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Full text of "Trabalhos da Sociedade Vellosiana"

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SOCIEDADE VELLOSIANA. 


melatorio dos trabalhos da sociedado Vellosiana no anno de 1850, apresentado 
pelo secretario da mesma, na sessão de 31 de março de 1851. 


SENHORES. 


Em observancia do que determina o artigo 31 dos nossos estatutos, venho com a 
maior satisfação apresentar-vos o relatorio circunstanciado dos trabalhos da so- 
ciedade Vellosiana no anno passado. 

Antes, porém, de dar cumprimento a esse dever, creio, Senhores, que não vos pa- 
recerá ocioso deixar aqui consignada a breve historia da fundação da nossa sociedade. 

Muito tempo bavia que o nosso actual e digno presidente, o Sor. Dr. Francisco 
Freire Allemão, tinha concebido o pensamento de crear uma associação, que se de- 
dicasse ao estudo da historia natural do Brasil, e finalmente coube-lhe a gloria de 
realisar essa patriotica idéa, no mez de setembro do anno passado, convocando para 
isso a maior parte dos actuaes socios effectivos da sociedade Vellosiana, que abra- 
cando com vivo interesse tão nobre pensamento, encarregaram ao mesmo Snr. Dr. 
Freire Allemão da confecção dos estatutos, que depois de discutidos foram levados à 
consideração do Governo Imperial, para que este se dignasse approval-os com a se- 
gurança de sua conveniencia. 

Ao mesmo tempo que era dado este passo, pedia-se tambem ao Governo Imperial 
licença para serem as sessões da sociedade Vellosiana celebradas em uma das salas 
do Museu Nacional; c em sessão de 22 de outubro do mesmo anno tivemos o prazer 
de dar a leitura de dous officios do Governo de Sua Magestade, em um dos quaes 
era annunciada a approvação dos nossos estatutos, e no outro concedida a licença 
para terem lugar nossas reuniões no Museu Nacional, autorisando o digno director 
deste estabelecimento para facilitar-nos uma das salas delle. 

Desde então, Senhores, considerou-se definitivamente constituida esta sociedade 
que tomára por titulo um nome que recorda o de um brasileiro celebre por 
seus estudos e trabalhos de historia natural da nossa patria. Tratamos immedia- 

1 


2 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


tamente de fazer a eleição da mesa da sociedade, e em resultado foram eleitos 
por unanimidade de votos para presidente o Snr. Dr. Francisco Freire Allemão, e 
para secretário interino o Dr. Guilherme S. de Capanema, e para thesoureiro e 
archivista o Snr. Dr. Emilio Joaquim da Silva Maia. A eleição do secretario per- 
petuo foi adiada, Subdividia-se ainda a sociedade em quatro secções, que foram pela 
seguinte maneira preenchidas: Secção de mineralogia os Snrs, Dr. Frederico Leo- 
poldo Cezar de Burlamaque, Dr. Candido de Azeredo Coutinho, Custodio Alves Ser- 
rão e Alexandre Antonio Vandelli. Secção de botanica os Snrs. Dr. Francisco Freire 
Allemão, Dr. Luiz Riedel, Bernardo José de Serpa Brandão, e Dr. Guilherme de 
Capanema. Secção de zoologia os Snrs. Dr. Emilio Joaquim da Silya Maia, Theodoro 
Descourtilz. Secção de lingua indigena o Exm. Conselheiro Antonio Manoel de Mello 
e o Snr. Ignacio José Malta. 

Organisada assim a sociedade, celebrou com louvavel regularidade as suas reuniões 
nos dias determinados até 19 de dezembro em que começaram as ferias. 

Durante o curto periodo de dous mezes podemos assegurar que se a sociedade 
Vellosiana se não prestou ao estudo da historia natural do paiz serviços relevantissimos 
não foi comtudo infructuosa. Na lista dos seus membros vio serem inscriptos no- 
mes que promettem muito; e por elles já foram apresentados alguns trabalhos. 

Nas diversas sessões ordinarias foram propostos e approvados unanimemente para 
socios correspondentes em algumas provincias do Imperio os Snrs. Manoel Lourenço 
de Sousa, no Pará, Dr. Antonio Corrêa de Lacerda, no Maranhão, João José de Sal- 
danha Marinho, no Ceará, Dr. Joaquim de Moraes Sarmento, em Pernambuco, Dr. 
Manoel Mauricio Rebouças, na Bahia, Dr. José Agostinho Vieira de Mattos, em Minas 
Geraes; Major Henrique de Beaurepaire Rohan, Dr. Carlos Engler, Dr. Theodoro 
Langard, em S. Paulo, o Exm. Capitão de fragata Augusto Leverger, em Matto Grosso, 
eo Snr. J. Reinhardt, zoologo dinamarquez, viajando na provincia de Minas Geraes. 
Em seguida as suas approvações mandaram-se a estes socios os competentes avisos, 
e ao mesmo tempo convite para brindarem a sociedade com trabalhos relativos ao 
seu fim especial, ou com productos naturaes de suas provincias, para serem analysados 
e descriptos. 

Julgou-se ainda deixar adiada a nomeação de socios honorarios até que a socie- 
dade Vellosiana tenha dado provas exuberantes de seu desenvolvimento e progresso. 

Foi pelo Snr. Dr. F. Freire Allemão apresentada a idéa para o emblema dos diplo- 
mas, e para o sello, e sendo approvado, o foi tambem o subsequente desenho offere- 
cido pelo Snr. Descourtilz, supprimindo-se porém a tarja, que foi julgada de dificil exe- 
cução, substituindo-se ainda os ramos de fumo e cafe por duas folhas de Casalpinia. 

Agora, Senhores, cumpre rematar este breve relatorio, assignalando os diversos tra- 
balhos que foram apresentados pelos membros da sociedade Vellosiana, e que são ver- 
dadeiramente os seus fructos desejados: 

Pela secção de mineralogia tivemos a analyse de um Sulphureto de Zinco, contendo 
Cadmio, o qual nos fora remettido da provincia do Ceará pelo Snr. J. J. de Saldanha 
Marinho: o mineral de que se trata não póde deixar de merecer interesse, porque pa- 
rece ser esta a primeira vez que se encontra Cadmio no Brasil: em Zinco é o mineral 
muito rico, e vale a pena de ser explorado : foi analysado pelo Dr, Capanema. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 3 


Foi tambem apresentado pelo mesmo Dr. Capanema um itinerario de viagem pelo 
Tocantins do Snr. Manoel Lourenço de Sousa da provincia do Pará. Este itinerario que 
não foi escripto de proposito para a sociedade, contem no entretanto interessantes da- 
dos geologicos sobre as formações que se encontram nas margens do Tocantins, a que, 
pelo interesse que merece, convida ao trabalho de se extrahir do resto da obra, sendo 
ainda mais os factos observados, descriptos concisamente em linguagem scientifica, o 
que torna o escripto de summo valor para o geologo, que reprova o palavreado mal ca- 
bido, e dispensa commentarios fastidiosos. 

Pela secção de botanica apresentou o Snr. Dr. F. Freire Allemão os seus trabalhos 
a respeito de diversas plantas novas que já havia publicado, completando o estudo do 
genero Hyeronima, cujo individuo feminino tinha descripto, com a descripção nova, 
completa do individuo masculino, de modo a deixar satisfactoriamente caracterisado o 
novo genero. 

O mesmo Snr. Dr. Freire Allemão offereceu tambem um exame physiologico dos or- 
gãos de urticação da ortiga brava (Urtica nitida Vel.) que differem inteiramente 
daquelles que até agora se observaram, mesmo em generos identicos; e mostra tam- 
bem que o processo de injecção do succo venenoso é todo especial nesta planta. 

Ainda o mesmo Snr. Dr. Freire Allemão deu a descripção de uma nova especie de 
Macheriwm, que é um angelim, trabalho apreciavel, que não póde deixar de ser con- 
siderado, como a ponta de um fio precioso, que nos facilita a sahida do grande laby- 
rintho, que apresenta a determinação das nossas madeiras de lei, e com que tanto já se 
tem cançado o Snr. Dr. Freire. 

O Dr. Guilherme de Capanema apresentou a descripção de um novo genero da fa- 
milia das Ulmaceas, achado á beira mar, na enscada do Rio de Janeiro, c ao qual de- 
terminou o nome de Phyllostylon, e que se torna recomendavel por ser o terceiro desta 
familia, e a primeira Ulmacea descoberta dentro dos tropicos, e talvez mesmo no he- 
mispherio austral. 

Pela secção do estudo da lingua indigena, a quem compete a missão de tornar clara a 
etymologia dos nomes que designam productos naturaes, offereceu o Snr. Ignacio José 
Malta um curioso trabalho sobre a derivação do nome Pitanga adoptado em todo Bra- 
sil para designar o fructo da Eugenia pedunculata: ahi se prova como por uma ortho- 
graphia corrupta, proveniente talvez de pronuncia mal percebida, se dão hoje radicaes 
inteiramente errados, donde se deriva muitas vezes uma etymologia falsa, que cumpre 
por certo ser castigada, 

Eis-aqui, Senhores, a historia rapidamente esboçada da fundação da sociedade 
Vellosiana e de seus trabalhos no anno de 1850, que foi o primeiro de sua 
existencia, Se por ventura não nos cabe grande gloria pelo que havemos já feito, não 
temos tambem de que nos envergonhar; e aquelles que se admirarem do numero 
pouco elevado dos nossos trabalhos devemos fazer-lhes lembrar, que o nosso anno so- 
cial constou apenas de dous mezes de noviciado. 


Dr. Guilherme S. de Capanema. 


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4 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


SECÇÃO DE BOTANICA. 


DEGUMINCSA. 


MACHERIUM HETEROPTERUM (SP. 


NOV.) 


Nome trivial — Angelim. 


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Arvore de mais de 60 pés de altura, 
cujo tronco chega a 40, com 2 de diame- 
tro, mais, ou menos: casca grossa, de su- 
« perficic escabrosa, pouco, ou nada fen- 
dida, de côr cinzenta por fóra g amarella 
por dentro: madeira, ou cerne de côr 
amarella, e de fibra rija e compacta. Os 
ramos, que formam uma vasta copa, ter- 
minam em raminhos um pouco angulosos ; 
cujas extremidades, assim como os gomos 
tanto terminaes, como axillares, são co- 
bertos de uma pellugem fina, lustrosa, e 
de côr bronzeada escura, 


Folhas alternas, imparipinnadas: pe- 
ciolo commum de 7 a 9 pollegadas de 
comprimento, delgado, canaliculado, e tur- 
gido na base: foliolos dispostos em 5 ou 
O jugos com impar; os do jugo inferior 
são rigorosamente oppostos, dahi para cima 
se vão sempre afastando os do mesmo par 
de sorte a ficarem alternos os folios extre- 
mos; os maiores, que são os do 4.º ou 
à.º jugo contando debaixo para cima tem 
2 1/2 a 3 pollegadas de comprimento, com 
uma pouco mais ou menos de largura ; 
ahi para baixo vem diminuindo, assim 
como para cima, ainda que muito menos ; 


Arbor plusquam 60 pedum procerita- 
tem attingens: trunco 40 pedali, cum bipe- 
dali diametro: cortice crasso, scabro, vix, 
vel nullo modo rimoso; extus cinereo, intus 
lutescenti: ligno perfecto densa compaginis, 
lutei coloris: ramis amplam comam per- 
ficientibus; ramulis novellis cylindraceo- 
angulosis, ad extremitates, unà cum gem- 
mis tam terminalibus, quam axillaribus, 
pube rutila, atro-oleagina coopertis. 


Folia alterna, imparipinnata: petiolo 
communi 7 — 9 pollicari, gracili, canali- 
culato, basi tumido: foliolis in 5 — 6 juga 
dispositis; inferioris jugi oppositis, ad juga 
superiora magis magisque alternatis; e 
jugo 4.º vel 5.º deorsum minuentibus, 
sursumque aliquantulum; maioribus 2 1/2 
— 3 pollices longis, unamque latis: pe- 
tiolis propriis brevibus, canaliculatis; sin- 
gulis lateralibus stipella unica antice posita 
munitis, terminali bistipellato: limbis 
ovali-oblongis; basi rotundatis, vel fre- 
quentius acutatis, parum inequilateris; 
apice acutis, leviter acuminatis; ambitu 


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TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. b 


peciolos parciaes curtos e canaliculados; os 
lateraes são acompanhados de uma só es- 
tipella situada na parte anterior do peciolo 
commum ; e o terminal de duas : limbos 
ovaes oblongos, na base arredondados, ou 
subagudos, e um pouco inequilateraes ; 
na ponta agudos e ligeiramente acumina- 
dos; com a margem obscuramente si- 
nuada, e munida de dentinhos em fórma 
de aculeos, apenas perceptiveis, e encos- 
tados ao fio da folha: perfeitamente gla- 
bros (por cahirem os pellos que cobrem 
as folhinhas novas) com a pagina superior 
de côr verde requeimada e lustrosa, e a 
inferior de um verde mais claro, ligeira- 
mente enfuscado ; com nervuras pinnadas 
mais sahidas no dorso. 

Estipulas mui pequenas, triangulares, 
fugazes. 

Esta arvore larga a sua folhagem de 
junho á julho, em agosto veste-se de flo- 
res, estando ainda sem folhas, as quaes 
começam a brotar de setembro a outubro, 
quando os fructos estão já quasi perfeitos. 

Flores dispostas em racimos pyrami- 
daes. Pedunculo dividido uma só vez, an- 
guloso, coberto de uma pubescencia lus- 
trosa de côr azeitonada escura; munido 
de bracteolas caducas em suas ramifica- 
ções: pedicellos de 2 a 3 linhas de com- 
primento com duas bracteolas sub-oppos- 
tas proximas á base da flor. 


Calyx de figura entre afunilada e cam- 
panulada, coriaceo, não articulado, com o 
limbo quasi cerceado, com 5 dentes rasos, 
dos quaes o inferior (antico) é mais estrei- 
to, mais sahido e concavo : é todo coberto 
por fóra de igual pubescencia á do pedun- 
culo; e acompanha o fructo. 


Corolla papillionacea, de um roxo claro: 
petalas inseridas no fundo do calyx, quasi 
iguaes entre si; estandarte sub-cordifor- 
me, obtuso, e mesmo um pouco emargi- 
nado, com unguiculo do comprimento de 


obsolete denticulato, denticulis vix appa- 
rentibus, aculeiformibus, adpressis; utrin- 
que glabris (elapsa pube gemmarum ); su- 
pra coloris viridi-fuscati, Jlucidi, subter 
candidioris; nervis pinnatis, dorso promi- 
nentibus. 


Stipulee minuta triangulares, fugaces. 


Arbor hec, a Junio foliis orbata, Au- 
gusto splendide florescit, ante foliorum 
ortum; quod Septembri evenit, legumini- 
bus jam fere maturis. 


Flores in racemos pyramidales dispo-= 
siti. Pedunculus semel divisus, angulosus, 
pube tenui, sublucida, atro-oleagina dense 
inspersus; ad divisiones bracteolis caducis 
suffultus. Pedicelli 2 — 3 lineares, brevis- 
simis duabus bracteis suboppositis prope 
apicem muniti, 


Calyx infundibulo-campanulatus, co- 
riaceus, inarticulatus; obsolete 5 dentatus, 
denticulo inferiore sive antico, angustiori, 
prominulo, concavo; extus eadem pube, 
de qua supra diximus, coopertus; per- 
sistens. 


Corolla papillionacea, dilute purpuras- 
cens: petalis sub-equalibus, ima parte 
calycis insertis; vexillo sub-cordato, apice 
obtuso, sive emarginato, ad basin, úna 
cum unguiculo sesquilineari, albo-lutes- 

1 * 


6 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


linha e meia, o qual, assim como a porção 
da petala que lhe é proxima, é de côr 
branca amarellada : no botão cobre as ou- 
tras petalas; na flôr aberta se acha levan- 
tado e descahido para traz: alas e cariaa 
oblongas, um pouco curvas, unguiculadas, 
na base obliquamente truncadas, na ponta 
obtusas ; todas conchegadas entre si. 

Estames 10, monadelphos, inseridos jun- 
tos com a corolla; filamentos delgados, 
glabros, incurvados para a ponta, cinco al- 
ternadamente menores, livres em mais de 
metade de seu comprimento, e reunidos 
na parte inferior em um androphoro ou 
bainha, que é inteira sómente na metade ; 
sendo a outra parte fendida superior- 
mente : antheras biloculares, oblongas, 
medifixas, vacillantes, de côr pardacenta. 

Pistillo erecto compresso, curvado na 
ponta, um pouco mais comprido que os 
estames: ovario estipitado, coberto por 
fora de pellos bronzeados, caducos, en- 
cerra um unico ovulo anatropo, ou talvez 
campulitropo: estilo filiforme, ascendente, 
glabro: estigma apenas perceptivel. 

Bagem quasi lenhosa, samaroide, in- 
dehiscente, monosperme, glabra, de 3 pol- 
legadas em todo o comprimento, rodeada 
no pé pelo calyx, e filamentos dos estames, 
que são persistentes: corpo comprimido, 
convexo nos lados, um pouco curvo no 
sentido do seu plano, attenuado, e estipi- 
tado para a base, do apice procede uma 
sorte de pua, longa, aguda, e curva; de 
cuja parte interna por toda a extensão da 
sutura ventral até a parte inferior do ova- 
rio, nasce uma aza membranosa, convexa 
na orla, com veias reticuladas, e dispostas 
transversalmente, tendo em sua maior lar- 
gura obra de uma pollegada, 


Semente comprimida, irregularmente 
oval, pegada por um espesso, e curto po- 
dosperma: episperma membranoso, liso, 
alyadio; hilo situado na margem, micropylo 


centi colore tincto; in flore aperto patenti- 
reclinato: alis, et carina oblongis, parum 
curvis, unguiculatis, basi oblique trun- 
catis, apice obtusis; conniventibus. 


Stamina 10, monadelpha, cum petalis 
inserta: filamentis tenuibus, glabris, ing- 
qualibus, (quinque parum minoribus) ad 
apicem incurvis, infra pene ad medium 
cobeerentibus; vagina imo dimidio integra, 
ceetero superne fissa: antheris oblongis, 
bilocellatis, medifixis, nutantibus, fusei 
coloris. 


Pistillus e fundo floris erectus, com- 
pressus, incurvus, staminibus parum lon- 
gior: ovario slipitato, extus rufo-sericeo- 
pillosus, ovulum unicum anatropum, (an 
campulitropum? ) incladenti: stilo filiformi, 
ascendenti, glabro; stigmate vix apparenti. 


Legumen fere lignosum, samaroideum, 
indehiscens, monospermum, in integrum 
3-pollicare, glabrum, calyce, et filamentis 
persistentibus stipatum: parte seminifera 
compressa, ulrinque convexa, pro axi cur- 
vata, basi attenuato-stipitata, apice in mu- 
cronem extensum, acutum, incuryum pro- 
ducta; ex tota sutura ventrali, ab ovario 
usque ad apicem mucronis ala membra- 
nacea, transyerse reticulato-venosa, ad 
oram convexa, pollicem lata, nascitur. 


Semen compressum, ambitu irregula- 
riter ovatum, brevissimo et crasso funi- 
culo appensum: integumento membrana- 
ceo, albescenti, lavi; hilo marginali; mi- 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 1 


proximo ao hilo; chalaza opposta, Em- 
bryão sem endosperma; cotyledones car- 
nudas, obtusas nos dous extremos; radicula 


cropyle hilo proxima; chalaza remote sita, 
fere opposita. Embryo albumine destitu- 
tus, curvus, cotyledonibus ovatis, crassis, 


conica, curva, encostada á margem das 
cotyledones; gemmula mui pequena. 

Esta arvore vem nas mattas virgens, e 
dá boa madeira de construcção. E” porém 
assás rara; alguns mateiros a não conhe- 
cem, outros lhe dão o nome de— An gelim— 
pela semelhança que tem a sua madeira 
com a do que aqui chamam Angelim amar - 
goso. Por ora só duas arvores tenho en- 
contrado destas: uma nas faldas da Serra 
de Gerecinó em terras da fazenda do Men- 
danha; outra nos montes, onde tem sua 
origem o rio grande de Jacarepaguá, no 
lugar denominado páo da fome. 


plano-convexis; radicula conica adpressa; 
gemmula minuta. 

Habitans intactas sylvas, valde infre- 
quens hac arbor offenditur. Quare a plu- 
ribus Lignariis nostratibus ignota, et a 
nonnullis Angelim nuncupata, ob similitu- 
dinem, quam lignum ejus cum illo alterius 
habet, que vulgo Angelim amargoso no- 
men audit. Duas tantum istiusmodi arbo- 
ris hucusque videre mihi occurruit. Mate- 
riem variis operibus aptam suppeditat. 


REFLEXÕES. 


Pertence esta planta, sem nenhuma duvida, por todos os seus caracteres essenciaes 
ao genero Machcerium; mas tem um não sei queno seu habito externo, que me fez 
vacillar em sua determinação, antes de lhe ver o fructo, o qual, tirando-me de duvidas, 
não deixou todavia de offerecer ainda certa anomalia, se assim se póde dizer, na cs- 
tructura e forma da aza. Esta, em todas as outras especies deste genero, que me são 
conhecidas, é mais ou menos cultriforme, e tem a rêde vascular disposta Jongitudinal- 
mente; mas, na que nos occupa, se mostra em forma de sanefa, e com a sua rêde vas- 
cular, ou venosa disposta transversalmente. Desta notavel particularidade tirei o nome 
especifico-— Heteropterwum, -— 

Algumas cousas mais, dignas de reparo, apresenta este vegetal: como é a sua flo- 
rescencia, e mesmo fructificação, antes de revestir-se de novas folhas; as suas con- 
generes, é verdade, ficam completamente desfolhadas, durante a estação invernosa, 
mas não se infloram, antes denova vestidura. Todas, as que tem sido por mim exami- 
nadas com attenção, tem estipulas mais, ou menos grandes, endurecidas, mesmo per- 
sistentes, e já transformadas em verdadeiros espinhos; em todas tenho sempre achado 
os foliolos inteiros; nesta porém são as estipulas pequenissimas, e fugazes, ca mar- 
gem dos foliolos armada de denticulos aculeiformes, 

Não duvido, e é mesmo provavel, que outras especies existam com caracteres ana- 
logos aos desta; que no entanto me parece assás curiosa. 


Rio de Janeiro 15 de outubro de 1850. — Francisco Freire Allemão. 


BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


EXPLICAÇÃO DA ESTAMPA. 


Fig. 1. —Folha, do tamanho natural, 


» 


(a) estipula. 
(b) margem da folha augmentada. 
2. —Ramo floral, do tamanho natural, 


3. —Calyx. 

h.—Petalas. 

à. —Estames. 

à"—Anthera, 

6.—pPistillo, e metade do calyx. 
(a) disco. 

7.—Pistillo partido, mostrando o 
ovulo. 


8. —Fructo do tamanho natural. 
9.—0O mesmo partido, mostrando a 
semente. 
10. — Semente. 
11.—Embryão. 
(a) seccão transversal do embryo. 


EXPLICATIO ICONIS. 


Fig. 1. —Folium, magnitudinis naturalis. 


(a) stipula. 

(b) margo folioli, aucta. 
2.—Ramus florifer, mag. nat. 
3.—Calyx. 
4.—Petala. 

5. — Stamina, monadelpha. 
9" Anthera. 
6. —Pistillum, cum dimidio calycis. 

(a) discus perigynus. 
7.—Idem divisum, ut ovulum vi- 

deatur. 
8.-—Legumen, mag. nat. 

9. — Idem divisum ut semen appareat. 


10. —Semen. 


11. —Embryão. 
(a) sectio transversalis cotyle- 
donum. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 9 


SECÇÃO DE LINGUA INDIGENA. 


SENHORES. 


Não tendo me sido possivel, em razão de minhas occupações domesticas, dar-me 
a escrever algumas linhas acerca de nomes brasis que tenham relações com as scien- 
cias naturaes de que vos occupaes, permittir-me-heis que vos offereça algumas ligei- 
ras observações traçadas em horas de mais vagar, quando procurava materiaes para 
organisar uma collecção de radicaes da lingua geral do Brasil: ellas dizem respeito a 


“Eugenia pedunculada, pitangueira, ou ibâpytanga dos Brasis. 


O Ilustre Mr. Auguste de Saint Hillaire, a quem muito deve o Brasil, diz, na 
relação da sua segunda viagem a estas regiões, que no tempo em que viviam Marc- 
grave e Piso, a Pitangueira era designada em Pernambuco pelo nome de Ibipitanga ; 
o qual evidentemente vem dos nomes brasis Yby e Pitanga ou Yby e Mitanga ; e 
mais, que Yby significando terra, e Pitanga ou Mytanga significando criança, Yby- 
pitanga significa filho da terra ou do solo. Diz além disto o Ilustre Naturalista que, 
com o andar do tempo os Portuguezes abreviaram a palavra Ibypitanga, e lhe deram 
terminação portugueza, guardando a palavra Pitanga para designar o fructo da Pi- 
tangueira. Ora, com quanto me sobrem respeitos para com Mr. de Saint Hillaire, 
não deixarei de aventurar algumas reflexões acerca do que disse; e principiarei por 
notar : 

1.º Que parece extraordinario que os Brasis da lingua geral rigorosos em seus 
raciocinios como todos os selvagens e crianças, e acostumados a designar as cousas 
com tanta propriedade quanta vê-se nos vocabularios da lingua, e segundo as mais 
salientes qualidades dellas, etc., estabelecessem em favor deste arbusto uma tão ex- 
travagante excepção como a que resulta de chamarem a Pitangueira, Ybypitanga, 
isto é, filho ou filha da terra, como o indica Mr. de Saint Hillaire ; e isto sendo 
todos os vegetaes mais ou menos productos do solo. É certo, pois que Marcgrave e 
Piso assim escreveram o nome deste arbusto em lingua geral, que assim creram tel-o 
ouvido em Pernambuco; porém que sem alteração seja este o nome cabido a esta 
planta na lingua vernacula do Brasil, é o que não posso crer, e cumpre examinar. 

Ybypitanga chamavam os Brasis a um rio (creio que o S. Francisco) que depois 
de um longo curso sumia-se debaixo da terra por largo espaço de tempo, c reappa- 
recia surgindo della, em outro ponto para novamente serpentar á face da luz desi- 
gnado por aquelle nome ou pelo de Itápitanga (por isso que nesse ponto surgia de 


10 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


debaixo de uma rocha), com perda do que anteriormente tinha ; e nestas denomi- 
nações vê-se a naturalidade e finura de apreciação proprias de povos que ainda estão 
mais entregues á Natureza do que a influencia da civilisação : 

2.º E verdade que Maregrave e Piso escreveram Ybypitanga; porém a signifi- 
cação, principalmente do nome Yby, torna recusavel a orthographia com que vem 
escripto, e induz á procura da verdadeira orthographia do nome que daquella arte se 
confunde com outro incompativel á applicação dada. 

Grande c intrincada é a confusão que existe na ortbographia dos nomes brasis, e 
cada livro que tomamos com o fim de aclaral-a, geralmente serve para augmentar a 
densidade das trevas. Comtudo, no vertente caso, a solução não parece offerecer 
grande difficuldade, pois as palavras Yby, Y'ba, e Ybá, com quanto susceptiveis de 
confundirem-se, já pela perda dos accentos, já pela inapropriada collocação delles, 
já pela troca das terminações, deixam por suas diversas significações entrever o termo 
desta pesquiza. 

A palavra Yby, significa terra, solo; Y'ba, significa arvore, cabo, mastro, etc. ; 
e Ybá, fructa; bem como tambem a palavra Já. Os nomes Pitanga, Mitânha, e Pi- 
tanhá, significam o menino, a criancinha, o feto, e nunca o filho que, nesta lingua, 
é designado pelo nome Tayra ; além disto o adjectivo Pytanga significa a côr mo- 
rada, ruiva, cinzenta, fusca, cobrada, de qualquer cousa, como se póde ler em Apya- 
putanga, e Itá Wit putanga, onde o som guttural da lingua geral que foi represen- 
tado, ora por ig, ora por 1, ora por yg, ora por y, e ora por «, se acha figurado 
pela vogal «wu, como muitas vezes se vê tambem em Guaratuba em vez de Guaratybá, 
em Mangaratuba em vez de Mangaratybá, ete., etc. 

Á vista do exposto parece ser claro que grande é o campo aberto á confusão. 
Attendendo, não obstante, á significação de Yby, Y'ba, Ybá, e a construcção ortho- 
graphica delles, vê-se que supprimidas as terminações dos ultimos por qualquer ra- 
zão, e substituindo-se-lhes Y, ou I, alterada está esseacialmente a genuina significa- 
ção, pois em vez de arvore ou fructa, ambos passam a significar terra, solo, ete, 

Ora, dado que Marcgrave e Piso escreveram Ybypitança em vez de Ybá pytanga 
ou de Y'ba pytanga: no primeiro caso, Ybá, significando fructa, e Pytanga, côr 
morada, ruiva, cobrada, etc., ter-se-ha por expressão de Ybá pytanga, fructa de 
côr morada, cobrada, etc., o que muito naturalmente parece convir ao fructo da 
Pitangueira: no segundo, ter-se-hia Y'ba, significando arvore, e Pytanga, signifi- 
cando a côr; o que daria—arvore morada, loura, ruiva, etc., —qualificações impro- 
prias á Pitangueira, pois nada ha nella, quanto a cór, que não seja commum a mui- 
tos outros vegelaes. 

Em presença destas considerações, e attendendo ao quasi absurdo que resulta da 
orthographia empregada por Macgrave e Piso, pois a litteralmente traduzir-se aquello 
nome teria-se em portuguez criança ou feto da terra, e não filho da terra, como 
pensa Mr. de Saint Hillaire, parece natural que se conclua ser a verdadeira ortho- 
graphia daquelle nome, Ybá pytanga, e não Yby pytanga, pois que a querer seguir 
a lição do Ilustre Naturalista ter-se-ha Ybyrá pytanga (páo brasil), por filho-do páo 
ou criança de pão. 

Rio, 20 de dezembro de 1850. — Ignacio José Malta. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 11 


SECÇÃO DE MINERALOGIA. 


Parecer sobre um manuscripto do Snr. Mianocl 
Lourenço de Sousa, Engenheiro de minas no Pará. 


Examinei o manuscripto do Snr. Manuel Lourenço de Sousa, 

Este manuscripto comprehende: 1.º hum itinerario fluvial dos rios Amasonas e 
Tocantins, com o titulo de— Diario especial da viagem; 2.º uma descripção geologica 
dos Tocantins, comprehendendo os melhoramentos propostos pelo autor para tornar 
accessiveis as cachoeiras do mesmo rio, e uma relação de seus tributarios; 3.º uma 
descripção da producção vegetal espontanea dos lugares que o author visitou, dos 
mamiferos, aves e peixes dos mesmos lugares; 4.º um officio dirigido á commissão 
commercial e agricola da provincia do Pará. com a epigraphe— Uma resposta— 
onde o autor apresenta as suas idéas sobre a mineração aurifera da mesma provincia. 

Destes escriptos, o que julgo ser aproveitavel á Sociedade Vellosiana é a descripção 
geologica dos Tocantins, e a relação dos tributarios 'daquelle rio. A descripção da 
producção vegetal espontanea dos lugares que o autor visitou, assim como a dos 
animaes silvestres, nenhum interesse scientifico apresentam; todavia, como o natu- 
ralista não deve desprezar os nomes communs sem cahir muitas vezes em graves 
enganos, e porque demais, dentre estas producções organicas algumas ainda não 
estejam bem descriptas ou mesmo classificadas, julgo conveniente que a Sociedade 
aproveite as informações fornecidas pelo autor, e em tempo mande vir exemplares a 
fim de os estudar. 

Passo agora a examinar em breves palavras a descripção geologica dos Tocantins. 

Pela natureza das rochas das margens deste caudaloso rio, assim como daquellas 
que obstruemo seulivre curso formando seis principaes e grandes cachoeiras, e um 
grande numero de outras menos consideraveis, concluiu o observador que todas as 
desigualdades do mesmo rio são devidas a algumas das grandes revoluções que em 
tempos remotissimos modificaram a crusta do globo. Segundo elle pensa, as cachoeiras 
deste rio devem a sua existencia ás sublevações produzidas pelas forças plutonicas, 
que actuaram em differentes épocas sobre o leito e margens do rio, 

O Bazalto, o Dolerito, o Diorito ou Grunstein, e outras rochas de origem plutonica; 
grandes massas de granito massiço que facilmente se reconhece haverem sido levanta- 
das por uma acção interior muito energica; monticulos bazalticos, uns apresentando 
ainda a estructura propria desta rocha, outros modificados mais ou menos superficial- 
mente pela acção das aguas e da alhmosphera, a ponto de offerecerem o aspecto de 
argilas schistosas ou de Grés argilo-ferruginosos; taes são os resultados geraes dos 
exames que fez o Sur. Sousa, sobre toda a parte do rio que explorou. 


12 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


A natureza das rochas que formam as suas seis principaes cachoeiras, a disposição 
destas rochas os accidentes que ellas apresentam, confirma a opinião emittida pelo 
observador; e se alguma duvida ainda pudesse haver, outras observações por elle 
feitas em algumas das mais consideraveis cachoeiras dos Tocantins confirmariam 
plenamente esta opinião. 

As massas mineraes que constituem, por exemplo, a cachoeira do TAPAIUNA-CUARA 
e seus travessões, e se prolongam por quasi todo o leito do rio, formam elevações cujas 
partes superiores acabam em forma de funil, forma com que quasi sempre se apre- 
sentam as crateras dos vulcões activos, e mesmo a maior parte dos vulcões extinctos, 
Na cachocira da GuaRIBA, e na denominada do iNnFERNO a mais consideravel dos 
Tocantins, as grandes massas bazalticas que as formam, foram visivelmente expellidas 
por forças plutonicas para a superficie do terreno, onde [formaram monticulos, entre 
os quaes se acham lagos mais ou menos extensos porém muito profundos, que apre- 
sentam todos os caracteres das crateras por onde estas massas sabiram á luz. Final- 
mente, todas as rochas que se mostram a descoberto estão fendadas e apresentam 
vehementes signaes de violentas deslocações; e é por entre estas grandes fendas, alarga- 
das pela acção erosiva continuada durante seculos, que se abriram varios canaes que 
facilitam mais ou menos a navegação, mesmo nos tempos de grande secura. 

Terminarei este brevissimo exame, dizendo que julgo digno de louvor ao autor da 
memoria a que merefiro, não só pelo merito do seu trabalho, como por ser este 
trabalho o segundo deste genero feito por um filho do paiz; porque á excepção da— 
viagem mineralogica na provincia de S. Paulo, pelos fallecidos Snrs. Andradas 
(José e Martim), nenhum outro trabalho conheço neste ramo das sciencias naturaes. 


Rio 22 de março de 1851. —Dr. Frederico Leopoldo Cesar Burlamaque. 


OBSERVAÇÕES SOBRE A ORIGEM DO BARRO VERMELHO 
NA PROVINCIA DO RIO DE JANEIRO. 


I. 


Percorrendo-se aquella porção da provincia do Rio de Janeiro que está situada 
entre a serra eo mar, encontram-se por toda parte collinas de pequena elevação, que 
apresentam formas de gorros esphericos, ou ellipsoidaes. Examinando-se o terreno 
que as constitue encontra-se no maior numero de casos, uma terra vermelha, bastante 
compacta, que é um barro arcento e pouco plastico, o qual depois de levigado deixa 
muita silica em grãos com arestas muito agudas, e tambem se encontram, embora pe- 


% 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 13 


quenas, algumas palhetas de mica; em profundidade maior, (de 3a 6 palmos ordinaria- 
mente), já o terreno é menos barrento, e pela levigação se obtem a mesma silica como 
acima dissemos, ec até nas mesmas proporções 25 a 35 0/ya quantidade de mica é 
porém muito mais consideravel, e as palhetas são muito maiores ; na profundidade de 
8 a 12 palmos se encontra sempre rocha, que é o gnaiss, mas alterado de modo que se 
esfarela facilmente ; e este esfarelamento é devido sómente a decomposição do feld- 
spatho que se acha transformado em kaolin, em quanto o quartzo e a mica estão inal- 
terados. No referido barro encontram-se veias de kaolin, cuja espessura varia de uma 
pollegada até um palmo, e raras vezes mais. Porém outras vezes se apresentam pedaços 
de quartzo dispostos de modo que parecem ter formado vieiros. Esta disposição que 
acabamos de descrever póde ser perfeitamente estudada em lugares, onde excavações 
e desmoronamentos formam grandes secções, como acontece no morro de S. Antonio, 
“rua do Senado, Mattaporcos, Praia do Cajú, Ilha do Fundão, (Maracaiaguassú), em 
alguns pontos da Ilha do Governador, no Ingá, &c, os mais bem caracterisados tive oc- 
casiões de observar nas margens da Lagôa de Maricá, e em duas collinas na fabrica da 
polvora, no sopé da Serra da Estrella; no primeiro lugar observa-se em baixo o gnaiss 
solido, e todas as suas componentes inalteradas, cortado em todos os sentidos por nu- 


+ merosos vieiros de feldspatho, os quaes quando largos (2—4 pollegadas) encerram 


frequentemente grupos de mica branca, e preta; tambem veias de quartzo sempre de 
maior espessura que as de feldspatho, atravessam o gaaiss, o qual em muitos lugares 
envolve pedaços, ora redondos, ora angulares, com arestes um pouco gastas de um 
gnaiss de grão mais fino, e portanto mais compacto ; (nunca o pude achar cortado de 
vieiros): chamarei a este o gnaiss antigo. — Mais para cima conservando a rocha 
ainda uma côr cinzenta vai-se tornando esbroadiça, c o feldspatho alterado ; acom- 
panhando-se a marcha da decomposição observa-se uma mudança de côr cada vez mais 
carregada a medida que se aproxima da superficie: o kaolin vai-se avermelhando, e 
ao passo que isto acontece, a mica apresenta-se com menos frequencia, até que desap- 
parece inteiramente ; então toda massa é barrenta, e de um vermelho ochraceo bas- 
tante carregado ; acham-se pedaços de kaolir branco disseminados conservando a forma 
do crystal de feldspatho, outras vezes elle forma vieiros, que na sua origem ainda são fel. 
dspatho: a passagem é successiva. Na altura onde a mica principia a desapparecer ob- 
serva-se pedaços mais compactos com um nucleo cinzento de gnaiss antigo, perfeita- 
mente conservado, : e 

Na fabrica da polvora, observei uma decomposição do gnaiss analoga, com a diffe- 
rença sómente de que o terreno alterado assentava abruptamente sobre a rocha inalte- 
rada, tambem da superficie convexa. Nos pedaços de pedia expostos ao tempo, e 
feldspatho decompostc primeiro, era lavado pelas aguas, deixando uma pedra muito 
carcomida composta de quartzo, mica e crystaes maiores de feldspatho que offereciam 
um aspecto particular : a decomposição tinha lugar em camadas parallelas a face de 
fendibilidade, que alternavam com porções menos decompostas pela influencia das 
aguas ; estas porções menos decompostas, sendo as mais resistentes, se conservaram 
firmes em quanto as outras eram levadas pelas chuvas de modo que o crystal parecia 
todo carcomido. Este phenomeno parece que provem das fendas do crystal por onde 
penetrava por effeito de capilaridade, a agua saturada de acido carbonico, que é o 

9 * 


a 


14 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


principal agente desta decomposição ; de modo que a acção chimica tinha lugar simal- 
taneamente nas paredes das fendas, e na superficie externa. A mica nos lugares ex- 
postos ao tempo deixava tambem ver a marcha da alteração que soffria, palhetas que 
tinham cahido sobre o kaolin branco, tingiam-no de vermelho em torno dellas, e as 
arestas de crystalisação iam desapparecendo; o que fazia com que as bordas se fossem 
adelgaçando e diminuindo irregularmente; havendo portanto neste caso uma decom- 
posição da peripheria para o centro, E 

As collinas, que não apresentam barro vermelho, apresentam um nucleo de gnaiss 
antigo, cortado por grandes massas felsiticas, onde se nota frequentes deslocamentos 
dos vieiros por ellas formados, e alguns principios de stratificação, quasi sempre com 
camadas comprimidas no sentido das faces. Outras vezes o nucleo é devido a granito 
bastante compacto, tão bem sulcado por vieiros felsiticos; a crosta que cobre todos 
estes nucleos tem, quando muito espessa, apenas tres palmos, e se compõe de uma 
terra acinzentada, que, pela levigação, deixa muita area e mica, e é cortada por cama- 
das de feldspatho imperceptivelmente alterado, os quaes nas secções da crosta se apre- 
sentam como continuação dos vieiros que atravessam a rocha. Exemplos destes po- 
demos observar na collina que fica entre o campo de S. Christovão e a Quinta Imperial 
na rua da Joanna, na pedreira defronte do aterrado, e na de S. Diogo. 

O facto mais importante é que nenhuma dessas terras contem foraminiferos ou 
restos de infusorios, que de ordinario se acham nos terrenos da alluvião. 


IR 


Os factos mencionados parecem provar que o barro vermelho que tanto abunda no 
Brasil formando quasi sempre collinas, deve a sua origem a decomposição local do 
gnaiss, e não é terreno de alluvião como muitas vezes se tem afirmado, o que se torna 
ainda mais evidente pela falta completa de restos organicos, que sempre se apresentam 
naquelles terrenos, sobretudo as cascas de alguns infusorios como: Navicula viridis e 
amphisbeena, e até mesmo foraminiferos que se encontraram nos pampas do Sul. 

Demais o barro vermelho apresenta nas camadas inferiores todas as componentes 
de gnaiss. O feldspatho que corresponde a formula: 


ASP AR Si” 
e modificado de modo que o (K e Na) Si? são decompostas pelos sedimentos atmos- 


phericos, que se impregnam de acido carbonico, sobretudo onde a vegetação é muito 
viçosa, passando então a: 

81º + RG 
sendo aqui R se K e Na; e realmente encontramos a pouca profundidade consideraveis 
quantidades de (K e Na) € principalmente nos vieiros de kaolin, resultando por conse- 
guinte um novo corpo composto de: 


N SE po S5 4 Sº, RE 
e b 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 15 


sendo a ultima componente pouco a pouco é acarretada pelas aguas, de modo que só 


ficam as outras. 
O quartzo não soffre modificação alguma. 


A mica tambem é decomposta pelas aguas infiltradas ; essa decomposição porém só 
sa observa naquella onde o R da formula geral: 


4 


e representado por K vicariando com algum Fe. O primeiro termo da formula dá 


A Si 
e pouco 
Ec Si? 
o segundo passa a 
Só + KC + Fe 


o oxydo ferroso transformado em oxydo ferrico é sufficiente para dar a côr vermelha 
ao silicato d'alumina formado pelas decomposições dos outros componentes, e temos 
assim o nosso barro vermelho proveniente de alteração de rochas, e não de alluvião. 

No caso porém que o radical do segundo termo da formula geral para as micas for 
composto de Mg e Fe, as aguas não tem mais a influencia, que tinham no precedente 
caso, agora apparece a alteração do feldspatho, e só vestígios de decomposição das 
micas, que dão alguma côr amarellada ou avermelhada a argila, 


HI. 


Observamos nos valles, que ficam entre as collinas mencionadas, grandes porções 
de terreno areento contendo bastante mica, sobretudo magnesifera: nas plainices, nos 
lugares baixos, e nos fundos de rios, vamos encontrar barro azulado, amarello, e 
branco; no primeiro encontram-se restos das cascas de infusorios, e uma vez até achei 
alguns foraminiferos em um barro vindo de Santa Catharina. 

Ora a existencia da area nos valles prova só que as collinas foram lavadas pelas 
aguas pluviaes, as quaes, descendo para aquelles, correram com menos velocidade, o 
que deu lugar a depositar-se as particulas de quartzo e de mica especificamente 
mais pezadas, e só a argila conservou-se em suspensão para sedimentar-se lenta- 
mente nos lugares onde as aguas estagnaram; ali as algas e infusorios que com o 
tempo vegetavam, produziram bastante materia organica para reduzir o oxydo ferrico 
do barro sedimentado, a oxydo ferroso, e assim dar lugar a côr preta e azulada. 

Em outros lugares a influencia das aguas correntes com os agentes atmosphericos 
hydrataram o oxydo ferrico, que tomando a sua côr amarella transmittiu-a ao barro 
como se póde vêr nos leitos dos rios, e nos lugares humidos, onde elle se apresenta. 

O barro tinto pelo oxydo ferrico hydratado está sujeito a outra modificação que o 


16 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


torna branco: as aguas contem, sobretudo em lugares pantanosos onde continuamente 
ha materias organicas em decomposição, não pequena quantidade de acido carbonico, 
o que igualmente se nota nas aguas das chuvas e dos corregos que atravessam os bos- 
ques; parte do acido combina-se com o oxydo ferroso, o qual se forma (pela influencia 
da mesma materia organica) do oxydo ferrico. Ora é sabido que a agua saturada de 
acido carbonico é o solvente para o carbonato ferroso; temos por conseguinte um 
agente que subtrahe do barro vermelho e amarello a materia corante: no barro azu- 
lado o processo é mais simples por não ser necessario admittir reducção. A solução 
de sal ferroso facilmente se decompõe ao ar deixando oxydo ferrico hydratado, dando 
assim origem a camadas de limonites. 

Do exposto segue-se : 1.º que todas as formações de barro vermelho na provincia do 
Rio de Janeiro e talvez de tudo Brasil são devidas a decomposições locaes, e não a effeitos 
de alluvião; 2.º que os barros preto, azulado, o amarello e o branco, são modificações 
que o vermelho soffreu sobretudo depois de transportado pelas aguas, de modo que 
aquelles pódem ser considerados productos de alluvião; 3.º que temos um caracter 
muito essencial para distinguir os productos de decomposição local dos de alluvião que 
é a quantidade de fragmentos de quartzo ou area que elles contem, pois nos primeiros 
varia essa quantidade de 25 a 35 0/g do scu peso, e nos ultimos ella nunca passa 
de 18 0/0. 

Capanema, 


SAS je 
E>G 


NOTICIAS DIVERSAS. 


SUPPOSTA MINA DE MERCURIO NA PROVINCIA DO RIO DE JANEIRO. 


Ha pouco tempo encontrou-se junto á margem do rio Santo Antonio, no lugar em 
que elle é atravessado pela Estrada da Policia, algum mercurio que se achava disse- 
minado na superficie do barro vermelho, no cimo de uma pequena collina. O mer- 
curio ia desapparecendo, a medida que se aprofundaya o terreno, e só era observado 
em estado metallico, e não podendo além disso ser descoberto vestigio algum de com- 
binação deve-se concluir que elle fôra ahi entornado. Cc. 


PHOSPHATO DE COBRE DO RIO GRANDE. 


O Snr. Virgilio de Helmreichen, trouxe da Estancia do Carvalho, que está situada 
entre Alegrete e Urugayanana provincia do Rio Grande do Sul, amostras de Phospho- 
rocalcito incrostado sobre oxydo cuproso muito puro; pessoas daquelles lugares lhe 
asseguram que se encontra grande porção deste mineral disseminado pelos campos. 

O Museu Nacional possuia já amostras (vindas tambem do Sul) deste mineral tão 
digno de ser explorado, já pela sua riqueza, e já pela simplicidade do processo a que 
deve ser submettido. 6. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 17 


SECÇÃO DE ZOOLOGIA. 


HISTORIA NATURAL.—OPHIOLOGIA. 


O Minhocão. — O Sucuruhyú. — A Giboia. 


Entre a infinita variedade de entes vivos que o Creador disseminou por todo o 
globo, são os reptis os que nos inspiram maior repugnancia, tanto pelas suas fórmas 
grosseiras, desprovidas da menor graça, como porque seus corpos nos apresentam 
massas pesadas e inactivas, e em geral um aspecto repugnante e horrivel; seu ins- 
tincto se reduz ás mais grosseiras e brutaes sensações, e se limita unicamente a pro- 
curar a sua alimentação e abrigos nos pantanos, nos lugares sombrios e humidos, nas 
cavernas, nos arciaes alagadiços, e nos lugares pedregosos e estereis. Alguns pro- 
curam, raras vezes na verdade, aproveitar-se dos beneficos raios do sol; porém o 
maior numero se conserva escondido durante o dia, e não sahe dos seus escondrijos 
senão á sombra da noite, como para occultar sua disformidade, e poupar ao homem 
o sentimento de temor, de nojo e de horror, que a sua presença costuma inspirar. 

D'entre os reptis a familia das Serpentes é a mais famosa, não só pelo terror que 
ellas inspiram, como pela adoração que lhes prestam alguns povos selvagens, e pelas 
propriedades que os antigos lhes attribuiram. 

Nas Santas Escripturas a Serpente é citada como o symbolo da astucia, da pru- 
dencia, da sabedoria e da immortalidade. Todos sabem o papel que a Serpente re- 
presenta nas mythologias grega, egypciaca e indiana, e da adoração que os povos sel- 
vagens da America, da Africa e da Asia lhe tributam, construindo templos em sua 
honra, aonde estas ridiculas divindades são servidas por sacerdotes e donzellas, 

A historia antiga e as relações dos viajantes referem a prodigiosa força de certas 
Serpentes e suas enormes dimensões. E para não citar senão factos conhecidos, todos 
tem lido nos historiadores romanos a historia dessa enorme Serpente que Regulus 
foi obrigado a destruir com as catapultas do seu exercito, e dessa outra não menos 
enorme Serpente, o terror das margens do Nilo, contra a qual, segundo Diodoro 
de Sicilia, Ptolomeu empregou grande numero de caçadores, cavallos e cães, 

Estas monstruosas Serpentes poderiam passar por fabulosas, assim como a Serpente 
Python, a hydra de Lerna, e a que devorou Lacoon e seus dous filhos, se os via- 
jantes modernos não tivessem observado algumas igualmente monstruosas. Póde 
ler-se na Encyclopedia, e em muitas obras de historia natural, narrações de viajantes 
fidedignos que confirmam a existencia dessas enormes Serpentes, terror dos paizes 


onde habitam. E se se fizer coincidir estas narrações com as dos nossos sertanejos, que 
É) 


18 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


nunca leram as descripções, suppostas exageradas, dos historiadores e viajantes, não 
será reputado extremamente credulo aquelle que prestar alguma fé a estas tradicções. 

As mais monstruosas Serpentes se acham no genero Boa (1), e entre os individuos 
deste genero os mais monstruosos são o Sucuruyo” ou Sucury (Boa gigas, Latreille), 
e a Gisora (Boa constrictor, Linneo. ) 

Porém, por monstruosas que sejam estas Serpentes, ellas não são todavia compa- 
raveis ao MinHocãÃo, o rival da famosa Serpente marinha, e que mesmo a excede se 
dermos credito ás crenças dos nossos sertanejos, 

« O lago dos tigres (2), diz o fallecido marechal Cunha Mattos no seu itinerario 
do Rio de Janeiro ao Pará, tem muitos peixes monstruosos e jacarés, e dizem que 
tambem nelle existe o Minhocão, amphibio que eu por ora reputo chimerico, posto 
que um soldado me disse que o vira no Rio Grande, na passagem para o Cuyabá, 
e diversas pessoas aflirmam existir no Rio de Manoel Alves da Natividade, e outros 
lugares. Segundo o testemunho do soldado Joaquim José Ferreira, o Minhocão tem 
mais de 120 pés (18 braças) de comprimento ; a sua grossura dous pés de diametro 
(mais de 9 palmos de circunferencia) ; a boca extremamente pequena e rodeada de 
cabellos ou barbas de quatro palmos de comprimento, e mais grossas do que fios de 
piassaba : dilata-se e encolhe-se á vontade, de maneira que nesse ultimo estado fica 
grosso como uma pipa : não tem escamas, e a pelle é parda, e bem semelhante á das 
minhocas da terra, de que tomou o nome. » 

Esta crença é vulgar em muitas das nossas provincias do interior, Elle vive, se- 
gundo affirmam muitas pessoas, nas visinhanças das lagoas, cujas margens são palu- 
dosas, e que innundam vastas superficies no tempo das grandes aguas. O Minhocão, 
como as minhocas communs, quando quer mudar de lugar atravessa as camadas 
inferiores do terreno apenas solidificado exteriormente, produzindo enormes saliencias 
na superficie. Nestas occasiões, dotado de uma enorme força de reptação, derruba 
as arvores, as pontes, e todos os obstaculos que encontra na sua passagem ; vai surdir 
nas lagoas, nos rios, ou nos pantanos permanentes, e então é que póde ser visto, 
ainda que por pouco tempo, porque este reptil, segundo a crença vulgar, não póde 
viver muito tempo á luz e fóra da acção da humidade. 

Já dice que no genero BOA é que se encontram as maiores Serpentes (3), e que O 
Sucuruhyú e a Giboia eram as mais monstruosas e terriveis. 

Muitos naturalistas tem confundido as duas especies; mas ainda que a maior parte 
dos caracteres sejam communs, todavia ellas differem em alguns essenciaes. A forma 


(1) Boa—segundo genero formado por Linneu, que comprehende as Serpentes não venenosas : cabeça dis- 
tincta em forma de coração; o tronco adelgaçado para a cauda; sem appendices sonoros (0 que o distingue 
do genero Crotalus); cobertas com grandes chapas coradas, formando diversas figuras. 

Algumas pessoas estão persuadidas que o termo boa é uma corrupção de boia, cobra na lingua indigena ; 
mas este termo se acha em Plinio, que sem duvida quiz designar algumas das grandes cobras da Europa, 
e lhe foi suggerido pela crença popular de que esta especie mamava nas vaccas, e mesmo nas mulheres. 

(2) Uma das lagoas da comarca do Sul da provincia de Goyaz. 

(3) Denominam-se Serpentes aos repetis cobertos de escamas, que respiram pelos pulmões, e desprovidos 
de pés, de nadadeiras, e de todo o membro proprio ao movimento. As Serpentes são todavia dotadas dos 
movimentos de reptação e de natação que as tornam extremamente ageis. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 19 


da cabeça no Sucuruhyú não é identica á da Giboia commum; esta ultima é toda 
malhada de córes diversas, e a disposição destas côres é, por assim dizer, uniforme 
em todo o corpo, entretanto que o Sucuruhyú é geralmente pardo ou vermelho 
arroxado, tem manchas sómente no dorso formando como uma cadeia, e alguns 
pontos pretos dissiminados pelo resto do corpo; a fórma, o numero, e a grandeza 
dos dentes differe nas duas especies; e, finalmente as escamas da Giboia são mui 
pequenas as circulares e adherentes à pelle, em quanto que as do Sucuruhyú 
são grandes, quadradas, separadas e levemente sobre-postas. A pelle deste ultimo 
replil, curte-se perfeitamente com as escamas, o que não é possivel fazer com a da 
Giboia. 

Demais o Sucuruhyú só se acha nas visinhanças das lagoas, e vivendo quasi 
sempre dentro d'agua, póde ser considerado como amphibio, o que não acontece á 
Giboia, que se encontra em todos os lugares. 

Todas estas differenças fazem do Sucuruhyú uma especie á parte. O primeiro 
naturalista que o distinguiu foi Latreille, que lhe deu o nome de Boa gigas, e com 
toda a razão, porque o Sucuruhyú é o gigante das Serpentes. Tem-se encontrado 
alguns de mais de 60 palmos e prodigiosamente grossos. 

O Sucuruhyú existe em muitas de nossas provincias, principalmente nas cen- 
traes. Os lugares onde vivem estas Serpentes são temidos pelos homens e pelos 
animaes, porque asua voracidade não escolhe as victimas. Um pequeno animal ou 
um homem, é presa facil para um Sucuruhyú; um Boi ou um Cavallo é mais difficil. 
Se algum destes animaes se aproxima de uma lagoa ou rio, onde existam Sucuruhyús, 
o mais monstruoso toma logo as suas medidas para o devorar. (Com a cauda procura 
um apoio em pedras, em raizes, ou nos troncos das arvores, se está em terra, e com 
o resto do corpo procura laçar a sua victima, lançando-se subitamente sobre ella, e o 
envolve de preferencia sobre o pescoço como para o estrangular. Se a victima resiste 
e tem força bastante para o arrancar do seu apoio, o Sucuruhyú desenrola-se imme- 
diatamente, e foge para dentro d'agua; se porém este combate momentaneo é fatal á 
victima, a Serpente o envolve completamente até matal-o, e depois o arrasta para a 
lagoa ou rio. Começa então o trabalho da deglutição que é muito laborioso. O Sucu- 
rubyú enrosca-se em torno da victima para a estender o mais possivel, a fim de poder 
engolil-a com mais facilidade, procurando apoiar-se em grandes pedras ou troncos 
d'arvores, para tornar mais facil esta operação; e quando julga ter dado á victima o 
volume conveniente, começa então a devoral-a pelos pés, e leva muitas horas engo- 
lindo-a lentamente. 

Algumas vezes acontece ser a victima tão volumosa que não lhe cabe toda no es- 
tomago, e uma parte fica fóra da boca. É o que sempre acontece quando o monstro 
devorou um Boi: não podendo introduzir a cabeça e os chifres, elle toma então um 
aspecto horrivel que excede a tudo quanto se possa imaginar. Nunca os Gregos, tão 
ferteis em idear monstros fabulosos, se lembraram de phantasiar uma Serpente com 
cabeça e armadura de um Boi! 

Esta enorme quantidade de alimentos não triturados, produz uma digestão laboriosa, 
que só se faz pela putrefacção da victima; então o monstro fica entorpecido, e a sua 
lethargia é tal que quasi fica sem movimento, nem sensibilidade. Nesta occasião é que 


20 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


o matam. Laçam-no, puxam-no para terra, e o abrem pelo ventre sem que elle 
opponha a menor resistencia. 

Os sertanejos exterminam alguns Sucuruhyús a tiro; porém a maneira a mais 
curiosa de os matar é quando algum destes reptis laça algum Boi ou Cavallo. Os que 
conduzem á beber manadas de quaesquer destes animaes á beira dos rios ou lagoas 
onde existem Sucurubyús, vão munidos de prevenção com grandes e afiadas fouces 
fincadas em páos. No momento em que o enorme reptil laça o quadrupede, elles lhe 
dão com toda a força uma forte cutilada no ventre, e muitas vezes conseguem 
decepal-o em duas partes. Apezar de separadas, estas partes procuram refugiar-se 
n'agua, e os sertanejos estão persuadidos que se alcançam introduzir-se n'agua, 
ellas se unem, e o monstro continua a viver como dantes. As mesmas armas, ou uma 
grande faca serve muitas vezes para os livrar das garras ou dos ataques do reptil. 

Contam um acto de intrepidez dos filhos dos indigenas que não fôra crivel, se senão 
soubesse qual a coragem e a destreza de que são dotados, e a isenção de todo o 
temor que dá o habito de ver e combater animaes ferozes. O Sucuruhyú, pelo seu 
instincto, conhece que, devorando um grande animal, sobre tudo um Boi, ficará em 
um estado de entorpecimento que o entregará sem defeza alguma á mercê de seus 
inimigos. Em consequencia deste instincto, elle procura arrastar a sua victima para 
algum lugar recondito onde a possa degirir a salvo durante mezes inteiros. Mas, por 
ingreme e perigoso que seja o lugar onde elle se escondeu, o indio lá o vai matar para 
aproveitar-lhe a pelle. Algumas vezes o augmento do volume das aguas em occasião 
das grandes chuvas, arranca o reptil replecto, e o lança na corrente, onde elle boia á 
mercê da mesma corrente. Então os filhos dos indios vão a nado laçal-o com cordas 
de que vão munidos, e servem-se delle como de uma canôa onde navegam de um para 
outro lado por puro passatempo. 

A pelle do Sucurubyú curte-se perfeitamente com as escamas, e os sertanejos lhe 
dão grande estimação porque serve para fabricar chapéos, coldres, chaireis, botas, 
saccos, Ac. 

O Sucuruhyú é pela sua grandeza a primeira das Boas; a segunda é sem duvida a 
Giboia, de que vou agora fallar. 

Foi este o fim principal que tive em vistas escrevendo este artigo. O horror que 
inspiram as Serpentes e os perigos que se temem na sua aproximação são as causas 
dos poucos conhecimentos que temos dos seus costumes e de seus habitos. É neces- 
sario que o observador se ache em circumstancias especiaes para poder com segu- 
rança e sangue frio estudar-lhe os habitos, e poder comparar as diversas narrações 
com o que tiver observado. Durante dous annos tive occasião de observar as quatro 
Giboias, das quaes ainda restam duas vivas no Museu Nacional. É do resultado destas 
observações de que agora me vou occupar. 

Os naturalistas dividem o genero Boa em varias especies, das quaes algumas con- 
fundem com a verdadeira Giboia. Das que vivem sómente na America, não fallando 
no Sucuruhyú, destinguem-se a 

Boa murina, L, ou come-ratos, de cór verde escura, manchas pretas ou pardas 
sobre as costas, brancas ou cinzentas no ventre. O seu comprimento excede raras 
vezes a 1 palmos. A esta Boa dão de ordinario o nome de limpa-mato. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 21 


do 


Boa scyraLE, L, ou come-cabras, cujo corpo é de côr verde mar com manchas 
dessiminadas sobre o dorso, semicirculares e brancas no centro. Ella se nutre mais 
de rãs e de animaes aquaticos, do que de animaes terrestres, e vive sempre á beira 
d'agua. Chega até 20 ou 30 palmos de comprimento. 

Boa canina (Lacepede), Bojobi, papa-cães ou papa-veados, verde escura, com 
cintas brancas quasi transversaes em fórma de anneis. Excede raras vezes a 18 
palmos. 

Boa HURTULANA, L,. E" uma das mais bellas especies, e a mais pequena das Boas. 
Tem pequenos riscos na cabeça ; seu corpo tem manchas variadas de todas as côres ; 
porém as manchas do dorso tem a figura de meias luas bordadas de branco, e as 
lateraes a figura romboidal e são de côr parda. A sua belleza lhe mereceu o nome de 
Boa elegans que lhe deu Daudin. Vive principalmente de ratos, e o seu comprimento 
excede raras vezes a 6 palmos. 

Boa cencmris, L, ou Aboma, de cabeça oval, marcada em todo o seu comprimento, 
com cinco listas pardas : corpo de côr amarella esverdinhada, com manchas redondas 
cercadas de um circulo cinzento ou preto, e manchas pretas bordadas de amarello 
lateralmente. Chega até 18 ou 20 palmos. 

Boa consrtricror, L, (os Francezes lhe chamam Devin). Os indigenas do Brasil 
lhe dão tres nomes differentes, ou os pronunciam de maneiras diversas : taes são, os 
de Boiaguassu, Giboia ou Jiboya, Jauca acanga ou Jacacanga, palavras que signi- 
ficam chefe, rainha, ou a primeira das cobras. Adoram-na em varios paizes com as 
denominações de Xaxatua ou Xalxathua, e de Lamanda, correspondente ao titulo 
de imperador, ou de rei do Oriente, no Mexico, e em outros lugares. 

Sua cabeça tem a fórma de um coração ; o labio superior é bordado de escamas 
imitando recortados em cremalheira ; seu corpo coberto de manchas elegantemente 
variadas de cinzento, branco, preto, vermelho, amarello : o numero de listões que 
formam estas manchas excedem a 240 no ventre, e 60 no anus. O dorso offerece 
uma sorte de desenho em fórma de cadêa, que, neste reptil, ajunta a força á belleza. 
A estas qualidades, como observa um naturalista, é que se deve o culto que em 
alguns lugares lhe rendem os selvagens ; porque os homens prestam voluntaria home- 
nagem á alliança da força com a belleza. 

A Giboia tem 48 dentes, distribuidos em tres ordens, duas na queixada superior 
com 32 dentes, e uma na inferior com 16. Estes dentes agudos e recurvos, são diffi- 
ceis de vêr porque estão cobertos com as gengivas. Servem ao reptil para segurar a 
presa, em quanto se apresta a envolvel-o com seus formidaveis anneis. Nenhum destes 
dentes tem veneno; mas si se attender ao seu numero e á força do reptil, qualquer 
animal mordido e arrastado por elle, difficilmente escapará da morte, porque de 
necessidade ficarão profundamente offendidos os nervos, os tendões e os tecidos. As 
maxillas são compostas de dous ossos não articulados ; e como os ossos mastoides 
são destacados, o reptil póde abrir a boca á vontade e tragar animaes de um volume 
extraordinariamente desproporcionados com o seu tamanho apparente. 

A natureza dando aos reptis a faculdade de poder tragar animaes de grande volume, 
proporcionou-lhe uma structura conveniente para este fim. Em primeiro lugar os 
orgãos proprios á respiração estão situados de maneira tal que, por maior que seja a 

R 


22 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


victima, nunca póde haver risco de afogar-se o reptil; em segundo lugar, a ossada 
constando quasi unicamente de vertebras e espinhas, sem ligação do lado do ventre, o 
resto do corpo é dotado de uma tão grande elasticidade que permitte a entrada de 
corpos volumosos, que de mais o reptil prepara convenientemente, como já disse tra- 
tando do Sucuruhyú. 

A structura ossea presta-se perfeitamente a este modo de alimentação, assim 
como a todos os movimentos do reptil. O seu esqueleto é quasi inteiramente composto 
de vertebras e espinhas, como acabo de dizer ; estas ultimas começam mui pequenas 
perto da cabeça, a ponto de se confundirem com as vertebras cervicaes, vão crescendo 
até ao meio corpo, e depois decrescem pouco a pouco até á extremidade da cauda : a 
sua fórma é curva, e o seu complexo constitue como uma abobada achatada, sem 
ligação alguma do lado do ventre. 

No esqueleto de um destes reptis, contei 540 espinhas e 270 vertebras : as espinhas 
são articuladas nas vertebras duas a duas. * 

Ainda que vermelho, o sangue das Boas é frio. 

Pelas experiencias de John Davy, a temperatura geral destes reptis raras vezes 
excede de 1 a 2 gráus á temperatura ambiente. Este pouco calor é sem duvida a causa 
principal do longa digestão destes reptis: o seu estomago é, por assim dizer, uma 
sepultura onde os cadaveres se corrompem por decomposição espontanea. 

A morte das duas Giboias deu occasião a fazer-se autopsias em ambas. Eis o 
resultado deste exame anatomico. 

A força e a agilidade dependendo em grande parte da structura muscular, e a Gi- 
boia sendo dotada destas duas qualidades em summo gráu, póde-se afirmar a priori 
que este reptil possue musculos vigorosos. O exame anatomico confirma esta 
opinião. 

Sem entrar em grandes pormenores bastará dizer que este reptil tem muitos 
musculos ao lado e abaixo do craneo. Os musculos lateraes, em numero de quatro 
começam por detraz da cabeça e descem, dous de cada lado, até a extremidade da 
cauda. » Dous outros musculos, da mesma extensão, estão ligados á superficie inte- 
rior das vertebras. De cada lado do tronco existem tantos musculos intercostaes 
quantas são as vertebras. : 

O rsopmaGo (esophagus), de uma polegada de comprido, mas de uma grande elas- 
ticidade, está situado do lado esquerdo ao longo da trachca-arteria e prolonga-se até 
ao orifício do estomago. 

O LsRTNGE tinha o diametro de uma penna pouco mais ou menos. 

À TRACHÉA (aspera arteria), composta de anneis inteiros e cartilaginosos, repousa 
debaixo da lingua, começa na entrada da garganta onde apresenta um orifício oval 
cievado na parte superior, desce por detraz do esophago, e entra nos pulmões por 
cima do coração. ; 

O coração (cer) pouco mais ou menos do tamanho de um coração de gallinha, 
esta encerrado no pericardio, ao qual se acha unido por meio de fibras ; tem dous ven- 
triculos, um á esquerda e outro á direita. O sangue, que yem do da veia cara, entra 
no ventriculo direito, passa para o esquerdo, e sahe pela aorta. Esta divide-se em 
dous ramos de grosso calibre, dos quaes um se dirige para as partes superiores, e o 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA., 23 


outro para as inferiores, dividindo-se em muitas ramificações que chegam até a 
cauda. 

Os puLnões (pulmones) são de grande volume relativamente ás outras visceras, e 
tem a fórma pyramidal. Como a trachéa, estão situados do lado direito. Não são 
divididos em lobos, como acontece aos dos outros animaes, porém inteiros e com- 
postos de uma substancia cellulosa e membranosa. Na parte superior, onde entra a 
trachéa, existe uma multidão de pequenas cellulas cheias de uma infinidade de vasos 
sanguineos ; a parte inferior, mais volumosa do que a superior, é puramente mem- 
branosa, e contém tambem vasos sanguineos porém em muito menor numero. 

O rigano (/ecur), do tamanho de um figado de gallinha, está unido ao pericardio, 
e adhere em todo o seu comprimento ao sacco pulmonar. Compõe-se de dous grandes 
lobos de côr parda, desiguaes, e como divididos pela veia cava, cuja direcção é a 
mesma que segue esta viscera, 

O estomago (ventriculos) na extremidade do esophago é mais largo ; tem grande 
volume, e é formado de duas tunicas concentricas, adherentes entre si e cobertas exte- 
riormente de rugas ou dobras. A membrana mucosa é toda esponjosa. 

O intestino (intestina) fórma, na continuação do estomago, um canal estreito, 
tortuoso e dividido interiormente por muitas separações transversaes. No principio 
elle vai em Jinha recta, depois começa a tomar a fórma de uma spiral, e, pouco antes 
de chegar ao anus, torna a ficar recto, mas dilata-se formando como um sacco que 
serve de reservatorio para a urina e as materias fecaes. Estas materias são expellidas 
em longos espaços, e compõe-se quasi sómente de acido urico. 

Toda a parte externa do tubo intestinal apresenta grande quantidade de tecido 
cellular e mui pouco tecido gorduroso. 

A VESICULA DO FEL (vesicula [ellis) está situada abaixo do figado e do lado do fundo 
do estomago. 

O gaço (pancreas) é apresentado por um pequeno corpo redondo e alongado 
situado acima da vesicula do fel. 

Os riNs (renes) são notaveis pela sua structura e grandeza. Estão situados á 
esquerda e á direita do ventre (abdomen), e são compostos de glandulas continuas 
arranjadas umas após outras e entremeadas de vasos excretorios, 

As Scrpentes, em geral, não tem diaphragma nem peito. 

Julgo inutil entrar em maiores detalhes anatomicos a respeito deste reptil, porque 
muitos naturalistas se tem occupado com isto, nem diria cousa alguma se não julgasse 
interessante a comparação. 

Das quatro Boas que o Museu possuia vivas á pouco tempo, uma já neile existe á 
mais de oito annos. Veio pequena ; hoje tem 16 palmos, e seu volume no meio do 
corpo póde comparar-se ao da côxa de um homem. Já esteve fugida mais de seis 
mezes ; mas apanhou-se com facilidade logo que se descubriu onde estava, e o mesmo 
aconteceu á pouco. Tendo-se deixado por descuido aberta a porta da gaiola, não só 
a grande fugiu, como tambem a pequena que com ella vive; mas é tal o habito de 
viverem encerradas, que entraram sem muita repugnancia para a sua prisão. 

A Giboia grande foi a unica que achei. Tendo vindo do Pará uma outra pequena, 
para evitar despezas, e ao mesmo tempo verificar a opinião vulgar de que a Giboia 


24 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


devora todas as outras cobras, inclusive as de sua propria especie, fiz pôr a recem- 
chegada na gaiola da antiga. Nunca mãi recebeu um filho ausente com mais agasa- 
lho ! Fóra de seus habitos ordinarios, ambas ficaram activas, e uma apar da outra 
percorreram por muito tempo a sua estreita prisão ; depois a grande enroscou-se e 
metteu a pequena entre as suas dobras, como para agasalhal-a do frio; e tem sido 
observação constante que, se o tempo está frio e humido, a pequena se enrosca dentro 
da grande ; se porém o tempo está quente, aquella se enrosca sobre a grande : raras 
vezes estão separadas, e vivem em tal harmonia, que a maior parte do publico está 
persuadido de que a pequena é filha da maior. 

Uma outra observação curiosa se tem feito relativamente á alimentação. A Giboia 
grande come de mez a mez, e algumas vezes com maior intervallo de dias, conforme a 
grandeza do animal que devorou ; entretanto que a pequena só tem comido um pequeno 
rato durante dous annos. Observa-se que, dous ou tres dias depois da grande haver 
comido, isto é, quando provavelmente começa a digestão, a pequena se enrosca em 
torno della, deixando-se ficar nesta posição por muitas horas. Ora, como ella está, 
senão gorda, ao menos não mui magra, póde concluir-se que tira o seu sustento da 
grande por absorpção. Se esta conclusão parece absurda, confesso que á vista do facto 
não posso tirar outra. E 

A Giboia devora ordinariamente gallinhas, mas tem-se-lhe dado perús, leitões, 
cabritos, &c. Não rejeita nenhum destes animaes, excepto se lhe apresentam algum 
sem cabeça; então não lhe pega, ainda que não tenha comido á muito tempo. Durante 
O inverno não come senão no fim de 2 ou 3 mezes. 

É horrivel vêl-a devorar qualquer animal. Primeiramente pega-lhe com os dentes, 
começando pela cabeça ; depois enrosca-se em torno da victima procurando deslocar- 
lhe os ossos, e dar-lhe a espessura conveniente para entrar no esophago ; abre uma 
enorme boca e começa a engolir lentamente, torcendo-se sobre si mesma ; movimento 
que é sempre acompanhado de convulsões geraes em todo o corpo: pára de vez em 
quando, como extenuada de fadiga, e depois continúa fazendo novas paradas até 
introduzir a victima no seu vasto estomago. 

Quando começa a devorar a victima, a sua cabeça toma fórmas singulares, e parece 
um outro animal. A cabeça fica enorme, chata, os olhos grandes e salientes, a boca 
toma grandes dimensões e fica coberta com uma baba visgosa, que lhe serve para 
facilitar a entrada da victima. Ê 

Depois de a ter devorado, cahe em uma especie de entorpecimento que dura até 
que a digestão esteja completa : fica então mais activa, e começa a fazer voltas em 
torno da sua prisão, como para fazer exercicio. Esta digestão dura, conforme as cir- 
cumstancias, de 20 a 30 dias. 

O seu estado habitual é de quasi completa insensibilidade ; apenas se mexe se lhe 
tocam, e é tal a sua mansidão que os serventes lhe dão agua e limpam a gaiola sem 
tomarem precauções. Todavia, a um que estaya acostumado a cossar-lhe o corpo e 
a cabeça parece que a machucou uma vez, porque ella o mordeu em um braço; e 
apezar de apenas o ter ferido com tres dentes, o mordido teve dôres atrozes durante 
muitas horas. 


Tão mansas são as duas actualmente vivas, quão bravias eram as que morreram á 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 25 


mezes. A primeira que veio foi com grande dificuldade mudada para uma gaiola 
nova, tantos eram os repetidos e formidaveis botes que dava em todos os sentidos. 

No fim de tres mezes tendo chegado uma outra, igualmente bravia, foi lançada na 
mesma gaiola, e ambas formaram como um systema de defeza, ou antes de ataque, porque 
bastava a sombra d'alguem que passasse por perto da gaiola para que ellas déssem tremen- 
dos botes á direita e á esquerda, e com tanto furor que quebraram muitos dentes de en- 
contro ás grades, de sorte que estavam sempre com a boca ensanguentada e cheia de puz: 

Quando estavam encolerisadas bufavam como um gato, e este som ia augmentando 
até tornar-se quasi tão forte como aquelle que lançam os tubos que expellem o vapor 
das caldeiras. Este som antecedia sempre aos mais fortes botes. 

Morreram ambas talvez de fome, porque nunca quizeram comer nenhum dos 
muitos animaes vivos e mortos que por vezes se lhes lançou na gaiola. 

Assisti com a mais avida curiosidade aos combates que o instincto de conservação 
obrigou a dar a estes reptis, os animaes que se lhes pôz na gaiola para serem devorados. 

Á altima que morreu, e pouco antes da sua morte, deitou-se um rato vivo. O rato 
mostrou no principio alguma hesitação, talvez pelo terror que lhe inspirava o reptil 
embravecido ; mas em breve lançou-se a elle, e agarrou-lhe na pelle com todos os 
seus dentes. O reptil fez mil movimentos para desembaraçar-se e para mordel-o ; 
debalde, que o rato acompanhava todos os seus movimentos, e agarrava-se successi- 
vamente a muitos pontos do corpo, e até na queixada inferior do reptil. A final, em 
extremo fatigado por esta luta, que durou uma hora, o infeliz rato lembrou-se do 
expediente de entrar dentro da celha com agua que estava dentro da gaiola. Assim 
o deixei, mas no outro dia estava morto. Dahi a dous dias, a Giboia tambem morreu, 

Com estas duas Giboias tive occasião de verificar dous factos duvidosos. 

Quanto tempo pódem passar estes reptis sem tomar alimentos? 

Porque quiz a natureza que elles mudassem a pelle ? 

Quanto á primeira questão, verifiquei que estes reptis pódem viver muito mais de 
dous annos sem alimentação alguma. Um delles viveu no Museu vinte mezes, e o 
outro mais de 24. Ajuntando a este tempo aquelle que medeou entre o seu apanha- 
mento e a sua remessa para aqui, póde bem suppór-se que estiveram tres annos sem 
alimentação. De um delles soube com certeza que, antes de ser enviado para o Museu 
estivera nesta cidade seis mezes, e que durante todo este tempo não comera. 

Para mim está provado que a mudança de pelle é um recurso natural para com- 
pensar a perda ou a diminuição da elasticidade, tão necessaria nesta especie de reptis, 
assim como em todos os que se alimentam da mesma maneira. Observei que elles só 
largam a pelle depois que tem feito completa digestão do animal que devoraram, e 
que o numero de mudanças dependia do maior ou menor numero de vezes que 
comiam. A Giboia grande muda a peile tres ou quatro vezes durante o anno, entre- 
tanto que as duas outras, que nunca comeram, não mudaram a pelle durante todo o 
tempo que viveram. 

A pelle, que ellas mudam como uma camisa, conserva os signaes das escamas, 
tanto as do dorso como as do ventre, com a differença de ser aberta como uma renda 
a parte superior, e inteirissa a parte correspondente ao ventre, onde estas escamas 


são largas e compridas. 
kh 


26 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


Depois de largar a pelle, o reptil fica belissimo de ver. As córes são brilhantes, 
irisadas, chamalotadas, e o corpo fica macio como um veludo. Esta methamorphose 
seria digna da contemplação a mais aturada, se não fôra o cheiro nauscabundo que 
lançam estes reptis, cujo estomago está cheio de materias corruptas. 


Dr. F. L. C. Burlamaque. 


OE 


SECÇÃO DE BOTANICA, 


DEGUMINOSA. 


FERREIREA, GEN. NOVUM. — SPECTABILIS, SP. NOVA. 
Nome trivial — Sepepira amarella. 


Arvore corpulenta, cajo tronco se eleva | Arbor permagua; frunco crassiciem 
direito á 50 c G0 pés de altura com 3 e plusquam tripedalem, altitudinem 50-60 
mais de diametro; e termina por uma pedeum atlingenti, recto, ampla coma co- 
grande copa: casca grossa, gretada por ronato: corlice crasso, rimoso, extus gri- 
fóra, c de côr parda escura, por dentro sco-fusco, intus luteo, amaritudine pra- 
amarella, e de gosto amargoso : madeira dito; ligno pallide bruneo-lutescenti ma- 
de um amarello claro-pardacento, com culis linearibus rubentibus intermixto ; 
alguns laivos avermelhados ; de fibra rija e denso, ponderoso, durabili. 
compacta; é pesada e duradoura. 

Folhas alternas, pinnadas ; peciolo de 3 Folia alterna, pinnata; petiolo 3-4 pol- 
ou & pollegadas de comprimento com pe- licari, infra turgidulo, facie sulcato; foliolis 
quena turgencia na base, ce sulcado na in 7-8 juga dispositis, sub-oppositis, infe- 
face; foliolos arrranjados em 7 ou 8 pares, rioribus parum minoribus, maioribus pol- 
e sub-oppostos; os inferiores são um pouco licaris longitudinis, cum demidio latuti- 
menores, e os maiores chegam a uma pol- dinis; ovalibus, basi obtusis, sive acu- 
legada de comprimento com 3 a 4 linhas tiusculis inequilateris, apice rotundatis, 
de largura; sua fórma é approximadamente leviter emarginatis: facie glabris, di- 
oval; na base obtusos, ou sub-agudos, e lute viridibus, dorso tenuiter pubentibus, 
iniquilateraes, no apice arredondados, e glaucis. 
um pouco cemarginados; na face glabros, 

e de um verde claro, no dorso finalmente 
pubescentes e glaucos, 


"4 
f 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 


Estipulas quasi imperceptiveis triangu- 
lares, caducas. 

Esta arvore despe-se inteiramente de 
sua folhagem nos mezes de julho a setem- 
bro. Dos fins de setembro a principio de 
outubro cobre-se de flores antes da pro- 
ducção de novas folhas: esta nudez vai 
mesmo até quasi a maturação dos fructos. 

Flores miudas, cheirosas, de côr ama- 
rella esbranquiçada: dispostas em racimos 
paniculados, numerosos nas pontas dos 
ramos. 

Pedunculos nascendo das axillas das fo- 
lhas antigas, e de entre duas tracteas es- 
camiformes, que protegem o gommo flo- 
ral, dividem-se uma só vez em longos 
ramos delgados, sulcados, e pubescentes. 
Pedicellos mui curtos, alternos, munidos 
de duas tracteolas oppostas, proximas ao 
calyx, e caducas. 

Estivação papillionacea. Calyx quasi re- 
gular, de fórma afunilada, apenas pubes- 
cente; tubo turbinado, de côr esverdeada, 
forrado por dentro pelo disco ; limbo am- 
pliado com orla membranosa, de côr lou- 
ra, e obsoletamente quinque denteada ; 
persistente. 

Corolla sub-papillionacea de 5 petalas 
membranosas, rugosas na margem, de côr 
amarellada, curtamente unguiculadas, to- 
das quasi iguaes em comprimento ; mas 
diversas entre si na fórma, e principal- 
mente em largura; inseridas na fauce do 
calyx em roda do disco perigyneo, na flor 
aberta são divergentes, e quasi patentes : 
a petala superior, ou postica é mui larga, 
e sub-cordiforme as outras quatro, são 
oblongas, e sub-falcadas, das quaes as 
duas inferiores (anticas) um pouco me- 
nores. 

Estames 10, livres, um pouco mais 
curtos que as petalas, junto com ellas inseri- 
dos; entre si um tanto desiguaes, curvos, 
reclinados; filamentos subulados, glabros, 


27 


Stipule vix apparentibus, triangularibus, 
fugacibus. 

Arbor ista, currentibus mensibus julio, 
augusto, septembrique, foliis se destituit : 
incipiente octobri, antequam novo virore 
decoretur, flores profert; et tantum, jam 
fere maturis leguminibus, denuo fron- 
descit. 

Flores minuti, aromatici, coloris lutei 
evanidi; in racimos panicule-formes, ad 
extremitates ramulorum congestos, dispo- 
siti, 

Pedunculi, axillis peractorum foliorum 
provenientes, basi bractolis duabus scam 
formibus e gemma restantibus, slipati; se- 
mel divisi, divisuris longissimis, sulcactis, 
puberulis. Pedicelli brevissimi, alternatim 
dispersi, bracteolis duabus oppositis, cadu- 
cis, prope flores insertis, muniti. 


Aestivatio papillionacea. Calyx, fere re- 
gularis, infundibiliformis, vix pubens; 
tubo turbinato, leviter virenti, disco intus 
duplicato ; fauce ampliata, ad oram mem- 
branacea, lurida, obsolete quinque den- 
tata ; in integrum persistens. 


Corolla sub-papillionacea, D-petala : 
petalis membranaceis, margine corrugatis, 
pallide luteis, breviter unguiculatis, lon- 
gitudine fere inter se «equalibus, forma et 
latitudine tamen diversis; fauce calycis 
ad marginem disci perigynei insertis; in 
flore aperto divaricatis, quasi patentibus ; 
superiore, sive postico, transverse valde 
ampliato, fere cordato, csteris oblongis, 
fere falcatis, inferioribus sive anticis ali- 
quantulum minoribus. 


Stamina 10, libera, petalis parum bre- 
viora, et cum eis inserta, inter se tantu- 
Jum inequalia, declinata : filamentis subu- 
latis, glabris, albis, autheris ovalibus, bi- 


28 


brancos; antheras ovaes, biloculares, me- 
difixas, de côr rôxa escura ; pollen-tenue 
amarellado. 

Pistillo crecto, de fórma approximada- 
mente falcada, nascendo do fundo do ca- 
lyx, do comprimento dos estames apre- 
sentando alguns pellos tenues; ovario es- 
tipitado, comprimido, uni cellular, com 
um só ovulo anatropo, estilo largo e com- 
primido na base, no apice subulado ; es- 
tygma imperceptivel. 

Legume samaroide, monosperme, inde- 
biscente, estipitado na base, e na ponta 
estendendo-se em aza membranosa, oblon- 
ga, grossa no dorso, delgada, e um tanto 
franzida na orla interna, cujas nervuras 
são dispostas transversalmente; toda a ba- 
gem é glabra; e offerece de cada lado uma 
especie de crista mediana e longitudinal, 
e rugas lateraes : a aza tem no fructo ma- 
duro uma côr mais ou menos amarelada, 
com pintas rubras na orla. 

Semente oblonga, comprimida, quasi 
reniforme, situada longitedinalmente, e 
preza a um mui curto podosperma. Epis- 
perma membranoso, liso, de côr loura; hilo 
marginal, proximo ao apice da semente, 
chalaza opposta: embryão de côr esver- 
deada, cotyledones pouco espessas, oblon- 
gas, radicula curva, encostada á margem 
das cotyledones ; gemmula imperceptivel. 


Cresce nas matas virgens; sua madeira 
é estimada. 

Dediquei este novo genero á memoria 
do nosso patrício e distincto naturalista 
Alexandre Rodrigues Ferreira. 


Já o illustre professor, Domingos Van- 
deli, no seu—Flore Lusitanice, et Bra- 
siliensis Specimen—haávia dedicado ao 
nosso Ferreira, que fôra um dos seus mais 
aproveitados ,discipulos, uma especie de 


BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


locularibus , medifixis, coloris obscuro- 
violacei; polline tenui lutescenti. 

Pistillum c fundo floris erectum, sub- 
falcatum, stamina «quans, pilis raris 
inspersum: ovario slipitato, compresso ; 
ovulum unicum anatropum continente ; 
stilo basi lato, compresso, apice subulato; 
stigmate invisibili. 


Legumen samaroideum, monospermum. 
indehiscens, basi stipitatum, apice in alam 
membranaceam, oblongam, dorso incras- 
satam, margine tenuem, coloris lutescen- 
tis, ad marginem rubentis, venis reticu- 
latis transverse dispositis preeditam, pro- 
ductum : lateribus cristato-corrugatum, 
superficie glabratum, 


Semem oblengum, compressum, sub-re- 
niforme, a podospermio brevissimo sus- 
pensum, longitudinaliter locatum; episper- 
mio membranaceo extus levi, colore 
lurido ; hilo prope apicem marginali, cha- 
laza opposita: embryone, absque albumine, 


colore virescente; cotyledonibus parum 


crassis, oblongis; radicula incurva, ad 
marginem cotyledonum applicata; gemi- 
mula inconspicua. 

Habitat sylvis primordiis; ligoum pre- 
bet, variis operibus aptum. 

Noyum hoc Genus Ferreiream nuncu- 
pavi, in memoriam illustris brasiliensis 
Alexandre Rodrigues Ferreira, rerum 
naturalium assidui investigatoris, et scri- 
ptoris. 

Jam antea Clarissimus Vandellius, in 
suo—Floroe Lusitanicoe, et Brasiliensis 
Specimine—ad insignem plantam ex Pre- 
fectura Minarum a Doctore Joaquim Vel- 
loso de Miranda, illic residenti, manda- 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 29 


Rubiacea, que lhe havia mandado da pro- tam, Genus Fereiriam creaverat, in obse- 
vincia de Minas Geraes, outro naturalista quium illius, quem inter suos prestantio- 
brasileiro, o Dr. Joaquim Henrique de res discipulos adnumerabat. Sed Genus 
Miranda (1), creando o Gen. Ferei- Vandellianum, cum planta sua ad Hillam 
ria (2). Essa planta porém achando-se Jacquinii pertinere cognita fuisset, pree- 
pertencer ao Gen. Hilha (3) de Jacquin, termissum. 

ficou o genero Vandelliano preterido. 


REFLEXÕES SOBRE AS AFFINIDADES DESTE NOVO GENERO. 


Que a planta cuja descripção apresento fórma o typo de um genero novo me parece 
fóra de dúvida; no entanto algumas considerações se offerecem quanto ás suas affini- 
dades genericas. 


Quando descrevi a nova especie de Macherium (Machar. heteropterum) pon- 
derei, que bem que essa planta reunisse todos os caracteres essenciaes do Gen. 
Machorium, tinha todavia um habito externo particular, alguns caracteres de certo 
modo amomalos, (comparada essa nova especie com as 6 ou 7 especies do mesmo 
genero, que já tenho estudadas; todas arvores de construcção). Essas anomalias, se 
quizerem, são: (como já então fiz sentir) estipulas quasi imperceptiveis, flores- 
cencia antes das folhas, e emfim a disposição particular das nervuras da aza do 
fructo (4). 


Ora a planta de que agora me occupo, pelo seu fructo, pertence rigorosamente ao 
Gen. Macharium, e ainda por seus caracteres especificos se prende, ás especies desse 
mesmo genero por intermedio do Machar. heteropterum, no entanto que pela stru- 


(1) O Dr. Joaquim Velloso de Miranda, formado em philosophia pela Universidade de Coimbra, depois 
de ter regido algumas cadeiras na Faculdade de Sciencias Naturaes, na mesma Universidade, veio residir em 
Minas Geraes, donde era filho, sendo encarregado pelo governo de colligir objectos de historia natural para o 
Museu de Lisboa. Foi a este naturalista que o Dr. Vandelli consagrou o seu genero Vellosia, e não a Fr. José 
Marianno da Conceição Velloso, como a maior parte da gente acredita. Velloso de Miranda morreu em Minas, 
com mais de oitenta annos, em 1816 ou 17. 


(2) O professor Vandelli escreveu Fereiria, talvez querendo tornar o vocabulo de pronuncia mais branda ; 
eu, porém, fazendo reviver o genero, creado por elle, para unia planta diversa, me julgo com liberdade de o 
mudar para Ferreirca, approximando-o mais da palavra portugueza. 


(3) A Fereiria de Vandelh é a Hillia brasiliensis dos aa. Quando elle a descreveu, sem duvida alguma que 
a especie era nova; mas não sei porque razão não dava elle nome especifico ás plantas que lhe serviam de typo 
para novos generos, ficando por isso inulilisado o seu trabalho, não só quanto ao genero, mas tambem quanto 
à especie. 

(4) Os mesmos mateiros, cujo tino os guia quasi sempre em reunir as arvores em grupos com nomes ge- 
nericos (grupos, que com admiração minha, coincidem muitas vezes vom as classificações seientificas) desi- 
gnam essa arvore com o nome de Angelim, e não de Jacarandá, como se devia esperar, sendo aqui na pro- 
vincia do Rio de Janeiro chamados Jucarandás todos os pãos de lei, pertencentes ao Gen, Machermum. 


* 


30 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


ctura da flor e suas fórmas geraes tem grandes affinidades com o Gen. Bow- 
dichia, ficando assim approximados dous generos, que nas distribuições as mais 
methodicas estão longe um do outro, como vamos mostrar fazendo resenha desses 
caracteres, 

Analogias ou affinidades entre Macho. heteropterum e Ferreirea spectabilis : Esti- 
pulas pequenissimas fugazes: casca grossa, parda e fendida; entrecasco amarello, 
amargoso : madeira amarellada : florescencia antes da sahida das folhas: corolla 
papilleonacea : fructo rigorosamente identico. 

Affinidades entre a Ferreirea spectalis e a Bowdichia....(1) folhas, estipulas, 
casca e inflorescencia semelhantes : corolla sub-papillionacea ; bandeira e azas pa- 
tentes, ou disyaricadas, n'uma e n'outra (2); mas as petalas da quilha são abertas ou 
divergentes na Ferreirea, e approximadas e inflexas na Bowdichia : disco e inserção 
perigyneos (3) : estames livres. 

Differenças. O Gen. Ferreirea distingue-se fundamentalmente do Macherium pela 
liberdade de seus estames, os quaes são coadunados neste ultimo, e do Bowdichia 
pelo ovario uniovulado, e a fórma do fructo, sendo no Bowdichia o ovario pluriovu- 
lado, fructo não samaroide, e encerrando varias sementes transversaes. 

Cumpre ainda lembrar aqui que a nossa Ferreirea spectabilis, é conhecida por 
todos os mateiros (ao menos na provincia do Rio de Janeiro) com o nome de Sepepira, 
que chamam — amarella— para a distinguir da outra que é uma Bowdichia de flores 
roxas e de madeira mais eseura na côr, a qual denominam Sepepiruna, isto é, Sepe- 
pira escura. 

Vemos pois que por todos os caracteres que eu chamarei empíricos, e por alguns 
caracteres scientificos da flor, a Sepepira amarella colloca-se junto ás Bowdichias ; 
e que ainda pelos mesmos caracteres empiricos, e pela structura do fructo se encosta 
ao Macharium heteropterum. 

Não é de minha intenção, e nem o podia fazer, generalisar estes factos, eu os li- 
mito unicamente ás minhas observações. Mas perguntar-se-ha com qual dos dous 
generos referidos tem relações de maior valor o novo genero proposto? com o Ma- 
cherium pelo fructo ? ou com o Bowdichia pelos estames? Não serei eu o que decida 
a questão. 


Rio de Janeiro, 9 de abril de 1851. — Francisco Freire Allemão. 


(!) Ainda não pude determinar a especie. 

(2) Na maior parte das especies de Macherium são as azas mais ou menos afastadas, ou abertas, porém 
no M. Heteropterum ainda por discordancia as azas são conniventes com a quilha; de sorte que por este 
lado a afinidade do Gen. Ferreirea com o Machee. he mais por outras especies, que pelo M. Heleropterum. 

(3) Ainda aqui ha dissidencia entre o Machocrium heteroplerum, e as outras especies do mesmo genero 5 
porquanto nestas a inserção é hypogynea, e o ovario é rodeado na base por um disco annular; mas n "aquelle 
o fundo do calix é forrado por um mui pequeno disco, vindo a ser a inserção rigorosamente perigynea. É 
uiais um caracter, e de algum valor sem duvida, pelo qual o Macho. heleropterum se avisinha da 
Bowdichia, 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 


EXPLICAÇÃO DA ESTAMPA. 


Fig. 1. —Ramo com folhas, do tamanho 


» 


natural. 
(a) Estipula. 

2. —Ramo com flór, de tamanho na- 
tural. 


31 


EXPLICATIO ICONIS. 


Fig. 1. -—Ramus foliatus, magnitudinis na- 


» 


turatis. 
(a) Stipula. 

2. —Ramus florifer, magnitudinis na- 
turalis. 


3. —Botão, tam. nat. » 3. —Alabastrum, mag. nat. 
(a) O mesmo, augmentado, com (a) Idem auctum, cum bra- 
as suas bracteas, cteolis. 
A. —Diagramma. » 4. — Diagramma. 
5. —Flór, vista de frente. » 5. —Flos, facie visus. 
6. —A mesma, de lado. » 6. — Idem latere visus. 
7. —Calyx, partido, mostrando o » 7. —Calyx, incisus, discum et pis- 
disco e o pistillo. tillum ostendens. 
8. —Fórma das petalas e estames. » 8. —Petalorum et staminum forma. 
9. —Pistillo, partido, mostrando o » 9. —Pistillus, sectus, ut ovulum pa- 
ovulo. teat, 
(a) Extremidade do estilo. (a) Apex stili. 
4) Parte inferior do estilo, (b) Pars inferior stili, que in- 
onde se fórma a aza. alam excrescit. 
(c) Ovulo. (c) Ovulum. 
(d) Podogynio. (d) Podogynium. 
10, —Fructo, tam. nat. » 10. —Legumen magnitudinis natu- 
ralis. 
11. —O mesmo, partido, para mostrar » 11, —Idem, sectum, semine patefacto. 
a semente, 
12. — Semente. » 12. —Semen. 
13. — Embryão. » 13. —Embryo. 
(2) Secção transversal das coty- (a) Seccetio transversalis cotyle- 
edones. onum. 
PES S SIS 


Tea HAS. 


EXTRACTO DAS ACTAS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 


Em sessão de 11 de abril do corrente anno leu o Snr. Dr. Burlamaque o seu pa- 
recer sobre uma memoria do Snr Sousa do Pará; e leu depois a sua memoria sobre a 


genero Ferreirea. 


historia natural das Boas. O Snr. Dr. Freire Allemão apresentou a descripção do novo 


Em sessão de 9 de maio foram lidas: pelo Dr. Capanema a memoria sobre a 


origem das colinas do barro vermelho; pelo Snr. Dr. Maia uma memoria sobre a distri- 
buição geographica dos animaes, e finalmente pelo Snr. Dr. Freire Allemão : estu- 
dos sobre o desenvolvimento do embrião de Iatropha curcas, e formação das tracheas, 
convidando aos membros da sociedade a se occuparem de indagações analogas, 


Na sessão de 6 de junho, leu o Snr, Dr. Maia a descripção de dous novos beija-flores, 


32 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


o Trochylus Vandelli e Ornismya Ludovici. O Snr. Malta leu indagações sobre diversos 
vocabulos indigenas, pelos quaes se designam algumas plantas, peixes e cobras. O Snr. 
Dr. Freire Allemão leu a descripção do oleo vermelho. Myrospermum erythroxylum. 

Em sessão de 4 de julho foi nomeado para socio correspondente o Snr. Virgilio de 
Helmreichen. O Sur. Dr. Freire Altemão leu: considerações sobre a structura e uso 
dos pellos e orgãos analogos dos vegetaes; e o Snr. Dr. Maia observações sobre os 
beija-flores, seus habitos e lugares onde se encontram. 

Em 4 de agosto leu o Snr. Malta a continuação das suas indagações sobre os vo- 
cabulos da lingua indigena; e o Snr. Dr. Freire uma memoria sobre as arvores 
florestaes da provincia do Rio de Janeiro. . 

O Snr. Dr. Burlamaque deu noticias sobre graphito encontrado na cidade do Rio 
de Janeiro, e turba vinda do canal de Campos. Capanema. 


O Snr. Barros, marceneiro, morador na rua dos Ciganos, me entregou duas amos- 
tras, uma de sulphureto ferrico, e outra de cal carbonatada. 

A amostra de sulphureto ferrico (pyrites marcial ou marcassita) da mais bella cór 
de ouro, está disposta em crystaes fortemente adherentes a um fragmento de felds- 
patho orthosia, foi achada, segundo me disse o mesmo Sur. Barros, na pedreira de 
Sant Anna; a de cal carbonatada, em bellissimos crystaes transparentes, foi arrancada 
por um preto no morro do Nheco ou do Sacco do Alferes, de uma grande fenda que, 
pela descripção que lhe fizeram, parece ser a entrada de uma gruta ou caverna. 

Foram infructuosas as pesquizas que fiz para encontrar os jazigos destas duas subs- 
tancias. Fui ás localidades designadas, e ninguem me pôde fornecer a menor informação. 

Ha pouco me foram mandadas pelo governo e tambem me foram dadas por um 
particular, amostras de graphito encontrado na chacara do Snr. senador Cassiano 
Speridião de Mello e Mattos, na Gloria. 

Fui pessoalmente examinar a formação onde se encontrou este graphito. No morro 
de D. Luiza, que faz parte da pequena cordilheira por onde passa o encanamento da 
Carioca, entre a mesma rua de D. Luiza e a da Gloria, se acha situada a chacara do 
Snr. senador Cassiano. Para alargar a mesma chacara, este Snr. mandou fazer vastos 
córtes na montanha; foi então que começou a apparecer o graphito, que se acha disse- 
minado em tenuissimos filetes na mesma montanha, e em pequenas massas na parte 
plana inferior. A montanha é composta de camadas disconcordantes, umas quasi yer- 
ticaes, outras muito inclinadas, de guaiss e pegmatito mui decompostos, de sorte que 
em alguns lugares estas rochas tomam o aspecto de grés, outras de kaolin mais ou 
menos impuro; n'outras finalmente, pela completa desagregação de suas partes, 
apresentam-se sómente argilas soltas de diversas côres, ou tão endurecidas, que se 
observam grandes massas fendadas com o aspecto de pyramides troncadas, e supe- 
riormente assemelhando-se a muros desmoronados. 

Museu, 15 de julho de 1851. —F. Burlamaque. 


— N. B.—O Snr. Vandeli diz ter-se encontrado tambem graphito na chacara de- 
nominada da Floresta, contigua ao morro do Castello. 


ERRATAS. 


N. 9.-— Na pagina 331 — Em vez de reduziu o padrão monetario a 40 dinheiros, 
lêa-se— o valor da oitava de ouro foi elevada a 275500 rs., o que correspondia ao 
cambio legal de 43 1/5 dinheiro sterlinos:—até 33 o valor do ouro estava para o da 
prata na razão de 1 para 15 1/5, l8a-se— de 1 para 14,48. 


N.10.-—Na pagina 338, 1.º verso, em vez de: «No verde cimo da tremenda rocha.) 
Lêa-se:— « No rude cimo da tremenda rocha. » 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 39 


EXERGICIOS BOTANICOS 


OU 


& é 


Memorias concernentes a anatomia, e physiologia das 
plantas, lidas na Sociedade Vellosiana do Rio de 
Janeiro, por Francisco Freire Allemão. 


Bem que seja a Pbytographia a parte da Botanica, á que especialmente me tenho 
dedicado, todavia sempre que algum phenomeno curioso, ou alguma particularidade 
de estructura se tem offerecido á minha observação, eu os registo, descrevendo, ou de- 
senhando-os, como posso; e muitas vezes os sigo mais, ou menos em seu desenvolvi- 
mento, e averiguação : assim tenho já materia para algumas dissertações em pontos va- 
riados da sciencia Phytologica. 

Nesta sorte de estudos, que faço, posso dizel-o, por diversão, e sempre interrompi- 
damente, ficam elles de necessidade incompletos por falta de tempo, e imperfeitos pela 
minha pouca dextreza no emprego do microscopio. No entanto é possivel, que com 
todas as suas imperfeições estes ensaios contenham uma, ou outra idéa, talvez, nova ; 
um ou outro facto ainda não bem averiguado na sciencia: em todo o caso para mim 
será sempre este exercicio de algum fructo. 

Proponho-me a ir publicando debaixo de titulo de— Exercicios botanicos —uma serie 
de Memorias sobre a Organographia, e Organodynamia, as quaes nenhum nexo pódem 
ter entre si, porque não tenciono escrever um systema; nem tão pouco me compro- 
metto a dal-as seguidamente, visto que, como já o disse, não me occupo, senão de 
passagem, neste assumpto. 


MEMORIA PRIMEIRA. 


DA ESTRUCTURA, E FUNCÇÕES DOS PELLOS EXCRETORES DA NOSSA —URTIGA BRABA— 
URTICA NITIDA (1), VELL. FL. FL. 


Por toda a superficie desta planta se deixam ver pintas, ou maculas mais ou menos 
largas, de côr purpurina; e por toda ella tambem estão dispersos numerosos pellos 
de tamanho, e estructura varios, cuja maior parte é capaz de produzir a urticação. 

Alguns delles são simples pellos epidermicos, como se vê na fig. 5 (c); outros igual- 
mente simples tem já a base dilatada em bolbo, mais ou menos esferico, fig. 5 (b); 
todos estes são brandos, transparentes, de paredes pontoadas, e cheios d'um humor 
limpido, que não pude verificar se era urente em razão da pequenez, e brandura destes 
orgãos : emfim um grande numero delles são verdadeiros aculeos fig. 1; é destes que 
vou tratar em particular. 


(1) Em occasião opportuna tratarei desta planta c de sua determinação especifica. 


34 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


Elles são designados na sciencia com o nome de pellos excretores, e se encontram 
nesta planta principalmente no caule, peciolos, e dorso das nervuras: o seu tamanho 
é em termo medio representado na fig. 1; na forma simulam o capello de um alambique 
fig. 1 e 2: todos mais ou menos curvos, dirigem as pontas para a parte inferior da 
Planta, tem uma base conica, larga, e comprimida lateralmente, que sustenta uma pua 
rija e aculeiforme, cuja extremidade um pouco voltada quasi sempre para fóra, fig. 2, 
e as vezes para dentro, fig. 3, remata por uma cabecinha, apenas perceptível. 

Estes pellos são formados por duas partes distinctas, que são o utriculo pilar, e a 
base que o sustenta. 

No utriculo, formado por uma membrana Lenue c diaphana, se devem distinguir 
duas partes; uma é a que forma o bolbo, ou bojo, o qual é de figura oblonga, se acha 
mergulhado nos tecidos da base; e provavelmente é á esta porção da membrana do 
pello que é confiada a secrecção de humor acre que elle contém : a outra parte é a que 
constitue o ferrão, cujas paredes a principio diaphanas, pontoadas, e brandas se tornam 
depois um tanto opacas, sem pontuação appreciavel, c duras: dureza, que é seguramente 
devida á accumulação de moleculas silicosas, que são sempre mais condensadas para 
a ponta do ferrão. 

Quanto á base é ella formada por uma sorte de hypertrophia da camada suberosa da 
derme, cujas cellulas mais amplas no centro, são destituidas de granulação. Esta massa 
cellular abarca todo o bolbo; o qual fica desviado do centro, e encostado ao lado con- 
vexo, de modo a se achar ahi quasi unicamente envolvido pela epiderme, quando pelo 
lado opposto é sustido por grande espessura de cellulas; disposição admiravel para o 
mechanismo, ou funcção do pello. A epiderme se estende por toda a base, até chegar ao 
gargalo do utriculo, offerecendo em sua superficie alguns pellos microscopicos, fig. 2 e 3. 

De tudo se fará mais completa idéa, com a fig. 3 que representa com grande 
augmento a secção longitudinal de um pello, e da porção dorsal do peciolo, onde se 
achava : vê-se em (a) o bolbo do pello, em (b) o ferrão, ou pua. O utriculo pilar tem 
a forma d'uma retorta, cuja cavidade, inteiramente fechada, é cheia de um licor lim- 
pido, e acre: em (d) se mostra a base ou peanha formada por incremento do tecido 
suberoso (1), e coberta pela epiderme (e); em (c) se mostra a ponta do ferrão voltado 
para dentro, terminado por uma espherula, cujos tecidos impregnados de substancia 
silicosa são rijos e friaveis ; (f) camada suberosa, e (g) envoltorio herbaceo, de cellu- 
las allongadas, contendo umas (1,1) granulações de chromulo, outras (2,2) estão cheias 
de um liquido purpurino, e sem granulação; são estas que formam as manchas purpu- 
rinas, de que já fallei: em (h) se representa parte do canal medullar, onde se vêem 
tracheas rodeadas de cellulas allongadas, (1) trachea formada de uma só espira de voltas 
unidas, (2) trachea de menor calibre, formada de duas espiras de voltas soltas. 

Não posso deixar de manifestar aqui minha sorpreza, pela nenhuma importancia 
que dão os phytotomistas a esta particularidade de se acharem muitas vezes, senão 
sempre, ao lado de trachcas de maior volume, e de espira de voltas unidas, outras 
mais delgadas, e de voltas soltas. Constantemente tenho observado isto ; e é para mim 
fora de duvida, que estes dous orgãos tem funcções especiaes, e talvez connexas entre si. 

A epiderme desta planta fig. 4 tem alguma cousa de notavel em sua estructura consta 
ella d'uma unica camada de cellulas, mais, ou menos irregulares ; onde entremeados 


AS Fa 
e 


AURA, 


ch de Srctovro Militar Í 


ara ESTUDO DOS PELLOS EXCRETORES 
Eá DA UETIGA BRABA. 


+ >. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 34 


com os estomas se observam uns corpos, ou cellulas ovaes, de paredes opacas, e pon- 
tuadas, fig. 4 (a) e fig. 5 (a). 

Quanto as espherulas, por que terminam os pellos, tem ellas uma estructura cu- 
riosa : submettidas ao microscopio, quando os pellos são ainda mui novos, e tirados 
das folhas dos gommos, ou grelos, ellas se mostram debaixo de duas apparencias 
principaes, que se representam nas figs. 6 e 7; e como formadas de duas bôlhas, 
uma menor sahindo do meio da outra ; e talvez a alguem pareça mais obvio conside- 
rar o pello rodeado junto á sua ponta de uma turgencia annullar. Por mais diligencias 
que fiz, e apezar da transparencia dos tecidos não pude descobrir sua intima estru- 
ctura, A fig. 6 talvez represente um pello mais antigo que o da fig. 7, porquanto me 
pareceu que á proporção que os pellos crescem, o mamillo central augmenta, e o annel 
que o rodea diminue e se atrophia : tudo isto porém necessita de novas investigações. 

Passemos agora à funcção destes orgãos ou ao mechanismo, admiravel por sua sim- 
plicidade, com que elles penetrando na pelle dos animaes, depositam, ao mesmo 
tempo, na ferida uma parte do licor venenoso, que encerram. 

Tudo o que póde parecer aqui indiferente e casual é maravilhosamente adaptado 
para esse fim ; com effeito todos estes pellos pungentes são recurvados e dirigidos em 
sentido contrario á direcção das partes da planta ; o que tem por fim assegurar a pe- 
netração dos aculeos pelo mesmo movimento, com que se a quer evitar. Suas pontas 
tortas, e munidas de uma cabeça, que parecem contrariar os fins da natureza, são no 
entanto a prova mais irrefragavel da previdencia, com que são dispostas. Com cffeito 
se o aculeo terminasse pontagudo, penetraria inteiro na pelle, poderia não se quebrar, 
ou quebrar-se por fora da ferida, de sorte a não haver nella derramamento do liquido 
venenoso : mas tendo, como tem, torta a ponta (e voltada mais commummente para 
fora) e terminada em pequena esfera, necessariamente se quebra antes de penetrar no 
corpo do animal; a fractura se faz sempre obliqua, e de modo a descobrir a cavidade 
do aculeo ; este assim disposto entra com facilidade ; ea Jympha venenosa se acha em 
contacto com a ferida. 

Sei que na Europa não se explica deste modo o phenomeno da urticação; todos os 
AA. que tenho lido dizem que os pellos das urtigas penetrando na carne ali se quebram, 
e deixam na ferida ao mesmo tempo a farpa e o veneno. Não tenho a temeridade de 
confrontar com as dos mestres da sciencia, as minhas observações, inda que eu as 
tenha por verdadeiras: e se ha erro ele deve necessariamente estar do meu lado. 
Attenda-se porém que eu estudei o phenomeno em uma especie de urtiga, que não 
existe na Europa; e bem póde ser que em cada especie seja o phenomeno diverso. 
Muitas vezes experimentei en mim mesmo, e sempre vi que antes de quebrar-se, 
não entrava o pello, nem eu sentia ardor ; e que tendo entrado nunca pude ver na ferida 
a cabeça do pello. 

Porém o mais admiravel para mim é o mechanismo pelo qual o liquido contido 
no bolbo é expellido pela abertura do pello e lançado na ferida. Mettendo um pello 
entre dous vidros, pondo-o no foco do microscopio, e comprimindo-o pouco a pouco, 
vi que as mais das vezes o pelio se esmagava, sem que o liquido sahisse pela ponta, 
talvez por mal dirigida a compressão; mas algumas vezes vi saltar a cabecinha, sendo 
impellida por um jacto da lympha interior ; tendo-se porém quebrado antes a ponta do 


36 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


ferrão, a mais ligeira pressão fazia sahir a lympha: para melhor observar o pheno- 
meno, com uma lente simples, me servi do meio representado na fig. 8, que consiste 
em passar a volta de um fio por detraz do pello, e assim comprimindo á vontade fazia 
sahir, ou entrar uma gotta de liquido, se alguma se perdia o ar penetrava na cavidade 
do pello. e 

Á simples inspecção da fig. 3, se reconhece logo que o pello tendendo a indireitar- 
se deve formar uma prega na parte convexa e delgada do bolbo, a qual diminuindo a 
sua capacidade hade determinar a sahida da lympha, se houver por onde : para o veri- 
ficar passei a volta do fio por baixo do aculeo (fig. 9) e forcejando por levantal-o, vi 
formar-se log a prega no dorso do bolbo, e na ponta do aculeo, que já estava quebra- 
da, apparecer a gota de liquido (a). Ora é exactamente o que deve acontecer quando 
se é ferido por estes espinhos : pelo movimento contrario á sua direcção, logo que elles 
tocam na pelle, e quebram as pontas, a mesma força, que os faz entrar, os levanta 
juntamente ; de sorte que quanto mais se aprofundam, mais se indireitam, e maior 
porção de veneno lançam na ferida. 

De Candolle havia entendido existir grande analogia entre a curiosa disposição dos 
pellos excretores vegetaes e a das presas das Serpentes venenosas. Muitos modernos 
negam esta analogia. No entanto é preciso convir, que se não existe perfeita identi- 
dade nos apparelhos, não deixa de haver uma grande semelhança de funcção ; maior- 
mente no caso, que apresento, se nos lembrarmos que aqui a compressão do bolbo 
representa com bastante exactidão a compressão da glandula das Serpentes, pelos 
musculos temporaes, e que até a forma, e direcção dos pellos não rejeitam a comparação. 

Em resumo, parece-me ter mostrado que nesta especie de urtiga, a forma, e direcção 
dos pellos; a fragilidade, e estructura de suas pontas; a necessidade de se quebra- 
rem antes de pungirem; e o mechanismo porque se comprime o saco do veneno, tudo 
é digno de attenção e de estudo. 

Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 1850. 


EXPLICAÇÃO DAS FIGURAS 


Fig. 1.— Pello do tamanho natural. . 

»  2,.— O mesmo muito augmentado. 

» 8. Um pello, e porção dorsal do peciolo (a) bolbo—(b) aculeo— (c) cabeça do 
pello (d) base, ou peanha— (e) epiderme (f) camada suberosa—fe) 
camada, ou envoltorio herbaceo (1,1) cellula contendo chromulo (2,2) 
cellula contendo lympha purpurina (h) camada fibrosa, ou canal medular 
(1) trachea de uma espira de voltas unidas, (2) trachea de duas espiras 
de voltas soltas. — 

» 4. —Epiderme— (a) corpo, ou cellula opaca, pontuada. : 

» 5. —Porção da epiderme— (a) cellula opaca pontuada— (e) pello simples, sem 
bolbo— (b) pello simples com bolbo. 

» Ge 7.—Extremidades de pellos mui novos. 

» 8.—Pello com a ponta quebrada, e comprimido pelo dorso com uma volta de 
fio ; (a) gota de liquido interior. e. 

» 9.-Pello, despontado, e levantado com a volta do fio por baixo do ferrão—(a) 
gota do liquido interior, 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 37 


VONHCGEASo. 


EXTRACTO DAS ACTAS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 


Em sessão de 29 de agosto, leuo Snr. Dr. Freire: Estudos physiologicos sobre o caule 
das Nyctagincas, sua formação e desenvolvimento. 

O Sar. Dr. Maia leu a sua memoria sobre os usos e costumes de Ornismia glaucopis 
e Ornismia rubinca. 

O Dr. Capanema apresentou os resultados de sua analyse do oleo de andiroba do 
Pará. 

O Snr. Vandelli fez presente á sociedade de varios manuscriptos seus sobre zoologia. 

Em sessão de 15 de setembro leu o Snr. Dr. Freire a descripção de uma nova espe- 
cie de Paginulus encontrados nos gomos do taquarussú, e ao qual elle deu o nome de 
inclusus. 

O Dr. Capanema apresentou a analyse do leite da Santa Luzia de folha larga. 

O Sar. Dr. Burlamaque deu noticias sobro o molybdato plumbico do Ceará. 

Nesta sessão decidiu-se que a sociedade adoptava para os seus trabalhos mineralo- 
gicos e chymicos, o systema de Dufresnoy, a nomenclatura de Berzelius e as notações 
cristallographicas de Naumann para ter nas suas publicações uniformidade de lin- 
guagem. 

Quanto á parte botanica ella cingir-se-ha na sua classificação e terminologia, quanto 
possivel fór a aquella adoptada por Endlicher no seu genera plantarum, obra ainda 
que não de todo homogenea sempre é hoje indispensavel a todo aquelle que se occupa 
de phytographia por isso não poder-lhe-ha ser dificil acostumar-se á linguagem ali 
usada, 

Quanto á zoologia a sociedade seguirá Cuvier. 

Convida pois a Sociedade Vellosiana a todas as pessoas que para ella quizerem en- 
viar memorias que tenham de ser publicadas, sendo-lhes possivel cingir-se a esta 
resolução. 

Capanema. 


O Dr. Bergeman de Bonn, analysando amostras de Wocehlerita e Enkolita encontra- 
das nos Syenitos Zirconiferos de Brevig, na Noruega, achou entre ellas um mineral 
que muito se lhes assemelhando foi entretanto depois reconhecido como silicato de um 
novo metal. Dissolveu-se o mineral em acido chlorhydrico, e a solução gelalinou com- 
pletamente ; pela evaporação a secco e nova acidulação, separou-se a silica, e a solução 
acida tratada pela ammonia deu um precipitado branco de extrema alvura, o qual era o 
hydrato do novo oxydo, contendo vestígios de ferro: na solução ficaram alguma cal e 
pequena quantidade de magnesia, potassa, sóda e manganez. 

O hydrato referido, exposto ao ar foi se tornando amarellado, e passou por fim a 


amarello avermelhado, depois de fortemente calcinado tratou-se pelo acido chiorhydrico, 
5 a 


38 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


o qual extrahio todo o ferro. Bergeman propoz para o radical deste novo oxydo o nome 
de Donario e o signal Do. O oxydo Donarico contém 13,072 º/o de oxygenio donde 
se tira a composição do novo mineral : 

Acido silicico . . . . 18,463 

Oxydo donarico . . . 74,338 

AGUA rias ES 0 0 or A DD 


100,000 


o)! 


acido silicico, oxydo donarico e agua é de 1: 1: 2/3 donde virá a formula do novo mi- 
neral, considerando o oxydo donarico como R: 


Desprezando os K, Na, Ca, Ms, em diminuta quantidade. A relação do oxygenio em 


Do, Si + E, 


As propriedades do donario são as seguintes : 

O hydrato donarico é soluvel em todos os acidos. 

O xydo donariro. — Obtido pela forte calcinação do hydrato é de côr vermelha intensa, 
formando um pó pesado composto de escamas rutilantes, as quaes pelo microscopio se 
dão a conhecer como grãos translucidos, muito subdividido o pó é alaranjado ; ao en- 
candescer a côr escurece, voltando porém pelo esfriamento ao estado primitivo, o seu 
peso especifico é: 5,570. Inatacavel pelos acidos chlorhydrico (mesmo misturado com 
algum assucar, alcohol, acido tratrico ou oxalico), nitrico, Íluorico, e agua regia, só 
após longo tratamento com acido sulphurico concentrado, e addicionamento final de 
muita agua torna-se a massa soluvel. 

As soluções do oxydo donarico são precipitadas em branco pelo alcalis, sendo o pre- 
cipitado insoluvel em excesso do precipitante. 

Os carbonatos alcalinos dão o mesmo precipitado, que neste caso póde ser dissolvido 
em excesso do precipitante; o mesmo acontece com os bicarbonatos, fervendo-se a 
solução no bicarbonato ammonical, o hydrato donarico é precipitado e não se redissol- 
ve, o que não acontece com as soluções em bicarboaato sodico ou potassico, que pela 
fervura não são alteradas. 

Phosphato sodico, produz em soluções neutras de oxydo donarico um precipitado 
gelatinoso que desapparece pela addição de qualquer acido ou carbonato alcalino. 

Ferrocyanureto potassico dá nas mesmas soluções neutraes um precipitado côr de 
carne, approximando-se ao pardo. 

Sulphydrato d'ammonia, produz um precipitado verde soluvel em acido chlorhydrico, 
e insoluvel em excesso do precipitante. 

Acido sulphydrico e tintura de galhas não dão precipitado algum, tambem a pre- 
sença de acidos organicos fixos impede a precipitação pelos alcalis. 

Donario metalico. — Obtem-se aquecendo o oxydo donarico com potassio : é um pó 
preto que póie ser conservado sem alteração durante 24 horas debaixo d'agua fria, sendo 
burnido toma logo lustre metallico, na chamma arde com luz vermelha oxydando-se ra- 
pidamente ; o seu peso é 7,35. 

O oxydo donarico approxima-se muito a Zirconia, alumina, e oxydo ferrico, porém 
distingue-se facilmente pelas reacções que indicamos. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 39 


Este metal é uma realidade que foi confirmada por H. Rose, não é uma dessas ap- 
parições que como o Illmenio se apresentam, fazem bulha, passam mesmo á alguns 
compendios, para pouco tempo depois desapparecerem vergonhosamente da serie dos 


elementos chymicos. 
' Capanema, 


Por intermedio do Snr. Dr. F. Octaviano d” Almeida Rosa, remetteu o Snr. vis- 
“conde d' Araruama, grande numero de amostras de turba ou turfa das turbeiras abun- 
dantissimas, que acompanham toda a extensão do canal que se abriu de Campos a 
Macahé. 


27 de julho de 1851. — F. Burlamaque. 


ALGUMAS IDÉEAS 


SOBRE 


GROGRAPEIA ZOOLOGICA 


SERVINDO DE INTRODUCÇÃO A DIVERSOS TRABALHOS SOBRE ANIMAES BRASILEIROS, 
PELO DR. EMILIO J. DA SILVA MAIA. 


A geographia organica é um dos mais importantes ramos da zoologia. As numerosas 
viagens em todas as direcções executadas, e os rapidos progressos da sciencia a 
tem immensamente engrandecido. Quem se occupando do estudo da natureza, acompa- 
nha o extraordinario desenvolvimento porque em nossos dias vão passando suas nu- 
merosas divisões, não póde um só momento disto duvidar. Quem está ao facto do que 
no mundo scientifico diariamente apparece, tanto sobre a anatomia comparada, com 
resignação investigada em todas as classes animaes, como a respeito da zoologia des- 
criptiva com afinco estudada em seus menores detalhes com facilidade descobre e com 
pasmo admira as invariaveis leis que regem a formação e dispersão desta multidão de 
animaes diversos, 

Habeis c infatigaveis naturalistas, sulcando mares, atravessando lagos, subindo rios, 
e internando-se nos continentes e rios, ao mesmo tempo que nos tem feito conhecer 
variadissimas riquezas zoologicas, autorisam-nos a poder agora affirmar, que cada 
grande continente e até todos os climas tem formas animaes a elles particulares. Os 
Hu ajold, Natterer, Martius, Leschenaut, Ruppels, Gaimard, D'Orbigny e outros 
so tem tornado celebres por interessantes trabalhos effectuados em tão brilhante e 
aspinhosa carreira. 

Para o zoologista não resta a menor duvida, que a serie immensa de animaes espa- 


40 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


lhados na terra, desde o macaco até o zoophyto estão sugeitos ás leis de dispersão em 
correspondencia com todas as circumstancias modificatrizes ambientes. Cada classe tem 
sua lei geral, e cada grupo seu centro especial de habitação com extremos superiores 
e inferiores de repartições. Os climas, as montanhas, as planicies, os mares, os gelos e 
os grandes rios assignalam limites reaes á familias e até a especies zoologicas. Cada 
animal, por assim dizer, tem seu paiz, sua patria, na qual cada um vive, propaga-se 6 
morre. Todos são filhos do solo aonde se acham, do qual senão pódem ordinariamente 
afastar sem perigo de vida. 

Excepto o homem, algumas aves e peixes dotados de vigorosos e lestos meios de 

“Jocomoção, bem poucos são os animaes verdadeiramente cosmopolitos. 

Qs antigos tanto já tinham conhecido a influencia dos meios ambientes sobre a 
organisação e habitos dos animaes, que por elles ficou conhecido, ser a especie babi- 
tante d'agua doce ou salgada mui differente da que vive no ar, a originaria dos paizes 
septentrionaes dissimilhante das dos paizes quentes, que umas especies só existem nas 
planícies, outras occupam de preferencia os lugares elevados, estas arrastam-se sobre 
a superficie terreste, quando aquellas escondem-se em suas entranhas. A divisão que 
estabeleceram entre os animaes, de terrestes, voadores e aquaticos teve por origem o 
conhecimento das modificações provenientes dessas influencias. 

Mas os philosophos Gregos e Romanos estavam mui longe de suspeitar, que além 
dessas relações entre os meios e as fórmas animaes, outras houvessem tambem regu- 
ladas por leis constantes, que nos fosse permittido dizer hoje, não só que existem de- 
terminados centros de habitações para as familias naturaes zoologicas, mas tambem 
que todos os climas acham-se caracterisados por especies distinctas de animaes. 

Os Romanos fazendo vir por muito custo das diferentes partes de suas vastas pos- 
sessões, grande numero de animaes d'Africa e Asia, sobre tudo no tempo em que o 
fasto dos Imperadores entregava aos circos, á curiosidade brutal do povo, leões, 
tigres, elephantes, rhinocerontes, hippopotamos e giraffas, tiveram occasião de conhecer 
animaes de organisações mui diversas. Mas seus erros e prejuizos a este respeito 
eram tão fortes, que vendo pela primeira vez o elephante o chamaram boi da Lucania, 
ao rhinoreronte boi do Egypto, ao hippopotamo cavallo de rio, e a giraffa camelopar- 
dalis: não querendo desta maneira acreditar nas fórmas distinctas, que tinham diante 
dos olhos, e suppondo pelo contrario serem animaes já conhecidos sómente alguma 
cousa modificados. 

Até o tempo de Buffon a geographia zoologica existia mergulhada em profundas 
trevas. Tudo achava-se confundido quando este genio emprehendedor estudando bem 
as novas fórmas zoologicas, que a America ia apresentando, assegurou que os dous 
mundos tinham especies inteiramente distinctas. Principiando por combater erros Já 
enraisados na sciencia pelos primeiros Europeus que vieram á America, fez ver, quo 
O puma peruviano, impropriamente chamado leão, sendo menor e privado de crina 
era differente deste poderoso rei dos sertões d'Africa, que uma das onças do Brasil, 
a que se tinha dado o nome de panthera, não era de maneira alguma tal anim 1, e 
que a preciosa alpaca do Chileno mal denominada tinha tambem sido, quando a 
designaram com o nome de carneiro. Do mesmo modo criticou o emprego de outros 
nomes conhecidos para designar cousas completamente novas. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. mM 


Quando estas idéas tiveram publicidade, outros naturalistas então se lembraram, que 
todos os animaes domesticos da Europa, neste tempo bastantes gencralisados no novo 
mundo, ahi não existiam, quando Colombo pela primeira vez abordou ás suas praias. 
Com effeito quem ignora que o cavallo, o asno, o boi, a ovelha, a cabra, o javali, 
o porco, o cão e o gato não se encontraram no nosso continente! Uma vez chamada a 
attenção dos sabios sobre a geographica organica, clla não póde deixar de ir de pro- 
gresso em progresso, faltando no entretanto muito para seu completo desenvolvimento. 

A observação feita ainda á primeira vez por Buffon, de que os animaes variam de 
proporções segundo seus centros de habitação, até agora não tem sido uma só vez des- 
mentida. Os vastos continentes d'Asia e Africa nutrem os animaes de maiores tama- 
nhos, só Já se encontram elephantes, giraffas, hippopotamos, camellos e rhinoce- 
rontes. A America não contém senão animaes de moderado porte, aqui não apparece 
os tres grandes pachidermes; o elephante é representado pela anta, o camello pela 
Jlama, o tigre pela onça preta do Brasil. A Nova-Hollanda tem mammiferos ainda 
mais pequenos, c como prova nos limitaremos a dizer que os kanguroos, são os 
maiores individuos desta classe que lá se encontram. 

Buffon comparando os animaes do novo continente aos das outras partes da terra, 
aponta duas particularidades que vamos mencionar visto sua veracidade ter sido reco- 
nhecida pelo estudo e pesquisas dos outros naturalistas. A primeira é que os animaes 
americanos são em geral de menores proporções e menos fortes, que os das outras 
partes, c basta dizermos, que a anta é o animal mais grosso d'America, o lama o 
maior, c a onça Guçurana o mais forte, para vermos, que elles em suas proporções 
e forças muito distam do elephante, camello e leão. 

A segunda observação igualmente interessante tem por fim affirmar, que os animaes 
do nosso continente formam como uma natureza parallela, collateral, como um 
segundo reino animal, que corresponde quasi parte por parte, familia por familia a 
animaes das outras partes do mundo. Na comparação das diversas ordens de mamimi- 
feros, Buffon viu-se muito embaraçado para achar correspondentes no antigo conti- 
nente para os nossos tatus, preguiças, tamanduds, cariguêas e outros: mas natura- 
listas que vieram depois responderam, que esta difficuldade desapparecia ao mo:nento 
que deixassemos a Europa, Asia e Africa, c passassemos ás terras austracs. Com 
effeito é nesses paizes dotados de organisações mui especiaes, que se encontram 
phascolomos, phalangerios, echidnos e kanguroos, que correspondem com os pango- 
linos da região indica conhecidos depois de Buffon, aos que ficam acima nomeiados. 

Tal é o succinto resumo das bellas idéas que provieram da combinação de multipli- 
cados factos, que soube effectuar um grande genio. Como dizia meu sabio mestre o 
immortal Cuvier: todas estas idéas foram verdadeiras descobertas, e de alcance 
immenso para o progresso da sciencia. Foi deste modo, que se encetou o estudo 
methodico das grandes relações que os animaes tem com a parte do globo que habitam, 
foi assim que de todo se ligou á historia natural a geographia. 

A geographia zoologica não é um simples inventario dos animacs existentes com a 
indicação dos lugares onde vivem, como disseram os primeiros autores, que della se 
occuparam. Seu objecto principal é procurar a origem e historia das evoluções ani- 
maes, estudar as relações ou dissimilhanças, que entre elles reinam conforme a diffe- 


6 


h2 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


rença dos centros de habitação, e indagar como as fórmas gravitam entre limites 
determinados, modificando-se segundo os tempos e os lugares. Seu fim pois é mui 
vasto e offerece campo fertilissimo para importantissimos trabalhos. 

Os animaes modificados em sua distribuição geographica pela época relativa da 
formação dos continontes, pelas mui diversas circumstancias climatericas, pelas suas 
respectivas organisações, pela natureza particular do terreno que habitam, pelas 
variadas flóras, pelas differentes faunas, e emfim pela energica e intelligente mão do 
homem, apresentam, como já tivemos occasião de dizer, centros especiaes de habita- 
ções. De tal maneira acham-se espalhados, que é nossa intima convicção, não existir 
clima algum, aonde se não encontre uma ou outra especie, que lhe seja particular. 

No catretanto si a terra hoje offerece um quadro opposto a este, si por qualquer 
parte, que a encararmos topamos com animaes, que são de outras localidades, é por- 
que a civilisação e o progresso humanitario invertendo a marcha da natureza tem 
levado muitas especies zoologicas de uns climas para outros, desta para aquella zona, 
do velho para o novo mundo e vice-versa. O homem tem derramado seus animaes 
domesticos por toda a parte, não só tem geralmente espalhado animaes de grande 
prestimo e valor, mas sem querer alguns nocivos e nojentos como o rato, a barata e 
outros: a industria curopéa tem já domesticado a préa, a cutia, a alpaca, o kanguroo e 
outros quadrupedes exoticos. No entretanto este não é o estado natural, a observação 
acompanhada da historia e presidida pela boa critica, fazendo sobresahir a verdade 
nos patenteará organisações proprias a cada localidade. 

Do que lemos nos autores, e dos numerosos factos que colhemos nos viajantes ad-— 
mittimos na actualidade 14 centros bem pronunciados de habitações animaes. Esta 
opinião, que nos é particular a poderiamos agora mesmo justificar com a citação de 
muitas especies de animaes, proprios a cada um destes centros. Mas como isto nos le- 
varia muito longe, só direi alguma cousa da região aonde habitam os animaes de que 
tenho de oceupar-me. 

Esta região é a America meridional. Uma quantidade immensa de familias zoologi- 
cas a distinguem. Acha-se nelia, os guaribas (mycetes); os micos (cebus); os muri- 
Duis (ateles); os vacaris (brachiurus spix) notaveis por serem mui raros; e os soli- 
tarios parauaçus dos quaes a especie de Matto-Grosso que denominei pithecia saturnina, 
é uma das melhores acquisições do nosso Museo por ser de todo desconhecida no mundo 
scientifico, os viapucas (callitrix) os saguins (jacchus) e (midas); e outros macacos 
dotados de caracteres especiaes, que bem os separam dos macacos do antigo conti- 
nente. Quantas formas distinctas de outros manimiferos se não encontram nesta fertil 
terra ! Comtoda a facilidade disto se convencerá quem attender que esta parte do mun- 
do é a patria das onças (felis); do guará ou lobo ruivo (lupus); do guaxanim ou raposa 
do Brasii (vulpes azare:); das chinchillas; dos coatis (nasua) ; dos lindos caxinguelês ; 
das fetidas jeraticacas; da capivara; da paca; da cutia; da apréa; do castor do Brasil 
diverso do do Canadá por sua cauda redonda; da lontra ariranha, especial aos rios do 
interior do Brasil; da phoca patagonica; dos cavadores tatús; das pachorrentas pre- 
quiças ; dos tamanduás que tão uteis são como devoradores de formigas; das golosas ça- 
rigucas ou gambás ; dos caitetús ou taiaçús; da anta; do ciggoaçútinga ou veado ver- 
melho do Brasil; ciggoaçuapara ou veado galheiro; das preciosas Jlamas, alpacas e 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. h3 


vigonhas; e emfim do mammifero cetaceo, manatus amazonicus, impropriamente cha- 
mado pelos paraenses peixc-bo!, que é de grande proveito. 

A fauna ornithologica desta região é a mais rica do globo. Diz o infatigavel D'Orbigny, 
a quem a America do Sul muito deve, que ella conta perto de duas mil especies par- 
ticulares, quando as conhecidas por todo o mundo ma! chegam a seis mil. Outro na- 
turalista francez Gerard confirmando estas idéas accrescenta, que os generos ornitho- 
logicos mais extensos pertencem á America, e que tambem só ella possue a quarta parte 
das especies conhecidas de gallinaceos com fórmas inteiramente distinctas como os 
mutuns, jacús, araucans, e sigano3. Assim entre grande numero de familias particu- 
lares, ou de especies proprias, como typo apontarei as seguintes; o bello e vigoroso 
condor; o formoso urubú-tinga; dous urubús mais pequenos; os numerosos caracarás ; 
o terrivel chimango ; a coruja cuidara, e a outra de côres escuras, tambem habitante 
das torres do Rio de Janeiro, e a quem chamei strix fluminensis; as lindas cotingas ; 
os sahis de variadissimas córes; as arapongas de grito metallico; o esbelto gallo da serra; 
o uirá-memby passaro do Rio-Negro notavel pela sua côr toda preta, pelo alto diade- 
ma da cabeça, e pelo penacho preto suspenso do thorax ; os brilhantes sucuruas ; as aves 
cantoras, sabiás, cardiaes, gaturamos, encontros, avinhados, bicudos, e colheiras:; 
os uteis guaxaros de Caripi; o João de Barros, admiravel no fabrico do seu ni- 
nho; mais de cem especies dos esplendidos e valentes beija-flores; os saborosos ca- 
pociras, macuco, jacutinga e inhambús ; o araçari que por sua cabeça frisada chamam 
no Pará araçari-mulato ; pombos de diversos tamanhos e côres; tocanos diferentes ; 
variadas ararás; bonitos guarás-vermelhos ; a veloz ema; o elevado jaburú; o gritador 
jacamin; emfim as anhingas, e muitos patos e marrecos especiaes. 

Das outras classes animaes esta região zoologica tambem apresenta muitas especia- 
Jidades. Na classe dos reptis, temos entre as tartarugas os especiaes generos chetyles, 
cuelodina, cinixys e platémydes, deste ultimo tenho podido contar 12 especies; entre os 
lagartos, alguns jacarés, os teiús, as ameivas; entre os ophidianos as giboias, os çuru- 
cucús, jararacas, jararacuçús, caninanas, cascaveis e sucuriús, e muitas mais; entre as 
rãs os generos proprios dendrobates, xhynodermes, hylodes, e outros; na dos peixes 
possue uma infinidade de especies tanto de agoa salgada como doce, o genero asprédes 
lhe é proprio bem como o anableps cujas principaes especies encontrando-se nos rios 
do Pará são todas viviperas; o gymnoptero electrico ou o poraqué do Amazonas é ca- 
racteristico desta região, os insectos são aqui abundantissimos, os seus generos chyro- 
miza, agra, cordistes, odontocheila e outros, lhe pertencem: temos muitas especies 
do genero salurnina, que quasi todas existem no Brasil e dão excelente seda. Não 
nos faltam especies proprias de aranhas, moluscos e radiados. 

Dizia o celebre De Blainville que só as sariguêas seriam de per si sufficientes para 
se justificar o nome de Novo-Mundo, que a America teve ; pois estes mammiferos além 
do mais offereceram um modo de geração vivipera desconhecida até a época em que elles 
appareceram, tal vem a ser a geração propria dos animaes com bolça. Assim a America 
meridional ao mesmo tempo que é a mais cheia de animaes apresanta uma natureza 
animal toda especial, Foi com o estudo dos seus animaes que o grande Buffon estabele- 
ceu a seguinte grande lei: —Que nenhum dos animaes da zona torrida de um dos con- 
tinentes encontra-se no outro. 


44 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


Si agora lançarmos nossas vistas sobre o total de animaes de todas as regiões, a pri- 
meira vista sobresahe a grande differença existente nellas quanto ao numero das espe- 
cies. Em geral o numero destas tanto terrestres como maritimas augmenta a medida 
que se desce dos pólos para o equador. Sendo o maximo da intensidade da vida animal 
os climas tropicaes. 

Outra singular coincidencia apparece entre a clevação de temperatura nas differen- 
tes regiões zoologicas, e o gráo de perfeição organica dos animaes, que as habitam, Só 
nos climas os mais quentes encontram-se animaes mais proximos ac homem ; só ahi 
existem os que na escala animal possuem a organisação mais complicada c as faculda- 
des mais clevadas : nas regiões polares os animaes que apparecem são raros, e ordina- 
riamente occupam gráo pouco alto na serie zoologica. Os macacos e elephantes entre os 
mammiferos, os papagaios e o condor entre as aves, os crocodilos e tartarugas entre os 
reptis, o mero e os voadores entre os peixes, animaes que são dos mais perfeitos, per- 
mitta-se-nos a expressão, nas suas respectivas classes, habitam as partes mais quentes 
dos dous continentes. 

E ainda nos paizes da zona torrida, aonde apparecem os animaes notaveis pela bel- 
leza de suas formas, grandeza de seu corpo, extravagancia do seu aspecto, e singulari- 
dade de seus costumes. Hoje está fóra de toda a duvida, que nas regiões tropicaes a 
natureza se mostra mais fertil, e mui prodiga ; suas respectivas faunas são admiraveis 
pela grandeza e luxo que ostentam. Assim as condições de calor e humidade proprias 
ao desenvolvimento dos vegetaes, o são igualmente ao dos animaes, ellas favorecem seu 
numero, grandeza c côr. 

A sciencia ainda não possue trabalho algum completo sobre geographia zoologica. 
Mas tencionando nos occupar mui especialmente de animaes brasileiros; descrevendo 
muitas formas especiaes novas que tem chegado 50 nosso conhecimento, julgamos con- 
veniente como introducção aos trabalhos, que a este respeito tivermos de apresentar, 
expender os principios fundamentaes da geographia zoologica, como o entendemos e 
a maneira como deve ella ser tratada. 

Tai é o forte motivo que nos levou a este espinhoso e arido campo. O methodo no 
trabalho de que somos nimiamente respeitador, fez com que na exposição das nossas 
idéas sobre a geographia zoologica nos estendessemos mais do que pensavamos. Mes- 
mo assim temos consciencia de termos sido mui laconicos. 

A maior parte dos factos aqui apresentados não são novos, mas o systema que os 
prende, c algumas das considerações que os acompanham e que muito realce dão a sua 
exposição nos pertence. Demais estes factos aqui referidos, e que se acham espalhados 
em obras mui diversas, e alguns ainda ineditos acham-se aqui todos reunidos formando 
um só corpo de doutrina. 

Assim este nosso trabalho, que por tantas causas diversas não podia ser perfeito, 
algum interesse todavia encerra. 


ROO 


SECÇÃO ZOOLOGICA. 


MEMORIA 


SOBRE 


Os Bcija-flores, sonde sc refere os usos e habitos de muitas especies brasileiras, 
pelo Dr. Emilio Jonqguim da Silva Maia; lida cm diversas sessões da Sociedade 
Vellosiana, sendo a primeira no dia 4 de julho dc 1854. 


O bello e notavel facto enunciado a primeira vez pelo eloquente Buffon, de que 
cada continente, ou com mais precisão fallando, cada uma das partes meridionaes dos 
dous continentes, possue animaes distinctos, achando-se justificado pela historia das 
familias zoologicas dos dous mundos, está hoje na sciencia adinittido. Quanto mais 
a zoologia é estudada, quanto mais se aprofunda a comparação entre os diversos 
animaes, mais saliente esta verdade se torna. A familia de que nos vamos occupar 
é disto prova evidente. 


Os beija-flores, chamados tambem pelos Portuguezes pica-flores ou chupa-meis, c 
pelos nossos indigenas gorambuch segundo Jean de Lery, ou guainumbi como diz 
Marcgrave, e que na escala animal pertencem a ordem das aves cantôras, a secção 
das que tem bico delgado, comprido e não chanfrado na ponta, constituem uma 
das mais importantes familias naturaes entre as muitas que só habitam a America, 
Ainda que a parte tropical do novo continente seja o paiz de sua predilecção e 
aonde se encontram o maivr numero de especies, todavia viajantes conscienciosos 


tem posto fóra de duvida a achada de tão lindos passarinhos nas regiões as 
mais Írias. 


Elles apparecem em todo o norte dos Estados-Unidos; na babia de Hudson; em 
lugares elevadissimos dos Andes sendo mui communs em Quito, e nas frigidas mon- 
tanhas do Orizabo, no Mexico. O capitão Cook a quem a historia natural muito deve, 
trouxe bellos exemplares da bahia de Nootka; o não menos celebre Kotzbue viu o 
Trochilus rufus na latitude de 61 gráos do Norte. Ramon de la Sagra, na parte 
zoologica da sua importante obra —historia physica, politica e natural da ilha de Cuba, 
affirma que o T. colubris Vieillot, chega na ilha em setembro e parte em maio, indo 
passar o verão no Canadá. O Snr. Charnizttplue, membro de uma comissão de 
naturalistas russos, que ha 3 annos visitou o Museu Nacional na volta de sua viagem 
ao redor do mundo, presenteou o nosso estabelecimento com um exemplar da bri- 


lhante especie Oruismia Sasin por elle apanhada na alta California, assegurando-nos 
6 * 


46 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


ter caçado mais dous individuos identicos no verão de 1847 em latitude muito mais 
ao norte. 

A observação tem ao mesmo tempo demonstrado que a distribuição geographica 
desta familia varia conforme os dous generos em que ella se divide. O genero Ornismia 
de Lesson, a que outros chamaram orthorhyncus, caracterisado pelo bico direito, e 
cujas especies são numerosissimas, tem habitação mais restricta ; não só a maior 
parte das especies existem unicamente entre os tropicos, mas tambem as poucas, que 
sahem fóra da zona torrida, acham-se circumscriptas entre 42 grãos, latitude do 
Norte e 35 do Sul. Quando o genero que ainda hoje conserva o nome dado por 
Linnêo a todos os beija-flores, Trochilus, distincto pelo bico arqueado para baixo, 
abraçando menor numero de especies, estende-se por toda a parte nas duas Americas, 
principalmente no estio, desde as geladas regiões do Norte até a ponta mais austral 
do cabo d'Horn. Assim estes passaros são essencialmente Americanos : em nenhuma 
outra parte do mundo apparecem, tendo sómente a Africa meridional o diferente 
genero Cinnyris, que póde até certo ponto a elles corresponder. 

O Brasil possue grande numero de especies que lhe são proprias, e tambem 
algumas das que existem em outras partes da America: muitas das nossas provincias 
como Pará, Minas, Rio de Janeiro e Bahia, tem especies que só nellas se encontra. Em 
geral as provincias do norte são as mais abundantes a este respeito, e sendo ellas 
ainda pouco exploradas, quem sériamente se entregar ahi ao seu estudo muitas novi- 
dades deste genero deve achar. Os arrebaldes desta côrte que, ha 9 annos para cá 
temos visitado por diversas vezes na extensão de duas a tres leguas em sua circunfe- 
rencia, nutrem muitos individuos de especies diversas. Como resultado de observação 
propria, e segundo exige o interesse da sciencia passamos a citar os nomes das espe- 
cies por nós vistas neste espaço, e como taes reconhecidas. , 

Taes são o Trochilus brasiliensis Temm. achado em chacaras situadas nos pontos 
os mais oppostos ; o T. superciliosus Less. em Irajá; o T. petazophorus Pr. Max. á 
uma legua para o Norte, distante de Nictheroy; o T. noevius ou o grypus ruficollis de 
Spix nos canos da Carioca perto do Corcovado ; o T. ater Pr. Max, ao qual Lesson 
chamou — O. lugubris, perto da cascata pequena da Tijuca; o T. rubineus Lin. em 
Inhauma ; o T. saphirinus no Engenho-Novo e em muitas outras partes; o T. albicol- 
lis Vieill. no Rio-Comprido; o Ornismia glaucopis Less. no Engenho-Velho, Rio- 
Comprido e S. Christovam; o O. wiedii Less. em Andarahy; o O. simplex de 
Lesson que é o T. cirrochloris de Vieillot em muitos arrebaldes da cidade; o O. 
albirostris no Jardim Botanico ; o O. viridissima Less. em Bota-Fogo e no Rio-Com- 
prido, e o O. albiventris no Rio-Comprido e em outras muitas partes. Além destas 
14 especies por nós bem determinadas é de suppor que outras ainda apparecem nas 
visinhanças da cidade. Só a respeito do Rio-Comprido, que melhor o conhecemos, 
podemos certificar que nenhuma outra especie diversa das nomeadas tem por nós sido 
ahi encontrada. 

Segundo os nomes referidos vê-se, que alguns dos beija-flores por nós apontados, 
acham-se nos autores como pertencentes á localidades mui distantes do Rio de Ja- 
neiro, O que evidentemente prova, tanto os enganos de alguns escriptores, como o 
“quanto algumas especies nimiamente viajantes pódem estender seu centro de habi- 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 47 


tação. Assim entre outras cilarei as especies, albiventris, albicollis, e albirostris, 
que são referidas nos autores como pertencentes à Goyana Franceza, quando todas 
tres existem no Rio de Janeiro. 

Os beija-flores derramam-se tanto em toda a superficie do Brasil, que apparecem 
em lugares mui diversos; emquanto uns volteam nas baixas planices, outros zunem 
nos mais altos cumes dos morros. Encontram-se nas sombrias florestas, nas abertas 
capoeiras, nos profundos valles, nas margens da rapida ou branda corrente, sobre a 
superficie das aguas, nos campos cultivados, nas campinas silvestres, nas alvas praias 
do mar, e emfim nos risonhos jardins, indicadores da visinhança do homem. Entre 
nós, companheiros inseparaveis das flores, com as quaes brincam chupando-lhes o 
precioso nectar, ou dahi tirando pequenos insectos, apparecem ou desapparecem á 
proporção que estas deixam-se ver, ou murcham. Desta maneira, com raras exce- 
pções sitio nenhum florido existe no Brasil aonde não se ache uma ou outra especie 
de beija-flor. 

Estes passaros celebres por sua pequenhez, zunido que fazem, e maravilhoso brilho 
de plumagem, e que desconhecidos dos antigos, necessitaram para apparecer, que 
Colombo duplicasse o mundo conhecido, não podiam deixar de merecer particular 
attenção dos primeiros viajantes que delles tiveram noticia. Com effeito foi com grande 
enthusiasmo que delles se occuparam André Thevet, e Jean de Lery, primeiros es- 
criptores que no mundo scientifico os fizeram ser conhecidos. As obras, hoje rarissi- 
mas, que contém estas e outras curiosas informações são as intituladas— Singularités 
de la France Antarctique, publicada em Paris em 1558 por Thevet—e Histoire d'un 
voyage fait en la terre du Brésil, outrement dite Amerique, de Jean de Lery, impressa 
em Rouen em 1578. 

Estes autores, ambos companheiros de Villegagnon, foram considerados no seu 
tempo como pouco exactos. No entretanto a este respeito, salyo o não comprehen- 
de-se o que elles chamavam o seu canto, cousa alguma fabulosa era annunciada. Os 
tres seculos que se tem seguido comprovando melhor suas asserções, só dilataram 
mais o extenso quadro das admiraveis propriedades que os adornam. 

Muitas paginas teriamos de escrever se quizessemos neste momento esboçar todos 
os caracteres, e todos os multiplicados usos e habitos de animaes tão singulares. 
Como isto muito longe nos levaria, pouca cousa diremos sobre o objecto, sobretudo 
porque o fim do nosso trabalho é sómente apresentar algumas particularidades pouco 
ou nada conhecidas que por observação propria temos podido colher sobre a vida de 
algumas especies Brasileiras. 

A sciencia já deixa fóra de duvida que as trochilideas formam uma familia perfeita- 
mente caracterisada ; seu bico fino, pont'agudo, ordinariamente comprido ora direito, 
ora curvo, suas pennas escamosas, suas azas longas e estreitas, seus tarsos delgados e 
mais curtos que o dedo do meio, seus pequenos pés, sua lingua extensivel, longa, 
dividida em dous tubos filiformes e sustentado por dous compridos ramos do osso 
hyoide, são signaes, que os distinguem e bem os separam dos outros passaros da 
mesma ordem. 


Hoje já não se questiona sobre a sua nutrição; a sciencia tambem está de 
que tanto se sustentam do succo das flores, como de insectos. A observaç 


accordo 
ão por nós 


AS BIBLIOTHECA GUANABARENSE., 


feita sobre muitas especies brasileiras, mostra-nos não só que a maioria dellas, são 
ao mesmo tempo mellisugas e insectivoras, mas tambem que um pequeno numero 6 
puramente mellisugo. Vi o lugubris no fim da tarde, andar á engulir os insectos que 
em grande quantidade então appareciam ao redor da pequena cascata da Tijuca. Por 
diversas vezes encontrei o simplex, a attacar aranhas tragando as mais pequenas ou 
as moscas que nas teias achavam-se presas. 

As azas pontudas, musculos pectoraes robustos , e o sterno sem chanfradura lhes 
fornecendo poderosos orgãos para o vôo servem de fundamento a que elles constan- 
temente possam girar nos ares, zunindo em volta das flores, das miriadas de in- 
sectos e das teias d'aranhas, pelo velosissimo movimento de suas pennas. Notaveis 
ainda pelas vivissimas cores com que se paramentam, por uma coragem intrepida , 
pela elegancia e delicadeza de suas formas, pela engenhosa construcção dos vinhos, 
e pelo numero e variedade de suas especies são verdadeiros representantes de belle- 
za, actividade e riqueza dos paizes aonde existem. 

Com que arte e paciencia não fabricam os seus ninhos ! Que delicadeza e precauções 
ás vezes não empregam nesta construcção! Em uma bella manhã o acaso permittio- 
me ver o ninho da especie rufigaster de Vieillot feito da maneira a mais elegante, 
com a forma de cestinha arredondada, e suspenso na face inferior de uma folha 
de inhame. 

Com a sua presença animando e dando mais realce as scenas já apparatosas da 
natureza americana, em todos os Lempos sempre foram as delicias do indigena e o 
encanto do estrangeiro. Circulam com a rapidez do raio ordinariamente no meio de 
uma athmosphera embalsamada pelo perfume de milhares de fiores, quasi sempre 
conertos de ouro e das mais resplandecentes cores das pedras preciosas. O brando 
vermelho do rubim, o vermelho inienso da granada, o lindo amarello do topasio, o 
carregado amarello cor de ouro, o agradavel: verde da esmeralda, o verde escuro 
da malachite, 9 bélio azul da saphira, e o violeta da amethistha existindo separadas 
“em muitas especies brasileiras servem a estas de caracteres differenciaes. Outras ye- 
zes estas mesnas cores se misturando e formando pasmosas combinações deleitam a 
vista, extasiam o coração, e apparecem de maneira a não poderem ser imitadas pelo 
pincel o mais delicado; no entretanto assim mesmo caracterisam perfeitamente al- 
gumas especies. pd 

E realmente bello a profusão espantosa de cores tão esplendidas. Parecendo incri- 
vel, tanto luxo em um ser já tão bem doptado pelo Creador, tudo que se possa di- 
zer no estylo o mais pomposo, é sempre inferior ao que a natureza ostenta nestes 
seus abençoados filhos. Nada conheço mais digno de ser cantado pela poesia ame- 
rica, do que esta formosa avesinha a que os Mexicanos com tanta razão deram o nome 
de tzitztototl (Hernandez) que quer dizer raios ou cabellos do sol. Emquanto 
com o desenvolvimento das letras brasilicas, lyras bellas e harmoniosas se preparam 
para enthoar perfeitos e suaveis versos sobre uma das mais estipendas producções 
do paiz, vamos nós homem da sciencia, bem a estudando para assim augmen- 
tarmos o catalogo dos factos que um dia terão de ser todos cantados pelo genio 
brasileiro. 

Convencidos pois da importancia desta familia desde que em 1842 fizemos parte 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. Pas) 


da administração do Museo Nacional foi ella uma das que primeiro occupou nossa 
attenção. Encontrando na casa 35 especies já determinadas pelo nosso mui digno 
antecessor o Snr. Fr. Custodio Alves Serrão , e maior numero de pelles de outras 
especies e duplicatas, sobre todas ellas fizemos rigoroso estudo. Então examinan- 
do com todo o cuidado, individuo por individuo, tanto os que já possuiamos como as 
novas acquisições que iam havendo, dentro de pouco tempo achavam-se classificados 
o montados nas parteleiras expostas ao publico 90 individuos comprehendendo 52 
especies distinctas : de algumas tinhamos o macho, a femea e o novo cada um destes 
pela maior parte com cores diversas. 

Desde esta occasião conhecemos por experiencia propria o quanto convém que um 
ornithologista esteja ao facto das mudanças porque passam os beija-flores nas diversas 
épocas de sua vida, e das modificações, que ellas produzem no seu aspecto externo. As 
pennas dos machos adultos differem as vezes completamente das femeas, e umas e 
outras das dos novos. De muitos erros estão cheios os autores por falta deste conhe- 
cimento ; dahi vem a dificuldade de hoje sabermos algumas das especies descriptas por 
Linnêu, Latham, Brisson e Buffon. Audebert, Vieillot, e mesmo o mui consciencioso 
observador Azara, que tão importantes serviços fez a historia natural da America do 
Sul, tambem a este respeito enganaram-se ; descreveram individuos novos e femeas 
com uns nomes, e os typos perfeitos das mesmas especies com outros. 

Para evitarmos o cakir no mesmo erro necessidade tivemos de recorrer, quando 
podiamos, a minuciosas indagações sobre o animal vivo, a fazermos por vezes exames. 
anatomicos, e em algumas occasiões á consultarmos a longa pratica, que dos nossos 
passaros tem o naturalista Dr. Descourtilz, que ha muitos annos viaja pelo Brasil. 
Desta maneira ficamos com plena convicção, que os exemplares do Museo Nacional 
sendo bem determinados, os seus rotulos perfeitamente indicam o que são. 

Julgando duas especies por esta occasião examinadas, inteiramente desconhecidas 
para a sciencia, tiveram de receber de nós os mui respeitaveis nomes de Thereza e 
Januaria. As descripções destes novos beija-flores com as suas respectivas estampas 
appareceram no primeiro numero do interessante jornal litterario intitulado— Minerva 
Brasiliense, publicado aqui no Rio de Janeiro em novembro de 1843. 

O credito do jornal levando a noticia do nosso escripto ao mundo scientifico em 
pouco tempo ornithologistas dos Estados-Unidos e da França honraram-nos com 
lettras suas, não só emittindo seus juizos sobre as nossas especies, como pedindo 
informações e noticias sobre alguns pontos duvidosos da historia destas aves ameri- 
canas. O Dr. Dekay de New-York acceitando as nossas especies, de nós tambem 
exigia saber, si no Brasil existia as especies por elle apontadas. 

Jules Boursier de Lion em extensa carta que nos dirigio, e que guardamol-a nos 
archivos da Vellosiana, não só pede o nosso parecer sobre 50 questões por elle pro- 
postas sobre todas as particularidades da vida dos beija-flores, mas tambem com toda 
a franqueza emitte sua opinião a respeito das nossas duas especies. Dando 6 devido 
peso a ultima carta por ser escripta por um grande trociuilidista, e sentindo muito o 
não acharmo-nos habilitado naquella época a poder responder a todas as suas per- 
guntas, redobramos exforços, fazendo muitas pesquizas e aturado estudo sobre a vida 


destes lindos visitantes dos nossos jardins. Pensamos alguma cousa ter colhido, a que 
1 


50 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


ha mais tempo teriamos dado publicidade, bem como a outros trabalhos, si descorçoa- 
mento pelo progresso das sciencias naturaes no paiz, não nos tivesse ultimamente 
desviado deste proposito. Mas graças a Vellosiana achamo-nos com novo alento, e 
por isso hoje me apresento á sua presença com os factos, que a este respeito tenho 
podido observar e ajuntar. 

Mas antes de proseguirmos, seja-nos permittido transcrever em portuguez as idéas 
expendidas em francez por Boursier sobre as duas novas especies, por interessar de 
alguma maneira a sciencia.— « O beija-flor Thereza é inteiramente novo, e nada 
existe na Europa, que se lhe possa comparar sobre tudo pelo caracter das pennas do 
meato auditivo, que são de côr vermelho-encobrado; é com toda a certeza uma especie 
mui preciosa. Rogo-vos encarecidamente o obsequio de remetter-me um exemplar, 
por qualquer que fôr o preço, pois desejo apresentar em minha obra, que brevemente 
vou publicar um exemplar desenhado com o original a vista. Sobre o beija-flor 
Januaria tenho a vos dizer, que possuo individuos com tal semelhança com a vossa 
descripção, que penso serem os mesmos, uns foram recebidos de Goyana Franceza. 
outras de Guatemala. Dúvida alguma existe, como bem o reconheceis, que Lesson se 
enganou, indicando como femea do Saphira a vossa nova especie: ella é inteiramente 
diferente, a verdadeira femea do Saphira foi por elle publicada em seu volume das 
Trochilideas, por causa da communicação, que lhe fiz para rectificar seu primeiro 
engano. Em uma caixa, que a pouco tempo recebi de Montevidéo, vinha dentro outro 
exemplar como o vosso. » 

Assim este ornilhologista, que durante toda a sua vida, como elle proprio nos diz, 
tem-se occupado de beija-flores, deixando claramente entrever, que os nossos nomes 
foram bem dados, por termos sido os primeiros, que descrevemos estas especies. 
certifica-nos ao mesmo. tempo, que no mundo scientifico nada existe que se possa 
comparar a especie Thereza. Quanto a especie Januaria admiramos que, sendo eila 
tão espalhada, fossemos os primeiros a designal-a de maneira a ser reconhecida. 

Não nos foi possivel enviar o exemplar com tanta instancia pedido, porque então 
não o tinhamos, e mesmo até hoje, não temos podido vêr senão dous individuos 
destes: um pertence à collecção do Museo Nacional, e acha-se na partileira pro- 
pria, o outro existe entre os beija-flores por nós classificados, que possue S. M. 
o Imperador. 

Os nossos primeiros trabalhos sobre esta familia sendo coroados com o achado de 
duas especies não ainda referidas pelos autores, e além disto influidos pelas cartas 
recebidas depois da publicação por este respeito feita, procuramos alargar o mais 
possivel o campo de nossas observações. Empregamos pois todas as diligencias para 
augraentarmos o numero dos beija-flores do Museo. Para diversas partes do Brasil 
fizemos encommendas, e por trocas e compras alguns obtivemos de grande valor pela 
sua raridade, como prova as outras duas novas especies, Vandelii e Ludovicii, por 
nós já tâmbem descriptas. Desta maneira temos podido nos achar em circumstancias 
de vêr perto de duas mil pelles destas; tal foi o motivo porque em poucos annos 
estes passaros viram-se mais, que duplicados nos armarios da casa. 

Quem estiver sciente da fraquissima dotação do Museo Nacional, e que apezar da 
penuria de meios este estabelecimento soffre, ba annos, córte em sua receita, não 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 51 


poderá deixar de confessar que alguma cousa fizemos. Os nossos beija-flores são 
disto prova. 

A rica collecção ornithologica que o Brasil possue no unico estabelecimento aonde 
se póde fazer verdadeira idêa da grandeza e opulencia do paiz, nada tem que invejar 
a muitas das que existem na Europa. Entre as 2124 aves ahi classificadas e systema- 
ticamente arranjadas, comprehendendo 1276 especies distinctas sobresahe, logo a pri- 
meira vista a extensa e esplendida femilia dos beija-flores, que todavia ainda não tem 
metade das especies conhecidas. Eis o actual quadro destes passaros no Museo Na- 
cional. j 

Temos na casa 244 individuos, 120 preparados e collocados no armario exposto 
ao publico, e 118 no lugar das duplicatas : entre os montados existem “65 especies 
distinctas, e sobre as quaes não temos a menor duvida, e 8 pelles que pelo seu estado 
e talvez novidade ainda não nos é permittido dizer o que sejam : ficam dos que se acham 
á vista 53, que são ou femeas ou individuos novos, bem determinadas as especies a 
que pertencem. As 65 especies distinctas e cujas localidades tem sido procuradas 
com todo o cuidado, comprehendem 47 brasileiras e 18 de outras partes do Sul e do 
Norte d'America. As brasileiras são : 30 do Rio de Janeiro, 9 do Pará, 4 de Minas 
Geraes, 2 da Bahia e 2 do Maranhão. 

Taes são os detalhes dos beija-flores que o Museo possue. Si por ora o conheci- 
mento destas minudencias de pouco serve, visto ser pequena a nossa collecção trochi- 
lidea em relação á extensão desta familia; quando os nossos concidadãos conven- 
cendo-se da importancia de bem conhecer nossas cousas, nos coadjuvem, enviando- 
nos de todas as proviucias peles de beija-flores, detalhes identicos nos serão então de 
muita utilidade para resolver pontos ainda obscuros da sciencia. Só desta maneira 
viremos a conhecer, tanto as especies, que tem habitação geral por todo o Brasil, 
como as que exclusivamente existem em uma ou outra provincia; só assim sabendo 
as que são puramente brasileiras poderemos chegar a descobrir todas aquellas que 
emigram do Norte para o Sul d'America, ou vice-versa. 

As remessas por nós já sollicitadas por diversas vezes, são-nos tanto mais preciosas 
quanto é a impossibilidade em que nos achamos na actualidade, de as ir obter no 
proprio campo aonde existem : unica maneira no entretanto de fazermos a este res- 
peito boa colheita, acompanhada de todos os necessarios esclarecimentos. Nesta 
espectativa, e pouco ou nada recebendo de fóra, viemos morar, ha annos para o Rio- 
Comprido, para mais de perto podermos examinar as diversas fazes da vida destes e 
outros interessantes visitadores dos nossos jardins, estudando melhor seus usos e 
costumes, 

Principiando por bem conhecer os principaes animaes que lá se encontram, sor- 
prebendidos. ficamos da enorme e gradual diminuição que vai harendo em todas as 
suas aves. Urm sitio que ainda ha pouco tempo era; mui frequentado por grandes 
bandos de sabis (Tanagrá), bemtevis (Tyrannus), sabiás (Turdus), anums (Croto- 
phaga), maritaccas (Conurus), periquitos (Psittacus), pombas (Collumba), inhambús 
(Tinamus), capociras (Odonthophorus), jacus (Penelope), e outras muitas aves, 
sobretudo pequenas, não apresenta hoje senão poucas andorinhas (Hirundo), algumas 
gamaxirras (Proglodytes), um ou outro serrador (carduelis jacarina. Gm.), colheira 


52 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


(Pitylus albogularis. Spix), e mariquita (Nectarinia flaveola. L.); por acaso desee 
da serra nos mezes de inverno algum inhambú ou sabiá; os jacús desappareceram, 
os saborosos inhambús são rarissimos. Quem quer caçar estas aves necessita subir 
o alto das montanhas, e as vezes ir mui longe para pouco recadar. 

Assim não ha a menor duvida, não só que especies ornithologicas tem neste sitio 
minguado no numero de seus individuos, mas tambem que algumas tem totalmente 
desapparecido. 

Com os beja-flores tem o mesmo acontecido. Ainda me recordo, que em um dia do 
mez de novembro de 1840 vi grande numero delles e de especies diversas, durante 
um Jongo passeio, que dei por todo este extenso valle ; mas desde 1846 que os pro- 
curo com alguma instancia, só temos podido vêr mui poucos individuos das especies 
brasiliensis, saphirinus, albicollis, glaucopis, simplex, veridissima e albiventris, c 
para isto tenho ido desde o Rio-Comprido até quasi o Andarahy. 

Por esta occasião cumpre-nos tambem dizer, que esta diminuição de passaros que se 
nota no Rio-Comprido, observa-se em geral em todos os arrebaldes desta côrte, aonde 
muitas causas de exterminio para isto existem. Além delles serem afogentados pelo 
natural desenvolvimento que a cidade vai tomando com as novas edificações; as 
caçadas barbaras effectuadas sem licença de autoridade alguma, e o grande numero 
de brancos e pretos que nos domingos e dias feriados sobretudo, nisto se empregam, 
acabarão por os destruir de todo. Si medidas energicas quanto antes não se tomarer, 
que evitem estes estragos, os nossos vindouros ficarão privados da visita destes 
interessantes hospedes. 

Para o viajante curopeo jáhoje é mui sensivel a differença que nota entre os pas- 
saros que com mais ou menos abundancia encontra nos jardins que rodeiam as cidades 
do seu paiz natal, e os poucos que aqui observa. Logo que principia a caçar nos ar- 
rebaldes desta córte, a impressão que a vista dos nossos passaros recebe é tal que julga 
ser o paiz mais pobre em ornithologia, quando é riquissimo. O naturalista viajante 
Dr. Deben, professor na universidade de Holstein, com quem percorremos parte dos 
arrebaldes da cidade, teve muitas occasiões de me dizer o que fica referido. 

Passamos agora a expender os usos e costumes de algumas especies por nós obser- 
vadas, e sobre que os autores nada dizem. (Como disto temos sido testemunha 
ocular, garantimos a sua exactidão. Nesta exposição teremos necessidade de entrar 
em pequenos detalhes, e em particularidades, que á primeira vista parecerão inuteis. 
Mas a este respeito nada póde-se desprezar, a menor circumstancia, o uso mais 
simples, o bringuedo mais innocente vem combater, confirmar ou accrescentar muitas 
vezes pontos duvidosos, ou ignorados dos naturalistas. Si Boursier nos lêr, como 
espero, verá que tendo em attenção suas perguntas deste modo quasi todas ficam 
respondidas; senão tão bem como elle o exigia, e nós o desejavamos, ao menos 
quanto mos foi possivel nas nossas circumstancias. 


LEA LADA AD ESL 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. * 53 


SECÇÃO BOTANICA. 


Apontamentos que poderão servir para a historia das arvores 
florestaes do Brasil, particularmente das do Rio de Janeiro. 


PRIMEIRA LEITURA. 


Um tratado completo das arvores reaes do Brasil, cuja importancia de ninguem 
póde ser desconhecida, não digo já como obra sientifica, mas como objecto adminis- 
trativo, economico e industrial, não é empreza para um particular, nem para um ho- 
mem só e nem para pouco tempo. E” o governo do estado que ha de cuidar seriamente 
desse assumpto tão util como grandioso. 

No entanto não será desacertado que cada um vá carregando a sua pedra, qualquer 
que seja o seu tamanho e valor para o cimento dessa obra. 

Por minha parte tenho visto muito pouco, e posso dizer nada da immensidade do 
territorio brasileiro; mas ahi mesmo tenho ganho alguns conhecimentos que julgo po- 
derem ser aproreitaveis, já servindo de ponto de partida para outros observadores, 
já despertando a attenção e estimulando a concorrer para o mesmo fim pessoas que 
talvez sem isso o não façam ; mas muito particularmente por conservar alguma noticia 
do que em bem pouco tempo estará aniquilado, entregue como tudo se acha a mais 
lastimosa imprevidencia, 

Não perco a minima occasião de ver, de examinar e de conversar com os homens 
antigos, e praticos, colligindo e escrevendo todas as noções que vou adquirindo; mas 
tudo está por ora em notas informes, e muito incompletas. Não descanso ; e continua- 
rei neste intento emquanto me restar saude e vida. 

Em que tempo porém terei cu matcriaes sullicientes para com methodo apresentar 
alguma cousa de menos imperfeito? Ser-me-ha dado fazel-o? São estas incertezas que 
me apressam a desde já ir trazendo à publico tudo quanto tenho alcançado, com re- 
lação ás nossas florestas e com particularidade ás madeiras de construcção ; bem que 
sem disposição alguma ordenada. 

Como o meu fito é expôr principalmente o que eu tenho observado por mim, serei 
obrigado a restringir-me a mui pequena parte da provincia do Rio de Janeiro que te- 
nho percorrido, e cujas matas visitei ou dellas tomei informações de pessoas do lugar. 
No entanto como não me sugeito á um plano prescripto, ser-me-hão permittidas di- 
vagações, sobre cada um objecto, servindo-me do que se acha nos livros que com clle 
tiver relações, debaixo de qualquer aspecto, em que se considere; nem me des- 


cuidarei, de deslindar quanto me for possivel, o emmaranhado Jabyrintho dos nomes 
triviaes. 


Y( * 


54 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


Para fazer sentir sómente a extensão, e variedade das materias que um trabolho 
desta ordem, se o quizerem completo, deve comprehender, e tambem para assim po- 
der merecer alguma indulgencia pela imperfeição destes apontamentos, lembrarei que 
são necessarios conhecimentos, para cada localidade da natureza do terreno, da altura 
dos sitios sobre o nivel do mar, e sua distancia do equador, da sua exposição ou rela- 
ções com os pontos cardeaes do globo; da composição de suas florestas, ou qualidades 
das arvores que as constituem; do predominio de certas familias, generos e especies 
em cada uma dellas e de sua associação natural; da altura e grossura media c extrema 
das arvores; da quantidade e qualidade das madeiras de construcção ; da natureza e 
numero das que fornecem balsamos, resinas, tintas e outros productos de util applica- 
ção ; da diversidade de Lintura do cerne na mesma especie, da sua resistencia e dura- 
ção; da época em que começa o deposito da materia corante nas madeiras que a tem; 
do tempo da florescencia e desfolhação , etc. 

Cada uma desta partes requer um estudo attento , continuo e diuturno para que se 
possa chegar a alguma cousa de positivo. Eu me acho muito longe de poder desem- 
penhar nenhuma só deilas satisfactoriamente, ainda circumscrevendo-me a mai limi- 
tado espaço, 

Na provincia do Rio de Janeiro se exceptuarmos as vargens de beira-mar que são 
margens e restingas; cuja vegetação é mui peculiar ; as adjacentes ás embocaduras 
dos rios de maior vulto, taes como o Parahyba e o Guandú que revestidas de gramma 
são chamadas campos nativos ; e emfim as paragens apauládas que tem tambem sua 
vegetação, todo o mais terreno montuoso ou plano devia ser coberto das mais bellas e 
vigorosas matas, como attesta o que dellas permanece intacto. 

A composição das montanhas é essencialmente argillosa, entremeadas enormes 
massas graniticas, e o terreno das vargens é mais ou menos arenoso (1). E a essa 
composição argilosa, ajudada da superabundante humidade atmospherica e da 
frequencia das chuvas nas partes montanhosas que se deve principalmente a exuberan- 
cia, e magnificencia das florestas fluminenses. 

As serras conservam ainda grande parte de suas matas primitivas, e oferecem um 
vasto campo para o estudo. Nas planices porém, como era natural, foram eilas logo des- 
truidas, de modo que pouco ou nada resta para que se possa fazer uma idéa do que eram. 
Os lugares que depois de aproveitados se deixam em abandono, recobram passado certo 
tempo, novo arvoredo, a que vulgarmente se dá o nome de capoeiras; mas tão diverso 
do primitivo que não nos póde servir de padrão ou guia. Todavia é de presumir-se que 
as matas das vargens não differiam muito das que ainda revestem as fraldas dos 
montes. 

Nos historiadores portuguezes que tenho podido consultar, nada achei de satisfacto- 
rio, sobre a materia que nos occupa; nem isso seria justo exigir-se delles, porque 
nunca a consideraram e nem o podiam fazer debaixo do ponto de vista aqui inculcado. 
Tudo o que ha digno de consultar-se neste ponto, é devido aos viajantes estrangeiros; 
principalmente aos Snrs. Martius e Saint Hilaire, cujos escriptos encerram documen- 


tos preciosissimos. 


(1) Não entro em detalhes q este respeito; porque me faltam conhecimentos especises. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 55 


Mas é tempo de começarmos por nós mesmos o inventario das riquezas do nosso 
palz. 

As matas que eu tenho visto com mais attenção, e frequencia são : parte da que 
reveste a montanha, chamada Serra de Gerecino; pequena parte das de Matto-Grosso 
em Marapré ; alguma cousa nos montes de Jacarepaguá e Affonsos; mui pouco 
em tuarindiba, Maricá, e Serra da Estrella em Petropolis. Mas com o que 
presenciei e com as informações dos mateiros desses lugares, posso com mais ou 
menos approximação avaliar a quantidade e qualidade das arvores de lei que ellas 
possuem. 

O observador que pela primeira vcz penetra n'uma mata virgem, sente-se como 
absorlo e não sabe o que mais o enleva, se a pujança dos troncos seculares, se a varie- 
dade das formas vegetaes, se o contraste e vivo matizado das flóres. Este enlêvo o 
abala tanto mais profundamente, quanto é mais absoluto o silencio que ahi domina, 
só desmentido pelo susurro monolono que vem da copa do arvoredo, agitada pelo 
vento. 

Cousa notavel. Pareceria que no seio das florestas soava uma grita continua, e 
confusa de animaes de todas as formas. Não succede assim (1). Os passaros festivaes, 
e loquazes amam os lugares cultivados, onde acham mais facilmente alimentos ; 
4 ficam alguns, ordinariamente insectivoros, que são calados, e tristonhos ; dos 
outros animaes raro se encontra um; mas não se pisa sem certo esiremecimento 
de horror, nessa cama de folhas podres ce humidas, asylo incerto de mortifera 
serpente. 

O aspecto inferior, e a composição das florestas são extremamente variados. São 
plantas rasteiras, arbustos, e arvores vivendo promiscuamente, e no meio das quaes 
se elevam os portentos do reino vegetal, de cujas grimpas pendem cipós, que como 
amarras, se fixam na terra, ou passando de uma arvore a outra, as entrelaçam, for— 
mando graciosos festoes. Quantidade de parasytas multiformes desfeiam as arvores, 
ou as enfeitam de nocivos ornamentos. rd 

Ao primeiro exame se reconhece logo o predominio de certas familias em cada uma 
destas sortes de plantas. As arvores maiores pertencem principalmente as seguintes : 
Leguminosas, Laurineas, Sapotaceas, Lecylhideas, Meliaceas, Terebinthaceas, Myr- 
taceas, Bigroniaceas, Bombaceas, Annonaceas, Artocarpeas, Palmeiras, etc. Os 
arbustos, e sub-arbustos são das Rubiaceas, Euphorbiaceas, Melastomaceas, Pipera- 
ceas, Urticeas, etc. Os cipós pertecem ás Sapindaceas, Bignoniaceas, Leguminosos, 
Malpighiaceas, Viniferas, Smilacineas, Apocyneas, Passifloras, etc. As parasylas, não 
contando as acotyledoneas, são das Aroideas, Bromeliaceas, Orchideas, Lorantha- 
ceas, etc, 

Limito-me por ora a esta exposição succinta, e um tanto vaga, reservando-me 
descer aos detalhes, se isso me fôr possivel, em occasião opportuna. 


Logus 


(1) O que eu aqui digo é na supposição do que acontece muito commummente. Repetidas vezes tenha 
andado horas e horas nos matos virgens sem encontrar um só vivente: e muitos caçadores me tem « 
verado, que não poucas vezes lhes acontece andarem dous e tres dias pelos matos, a que chamam seriões, 
sem encontrar caça, o 


56 


BIBLIOTHECA GUANABARENSE, 


Agora passo a fazer uma resenha das arvores mais importantes, de que até o pre- 
sente tenho feito um estudo mais ou menos completo. Vão reunidas por familias, 
para que se veja a riqueza de cada uma em madeiras de construcção. 


LEGUMINOSAS. 


Brasil. — Cossalpinia echinata. 

Cosalp. Vessicaria. Vell. 

Pão ferro. —Cessalpinia ferrea. 

Sepepiruna.— Coesalpia fusca (nobis). 

Arvore sem nome. — Coesalpinia negleta 
(nobis). 

Outra. — Cessalpinia disperma. 
Cassia disperma. Vell. 
Bacurubu. — Coesalpinia parahyba. 
Cassia parahyba. Vell, 
Schizolobium excelsum. Vog. 
Guarauna. — Melanoxylon brauna. 
Cabiuna. —Miscolobium nigrum. 
Pterocarpus niger. Vell. 
Miscolobium violaceum. Vog. 
Sepepira preta. —Bowdichia valida? (no- 
bis). 

Sepepira amarella. —-Ferreirea spectabilis. 
(nobis). 

Jacarandá tan. — Machesrium seleroxylum 
(nobis). 

Dito roxo. — Macheerium firmum 

Nissolia firma. Vel). 

Dito preto. — Macheerium incorruptibile 
Nissolia incorruptibilis. Vell, 
Outro. — Machecrium legale. 
Nissolia legalis. Vell. 
Outro. — Macheerium dubium (nobis). 
Dito de espinho. — Macheerium pungeus 
(nobis). 

Angelim. — Macheerium heteropterum (no- 
bis). 

Angelim rosa. — Peraltea erythrincefolia 
(nobis). 

Angelim amargoso. — Andira legalis. 
Lumbricidia legalis. Vell. 
Mocitayba. —Zollernia mocitayba (nobis). 
Oleo vermelho. — Myrospermum erytbro- 

xylum (nobis). 


Oleo pardo. — Myrocarpus frondosus (no- 
bis). 

Oleo cabureyba. — Myrocarpus fastigiatus 
(nobis). 

Copaiba vermelha. — Copaifera utilissima 
(nobis). 

Ou copaif officindis? Jacg. 

Dita branca. — Copaifera parvifolia (nobis ). 

Jetahy. -—Hymencea mirabilis (nobis). 

Guarabú. —Peltogyne (?) guarabú (nobis). 

Dito da Serra. —Peltogyne (?) macrolo- 
bium (nobis). 

Guaraçahy . — Moldenhaurea speciosa (no- 
bis). 

Guarapeapunha. — Apuleia polygamea 
(nobis). 

Iriribá . — Centrolobium robustum . 

Nipolia robusta. Vell. 

Canafistula. — Cassia brasiliana (?) 

Marcanabyba. — Cassia marcanahyba (no- 
bis). 

Vinhatico amarello.... 

Dito de espinho. — Acacia maleoleus (no- 
bis). 


BIGNONTACEAS. 


Ipê merim. —Tecoma. 
Ipê açú. —Tecoma insignis (nobis). 
Bignonia longiflora (?) Vell. 
Ipê roxo. —Tecoma curialis 
Bignonia curialis. Vell. 
Ipê do campo. — Tecoma flavescens. 
Bignonia Ílavescens. Vell. 
Ipê-batata. — Tecoma leucantha (nobis). 


LECYTHIDEAS. 


Jiquitibá vermelho. —Cariana legalis. 
Dito branco—Cariana. .. 
Embiraçú. — Cariana stupacea. 
Sapocaia grande. —Lecylhis. . . 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 57 


Sapocaia pequena. —Lecylhis. .. 
Lecythis menor. Vell. 


Ubatan. — Astronium. 
Socosoco. —. .. 


Sapocaiarana. —Curatary pyramidata. Cp E 
Lecythis pyramidata. Vell. 
Curatary rufescens. St. Hilaire. APOCYNEAS. 


SAPOTACEAS. Peroba. — Aspidosperma peroba (nobis). 


Ú fim. — Aspidosperma ebur- 
Maçaranduba. — Mimusops elata (nobis). Penas a SEIS OPERHMS S 
Guaracica. —Lucuma fissilis (nobis) en (hobiaj : : 

a É E dd Dito da folha larga. — Aspidosperma sessi- 
Jaquá. — Lucuma gigantea (nobis). Hóruie (sobe) 
Guaraitã, — Chrysophylum ? q 
4 -— Echites arborea. Velloso. 
Guaranhê, — Chrysopbyllum buranhê, Rie- Eru aa oi 


del, 
COMBRETACEAS. 
MELIA CEAS. 


Merendiba. — Terminalia. 
Outra. — Terminalia. 
Jundiahiba, — Terminalia. 


Cedro. —Cedrela brasiliensis. 
Cedrela odorata. Vell. 


Outro. — Cedrela fissilis. Vel]. Guarajuba. — Terminalia. 
Cangerana. —Cabralea canjerana. Vicentia acuminata (nobis). 
Trichilia canjerana. Vel). 
Carapeta. — Guarea trichilioides. PUPGRELALIDAS» 
po EO ga bi A Urucurana.—Hieronima alchornioides (no- 
bis). 
LAURINEAS, 


Andaaçú. —Joannesia Princeps. Vell. 
Anda Gomesii. Juss. 


] 


Tapinhoan. —Silvia navalium (nobis). 
Canela preta. — Nectandra atra. 


BORRAGINEAS. 
Laurus atra. Vell. 


Canela tapinhoan. —... Louro pardo. — Cordia frondosa. 
Dita batalha. —. Se Dito preto (?)—Cordia Odoratissima (no- 
Dita limão —... bis). 
Dita sassafras.—... 
Etc., etc. MYRISTICEAS. 
RUTACEAS. 


Bicuiba. — Myristica officinalis. 
Arapoca amarella. — Galipea dicatoma (no- | Dita da folha larga. —Myristica grandis 


bis). (nobis). 
Dita branca. — Galipea. 
Amarê, —Metrodorea excelsa (nobis). RUBIAGEAS, 


Tinguaciba.—. .. É ] 
Arariba vermelha. —Pinkneya (?) rubes- 


TEREBINTHACEAS. cens (nobis). 
Dita branca. —Pinkneya (?) acroma (no- 
Gonsalo-alves, —Astronium. bis). 


8 


58 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


ANONACEAS. NYCTAGINEAS. 


Embui amarello. —Guatteria luteola (no-| Tapaciriba amarella. — Andradea floribun- 
bis). da (nobis). 
Dito branco, —Guatteria alba (nobis). Dita branca. —Pisonia alcalina (nobis . 


ERYTHROXYLEAS. CELTIDEAS. 


Arco de pipa. — Erytbroxylum utilissum | imoeiro, —Mer 
(nobis). 
Subrasil. — Erytroxylum. OLACINEA. 


tensia utilis (nobis |. 


ARTOCARPEAS. Tatu. —. 


Oity—Brosimum (?) luteum (nobis). 


PHYTOLACEA. 
Bainha de espada. — Olmedia. 


Guararema. — Seguteria alliacea. 


PROTEACEAS. 
Cuticanhê. — Roupála insigois (nobis). CHLASTRINTAS 
Outro, —Roupala legalis. 
Diknequeria legalis. Vell. Bainha de espada. — Celastrus. 


Desta centena de arvores, aqui referidas, 70 pelo menos são verdadeiras arvores 
de construcção ; as outras se conhecem com o nome de madeiras brancas. Cumpre 
porém observar que não é facil estabelecer a divisão entre madeiras de qualidade, 
e as que não são: em rigor nenhuma ha que deixe de ter tal, ou qual uso : 
algumas mesmo, que se não reputam das primeiras, são no entanto buscadas de 
preferencia para certas obras. A nossa gente rustica, e mateira se serve, geralmente, 
das phrases—pdo bom, páo átôa—para indicar a qualidade das arvores ; phrases que 
se pódem substituir pelas seguintes —pdo de prestimo, e páo sem prestimo—conhe- 
cido; mas que nada servem para a questão; porquanto, muitas madeiras, que no 
meio da abundancia eram desprezadas, são hoje aproveitadas, e vão tendo estimação. 
Seria um meio seguro de separar as madeiras boas das más, a existencia, ou ausencia 
do cerne; mas ainda assim ficariam entre as madeiras brancas, muitas que são 
optimas para varias construcções, ao tempo que entre as de cerne se contam algumas 
de inferior qualidade. E 

São tambem as madeiras designadas, segundo a sua duração e resistencia á acção 
destruidora dos agentes externos, por madeiras do ar, do chão e d'agua. 

As palavras arvores ou páos de lei, arvores ou páos reaes designam mais particu- 
larmente as arvores reservadas, para construcção naval, cujo córte era por lei prohi- 
bido aos particulares. 

Deixando por agora esta questão da classificação das madeiras, o que posso. 
asseverar é, que das boas madeiras de construcção, tanto naval como civil, que se 
acham nas matas da nossa provincia, poucas faltam nesta lista. 

Devo porém confessar que ainda não pude averiguar alguns pontos duvidosos, 
quanto à determinação rigorosa de especies, e variedades. Os mateiros em geral estão 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 59 


capacitados de que para todas as arvores ha duas qualidades, que elles as vezes 
designam por macho e femea, porém mais commummente pela côr mais ou menos 
fechada do lenho; assim dizem: Guarauna parda, e preta— Cabiuna parda, e preta, 
— Louro pardo, e preto— Peroba rosa, c amarela, — Iriribá rosa, ec amarello— 
Jequitibá vermelho, e branco— Cedro vermelho e branco, etc., etc. Em alguns destes 
casos tenho reconhecido especies distinctas, como no Louro, no Jiquitibá, no Embiu, 
na Arariba ; mas em outras, como na Guarauna, na Cabiuna, no Iriribá, no Brasil, etc., 
cuido, ao menos por ora, que não ha senão uma só especie, e que a diversidade da 
côr da madeira, da duração, etc., depende de circumstancias do lugar, da idade, da 
arvore, ou de outra qualquer causa. 

Não inclui neste trabalho, para o não estender demasiado, muitas arvores, cujo 
estudo tenho mais ou micnos acabado, e que são de inferior qualidade. Taes são as 
Tabebuias, — as Caixetas,— os Jacatirões,— as Coeranas,— que são usadas para 
varias obras ; algumas outras pertencentes a varias familias, como Rubiaceas, Mysta- 
ceas, Bombaceas, Urticeas, etc., cujos empregos são poucos, ou nullos. 

Com pezar porém omitto numerosas aryores, algumas das quaes são madeiras de 
estimação: por isso, que apezar de ter já o estudo completo de varias especies, 
não pude ainda com segurança determinar-lhes os generos, pela grande incerteza dos 
caracteres que devem secvir para esse fim (1). É necessario um estudo mais perfeito, 
e comparativo de todas as especies, para chegar-se a um resultado menos duvidoso. 
Ellas pertencem ás famílias das Leguminosas, Laurincas, e Sapotaceas. 

As leguminosas são principalmente da secção das mimosaceas, e dos generos acacia, 
ingá, enterolobium, adenanthera, e outros. São muitas conhecidas vulgarmente pelo 
nome de Cabuis, por exemplo: Cabui vinhatico; Cabui pitanga; Cabui tinga; Cab 
de curtir, etc. 

Outros pelo nome de ingás; por exemplo: Ingaaçú ; Ingá amargoso ; Ingá doce, etc. 

Outras emfim são : Timboybas; Sergeiras; Monjolos; Jacarés, etc. 

Na secção das Swartzias ha varias arvores de grande estatura ; e que são chamadas 
Jacarandás. 

São todas madeiras brancas; ao menos 3 especies que conheço aqui no Rio 
de Janeiro. 

As Lawrineas são conhecidas pelo nome de canelas ; pertencem aos generos : 
Nectandra, Ocotea e outros; são todas madeiras mais ou menos estimadas. 

As Sapotaceas são geralmente chamadas (ruapebas, entram pela maior parte nos 
generos Lucuma, Chrysophyllum, e Eclinusa. 

Limito-me por agora a isto. Em leituras subsequentes me occuparei mais especial- 
mente de cada uma destas arvores. 


Rio de Janeiro, 18 de agosto de 1851. — Francisco Freire Allenão. 


— tag te 


(1) Algumas vem descriptas na Flora Fluminense ; outras estão já conhecidas e classificadas por varios 
autores; mas ahi mesmo ainda reina muita duvida. 


60 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


NOTICIAS ZOOLOGICAS. 


1.':— Grande desproporção entre indivíduos adultos de uma mesma especie de ave. 


Passo a communicar um facto que julgo de alguma importancia para a sciencia. 

Existem no Museo Nacional, na grande sala da collecção ornithologica, quatro 
exemplares de uma mesma especie notaveis pela grande desproporção de seus ta- 
manhos, sendo dous maiores e dous menores. 

A especie a que pertencem, conhecida pelos autores pelo nome de Philedon ceeru- 
leus Vieil, da familia dos dentirostros da ordem dos passaros ou aves cantoras e do 
curioso grupo cuja lingua é terminada por um pincel, acha-se perfeitamente repre- 
sentada pelos nossos individuos. 

Os dous maiores, dos quaes um é femca e de côr diversa, foram apanhados na 
provincia do Rio de Janeiro, aonde sendo mui vulgares tem o nome de Sahi-bicudo ; 
os dous menores vieram do Pará ha pouco tempo. 

Medindo-os com attenção achamos : o bico em todos com seis linhas de extensão ; 
o comprimento da ponta da cauda ao principio do bico na maior especie de 4 1/2 
pollegadas, e na menor de 3 1/2 pollegadas; o comprimento da ponta da aza a outra 
ponta estando ellas estendidas na maior de 5 1/2 pollegadas e na menor só de cinco 
pollegadas : a altura na maior 2 1/2 pollegadas e na menor 2. 

Eº realmente curioso, que sendo os caracteres destes passaros de todo semelhantes, 
que indicando tudo nelles serem animaes com desenvolvimento completo, os que vivem 
no Pará, sejam menores e de uma maneira mui sensivel dos que os que habitam o 
Rio de Janeiro. Exemplos identicos sendo raros no reino animal, obriga-nos a dar 
publicidade a este facto, trazendo-o ao conhecimento de nossa sociedade. 


Z.'-Cobra coral engolindo outra. 


Acabamos de receber de um nosso amigo, e de depositar no Museo Nacional a 
amostra de um facto que não deixa de ser curioso. Consiste em um frasco contendo 
uma cobra coral, a qual tem dentro de si outra tambem coral, porém de diversa 
especie. Este exemplar tão evidentemente mostra que uma cobra foi engolida pela 
outra, que por elle vê-se que a engolida tem ainda fóra da boca da outra a cabeça 
e uma sexta parte do corpo. 

A pessoa que nos fez esta remessa, diz-nos que o Rey. prior de S. Bento Fr. 
Luiz de Saraiva, passando pela fazenda chamada Camurim em Jacarepaguá, foi quem 
teve occasião de notar com seus proprios olhos este facto, tendo sido elle quem matou 
as cobras, quando vio que a segunda estava quasi ao ponto de ser de todo engolida. 

Para o Museo este facto não foi novo, pois ha muitos anhos a casa já possuia outro 
exemplar em que se vê a cobra chamada limpa-mato, (especie do gen. coluber) 
engolindo uma tricnocephala. 

A publicação destes factos torna-se de muito interesse porque vindo confirmar a 
opinião vulgar mui espalhada por todo o Brasil de que umas cobras engolem outras 
vivas, dá de maneira satisfactoria a razão porque a mordedura de cobras não venenosas 
apresenta ás vezes effeitos de mordedura de cobra venenosa. 


Rio, 4 de agosto de 1851. — Dr. Emulio Maia. 


TRABALILOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 61 


SECÇÃO ZOOLOGICA. 


MEMORIA 


SOBRE 


UNOS E COSTUMES DE ALGUNS BEIA-FLORES BRASILEIROS, OBSERVADOS E ESCRIPTOS 
PELO DR. EMILIO JOAQUIM DA SILVA MAIA. 


1.º especie.—Ornismya simplex. Less. 


A especie que pela primeira vez' tive occasião de observar de perto alguns 
dos seus usos e costumes foi a Ornismya simplex de Lesson, que Vieillót 
já a tinha denominado Trochilus cirrochloris. E" mui espalhada por todo o 
Brasil; das provincias: do Pará, Maranhão, Pernambuco, Sergipe, Bahia e 
Espirito Santo tenho por informações noticia do seu apparecimento ahi; no 
Rio de Janeiro a tenho visto em paragens mui diversas dos arrebaldes da 
cidade, e sei pelos que se occupam do commercio de pelles de passaros, que ella se 
encontra em muitas comarcas da provincia. Minhas observações foram feitas so- 
bre os que vi no Rio Comprido. 

O nome dado por Lesson é por mim de preferencia adoptado por ser o mais 
apropriado, em attenção á simplicidade de suas côres, as quaes na realidade são de 
um escuro ligeiramente esverdinhado em todas as pennas do corpo; o que bem a 
separa das outras especies da familia, aonde mais ou menos se encontram côres me- 
tallicas. 

Este beija-flor robusto em relação ao tamanho dos outros, e com azas amplas e 
compridas, torna-se ainda notavel por pertencer á pequena divisão da familia, que 
tem as primeiras varetas das pennas das azas muito mais largas. Na especie de que 
me occupo só os machos tem estas varetas largas. Os autores nada dizendo sobre os 
seus meios de vida, julgo que algum serviço faço à sciencia, referindo o que a mi- 
nha propria observação tem a este respeito podido colher. Unicamente fallarei do 
que tenho visto. ; 

Quem conhece estes passaros, e está ao facto da rapidez com que executam os 
principaes actos de sua vida, póde avaliar a grande paciencia que foi necessario ha- 
ver, o trabalho seguido que se teve para se poder chegar a algum conhecimento po- 
sitivo sobre tal objecto. 

Esta especie tem o canto triste e o vôo nimiamente veloz como todos os outros 


8 x 


62 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


beija-flores : habita com especialidade os lugares aonde existem plantações de bana- 
neiras : no tempo em que esta util planta principia a mostrar seus cachos, vê-se ap- 
parecer ao redor dellas muitos destes passarinhos juntos, durante as horas do dia em 
que existe menos calor; volteam de umas para as outras e furam com o agudo e com- 
prido bico as espessas bracteas que cobrem as flores. 

A primeira vista, parece que esta ornismya se nutre do suco contido na ponta dos 
engaços, mas a minha observação fez-me ver que ella penetra-os com o unico fito 
de tirar dahi os insectos, que em quantidade são atrahidos neste lugar pelo suco mel- 
loso lá existente. Para melhor disto certificar-me abrindo alguns destes beija-flores, 
mortos logo depois de terem introduzido o bico nestas flores, em todos achei nos es- 
tomagos formigas e os insectos que ordinariamente frequentam estes lugares. 

Com saudades me recordo, que quando criança na Bahia, indo aos cachos das 
bananeiras para chupar o assucarado liquido, os achando muitas vezes vásios, supu- 
nha, de accordo com a opinião vulgar, que eram beija-flores que os esvasiava, refle- 
ctindo que elles muito os frequentava. Mas agora vejo que este juizo era falso, e 
que pelo contrario estes beija-flores são os destruidores dos inimigos que muito 
gostam deste liquido. 

Nos bananaes sempre encontrei muitos destes beija-flores juntos, o que, geralmen- 
te fallando, não é vulgar na familia; todavia observei que de vez em quando um ou 
outro affastava-se destes lugares e dirigia-se como explorador a outras flores dos 
campos visinhos. Esta especie nunca penetra os mattos virgens. : 

Pousam frequentemente já sobre as folhas, já sobre todas as partes das bananeiras: 
e posto que estejam a se levantar constantemente das posições que tomam, voltam. 
quasi sempre aos mesmos lugares. A paixão da colera é ordinariamente o movel des- 
tes repetidos movimentos. Lançam-se com furor sobre todos os passaros, que passam 
por acaso perto delles, ou querem vir-se collocar no lugar que occupam. Os “tenho 
visto a disputar a posição que primitivamente escolheram, sendo maior o numero 
das querellas com individuos da mesma especie. 

Raramente dous machos encontram-se sobre o mesmo pouso sem pelejarem. A 
actividade com que se atracam é extraordinaria, a maior parte das vezes via princi- 
piar o combate e não me era possivel ver o fim, Tal é a confusão que havia, tão gran- 
de a velocidade de seus movimentos, que minha vista os não podia acompanhar. 

O ciume os faz verdadeiras pequenas furias ; com o pescoço inchado, com as pen- 
nas levantadas, e com a cauda virada para cima combatem no ar com immensa rai- 
va, dando pancadas fortes e produzindo susurro bastante grande. Nos ataques vão 
e vem repetidas vezes com rapidez incrivel, sendo o bico a principal arma. Duas ve- 
zes pude observar os vencidos cairem no chão, e maiór numero de vezes estes afas- 
tarem-se, fugindo. Em uma occasião com grande sorpresa minha vi dar-se um des- 
tes combates havendo então alguma-chuva. Em geral nada os contém quando estão 
enraivecidos. 1 

Um dos factos; que grande prazer tive de ser testemunha, foi o de presenciar no 
lia 18 de novembro de 1846 um casal destes copularem no ar; desde então mais 
uma vez já tive occasião disto observar. Pôem dous pequenos ovos brancos, e segun- 
do pude conhecer tanto a femea como o macho, se encarregam do espinhoso traba- 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 63 
lho da incubação. No que desenvolvem muita paciencia eruma coragem que não é 
de esperar em passaros tão pequenos. 


2: especie.—Ornismya alhbogularis. Less. 


Esta especie foi a primeira vez descripta por Spix com o nome de Colibri albogu- 
laris; Vieillôt deu-lhe ao depois o nome de Trochilus albicolhs, a vista de um 
exemplar trazido do Brasil por Delalandi. Lesson em attenção ao seu bico com ra- 
zão a collocou no genero Ornismya conservando o nome especifico de Spix. 

E' um beija-flor de tamanho mediano, caracterisado como o nome o indica pela 
garganta quasi toda branca; mui semelhante a Ornismya albirostris de Lesson tem 
todavia caracteres especiaes, que lhe são proprios. Ainda que rara na provincia do 
Rio de Janeiro, segundo o grande numero de pelles de beija-flores por mim examina- 
das, apparece de vez em quando nos jardins do Rio Comprido. 

Tendo um casal destes vindo por acaso fazer o seu ninho sobre um limoeiro de 
minha chacara, tive occasião de observar muito de perto todo este trabalho, a incu- 
bação, e a maneira como nutrem seus filhos. Factos estes tanto mais importantes 
para a sciencia quanto os autores todos que tem fallado deste beija-flor, nada dizem 
a respeito dos seus usos e costumes. 

Na manhã do dia 4 de fevereiro de 1848 passeando pela minha chacara do Rio 
Comprido, entrei a notar que dous beija-flores desta especie, como vim a reconhecer, 
levavam no bico pedacinhos de cascas de arvores, palhas e outras substancias, sus- 
peitando desde logo o que seria, puz-me a espreita. Dahi a pouco vi que um casal 
destes fazia o seu ninho. Aproveitando ensejo tão favoravel, aonde com toda a com- 
modidade podia miudamente observar, o que ha tanto tempo desejava, não perdi 
tempo e enchi-me de grande paciencia para poder examinar todas as particularidades 
deste interessante acto. 

Principiando por bem distinguir a femea do macho cheguei a reconhecer que era 
este quem trazia os materiaes, quando a femea como habil e intelligente operaria era 
quem os punha em obra. No fim da terminação deste trabalho, que durou poucos 
dias; a mesma femea deu-lhe a ultima de mão, alisando todo o ninho por dentro ; o 
que pôde levar a effeito, esfregando as margens e os lados com o corpo, e o fundo 
com a cauda. Tudo isto foi feito com movimentos mui rapidos e a ultima acção pa- 
vecia antes que o passaro brincava do que trabalhava. 

O ninho concluido ficou de fórma esferica, do tamanho d'ametade d'um ovo de 
ganso, e achava-se formado externamente de um tecido mui denso feito com fibras 
de diversas cascas intercaladas de pedacinhos de palhas, e internamente de filamen- 
tos assetinados de algodão com mistura de painas. Este ninho estava suspenso na 
distancia de 15 palmos do chão, e achava-se collocado na face inferior de um dos mais 
pequenos ramos do limoeiro, e a elle unia-se por meio de estreitas palhinhas que 
bem o enleiavam. 

Logo que o ninho ficou prompto a femea depositou dous ovos perfeitamente bran- 
cos, allongados, do tamanho de uma pequena avelã, que foram por ella chocados 
alternativamente com o macho. Punham-se sobre o ninho de maneira que o pescoco, 


64 BIBLIOT;ECA GUANABARENSE. . 

a cabeça e a cauda ficavam de fóra. No fim de 10 dias sahiram destes ovos dous pe- 
quenos passarinhos, quasi desplumados, e que pareciam ter 5 a 6 linhas de compri- 
mento. Os paes os nutriram com o maior carinho, e os tratavam e vigiavam com 
cuidados instantaneos ; ora um, ora outro, sempre algum estava ao pé dos filhos ; 
a cada instante davam provas de excessivo amor. Seu bico espesso forte e pontagudo 
o torna terrivel nesta occasião. Vi alimental-os passando os paes os alimentos, de- 
pois de bem degeridos dentro de si, para a boca dos pequenos: abriam bem seus bi- 
cos para que os dos filhos ficassem na posição a mais conveniente. 

Os filhos foram alimentados pelos paes durante 18 dias, no fim deste tempo tendo 
as pennas das azas bastante comprimento e podendo elles voar, sahiram dos ninhos. 
No primeiro dia pude ainda ver, que o pae sempre os acompanhava para qualquer 
parte, que se dirigiam, e como seu guia os levava indistinctamente para todas as flo- 
res que encontravam. Com vôo fraco, e com o movimento das azas pouco rapido, os 
novos beija-flores titubantes necessitavam a cada momento pousar, o que faziam sobre 
o primeiro ramo ou folha da visinhança ; não pude perceber nesta occasião si os fi- 
lhos já introduziam seus bicos no receptaculo das flores. Poucos dias depois perdi a 
todos de vista por desapparecerem inteiramente do pequeno recinto de minha 
chacara. 

As côres das pennas dos filhos quando sahiram do ninho, eram diversas do pae, e 
alguma semelhança mais apresentavam com as da mãe ; as pennas das azas eram de 
côr roxa parda, como são durante a vida inteira ; por todo o corpo tanto em cima 
como em baixo as pennas achavam-se de côr verde desmaiada pouco brilhantes: e 
tanto na garganta como no thorax não se notava o menor signal de côr branca, ca- 
racter distinctivo da especie. Quem visse um destes novos beija-flores isolado, toma- 
ria certamente como especie differente daquella a que verdadeiramente pertence. 

Infelizmente a sciencia muitos destes exemplos apresenta, muitos novos e femeas 
tem sido descriptos por quasi todos os autores, como constituindo especies distin- 
ctas; o que tem produzido a maior confusão na familia das trochilideas. Dahi vem 
que só estudando-se bem, todas as phases porque passam estas aves nas diversas mu- 
das a que estão sujeitas, se póde ter cabal conhecimento das suas especies ; mas este 
estudo para ser completo deve ser feito nos lugares de sua habitação, a imitação do 
que agora praticamos. 

As côres dos novos, na especie de que trato, conservam-se pelo menos dous annos; 
pois no fim do verão seguinte appareceram ainda em minha chacara alguns destes 
beija-flores novos, e vi que, bem indicando serem dos que tinham sahido dos ovos 
no anno anterior, traziam as côres como acima ficam referidas, achando-se um pouco 
maiores. 

Eis o que encontrei nesta especie digno de ser publicado, dizendo por fim que em 
todos os actos da vida apresentavam a mesma agilidade das suas congeneres, mas que 
tocavam todas as flores em geral, sem mostrarem predilecção por nenhuma. 


3.º especie. — Ornismya Alhbiventris. — Lesson. 


Esta especie bem caracterisada, por ter o ventre branco, pelo que Linneu a cha- 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 65 


mou Trochilus lencogaster, e por ter o thorax e partes superiores de uma bella côr 
verde brilhante, donde lhe veio tambem o nome dado pelos Francezes de—Vert- 
doré—, é certamente uma das mais communs no Brasil. Foi o primeiro dos beija- 
flores do Brasil, que o mundo conheceu, pois é delle que certamente quiz fallar 
Jean de Lery, quando na sua importante obra — Viagem á França antharctica, 
ou Brésil. — dá exagerada e alterada noticia do passaro a que os Tamoyos denomi- 
navam — Gonambuch., Marcgrave e outros escriptores com elle igualmente se tem 
occupado, entrando em detalhes descriptivos. 

A sua habitação é tão extensa, que não só apparece todo o anno no litoral das 
visinhanças desta cidade, e nos amenos jardins que a rodeiam, como por informa- 
ções, e pelo que tenho visto em remessas de pelles, sei que encontra-se em quasi todas 
as provincias maritimas do imperio. Assim posso informar, baseado, além do mais, 
no que tenho ouvido a zoologistas viajantes, como Deben, Descourtilz, e outros, que 
grande parte da costa do Brasil até a extensão de meia a uma legua para o interior 
apresenta individuos desta especie. Todavia Lesson e outros autores indicam só a 
Goyanna como patria sua, apezar do Brasil nestes ultimos 30 annos ter sido visitado 
por grande numero de naturalistas : o que bem deixa ver o quanto a sciencia a este 
respeito está ainda em atrazo. 

Habituado a passar os verões durante os annos de 1837 a 1842 no aprazivel arre- 
balde de Nictheroy chamado S. Domingos, lugar a beira-mar e bordado de diversas 
e deliciosas praias, offereceu-se-me occasião de encontrar por muitas vezes beija- 
flores desta: especie. Passeando nessas praias e nos campos visinhos á tardinha ou 
pela manhã cêdo, raro era o dia em que alguns destes beija-flores me não appare- 
ciam. Quasi sempre os via, como é costume na familia, em activissimo movimento, 
é verdade que ás vezes paravam no mesmo ar, ou pousavam nos poucos arbustos 
que por ahi existiam, mas isto só acontecia por pouco tempo, o mais: ordinario, nas 
horas acima apontadas, era o estarem a voltear, zunindo em todas as direcções e 
com immensa rapidez. 

De todos os nossos beija-flores é este o que tenho visto com movimentos mais 
variados, não se limitando aos passeios de terra, estão a cada instante a irem desta 
para o mar. Quem a primeira vez os visse na superficie deste elemento os tomaria 
como a animaes icthiophagos quando tal costume não tem, não fazem senão voar 
sobre o aquoso elemento. Eis o resumo do que a este respeito observamos. 

Umas vezes dirigiam-se para a abobada celeste, ou perseguindo seus inimigos, ou 
por simples distracção, ou como me parece mais acertado, á cata de pequenos inse- 
ctos; outras vezes com a rapidez do raio corriam horisontalmente pelo ar, ora 
parando no mesmo espaço, e com igual velocidade voltando para traz, ora beijando 
todas as flores que em seu caminho appareciam; muitas vezes iam pelo mar fóra a 
pouca distancia de sua superficie, indicando alguma cousa procurar ; e occasiões 
houveram que, não se afastando das margens do mar, brincavam com as ondas que 
sobre as praias batiam, fingindo ahi banhar-se quando nem de leve as suas pennas 
eram molhadas. 

Ainda que não possa dizer com certeza qual seja sua nutrição, todavia creio que 
esta especie é ao mesmo tempo mellisuga e insectivora. Só desta maneira póde-se 


E 


06 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


explicar alguns dos costumes que deixo reflectido. O que está de accordo com a 
opinião do grande Azara, o qual já no seu tempo pensava que muitos beija-flores 
recebiam esta dupla alimentação, unica maneira, dizia elle, de explicar-se a existen- 
cia de certos beija-flores em todo o anno nas campinas da banda oriental, aonde, 
durante O inverno, as flores inteiramente cessam. 

O seu vôo, além de nimiamente rapido, é quasi sempre acompanhado de um som 
agudo, cadenciado, e muito prolongado; o seu rithmo é mais compassado que 
nenhuma das especies por mim observadas. Este som tornava-se mais forte, e então 
bastante sensivel, havendo algum combate ou perseguição de inimigo: o que a cada 
momento estava a acontecer, visto a valentia, o orgulho, o ciume, e o extremo aflecto 
de que são dotados estes pequenos habitantes dos ares. 

Quando este beija-flor apparece nas chacaras que existem em volta da capital, se- 
gundo tenho notado, em diversos jardins do Rio Comprido, é em pequena quantidade: 
um a dous casaes ao mais, é o que tenho visto no pequeno jardim de minha habi- 
tação; quasi sempre aqui apparecem desde o principio de agosto até novembro. 
Nesta occasião procuram de preferencia tocar a cada instante os thyrsos floridos das 
mangueiras ; muitas vezes os tenho visto pousarem nas pontas as mais elevadas dos 
ramos desta gigantesca arvore. 

Posso assegurar, pelo que tenho observado em outros muitos Eae que em 
geral as familias das myrthaceas quando está em florescencia é tambem uma das 
mais visitadas por elle: os jambeiros, grumixameiras, pitangueiras, jaboticabeiras, e 
outros identicos vegetaes, no tempo da ostentação de suas numerosissimas flores lhe 
offerecem especial attractivo. A que scenas magestosas não dá lugar o apparecimento 
destes beija-flores no meio das bellas flores de todas estas arvores e arbustos! 

Nunca me hei de esquecer de um bello quadro que meus olhos presenciaram no 
dia 10 de agosto de 1842 na praia de S. João de Icarahy, perto de S. Domingos. Um 
extenso areal, bello pela esplendida alvura que em parte delle apparecia, mostrava 
no entretanto a outra parte e o campo circumvisinho coberto de copiosas flores 
brancas das pitangueiras, matizadas de vez em quando com a vivacidade e o brilhante 
verde desta ornismya. 


A.' especie. — Ornismya Glaucopis. Lesson. — 


O principe de Wied-Neuwied, illustre allemão, que durante os annos de 1815, 
1816, e 1817, percorreu grande parte das provincias do Rio de Janeiro e Espirito 
Santo, e a quem se deve o conhecimento de muitos dos nossos animaes, foi o primeiro, 
segundo penso, que noticiou a existencia desta especie. Na sua importante obra — 
viagem ao Brasil, — digna de ser por todos lida, como uma das mais instructivas e 
com mais criterio escriptas, é aonde encontro a primeira descripção deste beija-flor. 

Diz o sabio viajante que achando-se perto da lagôa de Ponte-Negra, provincia do 
Rio de Janeiro, e querendo examinar a flor de uma pequena palmeira vi-o fixo aum 
dos ramos, o ninho de um novo beija-flor, que além de outros caracteres tendo a 
cabeça azul recebeu delle por isso o nome de Trochilus pileatus. Sendo curta e um 
pouco inexacta a descripção que nesta occasião apresentou, os naturalistas modernos 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 61 


não conservaram o seu nome pondo-lhe o de Glaucopis, que é hoje nie 
admittido. | 

Este beija-flor um dos que mais vezes nos visita, a cada instante apparece nos 
jardins desta-cidade.. Ainda que se encontre por toda a parte e em todo o tempo é 
todavia mais commum nos mezes de julho até fins de setembro. Na provincia não 
deixa de ser menos espalhada, como o collijo do grande numero de pelles seme- 
lhantes, que vem para o mercado da-côrte. 

Segundo tenho observado, as horas em que ordinariamente mais apparecem são 
das 6 horas da manhã até as 9, e das 5 da tarde até o anoitecer. Durante as horas 
em que o calor é mais intenso nãose mostram a descoberto; nesta occasião vão se 
“brigar no interior das mattas ou capoeiras. Quando para ahi se dirigem pousam de 
preferencia sobre arvores, arbustos, ou hervas que se acham visinhas á algum rio, 
ou regato. Por diversas vezes os tenho visto sobre os ramos ou em cima das folhas de 
imbaibas, bambus, taquaras, tayobas, algumas heliconias, canas, e etc. 

Achando-me um dia em que o sol estava encoberto ás 11 horas da manhã, no 
alto da grota da Figueira, donde 'sahe'o riacho do mesmo nome no Rio Comprido, 
pude ver alguns destes beija-flores sahirem de um bosque contiguo ao lugar por mim 
trilhado, e com rapidez extraordinaria se precipitarem sobre o valle proximo, voltan- 
do alguns para o mesmo lugar poucos minutos depois. 

Quando vem para os jardins ou campos floridos tocam quasi todas as flores que vão 
achando no seu trajecto, indo, como fazem seus congeneres, de umas para outras, ou 
suspendendo-se e revirando-se no ar, tornam a vir para a mesma flor, que acabam de 
largar. Tenho podido perceber, que mostram predilecção pelas aromaticas flores das 
larangeiras ; e como essas flores são igualmente visitadas por outras muitas especies 
de beija-flores os Glaucopes estão condemnados para os poder tocar, a sustentarem 
continuas lutas. Nesta oceasião desenvolvem muita valentia e força, sahindo muitas 
vezes vencedores. 

O seu vôo é nimiamente rapido, sendo tambem cia forte o zunido das azas. 
A facilidade com que o executam, lhes dá .certamente à segurança, que parecem, 
mostrar quando se acham perto de algum perigo. Não dão indicios de temerem cousa 
alguma, voando, rodeiam a pequena distancia o homem e outros grandes mammiferos. 
A este respeito contou-me um caçador, que em suas caçadas por mais de uma 
vez tem acontecido, que elles vem gyrar, afastados 2 a 3 palmos, em volta da sua 
propria arma, tendo elle as vezes açabado de dar tiros. Facto que deixa vêr a toda a 
evidencia a muita coragem que ostentam tão pequenas aves. 

Este beija-flor é um dos que muito gostam de correr, voando, sobre os rios e 
regatos. Si nos campos ou jardins por onde se espalham, sentem alguma levada d'agua 
para lá se dirigem, ainda que muitas vezes demorando-se pouco tempo ahi, em breve 
voltem. Andam arredados a pequena distancia da superficie liquida, indo ordinaria- 
mente por ella acima mui velozmente:; algumas outras vezes descrevem evoluções as 
mais extravagantes, ou suspendem-se sobre «as ondas, quando estas existem. 

Em uma occasião pude claramente vir a conhecer, que elles tocavam as ondas com 
a ponta das azas ficando quasi toda a plumagem ligeiramente humida. Como mal se 
molhavam não posso chamar a esta acção banho; mas della facilmente deduzo o 


68 BIBLIOTHECA GUANABARENSE, 


quanto este beija-flor é amigo do fresco, o que está de accordo com alguns dos 
outros costumes por nós apontados. 


] 


5.º especie. —Ornismya rubinea. Lesson— 


Este lindo beija-flor, que segundo me tem affirmado verbalmente naturalistas 
viajantes é mui commum desde Cantagallo até a Parahyba do Sul, vem tambem de 
vez em quando visitar os jardins situados ao S. S. O. da côrte. Na provincia apparece 
em grandes bandos e em todo o tempo, mas aquino Engenho Novo e no Andarahy, 
aonde o tenho encontrado, mostra-se em pequeno numero, ordinariamente um casal 
de cada vez, e isto só desde o mez de julho até outubro. É tambem uma das especies 
mui derramada por todo o Brasil; em quasi todas as colleeções de pelles de beija- 
flores remettidas das provincias apparecem muitos individuos destes; ainda ha um 
mez, chegou a casa do Sur. Valdivinos na rua do Ouvidor mil pelles desta especie 
vindas do Pará. 

Este beija-flor, bem caracterisado pela placa côr de rubim existente só na garganta 
do macho, é um dos mais antigos, que a sciencia conhece. Linneu que foi o primeiro 
que o descreveu deu-lhe o nome de trochilus rubineus major. Brisson o chamou 
Mellisuga brasilienses gutture rubro. Eu, visto o seu bico ser direito, o denomino 
com Lesson e outros Ornismya rubinea. Apezar de ser especie desde muito tempo 
conhecida, os autores nada dizem dos seus usos e costumes, e por isso o pouco que 
a este respeito tenho podido observar deve ser de algum interesse. 

Esta ornismya a imitação de outras muitas, não gosta se expôr ao rigor do sol, 
nem a ventos fortes, vendo-se por isso obrigada a passar grande parte do dia, met- 
tida dentro das florestas e capoeiras ou abrigados debaixo de copadas arvores. O Dr. 
Rousseau certificou-me que ella nunca ia para o interior das mattas, mas collocava-se 
sempre no principio da entrada. 

Como a ultima especie de que fallamos, esta apparece nos campos ou prados 
floridos das 6 horas até as 9 da manhã, e das 5 da tarde em diante; e si o tempo está 
inteiramente calmo mostram-se em maior quantidade e brincam por mais tempo com 
activissimos movimentos. Tenho podido notar que tomam tambem muita affecção aos 
lugares por onde andam sobre tudo aonde costumam pousar, e por isso os defendem 
com muita coragem e porfia. Por esta occasião tornam-se inimigos tão obstinados, 
que para bem atacar, e maior mal fazer, chegam a ir para a parte mais elevada de 
um ramo de grande arvore, e então não temendo os raios solares, ahi demoram-se 
algum tempo, até apparecer favoravel momento para do alto investirem com força, e 
perseguirem com pertinacia a seus inimigos, até que uma das partes belligerantes fuja. 

Tocam todas as flores indistinctamente, mas indicam alguma predilecção pelas as 
das larangeiras, bananeiras, malvaceas arborecentes, e muitas plantas da familia dos 
cardiospermes. Com vôo nimiamente rapido, e sensivelmente sonoro passam com 
immensa velocidade de uma flor para outra, demorando-se pouco em cada uma. As 
vezes, com esforço extraordinario das azas e cauda, tocam os receptaculos nectarineos 
pondo-se perpendicularmente sobre elles com o bico para baixo: posição que me 
deixou estupefacto a primeira vez que a vi. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 69 


Quando voam, produzem um grito bastante monotono, inteiramente particular a 
esta especie ao menos nos individuos por mim observados : este grito que não cessa 
ainda que o passaro tenha alguns instantes de repouso, toma pelo contrario nesta 
occasião um rhytmo mais grave. Assim este beija-flor manifesta de uma maneira bem 
sensivel a sua presença, ainda que a vista o não possa alcançar; o que lhe é muitas 
vezes fatal, vindo a ser lançados fóra do lugar que occupam pelo grande numero de 
inimigos que tem. “ 

Ainda não tivemos occasião de vêl-os em ninho, porém o museu nacional possue 
ha annos dous ninhos destes feitos com bastante arte, tendo por dentro painas e 
outras substancias molles, e por fóra fibras de cascas de arvores e pedaços de palha : 
são de forma'ovoidal, tendo a abertura em seu cumprimento perto de 3 pollegadas e 
em sua largura duas ; um delles tem dous pequenos ovos brancos. 

Além destas cinco especies tenho tambem observado alguns dos costumes de dous- 
outros beija-flores. Mas como pouco tempo com estes me occupei, e no que vi cousa 
alguma differe da ultima especie por mim apontada, por isso as cito sómente aqui. 
Estas especies são; o Trochilus brasiliensis Temm, que de passagem direi não ser 
o Trochilus brasiliensis de Latham, bastante vulgar" nos arrebaldes da cidade e o 
mais pequeno dos nossos beija-flores, e o T. auratus L. um dos poucos que tem azas 
verde-douradas, e que é mui raro nas visinhanças da côrte. 


Trabalho sobre a ponta de osso de um peixe encon- 
trada no costado de um návio, pelo Dr. E. J. da 
S. Maia. 


Como facto curioso, e até certo ponto interessante julgo conveniente trazer ao co- 
nhecimento de nossa sociedade noticia detalhada sobre uma das amostras do museo. 
O objecto de que fallo é para nós antigo, mas amostras deste genero não sendo mui 
vulgares, e sendo tudo quanto é nosso pouco conhecido, sua publicidade torna-se ne- 
cessaria. 

Consiste este exemplar em um pedaço de ponta ossea do comprimento de dous 
palmos, de côr branca, tendo de diametro na extremidade mais larga duas pollegadas, 
e neste mesmo lugar de cima para baixo uma pollegada, terminando a outra extremi- 
dade em ponta um pouco aguda: toda ella é igualmente alguma cousa achatada de 
cima para baixo, e ligeiramente arredondada dos lados : apresenta tambem em muitos 
lugares da face externa pequenas asperesas, ainda bem visiveis, semelhantes as de 
uma grossa lixa. Pelas fendas que existem na extremidade mais larga claramente se 
vê ser esta amostra formada de substancia de natureza ossea, tendo alguma seme- 
lhança com o marfim; o seu aspecto interno sendo de feixes distinctos de fibras lon- 
gitudinaes bem indica ser proveniente da reunião de muitos ossos compridos. 


O ias 


70 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


Quando não tivessemos as informações que passamos a referir, bastava a simples 
inspecção desta amostra, e a natureza da sua textura interna para sabermos ser ella a 
extremidade aguda de uma destas formidaveis armas de defeza, que na parte anterior 
do corpo apresentam alguns habitantes dos mares. Mas como os animaes assim ar- 
mados são de familias, generos e especies diversas, nossa tarefa com isso não se acha 
concluida, resta determinarmos a especie do animal, tendo só por guia uma mui pe- 
quena parte do seu corpo. Foi o que fizemos em 1843, e agora desenvolveremos as 
considerações em que nos estribamos para assim o fazer. 

Segundo os assentos da casa constava que esta amostra foi remettida ao museo em 4 
de março de 1830, tendo sido tirada em 24 de fevereiro do mesmo anno do costado 
do brigue de guerra Constancia, que estava a querenar no arsenal de marinha. Acom- 
panhava esta remessa a seguinte informação: que o brigue Constancia em uma das 
suas ultimas viagens indo da Bahia para as Alagoas teve em uma noite, sem ser espe- 
rado, forte estremecimento como se tivesse tocado em algum baixo, assustando-se com 
razão o commandante mandou immediatamente dar a bomba, e não apparecendo agua 
alguma de mais, descançou, ficando todavia sempre em duvida sobre a causa do 
choque porque tinha passado à embarcação. Mas a vista do osso que se acabava de 
achar de todo enterrado no costado do navio, a ré do portaló de bombordo um pé 
abaixo da linha d'agua de cobre, tendo atravessado este metal e grossos páus, não 
restava a menor duvida, que o embate do brigue foi causado pelo animal, cuja ponta 
apparecia. 

Ainda que estes choques não sejam mui vulgares, todavia os annaes maritimos 
apresentam alguns factos identicos a este. Desde Plinio até os mais modernos escri- 
ptores, muitos casos se referem, por onde se vê que alguns navios soffreram grandes 
abalos com o encontro de animaes aquaticos armados de pontas mais ou menos sa- 
lientes. O autor antigo Aeliano chega a afirmar que navios tem ido ao fundo furados 
desta maneira. Poderiamos apresentar agora muitos factos deste genero, mas nos li- 
mitaremos a dous, que se acham em escriptores portuguezes de grande nomeada, 
porque não sendo citados por icthiologista algum, parecem ser por elles ignorados. 

O 1.º é de João de Barros, e vem na decada 3.21. 3.º, cap. 1.º, pag. 53. Eis com 
pouca differença as palavras deste celebre escriptor. —No anno de 1518 partio de 
Lisboa a armada commandada por Diogo Lopes de Siqueira, antes de chegar a Mo- 
cambique na passagem do Cabo de Boa-Esperança, um peixe deu uma encontrada em 
a não de D. João de Lima, que cuidaram alguns no estremecer que ella fez, que dera 
em algum penedo, e dando logo á bomba notaram no entretanto que não fazia mais 
agoa alguma. Dahi ha pouco em Cochi dando pendor á não, acharam mettido no cos- 
tado um focinho de peixe do comprimento de dous palmos e meio, agudo na ponta com 
a superficie externa de pelle de lixa, preto e duro, semelhante a chifre de Ganda, ou 
Rhinoceronte. Esta ponta tirada da não veio a Lisboa, ficando todos os sabios desta 
cidade em duvida de que peixe seria. 

0 2.º facto pertence a Francisco de Brito Freire; na narração da viagem da arma- 
da por elle commandada a paginas 28, diz, pouco mais ou menos, o seguinte: —No 1.º 
de janeiro de 1656 na altura do Cabo de Santo Agostinho investiu contra o costado da 
náu capitana, na presença de grande tormenta, um peixe agulha com tal furia, que a 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 1 


espinha monstruosa da ponta do focinho, quebrando-se ficou dentro, fazendo assim 
menor damno. 

Estes dous casos são inteiramente semelhantes ao nosso, e segundo as paragens em 
que succederam, e as formas que as pontas mostravam parecem pertencer a peixes do 
mesmo genero. O de Brito Freire provavelmente foi causado pela mesma especie de 
peixe que 174 annos depois veio produzir a amostra existente no museu. 

Mas a que especie de animal pertence a nossa amostra ? Tal foi a questão que nos 
occupou por alguns dias de 1843, e a qual foi-nos possivel com certeza resolver, 
visto os progressos da sciencia em nossos dias. 

Desde logo exclui a idéa de ser a ponta do narval (Monodon. L. ) por ser animal dos 
climas frids, e por ter este a defeza redonda e sulcada em spiral. Não podia ser 
o espadarte (Pristis L.), a que os nossos indigenas chamavam araguagua, porque 
sua arma sendo em forma de serra e não pontuda, é de configuração mui diversa des- 
ta. Desprezei tambem a lembrança de ser o grande peixe, a que os italianos cha- 
mam aguia, e que existe tambem na India (Tetrapturus Rafinesque ) porque a ponta 
da sua arma é um perfeito punhal fino e agudo. 

Não me foi tambem possivel admittir a idéa de ser a ponta do verdadeiro peixe 
espada (Xiphias L.) tanto porque a arma deste é nimiamente achatada, cortante dos 
lados, e sulcada na face superior, como porque não consta, que estes animacs fre- 
quentem as costas do Brasil. Feitas estas exclusões a nossa amostra não podia per- 
tencer senão a algum animal proprio da nossa região zoologica. 

Com esta convicção consultamos os trabalhos de ichtiologistas modernos, e os natu- 
ralistas que com especialidade se tem occupado do Brasil. O resultado do nosso estu- 
do foi que o nosso exemplar é a extremidade da longa ponta, que termina a maxilla 
superior do peixe vulgarmente chamado em alguns dos portos do norte do Brasil, Agu- 
lhão ou Bicudo, a que Cuvier chama histiophorus americanus, especie propria da 
America Meridional. 

Eis o juizo que fizemos sobre a especie do animal a que pertence a amostra do mu- 
seã. Mas depois disto tivemos occasião de vêr nossas idéas confirmadas, mostrando- 
nos um official da marinha franceza por intermedio do Dr. Descourtilz, a arma intei- 
ra com a estampa do peixe desenhada com o animal a vista. 

Este peixe, que pertence á ordem dos Acanthopterigios a familiados Scomberoides, 
é o mesmo de que falla Maregrave com o nome de Guebuçú, e do qual já no seu tem- 
po elle assegura ter-se as vezes achado o bico enterrado na quilha dos navios. Ainda 
que pela descripção deste celebre escriptor hollandez, veja-se ser elle mui differente 
do verdadeiro peixe espada, no entretanto naturalistas como Linneu, Gmelin, e outros, 
O tomaram como tal, e dahi provem a grande confusão que em muitos autores apa- 
rece a respeito do nosso Guebuçú. Mas quem attender aos caracteres proprios, de que 
são dotados estes nossos peixes, não poderá deixar de comnosco concordar, que a 
forma da propria arma, a existencia das barbatanas ventraes representadas por dous 
filetes mui delgados e compridos, e a barbatana dorsal nimiamente alta a poder servir 
ao animal como de vella, fazem com que sem replica se admitta o novo genero Histio- 


phorus, do qual a especie existente nas costas do Brasil acha-se bastante espalhada 
nos mares que o rodeiam. 


72 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


SECÇÃO DE BOTANICA. 


Noticia de algumas plantas. 


Em uma viagem que fiz na semana passada á fazenda de Guaxindiba, freguezia 
de S. Gonçalo, onde me demorei quatro dias, pude correr duas vezes parte dos 
matos tanto primitivos, como secundarios desta fazenda, e ahi fiz colheita de algu- 
mas plantas novas e importantes, de que vou dar abreviada noticia. 

Nos matos virgens estavam em flor os Oirnys: arvores de construcção, e dioicas. 
Tive a fortuna de encontrar florescidos ambos os individuos da especie; da femea 
tinha eu já ha mais tempo visto, e estudado as flores e o fructo; mas faltava-me a 
flor masculina, e por isso não me tinha sido possivel até agora determinar-lhe o 
genero, tendo sómente reconhecido que era uma especie da familia das Artocar- 
peas : concluido porém o estudo desta planta com a achada da flor masculina, re- 
conheci que ella forma o typo de um novo genero naquella familia, cujos caracte- 
res mais importantes são os seguintes para o genero e para a especie : 

Caract. Gen. —Flores dioici. Masculi amentacei: Amenta filiformia, geminata ; 
bracteolis peltatis cooperta, inter quas stamina numerosa emergunt, perianthio des- 
tituta: Anthers sub-didyme, biloculares ; loculi oppositi, rima longitudinali dehis- 
centes. 

Foeminei axillis foliorum, sive bractearum (ut in masculis) geminatim nascentes. 
Pedicellus uniflorus : apice bracteolis quator, peltatis, cupulam simulantibus, mu- 
nitus. Perianthium simplex monophyllum, conicum, apice apertum, tum ovario 
adherens. Ovarium uniloculare, uniovulatum ; ovulo parietali. Stylus bifidus ; eru- 
ribus elongatis, intus stigmatosis. Fructus drupaceus. Embryo magnus, rectus coty- 
ledonibus crassis aequalibus. 

Caract. sp.— Arbores permagne, lactescentes. Folia alterna ovato vel lanceolato- 
elliptica, basi acutiuscula, apice acuminata, margine integra : coriacea, glabra, nitida, 
breviter peciolata. Stipule squamesformes decidue. 

Flores minutissimi. Drupa lutea, parum'carnosa, ovum columbinum cequans. 

Cortex parum rimosus : lignum luteum. 

Proponho para esta planta os nomes seguintes : 


SOARESIA NITIDA. 


O nome generico lembra o de Gabriel Soares cujos trabalhos antiquissimos, e mui 
importantes sobre objectos de historia natural brasileira são hoje bem conhecidos e 
apreciados. 

O nome especifico é tirado do lustre das folhas. 

Estas arvores não são raras pelas matas da provincia do Rio de Janeiro ; e 


TRABALHOS DA SOLEDADE VELLUSIANA. to 


conhecidas por toda a parte com o mesmo nome de Oity. São porém mui diversas 

“dos Oitys das provincias do norte, e dos sertões, taes como : o Oitycica, o Oity-coro- 
ia, o Ontyetá, etc., que pertencem a familias diversas; e isto já na comarca dos 
Ilhéos, segundo a descripção que delles faz Balthazar da Silva Lisboa. 

Não só nas matas virgens, mas pelos campos estavam as sapucaias mui vistosas pela 
sua folhagem nova vermelha, e carregadas de magnificas flores. É a primeira vez 
que vi esta bella arvore florescente, porque ou não existem ou são raras cá para a 
nossa banda. É das que dá maior fructo, e boa madeira de construcção. Ainda não 
tive tempo de averiguar a que especie ella pertence. É um ponto que merece ser bem 
elucidado, a determinação exacta das especies, e talvez variedades das nossas sapu- 
vaias, não digo já de todo o Brasil, mas sómente do Rio de Janeiro. Velloso traz na 
sua Flora Fluminensis tres especies; mas destas só uma é bem caracterisada é a 
sua Lecylhis depressa; quanto ás outras elle se enganou tomando-as pelas ollaria, e 
minor de Lineo. 

Pela minha parte tenho-me achado em embaraços na liquidação de algumas espe- 
cies, de que tenho colhido ramos com flor e fructa, (com excepção da Lecylhis depressa 
que se não confunde com as outras) porque na mesma arvore variam as flores em 
côres, as folhas em forma e tamanho segundo as idades não só da mesma folha, 
como da arvore ; e emfim os fructos, que nem em figura nem em grandeza são cons- 
tantes. 

Balthasar da Silva Lisboa, descreve longamente uma especie de sapucaia, que 
( quanto se póde alcançar da imperfeição de sua descripção ; é a mesma, que agora 
achei em flor. Provavelmente elle a descubrio na comarca dos Ilhéos, de cujas ma- 
tas foi juiz conservador por alguns annos. 

Na sua physica vegetal, que se acha manuscripta no archivo do Instituto Histo- 
rico e Geographico Brasileiro, reproduzindo a descripção desta planta, já im- 
pressa nos annaes do Rio de Janeiro, elle a dedica á memoria do nosso illustre 
litterato Januario da Cunha Barbosa, com os nomes de Lecythis Januari. 

Convem adoptar-se este nome no caso de se não achar ainda esta especie rigoro- 
samente determinada. 

— Qutras arvores achei só com fructa, de sorte que me não foi possivel determi- 
nal-as definitivamente. 

Assim no campo do engenho do Barão de S. Gonçalo vi uma de que ninguem 
sabe o nome, nem o prestimo. E” leguminosa, sua madeira é avermelhada, e as fo- 
lhas pinnadas, floresce, segundo me informaram, em junho, estando sem folhas: o 
fructo, que o tinha agora já secco, é uma bagem samaroide, monosperme, e inde- 
hiscente, como são os do Gen. Machicerium; mas, a julgar-se pelo habito externo 
da planta, parece antes ser uma especie do Gen. Ferreirea, que a pouco foi por mim 
proposto. 

Outra arvore achei com fructo secco, no campo da fazenda de Guaxendiba. É tam- 
bem uma leguminosa ; e é ahi impropriamente chamada jacarandá ; não pude ave- 
rigoar se tem cerne, ou não : suas folhas são pinnadas; o fructo é igualmente uma 
bagem samaroide, monosperme, e indehiscente; mas tendo a semente na ponta, 
como no Gen. Myrospermum; no entanto, não sendo. arvore resinosa, é provavel que 


10 


x 


7? BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


pertença á genero diverso desse. Já em principio deste anno o Dr. Capanema colheo 
um ramo com fructa de uma destas arvores, creio que para os lados, ou visinhanças 
da serra do Tingoá. 

Outra leguminosa achei com fructa, dentro de mato virgem. E uma bella arvore, 
pertencente á ordem das Mimosaceas, e talvez ao Gen. Acacia : de folhas bipinnadas, 
bagem larga dehiscente polysperme. 

Ficaram algumas pessoas incumbidas de vigiar estas arvores, e de colherem as 
flores, quando as derem, para se poder concluir o seu estudo. 

Varias outras arvores vi que me pareceram novas, mas sobre as quaes pouco have- 
ria a dizer por estarem sem flor, e sem fructo ; taes são por exemplo as que cha- 
mam cauãs, e macauans, que são madeiras, empregadas principalmente como 
combustivel, as quaes ambas tem o aspecto de euphorbiaceas. 

21 de novembro de 1851. — Francisco Freire Allemão. 


DESC 72-20 LEAD 
NOTICIAS DIVERSAS. 


ORIGEM DA PALAVRA MARACUJÁ. 


Maracuiá ou Murucuiá (Passiflora de Linneo ou herva da paixão dos portugue- 
zes), Mr. Auguste de Saint-Hillaire inculpa Marcgrave e Piso de terem alterado o 
nome Maracá ou Tamaracá que diz eram os nomes brazis desta planta, para for- 
marem o nome Maracujá que hoje a designa. 

É certo que o padre Brunet á pag. 653 do tomo 1.º do Parallele des Riligions, 
diz: « Il croit au Bresil un fruit, nomé Maraca ou Tamaraca dans la langue du pays: 
il est de la grossure d'un euf d'autruche, et a quelque ressemblance avec une calebasse. 
Les Brésiliens percent Ve corce de ce fruit, lorsqu” il est sec, le vident le remplissent de 
petites pierres, ou de grains de bled d'Inde. Ils bouchent ensuite les ouvertures, en 
passant au travers un bâton d'un pied et demis de long, qui leur sert à le tenir et à 
Vagiter. » Porém se Mr. de Saint-Hillaire foi levado por isto ou cousa semelhante, 
nenhuma razão lhe vemos para arguir Marcgrave e Piso, pois o que diz o padre Brunet 
nada tem com o Maracujá, mas sim com o fructo ou fructas de que os Brazis faziam 
seus Maracás; e esses, consta dos escriptos de muitos viajantes e missionarios, serem, 
segundo as localidades, ora os do Cabaceiro, ora os de uma especie de coloquintida 
que dizem sera Cerbera ahué. No que diz o padre Brunet, ha o equivoco de dar-se 
como nome de um fructo, o que apenas é o nome de um instrumento sonante que 
desse fructo era feito: e tanto isto assim nos parece, que tambem diz lhe chamavam 
Tamaracá, corrupção do nome !ta-maracá que depois do trato com os europeus, os 
Brazis deram por extensão ao sino, assim como tambem chamaram Itá-maracá-mirt 
a campainha : litteralmente estes nomes ultimos significam Maracá de metal ou ins- 
trumento sonante de metal. Além disto, Lery, que veio ao Brasil muito antes de 
Marcgrave e Piso, diz que os Brazis chamavam á larangeira Morguiá-guaci, e nin- 


! 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 


guem deixará de vêr neste nome, bem que alterado talvez pelo ouvido de Lery ou 
por facecias dos mesmos Brazis, o nome Maracuia-guaçú ou antes Murucuia-guaçã. 
Simão de Vasconcellos que veio ao Brasil depois de Lery, e tambem antes de Marc- 
grave e Piso diz a pag. 156 das Noticias curiosas do Brasil, edição fluminense de 
1824, que os Brazis chamavam Maracujá a planta que os portuguezes denominavam 
Herva da paixão : e de mais, se Maracá ou Tamarucá era o nome que entre os 
Aborigenes tinha a Passi-flora, e foi a supposta alteração feita por Marcgrave e Piso 
que os desfigurou entre os botanicos, como diz Mr. de Saint-Hillaire, como é que 
todo o Brasil, mesmo antes da vinda destes naturalistas, diziam e continuam a dizer 
Maracujá, Múracuiá ou Murucuiá, e não Maracá ou Tamaracá. Seria essa alte- 
ração tão importante, e daria tanto abalo que fosse levada á choupana do sertanejo 
que não sabe ler, para o fazer esquecer o nome que tinha ouvido aos Aborigenes 
darem a este fructo ? Cremos que não. Es 

Agora tratando das diferenças orthographicas com que achamos escripto este 
nome em diversos escriptos, ponderaremos que o mesmo Vasconcellos escreveu Ma- 

racujá e Murucuiá; o que tambem fez Valmont de Bomare no seu Deccionario de 
Hist. Nat.; o padre Fernão Cardim na narrativa epistolar de uma viajem e mis- 
são jesuitica pela Bahia, Ilhéos, Porto Seguro, etc., etc., no anno de 1583 a 1590, 
impressa em 1847, escreveu Maracujá: e Bomare, além do que fica dito, diz mais 
que tambem a este fructo chamavam os Brazis Maracoc ou antes á Passi-flora. 

Em primeiro lugar a alteração que visivelmente soffreu este nome passando da 
lingua brasil para o portuguez foi a troca do 1 que nessa lingua nunca é tão con- 
soante que fira as vogaes como o G fere o E; pois que nella em vez de Maracujá 
diriam Maracuid. 

Em segundo o nome Maracoc, dado á planta, com o nome Já que significa fructo 
póde muito bem ser a origem de Maraco-iá: isto é, fructo da planta chamada maracoc. 

Em terceiro o nome Morqguiá, que Lery diz ouvira dar á laranja muito parece-se 
com o Murucuiá de Bomare e de Vasconcellos: principalmente quando se reflicta que 
as classificações feitas pelos Aborigenes assentavam geralmente sobre semelhanças 
as vezes muito ligeiras, é se nota que, no exterior, em alguma cousa podia o selva- 
gem achar semelhança entre a laranja e o maracujá; e reunidos com a simples dis- 
tineção do adjectivo guaçú: é-nos sugerida esta idéa pela necessidade que vemos 
tiveram os Aborigenes de distinguir entre os fructos que tinham denominado mara- 
cujás, algum oualguns, com a palavra eté, verdadeiro, bom, etc. 

Os vocabularios existentes não occuparam-se com os nomes nem das plantas, nem 
dos fructos, nem dos animaes e aves, nem dos peixes; e por isso falhos nos vemos 
de autoridades que positivamente firmem uma opinião ; porém não obstante, se atten- 
dermos ás modificações que as mesmas linguas cultas soffrem, não sómente entre 
as diversas classes da sociedade, porém ainda nas diversas localidades em que são 
falladas, nada temos a extranhar que entre um povo sem letras, e disperso, em gru- 
pos isolados, n'um paiz immenso dê-se o facto de apparecerem os nomes Murucuiá 
e Maracwiá designando o mesmo objecto; com tudo se Maracuiá póde vir de Mara- 
coc e Tá, somos levados a crêr que Murucuiá póde tambem vir, sem que muito for- 
cejemos, de Murú ou Murú-murk adverbio laudativo, ou de Murá adjectivo da lin- 


76 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


gua Quichua, que significa cousa de côres diversas, e mais de Cui, utensil ou vaso 
feito de cabaço, e Tá fructo; o que dá Já fructo, Cui de que se fazem cuias, segundo a 
construcção grammatical, muráú excelentes, ou de varias cores em razão das phases 
de maturação; e isto não porque se façam cuias dá casca do Murucuiá; porém em 
razão da semelhança que possa haver entre o Maracujá e o fructo do Cui-eté ou ca- 
baço. Finalmente este nome é generico na lingua geral, e os Brazis por meio de adje- 
ctivos designavam varias especies como sejam: Maracujá-guaçú (M. grande), Mara- 
cujá-mirim (M. miudo), Maracuá-eté (M. verdadeiro ou bom), Maracujá-piruno 
(M. de casca ou pelle preta escura), Maracujá-catã (M. duro), Maracujá-poroba (M. 
de casca amargosa), Maracujá-mixira (M. de assar). F. J. Malta. 


a + 
Espécie nova e curiosa de passaro brasileiro. 


Até agora a sciencia só conhecia o cinclo ou melro d'agua, Turdus cinclus, como 
o unico passaro que tivesse o singular costume de descer debaixo d'agua, e de an- 
dar no fundo della em procura dos pequenos animaes de que se nutre ; mas hoje 
podemos afirmar que um outro passaro brasileiro é encontrado na provincia do Rio 
de Janeiro que tem igualmente este costume. Em breve apresentaremos a descripção 
desta especie, que para nós é tambem nova, podendo desde já dizer que ella deveser 
chamada Tamnophilus aquaticus. Por agora nos limitamos a dizer que o Dr. Des- 
courtizs tem tido occasião de ver no campo este novo passaro, e assim com seus 
proprios olhos observar por diversas vezes andar elle debaixo d'agua atravessando 
ás vezes um riacho de lado a lado. 


Facto notavel. ] 


Entre os jacarés que existem no museo dous ahi estão dignos de serem menciona- 
dos tanto pela pessoa que os matou como pelo lugar aonde foram encontrados. Estes 
individuos, que pertencem á especie mui vulgar no Brasil — Alligator lucius, tem um 
8 palmos de comprimento e o outro 4. Ambos foram mortos em janeiro de 1831 
pela propria mão do Sr. D. Pedro 1.º em uma lagôa, que então existia nos fundos da 
quinta da Boa-Vista para o lado do sitio chamado — Macaco— ,mas que já hoje des- 
appareceu por ter sido aterrada. Tal foi a informação que encontramos escripta na 
casa, transmittida pelo Sr. João de Deos e Silva. Não deixa tambem de ser curioso o 
que a este respeito nos disse pessoalmente este Sr. communicou-nos que o proprio 
Imperador veio ao estabelecimento ordenar que elles fossem preparados e monta- 
dos, pois tencionava mandal-os para Vienna d'Austria. Desejo que provavelmente não 
pôde verificar em consequencia das circumstancias politicas, que dahi ba pouco occor- 
reram no imperio. 

Rio de Janeiro 6 de novembro de 1851. — Dr. E. J. S. Mura. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. ici 


VARIEDADES. 


Questões propostas para serem discutidas porescripto. 


4.º—O denso nevoeiro, ou o enfumaçado da atmosfera do Rio de Janeiro, e de quasi toda, 
senão toda a costa do Brasil nos mezes de julho á outubro será devido à uma evaporação 


terrestre, ou volcanica, tomo pensou Sanches Dorta? Ou será devido à queimadas como 
se acredita vulgarmente ? 


2.:—Se este phenomeno é devido ás queimadas, datará elle de tempo anterior à conquista? 


3.º—Se é anterior á conquista; seriam estas queimadas puramente accidentaes, como 
pensam alguns, ou eram de proposito feitas pelos selvagens, como sustentam outros? E 
então porque motivo o fariam? 


4.º*—Provada a existencia dos incendios no tempo dos selvagens, casuaes, ou não, foram 
elles (os incendios) que produziram os maçagaes, ou campos, pela destruição das 
matas, como é opinião de Volney e de outras pessoas; ou pelo contrario os incendios 
presuppõe a existencia de campos naturaes?— Francisco Freire Allemão. 


Como as questões, que tive a honra de apresentar-vos, foram julgadas dignas de 
discussão ; com o fim de a suscitar, vou offerecer já algumas considerações sobre 
ellas. Podem ellas ser debatidas separadas ou conjunctamente, como cada um 
julgar mais conveniente. Quanto á mim previno que não me acho com conhe- 
cimentos, nem dados sufficientes para encarar todas estas questões, e nem cada uma 
de per si, em sua generalidade. Faltam-me o conhecimento das localidades, noticias, 
e tradições, que são necessarias para a sua cabal solução. Creio porém que uma dis- 
cussão regular, póde trazer sobre ellas muita luz, senão resolvel-as satisfacto- 
riamente. 

Quanto á primeira questão direi, que esse phenomeno se não existio sempre no 
Rio de Janeiro, data de muitos annos ; e que sempre ouvi attribuil-o ás queimadas ; 
e nesta persuasão estava eu. Bento Sanches Dorta porém em suas muito importantes 
observações meteorologicas, e astronomicas, feitas no Rio de Janeiro pelos annos de 
1781 á 88, tratando deste phenomeno diz o seguinte : 

« Nós tivemos aqui este anno (1786) a mesma nevoa espessa, que começamos a 
« sentir no anno de 1784. Principiou este nevoeiro no mez de abril, e continuou 
« indo-se sempre augmentando, por todo o anno, o qual veio embaraçar as minhas 
« observações astronomicas......... 

« Este nevoeiro era continuo de dia, e de noite ; mas a cima delle o ar estava de 
« ordinario sereno : o sol apparecia algumas vezes atravez do mesmo nevoeiro quan- 


ap * 


78 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


« do estava no meridiano, ou perto delle; mas avermelhado e destituido de seu res- 
« plendor, de maneira que eu o podia ver fixamente, sem o menor incommodo dos 
« olhos. Esta nevoa era differente das nevoas ordinarias, tanto pela sua constancia, 
« como pela sua densidade, e mormente pela sua seccura, não obstante lançar al- 
« gumas vezes orvalho miudissimo. Os raios do sol parecia acharem dificuldade gran- 
« de em dissipar algumas particulas deste nevoeiro ; o que é tanto mais notavel que 
« elles destroem promptissimamente os nevoeiros humidos. 

« Em todo o tempo, que durou este nevoeiro os ventos foram variaveis, mas 
« brandos. 

« Poderei eu attribuir a causa desta continua nevoa à uma forte vaporação de 
« partes muito densas do nosso planeta para subirem á região superior da atmosfe- 
« ra, e muito tenues para to rnarem a descer? Ê 

« Poderei eu attribuir este phenomeno a alguma quantidade de fumo, exhalado de 
« algum volcão sahido do mar do sul, na visinhança deste paiz ? Mas até agora. 
« não temos noticia alguma desta apparição.» 

Note-se bem que Dorta, tendo começado as suas observações em 1781, foi em 
1784 que observou. pela primeira vez este phenomeno. 

Logo que tive conhecimento destas observações de Dorta, entrei tambem a reflectir 
sobre este objecto, e a vacillar na opinião, que até então tinha ; por isso que a expli- 
cação do phenomeno pelas queimadas devia ter occorrido a um observador como 
Sanches Dorta, e não podia escapar á sua curiosidade o como pensava o povo a este 
respeito. Estas considerações pois, e o serem as queimadas de serra abaixo feitas 
geralmente, não em setembro, e agosto mas de outubro a janeiro, me deixáram 
suspenso. 

Ainda mais perplexo fiquei lendo o que dizem os AA. a respeito do nevoeiro secco, 
que apparece por vezes na Europa, é em outras partes. Por brevidade citarei unica- 
mente o que diz (Garnier no seu Tratado de Meteorologia. Diz elle: « O nevoeiro» 
« extraordinario de 1831 que tanto excitou a attenção publica, e foi visto na Costa da 
« Africa em 3 de agosto, em Odessa a 9, no meio dia da França a 16; em Paris 
« a 10; e em New-York a 15 do mesmo...... elle enfraquecia a luz a tal ponto 
« que por todo o dia se podia encarar o sol sem nenhum dos meios, que empregam 
« os astronomos....... Durante a existencia deste nevoeiro, não houve, à bem 
« dizer, noite nos lugares, onde a atmosfera se mostrava fortemente impregnada: as- 
« sim no mez de agosto; mesmo á meia noite se podia muitas vezes ler um escripto 
« de letra miuda, na Siberia, em Berlin, etc. ..... Nenhuma circumstancia nos 
« póde induzir, á suppor que este nevoeiro fosse depositado no nossa atmosfera pela 
« cauda d'um' cometa. 

« Durante o estio de 1783.......á 17 de junho à atmosfera estava cheia de va- 
« pores espessos semelhantes aos nevoeiros que reinam no inverno. Foram sempre 
« em augmento, e duraram sem interrupção até 22 de julho, eram muito baixos e 
« não aquosos . . « Como nesse anno tinham havido violentos terremotos na Europa, 
« que causaram grandes desastres, na Islandia, e na Calabria principalmente ..... 


« se exhalou uma fumaça extremamente espessa, que se conservou até o fim 
« de julho. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 79 


“4 ÀÃos 25 de maio de 1834 houve em Orleans dtrante toda a manhã um nevoeiro 
« secco, e fetido, que provavelmente se estendeu a maior distancia. A julgar-se pela 
« vista, é pelo cheiro, dir-se-ia ser fumaça de cal queimada, trazida por um vento 
« frio, é violento de nordeste. O brilho do sol achava-se enfraquecido como na oeca- 
« sião de um eclipse parcial. 

“« Esta especie de fimo, é as circumstancias, que o precederam, justificam as hypo- 
« theses propostas pelo Shr. Aragó no annuario de 1832. Suppõe elle que estes 
« vapores ou são formados na immensá fornalha, que occupa o centro do nosso pla- 
« neta, donde sahem através de fendas da crosta, mais ou menos solida, sobre que 
« marchamos : ou são fumos d'uma erupção volcanica, dispersos pelos ventos : ou 
« tambem os fumos d'um corpo estranho a nosso globo, e que se teria abrasado sem 
« chamma ao cahir em nossa atmosfera; ou emfim que esses vapores sejam o pó im- 
« palpavel de um desses fragmentos d'im planeta, quebrado pela explosão do 
« seu fogo central, ou pelo encontro d'algum cometa. .....» 

Toda esta passagem, que acabo de trasladar, resumindo-a. justifica as supposições 
de Dorta, e mostram seu saber e seu tino de observador. Note-se ainda uma circums- 
tancia; e é que este phenomeno elle o observou aqui pela primeira vez em 1784, e 
foi em 1783 que appareceu esse nevoeiro secco tão notavel na Europa. 

Agora encaremos a questão pelo outro lado ; e vejamos se não ha boas razões para 
explicar o phenomeno, attribuindo-o aos fumos das queimadas. 

Este estado da nossa atmosfera, (e por ora me limito sómente ao Rio de Janeiro ) 
parece não ser de data muito antiga. Não me lembro de ter lido nem em Lery, nem 
em outro nenhum autor nada que indicásse a sua existencia. No importantissimo Ro- 
teiro de Pero Lopes de Sousa, acha-se notado este phenomeno com o nome de cer- 
ração, mas sómente ao sul do Rio de Janeiro, e dahi até o Rio da Prata. Sanches 
Dorta refere a sua apparição ( no Rio de Janeiro) em 1784, tendo começado suas 
observações em 1781. Assim pois, por ora, somos autorisados a datal-o desse tempo 
para cá. Ora já isto nos póde servir de argumento, ou prova de ser este estado 
atmosferico devido ao fumo das queimadas: pois que Pizarro nas suas Memorias His- 
toricas do Rio de Janeiro, diz que a cultura do café começou no Rio de Janeiro pelos 
annos de 1770, e seguramente não podia ser antes de 14 annos que essa cultura 
tomasse um grande desenvolvimento em serra acima, (dando lugar ás grandes quei- 
madas) O que não só coincide com a observação de Dorta, mas até nos dá a razão; 
porque a explicação do phenomeno pelas queimadas lhe não havia occorrido, se mos- 
trando então pela primeira vez. EA 

Quando em 1846 tive occasião de ir até a villa da Parahyba, era no mez de agosto, 
faziam-se nessa occasião as queimadas, e o ar estava demasiadamente enfumaçado . 
Desde então me pareceu o phenomeno conhecido. 

Fiquei ainda mais firme nesta opinião quando li o Curso de Meteorologia de Kae 
metz. Ahi se lê o seguinte: —Eis-aqui como este phenomeno (o nevoeiro secco) se 
« apresenta na Allemanha meridional. Quando durante o dia o céo está perfeitamen- 
« te puro, e sem nuvens, a sua côr não tem o tom azulado que lhe é ordinario: ella 
« é mate, sem todavia offerecer o aspecto de quando cirrus tenues perturbam a trans- 
« parencia do ar ; neste ultimo caso a cor esbranquiçada domina ; mas com o ne- 


Q 


80 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


A 


voeiro secco o azul do céo se empana, e se enturva. Alguns gráos acima do hori- 
« sonte porém essa côr termina abruptamente por uma cinta de côr rubra, tirando 
« para o escuro. As nuvens cumulo-stratus tem as bordas superiores brancas e brilhan- 
« tes, e por baixo são mais, ou menos tintas de vermelho para o lado do occidente. .. . 
« O sol não tem resplendor. A sombra dos objectos terrestres é mal determinada. Os 
« astros, que se approximam do horisonte tornam-se côr de sangue. ..... Algumas 
« vezes 0 nevoeiro secco tem uma intensidavel notavel: muitos exemplos delles refe- 
« rem as chronicas. O de 1783 causou espanto geral na Europa. ..... 

« O nevoeiro secco é commum principalmente na Allemanha septentrional, e oc- 
«-cidental, e tambem na Hollanda. E” attribuido á combustão da turfa : com effeito 
« as terras turfaceas se cavam e amontoam no outono, afim de que sequem no inverno: 
« e em maio se lhe mette fogo, tendo cuidado que deem pouca chamma, e muito fu- 
« mo..... No verão grandes espaços se inflammam espontaneamente. .... 

« Nesses lugares o nevoeiro secco coincide com a combustão da turfa...... » 

Já tenho sido bastante extenso, e páro aqui; como já tenho dito me inclino a expli- 
car o estado de nossa atmosfera nos mezes referidos pelo fumo das queimadas. 

No entanto ainda á poucos dias conversando sobre este ponto com algumas pessoas 
de varias provincias do imperio, e pessoas das mais esclarecidas, não foram inteira- 
mente do meu voto. 

E se attendermos ainda que os meteorologistas, não exceptuando mesmo Kaemetz, 
trazem este phenomeno no capitulo dos phenomenos problematicos : e que Becquerel 
nos seus importantissimos Elementos de Physica terrestre diz, fallando dos nevoeiros 
seccos, que sua origem não é bem conhecida : e que a respeito dos da Allemanha, 
e Hollanda se exprime assim :—« Algumas pessoas os attribuem à combustão da tur- 
das! é » Se achará a razão porque ainda não tenho nesta materia uma opimãe 
inabalavel, e porque a proponho para ser discutida. 

Das outras questões, e talvez mesmo desta, me occuparei em outras occasiões. 


25 de setembro de 1851. — Francisco Freire Allemão. 


Qual é a causa do enfumaçamento da atmosphera do 
Rio de Janeiro em certa época do anno?— Questão 
esta que se reduz à seguinte:—Qual é a causa dos 
nevoeiros seccos? 


Esta questão apresentada pelo Snr. Dr. Freire Allemão, e por elle tratada com 
o espirito de exame que o caracterisa, é quanto a mim um problema tão difficultoso 
de resolver, como o dos Aerolithos, o das estrellas cadentes, o dos nevoeiros que 
cobrem os mares polares, e tantos outros. 

O Snr. Dr. Freire Allemão cita as conjecturas de diversos physicos sobre este 
phenomeno, que tem sido observado em varias épocas e lugares, ora periodicamente, 


aqi a a A 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 81 


ora de uma maneira irregular. Quasi todas estas opiniões estão em opposição com 
a opinião vulgar em certos paizes, que attribue os nevoeiros seccos á fumaça das 
queimadas. 

Effeitos identicos devem ser attribuidos a causas identicas; portanto a causa ou 
causas que produzem os nevoeiros seccos, devem ser as mesmas em todas as partes, 
e manifestadas da mesma maneira, ainda que certamente modificadas por circum- 
stancias locaes. O vulgo póde attribuir ao fumo de vastas fogueiras os nevoeiros sec- 
cos que apparecem em épocas determinadas nos paizes situados entre os tropicos, 
ou na Hollanda, e na Allemanha Septentrional e Occidental, etc. ; porque nos pri- 
meiros fazem-se queimadas annuaes nas mattas, e nos outros incendeiam-se as 
turbeiras. 

Mas, póde-se por ventura explicar da mesma maneira os nevoeiros seccos obser- 
vados em todas as outras partes do mundo em diversas épocas, quer no interior 
das terras, quer nas costas, quer mesmo em alto mar? 

Esta explicação, assim como muitas outras que passam em julgado, é devida a 
que quasi sempre se consideram os phenomenos geraes debaixo de um acanhado 
ponto de vista de localidade. 

Não posso acreditar que uma tão pequena causa dê origem a tão grande efleito. 
O fumo de cem, de mil fogueiras não seriam suflicientes para produzir nevoas es- 
pessas capazes de cobrir immensas superficies, e de obscurecer a atmosphera du- 
rante trinta ou quarenta dias. Demais, o fumo é composto de materias gazosas, de 
vapores, e cinzas suspensas pela corrente do ar. Estas cinzas não podem demorar-se 
muito tempo em suspensão pelo seu peso, ou, se podessem ficar nesse estado e fossem 
levadas pelos ventos, deveria haver uma chuva de cinzas, e, em todo o caso, sentir-se 
um cheiro das substancias vegetaes e animaes queimadas. Ninguem, que eu saiba, 
tem sentido semelhante cheiro, nem notou a queda de cinzas. Esta queda de cinzas 
tem sido sempre observada nas erupções vulcanicas e a grandes distancias, quando 
ventos impetuosos as levam em certas direcções. Podia apresentar muitos exemplos, 
porém não quero citar de memoria. O mesmo, ou ainda por mais forte razão, deveria 
acontecer com as queimadas. | 

O facto é que sempre estas nevoas coincidem com o equinoxio de setembro no 
hemispherio sul, e aqui no Rio de Janeiro ellas duram de 15 de agosto até ao prin- 
cipio ou meado de outubro; porém de ordinario cessam no fim de setembro, e são 
sempre precedidas por nevoas humidas, que começam em abril, sendo substituídas 
em agosto pelos nevoeiros seccos. 

Terá a mudança de estação alguma influencia sobre o apparecimento deste phe- 
nomeno ? Quanto a mim esta conjectura é tão susceptivel de ser sustentada como as 
outras; seria mesmo a mais verosimil de todas, se por ventura as nevoas seccas 
fossem peculiares aos paizes intertropicaes. Para citar uma grande autoridade em 
favor desta conjectura, apresento a de Humboldt que attribue as nevoas seccas 
a modificações atmosphericas produzidas pela approximação do sol ao Equador. Em 
verdade estas nevoas apparecem na época em que os nossos lavradores fazem as 
suas queimadas, porém muito tempo antes já ellas se manifestam. O mesmo Snr. 
Dr. Freire Allemão diz que as queimadas em baixo da Serra (e o mesmo acontece 


11 


82 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


sobre a Serra) se fazem de outubro a janeiro, isto é, na raio em que as nevoas 
seccas já tem cessado, ou diminuido sensivelmente. 

Aquelles que attribuem as nevoas seccas á combustão de materias vegetaes ou 
mineralisadas não reflectem que as grandes cidades deveriam estar sempre cobertas 
com densas nevoas, resultado das grandes massas de fumo que continuamente sahem 
das suas chaminés e officinas. Para fazer sentir a fraqueza desta explicação, e quanto 
a mim de uma maneira incontestavel, citarei sómente a Gran-Bretanha. A incalcu- 
lavel quantidade de carvão de pedra que consomem as suas cidades manufactureiras 
é seus innumeraveis vapores, não seria sufficiente para produzir nevoas continuas? 
O fumo do carvão de pedra é negro e espesso; e se este fumo não fosse dissipado 
instantaneamente, a Gran-Bretanha, Londres sobretudo, estaria sempre envolvida 
em uma atmosphera tenebrosa, e esta atmosphera deveria chegar até ao outro lado 
do Mancha, cobrindo as costas de França com densas nevoas seccas. 

Na verdade o sol mostra poucas vezes aos filhos d'Albion a sua face de fogo; mas 
este nublamento do céo em Inglaterra não póde ser attribuido de nenhuma sorte ao 
fumo do carvão de pedra; 1.º, porque estas nevoas são sempre humidas e brancas ; 
2.º, porque estas nevoas são conhecidas deste o tempo dos Pictes e Bretões, que 
nem sabiam que a sua ilha encerrava em seu seio vastos depositos de materias 
combustiveis. E por ventura não equivalerá essa immensa massa de fumo que 
exhalam as cidades, as manufacturas e os vapores da Gran-Bretanha, ao fumo que 
resulta da queima das turbeiras dos Paizes-Baixos e da Allemanha meridional, e á 
aquella que resulta das mesquinhas coivaras que annualmente fazem os nossos 
lavradores ? (1) 

Por todas estas considerações julgo que as queimadas não podem explicar de 
modo algum o phenomeno das nevoas seccas. 

Examinemos agora as outras hypotheses. 

Os nevoeiros seccos não são raros em todas as partes do mundo, principalmente 
nos paizes situados entre os tropicos; porém os de 1783 e 1834 fizeram grande sen- 
sação, sobretudo na Europa. Alguns os attribuiram á immersão da cauda de um 
cometa na nossa atmosphera; outros aos vapores do calor central; ao fumo exhalado 
das erupções; ao fumo de um corpo extranho que se teria abrasado sem chamma; 
ao pó impalpavel produzido pelos fragmentos de um planeta despedaçado pelo seu fogo 
central, ou pelo encontro de um cometa, etc. A estas hypotheses, citadas pelo Snr. 
Dr. Freire Allemão, deve accrescentar-se as de Lalande que attribuio as nevoas sec- 
cas á electricidade desenvolvida por um verão quentissimo que succedeu a um in- 
verno humido ; de Cotte que os suppoz o resultado de emanações metallicas unidas 
á electricidade, em consequencia de grande calor e de numerosos tremores de terra; 
de outros finalmente que as consideram como simples effeitos da electricidade 
ordinaria. 


(1) Finxe calcula em 24 milhões de libras os productos das turbeiras da Allemanha e da Hollanda. Sup- 
pondo que a população de Londres seja sómente de 2 milhões, e que cada habitante consome 2 libras de carvão 
de pedra por dia, bastam seis dias para que a massa de fumo iguale ao que resulta do incendio das turbeiras, 
incendio que aliás dura mezes. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 83 


Attribuir a causas extranhas ao nosso globo a origem de certos phenomenos que 
nelle se passam, é recorrer a actos de imaginação, é forjar hypotheses mais ou menos 
plausiveis que de ordinario não satisfazem ao espirito, ou não resistem a um frio 
exame. É o-que acontece a algumas das hypotheses mencionadas, que tem tanto de 
geraes quanto a do fumo dos incendios tem de mesquinhamente local. Se os nevoeir 
ros seccos de 1783 e 1834 podem ser attribuidos a causas extranhas a nosso globo, 
elles deveriam ter sido mais geraes e em muito maior escala do que realmente não 
foram, e portanto de nenhuma sorte podem servir para explicar phenomenos locaes 
e mui parciaes, particularmente os que periodicamente apparecem nos”paizes inter- 
tropicaes. é 

Quanto á opinião daquelles que attribuem estes nevoeiros a effeitos da electricidade, 
digo o mesmo que Kaemtz (1) : não comprehendo como a electricidade possa turvar 
a atmosphera. 

Restam as hypotheses fundadas nos phenomenos igneos. A do fumo exhalado pelo 
centro do globo é mui grandiosa para produzir tão pequenos effeitos. Os vapores 
do fogo central não se poderiam manifestar na superficie sem produzir desastres 
sensiveis; porque estes vapores não podem passar através da crusta solidificada do 
globo sem grandes abalos, sem deslocações de uma espantosa violencia : quando isto 
acontecesse os lugares onde este cataclysma se passasse ficaria envolvido, não em 
nevoeiros seccos, mas em uma atmosphera tenebrosa, e em tal gráo de calor que 
nenhum ente organisado poderia resistir. 

« Somos nós autorisados a considerar as erupções vulcanicas como uma causa 
immediata dos nevoeiros seccos? Pergunta Kaemtz. As razões que elle apresenta 
para rebater esta opinião são tão valiosas que eu as adopto. Depois de ter observado 
que alguns dos mais notaveis tremores de terra, como os de 526, 1721, 1783, 1822 
e 1834 haviam sido acompanhados de nevoeiros seccos, reflecte que por muitas vezes 
as erupções vulcanicas haviam sido precedidas por elles, e que raras vezes os phe- 
nomenos vulcanicos se mostram com tanta violencia. 

“ Ainda que a columna que se eleva dos vulcões tenha a maior analogia com 
uma columna de fumo, entretanto indagações mais exactas tem mostrado que ella 
se compõe de vapores d'agua e cinzas vulcanicas, ás quaes se misturam certos gazes 
transparentes ; porém ninguem ainda observou um verdadeiro fumo, excepto (aceres- 
centa elle) o que resulta do incendio da vegetação pelas correntes de lavas. » 

Estas observações bastariam para fazer rejeitar a explicação que hypotheticamente 
apresenta B. L. D'Orta; e quando se provasse a influencia das erupções vulcanicas 
no apparecimento dos nevoeiros seccos, seria preciso que annualmente tivessem lugar 
essas erupções, e admittir que seus efleitos chegassem até ao Rio de Janeiro, que 
está distante pelo menos 800 leguas do vulcão o mais proximo. 

Em resumo, nenhuma das hypotheses até agora formadas me parecem admissi- 
veis; umas por muito geraes e grandiosas, produzindo entretanto effeitos relativos 
minimos, ou locaes; outras, por muito parciaes e lJocaes, às quaes todavia se devem 


(1) L. F. Raemtz — Curso completo de metereologia. 


84 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


attribuir effeitos de uma exageradissima magnitude. Mas não concluirei sem dizer 
alguma cousa sobre o phenomeno em si mesmo, tal como o observei este anno nesta 
cidade (1). 

No anno corrente os nevoeiros se apresentaram com uma intensidade notavel, e 
muito fóra do ordinario; pelo menos não me recordo de ter observado nos outros 
annos nevoeiros tão densos, nem tão duradouros. Elles começaram em agosto e substi- 
tuiram os nevoeiros humidos, que tambem foram muito intensos este anno, e quasi 
quotidianos. 


Convém muito nesta questão não confundir os nevoeiros seccos com os humidos, 
e isto é facil. Os nevoeiros seccos tem uma côr pardacenta ou avermelhada, nunca 
são mui baixos, nem tornam completamente invisiveis os objectos a certa distancia : 
resistem ao calor solar, aos ventos, e mesmo ás chuvas; emquanto que os humidos 
são brancos, sempre mui baixos a ponto de tocarem a superficie da terra; tornam 
invisíveis os objectos á mais curta distancia, e se dissipam pelo calor solar, pelos 
ventos, ou se convertem em chuva fina. 


Os nevoeiros seccos duram noite e dia, desde agosto até hoje, ainda que com uma 
intensidade sempre decrescente. Raras vezes deixam ver o sol com o seu resplendor 
natural, nem tão pouco a lua com a sua luz argentina; ao contrario as luzes destes 
astros como que se trocam, conforme a época do seu curso. 


O sol nascente, até á sua passagem pelo meridiano, apresenta muitas vezes a côr 
propria da luz que nos é transmittida pela lua; começa desde então a avermelhar-se, 
de maneira que, antes de tocar os limites do horisonte, se assemelha a um circulo 
de ferro em brasa ou a um balão pintado de vermelho e illuminado. Pelo contrario, 
a lua, durante o crescente ou a cheia, isto é, na occasião em que nasce do lado do 
oriente, até tocar o meridiano, se assemelha inteiramente ao sol poente em côr e 
grandeza: desde este ponto ella se mostra com a sua côr natural, porém mui pallida 
e baça, e não tem sido raro ficar a noite perfeitamente escura, mesmo na maior 
força da lua cheia, 


Os ventos (e tem havido alguns violentos durante estes mezes) não tem dissipado 
os nevoeiros; o que fazem é dar-lhes certa mobilidade, tornando-os aqui e ali mais 
ou menos intensos. No estado de calmaria, os objectos longinquos são vistos como se 
entre elles e o olho do observador houvesse uma cortina semi-transparente, ou como 
se estivessem inferceptados por uma columna de fumo pouco espessa. Algumas vezes 
tem-se misturado nevoas humidas com as seccas; então, por augmento de densi- 
dade, os objectos se tornam menos visiveis; e não tem sido raro que, depois desta 
mistura, hajam resultado chuvas finas, e mesmo chuvas copiosas. Horas depois de 
chuvas abundantes, o céo fica quasi puro; porém, pouco a pouco, os nevoeiros sec- 
cos tornam a reapparecer como dantes, 


6 de outubro de 1851. —F. L. €. Burlamaque. 


(1) 1851. 


PF, 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 85 


RELATORIO ANNUAL 


TEC 


SECRETARIO 


LIDO NA PRIMEIRA SESSÃO DE 1852. 


Senhores. — Pela segunda vez temos a satisfação de reunirmo-nos em sessão so- 
lemne, conforme a disposição do artig 31 dos estatutos de nossa sociedade, bem que 
não no começo de março, como ali expressamente se determina, por effeito de ine- 
vitaveis occurrencias que dolorosamente têem acompanhado, desde o anno de 1850, 
a estação ardente de nossa terra. 

E', pois, este o anniversario official da sociedade Vellosiana, e, portanto, cumpre 
que, satisfazendo ainda o mandato do mencionado artigo, desdobre, aos vossos olhos, 
a historia de sua vida no periodo que entercala-se nesta e na passada sessão so- 
lemne. 

Senhores, estamos ainda na infancia a todos os respeitos ; o nosso berço é cons- 
truido de contrariedades e tropeços ; a pobreza é o nosso ambiente; o progresso in- 
tellectual das nações é analogo ao do homem, e o deste descende de myriadas de se- 
culos. Não obstante tudo isso, o amor das sciencias naturaes e o patriotismo, vivifica- 
dos pelo risonho céo da America, e exaltados pela atrativa belleza do magnifico pano- 
rama das producções deste solo, dar-nos-ham cabal triumpho na batalha que pelejamos 
para aftingir á virilidade ; e é por isso que cheio de satisfação vos posso dizer neste 
momento que a nossa sociedade progride a despeito de todas as carencias que nos ro- 
deam : as vossas luzes ; a vossa benevolencia ; e as vossa fadigas á escudam: um dia, 
senhores, é crivel que, por vosso intermedio, a nação brasileira conheça a somma de 
seus thesouros nos tres reinos da natureza tão magnificos nestas regiões ; ao menos, 
é por vós que sois seus filhos, já pela naturalidade, já pelo amor, que ella espera Ii- 
bertar-se da pungente e dolorosa nessecidade que á leva a vêr, pelos olhos dos es- 
trangeiros que a visitam, as riquezas que incessantemente piza ; as bellezas que a ro- 
deam ; a prosperidade á que a chamam os mimos da creação. 

Pertencendo ao quadro que tenho de traçar, os trabalhos da nossa primeira sessão 
solemne, começarei por dizer-vos que, a mesa, que até então servira, foi merecida- 
mente reeleita; e que debaixo de seus auspícios, no correr do anno que vem de com- 
pletar seu periodo, dezesete sessões foram uteis : nellas tomaram parte quasi todos os 


socios efectivos, com mais ou menos frequencia, segundo lhe permittio a vida, quer 
11º 


86 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


publica ; quer particular : e solicitos como proficuas abelhas, buscaram enriquecer a 
colmêa com o mais soberano mel que lhes offertarão as flôres da estação. 

Para estabelecer alguma ordem e concisão, na exposição dos factos que tem de se- 
guir-se, permittireis que os classifique, pois desta arte não sómente será menos sopo- 
rifera, como ficarvos-ha mais facil a apreciação de tudo. 

A sociedade, senhores, augmentou o numero de seus membros, admittindo á classe 
dos effectivos o Exm. Snr. conselheiro Candido Baptista de Oliveira; e á dos corres- 
pondentes, os Illms. Sars. Drs. Arminio de Blumenou, naturalista risidente na pro- 
vincia de Santa Catharina, e Virgilio de Helmreichen, geologo austriaco viajando no 
Brasil por ordem do governo daquelle estado. 

Além disto, sob propostas do seu illustre presidente, provêo à polia de seus tra- 
balhos adoptando, mediante ligeiras modificações, um projecto de regulamento por 
elle offerecido, e ordenando aos Snrs. secretario e archivista que elaborassem as bases 
de regulamentos especiaes á esses ramos do serviço ; nomeou quatro commissões : a 
primeira composta do Srs. Drs. Freire Allemão, Vandelli, Burlamaque, e Bescurtilz, 
para formar um catalago chronologico- de todos os autores nacionaes e estrangeiros 
que directa ou indirectamente tenham escripto sobre a Historia Natural do Brasil, 
dando ao mesmo tempo um juizo ácerca das suas obras : a segunda composto dos Snrs. 
Drs. Maia, Capanema, e do Snr. Malta, para escreverem a historia circumstanciada 
das tentativas feitas no Brasil para crear estabelecimentos scientificos de Historia Na- 
tural, como sejam, associações, collecções, hortos, muzeos, etc. : a terceira composta 
dos Snrs. Drs. Azeredo Coutinho, conselheiro Mello, e Alves Serrão, para escreverem 
a biographia dos naturalistas brasileiros: e a quarta formada dos Snrs. Drs. Riedel, 
Serpa Brandão e Maia, para averiguar quaes as plantas e animaes introduzidos no 
Brasil depois do seu descobrimento ; —ordenou mais que houvesse um livro de ma- 
tricula dos socios effectivos, para nelle se inscreverem depois de resumidamente tra- 
carem suas biographias ;—convidou seus membros á discussão escripla de objectos 
de Historia Natural e de sua distribuição geografica; bem como a que lhe forneces- 
sem esclarecimentos ácerca de manuscriptos existentes, não concluidos ou errados, e 
pontos duvidosos da lingua brasil ; — determinou ao Snr. Dr. Maia que extractasse 
dos dous primeiros manuscriptos offerecidos pelo Snr. A. A. Vandelli tudo quanto con- 
tivessem de interessante ao Brasil; — poz em discussão escripta diversas questões 
ácerca de origem e data dos nevoeiros seccos, e dos campos naturaes. 

Sobre proposta do Snr. Dr. Capanema determinou a sociedade que todos os seus 
membros lhe descem noticia dos descobrimentos scientificos de que tivessem conhe- 
cimento ; e em consequencia de uma proposta do Snr. Malta resolveu a fundação de 
uma biblioteca especial. 

Além destas resoluções tomadas, mandou a sociedade ás commissões permanentes 
uma proposta do Snr. Dr. Capanema para a adopção de uma nomenclatura chimica 
invariavel ; de um systema de christallographica; e de uma terminologia botanica 
segundo alguma obra universal: por esta occasião pedio o Snr. Dr. Maia que 
fosse a proposta extensiva á Zoologia. O Snr. Dr. Maia propoz a nomeação de uma 
commissão que se occupasse de obter do corpo legislativo o complemento do edifi- 
cio do Museu Nacional, e foi isso adiado para occasião mais opportuna. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 81 


Senhores, são estas as diliberações tomadas no correr do anno proximo passado, 
mas não são os unicos trabalhos da sociedade, pois tive tambem de attenderá leitura 
de memorias que ácerca de diversos pontos de sciencias naturaes lhe foram apre- 
sentadas; assim como ás communicações com que a illustraram alguns de seus 
membros. 

Das memorias, nove pertencem ao Sr. Dr. Francisco Freire Allemão nosso presi- 
dente que, tracta nellas : 

1.º da Sibipira que constitue o novo genero Ferreirea, discorre sobre o não 
adoptado genero do mesmo nome proposto pelo Dr. Domingos Vandelli, e ácerca 
dos caracteres que o distinguem de outros : 

2.º da physiologia do embryão da Jatropha Curcas, offerece mui curiosas obser- 
vações a respeito da sua germinação, e da origem dos seus vasos e tracheas : 

3.º das arvores florestaes do Brasil, occupa-se especialmente das que pertencem a 
provincia do Rio de Janeiro : 

4.º de um novo vaginulus que denominou — Vaginulus reclusus, apresenta o de- 
senho desta nova especie : 

9.º do chamado Óleo vermelho que denominou — Myrospermum erythrosylum— 
offereceu tambem o seu desenho : 

6.º da extructura e usos de alguns pellos, e orgãos analogos das plantas, refere 
muitas observações microscopicas de que occupou-se : 

7:º dos Oitys e das Sapucaias buscou determinar as especies : 

8.º dos nevoeiros seccos, depois de examinar as opiniões emittidas por diversos 
autores a respeito, busca determinar a origem delles: 

9.º de alguns nomes brasis que figuram na linguagem trivial, entra em investiga- 
ções etymologicas. 

Sete foram elaboradas e offerecidas pelo Snr. Dr. Burlamaque, e nellas occu- 
pou-se : 

1.º da historia natural da Boa, sua anatomia, costumes, e das tradicções ácerca 
della existentes : 

2.º da historia natural da Aguia da Guiana : 

3.º dos nevoeiros seccos : 

h.º de uma porção de graphito achada na chacara do Exm. Snr. senador Cas- 
sianno : 

5.º da Turba achada no canal de Macahé : 

6.º do Molybdato plumbico do Ceará : 

7.º do Amphabolio e Amiantho que formam o jazigo das gallenas dessa provincia ; 
noticiando tambem ter recebido Tripoli da Gruta de Bajará, e silicatos e hydratos fer- 
ricos de Paipasso, no Rio Grande do Sul. 

Sete foram lidas á sociedade pelo Snr. Dr. Emilio Joaquim da Silva Maia que 
nellas tractou : 


1.º da Geographia Zoologica, dividindo toda a terra em 12 regiões zoologicas, e 
occupando-se especialmente dos principaes animaesda America Meridional : 


2.º dos Beija-flores em geral, traçando a historia de seus costumes e caracte- 
res, etc. 


88 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


3.º de descrever pela primeira vez os usos e costumes da Ornismya simplez, 
Less. —e da Ornismya albogularis, Less. : 

4.º de descrever os usos e costumes das especies Ornismya albi ventris, Less. — 
Ornismya glaucopis, L.—e Ornismya rubinea, L. : 

9.º de descrever as novas especies ainda não conhecidas na sciencia por elle denomi- 
nadas Ornismya Vandellii, e Ornismya Ludovicii. 

6.º de uma ponta ossea existente no Muzeu Nacional, achada no costado de um 
navio, e da determinação do peixe a que pertence, etc. 

7,º de diversos objectos, a saber : de uma nova especie de passaro brasileiro que 
anda por debaixo d'agua por elle chamada tamnophilas aquaticus: do facto natural de 
uma cobra não venenosa engolir uma outra venenosa, etc. :—de quatro passaros brasi- 
leiros que indicando por todos os caracteres serem da mesma especie, appresentam 
todavia grande differença nos tamanhos. 

Uma foi lida e appresentada pelo Snr. Dr. Capanema, que tratando nella da for- 
mação das collinas do barro vermelho do Brasil, faz ver que ellas provem da decom- 
posição de rochas graniticas e demonstra a origem do barro amarello, asul, e bran- 
co, Tambem o Sr. Malta concorreu com alguns trabalhos ácerca de etymologias de 
nomes brasis usados na denominação de objectos de Historia Natural. 

Foram estes, senhores, os fructos directamente colhidos, pela Sociedade dos la- 
bores de seus Membros; porém não sómente foram estes o producto de suas fadi- 
gas: alguns resultados de analyses lhe foram oferecidos, no correr das sessões, já 
pelo Snr. Dr. Capanema que deparou com uma baze organica no oleo de Andi- 
roba do Pará, e áqual atribue o amargor que o destingue ; já pelo Snr. Dr. Aze- 
redo Coutinho que reconheceu na moeda de cobre ingleza a presença do chumbo; 
que fez ver que o metal branco oflerecido ao Governo Imperial, para substituir o 
cobre no fabrico da moeda e de utensis culinares, não passava de uma liga de co- 
bre, chumbo, nilkel, e cobalto, alteravel pelos acidos em geral, e tambem pelo chlo- 
rureto de sodio; que obteve 89,/º de excellente prata de um mineral que foi leva- 
do à Caza da Moeda desta Côrte para ser ensaiado e tinha sido colhido neste mu- 
nicipio, 

Não limitou-se sómente aos trabalhos scientificos o concurso dos nossos consocios: 
a benevolencia em prol desta nascente Sociedade os fez depositarem no recinto deste 
edificio as primeiras offertas para a creação de uma biblioteca: he pequeno o nu- 
mero de obras destarte colhidas; porém he excellente o presagio: entre ellas ha mais 
do que livros âbundantes nos mercados; ha manuscriptos originaes e inedictos do 
nosso illustre consocio o Snr. A. A. Vandelli; manuscriptos filhos de arduas fa- 
digas, de longas locubrações, e de ardente amor das sciencias; ha obras de José 
Bonifacio de Andrada e Silva, e de alguns outros brasileiros e estrangeiros; e foram 
offerecidas: pelo Sr. A, A. Vandelli as seguintes: — 

1.º Extracto de 88 autores para a nomenclatura zoologica portugueza, comprehen- 
dendo Portugal e suas possessões (manuscripto original e enedicto) pelo Snr. 
Vandelli; 

2.º Zoologia portugueza; extractos de 53 obras de 43 autores sobre Zoologia 
(idem) pelo mesmo; 


TRABALHOS DA SC DADE VELLÓSIANA. 89 


3.º Indice dos autores cujos extractos formam as duas obras precedentes (idem), 
pelo mesmo; 

h.º Relação de alguns autores que escreveram sobre o Brasil (idem), pelo mesmo; 

5.º Extractos sobre a nomenclatura Ichtyologica (idem), pelo mesmo; 

6.º Discurso sobre a nomenclatura vulgar e trivial portugueza, que deve ser pre- 
ferida á que se usa na traducção portugueza de Cuvier (idem), pelo mesmo; 

7.º Memoria do Barão de Eschevege sobre as formações geologicas da serra de 
Cintra, anotada pelo Snr. Vandelli; 

8.º Nachrichten von Portugal und seinen colonien; 

9.º Ensaios sobre a historia dos processos metalurgicos, por José Bonifacio de 
Andrada; 


10.º Voyage mineralogique dans la province de S. Paul, par José Bonifacio de 
Andrada; 


11.º Ei gens chaften und Kennzeichen einiger neven Fossilien ans schevededen 
und Norwejen von d'Andrada; 

12.º Theses universe philophie ab Al, Antonio de Castro do Rio Furtado de 
Mendonça : — pelo Snr. Dr. Capanema a Fauna Peruana (em Allemão) pelo Dr. 
Tschudi; e pelo Snr. Malta os Principes generaux de chimie inorganique, par 
Mr. Cauchy, 1838, e a 4.º edição dos Elemens de botanique, par Mr. Richard, 
com estampas coloridas. Alem dos nossos consocios concorreram tambem no mesmo 
intuito o Snr. Varnhagem, offerecendo um vclume de memorias botanicas do Dr. 
Hypolito Rodrigues, e uma monographia da malagueta pelo Dr. Ortega; e o Snr. 
Joaquim Caetano da Silva mimoseando a sociedade com uma memoria manuscripta 
do nosso illustre concidadão o botanico Fr. Leandro do Sacramento, sobre tres 
generos da familia das Balanophoscas, designadas pelo nome de Latreophilaceas; 
monographia que, tendo sido oflerecida pelo autor á Academia das Sciencias de 
França, tinha sido devolvida ao partador, que foi Mr. Auguste de Saint Hillaire, 
sob pretexto de inintelligivel, e na qual o Snr. Dr. Riedel reconheceu ser novo o 
genero de Archimedia de Fr. Leandro. 

Outras offertas de mais ou menos valor lucrou a sociedade; e entre ellas figuram 
30 diplomas em pergaminho, e outros objectos dados pelo Snr. Dr. Capanema; 4 
livros em branco dados pelo Snr. Dr. Freire Allemão; um outro pelo Snr. Dr. Maia; 
e o lindo sello, que timbra os nossos diplomas, mimo do Snr. Dr. Azeredo Coutinho. 

Nem esquecer-me-hei de dizer-vos que o Guanabara franqueando suas paginas á 
publicação dos trabalhos da Sociedade, tem feito-os conhecidos ao mundo, e tornou- 
se um valioso auxiliar á prosperidade e gloria desta Associação. 

Senhores, eis aqui o relatorio que me foi possivel elaborar no meio de minhas occn- 
pações professionaes e da deficiencia de luzes! Mais habil penna devia neste lugar 
traçar-vos o quadro historico da marha desta Sociedade; porem, tendo o nosso Ilustre 
Secretario interino dado a sua demissão, a necessidade impoz-me este assento por 
alguns dias, á despeito de tudo: este facto deve dar-me direito à vossa indulgencia. 


Rio de Janeiro 26 de Março de 1852. 


Fgnacio José Malta. — Servindo de Secretario interino. 


90 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


SECÇÃO ZOOLOGICA 


ESBOCO HISTORICO 


do musêu nacional, servindo de introducção 
a trabalhos sobre as principaes especies zoologicas 
do mesmo estabelecimento. 
pelo Dr. Emilio Joaquim da Silva Maia. 


Entre os capitães generaes que governaram o Brasil no tempo do dominio portu- 
guez, alguns houveram que, alêm de humanos e justiceiros muito concorreram para 
o progresso material do paiz confiado á sua direcção. Orgulhosos ostentam-se á nossa 
vista o aprazivel passeio publico, o caes e a elegante fonte do largo do paço, os solidos 
e uteis arcos que abastecem a cidade d'agua, como indeleveis monumentos que por 
largos annos transmittiram á prosperidade os importantes serviços de Luiz de Vascon- 
cellos. 

Este excellente governador, um dos melhores que tivemos, não contente com a 
bôa administração que fez, e com o desenvolvimento que deo ao augmento e aperfei- 
çoamento da cidade, outros beneficios prestou de não menor importancia, que bem mos- 
tram seu zelo pelo serviço publico, a extensão e variedade de seus conhecimentos. 

Homem do progresso, verdadeiro amigo das sciencias naturaes, não só foi por sua 
ordem e influencia, que o padre mestre Fr. José Marianno da Conceição Velloso, 
emprehendeo a grande obra « Flora Fluminense » mas tambem é a ellea quem se 
deve a primeira lembrança de um musêu de historia natural no Rio de Janeiro. 

Convencido da utilidade de semelhante estabelecimento na capital da extensa e rica 
terra de Santa Cruz, e certo das vantagens, que as nações civilisadas d'ahi tiravam, 
projectou a execução de um, que devia abranger tanto collecções preparadas como 
animaes vivos, com o qual poderia tambem com facilidade dar cumprimento ás ordens 
da metropole, remettendo para os musêus de Lisboa e Coimbra productos do Brasil. 

Concebida a idéa e adoptado o plano para o novo edificio, começou-se a trabalhar 
com affan nos alicerces, chegando a concluir-se uma grande arcaria que os Fluminenses 
maiores de 50 annos tiveram ainda occasião de vêr. Mas poucos annos depois mu- 
dando-se de resolução, foi a obra desviada do seu fim, vindo a servir o que estava 
feito como paredes do novo erario. 

Todavia, desde o tempo de Luizde Vasconcellos estabeleceo-se provisoriamente em 


PRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 91 


uma pequena casa contigua ao chão do novo musêu, um deposito permanente de ob». 
jectos zoologicos com a denominação de casa de historia natural, ou, como vyulgar- 
mente se dizia, casa dos passaros, aonde se preparava e montava animaes, dividin- 
do-os só em familias, sem determinar-se generos nem especies, por não haver então 
pessoa capaz de os classificar. 

A cidade estava nesse tempo tão limitada que, segundo informação do actual pre- 
parador do musêu, estando elle já em 1806 a aprender a sua arte, vio caçadores ma- 
tarem das janellas d'esta casa os passaros aquaticos que appareciam em uma lagõa 
chamada do Panella, situada no lugar onde existe a bella igreja do Sacramento. 

Com o titulo de inspector, foi nomeado «como primeiro chefe desta casa Francisco 
Xavier Cardoso Caldeira, que apezar de não ser homem da sciencia, mas simples cu- 
rioso preparador, teve o ordenado de quasi um conto de réis, que hoje certamente 
corresponde a mais de dous. Tal era a importancia que então se dava a esses tra- 
balhos, que na actualidade tão mal recompensados são. 

A casa de historia natural existio no mesmo lugar quasi 20 annos: sendo pouco 
tempo depois da chegada do rei tomada para n'ella estabelecer-se uma officina de 
lapidação, foi por ordem superior extincta. Seus productos, entre os quaes haviam 
mais de mil pelles de passaros, muitos insectos, e alguns mamiferos, mettidos em 
caixões, foram entregues á guarda de dous ajudantes do inspector, que era nesta 
occasião o Dr. Luiz Antonio de Costa Barradas, por ter fallecido o primeiro nomeado 

Estes caixões collocados em quartos fechados por mais de um anno, ter-se-hiam de 
todo arruinado, perdendo-se as pelles que dentro se achavam, si d'ahi a pouco não 
fossem removidos para o Arsenal de Guerra, aonde foram cuidadosamente tratados 
pelo seu mui digno director o general Napion, fazendo com que os productos zoolo- 
gicos ahi encerrados fossem limpos, reparados e depositados em armarios proprios. 

Por esta mesma occasião e ainda por diligencias deste general, que era bastante 
versado em sciencias naturaes, mandou-se vir d'Allemanha um gabinete mineralogico 
destinado ao uso dos estudantes da escola militar. Esta colleeção comprada ao ca- 
valheiro Tabst de Ohain por 12 contos e quasi toda composta de mineraes metaliferos, 
classificados segundo o systema de Werner, collocada ao começo no arsenal, passou-se 
dous annos depois para a propria academia militar; ficando sempre á cargo do 
respectivo professor de mineralogia Fr. José da Costa Azevedo. 

As pelles de animaes conservadas no arsenal de guerra, e o gabinete mineralo- 
gico da escola militar foram que serviram de base para que o Snr. D. João VI por 
decreto de 6 de Junho de 1818, referendado pelo ministro Thomaz Antonio de Villa 
Nova Portugal, creasse o musêu nacional, comprando para este fim por 82 contos o 
grande predio de João Rodrigues Pereira de Almeida, depois barão de Ubá, situado 
no campo de Sant'Anna. 

No preambulo do deereto desta importantissima criação, o proprio ministro por- 
tuguez indica o alto fim á que elle se dirige; eis as suas palavras: « Que por este meio 
quer propagar os conhecimentos e estudos das sciencias naturaes no reino no Brasil, 
que encerra em si milhares de objectos dignos de observação e exame, e que podem 
ser empregados em beneficio do commercio, da industria e das artes ». 

Assim, conscio o governo da fertilidade e riqueza do paiz, a cujos destinos presi- 


92 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


dia, e da importancia, das sciencias naturaes para bem conhecer todos os seus pro- 
ductos, instituio este musêu com o unico intuito de conter objectos de historia natu- 
al. Mas ainda no tempo de quem o tinha criado, tornou-se alêm disto deposito 
de tudo o mais queia apparecendo raro e curioso. Entre outras muitas cousas citaremos 
como offertas deste genero do proprio Senhor D. João Vl; as duas peças contendo os 
diversos modellos de oficinas, das artes, e de officios, mandadas fazer no tempo da 
Senhora D. Maria 1.º para instrucção do Principe D. José: o precioso vaso de prata 
dourado terminado por um grande coral esculpido que representa a batalha de Cons- 
tantino contra Mazencio: algumas antiguidades, como duas chaves romanas, 1 pé de 
marmore com alparcata grega, uma arma de fogo marchetada de marfim da idade 
media ; e immensos quadros de bons autores. 

O novo estabelecimento mediante a alta protecção que teve, achou-se no fim de 
1819 completamente organisado. Tendo por primeiro director Frei José da Costa 
Azevedo, e a dotação annual de 2:880:3), não comprehendendo o vencimento do 
pessoal, vio em pouco tempo as suas quatro grandes salas guarnecidas dê armarios, 
e estes cheios, tanto com o que existia, como com muitos productos novos sobretudo 
do paiz. Desde logo, adoptado o plano geral para augmento do edificio, construi- 
ram-se mais quatro salas no terreno contiguo de que se fez a acquisição por compra; 
e por muitas oflertas activadas pelo ministro Thomaz Antonio accumularam-se os ma- 
teriaes precisos para a conclusão total da casa que, cousa incrivel, até hoje se não tem 
levado à execução. 

Com o fim de augmentar a collecção zoologica, foi despachado em 1820 o empre- 
gado João de Deos e Mattos para visitar a provincia do Rio de Janeiro. Depois de 
muitos mezes de viagem, aonde muito caçou preparando elle proprio o que apanhava, 
recolheo-se este zeloso servidor do estado, trazendo mamiferos, aves, reptis, e alguns 
insectos. 

Tal era o estado do musêu quando se effectuou o glorioso acto da nossa indepen- 
dencia. Achando-se á testa dos negocios publicos o illustre José Bonifacio de Andrada 
e Silva, sincero amigo do seu paiz e mineralogista de nome reconhecido na sciencia, 
forte impulso teve o estabelecimento entrando em verdadeiro caminho de progresso. 

Além dos productos com que o mesmo Andrada presenteou a casa, tambem a en- 
grandeceo mais levantando uma nova sala no lugar do antigo terraço. Porêm a me- 
dida que mais aproveitou, e que melhores resultados produzio, foi a sua lembrança 
em dirigir aos naturalistas estrangeiros, que então viajavam o Brasil, um officio aonde 
lhes fazendo sentir a necessidade que havia de enviarem para o novo musêo alguns 
exemplares do que fossem colhendo, lhes promettia toda a coadjuvação da parte do 
governo. 

Realisando-se a protecção annunciada, chegando-se até a dar prestações, extensos 
magnificos resultados se obtiveram. O barão de Langsdorff, que muito escrevco 
sobre as nossas cousas, não só remetteo copiosa quantidade de mamiferos, aves e 
reptis, fructos das suas viagens, como nos offertou a colleeção meia classificada que 
possuia de animaes da Europa das duas primeiras classes. 

Natterer, criador do museu brasileiro em Vienna d'Austria, e o naturalista que 
mais productos zoologicos tirou do Brasil, nos enviou alguns macacos e roedo. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 93 


res, muitas aves de todas as seis ordens, molluscos e inseetos, objectos pertencentes 
ás provincias do Rio de Janeiro, Minas, Matto Grosso e Goyaz. O infatigavel Fre- 
derico Sellow, que depois de percorrer as provincias do Sul veio infelizmente a 
morrer afogado em um dos rios de Minas Geraes, mandou-nos tantas amostras mine- 
ra logicas e geologicas, como pelles bem preparadas de um grande numero de animaes 
de todas as classes, resultado de suas peregrinações pelo Rio Grande do Sul, Minas e 
S. Paulo. Este ultimo viajante, ainda que ao serviço da Prussia, recebeu tambem por 
alguns annos do nosso governo a gratificação annual de 800% rs. O botanico Au- 
gusto de St. Hilaire, que por muito tempo viajou boa parte do nosso paiz, e que 
tanto tem concorrido para elle ser conhecido no mundo scientifico, tambem nos of- 
fertou alguns productos. 

Com estes auxilios, com as remessas feitas por collectores não scientificos para 
isto tambem contractados, e pelas muitas dadivas, que por esta occasião houveram de 
pessoas da côrte, o museu tornou-se em pouco tempo de bastante importancia. Con- 
correo para este rapido desenvolvimento tanto a estada no ministerio do sabio Andra- 
da, como a feliz disposição pelas sciencias naturaes da primeira imperatriz a Snra. D. 
Leopoldina, mui entendida em mineralogia. Tendo fallecido o primeiro director, foi 
nomeado para o substituir em 27 de oitubro de 1823 o Snr. Dr. João da Silveira Cal- 
deira, já conhecido pela publicação de interessantes trabalhos chimicos. Este zeloso 
chefe encontrando na casa grande numero de productos, a maior parte sem ordem 
nem classificação alguma, principia por collocal-os com a regularidade compativel 
com os commodos do edificio. A elle se deve o primeiro andamento para o arranjo 
methodico de tantos objectos, catalogando alguns ao mesmo tempo. 

Ainda que mui occupado com o espinhoso trabalho das classificações, não se des- 
cuida de augmentar as collecções existentes. Por solicitações suas o ministro Estevão 
Ribeiro de Rezende, hoje marquez de Valença, officiou a todos os presidentes de 
provincias ordenando que enviassem para o museu quer productos naturaes, quer 
artefactos dos indios. Medida que bem fracos resultados produzio, mas que no en- 
tretanto deo origem ao mais precioso dos nossos productos zoologicos. Fallo desta 
nova especie de macacos brasileiros, desconhecida em todos os museus do mundo, 
e á qual demos o nome de Petechia Saturnina, por ter sido enviada do Matto Grosso 
pelo presidente de então José Saturnino da Costa Pereira: temos della dous indivi- 
duos, um macho e outro femea. Em 1824 o museu adquirio tambem um bom labora- 
torio chimico e um sofrivel gabinete de physica. 

Por este mesmo tempo é commissionado pelo governo para coligir productos no 
Pará o coronel Zani, italiano ao serviço do imperio, levando em sua companhia 
tambem contractado pelo governo o preparador Estanislão Joaquim dos Santos Bar- 
reto. Grande parte dos mamiferos, aves, reptis, peixes e outros animaes das classes 
inferiores da casa foram enviados do Amazonas por este infatigavel collector, a 
quem tambem se deve algumas vestimentas completas, armas e utensilios que exis- 
tem na casa, pertencentes a tribus diversas de indios. 

Mas d'ahi a poucos annos desgostoso o dr. Silveira, pedio e obteve a sua demissão. 
Retirando-se este fiel e inteligente administrador, vem em seu lugar em 1828 o snr. 
Frei Custodio Alves Serrão. 

12º 


9k BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


São conhecidos e de bem recente data os numerosos e notaveis serviços prestados 
por este zeloso e instruido director. Póde-se dizer sem errar, que noite e dia constan- 
temente trabalhou durante os 19 annos, que se achou á testa do museu. Cabendo- 
nos a honra de ser seu collega nos ultimos sete annos da administração. 

Quantos pareceres conscienciosos e bem elaborados sobre multidão de objectos 
mui diversos, não foram enviados ao governo em cumprimento de ordens superiores? 
Si todos contendo mais ou menos ideias uteis e proveitosas merecem em qualquer 
tempo ser tomados em consideração; aquelle que indica o importante designio, que na 
actualidade póde preencher o jardim botanico da Lagoa, é certamente o mais cheio 
de interesse e o mais digno de ser lido e seguido; aqui pois o trazemos á lembrança 
para chamar sobre elle a attenção publica. 

Quantos ensaios metallurgicos e complicadas analyses chimicas não teve de praticar 
para cabalmente responder ás exigencias da secretaria dos negocios do imperio! Nes- 
ses trabalhos onde bem mostrava o seu grande saber chímico, era guiado quasi sem- 
pre por ideias proprias, seguindo mais de uma vez processos de sua invenção. Abi 
está o methodo por elle proposto para poder se obter palladio perfeitamente separado 
de todos os corpos com que costuma achar-se unido, que é verdadeiro serviço feito 
á sciencia. Antes de Frei Custodio, seguindo-se os processos dos autores, o palladio 
que se obtinha era mais ou menos impuro e pouco ductil; pode-nos servir de prova 
o sinete offerecido a S. M. o Imperador, pelo infeliz barão d'Arcet, que examinado 
na casa da moeda, reconheceu-se ser carbureto de palladio, quando d'Arcet o tinha 
dado como palladio puro. 

As horas que lhe ficavam livres de seus trabalhos chimicos no museu, e das suas 
interessantes prelecções na academia militar, eram consagradas á enfadonha e ardua 
tarefa das classificações. 

A parte zoologica do museu principia com elle a tomar nova fórma. Munido de 
custosas monografias e fazendo aturado e profundo estudo, verifica as poucas especies 
que tinham vindo já classificadas, determina algumas outras, e separando grande 
parte dos animaes em suas respectivas familias, marca muitos dos generos a que 
pertencem. 

Entrando nós para o museu em 1842, alguma cousa entendendo de ornithologia por 
termos um pouco nos habilitado no vasto campo das collecções parisienses, ficámos 
admirado vendo o muito que o snr. Frei Custodio tinha feito sobre a classificação 
ornithologica com os seus unicos recursos, e sem nunca ter visitado museu algum 
de nome. 

A parte mineralogica a mais vasta em 1828 e sobre a qual tinham versado os prin- 
cipaes trabalhos dos directores seus predecessores, foi no entretanto ainda por elle 
aperfeiçoada. Alêm de resolver algumas duvidas existentes em seus productos, 
determinou com precisão a maior parte das novas especies que a casa recebia, e 
creou muitas collecções especiaes, já para as amostras geologicas de cada provincia do 
imperio, já para as formações do diamante, ouro e topazio, já para o estudo dos 
mineraes e rochas mais importantes. 

Nos primeiros 10 annos da sua administração entráram para o museu grande nu- 
mero de productos, mas nunca em grão tão elevado como no brilhante periodo do 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 95 


primeiro ministerio brasileiro. No entretanto separando-se por este tempo muitas 
duplicatas que a casa possuia, principiáram a haver muitas aequisições por trocas. 
Por dadivas, algumas igualmente houveram, tendo preferencia entre outras as se- 
guintes feitas pelo Snr. D. Pedro 4.º 

1.º Um elegante modelo de barco chinez, todo feito de marfim, com machinismo 
no seu interior, que lhe permitte andar em chão horizontal. 

2.º Alguns dos costumes e ornatos de povos das ilhas do mar pacifico, sobre 
tudo de Sandwich. 

8.º Cinco mumias com seus competentes caixões ricamente pintados e cobertos de 
hyeroglyphos com côres vivas e bem conservadas, alguns sarcophagos e outras an- 
tiguidades Egypcias. Deu causa a grangear-se estas preciosidades, o não querer o 
general Rosas aceitar a encommenda feita pelo governo seu antecessor; estando ellas 
embargadas na alfandega do Rio, foram por ordem do Snr. D. Pedro 1.º arremata- 
das para o museu. 

4.º Dous jacarés (Alligator Lucius L.) mortos pela propria mão do Snr. D. Pedro 
1.º em um pantano que já não existe da quinta da Boa Vista. 

Chegando Frei Custodio ater pleno conhecimento das muitas riquezas e precio- 
sidades que o museu encerrava, pertencentes a cathegorias mui diversas, vio desde 
logo a necessidade que existia de reforma radical em seu regulamento. Desde aquelle 
momento sentiu ser-lhe indispensavel a coadjuvação de tantas pessoas habilitadas, 
quantas fossem as grandes secções de productos que a casa comprehende. Só deste 
modo poderia este util estabecimento, e bem satisfazer ao grandioso intento a que é 
destinado. 

Convencido destas ideias e desejando que o museu quanto antes tomasse o desen- 
volvimento tanto exigido pelo progresso do paiz, pede e por diversas vezes insta para 
isto alcançar. Depois de maitos annos de continuas solicitações, pôde conseguir que 
em 1838 pela primeira vez o ministro do imperio apresentasse em seu relatorio ao 
corpo legislativo algumas linhas patenteando a conveniencia de semelhante reforma. 

Até 1841 todos os relatorios repetiram as mesmas palavras a respeito do museu; 
como quem fallava era o nosso distincto ex-collega, aqui transcrevemos um periodo 
para melhor avaliarmos a sua importancia. « Os melhoramentos sem os quaes nunca 
poderá o museu nacional conseguir o lugar que lhe compete como gabinete de his- 
toria natural o mais felizmente collocado no centro d'uma região riquissima dos mais 
valiosos productos da natureza, em um ponto geographico onde extraordinariamente 
se facilitam todos os productos d'Asia, do norte d'America, do sul d'Africa e da 
Europa, são em minha opinião ainda os mesmos que tenho tido a honra de levar 
ao conhecimento do governo nos relatorios dos annos passados; e podem resumir-se 
na reunião, neste util estabelecimento, de pessoas illustradas nos diversos ramos das 
sciencias naturaes, a quem se confie a inspecção peculiar dos respectivos gabinetes, 
e possam ao mesmo tempo garantir o mais conveniente emprego dos meios que de- 
vem ser fornecidos ao museu para a acquisição dos productos do paiz.» 

Estas palavras produzindo a final effeito, é approvada a reforma tão desejada por 
decreto de 3 de fevereiro de 1842. Pelo regulamento que acompanhou este de- 
creto, e que ainda está em vigor nesta parte, é o museu dividido em Asecções: 1.º 


S6 BIBLIOTHECA GUANABARENSE 


anatomia comparada e zoologia; 2.º, botanica, agricultura e artes mechanicas; 8.º, 
mineralogia, geologia e sciencias physicas; 4.º, numismatica e artes liberaes; archeo- 
logia, e usos e costumes das nações modernas. Tendo cada secção um director es- 
pecial, serve um destes de director e presidente do conselho administrativo com- 
poste dos 4 directores. Fr. Custodio ficou com a secção de mineralogia, recebendo 
ao mesmo tempo a nomeação de director geral, e entráram de novo na casa o Dr. 
E. J. da Silva Maia para a secção zoologica, o Dr. Luiz Riedle para a phythologica, 
e o Sr. Manoel de Araujo Porto Alegre para a secção que não comprehendia objectos 
de historia natural. 

Desde que o conselho administrativo entrou em funcções, o museu passou 
por verdadeira revolução. Muitos dos seus productos mudam de collocação, indo 
de umas para outras salas, conforme a melhor conveniencia das novas secções. Todo 
o edifício em breve concerta-se e pinta-se de novo, alargando-se algumas salas, 
preparando-se o pavimento interior para receber a secção botanica e machinas, e 
mudando-se a entrada geral. Todos estes arranjos, produzindo além de outras van- 
tagens uma extensissima sala do andar de cima, para onde veio toda a secção do 
snr. Porto Alegre, obrigam a fazer-se grande numero de armarios, maiores e mais 
espaçosos. 

Cada director esmerando-se em obter productos, quer por dadivas, quer por com- 
pras e trocas, preenchem muitas das lacunas existentes nas diversas collecções das 
respectivas secções, tornando o estabelecimento mais util ao estudo, e mais apro- 
veitavel a todos que o quizessem consultar. A casa tomando novo aspecto, recebe 
quantidade enorme de amostras de todo genero, apresentando em pouco tempo rapido 
progresso. 

Citando somente a secção zoologica, diremos que foi por esta occasião que ella pela 
primeira vez obteve grande numero de raridades e novidades. Taes foram entre outras 
muitas, o magnifico exemplar do tamanduá bandeira (myrmecophaga jubata E.) offe- 
recido por Sua Magestade o Sr. D. Pedro 2.º: as preciosas pelles de macacos brasilei- 
ros, (Drachiurus incognitus nobis) do alto Amazonas, desconhecido na Europa quanto 
alcançamos o 1.º individuo em 1844; e as especies tambem do Pará (callithma amicta 
e personata)bastante raras ainda que descriptas por Spix: as importantes e bellas pelles 
de passaros, o util guaxaro de Caripi (Steatornis caripensis Humb.) o celebre com- 
dor (vultur gryphus L), o curioso urubú do Egypto ( percropteres lensocephalus Gm), 
c as que vieram dos sertões do Pará, o araçar? mulato (pteroglossus ulocomus Gould) 
pouco vulgar nas collecções europeas, e o admiravel uiramemby (cephalopterus or- 
natus Geoff), que em todo o mundo só o museu de Paris tinha um exemplar em 1834: 
como novos, distinguimos entre outros, o tamnoplilus aquaticus nobis, e os beija-flo- 
res, ornismya Theresice, Januarie, Ludovicii e Vandeleii por nós descriptos. 

A bibliotheca especial de que os museus tanto necessitam, e a qual Fr. Custodio já 
tinha dado começo, toma nesta epoca incremento real. Adquirem-se alguns autores, 
mestres da sciencia, indispensaveis para a confirmação das classificações; Hernandes, 
Maregrave, Azara, Spix, Martius, Vieillot, Geoffroy, Dumeril e outros, vem ornar a 
nossa livraria. 


Apezar do novo regulamento não ter plena execução desde o começo, como o tem 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 97 


estado até hoje, não se nomeando os tão precisos adjuntos e supranumerarios, unica 
maneira no entretanto de podermos ter bons naturalistas brasileiros; os directores 
não deixarão por isso de se entregar com assiduidade ao estudo das materias a seu 
cargo. 

D'ahi proveio que em pouco tempo não sócreou-se collecções particulares para abor- 
tos, anomalias e mostruosidades, dando-se principio à reunião de peças anatomicas, 
mas tambem foram pela primeira vez classificadas com a possivel exactidão as duas col- 
lecções mammalogica e ornithologica, ficando determinadas em todas as outras, gran- 
de numero de especies e a maioria dos generos. 

Tal foi o motivo porque, tanto o Dr. Riedle, dispondo armarios para colleeções de 
madeiras de construcção, raizes uteis, e qualidades diversas de fructos, distingue mui- 
tas das familias, e especies dos herbarios da casa, um dos quaes foi presente seu; como 
o Sr. Porto-Alegre, põe em ordem mais regular e methodica os varios objectos das 
differentes artes, de que compõe-se sua secção, alguma cousa tambem augmentada 
por intermedio seu. 

No meio d'estes importantes trabalhos, e por circumstancias que nos são desconhe- 
cidas, a já fraca dotação de 2:6004D000 rs. para a conservação de tantos milhares de 
objectos preciosos, foi ainda em 1844 encurtada para 1:6004/D000 rs. A casa viu-se 
assim de repente sem meios sufficientes de desenvolver-se, como cumpria. 

Isto aconteceu precisamente na época em que o estabelecimento estando mais cheio 
de vida e robustez, principiava a ser melhor conhecido e a offerecer interesse real a 
todo o mundo. 

Seu augmento era por este tempo tão sensivel, que já lhe cabendo o nome de rieo 
deposito de immensas raridades, podia com proveito ser consultado pelo naturalista, 
historiador, antiquario, viajante, emprehendedor de projectos industriaes, e em- 
fim por todos os que em simples golpe de vista querem ter idéa das maravilhas da 
creação e do poder do homem. 

Não se teve em lembrança, privando-o do sustento indispensavel ao seu progresso, 
ser esta a unica instituição brasileira que possuimos, aonde se resumindo o mundo 
material e registrando todos os objectos que concorrem para a riqueza publica, tanto 
fornece os dados mais minuciosos para a creação de novos recursos, como igual- 
mente serve para avaliar-se a fertilidade e opulencia do Brasil. 

O conselho administrativo na intima convicção d'estas idéas e desejando que por 
modo algum o museu deixasse de se achar em posição de as poder realisar, não perde 
tempo em reclamar com afranqueza propria da sciencia contra esta medida certamen- 
te filha da precipitação. 

Examine-se a parte— museu nacional — no relatorio do Exm. Sr. ministro do im- 
perio do anno de 1844, que é obra do conselho, aonde encontrar-se-ha prova do que 
acabamos de dizer. Ahi depois de fazer-se ver, não só o prestimo de que já tem sido o 
estabelecimento, e o muito que lhe resta a fazer achando-se no centro de tantas ri- 
quezas, mas tambem o desenvolvimento a que chegou com o novo regulamento, o 
conselho ainda pensa da seguinte maneira: « Que julga do interesse da sciencia, da 
dignidade de seu paiz, servir antes gratuitamente, se as circumstancias da nação exi- 


gem, do que ver mingoar um dos nossos mais uteis estabelecimentos por falta de meio 
13 


98 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


e receber como paga de proprios e mui pesados sacrifícios um honorario menor ainda 
do que o salario de um jornaleiro. » 


Tudo foi baldado: o museu ficou até hoje com a mesma fraquissima dotação, que: 


teve em 1844, quando sofreu pela primeira vez redução na receita. 

Todo o conselho esteve por algum tempo firme em seu posto, na esperança de que 
para o futuro seriam devidamente apreciados seus esforços; todavia não apparecendo 
remedio a este mal no fim de dous annos, o desgosto apodera-se do seu muito digno 
chefe, o nosso chimico Fr. Custodio Alves Serrão, e o obriga a largar o estabeleci- 
mento, aonde tambem e por tanto tempo tinha servido. Assim perde o museu nacio- 
nal o homem que achando-se habilitado por largos annos de estudo e observação mais 
util agora lhe deveria ser. 

Os outros directores um pouco mais corajosos, e nunca perdendo a esperança 
de melhor futuro continuarão como dantes com suas obrigações. Por sete mezes es- 
teve o Dr. Emilio Joaquim da Silva Maia interinamente tambem encarregado da sec- 
ção mineralogica e da directoria geral; e foi n'este perido que effectuou-se a collocação 
de todos os productos da secção archiologica, numismatica etc., no novo grande salão 
de cima, que só ficou inteiramente prompto no fim de 1846. 

No meado de 1847 é chamado para suprir a sensivel falta do Sr. Fr. Custodio, o 
Sr. Dr. Frederico Leopoldo Cezar Burlamaque, professor de mineralogia e geologia 
na academia militar, de reconhecido talento e muita actividade. 

Desde então o museu tem continuado regularmente com os seus trabalhos; muitas 
novas e importantes acquisições tem havido; entre as quaes não podemos deixar de 
citar um herbario de plantas cryptogamicas européas, muitas amostras de rochas e mi- 
neraes de quasi todo Brasil, o precioso combustivel turba encontrado em abundancia 
no Rio de Janeiro, ossos fosseis do Brasil, 2 orang-outangos, 4 monstros humanos 
mui raros, esqueletos e peças anatomicas preparadas na casa. Porêm a mais valiosa 
das acquisições foram as importantes obras que vieram dos Estados Unidos intituladas 
— Natural history of New York, em 15 grossos vulumes, por uma associação de natu- 
ralistas, e History of the Indian Tribes, 1 grosso volume, o que conseguimos por in- 
termedio do consul Brasileiro o Snr. Luiz Henrique Ferreira d' Aguiar. 

Pela primeira vez o museu tem conservado alguns passaros vivos, o que tem sido de 
muita utilidade para o estudo dos seus usos e costumes. Sendo pessimamente collo- 
cado o antigo laboratorio chimico da casa e aonde não havia fogão capaz, o Sr. Bur- 
lamaque póde alcançar fazer-se um novo e bom laboratorio com todos os arranjos, 
bem claro e arejado. A sciencia se tem d'elle já muito aproveitado, servindo ao mes- 
mo tempo de grande recurso ás autoridades policiaes para as analyses chimicas que 
tem necessitado fazer. 

Do que acabamos de expender se deduz facilmente que o museu nacional, preciosa 
davida do reinado do Sr. D. João 6.º, é actualmente deposito mui vasto, não só de 
grande numero de objectos classificados de historia natural, mas tambem de instru- 
mentos, medalhas, antiguidades, quadros, estatuas, obras artisticas, usos e costumes 
de muitos povos. Sua historia nos patenteando os mil tropeços e difficuldades, que 
tem encontrado em sua marcha, deixa fóra de duvida, que este util estabelecimento 
tem hido sempre em augmento, ainda que tenha estado ás vezes estacionario. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 99 


Ao terminar este esboço historico do museu nacional, que o emprehendemos como 
introducção a trabalhos que temos de apresentar sobre suas mais importantes especies 
zoologicas, cumpre-nos declarar que julgamos ter chegado o tempo d'elle entrar em 
verdadeiro e continuo progresso, como requer o bem da sciencia. 

Já o anno passado o corpo legislativo decidiu mandar concluir o edificio pagando 
d'esta maneira a divida contrahida desde 1820: este anno em que tanto se falla em 
projectos industriaes, certamente lhe dará os meios de vida precisos para sahir do es- 
treito circulo em que tem vegetado, e assim poder melhor preencher seus mui di- 
versos e importantes fins. 


“2 H€ EK EDA EDECS. 


Hm. Snr.— Com o maior prazer, com a maior satisfação acceito a honra e o obse- 
quio que a sociedade Vellosiana, de que V. S. é digno secretario, me fez, contem- 
plando-me seu socio correspondente. Ah o nome do grande, do sabio, e do infatiga- 
vel Velloso, cujos esforços scientificos pelo Brasil ainda se encontram, e lêem-se por 
toda a parte, levantado de ingrato esquecimento, e vivificado por assim o dizer, 
dando origem a uma sociedade scientifica! Que commoção de respeito e gratidão se 
apossa de mim neste momento ! Confesso que se fosse susceptivel de deixar entrar a 
inveja em meu coração, eu seria pela primeira vezinvejoso por não ter concorrido na 
iniciativa e na execução desta grande instituição que faz honra a seus autores, e eter- 
na gloria lhes conferirá. 

Eu vos congratulo, Snrs., a todo o mundo scientifico congratulo, a nação bra- 
zileira e a mim mesmo congratulo por tão feliz e esperançosa lembrança. Trasborda 
o meu coração de alegria : e póde V. S. affiançar á sociedade que se chegar a estabe- 
lecer-se de um modo firme e duravel ella formará o objecto principal de minha par- 
tilha scientifica. 

Li e ponderei os estatutos da sociedade Vellosiana, os quaes fez o obsequio de re- 
metter-me: a austeridade dos arts. 3.º, 4.º e principalmente a do art. 5.º deve ser, se- 
gundo penso, muito modificada na pratica : o unico objecto que a sociedade ao pre- 
sente deve ter em vista é nomear pessoas que lhe remettam productos dos tres reinos 
da natureza, escolhendo capacidades neste sentido, sem se importar com o fundo 
scientifico. A sociedade ganha sempre quando entre os muitos nomeados um ou outro 
lhe remetta algum objecto scientifico. 

Queira V. S. apresentar a todos os socios da sociedade Vellosiana os meus protes- 
tos de respeito e gratidão, desculpando-me por não ter ha mais tempo dado esta res- 
posta. 

Deos guarde a V. S., Maranhão, 27 de outubro de 1851. — Hlm. Snr. Dr. Gui- 
lherme S. de Capanema. — Antonio Corréa de Lacerda. 

Entendemos ser a publicação desta carta importante, por mais de um respeito. E” 
ella suammamente lisongeira e honrosa para a Sociedade Vellosiana ; porque os pen- 


100 BIBLIOTHECA GUANABARESE. 


samentos, e os votos que ahi se manifestam partem do fundo do coração ; e de lá 
trazem esse enthusiasmo, que transborda na superabundancia de phrases expressivas do 
mesmo sentimento, e na emphase com que sauda e engrandece o acto de sua fun- 
dação. E quem assim a louva, e vota por sua prosperidade? E' o homem que consu- 
mio toda a sua longa existencia, repartida entre trabalhos de que dependia a satisfa- 
ção das primeiras necessidades da vida, e trabalhos, que fazendo seu principal delei- 
te, tinham porfim a investigação das riquezas naturaes do solo, que adoptou por patria; 
e com os quaes devia accrescentar os thesouros da sciencia. Nem os contratempos, e 
desastres mais lastimosos o fizeram desacoroçoar, nem afrouxar em seu caminho, até os 
ultimos dias de uma velhice quasi octogenaria. Aonde poderiamos achar um melhor 
apreciador ? E" lisongeira, e honrosa á memoria de Fr. José Mariano da Conceição 
Velloso, tão mal avaliada entre os seus, e até tão injustamente desdenhado por pes- 
soas a quem, quer por sua posição social, quer por seus talentos, corria antes a obri- 
gação de lhe dar mais relevo, e mais explendor. 

Se ainda fosse preciso uma prova da sinceridade com que foi escripta aquella carta, 
temol-a alli naquellas palavras: « Elle (a Vellosiana) formará o objecto principal da 
minha partilha scientifica » que não foram promessa vã. No seu testamento feito em 
2 de maio de 1851, e aberto, por sua morte, em 21 de junho do corrente anno se 
achou a verba seguinte : 

« Deixo a minha livraria com todas as suas estantes, e mannscriptos, incluindo as 
collecções de Zoologia, e Botanica, á Sociedade Vellosiana, ha pouco estabelecida no 
Rio de Janeiro, da qual sou membro; e rogo a esta Sociedade o favor de mandar 
coordenar os manuscriptos, que estiverem em desordem, afim de serem postos á ordem 
de S. M. o Imperador para que, se lhe parecer, os mande imprimir. Se por qual- 
quer caso a dita sociedade não for ávante, rogo a S. M. 1. a graça de dispor das mes- 
mas colleções, e dos manuscriptos, como achar justo.» — Francisco Freire Allemão. 


O Snr. Luiz Ignacio Jacques colheu, na margem esquerda do rio Paipasso, provin- 
cia do Rio Grande do Sul, em terras da fazenda do capitão Felisberto Nunes Coelho, 
algumas amostras de silicatos e hydratos de ferro, e cal carbonatada crystalisada. 

Dr. 7. L. €. Burlamaque. 


Correcções aos trabalhos da Sociedade Vellosiana 
do n.º 13 do Guanabara. 


E 


Pag. dl linh:, 202, ppa ne margens, leia-se mangues 
» 06 » ê (1.º col.) Coesalpia » — Coespiniaal 
N. B.—Todos os ditongos = estão erradamente por ee. 


» » » 40(2.ºcol.) Officindis leia-se Officinalis 

DT 5) RR » maleoleus » | maleolens 

» 57º » 32 (4.ºcol.) dicatoma » | dicotoma 

3 e 3 (2.º col.) cedrintio » — cedrinho 

» 98 » 4 (Aco) Embui » — Embiú 

DEAD (DADO » utilissum — »  utilissimum 

Da a) São todas madeiras brancas &c. Este paragrafo não deye ser se- 


parado do precedeate. 


AGR ás 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 101 


EXERCICIOS BOTANICOS 


MEMORIA 3.º 


Origem e desenvolvimento dos vasos nos embryões da 


JATROPHA CURCAS, € do ALEURITES MOLUCCANA, durante 


a sua germinação; e algumas considerações d'ahi 
deduzidas. 


Uma grande questão d'anatomia vegetal traz ainda as opiniões dos homens mais 
eminentes na sciencia, em desacordo, e em luta; é a que diz respeito à structura, e 
evolução do caule nas plantas; e cuja solução parece estar ainda longe, apezor de todos 
os esforços, e dos brilhantes trabalhos de esclarecidos boltanicos, entre os quaes so- 
bresahem dous distinctos adversarios Mirbel e Gaudichand. 

Talvez se possa enxergar algum arrojo da minha parte em entrar na liça onde con- 
tendem sabios dessa ordem. Mas todo o respeito que por elles professo não póde 
obstar a que manifeste a minha convicção, nascida de observações, que tenho por 
exactas. 

Sempre entendi que se chegaria mais prompta e seguramente á resolver aquelle 
intrincado problema, não pelo estudo do gommo terminal somente; mas conguncta- 
mente pelo do embryão no decurso dos phenomenos da germinação: porquanto nos 
gommos são excessivamente curtos, e as vezes quasi nullos os merithallos, ou anter- 
folios; (parte essencial para este estudo) quando em alguns embryões dicotyledoneos 
é a, chamada impropriamente, radicula de grandes dimensões relativas: ora essa ra- 
dicula é um verdadeiro merithallo, em toda sua simplicidade, e no qual se póde de 
algum modo surprender a natureza em seu misterioso trabalho organogenico. 

Foi pois procedendo conforme este pensar, que alcancei o conhecimento dos factos, 
quanto a mim importantes, e que resumidamente passo expor. 

Tomei um embryão de Jatropha curcas (pinhão) já bem formado; mas ainda 
não apto para germinar, e o submetti, em todas as suas partes, ao exame microsco- 
pico; achei-o formado inteiramente de tessido cellular, mui tenro, e repleto de 
grãos de fecula: (1) nenhum indício ainda de tubos vasculares, mas vi os lugares, em 


(1) Pareceo-me fecula, mas não o assevero agora, porque não empreguei o iodo para a re- 
conhecer, 


13º 


102 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


que elles devem existir, já preparados por camas ou matrizes de tessido allongado, 
transparente, e sem granulação. 

Tomei depois o embryão d'uma semente em ponto de germinar, mas onde ainda 
se não manifestava movimento germinativo, e o seu estudo me mostrou, além do 
que vi no primeiro embryão, já alguns fasciculos de tracheas formados no meio das 
camas de tessido cellular allongado, e no ponto de juncção das cotyledonos ao cauli- 
culo, penetrando em ambos estes orgãos. 

Um embryão tirado d'uma semente, que começava a germinar, e cuja radicula 
ia já rompendo o cpisperma, offereceo-me aquelles fasciculos de tracheas já descidos 
pelo cauliculo até a sua extremidade radical, dispostos em quatro cordões equidis- 
tantes, procedendo dous de cada'cotyledone; e por seus extremos superiores subindo 
pelas colyledones a formar as suas nervuras. 

Emfim examinei um embryão, que já estava brotando: as suas cinto (1) radiculas, 
e procurava mette-las no chão, conservando no entanto as cotyledones ainda encer- 
radas no saco endospermico, e abi achei 05 quatro cordãos tracheaes mais nutridos 
no caúliculo, e mais allongados pelas cotyledones; e demais (note-se bem) na extre- 
midade radical do cauliculo (que eu chamarei bolbo, ou gommo radical) existiam já 
alguns vasos rajados, ou scalariformes, e pontuados, os quaes no cauliculo arranjan- 
do-se tambem em 4 fasciculos, correspondentes aos tracheaes, encostavam-se a estes 
por fóra, e iam subindo para as cotyledones; e pela parte inferior começavam a 
insinuar-se pelas cinco radiculas. 

Paro aqui; porque julgo o que tenho dito sufficiente para o meu intento. 

O estudo do embryão da Nogueira de Bancul (Aleurites molucana) nas mesmas 
circunstancias me deram exactamente os mesmos resultados. 

O que se patentêa destas observações são factos capitaes; e, se elles forem reco- 
nhecidos verdadeiros, como eu conscienciosamente os reputo, as theorias do cresci- 
mento do caule, actualmente em voga, devem soffrer profundas modificações. 

Os factos a que me refiro são essencialmente dous: 1.º que as tracheas, formadas 
antes dos vasos reticulados tem origem no ponto da separação das folhas, e dahi 
descem pelo caule, e sobem pelas folhas; 2.º que os vasos reticulados (scalarifor- 
mes, rajados, ceivados Grc.) começam a formar-se no ponto de separação das raizes, 
e d'ahi se estendem para cima até penetrarem nas nervuras das folhas, e para baixo 
até a extremidade das raizes (2). 

Ha pois, segundo este modo de ver, na estructura do caule, ou, paru simplificar a 


(1) Em todas as cuphorbiaceas, cujos embryões tenho cxaminado germinando, bei sempre 
observado, que do bolbo radical, ou extremidade inferior, do cauliculo procedem 5 radiculas, 
!4 lateraes encrusadas, e uma: media, bem symetricamente dispostas. 


(2) Parecerá, á primeira vista, que cheguei aqui à úma conclusão, que não se contêm toda nas 
premissas, pois que applico á uma planta já formada o que não dei por observado se não no 
cmbryão; e tambem que gencraliso factos particulares. Aitenda-se porêm, que não podendo eu 
por ora dar todo o desenvolvimento descjavel a esta materia, fui obrigado a calar muitas obser- 
vações. No entanto mais adiante se verá, quando expuzer o que observei no ceule da aboboreira, 
que a minha conclusão é legitima. 


PE E 


o a 


ne cid 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 103 


questão, em cada morithallo (1) dous systemas de vasos, bem distinctos, o trecheal, 
ou folial, e o retículado, ou radical, formados um antes do outro, e desenvolvendo-se 
em sentido contrario. Nas folhas porém ambos entram subido; e nas raizes descem, 
ou só os vasos roticulados, ou juntos com tracheas, quando ellas existem nestes 
orgãos, como acontece em alguns monocotyledoneos (2). 


Discorramos agora sobre estes fandamentos, c vejamos como por elles se explica, 
não digo toda a sorte de phenomenos da complicadissima evolução dos caules, mas 
sim o modo de suas formações vasculares, que é um dos pontos, mais controver- 
sos desta questão. 

E para poder dar uma idea clara, e concisa deste objecto, como eu o concebo, 
recorrerei à uma supposição. 

Demos que uma planta dicotyledonea se desenvolva sómente com os seus orgãos 
primitivos, ou embryonarios, a saber o cauliculo, e as cotyledones (ficando a gem- 
mula estacionaria) accrescendo o systema radical, que é essencialmente adventicio. 
Imagine-se o cauliculo do tamanho, que se quizer, e as cotyledones, e radiculas de- 
senvolvidas proporcialmente; e no fim de certo praso estude-se, c veja-se o que se 
tem passado durante a evolução desta planta, considerando unicamente o seu ap- 
parelho vascular. Evidentemente os tubos tracheaes, augmentados de outros novos, 
interpostos aos primeiros, terão por suas fibras descendentes formado um cylindro, 
ou estojo medullar, e pelas que subirem engrossado, e multiplicado as nervuras das 
cotyledones; quanto aos tubos reticulados por seu lado ascendente devem ter pro- 
dusido em torno do estojo medullar um cyliudro lenhoso, e por outro lado engros- 
sado, e multiplicado os ramos radicacs. 

Concebida desta maneira a organisação vascular d'um merithallo, com pequeno 
esforço de imaginação se comprehenderã o como os phenomenos se devem passar 
na producção de novos e merithallos continuos, e ascendentes, assim como no 
crescimento inverso das raizes. 

Relova porêm ter presentes na idéa as differenças, que deve haver entre os dous 
systemas de vasos. Temos visto que para cada fasciculo, tanto de tracheas, como 
de outros vasos ha como um ponto inicial, que chamarei centro vital donde se pro- 
pagam em dous sentidos oppostos, ou para baixo, e para cima. Ora esse centro vital 
para os vasos reliculados, ou lenhosos é permanente, e sempre o mesmo na parto 


(1) Um merithallo genuino: não se dá, no meo entender, senão onde ha folhas oppostas, ou 
verticilladas. Em folhas alternas o merithallo deve ser representado por uma banda espiral, 
que comprehenda um cyclo sodo. No entanto se no lugar de cada folha solitaria todas as fibras 
do caule se entrelaçam, e formam um nodus, como no Ricinus, na Cecropiu, nas Gramineas etc. 
ha uma limitação natural, (e não se lhe) póde recusar o nome de merithallo, ou melhor de in- 
termodio. E” que ha sempre em tudo isto alguma cousa de arbitrario. 


(2) Duvidei por muito tempo da existencia de verdadeiras trachcas nas raizes, não tendo 
antes achado nellas senão vasos rajados, e escalariformes: mas o estudo de uma Orchidea her- 
bacea de genero ilabenaria me mostrou de a não deixar dnvida alguma em todas as raizes 
racueas de varios calibres, perfeitamente desenrolaveis, e inteiramente semelhantes ás do caule.. 


104 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


inferior do caule: (1) e pelo contrario para o systema tracheal é movel, e sempre 
transportado para as ultimas formações foliaceas. 

Esta é a primeira diferença; a segunda é que as fibras lenhosas, vão sendo sempre 
mais longas em cada creação subsequente, e acompanham o allegamento do caule, 
quer para o ar, quer para a terra, quando as fibras tracheaes das diversas forma- 
ções são entre si do mesmo comprimento; porquanto em sua parte ascendente o 
comprimento é sempre determinado pelo tamanho das folhas, e no sentido contrario, 
por um certo numero de merithallos, alêm dos quaes não descem, e que deve ser 
o mesmo para todas. 

Agora vejamos em que esta theoria póde discrepar das duas mais notaveis, que- 
hoje se debatem. 

Na theoria dos embryões fixos de Du Petit Thouars desenvolvida, modificada e 
sustentada actualmente com grande talento pelo Snr. Gaudichaud, todas as fibras | 
lenhosas do caule procedem des folhas, e d'ahi descem até as extremidades radicaes. | 

Os factos porêm que venho de expôr de modo algum se prestam a sustentar esta 
doutrina; ao menos quanto ao elemento vascular da madeira, visto que o elemento 
propriamente fibroso é de formação posterior ao vascular, e que sobre elle, e sua 
evolução nem um estudo tenho ainda feito. 

Em sustentação de minhas idéas vem a seguinte observação que ainda me não 
falhou, e é que nas extremidades dos ramos das arvores, o exame microscopico me 
tem sempre mostrado nas folhinhas e interfolios ultimos, c ainda herbaceos, unica- 
mente tracheas; as vezes é necessario descer um grande numero de merithallos, dos 
já bem manifestos, para encontrar os vasos reticulados, que vão subindo. Eu digo 
subindo porque esta já é a minha convicção; no entanto do que acabo de referir se 
não deduz que os vasos reticulados não procedem das folhas, pois que podiam nascer 
das folhas inferiores, e mais antigas; porêm um facto vou apresentar que não deixa 
lugar á objecção. No caule da aboboreira ordinaria (cucurbita pepo) os vasos reticu- 
lados, ou pontuados são enormes, elles sobem pelo caule antes de ter penetrado em 
algumas folhas, que lhe ficam em caminho. O resultado de minhas observações foi 
o seguinte. Contando de primeiro interfolio apreciavel do grêlo, chega-se até o 9.º 
ou 10' abaixo, achando-se unicamente tracheas tanto no caule, como nas folhas; des- 
cendo d'ahi até o 14º ou 15º acham-se demais, e unicamente no caule, vasos pon- 
tuados bem desenvolvidos, e tanto mais, quanto o interfolio é mais baixo; e d'ahi por 
diante já as folhas apresentam tambem este novo elemento, e tanto mais abundante, 
quanto são mais antigas. 


Este facto me parece decisivo; e de tal sorte que pensando na simplici dade desta 
observação, maravilhando-me de que della não façam menção os que combatem a 
doutrina dos merilhallos do Snr. Guudichand, c mesmo de que tenha escapado à | 
perspicacia deste naturalista, eu duvidava do que meos olhos viam, repetia a obser- 
vação e sempre o resultado era o mesmo. 


centros vitaes das fibras levados para ahi, dando-se assim grande analogia entre as formações 
dos vasos superiores, e as dos inferiores. Mas ainda quando isto se venha a verificar, em nada 


! 

4 

(1) E” possivel que não seja assim; e que em cada producção de ramos radicaes sejam os | 
influe sobre o essencial da theoria, que apresento. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA, 105 


Quanto á theoria do cambio, mais reservada, menos audaz, sustentada e descn- 
volvida por Mirbel, e sua escola, esta me parece incompleta: considera todos os 
tocidos formados simultaneamente, e em seus lugares, por organisação do cambio ; 
mas nem se quer incepta a questão da decursão das fibras. 

No entanto Mirbel, empenhado em combater a doutrina do Snr. Gaudichand, fez 
nestes ultimos tempos importantissimas investigações anatomicas sobre a organi- 
sação, e evolução do estipe da tamareira. Infelizmente desses trabalhos não conheço 
senão o resumo do que elle lêo na sessão de 12 de Junho de 1843 da Academia das 
Sciencias de Paris. O autor chegou a esta conclusão, que os filetes no estipe mar- 
cham de baixo para cima, tendo origem na peripheria interna do mesmo estipe, su- 
bindo por entre filetes mais antigos até chegar ao phyllophoro, onde entram nas 
folhas, que ahi se estão formando. Assim, na ultima opinião deste autor, as fibras 
partem do caule e vão ás folhas; o que é inteiramente opposto as idéas do Sor. 
Gaudichaud. 

Mirbel fallando unicamente em filetes, não distingue as tracheas dos outros va- 
sos; dá-lhes portanto a mesma origem, e movimento. Ao menos assim o entendi. 

Tambem o Snr. Gaudichand nas suas fibras descendentes comprehende todos os 
elementos, vasculares e fibrosos. 

Assim pois a vista do que deixo exposto as idéas, que appresento se conformam, 
em primeiro lugar, com a theoria geral do cambio, emquanto se consideram os 
orgãos elementares formados em seus lugares, e em camas proprias, sendo a pro- 
gressão das fibras em qualquer sentido, devida a formações successivas; confor- 
ma-se com a theoria do Snr. Gaudichand quanto á propagação de alto a baixo, sómente 
para as tracheas ; e com as observações ultimas de Mirbel quanto á propagação de 
baixo para cima, mas unicamente para os vasos pontuados e lenhosos; e emfim 
differe de todas quanto a evolução de cada fibra em sentidos oppostos para cima 
c para baixo. 

Todas estas questões carecem, seguramente, de muito maior desenvolvimento : 
nem toco em outras, que em nada são sumenas a essas, por exemplo: a evolução dia- 
mentral, ou centrifuga dos raios medullares; a origem e desenvolvimento das fibras 
lenhosas; o encrusamento e anastomoses das fibras vasculares nas articulações, e ra- 
mificações; &c, &c. Para tudo isto me fallecem ainda muitos dados positivos. 

Como porêm me animei a elevar-me ás ultimas considerações theoricas, convém 
previnir já uma dentre outras objecções, que-se possam offerecer. 

Um facto, cuja explicação é como a pedra de toque de todas as theorias, é a 
formação de um tumor circular, que apparece nos troncos dicotyledoneos, pela 
parte de cima de uma ligadura, ou de uma decorticação annular. Este tumor é sem 
duvida alguma devido a accumulação da seiva descendente, e das fibras lenhosas, 
no ponto em que sc acham embaraço para seu movimento. Como é então que as fi- 
bras subindo do cólo radical, o formam em cima, e não embaixo do embaraço? 

A theoria deste phenomeno se deduz do principio, que tenho por estabelecido, 
isto é que na evolução das fibras vasculares do caule ha sempre um centro vital 
donde ellas se propagam em dous sentidos oppostos. Ora esse centro vital ou ponto 


inicial da formação das fibras póde ser fixo, movel, e accidental: fixo como sup- 
14 


106 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


ponho ser o das fibras. lenhosas; movel como o dos trechaes; e accidental o de todas: 
as formações adventicias. 

Com effeito tome-se um troço de galho, ou tanchão, onde se não veja gommo 
algum natural, e metta-se metade delle na terra como na plantação por estaca; bem 
depressa apparecerão pontos vitaes, chamados adventícios, os quaes na parte suterrada 
darão raizes, e na de fóra gommos foliaceos. Não é obvio que na zona vital do tan- 
chão appareceram pontos ou centros vitoes, que ahi não existiriam se o ramo se de- 
senvolvesse no sew estado natural? Sem duvida alguma. Passa-se aqui o que quer 
que seja de providencial, com que a natureza quiz ainda assegurar a existencia dos 
seres. &” um phenomeno que tem sua analogia com o que se observa na barra ma- 
guetica, que sendo partida pela linha mediana, ou neutra, em cada pedaço se estabe- 
lecem: novos polos, e nova linha media. 

- Vamos pois á explicação do facto. O cambio, ou seiva elaborada, ou o que quer 
que seja que vem formar a cama para novas formações entre a casca e o lenho, e 
que seguramente vem das folhas para as raizes, acha o caminho cortado, pára, e ac- 
cumula-se ahi; mas sua tendencia a organisar-se não foi distribuida; e para logo se 
estabelece nesse lugar uma zona de centros vitaes adventicios, ou melhor occasio- 
naes; as duas forças se manifestam, as fibras ascendentes marcham desempedida- 
mente; mas as que devem descer, não podendo vencer o obstaculo, e continuando 
todavia a alongar-se, vão-se entortardo e enrodilhando, dando assim lugar á for- 
mação do tumor. Sem duvida que aqui discorro por deducção; mas a objecção 
não assenta em principios mais solidos. 

Nenhum trabalho tenho ainda feito, sobre plantas monocotyledoneas, concernente 
ao assumpto desta memoria; fa-lo-hei quando me fôr possivel, e espero que seu 
resultado virá em confirmação das idéas que acabo de emittir. 

Rio de Janeiro 11 de Maio de 1852. — Francisco Freire Allemão. 


= DUE E 


VARIEDADES, 


Questão do nevociro, ou enfumaçado da atmosphera 
do Rio de Janeiro. (Replica). 


Quando propuz a questão sobre o nevoeiro, ou fumaça, que condensa, e enturva a 
atmosphera do Rio de Janeiro nos mezesde agosto e de setembro, a fiz logo acompa- 
nhada de algumas reflexões, escriptas á pressa e mal connexas, mas suficientes para 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 107 


provocar a discussão. Ahi me mostrei propenso a considerar esse phenomeno, como 
devido á acção das queimadas de serra acima, conservando todavia certa perplexidade 
em altenção á opiniões, e a factos, que de alguma sorte abalavam a minha crença. 

O Snr. Dr. Burlamaque a tomou, e sobre ella dissertou com o seu reconhecido ta- 
lento. Dei toda a possivel attenção a leitura do seu trabalho, e vi que discorria sem- 
pre no presupposto de ser nevoa secca, e não fumaça o que obscurece a nossa atmos- 
phera nesses mezes; insistindo mais particularmente em argumentos de negação, ou 
de exclusão da presença de fumos. 

Reconheço que a questão é até certo ponto embaraçosa, não só para nós mas para 
todo o mundo. Seria necessario antes que tudo saber-se em que a nevoa secca se dis- 
tingue essencialmente dos fumos; e é isto ainda um problema, que em quanto não for 
desolvido, fará as discussões interminaveis, mesmo entre as cabeças mais emmentes 
do mundo scientifico. Mas é claro que isso só póde ter lugar quando a causa do phe- 
nomeno não for manifesta; porque então a discussão sobre anatureza dos vapores será 
pelo menos superílua, Ora que os causadores desse estado da nossa atmosphera são 
os incendios das matas, é hoje o que eu mais firmemente acredito. Peço pois venia para 
impugnar os argumentos em que se funda o Snr. Dr. Burlamaque sustentando o con- 
trario. 

“Não concebo, diz elle, como cem mil fogueiras mesmo sejam capazes de produzir 
fumo em tal quantidade que possa escurecer o ar por tão grande espaço, e por tanto 
tempo. E” porque o nosso illustre consocio ainda não assistio ás nossas queimadas: não 
são 100,000 fogueiras, são legoas de superficie cubertas de destroços das florestas 
primitivas, que se entregam ao fogo em tão vasta extensão de terreno, e por mais de 
60 dias: e se o phenomeno não é ainda mais medonho, é isso devido a que nesses 2 
mezes vem sempre alguma chuva, ou ventos do mar, que nos alliviam desssa massa 
enorme de fumo. 

Vem aqui opportuna uma citação de Becquerel. « Para se fazer uma idéa, diz elle 
« (Elem. de Phys. Terr. pag. 614) da immensidade da nuvem de fumo, que se levan- 
« ta no ar pelo efeito desta combustão (volcanica) citaremos uma erupção na Irlandia, 
« cuja lava destruio 177 villas, equeimou todos os vegetaes, que cobriam um porção 
« assas extensa do solo, e cuja fumaça, carregada pelos ventos do norte, se espalhou 
« por uma grande parte da Europa. 

Mas pergunta o Snr. Dr. Burlamaque, como é que tantas cidades manufactureiras 
da Inglaterra, e seus numerosos vapores consumindo diariamente tão grande porção 
de carvão de pedra, não envolvem todo aquelle paiz em um denso e perpetuo nevoei- 
ro? A isto creio poder responder, que não basta a producção de grande quantidade 
de fumos, são necessarias certas condições atmosphericas, que o Snr. Dr. Burlamaque 
conhece melhor do que eu, taes como a ausencia de chuvas, e de ventos, para que elles 
se'condensem, e se abatam ás regiões inferiores do ar. E é de presumir que isso se 
dará algumas vezes na Gran-Bretanha, 

Com os fumos, diz o Snr. Burlimaque, devem subir das queimadas cinzas, que 
levadas pelos ventos, irão cahir mais, ou menos distante, formando como chuvas de 
cinzas : além de que os fumos tem um cheiro caracteristico; e aqui nem se vêem 
cinzas, nem se sente esse cheiro. Tudo isto é verdade; mas se se quizer attender a dis- 
tancia em que se acham da cidade os lugares onde se fazem as queimadas, será obvia 
a Tazão porque assim não acontece. As cinzas suspensas não podem ser levadas muito 
ao longe, senão por ventos impetuosos, e continuos: ora é isso o quefalta. E” vter- 
dade que por esse tempo reinam principalmente ventos de terra, de oeste a nordesis, 
e sãosem duvida elles, que nos trazem os fumos, mas não tem a força nem a persu- 
tencia necessarias para transportarem as cinzas até beira-mar. E” um phenomeno que 
se dá muitas vezes durante erupções volcanicas; mas ahi as cinzas são de natureza 
diversa da que provém da combustão vegetal: e póde bem ser que sejam mais aptas 
a serem levadas pelos ventos. 


Quanto ao cheiro pyrolenhoso, me parece tambem que elle não póde ser facilmen- 


Ds, 


108 TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 


te sentido, senão quando os fumos estiverem assás condensados, o que se não dá de 
ordinario a tão grande distanciado foco. Não obstante já uma vez eu o pude sentir aqui 
mesmo; isso foi o anno passado, fóra da cidade, e de noite; e desse facto tomei nota como 
se verá adiante. Emfim este anno tive occasião de observar algumas queimadas ; e 
em muitas orcasiões me vi rodeado de fumos, e não muito longe dos fogos donde elles 
provinham : as vezes nem era meia legoa, e ahi não ssntia cheiro algum, e nem perce- 
bia cahir cinza. 

Os ventos e chuvas não dissipam totalmente os nossos nevoeiros, e só lhe dão 
certa mobilidade, é ainda asserção do Snr. Dr. Burlamaque. Sem duvida, que ven- 
tos, e chuvas brandas, inconstantes, parciaes, ou que não cheguem aos lugares ondem 
ardem as matas derrubadas, pouca acção podem ter sobre os vapores atmosphericos, e 
lhe darão sómente essa mobilidade notada pelo Snr. Dr. Burlamaque. Porém quando 
as chuvas são geraes, e occupam toda a extensão da serra; quando os ventos do mar 
apparecem com certa força, e permanencia, (torna-se necessariamente a nossa atmos- 
phera clara e pura. Nem é preciso mesmo que isso seja tão geral, e duradouro, como 
aqui afiguro ; as vezes com pequenas chuvas o ar se purifica . 


E' negocio, para mim ao menos, já fóra de duvida, pois é o que se deduz das obser- 
vações diarias, que costumo fazer sobre o estado do tempo : e dellas extrahirei a 
passagem seguinte: « Depois das ultimas chuvas, que foram nos dias 1 2 deste mez (se- 
tembro de 1851) fez aqui o mais bello tempo, e assás fresco; o que durou até o dia 7: 
então entrou o ar a carregar-se de fumaça, o céo a turvar-se com algumas nuvens, e o 
tempo a aquecer. O calor, a fumaça (que era tanta que se sentia pelo cheiro) e o pó tor- 
naram esses dias insuportaveis; Teinava quasi sempre vento denorte, a nordeste, apenas 
das A ás 5 horas, se fazia sentir ligeira viração. Este estado foi sempre a mais até o dia 
10. Na madrugada do dia 11 deo um forte vento de sudueste: ao amanhecer já não 
ventava,o ar estava carregado, e cahiram alguns chuviscos na cidade pela manhãa: nes- 
se mesmo dia porém começou a apparecer a viração, e no dia 13 0 tempo estava bello, 
o ar quasi sem fumaça, e comparativamente fresco ; viração de tarde. » 

Estas são as principaes razões, senão me engano com que o Snr. Dr. Burlamaque 
sustenta não ser fumaça o que sobrecarrega, e obscurece a nossa atmosphera, incli- 
nando-se portanto a crer antes na existencia da nevoa secca dos meteorologistas. Por 
minha parte porém como vejo uma causa para esse phenomeno, e como me parece ter 
respondido a argumentação em contrario, estou como já disse, mais capacitado agora 
de que é fumaça, e não outra cousa, 

Foi este anno que me pude bem convencer disto, (estando na freguezia do Campo 
Grande nos mezes de janeiro e de fevereiro) por occasião de varias queimadas que 
por esse tempo se fizeram ali; então a atmosphera tomava durante os incendios, o 
mesmo aspecto, que ella manifesta, nos mezes de agosto e setembro, aqui na cidade. 

ira a mesmissima cousa que eu já tinha presenciado em 1846 na Parahyba. 


Em Minas acontece phenomeno semelhante, durante os vastos incendios dos cam- 
pos, que ali se fazem todos osannos. Além do que dizo Snr. Hilaire em suas viagens, o 
nosso consocio o Snr. Dr. Vieira de Mattos, ainda ha pouco, aqui nol-o asseverou ; 
accrescentando, que os mineiros descendo a serra, na occasião em que reina cá este 
estado atmospherico, exclamam: temos aqui o ar das minas. 

Agora direi, senhores, que estando, como estou imbuido nas idéas, que acabo de 
manifestar, todavia não sustento que a nevoa secca, se ella é um verdadeiro meteoro, 
não appareça no Rio de Janeiro alguma vez ou separadamente, ou de mistura com os 
fumos; e é mesmo essa possibilidade que dá algum valor a esta nossa questão. Ha 
portanto necessidade de se chamar a attenção para este assumpto. 


Rio de Janeiro, 1.º de outubro de 1852. 


Francisco Freire Allemão. 


Duas novas especies de beija-flores, descriptás pela 
primeira vez pelo Dr. Emilio Joaquim da Silva Maia. 
Trabalho lido na Sociedade Velosiana na sessão de6 
de Junho de 18514. 


frochilus Vandelú Nobis: 


- Descriptio.—Corpus subrobustum, supra viridi-relucens; PRO flaves 
cens viridi-maculatum: remiges fusce, longa, falei formis: cauda recta, 
equalis alas non exsuperans, 8 rectricibus flavecentibus, quarum tertia 
pars infravirescens—cserulealus, 2 intermediis virescentibus: rostrum ni- 
grum, capite duplo longius, curvatum. Longiludo corporis 3 p.et 91., 
rostri 42 li., caude 1 p. et 2 1. Habitat in silvis Cantagalli ( Rio de 
Janeiro. ) 

Com a breve descripção em latim que acabamos de traçar para melhor 
“ser entendido dos homens da sciencia, este beija-flôr fica perfeitamente 
caracterisado, e com nenhum outro póde ser confundido; todavia para 
dar a este respeito todos os esclarecimentos possiveis, vou expôr em 
portuguez álem dos seus caracteres o mais que sei. | 
— Fórmas. —Lorpo de grandeza mediana, e um pouco grosso. Bico visi- 
velmente curvo, anguloso, achatado na base de cima para baixo, e do 
meio. para a ponta dos lados, com o mesmo «diametro em todo o seu 
comprimento, terminando todavia em ponta aguda. Cauda curta, recta, 
e com 10 pennas que terminam cada uma em ponta aguda. Azas, che- 
gando até o fim da cauda, tem quasi a configuração de uma foice de 
cortar capim. 

Dimensões -—Comprimento total da ponta do bico até a ponta o cauda 
3 pollegadas e 9 linhas, só o bico tem no entretanto 1 pollegada; o 
intervallo que vae de uma ponta de aza a extremidade opposta da outra, 
quando estas estão abertas, é de 5 pollegadas, tendo cada uma das azas 
2 pollegadas e 2 linhas; a cauda fem í pollegada e 2 linhas. 

“Côres.— Toda a parte superior da cabeça e corpo, as pennas escapnla- 
res, as coberturas das azas, e as superiores da cauda são de um verde 
brilhante. As partes inferiores, a saber, à garganta, o thorax e todo o ab- 
domem de côr amarella-suja com Jigciros reflexos verdes; esta côr ama- 


rella provém de que todas as pennas destas Eee sendo de côr .aznl 
1º 


110 GUANABARA. 


ferrete terminam no entretanto em amarello: as coberturas inferiores da 
cauda de côr amarella clara. Azas côr roxa desmaiada. A cauda apre 
senta tres córes distinctas, as duas pennas centraes em ambas as faces 
verdes, e as 8 outras lateraes tem os dous Lerços superiores amarellos-sujos, 
e o terço inferior na face de cima esverdinhado, e na debaixo de côr roxa 
desmaiada, identica a das azas. O bico é preto em ambas as mandibulas. 
Tarsos amarellados e fracamente emplumados. Pés vermelhos e unhas 
pretas. 

Baseado nos caracteres referidos e no minucioso estudo que temos 
feito sobre a familia de beija-flóres, julgamos esta especie nova, colocando-o 
nabella colleção do Museu Nacional na segunda divisão do genero Trachilus, 
por ter bico curvo e cauda direita. Entre a imnmenssa quantidade de beija- 
flóres nomeados pelos diversos authores, a nossa especie só tem ligeiras se- 
melhanças com individuos novos ou femeas da especie Trochilus viridis de 
Vieillot, No entretanto destingue-se ainda destes por terem as pennas da cauda 
todas iguaese com as córes como por nós foi dito, quando todos os indivíduos 
que temos visto da especie viridis, e em grande numero por ser.ella vulgar 
no Brasil, possuem a cauda cuneada, isto é suas pennas lateraes vão dimi- 
nuindo pouco a pouco, e estas são verdes terminadas em ponta branca; o 
bico da viridis é tambem um pouco menor com a mandibula inferior 
esbranquiçada. Não podendo de maneira cases uma especie confundir- 
se com a outra. 


Encontramos este beija-flôr no' meio de uma grande porção de passaros. 
comprados em 1844 ao Snr. Besch para o Museu Nacional; e como todo o 
mundo sabe, que este colono: suisso, occupando-se por muitos annos e 
toda a sua familia em mandar pelles de passaros para os mercados da 
Europa, exclusivamente os caçava na comarca de Cantagalo a onde ha- 
bilava; por isso achamo-nos autorisados a affirmar, que a especie empre- 
gada como typo na nossa descripção pertence áquella localidade. Até hoje 
não lemos podido ver senão dous individuos destes, um acha-se nas 
pratelleiras do Museu, o outro remeltemos para o jardim das plantas em 
Paris.. 


O naturalista francez Descourtils, estabelecido entre nós, e que como 
viajante zoologo tem percorrido boa parte do Brasil e a quem consulta- 
mos sobre a novidade desta especie, depois de a ver e examinar por al- 
gum tempo, disse-nos que se recordava já ter caçado este beija-flôr, e 
que o suppunha realmente novo. Opinião para nós de bastante pezo, 
visto os importantes trabalhos que sobre os nossos passaros tem empre- 
hendido este corajoso investigador das cousas brasileiras. 

Reconhecida csta especie como ici não descripta pelos authores, 


GUANABARA. 111 


necessidade tivemos de lhe dar um nome. Logo no começo a denomina- 
mos incognita em quanto consultavamos obras especiaes sobre a ma- 
teria, e ouviamos a opinião de quem estivesse habilitado para sobre isto 
fallar; passados annos, nada encontrando nos muitos authores por nós 
examinados, e sendo favoravel a opinião das pessoas consultadas, cum- 
pria-nos dar nome mais sigaificativo. Reprovando a sciencia na actua- 
lidade, que os nomes das especies sejam tirados das localidades, pelos . 
grandes enganos a que isto póde dar lugar, o nome especifico que tinha- 
mos de prescrever não podia ser senão ou um nome proprio, ou um que 
exprimisse caracter saliente. Sendo difficultosa a escolha do caracter, e 
além disto desejando perpetuar ainda no mundo scientifico a lembrança 
“de um homem, que tão bem servio a sciencia appellidamos a nossa es- 
pecie como fica dito Trochilus Vandelii Nobis. 


Quem estiver ao facto de que o Snr. Domingos Vankelli, creador + e 
director do real Jardim Botanico de Lisboa, lente de historia natural 
na universidade de Coimbra, e author de muitas obras em portuguez 
e em latim sobre a zoologia e botanica, é verdadeiramente o fundador das 
sciencias naturaes em Portugal não poderá deixar de comnosco con- 
cordar. Este zeloso e activo naturalista, merece certamente ver seu nome 
com reconhecimento lembrado no:Brasil, Na Europa aonde residia, se 
entregou a minuciosas pesquisas, c a grandes trabalhos para estudar e 
fazer conhecidos muitos productos da fertil terra de Cabral. Foi elle quem 
poderosamente influio para que o governo portuguez no fim do seculo pas- 
sado-e começo deste, nomeasse *as commissões scientificas que vieram ex- 
plorar e invesligar algumas provincias brasileiras, Se Domingos Vandell 
não nasceo no Brasil, nem a elle veio, servio no entretanto com grande 
zelo á nação a que todos pertenciamos, e foi o mestre em sciencias naturaes 
de muitos brasileiros, que a sciencia conta no numero de seus bons filhos, 
co Brasil entre os seus principaes ornamentos. Taes são o immortal José 
Bonifacio de Andrade e Silva, o instruido senador Ferreira da Camara, o 

illustre naturalista Rodrigues Ferreira, o infatigavel escriptor vis- 
conde de Cayrú, o incansavel e erudito Veloso de quem a nossa socieda- 
de tomou o nome, o mineralogista Couto, o botanico Arruda, o chimico 
Amorim Castro, o mui respeitavel lente da Academia Militar o Coronel 
Feijó, já tambem falescido ha muitos annos, 


Assim este naturalista, não só indirectamente muitos serviços nos fez 
occupando-se de productos nossos, mas tambem veio a nos ser de grande 
ulilidade pelo trabalho que teve. na educação scientifica de Brasileiros 
eminentes. Por isso quer como sabio quer pelas obrigações que o Brasil 
lhe deve; mui digno é de nossa pequena lembrança. E se a botanica por 


112 GUANABARA 


mais de uma vez já tem empregado seu nome, de toda a juslica é que a 
zoologia pela primeira vez, como penso, delle faça uso. | 

A unica reflexão justa, que se póde fazer quanto ao nome por nós es- 
colhido, consiste sómente em ser elle mui grande para objecto em si iosi-. 
gnificante. Mas isto é deffeito nosso: somos pai extremosamente amante de 
nossos filhos. D'ahbi vem que as duas especies por nós pela. primeira vez 
descriptas já tiveram os mui respeitaveis nomes de Thereza, e Januaria, a 
actual a baptisamos com o de Vandelli, c a que se segue de Luiz. 


IT 
ONNICMYA LUDONVICIF. NOBIS. 


Deseriptio.—Corpus subrobustum; supra auri-vitidi-nitens; subtus viridi 
relucens repercussionibus tum aureis, tum apud abdomem ignis; collum 
saphirinum; remiges fusca, longe, falciformis; cauda coruleata, forficata, 
alas non exsuperans, PART rotundatis; rostrum nigrum, capite lon- 
gius, rectum;* farsi inferiori parte plumati, plumulis albis spisse cooperti; 
“pedesque nigri. Longitudo corporis 3 pollices. et 8 line, rostri 9 line, caude 
1 pollex et 4 lince, Habitat Colombicr. 

Tal é a descripção em latim, que julgamos poder-se fazer desta mui cu) 
riosa especie de beija-flôr; os seus caracteres mais importantes, aquelles 
que completamente a separam de todas as outras especies conhecidas ficam 
com toda a claresa refieridos para que os naturalistas tenham della noticia 
exata, Agora com mais desembaraço vamos em portuguez entrar mui de- 
talhadamente em sna historia. 

Formas.—Corpo de grandeza ordinaria: bico bem direito em todo o seu 
comprimento, ligeiramente comprimido dos lados, com o mesmo diame- 
tro por todo elle, sómente terminado em ponta aguda: cauda curta, for- 
chuda (sendo as pennas lateraes mais compridas que as do meio ) e com 
a ponta das pennas arredondadas: azas chegando até o fim da cauda, 

apresentam a configuração bem visivel d'uma foice. Em outro individuo, 
que o Museo possue e que julgamos moço, as azas excedem alguma cousa 
a cauda, j 

Dimensões.— Comprimento total da ponta do bico atéa da cauda 3 pol- 
legadas e 8 linhas; o bico que é maior do que a cabeça tem 9 linhas: da 
ponta de uma aza a extremidade onposta da outra quando estas acham-se 
estendidas » pollegadas e 2 linhas: as azas tem 2 pollegadas e 3 linhas, e a 
cauda uma pollegada e 4 linhas. No exemplar que tomamos como animal 


GUANABARA. 113 


moço, o comprimento total é de 3 pollegadas e 4 linhas, e o dy cauda de 
1 pollegada e 2 linha; no mais não encontramos differença. 

Córes.—Toda a parte superior da cabeça e corpo, pennas escapulares, 
as coberturas das azas, e as superiores da cauda são de um verde brilhante, 
com alguns reflexos bem claros de ouro: a garganta apresenta brilhantes 
reflexos de pura saphira; em um individuo, que para mim é o typo da es- 
pecie, é uma verdadeira placa de boa saphira collocada nesta região: as 
outras partes inferiores como o thorax e o abdomem, são tambem de verde 
mui brilhante com profusão de reflexos de ouro, de reflexos cor de fogo 
vivo sobre tudo para o meio do abdomem: a região anal verde esbranqui- 
cada: coberturas inferiores da cauda azuladas; cauda de cor azul bastante 
escura por toda a parte: azas de cor roxa denegrida, bico preto em ambas 
as mendibulas; pés e unhas pretas. Mas o caracter mais saliente e impor- 
tante desta especie, é o possuir os tarsos nimiamente emplumados, sendo 
as pequenas pennas que os forram em grande numero, suficientemente 
compridas e da- cor branca a mais pura, O individuo moço não tem o me- 
nor traço de azul ou de saphira na garganta, sendo em geral todas as mais 
cores tanto das partes superiores, como inferiores menos brilhantes. 

Segundo o que fica refferido vê-se ser esta especie inteiramente nova. 
O meu importante caracter dos tarsos cheios de pennas brancas, a distin- 
gue completamente de todas as especies publicadas até Fevereiro de 1846, 
época em que dando-lhe o nome que hoje publico, tracei pela primeira 
vez 03 seus curacteres. Quanto ao individuo que tendo ainda os tarsos 
emplumados como os outros, e mais semelhanças, sºpara-se no entretanto 
por suas menores dimensões, e pela falta da côr de saphira na garganta, 
não vem a ser senão o mesmo passaro de menor idade. Quem é um pouco 
ornithologista e está ao facto das mudanças porque algumas aves passam 
em suas córes e proporções segundo as respectivas idades partilhará certa- 
mente a nossa opinião. Basta a configuração das azas, do bico, e da cau- 
da, a fórma do corpo, e a distribuição das principaes côres para acre- 
ditar-se na identidade de especie de todos- estes individuos. De todos os 
beija-flôres de que fallam os autores ao nosso conhecimento só a especie 
Ornisaya Audebertii de Lesson, pela côr saphirica da garganta, tem al- 
guma analogia com a nossa, mas logo à primeira vista vê-se que são beija- 
flôres mui diversos, pelo bico, pela cauda, por todas outras côres, e 
emfim pelos tarsos. 

O Musco Nacional possue hoje 3 exemplares desfa especie, mas quando 
a classificamos, e fomos obrigados a dar-lhe o nome que tem, tinha- 
mos a vista 8 pelles, sendo duas semelhantes ao individuo moço e as outras 
6 mais ou menos identicas entre si; a casa conservou as que precisava, 


14 GUANABARA. 


e as outras as tem enviados em trocas a museus estrangeiros. Em todos os 
8 individuos cram' bem salientes os signaes caracteristicos proprios da 
especie. 


Até hojé ainda não podemos saber, se esta especie tem merecido a honra 
da publicidade em alguma parte do mundo scientifico (*). Só sei que o Orni- 
thologista francez Jules Boursier publica agora em Pariz uma grande mo- 
nographia de beija-flores; e como este infatigavel naturalista ha 235 annos 
sé occupa do seu estudo e tenha recebido de todas as partes da America, 
para melhor execução de sua obra, grande quantidade de passaros, é 
de suppôr e mesmo mui natural; que já tendo recebido pelles semelhan- 
tes á nossa, della falle neste seu importantissimo trabalho. A nós mesmos 
escreveo elle em fins de 1847, instando muito comnosco tanto para lhe 
enviarmos exemplares das duas primeiras especies por nós descriptas, 
como para lhe mandar-mos dizer, se mais alguma cousa de novo entre 
beija-florês tinha chegado ao nosso conhecimento: como se-vê já podiamos 
communicar-lhe a noticia desta especie, para nós inferessanlissima; mas 
tendo-a já enviado para Napoles, com o nome por nós posto, consideran- 
do-a nova, e tencionando a cada instante trazel-a á publicidade, nada lhe 
respondemos a esta ultima parte de sua carta. Hoje-reconhecemos o mal 
que n isto. fizemos, sobre tudo remettendo nós mesmos exemplares desses 
beija-flores para Napoles, Marseille, e Estados-Unidos sem ter antes pu- 
blicado a sua descripção. Falta esta no entretanto devida por não existir 
entre nós naquelle tempo sociedade alguma da natureza da Velosiana, nem 
publicações apropriadas a onde podessemos levar nossas descripções. 

Assim esperamos que se Boursier fullar deste beija-flor, provavelmente 
o ciará com nome . diverso do nosso, visto que a elle nada mandamos 
dizer. Mas neste caso reclamando o que é de uso em iguaes circumstancias 
diremos, que sendo certo, como pensamos, que até Fevereiro de 1846, a 
sciencia nada sabia a este respeito, o nosso nome deve ser conservado, 
visto termos a favor a precedencia da noticia. Pelos accentos do Museo 
Nacional vê-se, que a casa possue esta especie com o nome da nossa classifi- 
cação desde a data assim refferida, e por uma carta vinda de Napoles de 
pessoa mui illustre com a data de 20 de Abril de 1847, e que nesta occasião 
appresento á sociedade, tambem consta, que a nossa especiejá lá se achava 
em Novembro de 1846. O ex-director do Museo nacional o Snr. Fr. Custo- 
dio Alves Serrão, e o Dr. Descovrtils, que fez o rotulo para os exemplares 
montados que se acham na colleção do musco, poderão tambem isto certi- 


(*) Isto diziamos em 1851; mas desde o anno passado sabemos que Gould na suaimportante obra 
sobre beija-flores publicada em Londres em 1859 ou 53, dá à nossa especie outro nome O qual não 
O transcrevemos aqui por não termos podido ver esta importante publicação. 


GUANABARA 115 


ficar. Cumpre aqui de passagem declarar que estes dous Senhores, mui 
entendidos em zoologia, sendo por nós consultados sobre a novidade es- 
pecifica desses beija-flores foram de opinião favoravel. 


Os exemplares desta especie foram obtidos por compra de um francez, 
preparador e negociante de productos de historia natural, chamado Izam- 
bert, com loja aberta narua Direila; e foi muito para sentir que elle tivesse 
passado a loja a ontra pessoa, pois seria uma prova de mais em como 
essas pelles vieram ás nossas mãos no começo de 1846. Este homem, achan- 
do-se por nós encarregados de comprar, qualquer que fosse o preço, tudo 
que fosse novidade sobre esta familia, e pelo que hia a bordo de todos os 
navios que vinham de portos americanos, e aonde suspeitava haver ob- 
jectos de historia natural, em um dos dias de Fevereiro do anno já citado 
appresentou-nos com outras muitas pelles as 8 de que fallamos: nesta occa- 
sião tambem assegurou-nos tê-las comprado a bordo de um navio de guerra 
francez, que acabava de chegar das Antilhas, e que o vendedor as trazia da 
Colombia: tal foi o fundamento que tivemos para dar a Colombia como 


patria desses raros beija-flores. 


Logo que os recebemos, notando o mui curioso caracter dos tarsos 
emplumados, novo inteiramente para nós duvida alguma puzemos na 
quantia exigida para affectuar-se esta compra. Sendo esta uma das me- 
lhores acquisições que o museu então fez, submeltemol-a a minucioso exa- 
me cujo resultado agora publicamos. Apontando- todos os caracteres qae 
das pelles podiamos tirar, e comparando-os com os das especies já exis- 
tentes na casae com os das refferidas pelos authores da bibliotheca do 
museu, em pouco tempo viemos na convicção, que todos estes exempla- 
res pertenciam a uma só especie; porém ainda não descripta pelos autho- 
res que conheciamos. Como homem da sciencia, e classificador de um 
estabelecimento publico de muita utilidade desde este instante necessidade 
tivemos de nominal-a. 


Grato aos favores que o Museo Nacional acabava de receber do Snr. D. 
Luiz de Bourbon conde d'Aquila durante a sua residencia nesta córte, 
visitando-o por diversas vezes; e sendo tambem nós mesmos não só mi- 
moseado por S. M.o rei de Napoles com uma preciosa dadiva, natural- 
mente por intermedio do mesmo principe, nas tambem honrado com car- 
tas suas, aproveitamos 6 favóravel ensejo que tivemos para commemorar 
comó naturalista a lembrança de quem tinha se dignado tão bem tratar a 
nós e ao estabelecimento em que serviamos. Demos pois a esta especie o 
nome de Ornismya Ludovicii seguindo desta maneira a opinião dos que 
pensam, que na extensa familia dos beija-flores os nomes das especies pó- 


e 


116 GUANABARA. 


dem mui bem ser os nomes proprios das pessoas, que animam a sciencia, 
ou protegem a seus filhos. 

Logo que adoptamos semelhante denominação, julgamos conveniente 
enviar dous exemplares destes com o novo nome á illustre personagem a 
quem era dedicado, e desde muito tempo sei que elles se acham no gabi- 
nete de historia natural de Napoles. Sobre os seus usos e costumes, parti- 
cularidades do ninho, e localidades de predilecção a onde se acham nada 
podemos dizer, por não podermos colher a este respeito informação al- 
guma. 

Tal é a historia deste mui interessante beija-flor. Como indicam os ca- 
racteres, é uma verdadeira ornismya da 2.º divisão entre as 6 exislentes 
neste genero, que são aquelles de cauda forchuda, secção chamada por 
Vieillot Cynanthus. ' 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA, 417 


RELATORIO. 


SnRs. 


Mais um anno de existencia conta esta nascente Associação, decorrido 
in-ostentosa, mas não de todo infructuosamente. Vae devagar, sem estre- 
pito, com passos inda mal seguros, vacillando ao sopro do menor contra- 
tempo; mas andando sempre, e nutrindo esperanças de um porvir mais 
lisongeiro. 

Cumprindo o dever, que me é imposto, venho apresentat-vos, em tesu- 
mido quadro, o que de mais importante se passou no exercicio do anno 
transacto. | 
- Foram dirigidos os nossos trabalhos pela mesa formada do Exm. Snr. 
Conselheiro e Senador do Imperio, o Dr. Candido Baptista de Oliveira, 
como Presidente, do Dr. Francisco Freire Allemão, como Secretario, e do 
Dr. Emilio Joaquim da Silva Maia, como Thesoureiro-Archivista.' 

Em todo o tempo util do anno, as sessões, que puderam ter lugar, foram 
sómente seis; e essas nem sempre muito concorridas. 

Se attêndermos porém à que os nossos consocios, além de mui pouco 
numerosos, são todos homens occupados; e á que as distancias no Rio de 
Janeiro são hoje um grande impedimento ás reuniões; acerescendo a isso 
a dificuldade de acharmos um dia, e uma hora digitos para todos, 
havemos de reconhecer que ainda assim houve diligencia em reunitmo-nos. 
Foi considerando essas circumstancias, que se tomou a deliberação de, por 
em quanto, se não cumprir à risca o que os Estatutos determinam quanto 
ao prazo das sessões, ficando a mesa na liberdade de as convocar no tempo, 
que julgasse mais opportuno, e quando houvesse maior afiluencia de tra- 


Dalhos, 
16 


118 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


“Mais dous collaboradores foram chamados para nosso gremio: um na 
«qualidade de Socio Effectivo, é o $nr. Dr. João Gomes da Silveira Caldeira ; 
outro na de Socio Adjunto Correspondente, é o Snr. Professor da Lingua 
Indigena do Seminario do Pará. Em desconto porém fomos dolorosamente 
feridos, com a perda do venerando Antonio Correia de Lacerda. 

Nascidy em Portugal, Bacharel em Medicina e Cirurgia, viveu Lacerda 
muito tempo no Pará, e ahi exerceu o lugar de Physico-Nór. Por occasião 
da deploravel revolta, acontecida nessa Provirtcia em 1835, foi a sua casa 
devastada, e elle, bem que homem pacifico, se viu na necessidade de refu- 
giar-se nos Esta“os-Unidos, donde, passado um anno regressou, vindo então 
“residir no Maranhão, até que falleceu em dias de Junho de 1852, contando 
mais de setenta annos de idade. Apaixonado pelo estudo da Natureza, todo 
o tempo que tinha desempedido, o consumia trabalhando na Flora do Pará 
e depois na do Maranhão; e grande parte da sua fortuna empregava na 
compra de livros escolhidos, deixando assim quantidade de preciosos ma- 
nuscriplos, ricas collecções de productos naturaes e uma valiosa livraria. 
Sentindo approximar-se seu tempo, fez testamento e não se esqueceu que 
era parte da Sociedade Vellosiana . 


Lacerda, com todo o direito, foi, entre os primeiros, lembrados para nosso 
Socio Correspondente : tambem foi elle dos que mais contente e agradecido 
se mostrou por este acto; não tardou em responder-nos; e a dar sinceros 
emboras aos fundadores desta Instituição. Mas foi no leito e moribundo, que 
deu decisivas provas do quanto a apresava e da confiança que nella punha, 
“ entregando-lhe os seus manuscriptos para os revér e coordenar, e deixan- 
do-lhe todos os seus livros. 

Sem contarmos o valioso legado, que venho de mencionar, por não o 
termos ainda recebido, fez esta Sociedade a acquisição de alguns vo-. 
lumes impressos e manuscriptos, com que foi dando começo à sua biblio- 
theca. 


Offertados pelo nosso consocio o Snr. Commendador Alexandre Antonio 
Vandelli, foram: quatro volumes impressos, tratando de materias varias, 


mais ou menos importantes ; obras raras e antigas, principalmente uma que 
é de 1587. 


O autographo de uma carta do Dr. Manoel Joaquim Henrique de Paiva, 
escripta ao Professor Domingos Vandelli. 

Um manuscripto seu, extracto de uns autos, julgados em 1731, em que 
é autor Manoel da Cruz Santiago, Brasileiro, que foi á Lisboa apresentar á 


ElRey amostras de uma nova mina de ouro, descoberta por elle no Rio das 
Mortes. 


- 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 119 


Desse escripto se deduz que Santiago em 1709 já se achava em Portugal; 
e que em 1731 era ahi já fallecido. Nunca mais voltou-ao Brasil, bem que 
mostrasse ser esse o seu intenfo; pois que requereu e obteve d'El-Rey a 
mercê-de Intendente e Administrador Geral das minas de ouro de beta, que 
descobriu no districto do Rio das Mortes, por tempo de dez annos: ea de 
Governador e Capitão-Mór daquelle distrieto. Ambas aquellas mercês forana 
puras e absolutas pelo serviço jáfeito daquelle descobrimento ; além do que 
lhe fez ainda o dito Senhor mercê de fôro de Fidalgo de sua Casa, e uma 
commenda de lote de 200%: rs., com ohabito da Ordem de Christo. Mas 
estando presto a embarcar-se para o Brasil, e requerendo a El-Rey permissão 
para o fazer lhe foi insinuado, por parte do Mesmo Senhor, que seria do : 
seu agrado que elle descobrisse e abrisse as minas de Portugal. E, à repre- 
sentação sua, lhe foi concedido que vigorassem naquelle Remo as mesmas 
mercês, que lhe haviam sido concedidas. para. o Brasil. . Pertencendo-lhe 
ainda a administração exclusiva de todas as minas, que descobrisse em 
Portugal e Algarves, por espaço de quarenta amnos.. 

Os metaes, tintas e outros productos descobertos por este homem activo e 
intelligente em varios lugares daquelles estados, foram : ouro, prata, cobre, 
ferro, estanho, chumbo, azougue, antimonio, ocre, bolo armenio,. rôxo 
terra, gesso, talco, salitre, caparosa e carvão de pedra. 


Pelo nosso consocio o Snr. Dr. Emilio Joaquim da Silva Maia foram 
offerecidos dous volumes manuscriptos autographos. Um consta de apos- 
tillas pelas quaes leccionava o Professor da antiga Academia Militar do-Rio 
de Janeiro Fr. José da Costa Azevedo. O outro encerra apontamentos, ou 
“talvezesboço de um Tratado de Materia Medica, e Chimica Pharmaceutica do 
Dr. Manoel Joaquim Henrique de Paiva. 


Senhores, não concebo existencia duradoura em uma associação scjenti- 
fica da natureza desta nossa, sem a publicação de seus trabalhos. E” a divul- 
gação destes que a póde tornar conhecida. e fazel-a conceituada na opinião 
do publico; e que ao mesmo tempo será para os membros della poderoso 
estimulo. Infelizmente é este objecto um dos grandes embaraços que esta 
Sociedade tem encontrado em sua marcha. Tendo-se considerado impossivel 
a manutenção de um periodico dedicado unicamente ao culto das Sciencias 
Naturaes, ainda tão pouco apreciadas em nossa terra, aceitamos algumas 
paginas, que nos foram generosa e expontancamente offerecidas pelos redac- 
fores do— Guanabara, para a edição de nossos trabalhos. Com cffeito 
assim se vae praticando, apezar de alguma oulra dilficuldade, como a da 
gravura das estampas, de que pela maior parte devem ser acompanhadas. 
Sendo estas gravuras feitas na officina lifhographiça da Escola Militar por 


120 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. ge; 


concessão e graça do Governo Imperial, não se póde exigir d'ali nem a 
promptidão, que às vezes se requer ; e ainda menos uma certa perfeição ar- 
lística, estando os mais habeis lithographos, como devem estar, occupados 
em serviço nacional, No entanto é de justiça agradecer aqui a boa vontade 
com que 6 Snr. Dr. Antonio José d'Araujo, fiscal daquelta repartição, se 
nos tem prestado, 


Este modo de publicação não deixa de ter inconvenientes, sendo um 
dellos, que apparecendo impressos os nossos trabalhos em algumas pagihias 
derradeiras de um folheto quasi todo consagrado à literatura amena, pódem 
passar desapercebidos, e sem despertar a attenção para a nossa: própriá 
existencia, Além disso sendo obrigadas a mandar tirar umas 100 ou 200 
folhas em separado, para as distribuir pelos socios, carregamos com um 
onus, de que seriamos alliviados se tivessemos uma gazeta propria, susten- 
tada por assignaturas, como á mim em particular me parece muito 
possivel. 

Foram lidas ou communicadas em às sessões do anno passado, as mê 
morias e noticias seguintes: 


Dissertação zoologica sabre o Falco destructor, ou Grande Harpia da 
America, pelo Snr. Dr. Burlamaque. O autor occupa-se primeiro com à de- 
terminação especifica do bello individuo, que se conserva vivo no Musê- 
Nacional, mandado do Pará pelo então seu Presidente, o illustrado Snr. 
Conselheiro Jeronymo Francisco Coelho, e discutindo os seus caracteres dá 
como mais distintivos — o colar de plumas, que tem em roda do pescoço, 
e a poupa ou crista occipital—: discorre depois sobre a indole, e costumes 
desta ave, com as noções colhidas em Hernandes, Marcgrave, Azara e 
outros ; mas principalmente com as da propria observação sobre o individuo, 
que tem debaixo de suas vistas, 

Aqui torna-se o trabalho do Snr, Dr. Burlamaque curioso e cheio de in- 

eresse, tanto pele que nelle ha de novidade, como pelo colorido do estylo, 
com que é enunciado, 


Esta memoria tem de ser acompanhada de um desenho feito ao vivo; 
e no qual se está pondo toda a diligencia para que represente q seu en 
com a mais escrupulosa exactidão, 


O Snr, Dr. Maia fez leitura de um esboço historico da fandação e pro- 
gressos do Musio Nacional, Nelle se notam algumas particularidades, que 
não eram geralmente conhecidas; e conservadas por tradição bem-depressa 
seriam perdidas, a não serem agora perpetuadas pelo zélo perscrutador do 
nosso consocio. O primeiro pensamento da fundação de um Musêo, bem 
“que debaixo de outra denominação: partiu de Vasconcellos, nome de cara 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 121 


recordação para os Fluminenses, sendo o tempo do seu governo a idade de 
óuro desta cidade, em sua época colonial. 


Desenvolvendo a historia deste estabelecimento, o autor vae caracteri- 
sando as diversas situações e phases porque elle tem passado, memorando 
ao mesmo tempo a origem e modo, donde, e como tem havido os productos, 
que hoje constiluem à sua riqueza. Nem se esqueceu de fazer a parte de 
justica merecida à cada uma das pessoas que successivamente o tem admi- 
nistrado ; entre as quaes, sem offensa das outras, sobresahe a do Snr. Fr. 
Custodio Alves Serrão, nosso consocio; homem rico de conhecimentos e de 
experiencia, laborioso e amante desta casa, donde se retirou deixando pesa- 


rOSOS OS seus amigos, que 0 são igualmente da sciencia, que elle com tanto 
ardor cultivava. 


O Snr. Dr. Maia offerece este trabalho, como devendo servir de intro- 
ducção à uma resenha zoologica, que elle se propõe a fazer dos animaes, 


que formam a collecção do Musêo, entre os quaes se acham cousas novas 
e Taras. 


O Dr. Francisto Freire Allemão lêu uma Memoria, que é a terceira na 
serie de seus exercicios botanicos, com o titulo de — Origem e desenvolvi- 
mento dos vasos nos embryões da Jatropha curvas e do Aleurites Molucana, 
durante a sua germinação. — Esta Memoria hávia sido apresentada por 
elle em 185, acompanhada de desenhos, que difficultayam a sua publi- 
cação; o que o decidiu a dar-lhe uma nova redacção, com a qual, conser- 
vando os factos em sua inteireza, podesse prescindir do auxílio das estam- 
pas; desejando que fosse dada à luz com mais promptidão, o que todavia 
ainda se não pôde verificar. 

O principio fundamental, que resulta das observações microscopias sobre 
que assenta este trabalho, é que— Para cada novo merithalo, de um ramo 
em evolução, as tracheas se formam de cima para baixo ; e os vasos reticulados, 
ou lenhosos de baixo para cima, 


Apresentou mais uma pequena Memoria, ou estudo sobre as nossas Ce- 
rropias, pelo qual se completam os caracteres genericos que faltam na 
Diaguosis do Gen. Cecropia em Endlicher: e do qual tambem resulta o co- 
nhecimento do facto mui curioso, que se passa nos estames destas plantas, 
e é que as antheras se despegam do apice dos filetes, ficando no entanto 
suspensas por suas duas tracheas, cujos fios se desenrolam sem se quebra- 
rem : o que acontece antes de emissão do pollen, 


Lêu tambem uma noticia de varias plantas novas, que havia colhido em 
uma viagem feita á S. Goncalo. Entre ellas se distingue a nossa arvore de 


122 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


2) 


o 


construcção chamada aqui Oii, e na comarca dos Tlhéos, segundo Balthazar 
da Silva Lisboa, Oiticica. E reconhecendo-a não só como especie nova, mas 
até como devendo formar o typo de um novo genero, o dedicou a Gabriel 
Soares, chamando-a — Soaresia Nitida. 


O Snr. Ignacio José Malta continuou a lér-nos os seus trabalhos 


sobre a interpretação e reconstrucção dos vocabulos da lingua indi-- 


gena, com que são conhecidas nossas plantas, animaes, etc. E uma empreza 
longa, indefinida e que requer toda a- paciencia e zêlo do nosso indefesso 
CONsocIo. 


O Snr. Dr. Burlamaque noticiou-nos ter recebido amostras de ferro mag- 
netico, que lhe foram remettidas do lugar da fabrica da polvora, em Inho- 
merim. Foram apanhadas na vargem, mas suas fórmas arredondadas indir 
cam haverem sido trazidas pelas torrentes do alto das montanhas visinhas. 
Assim tambem amostras de pyrites, que se encontra disseminada em granito 
alterado, e em micaschisto, desde a planice até o cume da terra da Estrella- 
Outras amostras desse mesmo producto lhe foram mandadas da visinhanca 
da Gavia, onde ha deposito à descoberto. 

Mostrou-nos mais alguns tijolos de turba tirada entre Macahé e Campos, 
onde existç por muitas leguas de um e outro lado do canal que communica 
estes dous paizes. 

E emfim, uma porção de cêra vegetal vinda do Pará, e dizendo-se co- 
Tica dos grélos da Embanbeira. Tem esta céra differença da das abelhas 
por uma maior quantidade de Oleina; e se assemelha muito com a que 
produz o muscadeiro seboso (virola sebifera de Aublet): e por isso suspeita 
o mr. Burlamaque, é antes producto deste, que daquelle vegetal. 


O Snr. Dr. Maia apresentou e léu uma Memoria escripta em francez, en- 
viada de Matto-Grosso pelo Snr. Dr. Amadée Moure. É um trabalho sobre 
as aguas minero-lhermaes, visinhas à fonte do frade em Cuyabã, feito por 
ordem do Presidente daquella Provincia, e a elle dedicado. O autor dá em 
resumo os caracteres das aguas, e algumas idéas geologicas sobre a natureza 
e composição dos terrenos donde aquellas brotam, estendendo-se mais a 
respeito de suas applicações therapeuticas. Esta Memoria foi devolvida ao 
“nr. Dr. Barlamaque para-sobre ella dar o seu parecer na parte que toca à 
geologia. ; 

O Dr. Freire Allemão leu alguns apontamentos, que pódem servir 
para a biographia do Snr. Dr. Joaquim Velloso de Miranda, c 19 nome se 
tem muitas vezes confundido com o. de Fr. José Mariano da Conceição 
Velloso, autor da — Flora Fluminense. — 

Veloso de Miranda, natural de Minas Geraes, Dr.- em Philosophia pela 


, 
Ec dci É io di 


s 
me 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 123 


Universidade de Coimbra, viajou por commissão do Governo em Minas, sua 
patria, fez grandes collecções em todos os ramos das Sciencias Naturaes, que 
foram remettidos para Lisboa; correspondia-se com o Professor Domingos 
Vandelli, seu mestre, o qual lhe dedicou o Jen. Veltosia. Deixou escriptos, 
que ainda não viram a luz, e morreu em 1815 com mais de 80 annos. 

A questão das nevoeiras séccas, segundo uns, ou do enfumaçamento, 
segundo outros, da atmosphera do Rio de Janeiro nos mezes séccos de seu 
inverno, ainda nos occupou algum tempo. Sem grande alcance à primeira 
vista, é todavia um ponto questionavel e de dificil solução. O Dr. 
Freire Allemão continuando na discussão por escriplo, reforçou sua pri- 
meira argumentação, mostrando-se agora mais decidido, contra à opinião, 
aliás bem sustentada do Snr. Dr. Burlamaque, a adoptar o que vulgar- 
mente se acredita, isto é, que esse phenomeno é antes devido ao fumo das 
queimadas, que ao meteoro chamado nevoa sécca, sem negar, bem entendido, 
que esta possa ter lugar aqui como em outra qualquer parte, 

Tenho concluido, Snrs., e se não tive uma mais extensa serie de bri- 
lhantes trabalhos a enumerar-vos, fica-me ainda assim o consolo de haver 
patenteado que alguma cousa se fez que baste para mos'rar que não esti- 
vemos ociosos. 

Rio de Janeiro, de Abril de 1853. — Francisco Freire Alemão, 
Secretario. 


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DIARIO ESPACIAL DA VisGlM, 


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a 
ES 


JUNHO DE 1849. 


Dra 26.— Pelas duas horas da tarde do dia vinte e seis de junho do anno 
proximo passado teve lugar a sahida da Expedição Colonisadora do Alto 
Tocantins, conforme as determinações de V. Ex., com excepção da canôa 
— Santa Thereza— do meu transporte, e do Missionario Frei Manoel Pro- 
copio do Coração de Maria, a qual, talvez pela confusão, que se dá ordina- 
riamente em taes occasiões, não estava até aquella hora provida dos rema- 
dores, e por isso só deixou o porto desta cidade em o dia seguinte. 


Dia 27.— No dia vinte e sete à uma hora da madrugada partimos em 
busca do comboy, não obstante o tempo tormentoso que fazia, e o não 
encontramos senão com dous remeiros ; porque dous outros que restavam, 
estavam então ainda tão ébrios, que pareciam mortos. Ao amanhecer fal- 
tou-nos a maré e descançamos; ao meio dia ella nos foi favoravel, e apro- 
veitamol-a até às 4 horas da tarde, que, querendo nós saber da demais 
“comitiva, desembarcamos na fazenda de nome Jaguary, onde nada nos 
souberam dizer a respeito, o que nos obrigou a esperarmos neste porto na 
supposição de que o comboy se tivesse atrazado. A's seis horas da mesma 
tarde vimos approximar-se o comboy, que por esperar-nos se tinha demo- 


“rado na fazenda de nome Burajuba, por onde passamos sem o divisarmos 
por causa da escuridão da noite. 


Dra 28. — Chegando o comboy a Jaguary já com a maré vasante, tive- 
“mos de nos demorar aqui até à uma hora da madrugada do dia seguinte, 
que as aguas convidando-nos de novo vieram deixar-nos ás sete horas da 
manhã na fazenda de nome Juquiri, onde descançamos. Pelas duas horas 
da tarde continuamos na nossa derrota, c as sete horas da noite fizemos 
parada em lugar deshabitado. 


Dia 29.— N'outro dia pelas cinco horas da manhã deixamos este pouso, 
e fômos fazer parada na bocca do canal de Igarape-mirim ; passamos este 
17 


126 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


canal as oito horas, e com a vasante que encontramos, e «que nos era favo- 
ravel, fômos fundear às onze horas da mesma manhã no porto da villa de 
Igarapé-mirim. Pelas duas horas da tarde proseguimos, e fômos dormir 
no porto do proprietario Filippe Pereira de Mello, onde uma mulher da 
comitiva deu à luz uma menina; então achavam-se diante de nós muitas 
canôas do comboy, e entre estas a do chefe da expedição. 


Dia 30. — Na manhã seguinte pelas onze horas proseguimos, e depois 
de uma hora de viagem chegamos ao furo do Catimbana, onde nos junta- 
mos às outras canôas e esperamos maré. As cinco horas da tarde favore- 
ceu-nos a corrente, e nos trouxe alé à bocca do rio Uanapú, onde fizemos. 
parada ás duas horas da madrugada. 


JULHO. 


Dia 1,— Pelas seis horas da manhã do primeiro dia do-mez de julho os 
nossos remos ajudados da maré, e do vento que enchia nossas vélas, nos im- 
pelliram a uma ilha do districto de Cametá, onde paramos às duas horas da 
tarde. As seis horas da mesma tarde, com todas as felicidades, que nos 
haviam aqui trazido, deixamos esta ilha; porém depois de duas horas de 
viagem o receio de uma tempestade fez-nos obrigar a ilha do Marapatá, 
situada em a bahia do mesmo nome, com excepção do bote— Especulação, — 
que obrigado pelos mesmos ventos continuou na derrota por entre as ilhas 
adjacentes. 


Dra 2. — As seis horas da manhã do outro dia quando os receios da 
noite antecedente se tinham inteiramente dissipado, renasceu em nós o 
desejo da viagem, e com as vélas entumecidas começamos a mover a cu- 
riosidade dos habitantes do lado oriental do Tocantins desde as alturas 
daquella ilha até a cidade de Cametá, em cujo porto damos fundo nessa 
mesma manhã pelo meio dia. Duas horas mais tarde se juntou a nós o 
bote— Especulação— que havia sido levado pelos ventos na noite antece- 
dente, e apenas fundeado naquelle porto começou a fazer agua ; acudiu-se- 
lhe logo, e a sua carga não ficou prejudicada. De noite pelas dez horas 
pouco mais ou menos, na distancia de dez braças do lugar daquelle acon- 
tecimento, correu o mesmo risco a canôa— Santa Thereza— que exposta de 
um lado aos fortes açoutes das aguas, lhe saltou fóra a estopa do lado açou- 
tado, por onde começou a receber agua; ella foi logo descarregado, e a 
sua carga não soffreu damno consideravel. 


Dra 3.— No dia seguinte se procedeu a uma vestoria no bote— Especu- 
lação—, à vista da qual se o substituiu pelas canôas— Henriqueta e Cons- 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 127 


tancia —, compradas naquelle porto. Circumstancias não ignoradas nos 
demorayam na cidade de Cametá até o dia vinte e nove do mesmo mez de 
Julho. 

Dia 29. — No dia vinte e nove de julho pelas oito horas da manhã, 
foi-nos dada a continuação da nossa viagem, para a qual aproveitamos 
ainda naquella manhã a meia maré de enchente que nos restava. Ao meio 
dia descançamos no porto de um sitio chamado Palmina, deixando pouco 
atraz de nós a demais comitiva. As seis horas da tarde tivemos de novo o 
favor da maré, que desprezamos às dez horas da noite, quando fizemos 
parada no porto de uma capella conhecida debaixo do nome de— Capel- 
linha—, a qual é hoje uma parochia da comarca de Cametá; porque suppu- 
nhamos o comboy muito atraz de nós. 

Dra 30. — No dia seguinte pelas sete horas da manhã approximou-se de 
nós o comboy, o qual porém logo se atrazou, e nos perdemos de vista; 
por isso que fizemos parada as duas horas da tarde no sitio de nome— 
Boa-Vista—; ás sete horas da noite continuamos todos juntos, e ás onze 
horas da mesma noite pernoitamos nas immediações da villa de Baião. 

Dra 31.— Pelas quatro horas da madrugada, do outro dia, deixamos 
este pouso, e depois de uma hora de viagem damos fundo no porto da villa 
de Baião, onde nos demoramos até o dia seguinte para recebermos o des- 
tacamento para Assacutina, e os trabalhadores para o serviço braçal da 
expedição. 

AGOSTO. 


Dia 1. — No primeiro dia do mez de agosto pelas duas horas da tarde, 
depois de recebida a gente, por cuja causa nos haviamos demorado, cheias 
as nossas vellas, e com o auxilio dos remos continuamos na nossa derrota 
até ás seis horas da tarde que nos encostamos a praia dos Anjos para des- 
cançarmos e esperarmos ao mesmo tempo uma canôa da nossa comitiva, 
que se tinha atrazado. 


Dra 2. — Pelas duas horas da madrugada do outro dia, quando se reuniu 
a nós a canôa, que .esperavamos, deixamos esta praia, e viajamos até ás 
nove horas da manhã, que paramos em o porto de um sitio chamado 
Ituenara para esperarmos a demais comitiva que se tinha atrazado. As 
tres horas da tarde proseguimos com o comboy; porém depois de algum 
tempo passou nossa canôa diante de todas as outras, e nós fômos fazer 
parada ás nove horas da noite em uma praia perto da praia do Machado, 
onde dormiu a demais comitiva. 


128, BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


Dia 3. — N'outro dia pelas duas horas da madrugada proseguimos vendo 
detraz de nós o comboy, que nos seguia, e às seis horas da manhã fizemos 
parada na ilha do Jutahy. 


Dra 4,— As oito horas e meia do dia seguinte partimos desta ilha, e 
fômos descançar pelas tres horas da tarde na povoação de nome Patos, 
onde pernoitámos. 


Dra 5.— Na manhã seguinte pelas seis horas continuamos, deixando 
atraz de nós algumas canôas, e paramos ás onze horas daquella mesma 
manhã em o lugar chamado — Serra do Trucará —, para esperarmos uma 
canôa, que, se dizia, ficára muito atraz. 


Dra 6. — Neste porto passamos todo este dia sem que se tivesse noticia 
alguma daquella canôa. 


Dra 7. — Pelas quatro horas da tarde do outro dia chegou a canôa que 
esperavamos, e nós proseguimos logo na nossa derrota, e fômos descançar 
ao anoitecer na praia denominada—Beirada do Apinagé. 


Dis 8.— Na manhã do outro dia pelas oito horas deixamos esta praia, 
e navegamos todo este dia até às cinco horas da tarde, que fizemos pouso 
em o lugar chamado Juquera-puá. 


Dia 9.— No dia seguinte pelas nove horas da manha fizemos viagem 
com expedição da canôa do chefe da expedição que ficou ali em concerto, 
e paramos às tres horas da tarde abaixo das primeiras correntezas do Ta- 
painna-cuava, conforme as ordens que tinhamos do chefe da expedição ; 
uma hora mais tarde chegou o chefe, e mandou logo passar aquellas cor- 
rentezas, o que as canôas menores conseguiram com summa facilidade ; 
as canôas de maior porte porém encontrarão algumas difficuldades pela 
inexperiencia de suas tripulações e por improprias desta navegação. Dor- 
mimos na bocca do igarape de nome Cairepé do lado oriental. 

Dia 10. — No dia seguinte pelas sete horas da manhã continuamos na 
nossa navegação por pequenas correntezas até às onze horas da mesma 
manhã, que tivemos de passar a segunda pancada, e a mesma cachoeira 
do Tapaiuna-cuará. As difficuldades desta passagem foram semelhantes à 
aquela primeira, acrescendo ainda a quasi perda de um soidado por não 
saber nadar, e de um dos botes da expedição, que lhe arrebentou à copia 
no meio da cachoeira. 


Di 11. — Pelas sete horas e meia da manhã seguinte começamos a, 
passar as ultimas correntezas de Tapaiuna-cuará, o que se concluiu ao meio 
dia; continuamos logo na nossa derrota, e chegamos ao barracão de Assa- 
cutina, ás tres horas e meia da tarde. Ainda antes da noite achayam-se já 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 129 


as familias e os objectos da expedição no referido barracão com excepção 
da polvora, que ficou armazenada em uma canda. 


Dia 124 19,— Do dia doze até o dia dezenove se fizeram algumas accom- 
modações mais necessarias, e se augmentou de algumas braças o barracão 
por canôa do destacamento que não tinha quartel até então. 


Dia 20. — Pelas nove horas da manhã do dia vinte partimos em busca 
do lugar para assento da colonia, levando comnosco a gente do trabalho 
braçal da expedição, e algumas familias que nos quizeram acompanhar. 
Ao meio dia chegamos ao porto do pratico Americo Antonio Paes, que 
conduzia o comboy, onde nos demoramos duas horas. A's tres horas da 
tarde passamos pelo lugar do antigo destacamento de Arroios, e às seis horas 
da mesma tarde fizemos pouso abaixo da cachoeira da Guariba, e aqui per- 
noitamos. 


Dra 21.— Ao amanhecer do outro dia seguimos para o lugar do descar- 
regamento, donde a meia carga das canôas maiores foi levada para o lugar 
do embarque; logo depois se passaram as cachoeiras, no que senão encon- 
trou maiores dificuldades; as duas horas da tarde entramos na carreira 
comprida do Tucumanduba, as quaes naquelia mesma tarde se acabou de 
passar a canôa do chefe da expedição, pernoitando as demais canas junto 
das pedras das mesmas cachoeiras. 


Dra 22. — As sete horas da manhã do outro dia veiu o pratico buscar-nos, 
e conduzindo cada canôa por sua vez, acabamos de passar estas cachoeiras 
pelas dez horas daquella manhã, que chegamos a ilha chamada— do Des- 
carrego— onde tinha dormido o chefe da expedição na noite antecedente. 


Dia 23. — No outro dia depois de feito o concerto de uma canôa, e pas- 
sados por terra os objectos da expedição para o lugar do carregamento, se 
começou ao meio dia a passar as cachoeiras do Yerapepoaquima, no que 
se gastou toda aquella tarde; porém ficando tudo embarcado. 


Dia 24, — Pelas sete horas e meia da manhã, que se seguiu, deixamos 
esa ilha, e navegando sempre por entre pedras e fortes correntezas, ora 
com o auxilio das varas, ora com o dos remos, e mais raras vezes com q 
das esptas, encostamo-nos às nove horas daquella manhã a uma ilha para 
almoçar-se, donde sahimos ao meio dia, e fômos fazer parada às seis horas 
da tarde em outra ilha. Aqui foi-nos preciso calafetar uma canôa pequena, 
o que se fez naquella mesma tarde. 


Dra, 25. — Sahimos desta ilha pelas sete horas da manhã do outro dia, 


e depois de tres horas de viagem abordamos a uma ilha, onde almoçamos 
e nos demoramos duas horas. Ao meio dia continuamos. na nossa navega. 


A 


130 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


ção, ora em rio morto e ora em corrente, e finalmente fizemos pouso ás seis 
horas da tarde em outra ilha, onde dormimos. 


Dia 26. — Deste pouso nos retiramos ás sete horas e meia da manhã que 
se seguiu, e fômos almoçar a outra ilha ás dez horas da mesma manhã. Ao 
meio dia proseguimos na nossa derrota, e ás seis horas da tarde descançamos 
na praia do Remansão. 


Dra 27.— Como, segundo as informações do pratico, era o lugar do Re- 
mansão o que offerecia mais vantagens para uma colonia, foi o seu terreno 
logo no dia seguinte explorado, depois de cujo exame subiu a commissão a 
explorar os demais lugares que restavam deixando naquella praia a demais 
comitiva; esta exploração não se concluiu porém naquelle mesmo dia, por 
que a commissão se viu obrigada a voltar do lugar denominado— do Fugido— 
pela falta de viveres. 


Dra 28 E 29. — N'outro dia pelas oito horas da manhã partiu a commis- 
são para concluir a referida exploração, e chegou outra vez ao Remansão 
às seis horas da tarde do dia vinte e nove. 

Dra 30. — No dia seguinte fixou a commissão o lugar do Remansão para 
assento da colonia por preencher melhor os quesitos exigidos, e se deu logo 
principio a preparação do terreno. 


SETEMBRO. 


Dia 22.— No dia vinte e dous de setembro se deu principio á construcção 
dos barracões. 


OUTUBRO. 


Dia 15. — Ainda sem todas as accommodações precisas nos barracões 
que se construiram, teve lugar a inauguração da colonia no dia quinze de 
outubro, dia em que a Igreja festeja a Matriarcha Santa Thereza, debaixo 
de cujo nome teve lugar a referida inauguração. 


NOVEMBRO. 


Dra 30.— Do dia dezeseis de outubro em diante se continuou na prepa- 
ração daquella accommodação, cujos trabalhos se paravam inteiramente 
nos fins do mez de novembro por causa da epidemia, que havia então 
prostrado a maior parte dos colonos e quasi todos os trabalhadores, 


FRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 131 


DEZEMBRO. 


Dra 18. — No dia desoito de dezembro foi dissolvida à commissão con- 
forme as ordens de V. Ex. 


Dia 27. — Achando-se o chefe da expedição, haviam muitas semanas, 
gravemente doente daquella epidemia, e tendo tomado a resolução de se 
relirar, aproveitou o correio do dia vinte e sete de dezembro, e acompa- 
nhando-o eu deixamos aquella colonia pelas nove horas da manhã do 
mencionado dia, e viemos fazer parada às tres horas da tarde em Arroios. 
A's seis horas e meia da mesma tarde continuamos nossa viagem, e viemos 
pernoitar na praia chamada — do Dinheiro — pelas nove horas da noite. 


Dra 28.— Deixamos este pouso na manhã seguinte pelas sete horas, e 
viemos descançar ás nove horas da noite nas immediações da praia dos 
Anjos. 

Dra 29.— A's quatro horas da madrugada proseguimos na nossa der- 
rota, e às seis horas da manhã fizemos parada no porto da Villa de Baião, 
onde nos demoramos tres horas. A's nove horas da mesma manhã dei- 
xamos este porto, e às onze horas da noite descançamos abaixo da ilhardo 
Muiraba, pertencente ao districto de Cametá. 


Dra 30. — Neste lugar tivemos maré favoravel ás tres horas da madru- 
gada, que aproveitamos, e às seis horas da manhã fundeamos no porto da 
cidade de Cametá, onde nos demoramos até o outro dia. 


Dra 31. — Na noite do dia trinta e um pelas sete horas aproveitamos o 
resto da maré, e viemos pernoitar ás onze horas daquella mesma noite 
abaixo da pequena povoação de nome— Cametá-tapera. 


JANEIRO DE 1850. 


Dra 1.— Na madrugada do outro dia pelas quatro horas continuamos, 
e às onze horas da manhã entramos com a enchente pelo rio Uanapú; com 
a vasante começamos às seis horas da tarde a passar o furo do Catimbana, 
e às oilo horas da noite pernoitamos na bocca do mesmo furo deste lado. 

Dra 2.— Era uma hora da madrugada do outro dia, quando tivemos 
maré, que aproveitamos; ás quatro horas da mesma madrugada passamos 
o canal de Igarape-miri, e às onze horas e meia da manhã esperamos maré 
pouco abaixo da fazenda do proprietario João Antonio Luiz Coelho; pro- 


seguimos às cinco horas, e paramos na bocca do rio Moju às nove horas da 
noite. 


132 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


Dia 3.— Noutro dia às quatro horas da madrugada deixamos o rio 
Mojú, entramos pelo rio Acará, e chegamos ao porto desta capital ás dez 
horas da manhã. 


Bescripção gecologica do Tecantins, aspecto c dispo- 
sição pedregosa c fluvial de suas cachociras. 


Não é de certo possivel dar aqui circumstanciadamente a descripção 
geologica desta parte do Tocantins, por onde transitei, restando-me quasi 
nenhum tempo para as observações precisas, como se vê facilmente do ite- 
nerario, que apresento; todavia eu procurarei dar em poucas palavras, e 
como me fôr possivel, uma leve idéa destes terrenos, a causa de suas 
alterações, e finalmente os phenomenos produzidos por aquelles mesmos 
agentes. 


Da natureza das rochas, que caracterisam estes terrenos, se conclue, que 
toda a desigualdade do leito deste rio provêm das grandes revoluções, que 
aqui tiveram lugar em tempo remotos, e que esta mesma desigualdade foi 
tanto maior quanto mais moderna foi a catastrophe que a produziu; pois 
que vêmos todos os dias qual é a influencia da atmosphera e a das aguas a 
respeito dos objectos, que nos cercam, à qual sem duvida devemos attribuir 
o melhoramento das difficuldades que apresenta o rio Tocantins. 


A's suas numerosas cachoeiras deram causa forças plutonicas, que aqui 
influiram naquelles tempos, ora levantando em parte estes terrenos, e ora 
abrindo-lhes fendas, e expellindo do seio da terra enormes massas, que se 
vieram consolidar sobre aquelles primeiros terrenos. 


Cacrorira DO Taparuxa-Cuara.— Às argilas schistosas, isto é, aquellas 
terras que se compõem de oxido de ferro, de areia, e principalmente da alu- 
mina, as quaes por meio de uma pressão, e pela acção calorica obtiveram 
um estado de solidez, são as que caracterisam os terrenos da cachoeira de 
Tapaiuna-cuara e seus travessões. Estas rochas que nos mattos da margem 
do rio se encontram na altura de algumas braças, se prolongam por quasi 
todo o leito do rio, formando pequenas elevações, cujas partes superiores 
acabam ordinariamente em fórma de funil, e por entre as quaes correm 
differentes canaes, que servem a navegação com dependencia do nivel das 
aguas e do tamanho das embarcações. Estas pequenas elevações compara- 
das com a altura, em que se acham nos mattos da margem do rio as rochas 
que as compõem, bem denotam qual tem silo a influencia da atmosphera e 
das aguas, que decompondo estas rochas pouco a pouco, tem por entre ellas 
cavado differentes canaes, e formado do meio no rio um outro canal que é 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 133 


assás largo e profundo, do qual se servem os navegantes no tempo de 
grande sêcca. 


“CacHogIra DA GuarIBA.— Os terrenos da cachoeira denominada— da Gua- 
riba— cujo caracter e disposição pedregosa é toda differente daquella pri- 
meira, são de natureza bem diversa, e devidos não a um levantamento como 
aquelles precedentes; mas sim à expulsão de differentes rochas basalticas, 
que expellidas por forças plutonicas, abriram passagem por entre os terre- 
nos, que lhes eram superiores, sobre os quaes se vieram consolidar formando 
em toda a extensão do rio monticulos, entre os quaes se acham lagos mais 
ou menos grandes que parece haverem sido as crateras, por onde esta 
“massa sahiu a luz do dia. A disposição pedregosa é aqui de maneira que no 
tempo da sêcca se encontra apenas um estreito canal com duas entradas, o 
qual não permitte às vezes passagem alguma; por isso que as canõas são 
então obrigadas a passar pelo canal grande, entre aquelle e o chamado da 
— Vita eterna, — o que é muito trabalhoso e perigoso. Apezar da solidez 
desta rocha, ella se encontra ali bem alterada, ce em monticulos de pedaços 


desaggregados, que se apoiam uns sobre os outros, e outras theia de fendas 
em todas as direcções. 


CacHoEIRA DO TucuMANDUBA E UERAPEPOAQUIMA. — A mesma causa do le- 
vantamento da cachoeira de Tapaiuna-cuara se deve tambem a existencia 
das cachoeiras da carreira comprida do Tucumanduba e Uerapepoaquima 
que são um ajuntamento de monticulos formados pelas argilas schistosas, 
que jazem por toda a extensão do rio de uma a outra margem, deixando 
por entre si canaes diferentes, que servem conforme as aguas ao trajecto 
das canôas. Além destes multiplicados canaes, permitte a distribuição destas 
rochas um outro canal assás largo e profundo, que se acha quasi no meio 
do rio; porém que a forte corrente das aguas torna difficultoso de subir e 
perigoso de descer por causa das pedras que nelle se acham aqui e ali. O 
estado de decomposição destas rochas está bastante avançado, o que muito 
facilitará o melhoramento deste canal para o futuro. 

Além destas cachoeiras existem tambem as denominadas do Arapary, Ca- 
naná, Macanary, Chiqueiro, das quaes apenas posso dizer que as passamos 
sem difficuldade alguma ; por isso que não nos demoramos na sua passagem 
tempo algum, como se collige do meu itenerario. 


CacHogIRA DO INFERNO.— Assim se denomina a primeira cachoeira que 
se encontra da colônia de Santa Thereza para cima, cuja existencia é devida 
á erupção das massas graniticas, que compõem estes terrenos; esta é a maior 
cachoeira do rio Tocantins; porém, como se offerece o canal das Itabocas, 
ella não serve de embaraço algum à navegação. 

18 


134 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


CACHOEIRA DOS ARREPENDIDOS.— Da mesma natureza da cachoeira prece- 
dente é a cachoeira denominada— dos Arrependidos—, a qual consta de 
tres pancadas, que são outras tantas cachoeiras bem distinctas, as quaes 
porém permittem um canal assás largo e profundo para a passagem das 
canôas; aqui se não vê tambem aquelles monticulos de accumulados pe- 
daços de rochas que no tempo da sêcca tanto prejudicam a navegação. | 


Cacmorira Do TorrinHo. — De igual natureza, porém differente na sua 
disposição pedregosa é a cachoeira chamada— do Tortinho, — a qual tam- 
bem, consta como a precedente, de tres pancadas bem distinctas, que são 
outras tantas cachoeiras pouco distantes uma da outra. Na primeira destas 
pancadas uma ilhota de desaggregados pedaços de granito mais ou menos. 
redondos, como sobrepostos uns aos outros, e em equilibrio pouco estavel, 
forma dous canaes muito estreitos, dos quaes um (o do lado esquerdo) 
serve de passagem às canôas, e o qutro (o do lado direito) fica no tempo 
da sêcca inteiramente sem agua; aquelle trajecto se faz com summa diffi- 
culdade por causa da pouca largura e muita inclinação do leito deste canal. 
Na segunda e terceira pancada desta cachoeira é o canal tambem bastante 
“ estreito, porém de nenhuma extensão, e se não encontra aqui aquella dis- 
posição pedregosa fazendo uma ilha, como na primeira pancada, e sim 
como servindo de muralha às margens do rio, onde outras vezes o mesmo 
granito apresenta em todas as direcções fendas que lhe dão a fórma de 
uma conglomeração > parallepepidos irregulares, cujo estado é devido à 
influencia da atmosphera, que separando assim pouco a pouco. aquella 
rocha, a tem deduzido à aquella fórma . 

CacHorira DE José Corrka.— Depois da cachoeira do Tortinho segue-se 
a denominado— José Corrêa—, cujos terrenos são os mesmos que mencionei 
precedentemente da cachoeira do Inferno a esta parte. Aqui formam as 
cachoeiras duas pancadas, onde no tempo da sécca a descida das aguas se 
faz por uma cascata de pequeno salto, que prohibe toda a navegação, e 
obriga os navegantes a passarem suas canôas por cima de estivas de ma- 
deira collocadas nas margens do rio.. O terreno da margem occidental se 
eleva a uma altura consideravel, e-offerece em grande escala todos aquelles 
phenomenos, dos quaes já fiz menção. O Basalto compacto, o Dolerito, o 
Diorito, o Granulito, e outras muitas variedades do Granito, que caracteri- 
sam os terrenos outr'ora conhecidos debaixo do nome de terrenos primiti- 
vos, são encontrados nas immediações destas cachoeiras. 

CacroEIRA DAS IraBocAs.— À cachoeira das Itabocas, cujo caracter pedregoso 
é devido à erupção das massas, que acabo de nomear, e portanto tambem 
pertencentes à aquelles mesmos terrenos, offerece a navegação não menos 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 135 


difficuldades que todas as outras cachoeiras da mesma nalureza. À dispo- 
sicão destas rochas começa aqui tres canaes, que são: o Furo das Iabocas, 
que fica do lado esquerdo ou oriental e não dá passagem alguma no tempo 
da sécca; o Salto da Cruz, queé canal em qualquer quadra, e faz com o pre- 
cedente uma pequena ilha no tempo das aguas: a cachoeira Grande, que 
fica do lado oriental, e despeja suas aguas no canal do Salto da Cruz. A 
passagem por este ultimo canal é sempre muito difficultosa, por causa da 
sua tortuosidade, e tambem por causa de uma grande pedra alta, que se 
estende até o meio do mesmo canal, e junto da qual se acha outra pedra 
submergida, onde batendo as aguas mudam a direcção da corrente para 
contra as paredes da margem direita, onde ella se deve encontrar no tempo 
da cheia com as aguas que se despejam pelo canal da cachoeira grande, 
o que torna nesta quadra ainda mais perigosa a subida e descida das canôas 
por ambos estes canaes. O Furo das Ilabocas é o canal mais direito, e o 
unico que serve, quando as aguas permittem passagem por elle; elle é 
tambem o que com mais facilidade se pode melhorar por ser quasi suffi- 
cientemente profundo e largo, e unicamente impedido por uma parede do 
granito, que fica na sua entrada superior, a qual lhe veda a descida das 
aguas de certa parte do anno em diante. 


Modo de melhorar ou de tornar mais accessiveis estás 
cachoeiras. 


Devendo eu acrescentar aqui a minha opinião sobre o modo de melhor 
tornar mais accessiveis estas cachoeiras, (lendo a dizer, que o meio 
mais facil e economico, e aliás o mais engenhoso até agora conhecido, é 0 
que foi empregado, aqui na America para profundar os canaes de nave- 
gação em lugares, onde o leito de certos rios se achavam empeçados pelas 
rochas, como o Tocantins. Para effectuar o melhoramento destes canaes se 
estabeleceu dentro de uma barca uma arvore horisontal, cujas extremi- 
dades sahiam para fóra das bordas da barca, e tinham uma roda com remos 
mergulhada na corrente; na parte comprehendida entre as bordas estava 
a arvore guarnecida de muitas ordens de dentes 4 maneira da machina 
que serve para quebrar mineraes; na prôa da barca perpendicularmente 
ao eixo estavam dispostos pilões verticaes de madeira, cujas bases estavam 
calçadas de aço, e serviam para quebrar os rochedos; estes pilões eram le- 
vantados alternativamente pelos dentes colocados sobre a arvore das rodas 
“por alavancas situadas em uma linha pararella à arvore das rodas, entre 
os pilões e a mesma arvore. 


136 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


- Quando se queria destruir os rochedos que entulhavam o leito do rio, 
amarrava-se a barca por meio de cordas a pontos fixos situados na margem 
do rio, de maneira que os pilões correspondessem ao ponto mais baixo da 
corrente, com o que ficava a barca toda debaixo d'agua. A impulsão da 
corrente imprimia então um movimento de rotação á arvore que tinha as 
rodas e os dentes, e o choque dos pilões quebrava os rochedos, cujos pe- 
daços eram levados pela corrente do rio. A" medida que desappareciam 
estes obstaculos sc fazia subir a barca por meio das cordas para onde se 
queria; ella tambem se collocava em sentido transversal para alargar o canal, 
e um ou dous marinheiros bastavam para cuidar da operação, e manobrar 
a barca, quando ella tinha de mudar de lugar. 


Esta barca póde tambem servir para rebocar as canôas, que tem de subir 
o Tocantins, desembaraçando-a de sua bateria de pilões e substituindo a 
sua guarnição de dentes por um tambor, no qual se enrola um cabo, que é 
amarrado por cima das extremidades a um ponto fixo situado na margem 
do rio. Este tambor póde, segundo se quer, prender-se a arvore ou fazer-se 
della independente de maneira que à arvore se possa voltar no seu inferior. 


Querendo-se fazer subir um comboy, amarram-se a barca as canôas, e à 
impulsão da corrente sobre as rodas faz enrolar no tambor aquelle cabo, 
e subir a barca com o comboy; e finalmente, quando se quer fazer descer 
a barca depois de haver o comboy transposto a corrente, é bastante desen- 
rolar o cabo do tambor para que a barca desça. Esta machina se acha des- 
cripta com todos os seus detalhes em Babbage, Ecconomy of Manufactories, 
3.º edição, pag. 49. 


Tão grandes como são as vantagens que offerece esta machina, não po- 
derá ella com tudo servir no tempo da sêcca nos canaes das cachoeiras da 
Iaboca e Tortinho, onde naquella quadra não ha agua sufficiente para 
nadar a barca; nestes lugares parece então conveniente profundar e alargar 
o canal por meio do emprego da polvora, como se tem praticado na aber- 
tura de póços, galerias e outras excavações de pequenas dimensões. Este 
trabalho consiste em fazer na rocha por meio de um Íurador de ferro um 
buraco cylindrico, no fundo do qual se introduz uma quantidade de pol- 
vora de minas, a qual é variavel segundo a posição, profundidade do bu- 
raco, e posição da rocha que se quer fazer saltar. 


Como este trabalho tem de ser executado no Jeito de um rio, cujas rochas 
devem estar sempre mais ou menos humidas, e muitas vezes o buraco cheio 
d'agua; será este methodo mais certo e proveitoso e mesmo mais econo- 
mico, supprindo-se a agulheta que faz o rastilho ou canal para levar o fogo 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 137 


à polvora pelos estopins de Bichfort chamados safetyfusces, que tem a 
propriedade de abrigar a polvora da humidade por meio do seu envoltorio 
exterior, e além de serem um perfeito preservativo contra uma explosão 
prematura, offerecem a grande vantagem de com uma só vez levar-se fogo 
a um qualquer numero de buracos, em quanto que com aquelle rastilho 
se não póde levar o fogo a mais de dous ou tres buracos simultaneamente 


sem expôr os obreiros a um perigo muito grave. 

De não menos interesse para estes trabalhos são tambem os estopins do 
mesmo Bichfort chamados sump-fusees, os quaes tem servido para levar 
fogo à polvora vinte e oito pés debaixo d'agua. 


Os rios que nesta parté cngrossam as aguas do 


Tocantins, são: 


NA MARGEM DIREITA : 


Iracu.— Riacho que fica na bocca 
da ilha de nome Tancre. 
Limão. — Riacho pouco habitado. 
Maracura”.— Riacho que está de- 
fronte da ilha do Espirito Santo. 
CacnorIrINTIA. — Igarape que fica 
defronte da cachoeirinha de Mata- 
curá. 
Paros.— Igarape nas terras da po- 
voação deste mesmo nome. 
ARAPERA.— Riacho não habitado. 
Muru'.— Igarape despovoado. 
Tava'.— Riacho de nenhuma im- 
- portancia, 
Cacanxa.— Igarape despovoado. 
Ipirexca. — Jgarape defronte das 
cachoeiras do mesmo nome. 
Cuxava”. — Riacho defronte das ca- 
choeiras do mesmo nome. 
Mercavary.— Riacho defronte das 
cachoeiras do mesmo nome. 
Jacunpa'.— Igarape habitado da 
tribu selvagem do mesmo nome; diz- 
se nascer nas terras do rio Mojú. 


NA MARGEM ESQUERDA : 


Crunyo'.— Igarape habitado. 
Tapan-acu'.— Igarape habitado. 
Tasatinça. — Igarape, cujo nome 
lhe vêm do barro que elle encerra. 
Trucara".— Igarape na serra do 
mesmo nome, e habitado no verão. 


Ima Dos Santos. — Riacho sem im- 
portancia. 


Mucuroca.— Riacho que fica logo 
depois da Ilha dos Santos. 
ARARA-MIRI.— Riacho. 


ARARA-GRNDE.— Riacho sem 
portancia. 


Im- 


AraraRY.— Igarape fronteiro à ca- 
choeira do mesmo nome. 

Pucrrunr.— Igarape em cuja cabe- 
ceira habita uma pequena tribu sel- 
vagem que se suppõe pertencer a tribu 
Conp-lobos. 

RemaxsixHo.— Riacho que tem a 


sua cabeceira nas terras da colonia 
Santa Thereza. 


138 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


Producção vezetal espontanea; sua applicação ao 
consumo e à industria, etc. 


À posição desta parte do Tocantins não póde deixar de promover a ve- 
setação, à qual muito ajuda aquelle sólo que, como vimos, é bastante ar- 
giloso, e devido à formação do Granito, e das argilas schistosas, que são 
mui frucluosas à vegetação; por isso são aqui oS mattos muito vistosos e 
agradaveis. As arvores mais interessantes aqui encontradas foram as se- 
guintes: 

Acapu”.— Arvore de quarenta a cincoenta pés de altura, tres palmos de 
grossura ; folhas de duas pollegadas de comprimento e uma de largura ; 
flór pequena de côr rôxa; fructa uma fórma de um ovo, e com uma semente 
rôxa ; madeira da côr de um rôxo pardo, e excellente para construcção. 


ANGELIM. — Arvore sem espinhos, com folhas ovaes e arredondadas; casca 
parda; flôres cheirosas, de côr de purpura e azues; fructas do tamanho de 
um ovo de gallinha com um caroço muito duro, e massa venenosa; a sua 
madeira é optima para construcção. 


AcaRICUA RA.— Arvore de quarenta a cincoenta pés de altura, e tres pés 
de grossura ; flôres semelhante às da arvore Acapú, com a qual é ella muito 
parecida; madeira parda e muito resistente, e que não dá taboas por ser 
muito nodosa. 

Assacu'.— Arvore de sessenta pés de altura, tres pés de grossura, cheia 
de espinhos grossos e venenosos, e de muitos braços, que lhe dão uma cópa 
muito bonita. Dá um leite muito venenoso, que serve aos pescadores na 
falta do timbô, e hoje se emprega em certas experiencias medicas. 


Assagy.— Palmeira, cujas folhas estão dispostas em fórma de pente, e 
acabam à maneira de lança; tem cincoenta a sessenta pés de altura, e tres 
pollegadas de grossura; as fructas são redondas e prelas em um cacho pa- 
recido com uma vassoura, e dão o vinho do nome da mesma palmeira, o 
qual é aqui muito estimado e procurado; das folhas faz-se pequenos pa- 
neiros para a conducção das fructas da mesma arvore, e para outras muitas 
serventias; a mesma arvore serve na construcção de casas em vez de ripas. 


Bacasa.— Palmeira com folhas espargidas, e compridas como as de Pa- 
tauá; tem cincoenta pés de altura, oito pollegadas de grossura ; a flór é de 
côr rôxa amarellada e misturada de azul; dá fructas do tamanho e fórma 
de um ovo de cameleão, e com a casca preta exteriormente; da massa 
branca que adhere esta casca se faz o vinho de bacaba, que é bastante esti- 
mado; desta fructa tambem se fabrica um optimo azeite. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 139 


Baccuri.— Arvore alta, de quatro pés de grossura com uma cópa fron- 
dosa; fructas amarellas e maiores do que uma laranja, com casca muito 
grossa, dentro da qual se acha uma massa agridoce, de côr branca e gos- 
tosa, que cobre de dous a quatro caroços oleosos, da casca amarella desta 
fructa se faz doces, que são muito estimados; do linho se serve a cons- 
trucção nautica com certas vantagens. 


Baccuri-pari.— Arvore semelhante à precedente; porém nem tão grossa 
nem tão alta; fructas do tamanho e maiores do que um limão, e com a 
configuração das do Baccury, com casca amarella, que cobre uma massa 
branca, agridoce e saborosa, debaixo da qual se acham quatro pequenos 
caroços oleósos. 


BaunicHa,— Planta que sóbe nas arvores mais altas; dá flóres grandes 
em cachos e fructas de tres a quatro pollegadas de comprimento, e em fórma 
de bainha de espada; estas fructas seccam-se ao sol, e dão um aroma muito 
agradavel; ellas tem differentes empregos, e é genero de exportação nesta 
provincia. 


CastANHEIRA .— Arvore muito alta e frondosa com folhas do feitio de um 
coração ; casca da arvore parda e fendida; fructas redondas, dependuradas 
e maiores do que um baccury, com uma casca lenhosa e amarellada ; cada 
uma fructa contêm vinte a trinta sementes cobertas de uma casca com côr de: 
couro, dentro da qual se acha uma massa branca, que é a castanha propria- 
mente dita, a qual .é bastante saborosa assada ou feita de qualquer sorte. Ha 
no Tocantins grande abundancia destas arvores, cujas fructas fazem parte do: 
commercio de exportação desta provincia; a madeira da mesma arvore serve 
na construcção nautica; das fructas tambem se faz azeite. 


Corarsa.— Arvore de cincoenta a sessenta pés de altura, tres a quatro 
pés de grossura, com casca alvacenta, e folhas arredondadas; esta arvore: 
dá um oleo, ao qual dão o nome da mesma arvore, e é muito empregado: 
na medicina; a madeira é vermelha, e dá bom taboado. Não se encontra 
esta arvore em abundancia como a castanheira; mas sim uma aqui eoutra 
acolá, 


Cupuassu.— Arvore de trinta pés de altura, dous pés de grossura, com: 
uma cópa frondosa; as fructas são pardas, e em fórma de ellipse; a casca 
destas fructas não são muito grossas, porém são duras e ao mesmo:tempo: 
muito frangiveis; dentro desta casca se acha uma massa amarella agridoce, 
que cobre certos caróços, da qual se faz o vinho de cupuassú, que dizem. 
ser muito fresco, porém tambem bastante indigeslo. 


Jurany.— Arvore bastante alta e grossa, de cuja entrecasca se extrahe 


140 -  BIBLIOTHECA. GUANABARENSE. 


uma resina parecida com a gomma copal, e cujas fructas são nesta pro- 
vincia conhecidas debaixo do nome da mesma arvore; estas fructas são 
comiveis, porém bastante indigestas. A madeira é muito forte, e procurada 
com preferencia para a construcção de embarcações. 


Jurary.— Palmeira com folhas fibrosas e delgadas, que acabam em fórma 
de lança, e estão cheias de espinhos ; as fructas são do tamanho de um ovo 
de gallinha com uma massa amarella e amargosa, debaixo da qual se acha 
um caroço pardo, as folhas da arvore servem para cobrir casas, e os braços, 
aos quaes adhirem as mesmas folhas servem para archotes dos pescadores. 


Irav'sa.— Arvore de quarenta a sessenta pés de altura, dous a tres pés 
de grossura, e ordinariamente muito direita; lenho muito resistente, e em 
quanto novo de côr branca, que se torna depois de algum tempo vermelha. 
Dá excellente madeira de construcção. 


Ixasa'.— Palmeira de quinze a vinte pés de altura, dous pés de grossura, 
com folhas em fórma de pente, e acabando a maneira de lança, como à 
folha do Assahy, dá fructas em cachos grandes; estas fructas são cobertas 
por uma casca fina de um pardo amarellado, debaixo da qual ha uma massa 
amarella, que é comivel. Esta massa amarella envolve um caroço muito 
duro, em cujo inferior se acha outra massa, que é branca, e serve em vez 
da castanha; as folhas servem para cobrir casas, as talas a que adherem 
estas folhas servem para archotes. O caroço serve aos fabricantes da gomma 


elastica na falta do Urucury para dar consistencia à mesma gomma 
elastica. 


Jacira Ra.— Palmeira toda espinhosa, de altura de dez a doze pés, com 
uma até tres pollegadas de grossura; é muito flexivel, e por isso serve para 
tecidos de assentos de cadeiras, e para outras obras. 


Lacre.— Arvore pequena que produz uma gemma encarnada empregada 
na medicina como drastico; é uma gomma resina, porque se dissolve n'agua 
e arde no fogo. 


Mururr.— Palmeira alta, direita e vistosa, com folhas fibrosas, e pelo 
feitio de um leque; fructas grandes e redondas, cuja casca encarnada é for- 
mada por escamas rhomboidaes, debaixo das quaes se acha uma massa 
amarella, que se come, o que cobre um grande caroço duro. As folhas da 
arvore servem para cobrir casas, os braços de cujas extremidades pendem 
estas folhas servem para paneiros e outros objectos, e o tronco da mesma 
arvore tem tambem diferentes usos. 


Muruxr.— Arvore direita sem espinhos, com quarenta pés de altura, 
dous e meio pés de grossura, e vinte a trinta folhas dispostas a maneira de 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 141 


um leque; fructas redondas, pretas e doces das quaes se faz vinho. A 
madeira é molle e raras vezes se faz emprego della ; da casca da arvóre se 
faz uma tinta de côr roxa; com a qual os indios tingem a sua roupa de 
trabalho, suas redes, e as vellas de suas canôas para se conser varem mais 
tempo. 


* Proura' .— Arvore alta e direita com quarenta pés de altura, dous e meio 
pés de grossura, e uma grande cópa; dá fructas amarellas e com casca 
molle, ás quaes dão o nome da mesma arvore; dentro desta casca amarela 
se acha uma massa tambem amarella e oleosa, que envolve quatro carócos 
dispostos como os gomos de uma laranja: esta massa come-se, e por isso 
é muito estimada; a madeira é muito empregada na construcção nautica. 


Paxru'Ba.— Palmeira com setenta a oitenta pés de altura, igualmente 
grossa e com raizes que sahem para fóra da terra. A cópa se compõe de 
dez até vinte folhas; as fructas tem a fórma de uma elipse, e são consu- 


midas pelos passaros; o lenho da arvore é duro e negro, serve para taboas 
e para outras obras. 


SERINGEIRA.— Arvore com cincoenta a sessenta pés de altura, dous até 
tres pés de grossura, e casca parda; ramos largos com flóres pequenas e 
amarellas; fructas de côr verde e compridas contendo tres castanhas elas- 
ticas. O leite da arvore dá a bem conhecida seringa ou gomma elastica, 
que é dos melhores generos de exportação para esta provincia. 


Umeavu'sa.— Arvore alta, vistosa, direita e toda ôca; folhas em circulo 
no cume da arvore, e com a fórma de uma mão aberta, e em cabos de 
pouco comprimento, como as do mamoeiro; estas folhas são verdes por 
cima e brancas ou vermelhas por baixo; as fructas são pardas e em cachos, 
a raiz desta arvore, quando sêcca, dá fogo, fazendo-se-lhe um pequeno 
buraco, no qual se introduz um pedaço de madeira dura, que se faz andar 
de roda; esta fricção é bastante para inflammar o lenho daquella raiz, e 
obter-se o fogo. Tambem se diz que o leite das fructas, e a agua de dentro 


do ôco da arvore se applica com muito bons successos a certas enfer- 
midades. 


Umiy.— Arvore de sessenta pés de altura, dous pés de grossura; casca 
rôxa e fendida, flóres muito pequenas e brancas; da entrecasca da arvore 
se extrahe uma especie de breu, que serve para archotes; deste breu e da 
casca desta arvore fazem os medicos applicação às molestias pulmonares; 
a madeira da arvore é rôxa, dura e boa de construcção. 

Umany.— Arvore alta e espinhosa com folhas de uma pollegada de com- 
primento sobre um braço pouco longo ; flóres de côr amarella negra, e de 


142 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


pessimo cheiro; fructas de fórma e tamanho de um ovo de pata, cobertas 
de uma casquinha encarnada e muito fina, cuja massa amarella, que lhe 
adhere, é comivel, e envolve um caroço, dentro do qual se acha uma massa 
branca de gosto acerbo ; o lenho desta arvore é de construcção. 


Animaes e aves sylvestres; peixe do rio, sua qualidade 
e abundancia. 


Das ricas e magestosas mattas do Tocantins não se póde esperar senão 
grande abundancia tanto de animaes como de aves sylvestres ; e bem assim 
é o mesmo rio Tocantins bastante rico de peixes. Além de outros animaes 
e peixes que aqui se devem encontrar, eu farei menção daquelles que appa- 
receram durante a minha estada nestes lugares. 


ANIMAES SYLVESTRES. 


AntTa.— Animal grande de côr parda, com pelle grossa, e em quanto 
pequeno malhado de branco; tem sete dentes quadrangulares, seis dentes 
incisorios e dentes maiores caninos, e uma tromba larga e muito movel; 
tem pernas curtas com quatro unhas nas patas de diante, e nas de detraz 
falta-lhe a unha exterior : este é o maior animal quadrupede que se en- 
contra nos mattos desta provincia; domestica-se em quanto pequeno a ponto 
de se deixar acariciar; a sua carne come-se. 

Cariv'ara.— Animal pertencente à familia dos roedores : d'entre os quaes 
é elle o maior que se encontra nestes mattos : tem o focinho grosso e asse- 
dado o pello: é sem rabo, e traz nas patas uma especie de nadadoras com 
que nada ligeiramente; faz de noite uma terrivel vozeria: sustenta-se de 
hervas, vae em bandos ás roças, onde faz grande estrago. A carne come-se. 

Curia. — Animal quadrupede, pouco mais ou menos do tamanho de uma 
lebre, com cabellos amarellos, assedados, compridos e deitados de diante 
para traz: corre com summa ligeireza, a sua carne é branca e come-se: do 
couro se faz optimo calçado. 

Cucnru'.— Macaco de côr preta: cabellos compridos e deitados: cauda 
muito longa e cabelluda, o que lhe dá a serventia de espanador : domesti- 
ca-se facilmente: a carne come-se. 

Guariga.— Especie de macaco grande de pello comprido, preto, deitado 
e luzente: mãos e metade do rabo pardos; é animal mordaz ; traz os filhos 
nas costas; corre com elles sem difficuldade alguma pelos ramos das ar- 
vores. Ajuntam-se de dia e fazem uma terrivel vozeria que se ouve á uma 
grande distancia. A sua carne come-se. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 143 


Lontra. — Amphibio de tres pés de comprimento, e um pé de altura, 
bastante delgado e de focinho nú; pello de côr negra avelludada, e o mais 
precioso; orelhas curtas e cauda larga. Encontra-se em bandos pelo-rio; 
sustenta-se do peixe, e em quanto pequeno domestica-se. 


Mucura.— Quadrupede maior do que um gato, e parecido com um rato; 
a cauda é quasi do comprimento do mesmo corpo, cuja côr é de um pardo 
sujo. Não despreza comida alguma ; entra furtivamente nas casas de campo 
para apanhar ovos e gallinhas. No inverno torna-se, segundo se diz, toda 
branca e muito gorda, e então é a sua carne mais estimada... 


Onça. — Quadrupede grande e quasi do: tamanho de um tigre; é a maior 
e mais perigosa féra desta provincia; assemelha-se em todas as suas partes 
a um gato. O seu atrevimento, a sua ferocidade, grandeza e belleza me- 
recem attenção; faz grande estrago no-gado, matando e-conduzindo-o para 
perto do seu covil, onde o consome; esta féra mal atirada avança-se ainda 
mais feroz para o caçador, que é muitas vezes victima do: seu erro. Escon- 
de-se astutamente detraz dos troncos das arvores, e oppõem-se obstinamente 
a qualquer acommettimento ; nada excellentemente; pesca na margem do 
rio, onde faz pescas incriveis. O seu couro é muito estimado e serve 
para differentes obras. Raras pessoas comem a sua carne. 


Porco Do matro.— Quadrupede: do-tamanho: do: porco domestico, ao qual 
elle muito se assemelha; é de côr parda com a queixada inferior branca; 
tem dous grandes dentes incisorios, e orelhas em pé com tres pollegadas. 
de comprimento. Anda em bandos, e é o porco que se encontra com mais 
frequencia; defendem-se mutuamente rodeando os caçadores e os cães, e 
mordendo-os : tem o rabo curto e de duas pollegadas de comprimento; a 
sua carne é muito: boa comida. 

Paca.— Animal de dous pés de: comprimento, com pello curto, pardo e 
malhado de branco nos lados. Vive nos buracos que faz debaixo da terra 
para sua habitação, onde é procurado; ordinariamente é apanhado no 
rio, para onde foge tanto que sente os caçadores; domestica-se, porém nunca 
se esquece do: matto.. 

Tarmru'. — Especie: de: porco: com sedas brancas e pretas com: pontas 
amarellas, e uma colleira. branca no pescoço ; é quasi do tamanho do porco 
do matto, e tambem. de cauda curta como aquelle; domeslica-se a ponto-de 
acompanhar a gente como um cão;:a carne é- muito boa. 

Taru'. — Mammifero da familia dos desdentados; tem a: cabeca seme- 
lhante a do porco com orelhas grandes; é couraçado por todo o corpo; 
tem a cauda pouco-mais curta do que o corpo-e com nove anneis ; o escudo 


144 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


do corpo é de côr parda e branca nos lados; a pelle da barriga tem poucos 
cabellos, e é branca; a carne é muito gostosa e estimada. Habita nos bu- 
racos em que faz para sua morada. 


Veapo vERMELHO.— Quadrupede parecido com uma cabra; é cabelludo 
e de côr vermelha; a cauda é ainda mais cabelluda do que o corpo; a 
sua carne é muito boa, e por isso faz este animal objecto da caça; do couro 


se faz calçado: é o veado que se encontra com mais frequencia nestes 
maitos. 


VraDO BRANco.— Animal da figura do precedente: porém de côr branca; 
é da mesma utilidade que o veado vermelho. 


AVES SYLVESTRES. 


Arara .— Especie de papagaio grande com um rabo muito comprido ; 
domestica-se facilmente, porém não aprende a fallar; anda em casaes e 
raras vezes mais de seis a oito; não desce ao chão por ser muito pesada, 


e approxima-se unicamente das arvores e das palmeiras: a sua carne 
come-se. 


Cususy.— Ave do tamanho de uma gallinha pouco mais ou menos, de 
côr parda com listas brancas e pretas no pescoço, e na cabeca : bico curto 
e pernas compridas; é de boa carne. 

CaripirA.— Ave do tamanho de um Urubú, de côr branca, muito des- 
confiada; vive em casaes e põe dous ovos brancos malhados de verme- 
“lho: vôa constantemente com summa facilidade junto d'agua para descobrir 
a presa, e gasta desta maneira todo o dia, sustenta-se do peixe, e não per- 
segue as oulras aves. 

Garvora.— Ave do tamanho de uma pomba; vôa com grande facilidade : 
sustenta-se do peixe, põe ovos pintados de branco e preto, do tamanho 
do ovo de uma gallinha. 

Jacamix.— Ave de um pé de altura ; cabeca e pescoço preto avelludados, 
dorso com pennas de um verde-negro, peito com pennas pretas e luzentes; 
domestica-se e come-se a carne. 

Jacu”. — Passaro de côr parda com pennas brancas no peito, crista 
branca com riscas pretas ao comprido do corpo, pescoço avermelhado; é 
quasi do tamanho de uma gallinha; faz ninho nas arvores, e põe tres 
ovos brancos, sustenta-se de muitas fructas ; domestica-se facilmente e a sua 
carne é gostosa. | 

Murum.— Ave quasi do tamanho de um perú, bico encarnado, pennas 
pretas, crista com duas pollegadas de comprimento, preta, crespa, e muito 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 145 


luzente. Domestica-se facilmente, e é muito estimado por causa da sua 
belleza; a sua carne é boa. Tambem se encontra nestes mattos o Mutum- 
pinima, que é todo pintado e ainda mais bonito do que aquelle. 


Tucaxo.— Ave do bico muito comprido, arqueado e pintado, azas e pés 
curtos, rabo inflexivel e curto, pennas pretas da côr de carvão, domesti-. 
ca-se e sustenta-se de fructas; a carne come-se. 


PEIXES DO RIO. 


Arau'Na”.— Peixe escamoso e comprido, carne branca, cheia de espinhos 
e gostosa; não ha aqui em abundancia, porém sempre é encontrado mais 
ou menos. 


Barsapo.— Peixe de pelle, de dous pés de comprimento, e semelhante 
á piramutaba; a carne é branca e boa comida ; néao se encontra este 
peixe com abundancia. 

Curimata'.— Peixe de dous pés de comprimento, com escamas e seme- 
lhante a uma tainha; a sua carne é de côr rôxa e cheia de muitas espinhas, 
e boa de comer; ha grande abundancia deste peixe e é encontrado em 
qualquer estação do anno. 


Dourapa.— Peixe de pelle com nadadores espinhosos, côr como que 
dourada, donde lhe vêm o nome: a sua carne é branca, muito boa para se 
comer. 


Marara'.— Peixe de pelle lisa com o comprimento de um pé, e quasi 
sem espinhas, carne branca e gostosa : abunda em uma certa parte do anno, 
as vezes o anno inteiro, e as vezes desapparece de um a dous annos; ven- 
de-se salgado e sécco no mercado. 


Paco”. — Peixe pequeno, escamoso e com muitas espinhas compridas ; 
carne branca que dá um mão cheiro depois de cosida: por isso não 
serve senão na falta de outros alimentos. 


Prrartcu.— Peixe gigantesco de tres a cinco pés de comprimento, e al- 
gumas vezes do peso de alguns quintaes, com grandes escamas e uma cabeça 
aspera : a largura tem o comprimento de sete pollegadas, e por isso serve 
em vez de relador da substancia Guaraná e de outras. Diz-se que ha 
abundancia deste peixe no Tocantins, porém nós só o vimos uma vez. 


Puraqué.— Peixe com o feitio de uma cobra, sem escamas, nem nada- 
dores: cabeça lisa, a sua propriedade mais notavel a de ser electrico, e o 
seu choque tão forte que tem privado dos sentidos as pessoas desprevenidas 
que lhe tem tocado. Diz-se que esta sua propriedade tem servido para curar 
paralysia. Muita gente gosta da carne de peixe, 


146 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


Prrarsa.— Peixe de pelle, grande, e de peso de algumas arrobas; carne 
branca e boa. 


Tucunaré. — Peixe pequeno, escamoso, e do tamanho de uma tainha, 
com poucas espinhas, carne branca e muito gostosa. Abunda quasi todo 
o anno. 


TarxHa — Peixe de dezeseis pollegadas de comprimento, escamoso, carne 
branca e muito boa. Ha grande abundancia durante uma certa parte do 
anno ; vende-se salgado no mercado. 


Tara. — Peixe escamoso do tamanho de uma tainha, carne branca 
e muito boa: porém muito cheia de espinhas. Apparece sempre, porém 
punça em abundancia.. 


j 


UMA RESPOSTA. 


Nims. Snrs.— Sendo quasi nenhumas as investigações por mim feitas 
nesta provincia, só mui mal poderei satisfazer aos desejos de VV. SS. a 
respeito da sua mineração: todavia para preencher um dever levarei ao 
conhecimento de VV. SS., conforme me fôr possivel, os resultados daquellas 
mesmas indagações, e bem assim tudo. o mais que se faz myster. — 


Depois de grandissimas dificuldades consegui do governo desta provincia 
alguns meios para durante tres mezes me occupar com a investigação 
mineralogica (N. B. outro termo que não seja mineralogico ou mineral aqui 
ninguem entende) dos suburbios das villas denominadas — Vigia e Villa 
Nova d'El-Rey,— d'onde me haviam sido enviados mineraes de cobre e 
ouro, cujas existencias, quanto a mim, mereciam exames. As invesligações 
nos arrabaldes da villa da Vigia foram mal succedidas, por me fugir o 
indio que tinha feito o achado daquelle mineral de cobre, o que temendo 
ser assassinado pelos moradores daquelle districto, quando me mostrasse 
o lugar que buscavamos, se evadio depois de nos haver feito dormir no 
matto muitas noites. As investigações dos. districtos da Freguezia Nova 
d'El-Rey tiveram porém melhor successo, pois que ellas me conduziram 
aos terrenos auriferos adjacentes ao Igarape de nome Pará-mabú, que é 
um braço do rio Mará-pinima, cuja lavra promelte grandes vantagens, 
como participei ao governo desta provincia em Dezembro de 1847, quando 
me recolhi destas. invesligações.— Estas. são: todas. as investigações, nas 
quaes tenho sido empregado, por se me não haver mais prestado meio 
algum; comtudo, estou bem convencido de que se encontrará mais ri- 
quezas mineraes nesta provincia :: sendo-me porém os sertões della in- 
teiramente desconhecidos, me é impossivel marcar aqui lugares mais van- 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 147 


tajosos que o já mencionado. Todos os dias ouvimos dizer que este e 
aquelle lugar contêm ouro, e não podemos duvidal-o, apparecendo este 
mineral unicamente em estado nativo ou metalico, no qual é conhecido 
de todos, e principalmente tendo elle sido sempre encontrado nas demais 
provincias deste imperio. Mesmo o Exm. Snr. Conselheiro Presidente 
desta Provincia, Jeroymo Francisco Coelho, em seu discurso ultimo á 
Assembléa Legislativa Provincial fez menção de algumas noticias que em 
tempos remotos se deram a este respeito ao governo de então, o qual não 
mandava lavrar as nossas minas com medo dos estrangeiros, o que era 
fraqueza acrysolada ; pois é inquestionavel, que cada povo tem direito às 
riquezas do seu paiz, e se a ambição de outro o fórça, de certo tem elle 
direito a uma resistencia em tudo conforme com o direito das gentes (Para 
o bom ententedor poucas palavras bastam). Na verdade ignorava aquelle 
governo que sómente por causa de metaes preciosos seria mais vantajoso 
ao estrangeiro apossar-se da mina do Potosi, a mais rica das cordilheiras 
peruvianas, descobertas em 1545, da qual em bem pouco tempo se extrahiu 
tantos metaes preciosos, quanto a Europa não possuia antes da descoberta 
da America ou das de Bolanos, Batopilas, Gromberite, Rosario, Pachura, 
Moran, Zellepu, Chihuana e outras do Mexico, que gozavam sempre de 
uma antiga e justa celebridade e que segundo Mr. de Humboldt inunda- 
riam a Europa de metaes preciosos, se as lavrassem competentemente. 
Todos os dias vêmos finalmente os nossos indios vender ouro em pó, o 
que tudo leva a crêr que a mineração é nesta provincia extraordinaria- 
mente grande. — Quanto ás vantagens que offereceria a nossa mineração, 
poderiam ser muitas, como por exemplo, ser a sua producção) uma ri- 
queza para a provincia, como é para muitos paizes da Europa a producção 
de suas minas a sua maior riqueza); um e mais generos de exportação para 
o nosso commercio, conforme ganhassemos um ou mais productos); 
occupação para muita gente, como acontece em quasi toda a parte da 
Europa, onde as minas occupam milhares de pessoas que de outra sorte 
não poderiam ali ganhar suas vidas e de suas familias. Certamente, que 
se as minas fossem de nenhuma utilidade nem ellas se conservariam desde 
o duodecimo seculo até hoje no Reino da Saxonia, que lhes deve tanta 
celebridade, nem tambem comprariam os Inglezes as minas de Gongo- 
Sôco por 83760 libras sterlinas, adiantando mais 2183 libras para desta 
quantia se tirar os quintos, que impõe a lei. Só a sua reconhecida uti- 
lidade faria conservar, ha oitenta e quatro annos, a Academia de Freiberg, 
e criar tambem em Paris, St. Petresburgo, Madrid, Clausthal, Berlin, 
Chemmitz novas Academias destas sciencias com o que se não gasta pe- 
quenas sommas. Finalmente, para ellas merecerem a nossa mais seria 


1148 : BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 

attenção, basta conhecer qual a sua influencia na nossa, quaes os ser- 
viços por ellas prestados à humanidade; pois que só ellas poderiam for- 
necer ao homem os seus mais necessarios utencilios, à agricultura os seus 
instrumentos, à industria todcs os seus engenhos, às longas viagens no 
mar ou no continente toda a sua possibilidade; às sciencias de obser- 
vação os instrumentos de precisão necessarios aos sabios, aos prazeres 
intellectuaes, à imprensa toda a sua existencia, etc. — Passando á maneira 
de as conseguir, direi que seria preciso fazer investigar mineralogicamente 
esta provincia por homens professionaes, como, por assim ser necessario, 
se pratica em todas as mais nações, e se faz hoje nos Estados-Unidos da 
America, onde se tem feito ultimamente importantes descobertas ; pois 
que seria muito extenso dar aqui o methodo para estas investigações: 
comtudo, como em qualquer livro das Lavras de Minas se acham as 
explicações necessarias, me referirei a este respeito ao cap. 2.º do tomo 1.º 
dos Tratados das Lavras de Minas por Mr. Ch. Combes. — Satisfazendo 
assim, como me é possivel os desejos de VV. SS., patentes em seu honroso 
officio de-19 do corrente; ácerca das vantagens da mineração desta pro- 
vincia, e da maneira de as conseguir, offereço o meu pequeno prestimo 
para: quanto fôr a beneficio deste paiz. 


Deos Guarde a VV. SS. Pará, 28 de Janeiro de 1849. — Tlm. Snr. Pre- 
sidente e Membros da Commissão encarregada de apresentar ao Governo 
Provincial uma Memoria sobre o estado do Commercio e Agricultura da 
Provincia. — Manoel de Sousa. 


SECÇÃO DE MINERALOGIA E GEOLOGIA: 


NOTICIAS. — MINERALOGIA 


Tendo recebido e examinado algumas substancias mincraes de varias 
localidades do Brasil, vou dar uma breve noticia ácerca destas substancias, 
insistindo particularmente sobre as mais importantes pelos seus usos m- 
dustriaes. 


Provixcia Do Rio GRANDE DO Su. — Sulphureto de ferro crystallisado da 
especie Sperkises, das camadas carboniferas do Serro do Roque. 


FERRO OLIGISTO LITHOIDE, em geodes de crystaes lenticulares, e hydratos 
de ferro: amostras tiradas de um deposito d'Arkosias que fica a leste do 
Serro do Roque. Desta mesma localidade vieram amostras de concreções e 
stalactictos ferruginosos, o que indica em geral a riqueza do jazigo. 

Hyproxinos DE reRko. — Amostras de mineraes de ferro em grãos, do 
Valle do Curral alto, e margens do Jacuhy. Estas amostras vieram acom- 
panhadas com outras de grês muito ferruginosos, calcedonias e seixos 
rolados de diversas especies, que attestam a origem alluviana destes de: 
positos. 


Leenxrros. — Das visinhanças do Serro do Roque. O collector destas amos- 
tras sendo homem intelligente e conhecedor da materia, não se contentou 
em apanhar a esmo algumas amostras; colheu e enviou com as deste com- 
bustivel fossil, todas as amostras de rochas e mineraes que podiam dar idéa 
da idade do deposito, e mesmo de suas circumstanciaes especiaes, forne- 
cendo assim indicações preciosas por meio das quaes o geologo póde com- 
párar estes depositos com os analogos ja estudados em outros paizes; for- 
necendo assim alguns dados de grande valor para o adiantamento da 
sciencia. Da superficie e das partes profundas do deposito, até onde poude 
levar os seus exames, das rochas visinhas, e das camadas que alternam 
com o combustivel, colheu mais de 4) amostras, das quaes mencionarei 


somente os gres, as argilas variegadas e carbonaceas, schistos betuminosos; 
; 20) 


150 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


ampelito, calcedonias, etc., e finalmente alguns fragmentos de madeiras 
fosseis que parecem pertencer à familia das coniferas (*). 

Lecxrro.— Das faldas da Serra do Herval. Estas amostras tambem vieram 
acompanhadas com outras dos terrenos visinhos do deposito Lenhitifero 
desta localidade, e entre estas algumas de schistos betuminosos asphalticos 
mui ricos em betumes. | 

Lecxrro.— Da fazenda das Pederneiras, pertencente a Manoel Velloso 
Rebello, na bacia do Jacuhy junto ao Rio Pardo. 

CaLcargos. — Muitas amostras de calcarcos mais ou menos puros, alguns 
com sufficiente dureza para poderem servir para canfarias ou marmores, a 
leste da casa do Curral alto. 

KaoLix — Resultado da decomposição de arkosias mui feldipathicas, das 
faldas do Serro do Roque. 

Jaspr vistaDo.— Dos depositos de calcareos, nas visinhancas da casa do 
Curral alto. 

Provincia DE Mixas. — Bellissimos crystaes de ferro oligisto, e amianto, 
do Morro d'agua, nas visinhanças do arraial do mesmo nome em Cattas- 
altas. 

Prauny.— Crystal de rocha, kaolin, calcareos e stealito. Estas amostras 
não trouxeram indicação das localidades. 

Provincia DO Pará.— FERRO SULPHURETADO, Pyrites da especie Sperkises. 
A pessoa que mandou a amostra affirma que esta substancia existe em 
abundancia no lugar onde foi encontrada. Na verdade esta substancia 
tem. pouca importancia pelos seus usos, mas não deixa de ter algum valor 
como um bom indicio da existencia de outros mineraes metalliferos mais 
aproveitaveis nas artes, ou de depositos de combustiveis. 

Carvão DE Prora.— Das margens do rio Sacoré perto do rio Trombetas, 
a 8 leguas de distancia da villa de Obidos. 

Examinando-se a pequena porção de amostras que vieram desta locali- 
dade, conhece-se pela textura e brilho differente que apresentam, que estas 
amostras deviam ter sido colhidas em terrenos, ou talvez em camadas diffe- 
rentes. Em consequencia desta indicação, submetti cada amostra separada- 
mente aos ensaios, e estes confirmaram a minha conjectura. 

Algumas destas amostras tem pouco brilho, sujam os dedos e tem um 
cheiro semelhante ao carvão vegetal; as outras são mais brilhantes, mais 
compactas, e friccionadas dão um cheiro de bitumes. 


(”) A pessoa a quem me refiro é o Snr. F. A. de Vasconcellos Cabral. Este Snr. presenteou 
“O Museu Nacional com 1144 amostras de mineraes e rochas da provincia do Rio Grande do Sul, 
colhidas e escolhidas por elle com o zéio e intelligencia de um verdadeiro geologo. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA., 151. 


Às da primeira especie ardem vagarosamente ao ar livre, mas conservam 
a brasa. por algum tempo, sem fumo nem cheiro betuminoso, cobrindo-sc 
de cinzas brancas, as quaes, depois de frias, tomam uma côr avermelhada 
devida a argilas, ou antes a grês argilo-ferruginosos misturados com o com- 
bustivel. Carbonisadas deram um coke sem alteração de fôrma, e uma 
perda insignificante pela dislillação das materias gazosas. A quantidade 
de cinzas excedeu a à por cento. 
“As de segunda especie ardem vivamente ao ar livre, com pouco fumo, 
cheiro betuminoso, e quasi sem residuo de cinzas. Carbonisadas deram um 
coke mal reunido, pequena quantidade de betumes, desprendimento de 
gaz hydrogenco, etc. A distillação produziu uma perda de 20 por cento. 


Nem uma nem outra destas especies incha, se aglutina pela acção do 
calor, nem apresenta o mais leve indício de contérsulphuretos. 


O resultado destes ensaios parece autorisar a classificação das amostras 
do combustivel mineral do Pará como carvão de pedra sêcco, e carvão de pe- 
dra magro ; convindo esta ultima denominação à segunda especie, e a outra 
à primeira. 

Ambas as especies pódem por tanto ser applicadas com proveito na maior 
parte dos usos em que se emprega o carvão de pedra carbonisado ou coke. 

Provincia DA Bagra.— Carvão DE PEDRA, das visinhanças do Engenho 
Clonia. 

Foi examinada uma pequena amostra de carvão de pedra desta localt- 
dade, que veiu acompanhada por outras muito mais volumosas colhidas 
nos lugares visinhos, taes como schistos argilo siliciosos, schistos betumi- 
nosos, e calcareos betuminosos mui rico sem betumes. 

A amostra de carvão de pedra apresenta os seguintes caracteres physicos : 
structura lamellar; lamellas um pouco curvas; fractura conchoide em um 
sentido, e produzindo esquirolas irregulares em outro; muito dura em 
massa, porém os fragmentos miudos redluzem-se facilmente a um pó preto 
sem brilho, entretanto que os fragmentos grandes tem um brilho negro 
notavel e levemente irisado; suja os dedos, mas não manifesta nenhum 
cheiro pela fricção. Peso especifico 1,47. 

Ardeu mui lentamente ao ar livre, sem chamma, e quasi sem fumo, sen- 
tindo-se um leve cheiro de betumes; brasa pouco brilhante, passando a 
vermelha obscura que se exlinguia em breve tempo. 

Para avaliar-se a quantidade de cinzas foi posto um pequeno fragmento 
pesado em capsula chata em um forno de vento. No fim de 6 horas de 
calor intenso, consumiu-se lentamente deixando em residuo tres e meio 
por cento de cinzas, compostas d'argilas, oxidos de ferro e carbonato de 


152 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


cal. Nesta operação o fragmento ardeu no principio mui lentamente; depois, 
animando-se por augmento da corrente dar, começou a arder mais viva- 
menie com chamma curtissima e pouco brilhante, pouco fumo e cheiro 
betuminoso. Em ambas as experiencias, quando a acção do calor se foi 
tornando muito intensa, separam-se algumas esquirolas, porém sem se 
eduzirem a pó; tambem não houve fusão, nem agglutinação. 

Submettendo-se à distillação um outro fragmento da amostra de carvão, 
resultou desta operação, além de agua, gazes e betumes, um coke não 
agglutinado e conservando pouco mais ou menos a fórma que tinha o frag- 
mento antes da distillação, e uma perda de perto de 16 por cento em peso. 
Em nenhum dos ensaios se apresentou o mais leve indicio da existencia 
de sulphuretos de ferro. 


E" mui difficil fazer distincções perfeitas, e que satisfaçam a todos, entre 
o grande numero de especies e variedades dos combustiveis que se encon- 
tram nos terrenos de transicção e secundario: qualificaria a amostra exa- 
minada como um anilracito commum, seguindo a classificação de Berthier, 
se todos os seus caracteres fossem identicos aos que indica este autor; mas 
como isto não acontece, denominal-o-hei carvão de pedra magro, seguindo 
a classificação de Karsten, porque esta denominação indica perfeitamente 
os seus usos metallurgicos. Finalmente, como quasi todo o carvão de pedra 
que se consomme no Brasil vêm de Inglaterra, para que se possa comparar 
o da Bahia com alguma das especies conhecidas nos nossos mercados, direi 
que o desta provincia olferece grande analogia com o Splint-coal dos 
Inglezes. 

Se o carvão de pedra examinado tem o defeito de arder com difficuldade, 
em compensação tem a vantagem de não coniér pyrites. E' provavel, como 
acontece em muitas minas deste precioso combustivel, que mais profunda- 
mente elle se torne mais gordo, e por tanto mais proprio para ser empre- 
gado em maior numero de usos; é possivel tambem que se encontre mis- 
turado com pyrites em eutras camadas; mas, como nem a amostra do 
carvão de pedra do Engenho Clonia, nem as outras que se encontraram no 
mesmo deposito, contêm o menor atomo de sulphuretos de ferro, póde 
considerar-se isto como um excellente indício de que não se encontrará 
esta substancia nociva, ao menos no deposito donde foram extrahidas estas 
amostras. 


Provincia DE S. PauLo.— ANTHRACITO E SCHISTOS BETUMINOSOS dos terrenos 
gomprehendidos entre os rios Capivary, Tieté, Pederneiras e da Onça, na 
quarta comarca da provincia de S. Paulo. ' 

“* Por ordem da presidencia desta provincia foi encarregado o Snr. Dr. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 153 


Carlos Rath, naturalista Allemão, residente na mesma provincia, de fazer 
explorações geologicos com o fim de examinar certos depositos de combus- 
tiveis que se dizia existirem em alguns lugares da referida comarca. 


O mencionado naturalista fez um exame tão minucioso quanto lhe 
permittiam os fracos meios de que podia dispôr, e dirigiu ao governo pro- 
vincial uma extensa memoria com o titulo de— Formação do carvão de 
pedra na quarta comarca da provincia de S. Paulo, memoria que foi acom- 
panhada de uma collecção a mais completa possivel das rochas que caracte- 
risam os depositos carboniferos; pretendendo além disto haver descoberto 
minas de ferro, cobre, mercurio, e tal gemma nos lugares mencionados na 
sua memoria. 


Deste grande numero de amostras, apenas vieram nove; destas, 6 foram 
colhidas perto do rio Capivary, e 3 no Tieté. As tres desta ultima locali- 
dade, e 4 da primeira, são simplesmente schistos betuminosos, alguns con- 
tendo fragmentos de carvão vegetal, e em geral grande quantidade de sul- 
phuretos de ferro. 


As duas restantes, colhidas nos terrenos visinhos às margens do rio 
Capivary, podem ser classificadas entre as variedades d'anthracito analogas 
ao Konlenblenda de Werner, porém muito impuras por conterem sulphu- 
retos e sulphatos de ferro, argilas, graphito, etc. 


Esta classificação foi feita em consequencia das indicações fornecidas 
pelos caracteres physicos e chimicos das amostras, e são as seguintes : 


Substancia de um negro brilhante, sêcca ao tacto, facilmente reduzivel 
a um pô fino e brilhante com cheiro de carvão vegetal. 


Ao ar livre arde com extrema difficuldade, brasa vermelha obscura apagan- 
do-se subitamente desde que cessava a acção do calor ; estallando em frag 
mentos tenuissimos; combustão sem chamma nem fumo; cinzas em quan- 
tidade insignificante e de côr avermelhada; cheigo vehemente de gaz acido 
sulphuroso, apparecendo em alguns pontos uma luz fugaz, resultado da 
inflammação do hydrogeneo. 

Submettido à distillação não produziu betumes nem gazes, deixando algum 
enxofre sublimado, e em residuo um coke poroso, graphito, argila e oxidos 
de ferro. 


Outros mineraes e rochas da provincia da Bahia. — Substancias mincraes 
colhidas na provincia da Bahia pelo Snr. capitão do corpo d'engenheiros 
Marcolino Rodrigues da Costa. 


Ferro hydroxidado, da estrada do rio das Contas até à lavra Diamantina, 


154 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


Ferro oligisto lamellar, da serra da Gameleira, perto do rio das Contas, 
e do districto da villa do mesmo nome. 


Ferro micaceo, do Andrahy, districto da villa de Santa Isabel do Para- 
guassu. 


Talschisto decomposto com crystaes de sulphureto de ferro, do rio das 
Contas, perto da fazenda dos Castros. 

Schisto argilo-silícioso, proprio para servir de pedra d'affiar, na fazenda 
do Mucambo, districto da villa de Santa Isabel de Paraguassú, 


Steatito, do rio das Contas. 


Sulphato d'aluminia com sul phato de ferro, misturado com argila e areia, 
do rio das Contas. 


Kaolin puro, e kaolin impuro, do mesmo rio. 


Quartzos hyalinos de varias córes, de Santo Antonio da Cruz, nas margens 
do rio Pardo. 


Marmores branco sacharoide, cinzento, côr de rosa, preto, jaspeado, etc., 
de varias localidades do districto de Santa Isabel do Paraguassú e rio 
Pardo. | 

Ouro em quartzo, da Chapada. 

Areias diamantinas, ferro oligisto, magnetico e fitanifero, com turma- 
linas, zirconeo, etc.; cascalho da formação diamantina da mesma Chapada. 

Areias saliferas, da freguezia do Olho d'Agua, do terreno comprehendido 
entre o rio das Contas e outros lugares, occupando uma superficie conhe- 
cida de 168 leguas quadradas. 

Provincia DA Bagia. — À pequena quantidade de amostras que vieram 
a primeira vez do deposito carbonifero encontrado nas visinhanças do 
Engenho Clonia, e a respeito das quaes dei uma succinta conta na pri- 
meira parte destas— Noricias,— fez pedir uma maior quantidade, exigin- 
do-se ao mesmo tempo todas as informações que fosse possivel obter ácerea 
do jazigo carbonifero, das localidades, finalmente de tudo quanto podesse 
dar idéa das circumstancias geognosticas do mesmo jazigo. Recebeu-se um 
caixote contendo um grande numero d'amostras; porém infelizmente desta 
vez limitavam-se a numerar os papeis*onde vinham embrulhadas as amos- 
tras, ficando assim em plena ignorancia a respeito da localidade, e se todas 
as amostras foram acolhidas no mesmo ou em lugares differentes, se super- 

“ficial ou profundamente! Entretanto são bem patentes as conveniencias 
destas informações, sobretudo quanto se trata de combustiveis fosseis que 
são hoje a alma da industria e do commercio. Limito-me portanto a dar 
uma breve conta da natureza mineralogica das amostras recebidas. 


a 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 155 


ROCHAS E MINERAES. 


N. 1. Schistos betuminosos contendo pequenos crystaes de pyrites. 

N. 2.— Calcareos betuminosos contendo fragmentos de ferro carbonatado 
e peroxido de manganez. 

N. 3. — Calcareo carbonifero schistoso. 

N. 4.— Calcareo carbonifero contendo finissimas camadas de carvão 
fossil e graphito. 

N. 5.— Grês cerbonico de cimento calcareo com mica preta. 

N. 6.— Nodulos de betumes analogos ao asphalto. 

N. 7.— Ferro oligisto lamellar. 

N. 8.— Tres especies de combustiveis fosseis: 


1.º Especrs. — Duas pequenas amostras identicas a que veiu da pri- 
meira vez, e que foi classificada como carvão sécco, analogo ao Splint-coal 
dos Inglezes. Não contêm sulphuretos, e a sua possança calofirica é um 
pouco superior ao desta especie. 


2.º Esprcir.— Carvão schistoso. — A amostra desta especie contêm pe- 
quenas lamellas e erystaes da pyrites côr de ouro, denominada— mar- 
cassita ;— arde facilmente com chamma curta; pouco fumo, e lança um 
cheiro betuminoso e sulphuroso : possança calorifica um pouco superior ao 
de carvão de lenha compacta. Deu um coke pouco poroso, com perda de 
18 por cento das materias destilladas, e 3 por cento de cinzas compostas 
de cal e argila. , 


3.º Espectg.— Carvão compacto. — Veiu um grande numero de amostras 
desta especie de dificil classificação, por quanto ellas apresentam alguns 
caracteres communs a diversos generos de combustiveis fósseis. Todas as 
amostras desta especie se assemelham a fragmentos de cascas e de troncos 
de madeiras fortemente carbonisadas; e a este caracter exlerior, que as 
approxima dos legnitos, se ajunta a circumstancia de continuarem a arder 
depois d'extincla a chamma, como acontece à brasa das lenhas ; circums- 
tancia que pareceria insignificante para a determinação das especies se 
nella não fundasse Cordier um dos principaes meios de distincção entre 
o verdadeiro carvão de pedra e certos legnitos de textura compacta. Porém 
os verdadeiros legnitos lançam um fumo negro de um cheiro em extremo 
desagradavel, grande chamma que se manifesta desde que o combustivel 
se acha rubro, perde mais de metade do seu peso pela carbonisação, 
mesmo nas melhores especies, etc. Poder-se-ia tambem comprehender 
esta terceira especie na subdivisão dos anthracitos (Glanzkolhe) que Werner 
denominou carvão de madeira fossil ou mineralisada, se se attendesse a 


156 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


um pequeno numero de caracteres; porém o resultado do ensaio deu a 
conhecer que ella se aproxima mais do carvão gordo do que do anthracito, 
e mesmo do carvão magro (*). 


Exsaro. — O carvão fossil desta especie arde lentamente no princípio, 
porém depois abra-se uniformemente cof chamma longa alaranjada, le- 
vemente azulada em alguns pontos; fumo negro, cheiro betuminoso vehe- 
mente, sendo tambem sensivel um leve cheiro sulphuroso devido á mistura 
intima de sulphuretos em quantidade muito insignificante e não visiveis 
pela simples inspecção das amostras. Pela carbonisação a fogo vivo pro. 
duziu perto de 70 por cento de coke com augmento de volume, agua, gazes 
e alcatrão; queimado ao ar livre deu 5,5 por cento de cinzas; possança 
calorifica um pouco inferior ao do carvão de lenha compacta. 

ParaHYBA DO NoRTE.— Ferro oligisto granular. 


O Snr. Brunet, naturalista Francez, encarregado de fazer explorações 
por ordem do presidente da provincia da Parahyba do Norte, colheu 
muitas amostras de ferro na Serra do Cachexa, districto do Brejo d'Arcia 
na mesma provincia. O Snr. Brunel classificou estas amostras como mi- 
neraes de ferro meleorico e magnetico, superior ao ferro da Suecia. 


Não sei em que se fundou o Snr. Brunet para classificar a estes mineraes 
de ferro como meteoricos; porém certamente não são magneticos, porque 
o iman não tem acção sobre elles. A textura, a côr do pó, e finalmente o 
resultado do ensaio me autorisa a classifical-o como ferro oligisto micacêo 
ou granular. Esta especie de mineral de ferro quando puro, isto é, total- 
mente separado da sua ganga, produz de 66 a 70 por cento de ferro ; é 
portanto o segundo em riqueza metallica depois do ferro magnetico, com o 
qual se encontra muitas vezes no mesmo jazigo. Da curta exposição feita 
pelo Snr. Brunet, no seu officio dirigido à presidencia, pude colligir que 
o terreno onde elle encontrou estes mineraes pertence à formação Cretacea; 
mas, como estes mineraes de ferro tem os seus jazigos em terrenos mais 
antigos, devem quanto a mim ser considerados como mineraes d'alluvião, 
achando-se portanto os seus verdadeiros depositos muito longe do lugar 


(*) Muitos mezes depois de haver sido escripto o que acima se lê, foram-me enviadas novas amos. 
tras com designação expressa da localidade onde foram encontrados os combustiveis desta ter- 
ceira especie. Um Snr. José Francisco Thomaz do Nascimento foi incumbido pelo delegado sup- 
plente da villa de Camamú, o Snr. Dionizio Ferreira da Silva, d'explorar de novo o mesmo jazigo, 
e pelas informações destes é que sei que o jazigo está situado no lugar denominado—CamBoa,— 
pouco ácima da mencionada villa, e á beira do rio. Nestas novas amostras, o combustivel se acha 
empastado em pequenos fragmentos em um schisto micacêo arenoso: além destas, veiu mais 
uma amostra de calcareo schistoso, que o referido Nascimento diz ser muito abundante em di- 
versos lugares do municipio de Camamu. 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 157 


onde foram encontrados accidentalmente dessiminados. As amostras que 

“vieram accusam fortes roçamentos, porque os seus angulos e arestas estão 
arredondados, e as faces lisas e como polidas. O mesmo Snr. Brunet diz ter 
encontrado estes fragmentos desde o tamanho de uma pitomba até ao da 
cabeça de um menino, de mistura com seixos rolados, diversos selica- 
tos, etc., o que, me parece, confirma a minha conjectura. 

Municipio neutro e provincia do Rio de Janeiro, 

SuLpHuRETO DE cHuMBO (Galena). — Arsentoxino (Acido” arsenioso). — 
FERRO HYDROXIDADO, E FERRO MAGNETICO. 

Um individuo desconhecido levou a um pharmaceutico desta cidade 
duas amostras mineraes, que disse haver apanhado em fendas de uma 
das montanhas que circundam a Lagôa de Rodrigo de Freitas ou Copa- 
cabana. Uma dellas” é galena argentifera, e a outra uma bella massa de 
acido arsenioso. Estas amostras me vieram parar às mãos por favor do 
Snr. Peixoto, lente de desenho da escola militar. Acho singular que até 
hoje senão tenham encontrado amostras semelhantes em lugares tão po- 
voados e cultivados, sobretudo a galena que, pelo seu aspecto e brilho, 
deveria fazer impressão nas pessoas que frequentam aquelles lugares. 

O Snr. G. B. Weinscheck enviou grande numero de amostras de ferro 
hydroxidado colhidas por elle na confluencia do rio Preto com o Piabanha 
nas visinhanças da Engenhoca da Saudade, municipio de Cantagallo. 

O Snr. major Manoel de Frias Vasconcellos, actual inspector geral das 
obras publicas do município da córte, me remetteu varias amostras de 
quartzo crystallisado e de ferro magRetico, colhidas em uma montanha 
situada na freguezia de Itaipú, termo do municipio de Nictheroy. Segundo 
informa o mesmo Snr. inspector, ha no lugar uma outra montanha so- 
branceira à aquella, donde, na occasião das grandes chuvas, descem tor- 
rentes que cavam o terreno mais baixo, e nelle depositam seixos de di- 
versas especies, crystaes de quartzo e fragmentos mais ou menos volumosos 
de ferro magnetico. 

O Snr. Frias Vasconcellos faz menção da seguinte e mui curiosa tra- 
dicção que corre entre os habitadores dos lugares visinhos. Elles affirmam 
ter visto uma ou outra vez e em diversas épocas partir á noute um facho 
de luz, como um foguete que se eleva até uma certa altura no sentido 
vertical, e desapparece depois produzindo um vivo clarão. Elle observa 
finalmente, que esses lugares são completamente ermos, e raras vezes 
frequentados pelo pavor que inspiram aos habitantes da planicie. 

Provincia po Amazonas. — O Snr. major Florestan Rozwadowski, na 
primeira viagem do vapor Marajó da capital da nova provincia a Nauta, 
no Perú, colheu varias amostras de combustiveis. Estas Cgi foram 


158 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


extrahidas de umas das margens do Amasonas, na parte desse immenso 
rio conhecida com o nome de Solimões: algumas em S. Francisco Xavier 
de Tabatinga, 80 braças ácima do lugar onde existe o forle deste nome ; 
outras em Peruale e Pebas, povoações situadas na mesma margem dos 
Solimões e pertencentes à republica do Perú. Estas amostras são identicas, 
salvo pequenas diferenças; e em consequencia do resultado dos ensaios, 
foram classificados como legnitos piciformis terrosos. Estes legnitos são 
muito impuros por conterem pyrites e argilas em grande quantidade, 
porém tão intimamente misturadas como a parte carbonosa que não é 
possivel distinguil-as à simples vista. Produziram pela distillação um coke 
pulverulento com uma perda de 36 por cento; e 25 por cento de cinzas 
compostas de argilas ferruginosas e calcareas. - 

* Provincia Do Rio GRANDE DO SuL.— Carvão magro-do Herval, extrahido 
“pelo mineiro Johnson. 

Este carvão tem o defeito de contêr uma grande quantidade de cinzas 
(mais de 18 por cento em peso), que o torna pouco proprio para o uso das 
caldeiras de evaporação. No principio arde bem com chamma curta; po- 
rém á medida que vae perdendo as materias betuminosas, as cinzas co- 
meçam a oppôr-se ao contacto do ar com a parte fixa de maneira que, se 
este não fôr renovado por meios artificiaes, ou o combustivel muito revol- 
vido, a combustão cessa no fim de algum tempo. Pela destilação obteve-se 
alcatrão, oleos empyreumaticos, agua e gazes; nenhum vestígio d'ammo- 
niaco, nem de acido sulphydrico. A não manifestação deste acido indica 
que o carvão do Herval não contéh sulphuretos ; todavia em duas ou tres 

“amostras encontrou-se algumas palhetas de Marcassita. 

O coke obtido pela destillação é de um negro brilhante em quasi toda 
a massa, cinzento argentino e levemente empolado em alguns pontos da 
superficie, entretanto que os fragmentos se apresentam em geral fendados 
e como que retrahidos, pouco duros ou antes friaveis. 

Em consequencia da grande quantidade de cinzas que contêm o carvão 
do Herval, este sómente poderá servir com alguma vantagem nos appare- 
lhos de corrente natural de ar sendo misturado com outros combustiveis 
mais inflammaveis, e com mistura ou sem ella nos de corrente forçada. 

E' provavel que aprofundando-se o jazigo donde foram extrahidas estas 
amostras se encontre carvão mais gordo, ou que contenha menoscinzas. Pa- 
rece que esta hypothese já se verificou, por quanto os jornaes noticiaram que 
o referido mineiro Johnson encontrara novas camadas de carvão, de quali- 
dade tal que se presta perfeitamente aos usos da navegação a vapor (*). 


(*) A exploração da nova mina do Herval já tinha chegado no mez de agosto a uma profun- 
lidade de mais de 43 palmos por meio de um poço aberto por entre as camadas do combustivel 


TRABALHOS DA SOCIEDADE VELLOSIANA. 159 


Provixcia pa Bamia. — Grés e calcareos betuminosos. — Peroxido de 
Manganez. | 

Por ordem do presidente dessa provincia foi encarregado o Snr. José 
de Sá Bittancourt e Camara de pesquizar alguns lugares da comarca dos 
Ilhéos onde suppunha existirem depositos de carvão de pedra. 

O Snr. Bittancourt e Camara deu conta do resultado da sua commissão 
ao juiz de direito da mesma comarca, e lhe enviou um grande numero de 
amostras que elle extrahiu' dos depositos situados nas visinhanças do ri- 
beirão do Cururupe e do Marau. Estas amostras são de duas especies : 
t.*, granitos de grão fino e muito micacéos, cobertos com pelliculas de 
bitumes; 2.º, areias cimentadas pelos mesmos bitumes, constituindo um 
erês betuminoso. Anteriormente o Snr. Conselheiro Gonçalves Martins me 
havia enviado uma porção de amostras de calcareos betuminosos, porém 
sem designação da localidade donde haviam sido extrahidas. 

Os betumes que cimentam as areias e os calcareos que vieram da pro- 


-vincia da Bahia pertencem à especie denominada Maltho ou Petroleo tenaz: 


o que agglutina as areias é mais molle e mais aromatico do que aquelle 
que se acha misturado com os calcareos : nestes ultimos não encontrei sul 
phuretos ; os grês contêm uma pequena quantidade. 

Sabe-se que os Grês, as argilas e os calcareos impregnados de Petroleo 
cobrem raríssimas vezes os depositos carboniferos dos terrenos secundarios; 


no maior numero de localidades conhecidas estas materias tem sido en- 


e das rochas que alternam com o mesmo combustivel; havendo-se.nessa data examinado, além 
de uma camada de terra vegetal, 6 camadas de carvão de pedra cuja possança varia entre 
7 pollegadas e 4,5 palmos: as outras camadas são compostas d'argilas, schistos argilosos e be- 
tuminosos, podings, etc. As camadas de combustivel, parallelas às camadas alternantes, vão-se 
elevando até ao leito do arroio dos ratos, e depois seguem a direcção do mesmo arroio. A mina 
fica distante do Jacuhy 6 leguas, a contar da freguezia de S. Jeronymo do Triumpho onde se 
acha o deposito. 


O combustivel varia em qualidade, tornando-se mais gordo e contendo menos cinzas à medida 
que se vae aprofundando a mina, como tem acontecido quasi geralmente em toda a parte. Quanto 
à riqueza do jazigo, o mineiro Johnson affirma que póde extrahir mais de cem mil tonelladas> 
nma vez que se lhe prestem os meios de construir os trabalhos subterraneos na escala conve- 
niente. 4 descoberta do jazigo carbonifero do Herval em uma das bacias comprehendidas entre 
o rio Jacuhy e o arroio dos ratos, por analogia com outros depositos conhecidos e explorados 
effectivamente em varias partes do globo, faz crêr que, não sómente toda essa bacia contêm grande 
numero de depositos de carvão fossil, como tambem todos esses valles encerrados entre os outros 
arroios, desde o do ribeirão até á freguezia de S. Jeronymo do Triumpho. É provavel que o 
mesmo aconteça nos valles ou bacias situadas na margem opposta do Jacuhy. Se a estes depo- 
sitos se reunirem aquelles que já foram reconhecidos no Serro Partido, Serro do Roque, Sandy, 
Curral-alto e outros pontos, póde-se affirmar que as minas do Rio Grande do Sul, exploradas com 
actividade, poderão fornecer este precioso combustivel em quantidade suficiente para satisfazer a 
todas as necessidades do mundo durante muitos seculos, 


e 
o 


160 BIBLIOTHECA GUANABARENSE. 


contradas em certas formações do terreno terciario e do Bazalto da mesma 
época; portanto o encontro de taes materias não indica necessariamente a 
existencia de formações carboniferas. 

Ainda que seja muito duvidoso encontrar-se depositos de carvão de pedra 
nos pontos examinados da comarca dos Ilhéos, todavia a descoberta destes 
depositos de greês betuminosos não tem por isso menos valor, altendendo-se 
aos importantes usos a que as artes vão applicando as materias betuminosas. 
Das informações prestadas pelo Snr. Bittancourt e Camara se pôde concluir 
a possibilidade de encontrar-se naquellas localidades fontes perennes de 
Naphta abrindo-se poços nos lugares mais convenientes, como acontece 
no ducado de Parma, no Modenez, na Sicilia, na Persia, etc. A descoberta 
teria ainda maior importancia se este facto se verificasse, pois que a ex- 
tracção do Naphta constituiria para os habitantes daquelles lugares um 

valioso artigo de industria e de commercio. 

Peroxino DE MANcaNEZ.— O delegado supplente da cidade de Nazareth, 
o Snr. Dr. Americo Moniz Barreto da Silveira, remetteu ao presidente da 
provincia da Bahia, amostras mui volumosas de um mineral que elle julgou 
ser de ferro. Estas amostras foram apanhadas à flôr da terra na estrada 
do morro do Cocão e rio da Dona, no municipio da mesma cidade. O mesmo 
Sur. Dr. Americo informa que este mineral se encontra em possantes ca- 
madas que occupam uma extensão excedente a meia legua, formando uma 
especie de pequena serra em cujo cimo se encontram grandes massas dessi- 
minadas pela superficie. 

Este mineral não é de ferro, porém sim de Manganez. Tanto pelos seus 
caracteres physicos como pelas indicações que resultaram do ensaio, elle 
pode ser classificado como um: Peroxido de Manganez da especie— Pyro- 
lusito compacto, contendo em mistura oxidos de ferro, e o oxido hydratado 
denominado Psilomelano. 

Provincia Do Rio DE JANEIRO.— Municipio de Campos. 

O Snr. bacharel Augusto Dias Carneiro colheu nesse municipio algumas 
amostras mineraes, das quaes as mais importantes são as seguintes : 

Leeniro scmistorpr das margens do rio Murihaé na fazenda de José Ri- 
beiro de Castro. O deposito parece ser muito abundante. 

ANTRHACITO em pequenos fragmentos de fórma quasi regular, talvez da 
variedade denominada Anthracito polyedrico, encontrados entre os rios 
Pomba e Parahyba, no lugar denominado—Freixeiras. 


RaoLix do mesmo lugar, onde existe em grande abundancia, assim como 
no Vallão das Antas. 


Julho de 1854, Dr. F. L. €. Burlamaque. 


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