHIA 

46-Rufl  DO  Corpo  Shpíto-4S 


Bibliotheca  Magazine  Popdur  ílldstrada 


Di.rector  e  administrador 
V.  GUIMARÃES 

Composto  0  impresso  na 


Editor-proprietario 
ADOLPHO  DE  Mendonça 
Rua  do  Corpo  Santo,  4S  e  48 


COSMOS 


V  O  l-  U  IVI  E  II 


1907 

TTPOGRHrííIH  HDOLFMO  DE  FIENDONÇH 
46.  Rüfl  DO  CORPO  SANTO,  48 
LISBOA 


SUMMARIO 


Conto!  Sangue  azul  em' corpo  de  villão,  de  Erluardo 
Pimenta. 

Versos ;  NÓ  cego^  de  Alberto  Telles. 

Theatro!  Trecbo  de  Leonor  Telles^  de  iMarcellino  Mes¬ 
quita. 

Sport!  Em  Lisboa:  Concurso  athletico  no  velodromo; 
regata  na  valia  da  Azamhvja. —  No  estrangeiro: 
0  Automovel  Club  de  França  e  os  records  em  estrada  ; 
um  match  entre  dois  grandes  cyclistas;  o  aeroplano 
de  Santos  Duniont. 

Palestra  soientifica!  Barcos  submarinos. 

Anecdotas  I  Varias. 

Ho  mens  celebres  de  todos  os  tempos!  Camillo  Cas- 
tello  Bránco. 

Charadas  enigmas  e  acrósticos  !  Varias. 

Horticultura  e  floricultura!  0  jardim  no  verão. 

Os  grandes  paizes  e  as  grandes  cidades!  0  império  do 
Sol  Nascente. 

Distracções  e  coisas  uteis!  Electrisação  do  vidro ;  car- 
roussel  electrico;  mudar  agua  em  vinho;  mudar  o  vi¬ 
nho  em  agua;  cortar  um.  vidro  com  uma  thesoura; 
furar  um  vidro,  etc. 

Romance !  0  poeta  da  rainha. 

Revista  theatral!  Chronica  semanal. 

O  italiano  sem  mestre» 

Historia  e  geographia!  0  império  gortuguez  nalndia; 
Affonso  ã’ Albuquerque. 

Arte  culinaria!  lieceitas  varias. 

A  grande  encyclopedia. 


THE  J.  PAUL  GETTY  CENTER 
LIBRARY 


SanguB  azul  em  corpo  de  uillão 


Na  calma  serenidade  dá  tarde  não  havia  sequei, 
um  rumorejar  de  folhagem.  O  dia  tinha  sido 
quente,  abrazador,  calcinante.  Em  redor  da  viiia,  o 
fumo  das  queimas,  carregára  o  ar,  com  emanações 
ardentes  de  fornalha.  N’um  estiolamento  de  morte  a 
planicie  uniforme,  cortada  pelo  ribeiro  exangue  dos 
Lobatos  desenrolava-se  n’uma  monotonia  seguida, 
até  ás  margens  do  Gaia.  Sobre  o  rio  erguiam-se  dois 
renques  de  choupos,  deixando  entrevistar  o  moinho 
parado,  sem  outras  manifestações  de  vida,  que  não 
fossem  o  arrulhar  dos  pombos  e  o  canto  das  lavadei¬ 
ras  batendo  a  roupa,  as  mangas  da  camisa  arregaça¬ 
das,  a  face  curva  sobre  a  agua,  o  sabão  trepando  em 
ondas  de  espuma  até  aos  cotovellos  tostados. 

Mais  para  o  largo,  do  lado  dos  Carrascaes,  pela 
carreteira  que  leva  á  ponte,  caminhavam  duas  rapa¬ 
rigas  falando  e  rindo,  n’um  tom  escarninho,  seguidas 
de  perto  pelo  João  Louçana,  que  as  espiava,  tentando 
surprehender  o  motivo  da  sua  coscovilhice. 

A  carreteira  abria  uma  clareira  zig-zagueante,  por 
entre  o  piornal  escasso. 


22 


COSMOS 


O  Louçana  de  jaqueta  de  saragoça,  chapéu  de 
grandes  abts,  um  cajado  debaixo  do  braço,  minuscu- 

lisiva-se,  esconden¬ 
do-se,  por  entre  as 
moitas  de  piorno,  pa¬ 
rando  a  cada  suspen¬ 
são  das  raparigas,  dis¬ 
simulando  os  passos, 
mas  procurando  sem¬ 
pre,  com  uma  avidez 
ciosa,  ouvir-lhes  a 
conversação. 

Uma  ououtraphra- 
se  solta,  provocava- 
lhe  um  movmento 
ancioso,  levando  as 
mãos  á  cabeça,  n'um 
frémito,  como  se  o 
assomasse  um  vága- 
do,  emquanto  uma 
pallidez  mortal  lhe 
substituia  as  côres  vivas  da  face. 

As  duas  muito  juntas  tinham  um  riso  malicioso  e 
revelavam  a  intima  satisfação  de  quem  encontra  a 
remissão  da  própria  culpa  no  exemplo  das  quedas 
alheias. 

Agora,  mais  rapidas,  seguiam  para  a  villa  cantaro¬ 
lando  velhacamente  : 


Escondendo-se  por  entre  as  moitas 


Já  não  quer  o  senhor  cuco 
Casar  com  a  cotovia . . . 


CONTÕS,  VERSOS  E  THEATRO 


23 


o  Louçana  parou  á  entrada  da  ponte;  em  baixo  o 
Caya,  limpido,  luzia  muito  sereno,  as  aguas  quieta¬ 
mente  estagnadas. 

A  não  ser  a  cega-rega  das  cigarras,  nem  um  só 
ruido  perturbava  o  silencio  tranquillo  do  declinar  da 
tarde. 

Encostando-se  aa  parapeito,  olhou  o  moinho.  Na 
eira  andava,  vasculhando  no  respigo  d'algum  esque¬ 
cido  grão,  um  rebanho  de  perús;  em  redor  do  lelhado 
esvoaçavam  os  pombos;  e  no  ádito  escuro  da  porta 
destacava-se  um  vulto  gracioso  de  mulher,  passando 
um  pente  nas  fartas  tranças  negras,  esparsas  sobre  os 
esbeltos  hombros,  que  a  camisa  mal  encobria. 

Involuntariamente  o  Louçana  sentia-se  preso  por 
uma  expectação  muda;  porém,  o  movimento  das  es¬ 
páduas  fortes  e  a  contracção  dura  da  face  deixavam 
transluzir  uma  revolta  intima,  em  que  a  animosidade 
momentânea  se  perdia,  desfeita  no  pranto  d’uma  sau¬ 
dade  amarga. 

No  intimo  da  sua  consciência  procurava  a  causa  da 
immerecida  traição,  feita  pela  Clara,  a  elle,  tão  tra¬ 
balhador,  tão  caricioso  e  amante. 

Da  ponte,  vi-a  sempre  formosa,  enlevado  ainda  na 
curva  sensual  das  ancas  largas,  sobrexcitado  por  um 
desejo  de  saciar  os  apaixonados,  impetos  n’um  beijo 
d’amor;  mas  as  propulsões  da  vingança  soerguiam- 
lhe  os  brios  abatidos,  pondo-lhe  os  olhos  razos  d’agua 


•^4 


COSMOS 


Agora,  deante  d’elle,  abria-se  um  futuro  torvo,  a  ruina 
do  lar,  o  aniquillamento  da  sua  felicidade! 

A  tarde  ia  declinando  com  lentidão.  Começavam  a 
mover-se  as  arvores  das  margens  ao  sopro  d’uma  ara¬ 
gem  fresca  e  suave;  do  telhado  do  moinho  subia  um 
tenue  pennacho  de  fumo. 

O  Louçana  deu  alguns  passos  na  ponte  e  foi  sen- 
tar-se  n’um  tosco  banco  de  pedra. 

N’uma  concentração  profunda  aviva vam-se-Ihe  as 
lembranças  d’outro  tempo  illuminado  de  alegria.  Re¬ 
via  em  pleno  passado,  o  seu  primeiro,  o  seu  unico 
amor  iniciado  na  Senhora  do  Carmo,  na  grande  ro¬ 
maria  de  julho,  accesas  as  labaredas  da  paixão  nos 
fundos  olhos  da  Clara  Ladina,  pela  exhibição  da  sua 
grande  força,  n’uma  pega  rija  feita  a  um  boi  do  Pin¬ 
tado  da  Fragosa. 

Que  longe  que  elle  estava  da  felicidade  sentida  nos 
primeiros  encontros,  rapidas  entrevistas,  em  que  pas¬ 
savam  na  Huidez  d’um  sonho,  promessas  onde  se  com- 
buriam  desejos,  transluzindo  na  conversação  terna  e 
apaixonada.  Estremecia  na  mesma  emoção  violenta, 
que  o  entibiára  a  elle,  tão  másculo,  a  primeira  vez, 
que  se  viram  sós,  voltando  das  Covas  do  Barambão, 
onde  tinha  ido  fazer  um  arranque  de  esteva.  Que  de¬ 
licioso  fôra  o  regresso  n’uma  tarde  tempestuosa,  em 
que  o  vento  soprava  com  furia  e  a  chuva  caia  em  for¬ 
tes  aguaceiros!  E  fôra  para  este  desenlace  brutal  da 
traição  de  Clara  que  elle  se  sentira  ensoberbecido,  no 
dia  do  casamento,  ao  sahirem  da  egreja  tão  unidos 
um  ao  outro.  E  como  ella  ia  linda  de  endoidecer,  na 
singelleza  d’um  vestido  barato,  com  o  rosto  meio  es- 


CONTOS,  VERSOS  E  THEATRO 


•  25 


condido  no  bioco,  gentil  e  donairosa,  admiração  dos 
rapgzes  e  inveja  das  outras  raparigas! 

Recalcava-o  uma  dôr  profunda,  lancinante,  como 
se  lhe  esmagassem  o  peito  largo  e  forte. 

Krgueu-se .  olhou  com  a  vista  torva  e  o  espirito 
carregado,  o  fundo  pego  da  Corredoura ;  mas  tomado 
por  uma  resolução  inabalavel  metteu  de  vagar,  ao 
carreiro,  que  entre  os  choupos  altos  conduz  á  eira  do 
moinho. 

Dentro  da  casa  dum  asseio  alvo  xle  cal,  cantava 
uma  voz  argentina  de  mulher  nova.  Da  porta,  domi- 
nando-se  o  Louçana  cumprimentou  : 

—  Guarde-te  Deus,  Ciara ! 

A  mulher,  d  um  perfil  irreprehensivel,  o  collo  en¬ 
trevendo-se  por  entre  o  decote  da  camisa,  de  manga 
curta,  deixando  a  nú  os  braços  polposos,  queima¬ 
dos  do  sol  até  ao  cotovello,  para  cima  do  qual  tinham 
o  tom  macio  do  leite,  voltou-se  sorrindo,'n’um  des- 
cerramento  gracil  dos  lábios  rubicundos;  e,  n’um  gesto 
abandonado,  quasi  doentio,  reclinou  a  cabeça  para 
traz,  offerecendo  a  fieira  polida  dos  dentes  ebúrneos 
ao  beijo  do  Louçana. 

Elle  beijou-a  com  frieza,  como  se  ao  contacto  amo¬ 
roso  dos  lábios  se  oppuzesse  o  gelo  do  resentimento. 

Pegando  num  troiieço,  sentou-se  defronte  d’ella, 
olhando-a  fixamente,  varando-a  até  ao  fundo  da  sua 
consciência. 

Aquelle  ambiente  torturava-o.  Suffocava  alli  den¬ 
tro,  sem  forças,  para  lhe  arrancar  uma  confissão  e 
lançar-lh  a  em  rosto,  na  formidável  accusativa  d’um 
coração  partido. 


26 


COSMOS 


Os  olhos  desviaram-se-lhe  do  rosto  da  Clara,  que 
alheia  aos  pensamentos  d’elle,  continuava  cantando, 
pousou  a  vista  sobre  o  alto  leito,  meio  escondido  na 
alcova,  em  frente  da  chaminé,  como  que  a  procurar 
n’elle,  a  impressão  d’um  corpo. 

Na  parede  reluzia  o  aço  d’uma  espingarda  hespa- 
nhola,  a  cartucheira  pendurada  da  fechadura  brunida. 

Suscitado  por  uma  ideia  fixa,  disse  a  meia  voz  : 

—  Então  sabes? 

—  O  que?  fez  ella,  com  um  modo  graciosamente 
interrogativo. 

—  Despedi-me  da  herdade  do  Ravasca;  vou  para 
uma  guardaria  nos  Louções,  junto  á  nossa  fazenda 
da  serra.  Abalo  esta  noite. 

Ella  então  inquiriu  as  rasÕes  que  o  tinham  movido 
a  sair  da  casa  do  Ravasca. 

O  Louçana  explicou  um  desaguisado  em  que  en¬ 
trava  o  Zé  da  Costa,  com  o  antigo  abegão,  cousas  de 
rixa  velha;  outrora  seu  amigo  intimo,  mas  depois  da 
herança,  insupportavel. 

—  Imagina  que  tem  o  rei  na  barriga,  o  asno,  con¬ 
cluiu.  A  Clara  ao  ouvir  o  nome  do  Zé  da  Costa  mal 
poude  reprimir  um  gesto  afflictivo.  Uma  súbita  palli- 
dez  alastrou-lhe  as  faces,  trahindo-a,  como  se  o  san¬ 
gue  refluindo  ao  coração  se  congelasse  nas  veias. 

O  Louçana  percebeu  a  commoção;  mas  serena¬ 
mente  deu  a  ordem : 

—  Dá-me  a  espingarda. 

A  Clara  entrou  na  alcova;  e  dobrando  o  joelho  so¬ 
bre  o  leito  alvo,  salientando  assim  a  curva  sensual 
dos  quadris,  desprendeu  a  cartucheira  e  a  arma  que 


CONTOS,  VERSOS  E  THEATRO 


27 


Elle  tomou  a 


Alta  noite  sombria. 
O  ceu  escuro  sem  py- 
rilampisações  de  es- 
trellas  estava  sereno, 
pezado,  abafadiço.  A 
treva  distendia-se  co¬ 
mo  um  panno  fúnebre 
sobre  as  terras.  Ao  lar¬ 
go,  no  valle  de  Bebe- 
das,  reverberava,  sangrento,  o  sinistro  clarão  de  uma 
queima. 

A  quietude  era  profunda,  uniforme,  enervante,  ape¬ 
nas  cortada  pelo  uivar  sinistro  dalgum  cão,  ou  pelo 
silvo  agoureiro  das  corujas.  Do  moinho  parado,  d’uma 
brancura  phantastica,  não  saía  o  menor  ruido. 

Na  alea  dos  choupos  silenciosa  e  deserta  passou 
um  vulto,  marchando  cautelloso,  medindo  os  passos, 
com  uma  espingarda  na  mão,  os  olhos  reluzindo  como 
carvões  accesos. 


passou  para  fóra,  suspendendo-a  pelos  canos.  Elle  to¬ 
mou  a  espingarda,  sentindo  uma  forte  commoção. 
Suífocando  um  momento  aggressivo,  chegou-se  a  ella 

ciciando-lhe  n’uma  ca¬ 
ricia  forçada; 

—  Até  mais  ver. 
Saiu ;  emquanto  a 
Clara,  n’uma  garridice, 
lhe  dizia  adeus,  sorrin¬ 
do. 

.  * 


28 


COSMOS 


Dirigindo-se  ao  moinho  parou  espreitando  pela  fe¬ 
chadura  da  porta,  atravez  da  qual  passava  diluido  um 
fio  de  luz. 

De  dentro  chegava-lhe  aos  ouvidos  o  echo  de  vo¬ 
zes  soluçantes  de  amor,  sons  dispersos  de  beijos  mor¬ 
rendo  em  estertores  olfegantes,  saídos  de  peitos  con¬ 
strangidos  n’um  abraço  intimo. 

Por  entre  os  dentes  cerrados,  entre-chocando-se 
na  truculência  do  odio,  o  Louçana  sibillou: 

—  Grande  bêbada! 

Allucinado,  perdido,  no  arrebatamento  da  exalta¬ 
ção,  bateu  na  porta  com  a  coronha  da  espingarda, 
violentamente,  bradando  furioso; 

—  Abram,  ou  vae  a  porta  dentro. 

No  interior  da  casa  houve  um  silencio  de  minutos; 
mas,  de  fóra,  a  voz  do  Louçana  continuava,  viril, 
ameaçadora,  vibrante  de  indignação. 

Ouviu-se  o  leito  ranger;  uns  pés  descalços  pisando 
o  tijolo;  mas  antes  que  a  chave  desse  volta  na  fecha¬ 
dura,  o  Louçana  apparecia  terrível,  dentro  da  casa, 
partida  a  porta  pelo  impulso  vigoroso  que  a  rompeu 
em  bastilhas. 

Junto  do  leito  rollára  o  corpo  de  Clara,  mordendo- 
lhe  o  mortiço  clarão  da  candeia  o  avelludado  dos  seios 
e  o  arredondado  deslumbrante  das  espaduas-. 

Em  frente  do  Louçana,  o  Zé  da  Costa,  esgazeado, 
n’uma  allucinação  de  pavor,  -buscava  a  fuga,  a  vida 
ameaçada  pelas  guellas  d’aço  da  espingarda  apontada 
sobre  elle. 

Movido  pelo  instincto,  no  momento  em  que  o  Lou¬ 
çana  fulminava  a  mulher  com  uma  attitude  domi- 


CONTOS,  VERSOS  E  THEATRO 


29 


nante,  minaz  e  esmagadora,  o  Zé  da  Costa  tentou 
sair;  o  brado,  porém,  do  Louçana: 

—  Se  saes;  mato-te  como  um  cão!  fel-o  voltar  ao 
meio  da  casa,  onde  quedou  apavorado,  tremulo,  sem 
defeza. 

O  outro  então,  com  as  feições  demudadas,  ergueu 
com  um  pulso  de  ferro  a  mulher,  quasi  destallecida, 
sem  forças  de  reacção.  Atravessando-se  no  caminho 
da  saída,  sacudindo-a  para  o  interior  da  casa  e  ex- 
pungindo-lhe  n’um  tom  secco  e  breve,  a  sua  falta, 
ordenou-lhe  que  entrouxasse  o  seu  dote. 

Ella  abriu,  vagarosa,  a  arca  grande  acantoada  ao 
fundo  da  alcova  e  tirou  um  chale  em  que  se  envol¬ 
veu,  acabando  de  vestir-se.  Estendeu  no  chão  um  len¬ 
çol,  para  onde  passou  lentamente  o  bragal ;  os  soluços 
abafavam-lhe  a  garganta,  emquanto  as  lagrimas  mare¬ 
javam  de  remorsos  a  limpidez  dos  seus  olhos  negros. 

O  Costa  com  a  cabeça  curvada  tinha  a  immobili- 
dade  indifferente  das  estatuas. 

A  voz  de,  Louçana  sibillava  aguda,  ordenando  o 
rápido  entrouxamento. 

A  Clara  atou  as  quatro  pontas  do  lençol,  em  dois 
nós  cruzados,  cobriu-se  com  o  chaile,  ergueu  a  trouxa 
sobre  a  cabeça ;  mas  antes  de  sair  atraz  do  Zé  da 
Costa,  a  quem  um  gesto  de  Louçana  apontára  a  es¬ 
curidão  da  noite,  olhou  madida  e  supplice  o  marido, 
e  seguiu  resignada,  encontrando  no  olhar  d’elle,  a  ru¬ 
deza  inflexível  e  a  frieza  austera  do  cumprimento  de 
um  dever. 

O  Louçana  veio  á  porta;  nas  trevas  da  noite  su^ 
miam-se  os  dois  vultos  unidos  pela  mesma  culpa, 


3o 


COSMOS 


Poisou  a  espingarda,  á  porta,  no  banco  da  en¬ 
trada. 

Volveu  á  casa  e  procurou  n’um  phrenesi  uma  gar¬ 
rafa  de  petroleo  arrumada  na  estanheira.  Foi  á  al¬ 
cova,  entornou-a  sobre  a  cama,  no  chão,  na  arca;  e 
em  seguida,  tomando  a  candeia  da  chaminé,  arre¬ 
messou-a,  ardendo,  contra  o  leito  humedecido  ainda 
do  calor  dos  corpos,  d’onde  se  exhalava  o  abafo  sen¬ 
sual  dos  íalsos  arroubamentos  do  amor  aduherino ! 
A  chamma  desenvolveu-se,  rapida,  em  grandes  bafo¬ 
radas  fumarentas,  cresceu  sobre  a  parede,  distendeu- 
se  no  solo,  esfuziando  em  todas  as  direcções. 

Então,  sem  olhar  para  traz, 
os  olhos  cheios  de  lagrimas, 
o  peito  desopprimido  pelo 
choro,  0  I  .ouçana  saiu  do  moi¬ 
nho,  tomou  a  espingarda  e 
partiu  envolvido  na  sombra 
do  seu  isolamento  pela  carre¬ 
teira  da  Fialha. 

Do  moinho  elevava-se  um 
grande  clarão  sinistro,  refle - 
ctindo-se  sobre  as  aguas  mor¬ 
tas  do  Cayra;  os  sinos  de  Ar- 
ronches  alarmavam  a  villa, 
tocando  a  rebate  com  furia. 

Pela  planicie  fóra  canta¬ 
vam  as  cotovias;  vinha  nas- 

Eduardo  Pimenta. 
(Horas  Mortas) 


■  ■ .  partiu  envolvido  na  som¬ 
bra  do  seu  isolamento... 


çendo  a  manha, 


CONTOS,  VERSOS  E  THEATRO 


3l 


Nú  cego 

Estava  pensando  agora 
Que  bella  hei-de  eu  requestar; 
Ou  menina,  ou  já  senhora, 
Topam-se  a  toda  a  hora, 

Que  não  são  de  desprezar. 

Uma  que  eu  vi  á  janella 
Tem  graças  de  enfeitiçar; 
Confesso. . .  morro  por  ella  ! 
Porém,  sendo  assim  tão  bella, 
Não  ama. . .  quer-se  casar. 


De  celestes  bens  telonio, 
Bênçãos  et  coetera  do  lar, 
Respeite-se  o  matrimonio, 
Mas. . .  para  longe  o  demonio 
Que  as  tece  me>mo  no  ar! 

A  viuva,  ainda  galante, 
Sensível,  deixa-se  amar; 

Mas  não  tem  o  dom  tocante. 
Da  joven  principiante 
Do  Dom  João  d,e  Mo\art. 


COSMOS 


Inextricável  matéria. 

O’  Arte,  vou-te  adorar! 

Mas  a  deusa  grave  e  seria 
■Nos  jardins  da  antiga  Hesperia 
Manda-me  á  lua  cantar! 

Alberto  Telles 


/ 


CONTOS,  VÉRSOS  E  TNeATRO 


33 


Dd  drama  baanar  TeIIbs 


AcTO  II  —  SCENA  V 
Mestre  d'Avi^ 

Podia-te  eu  deixar  partir,  ficar-me  a  sós  ? 

Longe  de  ti,  Helena,  a  dôr  vil,  a  tristeza. 
Avassalam-me  o  peito;  a  própria  natureza 
Parece  que  se  envolve  em  negro  vèu  de  dôr! 

Perde  a  lua  o  brilhar,  o  sol  não  fem  calôr,  - 
A  agua  não  sacia,  o  monte  não  enleva, 

O  dia  é  baço  e  triste,  a  noite  é  sempre  treva ! 

E’  porque  ha  um  sentido  occulto  que  se  esconde, 
Aonde  nem  eu  sei,  mas  não  importa  aonde, 

Que  nasce  do  roçar,  de  chofre,  de  uma  vez, 

De  um  macio  corpete  o  aço  de  um  arnez ! 

Que  vive  do  olhar  amado,  a  força  estranha, 

Como  a  flôr  do  orvalho,  em  que  a  manhã  a  banha! 
E’  sublime  e  cruel !  Leva-nos  á  victoria, 

Ou  mostra,  como  a  mim,  a  minha  "espada  inglória. . . 

Helena 

O’  cala-te,  por  Deus,  tu  és  um  lisongeiro. 

Comigo!  Filha  sou  de  um  simples- cavalleiro. .  . 
Acaso  hei-de  aspirar  á  mão  de  um  rei? 


Mestre  d’Avi^ 


T  alvez ! 


34 


COSMOS  ■  .. 


Helena 

Fosse  qual  fosse  o  rei,  trocava-o  de  uma  vez. 
Por  ti,  p'lo  teu  amor!  .  - 


Mestre  d’Avi^ 


Que  sentimentos  bellos! 
Podesse  eu  adornar-te  os  fulgidos  cabellos,  _ 
De  uma  coróa  real!  seria,  entáo,  feliz! 


•f-- 


Helena 


Não  o  és,  tu,  João  ? 


Mestre  d’Avi^ 


Oh !  sou  porque  Deus  quiz, 
Que  podesse  encontrar-te  e  fosse  o  teu  dilecto. 
Quem  não  será  feliz  á  luz  do  teu  affecto? 


Helena 

Has  de  ser  grande  ainda;  és  nobre,  és  valoroso, 
Não  me  esqueças,  então! 


Mestre  d’Avi^  i 

Desterra  esse  horroroso 
Pensamento  cruel^  ó  meu  primeiro  amor! 

Amo-te,  loucamente!  e  tens,  como  penhor, 

De  este  affecto,  sem  fim,  a  luz  de  teu  olhar. 
Meiga  como  um  carinho,  azul  como  o  luar ! 

Mais  dôce  do  que  o  mel  de  túrgidas  colmeias.  , 


CONTOS,  VERSOS  E  THEATRO 


35 


Eras  tu  que  eu  sonhava!  á  noite,  nas  ameias 
Do  meu  velho  solar,  fitando  impaciente 
O  immenso  espaço  azul,  via-te  clara,mente. 

Sobre  as  nuvens  voar,  olhando-me,  dorida ! 

Eras  tu,  não  me  engano:  aquella  fórma  querida 
Tinha  este  mesmo  ar,  ingênuo,  adolescente, 

Este  rosto  gentil!  e  a  veste  transparente, 

Deixava  advinhar  do  vento  ao  brando  córte 
O  garbo  singular  do  teu  airoso  pórte! 

Eras  tu,  bem  o  vejo :  hoje,  que  ao  pé  de  ti 
Posso  ver  tão  de  perto,  o  que  tão  longe  vi; 

Sentir  junto,  ao  meu  peito,  aquella  imagem  vaga, 
Conheço  que  o  meu  sonho  é  vivo  e  me  embriaga ! 
Amor  que,  rara  vez,  concede  a  sorte  avara, 

Onde  a  vida  descança  e  o  pensamento  pára! 

Helena 

Repete-me,  João,  repete  esse  dizer, 

A  ouvir- te  fallar  era  até  bom  morrer! 

A  voz  de  quem  se  ama  é  como  um  canto  grave 
De  um  orgão,  que  se  eleva  e  morre  pela  nave 
E  atraz  do  qual  nos  sóbe  a  Deus  o  coração! 

A  nave  é  o  meu  peito  e  o  Deus  és  tu,  João! 

(PausaJ. 

Meu  Deus!  que  me  esqueci!  Vim  a  buscar  as  flores 
Da  rainha. . .  afinal. .  .  topei  com  meus  amores. . . 

Mestre  d’Avi^ 


Pouco  te  demoraste. 


JD 


COSMOS 


Helena 

Eu  sei .  . .  Estarão  em  pena 
Por  mim  I  Adeus,  João! 

Mestre  d’AvÍ7 


(Helena  saej. 


Adeus,  formosa  Helena. 
'  Marcellino 


Mestre  d'Avi\  na  peca  «Leonor  Telles» 


0  ultimo  concurso  de  «sports»  athleticos 
disputado  no  Yelodromo  de  Lisboa 


Aprova  sportiva  de  maior  interesse  que  ulti¬ 
mamente  se  realisou  em  Lisboa  foi,  sem  du 
vida  alguma,  o  concurso  disputado  no  velo- 
dromo  de  Palhavã,  na  tarde  de  7  do  corrente.  Os 


seus  resultados  technicos  não  pódem,  em  boa  verda¬ 
de,  envaidecer  extraordinariamente  os  concorrentes  ; 
mas  representam  um  esforço  de  tenacidade  e  de  qrrojo 


'4 


COSMOS 


que  é  licito  estimular  com  discreto  elogio.  Por  ou¬ 
tras  palavras  ;  os  resultados  obtidos  nas  diversas  pro¬ 
vas  do  concurso  não  se  approximam  sequer  do  que, 
vulgarmente,  se  obtem  lá  fóra  em  torneios  idênti¬ 
cos —  excepção  feita  dos  saltos  em  altu-^a;  mas  tra¬ 
duzem  innegavelmente  o  desejo  de  conseguir  bem 
cedo  essa  approximação,  mercê  de  treino  aturado  e 
methodicamente  conduzido. 

Excepção  feita  dos  saltos  em  altura,  dissemcs  nós, 
e  na  realidade  essa  prova  athletica  foi  a  unica  de  en¬ 
tre  todas  as  do  concurso  que  attingiu  um  resultado 
magnifico.  O  salto  de  i'“,6i  do  sr.  Barley,  não  poden¬ 
do  ser  comparado,  por  exemplo,  com  o  de  i“,97  de 
.Sweeney,  é,  no  emtanto,  uma  explendida  performan¬ 
ce  que  ficaria  bem  collocada  em  qualquer  torneio  in¬ 
ternacional,  principalmente  se  esse  torneio  réunisse 
apenas  representantes  do  paiz  visinho  ou  do  sul  da 
França.  Mas  o  resto  —  os  saltos  á  vara,  o  lançamento 
do  peso,  os  saltos  em  comprimento,  o  lançamento  do 
disco,  etc.,  tudo  isso,  digamol-o  com  franqueza,  en¬ 
contra  nos  clubs  de  Bordéus,  Bayonna,  Biarritz  ou 
San  Sebastian  —  para  não  citar  senão  os  amadores 
estrangeiros  com  os  quaes  os  nossos  mais  vantajosa¬ 
mente  pódem  luctar  —  cultores  d'uma  superioridade 
algo  distanciada,  d’um  treino  indubitavelmente  mais 
completo  e  esmagador.  E  é  ver; 

No  lançamento  do  peso,  Manuel  da  Silveira,  o  pri¬ 
meiro  classificado  na  tarde  de  7,  apenas  conseguiu  a 
distancia  de  9"’, 80.  Ha  dias,  em  Irun,  um  amador  do 
Biarritz  Stade  fez  com  facilidade  io“,89,  e  não  tem  a 
robustez  physica  que  caracterisa  o  campeão  de  Por- 


SPORT 


5 


tugal.  Nos  saltos  á  vara,  o  sr.  Ryder  fez,  entre  nós, 
no  velodromo  de  Palhavã,  2'".62;  no  mesmo  concur¬ 
so  a  que  já  nos  referimos,  Stang,  do  Sport  Athle ti¬ 
que  Bordelais,  saltou  3“,4o,  o  que  não  é,  positiva¬ 
mente,  o  record  de  Gonder,  mas  uma  performancQ 
de  real-  valor. 


Quer  isto  dizer,  porventura,  que  os  nossos  amado¬ 
res  não  conseguem  egualar  essas  distancias  ?  Náo : 
longe  d’isso. 

Mas,  para  o  conseguirem,  necessitam  naturaimente 
um  treino  que  ainda  nao  possuem  e  que  só  se  adqui¬ 
re  com  dedicação  aturada  —  tanto  mais  que  os  sports 
do  genero  d’aquelles  que  constituiram  o  programma 
da  tarde  de  7  andam  um  tanto  descurados  no  nosso 
paiz.  Treino  e  só  treino,  e  fiquem  todos  convencidos 
de  que  dentro  de  alguns  mezes  poderão  então  hom- 
brear  distinctamente  com  o  que  no  estrangeiro  cos^ 
tuma  fazer  boa  figura, 


i6 


COSMOS 


Posto  isto,  registemos  rapidamente  os  resultados  do 
concurso  : 

Saltos  em  altura  —  i.”,  Barley  lançamento 

do  peso —  I.",  Manuel  da  Silveira  {9'", 8o);  corrida  de 
bicycletas  (velocidade)  — •  1.“,  J.  Figueira,  2.",  D.  Eu¬ 
gênio  de  Noronha;  corrida  de  tres  pernas —  i."",  A 
Neves  e  A.  Freitas;  lançamento  do  disco —  i",  José 
Prego;  saltos  á  vara —  1 Ryder  (2"',62) ;  corrida  de 
barreiras  —  1.",  Ryder;  lucta  de  tracção  —  r"  a  equi¬ 
pe  do  Real  Club  Infante  D.  Manuel ;  corrida  de  sac- 
cos  —  i.",  Macdonald;  saltos  em  comprimento —  1.“, 
Barley  (5"’, 60);  corrida  de  resistência  (pedestre)  — 
I.",  Macdonald;  corrida  de  obstáculos — ].“,  Lama¬ 
rão;  corrida  de  velocidade  (pedestre) —  i.®,  F.  Pinto 
Basto. 

A  regata  ua  valia  da  Azainbuja,  promovida 
pelo  Real  Club  Naval 

No  domingo  9  do  corrente,  o  Real  Club  Naval  mo- 
hilisou  as  suas  tripulações  de  remo  e  as  suas  guigas 
para  a  costumada  regata  na  valia  da  Azambuja  — 
que  devia  ser  como  que  o  ensejo  asado  para  uma  es¬ 
colha  dos  melhores  remadores  ou  da  melhor  equipe 
da  aggremiação.  E  dizemos  devia  ser,  porque,  exa- 
ctamente,  no  caso  presente,  quasi  todas  as  tripula¬ 
ções  que  melhor  remaram,  ou  as  que  remaram  com 
melhor  estylo,  foram  as  que  perderam.  Os  resultados 
da  regata  foram  os  seguintes: 

corrida  —  ganhou  a  tripulação  da  D.  Carlos: 
Guilherme  Salgado,  Carlos  Shirley,  Guilherme  Shir’ 
ley,  Lino  dos  Reis  e  João  Anjos  (timoneiro) ;  2,“  cor- 


Sí>ORT 


*7 


rida  —  a  tripulação  da  Mondego  :  A.  Ferreira,  A.  Ma^ 
galhães,  C.  B.,  Rocha  Leão  e  José  Manuel  Mendes 
(timoneiro);  J/''  corrida  —  a  tripulação^da  D.  Amélia: 


J.  Mendonça,  Xavier  de  Brito,  Armando  Frade,  Guer¬ 
reiro  Ferro  e  João  Gimenez  (timoneiro);  4.'“  corrida 
—  a  tripulação  àa  Branca:  Orlando  Caldeira,  A. San¬ 
tos,  J.  Rato,  J.  Barata  e  Manuel  Vasques  (timoneiro); 
5.“  corrida  — a  tripulação  da  D.  Amélia  :  Mario  Sant'- 
Anna,  Ferro  Mayer,  L.  Mascarenhas,  Estevão  da  Sil¬ 
va  e  João  Bissau  (timoneiro) ;  6.’'  corrida  —  a  tripu¬ 
lação  do  pair-oar  Alice:  João  Tito,  Antonio  Tito 
e  Vasco  Almeida  (timoneiro). 


PELO  ESTRANGEIRO: 

0  Automorel  Club  de  Frauça  e  os  «records» 
em  estrada 

Uma  recente  disposição  do  Automovel  Club  de 
França  determina  rigorosamente  que  se  pão  chrono- 
metre  nem  auctorise  as  tentativas  de  record  em  es- 


i8 


COSMOS 


trada  —  para  longas  distancias  —  sem  que  o  percur¬ 
so  a  effectuar  seja  convenientemente  guardado  e  vi¬ 
giado.  Isto  para  evitar  qualquer  desastre  tanto  para 
o  automobilista  como  para  os  peões.  O  ultimo  record 
d’esse  genero  auctorisado  pelo  Automovel  Club  de 
França,  foi  o  de  Sorel,  n’uma  Dietrich  de  bo  caval- 
los,  percorrendo  em  28  horas  a  distancia  de  Paris  a 
Madrid,  1.600  kilometros.  Já  nao  succedeu  o  mesmo 
ao  audacioso  touriste,  sr.  Borde,  que  cobriu  em  24 
horas  a  mesma  distancia,  debaixo  dum  verdadeiro 
temporal. 

Antes  da  partida,  numerosos  amigos  do  sr.  Borde 
não  queriam  que  elle  se  aventurasse  a  seguir  viagem 
n’um  dia  que  amanhecera  tempestuoso.  Vento,  chu¬ 
va,  trovoada  acompanhada  de  granizo,  tudo  fazia  pre¬ 
ver  que  o  arrojado  chauffeur  desistiria;  mas  nada 
d’isso:  elle  ahi  vae  com  uma  veloc  dade  estonteante 
e  ao  meio  dia  e  meia  hora  chega  a  Bordéus  são  como 
um  pero.  Almoçou  alli  e  seguiu  a  carreira.  D’ahi  a 
pouco  passa  em  Bayonna  e  chega  como  um  re¬ 
lâmpago  á  fronteira  hespanhola,  tendo  feito  85o  ki¬ 
lometros,  em  França,  em  17  horas  e  i5  minutos, 
isto  é,  com  uma  velocidade  média  de  5o  kilometros  á 
hora. 

Pára,  por  minutos,  na  alfandega  para  as  formali¬ 
dades  do  estylo  e  eil-o  de  novo  na  vertigem,  debaixo 
da  chuv.-i  que  cahia  intensa,  e  ás  9  da  noite  do  dia  se¬ 
guinte  chegava  a  Madrid. 

Em  todo  o  trajecto  o  automovel  do  sr.  Borde,  um 
doiible-phaeton  de  10/14  cavallos,  consumiu  apenas 
uma  média  de  1 1  litros  e  meio  de  gazolina  por  cada 


SPORT 


9 


loo  kilometros  e  chegou  a  Madrid  com  os  mesmos 
pneumáticos  cora  que  sahira  de  Paris, 


o  carro  «Ariès»  i5  H.P.  que  fez  o  record 
Paris-Madrid  em  24  horas. 


Um  nmatch»  ridículo  entre  dois  grandes  cyclistas: 

Mayer  e  Poulaiu 

Em  Paris,  no  velodromo  municipal,  realisou-se  ha 
dias  um  desafio  em  duas  mãos,  entre  Mayer,  um 
grande  cyclista  que  já  correu  este  anno  na  pista  de 
Palhavã  e  Poulain,  o  campeão  do  mundo  em  iqoS.  Na 
primeira  mão,  que  era  de  i.ooo  metros,  Poulain  ga¬ 
nhou  a  corrida  com  certa  facilidade.  Na  segunda 
pOrém,  os  dois  corredores  começaram,  logo  ao  tiro 


20 


COSMOS 


de  pistola,  a  representar  uma  comedia  ridícula,  for 
cejando  cada  qual  por  evitar  tomar  a  cabeça  (ou  . 
dianteira,  como  se  diz  vulgarmente).  Em  certa  altu  | 
ra.,  Poulain,  menos  acrobata  do  que  o  seu  adversa  j 
rio,  cahiu.  Houve  necessidade  de  fazer  correr  nova  1 
mente  essa  mão  do  matclij  que  Mayer  venceu  poi 
um  quarto  de  roda. 

Foram  á  belle^  ou  ao  desempate.  Os  dois  corredo¬ 
res  continuam  a  mesma  scena,  prodigalisando-se  em 
esforços  para  não  demarrar,  apoiando-se  até  ás  balaus-  I 
tradas  da  pista  para  se  conservarem  no  mesmo  sitio. 

O  publico,  enervado  com  a  representação,  prorompe  i 
n’um  charivari  medonho,  e  a  scena,  depois  d’uma 
hora  e  dez  minutos  de  teimosia  ridicula,  acaba  pelo 
desapparecimento  do  jury,  que  abandonou  o  velodro- 
mo,  farto,  positivamente,  de  tanta  massada. 

! 

0  novo  acrostato  de  Santos  ihiiiiout 
participa  ao  mesmo  tempo  do  balão  e  do  aeroplano 

1 

Os  telegrammas  de  Paris  já  noticiaram  o  desastre  , 
succedido  a  Santos  Dumont,  quando  experimentava, 
na  madrugada  de  8  do  corrente,  no  parque  de  Baga-  j 
telle,  o  seu  aerostato  n."  i6.  Falta  dizer  que  o  novo 
apparelho  do  illustre  aeronauta  é  uma  combinação  do  ' 
balão  dirigivel  e  do  aeroplano:  é  mais  pesado  do  que  ^ 
o  ar  cerca  de  8o  kilos.  Comp5e-se,  em  primeiro  logar, 
d’um  envolucro  de  seda  envernisada,  envolucro  ' 
fusiforme  de  99  metros  cúbicos  e  de  21  metros  de 
comprimento,  tendo  no  interior  um  balão  compen¬ 
sador  cheio  d’ar.  O  apparelho,  mais  leve  que  o  ar, 


êPÒRT 


2  t 


supporta  uma  série  de  peças  todas  ellas  mais  pesa¬ 
das  do  que  o  ar  :  um  motor  de  5o  cavallos  (o  do  ul¬ 
timo  aeroplano  construído  por  Santos  Dumont)  ac- 
cionando  uma  helice  de  2  metros  de  diâmetro,  collo- 


O  dirigível  de  Santos  Dumont 


cada  á  frente;  um  plano  movei,  também  collocado  á 
frenté,  e  que  deve  guiar 'a  marcha  ascensional;  a  traz, 
entre  o  motor  e  o  leme  polygonal,  um  plano  de  aero¬ 
plano  de  4  metros  de  superfície.  O  aeronauta  assen- 
ta-se  n’um  selim  atraz  do  motor,  O  apparelho  com¬ 
pleto  repousa  sobre  duas  rodas  de  bicycleta. 


PalBstra  sciantífica 


BarcoM  sul)  ma  ri  nos 

Muita  gente  haverá  que  imagina  que  o  problema 
da  navegação  submarina  só  modernamente  co¬ 
meçou  a  occupar  a  attenção  dos  homens.  E’ 
um  engano.  Os  projectos  de  navios  submarinos,  apre¬ 
sentados  desde  os  princípios  do  seculo  XVII  até  hoje, 
contam-se  ás  centenas,  e  o  mais  curioso  é  que  na 
longa  lista  dos  inventores  entram  indivíduos  de  va¬ 
riadíssimas  profissões,  incluindo  até  alguns  de  miste¬ 
res  muito  humildes,  cujos  inventos  figuram  honrosa¬ 
mente  na  historia  da  navegação  submarina.  Muitos 
d’esses  barcos,  muitíssimos  mesmo,  foram  construí¬ 
dos  e  eíFectuaram  as  suas  experiencias  com  melhor 
ou  peior  resultado. 

Assim,  já  em  1624,  um  rei  de  Inglaterra  navegou 
sob  as  aguas  do  Tamisamo  submarino  inventado  pelo 
hollandez  Van  Drebbel,  barco  de  madeira  que  podia 
mergulhar  até  5  metros  e  era  movido  a  remos  que 
penetravam  no  navio  atravez  de  mangas  de  coiro  im¬ 
permeável.  E  em  1776  o  sargento  Lee  do  exercito 
americano,  tentou,  no  submarino  de  Bushnell,  des¬ 
truir,  no  porto  de  New-York,  o  navio  de  guerra  inglez 
Eagle,  aparafusando-lhe  no  fundo  uma  caixa  cheia 


8 


COSMOS 


de  polvora,  tendo  estado  essa  tentativa  a  ponto  de 
ser  coroada  de  exito,  assim  como  outras  duas  a  que 
aquelle  bravo  sargento  se  aventurou. 

Bushnell  era  medico;  dotado  d’um  extraordinário  es¬ 
pirito  inventivo,  o  seu  submarino  era,  para  o  tempo, 
uma  maravilha.  Construido  de  madeira,  apertado  por 
cintas  de  ferro,  tinha  dois  helices,  remos  em  fórma  de 
parafuso  como  lhe  chamam  as  chronxas  da  epocha ; 
um,  horisontal,  collocado  na  dianteira  do  barco,  fa¬ 
zia-o  avançar  ou  recuar,  outro,  vertical,  movia  o  navio 
n’este  sentido.  O  primeiro  era  manobrado  á  mão  ou 
com  o  pé,  o  Segundo  á  mão,  assim 
como  o  leme.  Um  só  homem  consti¬ 
tuía  a  tripulação  do  submarino. 

Uma  valvula,  abrindo  de  dentro 
para  fóra,  dava  entrada  á  agua  ne¬ 
cessária  para  a  immersão  e  duas 
bombas  prementes  expulsavam  essa 
agua  para  fazer  emergir  o  barco. 

Bushnell  que,  com  justo  titulo,  deve  ser  conside¬ 
rado  o  primeiro  inventor  da  applicação  do  helice  ã 
navegação,  dotou  o  seu  submarino  com  um  peso  de 
segurança  alojado  na  parte  exterior  do  fundo,  mas 
que  podia  ser  manobrado  da  parte  interna  e  que, 
em  caso  de  avaria  séria,  devia  ser  largo  para  _  o 
fundo,  a  fim  de  permittir  que  o  barco  voltasse  ra¬ 
pidamente  á  superficie. 

Depois  de  Bushnell,  até  aos  nossos  dias,  muitos  ou¬ 
tros  projectos  de  submarinos  foram  apresentados, 
como  acima  dizemos,  mas  n’uma  secção  de  tão  limi¬ 
tado  espaço,  como  esta,  impossível  se  nos  torna  re- 


O  submarir.o  de 
Bushnell, manobra, 
do  á  mão. 


PALESTRA  SCIENTIFICA 


9 


ferirmo-nos  a  todQS,  ainda  que  ligeiramente,  e  por 
isso  mencionaremos  apenas  aquelles  que  por  qualquer 
circumstancia  mereçam  referencia  especial.  N’esse 
caso  está  o  submarino  Nautilus,  construido  em  1797? 
inventado  pelo  extraordinário  espirito  de  Fulton. 

Era  um  pequeno  barco  de  ferro,  forrado  de  madeira, 
de  forma  ellipsoidal,  que  á  superfície  navegava  á  vela, 
e  debaixo  de  agua  era  movido  por  um  helice  que 
se  manobrava  á  mão  por  meio  de  um  volante.  Dois 
lemes  horisontaes  faziam  mergulhar  o  navio  em  mar¬ 
cha  e  mantinham-no  n’uma  determinada  profundi¬ 
dade. 

A  habitabilidade  era  assegurada  durante  tres  horas 
á  tripulação  que  se  compunha  de  tres  homens. 

Como  as  experiencias  a  que 
o  inventor  procedeu  tivessem 
dado  resultados  satisfactorios, 
este  procurou  atacar  alguns  na¬ 
vios  inglezes  que,  prevenidos  a 
tempo,  conseguiram  evital-o. 

P'ulton  pediu  então  ao  governo 
francez  que  lhe  desse  um  na¬ 
vio  velho  para  mostrar  os  ef- 
feitos  do  seu  torpedo,  mas  foi- 
lhe  isso  recusado  com  pretex¬ 
tos  pueris,  e  0  inventor,  descoroçoado,  abandonou  a 
França. 

Depois  de  F'ulton,  os  inventos  de  submarinos  suc- 
cederam-se,  durante  todo  o  século  XIX,  com  ex¬ 
traordinária  frequência.  Alguns  d’elles  foram  fataes 
aos  inventores  e  a  lista,  felizmente  pouco  longa,  das 


Fullon 


10 


COSMOS 


victimas  da  navegação  submarina  foi  augmentada 
com  os  nomes  do  hespanhol  Cervo  em  i83i  e  do 
dr.  Petit,  med’CO  de  Amiens,  em  1834. 

Em  i85 1,  dois  inventores  de  profissão  modestíssi¬ 
ma,  um  na  Europa  e  o  outro  na  America,  construi¬ 
ram  dois  submarinos  muito  notáveis. 

Bauer  era  sargento  do  exercito  allemão  e,  antes 
d’isso,  operário  torneiro.  O  seu  submarino  era  muito 
bem  concebido,  de  harmonia  com  todos  os  princí¬ 
pios  scientificos  da  época  e  apresentava  a  originali¬ 
dade  de  tentar  assegurar  a  estabilidade  de  immer- 
são  em  marcha  peio  deslocamento  de  um  peso, 
posto  em  movimento  por  um  parafuso  que  era  ma¬ 
nobrado  á  mão  por  meio  de  uma  pequena  roda.  A 
primeira  experiencia  ia-lhe  custando  a  vida. 

Depois  de  navegar  algum  tempo  debaixo  de  agua, 
as  chapas  da  popa  cederam  um  pouco,  o  navio  co¬ 
meçou  a  mergulhar  com  rapidez,  e  apezar  dos  es¬ 
forços  empregados  para  contrariar  a  descida,  cahiu 
no  fundo,  n’uma  profundidade  de  18  metros  de  agua. 
A  pressão  exercida  sobre  o  casco  era  enorme  e  as 
chapas  começaram  a  amolgar-se.  A  situação  tornou-se 
desesperada. 

Bauer  não  perdéu  porém  o  sangue  frio,  e,  fazen¬ 
do  encher  de  agua  novamente  todos  os  reservató¬ 
rios,  conseguiu  comprimir  o  ar  até  contrabalançar  a 
pressão  exterior,  e,  abrindo  a  escotilha,  subiu  á  su- 
perficie,  elle  e  os  seus  companheiros,  com  uma  ra¬ 
pidez  extraordinária. 

Foi,  todavia,  isto,  um^  mau  prenuncio  para  a  sua 
vida  de  inventor,  que  na  realidade  foi  uma  série  de 


PALESTRA  SCIENTIITCA 


I  I 


desgostos  e  de  contrariedades,  a  que  só  resistiria  uma 
tenacidade  como  a  d’elle. 

O  outro  submarino  a  que  acima  nos  referimos, 
era  invento  d’um  sapateiro  americano,  de  nome 
Philipps.  Admiravelmente  imaginado  e  executado. 


O  submarino  e  o  sargento  Bauer 


apresentava  este  barco  duas  originalidades :  uma 
junta  espherica  que  permittia  manejar  quaesquer 
instrumentos  de  dentro  do  barco  e  um  pendulo 
qne,  fechando  authomaticamente  os  tubos  que  liga¬ 
vam  entre  si  os  reservatórios  de  agua,  procurava  as¬ 
segurar  a  estabilidade  longitudinal  do  navio  em  im- 
mersão.  Philipps  fez  diversas  experiencias  e  era  tal 
a  confiança  que  depositava  no  seu  invento,  que  che¬ 
gou  a  passar  lo  horas  debaixo  de  agua  com  a  mu¬ 
lher  e  os  filhos. 

Uma  vez,  porém,  mergulhou  no  lago  Erié  e  nun¬ 
ca  mais  appareceu. 

Os  americanos  não  perderam  na  navegação  subma¬ 
rina  a  sua  linha  tradiccional  de  aventura  e  ousadia. 


12 


COSMOS 


Em  i863,  durante  a  guerra  da  seccessão,  Aunley  in¬ 
ventou  um  pequeno  submarino  para  destruir  os  na¬ 
vios  dos  Estados  do  Norte,  a  que  foi  dado  o  nome  de 
David  e  que  só  nas  experiencias  matou  33  homens. 
Uma  vez  foi  a  ondulação  de  um  vapor  que  passava 
que  o  metteu  no  fundo.  Posto  a  nado,  virou-se  no 
decurso  d’uma  experiencia  e,  finalmente  n’uma  outra 
experiencia,  mergulhou  a  grande  profundidade  e,  não 
se  sabe  porquê,  não  voltou  á  superficie.  Posto  nova¬ 
mente  a  nado  e  reparado,  o  David  atacou  com  o 
seu  torpedo,  em  i6  de  fevereiro  de  1864,  a  corveta 
federada  e  metteu-a  no  fundo,,  mas  pere¬ 

ceu  com  ella. 

No  mesmo  annode  i863  um  submarino  denominado 
Le  Plougeur  era  lançado  ao  mar  em  França,  entre 
grandes  esperanças  de  uma  resolução  definitiva  da 
questão  devido  á  reputação  scientifica-e  competência 
technica  dos  seus  inventores  o  capitão  de  mar  e  guerra 
Bourgois  e  o  engenheiro  naval  Brun,  a  primeira  vez 
que  appareciam  como  inventores  de  submarinos  indi- 
viduos  de  profissão  maritima.  Era  este  barco  dividido 
em  tres  compartimentos,  um  para  a  machina  de  ar 
comprimido,  outro  para  os  tubos  reservatórios  do  ar 
comprimido  a  12  atmospheras  e,  entre  estes,  o  do  cen¬ 
tro  reservado  á  tripulação  de  12  homens.  O  barco 
mergulhava  pela  substituição  do  ar  de  alguns  reser- 


jrn 


vatorios  por  agua  e  emergia  pela  expulsão  d’essa 


mesma  agua  por  meio  de  communicação  do  respe¬ 
ctivo  reservatório  com  os  de  ar  comprimido. 

As  experiencias  demonstraram  porém  que  os  seus 
inventores  não  conseguiram  dar  sufficiente  estabili- 


PALESTRA  SCIENTIFICA 


i3 


dade  a  essa  massa  de  400  toneladas  e  o  barco  foi  des¬ 
armado. 

Em  r866  o  americano  Raeber  construiu  um  sub¬ 
marino  com  a  particularidade  do  helice  ser  movei  e 
servir  ao  mesmo  tempo  como  propulsor  e  leme.  A 
idéa  já  tinha  sido  emittida  muitos  annos  antes  por 
Shorter,  Millington,  etc.,  mas  foi  a  primeira  vez  que 
teve  realisaçáo  pratica.  Era  iSyS  um  outro  americano 
Holland  construiu  um  submarino  ao  qual  nos  referi¬ 
mos  aqui,  simplesmente  porque  este  inventor,  modi¬ 
ficando  successivamente  o  seu  primeiro  invento,  le- 
vou-o  ao  máximo  grau  de  aperfeiçoamento  actual. 
Em  1877  russo,  Drzewiecki,  construiu  também  um 
navio  d’este  genero  que,  aperfeiçoado  em  1879,  fez 
experiencias  com  tão  feliz  resultado  que  o  governo 
russo  encommendou-lhe  em  1881  cincoenta  e  dois 
d’estes  barcos,  os  quaes  eram  tão  pequenos  que  po¬ 
diam  ser  içados  nos  turcos  dos  grandes  navios  e  as¬ 
sim  transportados  ao  local  de  combate. 

Entretanto  os  progressos  realisados  na  electricidade 
e  as  tentativas  da  applicação  pratica  dos  motores  de 
gaz  auctorisavarn  a  supposição  de  que  a  navegação 
submarina  ia  entrar  n’uma  phase  nova,  na  phase 
actual. 

Em  1884  Drzewiecki  substituiu  no  seu  submarino 
de  1879  a  manobra,  a  braço,  do  helice  e  das  bombas, 
por  um  motor  electrico  accionado  por  uma  corrente 
duma  bateria  de  accumuladores. 

Em  i885  appareceu  o  submarino  de  Nordenfeldt, 
3  primeiro  que,  respondendo  d’uma  maneira  quasi  sa- 
isfatcria,  a  vários  pontos  do  problema,  deixou  ante- 


M 


COSMOS 


ver  a  possibilidade  da  utilisação,  como  arma  de  guerra, 
do  barco  submarino.  Nordenfeldt  deu  aos  reservató¬ 
rios  de  agua  do  seu  navio  uma  capac  dade  insufficiente 
para  o  fazer  mergulhar  inteiramente.  A  immersão 
completa  era  então  obtida  mechanicamente  por  dois 
helices  verticaes.  Avante  havia  dois  lemes  horisontaes 
destinados  a  dar  ao  barco  a  estabilidade  de  immersão 
em  marcha.  Era  movido  na  navegação  á  superfície 
por  uma  machina  de  vapor,  e,  quando  mergulhado, 
servia-se  do  vapor  que  existia  na  caldeira  no  momento 
de  immergir  è  do  de  dois  reservatórios  especialmente 
a  isso  destinados  e  em  qge  o  vapor  era  sobreaquecido 
por  um  systema  particular. 

O  movimento  automático  dum  embolo  fechava  a 
valvula  de  introducção  do  vapor,  quando  a  immersão 
excedia  o  nivel  desejado  e  o  barco  voltava  rapida¬ 
mente  a  esse  nivel.  Nonlenfeldt  construiu  em  1887 
um  novo  barco  maior  que  este  e  com  alguns  aperfei¬ 
çoamentos. 

Em  França  accentuava-se  por  essa  epocha  um  gran¬ 
de  movimento  em  favor  dos  submarinos.  Um  exagero 
de  apreciação  suggestionado  pelo  patriotismo  fazia-lhe 
vêr  nos  barcos  d’esse  genero  a  arma  invencivel,  ha 
tanto  tempo  procurada,  contra  o  collosso  marítimo 
britannico.  Em  Toulon  e  Cherburgo  procederam  dois 
illustres  engenheiros,  Gustavo  Zédé  e  Goubet  a  ex¬ 
periências  com  submarinos  movidos  por  um  helice 
accionado  por  uma  corrente  electrica  de  accumula- 
dores.  Datam  d’estas  experiencias,  respectivamente 
realisadas  em  1889  e  1891,  os  primeTOS  resultados 
ien'mente  práticos  da  navegação  submarina. 


PALESTRA  SCIENTIFICA 


l5 


Ao  mesmo  tempo  surgiam  em  vários  paizes  os  in¬ 
ventores.  Em  1889  experimentava  Peralna  Hespanha 
um  barco  d’este  genero  no  meio  d’um  extraordinário 
enthusiasmo,  para  pouco  depois  ser  votado  ao  esque¬ 
cimento.  em  1890  procedia-se  em  Portugal  ás  ex¬ 
periências,  com  animadores  resultados,  do  submarino 
Fontes^  para  também  nunca  mais  se  falar  n’elle,  e  em 
1895  faziam-se  experiencias  em  Italia  com  o  Deljino 
do  engenheiro  Pullino,  cujo  resultado  foi  conservado 
secreto,  tendo  podido  apenas  saber-se  que  tinha  sido 
muito  satisfatório. 


o  «Hollanda»  navegando  á  superfície 


D'ahi  por  deante  entra  a  navegação  submarina  fran- 
íamente  na  phase  actual  dos  submarinos  chamados 
autonomos.  Na  America,  Holland,  depois  de  ter  con- 
struido  successivamente  6  typos  de  submarinos,  pa¬ 
rava  no  7.“,  adoptado  pelos  governos  americano  e  in- 
glez,  mas  mesmo  este  typo  tem  soffrido  modificações 
feitas  pela  casa  constructora  e  outras  efFectuadas  em 
Inglaterra.  E’,  d’um  modo  geral,  um  barco  movido  á 


6 


COSMOS 


superticie  por  um  motor  de  gazolina,  e  debaixo  de 
agua  por  um  motor  electrico  accionado  por  uma  cor¬ 
rente  d’uma  forte  bateria  de  accumuladores.  Tem 
dois  lemes  horisontaes  para  assegurar  a  estabilidade 
de  immersão  em  marcha  e  é  armado  com  tubos  para 
lançar  torpedos.  A  immersão  obtem-se  introduzindo 
agua  nos  reservatórios,  o  que  faz  mergulhar  o  barco 
até  um  certo  ponto,  fazendo-se  depois  a  immersão 
completa  mechanicamente. 

Ainda  ha  pouco  tempo,  o  nosso  governo  decretou 
a  acquisição  de  dois  d’estes  submarinos  para  a  nossa 
marinha  de  guerra. 

Os  francezes  entraram  pouco  depois  no  mesmo  ca¬ 
minho.  O  primeiro  submarino  autonomo  que  construi- 
ram^,  o  Narval^  era  movido  á  superfície  por  uma  ma- 
chinade  vapor,  mas  esse  systema  foi  logo  abandonado, 
substituindo-se  a  machina  de  vapor  pelos  motores  de 
petroleo  e  de  gazolina,  como  se  fazia  na  America. 

Os  barcos  submarinos  estão,  porém,  muito  longe 
ainda  de  attingir  o  grau  de  aperfeiçoamento  exigido 
por  uma  utilisação  pratica  e  efficaz.  Teem  ainda  mui¬ 
tos  defeitos  que  algumas  vezes  originam  catastrophes 
como  aquellas  que  ha  pouco  tempo  enlutaram  a  França. 
O  Farfadet  e  o  Lutin,  submarinos  de  bateria  de  ac¬ 
cumuladores,  afundaram-se,  perecendo  quasi  toda  a 
tripulação. 

E’  porém  de  crer  que  na  defeza  das  costas  pres¬ 
tem  desde  já  importantes  serviços. 

O  maior  obstáculo  ao  progresso  rápido  dos  subma¬ 
rinos  é,  sem  duvida,  a  indispensabilidade  da  bateria 
de  accumuladores  para  a  marcha  debaixo  de  agua, 


PALESTRA  SCIENTIFICA 


17 


por  não  se  ter  encontrado,  até  hoje,  meio  de  apropriar 
a  essa  navegação  o  motor  de  gazolina. 

Possível  é  que  essa  gloria  esteja  reservada  ao  nosso 
paiz,  pois  está  em  Inglaterra,  procedendo  a  impor¬ 
tantes  experiencias  n’esse  sentido,  o  primeijo  tenente 
<ia  nossa  armada,  Valente  da  Cruz.  ' 


i 


Anecdotas 


Um  avarento  que  passava  noites  horríveis  em  so- 
bresaltos  contínuos  com  receio  de  que  lhe  roubassem 
o  seu  dinheiro,  {resolveu  ir  enterral-o  [de  noite  em 
determinado  sitio  d’uma  floresta  próxima.  Como, 
porém,  tinha  medo  de  ir  sósinho  com  o  dinheiro,  a 
esse  logar  ermo,  viu-se  na  necessidade  de  confiar  o 
seu  segredo  a  um  primo  no  qual  depositava  relativa 

confiança,  e  pediu-lhe 
que  o  acompanhasse. 
O  primo  accedeu  logo 
de  muito  boa  vontade 
e  lá  foram  os  dois  en¬ 
terrar  o  dinheiro. 

O  avarento,  porém, 
nem  assim  logrou  a 
almejada  tranquilli- 
dade  de  espirito  e  uma 
noite  em  que  não  pô¬ 
de  dominar-se,  foi  á 
floresta  verificar  se  o 
seu  thesouro  ainda  es¬ 
tava  no  sitio  em  que  o 
deixára.  Qual  não  foi 
pois  o  seu  louco  de- 


O  avarento 


8 


COSMOS 


sespero  quando,  chegando  ali,  viu  a  terra  remexida,  e 
cavou,  cavou  febrilmente  sem  encontrar  coisa  alguma* 

Passadas  as  primeiras  impressões,  veio  a  reflexão. 
Evidentemente  não  podia  ter  sido  senão  o  primo. 
Como  rehaver  o  dinheiro  roubado?  Cogitou  todo  o 
resto  da  noite  e  no  dia  seguinte  de  manhã  dirigiu-se 
a  casa  do  seu  infiel  parente. 

—  Venho  pedir-te  que  me  acompanhes  outra  vez 
á  floresta  amanhã  á  noite,  disse-lhe  elle.  Os  negocios 
teem-me  corrido  magnificamente  bem.  Hontem  recebi 
uns  vinte  contos  de  reis  e  espero  receber  ainda  ama¬ 
nhã  uns  quarenta.  São  pois  sessenta  contos  que  ama¬ 
nhã  á  noite  quero  metter  no  cofre  que  está  enterrado 
e  emquanto  lá  os  não  pozér  não  durmo  descansado. 

—  Da  melhor  vontade  te  acompanharei,  respondeu- 
lhe  o  primo 

Na  noite  aprasada  encaminharam-se  os  dois  para 
a  floresta,  levando  o  avarento  debaixo  da  capa  duas 
pistolas  carregadas.  Chegtidos  ao  sitio,  começou  este 
a  cavar,  encontrando  d’ahi  a  pouco,-como  esperava, 
o  cofresinho  com  o  seu  thesouro  e,  sem  dizer  coisa 
alguma,  pegou  n’elle,  metteu-o  debaixo  da  capa  e  en¬ 
caminhou-se  para  casa. 

—  Mas  então  não  mettes  ahi  os  sessenta  contos  ? 
Para  onde  levas  o  cofre?  perguntou- lhe  o  primo  es¬ 
tupefacto. 

—  Descobri  afinal  que  o  logar  mais  seguro  é  a  mi¬ 
nha  própria  casa,  respondeu  o  avarento,  mostrando 
ao  primo,  assim  como  quem  não  quer  a  coisa,  o  cano 
d’uma  das  pistolas. 

- - 


ANECDOTAS 


9 


Urn  homem,  chamado  Quintas,  tinha  inveterado  o 
vicio  da  embriaguez  o  que  dava  origem  a  disputas 
diarias  com  a  mulher  á  qual  elle  acabava  sempre  por 
jurar  emenda. 

Uma  noite  caminhava  elie  por  uma  rua,  muito  em¬ 
briagado  e  monologando  em  voz  alta  : 

—  Você,  sr.  Quintas,  já  tem  edade  para  ter  juizo. 
Não  deve  beber  de  mais. 

Sua  mulher  todos  os  dias 
lh’o  canta  lá  em  casa, 
mas  você  não  tem  ver¬ 
gonha  nem  emenda. 

Gasta  todo  o  dinheiro 
da  féria  em  vinho  e  para 
comer  tem  que  ir  pondo 
no  prego  tudo  quanto 
tem. 

Isto  assim  não  póde 
continuar.  Jura  nunca 
mais  se  embebedar,  sr. 

Quintas  ? 

—  Juro,  respondia  elle 
a  si  mesmo. 

—  Pois  bem,  continua¬ 
va  monologando,  d’aqui  em  deante  não  bebe  nem  mais 
um  decilitro,  se  quer^ter  a  minha  consideração.  E  agora 
quero  vêr  sentem  coragem  para  resistir  á  tentação. 

N'este  momento  parava  elle  em  frente  da  porta 
d’uma  taberna,  bamboieando-se  e  observando  com 
os  olhos  esgazeados  os  copos,  as  pipas  e  os  bebedo¬ 
res.  Ao  mesmo  tempo  ia  dizendo : 


IO 


COSMOS 


—  Juízo,  sr.  Quintas,  parece-me  que  já  está  a  sentir 
tentações  de  emborcar  mais  dois  decilitros.  Olhe  que 
ainda  agora  jurou  nunca  mais  beber.  Veja  lá  o  que 

faz. 

—  Não  ha  novidade,  respondia  elle  a  si  mesmo,  as 
juras  cumprem-se.  Eu  cá  sou  homem  de  coragem. 
Quer  vêr 

E,  dizendo  isto,  continuou  o  seu  caminho  com  passo 
incerto  a  zigzaguear  no  passeio. 

Não  tinha  ainda  dado  dez  passos,  quando,  parando 
de  repente,  exclama  ; 

—  Bravo!  sr.  Quintas.  D’esta  vez  soube  resistir  á 
tentação.  Isso  é  que  é  coragem!  sim,  senhor!  Até 
merece  dois  decilitros  pela  sua  força  de  vontade! 

E,  voltando  atraz,  emborcou  mais  meio  litro. 


Entre  uma,  senhora  já  edosa  e  um  photographo; 

—  O  retrato  não  está  bom.  Não  ha  ninguém  que 
me  não  diga  que  elle  me  faz  muito  mais  velha,  uns 
dez  annos  pelo  menos, 

—  Não  tem  duvida,  minha  senhora,  tira-se  outro  e 
inutilisa-se  este. 

—  Nada,  não  senhor,  inutilisal-o,  de  modo  algum. 
D’aqui  a  dez  annos  cá  o  mandarei  buscar. 

- @ - 

Entre  marido  e  mulher: 

—  Que  estás  lendo  com  tanto  interesse,  meu  que¬ 
rido  Francisco?  Ha  mais  de  uma  hora  que  estás  a 
olhar  para  o  jornal. 


ANECDOTAS 


I  I 


—  Nada  de  interesse,  Carolina;  estou  lendo  para 
aqui  umas  tolices. . . 

—  Ah,  então,  valia  muito  mais  que  conversasses 
jommigo.  Estou  tão  aborrecida. . . 

—  Ah,  não,  menina,  que  as  tolices  falladas  fazem- 
me  muito  mal  aos  nervos,  emquanto  que  as  impressas 
supporto-as  bem. 

Um  creado  que  entrára  ao  serviço  de  um  medico, 
encontrou  um.  dja  sobre  o  tapete  quando  varria  o 
consultorio  uma  moeda  de  cinco  tostões.  Quando  o 


O  creado  palerma 


medico  voltou,  contou-lhe  o  caso  e  entregou-lhe  a 
moeda.  Mas  o  medico  restituiu-lh’a,  dizendo-lhe : 

—  Guarda-a,  é  para  ti,  como  prêmio  da  tua  honra¬ 
dez. 


12 


COSMOS 


Tomou  por  esse  tempo  parte  importante  nas  cele¬ 
bres  luctas  por  causa  das  cantoras  do  theatro  lyrico. 
Era  contra  a  Dabedeille,  por  Clara  Belloni  a  quem 
dedicou  uma  poesia  inserta  nas  lnspi?'ações,  e  a  quem 
levantou  um  brinde  no  restaurante  da  Ponte  da  Pe¬ 
dra  em  meio  dos  parciaes  da  contraria. 

N’esses  conflictos  surgia  armado  de  um  casse-têtc, 
o  mais  formidável  de  quantos  ha  memória.  De  um 
lado  uma  sôga  formava-lhe  aselha  para  passar  no 
pulso,  do  outro  tinha  um  chavelho  e  uma  aza  de  fer¬ 
ro;  dentro  uma  baioneta,  sahia,  em  casos  urgicos 
premindo-se  uma  mola. 

Fazia  parte  do  grupo  dos  Leões.  Os  seus  compa¬ 
nheiros,  eram  Evaristo  Basto,  D.  João  d’Azevedo, 
Jorge  Arthur  d'01iveira  Pimentel,  José  Augusto  Pinto 
de  Magalhães,  José  Barbosa  e  Silva,  José  Joaquim 
Gonçalves  Basto  e  Manoel  Osorio  Negrão 

De  i85o  a  i852  frequentou  as  aulas  do  Seminário 
episcopal  do  Porto  com  tenções  de  ordenar  se.  Mas, 
passada  a  crise  mystica,  atirou  a  batina  ás  ortigas  e 
publicou  successivamente ;  Revelações.,  Uin  livro, 
Duas  epochas  na  vida,  Folhas  cahidas  apanhadas  na 
lama,  Mysterios  de  Lisboa,  A  filha  do  Arcediago, 
Scenas  contemporâneas,  Livro  Negro  do  Padre  Di- 
ni^,  A  neta  do  Arcediago,  Onde  está  a  felicidade  ? 
Um  homem  de  brios  e  Justiça. 

Em  1857  habitou,  algum  tempo  em  S.  João  d’Arga) 
junto  a  Vianna,  onde  escreveu  Carlota  Angela  e  Sce¬ 
nas  da  Fo^. 

De|i858  começaram  as  relações  adulterinas  de  Ca- 
millo  com  D.  Anna  Placida,  esposa  de  Manoel  Pi^ 


HOMENS  CELEBRES  DE  TODOS  OS  TEMPOS 


nheiro  Alves,  que  tanto  escandalo  produziram  no 
Porto  e  no  paiz. 

Após  peripécias  varias  foram  ambos  presos,  D. 
Anna  em  junho,  Camillo  em  outubro  de  1860. 

Julgados  em  1861  e  absolvidos,  nunca  mais  se  se¬ 
pararam. 

Foi  no  cárcere  que  Camillo  escreveu  o  Amor  de 
Perdição  e  d’este  volume  data  a  definitiva  consagra¬ 
ção  da  sua  celebridade  litteraria,  iniciada  com  a  pu¬ 
blicação  do  Onde  está  a  felicidade  ? 

Retirando  para  S.  Miguel  de  Seide,  pequena  fre- 
guezia  de  Villa  Nova  de  Famalicão,  a  vida  de  Camillo 
transformou-se.  Acabou  o  período  fecundo  em  episó¬ 
dios  aventurosos,  começou  a  epocha  de  larga  fecun¬ 
didade  litteraria. 

Obrigado  a  sustentar  com  a  penna  a  sua  compa¬ 
nheira  e  os  seus  dois  filhos,  lança-se  ao  trabalho  com 
ardor. 

As  suas  obras  contam-se  então  ás  dezenas.  São  o 
Amor  de  Salvação,  A  filha  do  dr.  Negro,  No  Bom 
Jesus  dq  Monte,  Vinte  horas  de  liteira.  Divindade  de 
Jems,  Esboços  de  apreciações  litterarias,  O  esque¬ 
leto,  Horas  de  pa^,  Lucta  de  gigantes,  O  morgado 
de  Eafe,  A  Sereia,  A  Engeitada,  O  judeu,  O  olho  de 
vidro,  A  queda  de  um  anjo,  O  santo  da  montanha, 
Vaidade  irritada  e  irritante,  A  bruxa  do  Monte  Cor- 
dova,  A  vida  do  Candal,  Cavar  em  ruinas.  Cousas 
leves  e  pesadas,  O  senhor  do  Paço  de  Nisães,  Mo¬ 
saico,  Mysterios  de  Eafe,  O  retrato  da  Ricardina,  O 
sangue,  Aí  virtudes  antigas.  Os  brilhantes  do  brasi¬ 
leiro,  D.  Antonio  Alves  Martins,  O  Condemnado,  A 


14 


COSMOS 


N’um  electrico; 

—  Ha  logares  ?  perguntou  uma  senhora  ao  condu- 
ctor. 

—  Sim,  minha  senhora,  responde  este. 

A  senhora  sobe  e  encontra  todos  os  logares  toma¬ 
dos  : 

—  Então  não  me  disse  que  havia  logares?  disse 
para  o  conductor. 

—  E  não  menti,  minha  senhora,  ha  muitos,  como 
V.  Ex."'  vê;  até  estão  todos  occupados.  . . 


Camillo  Castello  Branco 


Dizem  que  em  certo  logar  da  ilha  da  Sardenha 
existiu  uma  herva  penetrada  de  veneno  tão  su¬ 
btil  e  tão  maligno  que,  lentamente  e  dolorosamente” 
matava,  torcendo  ao  mesmo  tempo  toda  a  muscula¬ 
tura  da  face  n’um  grande  riso  de  tragica  satisfação. 

Desde  o  começo  da  sua  vida,  Camillo  Castello 
Branco  parece  ter-se  intoxicado  com  esta  extranha 
herva  sarda. 

D’elle  podia  contar-se,  como  de  Zoroastro  que,  em 
vez  de  chorar,  rira  na  hora  de  nascer;  e  o  tiro  final 
em  que  a  sua  existência  se  perdeu  é  por  certo  o  sar¬ 
casmo  maior  com  que  termina  o  mais  extraordinário 
romance  de  quantos  nos  legou. 

O  riso  foi  sempre  a  feição  predominante  d’este  es- 
criptor.  O  Amor  de  Perdição^  a  sua  obra  mais  conhe- 


IO 


COSMOS 


Poucos  annos  depois,  morta  a  mãe  e  simultanea¬ 
mente  o  pae,  Camillo  que  já  aprendia  grammatica 
com  o  professor  Minas  Junior  da  rua  dos  Calafates, 
sahiu  para  o  Porto,  com  dèstino  a  Villa  Real,  no  va¬ 
por  Jorge  IV.  Acompanhavam-no  sua  irmã  mais  ve¬ 
lha  e  uma  creada. 

Ao  chegarem  á  vista  da  cidade  havia  muito  mar, 
que  os  obrigou  a  arribar  a  Vigo;  d’ahi  por  Tuy,  Va- 
lença  e  Ponte  do  Lima,  vieram  a  Braga,  e  ali  a  creada 
satisfez  ao  Senhor  do  Monte  uma  promessa  formu¬ 
lada  em  hora  d’apuros,  quando  bolsava  as  tripas  com 
o  enjôo. 

Encaminharam-se  depois  a  Villa  Real  de  Traz-os- 
Montes,  onde  foram  habitar  com  D.  Rita  Caldeirão  de 
quem  fala  o  Amor  de  Perdição.  Parece,  porém,  que 
o  futuro  romancista  não  gostou  muito  d’esta  tia,  por- 
c}ue  fugiu  para  Lisboa  em  iSSy  com  um  par  de  peú¬ 
gas  e  duas  camisas  atadas  n’hm  lenço. 

De  volta  a  Villa  Real,  ainda  no  mesmo  anno,  sua 
irmã  casára  na  Samerdan  com  um  medico,  irmão  de 
um  padre. 

Camillo  foi  viver  com  elles. 

O  padre,  aquelle  Antonio  de  Azevedo  a  quem,  vol¬ 
vidos  muitos  annos  Camillo  havia  de  dedicar  o  Bem 
e  o  Mal,  principiou  a  sua  educação  litteraria.  Resa- 


«Em  os  22  dias  do  mez  de  Itezcmbro  dn  anno  de  i835  fallcceii 
com  o  Sacramento  da  Extrema  Unção  Manoel  Joaquim  Botelho  Cas- 
tello  Branco,  viuvo  de  Jacintha  Kosa  do  Espirito  Santo,  morador  na 
Rua  dos  Jjouradores,  e.no  mesmo  dia  foi  sepultado  no  Cemiterio  do 
Alto  de  S.  João,  do  que  fiz  este  assento,  que  assignei,  O  Prior  José 
Antonio  Durães».  Livro  d'obitos  de  i835,  lls.  20  v. 


HOMENS  CELEBRES  DE  TODOS  OS  TEMPOS  I  1 


vam  juntos  ante-manha;  Camillo  ajudava  á  missa  e 
poude  lêr  então  Camões  e  Fernão  Mendes  Pinto. 

Um  dia,  aos  ib  annos,  vindo  a  Friume,  no  concelho 
de  Ribeira  de  Pena,  apaixonou-se  por  Joaquina  Pereira 
com  quem  casou  pouco  tempo  volvido. 

Por  iniciativa  do  sogro  veio  frequentar  prepa¬ 
ratórios  e  depois  a  Polytechnica  do  Porto  e  Es¬ 
cola  Medica.  Fez  acto  de  chimica  em  1844,  passan¬ 
do  nemine^  graças  a  um  condiscipulo  que  lhe  ensinou 
o  ponto. 

,No  anno  seguinte  foi  para  Coimbra  onde  estava 
ainda  em  1846,  frequentando  o  latim  de  um  padre  Si¬ 
mões  ou  dr.  Diniz. 

Quando  as  aulas  fecharam  n’esse  anno  por  causa 
da  Maria  da  Fonte,  partiu  para  Villa  Real.  A’  sahida 
de  Penafiel  elle  e'um  companheiro  encontraram  a 
guerrilha  do  Milhundres,  que  os  agregou  na  qualidade 
de  proclamadores.  Retrocederam  á  villa  e  fugiram  no 
primeiro  ensejo. 

Tím  Villa  Real  fez  representar  o  Agostinho  de  Ceuta 
primeira  obra  de  theatro  que  compoz. 

Relacionou-se  então  com  Patrícia  Emilia  de  Bar- 
ros,  com  quem  tentou  fugir  para  Coimbra,  embora 
sua  mulher  fosse  ainda  viva. 

Um  tio  affim,  João  Pinto  da  Cunha,  pediu  a  ca¬ 
ptura  dos  dois  e  reteve-os  presos  na  cadeia  da  Rela¬ 
ção  de  12  a  23  d’outubro. 

Em  1848  e  1849,  no  Porto,  publicou  A  murraça, 
Maria  não  me  mates  que  sou  tua  mãe!,  O  Marqueq 
de  Torres  Novas  e  grande  copia  de  producçÕes  no 
Nacional. 


12 


COSMOS 


Tomou  por  esse  tempo  parte  importante  nas  cele¬ 
bres  luctas  por  causa  das  cantoras  do  theatro  lyrico. 
Era  contra  a  Dabedeille,  por  Clara  Belloni  a  quem 
dedicou  uma  poesia  inserta  nas  Inspirações^  e  a  quem 
levantou  um  brinde  no  restaurante  da  Ponte  da  Pe¬ 
dra  em  meio  dos  parciaes  da  contraria. 

N’esses  conflictos  surgia  armado  de  um  casse-tête, 
o  mai-;  formidável  de  quantos  ha  memória.  De  um 
lado  uma  sôga  formava-lhe  aselha  para  passar  no 
pulso,  do  outro  tinha  um  chavelho  e  uma  aza  de  fer¬ 
ro;  dentro  uma  baioneta,  sahia,  em  casos  ürgicos 
premindo-se  uma  mola. 

Fazia  parte  do  grupo  dos  Leões.  Os  seus  compa¬ 
nheiros,  eram  Evaristo  Basto,  D.  Joao  d’Azevedo, 
■Torge  Arthur  d’01iveira  Pimentel,  José  Augusto  Pinto 
de  Magalhães,  José  Barbosa  e  Silva,  José  Joaquim 
Gonçalves  Basto  e  Manoel  Osorio  Negrão. 

De  i85o  a  i852  frequentou  as  aulas  do  Seminário 
episcopal  do  Porto  com  tenções  de  ordenar  se.  Mas, 
passada  a  crise  mystica,  atirou  a  batina  ás  ortigas  e 
publicou  successivamente :  Revelações.,  Um  livro, 
Duas  epochas  na  vida,  Folhas  cahidas  apanhadas  na 
lama,  Mysterios  de  Lisboa,  A  filha  do  Arcediago, 
Scenas  contemporâneas,  Livro  Negro  do  Padre  Di- 
ni^,  A  neta  do  Arcediago,  Onde  está  a  felicidade  ? 
Um  homem  de  brios  e  Justiça. 

Em  1857  habitou,  algum  tempo  em  S.  João  d’Arga) 
junto  a  Vianna,  onde  escreveu  Carlota  Angela  t  Sce¬ 
nas  da  Fo^. 

De|i858  começaram  as  relações  adulterinas  de  Ca- 
millo  com  D.  Anna  Placida,  esposa  de  Manoel  Pi^ 


HOMENS  CELEBRES  DE  TODOS  OS  TEMPOS  ij 


nheiro  Alves,  que  tanto  escandalo  produziram  no 
Porto  e  no  paiz. 

Após  peripécias  varias  foram  ambos  presos,  D. 
Anna  em  junho,  Camillo  em  outubro  de  1860. 

Julgados  em  1861  e  absolvidos,  nunca  mais  se  se¬ 
pararam. 

Foi  no  cárcere  que  Camillo  escreveu  o  Amor  de 
Perdição  e  d’este  volume  data  a  definitiva  consagra¬ 
ção  da  sua  celebridade  litteraria,  iniciada  com  a  pu¬ 
blicação  do  Onde  está  a  felicidade  ? 

Retirando  para  S.  Miguel  de  Seide,  pequena  fre- 
guezia  de  Villa  Nova  de  Famalicão,  a  vida  de  Camillo 
transformou-se.  Acabou  o  periodo  fecundo  em  episó¬ 
dios  aventurosos,  começou  a  epocha  de  larga  fecun¬ 
didade  litteraria. 

Obrigado  a  sustentar  com  a  penna  a  sua  compa¬ 
nheira  e  os  seus  dois  filhos,  lanea-seao  trabalho  com 
ardor. 

As  suas  obras  contam-se  então  ás  dezenas.  São  o 
Amor  de  Salvação,  A  filha  do  dr.  Negro,  No  Bom 
Jesus  do^  Monte,  Vinte  horas  de  liteira,  Divindade  de 
Jems,  Esboços  de  apreciações  litterarias,  O  esque¬ 
leto,  Horas  de  pa^,  Lucta  de  gigantes,  O  morgado 
de  Eafe,  A  Sereia,  A  Engeitada,  O  judeu,  O  olho  de 
vidro,  A  queda  de  um  anjo,  O  santo  da  montanha. 
Vaidade  irritada  e  irritante,  A  bruxa  do  Monte  Cor- 
dova,  A  vida  do  Candal,  Cavar  em  ruinas.  Cousas 
leves  e  pesadas,  O  senhor  do  Paço  de  Nisães,  Mo¬ 
saico,  Mysterios  de  Eafe,  O  retrato  da  Ricardina,  O 
sangue,  As  virtudes  antigas.  Os  brilhantes  do  brasi¬ 
leiro,  D.  Antonio  Alves  Martins,  O  Condemnado,  A 


14 


COSMOS 


mulher  fatal ^  Theatro  comico,  Voltareis  ó  Christo,  O 
carrasco  de  Victor  Hugo  José  Alves,  Livro  de  Con¬ 
solação,  Quat?-o  horas  innocentes,  A  espada  de  Ale¬ 
xandre,  O  visconde  d’ Ouguella,  Scenas  innocentes 
da  comedia  humana,  O  demonio  do  Ouro,  Ao  anoite¬ 
cer  da  vida,  Correspondência  epistolar,  Noites  de 
insomnia,  O  regicida,  Afilha  do  regicida,  Novellas 
do  Minho,  Curso  de  Litteratura,  Cancioneiro  alegre, 
Os  criticos  do  cancioneiro.  Sentimentalismo  e  histo¬ 
ria,  Suicida,  Lui‘ç  de  Camões,  Historia  e  sentimen¬ 
talismo,  Echos  humorísticos,  A  senhora  Ratta^p,  Per¬ 
fil  do  Marque^  de  Pombal,  Narcóticos,  A  brafileira 
de  Praçins,  D.  Luiç  de  Portugal,  Questão  da  Se¬ 
benta,  O  general  Carlos  Ribeiro,  O  vinho  do  Porto, 
Maria  da  Fonte,  Serões  de  S.  Miguel  de  Seide,  Bo- 
hemia  do  Espirito,  A  diffamação  dos  livreiros.  Es¬ 
boço  de  critica,  Vulcões  de  Lama,  Nostalgias,  Deli- 
ctos  da  Mocidade,  etc.,  etc. 

A  permanência  em  Seide  era  cortada  por  rapidas 
visitas  ao  Porto,  á  Povoa  de  Varzim,  a  Braga,  a  Gui¬ 
marães,  á  Foz,  a  Vizella  Em  1875  ainda  esteve  em 
Coimbra  a  pretexto  de  dirigir  a  educação  dos  filhos) 
morando  primeiro  nos  Arcos  de  S.  Bento  e  depois  na 
rua  Larga. 

Mas  a  doença  nervosa  que  herdára  e  o  perseguia  . 
com  mais  insistência  desde  a  estada  no  cárcere,  não 
lhe  deixava  socegar  em  parte  alguma.  Era  ainda  em 
Seide,  na  pequena  casa  cercada  por  pinheiraes  ge¬ 
mentes  que  a  vida  lhe  decorria  mais  tranquilla.  I 

A  morte  do  filho  de  D.  Anna  e  Pinheiro  Alves,  Ma-  | 
noel  Plácido,  que  Camillo  estremecia,  a  loucura  doh 

I 

I 


H0MEN5.  CELEBRES  DE  TODOS  OS  TEMPOS  '5 


seu  filho  Jorge  Camillo,  os  esbanjamentos  do  Nuno, 
foram  outros  tantos  golpes  cruéis  que  poderosamente 
contribuiram  para  abalar  aquella  mentalidade  já 
doente.  As  suas  polemicas  dos  últimos  annos,  onde  o 
sarcasmo  vibra  com  uma  intensidade  que  nenhum  ou¬ 
tro  escriptor  soube  ainda  attingir,  accusam  sobeja¬ 
mente  este  estado  de  espirito  de  Camillo. 

Finalmente,  em  i  de  junho  de  1890,  tendo  visto 
descer  sobre-  si  irremediavelmente  a  eterna  noite  da 
cegueira,  cansado  de  cincoenta  annos  de  luctas  e  de 
trabalho,  procurou  dormir  o  somno  eterno  da  morte, 
disparando  um  tiro  de  revolver  no  parietal  direito. 


J.  DE  M. 


lÉ-mi 


M  EIRCEIARI  A  CHIIMEIZA 

Da.  RUA  DE  PASSOS  MANUEL,  14  a  18  -  LISBOA 

a  Lourenço  Alves  Pereira 


Charadas,  enygmas  e  acrósticos 


Rrevençao 

0  COSMOS  publica-se  nos  dias  3, 15  e  25  de  cada  mez;  par  isso 
as  deciíratões  sA  serão  acceites  5  dias  antes  das  datas  indicadas. 


CORRESPONDÊNCIA 

Alejoal.  —  Concordamos  com  o  exposto  na  carta 
que  nos  enviou.  Mas  que  quer?  Ha,  como  sabe, nova¬ 
tos  e  os  novatos  também  teem  direito  á  vida...  e 
para  elies  não  encontramos  meihor  principio  do  que 
as  charadas  em  phraçe,  por  serem  as  mais  simples. 
No  acrostico  deu  }'aia;  é  Coimbra  e  nao  Tavira. 

Agradecemos  a  sua  boa  collaboração  e  mande  mais 
quando  tiver. 

Malte^.  Póde,  sim  senhor,  mas  coisas  que  façam 
a  cabeça  em  agua. 


Decifrações  do  n.®  1 

ytcrostíco ;  Soure  ou  Setil,  Avança  ou  Chança,  Olivaes,  Ovar, 
Taveiro  ou  Álverca.  Eivas,  Alverca  ou  Taveiro,  Pampilhosa,  Porto 
ou  Crato.  Povoa,  Coimbra,  Estirreja  ou  Benespera,  .^abugo. — Per¬ 
guntas  geographicas;  Vella,  Chão  de  Maçãs,  Figueira  de  Castello 
Rodrigò,  Perovizeu  uu  Peroguarda.-.-SAaraíaí  metamorphoses;  Bel- 
lo-Mello,  Vinbo-Minho  —  Charada  truncada ;  Magua,  agua.  —  f^api- 
dos f  Penacova,  chapa,  atado. —  Cm  Damaso. —  jÇugmenta- 

//va;  t- esta-festão.  pi/orrries;  l.ido-iida,  zorro-zorra. 


Decifradores 

Alejoal,  5.®  Pipa.  3  ppp.  Careca,  Azuos,  Khçudo,  Bicudo,  Sol-e 
vento,  K.  Raça,  5.®  n’ista,  Simanitô,  Padre  Eterno,  Maltez,  Çamillo 


6 


COSMOá 


ENYGMA. 


i6 


”r  Nata 


Careca. 


ENYGMAS  TYPOGRAPHICOS. 

VIDROS 


APPELLIDO 


(  Gambetta). 


NOTA5050ENOTAN0TA 


(Frescata). 


'9 


(  Gambetta). 


T 


■THESOURO 


(Frescata). 


LISBOA 

NOTA  5o  homem — x  pQj^yQ  agmetal  au  Universo 

(Gambetta). 


CilARAbAS,  ENYGMAS  E  ACROSTÍCOS 


7 


POR  INICIAES. 


M 

0 

F 

V 

V 

4 

4 

3 

-  4 

(  Gambetta). 


DE  PALITOS. 


20 


PARONYMO 


Se  tirar  dezeseis 
Uma  ave  vereis. 

(l^dvento). 


'  Este  petisco  arde.  —  2. 


SALTITANTE. 


1-2 -3-4-5 
I-2-5-4-3 


24 

(Gambetta). 

25 


N’um  retalho  de  panno  vi  soldados  formados. 

(Gambetta). 


CHARADA  EM  PHRASE. 

Na  cadeia  e  na  cidade  é  utensilio.  — 


26 


2. 


(Careca). 


Bua  É  lluírini  n;  1 


LISBOA 


HDRTICUbTURA  E  FbDRICULiTURA 


0  jãrdirn  no  verão 

Tínhamos  promettido  no  ultimo  numero  occupar- 
nos  da  multiplicação  das  plantas  por  mergulhia  ou 
alporque  e  estaca,  mas,  antes  de  entrarmos  n’esse  ca¬ 
pitulo  da  educação  das  plantas,  como  está  a  approxi- 
mar-se  o  verão,  vamos  indicar  o  que  n’esta  quadra 
do  anno  tem  a  fazer  o  jardineiro  amador. 

Nos  primeiros  tempos  da  estação  ligam-se  as  tre¬ 
padeiras  ás  grades,  para  as  deixar  estender  e  florescer 
á  vontade,  e  as  dhalias  e  tutores,  deixando-as  n’um 
pé  só  para  o  que  se  lhes  cortam  os  rebentões.  Plan¬ 
tam-se  de  estaca  fuchsias  e  gerânios  e  transplantam-se 
sécias  e  outras  plantas  de  flores  outomnaes  semeadas 
em  alfobres.  Colhem-se  as  cerejas  e  ginjas,  vigia-se  o 
desenvolvimento  das  producçoes  fructiferas  e  herbᬠ
ceas  das  arvores  de  fructo,  arrancando  levemente  com 
a  unha  os  olhos  inúteis  e  desbastam-se  alguns  fructos 
das  arvores  que  apparecerem  demasiadamente  car¬ 
regadas. 

Levantam-se  da  terra,  logo  que  as  folhas  comecem 
a  amarellecer  as  tulipas  e  os  jacinthos.  Cuida-se  da 
floração  dos  craveiros  e  dos  lyrios  preservando-os 
das  lesmas  e  dos  insectos  damninhos.  Pode  çonti- 


8 


COSMOS 


nuar-se  a  fazer  enxertos,  mas  n’esta  epocha  a  seiva 
não  tarda  a  passar  e  por  isso  é  conveniente  fazel-os 
logo  no  começo  d’esta  quadra,  com  excepção  dos  en¬ 
xertos  de  escudo  de  olho  dormente  que,  sem  incon¬ 
veniente,  podem  fazer-se  até  ao  fim  do  verão. 

Todas  estas  operações,  menos  os  enxertos,  conti¬ 
nuam  pelo  meado  do  estio  dentro,  fazendo-se  também, 
depois  da  floração,  a  mergulhia  dos  craveiros  e  a 
plantação  de  estaca  de  algumas  plantas  gordas.  Apa¬ 
ram-se  os  crysanthemos. 

No  fim  da  estação  colhem-se  as  sementes  das  plan¬ 
tas  annuaes  e  bi-annuaes  e  semeiam-se  no  logar  defini¬ 
tivo  as  plantas  destinadas  a  florescer  na  primavera  que 
poderem  affí^ontar  os  frios  do  outomno  e  do  inverno. 

Colhem-se  os  fructos  proprios  da  estação  e  se¬ 
meiam-se  os  caroços  de  cerejas,  damascos,  ameixas 
e  pecegos.  Enxertam-se  os  botões  de  fructo,  aprovei¬ 
tando  a  ascensão  da  segunda  seiva  que  ordinariamente 
se  realisa  no  mez  de  agosto. 

Gontinua-se  a  mergulhar  os  craveiros  á  medida  que 
vão  terminando  a  floração  e  cortam-se  as  mergulhias 
já  enraizadas.  Tosquia-se  a  relva  e  procede-se  ás  ré- 
gas  e  sachas  necessárias. 

No  decorrer  das  indicações  dos  trabalhos  a  que  tem 
de  proceder  o  jardineiro  amador  que  acima  ficam  es- 
criptas,  referimo-nos  a  mergulhias  e  estacas.  São  os 
dois  modos  de  reproducção  indefinida  das  plantas 

A  mergulhia  póde  fazer-se  ou  directamente  na  terra 
ou  no  ramo,  quando  este  não  póde  dobrar  o  necessᬠ
rio  para  ficar  enterrado  e  n’este  caso  chama-se  alpor- 
que. 


HORTICULTURA  E  FLORICULTURA 


9 


Plantas  ha  que  se  reproduzem  indefinidamente  por 
mergulhia  natural  como,  por  exemplo,  a  hera,  o  mo- 
rangueiro,  etc.  Para  outras,  porém,  é  preciso  mergu- 
Ihal-as  artificialmente.  A  operação  consiste  em  dobrar 
um  ramo  longo  e  flexível  e  enterral-o  pelo  seio  de¬ 
pois  de  despojado  n’esse  ponto  das  folhas  e  rebentos. 
Ao  fim  de  certo  tempo  a  parte  mergulhada  cria  rai¬ 
zes  e  então  corta-se  o  ramo  do  lado  da  mãe  e  o  mais 
proximo  possível  da  terra.  Para  assegurar  o  exito  da 
mergulhia  dá-se  um  pequeno  córte  longitudinal  na 
parte  do  ramo  que  se  vae  enterrar  e  introduz-se  na 
fenda  uma  pequena  cunha,  um  grão  de  areia,  por 
exemplo.  Os  mergulhões  cortam- se  quando  se  acham 
já  enraizados  e,  por  consequência,  em  estado  de  vi¬ 
verem  por  si  mesmos;  cortam-se,  como  acima  disse¬ 
mos,  o  mais  proximo  possível  da  terra. 

Durante  a  mergulhia  deve-se  conservar  a  terra,  no 
sitio  em  que  o  ramo  está  enterrado,  sempre  húmida 
e  a  extremidade  livre  dos  mergulhões  deve  ser  am¬ 
parada  por  um  tutor.  A  multiplicação  por  estaca  con¬ 
siste  na  creação  de  raizes  d’um  bocado  do  caule  da 
planta  mãe  que  se  enterrou  e  se  collocou  em  circum- 
stancias  favoráveis  ao  fim  que  se  tem  em  vista.  Nin¬ 
guém  ignora  que  é  este  o  processo  habitualmente 
usado  para  a  multiplicação  das  roseiras,  dos  jasmins, 
etc.  Muitas  vezes  multiplica-se  uma  planta  por  estaca, 
enterrando  um  fragmento  de  raiz  e,  n’este  caso,  tem- 
se  em  vista  o  desenvolvimento  de  gommos. 

O  bocado  de  caule  que  se  enterra  tem,  em  geral, 
um  ou  mais  gommos,  mas  em  determinados  casos  não 
é  isso  preciso- 


íü 


êõsMôs 


Para  a  estaca  dar  resultado  é  necessário  re^àguar- 
dal-a  da  luz  e  do  frio;  precisa  mesmo  d’uma  tempe¬ 
ratura  superior  á  da  atmosphera.  Por  isso  se  cobrem 
com  esteiras,  campanulas  de  vidro,  etc. 

A  vide,  o  choupo,  o  lila^,  o  jasmim,  a  roseira,  o 
marmeUei)'o,  etc.,  etc.,  reproduzem-se  magnificamente 
por  estaca,  mas  plantas  ha  que  de  maneira  alguma 
se  adaptam  a  este  processo  de  multiplicação. 


Os  oraflOes  paizes  e  as  oiaoiles  (idades 


0  império  do  Sol  nascente 

Os  japonezes  chamam  ao  seu  paiz  Nippon  ou 
Nikon,  de  duas  syllabas  chinezas  —  Zip-paug 
—  que  significam  ra/f  do  Sol  ou  Sol  nascente. 

O  Japão  é  constituido  por  um  numerosíssimo  grupo 
de  ilhas  que,  como  se  sabe,  se  estende  a  leste  da  costa 
asiatica  n’uma  extensão  de  2700  milhas,  approxima- 
damente,  entre  o  cabo  Lopatka,  na  península  de  Kom- 
chatka,  e  a  ponta  sul  da  ilha  Formosa.  Não  contando 
a  metade  sul  da  grande  ilha  Sakhalina  de  que  os  ja¬ 
ponezes  se  apoderaram  durante  a  ultima  guerra  com 
a  Rússia,  conta  0  Japão  cinco  ilhas  grandes,  Hondo 
ou  Nippon,  Kiushiu,  Shikoku  Yeso  e  Formosa,  e  cerca 
de  quatro  mil  ilhas  pequenas,  algumas  mesmo  peque¬ 
níssimas,  entre  as  quaes  se  distinguem  as  Kurilas,  as 
Riu-kiu,  o  archipelago  dos  Pescadores,  Tsushima, 
Yakushima,  Tanegashima,  etc.,  etc. 

O  Japão  tem  causado  o  mais  justificado  espanto 
em  todo  o  mundo  civilisado  pelos  seus  rápidos  pro¬ 
gressos  em  todos  os  ramos  da  actividade  humana, 
sem  precedente  na  historia.  Vencedor  da  China  em 
1895,  vencedor  da  Rússia  que  estavamos  habituados 


12 


COSMOS 


O  Fudjiyama 


ÒS  GRANDES  PAÍZÉS  E  AS  GRAlSÍDÊS  CIDADES  O 


que  passam  despercebidos,  tão  habituados  estão,  de 
longa  data,  a  resistir-lhes  com  as  suas  casas  d’um  só 
andar,  construídas  de  madeira  e  papel. 

O  pico  dominante  do  archipelago  é  o  Fudjiyama. 
Situado  na  ilha  de  Hondo,  de  forma  cônica  muito  re¬ 
gular,  elevando-se  a  uma‘ altura  de  8770  metros,  co¬ 
berto  de  neve  durante  dez  mezes  do  anno,  é  objecto 
d'um  religioso  culto  por  parte  dos  japonezes  que 
d’elle  se  occupam  com  veneração  nos  seus  romances, 
nos  seus  quadros  e  desenhos,  nas  suas  canções  e  em 
todas  as  manifestações  da  suà  arte.  Milhares  de  pe¬ 
regrinos  o  visitam  annualmente,  indo  orar  nos  tem¬ 
plos  ali  edificados.  A  lenda  liga  o  maior  dos  lagos 
japonezes  a  este  monte  venerado,  contando  que  no 
dia,  precisamente  no  mesmo  instante  ems  que  o  Fudji¬ 
yama  se  elevou,  recortou  o  Biva  as  suas  graciosas 
bahias  não  longe  do  monte,  para  occidente  e  que  nas 
margens  do  lago,  assim  como  nas  do  rio  que  d'elle 
nasce,  é  que  nasceu  e  se  engrandeceu  a  raça  do  Sol 
nascente. 

O  Fudjiyama  é,  por  assim  dizer,  um  symbolo  do 
Japão,  tão  sagrado  e  tão  venerado  como  a  bandeira 
da  patria.  Desde  1707  que  o  seu  vulcão  está  em  so- 
cego,  mas  até  esta  data  e  desde  o  anno  789  seis  vio¬ 
lentas  erupções  fizeram  tremer  toda  a  ilha,  cobrindo-a 
de  cinzas  que  lhe  elevaram  as  planicies  e  as  feftili- 
saram. 

Nas  ilhas  Shikoku  e  Kiushiu  floresce  a  bananeira 
e  a  larangeira;  no  centro  e  no  sul  da  ilha  Hondo 
cresce  exhuberantemente  o  chá,  o  algodão  e  o  arroz; 
mas,  ao  passo  que  se  caminha  para  o  norte,  a  natureza 


4 


COSMOS 


vae  perdendo  as  suas  maravilhosas  seducções,  torna- 
se  severa,  e  passado  o  estreito  de  Tsugar,  na  ilha  de 
Yeso,  é  agreste  e  dura.  Esta  ilha  é  rica  de  florestas  e 
de  carvão  de  pedra. 

O  terntorio  japonez  tem  160.000  milhas  quadradas 
de  superfície,  não  contando  a 
parte  sul  da  ilha  Sakhalina,  o  ter¬ 
ritório  da  Mandchuri.i  e  o  da  pe- 
ninsula  da  Coréa  que  lhe  ficaram 
pertencendo  depois  da  guerra  com 
a  Rússia,  com  uma  população  de 
43  milhões  de  habitantes,  appro- 
ximadamente,  incluindo  a  popu¬ 
lação  chineza  e  malaia  da  For¬ 
mosa. 

A  forma  de  governo,  é,  desde 
1899,  a  monarchia  constitucional 
com  o  imperador  (Mikado)  e  duas 
camaras. 

O  commercio  japonez  é  repre¬ 
sentado  por  26  milhões  de  libras 
deimportaçõese  quasi  26  milhões 
de  exportações,  tendendo  a  augmentar  consideravel¬ 
mente;  o  principal  trafego  é  com  a  China,  Inglaterra 
e  Estados  Unidos  da  America  do  Norte.  O  terr  torio 
japonez  é  atravessado  em  todas  as  direcções  por  4000 
mi  dias  de  vias  ferreas  e  a  marinha  mercante  do  im¬ 
pério  conta  approximadamente  5ooo  navios,  repre¬ 
sentando  cerca  de  85o.ooo  toneladas,  fóra  20.000  lor- 
chas. 

A  agricultura  occupa  a  maior  parte  da  população 


os  GRANDES  PAIZES  E  AS  GRANDES  CIDADES  i5 


japoneza  na  producção  do  chá,  algodão,  assucar,  etc., 
etc.,  mas  as  industrias  textis  progridem  rapidamente. 
As  pescarias  empregam  cerca -de  400000  barcos  e 
2.5oo:ooo  homens. 

O  território  japonez  é  abundante  em  minas;  tem 
minas  de  ouro,  prata,  cobre  e  ferro,  mas  a  sua  prin¬ 
cipal  riqueza  mineira  é  o  carvão  de  pedra  do  qual  se 
extráem  annualmente  cerca  de  6  milhões  de  tonela¬ 
das. 

Não  ha  no  Japão  religião  do  Estado.  O  budhismo 
e  o  shintoismo  são  as  que  contam  maior  numero  de 
adeptos. 

O  império  japonez  tem  muitas  cidades  importan¬ 
tes  ;  Tokio,  capital,  tem  i.Soo.ooo  habitantes,  segue-se 
Osaka  com  Soo.ooo;  Kioto,  840.000,  Nagaya,  242.000; 
Kobe,  1 90.000;  Yokohama,  170.000;  Hiroshima,  108.000; 
Kanazawa,  86.000 ;  Sendai,  78.000  e  Nagasaki  com 
72.000. 


IT”— - - 


I  Minero  üiosa  lilliíoada  natural  de 
Moura.  Eefriuera  os  sãos  e  cura  os 
doentes.  Premiada  em  varias  expo¬ 
sições.  Vende-se  em  toda  a  parte. 

18. _ _ J 


Distracções  e  coisas  uteis 


Electrisaçao  do  vidro 
Machiua  electrica  muito  simples 

Nuthimos  boas  esperanças  de  que  as  simples  ex¬ 
periências  que  no  ultimo  numero  aconselhᬠ
mos  ao  leitor,  como  innocente  passatempo, 
tenham  sido  executadas  com  feliz  resultado.  Se  assim 
não  succedeu,  porém,  atire  o  leitor  as  culpas  só  para 
cima  da  humidade  que  é  um  terrivel  inimigo  dos  di¬ 
vertimentos  d’aquelle  genero  e  repita  a  tentativa, 
tendo  o  cuidado  de  aquecer  bem  a  folha  de  papel,  es¬ 
fregar  com  um  panno  quente  a  parte  da  mesa  sobre 
que  tencionar  collocar  a  folha  e  friccionar  esta  com 
uma  escova  também  préviamente  aquecida.  Com  taes 
precauções  o  exito  é  seguro. 

Se,  porém,  o  leitor,  descoroçoado  pela  inutilidade 
dos  esforços  já  empregados  para  fazer  d’uma  folha 
de  papel  uma  machina  electrica,  não  quizer  repetir  a 
experiencia,  póde  varial-a,  operando  com  o  vidro.  A 
maneira  mais  simples  é  servir-se  da  chaminé  d’um 
candieiro  e,  melhor  ainda,  da  d’um  bico  de  gaz  de 
incandescência.  A  meio  da  chaminé  colloca-se,  em 
toda  a  volta,  um  annel  da  largura  de  um  ou  dois  cen- 
timetros  de  papel  de  estanho,  d’esse  papel  em  que 


10 


COSMOS 


vem  embrulhado  o  chocolate  e  que  forra  interiormente 
os  pacotes  de  chá.  D’uma  das  extremidades  da  cha¬ 
miné  até  á  distancia  de  um  centimetro  d’aquel]e  annel, 
colla-se  uma  tira  estreita  do  mesmo  papel.  Depois 
d’isto,  pega-se  no  vidro  pela  extremidade  onde  não 
ha  papel  de  estanho  e  esfrega-se  o  interior  da  cha¬ 
miné  com  uma  d’aquellas  escovas  destinadas  á  sua 
limpeza,  embrulhada  n’um  len¬ 
ço  de  seda.  Se  se  apagarem  as 
luzes,  ver-se-ha  saltar  uma  fais- 
ca  entre  os  dois  bocados  de  pa¬ 
pel  de  estanho.  Aquecendo  a 
chaminé,  o  lenço  e  a  escova,  o  resultado  é  certo. 

Se  a  um  fio  metallico,  ou  mesmo  de  algodão,  sus¬ 
pendermos  tiras  de  papel  muito  fino,  de  mortalhas  de 
cigarro,  por  exemplo,  e  fizermos  passar  esse  fio  em 
torno  do  annel,  pegando  na  chaminé,  d’esta  vez  pelo 
lado  onde  se  collou  a  tira  de  papel  de  estanho,  e  es¬ 
fregando-a  interiormente  com  a  escova  embrulhada 
no  lenço,  veremos  as  tiras  de  mortalhas  affastarem-se 
vivamente  umas  das  outras. 

CarroBssel  electrico 

A  electrisaçãõ~ do  vidro  fornece-nos  alguns  entre¬ 
tenimentos  curiosos.  Cortemos  rfum  bocado  de  papel 
consistente  uma  cruz  com  os  quatro  braços  eguaes. 
Espetemos  uma  agulha,  pela  parte  romba,  numa  ro- 
della  de  cortiça,  um  bocado  de  rolha,  por  exemplo,  e 
sobre  a  ponta  d’essa  agulha  collocada  ao  alto,  em¬ 
bebida  n’um  bocadinho  de  cortiça  arredondado,  collo- 


biStRACÇÓES  E  COISAS  UTElS  Ü 


quemos  a  cruz,  bem  pelo  meio.  De  cada  um  dos  bra¬ 
ços  da  cruz  suspendamos  com  um  fio  muito  leve  um 
cavallo  recortado  em  papel  eencapel- 
lemos  sobre  tudo  isto  um  copo  sem 
pé.  Se  esfregarmos  circularmente  com 
um  bocado  de  panno  de  lã  o  tunJo  do 
copo,  tendo  o, cuidado  de  o  fazer  sem¬ 
pre  no  mesmo  sentido,  veremos  a  cruz 
gyrar  sobre  a  agulha,  arrastando  com- 
sigo  os  cavallos.  E’  um  divertimento 
de  muito  effeito. 

llm  milagre!  Mudar  n  agua  em  viuho! 

Como  os  amadores  do  bom  vinho  vão  lêr  isto  pre- 
surnsos!  E’  na  realidade  um  milagre,  mas  nao  custa 
muito  a  operar. 

Peguemos  em  dois  copos  rigorosamente  do  mesmo 
diâmetro  e  mettamol-os  debaixo  d’agua  n’um  alguidar 
ou  n’um  balde.  Quando  estiverem  cheios  ajustemol-os 
cuidadosamente  pelos  bordos  e  viremol-os  de -modo 
a  ficarem  um  sobre  o  outro,  reparando  bem  que  não 
fique  no  de  cima  nenhuma  bolha  de  ar. 

Ponhamol-os  assim  sobre  uma  mesa 
e  enxugue-mol-os  cuidadosamente.  Feito 
isto,  pegue- se  n’um  cal'x  cheio  de  vinho 
e  colloque-se  sobre  o  fundo  do  copo 
que  está  por  cima.  Ensope-se  no  vinho 
uma  pequena  tira  de  flanelia  ou  de  bae¬ 
ta,  esprema-se  em  seguida  e  metta-se  de¬ 
pois  no  calix  de  modo  a  ficar  com  as  extremidades 
pendentes.  D’ahi  a  pouco  a  agua  do  copo  superior  ap- 


còSMoâ 


parecerá  da  côr  de  vinho  e  um  pouco  mais  palheto 
que  o  do  calix. 

0  milagre  iuverso!  Mudar  o  vinho  em  agua  ! 

Não  é  de  menos  effeito  este,  embora  seja  menos 
divertido,  para  os  amadores  do  vinho. 

Na  rolha  d’uma  garrafa  bem  escura,  com  agua  até 
tres  quartos  de  altura,  pratiquemos  dois  pequenos  fu¬ 
ros  e  enfiemos  por  elles  dois  canudinhos  de  palha, 
d’aquelles  com  que  costumamos  saborear  as  carapi- 
nhadas  e  lacre-se  em  seguida  a  rolha.  Um  dos  canu¬ 
dos  deve  mergulhar  bem  na  agua  da  garrafa  e  o  outro 
deve  ficar  distante  do  nivel  da  mesma  agua.  Se  elles 


forem  eguaes,  deve  portanto  o 
o  primeiro  ficar  exteriormente 
mais  baixo  que  o  segundo.  Na 
extremidade  superior  de  cada 
um  dos  canudinhos  enfie-se 
uma  meia  casca  de  uma  laranja 
pequena  ou  de  uma  noz,  e  na 
meia  casca  do  tubo  mais  baixo 
faça-se,  perto  d’este,  outro  fu¬ 
ro,  onde  se  enfiará  mais  um  ca¬ 


nudinho  de  palha,  mas  este  um  pouco  inclinado  para 
fóra,  porque  terá  que  servir  de  torneira.  Se  na  meia 
casca  mais  alta  fôrmos  deitando  vinho,  não  tardará 
muito  que  pelo  canudinho  que  serve  de  torneira  na 
meia  casca  mais  baixa  comece  a  sahir  agua. 

Quem  estiver  a  presenciar  o  caso  e  não  souber  o 
que  se  passa  dentro  da  garrafa,  ficará  maravilhado. 
Por  isso  deve  a  garrafa  ser  muito  escura. 


DISTRACÇÕES  E  COISAS  UTEIS 


i3 


Cortar  nm  vidro  com  iiuia  tesoura 

Pouca  gente  saberá  que  um  vidro  se  póde  cortar 
com  'uma  tesoura  como  se  fosse  papel.  Pois  experi¬ 
mentem  e  verão  que  é  absolutamente  verdade. 

Para  isso,  mettem-se  o  vidro,  a  tesoura^e  as  mãos 
debaixo  d’agua,  n’um  balde,  n’um  tanque,  n’um  al¬ 
guidar,  ‘ou  em  qualquer  outra  vasilha.  O  essencial  é 
quedas  mãos  do  operador,  a  tesoura  e  o  vidro  este¬ 
jam  bem  debaixo  d’agua.  Quanto  mais  comprida  fôr 
a  tesoura,  melhor  sahe]  o]  corte,  e  melhor  ainda  se 
fôr  dado  d’uma  só  vez. 

Furar  um  vidro 

No  ponto  onde  sejdeseja  turar  o  vidro,  colloca-se 
um  pedaço  de  argilla  secca  ou  de  massa  de  vidra¬ 
ceiro  e  n’ella  se  faz  um  buraco  do  mesmo  diâme¬ 
tro  do  furo  que  se  pretende  que  vá  até  á  superfí¬ 
cie  do  vidro.  N’esse  buraco  deita-se  um  pouco  de 
chumbo  derretido  e  logo  que  este  se  solidifique  bas¬ 
tará  uma  pequena  paqcada  para  fazer  destacar  um 
bocado  de  vidro  do  tamanho  do  furo  que  se  dese¬ 
java. 

CoUa  para  madeira 

Lava-se  em  varias  aguas  um  queijo  branco  e  fresco, 
amassando-o  e  batendo-o  com  força,  formando  uma 
bola  que,  depois  de  bem  espremida  a  agua,  se  guarda 
.n’um  sitio  fresco.  Por  outro  lado,  tempera-se  rapida¬ 
mente  em  agua  uma  porção  de  cal  viva  que,  depois 


’4 


COSMOS 


de  bem  secca  e  reduzida  a  pó,  se  guarda  em  garra¬ 
fas  bem  rolbadas.  Uma  ou  duas  horas  antes  de  ser 
empregada,  prepara-se  a  porção  de  colla  necessária^ 
misturando  uma  parte  de  cal  e  tres  partes  de  queijo 
com  agua  bastante  para  obter  uma  pasta  pouco  con¬ 
sistente.  Obtem-se  d’este  modo  um  excellente  prepa¬ 
rado  para  collar  quaesquer  bocados  de  madeira,  es¬ 
pecialmente  os  que  estão  sujeitos  a  ser  molhados 
muitas  vezes,  pois  que  esta  colla  é  insolúvel  na  agua.. 

Colla  de  arroz 

Um  dos  melhores  preparados  para  collar  papeis  é 
o  de  farinha  de  arroz.  E’  uma  colla  d’um  branco  ma¬ 
gnifico  que  se  torna  quasi  transparente  depois  de 
secca  e  com  propriedades  de  adherencia  taes  que  é 
impossível  destacar,  sem  os  rasgar,  os  papeis  com  ella 
collados.  Prepara-se  muito  simplesmente.  Dilue-se  a 
farinha  de  arroz  em  agua  e  poe-se  a  um  fogo  brando 
até  que  tome  uma  certa  consistência. 

(íotiiina  de  sellos,  etiquetas,  etc. 

Quando  se  dissolve  a  gomma  em  agua  com  o  fim 
de  a  applicar  a  papeis  destinados  a  serem  collados 
mais  tarde,  é  bom  juntar-se-lhe  um  pouco  de  glyce- 
rina.  Esta  substancia  impede  que  a  gomma,  depois  de 
secca,  se  torne  quebradiça  e  evita  a  tendencia  que, 
em  geral,  teem  as  etiquetas  gommadas  a  enrolarem- 
se,  quando  n’ellas  se  escreve. 


o  POETA  DA  RAINH  \ 


35 


Para  este  fim  reuniu  na  sua  mala  todas  as 
joias  que  possuia,  entrando  n’este  numero  até  alguns 
copos  de  ourivesaria  que  se  achavarn  no  seu  quarto 
e  que  tinham  gravadas  as  armas  da  familia,  e 
isto  com  o  intento '  irreverente  de  se  servir  d’elles 
para  pagar  as  despezas,  ou  para  beber  todos  os  qua¬ 
tro  costados  da  sua  nobreza  sobre  o  tonel  da 
primeira  estalagem. 


Para  este  fim  reuniu  na  sua  mala. . . 


Ás  seis  horas,  William,  tendo  chegado  primeiro, 
estava  já  á  porta  do  theatro. 

Viu  chegar  lord  Clarisson  que,  conforme  o  cos¬ 
tume,  lhe  deu  o  cavallo  a  segurar.  Uma  irritação 
interior  o  fez  estremecer  ligeiramente  e  empalli- 
decer  ao  pegar  na  rédea  d’este  cavallo  e  ao  rece¬ 
ber  as  ordens  do  insolente  barão. 

Bem  depressa  chegou  também  .a  formosa  Isa- 


36 


COSMOS 


bei  montaâa  n’iima  mula  ricamente  ajaesada.  Wil- 
liam  sentiu-se  de  novo  surprezo  de  admiração,  quan¬ 
do  as  luzes  da  rotunda  reverberaram  sobre  esta 
bella  creatura,  no  momento  em  que  se  apeava  de  um 
salto,  lançando  com  extremo  garbo  a  rédea  sobre 
o  pescoço  do  animal. 

Porém,  ao  mesmo  tempo  pareceu-lhe  que  lhe 
roçavam  pelas  orelhas  estas  phrases,  em  que  a 
nobre  donzella  resumira  sua  opinião  a  respeito  dos 
homens  do  povo,  essas  gentes  não  são  da  mesma  es- 
pecie  que  nós,  e  que  ella  houvera  tido  o  trabalho 
de  formular  expressamente  por  sua  causa.  Era 
realmente  para  admirar  que  uma  mulher  estranha, 
que  só  uma  vez  passára  diante  d’elle,  houvesse 
inspirado  ao  pobre  escholar  tão  apaixonada  admi¬ 
ração  e  ao  mesmo  tempo  um  sentimento  de  tão 
funda  raiva. 

Mas  William  não  reflect’a  na  singularidade  d’estas 
sensações;  elle  estava  na  edade  em  que  se  sen¬ 
te  de  sobra  para  haver  tempo  de  analysar. 

Passados  alguns  minutos,  Henrique,  que  havia  en¬ 
trado  para  dentro  do  theatro  com  a  familia,  saiu, 
sem  darem  por  isso,  e  veiu  reunir  se  ao  seu  compa¬ 
nheiro  de  viagem. 

Toda  a  concorrência  estava  já  dentro  da  rotunda ; 
03  dois  amigos  acharam-se  por  isso  quasi  sós  de¬ 
baixo  do  tejadilho  do  rústico  theatro. 

Eram  7  horas,  a  noite  vinha  a  cerrar  de  todo. 

—  Anda  depressa,  disse  Henrique,  montemos  a 
cavallo  e  partamos  rápido  como  o  vento,  porém 
mais  silenciosos  que  elle. 


■o  POETA  DA  RAINHA 


37 


—  E  para  que  lado  ?  perguntou  William, 

—  Se  queres  que  te  diga,  não  sei ;  a  terra  é  ta- 
niau  1 1  que  mc  vejo  enleado  na  escolha 

—  Os  passaros  vão  ao  mar  quando  teem  sede, 
e  ao  bosque  quando  a  chuva  aperta,  mas  nós  que 
não  sabemos  se  o  nosso  futuro  será  de  nevoa  ou  de 
sol,  temos  difficulda^de  em  adivinhar  qual  é  o  lado 
que  nos  convém. 

—  Vamos  á  tôa  depois  escolheremos  o  caminho. 
Quando  se  deixa  um  logar  sem  fazer  despedidas,  o 
que  importa  é  partir  antes  de  pensar  em  chegar. 

—  Parece-me,  Henrique,  que  tu  trouxeste  o  me¬ 
lhor  cavalio  das  tuas  cavallariças,  e  que  poderá 
levar-nos  a  nós  ambos.  Hei-de  gostar  d’esse  modo 
de  viajar.  Este  càvallo,  que  vae  transportarmos 
a  nós  dois,  será  o  emblema  do  destino  que  vae 
de  ora-avante  reunirmos. 

—  E  a  mim  que  me  agradam  immenso  os  sym- 
bolos,  William,  principalmente  quando  são  tão  for¬ 
mosos  como  o  teu  espirito  sabe  creal-os;  mas  como 
estamos  em  via  de  achar  outros,  o  melhor  é  re¬ 
nunciar  esse.  Tu  vaes  simplesmente  montar  Júpi¬ 
ter,  o  bello  cavalio  de  Lord  Clarisson,  e  eu  o 
meu.  Assim  iremos  mais  depressa,  e  fará  melhor 
figura  cada  um  montado  na  sua  cavalgadura,  quando 
chegar  a  qualquer  estalagem,  do  que  apresentando- 
lhe  a  triste  imagem  do  cavalleiro  em  duplicado. 

—  Tens  razão.  E  d’este  modo,  lord  Clarisson 
voltará  a  pé  para  a  sua  baronia,  e  folgarei  muito 
confesso-te,  de  saber  que  elle  teve  de  atravessar 
caminhos  enfestados  de  lobos  e  com  agua  até  ao  joelho. 


38 


COSMOS 


WijJiam  cavalgou  Jupiler,  que  se  prestou  com 
docilida|(ie  a  esta  substituição  de  cavalleiro,  por¬ 
que  ganhava  uma  carga  notável  de  menos,  e  depois 
os  dois  mancebos  partiram  a  galope. 

III 

A  fuga 

Tudo  correu  á  maravilha  n'esta  primeira  noite 
de  viagem. 

Os  dois  fugitivos  só  encontraram  campinas  de¬ 
sertas,  casas  fechadas  e  mergulhadas  em  somno ; 
a  nevoa,  destendida  pela  estrada,  e  a  humidade 
da  terra  que  ensurdecia  os  passos  dos  cavallos, 
faziam  do  caminho  todo  um  mysterio  áquelles  que 
só  exigiam  o  esquecimento  e  o  affastamento  de 
todas  as  vistas  Além  d'isto,  a  extranheza  do  suc- 
cesso  lhe  subia  ao  cerebro,  e  o  prazer,  como  as 
esperanças,  redobravam  para  elles. 

Ao  irradiar  do  dia,  estavam  já  os  dois  viajantes 
tão  longe  de  Stratford,  que  não  receavam  ser 
conhecidos. 

Informaram-se  dos  camponezes  dos  sitios  onde  se 
encontravam.  O  condado  de  Warwick  estava  quasi 
a  desapparecer ;  o  Saverne,  que  se  descobria  a 
pouca  distancia,  a  correr  entre  cêrros  arborisados, 
tinha  a  oeste  a  montanha  que  sustem  a  bonita 
cidade  do  Ludlaw  e  ao  sul  os  limites  do  paiz 
de  Worcester. 

Henrique  e  William  deliberaram-se  por  esto  ul- 


o  POETA  DA  RAINHA 


39 


timo  condado,  porque  a  estrada  que  lá  ía  dar  era 
-orlada  de  álamos,,  e  circulava  por  entre  collinas 
verdejantes,  ao  par  que  os  outros  pontos  do  hori- 
sonte  que  se  descobriam  não  apresentavam  á  vista 
senão  plainos  monotonos. 

Em  seguida  a  um  solido  almoço,  p.jz^r,im-se  a 
oammho. 

A  unica  alegria  da  partida  bastára  para  entreter 
.a  noite  de  encantos;  e  agora,  que  se  patenteavam 
á  claridade  do  dia  estas  bellas  campinas  de  que 
faziam  a  conquista,  os  objectos  de  prazer  e  assom¬ 
bro  renovaram-se  de  continuo  em  cada  aspecto 
■da  paizagem  que  observavam,  voando  sobre  seus 
ligeiros  cavallos:  a  cada  valle,  castello,  praderia, 
ou  moinho  que  abraçavam  com  os  olhos  e  enflo¬ 
ravam  com  a  phantasia,  reputavam-se  ditosos  e 
altivos  como  um  general  que  acabasse  de  sub- 
metter  mais  um  território. 

Cêrca  do  meio  dia  chegaram  ás  margens  jdo  Sa- 
verne,  em  frente  da  ponte  que  os  levava  ao  condado 
de  Worcester. 

Á  borda  de  um  braço  de  rio,  que  se  adiantava 
.ante  seus  passos,  via-se  um  alberguesito  e  algumas 
barracas  de  pescadores. 

O  primeiro  cuidado  dos  nossos  viajantes  foi  tra¬ 
tarem  de  se  restaurar  de  novo. 

Depois  o  mais  prudente  seria  proseguir  a  mar¬ 
cha,  mas  aquelles  sitios  eram  tão  aprasiveis,  que 
■cederam  ao  desejo  de  os  examinar  miudamente, 
e  de  começar  d’esta  sorte  o  seu  papel  de  viajantes 
artistas.  '  - 


40 


COSMOS 


Treparam,  por  clareiras  tortuosas,  a  um  cerro 
que  dominava  a  corrente,  e  de  lá  avistaram  uma 
vasta  extensão  do  território  que  íam  percorrer. 

'O  panorama  era  grandioso  e  severo,  enormes 
penedos  alevantavam  os  cimos  por  entre  vastos 
estevaes,  parecendo  assim  opporem-se  a  que,  a  cul¬ 
tura  invadisse  seus  campos  silvestres.  Ao  fundo  do 
horisonte  estendia-se  uma  floresta  tão  alta  e  espessa,, 
que  se  percebia  visivelmente  datar  dos  primeiros 
tempos  do  mundo,  e  dir-se-hia  que  a  sua  verdura 
monumental  havia  sido  ennegrecida  pelo  habito 
queimador  dos  séculos. 

A  direita  via-se  um  castello  roqueiro,  cuja  archi- 
tectura  massiça  parecia  competir  em  força  e  im- 
mobilidade  com  os  carvalhos  seculares  que  o  en¬ 
volviam;  e  á  esquerda  erguia-se  um  outeiro  coberto 
de  minas  informes,  de  que  seria  difficil  fixar  a 
existência  decorrida,  e  que  amostrava  a  sua  tris¬ 
teza  sem  ser  possivel  advinhar-lhe  a  causa. 

Mas  se  quadros  taes,  tamanhos  ante  os  olhos 
como  ante  o  pensamento,  attrairain  a  curiosidade  e 
contemplação  dos  dois  amigos  fugidos  pela  primeira 
vez  dos  limites  da  sua  terra,  outro  objecto  chamou 
ainda  por  mais  tempo  a  sua  attenção. 

E  não  era  mais  nada  do  que  a  pobre  bar- 
raquinha  de  um  pescador,  edificada  na  praia  ,onde 
elles  se  tinham  apeado.  Porém,  á  janella  d’esta 
casinha,  voltada  para  o  lado  do  rio,  estava  uma  ra¬ 
pariga,  a  mais  linda  de  todas  que  traziam  em  Wer* 
wickshire  toucado  de  rendas  pretas  e  corpete  der 
pyanno  vermelho. 


o  POETA  DA  RAINHA 


4Í 


Estava  elia  entretida  em  tecer  uma  erurnie  rede, 
e  maneava  agilmente  a  lançadeiia  entre  as  malhas, 
sem  Itevantar  a  vista  do  trabalho.  Prendiam-lhe 
a  ligeira  touca,  alfinetes  de  ouro  encravados  no 
cabelkí  do  mais  fino  ébano;  e  o  escarlate  da 
romeira  realçava-lhe  o  talhe  tino  e  arredondado. 
Uma  videira  novinha,  serpeando  em  volta  da  ja- 
nella,  emrnoldorava  esta  graciosa  figura. 

As  aguas  serenas  e  limpidas  do  rio  espelha¬ 
vam  com  uma  exactidão  perfeita  as  perfeições  d’es- 
ta  formosa  creatura  e  os  arabescos  de  verdura  que  a 
circundavam. 

Os  dois  mancebos  olhavam  encantados  para  esta 
dupla  imagem,  e  saboreavam  o  seu  aspecto  de¬ 
licioso. 

—  Sabes  tu  em  que  eu  penso,  PI  enrique?  disse  o 
joven  Shakspère ;  penso  em  que,  tanto  que  qualquer 
de  nós  haja  encontiado  a  mulher  que  deve  amar, 
será  necessário  que  o  seu  reflexo,  assim  traçado 
n’uma  agua  pura,  tome  corpo  e  alma  e  venha 
a  formar  uma  creatura  em  tudo  semelhante  á 
primeira;  porque  nós  temos  ambos  os  mermos  gostos 
e  as  mesmas  inclinações,  e  por  isso  importa  unir 
idênticas  perfeições  para  nos  agradarem  de  modo 
egual;  e  assim  poderiamos  nós  amar  a  mesma  mu¬ 
lher,  sem  experimentar  as  tribulações  dos  zelos. 

—  Tu  tens  razão  era  o  que  convinha  á  nossa 
felicidade ,  e  estou  certo  que  o  cpe  tu  desejas, 
brevemente  o  teremos.  Não  será  difficil  encon¬ 
trarmos  duas  jovens  creaturas  dignas  de  nós,  ainda 
que  não  sejam  semelhantes  como  tu  que-es :  por 


42 


COSMOS  - 


que,  eni  quantu  nós  con\'ei'Simos  de  nossos  fiuuros 
amores,  como  o  fizemos  durante  parte  da  viagem, 
ha  de  se  dar  o  caso  de  haverem  no  mundo  lin¬ 
das  donzellas  que  pensem  no  homem  necessário 
ii  sua  existência,  e  muno  mais  breve  se  acha  quando 
se  procura  por  dois  lados.  Quem  sabe,  accrescen- 
toa  ellc,  estendendo  a  mào  para  a  encosta  flo¬ 
rida  ejin-  acabavam  de  descer,  quem  sabe  se  esses 
dois  entes  estarão  bem  perto  de  nósl  Talvez  os 
vejamos  descer  pelas  sendas  chaquellas  formosas 
collinas,  onde  a  natureza  nada  deve  produzir  se¬ 
não  perfeito, 

William  tinha  machinalmente  volvido  os  olhos 
para  ac|uella  banda  que  Henrique  indicava,  e  viu 
passar  poi  entre  as  ramadas  alguma  cousa  verme¬ 
lho  e  brilhante. 

Havia  de  jurar,  acudiu  elle,  que  o  diabo 
zomba  de  nós  de  um  modo  singular,  e  que  em 
logar  das  duas  encantadoras  irmãs  que  tu  esperas, 
nos  envia,  por  esses  mesmos  caminhos  verdejantes 
que  tu  dizes,  soldados  que  nos  veem  prender. 

—  E  é  verdade!  com  a  brecai  exclamou  Henri¬ 
que,  olhando  com  attenção.  Vejo  gorros  vermelhos 
de  plumas  pretas,  e  couraças  de  aço :  são  os  ar¬ 
cheiros  ao  serviço  de  meu  pae.  É  de  certo  gente 
que  elle  envia  a  procurar-nos,  e  que  nos  vem  aoencalso. 

Ainda  que  os  dois  mancebos  reconheceram  dis- 
tinctainente  os  homens  d’armas,  estes  tinham  a.n- 
da  muito  caminho  que  fazer  primeiro  que  podessem 
apanhal-os,  porque  a  clareira  descia  á  baixa  da 
collina  fazendo  differentes  voltas. 


ITIadas 


COMO  complemento  dos  vaporosos  e  variadíssi¬ 
mos  trajes  da  presente  estação,  a  moda, 
volúvel  e  caprichosa,  apresenta-nos  uma  ex¬ 
traordinária  diversidade  no  capitulo  fchapeus,  em 
cuja  confecção  entram  a  palha,  a  crina,  o  tidle  e 
as  rendas.  Para  enfeites  usam-se  as  flores,  occu- 
pando  o  primeiro  logar  as  rosas  e  os  fructos,  prin¬ 
cipalmente  ginjas,  groselhas  e  uvas.  Mas  de  todos 
os  enfeites  indiscutivelmente  o  mais  chic,  o  que 
não  passa  de  moda,  são  as  plumas  de  avestruz  pleu~ 
reitses^  que  constituem  o  mais  lindo  ornamento  que 
uma  dama  elegante  póde  usar,  quer  n’uma  visita 
de  cerimonia,  quer  no  theatro  ou  n’uma  reunião 
mundana.  A  desvantagem  de  serem  bastante  dis¬ 
pendiosas  é  sobejamente  compensada  pela  sua  lon¬ 
ga  duração,  especialmente  quando  tintas  de  preto, 
e  por  embellezarem  do  mesmo  modo  um  chapéu 
leve,  no  verão,  ou  cLe  feltro,  no  inverno. 

São  de  magnifico  effeito  os  chapéus  de  tulle,  cuja 
aba  se  inclina  suavemente  para  o  lado  direito,  com 
a  copa  em  caprichosos  tufos,  cercada  por  uma  tor 


8 


COSMOS 


i 


sade  de  velludo.  Na  parte  posterior,  cahindo  livre¬ 
mente  duas  ou  mais  plumas,  cujos  pés  vão  escon- 
der-se  n’um  molho  de  flores. 

Muito  lindos,  também,  sao  os 
chapéus  habillés,  de  abas  der¬ 
rubadas,  fórma  cloche,  a  copa 
coberta  de  liille,  a  aba  guarne¬ 
cida  de  vieses  de  taffetas  plis¬ 
se,  com 
uma  gri¬ 
nalda  de 
flores  em 
volta  da 
copa. 

As  clo- 
ches  em 
palha  ou 
crina,  en¬ 
feitadas 
a  flores, 
fl  t  a  s  e 
plumas  e 
as  gran¬ 
des  ca- 

pellines  de  palha  de  cór  preta  ou  folha  secca,  guar¬ 
necidas  com  aves  do  paraiso,  são  bastante  elegantes, 
mas  as  ultimas  tornam-se  muito  dispendiosas. 

As  carcassas  dos  chapéus  de  grande  cerimonia 
devem  armar-se  em  mousseline  gommada  ou  em 
arame,  forradas  de  tulle  ou  taffetas,  completando  a 
decoração  plumas  e  flores. 


* 


■f- 


'l  oilette  em  'JWEED  hejge  com  applicações  de  galáo 
bordado  e  passementeries.  Saia  em  pregas.,Bolei-o- 
sac  com  peitilho  e  mangas  de  renda  da  Irlanda.  Gr?- 
vata  e  cinto  de  taffeta  azul.  Cliapen  enfeitado  a  flo¬ 
res  e  fitas  libertv. 


pi 


MODAS 


9 


Muitas  vezes  o  piquet  de  plumas  ou  o  bouquet 
applicam-se  atraz;  outras,  em  ambos  os  lados  da 
frente  collocam-se  grandes  chous  de  tulle  ou  de  fita. 
Veem-se  bastante  os  chapéus  de  grandes  dimensões, 
mas  são  preferíveis  os  que 
.  ■  ■  ■  ,  não  ultrapassam  os  limites  do 

rasoavel. 

Para  as  crianças  nao  é  me¬ 
nor  a  variedade  nos  chapéus. 
Além  do  consagrado  canotier, 
sempre  bonito  pela  simplici- 
d  a  d  e 
que  o 
c  ar  a  - 
cterisa 
veem- 
se,  so¬ 
bretu¬ 
do,  as 
capel- 

lines  de  grandes  abas,  em  pa¬ 
lha  ou  em  crina,  e  as  charlotes 
em  cambraia,  nansouk  ou  ba- 
tiste  e  as  toucas,  para  as  creãn- 
ças  até  seis  annos. 

As  capellines  guarnecem-se 
geralmente  com  flores,  devendo 
preferir-se  as  miudinhas,  ou 
com  laçadas  e  torsades  de  fita 
ou  setim  liberty.  Nas  charlotes 
empregam-se  rendas  e  entremeios  com  plisses. 


doche  de  palha  com  grinal¬ 
da  de  flores  e  grandes  plu¬ 
mas  pleureuses. 


Vestidinho  em  baliste  bor¬ 
dada  com  faixa  de  seda 
escoceza.  Charlote  da 
mesma  fazenda  e  com 
enfeites  similhantes  à 
faixa. 


lO 


COSMOS 


As  capelhnes  Empire  ou  Directoire^  próprias 
para  vestidos  de  etiqueta,  confeccionam-se  em  gase 
ou  inousseline  de  seda  franzida,  da  côr  do  vestidi- 
nho,  ou  em  renda  íina,  branca,  devendo,  tanto  uns 
como  outros,  ornar-se  com  fitas  e  flores. 


premiada  com  Mki»  ■»»  i>it.4T/% 

iia  i';xposição  4gricola  de  1905,  na  Bleal  Tapada 
d’4juda 

em  l.eiteii  puros,  Manteigas  c  Walas  , 

^ - ■ 


Offerece  aos  seus  freguezes 
um  SEGURO  DE  RENDAS 

vitalícias  de  importância 
proporcional  ao  consumo  mensal 
que  tiverem 


Requisitar  á  SEDE  informações  que  se  re- 
mettem  de  seguida. 


MAZURKA  DE  SALON 


O 

£o 

z 

*73 

H 


Evidentemente  a  casa  de  espectáculos  que  mais 
está  attrahindo  a  attençao  é  o  Colyseu  das  Portas 
de  Santo  Antão,  onde  trabalha  a  companhia  italia¬ 
na  de  opera-comica  e  operetta. 

As  companhias  italianas  que  nos  visitam  são  as 
que,  geralmente,  apresentam  mais  novidade ;  todos 
se  lembram  ainda  da  bella  impressão  que,  sob  esse 
ponto  de  vista,  produziu  a  companhia  de  Tina  de 
Lorenzo.  Além  d’essa  unidade,  proveniente  de  apti¬ 
dões  e  da  longa  duração  das  tournees^  obrigando  os 
artistas  a  repetirem  centos  de  vezes  as  mesmas  pe¬ 
ças  e  com  os  mesmos  interpretes,  os  grupos  thea- 
traes  italianos  cuidam  sériamente  da  mise-en-scène^ 
apresentam  as  peças  bem  vestidas  e  com  scenarios 
apropriados. 

E’  0  que  acontece  com  o  que  actualmente  explora 
o  Colyseu.  Deu-nos  até  agora  tres  peças:  Os  sal¬ 
timbancos,  a  Gueicha  e  a  Cigarra  e  a  Formiga,  e 
todas  tres  obtiveram  grande  exito,  especialmente  a 


4 


COSMOS 


Gueicha,  pela  bella  musica  que  possue,  do  maestro 
.lones.  O  seu  entrecho  é  fraco,  mas  como  a  acção 
se  passa  no  Japão  o  espectador  impressiona-se  com 
os  extranhos  costumes  que  presenceia,  com  o  quid 
de  misterioso  que,  apezar  do  assombroso  adeanta- 
mento  d'aquelle  império,  ainda  teem  para  nos  a  sua 
civilisação,  o  seu  Buddha,  os  seus  habitantes  com 
denominações  de  flores  e  fructas,  a  sua  arte  amanei- 
rada,  tudo  tão  difTerente  dos  paizes  occidentaes. 

A  Gueicha  agradou,  pois,  como  aconteceu  aos  sal¬ 
timbancos  e  depois  se  deu  com  a  Cigarra  e  a  for¬ 
miga.  A.  estrella  da  companhia  é  a  sr.®  Fontana, 
que  dispõe  de  voz  bem  timbrada,  que  sabe  cantar  e 
que  é  notável  na  declamação.  O  resto  da  compa¬ 
nhia  é  excellente. 

Acabou  a  zarzuella  no  D.  Amélia.  Ha  uma  sema¬ 
na  que  a  empreza  annunciara  a  ultima  récita,  mas 
depois  do  annuncio  ainda  houve  mais  oito,  com  ca¬ 
sas  fracas.  Lá  vae  a  sr.“  Pilar  Marti  cremos  que  para 
Barcelona  e  o  resto  da  companhia  para  vários  thea- 
tros  de  2.“  ordem  do  seu  paiz.  Verdade,  verdade,  só 
a  sr.'’’  Pilar  Marti  deixa  saudades 

Na  Trindade  alguns  artistas  do  D.  Maria,  junta¬ 
mente  com  outros  d’aquelle  theatro  e  ainda  alguns 
do  Gymnasio,  estão  explorando  o  drama.  Até  agora 
deram-nos  o  Aimrento,  uma  das  coróas  de  Ferreira 
da  Silva,  e  a  Rosa  engeitada,  corôa  também  de 
Adelina  Abranches.  O  publico  não  tem  correspon¬ 
dido  aos  esforços  do  grupo,  o  que  muito  bem  se  ex¬ 
plica:  as  noites  estão  quentissimas,  a  epocha  não 
vae  para  dramas  e  coisas  sérias,  e  no  proprio  thea- 


REVISTA  THEATRAL 


5 


tro  da  Trindade  ha  um  animatographo  a  meio  tos¬ 
tão  a  entrada. 

Reabriu  a  rua  dos  Condes  com  uma  companhia 
de  operetta  dirigida  por  Pedro  Cabral,  levando  á 
scena  o  Moleiro  d’Alcalá;  vae  reabrir  o  Avenida; 
para  o  Gyrnnasio,  que  fecha  gloriosamente  com  o 
Cão  e  o  GatOy  annuncia-se  um  animatographo;  no 
Prmcipe  Real  continua  o  O’  da  guarda  a  fazer  as 
delicias  do  publico,  que  ri  a  bandeiras  despregadas 
.quando  o  Alfredo  de  Carvalho  muda  o  s  em  jr;  para 
o  Real  Colyseu  passaram  os  luctadores,  d’esta  vez 
sem  concorrência,  o  que  parece  significar  que  o  pu¬ 
blico  começa  a  ter  juizo. 

E  d’aqui  se  deprehende  um  facto  celebre :  é  que 
sendo  verão  ha  mais  theatros  abertos  do  que  no  in¬ 
verno  !  O  resultado  prevê-se,  mas  estamos  convenci¬ 
dos  de  que  não  haverá  emenda.  Parodiando  uma 
phrase  franceza  conhecida  —  um  empresário  de  ve¬ 
rão  encontra  sempre  um  capitalista  que  o  admira.  E 
o  capitalista  cae,  que  é  um  regalo. 


I 


'r 


cootnDuiçã!)  pezadissina  pam  as  liibitaiite  k  Lisboa. 


OI_D  EZIMOL-AIMD 

Rua  Augusta— PRÉDIO  TODO— Rua  de  S.  Nicolau 


m  Preparado  pelo  seu  auctor 

AlilOlilO  DIAS  AMADO 


( 


Pharmaceutico 
pela  Universidade  de 
Coimbra 

Membro  da  Sociedade 
de  Medicina  de  Paris 


Indigitado  pelas 
prineipaes  sumidades 
medicas 

da  Europa  B  da  America 


d 


Deposito  Geral  em  Lisboa:  PHARMACIA  DO  AUCTOR 

Praça  de  S,  Paulo,  20,  2í,  22 

Porto  -  PHARIVIACIA  ALMEIDA  EONHA-Rua  Formosa,  333 


0  italiano  sem  mestre 


0  alphabeto  italiano  contém  vinte  í 
a  saber : 

;  uma  letras  (*), 

A 

B 

C 

D 

E 

F 

Pronuncia-se:  a 

bê 

txi 

dê 

e 

e/e 

dgi 

H 

I 

L 

M 

íí 

0 

P 

Pronuncia-se:  áca 

/ 

éle 

eme 

éne 

0 

pi 

Q 

R 

S 

T 

U 

Y 

L 

Pronuncia-se:  cu 

erre 

esse 

ti 

u 

vê 

d\éta 

Na  lingua  italiana  não  ha  diphtongos  nem  sonsna- 
saes;  as  letras  com  que  se  compõem  as  palavras  pro¬ 
nunciam-se  todas  bem  distinctamente;  as  vogaesteenf 
sempre  o  som  aberto,  mas  sem  exagerar  este  som 
n’aquelias  em  que  não  recáe  o  accento  tonico,  e,  so¬ 
bretudo,  nas  que  terminam  as  palavras,  e  as  consoan¬ 
tes  teem  geralmente  o  mesmo  valor  qúe  em  portu- 
guez.  Devemos  fazer  notar  que  em  italiano  são  vul- 


(')  Em  italiano  emprega-se  ás  vezes  o  j  com  o  valor  de  i  longo, 
mas  é  rarissimo  e  o  seu  usp  vae-se  toçnando  cadaj^ez  mais  restricto, 


4 


COSMOS 


gares  as  palavras  de  consoantbs  dobradas  e  que  os  I 
italianos  pronunciam  as  duas,  a  primeira  muito  mais 
rapidamente  que  a  segunda.  Isto  é  porém  para  nós 
muito  difficil,  e  o  melho;  é  não  nos  preoccuparmos 
com  esta  particularidade,  tanto  mais  que  a  falta  de 
pronunciação  da  primeira  das  consoantes  não  é  muito 
perceptivel. 

Ch  pronuncia-se,  em  italiano,  como  k;  gn  como 
nh;  gl,  antes  a,  n,  u  como  em  portuguez  e  antes  de 
e,  i  como  IIi;  s,  entre  duas  vogaes,  como  p;  .fce,  sck 
lèem-se  xc  xi;  g,  antes  de  u,  o,  ii  e  h,  como  em  por-  i 
tuguez  e  antes  de  e,  i  como  dj,  deixando-se  perceber 
muito  mal  o  d;  cíj,  cio,  chi  como  txa,  txo,  txii,  dei-  ;■ 
xando  perceber  o  t  apenas  muito  bgeiramente ;  7  tem  '■ 
dois  sons;  um,  forte,  como  ts,  outro  mais  doce  como  i 
dp;  a  pratica  ensinará  depressa  quaes  as  palavras  em  |i 
que  o  7  tem  o  primeiro  som  e  aquellas  em  que  tem  o  I ' 
segundo.  i|' 

Estas  regras  não  soffrem  excepções.  |i 

Em  italiano,  na  conversação,  as  pessoas  que  se  não  j; 
tratam  por  tu,  tratam-se  na  3.®  pessoa  do  singular,  ü 
como  em  portuguez,  com  a  differença  de  que  não  ha, 
como  entre  nós,  uma  enorme  variedade  de  tratamen¬ 
tos;  em  italiano  ha  só  dois:  lei  para  o  geral  das  pes¬ 
soas;  ella  para  as  pessoas  que  desempenham  cargos 
de  alta  consideração  social,  como  ministros  de  es¬ 
tado,  bispos,  etc. 

Lei  e  Ella  são  variações  femininas  do  pronome 
pessoal  da  3.®  pessoa  do  singular.  Exemplo;  Você 
tem.  Lei  ha.  .  V.  Ex.®  quer...  Ella  vuole... 
Não  é  demais  insistir  em  fazer  notar  que  aquellas  va- 


Ô  ITALIANO  SEM  MESTRE 


5 


riações  femininas  Lei  e  Ella  do  pronome  pessoal  da 
3.“  pessoa  do  singular,  se  empregam,  nas  condições 
indicadas  acima,  qualquer  que  sej"a  o  sexo  da  pessoa 
com  quem  se  falia. 

Em  italiano  os  pronomes  pessoaes  antep5em-se  ou 
não  aos  verbos  nas  mesmas  condições  que  em  portu- 
guez. 

Exercício  —  Vocabulário 


Italiano 

Traducçâo 

Pronuncia 

11 

0 

11 

La 

A 

Lá 

11  pane 

0  pão 

11  pánê 

11  burro 

A  manteiga 

11  búrrô 

11  coltello 

■  A  faca 

11  coltéllô 

La  forchetta 

0  garfo 

Lá  forkétâ 

11  cucchiaio 

A  colhér 

11  cuckiáiô 

11  piatto 

0  prato 

11  piáttô 

11  bicchiere 

0  copo 

11  bickiére 

La  bottiglia 

A  garrafa 

Lá  botílhiâ 

0  artigo  i 

7  antes  das  palavras 

que  começam 

vogal  ou  z  converte-se  em  lo.  Tanto  em  lo  como 

/u,  substitLie- 

■se,  antes  das  palavras  que  começam 

vogal,  0  0  e 

o  a  por  uma  apostrophe. 

Exercício  —  Vocabulário 

Italiano 

Traducçâo 

Pronuncia 

L’olio 

0  azeite 

L’óliô 

L’aceto 

0  vinagre 

L’acétô 

L’acqua 

A  agua 

L’ácua 

6 


COSMOS 


Lei  ha  bevuta 
Tacqua 
Lo  ZLicchero 
L’inchiostro  (masc.) 
Lo  zio 


Você  bebeu  a 
agua 

O  assucar 
4  tinta 
O  tio 


Léi  há  bevúta 
Tácua 
Lô  tsúkêrô 
Lbnkióstrô 
Lô  tsíô 


Com  a  aprendizagem  da  pronuncia  e  com  as  pala¬ 
vras  que  ahi  apresentamos  e  que  o  leitor  fará  bem 
em  escrever  varias  vezes,  não  só  para  as  fixar,  mas 
para  ir  aprendendo  a  ortographia  italiana  que,  como 
a  nossa,  escapa  a  quaesquer  regras,  tem  o  sufficiente 
para  uma  primeira  licção. 


HISTORIA  E  GEO&RAPHIA 


O  império  portuguez  na  Índia 

Affonso  d’ Albuquerque 

Lance-se  os  olhos  sobre  uma  carta  da  Asia,  con¬ 
temple-se  a  costa  asiatica  do  Indico,  abran- 
jam-se  com  a  vista  os  principaes  pontos  so¬ 
bre  que  assentou  o  império  portuguez  na  índia  no 
século  XVI  e  recordem-se  alguns  dos  factos  mais 
notáveis  d’esse  glorioso  período ;  ninguém  poderá 
furtar-se  á  sensação  de  estar  sonhando.  Chega-se 
até  a  duvidar  da  Historia. 

Um  sentimento  de  profundíssima  admiração  pelo 
homem  que  concebeu,  planeou  e  executou  com  re¬ 
cursos  insignificantes  tão  gigantesca  obra  substitue 
logo  no  nosso  espirito  aquella  primeira  impressão, 
e  a  personalidade  de  Affonso  d 'Albuquerque  toma 
a  nossos  olhos  tamanhas  proporções  que  sem  hesi¬ 
tação  lhe  assignamos  o  primeiro  logar  na  nossa  His¬ 
toria  e  o  collocamos  a  par,  pelo  menos,  dos  maio¬ 
res  capitães  do  mundo  antigo  e  moderno.  E  se  con¬ 
siderarmos  o  actual  império  britannico  na  índia 
convencer-nos-hemos  logo  de  que  só  prestamos  jus¬ 
tiça  a  Affonso  d’Albuquerque.  O  que  este  grande 
homem  concebeu,  planeou  e  executou  no  principio 


10 


COSMOS 


do  século  XVI  ainda  hoje,  decorridos  400  annos, 
tem  a  consagração  dos  factos.  Póde-se  affirmar  que 
os  pontos  principaes  sobre  que  Albuquerque  assen¬ 
tou  o  império  na  índia  ainda  hoje  são  os  mesmos: 
se  não  é  Gôa  é  Bombaim,  poucas  léguas  ao  norte, 
se  não  é  Malaca  é  Singapura,  poucas  léguas  a  sues¬ 
te  e  se  não  é  Ormuz  é  Aden,  substituição  imposta 
pela  abertura  do  canal  de  Suez,  que  fez  perder  ao 
golpho  pérsico  toda  a  sua  antiga  importância.  Mas 
também  Affonso  d’Albuquerque  lançou  no  século 
XVI  as  suas  vistas  para  Aden,  também  elle  sonhou 
a  ligação  do  Mar  Vermelho  ao  Mediterrâneo  por 
meio  de  um  canal  que  da  bacia  hydrographica  do 
Nilo  viesse  ás  costas  da  Abyssinia.  Marinheiro  au¬ 
dacioso,  militar  valente,  estrategista  consummado, 
possuindo  profundos  conhecimentos  geographicos  e 
da  historia  e  costumes  dos  povos  orientaes  um  ta¬ 
cto  político  e  tino  administrativo  extraordinários, 
d’uma  energia  ferrea  que  chegava  á  dureza,  d’uma 
severidade  de  costumes  que  podia  servir  de  modelo 
a  um  santo,  parecia  viver  n’um  mundo  diíTerente 
d’este,  acalentando  os  seus  grandiosos  planos,  para 
cuja  execução  dobrava,  submettia  tudo  a  todos. 

Tinha  cóleras  terríveis,  de  louco  furioso,'  mas 
como  não  havia  de  ser  assim  se  em  volta  de  si  só 
via  homens,  valentes,  é  certo,  mas  educados  numa 
escóla  de  pirataria,  desmoralisados  pela  cubiça  do 
ouro,  pelo  desejo  desenfreado  de  enriquecerem  rapi¬ 
damente  e  portanto  incapazes  de  comprehenderem 
a  gigantesca  obra  em  que  elle  se  empenhava  ?  ! 

De  edade  avançada,  pois  contava  56  annos  quando- 


tomou  conta  do  governo  da  índia,  tinha  a  ousadia 
dos  novos  e  a  reflexão  que  natoralmente  lhe  dava  a 
experiencia  dos  annos.  O  seu  procedimento  era  regu- 
-lado  pelas  circumstancias  ;duròe  cruel,  mesmo,  quan- 
necessario  infundir  terror,  el!e  sabia  ser  gene- 


Affonso  d’Albuqiierqi:e 

roso  e  bom  quando  o  interesse  do  estado  assim  ]h’o 
aconselhava. 

Antes  mesmo  de  ser  o  governador  da  índia,  quan  • 
do  era  simples  commandante  da  esquadra  do  cru¬ 
zeiro,  na  ilha  de  Socotora,  começou  a  dar  execução 
ao  seu  grandioso  plano.  Desprezando  a  pilhagem  das 
naus  de  Meca,  dirigiu-se  com  o  pretexto  de  se  abas¬ 
tecer  de  mantimentos,  para  o  golpho  de  Ouran.  Pas- 


COSMOS 


I  2 


sando  pela  costa  da  Arabia  foi  semeando  o  terror, 
submettendo  peias  armas  successivamente  Curiate, 
Mascate  e  Orfacate.  A  sua  crueldade  foi  tal  que 
mandou  cortar  as  orelhas  e  o  nariz  aos  prisioneiros. 
Entrava  isso  nos  seus  planos,  O  seu  objectivo  era  Or- 
muz  e  preciso  era  que,  quando  lá  chegasse,  já  o  ti¬ 
vesse  precedido  a  fama  da  sua  crueldade  e  do  terror 
que  infundia. 

Ormuz  era  n’esse  tempo  uma  das  cidades  mais  flo¬ 
rescentes  de  toda  a  Asia.  Situada  na  ilha  do  mesmo 
nome,  á  entrada  dõ  golpho  Pérsico  e  junto  da  costa 
da  Pérsia,  constituia  com  a  ilha  um  reino  quasi  intei¬ 
ramente  independente,  pois  que  apenas  pagava  ao 
Schad  um  tributo  annual.  A  sua  magnifica  situação 
fez  d’ella  o  emporio  de  todo  o  commercio  entre  o 
Oriente,  a  Pérsia  e  o  Mediterrâneo. 

Aftbnso  d’ Albuquerque  depressa  se  assenhoreou 
de  Ormuz,  mas  abandonado  por  tres  dos  seis  navios 
que  tinha  sob  as  suas  ordens,  teve  que  regressar  á 
índia,  a  caminho  da  qual  ainda  lhe  fugiu  outro  na¬ 
vio,  o  commandado  por  João  da  Nova. 

Chegado  a  Cochim  e  assumindo  o  governo  depois 
de  varias  peripécias  provocadas  pelo  estado  d’alma 
especial  em  que  se  encontrava  o  vice-rei  D.  Francis-^ 
CO  d’Almeida  por  causa  da  morte  de  seu  filho  D.  Lou- 
renço,  Aífonso  d’Albuquerque  voltou  as  suas  vistas 
para  Gòa  —  que  era  então  também  uma  cidade  mui¬ 
to  florescente,  Mtuada  no  reino  de  Dekkan,  na  pe- 
ninsula  do  Industão  e  governada  por  uma  especie  de 
senhor  feudal  chamado  Hidalkhan. 

Affonso  d’Albuquerque  conquistou  a  cidade  em  fe  _ 


HISTORIA  E  GEOGRAPHIA 


l3 


vereiro  de  iSio,  que  foi  retomada  em  maio  d’esse 
anno  por  Hidalkhan,  até  que  em  novembro  do  mesmo 
ainda  foi  reconquistada  e  desde  então  não  mais  dei¬ 
xou  de  fazer  parte- do  dominio  portuguez. 

Conquistado  o  centro  do  futuro  império,  faltava 
a  Affonso  d’Albuquerque  apoderar-se  dos  dois  pon¬ 
tos  que  n’aqu5lle  tempo  dominavam  as  linhas  com- 
merciaes  do  Indico;  um  era  Ormuz,  de  que  já  fal¬ 
íamos,  outro  era  Malaca,  na  peninsula  do  mesmo 
nome.  Foi  para  esta  que  o  grande  conquistador  se 
dirigiu  em  i5ii.  Malaca  era  n’esse  tempo  uma  ci¬ 
dade  de  cem  mil  almas  que  dominava  os  estrei¬ 
tos  do  mesmo  nome  e  monopolisava  o  commercio 
do  Extremo  Oriente.  O  ataque  durou  tres  dias  e  foi 
com  certeza  o  ■  mais  renhido  que  Aflfonso  d’Albu- 
querque  teve  que  sustentar  em  toda  a  sua  vida, 
inas  a  victoria  final  pertenceu  ao  grande  capitão, 
apezar  de  se  encontrar  com  forças  em  numero  muito 
inferior  ao  inimigo. 

A  conquista  de  Malaca  devia  ser  gravada  com 
letras  de  oiro  na  historia  patria ;  é,  sem  duvida,  um 
dos  feitos  que  mais  frisantemente  attesfa  o  valor 
dos  portuguezes.  A’  volta  de  Malaca  Affonso  de  Al¬ 
buquerque  naufragou,  perdendo  nonaufragioq  leões 
de  bronze,  unico  despojo  que  do  saque  da  cidade 
quiz  para  si  e  que  destinava  ao  seu  tumulo. 

Nos  principios  de  i5i3  dirigiu-se  para  o  occidente 
e,  tentando  a  conquista  de  Aden,  como  nao  tivesse 
conseguido  tomal-a,  percorreu  com  a  sua  esquadra 
o  Mar  Vermelho,  semeando  o  terror  nas  costas  da 
Arabia  e  da  Abyssinia,  chegando  quasi  a  Suez.  Se- 


■4 


COSMOS 


■! 


guiu  depois  para  o  golpho  Pérsico  e  novamente  con¬ 
quistou  Ormuz, '  mandando  assassinar  Bas  Almeed, 
primeiro  ministro  do  rei  d’aqnelle  Estado,  o  que,  de 
resto  estava  nos  costumes  da  epocha. 

No  regresso  para  Goa  soube  que  o  rei  D.  Manuel 
o  tinha  mandado  substituir  no  governo  pelo  seu  ini¬ 
migo  Diogo  Soares  de  Albergaria,  o  qual  vinha  do 
reino  acompanhado  de  quasi  todos  os  capitães  que 
tinham  desertado  ou  que  tinham  sido  castigados  por 
elle.  h^oi  essa  ingratidão  que  o  fez  exclamar :  «Mal 
com  os  homens  por  amor  do  rei,  mal  com  o  rei  por 
amor  dos  homens».  E  á  entrada  da  barra  de  Gòa,  a 
i()  de  dezembro  de  i5i6,  fallecia  o  maior,  o  mais  ex¬ 
traordinário  homem  da  nossa  historia. 

A  sua  falta  fez-se  sentir  desde  logo;  o  império  por- 
tuguez  na  índia  começou  a  caminhar  para  a  deca¬ 
dência.  A  maioria  dos  successores  de  Affonso  d’ Al¬ 
buquerque  não  estava  á  altura  nem  ao  menos  de 
conservar  e  defender  a  obra  d’aquelle  extraordinário 
genio. 


Ai*te  GUlinaMa 


Se  ha  prenda  que  uma  boa  dona  de  casa  deva  pos¬ 
suir,  é,  sem  duvida,  ô  conhecimento  dos  segredos 
da  cosinha. 

Não  julgueis  gentis  leitoras  que  vos  quero  ver  á 
chaminé  a  abanar  o  lume ;  rosto  afogueado,  mãos  a 
cheirar  a  cebolla  e  o  cabello  crestado  pelo  calor  do 
fogão.  Nada  d’isso. 

A  educação  da  mulher,  esse  problema  tão  discu¬ 
tido  e  no  fim  de  contas,  de  tão  facil  solução,  consiste 
muito  principalmente  no  conhecimento  consciente 
d’esse  conjuncto  de  pequenas  coisas  a  que  andam 
ligadas  a  arte,  a  sciencia,  o  amor  e  o  critério,  e  que 
faz  da  mulher  essa  creatura  ideal  e  superior  a  que  se 
chama  uma  boa  mãe,  uma  boa  esposa  e  uma  boa 
dona  de  casa. 

A  sala  não  é  incompativel  com  a  cosinha.  Assim, 
amaveis  leitoras,  tereis  occasião  de  encontrar  aqui 
alguns  elementos  para  augmentardes  a  vossa  pre¬ 
ciosa  bagagem  de  boas  ménagères.  Vá  lá  o  fran 


cez. . . 


lô 


Cosmos 


A  organisação  d’uma  boa  ementa  fnunu  dos  fran- 
cezes)  é  uma  das  maiores  difficuldades  da  culinaria. 

O  Cosmos  ofFerece-vos  cinco,  para  escolherdes,  de 
modestos,  mas  saborosos  jantares.  Primeira : 

Sopa  de  aletria  em  caldo  de  carne. 

Pescada  guizada. 

Carne  á  jardineira. 

Esparregado  de  ortigas. 

Pudim  de  limão  —  Fructas. 


—  Minha  ^enho^a,  a  carne  á  jardineira 
está  excellente,  graças  ao  refogado  que  fiz 

A  confecção  d’um  jantar  assim  constituido  é  extre¬ 
mamente  simples. 

A  sopa  faz-se  deitando  a  aletria,  préviamente  bem 
lavada,  em  agua  a  ferver  e  deixãndo-a  em  fervura 
uns  dez  minutos  e,  se  se  quizer,  pode-se  juntar-lhe 
um  pouco  de  queijo  ralado  que  lhe  dará  um  sabor 
especial  muito  agradavel. 


•  ÀRtÈ  CULINÁRIA 


1  I 


Para  guisar  a  pescada^  tira-se-lhe  a  cabeça  que  se 
pode  reservar,  se  assim  se  quizer,  para  um  arroz  de 
peixe,  parte-se  em  postas  que  se  abrem  a  meio,  e 
tira-se-lhe  as  espinhas.  Faz-se  um  refogado  com 
azeite,  cebola  e  salsa  picada  e  deita-se  na  caçarola 
com  as  postas  da  pescada,  junta-se-Ihe  um  caldo  de 
farinha  de  trigo  feito  em  agua  e  pimenta,  põe-se  ao 
lume  e  deixa-se  apurar. 

Para  a  carne  á  jardineira  aproveita-se  a  carne  que 
serviu  para  fazer  o  caldo. 

N’um  refogado  de  banha  deita-se  agua,  uns  peque¬ 
nos  bocados  de  cenouras,  nabos  e  feijão  verde  e 
põe-se  tudo  ao  lume  a  apurar.  Deita-se-lhe  depois  a 
carne  cosida  e  conserva-se  ao  fogo  por  mais  uns  cinco 
minutos. 

Um  esparregado  toda  a  gente  sabe  fazer.  O  de  orti¬ 
gas  temperado  com  manteiga  é  delicioso. 

O  pudim  de  limão  é  de  facil  confecção.  Lava-se  o  li¬ 
mão,  raspa-se-lhe  a  casca  e  mistura-se  esta  no  sumo  do 
mesmo,  junta-se  assucar  até  ficar  bastante  doce  e 
oito  claras  d’ovo ;  bate-se  muito  bem,  adicionam-se- 
lhe  oito  gemas  d’ovos  batidos;  liga-se  tudo,  deita-se 
na  fôrma  e  leva-se  ao  forno. 

Segunda : 

Sopa  de  feijão  á  italiana. 

Lulas  recheadas. 

Mãosinhas  de  carneiro  com  molho  de  tomates. 

Salada  de  rabanetes  e  beterrabas. 

Fructas. 


12 


COSMOS 


Cosendo-se  o  feijão  em  pouca  agua  e  juntando-se- 
lhe,  quando  estiver  quasi  cosido,  um  bom  bocado  de 
manteiga  e  a  parte  amarella  da  casca  d'um  bmão, 
deixando  ferver  tudo  até  coser  bem,  ter-se-ha  feito 
uma  boa  sopa  de  feijão  á  italiana^  que  se  póde  ser¬ 
vir,  depois  de  lhe  tirar  a  casca  do  limão. 

Para  fazer  as  lulas  recheadas  escolhem-se  lulas  pe¬ 
quenas;  tiram-se-lhes  as  cabeças  para  vasar  os  sac- 
cos  que  hão  de  ser  recheados  com  os  tentáculos,  azas, 
etc.,  que  depois  de  cozidos  se  pizam  e  se  deitam  jun¬ 
tamente  com  gemmas  d’ovos  e  sumo  de  limão  n’um 
refogado  d’azeite  feito  áparte. 

Com  esta  mistura  enchem-se  os  saccos,  cosem-se 
na  bocca  com  linha  forte  e  mettem-se  em  agua  a  fer¬ 
ver  por  algum  tempo;  depois  tiram-se  da  agua,  en¬ 
xugam-se,  envolvem-se  em  ovo  batido  e  pão  ralado 
e  poem-se  n’um  tacho  a  frigir.  Servem-se  com  molho 
de  fricassé. 

As  mãosinhas  de  carneiro  cozem-se  e  depois  sal¬ 
teiam-se  em  manteiga  misturada  com  farinha,  sal  e 
pimenta  e  servem-se  com  molho  dé  tomate. 

A  salada  de  rabanetes  e  beterrabas  é  magnifica 
para  acompanhar  este  prato. 

Terceira 

Sopa  de  côdeas  fritas,  em  caldo  de  carne. 

Pescada  cosida  com  batatas,  á  portugueza. 

Pastellão  de  carne  com  ovos. 

Salada  de  tomates  e  pimentos. 

Fructas. 


ARTE  CULINARIA 


l3 


Fritam- se  as  côdeas  de  pão  em  manteiga,  cortam-se 
regularmente  e  deitam-se  n’uma  terrina  sobre  a  qual 
se  lança  o  caldo  da  carne.  DeLxa-se  embeber  o  pão  e 
serve-se. 


O  linguado  é  feito  com  molho 


Pescada  colida  com  batatas  à  portuguesa  toda  a 
gente  sabe  cosinhar. 

A  carne  que  serviu  para  o  caldo  aproveita-se  para 
o  pastellão  com  ovos-,  que  sè  serve  com  molho  de 
manteiga,  acompanhado  de  salada  de  tomates  e  pi¬ 
mentos. 

Quarta : 

Sopa  de  grão  com  espinafres  e  bacalhau,  á  hespa- 
nhola. 

Croquettes  de  bacalhau. 

Linguado  frito  com  molho  de  manteiga. 

Iscas  de  íigado  á  portugueza. 

Broculos  cosidos  com  azeite  e  vinagre, 

Fructas, 


'4 


COSMOS 


Esfrega-se  o  grão,  préviamente  demolhado,  em  sal 
grosso  para  lhe  tirar  as  pelles,  lança-se  em  agua  fer¬ 
vente  e  juntamente  algumas  postas  de  bacalhau  e  tem¬ 
pera-se  em  alhos  e  louro,  mettidos  n’um  sacco  de  rede 
para  se  poderem  tirar.  Quando  o  grão  está  quasi  co¬ 
sido  deitaiT-se  os  espinafres  cosidos  e  bem  espremi¬ 
dos., Lança-se  mais  :  azeite,  salsa,  cebola  picada  e  pi¬ 
mentos  sem  pelle  nem  sementes. 

Ti  ram-se  os  alhos  e  machucam-se  n’uma  fatia  de 
pão  frito  em  azeite.  Deita- se  a  fatia  na  panella  com 
pimenta  e  açafrão  em  pó.  Desfaz-se  n’um  pouco  de 
caldo  uma  porção  de  farinha  e  deita-se  para  engros¬ 
sar  a  sopa. 

Antes  de  ir  para  a  meza  deita-se-lhe  uma  gema  de 
ovo  misturada  n’um  pouco  de  caldo. 

Croquettes  de  bacalhau. 

Faz-se  uma  massa  de  picados  de  bacalhaxt,  alhos  e 
salsa,  bastante  esmagada  e  pimenta  em  pó.  Faz-se 
aparte  um  caldo  cozido  de  leite,  farinha  e  manteiga; 
deita-se  este  caldo  na  massa,  mexe-se  bem,  tira-se  do 
lume  e  depois  de  fria  estendem-se  os  croquettes  em 
ovo  batido  e  pão  ralado  e  frigem-se. 

Linguado  frito  com  môllio  de  manteiga. 

Iscas  de Jigado  á portuguesa  com  rodellas  de  batatas. 

Broculos  comidos  com  aceite  e  vinagre. 

São  tão  conhecidos  e  simples  estes  tres  últimos 
pratos,  que  julgamos  ocioso  occupar-nos  d’elles. 

Quinta : 

Sopa  d’arroz  em  caldo  de  polme  (puréej  de  cenoura. 

Pargo  frito, 


ARTE  GTJLÍNARIA 


r5 


Lombo  de  vacca  assado. 

Salada  de  chicória. 

Fructas. 

Para  a  sopa  reíogam-se  em  manteiga  rodellas  de 
cenoura,  nabo  e  ceboüas ;  junta-se-lhes  um  litro  de 
agua  e  sal  e  quando  estiver  tudo  cosido  passa  se  pelo 
passador.  Lança-se  o  caldo  n’uma  caçarolla,  deitam- 
se-lhe  umas  cem  grammas  d’arroz  e  ferve-se  até  este 
ficar  cozido. 

O  lombo  de  vaca  para  ficar  saboroso  deve  ser  lar- 
deado  com  tiras  de  toucinho.  Este  prato' guarnece-se 
com  batatas  fritas  ou  com  bataté  {purée  de  batata) 


ENCYCLOPEDIA 


9 


sentou  a  Sublime  Porta  nas  conferencias  de  Vienna, 
sendo  depois  nomeado  novamente  Grão-Vizir,  appli- 
cando  então  o  celebre  hatt-i-chérif  de  Gulhané^  de 
i8  de  fevereiro  de  1856,  em  favor  dos  christãos 
Após  a  guerra  da  Crimêa  foi  enviado  como  pleni¬ 
potenciário  do  seu  paiz  ao  congresso  de  Paris,  onde 
defendeu  com  calor  e  muito  talento  os  interesses  da 
sua  patria,  assignando  por  fim  o  tratado  de  paz  (3o 
de  março  de  i856). 

Quando  o  sultão  da  Turquia,  Abd-Ul-Aziz,  em- 
prehendeu,  em  1867,  uma  viagem  a  Paris  e  Londres, 
o  Grão-Vizir  Aali-Pachá  ficou  regente  do  império  e 
durante  a  sua  regencia  combateu  a  insurreição  de 
Creta,  indo  pessoalmente  áquella  ilha  em  1868  para 
a  pacificar. 

Este  notabilissimo  homem  de  estado,  que  nos  seus 
ocios  cultivava  a  poesia,  morreu  sem  poder  implan¬ 
tar  no  seu  paiz  as  reformas  liberaes  reclamadas  pe¬ 
los  elementos  avançados  turcos  e  cuja  necessidade 
elle  julgava  impreterivel. 

Aalsineer;  povoação  hollandeza,  na  provinda  da 
Hollanda  septentrional,  a  14  kilometros  a  sudoeste 
de  Amsterdam,  sobre  a  margem  oriental  do  lago 
secco  de  Harlem.  Tem  q.Soo  habitantes,  uma  egreja 
catholica,  um  templo  calvinista  e  um  hospital. 

'Aalst,  nome  de  duas  povoações  hollandezas,  uma 
na  provinda  do  Brabante  do  Norte  e  outra  na  pro- 
vincia  de  Güeldres. 

Aaltcu,  importante  povoação  hollandeza,  na  pro¬ 
vinda  de  Güeldres,  com  6.800  habitantes  e  uma  in¬ 
dustria  fiorescentissima  de  tecidos  e  cortumes. 


10 


COSMOS 


Aalts  ou  Aelst,  (Herberto  van);  pintor  hollandez 
nascido  em  Delft,  em  1602  e  morto  em  i658.  Deixou 
obras  de  certo  valor  que,  na  sua  maior  parte,  se  en¬ 
contram  hoje  no  palacio  do  rei  da  Baviera  e  nos  mu¬ 
seus  de  Dresde  e  de  Berlim. 

Aalts  ou  Aelst,  (Guilherme  van) ;  pintor  hollandez, 
sobrinho  do  anterior,  ao  qual  se  avantajou  em  mé¬ 
rito  artistico. 

Dedicou  se  especialmente  á  pintura  de  flores  e  fru- 
ctos  e  muitos  dos  seus  quadros  pódem  ser  hoje  con¬ 
templados  nos  museus  de  Munich  e  da  Haya.  Nasceu 
em  Delft  em  it.3o  e  morreu  em  Amsterdam  em  1679 

Aaiii,  sub.  inasc.\  (em  dinamarquez  aam ;  em  alle- 
mão  ahni ;  em  island"“z  avia ;  em  inglez  aam.,  aum  e 
aivm) ;  antiga  medida  de  capacidade  para  liquidos, 
muito  usada  na  Hollanda  e  em  alguns  pontos  da  Bél¬ 
gica.  A  sua  equivalência  no  systema  métrico  decimal 
é  de  155,224  litros  para  vinhos  e  aguardentes  e  de 
de  145,5225  litros  para  azeites. 

Aaiiiadt  ou  Aamodt,  povoação  noruegueza,  da  pro¬ 
víncia  de  Hedemarken,  no  sul  da  Noruega.  Tem  uma 
população  de  3. 000  habitantes. 

A’ainêr  ou  A’aiiiêr-amir,  subs.  masc.;  nome  de 
muitas  tribus  arabes  que  se  ancontram  no  Hedjaz  e 
no  Nedjed,  planuras  do  [Euphrates  e  na  alta  Nubia, 
no  Soldão,  na  Argélia,  etc. 

Aainodtf  vi  d.  Aaiuadt. 

Aanha,  nome  d'uma  antiga  e  pequena  cidade  situa¬ 
da  nas  margens  do  Euphrates.  Destruida  pelo  impe¬ 
rador  Juliano,  nunca  mais  recobrou  a  sua  antiga  im¬ 
portância. 


ENCYCLOPEDIA 


!  I 


Aanathutii,  Antiga  cidade  da  Judeia,  patria  dopro- 
I  pheta  Jeremias,  que  era  situada  no  território  da  tribu 
•  de  Benjamin,  a  24  kilometros  de  Jerusalem. 

laudyk,  povoação  hollandeza  da  provincia  da  Hol- 
j  landa  septentrional,  com  uma  população  de  2.5oo 
habitantes,  situada  perto  do  Zniderzée,  a  5  kilome¬ 
tros  para  E  de  Medemblik. 

Aauíwel,  nome  que  dão  os  naturaes  da  ilha  de 
4  Amboina  a  uma  planicie  conhecida  em  botanica  por 
dcemonorops  calapparius  e  que  os  malaios  designam 
-  Rotang  calappa. 

Âaakú  provincia  do  Japão,  na  ilha  Nippon  ou  Hon- 
’  do,  pertencente  ao  principado  Yedo. 

Aauâ,  nome  dado  no  Industão  ás  Tenninalia  alata 
V  de  Roth,  .arvore  da  familia  das  combretaceas,  cuja 
f  scaca  é  muito  empregada  n’aquella  peninsula  como 
I  adstringente  e  febrifugo. 

Aaatgitch,  s.  m,;  gamo  da  índia.  Também  se  dá 
'  este  nome  a  uma  especie  de  ganso  que  vive  na  pe- 
■  ninsula  de  Kamschatka  e  que  não  é  outro  que  o 
Anas  liyemalis,  de  Linneo. 

Aar,  é  o  maior  dos  rios  exclusivamente  suissos 
Nasce  nas  geleiras  da  vertente  norte  do  Gn?nsel,  por 
1877  metros  de  altura.  E’  um  dos  affluentes  do  Rhe- 
no,  no  qual  se  lança  pela  margem  esquerda  em  frente 
de  Waldshut,  depois  de  um  percurso  de  278  kilome¬ 
tros,  no  qual  recebe  muitos  affluentes  entre  os  quaes 
o  Emmen,  o  Reuss  e  o  Limmat,  na  margem  direita, 
e  na  margem  esquerda  o  Lutschine,  o  Kander,  o  Sa- 
rina  e  o  Thiè!e.’Devido  á  grande  quantiaadejde’agua 
que  lhe  levant  estes  diversos  affluentes,  o  Aar  é  maior 


12 


COSMOS 


do  que  o  Rheno,  de  que  afRuente,  no  seu  ponto  de 
encontro. 

A  bacia  hydrographica  d’este  importante  rio  suisso 
abrange  1.750.000  hectares  de  terreno,  dos  quaes 
48.480  são  occupados  por  geleiras. 

Um  pouco  abaixo  da  sua  nascente  fórma  a  famosa 
cataracta  de  Handeck,  de  76  metros  de  altura,  ba¬ 
nha  depois  Megringen  e  o  valle  de  Hasli,  atravessa  o 
lago  Brienz,  banha  Interkalen  e  atravessa  o  lago 
Thum. 

Navegavel  desde  a  sahida  d’este  lago,  o  Aar  con¬ 
torna  a  cidade  de  Berne  e  banha  em  seguida  Aarberg, 
Soleure,  Aarburg,  Olten,  Aarau  e  Brugg.  E’  su¬ 
jeito  a  cheias  frequentes  que  damnificam  muito  as 
plantações  dos  terrenos  das  suas  margens. 

Sob  o  ponto  de  vista  militar  tem  este  rio  uma  gran¬ 
de  importância.  A  6  e  7  de  agosto  de  1799  o  archi- 
duque  Carlos  tentou  a  sua  passagem  em  Deltingen, 
pretendendo  com  esta  operação  separar  as  duas  ala¬ 
do  exercito  francez  e  cortar  as  communicações  a  Mas- 
sena.  Apezar,  porém,  de  todos  os  esforços  emprega¬ 
dos,  a  passagem  não  pôde  effectuar-se  e  a  chegada 
de  Ney  e  Hendelet  obrigou  o  archiduque  a  renunciar 
á  empreza  sem  combate. 

A  bacia  hydrographica  do  Aar  e  alguns  dos  terri 
torios  adjacentes  constituem  o  que  na  geographia 
militar  se  designa  por  theatro  de  guerra  do  Aar^ 
abrangendo  toda  a  região  comprehendida  entre  o 
Rheno,  desde  o  lago  Constança  a  Basilea  ao  norte, 
a  cordilheira  de  Jura  a  oeste,  o  lago  de  Genebra,  os 
Alpes  Bernezes  e  0  Crispalt  ao  sul  e  o  Rheno  desde 


ENCYCLOPEDlA 


l3 


Sargans  ao  lago  Constança  a  leste.  Esta  região  liga- 
se  com  o  theatro  de  guerra  do  Rheno  médio  e  com 
a  zona  da  margem  direita  do  Dannbio  pelos  montes 
de  Confetança ;  com  o  Rhodano  inferior  pelos  territó¬ 
rios  que  circumdam  d’esse  lado  o  lago  de  Genebra  e 
com  o  Saona  pelo  comprido  passo  de  Belfort  e  pe¬ 
las  collinas  e  montanhas  baixas  do  Jura  septentrio- 
nal . 

A  maior  ou  menor  altitude  dos  Alpes  centraes  e 
das  suas  ramificações  que  cobrem  este  theatro  de 
guerra,  determina  quatro  zonas  naturaes  de  aspecto 
diíferente'e  o  cha3ado  theatro  de  guerra  do  Aar 
com  as  suas  dependencias  da  zona  Alpina  occupa  en¬ 
tre  a  Europa  média  e  a  Europa  Occidental,  entre  a 
Allemanha,  França  e  Italia  uma  posição  central  d’um 
altíssimo  valor  estratégico.  Abre  uma  longa  e  facil 
linha  de  operações  desde  o  Danúbio  ao  Saona  e  ao 
Sena  outra  até  Genebra  e  Rhodano  inferior,  o  que 
equivale  a  dizer  desde  a  Allemanha  meridional  ao 
centro  e  sul  da  França.  Por  leste  conduz  ao  Danú¬ 
bio  superior  e  aos  últimos  contrafortes  orientaes  da 
Floresta  Negra  e  pelos  passos  dos  Alpes  Penninos  e 
centraes  communica  com  a  bacia  hydrographica  do 
alto  e  médio  Pó.  Abrange,  po  s  os  dois  grandes  thea- 
tros  de  guerra  adjacentes  e  ^facilita  as  relações  de 
dois  exercitos  que  operam  simultaneamente  pelo  Da¬ 
núbio  e  pelo  Pó,  e,  como  por  estas  duas  linhas  se  póde 
avançar  até  ao  centro  da  Europa,  os  dois  exercitos 
n’estas  condições  poderiam  unir-se  facilmente  para 
cahirem  ambos  sobre  Paris,  atravez  do  Jura  e  do 
Saona;  A  posição  estratégica  da  Suissa  tem  pois  um 


14 


COSMOS 


altíssimo  valor  e  por  isso  foi  que  as  potências  signa- 
taria  do  congresso  de  Vienna  concordaram  na  neu- 
tralisação  d’aquelle  paiz,  pois  que  d’essa  neutralisa- 
ção  depende  a  tranquilidade  das  potências  da  Euro¬ 
pa  Central. 

Aar,  pequeno  rio  do  antigo  ducado  de  Nassan,  na 
Allemanha,  com  um  percurso  de  i6  kilometros  desde 
a  sua  nascente,  em  Vehen,  até  á  sua  affluencia  no 
Lahn, 

E’  também  o  nome  doutro  rio  da  Prússia  que,  to¬ 
davia  é  mais  conhecido  pelo  de  Ahr. 

Aar,  pequeno  rio  do  principado  do  Waldeck,  com 
um  percurso  de  lo  kilometros.  E’  affluenie  do  Tweste. 

No  mesmo  principado  ha  um  outro  rio  com  o  mes¬ 
mo  nome,  que  tem  um  precurso  de  Sq  kilometros, 
desde  a  nascente  em  Ulssen  até  á  sua  alHuencia  no 
Eder,  10  kilometros  ao  N.  de  Frankenberg. 

Aar  ou  Aaru,  nome  que  davam  os  egypcios  aos 
seus  Campos  Elysios.  Segundo  a  sua  crença,  os  ma¬ 
nes  entregavam-se  ahi,  apóz  toda  a  eternidade,  a  tra¬ 
balhos  agricolas  que  produziam  colheitas  maravilho¬ 
sas. 

Aara,  cidade  da  Arabia,  no  Heydaz  a  56  kilometros 
a  SE  de  Madian. 

Aarabau,  pequena  cidade  da  Turquia  asiatica,  nas 
margens  do  Kahabur,  a  28  kilometros  a  SE  de  Ras- 
el-Ain. 

AarSo,  irmão  mais  velho  de  Moysés,  filho  primo¬ 
gênito  de  Amrão  e  Jozabe;  nasceu  no  Egypto  em 
iSyq  antes  de  Jesus  Christo.  Acompanhou  sempre  seu 
rmão  em  todas  as  diligencias  para  libertar  o  povo  de 


Uns  dt  Monifei 

Em  Lisboa,  província,  ilhas  adjacentes 
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Toda  a  correspondência  deverá  ser  dirigida  a 
V.  Guirr,arães,  para  a  séde  da  administração  na 


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