Full text of "Cosmos"
Director e administraiior — V. GUIMARÃES Edito-craprietario— ADOLPHO DE MEND0N(A
TTPOGfSHFHIA
46-Rufl DO Corpo Shpíto-4S
Bibliotheca Magazine Popdur ílldstrada
Di.rector e administrador
V. GUIMARÃES
Composto 0 impresso na
Editor-proprietario
ADOLPHO DE Mendonça
Rua do Corpo Santo, 4S e 48
COSMOS
V O l- U IVI E II
1907
TTPOGRHrííIH HDOLFMO DE FIENDONÇH
46. Rüfl DO CORPO SANTO, 48
LISBOA
SUMMARIO
Conto! Sangue azul em' corpo de villão, de Erluardo
Pimenta.
Versos ; NÓ cego^ de Alberto Telles.
Theatro! Trecbo de Leonor Telles^ de iMarcellino Mes¬
quita.
Sport! Em Lisboa: Concurso athletico no velodromo;
regata na valia da Azamhvja. — No estrangeiro:
0 Automovel Club de França e os records em estrada ;
um match entre dois grandes cyclistas; o aeroplano
de Santos Duniont.
Palestra soientifica! Barcos submarinos.
Anecdotas I Varias.
Ho mens celebres de todos os tempos! Camillo Cas-
tello Bránco.
Charadas enigmas e acrósticos ! Varias.
Horticultura e floricultura! 0 jardim no verão.
Os grandes paizes e as grandes cidades! 0 império do
Sol Nascente.
Distracções e coisas uteis! Electrisação do vidro ; car-
roussel electrico; mudar agua em vinho; mudar o vi¬
nho em agua; cortar um. vidro com uma thesoura;
furar um vidro, etc.
Romance ! 0 poeta da rainha.
Revista theatral! Chronica semanal.
O italiano sem mestre»
Historia e geographia! 0 império gortuguez nalndia;
Affonso ã’ Albuquerque.
Arte culinaria! lieceitas varias.
A grande encyclopedia.
THE J. PAUL GETTY CENTER
LIBRARY
SanguB azul em corpo de uillão
Na calma serenidade dá tarde não havia sequei,
um rumorejar de folhagem. O dia tinha sido
quente, abrazador, calcinante. Em redor da viiia, o
fumo das queimas, carregára o ar, com emanações
ardentes de fornalha. N’um estiolamento de morte a
planicie uniforme, cortada pelo ribeiro exangue dos
Lobatos desenrolava-se n’uma monotonia seguida,
até ás margens do Gaia. Sobre o rio erguiam-se dois
renques de choupos, deixando entrevistar o moinho
parado, sem outras manifestações de vida, que não
fossem o arrulhar dos pombos e o canto das lavadei¬
ras batendo a roupa, as mangas da camisa arregaça¬
das, a face curva sobre a agua, o sabão trepando em
ondas de espuma até aos cotovellos tostados.
Mais para o largo, do lado dos Carrascaes, pela
carreteira que leva á ponte, caminhavam duas rapa¬
rigas falando e rindo, n’um tom escarninho, seguidas
de perto pelo João Louçana, que as espiava, tentando
surprehender o motivo da sua coscovilhice.
A carreteira abria uma clareira zig-zagueante, por
entre o piornal escasso.
22
COSMOS
O Louçana de jaqueta de saragoça, chapéu de
grandes abts, um cajado debaixo do braço, minuscu-
lisiva-se, esconden¬
do-se, por entre as
moitas de piorno, pa¬
rando a cada suspen¬
são das raparigas, dis¬
simulando os passos,
mas procurando sem¬
pre, com uma avidez
ciosa, ouvir-lhes a
conversação.
Uma ououtraphra-
se solta, provocava-
lhe um movmento
ancioso, levando as
mãos á cabeça, n'um
frémito, como se o
assomasse um vága-
do, emquanto uma
pallidez mortal lhe
substituia as côres vivas da face.
As duas muito juntas tinham um riso malicioso e
revelavam a intima satisfação de quem encontra a
remissão da própria culpa no exemplo das quedas
alheias.
Agora, mais rapidas, seguiam para a villa cantaro¬
lando velhacamente :
Escondendo-se por entre as moitas
Já não quer o senhor cuco
Casar com a cotovia . . .
CONTÕS, VERSOS E THEATRO
23
o Louçana parou á entrada da ponte; em baixo o
Caya, limpido, luzia muito sereno, as aguas quieta¬
mente estagnadas.
A não ser a cega-rega das cigarras, nem um só
ruido perturbava o silencio tranquillo do declinar da
tarde.
Encostando-se aa parapeito, olhou o moinho. Na
eira andava, vasculhando no respigo d'algum esque¬
cido grão, um rebanho de perús; em redor do lelhado
esvoaçavam os pombos; e no ádito escuro da porta
destacava-se um vulto gracioso de mulher, passando
um pente nas fartas tranças negras, esparsas sobre os
esbeltos hombros, que a camisa mal encobria.
Involuntariamente o Louçana sentia-se preso por
uma expectação muda; porém, o movimento das es¬
páduas fortes e a contracção dura da face deixavam
transluzir uma revolta intima, em que a animosidade
momentânea se perdia, desfeita no pranto d’uma sau¬
dade amarga.
No intimo da sua consciência procurava a causa da
immerecida traição, feita pela Clara, a elle, tão tra¬
balhador, tão caricioso e amante.
Da ponte, vi-a sempre formosa, enlevado ainda na
curva sensual das ancas largas, sobrexcitado por um
desejo de saciar os apaixonados, impetos n’um beijo
d’amor; mas as propulsões da vingança soerguiam-
lhe os brios abatidos, pondo-lhe os olhos razos d’agua
•^4
COSMOS
Agora, deante d’elle, abria-se um futuro torvo, a ruina
do lar, o aniquillamento da sua felicidade!
A tarde ia declinando com lentidão. Começavam a
mover-se as arvores das margens ao sopro d’uma ara¬
gem fresca e suave; do telhado do moinho subia um
tenue pennacho de fumo.
O Louçana deu alguns passos na ponte e foi sen-
tar-se n’um tosco banco de pedra.
N’uma concentração profunda aviva vam-se-Ihe as
lembranças d’outro tempo illuminado de alegria. Re¬
via em pleno passado, o seu primeiro, o seu unico
amor iniciado na Senhora do Carmo, na grande ro¬
maria de julho, accesas as labaredas da paixão nos
fundos olhos da Clara Ladina, pela exhibição da sua
grande força, n’uma pega rija feita a um boi do Pin¬
tado da Fragosa.
Que longe que elle estava da felicidade sentida nos
primeiros encontros, rapidas entrevistas, em que pas¬
savam na Huidez d’um sonho, promessas onde se com-
buriam desejos, transluzindo na conversação terna e
apaixonada. Estremecia na mesma emoção violenta,
que o entibiára a elle, tão másculo, a primeira vez,
que se viram sós, voltando das Covas do Barambão,
onde tinha ido fazer um arranque de esteva. Que de¬
licioso fôra o regresso n’uma tarde tempestuosa, em
que o vento soprava com furia e a chuva caia em for¬
tes aguaceiros! E fôra para este desenlace brutal da
traição de Clara que elle se sentira ensoberbecido, no
dia do casamento, ao sahirem da egreja tão unidos
um ao outro. E como ella ia linda de endoidecer, na
singelleza d’um vestido barato, com o rosto meio es-
CONTOS, VERSOS E THEATRO
• 25
condido no bioco, gentil e donairosa, admiração dos
rapgzes e inveja das outras raparigas!
Recalcava-o uma dôr profunda, lancinante, como
se lhe esmagassem o peito largo e forte.
Krgueu-se . olhou com a vista torva e o espirito
carregado, o fundo pego da Corredoura ; mas tomado
por uma resolução inabalavel metteu de vagar, ao
carreiro, que entre os choupos altos conduz á eira do
moinho.
Dentro da casa dum asseio alvo xle cal, cantava
uma voz argentina de mulher nova. Da porta, domi-
nando-se o Louçana cumprimentou :
— Guarde-te Deus, Ciara !
A mulher, d um perfil irreprehensivel, o collo en¬
trevendo-se por entre o decote da camisa, de manga
curta, deixando a nú os braços polposos, queima¬
dos do sol até ao cotovello, para cima do qual tinham
o tom macio do leite, voltou-se sorrindo,'n’um des-
cerramento gracil dos lábios rubicundos; e, n’um gesto
abandonado, quasi doentio, reclinou a cabeça para
traz, offerecendo a fieira polida dos dentes ebúrneos
ao beijo do Louçana.
Elle beijou-a com frieza, como se ao contacto amo¬
roso dos lábios se oppuzesse o gelo do resentimento.
Pegando num troiieço, sentou-se defronte d’ella,
olhando-a fixamente, varando-a até ao fundo da sua
consciência.
Aquelle ambiente torturava-o. Suffocava alli den¬
tro, sem forças, para lhe arrancar uma confissão e
lançar-lh a em rosto, na formidável accusativa d’um
coração partido.
26
COSMOS
Os olhos desviaram-se-lhe do rosto da Clara, que
alheia aos pensamentos d’elle, continuava cantando,
pousou a vista sobre o alto leito, meio escondido na
alcova, em frente da chaminé, como que a procurar
n’elle, a impressão d’um corpo.
Na parede reluzia o aço d’uma espingarda hespa-
nhola, a cartucheira pendurada da fechadura brunida.
Suscitado por uma ideia fixa, disse a meia voz :
— Então sabes?
— O que? fez ella, com um modo graciosamente
interrogativo.
— Despedi-me da herdade do Ravasca; vou para
uma guardaria nos Louções, junto á nossa fazenda
da serra. Abalo esta noite.
Ella então inquiriu as rasÕes que o tinham movido
a sair da casa do Ravasca.
O Louçana explicou um desaguisado em que en¬
trava o Zé da Costa, com o antigo abegão, cousas de
rixa velha; outrora seu amigo intimo, mas depois da
herança, insupportavel.
— Imagina que tem o rei na barriga, o asno, con¬
cluiu. A Clara ao ouvir o nome do Zé da Costa mal
poude reprimir um gesto afflictivo. Uma súbita palli-
dez alastrou-lhe as faces, trahindo-a, como se o san¬
gue refluindo ao coração se congelasse nas veias.
O Louçana percebeu a commoção; mas serena¬
mente deu a ordem :
— Dá-me a espingarda.
A Clara entrou na alcova; e dobrando o joelho so¬
bre o leito alvo, salientando assim a curva sensual
dos quadris, desprendeu a cartucheira e a arma que
CONTOS, VERSOS E THEATRO
27
Elle tomou a
Alta noite sombria.
O ceu escuro sem py-
rilampisações de es-
trellas estava sereno,
pezado, abafadiço. A
treva distendia-se co¬
mo um panno fúnebre
sobre as terras. Ao lar¬
go, no valle de Bebe-
das, reverberava, sangrento, o sinistro clarão de uma
queima.
A quietude era profunda, uniforme, enervante, ape¬
nas cortada pelo uivar sinistro dalgum cão, ou pelo
silvo agoureiro das corujas. Do moinho parado, d’uma
brancura phantastica, não saía o menor ruido.
Na alea dos choupos silenciosa e deserta passou
um vulto, marchando cautelloso, medindo os passos,
com uma espingarda na mão, os olhos reluzindo como
carvões accesos.
passou para fóra, suspendendo-a pelos canos. Elle to¬
mou a espingarda, sentindo uma forte commoção.
Suífocando um momento aggressivo, chegou-se a ella
ciciando-lhe n’uma ca¬
ricia forçada;
— Até mais ver.
Saiu ; emquanto a
Clara, n’uma garridice,
lhe dizia adeus, sorrin¬
do.
. *
28
COSMOS
Dirigindo-se ao moinho parou espreitando pela fe¬
chadura da porta, atravez da qual passava diluido um
fio de luz.
De dentro chegava-lhe aos ouvidos o echo de vo¬
zes soluçantes de amor, sons dispersos de beijos mor¬
rendo em estertores olfegantes, saídos de peitos con¬
strangidos n’um abraço intimo.
Por entre os dentes cerrados, entre-chocando-se
na truculência do odio, o Louçana sibillou:
— Grande bêbada!
Allucinado, perdido, no arrebatamento da exalta¬
ção, bateu na porta com a coronha da espingarda,
violentamente, bradando furioso;
— Abram, ou vae a porta dentro.
No interior da casa houve um silencio de minutos;
mas, de fóra, a voz do Louçana continuava, viril,
ameaçadora, vibrante de indignação.
Ouviu-se o leito ranger; uns pés descalços pisando
o tijolo; mas antes que a chave desse volta na fecha¬
dura, o Louçana apparecia terrível, dentro da casa,
partida a porta pelo impulso vigoroso que a rompeu
em bastilhas.
Junto do leito rollára o corpo de Clara, mordendo-
lhe o mortiço clarão da candeia o avelludado dos seios
e o arredondado deslumbrante das espaduas-.
Em frente do Louçana, o Zé da Costa, esgazeado,
n’uma allucinação de pavor, -buscava a fuga, a vida
ameaçada pelas guellas d’aço da espingarda apontada
sobre elle.
Movido pelo instincto, no momento em que o Lou¬
çana fulminava a mulher com uma attitude domi-
CONTOS, VERSOS E THEATRO
29
nante, minaz e esmagadora, o Zé da Costa tentou
sair; o brado, porém, do Louçana:
— Se saes; mato-te como um cão! fel-o voltar ao
meio da casa, onde quedou apavorado, tremulo, sem
defeza.
O outro então, com as feições demudadas, ergueu
com um pulso de ferro a mulher, quasi destallecida,
sem forças de reacção. Atravessando-se no caminho
da saída, sacudindo-a para o interior da casa e ex-
pungindo-lhe n’um tom secco e breve, a sua falta,
ordenou-lhe que entrouxasse o seu dote.
Ella abriu, vagarosa, a arca grande acantoada ao
fundo da alcova e tirou um chale em que se envol¬
veu, acabando de vestir-se. Estendeu no chão um len¬
çol, para onde passou lentamente o bragal ; os soluços
abafavam-lhe a garganta, emquanto as lagrimas mare¬
javam de remorsos a limpidez dos seus olhos negros.
O Costa com a cabeça curvada tinha a immobili-
dade indifferente das estatuas.
A voz de, Louçana sibillava aguda, ordenando o
rápido entrouxamento.
A Clara atou as quatro pontas do lençol, em dois
nós cruzados, cobriu-se com o chaile, ergueu a trouxa
sobre a cabeça ; mas antes de sair atraz do Zé da
Costa, a quem um gesto de Louçana apontára a es¬
curidão da noite, olhou madida e supplice o marido,
e seguiu resignada, encontrando no olhar d’elle, a ru¬
deza inflexível e a frieza austera do cumprimento de
um dever.
O Louçana veio á porta; nas trevas da noite su^
miam-se os dois vultos unidos pela mesma culpa,
3o
COSMOS
Poisou a espingarda, á porta, no banco da en¬
trada.
Volveu á casa e procurou n’um phrenesi uma gar¬
rafa de petroleo arrumada na estanheira. Foi á al¬
cova, entornou-a sobre a cama, no chão, na arca; e
em seguida, tomando a candeia da chaminé, arre¬
messou-a, ardendo, contra o leito humedecido ainda
do calor dos corpos, d’onde se exhalava o abafo sen¬
sual dos íalsos arroubamentos do amor aduherino !
A chamma desenvolveu-se, rapida, em grandes bafo¬
radas fumarentas, cresceu sobre a parede, distendeu-
se no solo, esfuziando em todas as direcções.
Então, sem olhar para traz,
os olhos cheios de lagrimas,
o peito desopprimido pelo
choro, 0 I .ouçana saiu do moi¬
nho, tomou a espingarda e
partiu envolvido na sombra
do seu isolamento pela carre¬
teira da Fialha.
Do moinho elevava-se um
grande clarão sinistro, refle -
ctindo-se sobre as aguas mor¬
tas do Cayra; os sinos de Ar-
ronches alarmavam a villa,
tocando a rebate com furia.
Pela planicie fóra canta¬
vam as cotovias; vinha nas-
Eduardo Pimenta.
(Horas Mortas)
■ ■ . partiu envolvido na som¬
bra do seu isolamento...
çendo a manha,
CONTOS, VERSOS E THEATRO
3l
Nú cego
Estava pensando agora
Que bella hei-de eu requestar;
Ou menina, ou já senhora,
Topam-se a toda a hora,
Que não são de desprezar.
Uma que eu vi á janella
Tem graças de enfeitiçar;
Confesso. . . morro por ella !
Porém, sendo assim tão bella,
Não ama. . . quer-se casar.
De celestes bens telonio,
Bênçãos et coetera do lar,
Respeite-se o matrimonio,
Mas. . . para longe o demonio
Que as tece me>mo no ar!
A viuva, ainda galante,
Sensível, deixa-se amar;
Mas não tem o dom tocante.
Da joven principiante
Do Dom João d,e Mo\art.
COSMOS
Inextricável matéria.
O’ Arte, vou-te adorar!
Mas a deusa grave e seria
■Nos jardins da antiga Hesperia
Manda-me á lua cantar!
Alberto Telles
/
CONTOS, VÉRSOS E TNeATRO
33
Dd drama baanar TeIIbs
AcTO II — SCENA V
Mestre d'Avi^
Podia-te eu deixar partir, ficar-me a sós ?
Longe de ti, Helena, a dôr vil, a tristeza.
Avassalam-me o peito; a própria natureza
Parece que se envolve em negro vèu de dôr!
Perde a lua o brilhar, o sol não fem calôr, -
A agua não sacia, o monte não enleva,
O dia é baço e triste, a noite é sempre treva !
E’ porque ha um sentido occulto que se esconde,
Aonde nem eu sei, mas não importa aonde,
Que nasce do roçar, de chofre, de uma vez,
De um macio corpete o aço de um arnez !
Que vive do olhar amado, a força estranha,
Como a flôr do orvalho, em que a manhã a banha!
E’ sublime e cruel ! Leva-nos á victoria,
Ou mostra, como a mim, a minha "espada inglória. . .
Helena
O’ cala-te, por Deus, tu és um lisongeiro.
Comigo! Filha sou de um simples- cavalleiro. . .
Acaso hei-de aspirar á mão de um rei?
Mestre d’Avi^
T alvez !
34
COSMOS ■ ..
Helena
Fosse qual fosse o rei, trocava-o de uma vez.
Por ti, p'lo teu amor! . -
Mestre d’Avi^
Que sentimentos bellos!
Podesse eu adornar-te os fulgidos cabellos, _
De uma coróa real! seria, entáo, feliz!
•f--
Helena
Não o és, tu, João ?
Mestre d’Avi^
Oh ! sou porque Deus quiz,
Que podesse encontrar-te e fosse o teu dilecto.
Quem não será feliz á luz do teu affecto?
Helena
Has de ser grande ainda; és nobre, és valoroso,
Não me esqueças, então!
Mestre d’Avi^ i
Desterra esse horroroso
Pensamento cruel^ ó meu primeiro amor!
Amo-te, loucamente! e tens, como penhor,
De este affecto, sem fim, a luz de teu olhar.
Meiga como um carinho, azul como o luar !
Mais dôce do que o mel de túrgidas colmeias. ,
CONTOS, VERSOS E THEATRO
35
Eras tu que eu sonhava! á noite, nas ameias
Do meu velho solar, fitando impaciente
O immenso espaço azul, via-te clara,mente.
Sobre as nuvens voar, olhando-me, dorida !
Eras tu, não me engano: aquella fórma querida
Tinha este mesmo ar, ingênuo, adolescente,
Este rosto gentil! e a veste transparente,
Deixava advinhar do vento ao brando córte
O garbo singular do teu airoso pórte!
Eras tu, bem o vejo : hoje, que ao pé de ti
Posso ver tão de perto, o que tão longe vi;
Sentir junto, ao meu peito, aquella imagem vaga,
Conheço que o meu sonho é vivo e me embriaga !
Amor que, rara vez, concede a sorte avara,
Onde a vida descança e o pensamento pára!
Helena
Repete-me, João, repete esse dizer,
A ouvir- te fallar era até bom morrer!
A voz de quem se ama é como um canto grave
De um orgão, que se eleva e morre pela nave
E atraz do qual nos sóbe a Deus o coração!
A nave é o meu peito e o Deus és tu, João!
(PausaJ.
Meu Deus! que me esqueci! Vim a buscar as flores
Da rainha. . . afinal. . . topei com meus amores. . .
Mestre d’Avi^
Pouco te demoraste.
JD
COSMOS
Helena
Eu sei . . . Estarão em pena
Por mim I Adeus, João!
Mestre d’AvÍ7
(Helena saej.
Adeus, formosa Helena.
' Marcellino
Mestre d'Avi\ na peca «Leonor Telles»
0 ultimo concurso de «sports» athleticos
disputado no Yelodromo de Lisboa
Aprova sportiva de maior interesse que ulti¬
mamente se realisou em Lisboa foi, sem du
vida alguma, o concurso disputado no velo-
dromo de Palhavã, na tarde de 7 do corrente. Os
seus resultados technicos não pódem, em boa verda¬
de, envaidecer extraordinariamente os concorrentes ;
mas representam um esforço de tenacidade e de qrrojo
'4
COSMOS
que é licito estimular com discreto elogio. Por ou¬
tras palavras ; os resultados obtidos nas diversas pro¬
vas do concurso não se approximam sequer do que,
vulgarmente, se obtem lá fóra em torneios idênti¬
cos — excepção feita dos saltos em altu-^a; mas tra¬
duzem innegavelmente o desejo de conseguir bem
cedo essa approximação, mercê de treino aturado e
methodicamente conduzido.
Excepção feita dos saltos em altura, dissemcs nós,
e na realidade essa prova athletica foi a unica de en¬
tre todas as do concurso que attingiu um resultado
magnifico. O salto de i'“,6i do sr. Barley, não poden¬
do ser comparado, por exemplo, com o de i“,97 de
.Sweeney, é, no emtanto, uma explendida performan¬
ce que ficaria bem collocada em qualquer torneio in¬
ternacional, principalmente se esse torneio réunisse
apenas representantes do paiz visinho ou do sul da
França. Mas o resto — os saltos á vara, o lançamento
do peso, os saltos em comprimento, o lançamento do
disco, etc., tudo isso, digamol-o com franqueza, en¬
contra nos clubs de Bordéus, Bayonna, Biarritz ou
San Sebastian — para não citar senão os amadores
estrangeiros com os quaes os nossos mais vantajosa¬
mente pódem luctar — cultores d'uma superioridade
algo distanciada, d’um treino indubitavelmente mais
completo e esmagador. E é ver;
No lançamento do peso, Manuel da Silveira, o pri¬
meiro classificado na tarde de 7, apenas conseguiu a
distancia de 9"’, 80. Ha dias, em Irun, um amador do
Biarritz Stade fez com facilidade io“,89, e não tem a
robustez physica que caracterisa o campeão de Por-
SPORT
5
tugal. Nos saltos á vara, o sr. Ryder fez, entre nós,
no velodromo de Palhavã, 2'".62; no mesmo concur¬
so a que já nos referimos, Stang, do Sport Athle ti¬
que Bordelais, saltou 3“,4o, o que não é, positiva¬
mente, o record de Gonder, mas uma performancQ
de real- valor.
Quer isto dizer, porventura, que os nossos amado¬
res não conseguem egualar essas distancias ? Náo :
longe d’isso.
Mas, para o conseguirem, necessitam naturaimente
um treino que ainda nao possuem e que só se adqui¬
re com dedicação aturada — tanto mais que os sports
do genero d’aquelles que constituiram o programma
da tarde de 7 andam um tanto descurados no nosso
paiz. Treino e só treino, e fiquem todos convencidos
de que dentro de alguns mezes poderão então hom-
brear distinctamente com o que no estrangeiro cos^
tuma fazer boa figura,
i6
COSMOS
Posto isto, registemos rapidamente os resultados do
concurso :
Saltos em altura — i.”, Barley lançamento
do peso — I.", Manuel da Silveira {9'", 8o); corrida de
bicycletas (velocidade) — • 1.“, J. Figueira, 2.", D. Eu¬
gênio de Noronha; corrida de tres pernas — i."", A
Neves e A. Freitas; lançamento do disco — i", José
Prego; saltos á vara — 1 Ryder (2"',62) ; corrida de
barreiras — 1.", Ryder; lucta de tracção — r" a equi¬
pe do Real Club Infante D. Manuel ; corrida de sac-
cos — i.", Macdonald; saltos em comprimento — 1.“,
Barley (5"’, 60); corrida de resistência (pedestre) —
I.", Macdonald; corrida de obstáculos — ].“, Lama¬
rão; corrida de velocidade (pedestre) — i.®, F. Pinto
Basto.
A regata ua valia da Azainbuja, promovida
pelo Real Club Naval
No domingo 9 do corrente, o Real Club Naval mo-
hilisou as suas tripulações de remo e as suas guigas
para a costumada regata na valia da Azambuja —
que devia ser como que o ensejo asado para uma es¬
colha dos melhores remadores ou da melhor equipe
da aggremiação. E dizemos devia ser, porque, exa-
ctamente, no caso presente, quasi todas as tripula¬
ções que melhor remaram, ou as que remaram com
melhor estylo, foram as que perderam. Os resultados
da regata foram os seguintes:
corrida — ganhou a tripulação da D. Carlos:
Guilherme Salgado, Carlos Shirley, Guilherme Shir’
ley, Lino dos Reis e João Anjos (timoneiro) ; 2,“ cor-
Sí>ORT
*7
rida — a tripulação da Mondego : A. Ferreira, A. Ma^
galhães, C. B., Rocha Leão e José Manuel Mendes
(timoneiro); J/'' corrida — a tripulação^da D. Amélia:
J. Mendonça, Xavier de Brito, Armando Frade, Guer¬
reiro Ferro e João Gimenez (timoneiro); 4.'“ corrida
— a tripulação àa Branca: Orlando Caldeira, A. San¬
tos, J. Rato, J. Barata e Manuel Vasques (timoneiro);
5.“ corrida — a tripulação da D. Amélia : Mario Sant'-
Anna, Ferro Mayer, L. Mascarenhas, Estevão da Sil¬
va e João Bissau (timoneiro) ; 6.’' corrida — a tripu¬
lação do pair-oar Alice: João Tito, Antonio Tito
e Vasco Almeida (timoneiro).
PELO ESTRANGEIRO:
0 Automorel Club de Frauça e os «records»
em estrada
Uma recente disposição do Automovel Club de
França determina rigorosamente que se pão chrono-
metre nem auctorise as tentativas de record em es-
i8
COSMOS
trada — para longas distancias — sem que o percur¬
so a effectuar seja convenientemente guardado e vi¬
giado. Isto para evitar qualquer desastre tanto para
o automobilista como para os peões. O ultimo record
d’esse genero auctorisado pelo Automovel Club de
França, foi o de Sorel, n’uma Dietrich de bo caval-
los, percorrendo em 28 horas a distancia de Paris a
Madrid, 1.600 kilometros. Já nao succedeu o mesmo
ao audacioso touriste, sr. Borde, que cobriu em 24
horas a mesma distancia, debaixo dum verdadeiro
temporal.
Antes da partida, numerosos amigos do sr. Borde
não queriam que elle se aventurasse a seguir viagem
n’um dia que amanhecera tempestuoso. Vento, chu¬
va, trovoada acompanhada de granizo, tudo fazia pre¬
ver que o arrojado chauffeur desistiria; mas nada
d’isso: elle ahi vae com uma veloc dade estonteante
e ao meio dia e meia hora chega a Bordéus são como
um pero. Almoçou alli e seguiu a carreira. D’ahi a
pouco passa em Bayonna e chega como um re¬
lâmpago á fronteira hespanhola, tendo feito 85o ki¬
lometros, em França, em 17 horas e i5 minutos,
isto é, com uma velocidade média de 5o kilometros á
hora.
Pára, por minutos, na alfandega para as formali¬
dades do estylo e eil-o de novo na vertigem, debaixo
da chuv.-i que cahia intensa, e ás 9 da noite do dia se¬
guinte chegava a Madrid.
Em todo o trajecto o automovel do sr. Borde, um
doiible-phaeton de 10/14 cavallos, consumiu apenas
uma média de 1 1 litros e meio de gazolina por cada
SPORT
9
loo kilometros e chegou a Madrid com os mesmos
pneumáticos cora que sahira de Paris,
o carro «Ariès» i5 H.P. que fez o record
Paris-Madrid em 24 horas.
Um nmatch» ridículo entre dois grandes cyclistas:
Mayer e Poulaiu
Em Paris, no velodromo municipal, realisou-se ha
dias um desafio em duas mãos, entre Mayer, um
grande cyclista que já correu este anno na pista de
Palhavã e Poulain, o campeão do mundo em iqoS. Na
primeira mão, que era de i.ooo metros, Poulain ga¬
nhou a corrida com certa facilidade. Na segunda
pOrém, os dois corredores começaram, logo ao tiro
20
COSMOS
de pistola, a representar uma comedia ridícula, for
cejando cada qual por evitar tomar a cabeça (ou .
dianteira, como se diz vulgarmente). Em certa altu |
ra., Poulain, menos acrobata do que o seu adversa j
rio, cahiu. Houve necessidade de fazer correr nova 1
mente essa mão do matclij que Mayer venceu poi
um quarto de roda.
Foram á belle^ ou ao desempate. Os dois corredo¬
res continuam a mesma scena, prodigalisando-se em
esforços para não demarrar, apoiando-se até ás balaus- I
tradas da pista para se conservarem no mesmo sitio.
O publico, enervado com a representação, prorompe i
n’um charivari medonho, e a scena, depois d’uma
hora e dez minutos de teimosia ridicula, acaba pelo
desapparecimento do jury, que abandonou o velodro-
mo, farto, positivamente, de tanta massada.
!
0 novo acrostato de Santos ihiiiiout
participa ao mesmo tempo do balão e do aeroplano
1
Os telegrammas de Paris já noticiaram o desastre ,
succedido a Santos Dumont, quando experimentava,
na madrugada de 8 do corrente, no parque de Baga- j
telle, o seu aerostato n." i6. Falta dizer que o novo
apparelho do illustre aeronauta é uma combinação do '
balão dirigivel e do aeroplano: é mais pesado do que ^
o ar cerca de 8o kilos. Comp5e-se, em primeiro logar,
d’um envolucro de seda envernisada, envolucro '
fusiforme de 99 metros cúbicos e de 21 metros de
comprimento, tendo no interior um balão compen¬
sador cheio d’ar. O apparelho, mais leve que o ar,
êPÒRT
2 t
supporta uma série de peças todas ellas mais pesa¬
das do que o ar : um motor de 5o cavallos (o do ul¬
timo aeroplano construído por Santos Dumont) ac-
cionando uma helice de 2 metros de diâmetro, collo-
O dirigível de Santos Dumont
cada á frente; um plano movei, também collocado á
frenté, e que deve guiar 'a marcha ascensional; a traz,
entre o motor e o leme polygonal, um plano de aero¬
plano de 4 metros de superfície. O aeronauta assen-
ta-se n’um selim atraz do motor, O apparelho com¬
pleto repousa sobre duas rodas de bicycleta.
PalBstra sciantífica
BarcoM sul) ma ri nos
Muita gente haverá que imagina que o problema
da navegação submarina só modernamente co¬
meçou a occupar a attenção dos homens. E’
um engano. Os projectos de navios submarinos, apre¬
sentados desde os princípios do seculo XVII até hoje,
contam-se ás centenas, e o mais curioso é que na
longa lista dos inventores entram indivíduos de va¬
riadíssimas profissões, incluindo até alguns de miste¬
res muito humildes, cujos inventos figuram honrosa¬
mente na historia da navegação submarina. Muitos
d’esses barcos, muitíssimos mesmo, foram construí¬
dos e eíFectuaram as suas experiencias com melhor
ou peior resultado.
Assim, já em 1624, um rei de Inglaterra navegou
sob as aguas do Tamisamo submarino inventado pelo
hollandez Van Drebbel, barco de madeira que podia
mergulhar até 5 metros e era movido a remos que
penetravam no navio atravez de mangas de coiro im¬
permeável. E em 1776 o sargento Lee do exercito
americano, tentou, no submarino de Bushnell, des¬
truir, no porto de New-York, o navio de guerra inglez
Eagle, aparafusando-lhe no fundo uma caixa cheia
8
COSMOS
de polvora, tendo estado essa tentativa a ponto de
ser coroada de exito, assim como outras duas a que
aquelle bravo sargento se aventurou.
Bushnell era medico; dotado d’um extraordinário es¬
pirito inventivo, o seu submarino era, para o tempo,
uma maravilha. Construido de madeira, apertado por
cintas de ferro, tinha dois helices, remos em fórma de
parafuso como lhe chamam as chronxas da epocha ;
um, horisontal, collocado na dianteira do barco, fa¬
zia-o avançar ou recuar, outro, vertical, movia o navio
n’este sentido. O primeiro era manobrado á mão ou
com o pé, o Segundo á mão, assim
como o leme. Um só homem consti¬
tuía a tripulação do submarino.
Uma valvula, abrindo de dentro
para fóra, dava entrada á agua ne¬
cessária para a immersão e duas
bombas prementes expulsavam essa
agua para fazer emergir o barco.
Bushnell que, com justo titulo, deve ser conside¬
rado o primeiro inventor da applicação do helice ã
navegação, dotou o seu submarino com um peso de
segurança alojado na parte exterior do fundo, mas
que podia ser manobrado da parte interna e que,
em caso de avaria séria, devia ser largo para _ o
fundo, a fim de permittir que o barco voltasse ra¬
pidamente á superficie.
Depois de Bushnell, até aos nossos dias, muitos ou¬
tros projectos de submarinos foram apresentados,
como acima dizemos, mas n’uma secção de tão limi¬
tado espaço, como esta, impossível se nos torna re-
O submarir.o de
Bushnell, manobra,
do á mão.
PALESTRA SCIENTIFICA
9
ferirmo-nos a todQS, ainda que ligeiramente, e por
isso mencionaremos apenas aquelles que por qualquer
circumstancia mereçam referencia especial. N’esse
caso está o submarino Nautilus, construido em 1797?
inventado pelo extraordinário espirito de Fulton.
Era um pequeno barco de ferro, forrado de madeira,
de forma ellipsoidal, que á superfície navegava á vela,
e debaixo de agua era movido por um helice que
se manobrava á mão por meio de um volante. Dois
lemes horisontaes faziam mergulhar o navio em mar¬
cha e mantinham-no n’uma determinada profundi¬
dade.
A habitabilidade era assegurada durante tres horas
á tripulação que se compunha de tres homens.
Como as experiencias a que
o inventor procedeu tivessem
dado resultados satisfactorios,
este procurou atacar alguns na¬
vios inglezes que, prevenidos a
tempo, conseguiram evital-o.
P'ulton pediu então ao governo
francez que lhe desse um na¬
vio velho para mostrar os ef-
feitos do seu torpedo, mas foi-
lhe isso recusado com pretex¬
tos pueris, e 0 inventor, descoroçoado, abandonou a
França.
Depois de F'ulton, os inventos de submarinos suc-
cederam-se, durante todo o século XIX, com ex¬
traordinária frequência. Alguns d’elles foram fataes
aos inventores e a lista, felizmente pouco longa, das
Fullon
10
COSMOS
victimas da navegação submarina foi augmentada
com os nomes do hespanhol Cervo em i83i e do
dr. Petit, med’CO de Amiens, em 1834.
Em i85 1, dois inventores de profissão modestíssi¬
ma, um na Europa e o outro na America, construi¬
ram dois submarinos muito notáveis.
Bauer era sargento do exercito allemão e, antes
d’isso, operário torneiro. O seu submarino era muito
bem concebido, de harmonia com todos os princí¬
pios scientificos da época e apresentava a originali¬
dade de tentar assegurar a estabilidade de immer-
são em marcha peio deslocamento de um peso,
posto em movimento por um parafuso que era ma¬
nobrado á mão por meio de uma pequena roda. A
primeira experiencia ia-lhe custando a vida.
Depois de navegar algum tempo debaixo de agua,
as chapas da popa cederam um pouco, o navio co¬
meçou a mergulhar com rapidez, e apezar dos es¬
forços empregados para contrariar a descida, cahiu
no fundo, n’uma profundidade de 18 metros de agua.
A pressão exercida sobre o casco era enorme e as
chapas começaram a amolgar-se. A situação tornou-se
desesperada.
Bauer não perdéu porém o sangue frio, e, fazen¬
do encher de agua novamente todos os reservató¬
rios, conseguiu comprimir o ar até contrabalançar a
pressão exterior, e, abrindo a escotilha, subiu á su-
perficie, elle e os seus companheiros, com uma ra¬
pidez extraordinária.
Foi, todavia, isto, um^ mau prenuncio para a sua
vida de inventor, que na realidade foi uma série de
PALESTRA SCIENTIITCA
I I
desgostos e de contrariedades, a que só resistiria uma
tenacidade como a d’elle.
O outro submarino a que acima nos referimos,
era invento d’um sapateiro americano, de nome
Philipps. Admiravelmente imaginado e executado.
O submarino e o sargento Bauer
apresentava este barco duas originalidades : uma
junta espherica que permittia manejar quaesquer
instrumentos de dentro do barco e um pendulo
qne, fechando authomaticamente os tubos que liga¬
vam entre si os reservatórios de agua, procurava as¬
segurar a estabilidade longitudinal do navio em im-
mersão. Philipps fez diversas experiencias e era tal
a confiança que depositava no seu invento, que che¬
gou a passar lo horas debaixo de agua com a mu¬
lher e os filhos.
Uma vez, porém, mergulhou no lago Erié e nun¬
ca mais appareceu.
Os americanos não perderam na navegação subma¬
rina a sua linha tradiccional de aventura e ousadia.
12
COSMOS
Em i863, durante a guerra da seccessão, Aunley in¬
ventou um pequeno submarino para destruir os na¬
vios dos Estados do Norte, a que foi dado o nome de
David e que só nas experiencias matou 33 homens.
Uma vez foi a ondulação de um vapor que passava
que o metteu no fundo. Posto a nado, virou-se no
decurso d’uma experiencia e, finalmente n’uma outra
experiencia, mergulhou a grande profundidade e, não
se sabe porquê, não voltou á superficie. Posto nova¬
mente a nado e reparado, o David atacou com o
seu torpedo, em i6 de fevereiro de 1864, a corveta
federada e metteu-a no fundo,, mas pere¬
ceu com ella.
No mesmo annode i863 um submarino denominado
Le Plougeur era lançado ao mar em França, entre
grandes esperanças de uma resolução definitiva da
questão devido á reputação scientifica-e competência
technica dos seus inventores o capitão de mar e guerra
Bourgois e o engenheiro naval Brun, a primeira vez
que appareciam como inventores de submarinos indi-
viduos de profissão maritima. Era este barco dividido
em tres compartimentos, um para a machina de ar
comprimido, outro para os tubos reservatórios do ar
comprimido a 12 atmospheras e, entre estes, o do cen¬
tro reservado á tripulação de 12 homens. O barco
mergulhava pela substituição do ar de alguns reser-
jrn
vatorios por agua e emergia pela expulsão d’essa
mesma agua por meio de communicação do respe¬
ctivo reservatório com os de ar comprimido.
As experiencias demonstraram porém que os seus
inventores não conseguiram dar sufficiente estabili-
PALESTRA SCIENTIFICA
i3
dade a essa massa de 400 toneladas e o barco foi des¬
armado.
Em r866 o americano Raeber construiu um sub¬
marino com a particularidade do helice ser movei e
servir ao mesmo tempo como propulsor e leme. A
idéa já tinha sido emittida muitos annos antes por
Shorter, Millington, etc., mas foi a primeira vez que
teve realisaçáo pratica. Era iSyS um outro americano
Holland construiu um submarino ao qual nos referi¬
mos aqui, simplesmente porque este inventor, modi¬
ficando successivamente o seu primeiro invento, le-
vou-o ao máximo grau de aperfeiçoamento actual.
Em 1877 russo, Drzewiecki, construiu também um
navio d’este genero que, aperfeiçoado em 1879, fez
experiencias com tão feliz resultado que o governo
russo encommendou-lhe em 1881 cincoenta e dois
d’estes barcos, os quaes eram tão pequenos que po¬
diam ser içados nos turcos dos grandes navios e as¬
sim transportados ao local de combate.
Entretanto os progressos realisados na electricidade
e as tentativas da applicação pratica dos motores de
gaz auctorisavarn a supposição de que a navegação
submarina ia entrar n’uma phase nova, na phase
actual.
Em 1884 Drzewiecki substituiu no seu submarino
de 1879 a manobra, a braço, do helice e das bombas,
por um motor electrico accionado por uma corrente
duma bateria de accumuladores.
Em i885 appareceu o submarino de Nordenfeldt,
3 primeiro que, respondendo d’uma maneira quasi sa-
isfatcria, a vários pontos do problema, deixou ante-
M
COSMOS
ver a possibilidade da utilisação, como arma de guerra,
do barco submarino. Nordenfeldt deu aos reservató¬
rios de agua do seu navio uma capac dade insufficiente
para o fazer mergulhar inteiramente. A immersão
completa era então obtida mechanicamente por dois
helices verticaes. Avante havia dois lemes horisontaes
destinados a dar ao barco a estabilidade de immersão
em marcha. Era movido na navegação á superfície
por uma machina de vapor, e, quando mergulhado,
servia-se do vapor que existia na caldeira no momento
de immergir è do de dois reservatórios especialmente
a isso destinados e em qge o vapor era sobreaquecido
por um systema particular.
O movimento automático dum embolo fechava a
valvula de introducção do vapor, quando a immersão
excedia o nivel desejado e o barco voltava rapida¬
mente a esse nivel. Nonlenfeldt construiu em 1887
um novo barco maior que este e com alguns aperfei¬
çoamentos.
Em França accentuava-se por essa epocha um gran¬
de movimento em favor dos submarinos. Um exagero
de apreciação suggestionado pelo patriotismo fazia-lhe
vêr nos barcos d’esse genero a arma invencivel, ha
tanto tempo procurada, contra o collosso marítimo
britannico. Em Toulon e Cherburgo procederam dois
illustres engenheiros, Gustavo Zédé e Goubet a ex¬
periências com submarinos movidos por um helice
accionado por uma corrente electrica de accumula-
dores. Datam d’estas experiencias, respectivamente
realisadas em 1889 e 1891, os primeTOS resultados
ien'mente práticos da navegação submarina.
PALESTRA SCIENTIFICA
l5
Ao mesmo tempo surgiam em vários paizes os in¬
ventores. Em 1889 experimentava Peralna Hespanha
um barco d’este genero no meio d’um extraordinário
enthusiasmo, para pouco depois ser votado ao esque¬
cimento. em 1890 procedia-se em Portugal ás ex¬
periências, com animadores resultados, do submarino
Fontes^ para também nunca mais se falar n’elle, e em
1895 faziam-se experiencias em Italia com o Deljino
do engenheiro Pullino, cujo resultado foi conservado
secreto, tendo podido apenas saber-se que tinha sido
muito satisfatório.
o «Hollanda» navegando á superfície
D'ahi por deante entra a navegação submarina fran-
íamente na phase actual dos submarinos chamados
autonomos. Na America, Holland, depois de ter con-
struido successivamente 6 typos de submarinos, pa¬
rava no 7.“, adoptado pelos governos americano e in-
glez, mas mesmo este typo tem soffrido modificações
feitas pela casa constructora e outras efFectuadas em
Inglaterra. E’, d’um modo geral, um barco movido á
6
COSMOS
superticie por um motor de gazolina, e debaixo de
agua por um motor electrico accionado por uma cor¬
rente d’uma forte bateria de accumuladores. Tem
dois lemes horisontaes para assegurar a estabilidade
de immersão em marcha e é armado com tubos para
lançar torpedos. A immersão obtem-se introduzindo
agua nos reservatórios, o que faz mergulhar o barco
até um certo ponto, fazendo-se depois a immersão
completa mechanicamente.
Ainda ha pouco tempo, o nosso governo decretou
a acquisição de dois d’estes submarinos para a nossa
marinha de guerra.
Os francezes entraram pouco depois no mesmo ca¬
minho. O primeiro submarino autonomo que construi-
ram^, o Narval^ era movido á superfície por uma ma-
chinade vapor, mas esse systema foi logo abandonado,
substituindo-se a machina de vapor pelos motores de
petroleo e de gazolina, como se fazia na America.
Os barcos submarinos estão, porém, muito longe
ainda de attingir o grau de aperfeiçoamento exigido
por uma utilisação pratica e efficaz. Teem ainda mui¬
tos defeitos que algumas vezes originam catastrophes
como aquellas que ha pouco tempo enlutaram a França.
O Farfadet e o Lutin, submarinos de bateria de ac¬
cumuladores, afundaram-se, perecendo quasi toda a
tripulação.
E’ porém de crer que na defeza das costas pres¬
tem desde já importantes serviços.
O maior obstáculo ao progresso rápido dos subma¬
rinos é, sem duvida, a indispensabilidade da bateria
de accumuladores para a marcha debaixo de agua,
PALESTRA SCIENTIFICA
17
por não se ter encontrado, até hoje, meio de apropriar
a essa navegação o motor de gazolina.
Possível é que essa gloria esteja reservada ao nosso
paiz, pois está em Inglaterra, procedendo a impor¬
tantes experiencias n’esse sentido, o primeijo tenente
<ia nossa armada, Valente da Cruz. '
i
Anecdotas
Um avarento que passava noites horríveis em so-
bresaltos contínuos com receio de que lhe roubassem
o seu dinheiro, {resolveu ir enterral-o [de noite em
determinado sitio d’uma floresta próxima. Como,
porém, tinha medo de ir sósinho com o dinheiro, a
esse logar ermo, viu-se na necessidade de confiar o
seu segredo a um primo no qual depositava relativa
confiança, e pediu-lhe
que o acompanhasse.
O primo accedeu logo
de muito boa vontade
e lá foram os dois en¬
terrar o dinheiro.
O avarento, porém,
nem assim logrou a
almejada tranquilli-
dade de espirito e uma
noite em que não pô¬
de dominar-se, foi á
floresta verificar se o
seu thesouro ainda es¬
tava no sitio em que o
deixára. Qual não foi
pois o seu louco de-
O avarento
8
COSMOS
sespero quando, chegando ali, viu a terra remexida, e
cavou, cavou febrilmente sem encontrar coisa alguma*
Passadas as primeiras impressões, veio a reflexão.
Evidentemente não podia ter sido senão o primo.
Como rehaver o dinheiro roubado? Cogitou todo o
resto da noite e no dia seguinte de manhã dirigiu-se
a casa do seu infiel parente.
— Venho pedir-te que me acompanhes outra vez
á floresta amanhã á noite, disse-lhe elle. Os negocios
teem-me corrido magnificamente bem. Hontem recebi
uns vinte contos de reis e espero receber ainda ama¬
nhã uns quarenta. São pois sessenta contos que ama¬
nhã á noite quero metter no cofre que está enterrado
e emquanto lá os não pozér não durmo descansado.
— Da melhor vontade te acompanharei, respondeu-
lhe o primo
Na noite aprasada encaminharam-se os dois para
a floresta, levando o avarento debaixo da capa duas
pistolas carregadas. Chegtidos ao sitio, começou este
a cavar, encontrando d’ahi a pouco,-como esperava,
o cofresinho com o seu thesouro e, sem dizer coisa
alguma, pegou n’elle, metteu-o debaixo da capa e en¬
caminhou-se para casa.
— Mas então não mettes ahi os sessenta contos ?
Para onde levas o cofre? perguntou- lhe o primo es¬
tupefacto.
— Descobri afinal que o logar mais seguro é a mi¬
nha própria casa, respondeu o avarento, mostrando
ao primo, assim como quem não quer a coisa, o cano
d’uma das pistolas.
- -
ANECDOTAS
9
Urn homem, chamado Quintas, tinha inveterado o
vicio da embriaguez o que dava origem a disputas
diarias com a mulher á qual elle acabava sempre por
jurar emenda.
Uma noite caminhava elie por uma rua, muito em¬
briagado e monologando em voz alta :
— Você, sr. Quintas, já tem edade para ter juizo.
Não deve beber de mais.
Sua mulher todos os dias
lh’o canta lá em casa,
mas você não tem ver¬
gonha nem emenda.
Gasta todo o dinheiro
da féria em vinho e para
comer tem que ir pondo
no prego tudo quanto
tem.
Isto assim não póde
continuar. Jura nunca
mais se embebedar, sr.
Quintas ?
— Juro, respondia elle
a si mesmo.
— Pois bem, continua¬
va monologando, d’aqui em deante não bebe nem mais
um decilitro, se quer^ter a minha consideração. E agora
quero vêr sentem coragem para resistir á tentação.
N'este momento parava elle em frente da porta
d’uma taberna, bamboieando-se e observando com
os olhos esgazeados os copos, as pipas e os bebedo¬
res. Ao mesmo tempo ia dizendo :
IO
COSMOS
— Juízo, sr. Quintas, parece-me que já está a sentir
tentações de emborcar mais dois decilitros. Olhe que
ainda agora jurou nunca mais beber. Veja lá o que
faz.
— Não ha novidade, respondia elle a si mesmo, as
juras cumprem-se. Eu cá sou homem de coragem.
Quer vêr
E, dizendo isto, continuou o seu caminho com passo
incerto a zigzaguear no passeio.
Não tinha ainda dado dez passos, quando, parando
de repente, exclama ;
— Bravo! sr. Quintas. D’esta vez soube resistir á
tentação. Isso é que é coragem! sim, senhor! Até
merece dois decilitros pela sua força de vontade!
E, voltando atraz, emborcou mais meio litro.
Entre uma, senhora já edosa e um photographo;
— O retrato não está bom. Não ha ninguém que
me não diga que elle me faz muito mais velha, uns
dez annos pelo menos,
— Não tem duvida, minha senhora, tira-se outro e
inutilisa-se este.
— Nada, não senhor, inutilisal-o, de modo algum.
D’aqui a dez annos cá o mandarei buscar.
- @ -
Entre marido e mulher:
— Que estás lendo com tanto interesse, meu que¬
rido Francisco? Ha mais de uma hora que estás a
olhar para o jornal.
ANECDOTAS
I I
— Nada de interesse, Carolina; estou lendo para
aqui umas tolices. . .
— Ah, então, valia muito mais que conversasses
jommigo. Estou tão aborrecida. . .
— Ah, não, menina, que as tolices falladas fazem-
me muito mal aos nervos, emquanto que as impressas
supporto-as bem.
Um creado que entrára ao serviço de um medico,
encontrou um. dja sobre o tapete quando varria o
consultorio uma moeda de cinco tostões. Quando o
O creado palerma
medico voltou, contou-lhe o caso e entregou-lhe a
moeda. Mas o medico restituiu-lh’a, dizendo-lhe :
— Guarda-a, é para ti, como prêmio da tua honra¬
dez.
12
COSMOS
Tomou por esse tempo parte importante nas cele¬
bres luctas por causa das cantoras do theatro lyrico.
Era contra a Dabedeille, por Clara Belloni a quem
dedicou uma poesia inserta nas lnspi?'ações, e a quem
levantou um brinde no restaurante da Ponte da Pe¬
dra em meio dos parciaes da contraria.
N’esses conflictos surgia armado de um casse-têtc,
o mais formidável de quantos ha memória. De um
lado uma sôga formava-lhe aselha para passar no
pulso, do outro tinha um chavelho e uma aza de fer¬
ro; dentro uma baioneta, sahia, em casos urgicos
premindo-se uma mola.
Fazia parte do grupo dos Leões. Os seus compa¬
nheiros, eram Evaristo Basto, D. João d’Azevedo,
Jorge Arthur d'01iveira Pimentel, José Augusto Pinto
de Magalhães, José Barbosa e Silva, José Joaquim
Gonçalves Basto e Manoel Osorio Negrão
De i85o a i852 frequentou as aulas do Seminário
episcopal do Porto com tenções de ordenar se. Mas,
passada a crise mystica, atirou a batina ás ortigas e
publicou successivamente ; Revelações., Uin livro,
Duas epochas na vida, Folhas cahidas apanhadas na
lama, Mysterios de Lisboa, A filha do Arcediago,
Scenas contemporâneas, Livro Negro do Padre Di-
ni^, A neta do Arcediago, Onde está a felicidade ?
Um homem de brios e Justiça.
Em 1857 habitou, algum tempo em S. João d’Arga)
junto a Vianna, onde escreveu Carlota Angela e Sce¬
nas da Fo^.
De|i858 começaram as relações adulterinas de Ca-
millo com D. Anna Placida, esposa de Manoel Pi^
HOMENS CELEBRES DE TODOS OS TEMPOS
nheiro Alves, que tanto escandalo produziram no
Porto e no paiz.
Após peripécias varias foram ambos presos, D.
Anna em junho, Camillo em outubro de 1860.
Julgados em 1861 e absolvidos, nunca mais se se¬
pararam.
Foi no cárcere que Camillo escreveu o Amor de
Perdição e d’este volume data a definitiva consagra¬
ção da sua celebridade litteraria, iniciada com a pu¬
blicação do Onde está a felicidade ?
Retirando para S. Miguel de Seide, pequena fre-
guezia de Villa Nova de Famalicão, a vida de Camillo
transformou-se. Acabou o período fecundo em episó¬
dios aventurosos, começou a epocha de larga fecun¬
didade litteraria.
Obrigado a sustentar com a penna a sua compa¬
nheira e os seus dois filhos, lança-se ao trabalho com
ardor.
As suas obras contam-se então ás dezenas. São o
Amor de Salvação, A filha do dr. Negro, No Bom
Jesus dq Monte, Vinte horas de liteira. Divindade de
Jems, Esboços de apreciações litterarias, O esque¬
leto, Horas de pa^, Lucta de gigantes, O morgado
de Eafe, A Sereia, A Engeitada, O judeu, O olho de
vidro, A queda de um anjo, O santo da montanha,
Vaidade irritada e irritante, A bruxa do Monte Cor-
dova, A vida do Candal, Cavar em ruinas. Cousas
leves e pesadas, O senhor do Paço de Nisães, Mo¬
saico, Mysterios de Eafe, O retrato da Ricardina, O
sangue, Aí virtudes antigas. Os brilhantes do brasi¬
leiro, D. Antonio Alves Martins, O Condemnado, A
14
COSMOS
N’um electrico;
— Ha logares ? perguntou uma senhora ao condu-
ctor.
— Sim, minha senhora, responde este.
A senhora sobe e encontra todos os logares toma¬
dos :
— Então não me disse que havia logares? disse
para o conductor.
— E não menti, minha senhora, ha muitos, como
V. Ex."' vê; até estão todos occupados. . .
Camillo Castello Branco
Dizem que em certo logar da ilha da Sardenha
existiu uma herva penetrada de veneno tão su¬
btil e tão maligno que, lentamente e dolorosamente”
matava, torcendo ao mesmo tempo toda a muscula¬
tura da face n’um grande riso de tragica satisfação.
Desde o começo da sua vida, Camillo Castello
Branco parece ter-se intoxicado com esta extranha
herva sarda.
D’elle podia contar-se, como de Zoroastro que, em
vez de chorar, rira na hora de nascer; e o tiro final
em que a sua existência se perdeu é por certo o sar¬
casmo maior com que termina o mais extraordinário
romance de quantos nos legou.
O riso foi sempre a feição predominante d’este es-
criptor. O Amor de Perdição^ a sua obra mais conhe-
IO
COSMOS
Poucos annos depois, morta a mãe e simultanea¬
mente o pae, Camillo que já aprendia grammatica
com o professor Minas Junior da rua dos Calafates,
sahiu para o Porto, com dèstino a Villa Real, no va¬
por Jorge IV. Acompanhavam-no sua irmã mais ve¬
lha e uma creada.
Ao chegarem á vista da cidade havia muito mar,
que os obrigou a arribar a Vigo; d’ahi por Tuy, Va-
lença e Ponte do Lima, vieram a Braga, e ali a creada
satisfez ao Senhor do Monte uma promessa formu¬
lada em hora d’apuros, quando bolsava as tripas com
o enjôo.
Encaminharam-se depois a Villa Real de Traz-os-
Montes, onde foram habitar com D. Rita Caldeirão de
quem fala o Amor de Perdição. Parece, porém, que
o futuro romancista não gostou muito d’esta tia, por-
c}ue fugiu para Lisboa em iSSy com um par de peú¬
gas e duas camisas atadas n’hm lenço.
De volta a Villa Real, ainda no mesmo anno, sua
irmã casára na Samerdan com um medico, irmão de
um padre.
Camillo foi viver com elles.
O padre, aquelle Antonio de Azevedo a quem, vol¬
vidos muitos annos Camillo havia de dedicar o Bem
e o Mal, principiou a sua educação litteraria. Resa-
«Em os 22 dias do mez de Itezcmbro dn anno de i835 fallcceii
com o Sacramento da Extrema Unção Manoel Joaquim Botelho Cas-
tello Branco, viuvo de Jacintha Kosa do Espirito Santo, morador na
Rua dos Jjouradores, e.no mesmo dia foi sepultado no Cemiterio do
Alto de S. João, do que fiz este assento, que assignei, O Prior José
Antonio Durães». Livro d'obitos de i835, lls. 20 v.
HOMENS CELEBRES DE TODOS OS TEMPOS I 1
vam juntos ante-manha; Camillo ajudava á missa e
poude lêr então Camões e Fernão Mendes Pinto.
Um dia, aos ib annos, vindo a Friume, no concelho
de Ribeira de Pena, apaixonou-se por Joaquina Pereira
com quem casou pouco tempo volvido.
Por iniciativa do sogro veio frequentar prepa¬
ratórios e depois a Polytechnica do Porto e Es¬
cola Medica. Fez acto de chimica em 1844, passan¬
do nemine^ graças a um condiscipulo que lhe ensinou
o ponto.
,No anno seguinte foi para Coimbra onde estava
ainda em 1846, frequentando o latim de um padre Si¬
mões ou dr. Diniz.
Quando as aulas fecharam n’esse anno por causa
da Maria da Fonte, partiu para Villa Real. A’ sahida
de Penafiel elle e'um companheiro encontraram a
guerrilha do Milhundres, que os agregou na qualidade
de proclamadores. Retrocederam á villa e fugiram no
primeiro ensejo.
Tím Villa Real fez representar o Agostinho de Ceuta
primeira obra de theatro que compoz.
Relacionou-se então com Patrícia Emilia de Bar-
ros, com quem tentou fugir para Coimbra, embora
sua mulher fosse ainda viva.
Um tio affim, João Pinto da Cunha, pediu a ca¬
ptura dos dois e reteve-os presos na cadeia da Rela¬
ção de 12 a 23 d’outubro.
Em 1848 e 1849, no Porto, publicou A murraça,
Maria não me mates que sou tua mãe!, O Marqueq
de Torres Novas e grande copia de producçÕes no
Nacional.
12
COSMOS
Tomou por esse tempo parte importante nas cele¬
bres luctas por causa das cantoras do theatro lyrico.
Era contra a Dabedeille, por Clara Belloni a quem
dedicou uma poesia inserta nas Inspirações^ e a quem
levantou um brinde no restaurante da Ponte da Pe¬
dra em meio dos parciaes da contraria.
N’esses conflictos surgia armado de um casse-tête,
o mai-; formidável de quantos ha memória. De um
lado uma sôga formava-lhe aselha para passar no
pulso, do outro tinha um chavelho e uma aza de fer¬
ro; dentro uma baioneta, sahia, em casos ürgicos
premindo-se uma mola.
Fazia parte do grupo dos Leões. Os seus compa¬
nheiros, eram Evaristo Basto, D. Joao d’Azevedo,
■Torge Arthur d’01iveira Pimentel, José Augusto Pinto
de Magalhães, José Barbosa e Silva, José Joaquim
Gonçalves Basto e Manoel Osorio Negrão.
De i85o a i852 frequentou as aulas do Seminário
episcopal do Porto com tenções de ordenar se. Mas,
passada a crise mystica, atirou a batina ás ortigas e
publicou successivamente : Revelações., Um livro,
Duas epochas na vida, Folhas cahidas apanhadas na
lama, Mysterios de Lisboa, A filha do Arcediago,
Scenas contemporâneas, Livro Negro do Padre Di-
ni^, A neta do Arcediago, Onde está a felicidade ?
Um homem de brios e Justiça.
Em 1857 habitou, algum tempo em S. João d’Arga)
junto a Vianna, onde escreveu Carlota Angela t Sce¬
nas da Fo^.
De|i858 começaram as relações adulterinas de Ca-
millo com D. Anna Placida, esposa de Manoel Pi^
HOMENS CELEBRES DE TODOS OS TEMPOS ij
nheiro Alves, que tanto escandalo produziram no
Porto e no paiz.
Após peripécias varias foram ambos presos, D.
Anna em junho, Camillo em outubro de 1860.
Julgados em 1861 e absolvidos, nunca mais se se¬
pararam.
Foi no cárcere que Camillo escreveu o Amor de
Perdição e d’este volume data a definitiva consagra¬
ção da sua celebridade litteraria, iniciada com a pu¬
blicação do Onde está a felicidade ?
Retirando para S. Miguel de Seide, pequena fre-
guezia de Villa Nova de Famalicão, a vida de Camillo
transformou-se. Acabou o periodo fecundo em episó¬
dios aventurosos, começou a epocha de larga fecun¬
didade litteraria.
Obrigado a sustentar com a penna a sua compa¬
nheira e os seus dois filhos, lanea-seao trabalho com
ardor.
As suas obras contam-se então ás dezenas. São o
Amor de Salvação, A filha do dr. Negro, No Bom
Jesus do^ Monte, Vinte horas de liteira, Divindade de
Jems, Esboços de apreciações litterarias, O esque¬
leto, Horas de pa^, Lucta de gigantes, O morgado
de Eafe, A Sereia, A Engeitada, O judeu, O olho de
vidro, A queda de um anjo, O santo da montanha.
Vaidade irritada e irritante, A bruxa do Monte Cor-
dova, A vida do Candal, Cavar em ruinas. Cousas
leves e pesadas, O senhor do Paço de Nisães, Mo¬
saico, Mysterios de Eafe, O retrato da Ricardina, O
sangue, As virtudes antigas. Os brilhantes do brasi¬
leiro, D. Antonio Alves Martins, O Condemnado, A
14
COSMOS
mulher fatal ^ Theatro comico, Voltareis ó Christo, O
carrasco de Victor Hugo José Alves, Livro de Con¬
solação, Quat?-o horas innocentes, A espada de Ale¬
xandre, O visconde d’ Ouguella, Scenas innocentes
da comedia humana, O demonio do Ouro, Ao anoite¬
cer da vida, Correspondência epistolar, Noites de
insomnia, O regicida, Afilha do regicida, Novellas
do Minho, Curso de Litteratura, Cancioneiro alegre,
Os criticos do cancioneiro. Sentimentalismo e histo¬
ria, Suicida, Lui‘ç de Camões, Historia e sentimen¬
talismo, Echos humorísticos, A senhora Ratta^p, Per¬
fil do Marque^ de Pombal, Narcóticos, A brafileira
de Praçins, D. Luiç de Portugal, Questão da Se¬
benta, O general Carlos Ribeiro, O vinho do Porto,
Maria da Fonte, Serões de S. Miguel de Seide, Bo-
hemia do Espirito, A diffamação dos livreiros. Es¬
boço de critica, Vulcões de Lama, Nostalgias, Deli-
ctos da Mocidade, etc., etc.
A permanência em Seide era cortada por rapidas
visitas ao Porto, á Povoa de Varzim, a Braga, a Gui¬
marães, á Foz, a Vizella Em 1875 ainda esteve em
Coimbra a pretexto de dirigir a educação dos filhos)
morando primeiro nos Arcos de S. Bento e depois na
rua Larga.
Mas a doença nervosa que herdára e o perseguia .
com mais insistência desde a estada no cárcere, não
lhe deixava socegar em parte alguma. Era ainda em
Seide, na pequena casa cercada por pinheiraes ge¬
mentes que a vida lhe decorria mais tranquilla. I
A morte do filho de D. Anna e Pinheiro Alves, Ma- |
noel Plácido, que Camillo estremecia, a loucura doh
I
I
H0MEN5. CELEBRES DE TODOS OS TEMPOS '5
seu filho Jorge Camillo, os esbanjamentos do Nuno,
foram outros tantos golpes cruéis que poderosamente
contribuiram para abalar aquella mentalidade já
doente. As suas polemicas dos últimos annos, onde o
sarcasmo vibra com uma intensidade que nenhum ou¬
tro escriptor soube ainda attingir, accusam sobeja¬
mente este estado de espirito de Camillo.
Finalmente, em i de junho de 1890, tendo visto
descer sobre- si irremediavelmente a eterna noite da
cegueira, cansado de cincoenta annos de luctas e de
trabalho, procurou dormir o somno eterno da morte,
disparando um tiro de revolver no parietal direito.
J. DE M.
lÉ-mi
M EIRCEIARI A CHIIMEIZA
Da. RUA DE PASSOS MANUEL, 14 a 18 - LISBOA
a Lourenço Alves Pereira
Charadas, enygmas e acrósticos
Rrevençao
0 COSMOS publica-se nos dias 3, 15 e 25 de cada mez; par isso
as deciíratões sA serão acceites 5 dias antes das datas indicadas.
CORRESPONDÊNCIA
Alejoal. — Concordamos com o exposto na carta
que nos enviou. Mas que quer? Ha, como sabe, nova¬
tos e os novatos também teem direito á vida... e
para elies não encontramos meihor principio do que
as charadas em phraçe, por serem as mais simples.
No acrostico deu }'aia; é Coimbra e nao Tavira.
Agradecemos a sua boa collaboração e mande mais
quando tiver.
Malte^. Póde, sim senhor, mas coisas que façam
a cabeça em agua.
Decifrações do n.® 1
ytcrostíco ; Soure ou Setil, Avança ou Chança, Olivaes, Ovar,
Taveiro ou Álverca. Eivas, Alverca ou Taveiro, Pampilhosa, Porto
ou Crato. Povoa, Coimbra, Estirreja ou Benespera, .^abugo. — Per¬
guntas geographicas; Vella, Chão de Maçãs, Figueira de Castello
Rodrigò, Perovizeu uu Peroguarda.-.-SAaraíaí metamorphoses; Bel-
lo-Mello, Vinbo-Minho — Charada truncada ; Magua, agua. — f^api-
dos f Penacova, chapa, atado. — Cm Damaso. — jÇugmenta-
//va; t- esta-festão. pi/orrries; l.ido-iida, zorro-zorra.
Decifradores
Alejoal, 5.® Pipa. 3 ppp. Careca, Azuos, Khçudo, Bicudo, Sol-e
vento, K. Raça, 5.® n’ista, Simanitô, Padre Eterno, Maltez, Çamillo
6
COSMOá
ENYGMA.
i6
”r Nata
Careca.
ENYGMAS TYPOGRAPHICOS.
VIDROS
APPELLIDO
( Gambetta).
NOTA5050ENOTAN0TA
(Frescata).
'9
( Gambetta).
T
■THESOURO
(Frescata).
LISBOA
NOTA 5o homem — x pQj^yQ agmetal au Universo
(Gambetta).
CilARAbAS, ENYGMAS E ACROSTÍCOS
7
POR INICIAES.
M
0
F
V
V
4
4
3
- 4
( Gambetta).
DE PALITOS.
20
PARONYMO
Se tirar dezeseis
Uma ave vereis.
(l^dvento).
' Este petisco arde. — 2.
SALTITANTE.
1-2 -3-4-5
I-2-5-4-3
24
(Gambetta).
25
N’um retalho de panno vi soldados formados.
(Gambetta).
CHARADA EM PHRASE.
Na cadeia e na cidade é utensilio. —
26
2.
(Careca).
Bua É lluírini n; 1
LISBOA
HDRTICUbTURA E FbDRICULiTURA
0 jãrdirn no verão
Tínhamos promettido no ultimo numero occupar-
nos da multiplicação das plantas por mergulhia ou
alporque e estaca, mas, antes de entrarmos n’esse ca¬
pitulo da educação das plantas, como está a approxi-
mar-se o verão, vamos indicar o que n’esta quadra
do anno tem a fazer o jardineiro amador.
Nos primeiros tempos da estação ligam-se as tre¬
padeiras ás grades, para as deixar estender e florescer
á vontade, e as dhalias e tutores, deixando-as n’um
pé só para o que se lhes cortam os rebentões. Plan¬
tam-se de estaca fuchsias e gerânios e transplantam-se
sécias e outras plantas de flores outomnaes semeadas
em alfobres. Colhem-se as cerejas e ginjas, vigia-se o
desenvolvimento das producçoes fructiferas e herbá¬
ceas das arvores de fructo, arrancando levemente com
a unha os olhos inúteis e desbastam-se alguns fructos
das arvores que apparecerem demasiadamente car¬
regadas.
Levantam-se da terra, logo que as folhas comecem
a amarellecer as tulipas e os jacinthos. Cuida-se da
floração dos craveiros e dos lyrios preservando-os
das lesmas e dos insectos damninhos. Pode çonti-
8
COSMOS
nuar-se a fazer enxertos, mas n’esta epocha a seiva
não tarda a passar e por isso é conveniente fazel-os
logo no começo d’esta quadra, com excepção dos en¬
xertos de escudo de olho dormente que, sem incon¬
veniente, podem fazer-se até ao fim do verão.
Todas estas operações, menos os enxertos, conti¬
nuam pelo meado do estio dentro, fazendo-se também,
depois da floração, a mergulhia dos craveiros e a
plantação de estaca de algumas plantas gordas. Apa¬
ram-se os crysanthemos.
No fim da estação colhem-se as sementes das plan¬
tas annuaes e bi-annuaes e semeiam-se no logar defini¬
tivo as plantas destinadas a florescer na primavera que
poderem affí^ontar os frios do outomno e do inverno.
Colhem-se os fructos proprios da estação e se¬
meiam-se os caroços de cerejas, damascos, ameixas
e pecegos. Enxertam-se os botões de fructo, aprovei¬
tando a ascensão da segunda seiva que ordinariamente
se realisa no mez de agosto.
Gontinua-se a mergulhar os craveiros á medida que
vão terminando a floração e cortam-se as mergulhias
já enraizadas. Tosquia-se a relva e procede-se ás ré-
gas e sachas necessárias.
No decorrer das indicações dos trabalhos a que tem
de proceder o jardineiro amador que acima ficam es-
criptas, referimo-nos a mergulhias e estacas. São os
dois modos de reproducção indefinida das plantas
A mergulhia póde fazer-se ou directamente na terra
ou no ramo, quando este não póde dobrar o necessá¬
rio para ficar enterrado e n’este caso chama-se alpor-
que.
HORTICULTURA E FLORICULTURA
9
Plantas ha que se reproduzem indefinidamente por
mergulhia natural como, por exemplo, a hera, o mo-
rangueiro, etc. Para outras, porém, é preciso mergu-
Ihal-as artificialmente. A operação consiste em dobrar
um ramo longo e flexível e enterral-o pelo seio de¬
pois de despojado n’esse ponto das folhas e rebentos.
Ao fim de certo tempo a parte mergulhada cria rai¬
zes e então corta-se o ramo do lado da mãe e o mais
proximo possível da terra. Para assegurar o exito da
mergulhia dá-se um pequeno córte longitudinal na
parte do ramo que se vae enterrar e introduz-se na
fenda uma pequena cunha, um grão de areia, por
exemplo. Os mergulhões cortam- se quando se acham
já enraizados e, por consequência, em estado de vi¬
verem por si mesmos; cortam-se, como acima disse¬
mos, o mais proximo possível da terra.
Durante a mergulhia deve-se conservar a terra, no
sitio em que o ramo está enterrado, sempre húmida
e a extremidade livre dos mergulhões deve ser am¬
parada por um tutor. A multiplicação por estaca con¬
siste na creação de raizes d’um bocado do caule da
planta mãe que se enterrou e se collocou em circum-
stancias favoráveis ao fim que se tem em vista. Nin¬
guém ignora que é este o processo habitualmente
usado para a multiplicação das roseiras, dos jasmins,
etc. Muitas vezes multiplica-se uma planta por estaca,
enterrando um fragmento de raiz e, n’este caso, tem-
se em vista o desenvolvimento de gommos.
O bocado de caule que se enterra tem, em geral,
um ou mais gommos, mas em determinados casos não
é isso preciso-
íü
êõsMôs
Para a estaca dar resultado é necessário re^àguar-
dal-a da luz e do frio; precisa mesmo d’uma tempe¬
ratura superior á da atmosphera. Por isso se cobrem
com esteiras, campanulas de vidro, etc.
A vide, o choupo, o lila^, o jasmim, a roseira, o
marmeUei)'o, etc., etc., reproduzem-se magnificamente
por estaca, mas plantas ha que de maneira alguma
se adaptam a este processo de multiplicação.
Os oraflOes paizes e as oiaoiles (idades
0 império do Sol nascente
Os japonezes chamam ao seu paiz Nippon ou
Nikon, de duas syllabas chinezas — Zip-paug
— que significam ra/f do Sol ou Sol nascente.
O Japão é constituido por um numerosíssimo grupo
de ilhas que, como se sabe, se estende a leste da costa
asiatica n’uma extensão de 2700 milhas, approxima-
damente, entre o cabo Lopatka, na península de Kom-
chatka, e a ponta sul da ilha Formosa. Não contando
a metade sul da grande ilha Sakhalina de que os ja¬
ponezes se apoderaram durante a ultima guerra com
a Rússia, conta 0 Japão cinco ilhas grandes, Hondo
ou Nippon, Kiushiu, Shikoku Yeso e Formosa, e cerca
de quatro mil ilhas pequenas, algumas mesmo peque¬
níssimas, entre as quaes se distinguem as Kurilas, as
Riu-kiu, o archipelago dos Pescadores, Tsushima,
Yakushima, Tanegashima, etc., etc.
O Japão tem causado o mais justificado espanto
em todo o mundo civilisado pelos seus rápidos pro¬
gressos em todos os ramos da actividade humana,
sem precedente na historia. Vencedor da China em
1895, vencedor da Rússia que estavamos habituados
12
COSMOS
O Fudjiyama
ÒS GRANDES PAÍZÉS E AS GRAlSÍDÊS CIDADES O
que passam despercebidos, tão habituados estão, de
longa data, a resistir-lhes com as suas casas d’um só
andar, construídas de madeira e papel.
O pico dominante do archipelago é o Fudjiyama.
Situado na ilha de Hondo, de forma cônica muito re¬
gular, elevando-se a uma‘ altura de 8770 metros, co¬
berto de neve durante dez mezes do anno, é objecto
d'um religioso culto por parte dos japonezes que
d’elle se occupam com veneração nos seus romances,
nos seus quadros e desenhos, nas suas canções e em
todas as manifestações da suà arte. Milhares de pe¬
regrinos o visitam annualmente, indo orar nos tem¬
plos ali edificados. A lenda liga o maior dos lagos
japonezes a este monte venerado, contando que no
dia, precisamente no mesmo instante ems que o Fudji¬
yama se elevou, recortou o Biva as suas graciosas
bahias não longe do monte, para occidente e que nas
margens do lago, assim como nas do rio que d'elle
nasce, é que nasceu e se engrandeceu a raça do Sol
nascente.
O Fudjiyama é, por assim dizer, um symbolo do
Japão, tão sagrado e tão venerado como a bandeira
da patria. Desde 1707 que o seu vulcão está em so-
cego, mas até esta data e desde o anno 789 seis vio¬
lentas erupções fizeram tremer toda a ilha, cobrindo-a
de cinzas que lhe elevaram as planicies e as feftili-
saram.
Nas ilhas Shikoku e Kiushiu floresce a bananeira
e a larangeira; no centro e no sul da ilha Hondo
cresce exhuberantemente o chá, o algodão e o arroz;
mas, ao passo que se caminha para o norte, a natureza
4
COSMOS
vae perdendo as suas maravilhosas seducções, torna-
se severa, e passado o estreito de Tsugar, na ilha de
Yeso, é agreste e dura. Esta ilha é rica de florestas e
de carvão de pedra.
O terntorio japonez tem 160.000 milhas quadradas
de superfície, não contando a
parte sul da ilha Sakhalina, o ter¬
ritório da Mandchuri.i e o da pe-
ninsula da Coréa que lhe ficaram
pertencendo depois da guerra com
a Rússia, com uma população de
43 milhões de habitantes, appro-
ximadamente, incluindo a popu¬
lação chineza e malaia da For¬
mosa.
A forma de governo, é, desde
1899, a monarchia constitucional
com o imperador (Mikado) e duas
camaras.
O commercio japonez é repre¬
sentado por 26 milhões de libras
deimportaçõese quasi 26 milhões
de exportações, tendendo a augmentar consideravel¬
mente; o principal trafego é com a China, Inglaterra
e Estados Unidos da America do Norte. O terr torio
japonez é atravessado em todas as direcções por 4000
mi dias de vias ferreas e a marinha mercante do im¬
pério conta approximadamente 5ooo navios, repre¬
sentando cerca de 85o.ooo toneladas, fóra 20.000 lor-
chas.
A agricultura occupa a maior parte da população
os GRANDES PAIZES E AS GRANDES CIDADES i5
japoneza na producção do chá, algodão, assucar, etc.,
etc., mas as industrias textis progridem rapidamente.
As pescarias empregam cerca -de 400000 barcos e
2.5oo:ooo homens.
O território japonez é abundante em minas; tem
minas de ouro, prata, cobre e ferro, mas a sua prin¬
cipal riqueza mineira é o carvão de pedra do qual se
extráem annualmente cerca de 6 milhões de tonela¬
das.
Não ha no Japão religião do Estado. O budhismo
e o shintoismo são as que contam maior numero de
adeptos.
O império japonez tem muitas cidades importan¬
tes ; Tokio, capital, tem i.Soo.ooo habitantes, segue-se
Osaka com Soo.ooo; Kioto, 840.000, Nagaya, 242.000;
Kobe, 1 90.000; Yokohama, 170.000; Hiroshima, 108.000;
Kanazawa, 86.000 ; Sendai, 78.000 e Nagasaki com
72.000.
IT”— - -
I Minero üiosa lilliíoada natural de
Moura. Eefriuera os sãos e cura os
doentes. Premiada em varias expo¬
sições. Vende-se em toda a parte.
18. _ _ J
Distracções e coisas uteis
Electrisaçao do vidro
Machiua electrica muito simples
Nuthimos boas esperanças de que as simples ex¬
periências que no ultimo numero aconselhá¬
mos ao leitor, como innocente passatempo,
tenham sido executadas com feliz resultado. Se assim
não succedeu, porém, atire o leitor as culpas só para
cima da humidade que é um terrivel inimigo dos di¬
vertimentos d’aquelle genero e repita a tentativa,
tendo o cuidado de aquecer bem a folha de papel, es¬
fregar com um panno quente a parte da mesa sobre
que tencionar collocar a folha e friccionar esta com
uma escova também préviamente aquecida. Com taes
precauções o exito é seguro.
Se, porém, o leitor, descoroçoado pela inutilidade
dos esforços já empregados para fazer d’uma folha
de papel uma machina electrica, não quizer repetir a
experiencia, póde varial-a, operando com o vidro. A
maneira mais simples é servir-se da chaminé d’um
candieiro e, melhor ainda, da d’um bico de gaz de
incandescência. A meio da chaminé colloca-se, em
toda a volta, um annel da largura de um ou dois cen-
timetros de papel de estanho, d’esse papel em que
10
COSMOS
vem embrulhado o chocolate e que forra interiormente
os pacotes de chá. D’uma das extremidades da cha¬
miné até á distancia de um centimetro d’aquel]e annel,
colla-se uma tira estreita do mesmo papel. Depois
d’isto, pega-se no vidro pela extremidade onde não
ha papel de estanho e esfrega-se o interior da cha¬
miné com uma d’aquellas escovas destinadas á sua
limpeza, embrulhada n’um len¬
ço de seda. Se se apagarem as
luzes, ver-se-ha saltar uma fais-
ca entre os dois bocados de pa¬
pel de estanho. Aquecendo a
chaminé, o lenço e a escova, o resultado é certo.
Se a um fio metallico, ou mesmo de algodão, sus¬
pendermos tiras de papel muito fino, de mortalhas de
cigarro, por exemplo, e fizermos passar esse fio em
torno do annel, pegando na chaminé, d’esta vez pelo
lado onde se collou a tira de papel de estanho, e es¬
fregando-a interiormente com a escova embrulhada
no lenço, veremos as tiras de mortalhas affastarem-se
vivamente umas das outras.
CarroBssel electrico
A electrisaçãõ~ do vidro fornece-nos alguns entre¬
tenimentos curiosos. Cortemos rfum bocado de papel
consistente uma cruz com os quatro braços eguaes.
Espetemos uma agulha, pela parte romba, numa ro-
della de cortiça, um bocado de rolha, por exemplo, e
sobre a ponta d’essa agulha collocada ao alto, em¬
bebida n’um bocadinho de cortiça arredondado, collo-
biStRACÇÓES E COISAS UTElS Ü
quemos a cruz, bem pelo meio. De cada um dos bra¬
ços da cruz suspendamos com um fio muito leve um
cavallo recortado em papel eencapel-
lemos sobre tudo isto um copo sem
pé. Se esfregarmos circularmente com
um bocado de panno de lã o tunJo do
copo, tendo o, cuidado de o fazer sem¬
pre no mesmo sentido, veremos a cruz
gyrar sobre a agulha, arrastando com-
sigo os cavallos. E’ um divertimento
de muito effeito.
llm milagre! Mudar n agua em viuho!
Como os amadores do bom vinho vão lêr isto pre-
surnsos! E’ na realidade um milagre, mas nao custa
muito a operar.
Peguemos em dois copos rigorosamente do mesmo
diâmetro e mettamol-os debaixo d’agua n’um alguidar
ou n’um balde. Quando estiverem cheios ajustemol-os
cuidadosamente pelos bordos e viremol-os de -modo
a ficarem um sobre o outro, reparando bem que não
fique no de cima nenhuma bolha de ar.
Ponhamol-os assim sobre uma mesa
e enxugue-mol-os cuidadosamente. Feito
isto, pegue- se n’um cal'x cheio de vinho
e colloque-se sobre o fundo do copo
que está por cima. Ensope-se no vinho
uma pequena tira de flanelia ou de bae¬
ta, esprema-se em seguida e metta-se de¬
pois no calix de modo a ficar com as extremidades
pendentes. D’ahi a pouco a agua do copo superior ap-
còSMoâ
parecerá da côr de vinho e um pouco mais palheto
que o do calix.
0 milagre iuverso! Mudar o vinho em agua !
Não é de menos effeito este, embora seja menos
divertido, para os amadores do vinho.
Na rolha d’uma garrafa bem escura, com agua até
tres quartos de altura, pratiquemos dois pequenos fu¬
ros e enfiemos por elles dois canudinhos de palha,
d’aquelles com que costumamos saborear as carapi-
nhadas e lacre-se em seguida a rolha. Um dos canu¬
dos deve mergulhar bem na agua da garrafa e o outro
deve ficar distante do nivel da mesma agua. Se elles
forem eguaes, deve portanto o
o primeiro ficar exteriormente
mais baixo que o segundo. Na
extremidade superior de cada
um dos canudinhos enfie-se
uma meia casca de uma laranja
pequena ou de uma noz, e na
meia casca do tubo mais baixo
faça-se, perto d’este, outro fu¬
ro, onde se enfiará mais um ca¬
nudinho de palha, mas este um pouco inclinado para
fóra, porque terá que servir de torneira. Se na meia
casca mais alta fôrmos deitando vinho, não tardará
muito que pelo canudinho que serve de torneira na
meia casca mais baixa comece a sahir agua.
Quem estiver a presenciar o caso e não souber o
que se passa dentro da garrafa, ficará maravilhado.
Por isso deve a garrafa ser muito escura.
DISTRACÇÕES E COISAS UTEIS
i3
Cortar nm vidro com iiuia tesoura
Pouca gente saberá que um vidro se póde cortar
com 'uma tesoura como se fosse papel. Pois experi¬
mentem e verão que é absolutamente verdade.
Para isso, mettem-se o vidro, a tesoura^e as mãos
debaixo d’agua, n’um balde, n’um tanque, n’um al¬
guidar, ‘ou em qualquer outra vasilha. O essencial é
quedas mãos do operador, a tesoura e o vidro este¬
jam bem debaixo d’agua. Quanto mais comprida fôr
a tesoura, melhor sahe] o] corte, e melhor ainda se
fôr dado d’uma só vez.
Furar um vidro
No ponto onde sejdeseja turar o vidro, colloca-se
um pedaço de argilla secca ou de massa de vidra¬
ceiro e n’ella se faz um buraco do mesmo diâme¬
tro do furo que se pretende que vá até á superfí¬
cie do vidro. N’esse buraco deita-se um pouco de
chumbo derretido e logo que este se solidifique bas¬
tará uma pequena paqcada para fazer destacar um
bocado de vidro do tamanho do furo que se dese¬
java.
CoUa para madeira
Lava-se em varias aguas um queijo branco e fresco,
amassando-o e batendo-o com força, formando uma
bola que, depois de bem espremida a agua, se guarda
.n’um sitio fresco. Por outro lado, tempera-se rapida¬
mente em agua uma porção de cal viva que, depois
’4
COSMOS
de bem secca e reduzida a pó, se guarda em garra¬
fas bem rolbadas. Uma ou duas horas antes de ser
empregada, prepara-se a porção de colla necessária^
misturando uma parte de cal e tres partes de queijo
com agua bastante para obter uma pasta pouco con¬
sistente. Obtem-se d’este modo um excellente prepa¬
rado para collar quaesquer bocados de madeira, es¬
pecialmente os que estão sujeitos a ser molhados
muitas vezes, pois que esta colla é insolúvel na agua..
Colla de arroz
Um dos melhores preparados para collar papeis é
o de farinha de arroz. E’ uma colla d’um branco ma¬
gnifico que se torna quasi transparente depois de
secca e com propriedades de adherencia taes que é
impossível destacar, sem os rasgar, os papeis com ella
collados. Prepara-se muito simplesmente. Dilue-se a
farinha de arroz em agua e poe-se a um fogo brando
até que tome uma certa consistência.
(íotiiina de sellos, etiquetas, etc.
Quando se dissolve a gomma em agua com o fim
de a applicar a papeis destinados a serem collados
mais tarde, é bom juntar-se-lhe um pouco de glyce-
rina. Esta substancia impede que a gomma, depois de
secca, se torne quebradiça e evita a tendencia que,
em geral, teem as etiquetas gommadas a enrolarem-
se, quando n’ellas se escreve.
o POETA DA RAINH \
35
Para este fim reuniu na sua mala todas as
joias que possuia, entrando n’este numero até alguns
copos de ourivesaria que se achavarn no seu quarto
e que tinham gravadas as armas da familia, e
isto com o intento ' irreverente de se servir d’elles
para pagar as despezas, ou para beber todos os qua¬
tro costados da sua nobreza sobre o tonel da
primeira estalagem.
Para este fim reuniu na sua mala. . .
Ás seis horas, William, tendo chegado primeiro,
estava já á porta do theatro.
Viu chegar lord Clarisson que, conforme o cos¬
tume, lhe deu o cavallo a segurar. Uma irritação
interior o fez estremecer ligeiramente e empalli-
decer ao pegar na rédea d’este cavallo e ao rece¬
ber as ordens do insolente barão.
Bem depressa chegou também .a formosa Isa-
36
COSMOS
bei montaâa n’iima mula ricamente ajaesada. Wil-
liam sentiu-se de novo surprezo de admiração, quan¬
do as luzes da rotunda reverberaram sobre esta
bella creatura, no momento em que se apeava de um
salto, lançando com extremo garbo a rédea sobre
o pescoço do animal.
Porém, ao mesmo tempo pareceu-lhe que lhe
roçavam pelas orelhas estas phrases, em que a
nobre donzella resumira sua opinião a respeito dos
homens do povo, essas gentes não são da mesma es-
pecie que nós, e que ella houvera tido o trabalho
de formular expressamente por sua causa. Era
realmente para admirar que uma mulher estranha,
que só uma vez passára diante d’elle, houvesse
inspirado ao pobre escholar tão apaixonada admi¬
ração e ao mesmo tempo um sentimento de tão
funda raiva.
Mas William não reflect’a na singularidade d’estas
sensações; elle estava na edade em que se sen¬
te de sobra para haver tempo de analysar.
Passados alguns minutos, Henrique, que havia en¬
trado para dentro do theatro com a familia, saiu,
sem darem por isso, e veiu reunir se ao seu compa¬
nheiro de viagem.
Toda a concorrência estava já dentro da rotunda ;
03 dois amigos acharam-se por isso quasi sós de¬
baixo do tejadilho do rústico theatro.
Eram 7 horas, a noite vinha a cerrar de todo.
— Anda depressa, disse Henrique, montemos a
cavallo e partamos rápido como o vento, porém
mais silenciosos que elle.
■o POETA DA RAINHA
37
— E para que lado ? perguntou William,
— Se queres que te diga, não sei ; a terra é ta-
niau 1 1 que mc vejo enleado na escolha
— Os passaros vão ao mar quando teem sede,
e ao bosque quando a chuva aperta, mas nós que
não sabemos se o nosso futuro será de nevoa ou de
sol, temos difficulda^de em adivinhar qual é o lado
que nos convém.
— Vamos á tôa depois escolheremos o caminho.
Quando se deixa um logar sem fazer despedidas, o
que importa é partir antes de pensar em chegar.
— Parece-me, Henrique, que tu trouxeste o me¬
lhor cavalio das tuas cavallariças, e que poderá
levar-nos a nós ambos. Hei-de gostar d’esse modo
de viajar. Este càvallo, que vae transportarmos
a nós dois, será o emblema do destino que vae
de ora-avante reunirmos.
— E a mim que me agradam immenso os sym-
bolos, William, principalmente quando são tão for¬
mosos como o teu espirito sabe creal-os; mas como
estamos em via de achar outros, o melhor é re¬
nunciar esse. Tu vaes simplesmente montar Júpi¬
ter, o bello cavalio de Lord Clarisson, e eu o
meu. Assim iremos mais depressa, e fará melhor
figura cada um montado na sua cavalgadura, quando
chegar a qualquer estalagem, do que apresentando-
lhe a triste imagem do cavalleiro em duplicado.
— Tens razão. E d’este modo, lord Clarisson
voltará a pé para a sua baronia, e folgarei muito
confesso-te, de saber que elle teve de atravessar
caminhos enfestados de lobos e com agua até ao joelho.
38
COSMOS
WijJiam cavalgou Jupiler, que se prestou com
docilida|(ie a esta substituição de cavalleiro, por¬
que ganhava uma carga notável de menos, e depois
os dois mancebos partiram a galope.
III
A fuga
Tudo correu á maravilha n'esta primeira noite
de viagem.
Os dois fugitivos só encontraram campinas de¬
sertas, casas fechadas e mergulhadas em somno ;
a nevoa, destendida pela estrada, e a humidade
da terra que ensurdecia os passos dos cavallos,
faziam do caminho todo um mysterio áquelles que
só exigiam o esquecimento e o affastamento de
todas as vistas Além d'isto, a extranheza do suc-
cesso lhe subia ao cerebro, e o prazer, como as
esperanças, redobravam para elles.
Ao irradiar do dia, estavam já os dois viajantes
tão longe de Stratford, que não receavam ser
conhecidos.
Informaram-se dos camponezes dos sitios onde se
encontravam. O condado de Warwick estava quasi
a desapparecer ; o Saverne, que se descobria a
pouca distancia, a correr entre cêrros arborisados,
tinha a oeste a montanha que sustem a bonita
cidade do Ludlaw e ao sul os limites do paiz
de Worcester.
Henrique e William deliberaram-se por esto ul-
o POETA DA RAINHA
39
timo condado, porque a estrada que lá ía dar era
-orlada de álamos,, e circulava por entre collinas
verdejantes, ao par que os outros pontos do hori-
sonte que se descobriam não apresentavam á vista
senão plainos monotonos.
Em seguida a um solido almoço, p.jz^r,im-se a
oammho.
A unica alegria da partida bastára para entreter
.a noite de encantos; e agora, que se patenteavam
á claridade do dia estas bellas campinas de que
faziam a conquista, os objectos de prazer e assom¬
bro renovaram-se de continuo em cada aspecto
■da paizagem que observavam, voando sobre seus
ligeiros cavallos: a cada valle, castello, praderia,
ou moinho que abraçavam com os olhos e enflo¬
ravam com a phantasia, reputavam-se ditosos e
altivos como um general que acabasse de sub-
metter mais um território.
Cêrca do meio dia chegaram ás margens jdo Sa-
verne, em frente da ponte que os levava ao condado
de Worcester.
Á borda de um braço de rio, que se adiantava
.ante seus passos, via-se um alberguesito e algumas
barracas de pescadores.
O primeiro cuidado dos nossos viajantes foi tra¬
tarem de se restaurar de novo.
Depois o mais prudente seria proseguir a mar¬
cha, mas aquelles sitios eram tão aprasiveis, que
■cederam ao desejo de os examinar miudamente,
e de começar d’esta sorte o seu papel de viajantes
artistas. ' -
40
COSMOS
Treparam, por clareiras tortuosas, a um cerro
que dominava a corrente, e de lá avistaram uma
vasta extensão do território que íam percorrer.
'O panorama era grandioso e severo, enormes
penedos alevantavam os cimos por entre vastos
estevaes, parecendo assim opporem-se a que, a cul¬
tura invadisse seus campos silvestres. Ao fundo do
horisonte estendia-se uma floresta tão alta e espessa,,
que se percebia visivelmente datar dos primeiros
tempos do mundo, e dir-se-hia que a sua verdura
monumental havia sido ennegrecida pelo habito
queimador dos séculos.
A direita via-se um castello roqueiro, cuja archi-
tectura massiça parecia competir em força e im-
mobilidade com os carvalhos seculares que o en¬
volviam; e á esquerda erguia-se um outeiro coberto
de minas informes, de que seria difficil fixar a
existência decorrida, e que amostrava a sua tris¬
teza sem ser possivel advinhar-lhe a causa.
Mas se quadros taes, tamanhos ante os olhos
como ante o pensamento, attrairain a curiosidade e
contemplação dos dois amigos fugidos pela primeira
vez dos limites da sua terra, outro objecto chamou
ainda por mais tempo a sua attenção.
E não era mais nada do que a pobre bar-
raquinha de um pescador, edificada na praia ,onde
elles se tinham apeado. Porém, á janella d’esta
casinha, voltada para o lado do rio, estava uma ra¬
pariga, a mais linda de todas que traziam em Wer*
wickshire toucado de rendas pretas e corpete der
pyanno vermelho.
o POETA DA RAINHA
4Í
Estava elia entretida em tecer uma erurnie rede,
e maneava agilmente a lançadeiia entre as malhas,
sem Itevantar a vista do trabalho. Prendiam-lhe
a ligeira touca, alfinetes de ouro encravados no
cabelkí do mais fino ébano; e o escarlate da
romeira realçava-lhe o talhe tino e arredondado.
Uma videira novinha, serpeando em volta da ja-
nella, emrnoldorava esta graciosa figura.
As aguas serenas e limpidas do rio espelha¬
vam com uma exactidão perfeita as perfeições d’es-
ta formosa creatura e os arabescos de verdura que a
circundavam.
Os dois mancebos olhavam encantados para esta
dupla imagem, e saboreavam o seu aspecto de¬
licioso.
— Sabes tu em que eu penso, PI enrique? disse o
joven Shakspère ; penso em que, tanto que qualquer
de nós haja encontiado a mulher que deve amar,
será necessário que o seu reflexo, assim traçado
n’uma agua pura, tome corpo e alma e venha
a formar uma creatura em tudo semelhante á
primeira; porque nós temos ambos os mermos gostos
e as mesmas inclinações, e por isso importa unir
idênticas perfeições para nos agradarem de modo
egual; e assim poderiamos nós amar a mesma mu¬
lher, sem experimentar as tribulações dos zelos.
— Tu tens razão era o que convinha á nossa
felicidade , e estou certo que o cpe tu desejas,
brevemente o teremos. Não será difficil encon¬
trarmos duas jovens creaturas dignas de nós, ainda
que não sejam semelhantes como tu que-es : por
42
COSMOS -
que, eni quantu nós con\'ei'Simos de nossos fiuuros
amores, como o fizemos durante parte da viagem,
ha de se dar o caso de haverem no mundo lin¬
das donzellas que pensem no homem necessário
ii sua existência, e muno mais breve se acha quando
se procura por dois lados. Quem sabe, accrescen-
toa ellc, estendendo a mào para a encosta flo¬
rida ejin- acabavam de descer, quem sabe se esses
dois entes estarão bem perto de nósl Talvez os
vejamos descer pelas sendas chaquellas formosas
collinas, onde a natureza nada deve produzir se¬
não perfeito,
William tinha machinalmente volvido os olhos
para ac|uella banda que Henrique indicava, e viu
passar poi entre as ramadas alguma cousa verme¬
lho e brilhante.
Havia de jurar, acudiu elle, que o diabo
zomba de nós de um modo singular, e que em
logar das duas encantadoras irmãs que tu esperas,
nos envia, por esses mesmos caminhos verdejantes
que tu dizes, soldados que nos veem prender.
— E é verdade! com a brecai exclamou Henri¬
que, olhando com attenção. Vejo gorros vermelhos
de plumas pretas, e couraças de aço : são os ar¬
cheiros ao serviço de meu pae. É de certo gente
que elle envia a procurar-nos, e que nos vem aoencalso.
Ainda que os dois mancebos reconheceram dis-
tinctainente os homens d’armas, estes tinham a.n-
da muito caminho que fazer primeiro que podessem
apanhal-os, porque a clareira descia á baixa da
collina fazendo differentes voltas.
ITIadas
COMO complemento dos vaporosos e variadíssi¬
mos trajes da presente estação, a moda,
volúvel e caprichosa, apresenta-nos uma ex¬
traordinária diversidade no capitulo fchapeus, em
cuja confecção entram a palha, a crina, o tidle e
as rendas. Para enfeites usam-se as flores, occu-
pando o primeiro logar as rosas e os fructos, prin¬
cipalmente ginjas, groselhas e uvas. Mas de todos
os enfeites indiscutivelmente o mais chic, o que
não passa de moda, são as plumas de avestruz pleu~
reitses^ que constituem o mais lindo ornamento que
uma dama elegante póde usar, quer n’uma visita
de cerimonia, quer no theatro ou n’uma reunião
mundana. A desvantagem de serem bastante dis¬
pendiosas é sobejamente compensada pela sua lon¬
ga duração, especialmente quando tintas de preto,
e por embellezarem do mesmo modo um chapéu
leve, no verão, ou cLe feltro, no inverno.
São de magnifico effeito os chapéus de tulle, cuja
aba se inclina suavemente para o lado direito, com
a copa em caprichosos tufos, cercada por uma tor
8
COSMOS
i
sade de velludo. Na parte posterior, cahindo livre¬
mente duas ou mais plumas, cujos pés vão escon-
der-se n’um molho de flores.
Muito lindos, também, sao os
chapéus habillés, de abas der¬
rubadas, fórma cloche, a copa
coberta de liille, a aba guarne¬
cida de vieses de taffetas plis¬
se, com
uma gri¬
nalda de
flores em
volta da
copa.
As clo-
ches em
palha ou
crina, en¬
feitadas
a flores,
fl t a s e
plumas e
as gran¬
des ca-
pellines de palha de cór preta ou folha secca, guar¬
necidas com aves do paraiso, são bastante elegantes,
mas as ultimas tornam-se muito dispendiosas.
As carcassas dos chapéus de grande cerimonia
devem armar-se em mousseline gommada ou em
arame, forradas de tulle ou taffetas, completando a
decoração plumas e flores.
*
■f-
'l oilette em 'JWEED hejge com applicações de galáo
bordado e passementeries. Saia em pregas.,Bolei-o-
sac com peitilho e mangas de renda da Irlanda. Gr?-
vata e cinto de taffeta azul. Cliapen enfeitado a flo¬
res e fitas libertv.
pi
MODAS
9
Muitas vezes o piquet de plumas ou o bouquet
applicam-se atraz; outras, em ambos os lados da
frente collocam-se grandes chous de tulle ou de fita.
Veem-se bastante os chapéus de grandes dimensões,
mas são preferíveis os que
. ■ ■ ■ , não ultrapassam os limites do
rasoavel.
Para as crianças nao é me¬
nor a variedade nos chapéus.
Além do consagrado canotier,
sempre bonito pela simplici-
d a d e
que o
c ar a -
cterisa
veem-
se, so¬
bretu¬
do, as
capel-
lines de grandes abas, em pa¬
lha ou em crina, e as charlotes
em cambraia, nansouk ou ba-
tiste e as toucas, para as creãn-
ças até seis annos.
As capellines guarnecem-se
geralmente com flores, devendo
preferir-se as miudinhas, ou
com laçadas e torsades de fita
ou setim liberty. Nas charlotes
empregam-se rendas e entremeios com plisses.
doche de palha com grinal¬
da de flores e grandes plu¬
mas pleureuses.
Vestidinho em baliste bor¬
dada com faixa de seda
escoceza. Charlote da
mesma fazenda e com
enfeites similhantes à
faixa.
lO
COSMOS
As capelhnes Empire ou Directoire^ próprias
para vestidos de etiqueta, confeccionam-se em gase
ou inousseline de seda franzida, da côr do vestidi-
nho, ou em renda íina, branca, devendo, tanto uns
como outros, ornar-se com fitas e flores.
premiada com Mki» ■»» i>it.4T/%
iia i';xposição 4gricola de 1905, na Bleal Tapada
d’4juda
em l.eiteii puros, Manteigas c Walas ,
^ - ■
Offerece aos seus freguezes
um SEGURO DE RENDAS
vitalícias de importância
proporcional ao consumo mensal
que tiverem
Requisitar á SEDE informações que se re-
mettem de seguida.
MAZURKA DE SALON
O
£o
z
*73
H
Evidentemente a casa de espectáculos que mais
está attrahindo a attençao é o Colyseu das Portas
de Santo Antão, onde trabalha a companhia italia¬
na de opera-comica e operetta.
As companhias italianas que nos visitam são as
que, geralmente, apresentam mais novidade ; todos
se lembram ainda da bella impressão que, sob esse
ponto de vista, produziu a companhia de Tina de
Lorenzo. Além d’essa unidade, proveniente de apti¬
dões e da longa duração das tournees^ obrigando os
artistas a repetirem centos de vezes as mesmas pe¬
ças e com os mesmos interpretes, os grupos thea-
traes italianos cuidam sériamente da mise-en-scène^
apresentam as peças bem vestidas e com scenarios
apropriados.
E’ 0 que acontece com o que actualmente explora
o Colyseu. Deu-nos até agora tres peças: Os sal¬
timbancos, a Gueicha e a Cigarra e a Formiga, e
todas tres obtiveram grande exito, especialmente a
4
COSMOS
Gueicha, pela bella musica que possue, do maestro
.lones. O seu entrecho é fraco, mas como a acção
se passa no Japão o espectador impressiona-se com
os extranhos costumes que presenceia, com o quid
de misterioso que, apezar do assombroso adeanta-
mento d'aquelle império, ainda teem para nos a sua
civilisação, o seu Buddha, os seus habitantes com
denominações de flores e fructas, a sua arte amanei-
rada, tudo tão difTerente dos paizes occidentaes.
A Gueicha agradou, pois, como aconteceu aos sal¬
timbancos e depois se deu com a Cigarra e a for¬
miga. A. estrella da companhia é a sr.® Fontana,
que dispõe de voz bem timbrada, que sabe cantar e
que é notável na declamação. O resto da compa¬
nhia é excellente.
Acabou a zarzuella no D. Amélia. Ha uma sema¬
na que a empreza annunciara a ultima récita, mas
depois do annuncio ainda houve mais oito, com ca¬
sas fracas. Lá vae a sr.“ Pilar Marti cremos que para
Barcelona e o resto da companhia para vários thea-
tros de 2.“ ordem do seu paiz. Verdade, verdade, só
a sr.'’’ Pilar Marti deixa saudades
Na Trindade alguns artistas do D. Maria, junta¬
mente com outros d’aquelle theatro e ainda alguns
do Gymnasio, estão explorando o drama. Até agora
deram-nos o Aimrento, uma das coróas de Ferreira
da Silva, e a Rosa engeitada, corôa também de
Adelina Abranches. O publico não tem correspon¬
dido aos esforços do grupo, o que muito bem se ex¬
plica: as noites estão quentissimas, a epocha não
vae para dramas e coisas sérias, e no proprio thea-
REVISTA THEATRAL
5
tro da Trindade ha um animatographo a meio tos¬
tão a entrada.
Reabriu a rua dos Condes com uma companhia
de operetta dirigida por Pedro Cabral, levando á
scena o Moleiro d’Alcalá; vae reabrir o Avenida;
para o Gyrnnasio, que fecha gloriosamente com o
Cão e o GatOy annuncia-se um animatographo; no
Prmcipe Real continua o O’ da guarda a fazer as
delicias do publico, que ri a bandeiras despregadas
.quando o Alfredo de Carvalho muda o s em jr; para
o Real Colyseu passaram os luctadores, d’esta vez
sem concorrência, o que parece significar que o pu¬
blico começa a ter juizo.
E d’aqui se deprehende um facto celebre : é que
sendo verão ha mais theatros abertos do que no in¬
verno ! O resultado prevê-se, mas estamos convenci¬
dos de que não haverá emenda. Parodiando uma
phrase franceza conhecida — um empresário de ve¬
rão encontra sempre um capitalista que o admira. E
o capitalista cae, que é um regalo.
I
'r
cootnDuiçã!) pezadissina pam as liibitaiite k Lisboa.
OI_D EZIMOL-AIMD
Rua Augusta— PRÉDIO TODO— Rua de S. Nicolau
m Preparado pelo seu auctor
AlilOlilO DIAS AMADO
(
Pharmaceutico
pela Universidade de
Coimbra
Membro da Sociedade
de Medicina de Paris
Indigitado pelas
prineipaes sumidades
medicas
da Europa B da America
d
Deposito Geral em Lisboa: PHARMACIA DO AUCTOR
Praça de S, Paulo, 20, 2í, 22
Porto - PHARIVIACIA ALMEIDA EONHA-Rua Formosa, 333
0 italiano sem mestre
0 alphabeto italiano contém vinte í
a saber :
; uma letras (*),
A
B
C
D
E
F
Pronuncia-se: a
bê
txi
dê
e
e/e
dgi
H
I
L
M
íí
0
P
Pronuncia-se: áca
/
éle
eme
éne
0
pi
Q
R
S
T
U
Y
L
Pronuncia-se: cu
erre
esse
ti
u
vê
d\éta
Na lingua italiana não ha diphtongos nem sonsna-
saes; as letras com que se compõem as palavras pro¬
nunciam-se todas bem distinctamente; as vogaesteenf
sempre o som aberto, mas sem exagerar este som
n’aquelias em que não recáe o accento tonico, e, so¬
bretudo, nas que terminam as palavras, e as consoan¬
tes teem geralmente o mesmo valor qúe em portu-
guez. Devemos fazer notar que em italiano são vul-
(') Em italiano emprega-se ás vezes o j com o valor de i longo,
mas é rarissimo e o seu usp vae-se toçnando cadaj^ez mais restricto,
4
COSMOS
gares as palavras de consoantbs dobradas e que os I
italianos pronunciam as duas, a primeira muito mais
rapidamente que a segunda. Isto é porém para nós
muito difficil, e o melho; é não nos preoccuparmos
com esta particularidade, tanto mais que a falta de
pronunciação da primeira das consoantes não é muito
perceptivel.
Ch pronuncia-se, em italiano, como k; gn como
nh; gl, antes a, n, u como em portuguez e antes de
e, i como IIi; s, entre duas vogaes, como p; .fce, sck
lèem-se xc xi; g, antes de u, o, ii e h, como em por- i
tuguez e antes de e, i como dj, deixando-se perceber
muito mal o d; cíj, cio, chi como txa, txo, txii, dei- ;■
xando perceber o t apenas muito bgeiramente ; 7 tem '■
dois sons; um, forte, como ts, outro mais doce como i
dp; a pratica ensinará depressa quaes as palavras em |i
que o 7 tem o primeiro som e aquellas em que tem o I '
segundo. i|'
Estas regras não soffrem excepções. |i
Em italiano, na conversação, as pessoas que se não j;
tratam por tu, tratam-se na 3.® pessoa do singular, ü
como em portuguez, com a differença de que não ha,
como entre nós, uma enorme variedade de tratamen¬
tos; em italiano ha só dois: lei para o geral das pes¬
soas; ella para as pessoas que desempenham cargos
de alta consideração social, como ministros de es¬
tado, bispos, etc.
Lei e Ella são variações femininas do pronome
pessoal da 3.® pessoa do singular. Exemplo; Você
tem. Lei ha. . V. Ex.® quer... Ella vuole...
Não é demais insistir em fazer notar que aquellas va-
Ô ITALIANO SEM MESTRE
5
riações femininas Lei e Ella do pronome pessoal da
3.“ pessoa do singular, se empregam, nas condições
indicadas acima, qualquer que sej"a o sexo da pessoa
com quem se falia.
Em italiano os pronomes pessoaes antep5em-se ou
não aos verbos nas mesmas condições que em portu-
guez.
Exercício — Vocabulário
Italiano
Traducçâo
Pronuncia
11
0
11
La
A
Lá
11 pane
0 pão
11 pánê
11 burro
A manteiga
11 búrrô
11 coltello
■ A faca
11 coltéllô
La forchetta
0 garfo
Lá forkétâ
11 cucchiaio
A colhér
11 cuckiáiô
11 piatto
0 prato
11 piáttô
11 bicchiere
0 copo
11 bickiére
La bottiglia
A garrafa
Lá botílhiâ
0 artigo i
7 antes das palavras
que começam
vogal ou z converte-se em lo. Tanto em lo como
/u, substitLie-
■se, antes das palavras que começam
vogal, 0 0 e
o a por uma apostrophe.
Exercício — Vocabulário
Italiano
Traducçâo
Pronuncia
L’olio
0 azeite
L’óliô
L’aceto
0 vinagre
L’acétô
L’acqua
A agua
L’ácua
6
COSMOS
Lei ha bevuta
Tacqua
Lo ZLicchero
L’inchiostro (masc.)
Lo zio
Você bebeu a
agua
O assucar
4 tinta
O tio
Léi há bevúta
Tácua
Lô tsúkêrô
Lbnkióstrô
Lô tsíô
Com a aprendizagem da pronuncia e com as pala¬
vras que ahi apresentamos e que o leitor fará bem
em escrever varias vezes, não só para as fixar, mas
para ir aprendendo a ortographia italiana que, como
a nossa, escapa a quaesquer regras, tem o sufficiente
para uma primeira licção.
HISTORIA E GEO&RAPHIA
O império portuguez na Índia
Affonso d’ Albuquerque
Lance-se os olhos sobre uma carta da Asia, con¬
temple-se a costa asiatica do Indico, abran-
jam-se com a vista os principaes pontos so¬
bre que assentou o império portuguez na índia no
século XVI e recordem-se alguns dos factos mais
notáveis d’esse glorioso período ; ninguém poderá
furtar-se á sensação de estar sonhando. Chega-se
até a duvidar da Historia.
Um sentimento de profundíssima admiração pelo
homem que concebeu, planeou e executou com re¬
cursos insignificantes tão gigantesca obra substitue
logo no nosso espirito aquella primeira impressão,
e a personalidade de Affonso d 'Albuquerque toma
a nossos olhos tamanhas proporções que sem hesi¬
tação lhe assignamos o primeiro logar na nossa His¬
toria e o collocamos a par, pelo menos, dos maio¬
res capitães do mundo antigo e moderno. E se con¬
siderarmos o actual império britannico na índia
convencer-nos-hemos logo de que só prestamos jus¬
tiça a Affonso d’Albuquerque. O que este grande
homem concebeu, planeou e executou no principio
10
COSMOS
do século XVI ainda hoje, decorridos 400 annos,
tem a consagração dos factos. Póde-se affirmar que
os pontos principaes sobre que Albuquerque assen¬
tou o império na índia ainda hoje são os mesmos:
se não é Gôa é Bombaim, poucas léguas ao norte,
se não é Malaca é Singapura, poucas léguas a sues¬
te e se não é Ormuz é Aden, substituição imposta
pela abertura do canal de Suez, que fez perder ao
golpho pérsico toda a sua antiga importância. Mas
também Affonso d’Albuquerque lançou no século
XVI as suas vistas para Aden, também elle sonhou
a ligação do Mar Vermelho ao Mediterrâneo por
meio de um canal que da bacia hydrographica do
Nilo viesse ás costas da Abyssinia. Marinheiro au¬
dacioso, militar valente, estrategista consummado,
possuindo profundos conhecimentos geographicos e
da historia e costumes dos povos orientaes um ta¬
cto político e tino administrativo extraordinários,
d’uma energia ferrea que chegava á dureza, d’uma
severidade de costumes que podia servir de modelo
a um santo, parecia viver n’um mundo diíTerente
d’este, acalentando os seus grandiosos planos, para
cuja execução dobrava, submettia tudo a todos.
Tinha cóleras terríveis, de louco furioso,' mas
como não havia de ser assim se em volta de si só
via homens, valentes, é certo, mas educados numa
escóla de pirataria, desmoralisados pela cubiça do
ouro, pelo desejo desenfreado de enriquecerem rapi¬
damente e portanto incapazes de comprehenderem
a gigantesca obra em que elle se empenhava ? !
De edade avançada, pois contava 56 annos quando-
tomou conta do governo da índia, tinha a ousadia
dos novos e a reflexão que natoralmente lhe dava a
experiencia dos annos. O seu procedimento era regu-
-lado pelas circumstancias ;duròe cruel, mesmo, quan-
necessario infundir terror, el!e sabia ser gene-
Affonso d’Albuqiierqi:e
roso e bom quando o interesse do estado assim ]h’o
aconselhava.
Antes mesmo de ser o governador da índia, quan •
do era simples commandante da esquadra do cru¬
zeiro, na ilha de Socotora, começou a dar execução
ao seu grandioso plano. Desprezando a pilhagem das
naus de Meca, dirigiu-se com o pretexto de se abas¬
tecer de mantimentos, para o golpho de Ouran. Pas-
COSMOS
I 2
sando pela costa da Arabia foi semeando o terror,
submettendo peias armas successivamente Curiate,
Mascate e Orfacate. A sua crueldade foi tal que
mandou cortar as orelhas e o nariz aos prisioneiros.
Entrava isso nos seus planos, O seu objectivo era Or-
muz e preciso era que, quando lá chegasse, já o ti¬
vesse precedido a fama da sua crueldade e do terror
que infundia.
Ormuz era n’esse tempo uma das cidades mais flo¬
rescentes de toda a Asia. Situada na ilha do mesmo
nome, á entrada dõ golpho Pérsico e junto da costa
da Pérsia, constituia com a ilha um reino quasi intei¬
ramente independente, pois que apenas pagava ao
Schad um tributo annual. A sua magnifica situação
fez d’ella o emporio de todo o commercio entre o
Oriente, a Pérsia e o Mediterrâneo.
Aftbnso d’ Albuquerque depressa se assenhoreou
de Ormuz, mas abandonado por tres dos seis navios
que tinha sob as suas ordens, teve que regressar á
índia, a caminho da qual ainda lhe fugiu outro na¬
vio, o commandado por João da Nova.
Chegado a Cochim e assumindo o governo depois
de varias peripécias provocadas pelo estado d’alma
especial em que se encontrava o vice-rei D. Francis-^
CO d’Almeida por causa da morte de seu filho D. Lou-
renço, Aífonso d’Albuquerque voltou as suas vistas
para Gòa — que era então também uma cidade mui¬
to florescente, Mtuada no reino de Dekkan, na pe-
ninsula do Industão e governada por uma especie de
senhor feudal chamado Hidalkhan.
Affonso d’Albuquerque conquistou a cidade em fe _
HISTORIA E GEOGRAPHIA
l3
vereiro de iSio, que foi retomada em maio d’esse
anno por Hidalkhan, até que em novembro do mesmo
ainda foi reconquistada e desde então não mais dei¬
xou de fazer parte- do dominio portuguez.
Conquistado o centro do futuro império, faltava
a Affonso d’Albuquerque apoderar-se dos dois pon¬
tos que n’aqu5lle tempo dominavam as linhas com-
merciaes do Indico; um era Ormuz, de que já fal¬
íamos, outro era Malaca, na peninsula do mesmo
nome. Foi para esta que o grande conquistador se
dirigiu em i5ii. Malaca era n’esse tempo uma ci¬
dade de cem mil almas que dominava os estrei¬
tos do mesmo nome e monopolisava o commercio
do Extremo Oriente. O ataque durou tres dias e foi
com certeza o ■ mais renhido que Aflfonso d’Albu-
querque teve que sustentar em toda a sua vida,
inas a victoria final pertenceu ao grande capitão,
apezar de se encontrar com forças em numero muito
inferior ao inimigo.
A conquista de Malaca devia ser gravada com
letras de oiro na historia patria ; é, sem duvida, um
dos feitos que mais frisantemente attesfa o valor
dos portuguezes. A’ volta de Malaca Affonso de Al¬
buquerque naufragou, perdendo nonaufragioq leões
de bronze, unico despojo que do saque da cidade
quiz para si e que destinava ao seu tumulo.
Nos principios de i5i3 dirigiu-se para o occidente
e, tentando a conquista de Aden, como nao tivesse
conseguido tomal-a, percorreu com a sua esquadra
o Mar Vermelho, semeando o terror nas costas da
Arabia e da Abyssinia, chegando quasi a Suez. Se-
■4
COSMOS
■!
guiu depois para o golpho Pérsico e novamente con¬
quistou Ormuz, ' mandando assassinar Bas Almeed,
primeiro ministro do rei d’aqnelle Estado, o que, de
resto estava nos costumes da epocha.
No regresso para Goa soube que o rei D. Manuel
o tinha mandado substituir no governo pelo seu ini¬
migo Diogo Soares de Albergaria, o qual vinha do
reino acompanhado de quasi todos os capitães que
tinham desertado ou que tinham sido castigados por
elle. h^oi essa ingratidão que o fez exclamar : «Mal
com os homens por amor do rei, mal com o rei por
amor dos homens». E á entrada da barra de Gòa, a
i() de dezembro de i5i6, fallecia o maior, o mais ex¬
traordinário homem da nossa historia.
A sua falta fez-se sentir desde logo; o império por-
tuguez na índia começou a caminhar para a deca¬
dência. A maioria dos successores de Affonso d’ Al¬
buquerque não estava á altura nem ao menos de
conservar e defender a obra d’aquelle extraordinário
genio.
Ai*te GUlinaMa
Se ha prenda que uma boa dona de casa deva pos¬
suir, é, sem duvida, ô conhecimento dos segredos
da cosinha.
Não julgueis gentis leitoras que vos quero ver á
chaminé a abanar o lume ; rosto afogueado, mãos a
cheirar a cebolla e o cabello crestado pelo calor do
fogão. Nada d’isso.
A educação da mulher, esse problema tão discu¬
tido e no fim de contas, de tão facil solução, consiste
muito principalmente no conhecimento consciente
d’esse conjuncto de pequenas coisas a que andam
ligadas a arte, a sciencia, o amor e o critério, e que
faz da mulher essa creatura ideal e superior a que se
chama uma boa mãe, uma boa esposa e uma boa
dona de casa.
A sala não é incompativel com a cosinha. Assim,
amaveis leitoras, tereis occasião de encontrar aqui
alguns elementos para augmentardes a vossa pre¬
ciosa bagagem de boas ménagères. Vá lá o fran
cez. . .
lô
Cosmos
A organisação d’uma boa ementa fnunu dos fran-
cezes) é uma das maiores difficuldades da culinaria.
O Cosmos ofFerece-vos cinco, para escolherdes, de
modestos, mas saborosos jantares. Primeira :
Sopa de aletria em caldo de carne.
Pescada guizada.
Carne á jardineira.
Esparregado de ortigas.
Pudim de limão — Fructas.
— Minha ^enho^a, a carne á jardineira
está excellente, graças ao refogado que fiz
A confecção d’um jantar assim constituido é extre¬
mamente simples.
A sopa faz-se deitando a aletria, préviamente bem
lavada, em agua a ferver e deixãndo-a em fervura
uns dez minutos e, se se quizer, pode-se juntar-lhe
um pouco de queijo ralado que lhe dará um sabor
especial muito agradavel.
• ÀRtÈ CULINÁRIA
1 I
Para guisar a pescada^ tira-se-lhe a cabeça que se
pode reservar, se assim se quizer, para um arroz de
peixe, parte-se em postas que se abrem a meio, e
tira-se-lhe as espinhas. Faz-se um refogado com
azeite, cebola e salsa picada e deita-se na caçarola
com as postas da pescada, junta-se-Ihe um caldo de
farinha de trigo feito em agua e pimenta, põe-se ao
lume e deixa-se apurar.
Para a carne á jardineira aproveita-se a carne que
serviu para fazer o caldo.
N’um refogado de banha deita-se agua, uns peque¬
nos bocados de cenouras, nabos e feijão verde e
põe-se tudo ao lume a apurar. Deita-se-lhe depois a
carne cosida e conserva-se ao fogo por mais uns cinco
minutos.
Um esparregado toda a gente sabe fazer. O de orti¬
gas temperado com manteiga é delicioso.
O pudim de limão é de facil confecção. Lava-se o li¬
mão, raspa-se-lhe a casca e mistura-se esta no sumo do
mesmo, junta-se assucar até ficar bastante doce e
oito claras d’ovo ; bate-se muito bem, adicionam-se-
lhe oito gemas d’ovos batidos; liga-se tudo, deita-se
na fôrma e leva-se ao forno.
Segunda :
Sopa de feijão á italiana.
Lulas recheadas.
Mãosinhas de carneiro com molho de tomates.
Salada de rabanetes e beterrabas.
Fructas.
12
COSMOS
Cosendo-se o feijão em pouca agua e juntando-se-
lhe, quando estiver quasi cosido, um bom bocado de
manteiga e a parte amarella da casca d'um bmão,
deixando ferver tudo até coser bem, ter-se-ha feito
uma boa sopa de feijão á italiana^ que se póde ser¬
vir, depois de lhe tirar a casca do limão.
Para fazer as lulas recheadas escolhem-se lulas pe¬
quenas; tiram-se-lhes as cabeças para vasar os sac-
cos que hão de ser recheados com os tentáculos, azas,
etc., que depois de cozidos se pizam e se deitam jun¬
tamente com gemmas d’ovos e sumo de limão n’um
refogado d’azeite feito áparte.
Com esta mistura enchem-se os saccos, cosem-se
na bocca com linha forte e mettem-se em agua a fer¬
ver por algum tempo; depois tiram-se da agua, en¬
xugam-se, envolvem-se em ovo batido e pão ralado
e poem-se n’um tacho a frigir. Servem-se com molho
de fricassé.
As mãosinhas de carneiro cozem-se e depois sal¬
teiam-se em manteiga misturada com farinha, sal e
pimenta e servem-se com molho dé tomate.
A salada de rabanetes e beterrabas é magnifica
para acompanhar este prato.
Terceira
Sopa de côdeas fritas, em caldo de carne.
Pescada cosida com batatas, á portugueza.
Pastellão de carne com ovos.
Salada de tomates e pimentos.
Fructas.
ARTE CULINARIA
l3
Fritam- se as côdeas de pão em manteiga, cortam-se
regularmente e deitam-se n’uma terrina sobre a qual
se lança o caldo da carne. DeLxa-se embeber o pão e
serve-se.
O linguado é feito com molho
Pescada colida com batatas à portuguesa toda a
gente sabe cosinhar.
A carne que serviu para o caldo aproveita-se para
o pastellão com ovos-, que sè serve com molho de
manteiga, acompanhado de salada de tomates e pi¬
mentos.
Quarta :
Sopa de grão com espinafres e bacalhau, á hespa-
nhola.
Croquettes de bacalhau.
Linguado frito com molho de manteiga.
Iscas de íigado á portugueza.
Broculos cosidos com azeite e vinagre,
Fructas,
'4
COSMOS
Esfrega-se o grão, préviamente demolhado, em sal
grosso para lhe tirar as pelles, lança-se em agua fer¬
vente e juntamente algumas postas de bacalhau e tem¬
pera-se em alhos e louro, mettidos n’um sacco de rede
para se poderem tirar. Quando o grão está quasi co¬
sido deitaiT-se os espinafres cosidos e bem espremi¬
dos., Lança-se mais : azeite, salsa, cebola picada e pi¬
mentos sem pelle nem sementes.
Ti ram-se os alhos e machucam-se n’uma fatia de
pão frito em azeite. Deita- se a fatia na panella com
pimenta e açafrão em pó. Desfaz-se n’um pouco de
caldo uma porção de farinha e deita-se para engros¬
sar a sopa.
Antes de ir para a meza deita-se-lhe uma gema de
ovo misturada n’um pouco de caldo.
Croquettes de bacalhau.
Faz-se uma massa de picados de bacalhaxt, alhos e
salsa, bastante esmagada e pimenta em pó. Faz-se
aparte um caldo cozido de leite, farinha e manteiga;
deita-se este caldo na massa, mexe-se bem, tira-se do
lume e depois de fria estendem-se os croquettes em
ovo batido e pão ralado e frigem-se.
Linguado frito com môllio de manteiga.
Iscas de Jigado á portuguesa com rodellas de batatas.
Broculos comidos com aceite e vinagre.
São tão conhecidos e simples estes tres últimos
pratos, que julgamos ocioso occupar-nos d’elles.
Quinta :
Sopa d’arroz em caldo de polme (puréej de cenoura.
Pargo frito,
ARTE GTJLÍNARIA
r5
Lombo de vacca assado.
Salada de chicória.
Fructas.
Para a sopa reíogam-se em manteiga rodellas de
cenoura, nabo e ceboüas ; junta-se-lhes um litro de
agua e sal e quando estiver tudo cosido passa se pelo
passador. Lança-se o caldo n’uma caçarolla, deitam-
se-lhe umas cem grammas d’arroz e ferve-se até este
ficar cozido.
O lombo de vaca para ficar saboroso deve ser lar-
deado com tiras de toucinho. Este prato' guarnece-se
com batatas fritas ou com bataté {purée de batata)
ENCYCLOPEDIA
9
sentou a Sublime Porta nas conferencias de Vienna,
sendo depois nomeado novamente Grão-Vizir, appli-
cando então o celebre hatt-i-chérif de Gulhané^ de
i8 de fevereiro de 1856, em favor dos christãos
Após a guerra da Crimêa foi enviado como pleni¬
potenciário do seu paiz ao congresso de Paris, onde
defendeu com calor e muito talento os interesses da
sua patria, assignando por fim o tratado de paz (3o
de março de i856).
Quando o sultão da Turquia, Abd-Ul-Aziz, em-
prehendeu, em 1867, uma viagem a Paris e Londres,
o Grão-Vizir Aali-Pachá ficou regente do império e
durante a sua regencia combateu a insurreição de
Creta, indo pessoalmente áquella ilha em 1868 para
a pacificar.
Este notabilissimo homem de estado, que nos seus
ocios cultivava a poesia, morreu sem poder implan¬
tar no seu paiz as reformas liberaes reclamadas pe¬
los elementos avançados turcos e cuja necessidade
elle julgava impreterivel.
Aalsineer; povoação hollandeza, na provinda da
Hollanda septentrional, a 14 kilometros a sudoeste
de Amsterdam, sobre a margem oriental do lago
secco de Harlem. Tem q.Soo habitantes, uma egreja
catholica, um templo calvinista e um hospital.
'Aalst, nome de duas povoações hollandezas, uma
na provinda do Brabante do Norte e outra na pro-
vincia de Güeldres.
Aaltcu, importante povoação hollandeza, na pro¬
vinda de Güeldres, com 6.800 habitantes e uma in¬
dustria fiorescentissima de tecidos e cortumes.
10
COSMOS
Aalts ou Aelst, (Herberto van); pintor hollandez
nascido em Delft, em 1602 e morto em i658. Deixou
obras de certo valor que, na sua maior parte, se en¬
contram hoje no palacio do rei da Baviera e nos mu¬
seus de Dresde e de Berlim.
Aalts ou Aelst, (Guilherme van) ; pintor hollandez,
sobrinho do anterior, ao qual se avantajou em mé¬
rito artistico.
Dedicou se especialmente á pintura de flores e fru-
ctos e muitos dos seus quadros pódem ser hoje con¬
templados nos museus de Munich e da Haya. Nasceu
em Delft em it.3o e morreu em Amsterdam em 1679
Aaiii, sub. inasc.\ (em dinamarquez aam ; em alle-
mão ahni ; em island"“z avia ; em inglez aam., aum e
aivm) ; antiga medida de capacidade para liquidos,
muito usada na Hollanda e em alguns pontos da Bél¬
gica. A sua equivalência no systema métrico decimal
é de 155,224 litros para vinhos e aguardentes e de
de 145,5225 litros para azeites.
Aaiiiadt ou Aamodt, povoação noruegueza, da pro¬
víncia de Hedemarken, no sul da Noruega. Tem uma
população de 3. 000 habitantes.
A’ainêr ou A’aiiiêr-amir, subs. masc.; nome de
muitas tribus arabes que se ancontram no Hedjaz e
no Nedjed, planuras do [Euphrates e na alta Nubia,
no Soldão, na Argélia, etc.
Aainodtf vi d. Aaiuadt.
Aanha, nome d'uma antiga e pequena cidade situa¬
da nas margens do Euphrates. Destruida pelo impe¬
rador Juliano, nunca mais recobrou a sua antiga im¬
portância.
ENCYCLOPEDIA
! I
Aanathutii, Antiga cidade da Judeia, patria dopro-
I pheta Jeremias, que era situada no território da tribu
• de Benjamin, a 24 kilometros de Jerusalem.
laudyk, povoação hollandeza da provincia da Hol-
j landa septentrional, com uma população de 2.5oo
habitantes, situada perto do Zniderzée, a 5 kilome¬
tros para E de Medemblik.
Aauíwel, nome que dão os naturaes da ilha de
4 Amboina a uma planicie conhecida em botanica por
dcemonorops calapparius e que os malaios designam
- Rotang calappa.
Âaakú provincia do Japão, na ilha Nippon ou Hon-
’ do, pertencente ao principado Yedo.
Aauâ, nome dado no Industão ás Tenninalia alata
V de Roth, .arvore da familia das combretaceas, cuja
f scaca é muito empregada n’aquella peninsula como
I adstringente e febrifugo.
Aaatgitch, s. m,; gamo da índia. Também se dá
' este nome a uma especie de ganso que vive na pe-
■ ninsula de Kamschatka e que não é outro que o
Anas liyemalis, de Linneo.
Aar, é o maior dos rios exclusivamente suissos
Nasce nas geleiras da vertente norte do Gn?nsel, por
1877 metros de altura. E’ um dos affluentes do Rhe-
no, no qual se lança pela margem esquerda em frente
de Waldshut, depois de um percurso de 278 kilome¬
tros, no qual recebe muitos affluentes entre os quaes
o Emmen, o Reuss e o Limmat, na margem direita,
e na margem esquerda o Lutschine, o Kander, o Sa-
rina e o Thiè!e.’Devido á grande quantiaadejde’agua
que lhe levant estes diversos affluentes, o Aar é maior
12
COSMOS
do que o Rheno, de que afRuente, no seu ponto de
encontro.
A bacia hydrographica d’este importante rio suisso
abrange 1.750.000 hectares de terreno, dos quaes
48.480 são occupados por geleiras.
Um pouco abaixo da sua nascente fórma a famosa
cataracta de Handeck, de 76 metros de altura, ba¬
nha depois Megringen e o valle de Hasli, atravessa o
lago Brienz, banha Interkalen e atravessa o lago
Thum.
Navegavel desde a sahida d’este lago, o Aar con¬
torna a cidade de Berne e banha em seguida Aarberg,
Soleure, Aarburg, Olten, Aarau e Brugg. E’ su¬
jeito a cheias frequentes que damnificam muito as
plantações dos terrenos das suas margens.
Sob o ponto de vista militar tem este rio uma gran¬
de importância. A 6 e 7 de agosto de 1799 o archi-
duque Carlos tentou a sua passagem em Deltingen,
pretendendo com esta operação separar as duas ala¬
do exercito francez e cortar as communicações a Mas-
sena. Apezar, porém, de todos os esforços emprega¬
dos, a passagem não pôde effectuar-se e a chegada
de Ney e Hendelet obrigou o archiduque a renunciar
á empreza sem combate.
A bacia hydrographica do Aar e alguns dos terri
torios adjacentes constituem o que na geographia
militar se designa por theatro de guerra do Aar^
abrangendo toda a região comprehendida entre o
Rheno, desde o lago Constança a Basilea ao norte,
a cordilheira de Jura a oeste, o lago de Genebra, os
Alpes Bernezes e 0 Crispalt ao sul e o Rheno desde
ENCYCLOPEDlA
l3
Sargans ao lago Constança a leste. Esta região liga-
se com o theatro de guerra do Rheno médio e com
a zona da margem direita do Dannbio pelos montes
de Confetança ; com o Rhodano inferior pelos territó¬
rios que circumdam d’esse lado o lago de Genebra e
com o Saona pelo comprido passo de Belfort e pe¬
las collinas e montanhas baixas do Jura septentrio-
nal .
A maior ou menor altitude dos Alpes centraes e
das suas ramificações que cobrem este theatro de
guerra, determina quatro zonas naturaes de aspecto
diíferente'e o cha3ado theatro de guerra do Aar
com as suas dependencias da zona Alpina occupa en¬
tre a Europa média e a Europa Occidental, entre a
Allemanha, França e Italia uma posição central d’um
altíssimo valor estratégico. Abre uma longa e facil
linha de operações desde o Danúbio ao Saona e ao
Sena outra até Genebra e Rhodano inferior, o que
equivale a dizer desde a Allemanha meridional ao
centro e sul da França. Por leste conduz ao Danú¬
bio superior e aos últimos contrafortes orientaes da
Floresta Negra e pelos passos dos Alpes Penninos e
centraes communica com a bacia hydrographica do
alto e médio Pó. Abrange, po s os dois grandes thea-
tros de guerra adjacentes e ^facilita as relações de
dois exercitos que operam simultaneamente pelo Da¬
núbio e pelo Pó, e, como por estas duas linhas se póde
avançar até ao centro da Europa, os dois exercitos
n’estas condições poderiam unir-se facilmente para
cahirem ambos sobre Paris, atravez do Jura e do
Saona; A posição estratégica da Suissa tem pois um
14
COSMOS
altíssimo valor e por isso foi que as potências signa-
taria do congresso de Vienna concordaram na neu-
tralisação d’aquelle paiz, pois que d’essa neutralisa-
ção depende a tranquilidade das potências da Euro¬
pa Central.
Aar, pequeno rio do antigo ducado de Nassan, na
Allemanha, com um percurso de i6 kilometros desde
a sua nascente, em Vehen, até á sua affluencia no
Lahn,
E’ também o nome doutro rio da Prússia que, to¬
davia é mais conhecido pelo de Ahr.
Aar, pequeno rio do principado do Waldeck, com
um percurso de lo kilometros. E’ affluenie do Tweste.
No mesmo principado ha um outro rio com o mes¬
mo nome, que tem um precurso de Sq kilometros,
desde a nascente em Ulssen até á sua alHuencia no
Eder, 10 kilometros ao N. de Frankenberg.
Aar ou Aaru, nome que davam os egypcios aos
seus Campos Elysios. Segundo a sua crença, os ma¬
nes entregavam-se ahi, apóz toda a eternidade, a tra¬
balhos agricolas que produziam colheitas maravilho¬
sas.
Aara, cidade da Arabia, no Heydaz a 56 kilometros
a SE de Madian.
Aarabau, pequena cidade da Turquia asiatica, nas
margens do Kahabur, a 28 kilometros a SE de Ras-
el-Ain.
AarSo, irmão mais velho de Moysés, filho primo¬
gênito de Amrão e Jozabe; nasceu no Egypto em
iSyq antes de Jesus Christo. Acompanhou sempre seu
rmão em todas as diligencias para libertar o povo de
Uns dt Monifei
Em Lisboa, província, ilhas adjacentes
e colonias
Um mez — 3 volumes — 480 paginas 180 réis
Tres mezes — 9 » —1440 » 540 »
Seis mezes — 18 » — 2880 » 1S080 »
Um anno — 36 » — 5760 » 2Í160 »
Venda avulso ©O réis ^
Toda a correspondência deverá ser dirigida a
V. Guirr,arães, para a séde da administração na
Rua do Corpo Eanto, SD, 2: