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Full text of "Populações indígenas de Angola"

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Ministério  das  Colónias 
BIBLIOTECA    E  ARQUIVO   HISTÓRICO 


Populações 
indígenas 
de  Angola 


Por  José  de  Oliveira  Ferreira  Diniz, 
Secretário  dos  Negócios  Indígenas  e  Curador 
:   :   :    Geral  da  Província  de  Angola    ;   :   : 


COIMBRA 


Imprensa  da  Universidade 
:     :     :        1918 


■:" 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


ANGOLA 


REPÚBLICA  PORTUGUESA 


MINISTÉRIO     DA.S     COLÓNIAS 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


DE 


ANGOLA 


FERREIRA    DINIZ 


Secretário  dos  Negócios  Indígenas  e  Curador  Geral  da  Província  de  Angola 


smíthso^ 

Ju"  1  6  m? 


COIMBRA 

Imprensa  da  Universidade 

1918 


s 


INTRODUÇÃO 


lendo  sido  nomeado  Secretário  dos  Negócios  Indígenas  da 
Província  de  Angola,  quando  esta  repartição  foi  creada  a  ins- 
tâncias do  governador  geral  Norton  de  Matos,  por  dever  do  cargo 
que  desempenhamos,  desde  logo  nos  mereceu  especial  interesse  o 
conhecimento  dos  usos  e  costumes  dos  indígenas  como  base  pri- 
mor  dial  da  orientação  a  seguir  na  administração  e  política  indí- 
gena. f 

Assim,  julgamos  ter  correspondido,  o  melhor  que  pudemos,  ã 
confiança  com  que  nos  honrou  aquele  ilustre  governador  quando 
nos  entregou  a  direcção  de  um  dos  ramos  de  serviço  mais  impor- 
tantes da  colónia,  e  entendemos  ter  interpretado  os  interesses  da 
República  Portuguesa,  no  respeito  que  votamos  pela  vida  e  di- 
reitos dos  indígenas  e  pela  conservação  dos  seus  usos  e  costumes, 
das  suas  instituições  sociais,  e  concepções  morais  e  religiosas  que 
não  prejudicam  os  princípios  humanitários  das  sociedades  civili- 
zadas nem  a  nossa  soberania. 

Nessa  ordem  de  ideias  trazemos  a  publico  o  produto  do  atu- 
rado e  persistente  trabalho  que  ha  quatro  anos  temos  desenvolvido 
no  estudo  das  populações  indígenas  de  Angola,  quer  surpreen- 
dendo de  visu  a  vida  das  mesmas  populações  em  diversíssimas 
regiões  da  província,  quer  reunindo  as  informações  que  oficial  ou 
extra-oficialmente  solicitamos  de  todos  os  que  com  autoridade 


VI 


no-las  podiam  fornecer,  quer  ainda  coligindo,  analizando  e  apro- 
veitando valiosos  elementos  que  se  encontram  dispersos  em  traba- 
lhos desta  natureza.  Está  longe  de  ser  um  trabalho  completo  e 
não  temos  a  pretensão  de  o  julgar  isento  de  inúmeras  deficiências. 

Ao  elaborá-lo  tivemos  especialmente  em  atenção  o  estudo  das 

populações  indígenas  na  parte  que  mais  devem  interessar  ao  seu 

..governo  e  administração,  isto  é,  sob  o  ponto  de  vista  sociológico, 

habilitando  o   Governo  com  os  elementos  indispensáveis  para  a 

elaboração  da  legislação  especial  para  indígenas. 

Sobre  outros  pontos  de  vista  deverão  seguir-se  outros  trabalhos 
mais  completos  e  detalhados,  atingindo  o  estudo  antropológico. 

Na  primeira  parte  descrevemos  os  usos  e  costumes  das  tribus 
da  raça  negra,  fazendo-o  para  algumas  separadamente  e  para 
outras  em  conjunto  atendendo  a  que  as  suas  afinidades,  pela 
origem,  quási  completa  unidade  filológica  e  a  inteira  semelhança 
de  usos  e  costumes  só  nos  levaria,  separando-as,  a  fastidiosas  re- 
petições. Neste  caso  estão  as  tribus  que  reunimos  sob  a  denomi- 
nação de  N Golas;  as  do  distrito  da  Lunda;  as  do  planalto  de 
Benguela  ou  Bimbundus;  as  tribus  directamente  descendentes  dos 
Herreros  ou  Banctubas  e  outras. 

Na  segunda  parte  apresentamos ,  o  estudo  das  tribus  da  raça 
Boschjman.   Não  nos  cabe  a  honra  deste  proficientíssimo  trabalho. 


VII 


Encontramo-lo  feito  pelo  Sr.  Br.  Manuel  Alves  da  Cunha,  vigário 
capitular  da  Diocese  de  Angola,  e  já  impresso,  em  provas,  na 
Imprensa  Nacional  de  Loanda.  Como  este  ilustradissimò  missio- 
nário desistiu  de  continuar  a  publicação  dos  estudos  etnográficos 
que  encetou,  por  motivos  que  não  conhecemos  mas  que  respeitamos, 
lamentando  que  não  continuasse  o  seu  valiosíssimo  trabalho, 
obtivemos  permissão  sua  para  incluir  na  nossa  publicação  o  estudo 
feito  sob  a  raça  Boschjman. 

Na  terceira  parte  fazemos  o  estudo  etnológico  ou  de  compa- 
ração das  populações  indígenas,  procurando  deduzir  ao  mesmo 
tempo  os  princípios  de  legislação  e  administração  que,  mais 
adequadamente,  deveremos  estabelecer  para  as  mesmas  populações. 

Em  Apenso  incluimos  uma  série  de  projectos  de  legislação 
especial  para  indígenas.  Não  pretendemos  que  todos  sejam  o 
melhor  que  se  possa  fazer  e  apenas  consideramos  o  seu  conjunto 
como  um  basilar  ensaio  da  legislação  para  indígenas  que  com 
urgência  carece  de  ser  definitivamente  estudada  e  decretada. 

Se  alguns,  como  o  Código  de  Justiça  Indígena,  carecerão  de 
ser  melhorados,  corrigindo- os  das  deficiências  que  o  nosso  imper- 
feito conhecimento  da  sciência  do  Direito  não  soube  evitar,  outros, 
como  o  projecto  sobre  o  Registo  do  Estado  Civil  dos  Indígenas — 
Recenseamento  da  população  —  Direito  de  Petição  por  escrito  — 


VIII 


Organisação  Politica  Indigena  —  Trabalho  Indigena  —  Acidentes 
de  Trabalho  —  Repressão  da  Vadiagem —  Colónias  de  Correcção  — 
e  o  de  Concentração  e  Isolamento  das  Habitações  Indigenas,  são 
orientados  na  experiência  colhida  no  cargo  que  desempenhamos ', 
baseiam-se  nas  necessidades  da  ad?ninistração  da  colónia  e  repu- 
tamo-los de  urgente  aplicação,  especializando  dentre  eles  o  último 
que  citamos,  que  se  nos  afigura  fundamental  para  a  boa  execução 
de  grande  parte  dos  outros. 


PARTE  I 

ESTUDO  ETNOGRÁFICO 
DAS  TRIBUS  DA  RAÇA  NEGRA 


\ 


N'Golas  —  Tipo  de  Loanda 


Popul.  indígenas  de  Angola,  pág.  3. 


.VFyrry*  y,  o 


CAPITULO  I 
N'GOLAS 

I.  —  Dos  Caracteres  etnográficos  gerais 


Origem  dos  povos  designados  por  irPgolas. 
—  Situação  geográfica.  —  População. 

Sob  esta  designação,  incluímos  os  ambaquistas,  golungos,  ca- 
biris  e  dondos,  que  habitam  a  grande  zona  entre  o  Cuanza  e  o 
Lifune  e  o  Zenza,  e  que  se  estende  para  o  oeste  na  circunscrição 
civil  de  Malange  até  os  rios  Cuiji,  afluente  do  Cuango,  e  Gola 
Luije,  afluente  do  Lucala. 

Procedemos  assim  porque,  tratando-se  de  povos  que  não  cons- 
tituem uma  tribu  bem  definida,  e  que  são  o  producto  da  fusão  de 
várias  tribus,  onde  a  percentagem  de  sangue  europeu  é  enorme, 
nos  parece  mais  conveniente  reuni-los  em  um  mesmo  agrupa- 
mento. 

Para  o  definir,  fomos  buscar  a  origem  da  palavra  Angola, 
apelido  que  usava  um  parente  do  rei  do  Congo,  que  em  épocas 
remotas  emigrou  para  Loanda,  e  que  estendia  os  seus  domínios, 
pelo  menos,  em  grande  parte  dos  territórios  que  actualmente 
habitam  os  povos  que  agora  designamos  por  N'golas. 

Os  povos  que  actualmente  ocupam  a  zona  acima  designada 
tem  variadíssimas  origens,  algumas  das  quais  não  é  fácil  deter- 
minar. Além  da  gente  do  rei  Ngola,  que  muitos  autores  consi- 
deram como  sendo  os  ascendentes  dos  Jingas,  os  quais  deixaram 
descendentes  em  Pungo  Andongo,  a  grande  maioria  da  actual 
população  que  convencionamos  designar  por  N'golas  é,  por  vir- 
tude de  ter  sido  esta  zona  aquela  onde  primeiro  e  com  mais 
intensidade  se  exerceu  a  colonização,   descendente   dos  antigos 


i  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

escravos,  em  que  havia  representantes  de  quási  todas  as  tribus 
da  província. 

A  população,  principalmente  devido  ao  alcoolismo,  à  doença 
do  sono  e  ao  cruzamento  destes  povos  com  europeus,  em  deter- 
minadas regiões,  como  Cazengo,  foi  quási  que  dizimada;  só 
ultimamente,  com  as  medidas  tomadas  sobre  profilaxia  sesoná- 
tica  e  de  tripanosomiase,  se  mantém  estacionária  na  maior  parte 
da  zona  ocupada  por  estes  povos  parecendo  tender  a  aumentar 
em  outros,  como  Icolo  e  Bengo  e  Golungo  Alto,  como  se  vê  pelo 
número  elevado  de  crianças  que  o  recenseamento  da  população 
do  ano  de  1913  nos  acusa: 


Circunscrição 
ou  concelho 


Loanda 

Alto  Dande  . . 
Icolo  e  Bengo 

Cazengo 

Golungo  Alto 
Ambaca 


Ho- 
mens 

vá- 
lidos 


1:990 
2:996 
1:880 
1:200 
3:753 
2:069 


Mu- 
lheres 

vá- 
lidas 


3:900 
3:636 
2:303 
650 
6:562 
2:342 


Fopulação  indígena 

amamm 


Crianças 


Infância 


Varões 


900 

523 

3:295 

408 

1:670 

1:551 


Fê- 
meas 


1:500 
645 

3:690 
825 

1:920 

2:000 


Juventude 


Varões 


480 

661 

,2:785 

629 

1:129 

1:902 


Fê- 
meas 


790 

770 
3:082 

785 
1:287 
2:300 


Tnvá 

Lidos 

Varões 

Fê- 
meas 

60 

40 

131 

160 

86 

140 

902 

437 

206 

118 

1:624 

1:826 

Total 


9:660 

9:492 

17:261 

5:836 

16:645 

15:614 


Os  povos  que  designamos  sob  o  nome  de  N'golas  são  fracos  e 
pouco  resistentes,  o  que  contrasta  com  qualquer  das  tribus  que 
lhes  são  visinhas,  e  que  tem  ainda  a  sua  explicação  nas  razões 
acima  expostas.  Na  verdade,  tendo  sido  nesta  zona  onde  mais 
se  fez  sentir  a  nossa  colonização  nos  primeiros  tempos  da  ocu- 
pação portugueza,  os  habitantes  dela  são  já  descendentes  dos 
mestiços,  produto  do  cruzamento  dos  primeiros  europeus  que 
ali  se  estabeleceram  e  dos  povos  que  ali  encontraram  ou  que 
para  ali  foram  escravizados. 

Os  N'golas  são,  em  geral,  de  estatura  regular,  a  coloração  da 
pele  um  preto  avermelhado  mais  ou  menos  carregado,  cabelos 
curtos  encarapinhados  e  de  côr  preta,  olhos  de  forma  oval  e  a 
íris  em  geral  amarelada,  nariz  largo  mas  pouco  chato,  as  orelhas 
normais;  as  mulheres  tem  os  seios  um  pouco  alongados,  devido 
à  forma  de  traçar  os  panos. 


N'Golas  —  Tipo  de  Loanda 


Popul.  indígenas  de  Angola,  pag.  á. 


DE  ANGOLA 


Ê  raríssimo  encontrar  entre  os  N'golas  o  bócio  ou  steatopígia. 
Não  é  vulgar  o  albinismo;  no  entanto,  em  Pungo  Andongo  en- 


Um  caso  interessante  de  albinismo 
ena  Pungo  Andongo 

contramos  um  caso  curioso   de   albinismo,  cuja  fotografia  jun- 
tamos. 

II.  —  Da  vida  material  e  intelectual 

Cuidados  dados  ao  corpo  —  Vestuário  ■— » 
Habitação  —  Alimentação  —  Meios  de 
existência  —  Artes,  sciências  e  faculda- 
des intelectuais* 


Merece-lhes  pouco  cuidado  a  higiene  do  corpo,  usando  o  banho 
nos  rios,  mais  por  divertimento  do  que  por  asseio.    Outro  tanto 


6  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

não  sucede  com  o  asseio  da  boca,  que  diariamente  lavam,  em- 
pregando alguns  um  pequeno  pau,  a  que  chamam  muindo,  com 
que  esfregam  demoradamente  os  dentes. 

Cortam  o  cabelo,  tanto  os  homens  como  as  mulheres,  conser- 
vando-o  sempre  curto,  servindo-se  uns  da  tesoura  e  outros  de 
faca,  e  usam  as  unhas  muito  cortadas  igualmente  à  faca. 

* 
#       # 

É  raro  que  estes  povos  usem  como  adorno,  no  próprio  corpo, 
a  aplicação  de  cores,  sendo  frequente,  no  entanto,  a  tatuagem  e 
as  cicatris  étnicas.  Em  geral,  só  as  mulheres  tem  por  costume 
usar  colares,  pulseiras  e  brincos  de  missanga  ou  de  metal.  Na 
sua  grande  maioria,  o  vestuário  usado  é  o  pano,  nos  homens 
preso  pela  cintura  e  nas  mulheres  traçados  por  cima  dos  peitos 
e  por  debaixo  dos  sovacos.  Os  homens,  na  maioria,  usam  cami- 
solas, camisas  e  casacos,  e,  quando  não  se  servem  deste  vestuário, 
adquirido  no  comércio,  cobrem  o  tronco  com  um  pano.  As  mu- 
lheres vestem  também  uns  chambres  ou  usam  o  pano  para  lhes 
cobrir  a  parte  superior  do  corpo.  É  raríssimo  encontrar  uma 
mulher  que  use  saias,  mesmo  entre  as  mais  abastadas,  as  quais 
trajam  panos  de  melhor  qualidade,  e,  além  dos  usuais  —  o  traçado 
por  debaixo  dos  sovacos,  aquele  que  deitam  pelas  costas  e  o 
chambre  —  costumam  pôr  pela  cabeça  um  outro  pano  preto, 
cobrindo-as  quàsi  totalmente;  algumas  amarram  a  cabeça  com 
um  lenço. 

Entre  os  homens  está  muito  divulgado  o  uso  das  calças,  e  os 
mais  abastados  vestem  em  geral  à  europeia,  usando  de  preferên- 
cia a  côr  preta. 

Os  panos  são  confecionados  por  quem  os  há  de  usar,  empre- 
gando-se  as  chitas,  riscados  e  outras  fazendas  de  origem  euro- 
peia. 

Nos  homens,  é  vulgar  o  uso  de  calçado,  bem  como  de  chapéu 
e  bonés;  as  mulheres  raramente  usam  calçado. 

O  tipo  de  habitação  é  a  cubata,  de  forma  rectangular,  de 
pau  a  pique,  revestida  de  colmo  ou  barreada,  e  com  cobertura 
igualmente  de  colmo.  Parecendo  que,  pelo  seu  contacto  com  os 
europeus,  estes  povos  deveriam  cuidar  mais  da  sua  habitação, 
assim  não  sucede,  porque  as  suas  cubatas  são  na  maioria  baixas 
e  sem  janelas. 


N'Grolas  —  Cicatrizes  étnicas  (Loanda) 


PopuJ.  indígenas  de  Angola. 


(6] 


DE  ANGOLA  7 

Escolhem  de  preferência  para  local  da  habitação  os  lugares 
baixos  e  junto  dos  rios,  não  só  porque  os  terrenos  se  prestam 
melhor  ás  culturas,  mas  ainda  por  causa  da  água.  Não  há  ce- 
rimónias especiais  para  a  construção  da  habitação,  nem  é  cos- 
tume ser  consultado  o  feiticeiro. 

A  mobília  consiste  em  uma  tarimba,  construída  com  quatro 
paus  a  pique  e  outros  atravessados,  sobre  os  quais  colocam  uma 
esteira,  que  serve  de  cama,  e  bancos  feitos  de  troncos  de  mafu- 
meira. 

Usam  para  iluminação  o  azeite  de  palma,  o  petróleo  e  as 
fogueiras. 

A  população  está  muito  dispersa,  e,  a  não  ser  na  região  de 
Catete  e  Cassoneca,  onde  se  encontram  grandes  povoações  (san- 
zalas), as  cubatas  encontram-se  espalhadas  ou  agrupadas  em 
pequenas  sanzalas.  A  distribuição  das  cubatas  nas  sanzalas  é 
em  linhas  mais  ou  menos  tortuosas. 


A  base  de  alimentação  é  mista,  predominando,  no  entanto,  a 
alimentação  vegetal.  A  mandioca  e  o  milho  são  as  suas  princi- 
pais subsistências,  a  que  se  vem  juntar  a  batata  doce  e  o 
dendem.  O  peixe  fresco  ou  seco  faz  igualmente  parte  da  ali- 
mentação, onde  o  há,  e  a  carne  é  manjar  sempre  estimado. 

Além  da  água,  as  bebidas  usadas  são  o  vinho  de  palmeira, 
(marufo)  a  aguardente,  o  hidromel  e  todas  as  bebidas  fermen- 
tadas de  ceriais. 

Entre  estes  povos  é  vulgar  o  uso  dos  fósforos  para  produzir 
o  fogo,  sendo  raro  lançarem  mão  da  fricção  ou  percussão. 

A  preparação  culinária  é  feita  pelas  mulheres,  usando  como 
tempero  o  sal,  azeite  de  palma,  jindungo,  e  algumas  a  cebola. 
Comem  crus:  a  batata  doce,  a  mandioca  e  o  dendem;  os  restantes 
alimentos  são  cosidos  ou  assados. 

Com  a  farinha,  base  principal  da  alimentação,  preparam  as 
papas  de  farinha  de  mandioca,  de  milho  ou  de  massango  (funji) 
que  é  prato  obrigado,  e  que  é  acompanhado  de  um  molho  pre- 
parado com  azeite  de  palma.  Para  preparar  o  funji  ou  infundi, 
como  vulgarmente  se  denomina,  é  a  farinha  diluida  em  água  a 
ferver  e  mexida  com  uma  colher  ou  mesmo  um  pau  até  tomar  a 
consistência  de  massa  de  pão. 


8  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Para  a  preparação  da  farinha  de  mandioca  são  os  tubérculos 
desta  postos  em  água  até  principiarem  a  fermentar,  para  serem 
destruídos  os  princípios  venenosos;  são  depois  descascados,  e 
por  fim  secos  ao  sol.  Só  depois  disto  se  reduzem  a  farinha  por 
meio  de  pilão.  Esta  farinha  é  ás  vezes  torrada  para  se  poder 
conservar. 

Dos  tubérculos  da  mandioca  prepara-se  uma  outra  farinha, 
rolando  estes  e  espremendo  a  massa  para  lhes  extrair  os  sucos 
venenosos,  sendo  depois  seca  e  torrada,  formando  a  chamada 
farinha  de  pau,  com  que  fazem  o  pirão. 

A  farinha  de  que  se  servem  pode  ser  igualmente  de  milho  ou 
de  massango,  sendo  também  preparada  por  trituração  no  pilão. 
A  farinha  é  peneirada  em  uma  espécie  de  cesto  feito  de  tiras 
delgadas  de  mateba,  que  se  denomina  kibando. 

Na  grande  maioria,  estes  povos  tomam  duas  refeições  por  dia 
e  em  comum. 

# 

Uma  das  ocupações  a  que  se  entregam  os  homens,  em  algumas 
regiões,  mesmo  com  verdadeira  paixão,  é  o  caçar.  Em  parte 
destes  povos,  como  nos  de  Icolo  e  Bengo,  os  caçadores  cons- 
tituem uma  espécie  de  associação  ou  classe  privilegiada,  e  a 
profissão  de  caçador  não  pode  exercer-se  sem  que  o  candidato 
tenha  prestado  um  certo  número  de  provas  perante  o  chefe  dos 
caçadores,  e  muito  principalmente  lhe  tenha  entregado  uma 
determinada  quantidade  de  aguardente.  Usam  para  caçar  espin- 
gardas de  espoleta  e  pederneira. 

Exercem  a  pesca  ao  anzol,  com  rede  nos  rios  e  com  sebes  nas 
regiões  das  lagoas,  quando  as  águas  destas  começam  a  diminuir. 
Pescam  o  cacusso,  o  bagre,  o  pargo,  o  robalo,  etc,  que  em  geral 
secam  ao  sol. 

Em  Loanda,  encontram-se  bairros  indígenas,  como  o  da  ilha 
fronteira  à  cidade,  o  da  praia  do  Bispo  e  o  do  Bungo,  vivendo 
exclusivamente  de  pesca,  e  que  abastecem  de  peixe  o  mercado 
de  Loanda. 

Não  obstante  serem  estes  povos  os  da  província  que  maia 
relutância  tem  pelos  serviços  agrícolas,  a  sua  indolência  não  tem 
um  caracter  tão  exagerado  como  se  afirma,  dedicando-se  em 
geral  à  agricultura. 

Álêm  de  cultivarem  a  mandioca,  o  milho,  o  massango,  o  feijão 


N'Golas  —  Cicatrizes  étnicas  (Loanda) 


Popul.  indígenas  de  Angola. 


DE  ANGOLA  9 

e  a  batata  doce,  tratam  da  palmeira  e  dedicam-se  à  cultura  do 
algodão,  principalmente  na  região  Catete-Cassoneca. 

Não  adubam  nem  regam  os  terrenos,  e  empregam  nos  traba- 
lhos agrícolas  a  enxada,  a  catana  e  o  machado.  Em  geral,  os 
terrenos  são  apenas  capinados  e  a  semente  deitada  à  terra  em 
pequenas  covas. 

Na  região  planáltica,  proximidades  de  Malange  e  Pungo  An- 
dongo,  dedicam-se  à  criação  de  gado,  principalmente  à  criação 
de  gado  bovino;  nas  outras  regiões,  à  criação  do  gado  suino, 
caprino  e  lanígero. 

Entre  outras  indústrias  que  exercem,  mais  ou  menos  rudi- 
mentarmente, mencionaremos  a  de  olaria,  principalmente  em 
Cabiri,  a  de  cesteiro  e  cordoaria,  e  a  de  moagem,  a  que  já  tivemos 
ocasião  de  nos  referir.  Em  obras  de  madeira,  existe  uma  indús- 
tria muito  importante,  a  de  construção  de  embarcações,  feitas  de 
mafumeira  e  duma  só  peça,  desbastando-a  e  escavando-a  para 
lhe  dar  a  forma. 

Costumam  algumas  mulheres  adquirir  panos  brancos,  que  tin- 
gem de  preto,  metendo-os  em  uma  infusão  de  tacula  e  barro  negro. 

Na  maioria,  os  homens  tem  uma  certa  aversão  a  servir  de 
carregadores,  sendo  mesmo  difícil,  em  algumas  regiões  da  zona 
por  eles  ocupada,  angariar  carregadores. 

Em  Loanda,  encontram-se  actualmente  cozinheiros,  criados 
de  meza  e  lavadeiras  com  relativa  facilidade,  não  sendo  neces- 
sário recorrer  ao  tradicional  creado  Cabinda. 

No  que  diz  respeito  à  arte  de  escrever  empregando  sinais 
convencionais  que  representem  idêas,  palavras  ou  sons,  entre 
estes  povos  não  se  encontram  a  não  ser  marcas  ou  sinais,  que  é 
vulgar  encontrar  junto  aos  caminhos  para  indicar  o  trajecto 
seguido  aos  que  mais  atrazados  vem. 

A  língua  falada  é  o  Kimbundu  (ki  —  linguagem,  umbundu  — 
pretos),  pertencente  à  família  das  línguas  bantu,  falada  pela  raça 
negra. 

Os  substantivos  ou  nomes  da  língua  kimbundu  dividem-se, 
segundo  o  seu  prefixo,  em  dez  classes. 

1.»  CLASSE 


SINGULAR  —PREFIXO  Mu 

Mutu  —  pessoa. 
Muhatu  —  mulher. 
Mukongo  —  caçador. 
Munbundu  —  preto. 
2 


PLURAL  —  PREFIXO  A 

Atu  —  pessoas. 
Ahatu  —  mulheres. 
Akongo  —  caçadores. 
Ambundo  —  pretos. 


10 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


2.»  CLASSE 


SINGULAR  —  PREFIXO  Mu 

Mukanda  —  carta. 
Mutue  —  cabeça. 
Muxi  — pau,  árvore. 
Mukoko  —  coqueiro. 


PLURAL  —  PREFIXO  Mi 


Mikanda  — cartas. 
Mitue  —  cabeças. 
Mixi  —  paus,  árvores. 
Mikoko  —  coqueiros. 


3.a  CLASSE 


SINGULAR  —  PREFIXO  Ki 

Kimbanda  —  curandeiro. 
Kialu  —  cadeira. 
Kima  —  coisa. 
Kinda  —  cesto. 


PLURAL  —  PREFIXO 


Imbanda  —  curandeiros. 
Ialu  —  cadeiras. 
Ima  —  coisas. 
Inda  —  cestos. 


Com    os    prefixos   desta   classe  formam-se  os  aumentativos. 
Ex. :  kihatu  —  mulherona ;  ihatu  —  mulheronas. 


SINGULAR 


4.»  CLASSE 
PREFIXO  Ri  PLURAL  —  PREFIXO  Ma 


Rilonga  —  prato. 
Ribulu  —  coelho. 
Ritui  —  orelha. 
Ribitu  —  porta. 
Riala  —  homem. 
Ributi  —  ferida. 
Riniota  — sede  (rinhota-ni  soa 
como  nh). 


Malonga  —  pratos. 
Ma  buiu  — coelhos. 
Matui  —  orelhas. 
Mabitu  —  portas. 
Mala  (maala)  —  homens. 
Mabuti  —  feridas. 


5.a  CLASSE 
SINGULAR  —  PREFIXO  U  PLURAL  —  PREFIXO  Mau 


Mauanda  —  redes. 
Mauta  —  armas. 
Maulungu  —  canoas. 


Uanda  —  rede,  tipóia. 
Uta  —  arma. 
Ulungu  —  canoa. 

O  prefixo  mau  pode  contrair-se  em  mo,  por  exemplo:  mau- 
lungu —  canoas  —  molungu;  mata  —  espingardas,  por  mauta. 

O  prefixo  u  serve  também  para  a  formação  dos  nomes  abstractos. 

Exemplos :   haxi  —  o  doente ;   uhaxi  —  doença ;   nzambi  —  Deus ; 

unzambi  —  divindade. 

6.a  CLASSE 


SINGULAR  —  PREFIXO  Lu 

Lumbu  —  muro. 
Lumuenu  —  espelho. 
Lubambu  —  corrente. 
Lukuaku  — mão. 


PLURAL  —  PREFIXO  MalU 

Malumbu  —  muros. 
Malumuenu  —  espelhos. 
Malubambu  —  correntes. 
Malukuaku  —  mãos. 
Maku  (mais  usado)  —  mãos, 


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N'Golas  -  Forma  do  conduzir  os  filhos  (Loandai 


Popul.  indígenas  de  Angola. 


(Hl 


DE  ANGOLA 


11 


7.»  CLASSE 


SINGULAR  —  PREFIXO  Tu 

Tuji  —  escremento. 
Tubia  —  fogo. 
Tujola  —  tesoura. 


PLURAL  —  PREFIXO  MatU 


Matuji  —  escrementos. 
Matubia  —  fogos. 
Matujola  —  tesouras. 


Há  nomes  que  começam  por  tu,  e  que  não  pertencem  a  esta 
classe  mas  à  classe  xi,  como  tulu  —  peito ;  jitulu  —  peitos ;  fazendo 
aquela  sílaba  parte  do  radical  e  não  sendo  um  prefixo. 

8:a  CLASSE 
SINGULAR  —  PREFIXO  Ku  PLURAL  —  PREFIXO  MakU 


Kuria  —  comida. 
Kunua  —  bebida. 
Kuf  ua  —  morte. 
Kukutunga  —  costura. 


SINGULAR 

Ima—  macaco. 

Funda  —  acampamento. 

Hoji  —  leão. 

Imbua  —  cão. 

Poko  —  faca. 


Makuria  —  comidas. 
Makunua  —  bebidas. 
Makufua  —  mortes. 
Makutunga  —  costuras. 


9.a  CLASSE 


PLURAL  —  PREFIXO  Jf 


Jima  —  macacos. 
Jifunda  —Acampamentos. 
Jihoji  —  leões. 
Jimbua  —  cães. 
Jipoko  — facas. 


Quási  todas  as  palavras  estrangeiras  pertencem  também  a  esta 
classe.    Exemplos :  kabalu  —  cavalo  ;  jikabalu  —  cavalos. 

Quando  um  nome  tem  por  letra  inicial  i,  este  elide-se  no 
plural.    Exemplos :  inzo  —  casa ;  plural :  jinzo  —  casas. 

10.a  CLASSE 
SINGULAR  —  PREFIXO  Ka  PLURAL  —  PREFIXO  Tu 


Kahoji  —  leãozinho. 
Kahatu  —  rapariga, 
Kamubika  —  escravazinha. 


Tulioji  —  leõezinhos. 
Tuhatu  —  raparigas. 
Tumubika  —  escravazinhas. 


DA  CONCORDÂNCIA 

Em  kimbundu,  tanto  os  nomes  como  os  verbos  e  os  adjectivos  con- 
cordam com  o  nome  a  que  se  referem  por  meio  do  genitivo,  que  se  obtêm 
acrescentando  a  partícula  a  ao  prefixo  de  qualquer  das  classes.  No 
entanto,  o  que  fica  exposto  não  se  pode  tomar  como  regra,  porquanto,  se 
há  nomes,  como  os  das  classes  l.a  (no  plural),  3.a,  4.a,  5.a  (no  singular),  6.a 
(no  singular),  7.a  (no  singular),  3.a  (no  singular),  9.a  e  10. a,  que  formam  o 
seu  genitivo   juntando   a  partícula   a  aos   seus  prefixos  concordantes, 


12 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


outros  há  que,  como  os  das  classes  l.a  (no  singular),  2.a  e  5.a  (no  plural), 
6.a  (no  plural),  7.a  (no  plural)  e  8.a  (no  plural)  formam  o  seu  genitivo,  res- 
pectivamente, em  ua,  ua-ia,  ma,  ma,  ma,  e  ma. 

Quadro  dos  prefixos  concordantes,  segundo  as  classes  a  que  pertencem, 
e  seus  correspondentes  genitlvos 


Prefixos  concordantes 

Genitivos 

Classes 

. 

Singular 

Plural 

Singular 

Plural 

1.» 

mu 

a 

ua 

a  (a  -f  a  =  a) 

2.a 

mu 

mi 

ua 

ia 

3.a 

ki 

i 

kia 

ia 

4.a 

ri 

ma 

ria 

ma  (a  +  a  =  a) 

5.a 

u 

mau 

ua 

ma  (a  -f-  a  =  a) 

6.a 

lu 

malu 

lua 

ma  (a  +  a  =  a) 

7.a 

tu 

matu 

tua 

ma  (a  -f-  a  =  a) 

8.a 

ku 

maku 

kua 

ma  (a  +  a  =  a) 

9.a 

— 

ji 

ia 

já  (contracção  de  ji  e  a) 

10.\ 

ka 

tu 

ka  (a  -\-  a  =  a) 

tua 

EXERCÍCIOS 

Muhatu  ua  mukongo  —  a  mulher  do  caçador. 
Mukanda  ua  mundele  —  a  carta  do  branco. 
Mutue  ua  muhatu  —  a  cabeça  da  mulher. 
Kinda  kia  makoko  —  o  cesto  dos  cocos. 
Rilonga  ria  kuria  —  o  prato  de  comida. 
Ribito  ria  inzo  —  a  porta  da  casa. 
Mauta  ma  mukongo  —  as  espingardas  do  caçador. 
Maku  ma  muhatu  —  as  mãos  da  mulher. 
Tubia  tua  mulogi  —  o  fogo  do  feiticeiro. 
Makuria  ma  mindele  —  as  comidas  dos  brancos. 
Jimbua  ja  funda  —  os  cães  do  acampamento. 
Kamona  ka  mahatu  —  o  filhinho  da  mulher. 

PRONOMES  PESSOAIS 

Eme  — eu.  Etu  — nós. 

Eie  —  tu.  Enu  —  vós. 

Muene  —  êle.  Ene  —  eles. 


PRONOMES  POSSESSIVOS 


Ami  —  meu. 
É  —  teu. 
Ê  —  seu. 


Etu  —  nosso. 
Enu  —  vosso. 
A  — seu. 


N'Golas  —  Celeiros  indígenas 


N'Golas  —  Celeiros  indígenas 


Popul.  indigc7ia<t  de  Angola. 


(12) 


DE  ANGOLA 


13 


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14 


POPULAÇÕES   INDÍGENAS 


PRONOMES  DEMONSTRATIVOS 

Os  pronomes  demonstrativos,  segundo  o  grau  de  proximidade  ou 
distância  tem  três  formas :  uma  para  indicar  uma  pessoa  ou  coisa  muito 
próxima  da  pessoa  que  fala,  outra  uma  pessoa  ou  coisa  um  bocado  mais 
afastada  desta  e  outra  para  muito  longe. 

Concordância  dos  pronomes  demonstrativos  com  os  substantivos, 
segundo  as  suas  classes 


Prefixos  con- 
cordantes 

Exemplos 

Hl 

u 

CD 

Plural 

Singular 

Plural 

6 

Cfl 

1.» 

mu 

a 

mutu  iú  ou  ió  —  esta  pessoa. 

>  atu  á  ou  iá  —  estas  pessoas. 

2.a 

mu 

mi 

mukanda  ó  —  essa  carta  . 

mikanda  oio  ou  ioio  —  essas 
cartas. 

3.a 

ki 

i 

kinda  kiná  —  aquele  cesto  . 

inda  iná  —  aqueles  cestos. 

4.a 

ri 

ma 

rilonga  eri  ou  reri  —  este 
prato  

malonga  ama,  mama  ou 
mona  —  estes  pratos. 

5.a 

u 

mau 

ulungo  ó  —  essa  canoa  .  .  . 

maulungu  orno  ou  momo  — 

essas  canoas. 

6.a 

lu 

malu 

lumbu  luná  —  aquele  muro  . 

malumbu  maná  —  aqueles 
muros. 

7.a 

tu 

ma  tu 

tujola  otu    ou   tutu  —  esta 
tesoura 

ma  tujola  ama,  mama  ou 
morna  —  estas  tesouras. 

8.a 

ku 

maku 

kunua  oko  ou  koko  —  essa 
bebida , 

mukunua  orno  ou  momo  — 

essas  bebidas. 

9.a 

— 

ji 

polo  eji  ou  iji  —  esta  cara.  . 

jipolo  eji  ou  jiji  —  estas 
caras. 

10.a 

ka 

tu 

kahoji  oko  ou  koko  —  este 
leãozinho 

tuhoji  oto  ou  totó —  estes 
leõezinhos. 

PRONOMES  INTERROGATIVOS 


Inii  ?  —  que  ?  qual  ? 

Kuxi  ?  kikuxi  ?  —  qual  ?  quanto  ? 

Lukuxi  ?  —  quantas  vezes  ? 

Luakakuxi  ?  —[qual  vez  ? 

Ebi  ?  —  onde  ? 

Nanii  ?  muhuanii  (mukuainii)  ?  —  quem  ? 


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N'golas  —  Preparação  da  farinha 


Popul.  indiffena-t  cie  Angola 


(14) 


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N'Golas  -  O  pilão 


Popul.  indígenas  de  Angola 


(14  a) 


DE   ANGOLA 


15 


NUMERAIS  CARDINAIS 


1  —  moxi. 

2  —  iari. 

3  — tatu. 

4  —  uana. 

5  — tanu. 

6  —  samanu. 

7  —  sambuari. 

8  —  nake. 

9  —  ivua. 

10  —  kuinii. 

11  —  kninii  ni  moxi. 

12  — kuinii  ni  iari. 

13  —  kuinii  ni  tatu. 

14  —  kuinii  ni  uana. 

15  —  kuinii  ni  tanu. 

16  —  kuinii  ni  samanu. 

17  —  kuinii  ni  sambuari. 

18  —  kuinii  ni  nake. 

19  —  kuiniivua. 

20  —  makuiniari 

30  —  makuinia-tatu. 

31  —  makuinia-tatu  ni  moxi. 


40  —  makuinia  uana, 

41  —  makuinia-uana  ni  moxi. 

50  —  makuinia-tanu. 

51  — makuinia-tanu  ni  moxi. 

60  —  makuinia- samanu. 

61  —  makuinia-samanu  ni  moxi. 

70  —  makuinia-sambuari. 

71  —  makuinia-sambuari  ni  moxi. 

80  —  makuinia-nake. 

81  —  makuinia-nake  ni  moxi. 

90  —  makuiniivua. 

91  —  makuiniivua  ni  moxi. 
100  — háma. 

200  —  háma  jari. 
300  —  háma  jitatu. 
400  —  háma  jiuana. 
500  —  háma  jitanu. 
600  —  háma  jisamanu. 
700  —  háma  sambuari. 
800  —  háma  nake. 
900  —  háma  ivua. 
1000  —  kuinii  ria  háma. 


Rianga  —  primeiro. 
Kaiari  —  segundo. 
Katatu  —  terceiro. 
Kauana  —  quarto. 
Katanu  —  quinto. 


NUMERAIS  ORDINAIS 

Kasamanu  —  sexto. 
Kasambuari  —  sétimo. 
Kanake  —  oitaxo. 
Kavua  —  nono. 
Kakuinii  —  décimo. 


VERBOS 


Eme  ngolobanga  —  eu  faço,  eu  luto. 
Eme  ngabanje  —  eu  fiz. 
Eme  ngabanjele  —  eu  fizera. 

Forma  negativa 

Eme  ki  ngibangami  —  eu  não  faço. 

Eme  ki  ngolabangami  —  não  estou  fazendo. 

Muene  ki  kabangie  —  êle  não  faz. 

Ene  ki  kabangeria  —  eles  não  fizeram. 

Ene  ki  ngakexiriami  mubanga  —  eu  não  estava  fazendo. 

Enu  ki  muakexirienu  mubanga  —  vós  estáveis  fazendo. 

Eme  ki  ngondobadgami  —  eu  não  farei. 

ADVÉRBIOS 
Qualidade 

Kiambote,  kiauaba  —  bem.  Kiaiiba  —  mal. 


16 


POPULAÇÕES   INDÍGENAS 


Quantidade 
Kiavulu,  hionene  —  muito.  Kiofele  —  pouco. 

Número 
U  moxi  —  uma  vez.  MaVulu  —  muitas  vezes. 


Lelu  — hoje. 
Mungu  —  amanhã. 
Maza  —  ontem. 


Mumu  —  aqui  (dentro). 
Boba  —  aqui  (sobre). 
Kuku  —  aqui  —  (junto). 
Momo  —  lá  (perto)  dentro. 
Bobo  —  lá  (perto)  sobre. 


Tempo 


Lugar 


Munguriná—  depois  de  amanhã. 
Mazariná  —  aníes  de  ontem. 
Kindala  —  agora  mesmo. 


Koko  —  lá  (perto)  junto. 
Muna  —  lá  (longe)  dentro. 
Bana  —  lá  (longe)  sobre. 
Kuná  —  lá  (longe)  junto. 


interrogativos 


Ebi?  kiebi?  kié?  —  como? 


Muebi?  buebi?  —  aonde? 


Ene,  exi  —  sim. 
kana  —  não. 


Afirmação  e  negativa 

Kiene  —  é  assim. 

Ki  kiene  ê  —  não  é  assim. 


INTERJEIÇÕES 


Xé!  é!  —  (para  chamar  a  atenção). 
E'  ngana!-—  ó,  senhor! 


ai!  —  dôr. 
tatá!  tatá 


admiração. 


VOCABULÁRIO 


Ku  amba  —  dizer. 
Anga  —  ou. 
Ku  beka  —  trazer. 
Ku  enda  —  andar. 
Ku  haha  —  ofegar. 
Ku  jiba  —  matar. 
Kahatu  —  rapariga. 
Kiala  —  unha. 
Ku  kula  —  crescer. 
Ku  lamba  —  cozinhar. 
Lelu  —  hoje. 
Ku  lundula  —  empurrar. 
Makania  —  tabaco. 
Maniinga  —  sangue. 
Mazariná  —  anteontem. 
Mbolo  —  pão. 
Mueniu  —  vida. 
Mungu  —  amanhã. 


Ngandu  —  esteira. 
Ku  ongeka  —  ajuntar. 
Poko  —  faca. 
Ribata  —  choupana. 
Ribengu  —  rato. 
Ritui  —  orelha. 
Sanji  —  galinha. 
Ku  sota  —  procurar. 
Ku  sunga  —  puxar. 
Ku  takula  —  lançar. 
Ku  texi  —  deitar  fora. 
Ku  ambata  —  levar. 
Ku  bana  —  dar 
Bokona  —  entrar. 
Kufua  —  morrer, 
langu  —  capim. 
Ku  jima  —  apagar. 
Kalunga  —  mar. 


N'G-olas  —  Reduzindo  a  mandioca  a  farinha 


Popttl.  indígenas  de  Angolt 


(16) 


DE    ANGOLA 


17 


Kiba  —  pele. 

Ku  kusuka  —  estar  vermelho. 

Kimbamba  —  carga. 

Lumbi  —  inveja. 

Lusolo  —  pressa. 

Makutu  —  mentira. 

Mazá  —  ontem. 

Nbiji  —  peixe. 

Muebu  —  sobrinho. 

Mulundo  —  montanha. 

Ndemba  —  cabelo. 

Nguzu  —  força. 

Pangue  —  irmão. 

Riala  —  homem. 

Ribitu  —  porta. 

Rigina  —  nome. 

Rileçu  —  lenço. 

Kusoma  —  carregar. 

Ku  sula  —  forjar. 

Ku  ta  —  pôr. 

Tatá  —  pai. 


Ku  titila  —  palpitar. 
Ku  tona  —  acordar. 
Ku  tumaka  —  obedecer. 
Ku  tunga  —  construir. 
Uoma  —  medo. 
Uta  —  espingarda. 
Xibulu  —  discípulo. 
Xingu  —  pescoço. 
Ku  zangula  —  levantar. 
Ku  zuela  — falar. 
Kikumbi  —  noiva. 
Ku  tonesa  —  acordar-se. 
Ku  tumbuka  —  saltar. 
Ualua  —  cerveja. 
Usuku  —  noite. 
Ku  xala  —  ficar. 
Ku  xinga  —  insultar. 
Xitu  —  carne. 
Ku  zola  —  amar. 
Ku  zuza  —  assar. 
Kiselo  —  criado. 


PROVÉRBIOS  . 

Muzueri  uonene  kalunguê  —  o  falador  grande  não  tem  razão,  cão  que 
ladra  não  morde. 

Kima  katariê  ku  mukila  uê  —  o  macaco  não  repara  no  rabo  dele,  ninguém 
vê  o  argueiro  no  seu  olho. 

Tua  rijia  jipolo  tua  rijietu  mixima  —  nós  nos  conhecemos  pela  cara,  não 
nos  conhecemos  pelo  coração;  pelas  obras  e  não  pelo  vestido  é  o  ho- 
mem conhecido. 

Kuba  ki  kutexiê  kuenda  ki  kujimbiriFê  —  dar  não  é  desperdiçar,  andar 
não  é  perder-se;  fazer  bem,  nunca  se  perde,  faze  tu  bem  não  cates  a 
quem. 


ENIGMAS 


PREGUNTA 

Matari  maiari  bu  tabu  —  pedras 

duas  no  porto. 
Zá  riabu,  ndé  riabu  —  vem  diabo 

vai  diabo. 


RESPOSTA 

Mele  maiari  bu  tulu  —  Mamas  duas 

no  peito. 
Ribitu  —  porta. 


Em  quási  toda  a  zona  ocupada  pelos  N'golas  se  encontra 
quem  mais  ou  menos  fale  o  português,  e,  em  algumas  regiões  — 
e  destas  principalmente  iVmbaca —  quem  o  escreva,  por  forma 
que  a  portugueses  às  vezes  se  torna  difícil  compreendê-lo  e  lê-lo. 


18 


POPULAÇÕES    INDÍGENAS 


A  dança,  a  música  e  o  canto  são  as  principais  distracções  e 
o  passatempo  mais  estimado  destes  povos ;  no  entanto,  não  tem 
cantos  guerreiros  e  de  caça,  como  algumas  tribus  do  sul  da  pro- 
víncia, e  as  suas 
danças  constituí- 
das por  diversas 
variantes  do  mo- 
nótono e  caricato 
batuque,  nada  tem 
digno  de  menção. 

Como  instru- 
mento de  música, 
o  mais  vulgar  é 
uma  espécie  de 
tambor,  que  tocam 
percutindo  com  as 
mãos. 

Os  N^olas  não 
se  dedicam  a  cons- 
truções de  estradas 
ou  pontes,  a  não 
ser  que  a  isso  se- 
jam compelidos,  e 
sob  a  direcção  de 
europeus.  Um 
tronco  duma  ar- 
vore, alcançando 
as  duas  margens 
do  curso  de  água 
a  vencer  constituo 
uma  ponte. 

Em  Loanda  e 
nas  regiões  atra- 
vessadas por  cur- 
sos de  água,  há 
homens  que  se  de- 
dicam   à    navega- 


Um  caçador  de  Cabiri 


cão,  que  se  faz  nos  dongos,  a  que  já  tivemos  ocasião  de  nos 
referir,  e  que  são  dirigidos  com  varas  de  palmeiras,  a  que  cha- 
mam mingas. 

Como  já  tivemos  ocasião  de  dizer,  não  gostam  de  serviço  de 


DE   ANGOLA 


19 


transporte  de  cargas,  mas,  quando  não  podem  deixar  de  o  fazer, 
as  cargas  são  transportadas  ao  ombro  e  à  cabeça.  Em  Catete 
usam  as  mulheres  uma  forma  de  carregar  que  não  vemos  em 
outras  regiões  desta  zona,  e  que  consiste  em  suspender  a  carga 
nas  costas  por  cordas  ou  fibras  vegetais  que  firmam  na  testa. 


Forma  de  carregar  na  região  de  Catete 

Dividem  o  ano  em  três  partes :  Kusamanu,  de  Janeiro  a  Maio 
Kixibu,  de  Junho  a  Outubro  ;  Kutanu,  de  Outubro  a  Dezembro 

Entre  estes  povos  estão  ainda  bastante  arreigados  os  costu 
mes  de  magia  para  tratamento  das  suas  enfermidades.    Encon 
tra-se  sempre  entre  eles  quem  deste  facto  tire  partido  para  gosat 
uma    situação    predominante    e  viver   à   custa  dos   desgraçados 
clientes  que  se  entregam  às  suas  mãos. 


20 


POPULAÇÕES   INDÍGENAS 


Os  kimbandas,  assim  se  dominam  os  curandeiros  indígenas, 
empregam  como  preâmbulo  das  suas  consultas  um  certo  numero 
de  cerimónias  de  magia,  com  o  fim  de  preparar  o  espírito  do 
cliente  a  facilmente  crer  nas  suas  curandices. 

Para  este  fim,  empregam  mil  e  uma  bujigangas  e  porcarias, 
com  que  se  servem  e  com  que  praticam  umas  scenas  de  presti- 


N'golas  —  Construindo  uma  esteira  (Ambaca) 

digitação,  e  que  variam  segundo  a  região  e  o  espirito  inventivo 
dos  curandeiros. 

Um  celebre  curandeiro  de  Icolo  e  Bengo  vestia  para  as  ceri- 
mónias um  roupão  branco,  uma  espécie  de  túnica,  presa  à  cin- 
tura por  uns  cordões  e  um  boné  de  fibras  vegetais.  Possuía 
túnicas  de  vários  tamanhos,  e  na  cerimónia  a  grandeza  da  túnica 
variava  conforme  o  que  o  cliente  pagava. 

Depois  de  paramentado,  o  imbanda  (singular  de  Icimbanda) 
começava  por  adivinhar  a  doença  e  a  sua  origem.  Para  isso, 
sobre  um  pedaço  de  pau  fazia  deslizar  um  outro  menor,  que 
encaixava  em  uma  caiba  naquela  talhada,  e  acompanhava  os 
movimentos  por  palavras  cabalísticas.  A  determinada  altura 
fingia  que  o  pau  emperrava,  e  isso  era  o  sinal  de  ter  adivi- 
nhado. 


Uma  olaria  em  Cabiri 


Popul.  indígenas  de  Angola. 


(20) 


DE  ANGOLA  21 

Usava  outras  pantominices,  como  fossem  a  de  espargir  água 
benta  duma  velha  panela  assente  sobre  um  tripé;  e  só  depois 
de  ter  bem  preparado  o  cliente  entrava  no  campo  do  receituário. 

Do  receituário  podem  distinguir-se  os  remédios  que  operam 
por  sugestão  e  os  que  são  extraídos  de  várias  plantas  e  vegetais 
da  flora  africana. 

Dos  primeiros,  enumeraremos  os  colares  e  pulseiras  de  fibras 
vegetais  e  a  suspensão  ao  pescoço  ou  em  volta  da  barriga  de 
determinadas  sementes,  como  a  do  dixima,  para  perservativo 
contra  a  inveja  ou  contra  determinadas  doenças,  pomada  feita 
com  pós  dum  bocado  de  canoa  partida  pelo  cavalo  marinho, 
que,  aplicada  nos  braços  e  pernas,  serve  para  curar  os  espíritos 
que  chamam  Ngombo,  escrementos  de  animais  para  benzer  a 
água,  com  que  espargem  sobre  as  crianças  que  tem  almas  do 
outro  mundo  no  corpo,  fricções  com  pó  das  enxurradas  dos 
rios  por  ocasião  das  cheias,  contra  o  reumatismo,  etc. 

Dos  segundos,  enumeraremos  a  fuligem,  para  tomar  com 
água  contra  as  doenças  do  peito,  beberragens  de  infusão  de 
folhas  para  as  dores  de  barriga  e  lombrigas,  fumigações  do 
anus  queimando  escremento  de  elefante  com  pós  de  tacula  para 
o  tratamento  do  hemorroidal,  etc. 

III.  —  Da  vida  familial 

O  nascimento. — A  educação.  — O  casamento. 
—  A  morte.  —  A  família.  —  A  religião,  rito, 
culto,  divindade  e  sacerdócio. 

,  Não  é  costume  fazerem  festejos  ou  sacrifícios  antes  ou  depois 
do  nascimento,  nem  tomam  qualquer  precaução  para  protecção 
da  mãe. 

A  mulher  tem  o  parto  onde  reside,  sendo  ajudada  pelas 
mulheres  velhas. 

A  duração  do  período  de  lactação  varia  muito,  chegando  a 
durar  três  anos ;  no  entanto  poucos  dias  depois  do  nascimento, 
começam  a  dar  às  crianças  recemnascidas  comida,  ao  que  se 
deve  o  grande  desenvolvimento  do  abdómen  e  o  raquitismo  de 
que  muitas  crianças  sofrem. 

Não  obstante  os  pais  tratarem  igualmente  os  filhos,  quer 
estes  sejam  do  sexo  masculino,  quer  sejam  do  sexo  feminino, 
parece  que  em  geral  ficam  mais  satisfeitos  quando  as  mães  tem 


22  POPULAÇÕES    INDÍGENAS 

filhas.  Tem  a  sua  explicação  este  facto—  pois  que  cada  filha  repre- 
senta sempre  uma  quantia  proveniente  do  presente  de  noivado. 

Em  geral,  não  cuidam  da  educação  física,  intelectual  ou  moral. 

Conservam  a  maioria  destes  povos  a  prática  da  circuncisão. 


* 


O  casamento  consta  de  duas  cerimonias  :  a  doação  da  noiva 
pela  família  e  a  aceitação  pelo  marido.  Depois  de  pedida  a 
donzela,  o  noivo  tem  que  dar  à  sua  família  um  presente  em 
dinheiro,  gado,  fazendas  ou  aguardente  de  valor  variável  entre 
10$  e  50$,  a  que  se  dá  o  nome  de  alambamento  (palavra  apor- 
tuguezada  de  kulemba,  presentear),  presente  que  é  retribuído 
com  outro  de  menos  valor  no  dia  em  que  a  noiva  é  conduzida 
ao  lar  conjugal. 

A  poligamia  é  o  regime  predominante  do  casamento ;  o  indí- 
gena deseja  ter  um  grande  numero  de  mulheres,  que  representa 
ao  mesmo  tempo  um  capital,  uma  riqueza  de  braços  para  o 
trabalho  das  lavras,  a  esperança  de  ter  mais  filhos  e  um  luxo 
muito  apreciado. 

Entre  estes  povos,  as  mulheres  são  verdadeiras  escravas  do 
marido,  que  as  sustenta,  variando  a  sua  situação  na  vida  do- 
méstica, pois  a  mais  antiga  gosa  de  mais  autoridade  e  respeito 
por  parte  das  outras  e  merece  mais  consideração  da  parte  do 
marido. 

Existe  o  divórcio,  sendo  causas  determinantes  :  a  incapacida- 
de procriativa  do  marido ;  a  ausência  por  longo  tempo ;  a  este- 
rilidade da  mulher  :  a  inaptidão  da  mulher  para  os  trabalhos 
agrícolas  e  a  existência  da  deformidade  física. 

O  adultério  não  é,  em  regra,  causa  do  divórcio.  As  mulheres 
adúlteras  são  quási  sempre  as  mais  estimadas  pelos  maridos, 
que  as  incitam  à  corrupção  para  receberem  as  indemnizações 
que  os  cúmplices  são  obrigados  a  pagar-lhes. 

No  caso  do  divórcio,  o  marido  exige  sempre  à  família  da 
mulher  a  restituição  do  alambamento  e  de  todos  os  presentes 
que  dele  hajam  recebido.  No  caso  da  mulher  se  divorciar  para 
casar  novamente,  é  o  segundo  marido  quem  tem  de  indemnizar  o 
primeiro  do  que  este  gastou  com  o  alambamento. 

Os  filhos,,  na  grande  maioria  dos  casos  acompanham  as 
mães. 


Popul.  indígenas  de  Angola. 


(2-2) 


DE   ANGOLA  23 


#         * 


No  tratamento  das  doenças  e  acidentes,  consultam  os  curan- 
deiros a  que  já  tivemos  ocasião  de  nos  referir. 

Entre  estes  povos  não  se  usam  práticas  religiosas,  danças  ou 
cantos  nos  últimos  momentos  do  moribundo ;  não  sucede  o  mes- 
mo com  os  funerais,  que  são  sempre  motivo  para  batuques,  que 
às  vezes  se  prolongam  por  alguns  dias  :  —  os  que  transportam  o 
morto  para  o  local  onde  ha-de  ser  sepultado,  a  meio  caminho 
voltam  para  traz,  declarando  que  o  morto  ainda  não  quere  ser 
sepultado  e  deseja  ser  mais  chorado. 

JEm  Loanda,  no  bairro  denominado  da  Ingombota,  depois  do 
morto  ser  sepultado,  há  o  costume  de  reunir  em  casa  do  falecido 
um  certo  número  de  indivíduos,  havendo  entre  eles  um  ou  dois 
que  contam  umas  historias,  a  que  dão  o  nome  de  misósos.  To- 
dos os  ouvintes  devem  conservar-se  o  mais  atentos  possivel,  não 
lhes  sendo  permitido  conversar,  rir,  ou  dormir.  Aos  que  trans- 
gridem semelhante  preceito,  é-lhes  exigido  pelo  que  conta  a 
historia  um  prémio.  Acabado  o  misoso,  o  que  contou  a  história 
estipula  por  cada  prémio  que  tem  em  seu  poder  uma  determi- 
nada quantia  em  dinheiro  ou  géneros  alimentícios,  que  os  pos- 
suidores dos  respectivos  prémios  tem  que  pagar.  Reunido  que 
seja  o  produto  dos  prémios,  entregam-se  a  uma  desenfreada 
orgia. 

Tem  vários  cemitérios,  uns  escolhendo  locais  afastados  das 
povoações  e  ao  longo  dos  caminhos,  e  outros  sepultando  os 
mortos  dentro  da  própria  sanzala. 

Como  sinais  de  luto,  nos  menos  civilizados  é  costume  pintar 
a  testa  com  barro  preto,  e  entre  os  mais  civilizados  é  já  costume, 
principalmente  entre  as  mulheres,  o  uso  dos  panos  pretos. 

Sobre  as  sepulturas  é  hábito  colocarem  garrafas,  pratos  e 
outros  objectos  de  uso  do  falecido,  e  supõem  que  assim  proce- 
dendo livram  a  familia  de  doenças  e  prejuízos. 


Por  virtude  da  assimilação  europeia  por  que  estes  povos  teem 
passado,  a  familia,  entre  si,  não  constitue,  como  na  maioria  das 


24  POPULAÇÕES    INDÍGENAS 

tribus  da  província,  uma  instituição  em  que  todos  os  membros 
da  família  são  considerados  solidariamente  responsáveis  pelos 
crimes  cometidos  por  qualquer  dos  seus  membros;  entre  os  N'golas 
não  existe  esta  solidariedade. 

Não  se  pode  considerar  como  regra  geral,  entre  os  N'golas, 
o  parentesco  pela. linha  materna,  porquanto,  em  grande  número 
de  casos,  o  parentesco  está  estabelecido  pela  linha  paterna.  No 
primeiro  caso,  a  sucessão  é  colateral :  os  herdeiros  são  os  sobri- 
nhos, filhos  de  irmãs  uterinas  do  autor  da  herança,  e,  não 
existindo  sobrinhos,  filhos  de  irmãs  uterinas,  herdam  os  irmãos 
uterinos  do  autor  da  herança.  No  segundo  caso,  a  sucessão  é 
dos  pais  para  os  filhos. 

O  pai  é  chefe  principal  da  família. 

Os  pais  amam  os  filhos,  e  principalmente  as  mulheres  tem 
vivo  o  sentimento  materno,  criam-nos  e  teem-nos  consigo  os  pri- 
meiros anos,  que  passam  às  suas  costas. 

A  constituição  da  familia,  como  acabámos  de  ver,  devido  a 
transformação  porque  estes  povos  teem  passado,  não  pode  classi- 
ficar-se  duma  maneira  precisa,  como  sucede  nas  restantes  tribus 
da  província. 

Os  N' golas,  como  as  restantes  tribus  da  família  bantu,  crêem 
na  existência  duma  força  suprema,  um  espírito  que  se  manifesta 
pelo  seu  poder,  que  respeitam,  mas  que  não  representam  mate- 
rialmente por  imagens. 

A  superstição  preocupa  a  todo  o  momento  as  populações 
indígenas,,  vivendo  em  uma  atmosfera  de  terror,  terror  de  tudo 
que  o  rodeia,  e  de  desconhecidas  divindades  que  lhes  falam  por 
intermédio  dos  feitiços. 

Daí  os  feitiços  de  toda  a  espécie,  onde  opera  ou  habita 
a  virtude  dalgum  espírito  ou  alma  dos  antepassados  ou  dos 
feiticeiros,  que  podem  exercer  uma  influência  perniciosa,  e 
que  para  a  não  exercerem  convêm  aplacar  com  ofertas  e  sacri- 
fícios. 

Entre  os  feitiços  de  que  publicamos  afotogravura,  encontra-se 
um  de  Ambaca,  a  quem  davam  os  nomes :  Nganga  Kazenda, 
Ngola  Lemba,  Katulu  Mbata,  Kiondongolo  e  Muenexi.  Este  fei- 
tiço deu  lugar  a  que  muitos  crentes  ficassem  quási  reduzidos  à 
miséria,  porque  os  kimbandas  só  muito  caro  faziam  a  umbanda 


El 
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j    Popul.  indígenas  de  Angola. 


(24; 


DE   ANGOLA  25 

(magia,  acto  de  curar)  em  o  Nganga  Kazenda.  Este  feitiço  era 
muito  respeitado,  e  a  pessoa  que  teimasse  em  vô-lo  ficaria  cega. 

Um  missionário  da  missão  americana  descobriu  o  local 
onde  tão  precioso  objecto  se  encontrava  enterrado,  e  pôde 
convencer  os  crentes  das  circunvisinhanças  que  o  feitiço  não 
passava  dum  ferro  gasto  pela  ferrugem  que  nenhum  mal  podia 
produzir. 

Entre  os  N'golas  não  existem  cubatas  reservadas  a  uma  espé- 
cie de  templo,  mas  existem  os  feiticeiros  e  adivinhos,  rendosa 
profissão  de  que  lançam  mão  os  mais  espertos,  e  que,  impondo-se 
pelas  práticas  de  magia,  passam  a  ser  considerados  como  tal. 
Consideram-nos  como  gosando  dos  poderes  particulares  ou  sobre- 
naturais, sendo  por  isso  muito  temidos  e  dispondo  a  seu  belo 
prazer  das  populações  indígenas. 


IV.  —  Da  vida  social 

Espécie  da  vida.  —  Classes  e  castas.  — 
Organização  política.  —  Propriedade.  — 
Regime  económico.  —  Costumagens  jurí- 
dicas. 

Uma  das  manifestações  do  grau  de  adiantamento  da  raça 
negra,  e  sobretudo  dos  N'golas,  é  a  fixação  à  terra  onde  o  preto 
vai  buscar  o  seu  alimento,  não  levando  a  vida  errante  que  cara- 
cteriza a  raça  boschiman. 

A  organisação  social  dos  povos,  pela  diversidade  das  suas 
origens  e  principalmente  pela  acção  das  autoridades,  perdeu  o 
característico  que  a  maioria  das  tribus  da  província  ainda  con- 
serva. No  entanto,  a  organização  soeial  compreende  várias  clas- 
ses, como  sejam  os  chefes  —  nas  regiões  onde  ainda  eles  exis- 
tem — ,  os  homens  ricos  e  os  que  pela  tintura  de  civilização  que 
adquiriram  teem  uma  certa  preponderância.  Raro  é  encontrar 
entre  estes  povos  escravos,  e  é  para  notar  que  os  raros  casos  de 
escravatura  que  se  tem  constatado  partem  dos  mestiços,  que 
não  perdem  a  ocasião,  sempre  que  a  podem  exercer. 

A  nossa  colonização,  principalmente  a  acção  dos  missionários 
jesuítas,  criou  um  tipo  sui  generis,  que,  por  ser  frequente  em 
Ambaca,  se  denominou  ambaquistas,  mas  que  se  encontra  entre 
os  povos  de  toda  a  vasta  zona  ocupada  pelos  N'golas,  sendo  vul- 
garmente designados  pelo  nome  de  calcinhas. 
3 


26  POPULAÇÕES    INDÍGENAS 

Vestido  à  europeia,  esfarrapado,  do  casaco  restando  só  quási 
as  mangas,  meio  calçado  meio  descalço,  não  dispensando  um 
chapéu  ou  um  desbotado  boné,  entregando-se  a  uma  doentia 
ociosidade,  e  a  quem  o  mascavado  português,  que  fala  e  que 
escreve  só  serve  para  burlar  os  seus  ingénuos  compatriotas  com 
reclamações  e  requerimentos,  baseados  na  pinturesca  interpre- 
tação que  dão  à  Constituição  da  Republica,  o  calcinhas  é  o  tipo 
do  indígena  semi-educado,  semi-civilizado,  um  dos  piores  ele- 
mentos da  população  indígena. 


* 
*       * 


Entre  estes  povos  encontrámos,  como  na  maioria  das  tribus 
da  província,  uma  organização  política,  com  um  chefe  soberano 
subordinado  às  leis  tradicionais  da  tribu  que  representa.  O 
desprêso  por  estes  chefes,  o  manifesto  propósito  de  os  desviar 
da  ingerência  na  administração  dos  indígenas  e  até  de  os  hosti- 
lizar, por  parte  das  antigas  autoridades  administrativas,  favo- 
recido pela  diversidade  de  origem  destes  povos,  teve  como  resul- 
tado a  decadência  e  em  grande  parte  a  extinção  dos  chefes 
gentílicos.  Não  se  trata  de  qualquer  progresso  ou  avanço  dentro 
do  quadro  da  sua  civilização,  porque  a  sua  primitiva  organiza- 
ção politica  não  se  transformou  ou  não  foi  substituída  por  outra: 
—  foi  extinta. 

Assim  é  que,  nesta  vasta  zona  dos  N'golas,  só  encontramos 
autoridades  gentílicas  em  Icolo  e  Bengo  e  no  Golungo  Alto.  O 
chefe,  que  se  chama  soba,  pouca  influência  tem  entre  os  seus 
subordinados,  e  como  a  área  de  cada  sobado  ou  estado  é  peque- 
na, e  nalgumas  regiões  como  Icolo  e  Bengo  se  reduz  a  pouco 
mais  de  uma  povoação,  o  soba  não  tem  necessidade  de  sobetas, 
cercando-se  dum  certo  número  de  homens  de  preponderância, 
seus  conselheiros,  que  se  chamam  macotas. 


* 


A  propriedade  pertence  a  quem  a  trouxe  para  o  lar,  sendo 
no  entanto  administrada  pelo  homem.  A  mulher  é  em  geral 
quem  dispõe  dos  bens  mobiliários  e  dos  utensílios  da  cosinha. 

A  propriedade  é  privada  e  assinalada  por  limites,  não  exis- 


Popuh  indígenas  de  Angola 


(26) 


DE   ANGOLA 


27 


tindo,  como  em  algumas  tribus,  logradouros  públicos  pertencen- 
tes às  povoações,  e  aproveitados  em  comum. 

Estes  povos  fazem  o  contracto  de  troca,  empréstimo,  compra 
e  venda,  sendo  frequente  aparecerem  documentos,  alguns  muito 
antigos,  lavrados  por  ambaquistas,  a  que  dão  o  nome  de  escri- 
turas de  venda  mas  que  não 
são  mais  que  escritos  parti- 
culares de  troca  de  arimos. 

Quando  as  vendas  ou 
trocas  são  feitas  a  crédito, 
dão  sempre  um  fiador... 
e  por  serem  pessoas  de  mor- 
rer e  fugir,  dou  por  meu 
fiador  F. . . 


Não  obstante  o  serem  a:| 
regiões  ocupadas  por  N'go- 
las  aquelas  onde  mais  difun- 
dida e  espalhadas  e  encon- 
tra a  moeda  portuguesa,  a 
forma  do  comércio  que  ain- 
da prevalece  é  a  permuta. 

Permutam  os  produtos 
da  terra  por  panos,  macha- 
dos, catanas,  facas,  camisas, 
camisolas,  etc.  Os  produtos 
permutados  variam  con- 
forme as  regiões  :  uns  desti- 
nam-se  à  exportação  e  ou- 
tros servem  para  consumo. 
Dos  produtos  de  exportação  Um  criad0 

enumeraremos :  o  café,  que  constitue  o  principal  género  de  per- 
muta em  Cazengo,  nó  Golungo  Alto  e  em  Ambaca  ;  o  coconote  e 
azeite  de  palma,  que  constituem  os  principais  géneros  de  permuta 
no  Dondo  e  Alto  Dande ;  o  gado  suino  e  bovino,  aquele  género  per- 
mutado em  Icolo  e  Bengo,  e  este  em  Pungo  Andongo  e  Quisenga, 
Dos  produtos  para  consumo,  permutam-se,  em  grande  escala,  em 
todas  as  regiões,,  o  feijão,  a  batata,  o  milho,  a  fubá,  etc. 


28  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Como  já  dissemos,  entre  estes  povos  cofre  a  moeda  portu- 
guesa, principalmente  a  moeda  de  cobre  e  prata;  de  moeda  de 
papel,  as  notas  que  mais  curso  tem  são  as  dum  escudo. 


Como  .já  acima  referimos,  estes  povos  fazem  contrato  de 
troca,  empréstimo,  compra  e  venda  ;  o  contrato  é  em  geral  ver- 
bal, a  não  ser  nos  casos  igualmente  indicados  de  escritos  parti- 
culares; e  quando  são  celebrados  contratos  de  compra,  venda 
ou  troca  a  crédito,  o  comprador  ou  permutador  que  recebe  o 
objecto  entrega  ao  vendedor  ou  ao  permutador  uma  cabra  ou 
um  porco,  com  que  fazem  um  pequeno  festim,  destinado  a  tornar 
público  o  contrato,  e  cie  que  se  guarda  sempre  a  queixada  do 
animal  como  documento  autêntico. 

Outras  vezes  fazem  cortes  nas  árvores  para  servirem  de 
provas  do  contrato  celebrado.  E'  costume  entre  alguns  destes 
povos,  quando  precisam  de  recorrer  ao  empréstimo,  mandarem 
para  a  casa  da  mutuante  um  homem  ou  mulher  para  prestar 
serviço  até  o  espaço  do  reembolso.  Em  outros  casos,  o  emprés- 
timo faz-se  mediante  caução  do  objecto  de  valor  superior,  sem 
juro,  perdendo  porém,  o  direito  ao  objecto  empenhado  se  o 
devedor  não  pagar  no  prazo  estipulado  O  contrato  de  usura 
não  se  pratica,  e  não  deve  confundir-se  com  este  contrato  o 
facto  dos  mutuários  exigirem  o  quádruplo  ou  quíntuplo  do 
valor  do  objecto,  quando  o  mutuário  não  paga  no  prazo  con- 
vencionado. 

Os  N'golas  não  conhecem  a  prescrição. 

Na  grande  maioria,  a  sucessão  nestes  povos  é  colateral,  sendo 
herdeiros  os  sobrinhos,  filhos  das  irmãs  uterinas  do  autor  da 
herança,  e  não  existindo  sobrinhos,  filhos  das  irmãs  uterinas, 
herdam  os  irmãos  uterinos  do  autor  da  herança.  No  entanto, 
pela  influência  da  nossa  civilisação,  é  a  sucessão  já  em  muitos 
casos  de  pais  para  filhos. 

Não  distinguem  a  responsabilidade  civil  da  responsabilidade 
criminal,   sendo  a  simples  contestação  dum  direito  considerada 


N'golas  —  Um  tear  indígena 


Popnl.  indígenas  de  Angola. 


(28) 


DE    ANGOLA  29 

como  uma.  ofensa  que  se  desagrava  pelo  pagamento  duma  retri- 
buição pecuniária. 

Não  existe  uma  lei  ou  um  conjunto  de  leis  definindo  e  classi- 
ficando as  infracções  e  estabelecendo  penas ;  a  gravidade  destas 
é  variável  consoante  a  apreciação  dos  julgadores  e  principal- 
mente segundo  as  posses  do  réu. 

As  provas  subsidiárias  são  :  a  confissão  das  partes  e  o  de- 
poimento das  testemunhas. 

As  provas  judiciárias  das  bebidas  envenenadas  e  ferro  em 
braza  raramente  se  constatam  entre  estes  povos,  não  sucedendo 
o  mesmo  com  a  intervenção  do  feiticeiro,  que  tem  grande  peso 
na  averiguação  dos  delinquentes. 

Os  julgamentos,  onde  ainda  existem  chefes  indígenas,  são 
por  eles  presididos  com  a  assistência  dos  macotas,  que,  por 
assim  dizer,  são  quem  resolve  as  questões,  visto  o  pouco  ou 
nenhum  prestígio  que  aqueles  tem  entre  o  seu  povo. 

Nas  regiões  onde  não  existem  chefes  indígenas,  as  questões 
são  resolvidas  por  uma  espécie  de  tribunal,  constituido  pelos 
mais  velhos  das  sanzalas  ou  das  famílias  em  litígio. 

Não  são  vulgares  como  em  algumas  tribus  da  província,  os 
grandes  julgamentos  eternizando-se  com  as  longas  arengas  dos  que 
intervém  na  discussão. 


Aí EpT-iyfl     yr-ffi-      ,n,p 


CAPITULO   II 
DOS  DEMBOS 


T.  —  Dos  caracteres  etnográficos  gerais 


Origem  dos  povos  designados  por  Dembos. 
—  Situação  geográfica.  —  População. 

Por  dembos  designamos  os  povos  de  origem  congolesa  que 
habitam  a  basta  e  acidentada  região  denominada  dos  Dembos 
(jindembus,  plural  de  ndembus,  que  significa  potentado),  que 
fica  compreendida  entre  os  rios  Dande,  ao  norte ;  Bengo  ou 
Zenza,  ao  sul ;  e  o  Lombiji,  afluente  do  Zenza,  ao  oriente ;  é 
regida  por  potentados,  que  se  intitulam  também  dembos,  cuja 
autoridade,  segundo  os  sobas  e  os  povos  que  lhe  são  subordi- 
nados, é  rial  e  absoluta  umas  vezes,  meramente  decorativa 
noutras. 

A  banza  principal  de  toda  a  região  é  a  de  Santo  António, 
centro  das  terras  Caculo  Cahenda,  que,  segundo  a  significação 
deste  nome  —  kakulo,  mais  velho;  ka,  prefixo  concordante;  e 
henday  amor  — ;  nos  leva  a  crer  seja  o  filho  primogénito  dos 
antigos  reis  do  Congo,  gosando  por  este  motivo  de  maior  pre- 
ponderância e  prestígio  do  que  os  restantes  chefes  gentílicos. 

Os  povos  de  Caculo  Cahenda  são  conhecidos  por  kakulos, 
relativamente  à  tribu,  e  por  mulumbis  (filhos  do  Congo),  relati- 
vamente à  terra. 

Os  potentados  gentílicos  desta  região  consideram-se  em  geral 
irmãos,  e,  como  o  Caculo  Cahenda,  descendentes  dos  antigos 
reis  do  Congo.  São  todos  caracterizados  por  língua,  usos  e 
costumes  mais  ou  menos  idênticos,  mas,  apesar  disso,  vivem 
sempre  em  discórdias,  devido  a  divergência  de  política  por  cada 


32  POPULAÇÕES    INDÍGENAS 

um  deles  seguida  e  às  relações  em  que  se  acham  com  as  autori- 
dades portuguesas. 

A  volta  das  terras  sob  o  domínio  do  Caculo  Cahenda,  vivem 
os  povos  kibaxes,  naturais  de  Quibaxe  Sui  à-Mubemba  ;  os  kazuas, 
que  obedecem  ao  potentado  gentílico  Cazuangongo  ;  os  luangos 
ou  mubiris,  notáveis  pela  sua  velhacaria  e  intrujice,  que  povoam 
os  dembados  do  Zambi-Aluquem,  Pango-Aluquem,  Jimbo-Alu- 
quem  e  o  de  Nbumba ;  e  os  povos  mahungòs,  gente  de  índole 
pacífica,  de  origem  congolesa  também,  mas  com  usos  e  costumes 
completamente  diferentes  dos  outros  povos,  e  dos  quais  tratare- 
mos em  trabalho  especial,  por  nos  parecer  constituir  uma  única 
tribu. 

A  constituição  física  dos  povos  que  designamos  sob  o  nome 
de  dembos  varia  duns  para  outros.  Os  kibaxes  e  os  kazuas  são 
mais  robustos  e  teem  melhor  aspecto  que  os  kakulos  e  luangos 
ou  mubiris,  que  são  raquíticos  e  pouco  resistentes,  devido  não 
só  às  agruras  da  fome  por  que  constantemente  passam,  como 
por  se  entregarem  desde  tenra  idade  às  relações  sexuais. 

São  todos  em  geral,  covardes,  pouco  coléricos,  muito  pedin- 
chões e  exigentes,  pouco  dedicados,  ingratos,  e  de  caracter  pouco 
expansivo. 

A  côr  da  pele  é  preta  nos  que  habitam  ao  norte  da  região, 
sendo  parte  bronzeada  nos  do  sul  (caculos  e  luangos  ou  mubiris); 
nas  partes  do  corpo  pouco  expostas  ao  sol  e  ao  ar,  a  pele  é 
menos  preta. 

São  raros  os  casos  do  albinismo  entre  estes  povos. 

Os  cabelos  são  encarapinhados  e  pretos,  os  olhos  ovais,  a 
posição  da  iris  é  horisontal  e  de  côr  acastanhada. 

É  vulg-arissimo  as  mulheres  terem  os  seios  extraordinaria- 
mente alongados,  esféricos  na  base  e  sem  bicos,  e  as  nádegas 
com  acumulação  de  gorduras,  que  não  desaparece  pelo  emagre- 
cimento. 

A  população  vai  diminuindo  sensivelmente,  devido  principal- 
mente à  prática  de  feitiçarias,  que  exercem  em  larga  escala,  ao 
alcoolismo,  à  doença  do  sono,  que  muito  se  propaga  entre  eles 
apesar  da  tzé  tzé  existir  apenas  nas  margens  dos  rios  e  da  maio- 
ria do  gentio  habitar  nos  pontos  elevados,  e  finalmente  à  fome, 
porque  não  trabalham  o  suficiente  para  se  sustentarem  e  são 
capazes  de  vender  por  meia  dúzia  de  garrafas  de  aguardente  o 
feijão  e  o  milho  que  só  as  mulheres  cultivam  e  que  lhes  podem 
ser  necessários  para  alimentação  de  todo  o  ano. 


DE   ANGOLA  33 

É  interessante  a  crença  que  entre  estes  povos  existe,  quanto 
à  sua  árvore  genealógica.  A  maior  parte  deles  julga  descender 
do  filho  mais  velho  de  Deus  —  o  rei  do  Congo  — ;  os  restantes 
dizem  ser  descendentes  do  segundo  filho  de  Deus  —  a  rainha  da 
Jinga. 

II.  —Da  vida  material,  e  intelectual 

Cuidados  dados  ao  corpo.  —  Vestuário.  — 
Alimentação. —  Habitação.  —  Meios  de 
existência.  —  Artes,  sciências  e  faculda- 
des intelectuais. 

Como  as  habitações  estão,  em  geral,  localizadas  nos  pontos 
mais  elevados,  longe  dos  rios  e  regatos,  e  como  deficiente  é  a 
água  de  que  se  abastecem,  estes  povos  não  teem  por  costume 
tomar  banho,  a  não  ser  por  um  caso  de  força  maior,  quando 
abundam  as  chuvas.  Não  se  dedicam  à  natação  por  gosto  ou 
por  desporto :  nadam  quando  teem  necessidade  de  atravessar 
algum  rio,  colocando  a  carga,  havendo-a,  nas  costas. 

Pintam  o  corpo  com  tacula  e  azeite  de  palma,  com  o  fim  de 
amaciar -lhes  a  pele,  resguardando-a  da  sarna,  e  às  vezes  no 
rosto  fazem  uns  riscos  com  barro  amassado. 

Pouco  cuidado  lhes  merece  a  higiene  da  boca ;  não  lavam 
nem  cuidam  dos  dentes,  apresentando-os  negros,  maltratados  e 
cariados,  o  que  contrasta  com  os  povos  das  outras  tribus  da 
província,  que  ostentam  uma  dentadura  branca  como  a  neve  e 
num  perfeito  estado  de  conservação. 

Os  Dembos  teem  ainda  por  costume  cortar  os  dentes  da  frente 
com  uma  faca  e  limá-los  tornando  os  aguçados  como  os  dos  cães. 
Os  povos  de  Caculo  Cahenda  distinguem-se  dos  restantes  por 
usarem  dois  dentes  incisivos  da  maxila  superior  limados  até  à  raiz. 

Usam  furadas  as  orelhas,  trazendo  os  homens  umas  argolas 
de  ferro  e  as  mulheres  travessões  de  madeira. 

O  nariz  é  furado  somente  pelos  luangos  ou  mubiris,  trazendo 
no  orifício  um  travessão  de  madeira  idêntico, ao  que  trazem  nas 
orelhas  mas  mais  pequeno. 

A  estes  povos,  devido  certamente  a  trazerem  continuamente 
untado  o  corpo  de  tacula  e  azeite  de  palma,  vêem-se-lhes  cabelos 
apenas  na  cabeia  e  debaixo  dos  sovacos. 

As  mulheres,  para  evitarem  os  parasitas,  teem  o  cuidado  de 
trazer  tosquiadas  as  partes  genitais. 


34  POPULAÇÕES    INDÍGENAS 

Não  teem  uma  forma  única  e  determinada  para  o  penteado, 
vendo-se  indiferentemente  homens  e  mulheres  de  cabeça  rapada 
à  navalha  ou  com  o  cabelo  crescido  e  untado  com  azeite  de  palma. 

As  raparigas  novas  usam  um  risco  ao  meio  e  um  cordel  à 
volta  da  cabeça,  suspendendo  na  nuca  um  ramo  de  verdura, 
semelhante  ao  mangerico ;  os  rapazes,  uns  trazem  o  cabelo  rapa- 
do, outros  cortam-no  com  uma  faca  ou  mesmo  com  um  pedaço 
de  vidro,  com  desenhos  diversos. 

Algumas  mulheres  usam  cabelos  formando  cordas  ou  tranças, 
empastadas  de  azeite,  que  só  se  distinguem  de  perto,  porque 
não  as  trazem  pendentes. 

Não  cuidam  das  unhas,  trazendo -as  sempre  cheias  de  lixo. 

Existe  a  tatuagem,  mas  só  entre  as  raparigas  novas,  que  a 
praticam  por  meio  de  incisões  ou  golpes  feitos  ao  acaso,  no  peito, 
nos  ombros  e  braços. 

# 

O  vestuário  dos  dembos  e  dos  sobas  consiste  num  grande 
manto  feito  de  baeta,  geralmente  de  côr  vermelha  e  preta,  ou 
mesmo  de  couvre-pieds,  ostentando  a  figura  de  feras,  sob  o 
qual  trazem  uma  saia  feita  de  fibras,  camisa,  colete,  casaco  ou 
alguma  velha  farda  militar. 

Usam  botas,  que  descalçam  longe  da  vista  dos  europeus. 

Os  dembos  de  Caculo  Cahenda  e  do  Pango-Aluquem,  nas 
suas  recepções,  aparecem  cobertos  por  uma  umbela  escarlate. 
Os  sobas  usam  guarda-sol.  Na  cabeça  usam  barretes  de  fibra. 
Os  outros  indivíduos  sem  categoria  usam  :  os  homens,  um  sim- 
ples pano  preso  à  cintura,  trazendo  os  mais  abastados,  além  do 
referido  pano  que  se  estende  até  aos  joelhos,  um  outro  cobrindo 
os  ombros,  um  colete  e  um  casaco.  As  mulheres  andam  tanto 
mais  nuas  quanto  mais  vistosa  é  a  sua  plástica,  com  excepção 
das  muito  pobres,  que  assim  se  apresentam  por  não  terem  outro 
remédio.  Estas,  quando  andam  a  trabalhar  nas  suas  lavras, 
chegam  a  não  trazer  vestuário  algum,  usando  nas  povoações 
apenas  dois  panos,  um  pela  frente  cobrindo  as  partes  genitais  e 
outro  pela  retaguarda  dependurados  num  cordão  amarrado  à 
volta  da  cintura.  O  pano  da  frente  chega  a  não  atingir  um 
palmo  quadrado,  sendo  às  vezes  uma  estreita  franja,  e  o  da 
retaguarda  terá  dois  palmos  quadrados. 


N'golas  —  Uma  ponte  gentilici 


Popul.  indígena?  de  Angola. 


(34) 


DE  ANGOLA  35 

Algumas  mulheres  usam  mais  um  pano  nos  peitos,  não  com 
o  fim  de  os  encobrir  mas  antes  de  os  fazer  sobresair,  quando  de 
perfil,  e  tanto  é  certo  usarem  este  pano  para  garridice,  que 
quási  sempre  o  trazem  a  cobrir  só  o  seio  direito,  deixando  a 
descoberto  o  esquerdo. 

Às  vezes,  ou  por  causa  do  frio  ou  porque  possam  ser  vistas 
pelos  europeus,  envolvem-se  num  pano  muito  azeitado  e  carre- 
gado de  tacula. 

As  mulheres  idosas  usam  panos  que  lhe  cobrem  mais  ou  me- 
nos o  corpo. 

Aos  homens  é  proibido  usar  calças,  não  lhes  sendo  permitido 
usar  barrete  ou  chapéu  na  presença  dos  sobas  ou  macotas  e 
atravessar  as  terras  de  potentados  estranhos  com  a  cabeça  coberta. 

Os  filhos  do  dembo  Caculo  Cahenda  vestem-se  às  vezes  à 
europeia,  não  trajando  sempre  como  civilizados  para  não  estra- 
garem os  fatos. 

É  costume  entre  os  povos  desta  tribu  trazerem  diversos 
adornos  no  corpo ;  as  mulheres  luangas,  além  dos  pausinhos  que 
usam  nas  orelhas  e  no  nariz,  a  que  já  nos  referimos,  usam  tam- 
bém missanga  no  pescoço,  nos  braços,  nas  pernas  e  tornozelos, 
conforme  as  posses  do  marido  ou  amante ;  as  mulheres  do  dembo 
de  Caculo  Cahenda,  quando  se  não  enfeitam  com  os  fios  de 
contas,  usam  uns  cordéis  duma  espécie  de  palha,  que  atam  nos 
braços,  logo  abaixo  dos  sovacos,  e  nas  pernas  por  baixo  dos 
joelhos,  que  além  de  servirem  de  enfeites,  obrigam  os  membros 
a  umas  certas  curvas.  As  raparigas  deste  dembado  usam  nos 
braços,  nos  pulsos,  abaixo  dos  joelhos  e  nos  tornozelos,  bracele- 
tes, pulseiras  e  anilhas  de  missanga,  de  fibras  vegetais  ou  mes- 
mo de  metal.  Também  usam  anéis.  Na  cabeça,  usam  algumas 
um  cordão  encarnado,  na  disposição  em  que  se  toma  medida 
para  um  chapéu ;  envolvendo  os  peitos  ou  a  cintura,  trazem 
também  umas  contas  de  metal  enfiadas  em  cordões. 

Alguns  homens  usam  em  volta  das  pernas,  acima  do  torno- 
zelo, fios  sucessivos  de  contas  de  latão,  dependendo  a  abundân- 
cia destes  adornos  das  posses  de  cada  um. 


#       * 


Vivem,    em  geral,   do  que  expontâneamente  lhes  oferece  a 
natureza,   como  a  seiva  de  palmeira,   dendem,   folhas  e  frutas 


36 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


silvestres,  feijão  e  milho,  que  as  mulheres  cultivam  em  pequena 
quantidade,  e  da  caça.  Alguns  comem  carne  de  porco,  de  chi- 
bato e  de  galinha,  apreciando  imenso  a  carne  de  javali. 

Na    preparação    das    comidas    empregam    como    temperos    o 
azeite  de  palma,  a  pimenta,  jindungo  e  tomates. 


N'golas  —  Circumcisão 

Gostam  de  todas  as  comidas  dos  europeus,  especialmente  do 
pão,  peixe,  sal,  açúoar  e  de  bebidas  alcoólicas. 

Os  utensílios  duma  cosinha  compõem-se  de  duas  ou  três  pe- 
dras com  que  arranjam  o  fogão,  algumas  panelas  de  barro  e 
um  pau  que  serve  para  mecher  as  comidas  quando  estão  ao  lume. 

Arranjam  o  lume  juntando  a  uma  pedra  uns  filamentos  secos 
de  palmeiras  (isca)  e  ferindo  a  pedra  com  um  pedaço  de  ferro. 

Fazem  três  refeições :  uma  ao  romper  da  manhã,  composta 


DE  ANGOLA 


37 


de  mandioca  e  milho  assado;  outra  ás  11  horas  pouco  mais  ou 
menos,  de  feijão  e  esparregado  de  folhas  de  várias  plantas  sil- 
vestres, e  outra  às  16  horas  aproximadamente,  de  farinha  de 
milho  que  é  a  principal  de  todas,  visto  coincidir  geralmente 
com  o  terminar  dos  trabalhos. 


■■■■■■ 


N'golas  —  Rapazes  tio  campo  de  isolamento  depois  da  operação 
de  circuncisão  (Pungo  Andongo) 

Os  alimentos  são  preparados  exclusivamente  pelas  mulheres 
que  não  comem  juntamente  com  os  homens,  salvo  se  estes  não 
teem  filhos  ou  outros  homens  que  lhes  façam  companhia  às  refei- 
ções. 

Em  regra,  os  pais  comem  juntamente  com  os  filhos  e  as 
mães  com  as  filhas. 

Bebem  a  seiva  da  palmeira  (maluvo),  que  procuram  muito 


38  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

para  se  alimentarem  e  embriagarem,  assim  como  bebem  todas 
as  nossas  bebidas  alcoólicas  que  se  lhes  derem,  como  já  dissemos. 

Para  obterem  a  seiva  da  palmeira,  uns  cortam-na  e  recolhem  a 
seiva  numa  vasilha  (cabaça) ;  outros  trepam  à  árvore  e  furam-na. 

Não  consta  serem  antropófagos.  Atribuem  esta  qualidade 
somente  aos  povos  de  Cazuangongo,  por  espírito  de  os  desacre- 
ditarem. 

Não  há  geofagia*  propriamente  dita  nos  povos  desta  tribu, 
embora  haja  alguma  gente  que  entretenha  o  seu  estômago 
comendo  terra.  Parece  que  esta  alimentação  não  terá  outra 
origem  a  não  ser  o  hábito  adquirido  pelas  crianças  indígenas, 
as  quais,  abandonadas  no  chão  pelas  mães,  começam  natural- 
mente a  cavá-la  com  as  mãos  e  a  levarem  à  boca  o  que  apanham. 
Daí  o  hábito  que  lhes  fica  de  comerem  terra,  e  tanto  isso  é  certo 
que  só  o  fazem  os  rapazes  e  as  raparigas,  pois  que  as  pessoas 
adultas  reprovam  semelhantes  práticas,  classificando  de  nocivo 
tal  alimento. 

Não  têm  por  costume  conservar  os  alimentos  facilmente  dete- 
rioráveis. Apenas  conservam  em  sacos  feitos  de  esteiras  e  de 
folhas  de  bananeira  (salalas)  o  feijão  e  o  milho. 

São  as  mulheres  que  costumam  ir  ao  mato  à  busca  das  frutas 
e  da  lenha.  Por  vezes,  os  maridos  seguem-nas  de  perto  com 
uma  espingarda,  mas  mesmo  que  estes  não  as  acompanhem,  é 
raro  o  indígena  intrometer-se  com  as  mulheres  que  lhes  não 
pertençam. 

Os  alimentos  vegetais  mais  procurados  são  a  banana,  uma 
raiz  semelhante  à  mandioca,  o  milho,  abóbora  silvestre,  pepino 
silvestre,  o  mamão  e  outros. 

Os  homens  e  as  mulheres  idosas  fumam  o  tabaco  e  cheiram-no 
moído,  esfregando  para  esse  fim  o  lábio  superior  com  o  pó  de 
tabaco  e  desenhando  com  êle  uma  espécie  de  bigode.  Estes 
povos  fumam  também  folhas  duma  planta  conhecida  por  liamba 
ou  riamba,  vegetal  conhecido  na  Europa  por  cânhamo,  que 
contêm  princípios  narcóticos. 

A  habitação  tipo  é  a  cubata,  com  uma  área  de  seis  metros 
quadrados,  dividida  em  dois  compartimentos  —  quarto  de  entrada 
que  serve  ao  mesmo  tempo  de  cosinha  e  o  quarto  de  dormir. 

Cada  quarto  tem  a  área  de  1,5  por  1,5  a  2  metros.  Passa-se 
dum  para  outro  quarto  por  uma  porta  interior.  De  noite,  prin- 
cipalmente no  tempo  do  cacimbo,  conservam  o  lume  aceso  no 
quarto  de  dormir. 


DE  ANGOLA  39 

A  altura  da  cubata  pouco  excede  à  de  um  homem,  e  em 
quási  todas  só  se  pode  entrar  curvando  a  cabeça. 

A  cobertura  das  cubatas  é  em  regra  de  duas  águas  e  de  colmo, 
e  revestidas  do  mesmo  material  ou  barreadas.  A  sua  constru- 
ção, simples  na  sua  essência,  não  revelando  arte  nem  estilo 
algum,  faz-se  enterrando  paus,  varas  ou  estacas,  segundo  a 
forma  retangular  e  dimensões  que  se  pretende  dar.  Ao  meio 
das  faces  laterais,  que  são  as  mais  estreitas,  colocam  forquilhas 
para  receber  a  trave  ou  pau  em  que  se  hão-de  apoiar  os  paus 
transversais  que  formam  a  cobertura.  Feito  o  esqueleto,  amar- 
ram-no  com  cordas  de  fibras  vegetais,  por  todos  os  lados,  às 
ripas  distanciadas  um  decímetro  umas  das  outras.  Forram-nas 
finalmente  de  colmo,  cosendo  este  ao  esqueleto  por  meio  duma 
agulha  de  madeira,  em  que  se  enfia  a  fibra  de  certo  arbusto. 
As  cubatas  teem  uma  única  entrada  e  às  vezes  uma  janela.  Quando 
são  barreadas,  preenchem  os  espaços  da  taipa  com  pedras  e 
barro  dando  uma  forma  mais  ou  menos  lisa. 

As  suas  habitações  são  pequenas,  não  só  porque  satisfazem 
as  suas  necessidades,  mas  ainda  porque,  sendo  maiores,  são  mais 
frias  e  mais  facilmente  destruídas  pelo  mau  tempo. 

Costumam  construir  também  nas  lavras  cubatas  mais  simples 
e  mais  pequenas. 

A  maior  parte  dos  povos  desta  tribu  não  teem  celeiros.  Quando 
os  teem,  o  que  é  raro,  ou  ficam  em  qualquer  canto  da  cubata  em 
que  habitam,  tendo  os  sacos  empilhados  uns  sobre  os  outros,  ou 
nas  cubatas  que  teem  nas  lavras. 

Como  já  tivemos  ocasião  de  dizer,  o  local  das  povoações  é 
determinado  pelos  pontos  de  maior  altitude,  certamente  por  serem 
mais  defensáveis  e  mais  saudáveis. 

Na  construção  das  cubatas  não  obedecem  a  orientação  alguma. 
Uma  passagem  central  e  cubatas  para  os  lados,  ao  acaso,  de 
modo  que  não  se  estorvem  uns  aos  outros. 

É  muito  irregular  o  número  de  cubatas  que  constitui  uma 
sanzala,  que  pode  ser  de  duzentas,  cem  ou  mesmo  de  vinte 
cubatas. 

Cada  cubata  representa  uma  mulher.  Cada  duas  cubatas 
podem  representar  um  homem,  duas  mulheres,  um  rapaz  e  uma 
rapariga  menor. 

Quando  andam  em  guerra  uns  com  os  outros,  estes  povos 
refugiam-se  nas  habitações  fornecidas  pela  natureza,  como  são 
as  cavernas  rochosas  existentes  nas  matas  de  Cazuangongo. 


40  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Gomo  mobília,  estes  povos  teein  apenas  um  pequeno  banco  e 
uma  esteira  que  serve  de  cama.  É  raro  haver  quem  possua  uma 
cama  elevada  meio  metro  acima  do  solo  e  onde  se  podem  deitar 
de  lado  apenas  duas  pessoas. 

O  dembo  de  Caculo  Cahenda  tem  na  sua  vivenda  seis  cadeiras 
grandes  de  sola,  duas  austríacas  e  outra  grande  de  madeira,  um 
sofá,  uma  mesa,  uma  cama  de  madeira  e  vários  outros  objectos 
de  madeira  e  malas  de  ferro.  Os  sobas  costumam  ter  duas  ou 
mais  cadeiras  feitas  mesmo  por  eles. 

Não  é  costume  haver  iluminação  nas  suas  habitações,  a  não 
ser  a  do  fogo  da  cosinha  ou  do  lume  que  os  aquece.  No  entanto, 
em  certas  sanzalas  onde  abunda  o  azeite  de  palma,  improvisam 
uma  espécie  de  candeia,  servindo-se  duma  lata  onde  deitam  o 
azeite  de  palma  e  dum  bico  metálico  onde  arde  a  torcida. 

A  residência  dos  dembos  chama-se  embala,  que  é  uma  cubata 
como  qualquer  outra,  feita  de  capim  ou  de  barro,  tendo  somente 
a  mais  uns  quintais  à  volta,  não  vedados,  e  contíguamente  uma 
espécie  de  arena,  com  50  metros  de  diâmetro,  onde  os  dembos 
costumam  dar  as  suas  recepções  e  festas.  Não  é  permitida  a  en- 
trada na  arena  ao  povo  e  às  crianças. 

Algumas  cubatas  teem  na  rectaguarda  um  cercado  ou  curral 
destinado  aos  animais  domésticos,  que,  para  não  entrarem  nas 
habitações  e  sujá-las,  trazem  atravessado  ao  pescoço  um  pau  que 
os  obsta  à  entrada. 

Como  vias  de  comunicação  teem  apenas  carreiros  e  trilhos,  às 
vezes  tão  cerrados  de  capim  e  arvoredo  que  dificultam  imenso 
o  trânsito.  ■  A  travessia  dos  rios  Zenza,  Lombiji  e  Dande  faz-se 
em  muitos  pontos  a  vau,  e  noutros,  onde  é  possivel  a  navegação, 
em  canoas  (dongos). 

* 
*       * 

Entregam-se  à  agricultura,  de  que  se  ocupam  exclusivamente 
as  mulheres,  sendo  insignificante  o  auxílio  que  os  homens  lhes 
prestam,  cujo  papel  é  vigiar  as  lavras,  a  fim  de  evitar  a  sua 
destruição  pelos  animais  daninhos.  As  alfaias  agrícolas  empre- 
gadas são  a  enxadinha  e  a  catana,  artigos  estes  adquiridos  no 
mercado.  Cultivam  a  mandioca,  o  feijão,  o  milho  e  o  tabaco, 
tratando  cada  família  da  sua  lavra. 

Vão  à  caça  os  homens  e  rapazes,  ou  individualmente,  ou  por 
grupos  de  três  ou  quatro,  acompanhados  de  cães. 


DE    ANGOLA  41 

Para  caça  grossa  combina m-se  uns  com  outros,  mas  não  a 
procuram,  esperam-na,  com  as  suas  espingardas  muito  ordinárias, 
carregadas  com  zagalotes. 

Alguns  povos,  alem  de  espingardas,  usam  umas  redes  para 
caçar,  bem  assim  uma  faca,  que  trazem  do  lado  direito  da  cin- 
tura, numa  bainha  de  couro,  tudo  adquirido  no  comércio.  Caçam 
corças,,  javalis  (quiombo),  cabras  do  mato  (bambi),  pacassa,  boi 
bravo,  seixas,  buijes  ou  paca  (espécie  de  leitão),  quissaca  (porco 
espinho),  macacos,  lobos  e  diversas  aves,  tais  como:  bemba, 
dimbe,  (ave  que  rapina  os  pintainhos),  banje  (ave  que  rapina 
galinhas,  leitões  e  cabritos),  cabunguloguto,  etc. 

Quando  voltam  da  caça,  apresentam  toda  a  presa  ao  respe- 
ctivo soba,  que  tira  dela  a  sua  parte  e  dá  ordens  para  que  a 
dividam  entre  si. 

Não  se  dedicam  a  pesca,  a  não  ser  os  povos  que  habitam  na 
proximidade  do  rio  Dande.    Pescam  ao  anzol. 

Dedicam-se  a  criação  de  porcos,  cabras  e  galinhas.  O  gado 
bovino,  é  muito  raro,  porque  nos  dembados  de  Caculo  Cahenda, 
Zambi  Aluquem,  .Ngombe  Amuquiama,  Cazuangongo  e  outros, 
há  uma  planta  que  nasce  entre  o  capim  (cassaçau),  que  o  dizima. 
Esta  planta,  tocando  no  corpo  do  transeunte,  irrita  a  pele  e 
provoca  feridas. 

Não'  há  alfaiates  de  profissão.  Os  fatos  à  europeia,  que  cos- 
tumam usar,  são  adquiridos  no  comércio  e  os  panos  que  usam, 
tanto  os  homens  como  ás  mulheres,  cuja  confecção  pouca  arte 
exige,  são  feitos  por  eles  próprios,  sendo  exclusivamente  os 
homens  que  se  entregam  a  esse  trabalho. 

As  mulheres  empregam-se  em  obras  de  cesteiro,  fazendo  quin- 
clas  de  palha,  e  os  homens  em  olaria  fabricando  panelas  de  barro. 

Em  quási  todas  as  povoações  há  forjas  mais  ou  menos  simples. 
Em  Caculo  Cahenda  concertam  catanas,  metendo-as  ao  fogo  e 
batendo- as  com  martelo. 

No  Pango  Aluquem  e  Zambi  Aluquem  fabricam  enxadas  e 
outros  instrumentos  simples,  de  ferros  velhos  ou  de  ferro  com- 
prado ao  comércio.  No  Jimbo  Aluquem  o  ferro  é  extraído  do 
solo,  onde  o  encontram  no  estado  bruto. 

Não  usam  a  moagem  para  reduzir  o  milho  a  farinha;  empre- 
gam a  trituração  pelo  pilão,  trabalho  a  que  se  entregam  as 
mulheres  e  raparigas. 

Em  obras  de  madeira,  fabricam  canoas,  cavando  troncos  de 
árvores,  gamelas  e  colheres. 
4 


42  POPULAÇÕES    INDÍGENAS 

Não  fabricam  cordas.  Quando  precisam  amarrar  qualquer 
cousa,  ou  as  compram  no  mercado,  o  que  é  raro,  ou  recorrem  à 
casca  dum  arbusto  ou  mesmo  a  qualquer  trepadeira. 

Não  preparam  peles  de  animais,  senão  as  de  corça,  de  que 
os  sobas  e  macotas  fazem  uma  espécie  de  aventais,  e  as  de  cabra 
para  fazerem  o  instrumento  do  batuque. 

Tingem  os  panos  de  seu  uso  com  barro  e  especialmente 
com  tacula,  que  moem  e  amassam.  Para  tingirem  os  panos  de 
preto  torram  a  argila  numa  panela,  de  mistura  com  folhas  de 
bunze. 

Não  se  dedicam  a  extração  de  minérios;  no  entanto,  em  volta 
das  terras  de  Cazuangongo,  onde  abunda  o  ferro  em  bruto,  o 
gentio  apanha-o  para  fabricar  zagalotes  e  enxadas. 

Os  homens  transportam  cargas  aos  ombros  e  algumas  vezes 
na  cabeça. 

Para  grandes  distâncias  serveimse  de  muambas,  que  impro- 
visam facilmente. 

As  mulheres  levam  os  fardos  às  costas,  em  quindas  cónicas, 
suspendendo-as  numa  faixa  que  lhes  passa  pela  testa. 

Não  há  torneios  de  luta. 

Tem  várias  danças:  a  dança  vulgar,  denominada  batuque;  . a 
dança  de  regosijo,  pouco  mais  ou  menos  a  mesma  cousa  que  a 
precedente,  mas  feita  de  dia  com  maior  entusiasmo  e  concorrência ; 
a  dança. de  honra,  que  se  realiza  quando  é  proclamado  um  dembo 
e  quando  se  dá  um  facto  notável,  como  0  foi  quando  da  ocupação 
da  capital  dos  Dembos,  em  que  todos  os  sobas  dançaram  em 
honra  do  Governo  na  embala,  ornados  com  os  seus  mantos, 
tomando  nela  parte  também  o  Caculo  Cahenda  (o  maior  de  todos 
os  dembos),  que  se  faz  acompanhar  por  um  cortezão,  cujo  papel 
era  cobrir  o  dembo  com  a  umbela,  e  por  vários  outros  indivíduos, 
e  a  dança  de  guerra,  em  que  tomam  parte  os  sobas  e  os  dembos, 
simulando  combates  com  feras,  acompanhada  de  batuque  e  de 
exclamações  alusivas. 

Tem  divertimentos  que  correspondem  ao  carnaval,  e  em  que 
os  dembos  e  macotas  que  neles  tomam  parte  se  desfiguram  por 
meio  dumas  máscaras  de  madeira.  Chamam  a  esta  festa,  que 
anualmente  se  realiza,  mutendo. 

O  canto  destes  povos,  em  geral  ao  som  do  grande  batuque 
(goma),  assemelha-se  a  uma  ladainha,  em  que  um  canta  e  os  outros 
respondem  em  coro.  Tem  por  tema  assuntos  funerários  e  sarcás- 
ticos. 


DE  ANGOLA 


43 


Como  instrumentos  de  música  tem  o  tambor,  o  bombo,  a  puita 
—  uma  lata  velha,  canas  fendidas,  ferrinhos,  cornetins  e  uma 
espécie  de  clarinetes  feitos  por  eles,  cujos  sons  equivalem  aos 
das  gaitas  de  fole. 


N 'golas  —  Farmácia  dum  curandeiro 

Para  convocar  o  povo  usam  uns  uma  corneta  e  outros  uma 
buzina. 

Os  dembos  que  teem  maior  charanga  são  o  de  Quibaxe  e  o  de 
Pango  Aluquem. 

Jogam  quási  exclusivamente  o  quela,  jogo  muito  semelhante 
ao  das  damas,  e  que  consiste  em  mudar  umas  pedrinhas  duma 
cova  para  outra. 


44  POPULAÇÕES    INDÍGENAS 


Os  povos  desta  tríbu  costumam  contar  o  tempo  pela  lua  nova 
chamando  ao  período  entre  duas  luas  novas  bege,  que  corresponde 
a  um  mês.  O  ano  ou  o  tempo  das  sementeiras  é  contado  pelo 
cacimbo,  pela  chuva,  pela  estiagem,  etc.  Ao  período  entre  duas 
chuvas  ou  duas  sementeiras  chamam  muvo  (ano). 

Não  conhecem  os  dias  da  semana,  nem  a  numeração  dos  dias 
do  mês.  Os  secretários  (macotas),  quando  precisam  saber  isso, 
regulam-se  pelas  bandeiras  dos  fortes,  que  são  hasteadas  aos  do- 
mingos e  quanto  ao  número  de  dias,  alguns  secretários  teem  uma 
taboleta  de  madeira,  com  doze  carreiras  horizontais,  cada  uma 
com  trinta  furos;  um  ponteiro  de  madeira,  que  mudam  todos  os 
dias  de  um  para  outro  furo,  indica-lhes  o  número  do  dia,  mas 
mesmo  assim  enganam-se  muitas  vezes,  porque  não  sabem  quantos 
dias  tem  cada  mês. 

São  inúmeros  os  medicamentos  usados  pelos  quimbandas, 
quási  todos  pertencentes  ao  reino  vegetal.  Praticam  também 
pequena  cirurgia,  amputando  e  encanando  pernas  ou  braços 
fraturados.  Há  curandeiros  que  empregam  uma  série  de  panto- 
minices  para  curar  o  mal  dos  feiticeiros,  havendo  indivíduos 
especiais  conhecidos,  jpov  chinguiladores,  que  se  encarregam  de 
adivinhar  a  origem  de  certas  doenças  e  de  afugentar  os  feitiços 
por  meio  de  rezas,  vários  antídotos,  sortilégios  e  amuletos.  Quando 
não  curam  um  doente,  atribuem  a  causa  a  um  incidente  qual- 
quer fácil  de  se  aceitar. 

As  doenças  mais  frequentes  são :  a  hipnose,  tuberculose,  pneu- 
monia, sarna,  diversas  úlceras,  elefantíase  e  as  causadas  por 
algum  acidente. 

Os  feiticeiros  ou  bruxos,  isto  é,  os  causadores  dos  males 
doutrem  com  os  seus  maus  olhos,  com  as  suas  invejas  ou  com 
alguma  droga  que  dão  a  beber,  são  intimados  a  beber  o  jura- 
mento. O  juramento  consiste  em  dar  de  beber  ao  presumido 
feiticeiro  uma  caneca  de  água,  na  qual  se  lança  um  bocado  de 
casca  duma  determinada  planta,  conhecida  dos  quimbandas, 
contendo  princípios  venenosos.  Os  efeitos  que  esta  beberagem 
produz  no  organismo  dum  indivíduo  variam  segundo  a  dose  de 
princípios  activos  que  estão  em  dissolução  na  água  e,  natural- 
mente, segundo  a  sugestão  e  a  fraqueza  do  estômago  do  ajura- 


DE  ANGOLA  45 

mentado  (suposto  delinquente),  e  daí  as  conclusões  que  tiram, 
assim:  aqueles  que  depois  de  beberem  essa  droga  não  mostrarem 
sintoma  algum  de  envenenamento  e  nada  sofrerem,  são  conside- 
rados inocentes;  aqueles  a  quem  sobrevenha  a  intoxicação,  mas 
de  que  não  resulte  a  morte,  são  tomados  por  cúmplices;  e,  final- 
mente, aqueles  que  teem  morte  instantânea  ou  depois  de  passado 
algum  tempo,  são  considerados  como  feiticeiros.  Os  macotas 
encarregados  destes  juramentos,  quando  se  querem  ver  livres  de 
certos  indivíduos  que  os  encomodam,  tratam  de  carregar  na  dose 
de  substâncias  tóxicas  a  diluir  na  água,  chegando  às  vezes  a 
envenenar  os  próprios  sobas  ou  dembos,  quando  estes  gozem 
pouca  simpatia. 

Alem  da  prova  do  juramento,  que  descobre  se  um  individuo  é 
ou  não  feiticeiro,  os  chinguiladores,  que  já  nos  referimos,  também 
possuem  o  condão  de  o  descobrir.  f 

Há  feiticeiros  que  conhecem  os  contravenenos,  de  modo  que, 
quando  bebem  o  juramento,  ingerem  acto  contínuo  esses  contra- 
venenos de  que  andam  munidos,  e  cousa  alguma  sofrem  passando 
assim  por  inocentes. 

Falecendo  algum  individuo  que  tenha  sido  submetido  à  prova 
de  juramento,  quer  seja  homem  quer  seja  mulher,  a  familia 
abandona-o  imediatamente  e  a  sua  habitação  é  incendiada.  O 
cadáver,  depois  de  muito  maltratado  com  cacetadas,  e  catanadas 
é  levado  de  rastos  pela  povoação  e  lançado  às  feras.  Ao  arras- 
tarem-no,  teem  todo  o  cuidado  em  não  tocarem,  a  fim  de  não 
ficarem  enfeitiçados. 

Estes  povos  crêem  no  poder  sobrenatural  de  certas  cousas, 
havendo  rapazes  que  recorrem  ao  kimbanda  para  que  este  lhes 
dê  um  certo  remédio,  que  pode  ser  tanto  um  perfume  como  outra 
cousa  qualquer,  de  modo  que  ao  passarem  por  qualquer  rapariga 
que  desejem  possuir,  esta  não  lhes  possa  resistir. 

A  língua  falada  é  o  kimbundu,  misturado  com  o  fioto  (língua 
do  Congo).  Os  povos  luangos  teem  algumas  palavras  e  pronun- 
ciação  diferentes,  mas,  no  entanto,  as  diferenças  da  linguagem 
não  são  de  tal  modo  sensíveis  que  os  povos  vizinhos  não  os 
compreendam. 


46  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


III.  —  Da  vida  familial 

O  nascimento.  —  A  educação.  —  O  casa- 
mento. —  A  morte.  —  A  família.  —  Reli- 
gião, rito,  culto,  divindades  e  sacerdócio. 

O  parto  tem  lugar  à  porta  da  cubata,  ou  mesmo  em  público. 
Para  esse  fim,  a  parturiente  senta-se  numa  pedra  e  é  amparada 
por  uma  mulher.  O  recemnascido  é  untado  de  tacula  e  azeite  de 
palma.  Logo  no  dia  seguinte  ao  parto  as  mulheres  voltam  ao 
trabalho. 

No  caso  de  aborto,  nada  há  de  extraordinário. 

Os  nomes  dos  recemnascidos  são  escolhidos  pela  família.  Ao 
primeiro  filho  costumam  dar  o  nome  do  avô  e  ao  segundo  o  do 
pai.  São  mais  desejados  rapazes  do  que  raparigas,  causando-lhes 
tristeza  quando  teem  filhos  gémeos. 

Cuidado  algum  teem  para  com  as  parturientes  ou  recemnasci- 
dos. As  relações  entre  os  cônjuges  cessam  somente  nos  últimos 
dias  de  gravidez. 

Os  casamentos  realizam-se  em  uma  idade  muito  juvenil.  Aos 
doze  anos  cada  rapaz  tem  a  sua  rapariga,  e,  à  proporção  que  se 
vão  tornando  mais  homens,  maior  número  de  mulheres  vão  adqui- 
rindo, chegando  a  ter  cada  homem  mais  de  cinco  mulheres. 

Os  dembos  teem  tantas  mulheres  quantas  desejam. 

Quando  o  homem  se  aborrece  duma  mulher,  despede-a;  mas, 
quando  ela  arranja  outro  homem,  este  tem  por  obrigação  de 
indemnizar  o  primeiro  pagando  o  alambamento. 

As  mães  teem  por  costume  recomendar  às  filhas  o  maior  sigilo 
nos  primeiros  três  períodos  de  menstruação,  a  fim  de  não  per- 
derem a  sorte  de  terem  filhos. 

Os  rapazes  quando  chegam  à  idade  de  doze  anos,  são  circun- 
cisados  pelos  kimbandas,  operação  que  é  feita  no  mato,  num 
recinto  apropriado,  quando  termina  a  época  das  chuvas. 

A  circuncisão  é  obrigatória. 

Os  pedidos  de  casamento  são  feitos  ã  família,  reunindo-se 
para  esse  fim  em  conselho  os  seus  membros,  sendo  a  opinião  dos 
tios  a  mais  respeitada  e  acatada. 

Nos  povos  desta  tríbu  muito  antes  de  chegar  à  idade  da 
puberdade,  as  raparigas  praticam  o  coito,  devido  à  liberdade 
que  teem. 


'gola -Mulher  de  Loanda  em  tratamento  por  ter  tido  dois  gémeos 


Popul.  indígenas  de  Angola. 


(46) 


DE   ANGOLA  47 

O  sentimento  do  amor  quási  que  nào  existe,  como  não  existe 
o  celibato  e  a  continência. 

São  proibidas  as  relações  com  primos  e  outros  parentes  mais 
próximos,  sendo  considerado  crime  grave,  somente  para  o  homem, 
o  ter  relações  com  a  irmã  ou  com  a  mãe. 

A  mulher  não  é  incriminada  pelo  incesto. 

Não  existe  a  prostituição  propriamente  dita,  nem  o  amor  livre. 
A  mulher,  sob  o  ponto  de  vista  moral,  não  a  preocupa  o  entre- 
gar-se  a  qualquer  homem.  A  única  coisa  que  a  coíbe  é  um  res- 
peito natural  que  tem  pelo  marido,  entendendo  que  unicamente 
pertence  àquele  que  pagou  o  alambamento.  É  naturalíssimo  entre 
eles  uma  mulher  entregar-se  a  um  homem  e  depois  confessar  ao 
marido  a  sua  falta,  que  ela  julga  resgatada  com  a  multa  ou  cas- 
tigo que  aquele  paga  ou  sofre.  Aquele  que  se  mete  com  as 
mulheres  de  macota,  soba  ou  dembo,  sofre  grandes  penas,  sendo 
destas  a  mais  grave  o  ser  vendido  como  escravo. 

Os  contratos  de  casamento  são  feitos  da  maneira  seguinte :  o 
rapaz  que  pretende  uma  rapariga  oferece-lhe  imediatamente  a 
quantia  de  seis  centavos.  Se  ela  gosta  do  rapaz,  aceita-os  e  vai 
entregá-los  ao  pai,  que  por  sua  vez  lhos  devolve.  O  homem, 
porem,  pode  contratar  o  casamento  independentemente  da  von- 
tade da  mulher,  e  é  o  que  em  geral  acontece. 

Se  a  noiva  morre  antes  da  união,  o  pai  restitue  a  quantia 
ou  os  objectos  recebidos.  Se  morre  depois,  o  pai  tem  por  obri- 
gação dar  ao  homem  uma  outra  filha,  e,  caso  não  a  tenha,  res- 
titue o  alambamento  (presente  do  noivado). 

O  alambamento  é  por  assim  dizer  a  garantia  de  que  uma 
mulher  será  fornecida  ao  homem.  Ao  homem  é  permitido  esco- 
lher a  mulher.  Esta  também  pode  escolher  o  homem,  mas,  se 
antes  disso  alguém  a  contratar  directamente  com  os  pais,  a 
mulher  tem  que  se  entregar  seja  a  quem  fôr,  novo  ou  velho, 
feio,  formoso  ou  aleijado.  Quem  determina  é  o  alambamento 
recebido,  que  tem  o  valor  duma  escritura. 

A  virgindade  da  mulher  não  é  exigida,  mas  é  estimada.  As 
próprias  mulheres  a  tomam  em  consideração,  porque  quando  são 
desfloradas,  vão  mostrar  o  sangue  às  vizinhas  e  amigas.  O  homem 
que  encontra  a  sua  mulher  virgem  presenteia  a  mãe  desta  com 
duas  peças  de  pano  riscado,  por  ter  guardado  a  virgindade  da  filha. 

A  união  entre  os  dois  sexos  não  se  desfaz,  a  não  ser  quando 
os  cônjuges  não  se  entendem  um  com  o  outro  e  o  marido,  já 
aborrecido  e  farto  da  mulher,  resolve  entregá-la  aos  pais. 


48  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Se  um  homem  violar  uma  mulher  virgem,  é  obrigado  a  pagar 
aos  pais  dela  duas  peças  de  pano  riscado  ou  a  quantia  de  um 
escudo  e  sessenta  centavos,  ficando  assim  liquidado  o  assunto. 

O  casamento  é  um  perfeito  acto  mercantil.  O  homem  compra 
a  mulher,  quer  esta  queira  ou  não. 

Uma  mulher  pode  custar  doze  a  sessenta  escudos,  conforme 
a  sua  aparência  e  plástica,  mas,  para  evitarem  estes  altos  preços, 
contratam-na  geralmente  quando  criança,  sendo  a  taxa  estabe- 
lecida de  seis  escudos,  quantia  de  que  o  homem  vai  paulatina- 
mente reembolsando  os  pais,  em  prestações  de  quipacas  (cada 
quipaca  vale  um  centavo)  e  macutas  (cada  macuta  vale  três 
centavos),  de  modo  que  ela,  quando  chegar  a  puberdade,  está 
paga  pelo  comprador,  que  se  desforra  do  que  por  ela  deu,  fazen- 
do-a  trabalhar  para  êle  andar  à  bôa  vida. 

Em  geral,  as  crianças  de  5  para  10  anos  de  idade,  as  mais 
robustas  e  bonitas,  já  teem  noivo. 

Não  usam  o  casamento  por  troca ;  entre  alguns  povos  é  cos- 
tume haver  o  de  ensaio,  em  que  o  casamento  se  consolida  só 
depois  do  nascimento  dum  filho,  passando  neste  caso  a  mulher  a 
viver  definitivamente  em  casa  do  marido.  Se,  por  acaso,  a 
mulher  dá  à  luz  uma  criança  cujo  pai  não  é  o  marido  dúvida 
alguma  tem  ela  de  confesar  o  delito  ao  marido,  que  por  este 
motivo  não  a  expulsa  de  casa  nem  a  castiga.  É  devido  a  este 
facto,  talvez  que  estes  povos  ajuizadamente  consideram  os  tios 
maternos  com  mais  autoridade  do  que  os  próprios  pais. 

O  homem  escolhe  as  mulheres  ou  na  própria  sanzala  ou  na 
sanzala  vizinha,  esteja  ou  não  subordinado  ao  mesmo  soba  ou 
dembo;  porém,  não  é  permitido  a  união  dos  povos  pertencentes 
aos  dembados  de  Caculo  Cahenda,  Ngombe  Amuquiama  e  Qui- 
baxe  Quiamubombo  com  os  povos  Mahungos,  Luangos  ou  Mu- 
bires  e  os  dembados  de  Mbula  Atumba,  como  permitida  não  é  a 
união  destes  últimos  com  os  primeiros. 

Não  há  cerimónias  especiais  de  casamento  nem  festejos;  ape- 
nas a  sogra,  em  sinal  de  reconhecimento,  costuma  oferecer  ao 
genro,  depois  deste  ter  pago  o  alambamento,  um  porco  e  um  saco 
de  fubá. 

O  crime  de  adultério  é  resgatado  da  seguinte  forma :  se  o 
adultério  fôr  surpreendido  pelo  marido  ou  se  a  mulher  lhe  fizer 
a  queixa,  o  adúltero  paga  ao  marido:  pela  primeira  vez,  a  quantia 
de  seis  centavos;  pela  segunda,  uma  jarda  de  fazenda,  equivalente 
a  dez  centavos;  pela  terceira,  vinte;  pela  quarta,  trinta;  e  depois 


DE    ANGOLA  40 

uma  cabra  ou  um  porco;  e  assim  sucessivamente,  vai  subindo  o 
pagamento.  Caso  se  suscitem  questões  entre  o  marido  e  o  seu 
rival  é  o  respectivo  soba  que  intervém  e  resolve  o  assunto. 

Se  a  mulher  pertencer  a  um  macota,  soba  ou  dembo,  então  a 
falta  é  considerada  mais  grave,  como  já  tivemos  ocasião  de  dizer. 
O  homem  que  se  mete  com  a  mulher  dum  macota  é  preso  e  acor- 
rentado até  que  a  família  o  resgate  por  um  porco  e  dez  peças  de 
fazeilda,  sem  o  que  é  vendido  como  escravo.  Se  se  mete  com  a 
mulher  dum  dembo,  confiscam-lhe  todos  os  bens  e  entregam-no 
ao  Governo,  para  ser  degredado. 

Quando  o  ofendido  mata  um  adúltero,  comete  um  crime  punível 
como  qualquer  homicídio  voluntário. 

A  mulher,  depois  de  casada  e  de  haver  tido  um  filho,  passa 
a  fazer  parte  da  família  do  marido,  não  perdendo,  contudo,  di- 
reito a  herança  que  porventura  possa  receber  dos  seus  pais,  da 
mesma  forma  como  os  seus  irmãos  solteiros. 

A  mulher  não  pode  ser  emprestada  nem  trocada,  mas  pode 
ser  vendida,  caso  tenha  cometido  algum  crime  grave. 

No  caso  de  dissolução  do  casamento,  os  filhos  acompanham  o 
pai  e  as  filhas  ficam  com  a  mãe,  e  o  produto  das  lavras,  caso  as 
possuam,  é  igualmente  dividido  entre  á  mulher  e  o  seu  antigo 
marido. 

Os  avós  e  os  pais  tem  obrigação  de  educar  os  seus  netos  e 
filhos,  tendo  estes  o  dever  de  os  respeitar  e  obedecer,  e  bem 
assim  sustentá-los,  como  aos  irmãos  mais  velhos,  no  caso  de 
doença.  Na  falta  de  pais  ou  avós,  são  os  irmãos  mais  velhos  que 
os  substituem  em  tudo. 

As  pessoas  que  entram  na  constituição  duma  família  são  os 
avós,  pais  e  filhos.  Os  filhos  casados  constituem  sempre  novo  lar, 
desde  que  tenham  um  filho.  Quando  haja  filhos  de  várias  mulheres, 
os  da  primeira  são  mais  favorecidos. 

Os  filhos  estimam  seus  pais,  e  quando  os  encontram  em 
qualquer  sítio  dão-lhes  os  bons  dias  e  as  boas  tardes,  pegando- 
lhes  na  mão  e  tocando-a  na  testa.  Igual  cerimónia  praticam 
quando  encontram  os  tios. 

O  dembo  é  considerado  pai  de  todos,  e  quando  se  pregunta 
a  um  indígena  de  que  terra  é,  responde  :  sou  filho  do  dembo  de 
tal  parte.  Quando  pertença  ao  dembado  de  Oaculo-Cahenda,  é 
então  com  grande  orgulho  que  responde  ser  filho  desse  dembo, 
visto  aquele  ser  considerado  pai  de  todos  os  dembos. 

Estes  povos  quando  falam  ao  dembo,  ajoelham  diante  dele, 


50 


POPULAÇÕES   INDÍGENAS 


havendo  alguns  que  para  se  mostrarem  respeitosos,  se  curvam 
até  tocar  com  o  queixo  no  chão,  batendo  em  seguida  as  palmas. 
O  dembo  fa'z  uns  pequenos  gestos  com  a  mão,  como  quem  aben- 
çoa, e,  quando  êle  fala,  todos  se  descobrem. 

O  indígena  desde  o  mais  chegado  ao  dembo  até  ao  mais  afas- 
tado em  categoria,  compraz-se  em  mostrar  o  seu  respeito  pelo 


Um  funeral  no  bairro  da  Ingombota,  da  cidade  de  Loanda 

dembo,  especialmente  perante  os  estranhos,  não  prenunciando  a 
palavra  dembo  sem  primeiro  se  descobrir  e  tomar  uma  atitude 
respeitosa. 

Na  embala  do  dembo,  quando  este  dá  alguma  recepção,  colo- 
cam uma  cadeira  para  êle  se  sentar,  e,  enquanto  êle  não  ocupa 
o  seu  logar,  os  macotas,  ao  passarem  em  frente  da  cadeira, 
ajoelham  e  curvam-se  como  se  êle  representasse  uma  divindade 
ou  um  objecto  sagrado. 

Qualquer  homem  do  povo  ou  mesmo  os  macotas,  para  cum- 
primentar nm  dembo,  ajoelham-se  e  fazem  com  a  mão  direita 
um  risco  na  terra  e  com  a  mão  esquerda  um  outro,  de  maneira 
que  os   dois  riscos  formem  uma  cruz ;  seguidamente  fazem  os 


DE  ANGOLA  51 

mesmos  gestos  por  detrás  do  pescoço,  o  que  quer  dizer  que  o 
dembo  é  senhor  de  lhe  mandar  cortar  a  cabeça;  se  o  dembo  lhes 
estender  a  mão,  levam-na  imediatamente  ao  nariz  e  cheiram-na 
com  ruido,  o  que  quer  dizer  que  tomam  a  sua  santa  benção. 

Quando  um  doente  está  moribundo,  todos  os  membros  da 
família  se  juntam  à  volta  dele  e  começam  a  chorar  logo  que  o 
moribundo  acaba  de  expirar.  Náo  é  costume  haver  nesta  ocasião 
práticas  religiosas,  danças  ou  cantos,  nem  costumam  ser  cha- 
mados os  quimbandas  ou  feiticeiros. 

Os  parentes  e  amigos  do  morto  anunciam  o  falecimento, 
quer  seja  de  dia  quer  seja  de  noite,  com  tiros  de  espingarda. 

Vestem  ao  morto  um  traje  semelhante  ao  que  usava  em  vida, 
mas  um  pouco  mais  decente  e  rico.  As  vezes,  e  especialmente 
nas  terras  do  Zambi  Aluquem,  dá-se  o  curioso  caso  de  um  indí- 
gena, que  em  vida  nunca  usou  nem  sequer  conheceu  o  que  fosse 
uma  camisa  e  muito  menos  ceroulas,  depois  de  morto  ser  vestido 
com  esses  objectos  de  vestuário,  oferecidos  pelos  parentes  e  ami- 
gos, que  costumam  também  oferecer  à  família  do  falecido  um  ca- 
brito, porco,  vinho  de  palmeira,  etc.  Alguns,  antes  de  vestirem 
o  morto,  untam-no  com  azeite  de  palma  e  tingem-no  com  tacula. 

O  cadáver  fica  em  exposição  durante  três  dias,  em  casa, 
sendo  depois  transportado  numa  tipóia,  convenientemente  co- 
berta, até  o  local  onde  deve  ser  enterrado,  e  acompanhado  de 
todas  as  pesssoas  de  família  e  parentes  que  colocam  sobre  a 
sepultura  objectos  de  missangas,  manilhas  e  quindas  (cestos),  se  o 
falecido  era  do  sexo  feminino  ;  barretes,  pratos,  garrafas,  copos, 
etc,  se  era  do  sexo  masculino.  Quando  se  trata  dum  soba  ou 
macota,  em  cima  da  sepultura  colocam  bastões,  cadeiras  e  vários 
outros  objectos  que  não  sejam  muito  vulgares  entre  eles  a  fim 
de  mostrar  que  o  morto  possuiu  em  vida  todos  aqueles  objectos. 

Em  cima  das  sepulturas,  afim  de  evitar  que  as  almas  dos 
falecidos  os  façam  morrer  de  fome  dentro  de  pouco  tempo,  cos- 
tumam colocar  também  várias  comidas  e  bebidas,  imaginando 
que  as  almas  se  servem  dessas  ofertas,  embora  as  encontrem 
sempre  intactas  quando  vão  substituí-las  por  outras. 

A  família  do  falecido  não  se  alimenta  durante  os  três  dias  que 
vão  do  óbito  ao  enterramento.    Como  sinal  de  luto,  pintam  o 


52  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

rosto  com  azeite  de  palma  e  dendem  carbonizado ;  as  mulheres, 
àlêm  desta  pintura,  usam  um  pano  cobrindo-lhes  a  cabeça  e 
abstêm-se  de  ter  relações  sexuais,  principalmente  com  extranhos, 
durante  quatro  meses. 

O  luto  é  de  seis  a  oito  meses  pelos  pais,  marido  ou  mulher; 
quatro  meses  pelos  irmãos  e  filhos  maiores;  três  meses  pelos 
filhos  menores  e  dois  meses  pelos  filhos  de  peito. 

Em  Caculo-Cahenda,  quando  morre  algum  soba  ou  dembo,  no 
dia  do  funeral,  o  cadáver  é  transportado  de  casa  para  a  embala, 
onde  fica  em  exposição,  envolto  em  panos  e  estendido  numa 
tipóia.  Seguidamente,  os  macotas  dançam  em  volta  do  cadáver 
e  levam-no  depois  processionalmente  em  passeio  pela  povoação, 
com  acompanhamento  do  batuque,  que  chamam  gica,  e  que 
consiste  em  manejos  de  espada,  simulando  cortar  as  cabeças  uns 
dos  outros.  Nestas  ocasiões,  os  dembos  também  costumam  dançar 
ao  som  de  música,  não  em  público,  mas  à  porta  das  suas  casas, 
junto  da  embala,  envolvidos  nos  seus  vistosos  mantos. 

A  frente  do  cortejo  caminham  os  macotas  e  os  sobas,  com  as 
faces  pintadas  de  preto,  com  uma  touca  feita  de  pano  preto  na 
cabeça  e  trajando  os  seus  vistosos  mantos.  Acompanham  o  cor- 
tejo só  até  o  términus  da  povoação. 

Os  cemitérios  ficam  junto  das  povoações,  à  beira  dos  cami- 
nhos, e  as  sepulturas  são  cavadas  muito  fundas.  São  as  próprias 
pessoas  de  família  do  falecido  que  fazem  as  covas  que  hão-de  servir 
de  sepulturas;  o  pai  é  quem  marca  o  local  onde  deve  ser  feita  a 
cova  para  os  filhos  e  é  quem  principia  a  fazê-la;  na  falta  dele, 
é  a  mãe  quem  o  substitui,  sendo  os  pais  os  primeiros  a  deitarem 
terra  no  coval. 

No  dembado  de  Quibaxe,  as  mulheres  costumam  despedir-se 
dos  seus  maridos  lambendo-lhes  o  nariz  e  os  dedos  dos  pés. 

No  dembado  de  Ngombe  Amuquiama,  os  dembos  são  enterrados 
num  local  onde  antigamente  existia  uma  Igreja. 

Em  alguns  dembados  é  costume,  quando  morre  um  dos  côn- 
juges, o  outro  fechar-se  no  quarto  com  o  cadáver  e  simular  pra- 
ticar a  cópula,  unindo  os  órgãos  sexuais  duns  aos  outros,  e  emfim 
praticar  tudo  mais  que  em  vida  costumam  fazer.  Crêem  que,  se 
assim  não  procederem,  o  cônjuge  sobrevivente  terá  a  mesma 
doença  de  que  o  outro  veiu  a  falecer. 

Estes  povos  guardam  o  culto  dos  antepassados,  afim  de  que 
as  suas  almas  não  venham  fazer  mal. 

Acreditam  nas  almas  dò  outro  inundo,  a  que  chamam  matam- 


DE  ANGOLA  53 

bóia,  (as  que  andam  de  noite  a  gritar)  e  zumbi,  entendendo  que 
elas  pairam  no  espaço,  não  longe  da  terra.  Respeitam-nas  e 
temem-nas  muito,  porque,  se  lhes  é  fácil  desfazerem-se  de  um 
feiticeiro,  matando-o,  outro  tanto  não  podem  fazer  a  um  espírito, 
a  quem  sacrificam  um  boi  ou  o  que  preciso  fôr,  se  o  chinguilador 
disser  que  uma  determinada  alma  quer  comer  e  que,  de  contrário, 
ela  lhes  fará  mal.  Matam,  neste  caso  não  só  o  boi  como  outros 
animais  que  forem  indicados  pelo  chinguilador,  arranjando  uma 
refeição  em  que  toma  parte  muita  gente,  associando-se  a  ela 
também...  a  referida  alma. 

Quando  um  cão  ou  um  gato  andam  acometidos  duma  doença 
qualquer,  julgam  que  esses  animais  estão  encarnados  dum  espírito 
maligno,  mas  nem  por  isso  os  veneram  nem  tratam  de  os  curar, 
antes  são  abandonados  e  dizem:  «tem  feitiço,  não  tem  remédio, 
esperemos  que  morram  para  s*erem  enterrados». 

Crêem  na  vida  futura.  Julgam  que  as  almas  dos  que  em  vida 
foram  maus  sofrem  noutro  mundo,  onde  podem  regenerar-se  e 
tornar  a  morrer  para  acabar  com  os  sofrimentos. 

Não  há  proibição  de  comer  certos  alimentos  nem  a  de  tocar 
em  determinados  objectos  ou  a  de  proferir  quaisquer  palavras, 
a  não  ser  a  de  tocar  nos  feiticeiros. 

Não  conservam  a  recordação  de  factos  históricos,  salvo  a 
dalgum  facto  com  eles  sucedido,  mas  perdem  a  noção  do  tempo. 
O  dembo  Caculo-Cahenda  possui  algumas  cartas  patentes  desde 
o  século  xvn  guardadas  numa  mala. 

Os  quimbandas  costumam  invocar,  quando  assim  lhes  solici- 
tam, o  espírito  zumbi,  que,  passados  alguns  minutos,  comparece 
no  local  onde  foi  chamado,  de  modo  que  depois  não  é  o  quimbanda 
propriamente  quem  fala,  mas  sim  o  espírito,  pela  boca  do  médium, 
que  é  o  chinguilador. 

% 
%       * 

Estes  povos  crêem  na  existência  dum  ser  sobrenatural,  uma 
entidade  inteiramente  desconhecida  para  eles,  que  tudo  pode  e 
tudo  manda,  a  que  chamam  Deus  e  a  quem  atribuem  todas  as 
fatalidades  e  desgraças  que  lhes  advêm,  salvo  aquelas  que  lhes 
parecem  provir  dos  espíritos  malignos  e*dos  feiticeiros. 

Supõe-se  que  os  dembos  reconhecem  dois  deuses,  o  do  bem  e 
o  do  mal,  sendo  este  último  o  que  dá  poder  aos  feiticeiros  e  é 
mais  temido. 


u 


POPULAÇÕES    INDÍGENAS 


Não  adoram  objecto  algum  ;  alguma  vezes  se  vê  um  ou  outro 
indígena  com  um  crucifixo,  mas  não  o  usam  como  símbolo  duma 
religião,  trazem-no  unicamente  como  adorno. 

Não  existe  o  culto  dos  fenómenos  físicos  nem  das  forças  da 
natureza,  apenas  temem  o  raio,'  recorrendo,  por  ocasião  das 
grandes  trovoadas,  aos  quimbandeiros,  a  fim  destes  receitarem 
um  remédio  que  os  resguarde  das  faíscas  eléctricas. 


N'golas  —  Uma  variadíssima  colecção  de  feitiços 


Estes  povos  retraem  se  algumas  vezes  em  fazer  mal  aos  seus 
semelhantes,  não  talvez  porque  possuam  a  noção  do  bem  e  do 
mal,  mas  em  virtude  da  crença  que  entre  eles  existe  de  que 
aquele  que  fôr  mau  não  só  a  sua  alma  sofrerá  noutro  mundo, 
mas  ainda  neste,  se  a  alma  dos  mortos,  que  em  vida  foram  atin- 
gidos pelas  suas  maldades,  resolverem  intrometer -se  com  eles. 

Alem  disso,  estes  povos  teem  remorsos  dos  males  que  praticam, 
e,  quando  estes  são  graves,  o  remorso  fá-los  emagrecer  de  tal 
modo  que  chegam  algumas  vezes  a  morrer. 

A  noção  do  pudor  parece  existir  nos  povos  desta  tribu.  As- 
sim é  que,  uma  mulher  que  geralmente  anda  inteiramente  nua, 


BE  ANGOLA  55 

não  se  envergonhando  de  mostrar  todo  o  corpo  e  algumas  vezes 
até  o  que  naturalmente  está  oculto,  quando  passa  a  viver  em 
companhia  dum  homem  civilizado,  que  lhe  dê  uns  panos,  não 
mais  se  torna  a  apresentar  nua  como  dantes,  e  envergonha-se 
mesmo  em  ter  a  descoberto  os  seios,  um  bocado  da  perna  ou  os 
braços. 

Não  tem  a  noção  de  caridade,  o  que  teria  sem  dúvida  a  sua 
explicação  devido  ao  insignificante  que  a  maior  parte  deles  pos- 
suem, e  de  que  não  podem  distrair  a  mais  pequena  parcela  para 
distribuir  pelos  outros  que  levam  uma  existência  miserável  e 
faminta,  se  não  fosse  o  dos  mais  abastados  repartirem  o  que 
tem  pelos  outros,  com  mira  de  receberem  destes  também  qual- 
quer coisa  em  troca. 

IV.  —Da  vida  social 

Classes  e  castas,  —  Organisação  política. 
—  Propriedade.  —  Regime  económico.  — 
Costumagens  jurídicas. 

Há  três  espécies  de  classes  nos  povos  desta  tribu  :  os  macotas, 
que  são  os  conselheiros  dos  sobas  e  dos  dembos,  o  povo,  e  os 
escravos  (muleques). 

São  eleitos  macotas  os  indivíduos,  já  idosos,  e  os  mais  res- 
peitáveis e  ricos,  perdendo  imediatamente  esta  distinção  no  mo- 
mento em  que  cometam  algum  delito  grave. 

Os  escravos  são  aqueles  que  foram  roubados  ou  dados  em 
pagamento  para  uma  terra  diferente.  Andam  livres  e  não  fogem 
porque  se  conformam  com  a  sua  situação. 

Os  dembos  e  sobas  praticam  desenfreadamente  a  escravatura, 
vendendo  ou  trocando,  sob  o  mais  fútil  pretexto,  indivíduos  do 
seu  dembado  para  outro.  Mesmo  em  Santo  António  de  Caculo 
Cahenda,  junto  do  forte,  se  faz  comércio  de  escravos,  mas  muito 
clandestinamente,  porque  sabem  ser  isso  proibido  pelas  leis  por- 
tuguesas. 

O  escravo  nunca  se  pode  libertar ;  tem  por  obrigação  traba- 
lhar gratuitamente  para  o  seu  senhor,  para  o  qual  representa 
uma  determinada  quantia  ou  objecto  que  pode  ser,  por  exemplo, 
um  boi. 

A  mulher  pode  ser  vendida  com  os  filhos  e  estes  podem  ser, 
por  sua  vez,  vendidos  isoladamente. 


56  POPULAÇÕES    INDÍGENAS 

Os  escravos  ou  muleques,  nome  por  que  geralmente  são 
conhecidos,  vivem  em  cubatas  separadas  e  comem  também  sepa- 
radamente. 

Antigamente,  estes  povos  estavam  subordinados  a  seis  dem- 
bos;  hoje  há  um  grande  número  deles,  não  com  a  mesma  auto- 
ridade que  os  primeiros  possuíram,  mas  como  simples  figuras 
decorativas. 

O  dembo  é  considerado  um  ídolo.  Os  macotas  que  a  cada 
passo  arranjam  uma  questão  com  êle,  por  causa  de  meio  decili- 
tro  de  aguardente  mal  distribuído,  em  presença  de  estranhos 
mostram-se  muito  obedientes,  ajoelham-se  diante  dele  ou  mesmo 
ao  passarem  pela  sua  cadeira,  e  descobrem-se  ao  pronunciarem 
o  seu  nome.  Os  macotas  teem  o  poder  de  aposentar  os  dembos, 
quando  estes  não  lhes  agradem.  As  vezes  enfeitiçam-no.  O 
dembo  aposentado  continua  a  gozar  uma  certa  consideração,  mas 
perde  toda  a  autoridade,  sendo  apenas  consultado  em  casos  gra- 
ves. O  dembo  é  a  boca  que  fala  perante  os  estrangeiros  e  pe- 
rante os  sobas.  O  seu  governo  determina  e  êle  sanciona,  tendo 
também  o  direito  de  veto. 

Para  a  eleição  dos  dembos  são  ouvidos  as  macotas  e  os  sobas. 

Ao  dembo  é  vedado  sair  da  sua  residência,  sendo-lhe  permi- 
mitido  apenas  sair  até  a  embala.  Em  Caculo  Cahenda,  o  respe- 
ctivo dembo  já  tem  mais  liberdade,  devido  em  parte  à  constru- 
ção do  forte  e  ao  predomínio  da  autoridade  portuguesa,  o  que 
deu  em  resultado  aquele  perder  algum  prestígio. 

O  Estado,  assim  se  denomina  o  conjunto  do  dembo  e  seus  ma- 
cotas, reúne  na  embala  para  discutir  as  questões  políticas  da 
região  ou  das  suas  relações  com  o  Governo  e  povos  vizinhos, 
sempre  que  assim  for  preciso.  Em  casos  de  maior  importância, 
tomam  também  parte  nestas  assemblêas  os  sobas  e  sobetas,  bem 
como  os  dembos  ou  sobas  aposentados. 

O  dembo  não  teem  atribuições  para  tratar  ou  resolver  um 
assunto  qualquer  sem  que  previamente  esse  assunto  seja  discutido 
em  assemblêa. 

Como  oficiais  inferiores,  tem  os  macotas  inferiores,  denomi- 
nados sargentos,  por  imitação  das  graduações  necessárias  na 
guerra,  mas,  quando  esta  se  trava,  não  há  direcção  superior 
nem  comando,  sendo  todos,  indistintamente,  soldados  combaten- 
tes. Em  tempo  cie  paz,  servem-se  de  meirinhos  ou  oficiais  de 
diligências  para  intimar  qualquer  indivíduo  a  comparecer  perante 
o   dembo.     Para   esse   fim,    os   meirinhos   apresentam   à    pessoa, 


DE   ANGOLA  57 

cuja  comparência  é  intimada,  o  bastão  do  dembo,  no  qual  a 
pessoa  intimada  ata  um  laço  como  signal  de  que  recebeu  a  inti- 
mação e  de  que  não  pode  faltar  a  esse  compromisso. 

A  aldeia  mais  próxima  da  banza  principal  de  toda  a  região, 
representada  pelos  sobas  e  macotas,  costuma  reunir-se  a  esta, 
a  fim  de  impor  uma  ordem  ou  transmitir  qualquer  resolução  às 
aldeias  mais  distantes. 

O  sistema  político  parece  ser  uma  monarquia  absoluta  ou 
despótica,  mas  electiva.  Há  formalidades  que  parecem  duma  mo- 
narquia constitucional,  em  que  todo  o  poder  reside  no  governo, 
dependendo  do  chefe  do  Estado  a  sanção  ou  veto,  mas,  do  meio 
da  indisciplina  política  que  entre  eles  reina,  deduzem-se  dois 
factos  que  se  contradizem,  a  saber  :  os  dembos  e  os  sobas  são 
uns  déspotas,  com  poderes  descricionários  para  abusarem  dos 
seus  vassalos;  porém  estão  sujeitos  aos  macotas,  que  tanto  lhes 
podem  outorgar  a  autoridade  como  retirar  lha.  Aparentemente, 
o  dembo  é  omnipotente,  ocupando  uma  situação  superior  a 
todos;  intimamente,  não  passa  dum  simples  ídolo  convencionali 
o  cabeça  falante. 

Cada  dembo  tem  sob  o  seu  domínio  uma  ou  mais  sanzalas, 
que  tem  por  chefes  os  sobas  e  estes,  segundo  a  sua  importância, 
tem  debaixo  de  si  sanzalas  mais  pequenas,  cujos  chefes  são  de- 
nominados sobetas. 

Além  dos  presentes  que  os  dembos  exigem  aos  sobas,  seus 
vassalos,  não  cobram  mais  nenhum  imposto. 

Na  região  dos  Dembos,  ainda  hoje  por  submeter,  e  na  maior 
parte  rebelde,  os  europeus  pode-se  dizer  que  são  tolerados.  Em 
pleno  coração  dos  Dembos,  está  construído  o  forte  de  Caculo 
Cahenda,  que  convence  os  povos  dessa  região  de  que  essas  ter- 
ras começam  a  passar  da  posse  do  Muene  Congo  (autoridade 
gentílica)  para  a  do  Muene  Puto  (autoridade  portuguesa). 

Nas  terras  sob  a  jurisdição  dos  dembados  de  Casuangongo, 
Mbula  Atumba,  Quilombo  e  outros,  não  é  permitida  a  entrada 
dos  europeus. 

Não  há  tratados  de  amizade;  vivem  quasi  sempre  mal  uns 
com  os  outros;  no  entanto,  é  fácil  aliarem-se  contra  o  inimigo 
comum,  como,  por  exemplo,  os  europeus. 

As  terras  dos  dembos  são  limitadas  por  linhas  de  árvores, 
servindo  de  marcos,  colocados  pelas  partes. 

O  dembo  de  Caculo  Cahenda,  além  das  cartas  patentes  a  que 
já  nos  referimos,  possuo  arquivados  antigos  documentos  relati* 
5 


58 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


vos  á  demarcação  dalgumas  das  suas  terras,  levada  a  efeito  com 
a  intervenção  da  autoridade  portuguesa. 

Não  há  organização  militar ;  sendo  necessário  fazer  alguma 
guerra    aos    povos    dum    sobado,    esperam-nos   emboscados,    e, 


N'golas  —  Um  terrível  feitiço :  O  «Nganga  Kazenda»,  de  Ambaca 

quando  estes  passam  muito  próximo,  sobre  eles  desfecham  à 
queima  roupa,  atacando  de  preferência  a  cauda  da  fila  ou  da 
coluna.  Nas  grandes  lutas  há  um  indivíduo  chamado  quilôlo, 
que  vai  á  frente  a  sacudir  as  balas  inimigas,  que  passa  por  ser 
invulnerável. 

As  mulheres  não  tomam  parte  nos  combates.  Os  prisioneiros  de 
guerra  são  vendidos,  salvo  os  sobas  cujas  cabeças  são  decepadas. 


DE   ANGOLA  59 

Quando  ficam  vitoriosos,  tomam  conta  da  povoação  inimiga 
e  das  terras  adjacentes,  colocando  aí  um  soba  ou  sobeta. 

A  população  inimiga  que  prestar  obediência  aos  vencedores 
permanece  na  povoação. 

* 

O  senhor  das  terras  é  o  Estado,  presidido  pelo  dembo  que  con- 
cede todas  as  licenças,  que  cada  um  pede  para  grangear  os  terrenos 
que  quiser.  No  Estado  há  dois  indivíduos  especialmente  conside- 
rados donos  das  terras,  e  que  teem  os  títulos  de  Samba  e  de  Itandala, 
ou  conjuntamente  o  nome  de  Dumbi-Emulumbi  (donos  das  terras). 

Não  existe  um  domínio  público.  O  Estado  pode  ser  possuidor 
de  casas,  terras  ou  animais,  que  pertencem  igualmente  a  todos 
os  macotas. 

Todas  as  terras  são  do  povo  e  cada  particular  pode  usufruí- 
las,  segundo  as  suas  necessidades.  As  propriedades  são  limitadas 
por  sebes  ou  outros  sinais  quaisquer. 

Na  vida  em  comum,  o  homem  e  a  mulher  são  igualmente 
proprietários  dos  objectos  que  estão  em  casa;  porém,  quando 
se  separam,  a  mulher  leva  as  panelas,  a  sua  quinda,  a  sua  esteira 
e  sua  colher,  ficando  o  homem  com  a  catana,  com  os  pratos  e  o 
banco.  A  mulher  não  pode  comprar,  nem  vender,  nem  distribuir. 
É-lhe  vedado  dividir  o  porco  ou  a  galinha  que  matam  para  as 
refeições  da  família,  sendo  o  seu  papel  cosinhar  as  comidas. 

A  mulher  não  pode  também  ir  à  mala  buscar  um  pano  ou 
outra  cousa  qualquer;  o  marido  não  lhe  confia  as  chaves  das 
malas:  é  este  que  vai  buscar  ou  arrecadar  o  que  é  necessário. 

A  mulher  escrava  só  trabalha  e  come  o  que  lhe  distribuem. 
O  marido  às  vezes  autoriza  a  mulher  a  ter  uma  galinha,  se  esta 
lhe  fôr  dada  pela  sua  família,  a  fim  de  ter  ovos  e  criação. 

Os  bens  imobiliários  pertencem  ao  marido,  inclusivamente  as 
lavras  feitas  pela  mulher. 

O  direito  da  caça  é  livre,  mas  aquele  que  fizer  caça  grossa 
(boi  bravo,  etc.)  e  não  oferecer  ao  seu  respectivo  dembo  ou 
soba  a  cabeça  e  a  parte  trazeira  do  animal  é  preso.  Aquele  que 
caçar,  por  exemplo,  uma  onça,  deve  apresentá-la  ao  dembo  ou 
soba,  o  qual  começa  a  contar  os  pêlos  do  bigode  do  animal.  Se 
faltar  algum  destes  pêlos,  bem  como  alguma  unha,  o  caçador  é 
preso,  por  suspeita  de  querer  fazer  feitiçaria  com  esses  objectos. 

Existe  o  direito  da  propriedade  sobre  achados,  devendo,tno 


60  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

entanto,  ser  devolvidos  ao  dono  que  prove  pertencerem-lhe,  sendo 
presos  aqueles  que  procederem  do  modo  contrário. 

Fazem  comércio  de  importação  e  de  exportação.  Importam 
fazendas,  armas,  pólvora  e  peixe  seco  e  exportam  café,  que  é 
muito  abundante  na  região. 

Os  povos  pertencentes  aos  dembados  de  Caculo  Cahenda  e 
Mbula  Atumba  negoceiam  também  em  gado.  A  região  de  Ca- 
zuangongo  é  das  mais  inúteis,  comercialmente. 

Em  Santo  António  de  Caculo  Cahenda  há  uma  casa  comercial 
de  mercearia  e  permuta  com  o  gentio. 

Não  há  caravanas,  nem  feiras  e  cambistas. 

As  moedas  são:  uma  mulher,  equivalente  a  um  boi;  um  boi, 
que  vale  20  a  40  escudos:  um  porco  ou  carneiro,  que  vale  3  es- 
cudos ;  fazendas  e  aguardente,  dinheiro  em  cobre,  que  contam 
aos  3  centavos  (macuta)  ou  aos  6  centavos.  Um  homem  escravo 
(muleque)  pode  também  ser  permutado,  tendo  pouco  menos 
valor  que  a  mulher. 

Como  medidas  empregam :  um  saco  ou  um  cestinho  ;  uma 
peça  de  8  jardas  de  fazenda;  e  a  jarda,  que  contam  desde  o 
centro  do  peito  à  estremidade  da  mão,  estando  o  braço  estendido 
horisontalmente. 

Quando  fazem  um  contrato  qualquer,  os  contratantes  são  os 
que  primeiramente  emitem  a  sua  opinão,  depois  são  os  avós  dos 
contratantes,  depois  os  tios  e  depois  os  irmãos  mais  velhos,  os 
mais  novos,  os  sobrinhos  e,  por  último,  os  primos. 

No  caso  de  herança,  os  sobrinhos  herdam  dos  tios  e  vice- 
versa;  não  havendo  tios  e  sobrinhos,  herdam  os  membros  da 
família  do  falecido,  do  ramo  materno. 

A  mulher,  depois  da  morte  do  marido,  é  herdada  pelo  irmão 
mais  velho  do  falecido,  e  se  este,  a  não  quizer  é  o  irmão  mais 
novo  que  com  ela  fica.  Aquele  que  a  recebe  paga  três  peças  de 
fazenda  à  família  da  viuva.  A  este  presente  dão  o  nome  de 
tabaco.  A  viuva  que  se  liga  a  outro  homem,  sem  primeiro  pas- 
sar pelo  poder  dos  cunhados,  morre  ela  e  aquele  que  com  ela 
casar. 


Quando  um  indivíduo  de  certo  dembado  comete  um  crime, 
como,  por  exemplo,  o  de  assassínio,  e  a  vítima  pertence  a  dem- 
bado diferente,  se  esse  criminoso  não  é  preso,  será  amarrada  e 


DE   ANGOLA 


61 


pagará  o  crime  a  primeira  pessoa  que  acharem  à  mão  do  derri- 
bado do  criminoso. 

Andam  constantemente  em  questão  os  povos  dum  sobado  com 
os  do  outro.  Muitas  vezes,  lembram-se  das  questões  entre  eles 
suscitadas  há  muitos  anos  atrás,  e  trazem-nas  novamente  à  tela 
de  discussão. 


N' golas  —  Grupo  de  amb aquistas 

No  caso  dum  crime  ou  dívida,  quem  responde  primeirojé  o 
criminoso  ;  se  este  fugir,  prendem  o  irmão  mais  novo  do  crimi- 
noso ;  se  também  este  não  se  deixar  prender,  agarram  o  pai  do 
criminoso ;  e  se  este  também  escapar  à  prisão  prendem  um  tio  ; 
e,  finalmente,  se  este  último  também  fugir,  o  julgamento  fica 
pendente  até  morrer  o  criminoso  e  sua  família,  excepto  a  mãe 
que  nunca  responde  pelos  crimes  por  outros  praticados,  a  não 
ser  pelos  seus  próprios. 

Como  penhor  duma  dívida  costumam  dar  um  homem,  uma 
mulher,  crianças  ou  quaisquer  outros  objectos. 

Não  emprestam  valores  a  juros,  más  se  o  devedor  se  demora 
a  pagar  ou  não  é  amigo  do  credor,  este  exige  o  pagamento 
aumentado. 


62  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

Não  teem  códigos  nem  leis  que  regulem  a  aplicação  de  pena. 
As  penas  são  quási  sempre  reguladas  pelos  crimes,  mas  aumen- 
tam consoante  as  posses  do  acusado  e  do  queixoso,  pois  os  juízes 
(macotas)  não  teem  em  vista  fazer  justiça,  mas  sim  explorar, 
visto  que  não  vivem  de  outra  coisa  senão  de  exploração  dos 
crimes  riais  e  imaginários.  O  queixoso  embora  tenha  razão,  se 
fôr  rico,  paga  também  muito  para  os  juízes. 

Antigamente,  antes  da  ocupação  da  região  onde  habitam 
estes  povos,  existia  entre  eles  a  pena  de  morte  por  enforcamento ; 
se  o  delinquente  resistisse,  fuzilavam-no.  Actualmente,  ainda 
parece  existir  a  mesma  pena  em  lugares  não  ocupados  pelas 
autoridades. 

As  restantes  penas  gentílicas  mais  graves  que  ainda  hoje 
existem  são :  o  ser  vendido  como  escravo  e  o  pagamento  de 
bois,  porcos,  fazendas,  café,  etc.  Enquanto  o  delinquente  não 
cumprir  a  pena,  este  fica  preso  ao  tronco  duma  árvore. 

Existe  o  instinto  de  vingança  muito  pronunciado  e  com  toda 
a  aparência  de  penas  de  Talião,  mas  os  juíses  (macotas)  a  isso 
obstam,  porque  semelhante  prática  nada  lhes  rende,  procurando 
por  isso  julgar  todas  as  questões. 

A  família  do  indivíduo  que  tenha  sido  vítima  dum  assassínio, 
pode  exigir  do  homicida  o  pagamento  que  quiser,  mas  não  a 
morte  do  criminoso.  Na  maioria  das  vezes,  exige  muitos  mule- 
ques,  que  o  homicida  tem  de  dar  se  os  possuir ;  no  caso  contrá- 
rio, ficam  o  criminoso  e  a  sua  família  como  muleques. 

Ao  julgamento  dos  criminosos,  se  o  crime  é  grave,  quem 
preside  é  o  respectivo  dembo,  único  que  se  senta  na  cadeira  ;  se 
o  crime  não  é  muito  grave,  preside  ao  julgamento  o  Muene- 
itandala,  e  na  sua  falta,  o  Muene-samba ;  e  se  o  crime  é  insigni- 
ficante, são  os  macotas  que  presidem  ao  julgamento.  Há  um 
secretário  do  tribunal,  que  assiste  aos  julgamentos  sentado  numa 
esteira  ao  lado  do  dembo,  mas  que  nada  resolve  nem  escreve. 

O  tribunal  é  composto  pelos  macotas,  pelo  Muene-itandala, 
Muene-samba,  também  intitulado  7ala-mujinga,  que  fica  atrás 
do  Muene-itandala  e  Muene-samba ;  atrás  do  Tala-mujinga  ficam 
o  Mutôr-embaje,  indivíduo  encarregado  de  receber  correspon- 
dência, o  Muene-lumbo,  Muene-hapa  Muene-se?ne,  Muene-dumbe 
Muene-sanje,  Muene-cui  1.°,  Muene-cui  2.°,  Muene-unho,  Muene- 
sonze,  Muene-cabalanga  e  muitos  outros  macotas,  como  são  :  o 
manjor,  o  capitão,  o  brigadéro,  o  tinenti,  o  ealiféri,  os  sarigentos, 
os  cabos,  o  cornitéro  e  o  porta-batuque. 


DE   ANGOLA  63 

Os  macotas  inferiores  raras  vezes  comparecem^  no  tribunal. 
O  julgamento  é  público  e  apenas  se  vestem  melhor  o  Dembo,  o 
Muene-itandala,  o  Muene-samba  e  o  Muene-gombe,  soba  da  maior 
sanzala,  que  somente  comparece  quando  se  trata  de  julgamentos 
de  crimes  gravíssimos.  O  Muene-gombe  é  considerado  irmão  do 
dembo  e  a  este  substitue  nos  seus  impedimentos ;  pode  usar  botas, 
mas  quando  está  ao  pé  do  dembo,  descalça-as.  O  dembo  Caculo 
Cahenda  é  o  que  tem  maior  número  de  macotas.  O  réu  e  o 
queixoso  assistem  aos  julgamentos  sentados,  e  ajoelham-se  quan- 
do o  dembo  fala.  O  réu  só  é  preso  depois  de  condenado.  Quando 
as  testemunhas  afirmam  e  o  réu  nega,  este  é  submetido  à  prova 
de  juramento,  a  que  mais  atrás  já  nos  referimos.  Se  o  réu  de- 
pois de  beber  a  droga,  ficar  aflito,  e  se  é  acusado  de  feitiçarias, 
deixam-no  morrer  e  praticam  tudo  o  que  fica  dito  quando  tra- 
tamos dos  feiticeiros ;  se  não  é  acusado  de  feitiçarias,  dão-lhe 
um  contra  veneno  e  consideram-no  criminoso. 

O  qiámbandeiro  é  chamado  quando  se  trata  de  crimes  de 
pouca  importância,  o  qual  aplica  ao  réu  um  ferro  em  braza  ; 
se  na  verdade  êle  fôr  culpado,  esse  ferro  queima-o ;  no  caso 
contrário  é  considerado  inocente.  Antes  de  aplicarem  ao  corpo 
do  réu  o  ferro  em  braza,  a  fim  de  conhecerem  o  grau  da  quei- 
madura que  êle  pode  produzir,  fazem  a  experiência  tocando 
uma  pena  de  galinha  com  o  ferro. 

E  permitido  indemnizar  o  prejuízo  do  crime,  mas  não  dis- 
pensam as  formalidades  do  julgamento,  a  fim  de  os  juíses  não 
perderem  as  custas. 

Os  macotas,  ouvindo  as  partes  e  as  testemunhas,  discutem  a 
causa,  seguidamente  conferenciam  com  o  dembo,  que  está  sen- 
tado a  distância,  depois  ouvem  a  opinião  do  Muene-itandala  e  do 
Muene-sambo  e  tornam  a  conferenciar  outra  vez  com  o  dembo, 
que  profere  finalmente  a  sentença. 

Estes  povos  não  assimilam  por  enquanto  uma  civilização 
superior,  mas  teem  consideração  pelo  indígena  civilizado. 


u 


«ANGOLA- 


18.000.000 


Tribu  MUCHIGONGO 


M.áftfry*'  fec  r.    vnp. 


CAPITULO  III 
MUCHICONGOS 

I.  —  Dos  caracteres  etnográficos  gerais 

Origem  dos  povos  designados  por  Muchi- 
congos.  —  Situação  geográfica.  —  Popu- 
lação. 

Á  tribu  Muchicongo  pertencem  os  povos  cuja  banza  ou  capi- 
tal é  Uénené-Congo,  e  que  significa  lugar  onde  habita  o  rei. 

O  território  habitado  por  estes  povos  anda  por  nove  mil  qui- 
lómetros quadrados,  corresponde  quási  na  totalidade  à  circuns- 
crição de  S.  Salvador  do  Congo,  é  limitado  ao  norte  com  o 
Congo  Belga,  ao  sul  com  o  rio  Mbrige,  a  leste  com  o  Luango, 
desde  a  fronteira  belga  até  às  suas  nascentes,  seguindo  em  linha 
recta  até  às  nascentes  do  Lufundi,  e  depois  o  curso  deste  rio  até 
à  sua  confluência  com  o  Mbrige,  e  a  oeste  com  o  Mpozo. 

Os  actuais  Congos  consideram-se  parentes;  dos  habitantes 
do  Congo  Belga  que  ao  norte  confina  com  a  nossa  colónia ;  dos 
povos  habitando  o  que  indevidamente,  se  costuma  denominar 
enclave  de  Cabinda;  dos  que  estão  estabelecidos  ao  sul  do  Zaire 
e  ao  norte  dos  rios  Lifune  e  Zenza ;  e  dos  povos  Jingas,  Ma- 
hungos,  Holos  e  Mussucos. 

Efectivamente,  parece  que,  dos  povos  vindos  da  região  dos 
grandes  lagos,  algumas  tribus  não  passaram  àquem  do  Lubilaxi, 
seguindo  o  rumo  norte  e  vindo  estabelecer-se  na  parte  superior 
dos  afluentes  do  Cassai. 

Segundo  uma  versão,  em  virtude  de  novas  invasões,  conti- 
nuaram estas  tribus  a  sua  derrota  para  oeste ;  segundo  outros, 
exploraram  as  terras  de  que  lhes  ficavam  ao  sul,  onde,  tendo 
encontrado  os  povos  que  mais  tarde  vieram  a  constituir  o  estado 


M 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


de  Muat-Ianvua,  uma  parte  fundiu-se  com  estes  e  outra  tomou  o, 
rumo  nordeste. 

Não  obstante  a  divergência,  na  forma  de  se  contar  a  tradi- 
ção dos  povos  de  S.  Salvador  do  Congo,  não  resta  dúvida  que 


IPS; 


§8<mÊm 


%sws 


Tipos  Muchicongos 

eles  vieram  da  parte  superior  dos  afluentes  do  Cassai,  conside- 
rando se  por  isso  os  actuais  habitantes  ainda  parentes  dos  povos 
que  actualmente  se  encontram  estabelecidos  naquela  região. 

São  regularmente  constituídos  e  robustos,  na  parte  norte  da 
região  onde  se  encontram  estabelecidos,  e  fracos,  doentes  e  pouco 
resistentes,  nas  regiões  infestadas  pela  mosca  tzé-tzé ;  mais 
cobardes  que  corajosos,  bastante  expansivos  e  tendo  em  elevado 
grau  os  sentimentos  de  amisade,  dedicação  e  compaixão. 


DE   ANGOLA 


67 


Os  homens  desta  tribu  dedicam-se  à  caca,  pesca,  e  sobretudo 
ao  transporte  de  cargas,  empregando-se  as  mulheres  quási  ex- 
clusivamente no  trabalho  das  suas  lavras. 

A  população,  nas  regiões  infestadas  da  mosca  tzé-tzé,  ao  sul 


•   :?  ff 


Slí 


SK  : 


Mucliicongo 

da  Circunscrição  de  S.  Salvador  do  Congo,  tem  descrescido, 
conservando-se  nas  restantes  estacionária. 

Os  povos  desta  tribu  são  em  geral  de  corpo  bem  direito,  de  esta- 
tura mais  que  regular,  sendo  muito  diminuta  a  sua  força  muscular. 

A  côr  da  pele  é  preta,  pouco  carregada  nas  partes  menos  ex- 
postas ao  sol  e  ao  ar ;  os  cabelos  encarapinhados  e  de  côr  preta ; 
os  olhos  ovais,  a  côr  da  iris  é  preta  e  de  posição  horisontal. 

E  raro  encontrar-se  alguém  com  grande  abundância  de  pêlos 
pelo  corpo ;  o  bócio  é  frequente. 


68  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


II. —  Da  vida  material  e  intelectual 


Cuidados  dados  ao  corpo.  —  Vestuário.  — 
Habitação.  —  Alimentação.  —  Meios  de 
existência.  —  Sciências  e  faculdades  in- 
telectuais. 

Os  povos  desta  tribu  usam  a  lavagem  quotidiana  com  água 
fria,  empregando  alguns  o  sabão ;  só  as  mulheres  fazem  uso  do 
azeite  de  palma  e  óleo  de  jinguba. 

São  nadadores,  não  por  divertimento,  mas  pela  necessidade 
que  tem  de  passar  os  rios,  onde  não  podem  lançar  mão  de  outro 
meio  que  não  seja  a  nado. 

Parece  não  haver,  como  em  algumas  outras  tribus  se  encon- 
tra, um  tipo  de  penteado  característico  da  tribu.  Entre  estes 
povos,  os  homens  usam  o  cabelo,  uns  enrolado,  outros  entran- 
çado e  outros  levantado  em  popa ;  as  mulheres  usam  o  cabelo 
entrançado,  e  em  actos  solenes  costumam  cortá-lo  em  sulcos, 
formando  vários  desenhos.  Para  se  pentearem  empregam  pentes 
de  madeira  e  as  mulheres  fazem  uso  do  azeite  de  palma. 

Não  há  torneios  de  luta,  e,  como  passatempo,  entregam-se  a 
diferentes  jogos,  de  que  passamos  a  descrever  os  principais  :  O 
jimina,  em  que  tomam  parte  homens  e  mulheres  e  que  corres- 
ponde à  nossa  cabra-cega.  O  badi,  a  que  se  entregam  só  rapa- 
zes, e  que  consiste  no  seguinte :  colocam-se  os  jogadores,  muni- 
dos cada  um  com  o  seu  pau,  em  frente  uns  dos  outros,  em  duas 
filas  paralelas ;  á  rectaguarda  de  cada  fila,  e  a  uma  distância 
aproximada  de  trinta  metros,  fazem  um  risco  no  chão ;  o  grupo 
que,  servindo-se  dos  paus  conseguir,  com  uma  bola  entre  eles 
colocada,  atingir  ou  passar  primeiro  o  limite  marcado  ganhou  o 
jogo.  Um  outro  jogo  muito  usual  é  o  congo-dianchuica-kadi,  a 
que  se  entregam  homens  e  mulheres,  e  que  consiste  em  um  dos 
jogadores,  colocado  no  centro  dum  círculo  formado  pelos  restan- 
tes de  mãos  dadas  uns  aos  outros,  procurar  rompê-lo. 


O  tipo  de  habitação  destes  povos  é  a  cubata  com  a  forma 
rectangular.    Quem  a  constroe  é  o  futuro  morador,  auxiliado 


DE  ANGOLA 


69 


pelos  amigos,  e  as  mulheres,  que  se  encarregam  simplesmente 
de  arranjar  o  colmo  para  a  cobertura. 

A  sua  construção  é  simples ;  as  paredes,  de  pau  a  pique, 
ligadas  por  canas  dispostas  horisontalinente,  que  se  revestem  de 
feno  ;  o  telhado,  em  geral  de  duas  águas,  é  feito  de  varas  das 
folhas  de  palmeira,  a  que  vulgarmente  se  chama  ^bordão,    ser- 


Raparigas  Mucliicongos 


vindo  de  barroteâ  e  canas,  como  fasquias,  sobre  que  se  assenta  a 
cobertura  de  feno,  tudo  ligado  entre  si  e  ao  pau  de  fileira  a 
todo  o  comprimento,  e  apoiado  Sobre  três  forquilhas,  uma  de 
cada  extremo  e  outra  no  centro. 

As  cubatas  tem,  na  maioria,  duas  divisões,  havendo-as  com 
três  divisões,  e  algumas  há  em  que  a  cosinha  é  no  cercado  ou 
quintal. 

Tem  duas  portas,  uma  de  entrada  e  outra  para  serventia 
pelo  cercado,  e  nalgumas  vêem-se  já  pequenas  janelas. 

Os  locais  escolhidos  para  construirem  as  cubatas  são,  em 
geral  e  de  preferência,  os  ventilados  e  elevados,  próximos  das 
fontes,    dos   rios,    em    terrenos  bons  para  culturas  e  mais  ou 


70 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


menos  afastados  dos  caminhos  frequentados,  não  se  praticando 
cerimónias  preparatórias  da  construção. 

A  disposição  das  cubatas  na  povoação  (sanzala)  é,  em  geral, 
em  círculos  mais  ou  menos  imperfeitos,  deixando  ao  centro  ter- 
renos comuns.  Como  dependências  tem,  no  cercado  ou  quintal, 
os  estábulos  em  forma  circular,  e  algumas  as  cosinhas. 


Uma  habitação  indígena 


As  sanzalas  não  são  cercadas  por  sebes,  estacadas,  cavas  ou 
qualquer  espécie  de  defeza,  e  nelas  existem  cubatas  reservadas 
a  forasteiros  ou  hóspedes;  é  costume  construírem  cubatas  fora 
da  sanzala,  reservadas  para  isolamento  das  pessoas  atacadas  de 
doenças  contagiosas. 

Como  mobília,  usam  apenas  a  cama,  feita  de  bordões,  em 
forma  de  tarimba  e  apoiada  sobre  quatro  forquilhas,  a  esteira, 
bancos  feitos  de  pequenos  rolos  de  troncos  de  arvores  e  os  uten- 
silios  de  cosinha. 

A  iluminação  faz  se  com  os  fructos  da  purgueira  enfiados  em 
paus  ou  em  canas,  e  o  aquecimento  com  lenha. 


DE    ANGOLA 


71 


*         * 


Tanto  homens  como  mulheres  fazem  uso  de  panos  para  se 
vestirem,  os  homens  prendendo-os,  em  geral,  por  meio  de  cinto, 
um  pouco  abaixo  da  cintura,  e  as  melhores  traçando-os  acima  do 
peito  e  por  debaixo  dos  sovacos.    Uns  e  outros  usam  um  outro 


ww 


zir  , 


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Preparação  da  farinlia 

pano  pelas  costas,  principalmente  quando  estão  doentes.  As  mu- 
lheres costumam  usar  por  debaixo  do  pano  um  mais  pequeno, 
cobrindo-lhe  as  partes  genitais.  Os  panos  são  de  algodão  e  ris- 
cados adquiridos  no  mercado,  sendo  feitos  em  família.  Não 
usam  calçado,  salvo  quando  fazem  viagem,  em  que  usam  uma 
espécie  de  sandálias,  por  eles  feitas  de  peles. 

Não  obstante  na  região  se  fabricarem  chapéus  duma  graminea 
muito  fina  e  outros  de  fio  de  algodão,  raros  são  os  que  usam 
cobrir  a  cabeça,  fazendo-o  mais  por  luxo  do  que  por  abrigo. 

A  não  ser  a  pele  da  onça,  suspensa  da  cintura  em  forma  de 


72  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

avental,  e  as  unhas  do  mesmo  animal  no  barrete,  que  os  sobas 
costumam  usar,  não  existe  outro  adorno  ou  enfeite  que  determine 
a  posição  social. 

Suspenso  ao  pescoço  e  aos  cabelos,  usam  fios  de  vidrilhos  e 
contaria ;  nas  orelhas,  brincos,  argolas  de  metal  de  arame  e  paus ; 
nos  braços  e  tornezelos,  anilhas  de  metal,  arame  e  marfim. 

Por  ocasião  de  festas,  enterros  e  casamentos,  costumam  pin- 
tar o  corpo,  a  cores,  com  tacula,  carvão  vegetal  ve  azeite  de 
palma. 

Existe  a  tatuagem  por  picaduras  e  incisões:  nas  mulheres, 
nas  costas,  no  peito  e  na  cintura ;  e  nos  homens,  no  peito  e  nas 
costas. 

# 


A  base  de  alimentação  é  vegetal,  fazendo,  no  entanto,  parte 
da  alimentação  a  carne  e  o  peixe.  Os  alimentos,  uns,  como  a 
carne,  peixe,  farinha  e  legumes,  são  cozinhados,  e  outros,  como 
as  frutas,  a  mandioca  e  a  jinguba,  são  ingeridos  crus.  Os  ali- 
mentos cozinhados  são  preparados,  cozidos,  guisados  ou  assados, 
empregando,  como  temperos,  o  sal,  o  azeite  de  palma  e  a  jinguba, 
e  como  picantes,  o  jindungo  e  o  gingibre. 

Como  bebidas  existentes,  usam  o  vinho  de  palmeira  e  seus 
derivados  e  a  garapa  (fermentação  de  milho  e  de  mandioca). 

Tem  duas  refeições  por  dia,  preparadas  pelas  mulheres,  e  não 
são  tomadas  em  família  e  em  comum :  os  homens  comem  em  um 
grupo  separado  do  das  mulheres. 

Os  alimentos  são  preparados  em  uma  das  divisões  da  cubata, 
quando  não  tem  cozinha  no  cercado,  no  centro  do  qual  se  colocam 
três  pedras  que  constituem  a  lareira  onde  assentam  as  panelas. 

Os  utensílios  de  cosinha  usados  são  :  panelas  de  barro,  quin- 
das  (cestos)  cabaças,  uma  pedra  lisa  para  picados,  um  chifre 
para  saleiro,  pilão  e  peneira,  e  colheres  de  pau. 

Não  obstante  alguns  usarem  os  fósforos,  em  geral,  o  lume  con- 
serva-se  sempre  aceso,  e  quando  necessitam  fazer  fogo  obtem-no 
por  meio  de  isca  colocada  sobre  uma  pedra  que  ferem  com 
um  ferro. 

Não  há  celeiros  públicos :  cada  família  tem  o  seu  celeiro  de 
pano  ou  fibras  vegetais,  onde  conservam  os  cereais  e  a  mandioca 
depois  de  secos  ;  usam  conservar  a  carne  e  o  peixe  por  meio  de 
fumagem. 


Muchicongos  —  Uma  ponte  gentílica 


Popul.  indígenas  de  Angola 


(72) 


DE  ANGOLA  73 

Não  são  antropófagos  e  não  existe  a  geofagia  propriamente 
dita,  apenas  as  mulheres  costumam  comer  uma  terra  parda,  a 
que  chamam  Hmbnndun,  quando  andam  grávidas,  por  a  consi- 
derarem estomacal. 

# 

Entregam-se  á  agricultura,  de  que  se  ocupam  as  mulheres 
auxiliadas  pelos  homens,  não  sendo  os  trabalhos  agrícolas  feitos 
em  comum.  Cultivam  a  mandioca,  a  jinguba,  o  milho,  o  feijão, 
a  batata  doce,  a  ervilha,  a  cebola,  etc. 

Não  usam  adubar  nem  regar  as  terras,  e  empregam  como 
alfaias  agrícolas  a  enxada  e  a  catana.  Preparam  as  terras  em 
setembro  e  outubro,  as  que  se  destinam  ao  milho,  capinando  e 
dando-lhe  uma  cava ;  as  que  se  destinam  a  feijão,  a  ervilha  e  a 
mandioca,  são  apenas  capinadas.  As  sementeiras  são  feitas  em 
novembro.e  dezembro,  prolongando-se  mesmo  até  março  e  abril. 
As  culturas  são  alternantes. 

Alem  da  enxada  e  da  catana,  estes  indígenas  fazem  uso  do 
machadinho  para  cortar  madeiras,  trazem  sempre  faca  e  alguns 
espingarda  de  espoleta  ou  pederneira.  A  faca,  a  catana  e  a 
espingarda  adquirem-nas  no  comércio ;  o  machado  é  por  eles 
fabricado,  e  tem  a  forma  de  cunho  com  espigão,  em  lugar  de 
olhai. 

Dedicam-se  à  criação  de  porcos,  cabras,  gado  lanígero,  gali- 
nhas e  patos. 

São  caçadores,  exercendo  a  caça,  em  geral,  por  grupos  e  em 
batidas.  O  possuidor  da  peça  de  caça  é  o  primeiro  que  a  fere, 
ainda  que  a  não  tenha  morto,  cabendo  a  este  só  parte.  Caçam 
a  onça,  o  veado,  o  javali,  a  corça,  o  búfalo,  etc. 

Os  homens  dedicam-se  à  pesca,  quer  por  redes  de  fibras  de 
vegetais,  por  eles  construídas,  quer  por  tapumes  ou  sebes  quando 
baixam  as  águas  depois  das  cheias.  Pescam  a  bagú,  a  enguia, 
o  pargo  e  outros  peixes  de  menor  importância. 

Costumam  conservar,  tanto  a  caça  como  o  peixe,  defuman- 
do-o. 

Os  povos  desta  tríbu  confecionam  panos,  para  seu  uso,  dê 
fibras   de    palmeira,    a    que   chamam   mabelas,   servindo-se   uns 
6 


74 


POPULAÇÕES   INDÍGENAS 


de  pequenos  teares  muito  rudimentares  e  outros  fazendo-os  à 
mão.    A  este  trabalho  entregam-se  geralmente  os  homens. 

Empregam-se  igualmente,  homens  e  mulheres,  em  obras  de 
cesteiro,  fazendo,  de  gramíneas  muito  finas  e  fortes,  cestos 
(guindas)  e  esteiras,  e  de  fibras  de  palmeira,  peneiras,  bem 
assim  como  em  cordoaria,  fabricando  cordas  de  fibras  de  imbon- 
deiro  (baobab),  e  atilhos  de  fibras  de  ananaz  e  de  bananeira. 


Serração  de  madeira  na  Missão  de  S.  Salvador  do  Congo 


Fazem  trabalhos  de  olaria,  tais  como  moringues,  panelas, 
cachimbos,  etc,  amaçando  o  barro,  dividindo-o  depois  em  por- 
ções calculadas  para  o  tamanho  dos  objectos  a  fabricar  e  assen- 
tando-o  sobre  uma  pedra  bem  lisa,  onde  lhe  vão  dando  a  forma  com 
o  auxílio  dum  caco ;  feito  isto,  expõem  ao  sol  os  objectos  durante 
um  dia,  sendo  depois  colocados  em  uma  cova  que  se  cobre  com 
terra  e  sobre  que  fazem  uma  grande  fogueira,  que  em  geral  se 
prolonga  por  meio  dia. 

Depois  de  cosidos,  costumam  alguns,  para  polir  e  dar  brilho 
aos  objectos  fabricados,  esfregá-los  com  folhas  de  mandioca. 

Fabricam  machados,  facas,  setas,  pipos  de  espingarda,  argo- 


DE   ANGOLA 


75 


las,  etc.,  com  o  ferro  nativo,  arcos  de  fardos  das  fazendas  e 
todos  os  ferros  velhos  que  encontram,  e  que  são  trabalhados 
pelo  fogo  e  a  martelo. 

Em  obra  de  madeira,  fabricam  pratos,  colheres,  pentes, 
bocetas  para  tabaco,  guisos,  marimbas  e  dongos  —  barcos  cons- 
truídos de  troncos  de  árvores  e  feitos  de  uma  só  peça. 

Nestes  trabalhos  empregam-sè  apenas  o  machado  e  a  faca. 

Preparam  peles  de  onça,  macaco,  gazela,  gibóia,  etc,  esten- 
dendo-as  ao  sol,  presas  nas  extremidades  e  deitando-lhes  cinza, 
dando  a  preparação  como  completa  quando  as  peles  estão  bem 
secas. 

Para  reduzir  a  farinha  o  milho  e  a  mandioca  não  usam  a 
moagem,  empregando  a  trituração  pelo  pilão,  serviço  que  pres- 
tam exclusivamente  as  mulheres. 


# 


Existe  a  linguagem  por  gestos,  por  apitos  e  tambores.  A 
linguagem  falada  é  a  congolesa,  a  sua  estrutura  é  a  mesma  dos 
restantes  povos  da  província,  pertencentes  à  raça  negra,  a  vasta 
família  das  línguas  bantu.  Como  se  pode  verificar  pelo  vocabu- 
lário que  a  seguir  incluímos,  a  língua  falada  por  esta  tribu  em 
pouco  difere  do  kimbundu,  podendo  mesmo  dizer-se  que  é 
aquele  que  mais  se  assemelha  a  esta. 


NUMERAIS 


1  -  Kosi. 

2  — Kole. 

3  —  Tatu. 

4  — Ia. 

5  —  Tanu. 

6  —  Sambanu. 

7  —  Sambuadi. 

8  —  Nana. 

9  —  Vua. 

10  —  Kumi. 

11  -  Kumi  ie  mosi. 

12  —  Kumi  ie  zole.  Etc 

20  —  Makumole. 

21  —  Makumole  ie  mosi. 

22  —  Makumole  ie  zole.  Etc. 

30  —  Makumatatu. 

31  —  Makumatatu  ie  mosi. 


32  —  Makumatatu  ie  zole.  Etc. 

40  —  Makumaia. 

41  —  Makumaia  ie  mosi. 

42  —  Makumaia  ie  zole.  Etc. 

50  —  Makumatanu. 

51  —  Makumatanu  ie  mosi. 

52  —  Makumatanu  ie  zole.  Etc. 
60 —  Makumasambanu. 

61  —  Makumasambanu  ie  mosi. 
62 — Makumasambanu  ie  zole.  Etc. 

70  —  Lusambuadi. 

71  —  Lusambuadi  ie  mosi. 

72  —  Lusambuadi  ie  zole.  Etc. 

80  —  Lunana. 

81  —  Lunana  ie  mosi. 

82  —  Lunana  ie  zole.  Etc. 
90  —  Luvua, 


76 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


91- 

-  Luvua  ie  mosi. 

900- 

-  Nkama  e  vua. 

92- 

Luvua  ie  zole.  Etc. 

1:000- 

-  Zunda. 

100- 

-  Nkama. 

2:000- 

-  Mazenda  zole. 

200- 

-  Nkama  zole. 

3:000  - 

-  Mazenda  tatu. 

300- 

-  Nkama  tatu. 

4:000  - 

-  Mazenda  maia 

400- 

-  Nkama  ia. 

5:000  - 

-  Mazenda  tanu. 

500- 

-  Nkama  tanu. 

10:000  - 

-Kialj. 

600- 

-  Nkama  sambanu. 

100:000  - 

-  Lundu. 

700- 

-Nkama  sambuari. 

1.000:000  - 

-  Fuku. 

800- 

-  Nkama  nana. 

DIAS  DA  SEMANA 


Domingo  —  Luminga. 
Segunda  feira  —  Kiezole. 
Terça  feira  —  Kietatu. 
Quarta  feira  —  Kieiia. 


Quinta  feira  —  Kietanu. 
Sexta  feira  —  Kiesambanu. 
Sábado  —  Kiasabala. 


ADJECTIVOS  E  ADVÉRBIOS 


Bom  —  ambote. 

Boa  —  auete. 

Melhor  —  lundidi  o  uete. 

Óptimo  —  lundidi  o  uete. 

Mau  —  ambi. 

Pior  —  lundidi  o  bi. 

Péssimo  —  ambimbimbi. 

Mal  —  ambi. 

Lindo  —  abiza. 

Bonito  —  amote. 

Feio  —  aie. 

Grosso  —  ampuena. 

Grande  —  anene. 

Pequeno  —  akete. 


SINGULAR 

Eu  —  mono. 
Tu  —  nge,  ngeie. 
Êle,  Ela  —  iandi. 


Novo  —  ampa. 
Moço  —  ansua. 
Velho  —  anunu. 
Direito  —  amonso. 
Esquerdo  —  atikama. 
Veloz  —  ansualu. 
Feliz  —  akiese. 
Enfadado  —  enkasi. 
Alto  —  anda. 
Puro  —  avelela. 
Pobre  —  ansukami. 
Rico  —  anvuama. 
Delgado  —  akete. 


PRONOMES 


PLURAL 

Nós  —  ieto. 
Vós  —  ieno. 

Eles,  Elas  — iau,  zau,  miau,  mau, 
tuau,  vau  e  muau. 


O  CORPO  HUMANO 


Corpo  —  niito. 

Cabelo  —  nsuki. 

Cara  —  lose. 

Cabeça  —  ntu. 

Barba  —  nzevo. 

Feições  do  rosto  —  mpolo. 

Fronte  —  mbunzu. 

Orelha  —  Kutu. 


Olho  —  disu. 
Nariz  —  zunu. 
Língua  —  lubini. 
Dedo  —  nlembo. 
Barriga  —  vumu. 
Fígado  —  kimoio. 
Boca  —  nua. 
Pescoço  —  nsingu. 


DE  ANGOLA 


77 


Unha  —  luzala. 
Ossos  —  visi. 
Pele  —  nkanda. 
Dente  —  dinu. 


Marido  —  nkaza  (iakala). 
Pai  —  tatá,  ese. 
Irmão  —  npangi,  mbungi. 
Filho  —  muana  eiakala. 
Tio  —  nguan  kazi. 
Primo  —  mbungi- ankasi 
Avô  —  kuku. 


|    Garganta  —  elaka. 
Perna  —  kulu. 
Rim  —  nguba. 


PARENTESCOS 


Esposa  —  nkaza  (nkento). 
Mãe  —  ngua,  ngudi,  iaia. 
Irmã  —  nsanga. 
Filha  —  muanankento. 
Tia  —  nkento  ngundiansakila. 
Prima  —  mbungi-ankento. 
Neto  —  tekulu. 


ALIMENTOS 


Pão  —  mbolo. 

Cerveja  —  garapa,  mbanvu. 

Ovos  —  maki,  diaki. 

Leite  —  kinvumina. 

Figos  —  nsanda. 

Azeite  de  palma  —  mazi  ma  ngazi. 

Lebre,  coelho  —  nlumba. 

Carne  —  mbizi. 

Gordura  —  mazi. 

Sal  —  mungua. 

Batata  —  kuá. 

Vinho  de  palma  —  malavu. 


Açúcar  —  nsuikidi. 

Manteiga  —  mazi  ma  kinvumina. 

Banha  de  porco  —  mazi  ma  ngulu. 

Amendoim  —nguba. 

Galinha  —  nsusu. 

Peixe  —  mbizi. 

Guizado  —  muamba. 

Farinha  —  nfunfu. 

Pimenta  —  ndungu. 

Fava  —  mambandi. 

Ervilha  —  uandu. 


ANIMAIS 


Búfalo  —  mpakassa. 

Leopardo  —  ngó. 

Leão — nkosi. 

Porco  montês  —  ngulu  a  nseke. 

Macaco  —  nkena,  nkima. 

Jacaré  —  ngandu. 

Víbora  —  mpidi. 

Rã  —  nsuamba. 

Pássaro  —  nuni. 

Morcego  —  lumpukunia. 

Pombo  —  eiembe. 

Borboleta  —  lumbemba. 

Vampiro  —  ngembo. 

Tartaruga,  cágado  —  mfulu. 

Sapo  —  e  kiula. 

Gaivão  —  kimbi. 

Perdiz  —  ngumbo. 

Pato  —  vuandango. 

Formiga  —  mfitete. 

Veado  —  nkai. 


Sardinha  —  nzenzo. 
Camarões  —  nsala-yimbiduiga. 
Mosquito  —  mbú. 
Camaleão  —  lunguenia 
Tzé-tzé  —  vékua. 
Rato  —  mpuku. 
Gato —  misi-bumba. 
Hipopótamo  —  nguvu. 
Elefante  —  nzau,  nzamba. 
Camelo  —  samo. 
Chacal  —  mbulu. 
Lagarto  —  ndiasila. 
Cobra  —  meka. 
Enguia  —  nkamba. 
Caranguejo  —  nkala. 
Pulga  —  déde-sambokéla. 
Mosca  —  mbuanzi. 
Barata  —  mpise. 
Cão  —  mbua. 
Papagaio  —  nkusu. 


78  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

No  que  diz  respeito  à  arte  de  escrever,  costumam  usar  alguns 
sinais  convencionais,  feitos  por  incisões  ou  a  cores,  em  madeira  e 
em  pedra.  É  vulgar  também  marcarem  sinais  no  capim,  indi- 
cando aos  que  mais  atrás  vêem  o  caminho  seguido,  e  outros 
previamente  combinados  para  se  fazerem  corresponder  secreta- 
mente. 

-  ■  *       * 

Não  são  dados  muito  à  pintura,  o  que  outro  tanto  não  sucede 
com  a  escultura,  para  que  denotam  uma  certa  habilidade,  prin- 
cipalmente em  trabalhos  de  madeira  e  marfim.  Os  assuntos 
geralmente  empregados  são :  animais  cabalísticos,  figuras  obsce- 
nas e  suplícios. 

São  muito  dados  à  música,  ao  canto  e  à  dança,  havendo  entre 
eles  quem  tenha  como  profissão  o  seV  músico.  Dos  instrumentos 
de  corda  os  principais  são  em  forma  de  viola,  rabeca,  feitos  de 
uma  cabaça,  com  o  competente  braço  e  tendo  cinco  ou  seis  cordas. 
Dos  instrumentos  de  sopro,  usam  cornetas  de  marfim  e  uma 
espécie  de  ocarina.  De  percussão,  têem  tambores  de  vários  tama- 
nhos, que  tocam  com  as  mãos  e  dedos. 

Teem  danças  de  guerra,  de  caça  e  a  que  vulgarmente  denomi- 
nam batuque.  A  mais  característica  é  a  de  guerra,  em  que  se 
desfiguram,  quer  por  meio  de  máscaras,  quer  pintando-se,  e 
colocam  na  cabeça  um  penacho  branco,  dançando  em  círculo  e 
acompanhando  a  dança  com  exclamações  alusivas.  A  dança  ter- 
mina por  passarem  sob  uma  corda  à  altura  de  0,m30,  aproxima- 
damente, ficando  interdito  de  ir  para  a  guerra  o  que  lhe  tocar, 
pois  isso  é  indício  de  que  vai  morrer. 

O  canto,  que  é,  em  geral,  acompanhado^por  tambor  ou  ma- 
rimbas, tem  por  tema  assuntos  amorosos,  funerários  e  sarcás- 
ticos. 

# 
*       * 

Quanto  ao  conhecimento  das  sciências :  de  astronomia  co- 
nhecem o  sol  (Tangua),  a  lua  (ngonde),  as  estrelas  (ntetembua)  ; 
de  matemática,  servem-se  dos  dedos,  sementes,  pedras,  palha,  etc. 
para  a  contagem,  que  é  de  um  a  dez  e  múltiplos  desta;  de  obra 
de  engenharia,  fazem  pontes  de  troncos  de  árvores,  e  trepadeiras 


Músicos  muchicongos 


Popul.  indígenas  de  Angola. 


(78) 


DE    ANGOLA  79 

servindo  de  cordas;  de  náutica,  construem  os  dongos,  a  que  já 
tivemos  ocasião  de  nos  referir. 

Dividem  o  tempo  por  ciclos  lunares,  e  assim  dividem  o  ano 
em  seis  períodos : 

1.°  Massanje  (Janeiro  a  Fevereiro); 

2.°  Cundi  (Março  a  Abril); 

3.°  Quintumbu  (Maio  a  Junho)  ^ 

4.°  Chive  (Julho  a  Agosto); 

5.°  Piaza  (Setembro  a  Outubro) ; 

6.°  Quiela  (Novembro  a  Dezembro). 

Como  medicamentos,  empregam  folhas,  r.aizes,  azeite  de 
palma  e  gorduras  de  reptis.  Como  operações  de  cirurgia,  enca- 
nam pernas  e  braços  partidos. 

III.  —  Da  vida  familial 

O  nascimento.  —  A  educação.  —  O  casa- 
mento.—  A  morte. — A  família.  —  A  reli- 
gião, rito,  culto,  divindades  e  sacerdócio. 

Com  o  fim  de  facilitar  o  parto,  costumam  ministrar  à  partu- 
riente várias  drogas  feitas  de  infusão  de  certas  ervas  e  raizes,  e 
praticam  o  esconjuro,  de  que  dão  conhecimento  à  família  da  par- 
turiente, para  que  esta  por  sua  vez  faça  o  mesmo,  afim  de,  se 
alguém  entender  por  qualquer  forma  prejudicar  a  mãe  ou  o  filho, 
ter  morte  certa. 

Nos  dois  últimos  meses  que  antecedem  o  parto,  cessam  todas 
as  relações  com  o  marido.  Contudo,  a  mulher  não  deixa  de  traba- 
lhar, a  não  ser  nas  vésperas  do  parto,  em  que  de  todo  lhe  é  im- 
possível entregar-se  a  qualquer  trabalho. 

Não  existe  entre  eles  crença  alguma  relativa  ao  sangue  mens- 
trual; sabe-se  unicamente  que,  quando  a  mulher  se  encontra 
neste  período,  esta  previne  o  homem  e  cessam  por  completo  as 
relações  entre  si. 

O  parto  tem  lugar  ao  ar  livre,  no  quintal  ou  cercado  da  sua 
casa  ou  na  dalgum  parente,  o  qual  só  podem  presenciar  as  mu- 
lheres, as  mais  idosas  das  quais,  por  serem  as  que  mais  prática 
teem  desse  serviço,  prestam  o  seu  auxílio  à  parturiente. 

No  caso  de  aborto,  a  mulher  é  muito  censurada  pelo  marido, 
como  pelos  parentes  e  vizinhos,  por  não  ter  feito  a  diligência 
possível  em  dar  à  luz  um  filho  são. 


80  * POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Depois  do  parto,  as  mulheres  costumam  untar  o  corpo  todo 
com  tacula  e  azeite  de  palma,  rapar  o  cabelo  à  navalha  e  tomar 
banho  durante  um  mês  consecutivo. 

É  muito  insignificante  o  «alimento  da  mulher  na  primeira  se- 
mana a  seguir  ao  parto,-  tornando-se  depois  mais  farto  e  melhor, 
que  o  marido  lhe  fornece  com  o  fim  de  a  engordar. 

A  criança  é  amamentada  durante  um  ano,  por  entenderem 
ser  isso  necessário  para  vir  a  ser  robusta. 

Diferença  alguma  existe  no  modo  de  proceder  dos  pais,  se  o 
recemnascido  é  rapaz  ou  rapariga;  quando  há  gémeos,  reina  na 
família  grande  contentamento. 

Não  há  a  registar  nos  povos  desta  tribu  casos  de  infanticídio, 
e  tanto  isto  é  certo  que,  quando  a  mulher  dá  à  luz  um  ser  dis- 
forme, resignam-se  e  lamentam-se,  dizendo :  Ncuide  o  malonga 
mpuco  cua  Nzambi  (Deus  assim  o  quis). 

Não  costumam  dar  nomes  secretos  aos  filhos.  Ao  primeiro 
filho  dão  o  nome  do  avô  paterno,  sendo  filha  o  da  avó  paterna, 
dando  aos  mais  que  se  seguirem,  indiferentemente,  nomes  de 
quaisquer  parentes. 

Os  pais  são  muito  carinhosos  e  afáveis  para  com  seus  filhos, 
não  deixando  contudo  de  os  castigar  se  preciso  fôr,  mas  não 
brutalmente. 

Diversas  são  as  causas  que  limitam  a  população,  áas  quais  se 
destacam  as  seguintes:  casamentos  numa  idade  muito  juvenil,  ha- 
vendo exemplos  de  se  casarem  aos  onze  anos;  a  poligamia;  as 
separações;  a  esterilidade;  abortos  naturais  e,  principalmente, 
falta  de  cuidados  higiénicos  e  doenças  infantis  contagiosas  e  epi- 
démicas. 

Nos  nascimentos  registam-se  mais  indivíduos  do  sex©  mascu- 
lino do  que  feminino. 

Em  certos  pontos,  os  nascimentos  ultrapassam  os  óbitos, 
noutros  dá-se  o  contrário,  e,  em  geral,  nos  que  mais  infestados 
são  da  mosca  tzé-tzé,  como  na  parte  sul  da  circunscrição,  onde 
grassa  com  virulência  a  doença  do  sono. 

Os  esponsais  e  ajustes  de  casamento  não  teem  uma  época  de- 
terminada. Os  pedidos  de  casamento  são  feitos  por  intermédio 
das  pessoas  de  família.    Quando  o  pedido  de  casamento  é  feito 


DE   ANGOLA  81 

directamente  aos  pais,  estes  nada  resolvem  sem  primeiro  consul- 
tarem o  tio  materno  da  noiva,  que  é  quem  aconselha  se  os  pe- 
didos devem  ou  não  ser  aceitos  e  recebe  os  presentes  de  núpcias, 
que  na  língua  congolesa  corresponde  ao  termo  locau. 

Os  esponsais  duram  às  vezes  meses  e  anos,  principiando  por 
ofertas  aos  tios  maternos  da  nubente  desde  a  sua  tenra  idade. 

Não  existe  o  sentimento  do  amor;  o  que  guia  o  noivo  na 
escolha  da  noiva  é  apenas  o  interesse  mútuo,  tendo  sempre  em 
atenção  que  ela  não  recaia  numa  pessoa  estranha  à  família,  e 
sem  que  a  existência  ou  não  da  virgindade  da  mulher  tenha  para 
esse  efeito  a  mais  pequena  importância. 

Antes  do  casamento,  as  relações  entre  os  noivos  consistem 
unicamente  em  troca  de  presentes  desde  muito  novos  até  o  mo- 
mento de  se  casarem. 

Na  maioria  dos  casos,  os  noivos  só  se  conhecem  no  próprio  dia 
do  casamento,  cujos  contractos  são  feitos  por  pessoas  de  família, 
o  que,  se  acrescentarmos  o  pouco  ou  quási  nenhum  carinho  que 
o  homem  dispensa  à  mulher,  considerada  nos  povos  desta  tribu 
como  escrava,  mais  nos  vem  confirmar  a  asserção  já  acima  feita 
de  que  o  sentimento  do  amor  lhes  é  completamente  desconhecido. 

Não  são  permitidas  as  relações  entre  primos  do  primeiro 
grau,  entre  tios  e  sobrinhos  e  entre  madrastas  e  enteados. 

Há  casamentos  por  troca,  por  compra  ou  alambamento  —  que 
consiste  no  noivo  ou  seus  parentes  darem  aos  parentes  da  noiva 
um  presente  de  25  ou  mais  peças  de  pano,  o  maior  quinhão  do 
qual  pertence  ao  tio  materno  da  noiva,  que  é  o  principal  inte- 
ressado—  e  o  casamento  de  ensaio,  que  só  se  torna  efectivo 
quando  a  mulher  dá  à  luz  uma  criança.  Os  casamentos  costumam 
ser  festejados,  tomando  neles  parte  parentes  e  visinhos. 

Praticam  a  poligamia  por  mero  interesse.  Tanto  mais  rico  é 
considerado  o  homem,  quanto  mais  mulheres  possue,  a  mais 
idosa  das  quais  goza  de  maior  autoridade,  em  nada  mais  se  dis- 
tinguindo das  outras,  porquanto  aquela  como  estas  teem  idênticas 
obrigações  a  cumprir  e  iguais  trabalhos  a  executar.  Os  seus  filhos 
são  tratados  sem  distinção  alguma  e  gosam  de  iguais  direitos. 

O  adultério  do  marido  não  é  punido,  mas  o  da  mulher  é,  pa- 
gando esta,  como  a  sua  família,  pesadas  multas. 

Os  esposos,  se  bem  que  habitem  na  nlesma  casa,  não  possuem 
direitos  iguais  sobre  quaisquer  bens  que  a  mulher  tenha  trazido  por 
ocasião  do  casamento,  visto  que,  como  já  se  disse,  aquela  é  conside- 
rada como  escrava  e  o  homem  exerce  sobre  ela  poderes  absolutos. 


82  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

As  relações  entre  o  genro  e  a  sogra,  quando  esta  vive  sob  o 
mesmo  tecto,  são  as  mais  amistosas  possíveis;  como  demonstração 
de  respeito  mútuo,  evitam  quanto  possível  encontrar-se,  pouco 
falam  e  não  comem  juntos. 

A  situação  da  mulher,  depois  de  casada,  para  com  a  sua  fa- 
mília é  diversa  da  do  homem.  Este  não  fica  fazendo  parte  da  fa- 
mília da  mulher,  ao  passo  que  esta  entra  na  família  do  marido, 
sem  todavia  perder  os  direitos  e  regalias  que  antes  de  casada 
tinha  na  sua  própria  família. 

A  dissolução  do  casamento  faz-se  nos  povos  desta  tribu,  umas 
vezes  por  desavenças,  outras  pelo  adultério  e  outras  vezes  ainda 
porque,  já  por  um  defeito  da  natureza,  já  pela  influência  dalguma 
causa  mórbida,  falta  a  um  dos  cônjuges  a  necessária  força  pro- 
criadora. São  as  pessoas  de  família  que  interveem  na  separação, 
e  são  elas  que  resolvem  e  estipulam  o  prémio  de  indemnização 
que  tem  a  pagar  uma  das  partes.  Dada  a  separação,  a  mulher 
pode  refugiar-se  em  casa  de  seus  pais,  levando  consigo  os  objectos 
que  lhe  pertencem.  Quando  a  ideia  da  separação  partir  da  mulher, 
tanto  esta  como  a  sua  família  tem  por  obrigação  devolver  ao 
marido  o  chamado  alambamento,  isto  é,  tudo  quanto  dele  ou  da 
sua  família  receberam  antes  do  casamento,  ficando  os  filhos,  em 
regra,  com  a  mãe. 

As  pessoas  que  entram  na  constituição  duma  família  são  as 
seguintes:  pai,  mãe,  filhos  solteiros  e  casados,  avós,  netos,  tios, 
sobrinhos,  primos  e  os  que,  não  pertencendo  à  família  dela,  ficam 
fazendo  parte  pelo  casamento,  mas  sem  que,  por  este  facto,  sejam 
considerados  como  parentes. 

Uma  família  tipo  de  S.  Salvador  do  Congo  é  representada  da 
seguinte  forma :  pai,  três  mulheres  e  cinco  filhos. 

O  pai  é  o  chefe  de  família,  e  como  tal  goza  de  maior  autoridade ; 
tem  por  obrigação  construir  a  casa,  dar  de  vestir  e  comer  às 
mulheres  e  filhos.  As  mulheres  cuidam  da  alimentação,  dos  ar- 
ranjos da  casa,  criação  dos  filhos  e  fazem  diversas  culturas. 

Os  filhos,  em  se  casando,  formam  sempre  novo  lar,  e  con- 
tinuam a  estimar  e  obedecer  aos  seus  pais  como  antes  de  ca- 
sados. 

Os  velhos,  quando  enfermos,  são  tratados  e  alimentados  pelos 
seus  parentes  e  nunca  maltratados  ou  abandonados. 

A  viúva  passa  à  posse  do  irmão  mais  velho  do  falecido  e  con- 
tinua a  ter  iguais  direitos  sobre  os  seus  filhos;  os  irmãos  vivem 
em  comum  e  sob  a  tutela  da  mãe  enquanto  não  se  casam. 


Muchicongos  —  Uma  sepultura 


Popvl.  indígenas  de  Angola. 


m 


DE   ANGOLA  83 

Em  matéria  de  dívidas,  de  contractos  e  crimes,  existe  a  soli- 
dariedade familiar  somente  entre  tios  e  sobrinhos  e  entre  irmãos. 


* 

* 


Não  crêem  na  morte  natural,  atribuem-na  sempre  a  feitiçaria, 
muito  corrente  entre  eles. 

Os  povos  desta  tribu  costumam,  em  certos  casos,  quando  um 
doente  se  encontra  a  debater-se  numa  longa  e  penosa  agonia, 
tendo  como  certa  e  inevitável  a  morte,  recorrer  aos  feiticeiros 
ou  bruxos,  para  que  estes  ministrem  ao  moribundo  qualquer 
droga,  afim  de  produzir  morte  rápida,  no  intuito  de  acabar  com 
o  seu  sofrimento. 

Além  dos  remédios  e  mesinhas,  feitos  de  várias  ervas,  folhas, 
cascas  de  árvores  e  azeite  de  palma,  que  os  feiticeiros  dão  aos 
doentes  que  a  eles  recorrem,  dedicam-se  também  à  cirurgia 
quando  se  lhes  apresentam  casos  de  fractura  de  pernas  ou  braços, 
servindo-se  de  talas  feitas  com  hastes  de  folhas  de  palmeira  e  de 
ligaduras  feitas  com  fibras  de  bananeira,  lancetando  também 
qualquer  tumor  ou  abcesso. 

As  doenças  mais  frequentes  são]:  a  doença  do  sono,  a  pneumonia 
e  a  disenteria. 

Ao  morto  costumam  dar  banho,  fazer  a  barba,  rapar  o  cabelo 
e  untá-lo  com  tacula  e  azeite  de  palma.  Servem-lhe  de  mortalha 
todas  as  roupas  e  fazendas  que  em  vida  possuiu,  sendo  conservado 
em  casa  até  o  momento  de  o  transportarem  para  o  cemitério, 
onde  é  enterrado.  De  casa  ao  cemitério,  é  acompanhado  por 
pessoas  de  família,  parentes  e  por  carpideiras,  havendo  elogios 
fúnebres  à  beira  da  sepultura. 

Em  cima  da  sepultura  costumam  colocar  todos  os  objectos 
que  pertenceram  ao  falecido,  tais  como :  espingardas,  facas,  en- 
xadas, segundo  a  profissão  que  exerceu,  alimentos  diversos  e  vinho 
de  palma,  com  o  fim  do  morto  se  alimentar  e  ter  sorte  na  caça. 

Crêem  na  existência  de  um  espírito  análogo  à  alma,  a  que 
chamam  Ncuia,  proveniente  de  indivíduos  que  em  vida  possuíram 
poderes  ocultos,   tais  como  feiticeiros,  curandeiros  e  bruxos,  e 


84 


POPULAÇÕES    INDÍGENAS 


que,  transformados  em  diferentes  animais,  lhes  procuram  fazer 
mal. 

Quanto  ao  culto  dos  antepassados,  apenas  conservam  o  dos 
reis  do  Congo  e  seus  conselheiros,  guardando  bem  na  memória 
a  boa  ou  má  justiça  que  fizeram  e  bons  ou  maus  conselhos 
que,  pelos  conselheiros,  lhes  tenham  sido  dados ;  os  restantes  são 
completamente  esquecidos. 


Muchicongos  —  Indígenas  civilizados 

Os  feiticeiros  e  curandeiros  proibem  aos  povos  desta  tribu 
comer  certos  alimentos,  tocar  em  determinados  objectos  e  indi- 
víduos, e  ver  ou  examinar  qualquer  objecto  que  por  aqueles  lhes 
tenham  sido  indicados,  sendo  severamente  punido  todo  aquele 
que  transgredir  os  seus  conselhos  e  determinações. 

Os  feiticeiros  e  curandeiros  não  são  escolhidos  nem  recrutados ; 
dedica-se  a  esse, mister  quem  quiser,  recebendo,  para  este  fim, 
apenas  as  instruções  dos  que  são  adestrados  na  matéria. 

Não  acreditam  na  existência  da  alma;  julgam  ver  a  sombra 
dos  mortos,  mas  somente  a  dos  feiticeiros,  que  são  considerados 
verdadeiramente  como  mortos,  quando  os  seus  restos  mortais  são 
reduzidos  a  cinzas. 

Crêem   num   ente  supremo,    a   que  chamam   Zambi  (Deus) ; 


DE   ANGOLA  85- 

havendo,  além  disso,  uma  hierarquia  de  outros  deuses  (feitiços), 
aos  quais  recorrem  em  caso  de  perigo  e  flagelo.  Para  evitar  o 
fogo,  é  invocado  o  deus  Mbuje-Nzaje  contra  as  trovoadas  e  Ma- 
congo  para  guardar  a  povoação.  Além  destes,  há  uma  infinidade 
de  outros  deuses,  que  variam  segundo  as  famílias  e  aldeias  onde 
habitam. 

IV.  —  Da  vida  social 

Espécie  de  vida.  —  Classes  e  castas.  — 
Organização  política.  —  Propriedade.  — 
Regime  económico. — Costumagens  jurí- 
dicas. 

Não  existe  nesta  tribu  vida  nómada  propriamente  dita,  visto 
que  a  mudança  do  habitat,  que  em  diminuto  número  de  indígenas 
se  efectua,  tem  em  geral  por  causa  principal  o  procurar  terrenos 
virgens  para  a  cultura  ou  ainda  por  motivo  de  feitiçaria. 

Não  se  dedicam  a  pastagens,  trabalham  unicamente  para 
adquirir  o  indispensável  para  não  morrerem  à  fome,  levando 
todos,  em  geral,  uma  vida  sedentária. 

Predominam  quatro  espécies  de  classes  nesta  tribu :  a  de  ricos, 
pobres,  chefes  (sobas)  e  homens  livres ;  todas,  sem  distinção,  teem 
iguais  direitos  e  idênticos  deveres  a  cumprir,  a  não  ser  os  chefes 
e  seus  macotas,  que  teem  direito  a  maior  consideração  e  respeito 
e  teem  por  obrigação  defender  os  seus  súbditos. 

Não  existem  castas  nesta  tribu. 


O  chefe  ou  soba  exerce  a  justiça  e  tem  autoridade  de  intervir 
em  todas  as  questões  que  se  suscitem  entre  os  seus  súbditos  na 
área  do  sobado  onde  exerce  a  jurisdição. 

O  chefe  principal,  que  goza  de  maior  autoridade,  é  o  rei  do 
Congo,  que  estende  os  seus  direitos  e  poderes  não  só  sobre  os 
povos  desta  tribu  como  sobre  outros  que  lhes  são  vizinhos.  A 
origem  do  poder  é  indefinida,  consiste  apenas  na  hereditariedade. 

A  mulher  pode  ser  chefe  da  aldeia  ou  da  tribu,  e  neste  caso, 
pode  casar-se  mas  não  pode  praticar  a  poliandria. 

Os  anciãos  e  chefes  de  família  reunem-se  em  assemblêa  sob 
a  direcção  dos  sobas,   a  fim  de  deliberarem  sobre  assunto   de 


M  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

interesse  para  o  povo  ou  família.  O  papel  do  chefe  das  assem- 
blêas  consiste  em  emitir  opiniões  e  resolver  todos  os  assuntos  de 
interesse  à  comunidade. 

Costuma  haver  associações  secretas  para  a  prática  de  relações 
sexuais,  sendo  punidos  todos  os  associados  que  se  tornarem  in- 
discretos e  traidores,  para  o  que  há  penas  estabelecidas.  Podem 
tomar  parte  nelas  tanto  os  homens  como  as  mulheres. 

As  relações  com  os  indígenas  de  alêrn  fronteira  são  muito 
pacíficas ;  são  bem  tratados  quando  hóspedes,  e  gozam  das  mesmas 
liberdades  e  regalias  que  os  naturais. 

Nada  há  actualmente  sobre  as  relações  guerreiras.  Nos  tempos 
em  que  faziam  guerras,  serviam-se  das  armas  de  pederneira,  de 
arma  branca  e  de  flexa. 

Eram  comandados  pelos  seus  sobas  e  macotas,  e  pegavam  em 
armas  todos  os  homens  válidos.  Previamente  costumavam,  ou 
directamente  ou  com  o  auxílio  dos  intermediários,  anunciar  o 
dia  em  que  iam  atacar  o  povo  inimigo.  *  Estas  guerras  duravam 
às  vezes  por  mais  de  um  ano. 

Embora  com  dificuldade  e  morosamente,  vão-se  adaptando  a 
pouco  e  pouco  aos  hábitos  dos  civilizados,  com  quem  privam. 
Com  o  convívio  dos  europeus,  aprendem  a  criar  um  certo  número 
de  necessidades,  que  os  faz  inclinar  até  certo  ponto  ao  trabalho 
a  fim  de  as  poderem  suprir. 

O  indígena  que  recebeu  uma  educação  europeia  é  sempre  mais 
considerado. 

Os  mestiços,  embora  aparentemente  sejam  bem  tratados  e 
vivam  bem  com  eles,  no  íntimo,  os  indígenas  desta  tribu  votam- 
lhes  um  ódio  ainda  mais  intenso  do  que  aos  próprios  brancos. 


# 
*       # 


Como  bens  mobiliários  existentes,  podem  citar-se  os  seguintes : 
os  utensílios  da  cozinha,  as  roupas,  várias  ferramentas,  instru- 
mentos de  musica,  os  teares  com  que  fazem  os  panos  e  animais 
domésticos. 

Os  utensílios  de  cozinha,  as  alfaias  agrícolas,  os  teares,  e 
outros  objectos  de  trabalho,  constituem  exclusiva  propriedade 
da  mulher.  A  casa  e  as  plantações  que  constituem  bens  imobiliá- 
rios pertencem,  aquela  exclusivamente  ao  homem,  e  estas  a  todos 
os  membros  da  família,  colhendo  cada  um  o  fructo  do  seu  tra- 


S.  Salvador  do  Congo  —  O  Rei  do  Congo 


Popul.  indígenas  de  Angola. 


(86) 


DE  ANGOLA 


87 


bailio.  Da  sua  propriedade,  dos  seus  próprios  bens,  pode  cada 
um  dispor  da  forma  que  melhor  lhe  pareça. 

A  mulher,  quer  livre  quer  casada,  e,  neste  último  caso,  consi- 
derada como  escrava,  pode  possuir  em  seu  próprio  nome  quaisquer 
bens,  sendo-lhe  permitido  comprar  ou  vender  qualquer  objecto. 

Não  há  limite  de  propriedade  propriamente  dito,  a  não  ser 
de  sobado  para  sobado,  podendo  com  tudo  considerar-se  delimi- 


Uraa  reunião  presidida  pelo  rei  do  Congo 

tada  a  propriedade  individual,  na  parte  cultivada,  utilizando-se 
de  sebes  vivas  ou  regos,  como  sinais  de  demarcação. 

A  propriedade  não  tem  origem,  pertence  ao  primeiro  que  a  utili- 
zar, podendo  abandoná-la  para  utilizar  outra  que  esteja  disponível. 

Cada  aldeia  tem  terrenos  reservados  para  um  determinado 
número  de  indígenas,  que  deles  utilizam,  trabalhando  cada  um 
para  si. 

Existe  o  direito  de  caça,  de  pesca  e  de  apanho  de  cera,  e  mel, 
não  havendo  o  de  corte  de  árvores  e  da  colheita  de  fructos. 

Há  o  direito  de  propriedade,  sobre  achados  de  qualquer  na- 
tureza, devolvendo-os,  porem,  ao  respectivo  dono  que  prove 
pertencerem-lhes. 


88  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

A  propriedade  do  chefe  de  família,  por  morte  deste,  cons- 
titui herança  dos  sobrinhos  uterinos;  a  da  mãe  passa  para  a 
posse  dos  seus  filhos.  Não  havendo  sobrinhos  uterinos,  que 
possam  herdar  seu  tio,  nem  filhos  à  sua  mãe,  são  considerados 
herdeiros  todas  os  restantes  parentes. 

A  viuva,  por  morte  do  marido,  tem  apenas  um  pano  que  lhe 
é  dado  pelos  parentes  do  falecido,  caso  não  queira  passar  a 
viver  maritalmente  com  o  irmão  mais  velho  ou  sobrinho  do  fa- 
lecido; se  passar  a  viver  com  qualquer  deles,  leva  comsigo  tudo 
quanto  lhe  pertenceu  na  vida  do  marido. 

Não  é  costume  fazerem  testamentos. 


# 


Costumam  importar  pólvora,  armas,  fazendas,  bebidas,  sal, 
louça,  quinquilharias  e  várias  miudezas  mais,  e  exportam  em 
pequena  quantidade  coconote,  "borracha,  marfim,  jinguba,  azeite 
de  palma,  galinhas,  cabritos  e  porcos. 

O  comércio  é  exercido  exclusivamente  pelos  naturais,  não 
constituindo  caravanas,  feito  por  trocas  e  feiras  (quitandas). 

As  feiras,  com  excepção  das  de  S.  Salvador  do  Congo,  não 
tem  jurisdição. 

Em  todos  os  negócios  há  intermediários  e  auxiliares,  não  ha- 
vendo hospedeiros  nem  cambistas. 

Se  bem  que  já  conheçam  e  aceitem  bem  a  moeda  metálica, 
ainda  empregam  nas  suas  transações,  como  moeda,  as  fazendas 
e  contarias.    Medidas  e  pesos  não  conhecem. 

Como  vias  de  comunicação,  servem-se  apenas  de  trilhos,  que 
são  limpos  anualmente  duas  vezes,  por  ordem  da  autoridade.  Não 
há  vias  de  comunicação  fluviais. 

Indústria  familial  não  existe.  Os  produtos  que  fabricam, 
vendem  em  proveito  próprio,  a  troco  de  moeda,  fazendas  ou 
outros  productos,  segundo  o  que  mais  lhes  convêm,  e  os  operá- 
rios são  considerados  como  fazendo  parte  da  família. 


Costumam  fazer  contractos  de  troca,  empréstimo,  estabelecôfl* 
do-se  cauções  e  fianças  quando  os  contractos  são  feitos  a  crédito. 


DE   ANGOLA  89 

Aqueles  que,  até  o  prazo  estipulado,  não  saldarem  as  suas  dívi- 
das e  não  satisfizerem  cabalmente  os  compromissos  tomados, 
perdem  direito  às  cauções  e  pagam  uma  multa  correspondente 
aos  prejuízos  causados,  e  não  ficam  isentos  de  cumprir  as  suas 
obrigações  ou  promessas,  que  subsistem  ainda  depois  da  morte, 
transmitindo-se  aos  seus  descendentes. 

Não  existem  penas  corporais,  nem  de  prisão  e  prescrição, 
havendo  apenas  as  indemnizações.  Dando-se  um  crime  grave, 
entregam  o  criminoso  à  autoridade  administrativa. 

Os  crimes  de  pequena  importância  são  julgados  por  um  tri- 
bunal composto  do  soba,  que  serve  de  presidente,  e  dos  seus 
macotas,  que,  como  membros  do  tribunal  e  julgadores,  não  são 
independentes  do  chefe,  antes  por  este  influenciados,  na  decisão 
das  causas.  O  réu  pode  defender-se  por  meio  de  testemunhas, 
que  por  êle  são  apresentadas. 

As  demandas  são  apresentadas  verbalmente  expondo  a  causa, 
e  a  instrução  da  lide  é  pública.  A  prova  do  crime  é  feita  por 
testemunhas,  co-juradores,  sortilégios,  combate  judiciário,  e  nos 
pontos  mais  afastados  da  autoridade,  por  prova  de  veneno  com 
intervenção  do  feiticeiro. 

Se  o  acusado  é  absolvido,  o  acusador  é  punido  quando  se 
prove  que  fez  falsas  acusações.    Não  existe  o  direito  de  asilo. 


-V.£V-y,T  ya*'    tirtp 


CAPÍTULO  IV 
MUZOMBOS 

I.  —  Dos  caracteres  etnográficos  gerais 


Situação  geográfica  datribu.  —  Sua  origem. 
—  População. 

Os  Muzombos  encontram-se  estabelecidos  ao  norte  da  pro- 
víncia, confinando  com  o  Congo  Belga,  para  leste  de  uma  linha 
que  une  os  rios  Fuleje,  Mbrije  e  Luango,  ocupando  toda  a  cir- 
cunscrição de  Maquela  do  Zombo  até  ao  rio  Cuilo,  limite  oriental 
desta,  norte  da  capitania  da  Damba,  indo  até  ao  rio  Nzadi  e  até 
à  região  da  Mlanda,  no  sentido  sul. 

Não  resta  dúvida  que  estes  povos  foram  por  muito  tempo 
incorporados  no  grande  reino  do  Congo  e  que  são  descendentes 
daqueles  que  invadiram  a  província  pelo  norte  a  que  já  tivemos 
ocasião  de  aludir. 

Fisicamente  é  imperceptível  a  diferença  entre  os  homens  da 
tribu  Muzombo,  e  da  tribu  Muxicongo ;  não  sucede  o  mesmo  com 
as  mulheres  que  são  de  apresentação  mais  feminina,  teem  o  rosto 
bem  desenvolvido,  os  ombros,  as  espáduas,  os  braços  e  as  pernas 
bem  torneadas. 

Os  homens  teem  uma  fisionomia  insinuante,  um  ar  inteligente 
activos  e  desembaraçados,  o  que  não  se  dá  com  as  mulheres, 
dotadas  de  uma  crassa  estupidez  que  se  desenha  nos  seus  traços 
fisionómicos,  onde  não  existe  o  menor  vislumbre  da  mais  rudi- 
mentar expressão  de  sentimento  ou  de  raciocínio,  que  é  agravada 
pela  untura  de  tacula  e  de  amendoim  queimado  que  usam. 

São  de  índole  pacífica,  vivendo  de  um  comércio  activo. 


92  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


II.  —  Da  vida  material  e  intelectual 

Cuidados  dados  ao  corpo.  —  Alimentação. 
—  Vestuário.  —  Habitação.  —  Meios  de 
existência.  —  Artes  e  sciêneias.  —  Facul- 
dades intelectuais. 

Nos  cuidados  dados  ao  corpo  não  se  afastam  dos  restantes 
povos  da  raça  negra;  não  se  preocupam  com  o  aceio  do  corpo, 
cuidam  dos  dentes  e  untam-se  com  tacula  e  amendoim  torrado, 
sobretudo  as  mulheres. 

Não  existem  penteados  característicos  de  tribu,  os  homens  e 
as  mulheres  usam,  indiferentemente,  o  cabelo  cortado  rente. 

A  alimentação  é  essencialmente  tirada  do  reino  vegetal  e 
constituída  pela  mandioca,  em  farinha,  crua,  seca  ou  cozinhada. 

O  vestuário  é  constituido  pela  tanga  ou  pelo  pano,  como  vul- 
garmente é  uso  denominar-se  na  província.  Entre  os  Muzombos 
é  a  tanga  comprida  e  feita  de  riscados  ou  fazendas  de  origem 
europeia. 

Gostam  muito  de  casacos  de  veludo  e  em  dia  de  festa  acres- 
centam ao  seu  vestuário  um  avental  de  pele  de  gazela. 

Os  Muzombos  usam  uma  como  habitação  tipo  a  cubata  assente 
sobre  o  solo,  distribuídas  em  povoações  de  forte  densidade,  onde 
se  reúnem  famílias  de  parentesco  mais  ou  menos  afastado. 

A  sua  principal  ocupação  é  a  agricultura,  sendo  um  dos 
povos  que  a  pratica  com  mais  esmero.  A  agricultura  é  exercida 
em  comum  pelas  mulheres  de  cada  família,  cultivando  a  mandioca, 
o  milho,  o  feijão,  a  batata,  mas  sobretudo  a  mandioca. 

O  que-  caracteriza  os  Muzombos  é  a  actividade  comercial  que 
entre  eles  existe,  e  que  é  exercida  pelos  homens  e  mulheres  em 
mercados  (quitandas). 

As  quitandas  estabelecem-se  em  pontos  elevados,  em  geral 
próximo  das  povoações,  à  sombra  de  grandes  árvores,  onde 
acodem  milhares  de  pessoas  levando  ao  mercado  o  que  teem  ou 
o  que  produzem,  para  obter  o  que  carecem,  muitas  vezes  sem  ser 
para  uma  aplicação  imediata,  mas  para  servir  em  outra  quitanda.     m 

Pelo  papel  preponderante  que  a  quitanda  tem  na  vida  dos 
Muzombos  e  pela  forma  colorida  como  o  sr.  José  Cardoso,  antigo 
Governador  do  distrito  do  Congo,  a  descreve,  que  constitue  um 
interessante  estudo  dos  seus  usos  e  costumes,  entendemos  não 
deixar  de  transcrever  do  seu  relatório  a  descrição  da  quitanda. 


DE  ANGOLA  93 

«Embora  a  primeira  impressão,  que  a  quitanda  nos  oferece, 
seja  a  de  um  mar  ondulante  e  ululante  onde  mal  se  distingue  um 
vislumbre  de  ordem  ou  de  método,  um  exame  mais  detalhado, 
facultado  pelo  passeio  através  da  quitanda,  mostra-nos  o  con- 
trário, sendo  até  fácil  ao  freguês  habitual  do  mercado  dirigir-se 
rapidamente  para  o  lugar  próprio  onde  encontra  os  géneros  de 
que  carece. 

Com  efeito;  estão  agrupados  por  classes  de  géneros  e  de 
mercadorias  os  vários  negociantes,  encontrando-se  enfileirados  a 
um  lado  os  vendedores  de  mandioca  em  raiz,  em  fubá,  em  farinha 
e  em  quicuanga;  a  seguir,  os  vendilhões  de  verduras  com  mò- 
lhinhos  de  folhas  de  hortaliça  fiote,  manchinhas  de  gimboa,  de 
folha  verde  de  mandioca  migada  com  que  fazem  o  apetecido  es- 
parregado  conhecido  pelo  nome  de  saca  folhas,  o  feijão  verde, 
na  vagem;  mais  adiante,  como  que  os  talhos,  onde  se  vende  o 
cabrito  morto,  amanhado,  a  carne  de  porco,  retalhada  e  a  tripa 
fresca,  ainda  recheada  com  os  detritos  da  última  digestão  do  anho 
ou  do  suino  sacrificado  ao  negócio,  manjar  tão  apetecido  pelo 
preto  para  o  seu  afamado  guisado  conhecido  pelo  muzongué; 
mais  adiante,  os  vendedores  de  milho,  um  com  êle  em  maçaroca 
verde,  outro  com  a  maçaroca  seca,  umas  descamisadas  outras 
por  descamisar;  acolá,  o  milho  descarolado,  mais  àlêm  o  milho 
pilado,  depois  o  feijão  seco  e  em  vagem,  o  sal  em  pequenos 
montes  sobre  folhas  de  bananeira,  folhas  de  tabaco  em  rolos,  o 
rapé  em  pequenos  tubos  de  bambu.- 

Aparecem  depois  as  fazendas  de  algodão  de  proveniência 
europeia,  os  cobertores,  os  fatos  feitos  para  mulheres  segundo  o 
traje  característico,  casacos  de  veludo  para  homens,  os  aventais 
de  pele,  as  esteiras  e  quindas,  a  pólvora,  o  fulminante  e  as 
espingardas. 

Não  faltam  os  vendedores  de  bebidas  e  petiscos,  aqueles  com 
o  frasco  de  genebra  de  preto  e  com  as  suas  cabaças  e  sangas 
repletas  de  vinho  de  palma  fermentado,  e  por  fermentar,  a 
garapa,  estes  com  os  seus  guisados  de  feijão,  e  os  pães  de 
infunde  para  satisfazer  os  apetites  estimulados  pelo  ar  fresco 
das  manhãs  do  Zombo,  impregnados  pelas  apetitosas  emanações 
dos  produtos  da  culinária  local ;  vende-se  também  carne  cozi- 
nhada, rato  assado,  peixe  frito  miúdo,  espetado  em  enfiadas  de 
bambu. 

A  jinguba  pelada  e  por  pelar,  crua  e  assada,  o  coconote,  o 
azeite  de  palma  e  as  muambas  já  cozinhadas,  também  ali  se 


94  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

encontram  com  fartura,  llá  também  vendedores  do  malunga 
para  homens  e  mulheres.  E  nao  deixa  de  sor  pinturesco  assistir 
ao  enfiar  duns  adornos  nas  pernas  das  pretas,  que  passam  um 
ano  de  privações  a  fazer  as  necessárias  economias  para  possuir 
a  jóia  apeteeida  eom  que  vão  fazer  o  desespero  da  vizinhança 
feminina  ao  regressarem  da  quitanda  à  banza  a  que  pertencem. 

As  olarias,  os  feitiços  e  amuletos  vários,  alguns  objectos  de 
utilidade  doméstica  e  alguns  de  luxo  eafreal,  ali  estão  também 
expostos  à  venda.  Uma  curiosa  miscelânea  da  vida  eafreal  com 
os  cacos  da  civilização  europeia. 

Não  e'  raro  aparecer  o  cura  maleitas,  o  tira  bichos,  e  os 
prestidigitadores  e  domestica  dores  de  macacos  a  amenizar  aquela 
seena  da  vida  já  de  si  tão  animada  pelas  multiplicas  combina- 
eões  de  negócio  que  ali  se  efectuam,  e  para  distracção  dos  ocio- 
sos que  vão  à   quitanda  matar  o  tempo  como  simples  mirones. 

Em  tempo,  até  os  escravos  estavam  ã  venda  nestas  quintadas  ; 
e,  ou  seja  por  pinturesco  ou  por  verdade,  dizem  que  até  a  carne 
humana  era  vendida  aos  apreciadores,  estando  exposta  ao  pú- 
blico a  vítima,  sobre  o  corpo  da  qual  se  ia  marcando  com  gesso 
a  parte  do  corpo  e  a  quantidade  desejada,  matando-se  o  sacrifi- 
cado logo  que  tivesse  compradores  para  todo  o  corpo. 

E  também  nas  quitandas  que  se  espalham  as  notícias  e  se 
desfiam  as  intrigas  gentílicas,  podendo  ser  um  grande  elemento 
para  as  autoridades  conhecerem  do  estado  de  espírito  dos  povos 
pelo  que  se  refere  à  tranquilidade  pública,  logo  que  disponham 
de  agentes  hábeis  que  saibam  aproveitar  as  comeragens  das 
quitandas  e  deles  tirar  todo  o  partido  possível.  E  portanto  da 
maior  conveniência  manter  essa  instituição  e  aproveitá-la,  já 
pela  actividade  e  espírito  laborioso  que  desenvolve  e  mantém 
no  gentio,  já  como  meio  de  informação  na  condução  da  politica 
indígena. 

No  que  diz  respeito  às  indústrias  que  exercem  inumeraremos : 
o  fabrico  da  kikuanga,  uma  espécie  de  pães  de  mandioca  fer- 
mentada cosida  a  vapor  e  envolvida  em  folhas;  o  carvão  de 
madeira  ;  o  trabalho  do  ferro  por  meio  de  caldeação  e  forja, 
com  que  fazem  enxadas  e  catanas  ;  os  trabalhos  de  olaria,  cor- 
timento  de  peles  ;  e  o  fabrico  de  esteiras  finas  e  todos  os  conhe- 
cidos objectos  de  cesteiro  gentílico. 

O  ferro  não  é  extraído,  aproveitam  os  arcos  de  pipas,  e  os 
aros  de  enfardar.  Trabalham-no  servindo-se  de  enormes  blocos 
de  pedra  rija,  como  bigornas,  e  empregando  foles  de  seu  fabrico, 


DE 

idênticos   aos  :ribus  da  raça  Xegra,  com- 

postos por  duas  caixas  circulares,  feital  oncos  escav 

tapados  p  lando  uma  e 

la  quando  puxado  à  mão,  realizar, 
pressão  do  ar  mdo  essa  espécie  de  0  apertando-o 

na  mão  quando  se  realiza  o  movimento  de  abaixamen: , . 

Oi  tubos  do  foi  espingardas  ou  tnbo3  de  barro 

que  estão  reunidos  na  extremidade  por  um  funil  de  barro  que 
dirige  para  o  logar  ente  de  ar. 

A  linguagem  falada  é  o  Kico:. . 

:ante3    artes,    os    conhecimentos    scientífic 
faculdades  intelectuais,  nada  ternos  a  acrescentar  ao  que  deixa- 
]  sobre  os  Muxi: 

IÍI.  —  Da  vida  familial  e  social 

Tudo  o  que  sobre  a  vida  familial  e  social  ficou  exr. ; 
tratar  da  tribu  Muxicongo  se  pode  generalizar  à  tribu  Muzombo, 
salvo  no  que  diz  respeito  à  organizaçã;  .  riste   |ne 

staci  subordinados  ao  rei  do  Congo,  e  a  organização 
ica  é  caracterizada  pela  constituição  de  um  grande  número 
de  pequenos  estados,  i  testa  de  cada  um  dos  quais  se  encontra 
um  soba  assistido  pelo  seu  conselho. 


Por  serem  deficientes  as  informações  recebidas  não  incluímos 
aqui  o  estudo  -  la  tribu  S   ss    -      :.iada  no  distrito  do 

Congo  a  sul  do  rio  Zaire  nas  ma-  _  .  rio  Cuango. 


ireri  y<r  +      *mp 


I 


CAPITULO  V 

I 
TRIBUS  DA  LUNDA  (') 

A  origem  comum  das  tribus  Lunda,  Bangala,  Quioco,  Luena, 
Xinge,  Songo,  Minungo,  Bondo  e  Holo,  e  consequentemente  a 
grande  afinidade  dos  seus  usos  e  costumes,  aproxima-os  de  tal 
forma  que  explica  a  razão  por  que  enquadramos  e  reunimos 
neste  capítulo  o  seu  estudo. 

E,  se  dentre  eles  destacamos  a  tribu  Bangala,  para  separa- 
damente a  estudar,  tem  esse  facto  explicação  no  parentesco  e 
relações  que  os  Bangalas  teem  com  algumas  tribus  do  oeste,  em 
virtude  da  larga  digressão  que  os  seus  ascendentes  fizeram  por 
esta  parte  da  província,  e  que  acarretou  algumas  modificações 
nos  seus  usos  e  costumes. 

II 

BANGALAS 

I.  —  Dos  caracteres  etnográficos  gerais 

Origem  dos  povos  designados  por  Banga- 
las. —  Situação  geográfica.  —  População. 

Sob  a  origem  da  palavra  Bangala,  nome  da  tribu  de  que 
vamos  tratar,  parece  haver  dúvidas  que  não  nos  foi  possível 
esclarecer. 


(l)  Serviu  de  base  aos  estudos  destas  tribus  as  informações  prestadas 
pelo  Superior  da  Missão  Portuguesa  de  Malange. 


98  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Henrique  de  Carvalho,  no  seu  estudo  sobre  a  etnografia  dos 
povos  da  Lunda,  escreve  : 

«Os  meirinhos,  ou  quem  fazia  a  cobrança  do  tributo,  acom- 
panhavam os  sobas  levando  na  mão  direita,  como  distintivo, 
altas  e  grossas  varas  que  terminavam  em  curva  que  denomina- 
vam bengalas.  Estas,  muitas  vezes,  lhes  serviam  para  baterem 
nos  tributados  indefezos,  que  procuravam  esquivar -se  ao  paga- 
mento. 

«Semelhante  uso  foi  adoptado  pelos  encarregados  de  cobrança 
de  tributo,  para  a  jaga,  e  daí  veio  o  dizerem  os  Ambaquistas 
que  iam  a  Cassange  negociar  com  os  Ambanzas  —  vamos  aos 
jinbangala,  que  corresponde  a  aquibangala,  como  eles  mesmos 
entre  si  se  alcunham.» 

Assim  a  denominação  que  a  estes  povos  se  dá  de  Bangalas, 
parece  ser  uma  corrupção  nossa  de  Bangala,  porquanto  eles 
dizem  quibangála  um  homem  do  seu  povo,  e  aquibangala  muitos 
deles. 

Segundo  opinião  do  superior  da  missão  portuguesa  em  Ma- 
lange a  palavra  Bangala  não  tem  significação  na  lingua  do  povo  do 
mesmo  nome,  tendo  origem  no  nome  dado  à  região  pelos  Peindes, 
que  outr'ora  habitavam  o  território  atual  dos  Bangalas. 

O  território  habitado  pelos  Bangalas  é  limitado  ao  norte  e  a 
oeste  p#lo  rio  Lui,  a  este  pelo  rio  Cuarigo  e  ao  sul  pelo  Minungo. 

Diz  a  tradição  que  os  Bangalas  são  descendentes  dos  povos 
da  Lunda  (Congo  Belga)  que  habitavam  a  região  alêm-Calambi, 
constituindo  o  estado  Muat-Ianvua. 

Os  povos  que  se  estabeleceram  entre  o  Cassai  e  o  Lualaba, 
vindos  do  norte  e  da  região  dos  grandes  lagos,  formaram  dife- 
rentes estados,  entre  eles  e  dos  Bungos  e  dos  Lubas. 

Um  dos  potentados  dos  Lubas,  Mutombu  Mukulu,  reconhe- 
cendo a  sua  decadência,  aconselhou  seus  filhos  a  que  procurassem 
novas  terras  e  constituíssem  novos  estados  protegendo-se  mutua- 
mente, visto  ele  estar  de  avançada  idade  e  dele  nada  poderem 
esperar. 

Seguiram  o  conselho  do  velho  potentado  dois  de  seus  filhos, 
Cassange  e  Canhinca,  ficando  em  sua  companhia  os  outros  dois, 
Ilunga  e  Mae. 

O  chefe  dos  Bungos,  lala  Maku,  a  quem  estavam  subordinados 
os  chefes  das  diferentes  povoações,  teve  de  sua  mulher  dois 
filhos,  Quinguri  e  lala,  e  uma  filha  Luegi.  Como  seus  filhos  se 
entregassem  à  ociosidade  e  abusassem  de  bebidas  fermentadas 


vf.OVINC,4 


«ANGOLA» 

Escala  -,-  rt,  j; 


12000.000 


Tribu  BANGALA 


MEtfç/a  yav    imp 


DE  ANGOLA  99 

causando  desordens  e  perturbações  no  estado,  vexando  e  expo- 
liando  os  povos  procurou  lala  que  lhe  sucedesse  um  seu  sobrinho 
muito  estimado.  Seus  filhos  conhecedores  desta  pretenção  e 
embriagados,  prostraram-o  à  pancada,  deixando-o  só  quando  o 
viram  sem  fala  e  banhado  em  sangue,  julgando-o  morto.  Todavia 
pôde  ainda  o  velho  Xacala  (assim  o  denominava  o  seu  povo) 
reunir  todos  os  seus  e  pedir-lhe  que  reconhecessem  sua  filha 
Luegi  como  única  herdeira  e  que  fossem  seus  conselheiros  aten- 
dendo á  sua  pouca  idade. 

Como  tivesse  morrido  o  Mutombu,  o  potentado  dos  Lubas, 
tomou  conta  do  estado  seu  filho  Ilunga,  que  acompanhado  de 
seus  amigos,  se  dispôs  a  explorar  as  florestas  do  sul,  marginando 
o  Cajidixe,  indo  assim  conhecer  Luégi  que  por  conselho  dos 
velhos  parentes,  já  porque  simpatizavom  com  Ilunga,  já  porque 
desejavam  cumprir  as  ultimas  vontades  de  Xacala,  o  desposou 
entregando-lhe  o  estado,  pouco  tempo  antes  de  ter  nascido  um 
filho  a  quem  chamaram  Noegi  e  a  quem  foi  dado  o  título  de 
Muat-Ianvua. 

Não  se  conformando  Kinguri  com  o  procedimento,  de  sua 
irmã  e  receoso  da  gente  de  Ilunga,  não  obstante  ter  organizado 
partido  entre  os  parentes  de  sua  mãe,  deliberou  com  alguns 
parentes  afeiçoados  abandonar  as  suas  terras  e  irem  organizar 
um  grande  estado,  para  mais  tarde  virem  destruir  o  de  Muat- 
Ianvua.  Tomou  o  rumo  W  S  W,  atravessando  todos  os  afluentes 
do  Cassai,  e  vindo  passar  o  Cuanza  próximo  às  suas  nascentes. 
Seguiu  pela  margem  esquerda  do  Cuanza  até  ao  Libôlo,  onde 
conseguiu  travar  relações  de  amisade  com  vários  potentados, 
com  quem  se  aparentou. 

Segundo  uns,  como  Kinguri  era  um  homem  cruel,  os  seus 
companheiros  resolveram  desfazer-se  dele,  para  o  que  fizeram 
um  fosso  muito  fundo  que  cuidadosamente  taparam  com  folhas 
de  árvore  pondo  por  cima  uma  esteira.  Chamaram  em  seguida 
o  Kinguri,  que  descuidado  caiu  no  fosso,  sendo  aí  mesmo  enter- 
rado. 

Morto  o  Kinguri,  e  como  deixasse  um  filho  ainda  criança 
chamado  Cassange,  tomaram  os  macotas  conta  dele,  e  trataram 
de  saber  quem  tinha  direito  a  suceder  a  Kinguri,  pois  que  cada 
um  se  achava  com  este  direito. 

Segundo  outros,  Kinguri  não  foi  assassinado  pelos  seus 
macotas,  não  se  fazendo  alusão  ao  Cassange. 

Cassange,  segundo  os  que  contam  a  tradição  como  tendo  sido 


100 


POPULAÇÕES   INDÍGENAS 


assassinado  Kinguri,  ou  Kinguri,  segundo  a  segunda  versão  não 
se  demorou  no  Libôlo,  passando  a  vau  o  Cuanza  acima  de 
Cambambe,  mandou  participar  ao  Capitão-Mór  de  Massangano 
quem  era  e  que  vinha  pedir  terras  ao  Muene  Puto  para  consti- 
tuir um  estado  vassalo. 

O  Capitão-Mór  mandou-os  apresentar  ao  Governo  Geral  em 
Loanda,  que  depois  de  os  ouvir  resolveu  tirar  partido  deles  nas 

guerras  da  Ginga,  prontifi- 
cando-se  a  conceder-lhes  ter- 
ras e  auxiliá-los  se  cuadju- 
vassem  as  nossas  forças 
para  bater  os  povos  rebel- 
des. 

Aceitaram,  venceram 
N'gola-Kiluanje  (rei  dos  Gin- 
gas) e  em  recompensa  dos 
serviços  prestados  o  Gover- 
nador Geral  deu  à  gente  de 
|  Kinguri,  ou  à  de  seu  filho 
Cassange  terras  perto  de 
Loanda,  mas  como  as  pri- 
meiras culturas  não  vingas- 
sem, afastaram-se  de  Loan- 
da, tomando  o  rumo  nor- 
deste e  alcançando  as  sa- 
.     L_        I     linas  do  Holo. 

Segundo  contam  uns, 
alguns  dos  de  Kinguri  (ou 
Cassange)  atravessando  o  Lui  vieram  dizer  ter  encontrado  me- 
lhores terras  para  se  estabelecer,  segundo  outra  versão,  quem  disso 
veiu  informar  a  gente  de  Kinguri,  foram  uns  mensageiros  que 
Luégi  tinha  mandado  ao  seu  encontro,  temendo  que  eles  lhe 
viessem  fazer  guerra,  e  que  tendo  passado  pelas  terras  dos  Peindes 
delas  levaram  sal,  bananas,  tabaco  e  azeite  de  palma. 

Nestes  termos  resolveram  abandonar  o  Holo  e  irem  estabe- 
lecer-se  nas  terras  dos  Peindes,  entre  Lui  e  o  Cuango,  necessi- 
tando expulsar  o  soba  da  região  Keta  Camahachi  Kikololo, 
a  quem  fizeram  guerra  auxiliados  pelo  soba  dos  Bondos, 
•N'Gonga  Nebanda,  por  um  soba  do  Libôlo,  Calengero  Ki- 
lombo  e  pela  gente  que  sob  a  direcção  de  Lui  fora  enviada  por 
Luégi. 


Tipo  Bangala 


DE  ANGOLA 


101 


Parece  que  mais  tarde  a  estes  povos  se  uniram  outros  da 
Ginga,  que  descontentes  vieram  pedir-lhes  hospedagem. 

Daqui  se  conclue  que  os  Bangalas  são  descendentes  do  Estado 
Muat-Ianvua  e  teem  parentesco  com  os  Libôlos,  com  os  Bondos, 
com  os  Gingas  e  com  os  Peindes,  antigos  habitantes  das  terras 
por  eles  hoje  ocupadas,  pelas  mulheres  com  que  lhes  ficaram. 

Cassange,  filho  de  Kinguri,  què  tomou  o  título  de  Jaga,  teve 

um    único    filho    a    que  

chamou  Muanha  Cassan- 
ge, o  qual  teve  duas  fi- 
lhas, Kibuma  Kia  Mua- 
nha e  Chiba  Kia  Muanha, 
e  um  filho,  Cambaia. 
Por  morte  do  Jaga  Cas- 
sange e  em  virtude  da  j 
guerra  entre  os  diversos 
pretendentes  ao  jugado, 
foi  morto  Cambaia,  filho 
de  Muanha  Cassange,  fi-  [ 
cando  só  as  duas  filhas 
Kibuma  e  Chiba  que  são 
os  descendentes  directos 
do  primeiro  jaga  de  Cas- 
sange e  de  Kinguri,  pai 
dos  Bangalas. 


*         *  Tipo  Bangala 

Os  Bangalas,  cuja  população  não  tem  aumentado,  são  caça- 
dores e  essencialmente  comerciantes,  e  mais  traiçoeiros  que 
valentes,  não  possuindo  ou  tendo  perdido  as  qualidades  guer- 
reiras de  que  vinham  precedidos. 

Os  Bangalas  são  de  pequena  estatura,  em  geral,  o  que  não 
quer  dizer  que  se  não  encontre  entre  eles  tipos  de  configuração 
física  explêndida,  largos  ombros,  peito  também  largo  e  muscu- 
loso, um  pouco  arqueado,  as  ramificações  venosas  cheias  e 
salientes,  aparecendo  em  relevo  sobre  as  pernas  e  braços. 

Os  Bangalas  teem  o  nariz  largo  na  base,  chato  ou  grosso ; 
olhos  grandes  ou  rasgados  e  um  pouco  oblíquos ;  as  pálpebras 
grossas;  arcadas  zygomáticas  um  tanto  angulosas;  testa  elevada ; 
cabelos  abundantes  e  encarapinhados ;  a  boca  grande ;  os  lábios 


102  POPULAÇÕES    INDÍGENAS 

grossos  e  levemente  revirados,  sendo  o  inferior  mais  saliente; 
os  braços  compridos  em  demasia ;  as  mãos  relativamente  peque- 
nas ;  as  pernas  delgadas,  tendo  a  rótula  bem  definida ;  e  o  pé 
cumprido  e  pouco  largo. 

II.  —  Da  vida  material  e  intelectual 

Cuidados  dados  ao  corpo.  —  Alimentação. 
—  Vestuário.  —  Habitação.  —  Meios  de 
existência.  —  Artes.  —  Ciências.  — Facul- 
dades intelectuais. 

Como  todos  os  povos  que  habitam  margens  de  cursos  de 
água,  os  Bangalas  sabem  nadar.  Não  encaram  porém  a  natação 
como  medida  higiénica  ou  como  exercício  físico  e  nadam  porque 
assim  lhe  exige  a  sua  principal  ocupação  de  pescadores. 

Cortam  o  cabelo  com  uma  navalha,  deixando  os  homens  no 
alto  da  cabeça  uma  popa  ou  um  entrançado.  As  mulheres  usam 
o  cabelo  cortado  ou  entrançado  em  forma  de  rede,  servindo-se 
na  confecção  dos  seus  penteados  do  azeite  de  palma  e  pente  de 
proveniência  europeia,  e  na  falta  destes  costumam  fabricá-los 
de  uma  madeira  que  chamam  ndai  com  9  a  12  dentes.  É  um 
luxo,  especialmente  para  mulheres  dos  sobas,  o  uso  duma  tira 
de  metal  amarela,  que  vai  de  orelha  a  orelha. 

Os  Bangalas  nas  noites  chuvosas  deitam-se  cedo  e  nas  de  luar 
conservam-se  até  tarde,  fumando  e  conversando  os  velhos  em- 
quanto  os  novos  dançam.  Levantam-se  cedo  e  só  dormem  de  dia 
depois  de  uma  grande  marcha. 


A  base  de  alimentação  é  vegetal  e  representada  pela  farinha 
de  mandioca.  Comem  porém  caça  no  tempo  das  caçadas  e  peixe 
que  abunda  no  Cuango  e  no  Lui.  Só  no  caso  de  milongas  (ques- 
tões gentílicas)  ou  de  óbitos,  matam  animais  domésticos  para  se 
banquetearem.  Entram  ainda  na  alimentação  dos  Bangalas  os 
ratos,  gafanhotos,  cigarras,  lagartos,  algumas  cobras,  sendo  o 
seu  manjar  predilecto  a  carne  de  cão  que  muito  apreciam.  Fazem 
muito  pouco  uso  de  azeite  de  palma  e  empregam  o  sal. 

A  carne  de  veado  N'Golungo  é  proibida  a  todo  o  povo,  bem 


DE   ANGOLA  103 

como  o  leite;  não  podendo  também  comer  galinha,  pássaros  e 
ovos  as  solteiras  menstruadas  e  as  parturientes  até  a  creança 
que  conceberam  começar  a  comer.  Além  destas  proibições  há 
a  Kigila,  imposta  pelo  soba,  feiticeiros  e  curandeiros,  que  con- 
siste em  proibir  esta  ou  aquela  comida  por  um  determinado 
prazo  de  tempo. 

Estes  povos  guardam  os  alimentos  separadamente,  cada  fa- 
mília em  suas  casas,  pendurando  o  milho  a  ginguba  e  o  feijão 
nas  árvores  circumvizinhas,  enrolados  em  feno.  Alguns  constroem 
umas  pequenas  cubatas  circulares  para  guardar  a  ginguba.  Não 
usam  secar  a  carne;  defumam  e  secam  o  peixe. 

É  raro  o  uso  de  vinho  de  palma. 

Homens,  mulheres,  creanças  fumam  o  tabaco  e  ás  vezes  o 
cânhamo,  em  cachimbos  por  eles  fabricados. 

A  antropofagia  é  de  uso  no  estado,  praticando-se  ainda  hoje 
muito  às  escondidas  nas  cerimónias  da  posse  de  um  novo  jaga  de 
Cassange.  Este  para  ser  reconhecido  por  todo  o  seu  povo  como 
tal,  tem  de  comer  com  os  seus  macotas  (ministros)  o  fígado  e 
o  coração  de  um  albino,  cosinhado  com  uma  galinha,  um  pombo, 
um  cão,  um  cabrito  e  carne  de  vaca. 

A  cosinha  é  das  atribuições  das  mulheres  e  crianças,  e  é  feita, 
sempre  que  o  tempo  o  permite,  ao  ar  livre  e  junto  das  habitações. 

Já  é  conhecido  entre  os  Bangalas  o  uso  dos  fósforos,  no  en- 
tanto conservam  cuidadosamente  o  fogo,  e  quando  este  se  apaga 
acendem-no  por  percursão,  ferindo  uma  catana  com  uma  pedra, 
indo  as  centelhas  pegar  fogo  a  isca  de  palmeira 


O  vestuário  é  como  nas  tríbus  já  estudadas,  a  tanga  ou  como 
mais  vulgarmente  é  conhecido,  o  pano.  A  matéria  de  que  ele  é 
feito,  a  sua  colocação  e  tamanho  varia  muito.  Assim  encontram-se 
panos  de  origem  europeia,  alguns  forrados  com  cores  garridas, 
e  outros  por  eles  fabricados  de  plantas  textis,  em  geral  franjados. 
Usam-nos  suspensos  na  cintura,  homens  e  mulheres,  e  estas 
também  por  cima  do  peito  e  por  debaixo  dos  sovacos. 

Os  Bangalas  usam  habitualmente  poucos  adornos,  e  a  não  ser 
as  mulheres  e  as  raparigas  que  costumam  trazer  missangas  ao 
pescoço  e  no  braço,  só  por  ocasião  de  óbito  e  prova  de  juramento 
se  pintam  .com  pemba  branca.     No  entanto  é  uso  trazer-se  ao 


104  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

pescoço  feitiços  diversos :  chifres  de  cabra,  de  veado,  de  palanca 
(boi  bravo),  bonecos  de  madeira,  dentes  de  onça,  de  jacaré,  etc, 
preservativos  contra  as  doenças,  acidentes,  etc. 

Entre  os  Bangalas  existe  prática  de  tatuagem  nos  braços, 
no  peito  e  no  ventre. 


A  habitação  é  como  nas  tribus  já  estudadas,  a  cubata. 

No  entanto  não  nos  dispensamos  de  para  aqui  trazer  alguns 
interessantes  detalhes  da  sua  construção  e  da  variedade  de  tipos 
empregados. 

r~  Os  Bangalas  —  e  de  resto  grande  numero  de  tribus  de  Angola 
—  costumam  construir  umas  cubatas  mais  simples  e  rudimenta- 
res, quer  a  título  provisório,  quando  de  novo  se  vai  estabelecer 
para  um  novo  local,  quer  nos  caminhos,  e  a  que  vulgarmente  se 
chamam  fundos,  para  as  comitivas  pernoitarem. 

Consistem  os  fundos  em  uma  dúzia  de  árvores  conservando 
as  ramificações  e  folhas,  dispostas  a  formarem  uma  pirâmide 
cónica,  aproveitando-se  os  troncos  que  tenham  forquilhas  para 
cruzamentos  no  vértice  e  firmando-se  todos  inferiormente  no 
solo.  Outros  troncos,  dispostos  entre  aqueles  a  formar  circun- 
ferência, firmam-se  igualmente  no  terreno  sobrepondo-se  às  cru- 
zetas das  primeiras.  Reveste-se  tudo  exteriormente  com  ramos 
de  folhas,  e  ainda  por  cima  se  cobre  este  revestimento  com  feixos 
de  colmo,  que  se  colocam  de  baixo  para  cima,  no  sentido  da 
altura,  como  telha  solta  num  telhado ;  e  o  remate  completa-se 
com  um  feixo  grosso  do  mesmo  colmo,  atado  a  um  terço  de 
altura,  e  que  curvado  se  enfia  no  vértice  da  construção  de 
modo  que  a  parte  mais  alta  fique  para  cima.  Em  um  dos  lados 
da  construção  deixa-se  um  intervalo  entre  os  dois  troncos  ao  rez 
do  chão,  que  não  revestem  e  que  constitue  a  porta  da  habitação. 

Um  outro  tipo  de  fundo  é  ainda  mais  simples,  mas  deman- 
dando mais  trabalho  a  sua  construção  :  os  troncos  com  que  se 
forma  o  esqueleto  são  varas  mais  delgadas  e  flexiveis  que  se 
colocam  espetadas  no  solo,  fechando  um  recinto  mais  comprido 
do  que  largo,  arqueando-se  depois  as  varas  de  sorte  a  ligarem-se 
superiormente.  Esta  armação  reveste-se  como  ficou  dito  em 
cima,  ficando  igualmente  com  uma  entrada  baixa. 

São  estes  os  abrigos  usados  para  as  comitivas  pernoitarem  e 
que  mais  bem  construidos,  com  mais  cubagem  e  com  as  estradas 


£>E   ANGOLA  105 

protegidas  por  uma  espécie  de  alpendres  para  não  deixar  entrar 
a  água  das  chuvas,  constituem  as  habitações  provisórias. 

A  habitação  das  povoações  é  de  forma  circular  ou  rectan- 
gular e  neste  último  caso  o  telhado  é  de  duas  e  muitas  vezes  de 
quatro  águas. 

A  sua  construção,  em  que  se  destaca  a  das  paredes,  daquela 
das  coberturas,  é  do  seguinte  modo :  risca-se  no  terreno  a  base 
que  se  lhe  quer  dar,  abre-se  com  o  machadinho  um  pequeno 
sulco  onde  se  vai  espetando  varas  delgadas  com  pequenos  inter- 
valos, salvo  no  logar  destinado  para  a  porta  que  se  deixa  sem 
varas.  A  partir  do  solo  para  cima  atravessam-se  horizontalmente 
varas  mais  delgadas  por  fora  e  por  dentro,  que  se  atam  às  ver- 
ticais com  fibras,  obrigando-as  nos  ângulos  das  paredes  a  do- 
brarem, para  continuarem  a  revestir  a  parede  contígua  até  onde 
possam  chegar.  Estas  varas  vão-se  colocando  paralelamente, 
com  intervalos  pouco  mais  ou  menos  iguais  aos  dos  prumos,  até 
a  altura  que  se  pretende  dar  às  paredes,  por  onde  se  cortam  as 
varas  verticais.  Por  fim  reveste-se  de  colmo  em  pequenos  feixos, 
que  se  vão  atando  bem  apertados  uns  aos  outros  e  ao  gradea- 
mento no  sentido  da  altura  de  modo  a  não  haver  fendas. 

A  cúpula  é  feita  aparte,  marcando-se  na  terra  ao  lado  a  base 
da  casa,  no  centro  da  qual  se  coloca  depois  um  pau  da  altura 
que  se  quere  dar  à  cúpula  para  apoio  das  extremidades  das  varas 
que  hão  de  formar  o  vértice.  Estas  varas  cortadas  sempre,  um 
pouco  para  mais  da  grandeza  que  deveriam  ter,  pela  distância 
daquele  apoio  à  base  marcada,  são  dispostas  equidistantes  se- 
guindo os  riscos  da  planta  no  terreno.  Ligam-se  superiormente 
as  varas  que  servem  de  suportes  do  esqueleto,  por  meio  de  um 
encanastrado  de  fibras.  Entre  aquelas  varas  colocam-se  outras  a 
cobrir  todo  o  recinto  e  ligam-se  umas  às  outras  por  meio  de  fibras 
a  começar  de  uma  certa  altura  do  solo  para  cima.  A  cúpula  é 
então  colocada  sobre  as  paredes  excedendo-as  para  o  exterior, 
liga-se  a  estas,  porque  as  porções  salientes  dos  prumos  entram  no 
seu  encanastrado,  aparam-se  as  hastes  para  ficarem  equidistantes, 
e  cobre-se  tudo  de  feno  a  começar  de  baixo  para  cima. 

Neste  tipo  de  cubatas  há  bastantes  variedades,  em  que  se  cons- 
tatam alguns  aperfeiçoamentos,  tais  como  sejam:  o  revestimento 
interior  das  habitações  por  feno  ou  esteiras ;  a3  divisões  interiores 
quando  a  cubata  é  grande,  uma  espécie  de  teto  que  se  aproveita, 
para  guardar  malas  e  outros  objectos;  e  a  construção  de  va- 
randas e  janelas  nas  casas. 
8 


ÍÓ6  Populações  indígenas 

Como  mobília  não  se  encontram  nas  habitações  mais  do  que 
as  tarimbas  de  pequena  altura  e  toscos  bancos. 

As  povoações  são  um  agregado  de  habitações  de  famílias  que 
se  construem,  cercadas  ou  não,  em  redor  da  Kipanga  ou  recinto 
reservado  ao  chefe. 


A  agricultura  entre  o  povo  Bangala  é  muito  rudimentar  en- 
tregando-se  as  mulheres,  em  geral,  à  apanha  dos  frutos. 

Os  instrumentos  empregados  ordinariamente  pelos  Bangalas  são 
a  enxada,  a  catana  e  o  machadinho,  na  maioria  por  eles  fabricados. 

A  principal  ocupação  dos  homens  é  a  caça  e  a  pesca.  A  caça 
exerce-se  em  geral  no  tempo  seco  por  ocasião  das  queimadas.  As 
caçadas  são  levadas  a  efeito  em  grupo  por  sanzala.  Na  véspera 
do  dia  designado  para  a  caçada  o  soba  que  tem  ingerência  no 
campo  onde  se  vai  fazer  a  caçada,  faz  sacrifícios,  consulta  os 
feitiços  e  manda  tocar  o  tambor  para  avisar  as  sanzalas  vizinhas. 
No  dia  seguinte,  o  designado  para  a  caçada,  os  caçadores  vão 
para  o  local  da  queimada,  e  emquanto  tomam  posições  deita-se 
o  fogo  ao  capim.  A  caça  fugindo  do  fogo,  às  vezes  meio  cha- 
muscada, é  esperada  pelos  caçadores  que  a  acabam  de  matar  a  tiro 
e  debaixo  de  uma  gritaria  ensurdecedora.  O  producto  é  depois 
levado  para  a  sanzala  onde  se  procede  à  sua  divisão  :  uma  parte 
pertence  de  direito  ao  soba;  o  resto  é  dividido  por  quem  matou 
e  se  tiver  havido  mais  de  um  tiro,  o  animal  pertence  a  quem  deu 
o  primeiro  tiro,  devendo  todavia  dar  uma  parte  aos  caçadores 
que  lhe  atiraram.  Não  é  difícil  calcular  que,  como  resultado 
desta  forma  de  dividir  a  caça,  um  animal  já  morto  recebe  ainda 
muitos  tiros  porque  assim  se  habilitam  a  receber  um  quinhão,  e 
sobretudo  que  uma  caçada  é  sempre  motivo  para  uma  série  de 
milongas  ou  questões. 

A  pesca  é  exercida  pelos  homens  e  pelas  mulheres,  em  geral 
por  grupos,  e  no  tempo  das  chuvas,  em  que  fazem  cerrados.  O 
peixe  que  ali  entre,  fica  preso  e  é  apanhado  com  a  baixa  das 
águas.  Empregam  igualmente  na  pesca  rede  de  fio,  por  eles  fa- 
bricadas, e  no  tempo  seco  em  que  diminue  sensivelmente  o  vo- 
lume das  águas  dos  rios,  refere  o  superior  da  Missão  de  Malange, 
que  deitam  na  água  uma  massa  feita  de  folhas  de  uma  planta 
que  se  chama  Hulu  que  tendo  a  propriedade  de  inebriar  o  peixe 
se  deixa  apanhar  à  mão  na  superfície  da  água  onde  vem. 


Í>E   ANGOLA 


10? 


* 
#         # 


Não  obstante  as  noções  rudimentares  que  os  Bangalas  teem 
das  indústrias,  algumas  mesmo  desconhecidas,  merece  que  men- 
cionemos duas  que  maior  desen- 
volvimento teem,  a  de  trabalhos      [V  ■ v^ 
em  madeira,  para  o  que  pouco      '  - 
mais  se  servem  do  que  da  vulgar 
faca,  e  os  trabalhos  de  olaria. 

O  modo  de  fabricar  os  arte- 
factos de  olaria  é  muito  rudi- 
mentar servindo  de  formas  os 
fundos  das  cabaças  e  outros 
frutos  de  casca  grossa.  Sobre 
um  estrado  formado  de  peque- 
nos paus  estendem  um  bocado 
de  barro  amassado  com  água, 
neste  assentam  até  certa  altura 
a  cabaça  ou  fruto,  cuja  forma 
querem  reproduzir ;  em  seguida 
vão  juntando  à  mão  pedaços  de 
barro  amassado,  continuando  a 
rodear  a  forma  e  tirando  o 
barro  excedente  da  base,  o  qual 
vão  humedecendo  com  mais 
água,  aproveitando-o  assim 
para  a  continuação  do  traba- 
lho. Outros  já  seguem  outro 
processo  menos  primitivo :  so- 
bre uma  roda  é  que  está  disposta  a  obra  a  moldar,  e  esta  vai 
sendo  afeiçoada  à  mão  pelo  trabalhador,  que  com  a  outra  mão  faz 
girar  a  roda. 

Não  desejamos  deixar  de  nos  referir  a  uma  outra  indústria, 
a  da  preparação  de  artefactos  de  ferro,  que  está  averiguado  foi 
muito  importante  entre  estes  povos,  não  obstante  sobre  ela  actual- 
mente nada  nos  dizerem  os  nossos  informadores. 


Lunda  — Tipos  do  Quissol 


ióô 


ÍPOPULAÇÔES  INDÍGENAS 


#         * 


A  língua  falada  pelos  Bangalas  é  um  dialecto  que  pouco  difere 
do  Kimbundo  falado  em  Malange.  Não  ê  difícil  chegar  a  esta 
conclusão,  basta  para  isso  reunir  em  um  pequeno  vocabulário 
palavras  do  dialeto  Bangala  e  daquele  de  Malange.  E  se  levarmos 
mais  àlêm  o  estudo  comparativo  do  dialecto  falado  pelos  Ban- 
galas, com  aqueles  falados  pelos  povos  do  Congo  de  Loanda,  e 
da  Lunda,  chegamos  à  conclusão  que  os  dialetos  falados  pelos 
povos  da  Lunda  se  aproximam  mais  do  Kimbundo,  do  que  dos 
dialectos  falados  pelos  povos  do  Congo,  o  que  em  parte  vem  con- 
firmar as  duas  emigrações,  a  que  se  fez  pelo  norte  e  aquela  que 
veiu  por  nordeste. 

Por  aqui  ficamos  sobre  este  assunto,  pois  nos  reservamos 
para,  depois  de  estudadas  as  tribus  de  per  si,  fazer  o  estudo 
comparado  dos  dialetos. 

Por  agora  resta-nos  inserir  um  vocabulário  do  dialeto  Ban- 
gala. 

Vocabulário  do  dialecto  falado  pela  íribu  Bangala 


Abaixar-se  —  Kuhatama. 
Abcesso  —  Kito. 
Abortar  —  Kutxigumuna. 
Abrigo  —  Kijima. 
Abrir  (porta)  —  Kuzulula. 
Abrir  (caixa)  —  Kutumuna. 
Absurdo  —  Kiatóha. 
Abusar  —  Kuzaka. 
Acabar  —  Kumana-Kúhna. 
Acender  —  Kulemuna  tuia. 
Aceitar  —  Kutaia. 
Achar  —  Kumona. 
Acordar  —  Kukasumuka. 
Acrescentar  —  Kuhueza. 
Adeante  —  Kupala. 
Adivinhar  —  Kutaha  ngombo. 
Agora  —  Tinu-tinu. 
Agonisar  —  Kukumbama. 
Ainda  não  —  Kange  Kale. 
Ajuntar  —  Kuongolola. 
Algodão  (planta)  —  Fulu. 


Alheio  —  Kia  beni. 
Amargar  —  Kusasa. 
Amendoim  —  Jiontze. 
Ameaçar  —  Kukussa. 
Andar  —  Kuenda-Kuia. 
Antigo  —  Txikulu. 
Aparecer  —  Kumoneka. 
Apresentar  —  Kulokula. 
Aproximar-se  —  Kusetuka. 
Areia  —  Kisekele. 
Avó  —  Kuku. 

e 

Bacia  (prato)  —  Luenga. 
Banhar-se  —  Kuritxila, 
Banco  —  Kihuma. 
Barbear  —  Kuhuta. 
Barco  —  Natu. 
Barriga  ~  Novumo. 
Barulhar  —  Kuzukuta. 
Bater  —  Kututa. 
Beber  —  Kunua. 
Beira  dum  rio  —  Kungu. 


DE   ANGOLA 


109 


Bofetada  —  Lukoxi. 
Branco  (homem)  —  Njingu. 
Branco  (cor)  —  Nozela. 
Bravo  —  Kulaka. 
Brincadeira  —  Isemu. 
Buraco  —  Bombo. 
Buscar  —  Kutakana-Kukemga. 


Cabaça  de  fumar  —  Mutope. 

Cabo  de  enxada  —  Mubini. 

Cabra  —  Kombo-pembe. 

Cadáver  —  Kimbe. 

Cahir  —  Kubua. 

Calar-se  —  Kuhuena. 

Calor  —  Muza. 

Cama  —  Kiriri. 

Cançar-se  —  Kuhonga. 

Caneca  —  Pukulu. 

Calças  —  Milambo. 

Cantar  —  Kuhimbila. 

Carne  —  Xito-Koma. 

Caroço  — Jimbale. 

Carvão  —  Makala. 

Casca  —  Kibaba. 

Cassoar  —  Kusebessa. 

Castrar  —  Kutúa. 

Catana  —  Njangu. 

Cego  —  Kifofo. 

Cemitério  —  Mu  Kimbinda. 

Ceo  —  Hulu. 

Chamar  —  Kutambeka. 

Chegar  —  Kuheta. 

Cheirar  (bem)  —  Kupepa. 

Cheirar  (mal)  —  Kunuka. 

Cheiro  —  Nzumba. 

Cinza  —  Ulokota. 

Colher  — Luto. 

Começar  —  Kuteleka. 

Comida  —  Massa. 

Coisa,  Comum  —  Kia  uingui. 

Compaixão  —  Kenda. 

Concertar-Compor  —  Kuhinla. 

Confiança  —  Kizomba. 

Contar  —  Kutamga-Kubala. 

Conversa  —  Maka. 

Corpo  —  MuiJa. 

Cortar  (capim)  —  Kusua  muangu. 

Cortar  —  Kukoka-Kubatula. 


Costumes  —  Kifua. 
Crer  —  Kutaia. 
Crescer  —  Kukula. 
Curar  —  Kusaka. 
Cuspir  —  Kufila  mate. 


Dançar  —  Kukina. 

Debates  —  Milonga. 

Decidir  —  Kusopa. 

Dedo  —  Muinhi. 

Deixar  —  Kuhekia. 

Demorar  —  Kunanga  minangu. 

Denominar  —  Kuluka. 

Desatar  —  Kujitula. 

Desapertar  —  Kuzoza. 

Descançar  —  Kunhoka. 

Descascar  —  Kuteta. 

Descer  —  Kukulumuka. 

Desde  —  Kufuma. 

Desejar  —  Kusola. 

Despir  —  Kuzula. 

Devagar  —  Kimuanho. 

Direita  (à  mão)  —  Ku  Kadilu. 

Distribuir  )  Tr   . 

_.   .  >  Kuhuana. 

Dividir       ) 

Duvidar  — Kutenda  pata. 


Egual  —  Kusoka. 

Embrulhar  —  Kupitchika. 

Emagrecer  —  Kuhela. 

Emigrar  —  Kucula 

Encaminhar  —  Kudijika  njila. 

Enfeitiçar  —  Kuloua. 

Enganar  —  Kutahesa. 

Engulir  —  Kuminha. 

Ensaiar-experi-  )  T_   . 

^  Kuteza. 

mentar  ) 

Entrada  (da  casa)  —  Munua. 

Entrançar  os  )  Tr  ,  .    , 
.    .  Kubinda. 

cabelos         ) 

Entregar  —  Kuhetesa. 

Escuridão  —  Kufuka. 

Esfregar  —  Kutxikita. 

Esperar  —  Kumenga. 

Espinha  —  Musongue. 

Esposo  —  Mununi. 

Estragar  —  Kuzanga. 


110 


POPULAÇÕES    INDÍGENAS 


Estrela  —  Tetemo. 
Exceder  —  Kulanda. 


Faca  —  Poko. 

Fazenda  —  Lau. 

Fazer  —  Kuhinla. 

Feijão  —  Capakala. 

Felicidade  —  Kubinduluka. 

Ferir  —  Kunemeka. 

Ferreiro  —  Musuri. 

Flor  —  Kitemo. 

Floresta  —  Tuto. 

Fogo  —  Tubia. 

Forjar  —  Kusula. 

Foz  (de  rio)  —  Masangu. 

Frio  —  Humu. 

Frutificar  —  Kuhaka. 

Frutos  —  Itundu. 

Furtar,  roubar  —  Kukaba-Kunha- 

nha. 
Fonte  —  Kibule-bule. 
Fumo  —  Dixi. 


Gafanhoto  —  Makoko. 
Galinha  —  Súsua. 
Gatuno  —  Kaba. 
Gémeos  — Ibi. 
Gostar  —  Kuhabela. 
Grão  —  Lumuma. 
Gritar  —  Kukola. 
Guardar  —  Kubaka. 
Garganta  —  Minguinho. 

H 

Hábil  —  Kete. 
Hálito  —  Kuhumena. 
Hombro  — Panga. 
Hora  —  Kumbi. 
Hóspede  —  Beni. 
Horta  —  Honga. 


Idioma  —  Mbimbi. 
Ilha  —  Kisanga. 
Implorar  —  Rulomba. 
Incenso-resina  —  Muafu. 
Inchar  —  Kujimba. 


Indicar  —  Kudijika. 
Injuriar  —  Kuxinga. 
Interrogar  —  Kuhula. 
Intestinos  —  Ikessa. 


Joelho  —  Jipuna. 
Juvali  —  Kiombo. 


Ladrar  —  Kuboza. 
Lagoa  —  Kizaga. 
Lágrima  —  Massoxi. 
Lança  —  NGumba. 
Largar  —  Kuetxia. 
Leão  —  Tabu. 
Lembrança  —  Kujibululu. 
Leopardo  —  Kulama. 
Lepra  —  Kikuku. 
Levar  —  Kuambata. 
Lamber  —  Kulakata. 
Lagarto  —  Munhanha. 

M 

Madeira  —  Mutxi. 
Malcreado  —  Nabokumuka. 
Mama  — Mabele. 
Manada  —  Tanga. 
Mãe  —  Nguina. 
Matar  —  Kuxia. 

Mensageiro —  Punga-mbangui. 
Mentir  —  Kuzuela  marimi. 
Mercado  —  Kibengue. 
Miolo  —  Uongo. 
Mastigar  —  Kutxakuta. 
Mole-doce  —  Katuala. 
Mosca  —  Inji. 
Mosquito  —  Jiomo. 

N 

Não  —  Loh!  Buatxi. 
Nadar  —  Kuzoa. 
Naufragar  —  Kuboba. 
Negar  —  Kuhena. 
Nervo  —  Muxia. 
Nó  —  Hurabu. 
Nevoeiro  —  Bundu. 
Nojo  —  Kuzeba. 


DE    ANGOLA 


111 


Nascente  (de  agua)— Txitu  ia  nguiji. 
Nutrir  —  Kusassa. 


Obedecer  —  Kutumuka. 
Obscurecer  —  Kuma  Kufuka. 
Odiar  —  Kuzemba. 
Ofender  —  Kuxingana. 
Omitir  —  Kujimba. 
Ofício  —  Ufunu. 
Onda  —  Pfunza. 
Origem  —  Kufuma. 
Orvalho  —  Mami. 
Outrora  —  Kutxiakmlu. 
Ouvir  —  Kucona. 
Ovo  — Mai. 


Pai  —  Xa. 

Padecimento  —  Lamba. 

Pagar  —  Kufuta. 

Parar  —  Kusukamena. 

Parecer  —  Kufuanha. 

Parir  —  Kukita. 

Partir  (quebrar)  —  Kutolola-Kubu. 

kula. 
Passar  (um  rio)  —  Kuzanka. 
Pasto  —  Makelu. 
Pastorear  —  Kasebula. 
Pau  —  Mutxi. 
Pedir  —  Kulomba. 
Peito  —  Tulu-mabele. 
Peixe  —  Malenda. 
Pentear  —  Kusamuna. 
Perder  —  Kutexi. 
Perguntar  —  Kuhula. 
Pescar  —  Kutamba. 
Piolho  —  Jona. 
Peste  —  Dibebu. 
Pólvora  —  Fundanga. 
Ponte  —  Ualalu. 
Porco  —  Ngulo. 
Porta  —  Kijilu. 
Possuir  —  Kuva. 
Prato  —  Luenga. 
Proceder  de ...  —  Kuf  unca. 
Preço  —  Suilu. 
Preparar  —  Kuinrika. 
Preto  (côr)  —  Buiela. 


Proibir  —  Kujirika. 
Prometer  —  Kuzuelela. 
Pronunciar  —  Kutona. 
Provar  —  Kulola. 
Público  (coisa)  —  Kia  uingui. 


Que?  —  Hike? 

Quebrar  —  Kutoloka-Kubula. 

Queimar-Kutxoka. 

Questão  —  Milonga. 


Rabo  —  Mukila. 
Raiz  —  Miji. 
Raposa  —  Mukengue. 
Rasgar  —  Kukala. 
Razão  (ter)  —  Kulunga. 
Recomendar  —  Kutendelela. 
Recto  —  Kuhiaka. 
Recordar-se  —  Kujibuluca. 
Recusar  —  Kuhehua. 
Região  —  Kifutxi. 
Remir-resgatar  —  Kukula. 
Remo  —  Kihandu. 
Respeitar  —  Kuxila. 
Respirar  —  Kuhuima. 
Rico  —  Monhé. 
Roupa  —  Bizualo. 
Rir  —  Kuzola. 


Saber  —  Kuijia. 

Sacudir  —  Kuhumuna. 

Sair  —  Kutuhuka. 

Salina  —  Kangodia  mungua. 

Saltar  —  Kutuka. 

Salvar  —  Kunuhulula. 

Sangue  —  Manhinga. 

Sede  —  Kuila. 

Segredo  —  Mukoto. 

Seguir  —  Kulandula. 

Sepulcro  —  Mbila. 

Sepultar  —  Kufunda. 

Sol  —  Muanha. 

Sombra  —  Kivuri. 

Sono  —  Tulu. 

Sonhar  —  Kulota. 

Spfrimento  —  Lamba. 


112 


POPULAÇÕES    INDÍGENAS 


Soprar  —  KUlemuna. 
Suor  —  Semukina. 
Suspender  —  Kuturika. 


Tecer  —  Kuhota. 

Tatuagem  (acto  de)  —  Kutua. 

Testemunho  —  Urbangui. 

Tio  —  Lemba. 

Tirar  —  Kufissa. 

Tocar  —  Kuxika. 

Tossir  —  Kukohola. 

Tosse  —  Kixinda. 

Trazer  —  Kuncha. 

Tremer  —  Kuteketa. 

Triturar  —  Kútua-Kusuka. 

Trovão-trovejar  —  Kunuma. 

Tsé-tsé  (mosca)  —  Tubulu-bulu. 


U 

Untar-ungir  —  Ku  nassa. 
Unha  —  Lumbunde. 


Vaidade  —  Ukumbu. 
Vala  —  Mulombe. 
Vale  —  Honga. 
Velhaco  —  Soxi. 
Veneno  —  Uanga. 
Vento  —  Pfunji. 
Vermelho  —  Kusuka. 
Vestir  —  Kuzuala. 
Vida  —  Muenhu. 
Vomitar  —  Kulussa. 
Viuva  —  Kituri. 


Como  todos  os  povos  da  sua  raça  são  dados  ao  canto,  à  dança 
e  à  musica. 

Em  conhecimentos  astronómicos  os  Bangalas  dividem  o  tempo 
em  ciclo  lunar  —  dois  no  ano :  a  estação  da  chuvas  e  a  estação 
seca. 

Para  contar  empregam  os  dedos,  sementes,  pedaços  de  pau 
e  riscos. 

III.  —  Da  vida  familial 


Nascimento.  —  A  educação.  —  O  casamento. 
—  A  família.  —  A  morte.  —  A  religião.  — 
Ritos.  —  Cultos.  —  Divindades  e  sar- 
cerdócio. 

Não  temos  conhecimento  de  práticas  antes  do  nascimento  e 
do  parto,  bem  assim  como  não  conhecemos  os  cuidados  dados  à 
mãe  e  à  creanca.  A  creança  recebe  dois  nomes,  o  comum  e 
porque  é  conhecido  e  um  outro  secreto  só  do  conhecimento  das 
famílias. 

Entre  os  Bangalas  existe  o  infanticídio,  quando  a  mulher  dá 
à  luz  um  albino  ou  um  monstro,  ou  dois  gémeos.  Quando  tal 
sucede  são  as  creanças  levadas  para  longe  e  aí  enterradas,  aban- 
donando a  mãe  a  casa  onde  deu  à  luz  e  tudo  o  que  nela  está. 

Como  nas  restantes  tribus  da  província  as  causas  que  limitam 
o  crescimento  da  população  são:  a  poligamia  e  a  edade  muito 


DE    ANGOLA  113 

juvenil  em  que  as  raparigas  casam,  agravada  com  a  grande  di- 
ferença de  idade  entre  marido  e  a  mulher,  pois  não  é  raro  ver 
um  homem  de  40  e  30  anos  tomar  por  mulher  uma  creança  de 
8  a  10  anos.  Acresce  a  tudo  isto  o  pouco  cuidado  dado  à  creança 
que  às  costas  da  mãe  sofre  o  ardor  do  calor  e  toda  a  espécie 
de  intempéries. 

Os  Bangalas  não  teem  a  menor  ideia  de  qualquer  educação 
física,  moral  ou  intelectual  a  não  ser  a  de  adivinho.  Quem  pre- 
tende seguir  aquela  profissão  dirige-se  a  um  adivinho  em  exer- 
cício, que  mediante  uma  boa  gratificação  o  habilita  e  industria. 
Só  o  jaga  de  Cassange  têm  uma  iniciação,  especial,  como  igual- 
mente só  ele  sofre  a  operação  da  circumcisão  antes  da  posse  do 
estado. 

No  que  diz  respeito  ao  casamento  o  costume  Bangala  em 
pouco  ou  nada  difere  do  já  exposto  para  outras  tribus.  Quem 
dispõe  da  noiva,  a  quem  se  pede  o  casamento,  quem  resolve, 
quem  determina  e  recebe  o  dote  é  o  tio  materno;  a  noiva  não  é 
tida  nem  havida,  nem  se  lhe  pede  o  seu  consentimento. 

Assim  quem  deseja  tomar  para  sua  mulher  uma  rapariga,  vai 
ter  com  o  tio  materno  pedir-lhe  o  consentimento  e  dar-lhe  o 
Bundo,  que  pode  ser  uma  cabra  ou  valor  igual,  e  que  constitue 
o  ajuste  do  casamento.  Desde  esse  momento  o  homem  considera 
como  sua,  a  mulher  que  pediu,  no  entanto  ela  fica  vivendo  com 
a  sua  família  e  não  vem  para  a  sua  companhia  sem  o  marido 
pagar  o  Kulemba  que  pode  ser  uma  vaca  ou  igual  valor,  e  que 
constitue  o  penhor  do  contracto  do  casamento. 

O  homem  que  tiver  relações  com  uma  rapariga  solteira  ou  já 
com  ajuste  de  casamento,  tem  de  pagar  ao  tio  materno  ou  ao 
noivo,  conforme  o  caso,  o  dobro  da  importância  que  é  costume 
pagar  para  o  casamento. 

O  único  impedimento  de  casamento  é  entre  irmãos;  o  casa- 
mento entre  tio  e  sobrinha,  e  entre  primos  é  permitido. 

É  permitido  a  poligamia.  O  adultério  do  marido  não  é  pu- 
nido, em  compensação  o  adultério  das  mulheres  é-o  por  uma 
multa  imposta  ao  homem  com  quem  ela  o  cometeu. 


114  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Existe  o  divórcio  e  até  é  frequente,  tendo  como  causas  as 
mencionadas  para  outras  tribus  já  estudadas.  A  mulher  divor- 
ciada não  pode  casar-se  novamente  sem  que  seja  restituido  ao 
primeiro  marido  o  penhor  do  contracto  de  casamento  que  êle 
pagou. 


Na  família  quem  tem  e  exerce  a  autoridade  sobre  a  mulher  e 
filhos  é  o  pai,  no  entanto  os  filhos  fazem  parte  do  clan  da  mâe 
e  deles  podem  dispor  o  tio  materno  e  à  falta  deste  o  primo  da 
mãe  a  quem  devem  obediência. 

O  pai,  a  mãe,  os  filhos,  os  avós  fazem  parte  da  família.  Os 
filhos  casados  formam  uma  nova  família.  A  reunião  das  famílias 
que  contam  algum  parentesco  formam  uma,  duas  ou  mais  aldeias, 
cada  uma  com  o  seu  chefe  chamado  Banza.  Vários  banzas,  apa- 
rentados, formam  um  sub-estado  com  um  chefe  que  tem  o  título 
de  soba  e  que  toma  sempre  o  nome  do  antepassado  de  quem 
pretende  descender. 


Os  Bangalas,  não  fazendo  excepção  à  maioria  das  tribus  da 
raça  negra,  não  admitem  a  morte  natural,  nem  as  doenças.  Por 
isso  quando  adoecem  recorrem  sempre  ao  adivinho  para  saber 
quem  é  que  enfeitiçou  o  doente.  Depois  desta  consulta  é  que  se 
recorre  ao  curandeiro  que,  por  magia  e  pantominices,  procura 
neutralizar  os  efeitos  do  feitiço  que  causou  a  doença  e  pelo  seu 
receituário  o  trata. 

Nos  últimos  momentos  do  moribundo  a  família  reune-se,  toma 
o  agonisante  nos  braços  e  dão  começo  aos  choros  e  cantos  de 
óbito. 

Depois  do  falecimento  unta-se  o  cadáver  com  azeite  de  palma 
e  amortalha-se  com  um  pano.  A  seguir  é  o  defunto  exposto 
fora  de  casa,  e  perante  êle  os  membros  da  família  cantam,  dan- 
çam e  contam  a  sua  vida,  as  suas  viagens,  enfim,  os  factos  mais 
notórios  da  sua  existência.  O  cadáver  é  enterrado  só  depois  de 
dois  dias  e  duas  noites. 

Se  o  defunto  foi  soba,  o  cadáver  fica  exposto  seis  dias  e  a 
família  tira-lhe  um  dente  que  dá  ao  seu  sucessor.  O  herdeiro 
tem  de  plantar  no  dia  do  funeral  sobre  o  túmulo  do  soba  um  pé 


DE   ANGOLA  115 

de  cana  brava,  mas  logo  que  tome  conta  do  estado  tem  de  voltar 
à  sepultura  do  soba,  deitar  nela  um  pouco  de  aguardente  e 
arrancar  a  cana  brava  que  tinha  plantado.  A  seguir  é  conside- 
rado soba  e  começam  as  danças  e  cantos  em  sinal  de  regosijo. 

O  soba  é  sempre  sepultado  na  sua  casa;  a  aldeia  muda  de 
local,  e  aquela  onde  foi  sepultado  o  soba  fica  sendo  o  cemitério 
da  aldeia  do  novo  soba. 

O  luto  ou  óbito  dura  quatro  dias,  dois  dias  e  duas  noites; 
durante  este  tempo  a  vida  da  aldeia  fica  quási  paralisada,  não 
se  faz  outra  coisa  que  não  seja  cantar  e  dançar.  O  óbito^termina 
sempre  por  se  abater  um  boi  e  duas  ou  três  cabras,  cuja  carne 
é  distribuída  aos  que  dançam  e  cantam. 


Para  os  Bangalas  existe  um  deus  poderoso  e  bom  que  creou 
o  ceu,  a  terra  e  tudo  o  que  se  vê  e  move  no  ceu  e  na  terra;  que 
regula  as  chuvas,  governa  o  sol  e  a  lua,  o  trovão,  o  raio.  Este 
deus  dos  Bangalas  é  o  Nzambi  que  lhe  pode  dar  a  riqueza  a 
saúde  e  o  poder  ganhar  as  questões.  Além  deste  deus  teem  os 
Bangalas  culto  pelo  deus  de  geração  o  nganga-nzambi,  pelo  deus 
da  família  o  ngola,  e  pelo  mahamba,  prescritos  pelos  curandeiros. 

Os  Bangalas  acreditam  igualmente  na  existência  de  um  espí- 
rito que  não  morre,  e  que  separado  do  corpo  a  que  pertenceu 
comunica  com  a  família  da  pessoa  falecida,  por  intermédio  de 
um  dos  seus  membros.  Assim,  depois  de  um  óbito,  a  família 
chama  o  curandeiro  para  este  conseguir  que  o  espírito  do  falecido 
fale  na  presença  da  família  pela  boca  do  membro  intermediário, 
que  fica  sendo  o  médium  entre  a  família  e  o  espírito.  A  este 
recorrem  t#dos  os  membros  da  família,  consultando-o  como  se 
fosse  um  adivinho. 

Os  Bangalas  teem  vários  feitiços,  Kiteka,  que  respeitam  e 
de  que  se  servem  para  se  precaver  contra  o  mal  e  o  bem.  Assim 
teem  o  que  chamam  Jivunji  de  que  se  servem  para  fazer  mal 
aos  seus  inimigos;  Kangulungu  igualmente  para  o  mesmo  fim,  e 
que  para  produzir  os  devidos  efeitos,  se  tem  de  enterrar  no  logar 
onde  se  costuma  fazer  fogo,  e  pronunciar  o  nome  da  pessoa 
alvejada ;  e  os  lupandu  empregados  unicamente  entre  os  sobas. 
Estes  feitiços  são  figuras  toscas  e  grosseiras,  representando  entes 
sobrenaturais. 


116  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

O  culto  dos  Bangalas  é  particular  e  exercido  em  família,  no 
entanto  algumas  cerimónias  públicas  se  praticam  em  que  tomam 
parte  toda  a  aldeia,  na  ocasião  do  sacrifício  que  se  faz  para 
pedir  boas  culturas  e  no  sacrifício  aos  espíritos  dos  defuntos. 
Qualquer  destes  sacrifícios  se  reduz  em  abater  uma  cabeça  de 
gado  cuja  carne  é  depois  distribuída  pelos  habitantes  da  aldeia. 


* 

% 


A  vida  dos  Bangalas  está  envolvida  como  uma  rede  de 
feitiços,  adivinhos,  curandeiros  e  feiticeiros  que  os  aterra  e  preo- 
cupa constantemente. 

Consulta-se  o  adivinho  por  tudo  e  por  nada.  Se  houve  um 
roubo,  consulta-se  o  adivinho  para  conhecer  o  ladrão ;  se  uma 
pessoa  adoece  recorre-se  ao  adivinho  para  saber  a  causa  da 
doença. 

Não  menos  importante  é  a  classe  dos  curandeiros,  encarrega- 
dos de  tratar  todas  as  doenças  ou  pseudo  doenças.  Os  curan- 
deiros àlêm  do  conhecimento  de  diversas  plantas  medicinais  que 
aplicam  nos  seus  tratamentos,  trata  de  neutralizar  pela  magia  o 
efeito  dos  feitiços.  É  profissão  muito  lucrativa,  pois  que  o  Ban- 
gala  paga  sempre  caro  os  bons  ofícios  do  Kimbanda. 

Àlêm  do  adivinho  e.  do  curandeiro,  ha  o  feiticeiro,  sempre 
desconhecido,  a  quem  se  atribuem  todos  os  males,  que  por  inter- 
médio dos  feitiços  enviam  as  dopnças,  a  morte  e  tudo  quanto 
pode  prejudicar  o  homem. 


IV.  —  Da  vida  social 

Espécie  de  vida.  —  Classes  e  castas.  — 
Organização  política.  —  Propriedade.  — 
Regime  económico.  —  Costumagens  jurí- 
dicas. 

Os  Bangalas  teem  vida  sedentária.  Como  já  temos  constatado 
em  outras  tribus,  entre  os  Bangalas  existem  pelo  menos  três 
classes :  os  chefes,  os  homens  livres  e  os  escravos. 

Há  diversas  espécies  de  escravos :  o  escravo  de  guerra,  cons- 
tituídos pelos  prisioneiros  feitos  ao  inimigo,  e  que  em  gerai  são 
vendidos  aos  povos  vizinhos;  o  escravo  de  dívida  que  trabalha 


DE  ANGOLA  117 

por  conta  da  pessoa  que  o  tem  como  penhor,  e  pode  ser  resga- 
tado pela  família ;  o  escravo  de  compra  que  fica  em  casa  do 
dono  nas  condições  do  escravo  de  dívida  e  que  é  vendido  só  em 
caso  de  necessidade;  e  finalmente  o  escravo  que  se  oferece,  um 
fugido  que  por  dívidas  ou  por  crimes  deixa  a  sua  terra  e 
entrega-se. 

Os  escravos  teem  logar  especial  na  família  a  que  pertencem, 
podem  mesmo  considerar-se  como  um  dos  seus  membros;  traba- 
lham por  conta  dos  seus  donos  que  lhe  dão  de  comer,  de  vestir 
e  mulher,  podendo  àlêm  disso  possuir  as  suas  lavras.  Como  se  vê 
a  escravatura  entre  os  Bangalas  —  como  afinal  entre  quási  todas 
as  tribus  da  raça  negra  —  tem  um  caracter  bem  diferente  do  que 
muita  gente  boa  supõe,  e  a  situação  de  escravo,  por  certo,  muito 
europeu  a  desejaria  de  bom  grado. 

O  escravo  não  se  pode  resgatar  pelo  seu  trabalho,  por  si 
mesmo,  só  o  pode  resgatar  a  sua  familia. 


A  organização  política  não  difere  daquela  dos  outros  povos 
já  estudados.  Existe  um  chefe  supremo  —  o  jaga  de  Cassanje  — 
a  que  estão  subordinados  os  chefes  ou  sobas  das  diversas  aldeias. 
Os  chefes  teem  junto  de  si  para  os  consultar  e  coadjuvar  no 
governo  do  estado,  um  certo  número  de  ministros  ou  macotas. 

O  soba,  jaga  de  Cassanje,  tem  sempre  o  título  de  um  seu 
antecessor,  isto  é  um  cie  antepassado  descendente  do  Kuin- 
gury. 

Os  sobas  dos  Bangalas  recebem  o  poder  do  jaga  de  Cassange 
a  que  devem  obediência  e  respeito,  devendo  igualmente  presen- 
teá-lo, presente  que  é  quási  um  imposto. 

Cada  soba  tem  os  seguintes  ministros : 

1.°  O  Cassanje-Kakanga,  que  é  o  secretário  encarregado  de 
apresentar  ao  soba  quem  lhe  deseja  falar; 

2.°  O  Ngola-mbole  que  é  o  ministro  da  guerra; 

3.°  O  Muzumbu,  encarregado  da  ordem  da  aldeia  e  dos  bens 
do  soba; 

4.°  o  Karianga,  encarregado  dos  feitiços  do  soba. 

O  jaga  de  Cassanje  tem  dois  Cassanje-Kakanga,  um  deles  que 
é  sobrinho  do  jaga,  que  tem  a  sua  aldeia  afastada  do  jaga  e  que 
toma  conta  dos  bens  do  Estado  e  do  património  do  jaga  e  um 


118  POPULAÇÕES    INDÍGENAS 

outro  que  habita  na  aldeia  do  jaga,  encarregado  de  receber  os 
rendimentos,  os  presentes  do  estado  e  de  entregar  ao  primeiro 
o  que  o  jaga  deseja  conservar. 

Além  dos  dois  cassanji  Kakanga,  o  Jaga  tem  os  seus  conse- 
lheiros, chefes  das  aldeias  (*)  que  convoca  em  casos  extraordi- 
nários. Na  corte  do  Jaga  há  ainda  um  outro  personagem  cha- 
mado Muene-Mutu,  que  é  em  geral  o  sucessor  do  Jaga.  É  o 
Muene-Mutu  que  por  morte  do  Jaga  convoca  os  conselheiros  e 
faz-lhes  os  seus  presentes  para  eles  o  nomearem  Jaga.  Se  os 
conselheiros  por  quaisquer  motivos  não  gostam  do  Muene  Mutu 
podem  nomear  outra  pessoa  para  Jaga. 

As  funções  dos  sobas  são :  tratar  das  questões  ou  milongas ; 
cobrar  dívidas;  receber  os  hóspedes  especialmente  os  europeus. 

O  herdeiro  do  soba  é  sempre  o  sobrinho,  filho  da  irmã,  não 
havendo  sobrinho  em  idade  de  governar  o  Estado,  toma  conta 
do  governo  o  irmão  ou  primo  do  soba  falecido. 


* 


A  propriedade  não  é  individual,  pertence  à  família  e  é  admi- 
nistrada pelo  chefe  daquela. 

Para  a  resolução  das  questões  ou  milongas  são  convocados 
os  macotas,  presidindo  à  reunião  o  soba.  O  acusado  defende-se 
por  si  mesmo  ou  recorrendo  a  testemunhas,  e  o  acusador  tem  de 
apresentar  provas  ou  testemunhas  da  acusação. 

Uma  das  provas  usadas  é  a  que  vulgarmente  se  chama  de 
juramento  e  que  consiste  em  dar  a  beber  ao  acusado  uma  bebida 
venenosa.  Se  o  acusado  vomita  a  beberagem  é  reconhecido  ino- 
cente se  não  a  vomitar  é  culpado.  A  dose  do  veneno  aumenta 
conforme  a  quantia  a  decidir  e  pode  mesmo  produzir  a  morte, 
se  o  acusado  não  vomitar,  quando  se  trata  de  feitiços,  em  outras 
questões  de  menos  importância,  como  por  exemplo  roubo,  mesmo 
que  o  acusado  não  vomite  a  beberagem  não  morre,  apenas  o 
incomoda  por  algum  tempo.  As  vezes  a  beberagem  dá  se  de 
beber  a  um  cão  pertencente  ao  acusado,  e  é  o  estômago  daquele 
que  decide  da  culpabilidade  ou  inocência  do  réu. 


(')  Os  macotas  do  jaga  chamam-se:  Panda,  Sedonga,  Mutxiangombe, 
Kanguenga,  Kambuiza,  Kabetu,  Kassimgo,  Mzonzo,  Casa  Camukuhi, 
Samba  Cassangi,  Bondo  a  Cassangi,  Kiluange,  e  Cassela-Kituxi. 


.     .  DE  ANGOLA  119 

O  acusado  não  pode,  sem  confessar  a  sua  culpabilidade, 
recusar-sè  a  beber  o  veneno. 

Quando  se  trata  de  questões  de  importância,  recorre-se  a  um 
soba  extranho  à  aldeia  do  acusado  e  do  acusador.  Este  soba, 
assistido  dos  seus  macotas  preside  aos  debates,  interroga  as  partes 
e  profere  a  sentença. 

Se  o  acusado  fôr  reconhecido  inocente,  o  acusador  pagar-lhe  há 
o  que  êle  teria  pago  se  fosse  reconhecido  culpado. 

III 

QUIOCOS,  LUENAS,  XINGES,  SONGOS,  MINUNGOS, 
LUNDAS,  BONDOS  E  HOLOS 

I.  —  Dos  caracteres  etnográficos  gerais 

Situação  geográfica  destes  povos.  —  Sua 
origem.  —  População. 

Das  dissidências  na  corte  do  Estado  de  Muat-Ianvua  resultou, 
como  acabamos  de  vêr  ao  estudar  os  usos  e  costumes  da  tribu 
Bangala,  o  destacar-se  dele  um  grupo  de  descontentes  que  depois 
veiu  a  constituir  aquela  tribu,  e  a  que  se  seguiram  outras  dis- 
senções  que,  estabelecendo-se  nos  territórios  da  Lunda,  se  foram 
disseminando  e  deram  lugar  à  constituição  das  tribus  aqui  em 
estudo. 

As  tribus  em  estudo  ocupam  os  vastíssimos  territórios  que 
constituem  a  parte  NE  da  província,  para  àlêm  do  meridiano  16.° 
e  até  ao  paralelo  13.°  de  latitude  sul,  salvo  para  a  tribu  Quioco 
que  actualmente  se  estende  ao  sul  daquele  paralelo.  Entre  estas 
tribus  encontram-se  completamente  isolados  os  Mussucos,  prove- 
nientes do  Congo. 

Como  acima  deixamos  exposto  a  origem  destes  povos  está 
intimamente  ligada  com  a  tribu  Bangala,  visto  os  seus  ascen- 
dentes, como  os  daquela  tribu  terem  pertencido  à  corte  de 
Muat-Ianvua,  a  cuja  constituição  já  largamente  nos  referimos  ao 
estudá-la  e  que  para  boa  sequência  do  estudo  destes  povos, 
convêm  lembrar  a  largos  traços. 

O   Estado  de  Muat-Ianvua  fundou-se  pela  união  de  Ilunga 


120  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

filho  de  Mutombo,  potentado  dos  LubaSj  com  Luegi,  filha  de 
lalo  Maku,  chefe  dos  Bungos,  de  que  houve  um  filho  Noegi  a 
quem  foi  dado  o  título  de  Muat-Ianvua. 

Kinguri,  irmão  de  Luegi,  não  se  conformando  com  esta  união 
e  não  se  querendo  sujeitar  a  um  estrangeiro,  deliberou  com 
alguns  parentes  afeiçoados  abandonar  a  corte  e  virem  organizar 
um  grande  estado. 

Como  vimos  foi  Kinguri  o  fundador  da  tribu  Bangala  que 
após  várias  digressões  se  veiu  a  estabelecer  entre  o  Lui  e  o 
Cuango. 

Se  entre  alguns  membros  da  corte  havia  descontentamento,  a 
partida  de  Kinguri  veiu  agravar  a  situação,  dando  lugar  a  dis- 
cussões e  comentários,  uns  a  favor  e  outros  contra  Kinguri. 

Na  corte  de  Muat-Ianvua  não  reinava  pois  harmonia,  os 
descontentes  não  se  sentiam  bem,  mas  receosos  não  se  manifes- 
tavam nas  audiências  perante  Luegi.  Este  estado  de  coisas  não 
passava  desapercebido  a  Ilunga ;  no  entanto  resolveu  esperar  que 
os  parentes  de  sua  mulher  se  pronunciassem,  antes  de  tomar 
qualquer  providência. 

Não  se  fez  esperar  a  oportunidade,  pois  que  uma  tia  de  Luegi, 
de  nome  Cambamba,  que  capitaneava  o  grupo  dos  parentes 
descontentes,  abalançou-se  a  perguntar  a  sua  sobrinha  se  havia 
notícias  de  kinguri,  lembrando  a  conveniência  de  enviar  alguém 
para  lhe  suspender  a  viagem  e  fazê-lo  retroceder  para  ser  cas- 
tigado e  acrescentando  que  ela  Cambamba  se  oferecia  para  ir 
com  os  seus  em  procura  de  Kinguri  e  convencê-lo  a  apresentar-se. 

Lueji  transmitiu  o  desejo  dos  seus  parentes  a  Ilunga  que  lhe 
fez  sentir  quanto  seria  para  desejar  para  o  socêgo  do  estado  que 
aqueles  seus  parentes  seguissem  o  exemplo  de  Kinguri,  evitando-se 
que  mais  tarde  com  eles  tivesse  de  haver  procedimento  mais 
enérgico.  Em  nova  audiência  comunicou  Luegi  a  sua  tia  que  o 
Muat-Ianvua  aceitava  a  sua  oferta,  mas  como  todos  ficassem  na 
espectativa,  acrescentou  que  o  Muat-Ianvua  sabia  bem  que  os 
seus  parentes  estavam  descontentes  e  que  por  isso  a  todos  que 
quisessem  seguir  o  exemplo  de  Kinguri  lho  permitia,  atribuindo- 
se-lhe  a  seguinte  expressão :  aia  oko  kua  Kinguri,  «vão  também 
lá  para  Kinguri».  Daqui  a  tribu  denominar-se  aioko,  uma  pessoa 
dela  xioco,  caxioco,  e  para  os  da  tribu  Quioco. 

Assim  se  fundou  a  tribu  Quioco,  cujos  ascendentes,  abando- 
nando o  estado  de  Muat-Ianvua,  seguiram  as  pisadas  de  Kinguri 
até  ao  Cassai,  subiram  este  rio  até  às  suas  nascentes,  alcançaram 


DE  ANGOLA  121 

o  Cuanza  e  vieram  estabelecer-se  junto  das  nascentes  do  Cuango, 
elegendo  entre  si  para  chefe  Amdumba,  o  mais  velho  do  grupo. 

Não  tardou  que  no  seio  dos  Quiocos  se  não  dessem  desavenças 
e  deles  se  não  destacassem  igualmente  grupos.  Foi  o  que  suce- 
deu com  Kissengue  filho  de  Cambamba  que,  por  não  se  querer 
sujeitar  ao  domínio  de  Andumba  veiu  constituir  um  grande  estado 
mais  ao  norte  dos  seus  parentes^  já  em  terras  de  um  tributário 
de  Muat-Ianvua,  e  Kimbundo. 

As  exigências  de  tributos  fez  com  que  aqui  não  ficassem  as 
dissenções,  seguindo  o  exemplo  de  Kissengue  outros  descendentes 
de  Andumba,  que  descendo  pelos  rios,  tomaram  o  rumo  norte. 

Os  Quiocos  valentes  e  audaciosos,  ferreiros  e  caçadores,  foram 
assim  irradiando  para  o  norte,  sul  e  leste  submetendo  todos  os 
povos  que  encontravam  e  cruzando-se  com  eles;  na  parte  leste 
deram  origem  a  uma  grande  tribu,  os  Luenas,  que  se  estabele- 
ceram entre  o  Cassai  e  o  Luena ;  no  norte  escorraçaram  os  Lundas, 
os  Xinges  e  os  Bangalas,  apossando-se  dos  territórios  e  das  mu- 
lheres dos  primeiros,  que  isolados  em  pequenos  estados  estão 
condenados  a  desaparecer;  no  sul,  estendendo-se  até  ao  Bié  e 
regiões  das  Guanguelas  e  Ambuelas,  teem  conseguido  estabele- 
cer-se entre  as  tribus  daquelas  regiões  e,  com  as  suas  qualidades 
assimiladoras,  a  pouco  e  pouco  teem  modificado  os  usos  e  costumes 
dos  povos  com  quem  teem  privado. 

Como  era  de  supor  Luegi  e  seu  marido  Ilunga,  após  as  dis- 
senções  que  se  deram  no  estado  de  Muat-Ianvua,  resolveram 
engrandecê-lo,  estendendo  a  sua  esfera  de  acção,  de  fornia  a 
prepararem-se  para  qualquer  ataque  dos  estados  que  se  constituí- 
ram com  os  grupos  dos  descontentes,  deliberando  mandar  gente 
de  confiança  conquistar  terras  para  o  seu  estado. 

Encarregados  dessa  missão  foram  enviados  para  leste  um 
primo  de  Lueji  a  quem  deram  o  título  de  Capeada  Muena  Am- 
bango  e  uma  sua  sobrinha  a  quem  deram  o  título  de  Mona 
Mávu-á-Combo. 

Tendo  morrido  Capenda  junto  do  rio  Luachimo  resolveram  os 
grandes  do  novo  estado  proseguir  na  sua  derrota  para  leste,  e 
entregar  o  estado  a  Mona  Mávu  que  escolheria  de  entre  o  seu 
povo  um  homem  de  quem  gostasse  para  a  representar  nas  au- 
diências e  mais  actos  em  que  ela  não  pudesse  comparecer,  como 
o  tinha  feito  Lueji,  não  podendo  porém  ter  mais  que  dois  filhos 
desse  homem,  tendo  de  a  seguir,  escolher  outro  com  a  mesma 
condição,  e  assim  sucessivamente. 
9 


122  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Nestes  termos  abandonaram  aquele  logar  e  vieram  estabele- 
cer-se  junto  do  Cuango. 

Envelhecendo  Mávu,  resolveu  esta  de  acordo  com  os  grandes 
do  estado,  dividi-lo  em  três  pelos  seus  três  filhos  que  teve  dos 
seus  três  maridos,   fazendo-os  acompanhar  respectivamente  de 

^ _ „ suas  irmãs,  afim  de  na  sucessão 

:  .   '':>|     se  observar  o  que  a  tal  respeito 

se  praticara  com  ela  Mávu. 

Cada  um  dos  estados  assim 

constituidos     ficou    designado 

pelo  título  de  Capenda. 

H  Durante   muito  tempo  pro- 

ÍÉ^«*^*"  S     cedeu- se  na   sucessão   como  a 

1 1 jffi^fir* f '  praxe  ou  costume  estabelecido, 

mStSSÈ  mas  nao  tardaram  as  dissen- 

'f\íúfitoÊtrW  Ç°es  ^ue  deram  lugar  a  vários 

grupos  emigrarem  para  leste  e 

se  confundirem  com  os  Quio- 

cos. 

Destas  dissenções  a  que  mais 
profundamente  veiu  alterar  a 
constituição  dos  estados  de  Ca- 
penda foram  as  que  se,  deram 
no  estado  de  Massengo  — título 
ou  nome  de  um  dos  estados  de 
Capenda  que  se  constituiu  mais 
ao  sul. 

Neste  estado  parece  que  uma 

das    mulheres    que    governou, 

xPo    axinge  Muholo-Angonga,     tinha     tido 

um  filho  Quicálua,  de  um  Bangala,  circunstância  que  deu  lugar 

a  que  os  Bangalas  interviessem  a  favor  da  entrada  no  estado 

do  filho  do  seu  patrício. 

Deste  facto  e  de  novas  intervenções  dos  Bangalas  resultou  a 
constituição  da  tribu  Songo,  descendentes  do  estado  de  Massongo, 
e  a  fusão  dos  dois  outros  estados  de  Capenda  em  um,  que  os 
Bangalas  alcunharam  de  Xinges  por  se  alimentarem  de  ratos. 

O  Muat-Ianvua,  no  entretanto,  continuava  a  obra  encetada  de 
alongar  os  seus  domínios,  para  o  que  enviou  novas  expedições ; 
uma  delas  capitaniada  por  Xacambuje  que  tendo  mudado  de 
rumo  veiu  a  constituir  pequenos  estados  de  que  actualmente  o 


DE   ANGOLA  123 

mais  importante  é  o  de  Minungo  e  outra  dirigida  por  Kimbundu 
que  veiu  estabelecer-se  onde  se  encontra  Mona-Quimbundo,  actual- 
mente representada  pelos  Lundas,  dispersos  em  pequenos  estados 
de  que  os  maiores  são  os  de  Mona-Quimbundo  e  do  N'zovo, 
estabelecido  ao  norte  da  Lunda,  entre  os  rios  Utunguila  e  Cuango. 

Resta-nos  tratar  da  origem  dos  Bondos  e  Holos  que,  por  assim 
dizer,  constituem  um  termo  de  transição  entre  os  povos  de  que 
temos  vindo  tratando  e  aqueles  que  descenderam  dos  que  emi- 
graram do  Congo  e  entraram  pelo  norte  da  província. 

Na  verdade  em  todas  estas  tribus  houve  descontentamentos 
e  dissenções,  e  destas  resultaram  emigrações  para  oeste,  àlêm 
Cuango,  que  encontrando  povos  vindos  do  Congo  com  eles  se 
fundiram  dando  lugar  à  constituição  de  várias  tribus  de  que  as 
mais  importantes  são  os  Holos  e  Bondos,  em  que  predominaram, 
no  entanto,  os  usos  e  costumes  dos  povos  de  leste. 


*       * 


De  uma  maneira  geral,  e  salvo  para  a  tribu  Quioco,  os  povos 
de  que  nos  ocupamos  teem  sofrido  uma  acção  depauperadora 
que,  se  não  fora  contrabalançada  pela  facilidade  com  que  a 
mulher  concebe  e  a  sua  grande  procriação,  teriam  sucumbido, 
extinguindo-se  por  completo  algumas  tribus.  Para  isso  tem  con- 
tribuído a  grande  mortalidade  das  creanças,  em  parte  devida  à 
pobreza  do  leite  das  mães,  à  escravidão,  às  crises  de  fome  por 
que  teem  passado,  às  grandes  irregularidades  nas  refeições,  quer 
pela  forma,  quer  pela  quantidade  e  qualidade  dos  alimentos,  às 
doenças  que  os  flagelam,  principalmente  a  varíola  que  chega  a 
dizimar  povoações  inteiras,  as  uniões  consanguíneas,  etc. 

Os  Quiocos  fazem  excepção  às  outras  tribus  e  teem  conseguido 
procrear  uma  robusta  descendência,  buscando  as  mulheres  entre 
os  Lundas  e  melhorando-lhe  a  sua  condição  de  vida,  com  respeito 
a  alimentação  e  estima,  e  subtraindo  os  seus  filhos  às  condições 
humilhantes  de  servirem  para  trocos,  como  é  vulgar  entre  os 
Lundas,  adestrando-os  na  caça,  nas  culturas  e  negócio,  até  po- 
derem constituir  família  e  trabalharem  para  se  sustentarem. 

Como  é  de  supor,  impossível  se  torna  pronunciarmo-nos  de 
uma  forma  precisa  e  categórica  sobre  a  constituição  e  robustez 
destes  povos,  atendendo  à  grande  extensão  ocupada  por  eles  e  à 
variedade   de   tipos   abrangidos.    No   entanto   somos   levados   à 


124  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

conclusão  que  os  povos  do  planalto  da  Lunda  vão  decrescendo 
em  robustez  à  proporção  que  da  maior  altitude  se  caminha  para 
oeste  ou  leste,  e  em  direcção  do  sul. 

O  mesmo  sucede  com  a  estatura,  que  varia  com  a  alimentação, 
temperatura  e  altitude,  chegando  a  idênticas  conclusões  àquelas 
que  deixamos  expostas  sobre  a  robustez.  Outro  tanto  se  averigua 
com  relação  à  côr  da  pele  que  é  mais  carregada  nos  terrenos 
baixos,  ferruginosos  ou  lodosos  ou  encharcados,  e  mais  averme- 
lhada nas  terras  altas. 

Esta  mesma  lei  pode  ser  aplicada  no  que  diz  respeito  ao  en- 
carapinhado dos  cabelos,  mais  espesso,  enrolado  e  emaranhado, 
nas  terras  baixas  do  que  nas  mais  áridas  e  elevadas. 

Completando  a  descrição  dos  caracteres  físicos  destes  povos, 
de  uma  maneira  geral,  podemos  afirmar  terem  o  nariz  largo  e 
chato,  os  olhos  grandes,  rasgados  obliquamente,  os  lábios  salientes, 
grossos  e  um  pouco  revirados,  as  orelhas  grandes,  a  cabeça 
alongada,  o  pescoço  curto,  os  braços  delgados  e  compridos,  as 
mãos  grandes,  os  pés  largos  e  espalmados.  Estes  caracteres 
gerais  teem  modalidades,  como  por  exemplo  os  Xinges  e  povos 
da  margem  direita  do  Cuango,  com  o  nariz  um  pouco  elevado,  e 
a  cabeça  um  pouco  maior. 

Não  obstante  a  mutilação  dos  dentes,  não  pode  ser  considerada 
um  caracter  privativo  de  tribu,  um  ou  outro  indígena  de  qualquer 
tribu,  principalmente  entre  os  Quiocos,  praticam-na.  A  operação 
è  dolorosa  e  consiste  em  lascar  com  um  pequeno  ferro  cortante 
os  dentes  incisivos  pelos  ângulos,  de  um  e  outro  lado,  batendo-lhe 
com  qualquer  objecto  rígido  que  se  preste  à  operação. 

Todos  estes  povos  usam  mais  ou  menos  furar  o  nariz  e  ore- 
lhas para  nelas  meterem  anéis  ou  pingentes,  bem  assim  como 
praticam  a  tatuagem  (jimhaje).  Esta  é  levada  a  efeito  por  meio 
de  agulhas  ou  estiletes  de  madeira  molhados  na  seiva  de  uma 
árvore  (mupaxi),  consistindo  a  operação  em  ir  picando  dois 
pontos  a  um  tempo  sobre  as  linhas  previamente  desenhadas,  o 
que  faz  brotar  o  sangue  que  o  operador  estanca  passando  sobre 
eles  pó  de  carvão,  às  linhas  assim  obtidas  adquirem  um  certo 
relevo  e  põem  em  destaque  os  desenhos. 


DE    ANGOLA  125 


II.  —Da  vida  material  e  intelectual 

Cuidados  dados  ao  corpo.  —  Vestuário. — 
Alimentação. —  Habitação.  —  Meios  de 
existência.  —  Artes.  —  Sciências.  —  Fa- 
culdades intelectuais. 

Nos  cuidados  dados  ao  corpo  pouco  ou  nenhum  interesse  lhes 
merece  a  limpeza  deste,  a  não  ser  o  preservarem-se  com  azeite 
de  palma  ou  óleos  extraídos  de  plantas  oleaginosas  como  das 
sementes  do  rícino. 

Os  Quiocos  vão  porem  perdendo  este  uso  e  o  mais  que  em- 
pregam são  tintas  na  cara. 

A  lavagem  dos  dentes  é  dos  cuidados  o  que  mais  atenção  lhes 
merece,  no  que  não  fazem  excepção  aos  outros  povos  da  raça 
negra. 

São  variadíssimos  os  penteados  usados,  não  podendo,  nem 
mesmo  para  cada  tribu,  apresentar  um  tipo,  salvo  para  os 
povos  do  oeste,  Bondos  e  Holos,  nos  quais  se  pode  considerar 
como  penteado  tipo-,  os  jindingu,  pequenas  tranças  caindo-lhes 
do  ocipital  sobre  os  ombros,  à  semelhança  das  usadas  pelos  povos 
da  tribu  Jinga. 

Àlêm  Cuango,  os  penteados  ou  melhor  a  forma  de  ornar  a 
cabeça,  mais  característica  é  de  na  testa  e  base  do  cabelo, 
adaptarem  um  arco  de  latão  amarelo,  de  forma  a  fazer  rebaixar 
o  cabelo  na  frente,  e  elevando  muito  a  gafurina  para  trás,  ou 
então  colocando-o,  tendo-se  previamente  rapado  o  cabelo  adeante. 

Algumas  vezes  cortam  o  cabelo  rente  àquele  arco  e  adaptam 
uma  espécie  de  chino  feito  de  cabelo  ou  mesmo  de  fibras  textis. 


* 


O  vestuário  usado  é  a  tanga  feita  de  fazendas  de  origem 
europeia,  ou  tecido  de  fibras  textis  por  eles  mesmo  fabricadas, 
ou  ainda,  se  bem  que  raramente,  de  peles. 

A  tanga  é  em  geral  reduzida  ao  mínimo,  salvo  raras  excepções 
que  se  apresentam  em  geral  nas  autoridades  gentílicas  e  nas  suas 
mulheres.  Dois  pequenos  pedaços  de  pano  suspensos  nos  quadris, 
um  na  parte  anterior  e  outro  na  posterior,  constituem  por  assim 
dizer  o   vestuário  destes  povos.     Algumas  mulheres,  sobretudo 


126 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


antes  de  chegar  à  idade  da  puberdade,  suspendem  igualmente 
por  cima  do  seio  e  com  o  fim  de  o  encobrir,  um  pequeno  pe- 
daço  de  fazenda  ou  de  tecido  por  eles 
11     fabricado  que  em  geral  é  franjado. 
■j  Alem  disto  é  de  uso  suspenderem  as 

?.    <•     -  «,  Í     mulheres  os  filhos  nas  costas  por  uma  tira 

de  qualquer  tecido  amarrado  sobre  o  seio, 
uso  que  não  é  seguido  pelas  mulheres 
*  Quiocos,  pois  colocam  os  filhos  sobre» o 
\  quadril  esquerdo,  suspendendo-os  por  uma 
faixa  de  pano,  que  passa  pelas  nádegas  da 
creança  e  hombro  direito  da  mãe. 

Este  uso  permite-lhes  o  conservar  até 
bem  mais  tarde  um  aspecto  de  mocidade 
que   não    teem    as    mulheres    dos    outros 
]     povos,    que    segu-     ^_       ■ 

ram  a  faixa  sobre  o 
\     peito. 

No  que  diz  res- 
peito a  ornatos,  usa-  m     ' 
j     dos  por  estes  povos, 
são  eles  os  mesmos     \  ■■■ 
indicados,  quando 
estudamos    a    tribu    Bangala.                                     M 


Tipo  Massongo 


A  base  de  alimentação  destes  povos  é 
como  na  maioria  das  restantes  tribus  da 
provincia,  vegetal  e  constituida  em  primeiro 
logar  pela  mandioca  e  a  seguir  pelo  milho 
massango,  amendoim,  e  feijão. 

Em  geral  a  mandioca,  o  milho  e  o  mas- 
sango, são  empregados  na  alimentação  re- 
duzidos a  farinha  com  que  prepara  a  massa 
ou  papas  que  constitue  o  seu  prato  de  resis- 
tência.  No  entanto  consomem  a  mandioca  crua  ou  seca,  e  o  milho 
e  o  massango  cosidos  em  água  ou  torrados.    Ainda  entre  os  ve- 
getais já  mencionados  e  outros,  encontram  estes  povos  plantas 
que  lhes  fornecem  folhas,  de  que  fazem  uma  espécie  de  esperre- 


Tipo  Massongo 


DE  ANGOLA  127 

gado,  e  que  cosem  ou  guisam.  Empregam  na  alimentação  àlêm 
dos  vegetais  inumerados  os  cogumelos  frescos  ou  secos,  túberas 
que  extraem  excavando  as  terras  e  consomem  cosidas  em  água, 
e  frutos  silvestres. 

Toda  a  carne  de  caça  mesmo  em  estado  de  decomposição,  ou 
peixe  havendo-o,  são  manjares  predilectos.  Não  é  vulgar  o  uso 
na  alimentação  das  carnes  dos  animais  domésticos,  até  mesmo 
galinhas,  que  era  geral  reservam  na  esperança  de  os  negociar. 

Quási  todos  estes  povos  empregam  na  sua  alimentação,  os 
ratos,  os  lagartos  das  árvores,  os  gafanhotos,  as  formigas,  etc. 

Algumas  tribus  procuram  para  suprir  a  falta  do  sal,  o  em- 
pregarem os  resíduos  da  queima  de  fenos  e  capins  espaciais. 

Usam  as  bebidas  fermentadas  do  suco  da  palmeira,  do  milho, 
do  massango,  do  mel,  etc,  e  apreciam  a  aguardente,  preferindo-a 
a  qualquer  outra  bebida  fermentada. 

O  número  de  refeições  por  dia  varia  com  a  provisão  de  que 
dispõem ;  em  ocasião  de  abundância  de  caça  conservada,  costu- 
mam ter  mais  de  duas  refeições  no  dia,  enquanto  não  acabe  a 
provisão,  no  entanto  o  usual  é  uma  refeição  de  manhã,  em  que, 
para  entreter  a  debilidade  e  muitas  vezes  para  esquecerem  a 
fome,  como  eles  dizem,  usam  beber  qualquer  das  bebidas  fer- 
mentadas indicadas,  e,  sendo  tempo  de  jinguba,  costuma  esta 
constituir  o  lastro,  e  outra  à  noite,  que  só  se  deixa  de  fazer  se 
não  há  o  mais  insignificante  recurso. 


A  habitação  tipo  é  a  cubata  assente  ao  solo  de  base  circular 
ou  rectangular. 

Como  é  de  supor  em  tão  vasta  região  e  tão  grande  número 
de  tribus,  é  impossível  encontrar  entre  estes  povos  um  tipo  único 
de  habitação,  no  entanto  predomina  a  cubata  de  base  rectangular. 

Sobre  os  diversos  tipos  de  habitação  e  a  sua  construcção  nada 
temos  a  acrescentar  ao  que  deixamos  exposto  para  os  Bangalas. 

Das  habitações  destes  povos  as  mais  características  e  que 
apresentam  um  fácies  especial  são  as  dos  Quiocos.  As  paredes 
da  cubata  do  Quioco  são  baixas,  mas  a  cobertura  é  muito  elevada, 
com  grande  escoante  às  águas,  e  descreve  uma  curva  graciosa 
ao  assentar  sobre  os  pilares  que  circundam  a  cubata. 

Ainda  é  entre  os  Quiocos  que  se  encontram  cubatas  com  as 


128  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

paredes  barreadas,  e  algumas  com  portas  e  janelas  de  madeira, 
por  eles  feitas. 

As  povoações,  como  em  todas  as  tribus  da  raça  negra,  são 
constituídas  por  um  agregado  de  habitações  de  famílias. 

Entre  os  povos  destas  tribus  vai  caindo  o  costume  de  cercar 
as  suas  povoações  por  fortes  palissadàs,  com  que  as  defendiam, 
fazendo  a  entrada  por  uma  única  porta. 

A  disposição  das  cubatas  nas  povoações  e  a  forma  destas  ainda 
hoje  se  ressentem  —  principalmente  entre  os  Lundas  —  da  dispo- 
sição e  forma  da  antiga  mussumba  do  estado  do  Muat-Ianvua. 
De  facto  são  as  povoações  dos  Lundas  que  hoje  se  nos  apre- 
sentam em  um  estado  de  maior  atrazo  o  que  aliás  se  não  dá  com 
a  habitação  e  as  povoações;  os  Lundas  pelas  situações  anormais 
por  que  teem  passado,  sujeitos  ao  Muat-Ianvua,  constituem 
actualmente  uma  tribu  que  tende  a  desaparecer. 

Os  Lundas  abusando  do  poder  absoluto  do  seu  Muat-Ianvua, 
ditaram  a  lei  a  todos  os  povos  àlêm  Cuango,  foram  batidos,  per- 
deram o  ânimo  para  a  luta,  recuaram,  abandonando  aos  ven- 
cedores as  suas  terras. 

Destas  tribus  aquela  que  na  construção  das  suas  povoações 
mais  se  tem  afastado  da  disposição  da  antiga  mussumba,  é  a  dos 
Quiocos;  ainda  assim,  as  residências  dos  chefes  são  situadas 
pouco  mais  ou  menos  no  centro  das  povoações,  e  isoladas  por 
largas  ruas. 

O  que  não  resta  a  menor  duvida  é  que  as  povoações  dos 
Quiocos  distinguem-se  pela  boa  ordem  e  disposição  das  habita- 
ções e  cujas  paredes  são  em  geral  barreadas. 

No  que  diz  respeito  a  móveis,  o  mais  importante  é  a  cama. 

A  cama  é  feita  no  recinto  mais  resguardado  da  cubata  e  junto 
a  uma  parede.  É  ela  constituída  por  forquilhas  de  troncos, 
cravados  no  solo,  sobre  que  assentam  varas  resistentes,  longi- 
tudinais e  transversais,  tudo  ligado  e  bem  apertado  por  meio  de 
fibras  vegetais. 

Sobre  esta  espécie  de  estrado,  estende-se  uma  camada  de 
colmo,  duas  ou  mais  esteiras,  e  quem  possue  peles,  põe-as  por 
baixo  das  esteiras. 

Assim  descrita  constitue  esta  cama,  aquilo  que  mais  vulgar- 
mente se  encontra,  havendo  quem  tenha  melhor  e  mais  perfeito. 

Entre  os  móveis  que  usam,  contam-se:  as  prateleiras,  bancos 
e  caixas,  mais  ou  menos  imperfeitas ;  o  almofariz  de  varias  formas 
e  tamanhos,  em  que  podemos  incluir  o  que  serve  para  fazer  a 


DE  ANGOLA 


129 


farinha  da  mandioca;  as  colheres,  pratos,  panelas  e  outras  va- 
silhas de  variadas  formas. 


No  que  diz  respeito  aos  misteres  a  que  estes  povos  se  entre- 
gam, tem  o  primeiro  logar  a  agricultura,  tradicional  e  rudi- 
mentar, mas  de  que  tiram  a  sua  

alimentação  e  o  necessário  para 
a  permuta  de  fazendas  e  outras 
mercadorias  de  que  carecem. 

Os  trabalhos  agrícolas  mais 
pesados  como  sejam  derruba  e 
limpeza  dos  terrenos  destinados 
às  culturas  são  desempenhados 
pelos  homens,  as  sementeiras  e 
colheitas  pertencem  às  mulheres 
o  que  não  quer  dizer  que  entre 
alguns  povos,  não  sejam  coadju- 
vadas, mesmo  noutros  serviços 
pelos  homens. 

As  culturas  principais  são 
as  da  mandioca,  da  jinguba,  do 
do  milho,  do  massango,  do  ta- 
baco e  do  feijão.  Para  a  cultura 
da  mandioca  preparam  troncos 
desta  e  em  pequenas  covas  dis- 
põe-nos  inclinados,  ajustando  a 
terra  contra  estes  troncos  com 
os  pés.  Tratando-se  de  jinguba, 
milho  ou  feijão,  procedem  à 
sementeira,  abrindo  com  os  pés 
pequenas  covas  onde  deixam  cair  três  ou  quatro  sementes,  que, 
igualmente  com  os  pés  cobrem  de  terra.  No  que  diz  respeito  a 
sementes  miúdas  como  as  do  tabaco,  massango  e  outras,  lançam- 
nas  a  eito  à  terra  que  previamente  preparam  com  uma  pequena 
cava. 

Quási  todos  estes  povos  mais  ou  menos  se  dedicam  à  caça, 
sobretudo  os  Quiocos  que  na  caça  ao  elefante  tanto  se  distin- 
guiram, batendo  por  assim  dizer  quási  toda  a  região  da  Lunda 
àlêm  Cuango. 


Tipo  Lunda 


130  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

De  uma  maneira  geral  estes  povos  caçam  o  cavalo  marinho, 
o  javali,  o  boi  bravo  e  diversas  espécies  e.variedade  de  antílopes, 
o  macaco,  o  mabeco,  etc. 

Não  obstante  a  caça  individual  se  exercer  durante  todo  o  ano, 
facto  é  que  o  tempo  próprio  das  grandes  caçadas  é  ao  terminarem 
as  chuvas  na  época  seca.  Antes  da  Caçada  procede-se  à  cerimó- 
nia da  queima  do  capim,  o  que  se  pratica  de  forma  a  deixar 
pequenas  manchas,  afim  de  servirem  de  sombra  à  caça  que  pro- 
curará para  alimento  o  capim  tenro  que  a  seguir  cresce  no  ponto 
que  foi  queimado. 

Para  dar  uma  ideia  nítida  das  grandes  caçadas  passamos  a 
transcrever  de  H.  de  Carvalho  uma  dessas  diversões  venatórias 
presidida  pelo  Muat-Ianvua : 

«O  Muat-lanvua,  e  em  geral  os  potentados  de  lucano  e  miluina, 
quando  vão  para  as  caçadas,  se  é  para  longe  das  suas  residên- 
cias, fazem-se  acompanhar  pelas  suas  comitivas,  e  estabelecem 
acampamento  no  logar  em  que  se  determinou  fazer  a  caçada  do 
ano,  afim  de  se  recolherem  provisões  para  a  época  das  chuvas. 

Nas  vésperas  os  caçadores  tratam  de  fazer  os  chamados  re- 
médios, invocando  os  ídolos  especiais,  e  isto  denominam  uianga, 
para  o  bom  êxito  da  caçada  a  que  se  propõem  ir. 

Estes  remédios  aplicam  se  apenas  exteriormente  ao  corpo  do 
caçador,  e  deles  usa  também  uma  das  suas  mulheres  predilectas, 
que  por  esse  facto  fica  sendo  Na  Caianga  (senhora  que  participa 
no  voto). 

Esta  mulher  não  acompanha  o  caçador,  mas  se  não  resistir 
a  qualquer  tentação  que  possa  dar  motivo  a  perturbar-se  a  paz 
doméstica,  isto  é,  se  descura  da  mais  insignificante  causa  que 
possa  interessar  ao  lar,  se  procura  distracções  sobretudo  com 
outros  rapazes,  embora  essas  distracções  não  passem  de  uma 
dança  ou  de  uma  simples  conversa,  é  certo,  dizem  eles,  que  o 
caçador  erra  as  pontarias,  e  passa  por  caminhos  em  que  tem 
andado  a  caça  sem  a  ver. 

Se  o  caçador  volta  em  dias  sucessivos  e  a  sua  infelicidade  se 
repete,  está  decidido,  a  culpa  é  da  Na  Caianga,  e  êle  regressando 
para  junto  desta,  exige  logo  que  lhe  confesse  tudo  quanto  fez  na 
sua  ausência,  quer  de  noite  quer  de  dia;  e  se  desconfia  ou  está 
prevenido  de  alguma  coisa  que  ela  lhe  não  confessou,  chega  a. 
amarrar-lhe  as  mãos  atrás  das  costas  até  confessar  tudo. 

Daqui  se  originam  questões  importantes,  chegando  a  haver  o 
repúdio  e  a  venda  mesmo  da  mulher,  àlêm  do  crime  que  há  a 


DE   ANGOLA  131 

pagar  se  houve  quem  a  tentasse.  O  crime  consiste  no  prejuizo 
da  uianga  e  das  peças  de  caça  que  o  caçador  perdeu  por  erro 
da  pontaria,  ou  das  que  deixou  de  ver,  e  de  que  havia  indícios 
nos  caminhos  em  que  transitou. 

O  ídolo  é  a  mundele,  figura  tosca  de  madeira,  que  tem  ao  pes- 
coço fiadas  de  missangas  miúdas  e  que  está  dentro  de  umas  pe- 
quenas cubatas  à  entrada  do  mato  e  à  beira  de  um  rio  ou  riacho. 
Veem-se  algumas  vezes  dois  destes  ídolos,  um  de  cada  lado  do 
caminho  que  separa  o  rio. 

Quem  passa  junto  deles  respeita-os,  e  aquele  a  quem  mais 
interessa  o  seu  culto,  se  por  casualidade  tem  de  aí  passar  ou  se 
os  vai  procurar,  leva  consigo  uma  porção  de  fubá  e  uma  porção, 
de  ginguba.  Chegando  ao  pé  do  ídolo  lança  a  fubá  de  modo  a 
formar  uma  cruz  em  que  a  cubata  fica  no  centro,  e  sobre  a  fubá 
põe  a  ginguba  em  montículos  aqui  e  acolá. 

O  mundele  do  Muat-Ianvua  está  numa  cubata  grande  e  aos 
cuidados  de  um  guarda,  havendo  ali  próximo  três  ou  quatro 
cubatas  para  aí  residir  o  Muat-Ianvua. 

Quando  é  chegada  a  época  da  queima  dos  matos,  e  o  Muat- 
Ianvua  a  anuncia  em  audiência  cuinhi  cuoxi  uampata  (queimar 
as  lenhas  do  mato),  todos  tratam  de  se  preparar  para  a  par- 
tida, e  o  Muat-Ianvua  nesse  mesmo  dia,  depois  da  audiência,  vai 
para  junto  do  ídolo,  onde  ninguém  o  vai  perturbar,  e  só  fala  a 
quem  o  manda  chamar;  mas  a  companheira  que  já  o  não  deixa 
até  ao  regresso  da  caçada,  a  Na  Caianga,  essa  só  fala  com  êle  e 
foge  de  ser  vista  por  estranhos. 

Considera-se  log;o  em  malaia,  isto  é,  não  fala  com  pessoa 
alguma  senão  com  o  Muat-Ianvua,  e  é  tal  o  receio  que  se  lhe 
possa  atribuir  a  mais  pequena  contrariedade,  que  prefere  não 
sair  da  residência  cercada  que  se  lhe  destinou  ao  lado  da  que  é 
ocupada  pelo  Muat-Ianvua. 

O  Muat-Ianvua  pela  sua  parte,  durante  todo  esse  tempo  não 
tem  relações  com  outras  mulheres,  nem  mesmo'  com  a  sua  muári, 
e  só  recebe  comida  cosinhada  pela  Na  Caianga,  e  a  bebida  que 
ela  lhe  apresenta ;  porque,  para  os  indígenas  é  ponto  de  fé,  e  nisto 
mais  crentes  são  ainda  os  gentios,  que  os  olhares  de  extranhos 
sobre  a  sua  comida  e  bebida  podem  transformar  estas  em  veneno. 
Assim  se  explica  a  razão  por  que  se  vêem  alguns  potentados,  e 
principalmente  o  Muat-Ianvua,  abrigados  da  vista  dos  curiosos 
quando  comem  ou  bebem. 

Costumávamos  nós  tomar  as  nossas  refeições  ao  ar  livre, 


132  POPULAÇÕES    INDÍGENAS 

sempre  que  o  tempo  o  permitia,  porque  o  calor  era  insuportável 
nas  nossas  barracas  de  lona,  e  isto  em  princípio  causou  bastante 
impressão  ao  Muat-Ianvua,  que  muito  particularmente  foi  pedir 
ao  nosso  intérprete  para  nos  prevenir  de  que  comêssemos  nas 
barracas,  pois  o  olhar  dos  curiosos  sobre  o  que  íamos  comer  nos 
podia  ser  fatal,  por  que  entre  eles  podia  estar  algum  feiticeiro. 
É  só  depois  de  estar  o  Muat-Ianvua  alguns  dias  em  oblações  aos 
ídolos  que  lhe  merecem  mais  devoção,  que  volta  à  sua  anganga, 
e  pelo  toque  do  mondo  faz  anunciar  a  toda  a  corte  o  dia  e  hora 
da  partida  para  a  excursão  venatória.  Como  a  ordem  seguida 
nas  marchas  é  sempre  a  mesma,  neste  título  fica  compreendida 
a  que  se  segue  para  as  jornadas,  visitas,  etc. 


Lunda  —  Pescadores  preparando  as  redes 

Pouco  se  caça  no  tempo  das  chuvas,  principalmente  quando 
os  capins  teem  atingido  a  grande  altura ;  mas  ainda  assim  há 
caçadores  felizes,  que,  por  andarem  sempre  prevenidos  com  a 
sua  arma  obteem  alguma  caça. 

Há  ainda  quem  use  com  vantagens  das  flechas  e  das  maças 
na  caça ;  porém  apontam-se  os  que  se  teem  distinguido  com  as 
maças,  pelo  facto  de  serem  curtas  e  ser  necessário  expôr-se  o 
caçador  a  lutar  corpo  a  corpo  com  o  animal,  o  que  é  deveras 
perigoso,  principalmente  sendo  animais  ferozes. 

É  preciso  haver  muita  certeza  na  pancada  para  o  animal  cair 
logo,  e  poder  o  caçador  tirar  imediatamente  partido  dessa  van- 
tagem. 

Com  respeito  às  flechas,  pode  dizer-se  que  entre  os  povos 
por  mim  visitados,  pouco  se  usa  hoje  delas,  a  não  ser  nas  arma- 


t>E  ANGOLA  .133 

dilhas;  porém  os  Uandas  teem  ainda  a  flecha  como  a  sua  ida 
(arma).  A  folha  de  ferro  envenenada,  uns  dizem  com  um  veneno 
muito  subtil  vegetal,  outros  com  peçonha  de  cobra. 

Nos  últimos  anos  os  Quiocos  deixaram  de  ir  fazer  incursões 
aqueles  povos,  porque  dizem  eles  que  os  Uandas  colocavam  entre 
o  capim  pequenas  pontas  de  ferro  envenenadas  que  feriam  os  pés 
dos  expedicionários  e  de  que  resultava  grande  mortandade. 

As  flechas  que  os  indígenas  em  geral  usam  nas  armadilhas, 
bem  como  a  isca  que  colocam  nas  do  peixe,  são  untadas  com  o 
suco  de  certas  plantas,  que  eles  dizem  venenosas  para  o  animal, 
mas  cujo  veneno  se  localiza  na  parte  ofendida  que  eles  reconhe- 
cem pelas  manchas  e  que  deitam  fora,  comendo  o  restante  sem 
receio  de  que  lhes  faça  mal». 

Exercem  a  pesca  por  processos  idênticos  aos  descritos  para 
os  Bangalas. 


Alem  dos  objectos  de  madeira  por  estes  povos  usados  e  já 
indicados,  fabricam  igualmente  a  canoa  (uatu)  para  a  travessia 
e  navegação  dos  rios,  empregando  a  mafumeira,  que  a  machado 
preparam,  tirando-lhe  a  casca  e  escavando-a  interiormente  no 
sentido  do  maior  diâmetro,  como  já  tivemos  ocasião  de  indicar 
para  outras  tribus. 

Como  os  Bangalas  entregam-se  estes  povos  a  trabalhos  rudi- 
mentares de  cerâmica,  sobre  que  nada  mais  temos  a  acrescentar 
ao  que  sobre  o  assunto  referimos  ao  tratar  daquela  tribu,  a  não 
ser  que  são  os  Quiocos  os  que  empregam  os  processos  menos 
primitivos  da  roda  de  moldar,  igualmente  usada  pelos  Bangalas. 
Como  tivemos  ocasião  já  de  dizer  a  grande  maioria  destes  povos 
usam  tecidos  por  eles  fabricados.  Tecem-nos  em  um  tear  especial 
em  tudo  semelhante  ao  que  reproduzimos  ao  tratar  dos  N^golas. 
O  processo  é  muito  simples.  Sobre  uma  travessa  colocada  hori- 
sontalmente  ao  alto  e  fixa,  e  sobre  uma  outra  paralela  inferior 
e  móvel,  se  dispõem  os  fios,  uns  ao  lado  dos  outros,  em  toda  a 
largura  que  se  pretende  dar  à  fazenda,  e  a  começar  de  baixo 
para  cima  se  vão  dispondo  outros  fios  transversais  entre  as  duas 
ordens  de  fio  verticais,  cruzando-se  depois  estes  passando-os 
entre  elas  uma  régua  de  madeira  com  que  batem  duas  ou  três 
pancadas  sobre  o  cruzamento  dos  fios  verticais  com  os  transver- 
sais e  assim  seguidamente  até  se  tocar  na  travessa  sempre  fixa, 


134  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Das  fibras  de  plantas  textis  fazem  esteiras,  chapéus,  cestos, 
peneiras,  bandejas,  malas,  sacos,  bolsas,  etc. 

Neste  mister  são  muito  perfeitos,  não  tanto  como  os  indígenas 
ribeirinhos  do  Zaire,  mas  por  certo  depois  daqueles  os  que  na 
província  mais  aptidões  mostram  para  aquele  mister. 

Em  trabalhos  de  metalurgia  distinguem-se,  não  só  entre  as 
tribus  em  estudo,  como  entre  as  restantes  que  habitam  a  pro- 
víncia, os  Quiocos. 

Desde  longa  data  que  os  Quiocos  vêem  precedidos  da  fama  de 
ferreiros  exímios,  fabricando  as  alfaias  agrícolas  tradicionais  e 
sobretudo  toda  a  espécie  de  zagaia  e  ferros  de  lança,  de  varia- 
díssimas formas  e  feitios,  que  se  encontram  espalhados  e  por  eles 
introduzidos  em  quási  toda  a  parte  leste  do  distrito  de  Benguela. 

A  profissão  de  ferreiro  é  sempre  honrosa  e  os  indivíduos  que 
a  ela  se  entregam  gosam  sempre  de  prerogativas,  em  tudo  seme- 
lhantes aquelas,  com  que  distinguimos  os  homens  que  entre  nós 
se  evidenceiam  pelo  seu  talento  e  saber. 

Álêm  dos  misteres  indicados,  dedieam-se  estes  povos  ao  fabrico 
de  toda  a  espécie  de  cordas  e  atilhos  que  empregam  em  seu  uso, 
bem  assim  como  as  tribus  de  àquêm  Cuango,  onde  existem  sali- 
nas, se  entregam  à  sua  exploração  tradicional,  levando  o  sal 
misturado  com  terra,  para  o  comércio  da  permuta  com  os  povos 
àlêm  Cuango  onde  êle  não  existe  e  é  considerado  um  produto  de 
grande  estimação,  atingindo  preços  elevados. 

Como  é  de  supor  as  tribus  da  Lunda  ocupando  vastíssimas 
regiões  da  província,  falam  vários  dialectos,  um  pelo  menos,  por 
cada  tribu. 

Estes  dialectos,  tendo  como  origem  comum  a  língua  falada  na 
Mussumba  do  estado  de  Muat-Ianvua,  diferenciam-se  pelas  mo- 
dificações que  a  cada  um  dos  povos  que  as  falam  trouxe  o  con- 
tacto com  as  tribus  com  quem  mais  tem  privado.  Isso  não  é 
difícil  de  constatar  com  os  Holos  e  Bondos,  cujo  dialecto  está 
influenciado  pelo  Kicongo,  os  Massongos  pelo  dialecto  de  Malange, 
e  os  Quiocos  pelo  Umbundu. 

O  estudo  dos  dialectos  dos  povos  da  Lunda,  e  sobretudo  o 
da  tribu  Lunda,  que  pelo  seu  isolamento,  mais  se  deve  aproximar 
da  língua  falada  no  estado  Muat-Ianvua,  em  que  os  prefixos  das 


DE   ANGOLA 


135 


classes  são  idênticos  aos  dos  dialectos  do  Kimbundu,  mostra-nos, 
mesmo  que  superficialmente  feito  com  os  nossos  pouco  profundos 
conhecimentos  da  linguística  destes  povos,  que  podemos  enquadrar 
os  dialectos  da  Lunda  como  pertencendo  ao  Kimbundu,  ou  melhor 
que  tanto  os  dialectos  falados  pelas  tribus  da  Lunda,  como  aque- 
les que  são  falados  pelos  Ngolas,  Dembos,  Gingas,  Kissamas  e 
Libolos,  são  dialectos  da  língua  falada  no  Muat-Ianvua  que  seria 
o  verdadeiro  Kimbundu. 

É  esta  a  nossa  opinião,  sobretudo  fundada  na  forma  como  se 
deram  as  migrações  e  a  influência  que  elas  tiveram  nas  regiões 
que  actualmente  constituem  os  distritos  de  Loanda  e  Cuanza. 


Lundas  —  Fabrico  de  armadilhas  de  pesca 


Para  este  interessante  assunto  chamamos  a  atenção  dos  que 
mais  particularmente  se  teem  entregado  a  estudos  linguísticos, 
crentes  que  o  estudo  detalhado  e  profundo  dos  diversos  dialectos 
daqueles  povos  nos  dará  razão. 


Como  todos  os  indígenas  da  raça  negra  são  dados  à  musica, 
que  é  sempre  mais  ou  menos  melodiosa. 

O  canto  é  em  geral  composto  de  duas  partes,  a  cantante  se- 
guida de  um  ou  mais  coros.  A  parte  cantante  é  às  vezes  feita 
por  qualquer  dos  instrumentos  de  música  por  eles  usados. 

Entre  estes  instrumentos  de  música  conta-se  o  Kissangi,  cons- 
tituído por   uma  pequena  caixa  de  madeira  a  que  muitos  adi- 


136  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

cionam  uma  pequena  cabaça  para  aumentar  a  resonância,  sobre 
a  qual  está  fixo  um  pequeno  cavalete  de  ferro,  disposto  trans- 
versalmente, e  que  serve  de  apoio  a  lâminas  do  mesmo  metal  e 
de  diversos  tamanhos  que  constituem  o  teclado  do  instrumento. 

Toca-se  com  os  dedos  polegares,  passando  todos  os  outros 
dedos  por  baixo  da  caixa. 

São  igualmente  de  uso  vulgar  as  conhecidas  marimbas  a  que 
já  tivemos  ocasião  de  nos  referirmos  tratando  de  outras  tríbus. 

No  número  das  marimbas  incluem  um  instrumento  de  ferro 
em  forma  de  ferradura  e  em  que  os  ramos  desta  são  dois  vasos 
estreitos  e  compridos,  uma  espécie  de  chucalhos.  Suspendem  o 
instrumento  por  fios  de  fibra  na  mão  esquerda,  tocando-o  com 
a  mão  direita  por  percussão  com  uma  varinha  de  ferro,  que 
percorrendo  as  paredes  dos  vasos  de  alto  a  baixo  e  ora  num  ora 
noutro,  produz  todas  as  notas  que  encontram  no  kissanji  e  nas 
marimbas. 

Fazem  em  geral  muito  uso  deste  instrumento  os  Quiocos  e 
Lundas. 

Usam  uma  espécie  de  flautim,  tocado  por  uma  abertura  em 
viez,  aberta  próximo  de  um  lado,  e  com  cinco  orifícios,  situados 
aos  lados  e  a  meio,  conforme  faz  mais  geito  para  tapar  com  os 
dedos  de  ambas  as  mãos. 

Um  outro  instrumento  de  sopro  é  constituído  por  um  cilindro 
de  madeira,  que  se  pode  furar  com  facilidade  de  um  extremo 
até  próximo  do  outro,  que  fica  tapado.  A  pequena  distância  do 
fundo  fura-se  também  de  lado  a  lado,  e  os  buracos  que  se  obteem 
no  sentido  oposto  tapam-se  alternadamente  com  o  polegar  e  index 
da  mão  direita,  para  produzir  outros  sons. 

Teem  uma  grande  variedade  de  instrumentos  de  pancadaria, 
alguns  adoptados  como  insígnias  de  estado,  como  era  de  uso  no 
Estado  de  Muat-Ianvua.  Não  obstante  variarem  no  tamanho  e 
forma,  são  em  geral  estes  instrumentos  feitos  de  uma  só  peça, 
um  tronco  de  uma  árvore  resistente  e  leve,  que  excava  interior- 
mente e  a  que  se  adapta  em  uma  das  extremidades  ou  nas  duas 
uma  pele. 

Àlêm  do  canto,  a  dança  é  uma  das  diversões  que  mais  en- 
tretém estes  povos. 

A  dança  é  monótona  e  quási  sempre  de  roda,  estando  ao 
centro  dela  os  tocadores;  consiste  em  movimentos  cadenciados 
mais  ou  menos  rápidos  do  corpo,  andando-se  sempre  de  roda  e 
mudando-se  de  posição  segundo  a  dança. 


DÈ    ANGOLA  137 


No  que  diz  respeito  a  conhecimentos  scientíficos  e  faculdades 
intelectuais  destes  povos,  para  aqui  passamos  a  transcrever  os 
seguintes  trechos  de  H.  de  Carvalho : 

«Que  o  negro  se  não  aperfeiçoa,  que  estacionou,  ou  que  não 
pode  chegar  a  nivelar-se  com  o  branco,  são  teorias  que  teem 
encontrado  prosélitos.  Mas  os  seus  artefactos,  os  seus  usos  e 
costumes  revelam  já  a  quem  atente  devidamente  nestes  povos, 
esquecendo  o  progresso  da  raça  branca,  ou  que  tenha  em  vista 
as  transições  porque  estes  teem  passado  desde  os  primitivos 
tempos,  que  há  na  raça  de  que  me  ocupo  um  aperfeiçoamento 
devido  às  modificações  que  teem  experimentado  com  o  tempo  e 
pelo  contacto  que  vão  tendo  com  os  povos  civilizados.  E  ainda 
mais  se  compararmos  esses  artefactos,  usos  e  costumes  entre 
tribus,  vizinhas  mesmo,  e  virmos  que  se  dão  diferenças,  aper- 
feiçoamentos relativos  devido  à  melhor  compreensão  das  suas 
necessidades. 

Encaminhe-se  essa  compreensão  e  desenvolver-se  há. 

O  sistema  de  numeração,  por  exemplo,  que  se  encontra  na 
região  de  que  trato  é  uniforme,  e  conta-se  lá  até  mil.  Talvez 
que  fora  dos  limites  desta  região  para  norte  e  sul  se  não  tenha 
conhecido  sistema  que  vá  tão  longe.  Se  porém  não  se  encontram 
ainda  os  vocábulos  correspondentes,  quem  pode  afiançar  que  não 
seja  por  falta  de  investigações? 

Entre  as  tribus  que  conheço  de  perto,  dá-se  o  seguinte  caso: 

Uma  peça  de  fazenda  é  considerada  equivalente  a  mil  e  duzentos 
bagos  de  missanga  grossa  Maria-segunda,  e  a  dois  mil  da  fina. 

Os  massos  vão  dispostos  das  fábricas  europeias  aos  fios, 
contendo  cada  um  de  quarenta  e  seis  a  sessenta  bagos,  e  os  ne- 
gociantes que  os  trazem  para  estas  tribus,  já  os  dispõem  no  ca- 
minho como  elas  os  aceitam  para  negócios,  em  fios  de  seis  ou 
dez  bagos  conforme  a  missanga  é  grossa  ou  fina,  e  reúnem  cem 
destes  fios,  unidade  equivalente  a  uma  divunga  (um  pano)  ou 
quatro  bandos  de  fazenda  (3m,52  a  4m,80). 

Se  teem  de  pagar  vinte  panos  com  aquela  missanga  entregam 
vinte  destes  massetes — doze  mil  bagos  da  grossa  ou  vinte  mil 
da  fina  —  e  tudo  é  verificado  pelo  negro  com  a  maior  minuciosi- 
dade,  havendo  às  vezes  reclamações  por  falta  do  número. 
10 


138  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Os  negociantes,  sendo  também  negros  africanos  de  outras 
proveniências,  é  de  crer  que  tendo  o  vocábulo  para  dez  dezenas, 
possam  contar  àlêm  deste  número. 

Há  quem  afiance  que  entre  certos  povos  africanos  não  exis- 
tem vocábulos  que  designem  as  notas  musicais,  e  que  os  que 
designam  as  cores  se  limitam  à  indicação  de  escuro  e  claro ;  mas 
eu  julgo  que  ainda  se  não  fizeram  as  indispensáveis  investigações. 
As  teclas  das  marimbas  tanto  de  cabaças  como  de  ferrinhos,  de 
que  falei  em  outro  capítulo,  figurei-as  com  os  seus  nomes  e  por 
aí  se  vê  que  destinguem  as  notas  e  as  nomeiam. 

Tratando-se  das  cores  de  missangas  eles  dizem  claro  como  ceu, 
escura  como  a  água  do  Luembe,  teem  portanto  a  ideia  do  azul 
claro  e  do  azuloio;  e  da  mesma  sorte  do  verde,  quando  dizem: 
claro  como  chiquengaele  (folha  da  abóbora)  e  escuro  como  clitanda 
(folha  de  mandioca) ;  do  amarelo :  claro  como  mutenganhe  abó- 
bora), escuro  como  chissu?npe  (cabaça  para  água),  etc,  e  para  o 
vermelho  já  teem  a  palavra  sunza. 

Para  o  desenho  encontramos  nestes  povos  as  mesmas  aptidões, 
mas  em  graus  relativos  de  adeantamento  de  uns  para  outros,  o 
que  se  demonstra  pelos  seus  artefactos,  já  riscando,  já  gravando 
com  estiletes  ou  pontas  de  ferro,  já  dispondo  os  fios  a  que  dão 
variadas  cores  nos  seus  tecidos,  ,já  distribuindo  as  missangas 
segundo  as  cores  e  quantidades  de  que  dispõem  em  objectos  de 
ornamentação,  etc. 

E  é  notável  que  fazem  esses  variados  debuxos  segundo  o  que 
imaginaram,  e  sem  ter  um  desenho  à  vista,  havendo  muita  cer- 
teza no  que  respeita  à  simetria. 

Os  desenhos  na  verdade  são  ainda  muito  rudimentares,  por 
que  eles  só  tratam  de  imitar  as  formas  do  que  lhes  é  dado  ver, 
e  subordinam-se  aos  traços  que  à  sua  imaginação  ocorrem. 

É  ainda  na  natureza  que  buscam  os  modelos  do  que  lhes  é 
mais  indispensável  aos  usos  da  vida,  o  que  se  nota  mais  e  muito 
principalmente  nos  objectos  que  fazem  de  barro  para  o  que  lhes 
servem  de  modelo  os  fundos  de  cabaças  de  maiores  ou  menores 
dimensões. 

Não  diremos  que  teem  conhecimentos  ou  mesmo  noções  de 
astronomia,  porem  é  certo  que  distinguem  alguns  astros  por 
nomes  especiais  e  deduzem  consequências,  pode  mesmo  dizer-se 
leis,  pelo  exame  do  aspecto  com  que  se  lhes  apresentam  e  da  sua 
situação  relativa  segundo  as  épocas  em  que  os  podem  ver. 

Assim  no  Luambata  dizem  em  março  os  Lundas :    Só  quando 


DE   ANGOLA  139 

o  caçador  no  princípio  da  noite  tiver  passado  o  rio  Luiza  é  que 
se  devem  queimar  os  matos.  Queriam  dizer  que  terminada  a 
estação  das  chuvas. 

Das  três  estrelas  que  constituem  o  grupo  denominado  Orion, 
a  mais  setentrional,  que  segundo  eles  vai  na  descida,  fugindo,  é 
nama  (caça),  a  que  lhe  fica  atraz,  mas  um  pouco  para  lado, 
cábua  (cão)  e  a  que  a  segue  muata  chibinda  (o  senhor  caçador). 

Ás  estrelas  mais  distantes  de  mínima  grandeza  e  muito  unidas, 
que  se  lhes  apresentam  à  vista  como  poeira  luminosa,  chamam 
tutúa  missele  (rapazes  e  raparigas  que  pisam  os  grãos  de  milho). 
Uma  estrela  para  eles  é  catumbo,  e  o  seu  plural  tutumbo ;  porém 
para  os  planetas  tem  vocábulo  próprio  a  cada  um,  de  significação 
especial,  e  os  que  pude  apurar  são :  bamguebamgue,  é  Marte,  e 
gostam  dele  porque  lhes  anuncia  que  se  aproxima  abundância  de 
peixe  e  de  caça,  quando  lhes  aparece  logo  no  começo  da  noite; 
muíza  muianda  ou  muíza  enchia  é  Vénus,  que  sempre  caminha 
para  o  norte  ou  aparece  de  madrugada,  anda  sempre  de  cima 
para  baixo  vendo  a  colheita  das  lavras,  e  ausenta-se  para  se 
fazerem  novas  plantações;  catumbo  cá  lucano  é  Saturno,  estrela 
com  anel. 

Á  Estrela  errante  chamam  chissongo,  ao  Cruzeiro  do  sul, 
mua?nbo  mu  tutumbo;  ao  Escorpião,  nhaca  uã  tutumbo,  (cobra 
de  estrelas) ;  à  via  Láctea,  mucombele  diá  anzâmbi  (caminho  de 
Deus) ;  a  quatro  estrelas  dispostas  em  quadro,  embora  irregular, 
chipanga  chia  tutumbo  (cerco  de  estrelas) ;  se  a  lua  está  circun- 
dada de  um  halo  angonde  uá  tetame  (a  lua  está  na  audiência); 
e  se  um  planeta  está  dentro  do  halo,  esse  é  a  muàri,  que  veiu 
nesse  dia  acompanhar  o  Muat-Ianvua,  designação  que  nesse  caso 
tem  a  lua. 

Sempre  que  aparece  a  lua  nova,  visível  antes  do  pôr  do  sol 
ou  logo  em  seguida  ao  seu  ocaso,  o  primeiro  que  a  vê  dá  logo 
sinal  nos  instrumentos  de  pancada,  e  todos  começam  gritando  e 
tocando  nos  seus  instrumentos  para  que  o  sol  não  enfeitice  aquela 
lua.  Se  a  sua  face  iluminada  se  lhes  apresenta  pouco  levantada, 
é  sinal  para  eles  de  que  traz  pouca  chuva,  o  que  umas  vezes  lhes 
agrada  outras  não;  se  ela  se  apresenta  deitada  de  todo,  traz 
muita  chuva,  mas  pode  vir  acompanhada  de  frequentes  descargas 
eléctricas,  o  que  também  segundo  a  época,  lhes  pode  ser  vanta- 
joso ou  não. 

Dividem  o  ano  em  duas  épocas  distintas :  —  a  das  chuvas,  de 
setembro  a  abril,  e  a  das  pescas  de  abril  a  setembro,  ua  lunvala 


140  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

muva  e  chipo  muva;  porém  a  primeira  subdivide-se  de  setembro 
a  janeiro  musange  uá  anvula,  de  janeiro  a  fevereiro  quianga  uá 
chiangala,  de  fevereiro  a  abril  anvula  asuégi. 

As  luas  teem  diferentes  denominações,  por  exemplo :  de  boas 
para  lavouras,  ou  más,  de  infelicidade,  de  abundância  de  caça, 
da  qualidade  de  sementeira  a  fazer,  etc. 

É  certo  para  eles,  que  havendo  grande  movimento  de  estrelas 
cadentes,  novidade  má  está  para  vir,  como  guerras,  morte  de 
pessoa  de  importância  ou  fome. 


í 


Massongo  —  Aparelhos  de  pesca 

A  morte  do  Governador  de  Mataba  em  seguida  ã  morte  do 
Muat-Ianvua  Muriba,  em  guerra  contra  os  Quiocos,  fora  predita 
por  alguns  em  uma  noite  em  que  era  grande  o  movimento  dessas 
estrelas. 

Também  notámos  que  fazem  distinção  entre  amuletos  e 
ídolos.  O  ídolo  é  um  ente  imaginário  e  fazendo  tudo  que  lhes 
lembra  e  que  podem' para  contentá-lo,  não  conhecem  o  que  mais 
possa  agradar-lhe  para  satisfação  dos  seus  desejos;  enquanto  que 
o  amuleto  representa  para  eles  uma  coisa  real,  e  usam  daqueles 
que  reconhecem  de  efeito  para  determinados  fins,  isto  é,  com  a 
virtude  de  afastar  malefícios,  doenças,  acidentes,  etc,  que  re- 
ceiam.   Admitem  a  possibilidade  de  um  ídolo  feiticeiro,  porém 


DE   ANGOLA  141 

negam  a  sua  existência,  e  se  alguém  o  quisesse  representar  é 
porque  era  o  próprio,  ou  tinha  contacto  com  êle  devendo  logo 
ser  morto. 

Na  sua  maneira  de  falar  também  se  revela  inteligência. 

Os  seus  argumentos  baseiam-se  sempre  em  imagens  com  que 
estabelecem  as  suas  comparações  para  tirarem  as  suas  conclusões, 
que  na  realidade,  são  verdadeiros  inigmas. 

Para  me  justificarem,  por  exemplo,  o  motivo  por  que  a  gente 
da  Lunda  fora  esconder-se  nos  matos  e  no  capim,  abandonando 
as  casas  e  terras,  quando  vinham  os  Quiocos,  e  não  tratava  de 
se  defender,  diziam :  ancala  batame,  mema  masuta  (o  caranguejo 
esconde-se,  a  água  passa) :  o  que  eu  interpretei :  —  contra  a  força 
não.  há  resistência. 

Queixando-me  uma  ocasião  ao  Muat-Ianvua,  de  que  a  sua 
gente  era  muito  impertinente,  pois  todos  os  dias  me  cercava  a 
barraca,  e  me  tapava  a  porta,  não  me  deixando  trabalhar,  ti- 
rando-me  o  ar  e  a  luz,  respondeu-me: — murundanâmi,  eiêmuana 
mueinhe  mulambúdi,  chicumbo  chia  cutunguila  muanjila  ambanda 
cussota  acúmi  —  o  meu  amigo  é  a  visita  do  Mulambúdi  (passarinho 
que  canta  muito)  que  faz  a  sua  residência  no  caminho,  porque 
quer  dez  mulheres. 

Queria  êle  dizer  que  dependendo  de  mim  a  saída  da  fazenda 
e  outros  artigos  de  comércio  para  o  mercado,  todos  me  rodeavam. 

Os  artigos  do  comércio  neste  caso  eram  o  canto  do  tal  pas- 
sarinho, e  por  conseguinte  eu  devia  estar  muito  satisfeito,  como 
êle,  quando  era  cercado  pelas  fêmeas,  a  quem  êle  atraía  com  os 
seus  gorgeios. 

III.  —  Da  vida  familial 

O  nascimento.  —  A  educação.  —  A  inicia- 
ção. —  O  casamento.  —  A  família.  —  A 
morte.  —  A  religião,  ritos,  culto,  divin- 
dades e  sacerdócio. 

Logo  nos  primeiros  meses  de  gravidez  manifestam-se  os  cui- 
dados dos  pais,  principalmente  pelas  consultas  aos  adivinhos,  e 
pelos  remédios  administrados,  de  forma  a  encaminhar  as  coisas 
para  o  bom  êxito  do  parto. 

Aparecendo  os  primeiros  sintomas  do  parto,  vêem  para  junto 
da  parturiente  todas  as  mulheres,  parentas  e  amigas  que  já  pas- 
saram por  esse  transe  afim  de  assistir  e  indicar  o  que  se  deve 


142  POPULAÇÕES    INDÍGENAS 

fazer.  A  parturiente  coloca-se  de  bruços,  segurando-se  com  ambas 
as  mãos  a  uma  travessa  de  madeira,  que  para  esse  fim  se  coloca 
atravessada  de  uma  a  outra  parede  da  cubata,  fazendo  todos  os 
esforços  para  a  creança  nascer. 

Fora  da  cubata,  o  pai  com  os  adivinhos  procedem  às  cerimó- 
nias indispensáveis  para  com  os  respectivos  feitiços,  pedindó-lhes 
que  a  creança  nasça  sem  os  braços  e  pernas  partidas,  com  bons 
olhos,  que  a  mãe  não  fique  aleijada,  etc.  Nestas  invocações 
fazem  um  barulho  ensurdecedor  que  vai  aumentando  e  que  se 
torna  verdadeiramente  infernal  no  momento  crítico  do  parto, 
principalmente  quando  este  é  difícil,  porque  então  as  mulheres, 
abandonando  a  parturiente  vêem  para  fora  da  cubata  gesticular 
e  gritar,  como  que  afastando  o  influxo  do  mau  feiticeiro,  que 
está  a  prejudicar  o  parto. 

Nascida  a  creança,  dentro  da  cubata  dão  o  sinal  com  palmas 
para  os  de  fora,  que  manisíestam  o  seu  regosijo  com  assobios, 
tiros  e  saltos ;  a  mãe  repousa  e  o  pai  espera  sentado  à  porta  da 
cubata  que  comecem  a  chegar  os  presentes  dos  parentes  e  amigos. 

Logo  que  a  mãe  lhe  dá  de  mamar  recebe  a  creança  o  pri- 
meiro nome,  é  o  nome  do  leite. 

Ao  contrário  do  que  sucede  com  outras  tribus,  não  são  os 
pais  que  dão  o  nome  aos  filhos,  mas  sim  estes  que  reúnem  ao  seu 
nome  do  leite  o  da  mãe. 

As  creanças  mamam  até  muito  tarde,  dois  e  três  anos,  não 
passando  isto  de  uma  guloseima,  por  quanto  é  rara  a  mãe  que 
ao  fim  de  um  mês  não  dá  ao  recemnascido  caldos  grossos  de 
amido  da  mandioca,  ou  não  o  faz  chupar  bolos  feitos  da  massa 
ou  papas  da  mandioca. 


Os  filhos  até  aos  seis  anos  estão  entregues  ao  cuidado  das 
mães,  desta  idade  em  deante  os  rapazes  começam  a  acompanhar 
os  pais,  continuando  as  raparigas  mais  ou  meuos  ao  cuidado  das 
mães. 

Uns  e  outros  são  sujeitos  a  cerimónias  e  práticas,  os  rapazes 
dos  oito  para  nove  anos  e  as  raparigas  pouco  antes  da  puber- 
dade. 

Para  os  rapazes  é  a  circuncisão,  a  que  denominam  cata  mu- 
gungue  e  para  as  raparigas,  a  cata  quiuila,  e  que  consiste  na 
ablação  dos  grandes  lábios  da  vagina.   Estas  operações  são  feitas 


DE   ANGOLA  143 

respectivamente  pelo  ganga  especialista  na  circuncisão  e  por  uma 
mulher  idosa  para  as  raparigas,  que  em  cubatas  especiais  operam 
e  conservam  as  pacientes  até  completa  cicatrização,  não  podendo 
durante  o  período  de  tempo  que  ali  se  conservam  ter  relações 
senão  com  os  respectivos  operadores. 


#       # 


O  casamento  é  a  maior  ambição  dos  rapazes,  ambição  filha 
não  só  de  constituir  família  que  os  auxilie  nos  seus  misteres, 
como  igualmente  por  esse  facto  lhes  dar  uma  outra  ostentação/ 

Para  procurarem  mulher  ou  se  servem  dos  chefes  gentílicos 
ou  dos  chefes  de  família  ou  ainda,  se  bem  que  raramente, -pro- 
curam sequestrar  a  sua  futura  companheira. 

«O  pretendente  —  escreve  H.  de  Carvalho  —  tem  de  dar 
sempre  presentes  de  alimentos,  de  fazendas  e  outros  objectos  à 
noiva,  aos  pais  e  aos  potentados,  que  de  algum  modo  hajam  in- 
tervido  no  seu  enlace;  e  fazem-se  as  festas  mais  ou  menos  rui- 
dosas nos  primeiros  dias  de  bodas,  havendo  sempre  danças  que 
se  prolongam  durante  a  noite. 

Se  os  pretendentes  são  indivíduos  que  teem  posses,  àlêm  de 
vestirem  a  noiva  e  pais,  ainda  vestem  os  parentes  mais  chegados  e 
mesmo  os  amigos,  e  nunca  esquecem  de  contemplar  os  potentados. 

Nos  povos  dentro  da  nossa  província,  são  importantes  essas 
dádivas,  porque  fazem  parte  delas  cabeças  de  gado  e  aguardente 
em  quantidade. 

Entre  os  Quiocos,  é  da  praxe  nada  se  dar  aos  pais  e  parentes, 
pois  isso  para  eles  seria  escravisar  a  noiva  o  que  de  modo  algum 
eles  querem  que  alguém  possa  pensar  sequer. 

No  Lubuco  também  há  a  máxima  liberdade  no  que  respeita 
ao  casamento,  e  as  festas  só  se  realizam  no  dia  em  que  a  rapa- 
riga  é  concedida  ao  rapaz  que  a  pretende,  sendo  ela  previamente 
ouvida,  e  nunca  obrigada  a  aceitá-lo. 

Os  presentes  que  fazem  os  pretendentes  Lundas  e  de  outras 
tribus,  até  na  província  de  Angola,  teem  alguns  considerado 
como  compra  da  noiva;  mas  não  devem  assim  ser  tomados. 

Faz-se  venda  só  de  mulher  que  pertence  à  classe  inferior,  ou 
é  serva  na  família,  ou  de  mulher  que  o  seu  companheiro  repu- 
diou, e  que  passe  aquela  classe;  mas  essas  vendas  só  se  fazem  a 
indivíduos  estranhos  à  povoação. 


144  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Geralmente  nas  comitivas  de  comércio  que  vão  à  Lunda,  vão 
sempre  indivíduos  com  o  fito  de  encontrarem  entre  as  mulheres 
destinadas  a  passar  como  moeda  nas  transações,  alguma  que  lhes 
agrade  para  companheira,  não  obstante  a  terem  já,  e  às  vezes 
mais  de  uma  nas  suas  terras.  É  uma  companheira  que  só  tomam 
para  a  viagem,  mas  resulta  tomarem-lhe  afeição  e  terem  filhos 
dela.  Essa  mulher,  portando-se  bem,  passa  pelo  seu  companheiro 
a  ser  considerada,  e  se  na  terra  êle  já  tiver  uma,  sempre  que  ela 
saia,  é  aquela  que  o  acompanha,  e  se  a  não  tiver,  passa  ela  a  ser 
senhora  da  casa  ficando  ela  a  governá-la  na  sua  ausência. 

As  mulheres  que  se  compram  ao  agrado  do  pretendente, 
custam-lhe  caras,  regulando  entre  vinte  e  trinta  peças,  valor 
superior  a  20$000. 

Os  potentados  Quiocos,  ultimamente,  fixaram  como  praxe, 
para  viverem  em  boa  harmonia  com  os  vizinhos  Lundas  exigirem- 
lhes  como  tributo  uma  parenta  para  mulher  deles.  Os  potentados 
Lundas,  que  se  teem  prestado  a  tal  concessão  como  por  exemplo 
o  Caungula  de  Mataba  com  Muiocoto,  Quimbundo  com  Quissengue, 
e  Muansansa  com  Quiniama  teem  vivido  em  boas  relações. 

Essas  mulheres  são  muito  estimadas  pelos  Quiocos  e  se  não 
são  as  suas  primeiras  mulheres  teem  consideração  como  estas. 

Os  potentados  Quiocos,  quando  em  resultado  das  incursões  ou 
mesmo  de  guerras  com  os  Lundas  recebem  nas  presas  muitas 
mulheres,  reservam  duas  ou  três  para  suas  casas,  e  distribuem 
o  resto  pelos  rapazes  da  povoação,  comtemplando  em  primeiro 
logar  os  que  não  tenham  nenhuma  para  companheira,  sendo 
também  muito  estimadas.  Até  agora  os  Quiocos  entre  o  Cuango 
e  Cassai  compram  mas  não  vendem  gente,  o  que  já  não  sucede 
com  os  de  além  do  Cassai,  que  vão  vendê-la  ao  sul. 

O  Quioco  é  muito  cioso  da  sua  companheira,  e  desgraçada 
daquela  que  o  atraiçoar.  Desaparece  não  se  sabendo  como, 
atribuindo-se  a  sua  ausência  a  obra  de  feitiço. 

As  mulheres  Lundas,  que  por  vontade  ou  obrigadas  se  vão 
ligar  aos  Quiocos,  são  muito  bem  tratadas  por  estes,  e  passado 
pouco  tempo,  se  voltam  à  tribu  a  que  pertenceram,  já  se  distin- 
guem das  suas  companheiras,  não  só  pela  grande  quantidade  de 
missangas  que  trazem  sobre  o  peito,  pelos  penteados  e  pelo  trajo, 
mas  ainda  pela  nutrição,  hábitos  que  adquiriram,  gestos  e  lin- 
guagem. E  tal  é  a  superioridade  que  reconhecem  ter  adquirido, 
que  já  falam  com  certo  desprêso  com  aquelas  que  se  destacam 


DE   ANGOLA 


145 


delas  mais  pelos  seus  modos  humildes,  gestos  acanhados  e  formas 
enfezadas! 

Existe  a  poligamia  que  é  comum  aos  homens  de  melhor 
posição,  mas  fazem  grande  distinção  da  primeira  mulher  e  alguns 
da  segunda. 

Alguns  homens  destes  povos  teem  raparigas,  principalmente 
se  o  local  é  concorrido  por  ca- 
ravanas, para  negócios  pouco 
lícitos,  incitando-as  a  provocar 
relações  sexuais  com  os  estran- 
geiros, com  o  fim  de  apanhar 
as  dádivas  que  elas  possam 
colher. 

«As  raparigas  vêem  ao  en- 
contro dos  negociantes,  e  mesmo 
carregadores  de  uma  expedição, 
trazem-lhes  fubá,  carne  ou 
peixe,  galinhas,  hortaliças, 
emfim  todos  os  alimentos  que 
podem  obter.  Não  lhes  aceitam 
pagamentos,  dizem  que  aquilo 
é  por  amizade;  então  eles  admi- 
tem-nas  nas  suas  cubatas  como 
freguezas,  conversam  com  elas, 
dão-lhes  tabaco  para  fumarem 
e  começam  a  fazer-lhes  os  seus 
presentes  de  missanga,  e  daí 
se  originam  relações  amorosas 
que  são  admitidas  por  parte 
dos  potentados  e  dos  paren- 
tes. 

Se  o  acampamento  é  por 
uma  noite,  elas  exigem  logo  ao  sair  da  cubata  do  indivíduo 
onde  dormiram,  a  retribuição  da  amizade;  mas  se  é  por  mais 
dias  levam  de  comer  ao  seu  freguês  e  este  vai-lhes  dando  presen- 
tes, com  que  elas  lucram  sempre,  e  por  isso  as  relações  amorosas 
não  se  apagam,  sempre  na  esperança  de  uma  bôa  lembrança  de 
despedida. 

Tudo  o  que  recebem  apresentam  aos  seus  potentados,  ou 
chefes  de  família,  e  estes  tiram  uma  parte  para  si. 

Com  os  Bangalas  e  Quiocos  já  isto  se  não  dá.   Para  eles  seria 


Limda  —  Como   se  fazem   transportar 
as  pessoas  de  maior  categoria 


146  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

um  crime  que  praticaria  qualquer  das  suas  raparigas,  se  tal  fizesse, 
e  o  homem  teria  de  pagar  uma  grande  multa. 

No  Xinje  usa-se  assim,  mas  só  com  uma  certa  ordem  de 
raparigas,  já  para  esse  fim  destinadas. 

Estas  raparigas,  que  andam  para  assim  dizer  ao  ganho,  são 
aquelas  a  que  os  seus  senhores  chamam  mucau,  mas  que  são 
consideradas  tanto  como  as  mais  que  vivem  nas  suas  residências, 
com  respeito  a  tratamento.  São  só  escravas  para  o  efeito  de 
vendas». 

«Mas  se  uma  rapariga,  sem  consentimento  do  potentado  a  que 
pertence,  teve  relações  com  um  extranho,  este  tem  de  pagar  o 
crime  (upcrnda),  e  ela  muitas  vezes  morre  à  paulada,  ou  a  golpes 
de  ferro,  ou  não  mais  se  sabe  o  fim  que  teve. 

O  Suana  Calenga  Ambinji,  num  caso  desta  ordem  exigiu  um 
grande  pagamento  ao  rapaz  e  a  ela;  depois  de  a  mandar  varar 
amarrada  a  uma  árvore,  fez-lhe  cortar  uma  orelha  e  marcar  com 
um  ferro  acima  dos  peitos  e  das  costas,  obrigando-a  depois, 
enquanto  vivesse,  a  levar  todos  os  dias  lenha  e  água  para  cada 
uma  das  suas  mulheres. 

Queria  que  estas  vissem  constantemente  nela  o  exemplo  do 
que  lhes  sucederia,  se  fossem  culpadas  de  crime  análogo. 

Um  dia,  indicando-me  a  desgraçada  que  já  estava  reduzida  a 
uma  múmia  e  que  mal  se  podia  ter  em  pé,  contou-me  o  castigo 
que  lhe  dera,  terminando  por  dizer :  —  que  ela  fora  uma  bo- 
nita mulher  e  que  a  estimara  muito. 

—  Tenha  então  dó  dela  lhe  retorqui,  e  deixe-a  terminar  os 
seus  dias  descançados  aí  numa  cubata;  ela  já  não  pode  andar 
todo  o  dia  no  mato  e  no  rio,  a  transportar  lenha  e  água. 

—  Se  eu  seguisse  o  que  o  meu  amigo  aconselha,  replicou 
êle,  estava  perdido;  as  outras  raparigas  conheciam-me  fraco, 
supunham  que  eu  me  arrependera  e  faziam  o  mesmo. 

—  Não  pode  ser,  o  potentado  tem  de  mostrar  que  é  forte. 

—  Eu  estive  muitos  anos  na  mussumba,  continuou  êle  por 
causa  do  malvado  Xanama,  que  entendeu  vingar-se  de  meu  tio 
em  mim  e  nos  meus  irmãos,  que  lá  morreram,  vi  como  procedia 
com  as  suas  raparigas,  que  eram  apanhadas  na  upanda;  ou  as 
matava  logo  com  o  seu  cúmplice  ou  as  vendia,  e  eu  dizia  comigo, 
não  é  isso  que  eu  faria  no  teu  logar.  Se  um  dia  chegar  a  tomar 
posse  do  estado  do  meu  tio,  e  que  tal  me  suceda,  o  castigo  que 
hei  de  dar  há  de  servir  de  exemplo  a  todas  as  raparigas.  Deu-se 


DE  ANGOLA  147 

infelizmente  o  caso  com  uma  mulher  que  sabia  ter  a  minha 
estima ;  tanto  pior,  há  de  morrer  marcada  no  serviço  das  outras. 

Era  inabalável  a  resolução  deste  homem,  e  seria  baldado  o 
tempo  em  interceder  por  ela». 

Existe  o  divorcio,  tendo  como  causas  determinantes,  entre 
outras:  a  incompatibilidade  de  génios  dos  casados  ou  das  famí- 
lias; incapacidade  procreativa  do  marido;  esterilidade  da  mulher; 
etc.    O  adultério  nem  sempre  constitue  motivo  para  o  divórcio. 


A  sucessão  defere-se  pelo  ramo  colateral  sendo  herdeiros  os 
sobrinhos  filhos  das  irmãs  ou  os  irmãos  uterinos. 

Daqui  os  sobrinhos  dependerem  e  deverem  obediência  aos  tios 
maternos,  que  substituem  o  poder  paternal  logo  que  chegam  à 
idade  da  juventude. 

A  sucessão  dos  cargos  do  estado  nem  sempre  é  a  colateral,  e 
sim  de  pais  para  filhos,  mas  este  facto  explica-se  porque  se  dá 
quando  o  chefe  é  do  sexo  feminino,  o  que  teve  logar  ao  fundar-se 
o  estado  Muat-Ianvua  com  Lueji  que  tomou  para  seu  marido 
Ilunga  e  de  cuja  união  nasceu  o  primeiro  Muat-Ianvua. 

Aqui  como  em  casos  semelhantes  que  se  deram,  por  exemplo 
na  tribu  Xinje,  a  sucessão  na  governação  do  estado  passou  de 
pais  para  filhos. 


Quando  alguém  adoece  a  família  trata  logo  de  mandar  adivi- 
nhar a  causa  da  doença.  O  adivinho  dá  a  sua  opinião  e  a  seguir 
começa  o  tratamento  pelos  especialistas  ou  curandeiros  que  se 
consultam  consoante  a  classificação  da  doença  feita  pelo  adivinho. 

Além  da  parte  de  magia  e  sugestão  empregada  pelos  curan- 
deiros, o  tratamento  propriamente  dito  é  constituido  por  infusões 
e  aplicações  de  folhas,  cascas,  raízes  de  várias  plantas. 

Quando  a  doença  se  supõe  devida  a  feitiço,  o  enfermo  des- 
confiado mais  ou  menos  de  onde  proceda  o  feitiço,  comunica-a, 
como  é  natural,  a  qualquer  pessoa,  e  esta  divulga-o,  até  chegar 
ao  conhecimento  dos  adivinhos,  que  para  bem  exercerem  o  seu 
mister,  teem  de  andar  ao  facto  de  todas  as  novidades  afim  de 
tirarem  todo  o  proveito  quando  lhes  chegar  a  consulta. 


148  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Assim  o  adivinho  quando  o  procuram,  está  já  sabedor  do  que 
se  passa,  e  a  quem  se  imputa  com  mais  ou  menos  fundamento  o 
mal  de  quem  o  consulta. 

Depois  do  adivinho  dizer  em  que  consiste  o  feitiço,  onde  foi 
apanhado,  quem  é  o  feiticeiro  e  quem  é  o  curandeiro  que  deve 
ser  chamado,  vem  este  como  remédio  que  tem  de  ser  aplicado, 
em  geral  infusões  para  o  doente  beber  e  expelir  o  feitiço. 

Se  o  receituário  não  produz  o  efeito  desejado  o  curandeiro 
declara  que  o  adivinho  não  presta  e  então  ou  faz  êle  o  seu  papel 
e  apresenta  outro  curandeiro,  ou  consulta-se  outro  adivinho  que 
por  seu  turno  indica  curandeiro.  E  assim  se  continua  até  acertar 
ou  o  doente  morrer  ou  por  se  convencer  que  não  está  doente  e 
que  nunca  foi  enfeitiçado,  razão  porque  os  adivinhos  não  podiam 
curá-lo ! 

Sobrevindo  a  morte,  a  família,  como  na  doença  procura  pelos 
adivinhos  saber  a  sua  causa,  ou  para  aplacar  a  ira  dos  feitiços 
que  lhe  deram  causa,  ou  para  descobrir  o  feiticeiro  afim  de  ser 
julgado  e  pagar  com  a  vida  o  seu  crime. 

Logo  que  morreu  alguém,  os  parentes  e  amigos  anunciam-o  à 
vizinhança  e  começam  as  cerimónias  do  nojo,  que  se  prolongam 
conforme  as  posses  dos  parentes  do  falecido,  e  que  constam  de 
carpidações,  danças  e  sobretudo  comes  e  bebes. 

Enquanto  o  cadáver  não  tiver  sepultura,  não  se  cozinha  na 
cubata  do  falecido  e  toda  a  família  ali  se  conserva  a  chorar  o 
defunto.  Os  parentes  mais  próximos  rapam  o  cabelo  todo  ou  em 
parte,  substituem  os  seus  panos  e  todos  os  seus  adornos  por 
pequenos  pedaços  de  tecidos  de  fibras  grossas,  cobrindo  com 
eles  somente  as  partes  genitais. 

É  variável  a  forma  de  dar  sepultura  aos  cadáveres. 

Entre  os  Quiocos,  quando  se  trata  de  chefe  gentílico,  é  o 
cadáver  depositado  na  cubata  onde  vivia,  que  se  tranca,  acumu- 
lando terra  em  torno  dela  de  modo  a  cobri-la  e  entremeando  essa 
terra  com  troncos  e  raizes  cercando  esta  espécie  de  túmulo  com 
uma  palissada  feita  de  troncos;  a  povoação  muda-se  para  local 
distante,  mas, de  onde  se  veja  a  elevação  que  fizeram. 

Tratando-se  de  pessoa  que  não  seja  chefe,  os  Quiocos  cos- 
tumam sepultá-la  em  logar  afastado  das  povoações,  abrindo  uma 
cova  pequena  e  enterrando  o  cadáver  na  posição  de  sentado. 

Os  grandes  pertencentes  à  tribu  Xinje,  Holo  e  Bondos,  quando 
morrem  são  depositados  em  leitos  de  pau  feitos  dentro  das  suas 
cubatas  e  ali  ficam,  vigiados  por  uma  rapariga  que  vai  reco- 


BE  ANGOLA  149 

lhenclo  os  vermes  e  pedaços  de  carne  que  caem  da  ossada,  reu- 
nindo por  último  todos  os  ossos  que  são  lançados  ao  rio  ou  são 
sepultados. 

Estas  cubatas  são  guardadas  por  vigias,  encarregadas  de 
afastar  os  cães  ou  outros  animais. 

De  uma  maneira  geral  as  sepulturas  são  fora  das  povoações 
e  junto  aos  caminhos,  onde  não  á  difícil  reconhecê-las  por  eleva- 
ções de  terra,  algumas  cobertas  de  troncos  e  arbustos. 


#       * 


Crêem  e  acreditam  em  um  poder  sobrehumano  a  que  chamam 
nzambi. 

Os  pais  ensinam  os  filhos  a  ter  respeito  pelo  nzambi,  que  vê 
e  ouve,  sem  que  o  possam  ver. 

Assim  estão  pois  convencidos  da  existência  de  um  poder 
invisível,  poder  que  não  lhes  é  dado  igualar,  curvando-se  todos 
diante  dos  seus  desígnios,  não  se  lhes  ouvindo  uma  imprecação 
contra  êle,  ainda  mesmo  quando  sofram  grandes  contrariedades, 
ou  quando  mais  exasperados  pela  maior  desgraça  que  lhes  possa 
acontecer. 

Crêem  que  as  almas  dos  seus  antepassados  vagueam  pelo 
espaço,  e  quando  não  estão  satisfeitas  os  prejudicam. 

Daí  o  levarem  uma  vida  atribulada,  cheia  de  superstições, 
atribuindo  todos  os  seus  males  a  perseguições  e  malquerenças  e 
a  série  de  feitiços  que  arranjam  como  que  materializando  os 
espíritos  maus,  a  que  oferecem  sacrifícios  para  os  trazerem  satis- 
feitos ou  para  lhes  aplacar  as  iras. 

Timoratos  e  ignorantes,  tornou-se  para  eles  a  superstição  um 
sentimento  religioso,  e  as  causas  de  todos  os  seus  males,  ainda 
os  mais  insignificantes,  atribuem-nos  todos  à  má  vontade  dos 
seus  feitiços  ou  aos  malefícios  dos  feiticeiros. 

Uma  má  pontaria,  o  cair-lhe  das  mãos  qualquer  objecto  e  que- 
brar-se,  uma  qualquer  contariedade,  etc,  tem  por  causa  o  feitiço. 

Donde  o  poderem  considerar-se  como  sacerdotes  da  sua  reli- 
gião os  adivinhos,  os  curandeiros  e  os  feiticeiros,  quando  lhes 
não  são  atribuídas  malquerenças. 

Estas  entidades  teem  grande  prestígio  entre  os  povos  e  fazem 
tudo  que  lhes  apetece,  porque  todos  os  receiam,  a  começar  pelos 
chefes. 


150  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


IV.  —  Da  vida  social 

Espécie  de  vida.  —  Classes  e  castas.  — 
Organização  política.  —  Propriedade.  — 
Regime  económico.  —  Costumagens  jurí- 
dicas. 

Levam  estes  povos  uma  vida  mais  ou  menos  sedentária,  não 
obstante  as  pequenas  migrações  principalmente  por  parte  dos 
Quiocos,  que  não  podem  ser  levados  à  conta  de  vida  nómada, 
mas  sim  levados  com  o  fim  de  procurarem  melhores  terras  para 
se  fixarem  ou  do  elefante,  de  cuja  caça  lhes  advinha  para  o 
comércio  de  permuta. 

Actualmente,  a  não  serem  os  Quiocos,  que  no  distrito  de 
Benguela,  continuam  avançando  e  assimilando  povos  de  outras 
tribus,  as  migrações  não  se  dão  e  as  tribus  fixaram-se  nos  ter- 
renos que  ocupam. 


A  base  da  organização  social  destes  povos  consiste  no  res- 
peito e  submissão  tradicional  de  uns  para  com  os  outros  pela 
ordem  hierárquica  na  família  e  na  tribu. 

Em  sociedades  os  indivíduos  podem  considerar  se  agrupados 
em  três  classes:  a  dos  nobres,  a  dos  homens  livres  e  a  dos  es- 
cravos. 

À  primeira  pertencem  os  chefes  e  potentados.  Os  seus  conse- 
lheiros e  dignatários;  à  segunda  pertencem  todos  aqueles  que 
não  sendo  nobres  podem  dispor  livremente  das  suas  pessoas;  à 
terceira  os  prisioneiros  feitos  em  razias,  os  que  por  dívidas  ou 
outras  questões,  por  si  ou  por  qualquer  membro  da  sua  família, 
as  saldam  com  a  servidão.  Mas  a  servidão  está  longe,  ainda 
assim,  de  se  apresentar  com  os  horrores  da  escravidão,  como  nós 
a  compreendemos,  e  se  não  fosse  o  comércio,  decerto  que  essa 
condição  servil  seria  tomada  na  verdadeira  acepção  da  palavra. 
Só  depois  do  comércio  extranho  ter  entrado  em  África,  é  que 
aparece  a  venda  de  indivíduos,  e  foi  ainda  do  poder  do  mais 
forte  que  derivou  o  direito  do  senhor  vender  a  existência  dos 
que  por  nascimento,  por  conquista  ou  como  pagamento  de  perda 
de  demanda,  nunca  a  consideraram  como  sua  própria. 


DE  ANGOLA  151 


* 


A  organização  política  destes  povos,  foi  durante  muito  tempo 
a  de  grandes  estados,  governados  despótica  e  autocratamente 
por  um  potentado  que  dispunha  a  seu  bel-prazer  dos  seus  subor- 
dinados e  haveres,  e  a  que  estavam  sujeitos  sub-estados. 

Era  esta  a  organização  política  do  estado  de  Muat-Ianvua  e 
daquele  a  que  deu  origem  pelas  dissenções  que  se  deram  na  sua 
corte. 

Actualmente  este  estado  de  coisas  não  persiste,  e  os  povos 
destas  tribus  estão  agrupados  em  pequenos  estados  mais  ou  menos 
independentes. 

A  fragmentação  em  pequenos  estados  nota-se  sobre  tudo  entre 
os  Quiocos,  em  cada  povoação  é  independente  de  qualquer  auto- 
ridade ou  soberania  de  outro  qualquer,  tendo  direitos  de  soba  o 
indivíduo  a  quem  ela  pertença,  pelo  facto  de  primeiro  haver  aí 
construído  e  por  acordo  entre  si. 

Assim  como  caíram  os  grandes  potentados,  com  eles  desapare- 
ceram as  scenas  humilhantes  e  degradantes  dos  seus  subordinados 
e  as  suas  numerosas  cortes.  No  entanto,  ainda  existem  os  con- 
selhos que  assistem  aos  sobas,  constituídos  pelos  mais  velhos,  de 
maior  hierarquia  e  de  mais  respeitabilidade  e  consideração, 
conselho  em  que  por  assim  dizer  reside  o  poder,  visto  que,  em 
geral,  raro  é  o  soba  que  opõe  o  seu  veto  à  sua  opinião. 

Os  chefes  dão  audiências  a  que  os  Lundas  chamam  tetame, 
anunciadas  de  véspera  por  meio  do  bombo  especial  (monda),  e 
que,  em  geral,  são  para  a  resolução  de  negócios  de  estado,  para 
a  recepção  de  visitas  ou  para  despacharem  ou  receberem  porta- 
dores. 

Estas  audiências  revestiam  no  estado  de  Muat  Ianvua  um 
cerimonial  muito  complicado,  que  actualmente  só  em  parte  os 
Lundas  seguem. 

Tratando-se  de  resolução  importante  e  como  à  audiência  pode 
assistir  toda  a  gente,  é  em  geral,  o  assunto  estudado  previamente 
pelo  chefe  com  os  seus  conselheiros  em  reunião  preparatória. 

O  primeiro  a  chegar  é  o  potentado  que,  montado  em  um 
escravo,  vem  acompanhado  dos  seus  dignatários  e  toma  logar 
sentado  na  sua  cadeira  ou  banco  no  topo  do  local  onde  se  faz  a 
audiência. 


152  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

No  estado  de  Muat-Ianvua  antes  de  se  tratar  do  assunto  para 
que  foi  convocado  o  tetame,  o  Muat-Ianvua,  enquanto  se  iam 
reunindo  os  indivíduos  que  a  ela  tinham  obrigação  de  assistir, 
entretinha  o  tempo  narrando  histórias  sobre  qualquer  pretexto, 
generalizando-se  a  conversa  entre  todos. 

«Xa  Madiamba,  escreve  H.  de  Carvalho,  era  para  isso  fértil  em 
expedientes  e  tinha  fama  desde  que  fora  Suana  Mulopo  de  seu 
tio  o  Muat-Ianvua  Muteba. 

Entre  eles  era  considerado  bom  orador,  de  uma  grande  remi- 
niscência e  sublime  nas  comparações. 

Não  era  homem  que  encetasse  logo  o  assunto  de  que  queria 
tratar:  principiava  por  figurar  o  que  se  deu  ou  podia  dar-se 
entre  indivíduos  de  génios,  caracteres  e  forças  diferentes  na 
situação  que  mais  lhe  convinha,  numa  caçada,  numa  guerra,  em 
questões  domésticas,  nas  de  mulheres,  etc,  e  de  dedução  em 
dedução,  chegava  ao  ponto  que  lhe  convinha,  para  então  apre- 
sentar o  assunto  que  lhe  interessava. 

Procurava  ir  dispondo  o  auditório  a  seu  favor,  ainda  nos 
negócios  que  lhe  podiam  ser  desfavoráveis,  ou  em  que  podia  ter 
dele  oposição,  e  quando  se  conhecia  senhor  do  auditório,  já 
convencido  de  que  com  êle  podia  contar,  apresentava-lhe  então 
a  questão,  e  se  dependia  de  votação  era  certo  tê-la  unanime. 

Num  dos  dias  de  jornada,  a  muári  deu  parte  de  estar  doente 
e  não  lhe  ser  possível  andar,  e  êle  fez  anunciar  que  não  se  podia 
seguir  viagem  naquele  dia. 

Soube  que  os  representantes  dos  fidalgos  da  corte,  que  vieram 
por  mandado  daqueles  ao  seu  encontro  para  o  acompanharem 
para  a  mussumba,  murmuravam  contra  o  impecilho  da  sua  com- 
panheira, e  que  depois  dele  tomar  posse  do  estado  não  consen- 
tiriam que  continuasse  a  ser  sua  muári  por  não  pertencer  à 
nobreza.  Na  primeira  ocasião  que  se  lhes  ofereceu  ensejo  de 
estarem  todos  presentes,  lembrou- se  êle  de  contar  algumas  agruras 
da  sua  vida  durante  os  doze  anos  de  expatriação,  e  pôs  em  relevo 
os  bons  serviços  prestados  pela  única  pessoa  que  nunca  o  aban- 
donara. 

—  Deixei  as  mulheres,  deixei  filhos,  deixei  tudo  quanto  tinha, 
contava  êle,  e  perseguido  de  dia  e  de  noite  e  sem  ter  pouso 
certo,  nem  sabendo  como  arranjar  de  comer  e  não  podendo 
andar  senão  escondido  nos  matos,  sempre  a  meu  lado  tive  uma 
serva,  que  vendo  que  nenhum  dos  meus  parentes  se  dispunha  a 
acampanhar-me,  quis  partilhar  da  minha  sorte. 


Dfí   ANGOLA  153 

Ela  expunha  a  sua  vida  por  mim,  indo  arranjar  comida  e 
acarretar  água  e  lenha,  construir  a  cubata,  vigiando  até  quando 
eu  dormia,  com  receio  de  que  um  malvado  de  um  sobrinho  meu 
que  de  tempos  a  tempos  vinha  vêr-me  me  quisesse  matar. 

Eu  já  não  era  novo  e  ela  era  ainda  rapariga ;  mas  prendam 
um  cão  ao  lado  de  uma  cadela  e  deixem-nos  sós  por  muito  tempo, 
embora  as  edades  sejam  diferentes,  o  que  sucede? 

Um  cheira  o  outro,  e  passado  algum  tempo  já  não  podem 
viver  sem  a  companhia  que  se  costumaram  a  conhecer. 

É  o  que  sucede  comigo  e  a  minha  muári.  Eu  hoje  já  não 
posso  viver  sem  esta  boa  mulher.  A  ela  devo  a  minha  vida. 
Tudo  quanto  eu  tive  de  sofrer  sofreu  ela  também,  e  se  alguma 
vez  estava  resignado,  se  estava  satisfeito,  a  ela  o  devo.  De  mim 
que  podia  esperar  ela?  Nada.  Para  qualquer  parte  para  onde 
fosse,  ainda  nova  como  era  estava  sempre  melhor  do  que  comigo. 
Não  quis.  Hei  de  ser  eu,  agora  que  me  chamam  para  o  estado, 
que  a  hei  de  repelir  ?    Não  posso,  o  meu  coração  não  o  quere. 

Se  V.cês  vieram  da  corte  com  o  encargo  de  me  dizer  que  ela  lá 
não  pode  ser  minha  muári,  voltem  a  comunicar  aos  senhores 
que  o  Xa  Madiamba  quer  continuar  a  viver  no  mato  comendo 
massesse  (lagartas  de  árvores)  com  a  sua  boa  companheira,  e 
nunca  largá-la  para  ser  Muat-Ianvua. 

Antes  de  eu  ser  Muat-Ianvua.  já  começam  com  os  mafefe  (in- 
trigas), que  se  hão  depois  desenvolver  para  me  matarem;  então 
escolham  outro  Muat-Ianvua  e  deixem-me  morrer  descançado, 
onde  esta  mulher  que  tem  sido  a  minha  única  amiga  me  feche 
os  olhos  e  me  enterre  os  ossos  às  escondidas  da  gente  da  Lunda. 

A  narração  foi  longa  porque  abrangia  um  grande  número 
de  episódios  da  sua  vida  laboriosa,  e  do  modo  por  que  conseguira 
desviar-se  de  todas  as  dificuldades  que  lhe  sobrevieram,  já  criadas 
pelos  inimigos,  já  pela  falta  de  recursos  para  se  alimentar ;  to- 
davia êie  alcançou  um  triunfo  na  atenção  que  todos  lhe  presta- 
ram, e  por  último  nas  ovações  que  todos  foram  fazer  à  muári». 

No  tetame  o  chefe  só  depois  de  exgotado  o  assunto  tem  a 
palavra,  fazendo-o  com  diplomacia  e  concisamente. 

Nestas  audiências  não  falta  a  música,  e  naquelas  cujo  assunto 
é  de  guerra  ou  de  manifestações  de  valentia  ou  se  concedem 
honras  a  alguém,  era  de  uso  no  estado  Muat-Ianvua  fecharem 
com  danças  especiais,  uma  espécie  de  cerimónias  à  imitação  das 
que  usavam  os  antigos  gladiadores. 

Muitos  outros  detalhes  tinham  estas  audiências  que  hoje  estão 
11 


154  '  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

postas  de  parte,  mesmo  até  pelos  Lundas,  no  entanto,  ainda  se 
observam  entre  os  povos  daquela  tribu  algumas  cerimónias  ver- 
dadeiramente deprimentes  e  que  os  Quiocos  teem  por  completo 
banido. 

*       # 

Não  existe  a  propriedade  privada  a  não  ser  da  habitação  e 
dos  objectos  de  uso;  a  terra  consideram-na  propriedade  do  estado 
de  cuja  posse  dispõe  o  chefe  em  favor  dos  seus  subordinados  que 
a  usufruem. 

«A  permutação,  escreve  H.  de  Carvalho,  dos  diversos  pro- 
ductos  naturais  e  dos  fabricados  pela  mão  do  homem,  existiu 
sempre  entre  estes  povos,  desde  que  se  agruparam  para  recipro- 
camente ocorrerem  às  suas  necessidades  mais  imperiosas,  mas 
não  se  pode  dizer  que  as  indústrias  fossem  um  modo  de  vida 
entre  eles,  porque  ainda  se  vê,  nos  pontos  onde  existem  os  menos 
favorecidos,  a  esteira  substituida  pelo  capim  e  folhas  de  árvores, 
os  fundos  das  cabaças  a  suprirem  os  pratos,  os  crâneos  humanos 
devidamente  preparados  ou  ornados  servindo  de  copos,  os  ramos 
de  arbustos  utilizados  como  vestuário  ou  melhor  para  cobertura 
da  parte  do  corpo  que  desejam  proteger,  os  gafanhotos,  as  la- 
gartas e  hervas  a  servirem  de  alimento,  etc. 

O  que  fabricam  a  mais  do  que  lhes  é  indispensável,  tem 
servido  para  a  permutação  do  que  carecem,  e  encontrem  a  mais 
em  casa  dos  vizinhos.  Mas  fabricar  na  esperança  de  imediata 
colocação,  isto  é,  trabalhar  diariamente  para  viver  do  fruto 
desse  trabalho,  pode  dizer-se  que  só  pensam  nisso  os  que  se 
dedicam  à  agricultura  e  à  caça. 

Já  se  não  pode  dizer  porém  outro  tanto  com  respeito  à  pesca, 
porque  logo  que  um  peixe  lhes  cai  na  armadilha,  contentam-se 
com  levà-lo  para  a  refeição  desse  dia,  e  só  quando  lhes  apetece 
outros  é  que  voltam  a  dispor  o  aparelho  no  rio. 

Pertence  a  todos  os  indivíduos  na  tribu  a  liberdade  de  per- 
mutarem entre  si  o  que  lhes  pertence,  sem  que  nisso  tenha  de 
intervir  a  autoridade  do  potentado;  porém  de  tribu  para  tribu 
sem  essa  intervenção,  ou  antes  sem  a  sua  licença,  a  permutação 
principalmente  sendo  a  crédito,  mesmo  só  por  uma  parte  que 


DE   ANGOLA  155 

seja  do  negócio  de  cada  um,  sempre  correu  o  risco  de  falta  de 
garantia. 

Outr'ora  o  comércio  entre  estrangeiros  e  a  tribu  era  só  feito 
pelos  potentados,  porque  estes  se  consideravam  senhores  dos 
bens  e  vidas  dos  seus  povos.  Hoje  pode  dizer-se  que  isto  acabou. 
Depois  do  potentado  ter  feito  o  seu  negócio  com  qualquer  comi- 
tiva de  comércio,  podem  com  ela  negociar  os  indivíduos  de  mais 
consideração  na  terra,  e  pouco  depois  os  que  queiram,  porém  o 
potentado  só  garante  os  compromissos  feitos  com  sua  autorização, 
do  que  tira  uma  percentagem. 

As  restrições  que  ainda  existem,  dão-se  nos  povos  do  Muat- 
Ianvua  e  só  relativamente  à  gente  que  se  oferece  em  trocas, 
porque  tanto  este  como  os  chefes  dos  pequenos  estados  querem 
ainda  para  si,  unicamente,  o  direito  de  dispor  dos  seus  súbditos 
como  propriedade  sua. 

Mas  devo  dizer  que  isto,  mesmo  hoje,  só  se  faz  sentir  quando 
o  potentado  ambiciona  a  posse  de  algum  indivíduo,  principal- 
mente de  uma  mulher  que  por  transação  vae  sair  da  tribu. 

Há  potentados  ainda  assim  que  resgatam,  porém  outros,  cuja 
ambição  é  correspondente  ao  despotismo  com  que  se  teem  sabido 
impor  aos  seus  povos  e  vizinhos,  mandam  ou  vão  eles  próprios 
tirar  ao  negociante  o  indivíduo  que  lhes  apraz,  por  não  ter  sido 
vendido  por  eles. 

Como  este,  há  também  outros  casos  que  eles  consideram  de 
comércio  ilícito,  e  o  negociante  inexperiente  pode  ter  prejuízos 
se  aceitou  na  permutação  algum  objecto  roubado,  e  quando  a 
permutação  não  tenha  garantia  da  autorização  do  potentado. 

Não  se  conformam  muitos  negociantes,  que  vão  ao  centro  da 
África,  com  estes  preceitos  estabelecidos,  e  daí  as  falsas  infor- 
mações que  nos  trazem  como  respeito  ao  modo  de  negociar  entre 
os  povos  que  visitam. 

O  Muat-Ianvua  Noéji,  e  depois  os  que  se  lhe  seguiram,  logo 
que  chegava  uma  comitiva  de  comércio  à  mussumba,  destinava- 
lhe  o  logar  em  que  deviam  acampar,  e  depois  de  estabelecido  o 
acampamento  ia  visitar  os  negociantes  levando-lhe  cargas  de 
mantimentos  de  boca,  e  marcava  o  dia  em  que  iria  ver  o  negócio 
que  traziam. 

Mandava  apartar  para  si  o  que  queria,  e  fixava-se  o  que 
devia  dar  em  troca,  e  só  depois  podia  a  comitiva  fazer  negócio 
com  quem  quisesse.  Esta  porém  não  retirava,  sem  que  êle  fosse 
vêr  a  gente  que  levava  comprada,  e  saber  quem  a  tinha  dado  em 


156  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

negócio,  e  era  certo  que  a  maior  parte  da  que  não  fosse  oferecida 
por  êle,  não  seguia,  ficava  em  seu  poder. 

Nem  o  Muat-Ianvua,  nem  em  geral  os  potentados  completam 
o  pagamento  das  transações  que  fazem,  porém  isto,  dizem  eles, 
é  com  o  fim  dos  chefes  das  comitivas  com  quem  negoceiam  lá  vol- 
tarem com  mais  negócio.  Receiam  que  estes  satisfeitos  não  voltem 
mais,  e  por  consequência  fiquem  privados  eles  de  mais  negócios 
de  fazendas,  missangas,  pólvora,  armas  e  sal  de  que  carecem, 
sempre  na  suposição  que  quem  vem  de  longe  negociar  é  porque 
ganha  muito  em  cada  objecto  que  vende. 

E  de  facto  se  este  sistema  de  comerciar  não  convêm  ao  homem 
civilizado,  devemos  lembrar-nos  que  se  observa  entre  povos  da 
mesma  família  e  com  cujos  hábitos  se  coaduna  bem,  pois  nele 
encontram  vantagens  recíprocas. 

Se  o  Quioco  e  o  Bangala  sofrem  prejuízos  neste  modo  de  ne- 
gociar com  os  Lundas,  são  estas  as  consequências  do  que  fazem 
sofrer  a  estes  últimos  quando  eles  vêem  com  negócio  às  suas 
terras,  e  o  mesmo  se  dá  entre  Quiocos  e  Bangalas. 

Salvam-se  assim  os  créditos  segundo  eles,  nesta  frase  muito 
frequente :  —  Então  vossê  é  o  esperto  e  eu  sou  o  tolo  ? 

O  peor  foi  a  nossa  intervenção  indirecta  pelos  ambaquistas, 
que  querendo  abusar  da  supremacia  adquirida  pelo  nosso  conví- 
vio, lhes  foram  lembrar  pretextos  para  as  fraudes  e  a  aplicação 
da  sua  maneira  de  fazer  justiça,  reavendo  de  futuros  negociantes 
os  prejuízos,  débitos  e  expoliações,  sofridos  em  qualquer  tran- 
sação. 

O  nosso  antigo  comércio  reavia  prejuízos  de  um  credor, 
caindo  sobre  outro  a  pretexto  de  que  era  parente  deste  ou  da 
mesma  terra;  os  Bangalas  semelhantemente  levaram  este  costume 
para  o  interior  onde  facilmente  se  generalizou,  e  daí  os  seques- 
tros às  comitivas  e  a  falta  de  segurança  nos  caminhos». 

«Negoceia  esta  gente  entre  si  os  productos  naturais  e  mesmo 
os  que  fabricam,  segundo  certas  convenções,  depois  de  alguma 
discussão  pelos  valores  estimativos  ou  por  serviços,  até  tabaco  e 
sal  por  achas  de  lenha,  pelo  transporte  de  água,  etc,  preferindo 
sempre  artigos  do  nosso  comércio,  as  mulheres  fazendas  e  mis- 
sangas principalmente,  e  pólvora  os  homens. 

As  unidades  de  medida  são  mui  variadas  de  tribu  para  tribu 
aumentando  a  unidade  entre  os  Quiocos  e  tanto  mais,  quanto 
mais  se  caminhar  para  o  interior  do  continente. 


DE  ANGOLA  157 

Os  chamados  grandes  negócios  de  borracha  e  marfim,  levam 
tempo  a  concluir  por  causa  das  discussões,  cada  um  puxando 
pelos  seus  interesses.  E  é  notável  que  nisto  ninguém  excede  em 
paciência  e  brandura  os  Quiocos,  que  de  todos  os  povos  que  co- 
nheci considerei  como  mais  irascíveis. 

Os  Quiocos  animados  pelo  comércio  do  sul  dedicaram-se  à 
caça  do  elefante,  mas  terminando  esta  na  região  pelas  persegui- 
ções deste  animal  até  ao  6o  ao  S.  do  Equador  entre  o  Cuilo  e  o 
Lulúa,  passaram  a  ser  os  medianeiros  de  transações  do  comércio 
que  lhes  oferecem  no  sul  pelo  marfim  e  borracha  que  obteem  no 
Lubuco. 

É  trabalhoso,  e  mesmo  fatigante  para  o  negociante  europeu, 
fazer  negócio  no  sertão;  tem  de  se  revestir  de  muita  paciência, 
de  sujeitar-se  a  muitas  exigências  e  caprichos,  e  dispôr-se  a 
perder  um,  dois  e  mais"dias  para  fazer  às  vezes  uma  transação 
insignificante,  mormente  se  fôr  com  Quiocos. 

Principia  isto  logo  nos  preliminares,  em  que  há  grande  dis- 
cussão, daí  passa-se  à  escolha  da  fazenda  e  avaliação  dela  em 
peças  de  lei;  valor  em  que  se  faz  o  ajuste  que  corresponde  a  oito 
medidas  da  unidade  —  a  qual  é  só  a  jarda  nos  estabelecimentos 
comerciais  dentro  da  província  —  escolha  das  missangas,  conta- 
gem dos  fios,  selecção  de  armas,  abertura  de  barris  de  pólvora 
para  verificar  o  seu  estado  e  se  estão  ou  não  cheios,  exigências 
para  que  se  encham  completamente  sem  se  importarem  que  da 
sua  proveniência  viessem  a  peso. 

Depois  de  tudo  remexido,  rejeitam  parte  do  que  escolheram  e 
principiam  depois  as  trocas  e  nova  escolha  de  artigos  para  sua 
substituição. 

É  muito  diferente  o  mesmo  indivíduo,  a  fazer  negócio  em 
terras  portuguesas  ou  na  sua.  Aqui  dá  êle  a  lei,  vai  estipulando 
as  condições  à  medida  que  vai  vendo  os  artigos ;  não  tem  pressa 
de  concluir  negócio,  porque  ganha  em  demorar  o  negociante  a 
fazer  despesas  no  seu  sítio.  Compreende  que  é  mais  vantajoso 
para  o  negociante  dar  mais  alguma  coisa  do  que  desejava,  a  re- 
tirar com  as  fazendas  e  outros  artigos  sujeitos  a  deteriorarem-se, 
e  a  ter  de  sustentar  o  seu  pessoal  por  mais  tempo  em  marchas 
para  transacionar  a  sua  factura. 

O  negócio  não  fica  encerrado  sem  o  malufo  de  quitanda, 
costume  péssimo  que  também  existe  na  nossa  província,  mesmo 
em  Loanda,  e  que  muitas  vezes  importa  em  cinco,  seis  e  sete  mil 
reis  a  mais  do  ajuste — um  casaco  se  há,  alguns  Quiocos  até 


158  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

calças  e  sapatos  pedem,  bacias  de  folha,  pratos  e  canecas  de 
louça,  espelhos,  pentes,  agulhas,  linhas,  facas,  botões,  camisas, 
camisolas,  chapéus  ou  barretes,  etc. 

Para  negociar  uma  ponta  de  marfim  por  60  peças  de  lei,  dá 
na  verdade  um  grandíssimo  trabalho ;  o  negociante  tem  de  de- 
morar a  sua  viagem  por  alguns  dias  o  que  lhe  acarreta  despesas 
com  que  não  contava. 

Em  negócios  pequenos  por  exemplo :  de  carne,  de  peixe  ou 
bombos,  enfim  de  comestíveis,  é  ainda  o  mesmo,  quer  com  Quiocos 
quer  com  Lundas.  Ajusta-se,  traz-se  a  fazenda,  não  querem  essa 
querem  outra;  mede-se  e  logo  surge  a  discussão  porque  exigem 
se  lhes  pague  na  conformidade  do  seu  bando,  que  eles  substituíram 
à  jarda,  e  o  qual  vai  de  um  lado  da  cintura  à  mão  do  lado  oposto, 
tendo  o  braço  estendido  para  cima  e  passando  a  fazenda  a  medir 
pelo  peito  curvado  para  a  frente.   Noutras  tribus  o  bando  é  menor. 

Faz-se-lhe  a  vontade  dando-se-lhes  às  vezes  para  unidade  a 
medida,  que  nos. homens  altos  corresponde  de  lm,30  a  lm,40,  mais 
meio  metro  que  a  verdadeira  jarda.  Rasga-se  a  fazenda  e  depois 
regeitam-na,  pedem  outra  coisa,  e  se  o  negociante  não  está  por 
isso,  largam  a  fazenda  no  chão  e  levam  o  seu  negócio. 

Para  as  transações  de  marfim  e  mesmo  de  gente,  segue-se  na 
Lunda  um  outro  sistema  que  ainda  é  peor.  Cada  potentado  na 
sua  terra  é  um  Muat-Ianvua,  e  como  este,  entende  que  pode 
tomar  para  si  o  que  pretende  da  pacotilha  do  negociante.  Para 
poder  escolher  com  mais  franqueza,  principia  por  dar-lhe  um 
presente  de  amizade  e  por  mostrar-lhe  o  marfim  que  tem  guar- 
dado para  êle,  um  dos  melhores  dentes  que  possue  e  diz :  — 
Tenho  tantos  iguais  a  este. 

O  preço  entre  eles  está  já  estipulado,  tanto  para  o  marfim 
segundo  a  sua  classificação  e  peso,  tanto  para  a  gente  segundo 
o  sexo  e  idade,  e  nisso  não  ha  grande  discussão. 

Os  potentados  logo  na  primeira  escolha  pagam  só  parte,  e 
visto  o  negociante  ter  de  se  demorar  para  transacionar,  se  não 
toda,  uma  grande  parte  da  sua  pacotilha  —  dizem-lhe  que  irão 
pagando  a  pouco  e  pouco  o  resto,  de  modo  que  quando  queiram 
retirar  nas  vésperas  está  embolsado. 

Não  pode  o  negociante  reagir,  porque  se  o  fizer  tem  a  cer- 
teza de  se  lhe  levantarem  demandas  todos  os  dias,  as  quais  se  vê 
forçado  a  pagar,  e  por  último  no  próprio  acampamento  ou  já  em 
retirada,  e  mesmo  antes  do  Cassai,  tem  de  resistir  a  forças  que 
no  trajecto  procuram  assaltá-lo  para  o  roubarem.    E  na  maioria 


DE    ANGOLA  159 

destes  casos,  as  maiores  dificuldades  são  levantadas  pelos  próprios 
carregadores,  o  que  se  conhece,  ou  pelo  receio  que  teem  dos 
indígenas  ou  porque  nisso  vão  interessados,  estando  com  eles 
combinados,  não  podendo  contar-se  com  o  seu  auxílio.  Muitas 
vezes  fogem  abandonando  as  cargas,  havendo-as  já  roubado  em 
parte,  ou  deixam-se  aprisionar  sobre  qualquer  pretexto  para 
depois  serem  resgatados,  ou  finalmente,  o  que  é  ainda  peor, 
procuram  convencer  o  negociante  sobre  a  conveniência  que  ha 
em  contentar  os  indígenas,  satisfazendo  as  suas  exigências  para 
não  perderem  as  vidas.  E  à  custa  de  grandes  sacrificios  o  nego- 
ciante cede  para  não  ser  expoliado  de  todo». 


As  causas  ou  questões  são  julgadas  por  tribunais  presididos 
pelo  chefe  gentílico  a  que  estão  subordinadas  as  partes  em  litígio 
e  de  que  fazem  parte  os  conselheiros,  ministros  ou  dignatários 
que  assistem  ao  chefe. 

Desta  forma  quem  se  acha  lesado  ou  quem  tem  provas  para 
acusar  alguém  de  um  crime  vai  comunicá-lo  ao  soba  que,  ouvindo 
o  arguido,  convoca  o  tribunal  para  o  julgamento. 

No  entanto,  parece,  que  entre  algumas  das  tríbus  em  estudo, 
estes  julgamentos  tomam  o  caracter  de  audiências  ordinárias  rea- 
lizadas todas  as  manhãs,  onde  o  soba  toma  conhecimento  dos 
assuntos  mais  urgentes  que  dizem  respeito  aos  negócios  do  estado 
e  das  queixas  que  qualquer  dos  seus  subordinados  lhe  deseja 
apresentar. 

Para  aqui  passamos  a  transcrever  o  que  H.  de  Carvalho  na 
Etnografia  e  história  dos  povos  da  Lunda  a  este  respeito  es- 
creve : 

«As  audiências  ordinárias  não  comparece  toda  a  gente,  ou 
vêem  a  pouco  e  pouco  alguns,  na  maior  parte  com  o  propósito 
de  fazer  os  seus  cumprimentos  ao  potentado.  É  na  maioria  dos 
casos  este  quem  chama  um  ou  outro  quilolo,  a  quem  deseja  falar 
sobre  qualquer  negócio,  ou  que  pelo  correr  da  discussão  na  au- 
diência tem  de  ouvir. 

Estas  audiências,  que  na  maioria  dos  dias  principiam  dentro 
dos  cercados,  já  às  sete  horas  teem  de  ser  mudadas  para  a  am- 
bula,  páteo  à  frente  da  residência,  por  causa  da  aglomeração  do 
povo. 


160 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


Como  potentado,  o  dono  da  terra  como  eles  dizem,  recebe 
sempre  de  madrugada,  é  habito  entre  estes  povos,  apresentar-lhe 
não  só  as  questões  que  houve  de  véspera  entre  uns  e  outros, 
como  também  as  antigas  de  que  nunca  houve  composição ;  pois 
é  destas  questões  que  vivem  tanto  os  potentados  como  os  seus 
povos. 

É  o  meio  de  adquirirem  com  que  se  manterem,  pois,  a  não 
ser  um  ou  outro  mestre  de  ofício  que  alguma  coisa  ganha  pelo 
seu  trabalho,  o  resto  está  sempre  na  ociosidade  ou  pensando  como 


Massongo  —  Festa  da  circuncisão 


suscitar  questão  com  outro,  e  dele  haver  qualquer  coisa  que 
sabe  êle  possui. 

Por  isto  todos  os  dias  é  frequente  ver-se  um  indivíduo,  se 
não  são  mais,  depois  de  cumprimentar  o  potentado  depositar 
deante  dele,  sobre  a  pele  em  que  se  senta,  uma  braça  de  baeta, 
ou  um  pano  já  feito  de  qualquer  fazenda,  ou  uma  caneca  de 
pólvora  ou  mesmo  uma  arma,  ou  se  de  mais  modestas  circuns- 
tâncias, um  ou  dois  pratos  ou  uma  caneca;  e  como  isto  é  da 
praxe,  vai  depois  para  o  seu  logar  esperar  que  o  potentado  lhe 
conceda  a  palavra  para  tratar  da  sua  queixa. 

Alguns,  principalmente  sendo  quilolos,  depois  de  se  sentarem 
tiram  o  seu  cinto  ou  do  penteado  um  chifre,  que  espetam  deante 
de  si,  e  isso  é  sinal  de  urgência  para  a  resolução  de  questões 
que  desejam  apresentar  para  julgamento. 


DE   ANGOLA  ,  161 

Logo  que  o  pretendente  obtêm  a  palavra  faz  a  sua  represen- 
tação ou  queixa,  ouvida  a  qual,  se  manda  chamar  o  acusado  se 
o  há,  a  quem  se  dá  parte  da  queixa  contra  êle  e  se  lhe  ouve  o 
que  tem  a  alegar  em  sua  defeza. 

É  costume,  quando  o  acusado  é  avisado  de  que  há  uma  mi- 
longa  (demanda)  contra  êle  e  que  vai  julgar-se,  apresentar-se  na 
audiência  com  o  seu  lemba  (advogado)  para  o  defender. 

O  potentado  em  seguida  dá  a  palavra  a  um  quiloio,  que  es- 
colhe entre  os  velhos  parentes,  para  este  fazer  uma  espécie  de 
relatório  e  dar  o  seu  parecer. 

Os  outros  ou  apoiam  ou  fazem  as  suas  observações,  e  todos 
mais  ou  menos  se  pronunciam  a  favor  daquele  a  quem  acham 
razão,  e  então  o  potentado  retira  por  um  pouco,  determinando 
aos  seus  conselheiros  que  resolvam  de  modo  a  fazer-se  inteira 
justiça;  e  quando  volta  depois  de  ouvir  o  que  votaram,  pronun- 
cia a  sentença  dizendo  ao  que  perdeu  a  questão  o  que  tem  a 
pagar,  do  que  êle  vem  a  receber  proventos,  assim  como  do  que 
solicitou  a  resolução  da  pendência. 

Entre  os  Quiocos,  estes  proventos  são  sempre  mais  avultados, 
e  por  isso  mesmo  os  pagamentos  por  tais  questões  são  muito 
onerosos. 

Em  Cassanje,  no  Xinje  e  no  Lubuco  também  há  estas  au- 
diências; porém  no  Lubuco  as  questões  que  se  apresentam  são 
de  natureza  diversa,  são  consideradas  superiores,  ou  por  causa 
de  feitiçaria  ou  por  casos  de  morte,  que  se  dão  geralmente  de 
algum  homem  contra  a  sua  companheira,  porque  são  muito 
ciumentos.  Por  ninharias  e  mesmo  furtos,  poucos  julgamentos 
teem  logar. 

Nos  outros  povos,  estas  questões  são  frequentes,  e  por  qualquer 
pretexto,  pois  constituem  por  assim  dizer  o  seu  modo  de  vida,  e 
muitas  são  alimentadas  pelos  próprios  potentados  que  também 
delas  vivem. 

Os  Quiocos  sobre  qualquer  pretexto  fazem  uma  milonga, 
apreciam  muito  quando  as  podem  levantar  com  pessoas  extra- 
nhas  ás  suas  povoações. 

Os  vendilhões  procuram  comitivas  de  comércio  já  de  caso 
pensado,  e  dirigem-se  a  indivíduos  dessas  comitivas  afim  de 
ganharem  milonga,  que  eles  já  vão  projectando  pelo  caminho 
como  hão  de  promover.  E  alguns  estão  já  tão  habituados  à 
chicana,  que  nem  se  dão  a  esse  trabalho,  esperam  que  o  ensejo 
se  lhes  ofereça. 


162  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Hoje  com  todos  estes  povos  sucede  o  mesmo;  porém  os 
Quiocos  estão  em  primeiro  logar,  e  depois  os  Bangalas  torna- 
ram-se  distintos  no  modo  de  arranjar  a  milonga,  de  forma  a 
ganharem-na,  e  por  isso  mesmo  são  considerados  como  os  mais 
espertos,  isto  é,  os  mais  precavidos  e  cautelosos. 

Um  vendilhão  Quioco  apresenta  a  sua  carga,  pequena  ou 
grande  que  seja,  a  quem  procura  para  negócio,  e  acocorado  ao 
seu  lado  principia  a  discutir  sobre  preços,  quantidade,  quali- 
dade, etc,  e  já  de  princípio  é  preciso  muito  cuidado. 

Uma  pouca  de  farinha  que  se  entorne,  uma  panela,  cabaça, 
ou  qualquer  coisa  que  tombe  ou  se  quebre,  uma  questão  de 
palavra  tomada  em  sentido  diferente,  o  pegar  nos  objectos  a 
negociar  antes  de  os  ter  pago,  etc,  são  casos  para  o  vendilhão 
abandonar  a  carga  ao  indivíduo  com  quem  esses  casos  se  deram, 
arbitrando  logo  ao  dano  um  preço  fabuloso,  e  aquele  ainda  tem 
de  ir  sustentar  a  demanda  perante  o  potentado,  que  também  se 
há  de  pagar  por  bom  preço». 

Como  provas  subsidiárias  usam  a  prova  testemunhal,  mas 
não  podendo  por  estas  e  por  outros  indícios  apurar  a  verdade, 
lançam  mão  do  juramento,  o  último  recurso  dos  que  pretendem 
mostrar  a  sua  inocência.  O  juramento  usual,  empregado  por 
estes  povos,  consiste  em  fazer  ingerir  ao  arguido  uma  bebida 
preparada  na  ocasião,  na  qual  entra  a  casca  da  muave  (Erythro- 
phloeum  Guineense),  que  contêm  princípios  tóxicos. 

Parece  que  estes  princípios  actuam  por  forma  diferente  con- 
soante a  percentagem  em  que  é  empregada  a  casca,  e  que  uma 
grande  dosagem  produz  vómitos,  não  chegando  a  dar  se  o  enve- 
nenamento, ao  passo  que  uma  pequena  dosagem  nao  produz 
aqueles  efeitos  e  dá  logar  ao  envenenamento. 

Aproveitando  as  propriedades  da  casca  do  muave,  os  indí- 
genas empregam-na  como  juramento,  sendo  considerado  inocente 
aquele  que  vomitar  a  bebida  e  culpado  o  que  não  vomitando 
começar  a  apresentar  os  primeiros  indícios  de  envenenamento. 

Se  o  paciente  é  acusado  de  crime  que  classifiquem  de  grave, 
não  chega  a  morrer  pelo  envenenamento,  porque  os  assistentes 
ao  julgamento  ali  mesmo  e  à  paulada  o  acabam  de  matar;  se  o 
crime  não  é  grave  e  o  arguido  possui  haveres,  administram-lhe 
um  vomitório  que  o  pode  livrar  da  morte,  mas  que  o  não  isen- 
tará de  ser  expoliado  do  que  tiver  e  às  vezes  do  que  possa  a  vir 
a  adquirir. 

Actualmente  já  alguns  povos  se  satisfazem,  dando  a  bebida  a 


DE    ANGOLA  163 

cães  ou  galinhas.  Cada  um  traz  o  seu  cão  ou  galinha,  que  o 
vem  representar,  e  se  o  animal  morre,  indica  que  o  representado 
perdeu  a .causa. 

Esta  prática  é  seguida  pelos  Quiocos,  mas  mesmo  entre  estes 
está  sendo  posta  de  parte,  visto  que  o  seu  forte  é  discutir,  e 
quem  melhores  argumentos  tem  é  quem  vence. 

Os  crimes  desagravam-se  pelo  pagamento  de  uma  indemni- 
zação à  vitima,  salvo  os  de  roubo,  alguns  de  adultério,  e  os  de 
feitiçaria  em  que  àlêm  da  responsabilidade  civil  implica  igual- 
mente a  responsabilidade  criminal. 

Os  roubos  não  se  apresentam  como  entre  nós  revestidos  de 
aparências  enganadoras.  São  simples  furtos  ou  espertezas;  mas 
os  apanhados  em  flagrante  a  roubar  as  lavras,  são  amarrados 
com  os  braços  atraz  das  costas  e  apontados  à  execração  pública 
durante  dias  consecutivos. 

«Se  qualquer  indivíduo  —  escreve  H.  de  Carvalho  —  cometeu 
uma  falta  ou  um  delicto,  o  ofendido  não  chama  este  à  responsa- 
bilidade da  acção  não  o  persegue,  deixa-o  mesmo  retirar  em  boa 
paz.  O  agravo  seja  qual  for,  é  sempre  considerado  como  dano 
ou  prejuízos,  que  eles  apreciam  a  seu  modo ;  há  de  pois  indem- 
nizar-se  e  com  usura,  quando  a  ocasião  se  proporcionar. 

O  agravo  pode  ter  logar  mesmo  por  causas  inverosímeis, 
como  por  exemplo :  um  individuo  de  passagem,  ter  conversado 
com  uma  mulher,  de  modo  a  ser  notado,  e  por  acaso  ter  esta 
adoecido  no  dia  imediato  ou  mesmo  dois  dias  depois  dele  se 
haver  ausentado ;  ter  desaparecido  ou  ter  morrido  uma  cabeça 
de  gado  cabrum  ou  ovelhum  que  seja,  depois  de  uma  pendência 
com  um  extranho  à  tribu  a  que  este  tenha  sido  condenado;  ter 
um  indivíduo  que  foi  hóspede  retirado  da  residência  ou  da  tribu 
sem  se  despedir  de  quem  o  hospedara  ou  do  dono  da  terra ; 
haver  um  extranho  raptado  uma  rapariga  que  também  podia  ser 
hóspeda  e  que  com  êle  quis  ir  viver;  etc. » 

Tudo  isto  para  eles  tem  um  certo  valor,  de  que  se  hão  de 
compensar,  e  sob  qualquer  pretexto  o  extranho,  às  vezes  anos 
depois,  vem  a  pagá-lo,  e  esse  que  se  vá  entender  com  o  verda- 
deiro delinquente. 


V  Fq-r/a  f  t 


CAPITULO  VI 
MAUNGOSí1) 

I.  —  Dos  caracteres  etnográficos  gerais 

Origem  dos  povos  designados  por  Maun- 
gos.  —  Situação  geográfica.  —  População. 

Segundo  o  sr.  Nascimento  Pegado,  os  povos  que  nós  desi- 
gnamos por  Maungos  dão  a  si  próprio  o  nome  de  Sosso  e  os  seus 
vizinhos  do  norte  e  W.N.W.,  atribuem-lhe  respectivamente  os 
nomes  de  lacas  e  Quilue.  Qualquer  destes  nomes  são  próprios  e 
sem  tradução. 

A  história  da  origem  destes  povos  está  intimamente  ligada 
com  as  dos  Muchi-congos  e  os  restantes  povos  da  margem  sul 
do  Zaire,  descendentes  das  tribus  oriundas  da  região  dos  lagos 
que  se  vieram  estabelecer  entre  o  Cassai  e  o  Lualaba,  e  que  em 
logar  de  seguirem  o  rumo  dos  ascendentes  dos  povos  que  for- 
maram o  estado  de  Muat  íanvua  e  portanto  daqueles  que  entraram 
na  nossa  Província  de  Angola  por  N.E.  e  de  que  descendem  as 
tribus  Bangalas,  Quiocos,  Luenas,  Xinges,  Songos,  etc,  da  Lunda, 
seguiram  o  rumo  oeste  até  encontrarem  o  Zaire  e  descendo  por 
êle  vieram  dar  entrada  em  Angola  pelo  norte. 

Com  efeito  parece  que  estes  povos  descendem  do  potentado 
Mutombo  Muculo  do  estado  dos  Lubas,  cujos  filhos  a  conselho 
seu  procuravam  novas  terras  e  melhor  fortuna,  uns  como  Ilunga 
para  o  sul,  que  casando  com  Luegi  filha  de  lala  potentado  dos 
Bungos  deu  logar  à  informação  do  estado  Muat  íanvua,  e  outros 


(!)  Serviu  de  base  ao  estudo  desta  tríbu  um  trabalho  elaborado  pelo 
sr.  Manuel  do  Nascimento  Pegado. 


166  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

como  Cassongo  que,  pelo  norte  dos  territórios  que  constituem  o 
nosso  distrito  da  Lunda,  alcançaram  o  Zaire  e  por  ele  desceram 
até  quási  à  sua  foz,  internando-se  na  Província  pelo  norte. 

Com  relação  à  história  destes  povos  o  sr.  Nascimento  Pegado 
reproduz,  nas  informações  que  prestou,  uma  lenda  por  eles  con- 
tada que  se  em  absoluto  não  concorda  com  a  história  dos  povos 
vizinhos,  pelo  menos  nas  suas  linhas  gerais,  vem  afirmar  o  que 
acima  deixamos  exposto. 

Eis  a  lenda  tal  qual  a  conta  o  sr.  Pegado : 

«Mua  Ianve  da  Lunda  foi  informado  por  um  seu  vassalo 
Quimbimda  Mutoquetese,  intrépido  caçador,  que  em  uma  das 
suas  excursões  venatórias  encontrara  no  Baixo  Cuango  e  Hamba 
vestígios  de  pegadas  humanas.  Indo  na  sua  pista  deu  com  uma 
sanzala  cujos  habitantes  assustados  a  êle  se  submeteram  condi- 
cionalmente. 

«Regressando  à  Lunda,  contou  a  descoberta  à  sua  senhora 
que  nomeou  um  outro  seu  vassalo  de  nome  N'Zovo,  para  ir  efe- 
tivar  o  domínio  da  descoberta.  Este  porém,  em  vez  de  proceder 
ao  necessário  reconhecimento  e  cingir-se  ás  ordens  de  Mua  Ianve, 
fixou  a  sua  residência  nos  terrenos  entre  Cuango  e  Huamba, 
arvorando-se  em  seu  dominador.  A  Mua  Ianve  desesperada  com 
esta  notícia,  mandou  para  lá  o  seu  próprio  marido  que  se  fez 
acompanhar  de  um  dos  filhos  maiores,  chamado  Mutemba,  e 
outros.  Tomando  esta  expedição  o  mesmo  caminho  seguido  por 
N'Zovo,  veiu  encontrar  este  na  margem  esquerda  do  rio  Huamba 
em  plena  paz  e  socêgo.  O  N'Zovo  logo  que  se  inteirou  do  plano 
desta  gente,  opôs-se  tenazmente  à  sua  marcha,  dizendo  que  dela 
estava  encarregado,  e  não  consentia  por  isso  que  outros  lhe 
tomassem  a  vanguarda.  Nada,  porém,  conseguiu  porquanto  os 
novos  comissionados,  não  só  o  não  atenderam,  como  se  dispunham 
a  degolá-lo  pela  sua  falta  de  cumprimento  às  ordens  dadas  pela 
Mua  Ianve.  Os  da  nova  missão  seguiram  a  sua  marcha,  percor- 
reram todas  as  regiões  habitadas,  cuja  ocupação  foram  realizando, 
deixando  em  cada  centro  de  população  um  dos  membros  da  sua 
comitiva,  como  chefe.  A  expedição  seguiu  a  sua  derrota  até 
Quipeche  ou  Cábila,  região  onde  se  acham  situadas  Boma  e 
Matadi  e  onde  o  chefe  da  expedição  morreu;  mas  o  filho,  seu 
imediato,  retrocedendo  veiu  fixar  residência  no  sítio  N'Ganga, 
fazendo-se  proclamar  Quianve  Cassongo  ou  Muene  Puto  Cassongo, 
sem  contudo  se  desligar  da  autoridade  de  Mua  Ianve,  sua  mãe. 
«Acerca   do  nome   de   Muene    Puto   que  se  dá  ao   Cassongo, 


BE  ANGOLA  167 

convêm  apresentar  um  esclarecimento,  é  que  em  vez  de  Muene 
Puto  deve  ser  Maputo  Cassongo,  nome  que  lhe  foi  dado  por  uma 
vez  o  Cassongo  se  queixar  ter  sido  um  dia  mordido  por  maputo 
(carrapato),  e  de  maputo  mordeu  Cassongo,  prevaleceu  o  nome 
de  Maputo-Cassongo,  degenerado  em  Muene-Puto-Cassongo». 

Esta  lenda  vem  pois  afirmar  que  os  ascendentes  dos  Maungos 
entraram  pelo  norte  da  Província*  em  tudo  concorde  com  a  his- 
tória dos  povos^  da  Lunda  e  do  Congo  e  parece  indicar  que  o 
fundador  da  tribu  é  o  mesmo  Muene-Puto-Cassongo,  neto  do 
velho  Mutombo  Maculo  —  o  potentado  do  Luba  —  e  filho  de  Cas- 
songo, que,  veiu  estabelecer-se  pouco  mais  ou  menos  na  região 
habitada  actualmente  pelo»  Maungos. 


# 


A  tribu  Maungo  ocupa  largos  territórios  do  sul  do  rio  Cuglua 
e  a  este  do  rio  Cuilo-Kua-Sosso. 

Os  Maungos,  aparentemente  bem  constituídos,  mas  na  essência 
fracos,  são  pouco  resistentes  à  fadiga,  são  dotados  de  caracter 
mais  expansivo  que  triste,  são  concentrados,  corajosos,  coléricos 
e  impulsivos,  e  pouco  dedicados. 

São  de  estatura  regular,  côr  de  pele  de  um  negro  abronzeado, 
salvo  nos  logares  muito  expostos  ao  sol  e  ao  ar  que  é  mais 
negra,  olhos  ovais  e  cabelos  pretos  e  encarapinhados. 

Como  deformação  artificial  usam  extrair  os  dois  dentes  inci- 
sivos médios  da  maxila  superior  em  ambos  os  sexos. 

II. —  Da  vida  material  e  intelectual 

Cuidados  dados  ao  corpo.  —  Alimentação- 
—  Vestuário.  —  Habitação.  —  Meios  de 
existência.  —  Artes,  sciências  e  faculda- 
des intelectuais. 

Não  teem  estes  povos  por  costume  tomar  banho,  a  não  ser 
por  caso  de  força  maior,  e,  quando  o  corpo  necessita  limpeza, 
untam-no  com  uma  massa  feita  de  pós  de  tacula,  água  e  azeite 
de  palma,  esfregando-o  depois  com  um  pano  até  que  êle  tome 
um  aspecto  lustroso. 

Os  cabelos  são  cortados  à  navalha  até  à  altura  do  parietal; 


168  POPULAÇÕES    INDÍGENAS 

para  cima  usam-nos  crescidos  e  reunidos  em  trança  no  alto  da 
cabeça.  Os  cabelos  cortados  à  escovinha,  é  sinal  de  luto  rigoroso, 
o  que  é  usado  no  caso  de  morte  dos  pais  ou  de  um  dos  cônjuges. 
As  mulheres,  ao  contrário  dos  homens,  não  cortam  os  cabelos, 
antes  os  trazem  sempre  bem  crescidos,  entrançados  e  divididos 
em  duas  partes,  uma  caída  nos  ombros,  e  outra  segura  no  alto 
da  cabeça,  mas  disposta  em  forma  de  um  bico,  e  que  é  enfeitada 
com  missangas  e  contas. 

Tanto  as  mulheres  como  os  homens  não  fazem  uso  do  pente 
para  se  pentearem,  empregando  para  este  fim  apenas  o  óleo  de 
palma. 

As  unhas  são  cortadas  rentes,  as  pestanas  aparadas  e  as  so- 
brancelhas cortadas  à  navalha. 

A  duração  ordinária  do  sono  durante  a  noite  é  de  8  horas, 
sendo  raro  dormirem  de  dia. 

Raros  são  os  que  não  sabem  nadar,  principalmente  os  que 
vivem  nas  margens  do  rio  Cuilo,  Cugluo  e  Sosso.  Não  se  entregam 
à  natação  por  sport,  mas  simplesmente  porque  isso  lhes  é  útil  e 
vantajoso  para  a  pesca  ou  para  quando  haja  necessidade  de 
transportar  gado  duma  margem  para  a  outra  dum  rio. 

Desconhecem  a  equitação,  sendo  para  eles  motivo  de  admi- 
ração vêr  um  homem  a  cavalo. 

Não  há  torneios  de  luta.  Quando  duas  pessoas  se  enfurecem 
uma  contra  a  outra,  abraçam-se  e  apertam-se  fortemente,  pro- 
curando uma  derrubar  outra,  para  o  que,  aquela  que  mais  firmeza 
tiver  nos  pés  enrosca  o  seu  pé  direito  no  esquerdo  do  antagonista, 
e  com  um  impulso  prosta-o  ao  chão.  Uma  vez  assim  subjugado, 
o  outro  adversário  finca-lhe  o  joelho  sobre  o  abdómen  enquanto 
com  a  mão  direita  o  vai  socando  e  com  a  esquerda  apara  as 
agressões  que  o  vencido  lhe  dirige.  Muitas  vezes  sucede  que, 
ao  levantarem-se,  cada  um  se  serve  de  uma  espingarda  ou  arma 
branca  que  tiver  mais  à  mão,  agridem-se  mutuamente  e  de  um 
modo  mais  ou  menos  funesto. 

Há  um  jogo  muito  vulgar  entre  estes  povos,  denominado 
Mabulo,  em  que  tomam  parte  somente  rapazes  dos  doze  aos  vinte 
anos,  que  consiste  no  seguinte:  os  jogadores  divididos  em  dois 
grupos  colocam-se  em  linha  a  uma  distância  de  30  a  40  metros 
uma  da  outra ;  cada  um  dos  jogadores  está  munido  de  uma  corda 
fina  de  metro  e  meio  de  comprimento,  tendo  presa  nas  duas 
extremidades  uma  espiga  de  milho ;  um  arco  feito  de  uma  pe- 
quena vara  é  arremessado  ao  ar  por  um  dos  jogadores  de  um 


DE  ANGOLA  169 

dos  grupos  ein  direcção  aos  do  grupo  contrário;  os  jogadores 
deste  grupo  procuram  então  atingir  esse  arco  com  as  cordas  de 
que  estão  munidos,  o  qual,  enrodilhado  pelas  cordas,  cai  por 
terra.  Acto  contínuo,  todos  os  jogadores  do  mesmo  grupo  correm 
à  porfia  em  direcção  ao  arco  e  desembaraçando-o  das  cordas 
procedem  de  maneira  idêntica  para  com  o  grupo  contrário  e 
assim  sucessiyamente  passam  horas  e  horas  divertidas  e  na  mais 
completa  satisfação. 


A  base  da  sua  alimentação  é  vegetal  constituída  pelo  quipati 
(infundi)  feito  de  farinhas  de  mandioca  e  de  milho,  e  que  é 
acompanhado,  algumas  vezes,  de  carne.  Apreciam  imenso  o 
feijão,  abóbora  e  suas  pevides,  milho,  inhame,  banana  e  gin- 
guba. 

Na  preparação  das  comidas  empregam,  como  temperos,  o  sal, 
a  pimenta  dungo  e  uma  herva  muito  aromática  denominada 
condi  ou  chaula. 

Comem,  crus,  a  banana  e  a  ginguba;  cosidos,  a  carne,  feijão, 
abóbora,  inhame  e  tubérculos  congéneres. 

As  comidas  são  preparadas  pelas  mulheres.  Os  homens  só 
em  viagem  é  que  preparam  a  sua  refeição. 

Arranjam  o  lume  de  dois  modos,  ou  esfregando  um  no  outro 
dois  paus  diferentes,  chamados  mucala  e  muiaia,  ou  servindo-se 
do  fuzil  e  isca. 

Os  utensílios  de  cosinha  são  constituídos  por  algumas  panelas 
de  barro,  a  cujo  fabrico  se  dedicam  as  mulheres,  umas  colheres 
de  pau  e  o  muco,  vareta  que  serve  para  mecher  as  comidas  que 
estão  ao  lume. 

As  refeições  são  três  ao  dia  e  tomadas  em  comum  por  toda  a 
família,  comendo  os  homens  em  separado. 

Das  bebidas  enumeraremos  apenas  a  conhecida  por  maluvo, 
extraída  da  palmeira  com  o  abuso  da  qual  frequentemente  se 
embriagam. 

Sobre  antropofagia  não  podemos  afirmar  que  ela  se  não 
exerça  clandestinamente,  principalmente  entre  os  feiticeiros. 

Conservam  alguns  alimentos,  como  o  milho  e  a  ginguba,  em 
celeiros  fabricados  com  fibras  de  palmeira  e  forrados  de  colmo. 


12 


170  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


O  vestuário  mais  usual  dos  homens  consta  de  um  pano  preto 
era  volta  da  cintura  e  que  se  extende  até  abaixo  do  joelho.  Nas 
ocasiões  solenes,  usam  panos  vistosos  e  caros,  que  çobrindo-lhe 
a  cintura  se  estendem  até  aos  tornozelos.  Alguns  costumam  tra- 
zer um  outro  pano  nas  costas. 

O  vestuário  da  mulher  é  constituído  tanto  pela  retaguarda 
como  pela  frente  por  uma  tira  de  pano  de  um  e  meio  a  dois 
palmos  de  largura,  abrangendo  a  cintura  e  seguro  a  um  fio  que 
serve  de  cinto,  tendo  as  nádegas  quási  sempre  nuas.  As  mulheres 
idosas  e  de  categoria  superior  vestem-se  relativamente  bem,  tra- 
zendo um  pano  à  semelhança  do  dos  homens. 

Não  fabricam  tecidos  de  espécie  alguma  para  vestuário,  nem 
existem  entre  eles  alfaiates  de  profissão,  todavia  todos  sabem 
coser  os  seus  panos. 

O  calçado  é  usado  na  ocasião  das  queimadas  para  preservar 
os  pés  da  acção  do  fogo.  O  seu  fabrico  é  tão  simples  que  todos 
o  fazem.  Tem  a  forma  de  alpercatas  e  é  feito  da  ramagem  do 
bordão  entrançado;  também  se  fazem  de  coiro  de  pacaça  (boi 
bravo)  ou  da  palanca. 

Quási  todos  trazem  a  cabeça  coberta  com  uma  espécie  de 
toucado  feito  de  fazendas  ou  mesmo  um  chapéu  adquirido  no 
mercado. 

Os  que  ocupam  entre  eles  uma  posição  de  destaque,  como  os 
sobas,  usam  a  Caginga,  uma  espécie  de  barrete  fabricado  na 
Ginga,  e  trazem  nos  braços  argolas  de  metal. 

Estes  povos  costumam  arrancar  os  dois  dentes  da  frente  da 
maxila  superior  e  pintar  a  cara  com  as  cores  branca  e  vermelha, 
nas  ocasiões  das  queimadas  e  de  batuques. 

Nos  braços  e  nos  tornozelos  usam  argolas  (malungas)  ocas  e 
macissas  de  chumbo  e  de  estanho  e  no  pescoço  uma  corrente  de 
arame. 

.  # 

O  tipo  de  habitação  é  a  cubata,  de  páu  a  pique  com  o  teto 
arqueado. 

O  material  empregado  pelos  povos  desta  tríbu  na  construção 
das  cubatas,  consta  de  bordão,  colmo,  alguma  madeira  e  junco 


DE   ANGOLA  171 

Depois  de  junta  a  porção  de  madeira,  conforme  a  capacidade 
que  se  quer,  é  aberto  um  cabouco  com  dois  palmos  de  profun- 
didade, onde  são  cravados  os  troncos  ou  varas.  Estes  troncos 
são  agarrados  por  uma  rede  de  bordão  rachado  às  tiras  aper- 
tados entre  si  com  filamentos  de  cipó  e  junco.  Feito  isto  são 
colocados  nos  dois  topos  as  forquilhas  sobre  que  assenta  a 
cumieira.  Ao  alto  das  paredes  e  ^apoiadas  a  umas  outras  forqui- 
lhas, juntas  aquelas  de  cada  lado  exterior,  assentam-se  frechaes 
sobre  os  quais  igualmente  se  apoia  uma  porção  de  bordão  del- 
gado e  verde  que  dum  e  doutro  lado  vai  encontrar-se  ao  alto  da 
cumieira,  juntando-se  a  ponta  de  um  ao  corpo  do  outro.  O  bor- 
dão assim  colocado  e  mui  basto,  serve  de  barrotes  e  é  entre  si, 
ligado  por  meio  também  de  tiras  de  bordão  assentes  pelo  lado 
exterior  e  amarradas  cóm  junco.  Por  cima  do  tecto  assim  prepa- 
rado é  posto  colmo  em  camadas  amarradas  cada  uma  de  per  si, 
bem  assim  como  se  revestem  as  paredes.  Em  seguida  são  levan- 
tados os  compartimentos  cuja  construção  obedece  a  arte  das 
paredes.  Todas  as  habitações  são  de  duas  águas  e  construídas 
pelo  homem.  As  habitações  teem  geralmente  uma  divisão,  e  as 
janelas  são  substituídas  por  uma  portinhola  no  fundo  que  rarís- 
simas vezes  se  abre. 

A  mobília  consiste  essencialmente  num  móvel  à  semelhança 
de  mala  feito  de  madeira  que  se  coloca  na  sala  e  o  leito,  uma 
tarimba  assente  sobre  forquilhas  da  altura  de  30  a  40  centímetros, 
sobre  as  quais  se  assentam  travessas  chamadas  Midiqaite,  por 
cima  delas  se  coloca  o  luando,  as.  esteiras  ou  cousa  semelhante. 
Substitui  o  travesseiro  um  tronco  de  madeira  de  4  decímetros  de 
diâmetro  e  de  comprimento  igual  à  largura  da  cama.  Assentam-se 
de  preferência  em  peles  ou  esteiras  e  as  cadeiras  raríssimas,  são 
feitas  de  bocados  de  bordão  colocados  em  quadrado  uns  sobre  os 
outros  e  pregados  com  uma  parte  desse  mesmo  bordão;  mezas 
não  existem,  havendo  em  seu  lugar  tarimbas  para  arrumação  de 
objectos  caseiros. 

A  iluminação  faz-se  por  meio  de  caniços  em  feixe  e  o  aque- 
cimento por  meio  de  lenha  em  combustão. 

A  situação  das  cubatas,  sem  ordem,  aglomeradas  num  só 
grupo,  constitui  um  verdadeiro  labirinto. 

Não  há  dependências  a  não  ser  os  celeiros  a  que  nos  referimos 
e  os  estábulos  para  as  cabras  e  carneiros  que  são  umas  cubatas 
em  ponto  pequeno  com  um  terraço  ao  meio  e  cujo  soalho  é  feito 
de  bordão  rachado  e  espaçado  de  modo  a  dar  vazão  aos  escre- 


172  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

mentos.  Os  edifícios  religiosos  consistem  em  uma  espécie  de 
pombal,  onde  se  guardam  os  objectos  venerados.  Edifícios  pú- 
blicos e  comuns  não  existem.  Não  se  abrem  caminhos  nem  ruas, 
sendo  estes  e  os  carreiros,  feitos  à  força  do  trilho  e  cuja  conser- 
vação é  sustentada  unicamente  pelo  trânsito. 

Entre  estes  povos  pratica-se  a  agricuítura  por  processos  ru- 
dimentares, exercido  pelos  homens,  os  trabalhos  mais  violentos, 
como  os  derrubos,  e  os  mais  moderados  pela  mulher. 

Não  usam  adubar  ou  estrumar  as  terras,  bem  assim  como  não 
usam  a  rega,  e  os  trabalhos  agrícolas  não  se  fazem  em  comum. 
Cultivam  em  especial  a  mandioca,  o  milho,  a  ginguba,  o  feijão, 
o  inhame  e  outros  tubérculos  para  consumo  próprio.  As  culturas 
não  são  alternadas,  salvo  para  o  milho. 

As  alfaias  empregadas  na  agricultura  são  a  enchada,  a  catana 
e  o  machado. 

Os  trabalhos  agrícolas  consistem  na  capinação,  amanho  de 
terreno  e  lançamento  de  semente  à  terra  em  pequenas  covas. 

A  caça  constitue  uma  das  principais  ocupações  destes  povos  e 
é  exercida  individualmente  durante  o  ano,  e  em  comum  por 
ocasião  das  queimadas,  o  que  constitue  uma  das  diversões  mais 
apreciadas. 

Chegados  os  meses  de  julho  e  agosto,  quando  o  capim  se  en- 
contra bem  seco,  o  proprietário  ou  proprietários  dos  terrenos 
onde  se  vai  proceder  à  caçada,  previnem  os  visinhos  com  um  dia 
de  antecedência  de  que  no  dia  seguinte  se  realizará  a  queimada. 
Logo  pela  manhã  é  o  terreno  cercado  por  uma  fila  de  caçadores, 
meia  hora  depois  lança-se  fogo  ao  capim  principiando  por  barla- 
vento. 

Os  caçadores,  a  passo,  seguem  a  linha  de  fogo  com  a  maior 
atenção  e  cautela,  não  só  para  não  serem  alcançados  pelas  laba- 
redas, como  para  evitarem  a  fuga  repentina  de  alguma  peça  de 
caça  que  saia  do  seu  esconderijo,  por  não  poder  mais  suportar 
o  calor  mortífero  das  chamas. 


DE   ANGOLA  173 

No  entanto,  as  línguas  de  fogo  vão  tomando  proporções  gi- 
gantescas e  assustadoras,  formando  como  que  uns  grandes  rede- 
moinhos de  fogo,  e,  à  medida  que  estas  avançam,  seguindo  it 
direção  que  o  vento  dominante  lhes  imprime,  os  caçadores  acom- 
panham-nas.  A  caça,  num  desespero, supremo,  não  podendo  mais 
conter-se  numa  tão  crítica  situação,  rompe  as  linhas  de  fogo, 
umas  vezes  incólume  e  outras  fortemente  chamuscada  vai  acabar 
de  morrer  às  mãos  dos  caçadores.  As  linhas  de  fogo  vão-se 
apertando  como  a  dos  atiradores  até  chegar  à  Gumba  ponto 
onde  se  concentra.  Ali,  a  caça,  ou  morre  sob  a  ^cção  do  fogo 
ou  por  milagre  inexplicável  escapa  deste  e  constitui  perigo  para 
os  caçadores  que,  na  cegueira  de  dispararem  sobre  ela,  disparam 
às  vezes  sobre  os  seus  próprios  companheiros  do  lado  opostos 
estabelecendo-se  então  uma  confusão  resultante  dos  gritos  de 
cessar  fogo  daqueles  que,  arrojadamente  se  internam  nas  densas 
nuvens  de  fumo  para  apanhar  a  caça. 

Os  proprietários  do  terreno  onde  se  realizou  a  queimada 
tratam  de  juntar  toda  a  caça  que  é  dividida  entre  os  donos  de 
terreno  e  os  caçadores,  cabendo  a  melhor  parte  de  carne,  os  lombos, 
chamados  kigongote,  àqueles  que  lançaram  fogo  ao  capim. 

Entre  estes  povos  há  pescadores  de  profissão  que  exercem 
individualmente  o  seu  mister  em  qualquer  época  do  ano,  e 
aqueles  que  exercem  em  grupo  no  princípio  das  chuvas.  Por 
esta  época  exerce-se  a  pesca  por  armadilhas,  uma  espécie  de 
tapumes  ou  redes  de  bordão,  que  fecham  as  valas  de  comunicação 
dos  rios  para  as  lagoas  que  se  formam  no  tempo  das  chuvas, 
feitas  pouco  antes  dos  rios  começarem  a  vasar.  Pescam  a  bagu, 
o  pungo,  o  cleape  e  várias  outras  espécies  próprias  de  água  doce. 

Dedicam-se  à  criação  de  gado  em  grande  escala;  o  bovino  é 
mais  abundante,  conservando-o  abandonado  nos  campos.  Existem 
manadas  tam  grandes  que  para  os  donos  reconhecerem  as  ca- 
beças que  lhe  pertencem^  se  servem  de  sinais  convencionais, 
como  o  corte  de  uma  orelha  ou  da  cauda. 

A  tecedura  é  função  exclusiva  da  mulher  que  a  exerce  ser- 
vindo-se  de  uma  vara  em  guisa  de  roca;  a  costura  e  confecção 
do  vestuário  é  da  atribuição  do  homem. 

A  industria  de  cesteiro  encontra-se  muito  desenvolvida  entre 
estes  povos;  fabricamos  chamados  muniendes,  espécie  de  gigo,  es- 
treitos e  fechados  no  fundo,  com  junco,  e  os  mucundas,  mais  ou 
menos  do  mesmo  formato  daqueles,  mas  construídos  de  bordão. 
Os  primeiros  servem  para  transporte  de  lenha  e  mantimentos, 


174  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

teem  uma  corda  que  passando  debaixo  do  antebraço  a  fixam  nos 
ombros,  ficando  ao  longo  das  costas  do  condutor;  os  segundos 
servem  para  acondicionar  os  mantimentos  de  consumo  diário. 

Exercem  a  indústria  de  olaria,  fabricando  panelos  para  uso 
culinário,  para  o  que  empregam  uma  terra  especial  que  chamam 
tuma  a  que  misturam  um  pó  feito  de  cacos  de  panelas  velhas. 
É  trabalho  exclusivo  da  mulher. 

Trabalham  o  ferro,  empregando  forjas  por  eles  construidas, 
modelos  das  usadas  por  algumas  tríbus  do  planalto  de  Benguela. 
A  forja  é  constituida  por  uma  grande  pedra  com  a  face  supe- 
rior lisa,  onde  se  faz  a  combustão,  e  um  fole  feito  de  um  tronco 
grosso,  desbastado,  em  que  uma  das  extremidades  tem  duas 
excavações  semelhantes  aos  pratos  de  uma  balança  em  comuni- 
cação por  um  pequeno  furo  com  uma  outra  que  tem  a  forma  de 
ventas  de  porco.  A  cada  uma  das  referidas  excavações  se  adapta 
uma  pele  muito  macia  que  as  cobre  como  se  fossem  válvulas,  e  a 
que  está  ligada  uma  pequena  vara  que,  pondo  em  movimento  a 
pele,  produz  o  efeito  do  fole.  A  outra  extremidade  é  ajustada 
à  boca  de  uma  campânula  de  barro  cuja  parte  mais  extensa  se 
mete  no  carvão. 

Empregam  na  industria  de  trabalhar  o  ferro,  o  malho,  o  alicate 
e  a  lima  a  que  chamam  respectivamente,  zundo,  maha  e  cuanga. 

Trabalham  a  madeira,  construindo  canoas,  inalas,  portas  e 
manipanços.  Fabricam  cordas  de  fibras  de  palmeira  e  de  outras 
plantas  textis. 

Preparam  peles  esticando-as  e  expondo-as  à  acção  do  sol  a 
fim  delas  se  extrair  todos  os  resíduos  de  carne  que  lhes  estejam 
aderentes,  curtindo-as  depois  com  uma  massa  de  azeite  de  palma 
e  tacula.  Das  peles  de  corça,  veado  e  seixa  fazem  assentos  e  bolsas. 

A  moagem  é  feita  com  o  já  conhecido  pilão  a  que  chamam 
muisso  e  a  farinha  peneirada  no  mussualo.  É  trabalho  que 
pertence  à  mulher. 

Da  farinha  de  mandioca  fazem  o  quipati  e  da  de  milho  qui~ 
patidi,  constituindo  qualquer  delas  a  sua  principal  alimentação. 

Não  possuem  maquinas  que  facilitem  o  trabalho  manual. 


#       * 


O  dialecto  falado  é  o  Sosso  que  se  assemelha  mais  aos  dia- 
lectos do  Gongo  que  aos  da  Lunda  e  ao  Kimbundo. 


DE    ANGOLA 


175 


Damos  a  seguir  um  pequeno  vocabulário  : 


Vocabulário  do  dialecto  falado  pelos  Maungos 


Adultério  —  izunba. 
Comer  —  Kutafuma. 
Contar  —  kubala. 
Conversação  —  nambo. 
Casar  —  kubonga. 
Demanda  —  mucano. 
Faca  —  bele. 
Fato  —  izuato. 
Fogo  —  kapia. 
Folha  —  rifuto. 
Fumo  —  muixi. 
Hiena  —  igo. 
Ilha  —  risago. 
Irmão  —  pagi. 
Lagoa  —  kisoga. 
Lança  —  kisokolo. 
Leão  —  kogi. 
Língua  —  rika. 
Mão  —  koko. 
Montanha  —  mogo. 


Morte  —  mufi. 
Namoro  —  quitoco. 
Negociar  —  kutita. 
Noite  —  usuku. 
Olho  —  risu. 
Orelha  —  ritui. 
Ovelha  —  koko. 
Pelejar  —  kunuana. 
Perder  —  kulala. 
Pássaro  —  muni. 
Pedra  —  riné. 
Peixe  —  zongi. 
Rio  —  jigi. 
Sal  —  mongua. 
Soba  —  fumo. 
Senhor  —  ka. 
Seta  —  mufala. 
Sol  —  muana. 
Velho  —  m'buta. 


Os  Maungos  são  dados  à  música  e  à  dança,  havendo  músicos 
de  profissão. 

Os  instrumentos  mais  usados  são  ò  mucanjo  e  o  quissangi.  O 
mucangiri  é  uma  espécie  de  órgão  em  que  as  peças  são  substi- 
tuídas por  umas  aduelas  de  madeira  (gungo),  assentes  nas  ex- 
tremidades em  uma  caixa  de  madeira  (mungiieia)  e  que  por 
debaixo  tem  umas  cabaças,  suspensas  por  fios  de  peles.  Este 
instrumento  é  de  precursão  e  toca  se  com  dois  pequenos  paus 
que  na  extremidade  teem  umas  bolas  de  borracha.  O  quissange 
consiste  em  uma  pequena  caixa  de  madeira  sobreposta  por  umas 
lâminas  delgadas  sobrepostas  por  umas  lâminas  de  metal  que  se 
tocam  com  os  dedos  polegares. 

A  dansa  principal  e  aquela  que  estes  povos  se  entregam  com 
maior  prazer,  é  a  conhecida  por  dança  de  amor.  Tomam  parte 
nela  homens,  mulheres,  raparigas  e  rapazes.  Em  actos  solenes, 
ou  ainda,  quando  por  qualquer  acontecimento  de  regosijo  vão 
dançar  para  uma  sanzala  vizinha,  pintam  a  cara  com  terra 
branca  e  adornam  o  pescoço,  punhos  e  tornozelos  com  missangas. 

São  duas  as  formas  como  se  pratica  esta  dança :  uma  consiste 
em  cada  um  dos  sexos  formar  um  círculo,  e,  ao  som  do  instru- 


176  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

mento  da  música  chamado  Muangui  ou  mesmo  do  batuque,  umas 
vezes  avançam  as  mulheres  em  direcção  ao  círculo  dos  homens 
e  outras,  estes  ao  daquelas,  abraçando-se  mutuamente,  indo  ao 
ponto  de  partida  gesticulando  de  uma  forma  obscena  e  uma  vez 
ali  chegados  separam-se,  regressando  aos  seus  respectivos  logares. 
A  outra,  em  que  tomam  parte  somente  as  mulheres  e  raparigas, 
consiste  em  dansarem  inteiramente  nuas,  de  noite,  cantando  e 
batendo  palmas.  Não  há  entre  estes  povos  dansas  propriamente 
de  guerra. 

De  astronomia  conhecem  o  sol,   a  lua  e  as  estrelas,  a  que 
chamam,  respectivamente,  tungo,  guede  e  tomo-timo. 

Quanto  à  matemática,  sabem  contar  regularmente  até  cem  mil. 


Os  habitantes  das  margens  do  rio  Chugo,  Cuale,  Cuilo  e 
Sussa,  nas  partes  navegáveis,  são  dextros  timoneiros.  Todas  as 
embarcações  são  do  tipo  das  canoas  (dongos)  e  só  em  caso  de 
necessidade  é  que  se  improvisam  jangadas  de  bordão.  As  jan- 
gadas fazem-se  ligando  uns  aos  outros,  por  meio  de  cordas,  quatro 
ou  cinco  feixes  de  bordão  de  60  a  70  centímetros  de  diâmetro. 

O  transporte  de  cargas  por  terra  é  feito  em  muanbas,  como 
já  tivemos  ocasião  de  dizer.  A  muanba  é  feita  de  dois  ramos 
de  palmeira  ou  bordão  entrelaçados  entre  si  com  as  respectivas 
ramagens,  e  para  as  tornar  resistentes  adapta-se-lhes  dois  paus 
delgados  em  todo  o  seu  comprimento. 

As  mulheres  transportam  as  cargas  em  muendes,  suspensas 
nas  costas,  por  cordas  que  passando  por  debaixo  dos  sovacos  se 
fixam  nos  ombros.  $ 

Não  conhecem  o  ciclo  solar  nem  o  lunar. 

Dividem  o  tempo  em  dias,  meses  e  anos.  O  dia  é  desde  o 
nascer  ao  pôr  do  sol;  o  mês  conta-se  de  lua  a  lua,  e  o  ano,  o 
intervalo  compreendido  entre  duas  épocas  de  chuvas. 

Os  remédios  empregados  pelos  curandeiros  a  que  chamam 
Gangas,  são  na  maior  parte  de  origem  vegetal  e  aplicam-se  sob 
a  forma  de  cataplasmas,  emplastros,  injecções  e  beberragens. 

O  curandeiro  quando  é  chamado  para  socorrer  algum  doente, 


DE  ANGOLA  177 

a  fim  de  imprimir  ao  acto  uma  feição  misteriosa,  procura  suges- 
tiona-lo pela  magia,  pintando  a  cara  e  vestindo-se  com  panos 
de  mabela  (filamentos  tirados  da  folha  de  bordão)  e  matando  na 
presença  do  doente  algumas  galinhas  ou  cabras. 

Para  a  aplicação  dos  remédios  torna-se  inprescindível  a  de- 
claração do  adivinho,  pois  ninguém  adoece  sem  ser  por  virtude 
de  um  feitiço  ou  da  acção  dos  feitiços. 

Os  curandeiros  gozam  entre  estes  povos  duma  grande  consi- 
deração e  respeito. 

III.  —  Da  vida  familial 

O  nascimento.  —  A  educação.  —  O  casa- 
mento. —  A  família.  —  A  morte.  —  A  re- 
ligião, rito,  culto,  divindades  e  sacer- 
dócio. 

Não  há  festejos  ou  outras  cerimónias  a  observar,  antes  ou 
depois  dos  nascimentos. 

O  local  do  parto  é  geralmente  a  própria  habitação,  a  não  ser 
que  o  facto  venha  surpreender  a  parturiente  fora  da  morada,  o 
que  aliás  não  é  raro  acontecer,  porque  as  mulheres  até  ao  último 
dia  da  gravidez  andam  por  toda  a  parte,  tratando  das  suas 
ocupações  habituais. 

A  posição  da  parturiente  é  sentada,  encostada  à  pessoa  que 
a  ajuda  ou  à  parede  da  habitação  com  as  pernas  abertas. 

No  caso  de  aborto,  a  mulher  é  rodeada  de  um  certo  número 
de  cuidados,  como  sejam  a  aplicação  no  ventre  de  umas  papas  de 
ervas  odoríferas  e  ministrando-se-lhes  beberragens  feitas  com 
raízes  de  determinadas  plantas. 

As  creanças  são  amamentadas  durante  dois  anos  aproxima- 
damente. 

Não  há  diferença  de  modo  de  proceder  dos  pais,  se  o  recem- 
nascido  é  rapaz  ou  rapariga  ou  no  caso  da  mulher  dar  à  luz 
gémeos. 

Sendo  um  ser  disforme,  a  creança  é  imediatamente  enterrada 
no  lodo,  pois  o  seu  nascimento  é  atribuído  à  má  vontade  do  fei- 
tiço Quita,  o  mais  venerado  de  todos.  Fora  isto,  não  se  registam 
outros  casos  de  infanticídio,  pois  que  as  creanças  constituem  a 
maior  felicidade  do  lar. 

Os  nomes  são  dados  pelo  pai,  e  são  escolhidos  dos  seus  ante- 


178  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

passados  os  de  pessoas  amigas,  não  obstante  a  creança  depois  da 
circuncisão  tomar  outro  nome  de  seu  gosto. 

A  creança  pertence  ao  tio  que  tem  o  direito  de  dispor  da  sua 
vida  como  lhe  prouver. 

Os  pais  pouco  cuidado  teem  com  a  educação  dos  filhos.  Desde 
o  dia  do  nascimento  até  aos  doze  anos  são  tratados  pelas  mães, 
daí  em  deante  pelos  pais  com  quem  vão  a  caça,  e  que  acompanham 
nas  viagens  de  longo  curso  a  fim  de  fazer  a  permuta  de  géneros 
produzidos  na  sua  região. 

A  educação  moral  é  ministrada  pelos  pais  em  palestras  fami- 
liares, ensinando-lhes  os  deveres  de  honra  e  de  urbanidade,  e  .o 
seu  porte  perante  as  pessoas  de  jerarquia  superior  e  seus  seme- 
lhantes, e  finalmente  o  que  lhes  cumpre  fazer  para  adquirir  for- 
tuna. 

Com  respeito  às  filhas,  esta  missão  é  exercida  pelas  mães.  A 
educação,  repreensão  e  punição,  designam-se  indiferentemente  pelo 
nome  de  Mulongui. 

Os  sacerdotes  são  educados  nas  duas  únicas  seitas,  a  de 
Mybumba  e  a  de  Quita,  e  a  forma  como  são  instruídos  é  difícil 
de  se  descrever,  porquanto  a  este  respeito  se  guarda  o  maior 
sigílio.  Sabe-se  contudo  que  os  iniciados  nestas  seitas  estão  en- 
cerrados numa  casa  construida  expressamente  para  esse  fim  longe 
da  povoação,  onde  permanecem  um  mês  e  mais  e  que  à  saída  há 
festejos.  Parecem  umas  associações  secretas  onde  apenas  são 
admitidas  pessoas  de  uma  certa  categoria  e  jerarquia.  Aos  que 
professam  a  seita  M' bumba  dá-se-lhes  de  comer  como  preceito 
indispensável  um  bocado  de  carne  humana,  uma  só  vez  e  ao  ini- 
ciar-se. 

A  educação  dos  adivinhos  consiste  em  uma  série  de  pantomi- 
nicas  a  que  imprimem  uma  feição  divina.  Manifesta-se  o  adivinho 
sobre  uma  forma  de  uma  doença  semelhante  a  um  ataque  de 
loucura  para  o  que  se  consulta  um  adivinho  antigo  que  acaba 
por  concluir  que  o  neófito  tem  o  feitiço  de  adivinho.  A  seguir  é 
o  novo  adivinho  aperfeiçoado  na  arte  e  só  depois  disto  é  consi- 
derado como  mestre. 

A  educação  do  feiticeiro  a  que  se  chama  N'doqui,  é  desco- 
nhecida, pois  ninguém  sabe  positivamente  que  estes  o  sejam 
senão  depois  da  sua  morte. 


DE  ANGOLA  179 

Aos  curandeiros  é  ministrada  a  sua  especial  educação  por 
profissionais  e  por  meio  de  prática  durante  um  certo  tempo. 

Eis  o  que  existe  entre  estes  povos  no  que  diz  respeito  a  edu- 
cação. 

E  muito  vulgar  a  prática  da  circuncisão,  cerimónia  que  dura 
de  um  a  seis  meses.  É  uma  ocasião  em  que  melhores  regalias 
goza  o  Maungo,  visto  que  lhe  são  satisfeitas  pela  família  todas 
as  vontades,  ainda  as  mais  extravagantes,  porquanto  estes  exi- 
gem dos  pais  tudo  quanto  a  sua  imaginação  inventa,  embora  saibam 
que  a  satisfação  de  tais  exigências  lhes  acarreta  muitos  sacrifícios. 
Depois  de  se  encontrarem  curados,  realiza-se  a  apresentação  solene 
na  sanzala,  assistindo  ao  acto  a  maior  parte  ou  toda  a  sua  família, 
as  pessoas  de  amizade  e  as  de  suas  relações,  reinando  em  todos 
o  maior  regosijo.  São  presenteados  pelos  pais,  e  tomam  então  os 
nomes  porque  passam  a  ser  conhecidos. 

A  circuncisão  é  indispensável  para  um  homem  poder  mudar 
de  estado,  mas  não  é  considerada  morte  seguida  de  nascimento, 
tendo  como  consequência  o  iniciado  aprender  tudo  de  novo. 

* 

O  casamento  é  imposto  à  mulher  muito  antes  da  idade  da 
puberdade,  salvo  raras  excepções. 

Os  esponsais  ou  ajustes  de  casamento  fazem-se  em  qualquer 
época  do  ano  desde  que  o  homem  atinja  a  idade  da  puberdade, 
por  intermédio  dos  pais  ou  dos  tios.  Tanto  aquele  como  este, 
podem  pedir  mulher  para  o  filho  ou  sobrinho,  mas  cumpre  a  um 
deles  dar  conhecimento  do  facto  ao  outro  para  evitar  um  casa- 
mento com  pessoa  cuja  família  seja  de  maus  precedentes  ou  com 
quem  se  não  esteja  em  boas  relações. 

A  duração  dos  esponsais  é  indeterminada,  varia  segundo  as 
posses  do  homem. 

Se  o  homem  morre  a  mulher  fica  pertencendo  para  todos  os 
efeitos,  ao  sobrinho  ou  ao  irmão  do  falecido,  conforme  os  casos. 

Para  o  casamento  não  é  exigida  a  virgindade  da  mulher. 

Usam  os  casamentos  por  troca,  que  são  raríssimos,  e  que  só 
em  casos  especiais  são  admitidos;  os  casamentos  de  ensaio,  que 
só  se  tornam  efectivos  com  o  nascimento  de  uma  creança ;  e  final- 
mente os  casamentos  por  dote  ou  penhor,  que  são  os  mais  geral- 
mente adoptados. 


180  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Apesar  das  famílias  se  estimarem  mutuamente,  a  mulher  nunca 
vai  a  casa  do  homem  sem  este  pagar  na  integra  o  preço  por  que 
foi  ajustado  o  camalongú  ou  dote. 

O  homem  pode  ter  muitas  mulheres,  todavia,  a  primeiro 
chamada  Cabanda  é  que  lhe  fica  imediatamente  subordinada  no 
governo  da  casa.  Ha,  pois,  a  poligamia  ao  passo  que  a  poliandria 
não  existe.  Todas  as  mulheres  que  o  homem  tem  são  legítimas, 
tendo  a  primeira  mais  direitos  que  as  outras.  A  monogamia  é 
acidental  e  rara,  e  só  a  pode  determinar,  em  maior  parte  dos 
casos,  a  pobreza.  As  mulheres  pertencentes  a  um  único  homem, 
vivem  cada  uma  em  sua  cubata. 

Não  há  festas  de  espécie  alguma  por  ocasião  dos  casamentos, 
nem  intervêm  nestes  qualquer  autoridade. 

Em  alguns  casamentos  a  família  da  mulher  é  obrigada  a  sub- 
stituir esta  tantas  vezes  quantas  sai  da  casa  do  marido  ou  morre. 

São  causas  de  impedimento  de  casamento  a  inimizade  entre 
as  famílias  e  o  grau  de  parentesco  muito  chegado. 

Entre  estes  povos  existe  o  sentimento  do  amor  e  o  beijo 
(quitoco). 

O  marido  tem  na  casa  a  supremacia  sobre  a  mulher  em  casos 
puramente  domésticos,  mas  não  tem  direitos  alguns  sobre  os  bens 
que  a  mulher  possue  e  sobre  aqueles  que  ela  possa  vir  a  adquirir 
na  constância  do  casamento. 

O  marido  não  entra  para  a  família  da  mulher,  onde  no  entanto 
é  tratado  com  muita  deferência.  O  adultério  do  marido  não  é 
punido ;  o  adultério  da  mulher  é  punido  por  meio  de  multa  paga 
pelo  homem  com  quem  ela  o  pratica,  correspondente  ao  cama- 
longo  que  o  marido  pagou. 

Existe  o  divórcio  cujas  causas  principais  são :  mau  comporta- 
mento, indolência,  reincidência  no  adultério,  falta  de  respeito  a 
família  do  marido,  maus  tratos,  impotência,  etc. 

O  divórcio  não  tem  efeito  sobre  os  bens  dos  cônjuges  por  isso 
que  estes  são  distintos.  Quanto  aos  filhos,  só  teem  direito  aos 
bens  da  mãe,  porquanto  os  do  pai  pertencem  aos  sobrinhos. 

O  divórcio  importa  a  restituição  do  dote  ao  marido. 


*       # 


As  pessoas  consideradas  como  fazendo  parte  da  família,  são : 
pai,  mãe,  irmão,  sobrinho,  avós,  os  filhos  e  bem  assim  os  servi- 


DE    ANGOLA  181 

cais.  Os  irmãos  de  sangue  são  considerados  como  família  como 
acaso  de  nascimento. 

Deve-se  ao  pai  obediência  completa.  A  êle  é  presente  o  pro- 
duto da  caça  e  da  pesca  cuja  distribuição  se  faz  segundo  as  suas 
indicações,  consultando-se  sobre  todos  os  assuntos  que  respeitam 
os  mínimos  detalhes  da  vida  de  cada  um,  nada  se  decidindo  sem 
a  sua  aprovação. 

Os  filhos  casados  formam  novo  lar  podendo  este  estabelecer-se 
no  mesmo  grupo  ou  sanzala  ou  noutra  como  ao  filho  convenha. 

É  muito  notável  o  respeito  pelo  pai,  mãe,  filho  mais  velho, 
avô  idoso  e  pelo  irmão  da  mãe,  podendo  mesmo  dizer-se  que  na 
observância  deste  preceito  rivalizam  com  gente  de  mediana  edu- 
cação. Os  deveres  de  chefe  de  família  consistem  na  educação  e 
protecção  da  sua  prole,  tanto  quanto  caiba  na  esfera  da  sua 
acção  e  posses,  procurando  promover  o  seu  bem  estar  e  prover  o 
seu  sustento. 

Entre  os  membros  da  família  e  imediatamente  ao  pai  está  a 
mulher  a  quem  se  recorre  nos  casos  de  divergência. 


Os  doentes  são  assistidos  pelos  curandeiros  e  em  caso  de 
morte,  alem  dos  remédios  que  lhes  ministram,  fazem  cercar  o 
doente  de  um  grande  número  de  manipanços  a  fim  de  afuguentar 
os  feitiços.  Quando  se  reconhece  que  os  esforços  do  curandeiro 
são  inúteis  para  salvar  o  doente,  fazem-se  práticas  religiosas  em 
volta  do  enfermo  para  apressar  a  sua  morte. 

O  cadáver  é  atirado  à  cova  de  forma  que  a  cabeça  fique 
voltada  ao  nascente  e  sepultado  na  posição  em  que  ficou. 

Os  ritos  funerários  consistem  na  recitação  de  uma  arenga  à 
beira  da  sepultura,  exortando  o  espírito  do  defunto  para  que 
fulmine  o  feiticeiro  que  o  matou,  terminando  pela  cerimónia  de 
depor  em  cima  da  sepultura  manipanços. 

Ainda  é  de  uso  depor  sobre  as  sepulturas,  como  oferta,  pratos, 
canecos,  garrafas,  panos,  chapéus,  etc,  para  significar  a  estima 
que  os  parentes  teem  à  sua  memória. 

Em  geral  a  viuva  casa  com  o  sobrinho  ou  irmão  do  falecido, 
passando  os  órfãos  a  respeitar,  obedecer  e  servir  o  padrastoi 
embora  pertençam  ao  tio  materno. 

Existe  o  testamento,  porquanto  muitas  vezes  o  Maungo  se  v§ 


182  POPULAÇÕES    INDÍGENAS 

irremediavelmente  perdido  reúne  toda  a  sua  família,  e  verbal- 
mente dispõe  dos  seus  haveres,  determinando  partilhas  e  indicando 
até  os  indivíduos  que  devem  tomar  conta  das  suas  mulheres. 

* 

#_      * 

Os  Maungos  crêem  na  existência  dos  espíritos  que  sob  várias 
formas  podem  influir  na  sua  vida,  e  que  transmitem  os  seus 
desejos  ou  necessidades  pela  boca  de  uma  pessoa  viva,  para  o 
que  se  realizam  práticas  especiais,  em  tudo,  conforme  como  o  já 
descrito  para  outras  tribus. 

Adoram  as  representações  materiais  dos  seres  sobrenaturais, 
os  manipanços,  cuja  construção  é  das  atribuições  dos  feiticeiros 
benignos  ou  sacerdotes,  a  que  já  nos  referimos. 

Não  teem  uma  noção  exacta  da  alma  humana,  nem  teem  pa- 
lavra que  a  signifique. 

Teem  a  noção  do  bem  e  do  mal,  do  remorso  e  da  caridade. 

Gomo  manifestação  exterior  da  religião  costumam  trazer  ao 
pescoço  amuletos  e  não  comem  carne  de  galinha  ou  de  rez  morta 
no  mesmo  dia  e  preparada  em  uma  só  panela  de  que  se  serve 
muita  gente. 

Existem  entre  estes  povos  duas  espécies  de  ritos,  os  oficiais 
e  os  particulares. 

Os  oficiais  são  o  quita  e  o  m'bumba,  cujos  fins  são  muito 
semelhantes  e  em  que  se  iniciam  as  pessoas  nobres,  comprome- 
tendo-se  entre  si  ao  auxílio  mútuo,  à  igualdade  nos  deveres  e 
obrigações  e  ao  trato  social;  o  que  em  muito  se  parece  com  a 
organização  da  nossa  maçonaria. 

Os  ritos  particulares  de  cada  família  a  que  se  chama  penates, 
e  que  são  :  o  raio  (ragi  nome  indígena)  que  tem  por  missão  ful- 
minar os  inimigos  da  família ;  a  fortuna  (quibuca)  que  proporciona 
a  abastança;  o  gonga-zumba  o  elo  que  une  os  membros  da  família, 
que  muitas  vezes  vai  descobrir  parentes  nas  mais  longíquas  pa- 
ragens. 

Os  templos  são  as  próprias  habitações  a  um  canto  da  casa 
que  serve  geralmente  de  alcova. 

Sobre  o  sacerdócio  acima  tivemos  já  ocasião  de  nos  referir, 
acrescentando  que  os  sacerdotes  não  teem  posição  social  especial, 
sendo,  contudo,  considerados  por  gosarem  de  poderes  particu- 
lares. 


DE   ANGOLA  183 


IV.  —  Da  vida  social 

Espécie  de  vida.  —  Classes  e  castas.  — 
Organização  política.  —  Propriedade.  — 
Regime  económico.  —  Costumagens  jurí- 
dicas. 

O  facto  de  os  Maungos  se  dedicarem  à  creação  de  gado 
em  grande  escala  não  nos  pode  levar  à  conclusão  que  eles  levem 
vida  nómada  ou  pastoral.  Os  Maungos  teem  uma  vida  bastante 
sedentária. 

Existem,  como  nas  tribus  que  já  estudamos,  diversas  classes: 
chefes,  guerreiros,  curandeiros,  anciões,  artífices,  comerciantes, 
escravos  libertos  e  escravos. 

No  que  respeita  a  escravatura  existem  escravos  de  guerra, 
escravos  de  dívida,  de  crime  de  homicídio  ou,  outro  de  igual 
gravidade  e  escravos  por  compra.  Não  ha  escravos  voluntários. 
Os  escravos  são  tratados  como  filhos  e  obedecem  aos  seus  amos 
como  se  o  fossem. 

#       * 

4 

Não  existe  uma  organização  política  distinta  do  grupo  familial, 
visto  que  as  diversas  aldeias  ou  sanzalas,  que  elegem  os  seus 
chefes,  são  agrupamentos  de  famílias  mais  ou  menos  aparenta- 
das. 

O  chefe  chama-se  fumo;  os  seus  direitos  e  funções  consistem 
em  ordenar  e  ser  obedecido  em  tudo  o  que  se  refere  à  segurança, 
bem  estar  físico  e  moral  da  aldeia  em  que  tem  autoridade.  O 
seu  poder  vai  até  ao  ponto  de,  em  caso  de  infracção  ou  desobe- 
diência, impor  multas  e  decretar  a  expulsão,  a  venda  e  mesmo  a 
pena  de  morte. 

O  chefe  é  eleito  pela  família  ou  grupo  de  famílias  que  constitue 
a  sanzala ;  nunca  é  imposto,  porque  para  o  ser,  era  mister  que 
algum  potentado  mais  poderoso  tivesse  autoridade  sobre  a  tribu. 

São  hereditários  e  a  sucessão  é  de  irmãos  para  irmãos  e  de 
tios  para  sobrinhos,  podendo,  no  entanto,  ser  deposto,  abando- 
nando a  sua  gente  o  local  onde  a  sanzala  estava  estabelecida. 
Na  falta  do  chefe  governa  o  decano  da  sanzala. 

Ha  reuniões  e  assemblêas  de  anciões,  nobres,  chefes,  homens 


184  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

livres  e  escravos  maiores  e  conceituados.  Convoca-as  e  dirige-as 
os  decanos,  resolvendo-se  nelas  o  declarar  a  guerra,  o  estabelecer 
relações  políticas  e  económicas  com  as  tribus  vizinhas. 

Como  complemento  da  organização  política  dos  Maungos, 
acrescentaremos  que  os  diversos  grupos  ou  sanzalas,  governa- 
dos pelos  seus  chefes  se  encontram  reunidos,  formando  uma 
sociedade  política  mais  extensa  e  forte. 

*       * 

No  que  diz  respeito  a  propriedade  de  bens  móveis,  pertencem 
ao  homem  as  armas  as  malas  e  as  roupas;  pertencem  à  mulher 
as  panelas  e  o  restante  que  constitue  o  seu  trem  de  cosinha,  e 
parte  dos  mantimentos,  sobre  que  tem  direito  absoluto,  e  os 
panos  e  ferramentas  agrícolas  sobre  que  é  restrito  o  seu  direito 
e  de  que  não  podem  dispor,  pois  lhe  foi  oferecido  pelo  marido 
para  os  seus  usos  domésticos.  A  mulher  livre  e  casada  pode 
dispor  livremente  do  que  é  seu. 

No  que  diz  respeito  a  bens  imobiliários,  em  geral  o  seu  pro- 
prietário é  o  homem  que  deles  dispõe  a  seu  belo  prazer.  Consi- 
deram-se  como  bens  imobiliários  as  casas,  pois  que  a  terra  é 
considerada  como  propriedade  colectiva,  a  terra  é  para  todos 
como  o  sol  e  a  água. 

O  direito  à  propriedade  ou  melhor  à  sua  exploração  advêm 
da  ocupação  e  da  sua  valorização.  Existem  terrenos  e  rios  cuja 
valorização  compete  a  todos  os  habitantes  da  aldeia. 


O  comércio  é  exercido  por  caravanas  que  aos  centros  comer- 
ciais vão  permutar  os  géneros  da  terra  que  em  geral  são :  a 
borracha,  o  marfim,  e  o  gado  bovino,  pelas  mercadorias  de 
que  necessitam:  os  panos,  o  sal,  as  armas  a  pólvora  e  a  cute- 
laria. 

As  unidades  de  medida  são,  a  jarda  para  as  medidas  liniares; 
o  muzengi  (pouco  mais  ou  menos  do  tamanho  de  uma  chávena 
de  café)  para  as  medidas  de  capacidade;  e  a  bola  do  tamanho 
de  um  ovo  de  pomba  para  as  de  volume. 


DE   ANGOLA  185 


* 


Os  contractos  teem  sempre  um  caracter  religioso,  pois  são 
celebrados  na  presença  dos  feitiços  ou  manipanços,  a  quem  se, 
promete  o  seu  integral  cumprimento. 

O  contracto  uma  vez  celebrado,  o  seu  cumprimento  é  impres- 
cindível, sob  pena  de  indemnização,  porem  em  casos  de  força 
maior,  devidamente  verificados,  chega-se  a  um  acordo  no  sentido 
de  o  modificar. 

Não  ha  prescrição,  ao  dono  o  direito  é  inextinguível. 

Existe  o  empréstimo  que  se  faz  em  geral  sem  juros,  mas  com 
caução. 

Os  actos  comerciais  são  livres,  mas  os  devedores  quando  não 
pagam  são  presos  e  muitas  vezes  são-lhes  sequestrados  os  bens. 

O  casamento,  sendo  um  contracto  como  qualquer  outro,  só  se 
dissolve  pela  restituição  do  Çamalongo  ao  genro. 

A  tutela  implica  responsabilidade  ao  tutor,  traduzida  pelo 
bom  trato,  sustento  e  apresentação  dos  tutelados  quando  exigido 
por  quem  de  direito. 

A  sucessão  é  colateral  feminina,  os  herdeiros  são  os  irmãos 
ou  os  sobrinhos  filhos  da  irmã. 

São  livres  as  doações  e  irrevogáveis,  desde  que  sejam  feitas 
por  pessoas  com  capacidade  de  se  governar. 

O  testamento  é  permitido  mas  a  sua  execução  não  fica  ga- 
rantida, porquanto  a  parte  dele  que  vá  de  encontro  aos  interesses 
da  família  não  é  posta  em  execução. 

Existe  um  conjunto  de  costumes  e  regras  estabelecidas  defi- 
nindo e  classificando  as  infracções  e  estabelecendo  as  penas.  No 
entanto  a  aplicação  da  pena  tem  de  ser  aprovada  pelos  julgadores 
e  pode  por  eles  ser  atenuada  ou  agravada.  A  pena  mais  geral- 
mente aplicada  é  a  indemnização;  os  castigos  corporais  são 
raros;  a  pena  de  Talião  só  é  admitida  em  casos  de  flagrante 
delito;  não  usam  a  mutilação,  mas  a  prisão  é  frequente  para 
apressar  o  pagamento  da  indemnização. 

Para  averiguação  e  julgamento  das  questões  reúne  um  tribunal, 
constituído  pelos  homens  bons  e  probos  da  região,  que  presidem 
ao  julgamento  e  aos  debates  e  outros  de  menor  ou  igual  nomeada 
por  estes  convidados  para  fazerem  parte  do  tribunal.  O  chefe 
da  sanzala  não  faz  parte  do  tribunal  e  fica  inibido  de  intervir 
13 


186  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

se  as  partes  em  litígio  pertencem  ambas  à  sua  sanzala,  caso 
contrário  intervêm. 

Uma  questão  intenta-se  dirigindo-se  o  queixoso  ao  homem  de 
bem  que  prefira  expondo-lhe  as  causas  determinantes,  o  que  êle 
transmite  ao  arguido  que  por  sua  vez  contesta,  combinando-se  a 
seguir  o  dia  e  hora  da  reunião. 

A  instrução  da  causa  é  pública  e  a  prova  do  crime  é  feita  por 
testemunhas  e  na  falta  destas  pela  prova  da  beberagem  de  ipe- 
cacuenha,  dada  aos  cães  dos  indivíduos  em  litígio,  sendo  dada 
razão  àquele  cujo  cão  primeiro  vomite. 

No  caso  de  absolvição  do  arguido,  o  acusado  é  punido  com 
uma  indemnização  paga  ao  arguido  e  ao  reembolso  das  custas 
que  as  partes,  antes  do  julgamento  da  causa,  depositam  nas 
mãos  dos  julgadores. 


Escala  =12000000 


Tríbu    MUSSUCO 


i 


M  /  V  ttíl     f*  »  1-     f.  np 


CAPÍTULO  VII 
MUSSUCOS  (<). 

T.  —  Dos  caracteres  etnográficos  gerais 

Situação  geográfica  da  tribu  designada  por 
Mussueos.  —  Sua  origem.  —  População. 

A  tribu  Mussuco  habita  a  região  do  mesmo  nome,  situada  no 
distrito  da  Lunda  e  limitada  ao  norte  pelo  rio  Utungila,  ao  sul 
pela  tribu  Maxinje,  a  leste  pelos  Lundas  do  Nzovo  e  a  oeste  pelo 
rio  Kuango. 

O  nome  de  Mussuco  poderá  ser  derivado  de  kissuko  ou  ussuko 
que  significa  noite;  no  entanto,  os  indígenas  não  conservam  nas 
suas  tradições  qualquer  lenda  que  desse  origem  ao  seu  nome, 
nem  tão  pouco  repararam  no  calembour. 

Os  Mussueos  dizem-se  emigrados  das  proximidades  de  S.  Sal- 
vador e  parentes  dos  Reis  do  Congo,  bem  assim  como  da  tribu 
Bá-iáca  do  Congo  Belga  e  da  dos  Mahungos,  e  afirma-se  que 
conservam  religiosamente  escondido  um  sino  que,  na  sua  vinda 
do  Congo,  trouxeram  de  S.  Salvador.  Pela  história  que  fazem, 
parece  ser  relativamente  recente  o  seu  estabelecimento  na  região 
que  ocupam,  onde  se  instalaram  com  permissão  do  grande  Muata- 
Ianvo  da  Lunda  e  a  quem  pagaram  durante  muito  tempo  tributo. 
Recordam  ainda  as  guerras  que  os  seus  ascendentes  tiveram  com 
os  Maxinjes  e  com  os  Lundas  de  Nzovo  nos  primeiros  tempos 
depois  da  sua  chegada. 


(*)  Prestou  a  sua  colaboração  no  estudo  desta  tribu,  coligindo  todas 
as  notícias  que  poude  obter  sobre  os  Mussueos,  o  Administrador  sr.  As- 
sunção Teixeira. 


188  POPULAÇÕES    INDÍGENAS 

Os  Mussucos  são  de  fraca  e  pouco  resistente  constituição 
física ;  caracter  assas  expansivo,  mas  dissimulado,  pouco  corajosos 
perante  o  perigo,  de  compaixão  e  sentimento  raro,  e  polidez 
convencional. 

A  população  tende  a  diminuir,  pelas  razões  indicadas  no  es- 
tudo de  outras  tribus:  poligamia,  ligações  conjugais  precoces, 
pouca  higiene  e  péssima  escolha  dos  locais  onde  se  estabelecem. 

II.  —  Da  vida  material  e  intelectual 

Cuidados  dados  ao  corpo.  —  Vestuário. — 
Habitação.  —  Alimentação.  —  Meios  de 
existência.  —  Artes.  —  Ciências.  — Facul- 
dades intelectuais. 

Nenhuns  cuidados  especiais  de  higiene  ou  de  cultura  física, 
por  exercícios  corporais,  praticam;  lavam-se  ou  tomam  banho, 
apenas  acidentalmente,  quando  tenham  que  atravessar  qualquer 
curso  de  água. 


O  seu  traje  habitual  é  a  vulgar  tanga  de  riscado  impregnada 
de  óleo  e  tacula  que  os  homens  usam  cobrindo-os  da  cintura  aos 
joelhos,  e  as  mulheres  desde  o  peito  até  à  mesma  altura. 

Ambos  os  sexos  penteiam  o  cabelo  em  tranças  de  6  a  15  cen- 
tímetros de  comprimento  que  deixam  cair  sobre  as  orelhas  e  a 
nuca,  enrolando  algumas  tranças,  que  apartam  também  para 
cairem  sobre  a  testa. 

O  homem  traz  sempre  consigo  a  competente  faca  gentílica  de 
pequenas  dimensões,  metida  em  uma  bainha  de  couro  e  suspensa 
dum  largo  cinturão,  a  que  não  falta  a  conhecida  patrona,  ornada 
de  pregos  amarelos. 

As  mulheres  enfeitam  os  cabelos  com  missanga  encarnada  e 
azul  e  com  umas  chapas  de  latão  polido,  talhadas  em  forma  de 
cruz ;  adornam-se  com  variados  colares  de  missanga  ao  pescoço 
e  voltas  de  latão  ou  ferro  polido,  nos  pulsos  e  tornosêlos. 

Nas  festas  e  danças,  as  raparigas  enfeitam  os  peitos  com  mis- 
sanga e  os  homens  suspendem  ao  pescoço  uns  pequenos  embrulhos 
contendo  pólvora,  carvão  e  um  osso,  ou  só  um  chifre  de  corça, 
um  dente  de  jacaré  ou  unha  de  onça.   São  os  feitiços  protectores* 


DE  ANGOLA  189 

Alguns  apresentam-se  com  o  chamado  feitiço  Ngola —  muito 
estimado  —  que  consiste  em  duas  chapas  de  ferro  adornadas  de 
pedacitos  de  cobre  polido,  colocando  uma  nas  costas  e  outra 
sobre  o  peito,  por  meio  de  cordas,  com  que  as  suspendem  ao 
pescoço. 

Para  o  soba  —  desde  que  esteja  na  posse  das  insígnias  do 
sobado  —  é  obrigatório  o  uso  do  cabelo  completamente  rapado  e 
da  clássica  kijinga,  feita  em  tecido  de  fibra  de  palmeira  e  com 
dois  enfeites  aos  lados,  em  forma  de  chifre,  voltados  com  as 
pontas  para  baixo.  Aos  macotas  pertence  o  uso  da  malunga 
(pulseira  de  ferro  ou  latão)  e  também  da  kijinga,  mas  sem  en- 
feites. 

A  tatuagem  é  praticada  habitualmente  pelos  dois  sexos  na 
adolescência,  por  incisões  e  picaduras,  na  testa,  nariz  e  no  ventre. 
Os  desenhos  preferidos  são:  cruzes,  losângulos  e  tartarugas. 

* 

Estabelecem-se  em  sanzalas  desprovidas  de  qualquer  defeza 
guerreira  constituídas  por  pequenos  agrupamentos  de  cubatas, 
correspendendo,  em  média,  40  cubatas,  com  uma  população  de 
120  habitantes,  para  cada  sanzala.  Quando  acontece  ocorrerem 
muitos  óbitos  em  pouco  tempo,  reputam  o  local  habitado  pelos 
espíritos  (mukumbi)  e  tratam  de  mudar  a  povoação  para  outro, 
ainda  que  próximo.  O  local  de  eleição  é,  no  geral,  as  proximi- 
dades dos  rios  onde  abunde  o  peixe,  sendo  previamente  discutido 
e  definido  pelo  chefe  e  pelos  macotas. 

A  cubata  usual  dos  Mussucos  é  de  configuração  rectangular, 
com  telhado  de  duas  águas,  esqueleto  de  paus  delgados,  revesti- 
mento de  caniço  e  cobertura  de  colmo.  A  única  abertura  que  se 
nota  na  habitação  é  a  porta  de  entrada,  sempre  feita  no  extremo 
de  uma  das  maiores  faces;  mas  em  sentido  oposto,  e  à  maior 
distância  da  porta  de  entrada,  lá  está  sempre  a  competente 
portinhola,  melhor  ou  peor  disfarçada,  por  onde  os  moradores 
se  possam  pôr  em  fuga  em  caso  de  necessidade. 

Interiormente,  comportam  duas  divisões :  a  cosinha  (muanza) 
e  o  quarto  (fulu).  Neste,  uma  ou  duas  camas  feitas  por  uma 
grade  de  pequenos  paus  de  bordão,  coberta  com  esteiras  de 
mabre  (papyros)  e  assente  em  quatro  forquilhas  que  a  levantam 
do  solo  cerca  de  meio  metro,  e  nenhum  outro  móvel. 


190  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Na  cosinha  as  três  pedras,  torrões  de  morros  de  salalé,  ou 
panelas  velhas  de  barro  cheias  de  terra,  onde  assenta  a  panela 
que  se  quere  pôr  ao  fogo,  e  nada  de  bancos  ou  mesas.  Em  ambos 
os  compartimentos  se  vêem  suspensos  das  paredes  e  do  tecto, 
vários  cestos  e  embrulhos  com  mantimentos  e  diversos  objectos. 

As  casas  dos  chefes,  quando  estes  são  importantes,  são  de 
forma  quadrada;  na  madeira  do  caixilho  ou  engradamento  da 
porta,  tem,  abertos  em  relevo,  vários  desenhos  figurando  jacarés, 
tartarugas  e  kijingas ;  no  alto  da  porta :  uma  espécie  de  taboleta 
de  madeira  com  um  desenho  semelhante  a  dois  pontos  de  inter- 
rogação, voltados  horisontalmente  com  os  respectivos  pontos 
voltados  para  a  extremidade  da  taboleta. 

A  habitação  do  soba  tem  anexo  um  grande  recinto  fechado, 
onde  se  encontram  as  cubatas  das  suas  numerosas  mulheres,  no 
qual  não  é  permitida  entrada  a  homens.  As  casas  dos  macotas 
e  dos  homens  versados  em  feitiçaria  teem  um  pequeno  quintal, 
de  cerca  de  quatro  metros  quadrados,  onde  se  encontra  a  pe- 
quena cubata  dos  feitiços;  os  menos  importantes  constroem  esta 
casa,  sem  resguardo  algum,  em  frente  da  casa  de  habitação. 


Os  principais  géneros  de  alimentação  dos  Mussucos  são:  a 
mandioca,  de  que  fabricam  a  fubá,  o  milho,  a  batata  doce  e  os 
produtos  da  pesca  e  da  caça.  De  ordinário  comem  em  família, 
e  só  o  soba  come  sosinho. 

Como  bebida  excitante,  usam  o  sumo  fermentado  da  palmeira 
a  que  dão  o  nome  de  malafo,  e  uma  espécie  de  cerveja  de  milho. 

Não  é  permitido  olhar-se  para  o  soba  emquanto  estiver  bebendo. 

Cada  família  tem  o  seu  alimento  animal  proibido,  a  kigila, 
que  lhe  é  imposta  pelo  feiticeiro ;  ao  soba  e  às  mulheres  não  lhes 
é  permitido  comerem  ovos  ou  galinhas,  mas  esta  imposição  parece 
fundar-se  mais  num  critério  de  exemplar  economia  do  que  num 
preceito  fetichista,  visto  que  é  transgredida  frequentes  vezes. 

A  geofagia  é  habitual,  sendo  a  terra  escolhida  uma  espécie 
de  greda  muito  branca,  a  que  dão  o  nome  de  kikela. 

Não  são  antropófagos  por  hábito,  mas  afirma-se  que  em  certos 
actos  solenes,  como  à  investidura  dum  soba  no  poder,  ou  a 
iniciação  de  um  feitiço,  praticam  alguns  actos  de  antropofagia 
a  ocultas  e  como  cerimónia. 


DE  ANGOLA  191 


As  principais  ocupações  deste  povo  são  a  agricultura,  a  pesca 
e  a  caça;  dedicam-se  um  pouco  à  extracção  da  borracha  e  exercem 
rudimentarmente,  apenas  para  a  satisfação  das  suas  necessidades, 
os  misteres  de  ferreiro,  cesteiro  e  cordoeiro. 

Só  o  soba  e  os  macotas  possuem  currais  de  gado  bovino  e 
muito  poucos  se  dedicam  à  criação  de  gado  de  outras  espécies. 

Homem  e  mulher  fazem  a  sua  lavra  à  parte,  tratando  sepa- 
radamente dela  desde  o  preparo  inicial  da  terra  até  à  época  das 
colheitas,  sendo  estas  então  feitas  pela  mulher  e  entrando  para 
o  celeiro  comum  da  família. 

São  de  exclusivo  cuidado  do  homem:  a  colheita  dos  frutos 
silvestres  no  mato,  o  corte  dos  cachos  de  dendem  e  a  extracção 
do  malufo. 

As  lavras  do  soba  são  feitas  pelo  povo,  em  dias  previamente 
designados  pelo  chefe,  costumando  este  gratificar  os  trabalha- 
dores com  um  boi  ou  com  uma  cabra,  conforme  a  importância 
do  serviço  feito. 

Para  o  amanho  das  terras  e  tratamento  das  lavras,  empregam 
a  vulgar  enxada  gentílica,  e  para  a  preparação  da  fubá  e  escolha 
dos  legumes  e  do  milho,  servem-se  do  conhecido  almofariz  de 
madeira  a  que  chamam  kino  e  de  diversos  crivos  e  cestos  que 
denominam  mussalo  e  kolo. 

A  pesca  do  bagre,  do  liange  e  do  tseme  é  feita  ao  anzol  e  com 
armadilhas  de  verga  (biono),  semelhantes  aos  covos  usados  pelos 
nossos  pescadores. 

A  caça,  sua  ocupação  predilecta,  é  praticada  individualmente 
desde  tenra  idade  pelo  homem  em  qualquer  época  do  ano;  cole- 
ctivamente, fazem  as  grandes  caçadas  da  época  das  queimadas 
(agosto  e  setembro)  para  as  quais  se  reúnem  os  moradores  de 
uma  ou  mais  sanzalas  por  determinação  do  chefe  a  que  pertencem 
os  capins  a  queimar.  Na  véspera  e  na  manhã  do  dia  designado, 
rufa  o  tambor  (muendu)  e  à  hora  aprazada,  reunindo  os  caçadores 
no  local  escolhido,  encarregam  os  rapazes  e  um  ou  outro  velho, 
ainda  entusiasta,  de  lançarem  fogo  em  volta  do  terreno  indicado, 
(kitumbo),  enquanto  os  caçadores  vão  avançando  atrás  do  fogo 
até  aos  pontos  onde  a  caça  acossada  por  êle  é  obrigada  a  refu- 
giar-se.    4o  soba  pertence  sempre  uma  determinada  porção  de 


192  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

carne,  proporcional  aos  resultados  da  caçada,  e  ao  caçador  que 
fere  em  segundo  lugar  o  animal,  cabe -lhe  como  parte  uma  espádua. 


* 


Revelam  pouco  engenho  e  génio  artístico  nos  objectos  que 
fabricam,  sendo  mesmo  muito  mais  imperfeitos  nas  suas  grosseiras 
esculturas  de  figuras  humanas,  de  jacarés  e  de  tartarugas,  do 
que  os  seus  visinhos  Lundas,  Pakas  e  Holos,  que  pretendem 
imitar. 

São  dotados  de  boa  memória  e  desenvolvem  muito  regular 
raciocínio,  acompanhado  de  hábeis  argumentos  de  apoio,  em 
defesa  dos  seus  interesses,  nas  questões  que  entre  si  e  com  as 
tribus  visinhas  teem  de  derimir. 

#       % 

O  dialecto  dos  Mussucos  tem  mais  afinidades  com  o  kikongo 
do  que  com  qualquer  das  outras  línguas  do  grupo  bantu  faladas 
na  Província,  o  que  vem,  em  parte,  confirmar  a  sua  vinda  do 
Congo.  É  certo  que  usam  bastantes  vocábulos  dos  dialetos  do 
Xinge,  Holo  e  Paka,  mas  naturalmente  adoptados  das  relações 
comerciais  com  estes  visinhos. 

No  canto,  como  em  diversas  cerimónias,  tais  como  a  do 
Ngiri  (iniciação  das  raparigas),  e  várias  práticas  de  feitiçaria, 
empregam  uma  língua  especial  que  todos  compreendem,  mas 
para  os  feiticeiros  consagrados,  há  uma  linguagem  secreta  só 
deles  conhecida. 

III.  —  Da  vida  familial 

O  nascimento.  —  A  educação.  —  O  casa- 
mento. —  A  família.  —  A  morte.  —  A  reli- 
gião, rito,  culto,  divindades  e  sacerdócio. 

Quando  se  aproxima  a  época  do  nascimento  fazem-se  as  ceri- 
mónias de  esconjuro — munjilrixe  —  para  afugentar  os  espíritos 
malfazejos,  acompanhando  estas  cerimónias  com  várias  danças. 
A  grávida  ata  ao  pescoço  umas  cordas  a  que  chamam  —pataki; 


DE   ANGOLA  193 

—  toma  o  —  muanvo — remédio  com  que  pretendem  facilitar  o 
parto;  corta  as  relações  com  o  homem,  e  abstêm-se  de  entrar 
nas  covas  onde  costumam  extrair  o  barro  para  o  fabrico  da 
louça  e  outros  usos. 

O  parto  realiza-se  fora  ou  dentro  da  cubata,  em  qualquer 
local  fora  da  vista  dos  homens,  a  quem  é  vedado  presenciá-lo, 
tomando  a  parturiente  logar  numa.  esteira,  assentada,  e  assis- 
tida por  outras  mulheres  reputadas  peritas  no  mister  de  par- 
teiras. 

Findo  o  parto  a  parturiente  fica  recolhida  na  cubata,  onde 
é  obrigada  a  permanecer  durante  5  dias;  se  Oste  foi  feliz  feste- 
ja-se  o  nascimento  da  creança  matando  uma  cabra. 

Se  o  recemnascido  vem  aleijado  ou  disforme  não  é  amamen- 
tado, e  na  maioria  dos  casos  é  lançado  logo  ao  rio. 

O  período  de  lactação  vai  de  2  a  3  anos  e  emquanto  a  creança 
não  estiver  crescida  a  mãe  não  pode  comer  ratos. 

A  creança  pertence  ao  tio  materno  e  recebe  dois  nomes, 
sendo  um  secreto. 

# 

Não  se  preocupam  com  a  educação  física  ou  intelectual  das 
crianças  que  só  é  dada,  com  fins  especiais,  àquelas  que  são  des- 
tinadas a  serem  feiticeiros,  curandeiros  ou  sobas.  Como  educa- 
ção moral,  coíbem-nas  da  prática  de  actos  que  são  contrários 
aos  seus  usos  e  costumes,  repreendendo-as,  e  aplicando-lhes  às 
vezes  castigos  corporais,  porem  sempre  brandos. 

Ambos  os  sexos  recebem  uma  iniciação  geral  —  que  para  o 
masculino  consiste  na  circuncisão  (mukundá)  e  para  o  feminino 
na  mutilação  dos  órgãos  genitais  (ngiri). 

Repete-se  esta  operação  periodicamente,  cada  7  ou  8  anos,  e 
nela  entram,  todos  os  que  tendo  entre  7  a  16  anos,  ainda  não 
tenham  sido  iniciados. 

A  operação,  e  as  cerimónias  da  circuncisão,  duram  de  ordi- 
nário entre  3  a  4  meses.  Para  elas  constroem  uma  cubata  no 
mato,  —  oculto  entre  o  capim  e  longe  das  sanzalas,  —  onde  os 
rapazes  permanecem  nús,  e  inibidos  de  se  avistarem  com  outras 
pessoas,  àlêm  do  operador  e  duma  mulher  velha  que  auxilia  a 
operação  e  os  curativos.  Durante  a  operação  essa  ajudante  ani- 
ma-os  com  uma  cantilena  cheia  de  expressões  lúbricas  e  promes- 
sas de  futuros  gosos  sexuais. 


194  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

Ao  nascer  e  pôr  do  sol  entoam  todos  os  dias,  em  coro,  um 
hino  àquele  astro. 

Feita  a  completa  cicatrização  do  local  operado  e  ultimadas 
as  cerimónias  e  preparativos  para  a  volta  às  suas  cubatas,  os 
rapazes,  vestem-se  com  uns  trajes  (espécie  de  dominós  com  capuz) 
feitos  de  fibras  vegetais,  e  regressam  à  sanzala  vindo  o  mais 
velho  a  tocar  apito. 

A  sua  chegada  as  raparigas  fogem  e  escondem-se.  Seguem-se 
depois  várias  cerimónias  com  danças  e  cânticos  para  festejarem 
o  acontecimento. 

* 
*       # 

A  moralidade  desta  tribu  proíbe  as  relações  sexuais  antes  e 
fora  do  casamento,  mas  nem  por  isso  a  virgindade  acompanha 
sempre  os  noivos  quando  casam,  nem  também,  deixam  de  apare- 
cer casos  de  prostituição  (maseka)  embora  esta  seja  condenada. 
É  frequente  a  masturbação  (mutngila)  e  ainda  que  raramente, 
dão-se  casos  de  sodomia  (kindumbu)  que  são  severamente  puni- 
dos, passando  à  condição  de  escravos  ou  a  novo  senhor,  aque- 
les que  os  praticam. 

Existe  o  beijo  (kudimuka)  como  manifestação  de  sentimento 
de  ternura,  respeito  e  sensualidade. 

O  casamento  considera-se  geralmente  como  ligação  por  toda 
a  vida,  mas  existe  o  repúdio  e  o  divórcio  por  determinadas  cau- 
sas e  mediante  condições  estipuladas.^ 

Casam  com  os  indivíduos  da  mesma  tribu  ou  de  tribus  dife- 
rentes e  que  estejam  considerados  na  mesma  classe  social.  A 
idade  própria  para  a  mulher  casar,  começa  desde  que  apareçam 
os  sinais  de  puberdade;  para  o  homem,  costuma  ser  só  depois 
dos  20  anos. 

O  casamento  é  ajustado  quando  a  mulher  é  ainda  muito 
nova. 

Para  o  ajuste  o  pretendente  entende-se  primeiro  com  a  mãe, 
depois  com  o  tio  materno  e  finalmente  com  a  rapariga,  cuja 
opinião  pouco  decide  no  assunto. 

Aceites  as  pretensões  do  noivo,  oferece  este,  três  presentes : 
o  primeiro  (kijika)  à  mãe,  cujo  valor  orça  pelo  de  4  metros  de 
riscado;  o  segundo  {mabomdá)  ao  tio,  geralmente  uma  cabra;  o 
terceiro  (bipahu)  que  costuma  ser  um  boi,  é  oferecido  também 
ao  tio.    Se  o  noivo  morre  depois  de  ter  recebido  o  presente,  a 


DE    ANGOLA  195 

rapariga  tem  de  casar  com  qualquer  dos  seus  irmãos,  ou  então, 
o  tio,  é  obrigado  a  restituir  no  dobro  o  que  recebeu  (ponda). 

Chegado  o  dia,  ou  antes,  a  noite  combinada,  a  mulher  depois 
de  adornada  com  missangas,  pequenos  guisos,  pulseiras  de  latão 
e  vários  outros  adornos,  e  de  bem  besuntada  com  óleo  e  tacula, 
é  coberta  por  um  único  pano  e  levada  às  costas  de  um  homem 
até  casa  do  noivo.  O  carregador  da  noiva  pede  pagamento  pelo 
seu  serviço  prestado,  recebe-o,  retira-se  e  a  mulher  entra  então 
para  o  seu  novo  lar.  Desde  o  momento  em  que  ela  entra  em 
casa  do  noivo  efectivou-se  o  casamento,  suceda  o  que  suceder,  e 
o  noivo  tem  que  presentear  também  o  soba. 

Para  os  filhos  do  povo  as  cerimónias  são  assim  simples  e  a 
festa  limita-se  aos  membros  da  família,  mas  para  os  filhos  dos 
grandes  da  tribu  acompanham-se  de  manifestações  festivas  tra- 
duzidas em  danças  e  comezainas. 

A  poligamia  é  permitida  e  o  número  de  mulheres  só  é  limitado 
pelos  recursos  económicos  de  que  dispõem  os  homens. 

Assim,  o  Kiambanda  tem  sempre  avultado  número  de  mulheres 
(o  actual  tem  tido  sempre  entre  50  a  70)  e  os  sobas  e  outros 
homens  ricos,  teem  6  ou  10  e  mais,  enquanto  os  pobres  se  con- 
tentam com  uma. 

A  primeira  mulher  (mubanda)  é  considerada  como  a  legítima 
e  a  dona  da  casa.  As  outras  são  consideradas  como  concubinas 
e  recebem  o  nome  de  bakama. 

Vive  cada  uma  em  sua  cubata,  dando-se  contudo  explendida- 
mente. 

A  poliandria  só  é  permitida  às  mulheres  sobas;  nesta  tribu, 
só  gosa  essa  regalia  a  N'guria-kama  que  ainda  assim  não  abusa 
dela,  pois,  pouco  vai  além,  oficialmente,  do  príncipe  consorte,  o 
Muene-Mussunda. 

Os  filhos  da  Mubanda  são  os  mais  considerados  e  esta  não 
pode  ser  cedida  nem  mesmo  vendida  senão  como  castigo  por 
adultério. 

O  marido  tem  pouco  poder  sobre  a  mulher  e  o  casal  conserva 
sempre  maior  ligação  com  a  família  da  mulher  do  que  com  a 
dele. 

O  adultério  tanto  do  homem  como  da  mulher,  é  punido. 
Quando  praticado  pelo  homem,  a  mulher  tem  o  direito  de  aban- 
donar o  lar,  mas  deixando  ao  marido  todos  os  haveres;  quando 
praticado  pela  mulher,  pode  ela  ser  pelo  marido  expulsa  do  lar, 
tendo  então  que  refugiar-se  em  casa  dos  pais,  c  restituindo  ao 


196  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

marido  o   valor  de  todos  os  presentes   que  a  família  recebeu, 
quando  queira  novamente  casar  com  outro. 

Sobre  o  amante  é  que  incidem  sempre  as  grandes  penalidades, 
pela  falta  da  adúltera. 

# 

A  morte,  como  as  doenças,  nunca  é  julgada  casual;  tudo  é 
atribuido  aos  feitiços. 

Quando  alguém  se  encontra  doente,  recorre  ao  feiticeiro 
curandeiro;  este  intervêm  procurando  sempre  inutilizar  a  acção 
perniciosa  dos  feitiços  malfazejos,  opondo-lhe  de  reforço  com 
varias  drogas  que  vai  aplicando,  muitas  vezes  com  certa  eficácia, 
as  competentes  práticas  de  feitiçaria  que  também  não  deixam  de 
ter  sua  utilidade  como  terapêutica  sugestiva,  em  alguns  casos. 

Quando  a  morte  não  sobrevêm  subitamente,  o  muribundo  é 
é  assistido  pela  família  e  pelo  feiticeiro  que  lhe  vai  fazendo  en- 
cantações  com  kitekas  (chifres  de  corças)  e  vários  amuletos  para 
que  não  volte  à  tribu  a  fazer  mal  aos  seus  parentes. 

Nenhuma  outra  cerimónia  praticam  nos  últimos  momentos 
do  muribundo. 

O  cadáver  depois  de  untado,  com  óleo  e  tacula,  é  vestido  com 
os  seus  melhores  panos,  adornado  com  missangas  e  outros  enfei- 
tes e  depositado  na  cubata  cerca  de  24  horas,  durante  as  quais 
se  lhe  fazem  as  cerimónias  fúnebres,  que  consistem  no  choro  das 
carpideiras,  elogios  fúnebres,  toques  de  tambor  e  tiros  de  espin- 
garda. 

Findo  o  cerimonial  o  cadáver  é  então  enterrado,  colocando- 
se-lhe  sobre  a  campa  os  objectos  mais  vulgares  do  seu  uso  è  alguns 
géneros  alimentícios. 

O  coval  é  feito  com  bastante  profundidade,  abrindo-se  no 
fundo  e  para  o  lado,  uma  espécie  de  gaveta  onde  o  cadáver  é 
colocado  horizontalmente  e  por  forma  a  que  a  terra  com  que  é 
enchida  depois,  o  não  toque. 

Como  sinal  de  luto  as  mulheres  parentes  do  morto  costumam 
pintar  a  cara  com  tinta  preta  e  tacula  durante  3  meses. 

No  cortejo  fúnebre  até  ao  cemitério,  apenas  se  encorporam 
os  homens  parentes  do  morto. 

O  cadáver  da  mulher  casada,  depois  de  feito  o  competente 
cerimonial,  é  mandado  pelo  homem  à  família  da  mulher  para 
que  lhe  dê  a  sepultura,  junto  dos  seus  parentes. 


Í>È   ANGOLA  19? 

Para  os  sobas  fazem-se  as  cerimónias  fúnebres  com  numerosa 
assistência.  O  cadáver  depois  de  untado  é  colocado  na  posição 
de  assentado,  sobre  uma  tarimba,  egual  à  que  lhe  servia  de 
cama,  e  que  se  dispõe  no  meio  do  quarto;  ali  fica  durante  dois 
anos  ou  mais,  até  que  seja  reduzido  à  ossada. 

Nessa  altura,  os  ossos  das  mãos,  são  entregues  ao  sobrinho 
que  herdou  o  sobado,  e,  os  restos  do  esqueleto,  como  os  mais 
despojos  do  cadáver,  da  mortalha  e  da  tarimba,  são  enterrados 
dentro  da  cubata. 


Cada  lar,  correspondendo  de  ordinário  a  uma  cubata,  compõe-se 
da  mãe,  dos  filhos  solteiros  e  do  pai,  que,  não  é  raro,  faz  parte 
de  mais  de  um  lar. 

Os  filhos,  mesmo  depois  de  casados,  são  estimados  como 
membros  do  lar  em  que  foram  criados  e  retribuem  essa  estima 
aos  seus  ascendentes,  manifestando-a  em  todas  as  idades  e  situa- 
ções; cumprimentam-nos  beijando  a  terra  e  absteem-se  de  falar 
em  questões  gentílicas  na  sua  presença. 

Pelos  tios  guardam  o  mesmo  respeito  e  consideração,  espe- 
cialmente pelos  maternos,  de  quem  de  facto  mais  dependem. 

Reconhecem  também  o  parentesco  por  afinidade. 

Na  intimidade  do  lar  quem  manda  é  o  pai,  mas,  nas  ocasiões 
de  mais  ponderação,  quem  decide  sobre  tudo  que  se  ligue  com  a 
situação  dos  filhos  do  casal  é  o  tio  materno,  seu  tutor  legítimo 
também,  por  falecimento  dos  pais. 

O  poder  dos  tios  vai  até  à  faculdade  de  venderem  os  so- 
brinhos como  escravos  ou  pagarem  as  suas  dívidas  e  crimes  com 
eles. 

Os  órfãos  são  adoptados  pelos  parentes  passando  de  preferência 
aos  do  clan  da  mãe. 

Toda  a  família  é  solidária  em  matéria  de  dívidas,  contractos 
e  crimes. 

No  que  diz  respeito  a  ideias  e  práticas  religiosas,  pouco  di- 
ferem as  dos  Mussucos  do  comum  a  quási  todas  as  tribus  que 
povoam  a  colónia. 

É  o  féticismo  professado  por  todas  as  populações  do  grupo 


198  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Bantu,  com  pequenas  variantes  de  ideias,  ritos,  cultos  e  divin- 
dades, produto  das  influências  modificadoras  dos  meios  em  que 
teem  habitado  e  dos  grandes  acontecimentos  da  tribu,  que  pas- 
saram aos  domínios  da  tradição. 

Os  Mussucos  crêem  na  existência  de  entes  superiores,  invi- 
síveis, de  poder  ilimitado,  que  não  pretendem  representar  ma- 
terialmente, que  não  temem  e  antes  respeitam  como  forças 
protectoras  e  benévolas,  e  aos  quais  prestam  um  culto  íntimo 
apenas  exteriorizado  por  simples  exclamações,  frases  e  fórmulas 
de  juramento.  Distinguem  assim  dois  deuses :  um  superior  que 
entendem  masculino  o  Nzambi  ã  Pungo  e  um  outro  feminino  o 
Kamona  Mauéze. 

Este  último  é  que  lhe  impõe  o  dever  de  não  tocarem  nos 
feitiços  que  não  lhe  pertencem  (Kufunduka)  e  a  obrigação  de 
respeitarem  a  Kijila  (proibição  de  comerem  certos  alimentos). 

Abaixo  destas  potências  vêem  então  os  verdadeiros  feitiços, 
representados  materialmente  por  ídolos  afectando  formas  humanas 
e  de  animais,  —  verdadeiras  produções  teratológicas  do  génio 
artístico  dos  escultores  —  que  julgam  habitados  por  um  espírito 
extra-humano  ou  pelo  de  algum  lendário  herói  ou  sábio  feiti- 
ceiro. 

A  todos  os  feitiços  cabe  o  nome  genérico  de  Kiteka. 

Damos  a  nota  de  alguns  mais  importantes: 

O  Kiteka  —  protector  da  tribu,  verdadeiro  ídolo  da  pátria. 

O  Ngola  e  o  Koxi  —  ídolos  máximos  que  em  tudo  superin- 
tendem. 

O  Kungila  —  que  intervêm  na  fecundidade  das  mulheres  (re- 
presentam-no  por  uma  escultura  tosca  de  mulher,  tendo  o  tórax 
e  o  ventre  cavado,  em  forma  de  barco). 

O  Kiteha-Luango  —  advogado  contra  as  hemorragias  (este 
feitiço  para  exercer  a  sua  influência  em  benefício  dos  doentes 
exige  primeiro  que  lhe  satisfaçam  os  seus  apetites  de  sangue, 
fazendo-o  correr  abundantemente  de  algumas  vítimas  que  imolam, 
—  cabras,  carneiros  e  outros  animais). 

O  Kissongo  —  que  protege  os  caçadores. 

O  Kibeji — espécie  de  policlínico,  com  formas  femininas.  Cura 
todos  os  males. 

Depois,  a  infinidade  de  objectos  de  virtudes  mágicas,  com  os 
mais  bizarros  feitios  e  utilidades;  uma  variedade  enorme  de 
talismans,  de  amuletos  e  de  feitiços  de  poder  maléfico,  com  que 
os   possuidores    pretendem   acalmar,    atrair   e    chamar   em   seu 


DE  ANGOLA  199 

auxílio  para  o  bem  e  para  o  mal,  os  diversos  feitiços  e  os  manes 
dos  antepassados  e  dos  feiticeiros  (Muvumbi),  ou  auxiliar  os 
efeitos  das  práticas  de  magia  branca  a  que  se  entregam. 

Acreditam  na  vida  futura  que  julgam  eterna,  mas  a  alma  (Moio) 
só  existe  nos  homens;  depois  da  morte  torna-se  sombra  (Kivuri) 
e  passa  a  habitar  em  uma  das  grandes  árvores  do  mato,  próximo 
à  sua  sanzala,  tomando  o  nome  cte  Muvumbi. 

Dali,  os  Muvumbi  guardam  as  terras  da  caça  e  regulam  o 
universo;  interveem  na  vida  da  família  e  da  tribu,  mandam  a 
chuva,  a  abundância  de  colheitas  de  caça,  de  pesca,  etc. 

Todos  os  acontecimentos,  ainda  os  mais  simples,  são  vistos 
supersticiosamente  e  atribuídos  à  influência  dos  feitiços  e  dos 
manes,  ou  a  malefício  dos  vivos. 

Para  captar  a  simpatia  dos  feitiços  e  dos  Mavumbi  prestam-lhe 
juramento,  prometem-lhe  dádivas,  oferecem-lhe  alimentos  e  outros 
objectos  e  sacrificam-lhe  animais  para  satisfazer  o  que  o  feiticeiro 
indica  que  eles  desejam.  Para  se  vingarem  ou  subtraírem  ao 
mal  causado  pelos  malefícios  dos  inimigos  vivos  praticam  sempre 
tremendas  injustiças  e  por  vezes  verdadeiros  crimes. 

Consideram  que  há  estreitas  relações  de  parentesco  entre 
determinado  animal  e  planta  com  cada  família  da  tribu  e  dali, 
a  Kijila  a  que  já  nos  referimos. 

Quem  desempenha  o  principal  papel  na  vida  religiosa  da 
tribu  é  portanto  o  feiticeiro  verdadeiro  sacerdote  do  culto  feticista 
que,  dispondo  de  supostos  poderes  sobrenaturais,  obtidos  da 
educação  e  iniciação  que  recebeu,  gosa  e  abusa  de  largos  privi- 
légios com  que  vai  explorando  a  população  da  tribu. 

Os  sobas  são  considerados  sempre  como  feiticeiros  e  tiram  o 
seu  maior  poder  dos  feitiços  de  que  são  possuidores. 

IV.  —  Da  vida  social 

Espécie  de  vida.  —  Classes  e  castas.  — 
Organização  política.  —  Propriedade.  — 
Regime  económico.  — Costumagens  jurí- 
dicas. 

A  vida  dos  Mussucos  pode  dizer-se  sedentária  porque  as 
mudanças  do  local  em  que  estabelecem  as  sanzalas  são  sempre 
originadas  por  uma  necessidade  de  momento,  como  já  dissemos. 


200  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


A  organização  social,  como  a  de  quási  todos  os  povos  que 
habitam  a  Colónia,  compreende  no  geral  três  classes : 

Os  nobres,  ou  sejam  os  sobas,  sobetas,  outros  chefes  e  pessoas 
de  importância,  e  a  sua  família. 

Os  homens  livres,  que  constituem  o  que  se  poderá  chamar  a 
burguezia. 

Finalmente,  os  escravos. 

Os  escravos  podem  sê-lo  por  nascimento,  ou  por  terem  passado 
a  esse  estado. 

Passam  à  condição  de  escravos  os  filhos  e  os  parentes  daqueles 
que,  para  pagamento  de  alguma  dívida  ou  reparação  por  crimes 
praticados,  são  obrigados  a  indemnizar  o  credor,  a  vítima  ou 
os  seus  parentes,  com  um  certo  número  de  muleques.  O  escravo 
por  nascimento  —  filho  de  outro   escravo  —  é  mais   considerado. 

Há  alguns  que  voluntariamente  se  submetem  a  essa  condição, 
por  melhor  conveniência  em  se  sustentarem  e  por  outros  fins  em 
que  reconhecem  ter  vantagens. 

A  escravatura  entre  estes  povos  não  é  aquela  escravatura  de 
tráfico,  que  se  praticava  no  tempo  das  guerras  e  razias,  mas 
sim  a  escravatura  doméstica,  em  que  o  servo  vive  familiarmente 
com  o  seu  senhor,  passando  a  ser  considerado  como  membro  de 
sua  própria  família,  acompanhando-o,  prestando-lhe  serviços, 
partilhando  das  suas  venturas  e  dos  seus  infortúnios,  e  vindo 
até  a  herdar-lhe  parte  dos  haveres. 

Como  sinal  de  submissão  e  sujeição  à  condição  de  escravo,  o 
indígena  que  a  ela  passa,  ao  apresentar-se  ao  seu  senhor,  toma 
entre  as  mãos  a  tijela  de  barro  onde  come  os  alimentos,  ajoelha, 
e  curvando  o  corpo  até  quási  tocar  com  a  fronte  em  terra,  parte 
aquela  tijela  aos  pés  do  amo. 


A  organização  política  do  Mussuco  compreende: 
O  soba  chefe  com  o  nome  de  Kiambamba,  diversos  sobas  ou 
sobetas  e  os  macotas  ou  chefes  de  povoação. 

O  Kiambamba   na  resolução   de  assuntos  de  importância  é 


DE   ANGOLA  201 

assistido  pelo  conselho  dos  diversos  chefes  e  de  alguns  homens 
velhos,  que  são  os  fiéis  depositários  das  leis  e  costumes  da  tribu. 

Para  o  coadjuvarem  na  gerência  dos  negócios  públicos  tem 
também  uns  dignatários,  espécie  de  ministros,  com  diversos  nomes 
e  encargos,  mas  que  na  realidade  tratam  mais  dos  interesses 
especiais  do  Kiambamba  e  dos  seus  do  que  dos  negócios  públicos. 

Dentre  os  dignatários  que  acompanham  o  soba  nas  grandes 
solenidades,  merece  especial  menção  o  mukixe,  indivíduo  que  toma 
esta  designação  pelo  nome  dado  a  uma  enorme  cabeça  de  pau, 
ôca,  que  enfia  pela  sua.  Esta  máscara  é  encimada  por  uma 
pomba  ou  qualquer  outro  enfeite  e  adornada  com  um  largo 
colar  de  capim  seco  que  cai  sobre  os  ombros  do  portador. 

O  Mukixe  marcha  à  laia  de  batedor,  na  frente  da  comitiva 
do  soba,  batendo  fortemente  com  os  pés  no  chão  para  melhor 
fazer  soar  com  estalos  de  castanholas,  uns  molhos  de  cascas 
secas  do  fruto  de  uma  trepadeira  chamada  futi,  que  leva  atados 
aos  joelhos. 

O  Kiambamba  tem  ainda  grande  poder  e  direitos  sobre  os 
seus  súbditos  e  não  obstante  a  influência  das  autoridades  locais 
e  da  missão  religiosa  instalada  próximo  da  sua  sanzala  e  o  estar 
já  positivamente  submisso  ao  nosso  domínio,  ainda  pratica  alguns 
actos  de  requintada  selvageria  sobre  o  seu  povo. 

Afirma-se  que  alguns  desgraçados,  que  caem  no  seu  real 
desagrado,  são  condenados  a  morrerem  encerrados  dentro  duma 
cubata  a  que  manda  lançar  fogo. 

Diz-se  o  verdadeiro  dono  das  terras  que  habita  a  sua  tribu; 
recebe  por  direito  tradicional  uma  cabeça  de  gado  ou  um  muleque 
de  cada  uma  das  famílias  dos  seus  súbditos  que  se  constituem; 
cobra  uma  quota  parte  dos  valores  que  a  sua  gente  aufere  no 
negócio;  recebe  uma  porção  da  caça  abatida  e  tem  a  faculdade 
de  requisitar,  para  seu  serviço  particular,  a  título  de  soldado  do 
Kiambamba,  um  filho  dos  lares  que  tenham  mais  do  que  um 
filho  varão. 

Entre  os  Mussucos  há  um  soba  feminino  a  —  Nguria-kama  — 
cuja  origem  é  a  seguinte:  na  época  em  que  os  Lundas  do  Nzovo 
andavam  em  luta  com  os  Mussucos  travou-se  acesa  peleja  numa 
pequena  sanzala  de  que  era  chefe  uma  mulher,  na  qual  ficou 
vencido  o  próprio  Nzovo,  que  lá  deixou  o  seu  cadáver  e  um  mo- 
numental bombo  onde  rufava  as  suas  glórias  marciais. 

Para  consagração  de  tão  brilhante  feito  de  armas  e  de  tão 
excelente  concurso  prestado  pela  mulher  chefe  da  sanzala,  a 
14 


202  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

sucessão  do  sobado  a  que  ela  pertencia,  ficou  pertencendo  à  des- 
cendência feminina,  dando-se-lhe  o  título  de  Nguria-kama  (mãe 
dos  cem)  e  à  sua  habitação  o  nome  de  Kuii. 

Ao  príncipe  consorte  desta  rainha  é  dado  o  título  de  Muene- 
Mussundo. 

Os  indígenas  de  outras  tribus  que  vão  estabelecer-se  nos  do- 
mínios do  Kiambamba  desde  que  paguem  a  este  um  certo  tributo 
e  obtenham  a  necessária  permissão  para  construírem  cubata  e 
cultivarem  os  campos,  passam  a  ser  considerados  como  súbditos 
e  teem  iguais  direitos  e  deveres  da  gente  do  Mussuco. 

Os  pretos  e  mulatos  civilizados  são  considerados  como  os  euro 
peus ;  dão-lhe  mesmo  o  qualificativo  de  brancos  da  terra  dos  pretos 

É  assim  que  eles  consideram,  temem  e  respeitam,  grande 
número  de  ambaquistas  que  vestindo  à  europeu  e  falando  regu 
larmente  o  português,  se  teem  ido  estabelecer,  próximo  da  po 
voação  do  Luremo  e  nas  visinhanças  do  caminho  de  penetração 
comercial  e  militar  para  o  nordeste  da  Lunda,  onde  fundaram 
regulares  emprezas  agrícolas  de  cultura  de  mantimentos  para 
indígenas  e  géneros  para  europeus  que,  diga-se  de  passagem, 
são  de  apreciável  utilidade  para  os  carregadores  e  brancos  que 
por  ali  transitam  e  pára  os  que  habitam  nas  cheanas  incultiváveis 
da  borracha  e  das  ervas. 


Salvo  o  direito  que  o  Kiambamba  e  os  outros  sobas  se  arro- 
gam sobre  as  terras  em  que  dominam,  a  propriedade  da  terra 
pertence  a  quem  a  cultiva  e  enquanto  a  cultiva. 

Cada  um  utiliza  a  que  melhor  lhe  convêm,  pela  natureza  do 
terreno  e  proximidade  da  sua  habitação,  e  uma  vez  julgada  ex- 
gotada  ou  cançada  para  determinadas  culturas,  é  abandonada. 

Como  já  dissemos,  as  lavras  são  propriedade  à  parte  para  o 
homem  e  para  a  mulher,  mas  as  colheitas  entram  para  o  celeiro 
comum  da  família. 

A  cubata  e  os  haveres  móveis  pertencem  só  ao  chefe  da 
família. 

# 

Os  principais  artigos  de  exportação  no  Mussuco  são:  a  bor- 
racha cuja  extracção  pouco  intensa  se  limita  à  parte  norte  da 


DE   ANGOLA  .  203 

região  junto  à  fronteira  belga;  as  galinhas,  algum  gado  caprino 
e  mantimentos. 

Importam-se  tecidos  e  artigos  vários  do  comércio  que  consti- 
tuem o  consumo  geral  das  populações  indígenas  da  província. 

A  forma  de  comércio  é  a  permuta. 

A  circulação  da  moeda  portuguesa  é  diminutíssima,  quási 
nula.  Como  os  povos  da  alta  Lunda  consomem  muito  sal  mine- 
ral das  salinas  do  Hôlo,  que  os  indígenas  daquela  região  apre- 
sentam no  mercado  em  uns  tubos  de  bunho  —  de  cerca  de  dois 
palmos  de  comprimento  a  que  chamam  muxas  —  servem-se  deste 
artigo  como  moeda,  para  facilitarem  as  suas  transacções. 

Cada  Muxa  contêm  cerca  de  lfa  quilo  de  sal  muito  impuro  e 
a  sua  cotação  é,  em  média:  três  centavos. 


Do  que  já  dissemos  àcêrca  desta  tribu,  algumas  noções  se 
tiram  sobre  as  suas  costumagens  jurídicas. 

Sintetizaremos  pois,  neste  logar,  o  que  se  observa  da  descri- 
ção feita,  acrescentando-lhe  o  pouco  mais  que  sobre  o  assunto 
podemos  colher,  do  estudo  de  dispersas  notícias  sobre  os  Mus- 
sucos. 

O  conjunto  de  preceitos  observados  pelos  Mussucos  para  a 
resolução  das  suas  questões,  as  suas  leis  enfim,  se  não  estão 
escritas,  nem  por  isso  deixam  de  ser  tão  bem  conservadas  como 
se  o  estivessem. 

O  texto  dos  códigos  é  a  memória  dos  mais  velhos  que  vai 
retendo  e  transmitindo  fielmente  as  tradições  da  tribu,  às  novas 
gerações. 

Entre  os  Mussucos  a  propriedade  das  terras  limita-se  à  posse 
de  quem  as  cultiva  apenas  durante  o  tempo  em  que  elas  estão 
aptas  para  produzir  abundantemente ;  à  cubata  pouco  ou  nenhum 
valor  atribuem,  e  portanto,  os  seus  haveres  são  constituídos 
pelas  lavras,  gados  e  outros  valores  móveis,  como  fazendas, 
.muxas  de  sal,  peles,  etc. 

Destes  dispõe  o  pae,  enquanto  vivo,  em  benefício  da  mulher 
e  dos  filhos,  mas  não  lhos  transmite  por  sucessão  nem  tem  o 
direito  de  dispor  deles  por  testamento  quando  tenha  herdeiros 
forçados,  que  são  os  sobrinhos,  filhos  dos  seus  irmãos  uterinos. 
Morto  o  chefe  da  família,  vêem  aqueles  sobrinhos  tomar  conta 


204  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

de  todos  os  haveres,  enquanto  a  viuva  com  os  filhos  regressa  ao 
seu  clan,  levando  apenas  o  direito  de  colher  os  frutos  das  lavras 
que  fabricou  e  os  poucos  objectos  que  se  consideram  bens  mobi- 
liários próprios. 

Pode  dizer-se  que  é  esta  a  regra  geral  do  direito  de  sucessão 
na  herança  dos  bens,  porém  há,  evidentemente,  algumas  hipóte- 
ses em  que  esta  regra  não  pode  seguir-se  por  falta  de  herdeiros 
do  matriarcado,  e  outras,  em  que  não  obstante  existirem  esses 
herdeiros,  se  não  segue  também  rigorosamente  aquela  forma 
geral. 

Dessas  hipóteses  apresentaremos,  na  generalidade,  os  casos 
que  melhor  conhecemos. 

Na  falta  de  herdeiros,  sobrinhos,  irmãos  ou  tios  uterinos  do 
autor  da  herança,  os  bens  passam  aos  filhos;  na  falta  destes, 
aos  parentes  do  ramo  paterno  e  na  ausência  absoluta  de  parentes, 
o  herdeiro  é  o  soba. 

Como  regra,  a  viuva  deve  casar  com  um  irmão  do  falecido 
e  quando  assim  suceda  estabelecem  um  acordo  para  a  partilha 
dos  bens  em  cujo  cômputo  entram  os  haveres  e  a  própria  viuva ; 
neste  caso  os  filhos  solteiros  ou  vão  para  junto  dos  seus  tios 
maternos  ou  continuam  durante  a  infância  em  companhia  da 
mãe.  Quando  o  falecido  só  tem  parentes  com  quem  a  viuva  não 
possa  casar,  é  frequente  deixar  de  regressar  com  os  filhos  ao 
seu  clan,  para  ficar  vivendo  na  companhia  dos  parentes  do 
marido. 

O  direito  de  testar  existe,  mas  restrito  aos  casos  em  que  não 
haja  herdeiros  forçados  do  matriarcado  e  sempre  dependente  do 
grau  de  desinteresse  dos  outros  herdeiros  legítimos  e  do  soba 
que  raríssimas  vezes  se  conformam  em  respeitar  a  vontade  do 
testador  sem  serem  bem  remunerados. 

Os  Mussucos  fazem  os  seus  contratos  de  empréstimo,  de  troca 
e  de  compra  e  venda,  verbalmente.  Quando  a  transação  é  de 
relativa  importância  ajusta-se  e  fecha-se  na  presença  do  soba, 
do  macota  chefe  da  sanzala  ou  de  alguns  homens  velhos  e  sem- 
pre com  a  assistência  e  testemunho  dalguns  membros  da  família 
dos  contratantes.  Como  que  ratificando  e  garantindo  o  propó- 
sito de  cumprir  a  obrigação  tomada,  é  costume,  o  comprador 
ou  o  que  recebe  o  empréstimo,  dar  ao  vendedor  uma  galinha  ou 
uma  cabra  que  todos  os  assistentes  ajudam  a  comer. 

Os  empréstimos  são  sempre  feitos  sem  juro  estipulado. 

O  contratante  que  não  cumpre  escrupulosamente  a  obrigação 


DE   ANGOLA  205 

tomada  fica  sujeito  a  uma  multa  que  vai  desde  o  dobro  ao  quín- 
tuplo  do  valor  recebido.  Esta  multa  raras  vezes  é  fixada  no 
acto  do  contracto ;  a  sua  aplicação  está  nos  usos  e  costumes  e 
quando  não  seja  paga  voluntariamente  segundo  o  acordo  dos 
contratantes,  é  fixada  pelo  juís  do  pleito. 

Quando  o  réu  não  tenha  haveres  para  indemnizar  o  autor 
cumpre  à  família  do  réu  o  pagamento ;  se  esta  também  os  não 
possue,  o  valor  da  indemnização  é  então  calculado  e  pago  com 
pessoas  de  família  que  ficam  escravos  do  autor. 

Os  Mussucos  na  aplicação  das  condenações  não  distinguem 
de  modo  tão  diferente  como  nós  o  direito  civil  do  criminal. 

Tudo  para  eles  se  liquida  preferentemente  com  o  pagamento 
da  indemnização. 

As  penas  estabelecidas,  visam  mais  à  reparação  dos  prejuízos 
causados,  rial  ou  imaginariamente,  e  à  satisfação  da  avidez  dos 
ofendidos  e  dos  julgadores,  do  que,  na  verdade,  ao  nosso  fim 
de  repressão  dos  delitos  e  restabelecimento  da  ordem,  moral  e 
social  violadas. 

A  gravidade  das  penas,  pode  dizer-se  fixada  para  cada  espé- 
cie de  infracção  quando  esta  seja  um  facto  positivo,  mas  no 
grande  número  de  acusações  por  crimes  imaginários,  que  a 
superstição  dos  Mussucos  submete  aos  seus  tribunais,  os  julga- 
dores, tomando  por  boa  a  opinião  dos  feiticeiros  —  variável 
conforme  o  interesse  que  tiram  da  causa  —  engendram  sempre 
um  concurso  de  atenuantes  e  agravantes,  pelo  qual,  chegam  à 
conclusão  de  esbulhar  em  seu  proveito  e  de  uma  das  partes,  a 
maior  porção  possível  dos  haveres  da  outra  parte. 

Desta  forma,  é  claro,  que  não  só  as  penas  aplicadas  são  de 
uma  variabilidade  extrema,  como  muitas  vezes  sucede  sofrer 
ainda  maior  condenação  o  queixoso. 

Sendo  pois  impossível  dar  uma  resenha  da  infinidade  de 
infracções  e  penas,  que  só  o  critério  de  avidez  e  rapacidade  dos 
feiticeiros  e  julgadores  sabe  classificar  e  graduar,  para  a  con- 
denação pelos  crimes  que  a  sua  imaginação  inventa,  limitando- 
nos  a  indicar  as  penas  graduadas  para  as  mais  frequentes  infra- 
cções riais,  que  entre  os  Mussucos  são  do  domínio  do  direito 
criminal : 

—  O  furto,  alem  da  restituição  do  objecto  ou  do  seu  valor,  é 
punido  com  a  obrigação  de  pagamento  de  2  a  3  escravos  ou  de 
2  cabeças  di9  gado  bovino. 

— As  ofensas  corporais,  quer  sejam  voluntária  ou  involuntária- 


206  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

mente  feitas,  quando  produzem  ferimentos  graves,  são  punidas, 
com  a  obrigação  de  pagamento  de  uma  a  quatro  cabras,  ou  de 
um  ou  dois  escravos  adultos  que  podem  ser  substituídos  por 
dois  ou  três  menores.  Conforme  a  gravidade  dos  ferimentos, 
assim  é  determinado  o  número  de  cabras  ou  de  escravos  a  pagar. 
— No  adultério  da  mulher:  é  punido  o  autor  da  infracção 
com  a  obrigação  de  indemnizar  o  marido,  pagando-lhe  de  10  a' 
15  cabeças  de  gado  caprino  ou  4  de  gado  bovino.  Se  o  réu  não 
tiver  haveres  para  indemnizar  o  queixoso  passa  à  condição  de 
escravo,  assim  como  todos  os  seus  sobrinhos  do  ramo  uterino, 
se  os  seus  parentes  não  pagarem  a  condenação  imposta. 

—  O  homicídio  involuntário:  é  punido  com  uma  ofensa  corporal 
simples,  com  a  indemnização  aos  parentes  da  vítima  de  4  cabras 
ou  correspondente  número  de  bois  ou  escravos. 

—  O  homicídio  voluntário:  o  autor  ou  os  seus  parentes  são 
condenados  a  pagarem  à  família  da  vítima  12  escravos,  que 
podem  ser  substituídos,  quando  os  não  tenha,  por  10  bois.  O 
pagamento  é  exigido  primeiro  ao  autor,  mas  se  este  o  não  faz, 
passa  a  ser  exigido  aos  parentes  e  quando  estes  se  recusam  a 
fazê-lo,  a  família  da  vítima,  arma-se  e  vai  cobrá-lo  violenta- 
mente, apoderando-se  à  forca  de  todos  os  haveres,  escravos  e 
membros  da  família  do  réu,  que  pode  apanhar.  Sucede  por 
vezes,  quando  o  autor  não  tem  haveres  nem  parentes,  sofrer  a 
pena  de  Talião,  executada  por  qualquer  dos  membros  da  família 
da  vítima  que  toma  a  si  o  encargo  da  vingança. 

Aos  julgamentos  preside  o  soba,  assistido  dos  sobetas  ou  ma- 
cotas,  chefes  das  sanzalas  a  que  pertencem  as  partes,  quando  a 
questão  é  de  pouca  importância^  isto  é,  quando  haja  de  julgar 
causas  em  que  as  partes  estão  dispostas  a  chegarem  a  um  acordo 
já  meio  feito,  ou  quando  os  litigantes  são  gente  sem  haveres 
nem  importância  social. 

Nas  questões  de  maior  vulto,  tais  como:  pleitos  cíveis  entre 
gente  rica  e  de  importância  na  tribu,  crimes  em  que  o  acusado 
tem  bastantes  haveres  para  pagar  aos  membros  do  tribunal  e 
aos  seus  defensores  (feiticeiros  e  testemunhas)  e  crimes  de  morte, 
então  o  tribunal,  presidido  pelo  Kiambamba,  é  constituído  por 
todos  os  dignatários  da  sua  corte,  pelos  sobetas  e  por  alguns 
komens  velhos  conhecedores  das  leis  da  tribu. 

Nos  debates  de  acusação  e  defeza,  entram  os  parentes  das 
partes  e  os  feiticeiros  seus  defensores  ou  acusadores. 

A  decisão  é  proferida  pelo  soba  mas  de  ordinário  está  já  pre- 


DE  ANGOLA  207 

viamente  assente  entre  êle  e  os  membros  mais  importantes  do 
tribunal  antes  do  julgamento.  A  prova  dos  crimes  é  feita  por 
testemunhas  ou  pela  confissão  do  réu. 

Nos  crimes  de  morte  em  que  é  desconhecido  o  autor  recorrem 
à  prova  do  veneno  para  o  descobrir. 

A  família  da  vítima,  depois  de  consultado  o  feiticeiro  indica 
sobre  quem  recaem  as  suas  suspeitas  e  os  indigitados  compa- 
recem perante  o  tribunal. 

O  feiticeiro  prepara  o  veneno  usado  e  trazidos  tantos  cães, 
quantos  são  os  indigitados  (geralmente  dois)  escolhem  o  animal 
que  há  de  representar  a  cada  um,  fazem-lhe  ingerir  à  força  a 
droga;  o  autor  do  crime  é  o  representado  pelo  cão  que  não 
vomitar  o  veneno. 

Quando  não  teem  cães  para  fazer  a  prova  não  hesitam  em 
substitui-los  por  creancinhas  da  família  dos  acusados. 

É  claro  que  o  resultado  da  prova  depende  sempre  do  feiti- 
ceiro, que  segundo  o  seu  interesse,  assim  aplica  a  substância  em 
dose  emética  ou  tóxica  fazendo  com  que  determinado  acusado  seja 
julgado  inocente  ou  culpado;  geralmente  convem-lhe  que  as 
investigações  prosigam  e  vai  aplicando  em  doses  vomitivas  até 
que  por  descuido  ou  maldade  surte  o  efeito  venenoso. 

O  desgraçado,  contra  quem  a  prova  sai  provada,  chega  a 
convencer-se  que  foi  êle  o  autor  do  crime  por  efeito  dos  espí- 
ritos maus. 

De  ordinário  os  que  sofrem  qualquer  condenação,  pagam 
voluntariamente  a  indemnização  estipulada,  mas  recusando-se  a 
fazê-lo,  encarrega-se  o  queixoso  com  os  seus  parentes,  da  exe- 
cução da  sentença,  apoderando-se  violentamente  de  tudo  quanto 
possam  apanhar  ao  acusado. 

O  direito  de  asilo,  tanto  na  tríbu  Mussuco  como  nas  tríbus 
visinhas,  não  é  reconhecido  por  lei;  é  apenas  respeitado,  quando 
o  que  conceda  guarida  é  um  potentado  ou  feiticeiro  poderoso,  a 
quem  a  gente  das  outras  tríbus  teme  e  não  se  atreve  a  exigir  a 
entrega  do  foragido.  Por  isso  os  pobres  e  os  escravos,  quando 
cometem  qualquer  infracção  ou  se  vêem  injustamente  acusados  e  na 
iminência  de  serem  condenados,  tratam  de  se  pôr  em  fuga  para 
onde  se  julgam  livres  de  serem  descobertos  ou  capturados  pelos 
parentes  do  queixoso,  escolhendo  de  preferência  os  centros  de 
população  europeia,  onde  estando  ao  serviço  dos  brancos,  sabem 
que  não  serão  apanhados. 

Para  o*  Mussucos  não  existe  a  prescrição.    Há  questões  que 


208  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

passam  sucessivamente  aos  descendentes  em  duas  e  mais  gerações 
e  só  vêem  a  acabar  quando  se  extinguem  os  membros  das  famí- 
lias em  demanda. 

Param,  adormecem  longos  anos  às  vezes,  mas  lá  surgem  como 
o  enxerto  de  uma  nova  desinteligência  de  tempos  a  tempos. 

É  conhecida  a  tendência,  de  quási  todas  as  populações  indí- 
genas da  Colónia,  para  a  questão  gentílica  e  a  facilidade  com 
que  buscam  no  campo  da  imaginação  o  facto  determinante,  se 
lhe  falha  no  da  realidade.  Para  muitas  tríbus  é  a  sua  principal 
preocupação  —  o  seu  passa-tempo  predilecto,  um  jogo  económico 
de  receita  e  despesa  e  até  um  considerável  incentivo  ao  trabalho 
—  pois  é  um  facto  que  grande  parte  dos  indígenas  que  contratam 
os  seus  serviçais  como  carregadores  ou  para  qualquer  outro  tra- 
balho, o  fazem  obrigados  pela  necessidade  de  adquirirem  o  di- 
nheiro ou  as  fazendas  precisas  para  pagarem  as  suas  questões 
ou  para  estarem  prevenidos  para  elas.  — Assim  como  nós  somos 
previdentes  pensando  nas  contigencias  de  uma  possível  doença 
são-no  eles  também  calculando  uma  inevitável  questão  gentílica. 

Ora  os  Mussucos  não  se  afastam  da  forma  geral  a  que  aca- 
bamos de  aludir  e  como  a  maneira  violenta  e  sumária  de  executar 
as  suas  sentenças  —  rapinando  aos  acusados  e  seus  parentes  quási 
sempre  mais  do  que  o  valor  da  indemnização  e  praticando 
agressões  e  outras  violências  —  representa  novas  infracções  às 
leis  da  tríbu,  é  um  nunca  acabar  de  questões. 


M.EÇrya.  y,,.!     imp 


CAPÍTULO  VIII 
JINGASí1) 

I.  —  Dos  caracteres  etnográficos  gerais 

Origem  dos  povos  desta  tríbu.  —  Situação 
geográfica.  —  População. 

Os  povos  de  que  vamos  tratar  neste  capítulo  intitulam-se 
Ana-ngola  (filhos  de  Angola)  e  são  os  actuais  representantes  do 
reino  de  Matamba  ou  Jinga,  que  com  os  reinos  do  Congo,  de 
Dongo  ou  Angola  e  Benguela  constituíram  em  longíquas  épocas 
a  parte  conhecida  da  província. 

Encontramos  na  Collection  de  relactions  de  voyages  en  Afri- 
que coordenadas  e  publicadas  por  C.  A.  Walckenaer  dados  in- 
teressantes sobre  o  reino  da  Jinga,  se  bem  que  alguns,  sobretudo 
no  que  toca  aos  costumes  bárbaros  da  corte  da  rainha  da  Jinga, 
sejam  para  pôr  de  remissa,  tão  carregadas  são  as  cores  dos 
quadros  que  nos  apresentam. 

Descrevem-se  minuciosamente  e  com  detalhes  alguns  costumes 
dos  povos  que  consideramos  ascendentes  dos  Jingas,  as  scenas 
da  corte  da  rainha  Jinga,  e  não  esqueceu  enumerar  as  rainhas 
que  se  deixaram  batisar,  abraçando  o  catolicismo,  temporaria- 
mente, como  arma  política,  para  melhor  conseguirem  os  seus 
fins,  mas  desprezando-o  com  a  mesma  facilidade  com  que  o 
adoptaram,  desde  que  conseguiram  o  seu  desideratum  ou  inten- 
deram poder  dispensar  o  auxílio  dos  seus  pregadores. 


(*)  Prestaram  informações  sobre  os  usos  e  costumes  desta  tríbu  o 
tenente-coronel  Pais  Brandão  e  o  secretário  da  Circunscrição  Francisco 
Santos. 


210 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


Se  os  detalhes  chegam  quási  a  ponto  de  se  poder  averiguar 
quantas  audiências  esta  ou  aquela  rainha  Jinga  deu  ao  padre 
Antoine  Gaete  ou  outro,  poucos  ou  quási  nenhuns  elementos  nos 
dão  as  fastidiosas  descrições  da  Collection  de  relations  de  voyages 


Gringas  —  Carregadores  tomando  uma  refeição 


en  Afrique  sobre  a  procedência  e  origem  dos  povos  sujeitos  à 
rainha  da  Jinga. 

Assim  só  vagamente  se  sabe  que  o  reino  de  Matamba, 
ocupando  os  territórios  para  àlêm  de  Massangano,  era  limitado 
ao  norte  pelo  reino  do  Congo  e  oeste  pelo  reino  de  Donga,  ao 
sul  pelas  províncias  do  Lubolo  (Libolo)  e  de  Ganguela,  e  que  a 
sua  capital  ou  sede  da  corte  da  rainha  da  Jinga,  primeiro  esta- 
belecida pouco  àquem  do  Lucala,  passou  para  onde  se  encontra 


DE  ANGOLA  211 

actualmente  a  povoação  de  Pungo  Andongo,  vindo  depois  a  es- 
tabelecer-se  em  Banji-a-N'gola. 

E  se  vagos  e  imprecisos  são  os  elementos  de  que  podemos 
dispor  sobre  o  território  ocupado  pelo  reino  da  Jinga  e  sobre  a 
sede  da  sua  corte,  nada  de  positivo  encontramos  que  nos  eluci- 
dasse sobre  a  origem  e  procedência  destes  povos. 

Não  obstante,  somos  levados  a  admitir  que  os  Jingas  são 
descendentes  dos  povos  que  invadiram  a  província  pelo  Congo. 
A  esta  conclusão  chegamos,  se  não  por  outra  razão,  pelo  menos 
de  não  poderem  ser  os  Jingas  representantes  actuais  de  qualquer 
das  invasões  de  nordeste,  visto  estar  excluida  esta  hipótese, 
atendendo  a  que,  quando  se  deu  a  primeira  daquelas  invasões  já 
veio  encontrar  os  ascendentes  dos  Jingas. 

Nestes  termos  as  coisas  ter-se  iam  passado  pela  seguinte 
forma : 

Das  primeiras  migrações  que  do  Congo  se  deram  para  o  sul, 
que  deram  logar  ao  reino  do  Dongo,  destacou-se  um  grupo  de 
descontentes  ou  revoltosos,  e  ciosos  da  sua  independência  foram 
fundar  para  leste  o  reino  de  Matamba. 

Este  reino,  umas  vezes  apoiado  pelos  portugueses  e  pelo  reino 
do  Dongo,  a  que  temporariamente  se  ligava  para  resistir  às  in- 
vasões que,  — por  uma  forma  genérica  —  foram  designadas  pelas 
dos  jagas,  outras  vezes  auxiliado  por  estes  contra  aqueles, 
assim  se  foi  mantendo  pela  hábil  política  das  suas  rainhas  até 
ficar  reduzido  aos  territórios  que  actualmente  ocupa  a  tríbu 
Jinga. 

Eis  em  nosso  entender  e  em  poucas  palavras  a  origem  dos 
povos  que  constituem  esta  tríbu  que,  atravez  dos  tempos,  se  teem 
manifestado  ciosos  da  sua  independência,  e  mais  ou  menos  isola- 
dos intendem,  ainda  hoje,  serem  os  legítimos  representantes  dos 
N'golas. 

* 


É  difícil,  senão  impossível,  designar  os  limites  dos  territórios 
ocupados  pela  tribu  Jinga,  não  obstante  todos  os  esforços  que 
nesse  sentido  tentamos. 

Do  que  apuramos  os  Jingas  ocupam  o  território  confinando 
pelo  norte  com  as  tríbus  Maungo  e  Holo,  e  limitado  a  oeste  pelq 
rio  Gola  Luiji  e  a  leste  pelo  Cambo. 


212 


POPULAÇÕES   INDÍGENAS 


Os  Jingas  são  de  estatura  mediana  e  a  maior  parte  menos 
que  mediana,  de  aparência  pouco  resistente,  sendo  mais  robustos 


Jingas  —  Fumando  o  cânhamo 


e  melhor  constituídos  os  que  povoam  a  parte  norte  da  região 
por  eles  ocupada. 

São  em  regra  retintos,  olhos  de  forma  elipsóide  e  iris  acas- 
tanhada. 

Raramente  entre  eles  se  encontra  o  bócio. 

Como  deformações  artificiais,  usam  furar  os  lóbulos  das  orelhas 
onde  introduzem  paus  e  bocados  de  cana. 


DE  ANGOLA 


213 


II.  —Da  vida  material  e  intelectual 

Cuidados  dados  ao  corpo.  —  Vestuário. — 
Alimentação. —  Habitação.  —  Meios  de 
existência.  —  Artes,  sciências,  faculda- 
des intelectuais. 

O  Jinga  por  principio  algum  se  lava.    Unta-se  com  azeite  de 
palma  simples  ou  misturado  com  pó  de  tacula. 

Por   motivo  de  luto  costumam  esfregar-se  com  carvão,  tor- 


Jingas  —  Na  sanzala 

nando-se  assim  mais  pretos  e  ascorosos  do  que  seriam  somente 
besuntados  com  o  azeite  de  palma  e  a  tacula. 

Como  penteado  usam  o  jinguindu  que  são  umas  dez  ou  doze 
tranças  caindo-lhes  do  ocipital  e  temporaes  sobre  os  hombros, 
donde  às  vezes  pendem  missangas  ou  contas,  engenhosamente 
entretecidas  com  os  cabelos.  Nas  mulheres  os  jinguindos  são 
mais  curtos  e  pendentes  deles  usam  na  nuca  uns  quatro  ou  cinco 
fios  de  missanga  de  cores. 


O  vestuário  ê  a  tanga  de  fazenda.    Em  geral  compram  panos 
de  algodão  cr  ú  que  tingem  com  um  banho  de  azeite  de  palma  e 


âi4  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

tacula  e  que  lhes  dá  uma  aparência  de  oleado.  Os  Jingas  do  Dange 
costumam  usar  peles,  guardando  os  panos  para  se  cobrirem  de 
noite. 

Nas  mulheres  a  tanga  denomina-se  pákn,  e  é  constituida  por 
um  pequeno  pano  de  um  palmo  de  largo  e,  quando  muito  quatro 
de  comprido,  provido  de  duas  fitas  com  que  o  atam  em  volta  das 
nádegas,  cobrindo  os  órgãos  genitais.  É  todo  o  seu  vestuário  a 
não  ser  uma  pequena  tira  de  pano  com  que  seguram  os  filhos 
em  pequenos,  colocando-os  às  costas  e  atando  a  tira  sobre  os  peitos. 

A  tatuagem  propriamente  dita  não  existe;  as  mulheres  cos- 
tumam, na  parte  superior  do  peito  e  nas  costas,  golpear  a  pele, 
produzindo  cicatrizes,  servindo-se  para  isso  da  ponta  de  uma 
faca  muito  afiada. 

Como  adornos  usam  os  homens  uma  espécie  de  cartocheira, 
toda  coberta  de  taxas  amarelas  pendente  do  cinto.  As  mulheres, 
enfiadas  de  grossas  missangas  ou  contas  ou  correntes  metálicas 
ao  pescoço,  bem  assim  como  à  guisa  de  pulseiras  usam  nas  pernas 
argolas  de  grossos  tubos  de  latão  amarelo. 


A  base  da  alimentação  é  vegetal,  no  entanto  fazem  uso  e 
apreciam  a  carne  de  boi,  cabra,  porco  e  galinha. 

No  que  respeita  a  vegetais  usam  na  alimentação  a  jinguba,  o 
jinbonzo  (batata  doce)  a  mandioca,  a  abóbora  de  que  aproveitam 
as  sementes  e  que  chamam  muteta,  o  milho  e  o  feijão. 

O  prato  de  resistência  é  constituido  pelas  papas  de  farinha 
de  mandioca.  Tomam  em  geral  três  refeições  preparadas  pelas 
mulheres. 

O  chefe  da  família  faz  a  divisão  das  rações,  comendo  as 
mulheres  e  os  filhos  de  menos  de  dez  anos  aparte  dos  homens. 


O  tipo  da  habitação  dos  Jingas  é  a  cubata  de  base  rectangular 
assente  sobre  o  solo. 

A  cubata  é  construída  de  pau  a  pique,  barreada  e  coberta  a 
colmo  com  2  ou  4  águas,  encontrando-se  algumas  delas  pintadas 
de  um  barro  ou  greda  branca  a  que  chamam  <'pemba». 


DE  ANGOLA  215 

Compõe-se  a  casa  Jinga  de  três  divisões,  na  generalidade, 
sendo  o  tipo  e  número  de  divisões,  e  até  mesmo  o  tamanho, 
perfeitamente  comum. 

A  primeira  divisão  é  a  casa  da  entrada,  onde  fazem  fogo  e 
onde  cosinham  quando  chove,  porque,  a  não  ser  nestas  ocasiões, 
cosinham  na  rua.  É  uma  divisão  quadrada  e  sem  outra  mobília 
que,  a  um  ou  dois  cantos,  um  tridente  de  qualquer  pernada  de 
árvore,  sobre  o  qual  colocam  uma  quinda  com  quaisquer  restos 
de  mantimentos  ou  ainda  com  uma  galinha  chocando  ovos. 

A  segunda  divisão  é  o  quarto  de  cama  e  comunica  com  a  casa 
de  entrada  por  meio  de  uma  estreita  porta  cortada  nos  luandos 
de  que  são  feitos  os  tabiques;  dum  lado  e  do  outro  de  quem 
entra  há  duas  tarimbas  a  que  chamam  kitanda,  e  sobre  as  quais 
um  luando  ou  uma  esteira  (xissa)  e  é  ali  que  dormem.  Se  é  casal, 
dorme  a  mulher  numa  das  tarimbas  e  o  homem  na  outra. 

Os  filhos  dormem  no  terceiro  compartimento  que,  tendo  a 
largura  do  edifício,  não  terá  de  fundo  mais  que  um  metro  ou 
metro  e  meio,  que  igualmente  serve  para  arrecadação  de  manti- 
mentos. 

Os  tetos  das  suas  habitações  são,  em  toda  a  Jinga,  de  colmo, 
mas  varia  um  tanto  a  maneira  de  o  colocar.  Nalguns  sobados  o 
colmo  é  embricado  tão  regularmente  que,  à  primeira  vista,  pa- 
recia o  teto  das  cubatas  um  daqueles  capotes  de  colmo  que 
usam  no  Alentejo  os  pastores  de  gado. 

As  cubatas  assim  construídas  agrupam-nas  os  Jingas  em 
povoações  cujo  número  varia  desde  6  ou  7,  até  70  ou  80. 

Não  os  preocupa  muito  o  alinhamento  das  ruas  das  suas 
povoações. 

Todas  as  povoações,  sanzalas,  teem  um  ou  dois  largos  onde 
se  reúnem  os  moradores  e  é  ali  que  teem  o  seu  club,  a  sua  taba- 
caria, enfim,  o  consagrado  ponto  de  reunião,  para  onde  o  próprio 
soba  gosta  de  vir  cavaquear  um  pouco  sobre  os  negócios  do 
Estado.  É  ali  que  em  geral  se  resolvem  as  questões  do  povo  e 
se  decide  da  vida  ou  da  morte  de  muitos. 

As  suas  construções,  se  bem  que  não  tenham  estética  como 
seria  para  desejar,  são  pelo  menos  bem  defendidas. 

Cercam  de  kissomas  (espécie  de  cactus  muito  altos  e  com- 
pactos) as  suas  sanzalas,  e  os  caminhos  que  conduzem  ao  centro 
da  povoação  são  verdadeiros  labirintos  a  que  se  não  chega  sem 
algum  trabalho  e  sem  se  passar  algumas  vezes  pelo  mesmo  sitio. 

Como  a  região  ó  frequentemente  cortada  por  linhas  de  água, 


216  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

escolhem  as  margens  dos  rios  para  as  suas  construções,  sem  se 
importarem  com  outra  coisa  que  não  seja  ficar  perto  da  água, 
porque  o  trabalho  para  eles  não  é  coisa  de  apreço. 

Não  tomam  em  conta  as  condições  climatéricas  do  sitio  em 
que  se  estabelecem,  e  a  orientação  é  ad  libitum. 


Não  obstante  a  tão  apregoada  indolência  e  inaptidão  do  Jinga 
para  o  trabalho,  nós  apezar  de  tudo  não  a  podemos  confirmar  e 


r"i 


Jingas  —  Cubata  em  construção 

muito  ao  contrário  constatamos  que,  se  o  Jinga  mais  não  trabalha 
é  porque  nem  de  tanto  necessita. 

Assim  é  que  a  sua  principal  ocupação  é  a  agricultura  simples 
e  rudimentar  de  extensas  plantações  de  mandioca,  batata  doce, 
ginguba,  abóboras,  etc.  Nas  suas  culturas  empregam  como 
alfaias,  as  enxadas  gentílicas,  o  machado  e  as  catanas. 

Dedicam-se  à  creação  de  gado  suino,  lanígero,  caprino,  e 
bovino,  de  que  se  utilisam  para  a  alimentação  e  de  que  se  servem 
para  moeda.  As  últimas  epidemias  no  gado  bovino  quási  que 
lhes  extinguiram  esta  riqueza,  que  hoje  está  reduzida  a  uma  ou 
outra  manada  e  que,  aqui  e  além  ainda  se  vê  pastando  socegada- 


DE  ANGOLA  217 

mente,  pelas  extensas  campinas  das  margens  do  Luinga  e  do 
Lucala. 

São  hábeis  caçadores,  havendo  quem  da  caça  faça  uma  pro- 
fissão e  que  em  geral  constitue  sempre  uma  classe  onde  nem 
todos  que  desejam  podem  ingressar,  usando  como  distintivo  uma 
tira  de  pele  de  javali  em  volta  da  cabeça. 

Dedicam-se  à  pesca  nos  rio&  que  banham  as  suas  terras, 
empregando  em  geral  uns  pequenos  aparelhos  de  verga,  muito 
semelhantes  aos  covos  usados  na  metrópole. 

Em  um  outro  mister  se  ocupam  os  Jingas  com  persistência, 
o  de  carregar.  O  Jinga  carrega  todos  os  seus  productos  agrícolas 
e  mais  mercadorias  que  a  sua  região  importa,  e  na  condição  de 
carregador  vai  prestar  os  seus  serviços  fora  da  sua  terra. 


#       * 


No  que  diz  respeito  às  indústrias  que  exercem,  não  obstante 
pouco  desenvolvidas,  é  de  notar,  sobretudo,  a  de  obra  de 
verga. 

Os  trabalhos  de  verga  executados  pelos  Jingas  revelam  o  seu 
quê  de  artístico,  principalmeute  no  fabrico  de  esteiras.  Além 
de  esteiras  fabricam  kindas  de  diversos  tamanhos,  feitios  e  cores, 
chapéus  e  sacos  de  mateba  para  transporte  de  café. 


#       * 

Falam  o  Kimbundu. 

As  danças  são,  como  as  de  outras  tribus,  constituidas  por 
movimentos  compassados  do  tronco  e  rins. 

Como  instrumentos  de  música  empregam  as  marimbas  a  que 
já  fizemos  alusão  e  o  Kisanje  ou  jisanje,  muito  vulgarizado  entre 
as  tribus  Bimbundu,  feito  de  qualquer  cepo  de  madeira  macia, 
ou  ainda  pedaços  de  bordão,  ligados  lateralmente  entre  si,  sobre 
que  se  montam  umas  palhetas  de  ferro,  tudo  assente  sobre  uma 
pequena  cabaça  que  serve  de  caixa  de  resonância. 

No  que  diz  respeito  a  trabalho  de  escultura  em  madeira  estão 
eles  patentes  principalmente  nas  cadeiras  que  é  vulgar  encontrar. 

Costumam  desenhar  nas  paredes  das  cubatas  figuras  mais  ou 
menos  toscas. 
IS 


218  POPULAÇÕES    INDÍGENAS 

Com  relação  a  conhecimentos  de  astronomia  chamam  ao  sol 
muanii,  à  lua  mbeiji,  às  estrelas  tetumbua,  às  nuvens  matuta  e 
à  trovoada  nzaje. 

Dividem  o  tempo  pelas  fases  da  lua. 

III.  —  Da  vida  familial 

O  nascimento.  —  A  educação.  —  O  casa- 
mento.—A  família.  —  A  morte.  —  A  re- 
ligião, ritos,  cultos,  divindades  e  sacer- 
dócio. 

O  nascimento,  entre  os  Jingas,  é  acontecimento  de  somenos 
importância,  salvo  se  o  recemnascido  é  do  sexo  feminino. 

.  Um  rapaz  nenhuma  felicidade  pode  proporcionar  à  família, 
ao  passo  que  uma  rapariga,  quer  seja  bonita  ou  feia,  alta  ou 
baixa,  magra  ou  gorda,  é  sempre,  e  durante  toda  a  vida  dos  pais, 
dos  avós  e  dos  tios,  uma  apreciável  fonte  de  receita. 

Poucos  ou  nenhuns  cuidados  se  observam  na  Jinga  com  as 
parturientes;  no  entanto  a  mãe,  a  tia,  ou  qualquer  visinha  mais 
velha,  não  deixa  de  a  instruir  na  forma  por  que  se  deve  ligar  o 
cordão  umbilical,  na  maneira  de  tirar  o  musgo  da  cabeça  da 
creança,  e  que  — o  que  é  notáveí  entre  quem  tem  horror  à  água 
—  logo  no  dia  do  parto  e  após  êle,  é  preciso  ir  ao  rio  e  tomar 
um  banho  geral. 

O  pai  e  a  restante  família  limita-se  a  celebrar  o  acontecimento 
bebendo  mais  umas  cabaças  de  maluvo. 

O  nome  é-lhes  posto  poucos  dias  depois  do  nascimento  e 
funda-se  em  qualquer  ocorrência  de  ocasião,  em  qualquer  casuali- 
dade, etc. 

# 


Existem  práticas  de  iniciação  em  um  e  outro  sexo. 

Entre  os  indivíduos  do  sexo  masculino  é  a  iniciação  cons- 
tituída pela  circuncisão.  Pratica-se,  geralmente,  aos  14  anos  de 
idade,  e  ai  daquele  que  se  não  deixar  circuncisar,  porque  seria 
tido,  para  sempre,  entre  os  seus,  como  uma  espécie  de  filho 
espúrio,  como  uma  espécie  de  engeitado,  entre  os  filhos  legítimos 
da  tribu;  e,  por  mais  que  fizesse,  por  maiores  que  fossem  as 
suas  qualidades  de  valentia,  nunca  conseguiria  arranjar  mulher. 


DE    ANGOLA 


219 


Quando  os*  mancebos  da  sanzala  chegam  à  idade  de  serem 
circuncisados,  retiram-se  para  uma  cubata,  bastante  separada  da 
sanzala,  onde  os  conservam  três  dias,  alimentados  somente  por 
géneros  crus,  como  sejam:  mandioca,  batata,  milho,  jinguba,  etc. 
No  terceiro  dia  vai  o  Kimbanda  para  tal  escolhido,  acompanhado 
de  dois  ou  três  velhos  da  sanzala,  afim  de  procederem  à  operação. 
Depois  untam-nos  de  tacula  e  azeite  de  palma,  traçam-lhes  no 
rosto  grandes  riscos  vermelhos  e  brancos,  e  deixam-nos  ali  em 
tratamento  mais  três  dias,   durante  os  quais  já  podem  comer 


Jingas  —  Uma  esteira  de  produção  gentílica 

alimento  cosinhado.  Muitos  deles  sucubem  às  infecções  na  ope- 
ração adquiridas,  outros  curam-se  passados  os  três  dias  regula- 
mentares.   Depois  voltam  à  sanzala  que  festeja  o  facto. 

Entre  os  indivíduos  do  sexo  feminino  a  iniciação  faz-se  entre 
os  dez  ou  doze  anos,  encarregando-se  das  práticas  de  iniciação 
as  tias  maternas  e  na  falta  destas  amigas  íntimas. 

Não  foi  possível  conhecer  as  práticas  desta  iniciação. 


* 
*       * 


A  idade  em  que  os  Jingas  se  julgam  capazes  de  casar  varia 
muito,  sendo  regulada  geralmente  pela  habilidade  que  cada  qual 
tem  para  adquirir  as  fazendas  e  haveres  necessários  para  pagar 
o  penhor  do  casamento  (nlemba)  mas  se  adquirem  esses  pre- 
cisos haveres  bastante  cedo,  logo  que  perfaçam  os  17  ou  18  anos, 
podem  procurar  rapariga. 


220 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


Apesar  de  tudo  isto,  os  Jingas,  enquanto  na  sanzala  não  são 
considerados  velhos  (ricotas)  continuam  a  ter-se  como  (mona 
ndengué)  creanças. 

É  vulgarisshno  ouvir-se  dizer  aos  Jingas,  que  devem  ter  aí 
uns  30  ou  35  anos,  que  ainda  são  creanças,  porque  na  cubata 
ainda  lhes  não  dão  as  honras  de  «velhos». 

Gomo  já  dissemos,  logo  que  nasce  na  Jinga  uma  creança  do 
sexo  masculino,  nasce  um  encargo  para  a  família;  assim  como, 


Jingas  —  Tralbalho  de  olaria 


quando  nasce  uma  creança  do  sexo  feminino,  nasce  para  a  fa- 
mília uma  fonte  de  receita,  porque  o  homem  procura  «celebrar 
esponsais»  com  a  mulher,  poucos  mezes  ou  anos  depois  do  seu 
nascimento.  E,  nesse  lapso  de  tempo  que  vai  decorrendo  até  à 
puberdade  da  rapariga,  vai  sempre  contentando  a  família  com 
alguma  dádiva,  como  que  assegurando  a  futura  posse  da  pro- 
metida, até  que  mais  tarde  possa  consumar  o  matrimónio. 

O  nlemba  também  varia  muito  segundo  os  teres  do  noivo  e  a 
idade  da  mulher. 

No  entanto  pode  dizer-se  que,  duma  maneira  geral,  o  penhor 
do  contrato  entre  os  Jingas  regula  entre  18  e  20  escudos,  que  é 
quási  sempre  a  maior  quantia  estipulada  pelo  contrato  ante- 
nupcial, e  um  pequeno  sinal  que  a  noiva  recebe,  contrato  a  que 
sempre  assiste  o  soba  que  também  recebe  o  seu  presente  por  essa 
assistência» 


Popul.  indígenas  de  Angola. 


(221) 


DE   ANGOLA  221 

O  casamento  é  em  geral  tratado  entre  o  tio  do  noivo  e  os 
pais  da  noiva,  que  igualmente  ajustam  o  nlemba. 

Na  Jinga  não  se  faz  grande  cerimonial  pelo  casamento. 

Nalguns  sobados,  no  dia  aprazado  para  o  casamento,  a  mulher 
limita-se  a  fugir  para  o  mato,  onde  o  noivo  terá  que  a  procurar 
até  a  encontrar  e  a  levar  para  casa,  quási  à  força.  Se,  porém, 
a  não  encontra  tem  que  pagar  ao  pai  um  presente  previamente 
estipulado,  que  em  geral  consta  de  uma  cabra  ou  de  um  porco, 
ou  ainda  uma  ovelha  que  depois  comem  em  comum,  celebrando 
o  aparecimento  da  mulher.  Mas  isto  rarissimamente  se  dá,  por- 
que, antes  do  casamento  teem  elas  o  cuidado  de  combinar  com 
o  noivo  o  sitio  onde  se  vão  esconder. 

Noutros  sobados  é  a  noiva,  que  acompanhada  de  duas  ou  mais 
raparigas,  vai  para  casa  do  noivo,  não  arredando  pé  estas  da 
porta  da  cubata  do  noivo,  enquanto  este  as  não  gratificar. 

Existe  a  poligamia  sendo  motivo  de  júbilo  para  qualquer 
mulher  da  Jinga  o  ir  pertencer  a  um  homem  que  já  possue  mais 
do  que  uma,  do  que  duas,  ou  do  que  três  mulheres,  e  isto  por 
diversos  motivos,  entre  os  quais  avulta  o  facto  de,  quantas  mais 
mulheres  o  homem  possuir,  tanto  menos  serviço  precisa  fazer 
cada  uma  delas. 

O  homem  que  tem  muitas  mulheres  cohabita  geralmente  cinco 
dias  com  cada  uma  delas;  e,  durante  esse  tempo,  aquela  a  quem 
êle  então  pertence  é  que  tem  o  dever  de  lhe  procurar  os  alimentos 
para  êle  e  os  géneros  que  êle  precise  vender.  As  outras,  neste 
meio  tempo,  vão  preparando  as  suas  lavras  para  quando 
chegar  a  sua  vez. 

A  poliandria  não  existe. 

Os  deveres  das  diversas  mulheres  para  com  o  marido  comum 
definem-se  em  poucas  palavras:  de  obedecer  cegamente  ao  ma- 
rido. 

De  resto,  todas  teem  iguais  direitos,  a  não  ser  quando  a  mais 
antiga  na  casa  é  muito  mais  velha  que  as  outras,  porque  então 
incumbem  a  esta  a  superintendência  dos  negócios  do  marido  que 
a  ela  os  confia,  de  preferência  do  que  a  qualquer  das  outras. 

Os  filhos  pertencem  à  mulher  sendo,  em  geral  esta  que  fica 
com  eles,  quando  por  qualquer  razão  se  separam. 

Existe  o  divórcio  se  assim  quisermos  chamar  às  constantes 
separações  que  se  dão  entre  os  casais  Jingas. 

Não  tem  forma  nem  processo  regular.  O  marido  um  dia, 
encandescido  pelo  maluvo,  maltratou  a  mulher.    Ela  fugiu,  na- 


222  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

turalmente,  para  casa  de  qualquer  pessoa  de  família.  E  o  homem, 
a  primeira  coisa  que  tenta,  é  haver  as  despesas  que  fez  com  o 
nlemba.  Procura  o  soba  e  este  resolve  a  questão.  Se  a  mulher 
tem  razão,  vai  para  casa  da  família  e  casa  com  quem  ela  entende 
na  primeira  ocasião.  Se  é  ao  homem  que  a  razão  se  outorga, 
então,  ou  a  família  da  prófuga,  ou  o  novo  marido  com  quem  ela 
casar,  teem  que  restituir  ao  divorciado  as  despesas  que  primiti- 
vamente fizera,  sem  ao  menos  se  lhe  levar  em  conta  o  tempo  em 
que  a  mulher  lhe  serviu  de  creada  e  escrava. 

Se  é  o  marido  que  abandona  a  mulher  sem  razão,  é  muitas 
vezes  condenado  pelo  soba  a  pagar  qualquer  quantia  à  família 
da  mulher,  quantia  de  que  ela  nunca  chega  a  aproveitar,  porque  a 
mulher  não  tem  direitos. 

O  marido  que  assim  se  divorcia,  em  geral,  não  pensa  mais 
nos  filhos. 

Mas  se  eles,  já  crescidos,  quiserem  estar  com  ele,  êle  recebe-os 
e  trata-os. 

Também  em  certas  separações  por  mutuo  consenso,  o  homem 
fica  com  os  filhos  machos,  acompanhando  a  mãe  as  raparigas 
que  do  casamento  houver. 

O  adultério  da  mulher  é  punido,  indemnizando  o  co-réu 
adultro  o  marido  trauljado  com  o  pagamento  do  penhor  do 
contracto. 

O  crime  de  adultério  a  que  chamam  upanda  é  dos  mais  graves 
entre  os  Jingas  e  muitas  vezes  pára  o  julgar  recorrem  a  um 
tribunal  mixto,  composto  de  vários  sobas  e  entidades. 

A  sucessão  é  colateral  e  define-se  em  primeiro  logar  a  favor 
dos  irmãos  uterinos,  na  falta  destes  aos  sobrinhos  filhos  de  irmãos. 
Só  na  falta  de  parentes  a  herança  se  transmite  ao  soba.  A  mulher 
nunca  herda» 

■#       * 

São  os  Jingas  desvelados  no  tratamento  das  suas  doenças, 
atestando-o  a  grande  quantidade  de  Kimbanda  que  entre  eles  se 
encontram. 

O  Kimbanda  perdeu  por  completo  entre  os  Jingas  todo  o 
prestígio  que  em  tempos  disfrutava ;  hoje  limita-se  a  subministrar 
tisanas  e  aplicar  emplastos. 

No  tratamento  das  doenças  o  receituário  é  quási  que  exclu- 
sivamente tirado  do  reino  vegetal. 


DE   ANGOLA 


223 


A  pneumonia  é  tratada  deitando  o  doente  ao  pé  de  uma 
grande  fogueira,  aplicando-lhe  ao  mesmo  tempo  ventosas,  que  pra- 
ticam fazendo  várias  incisões  e  adaptando-lhe  a  seguir  um  chifre 
na  extremidade  por  onde  fazem  a  rarefação  do  ar  até  começar 
a  afluir  o  sangue,  tapan- 
do-o  depois  com  resina. 

Só  admitem  a  morte 
natural,  nas  pessoas  que 
morrem  muito  velhas  ou 
que  passaram  os  últimos 
tempos  da  sua  vida  so- 
frendo uma  doença  grave, 
o  que  pouco  se  dá. 

Quási  sempre  quando 
um  Jinga  morre,  a  sua 
morte  é  atribuida  a  male- 
fícios deste  ou  daquele,  e 
os  parentes  do  falecido 
teem  então  ocasião  de  pe- 
dir aos  supostos  culpados 
do  desastre  o  pagamento 
de  vida  do  falecido.  Re- 
correm ao  soba  que,  em 
conselho  de  macotas,  arbi- 
tra o  valor  de  tal  vida 
e  o  acusado  é  obrigado  a 
pagar;  caso  o  não  faça 
tem  que  provar  a  sua  ino- 
cência sujeitando-se  às  res- 
pectivas provas. 

As  cerimónias  dos  óbi- 
tos variam  muito,  mas  a 
prática  mais  vulgar  é  a 
seguinte : 

No  dia  do  falecimento  rufam  os  tambores  da  sanzala  de 
certa  maneira  que  dá  a  conhecer  aos  povos  visinhos  e  por  estes 
é  da  mesma  forma  transmitido  aos  de  mais  longe,  que  alguém 
morreu  na  sanzala  donde  partiu  o  sinal. 

Depois  começa  a  juntar-se  gente  dos  arredores  e  a  família  do 
defunto  trata  imediatamente  de  comida  para  toda  essa  gente, 
que  é  tanto  mais  numerosa,  quanto  mais  rico  ou  poderoso  o  era 


Jingas  —  Um  soba 

os  tambores  da 


224 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


falecido.  Às  vezes  chegam  a  abater  dois  ou  três  bois  para  co- 
sinharem  para  os  que  vêem  prantear  o  óbito.  De  todos  os  lados 
aflue  gente  como  se  viesse  a  uma  importante  romaria ;  mas  che- 
gando ao  pé  da  cubata  do  falecido,  desata  num  berreiro  verda- 
deiramente selvagem,  elevando  os  braços  ao  céu,  conio  que 
increpando-o    por    tão    irreparável  perda.     Chegam    ao    pé    do 


Jingas  —  'Cumprimentos  ao  soba 

cadáver  e  ali,  numa  lamúria  grotesca  e  fúnebre,  recomendam-lhe 
que,  se  por  lá  encontrar  os  seus  parentes  já  falecidos,  lhes  dê 
muitas  saudades.  - 

Depois  desse  imprescindivel  recado,  muitas  vezes  repetido, 
bebem  o  seu  copo  de  maluvo  e  vão,  contentes  e  satisfeitíssi- 
mos, incorporar-se  num  dos  grupos  do  batuque,  donde  somente 
se  retiram  quando  a  isso  os  obriga  as  necessidades  de  alimen- 
tação. E  assim  se  demoram  dias  e  dias  e  até  meses,  se  o 
defunto  era  pessoa  de  qualidade,  pagando  muitos  com  a  vida 
a  sua  estulta  febre  de  dança  e  de  orgia,  porque  é  nestas  oca- 
siões que  eles  são  acometidos  de  pneumonias  que  raramente  os 
poupam. 

O  enterro  faz-se  dois  ou  mais  dias  depois  do  óbito,  segundo 


DE  ANGOLA  225 

a  importância  do  falecido,  chagando  a  ultrapassar  o  oitavo  dia, 
post-rnortem. 

Abrem  as  sepulturas  à  beira  dos  caminhos,  em  sítios  mais 
ou  menos  usuais  e  dão-lhes  sempre  uma  forma  comum.  Na  aber- 
tura teem  o  diâmetro  de  80  centímetros  quando  muito  e  vai 
alargando  por  baixo,  à  maneira  de  galeria,  tendo  às  vezes  formas 
caprichosas. 

Sobre  este  assunto  informa-nos  o  Secretário-  de  Circunscrição 
Sr.  Francisco  Santos,  que  teve  ocasião  de  ver  uma  sepultura  de 
um  soba  que  era  uma  espécie  de  miniatura  da  sua  banza. 

Tinha  quatro  ou  cinco  galerias  e  cada  uma  delas  ia  dar  a  um 
sítio  mais  largo,  e  em  cujo  comprimento  caberia  uma  pessoa 
deitada.  Cada  um  destes  quadrilongos  representava  a  cubata  de 
cada  uma  das  mulheres  do  soba  falecido.  E  ao  meio,  um  pouco 
mais  ou  menos,  havia  o  logar  onde  se  tinham  desfeito  já  os  restos 
mortais  daquele  que,  em  vida,  havia  sido  um  dos  mais  autocratas 
potentados  da  sua  terra. 

Os  cadáveres  são  amarrados  de  pés  e  mãos,  ficando  numa 
bóia  e  assim  os  enfiam  pela  abertura  da  cova  em  que  os  sepultam. 

Depois,  com  uns  paus  compridos  lá  os  concertam  de  maneira 
que  fiquem  deitados  de  lado  e  com  a  frente  para  o  caminho  à 
beira  do  qual  são  sepultados.  Os  sobas  porém,  não  são  amar- 
rados e  são  deitados  de  costas.  Defronte  da  cabeça  põem  um 
cano  de  espingarda  ou  um  canudo  de  bambu,  que  chega  acima 
à  superfície  da  terra  e  por  ali  lhe  deitam,  de  tempos  a  tempos  a 
sua  cabaçada  de  maluvo  para  que  eles,  lá  no  outro  mundo,  não 
possam  dizer  mal  daqueles  que  cá  deixaram. 

Em  cima  da  sepultura  que  é  cercada  dum  tapume  de  kisso- 
mas  e,  quási  sempre  coberta  com  uma  alpendrada  de  capim, 
colocam-lhes  os  objectos  do  seu  uso  como  sejam  o  seu  cachimbo, 
a  kinda  onde  comiam  o  nfundji,  o  moringue  ou  cabaça  por 
onde  bebiam  a  água,  etc.  Se  o  morto  se  empregava  no  mister 
de  carregador,  lá  ficará,  sobre  a  sepultura,  a  muamba,  em  que 
transportava  as  suas  cargas  e  ninguém  se  atreverá  a  tocar-lhe 
mais. 

As  viuvas  acompanham,  chorando,  os  cadáveres  dos  maridos, 
até  à  sepultura  mas  na  volta,  são  envolvidas  nos  seus  panos,  de 
forma  a  não  verem  a  luz  e  trazidas  pelos  amigos  do  falecido, 
em  charóla,  até  à  cubata  onde  se  deu  o  falecimento.  Ali  perma- 
necem dias  e  dias,  tendo  a  fogueira  sempre  acesa,  dia  e  noite, 
afim  de  que  a  alma  do  morto,  ali  não  possa  penetrar. 


226  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


Crêem  num  ente  supremo  a  que  chamam  o  Ngana-Nzambi 
assim  como  crêem  também  no  Nvunfi,  que  temem  por  ser  o  génio 
do  mal. 

Julgam  que  a  alma  dos  que  morrem  pode  vir  ao  mundo  e 
fazer-lhes  mal  em  qualquer  situação. 

Nem  em  todas  as  sanzalas  há  logares  sagrados  ou  tidos  como 
tais,  pois  apenas  nalgumas  se  encontra  um  pequeno  telheiro 
coberto  a  capim,  dentro  do  qual  estão  os  manipanços  ou  feitiços 
com  que  se  servem  nas  suas  arengas. 

As  superstições  entre  eles  são  variadíssimas,  sendo  muito 
difícil  fazer  delas  uma  resenha  aproximada  da  verdade.  Não  se 
lavam  por  superstição.  Não  caminham  de  noite  por  superstição. 
Não  comem  juntos  com  as  mulheres  por  superstição.  Não  usam 
chapéu  na  presença  do  soba  porque  é  kijila.  E  muitíssimas 
outras  coisas  de  igual  disparate. 


IV.  —  Da  vida  social 

Espécie  de  vida.  —  Classes  e  castas.  — 
Organização  política.  —  Propriedade.  — 
Regime  económico.  —  Costumagens  jurí- 
dicas. 

Os  Jingas  levam  vida  sedentária,  não  obstante  se  podesse 
supor  o  contrário  pelo  facto  de  se  entregarem  às  creações  de 
gado  bovino. 

Não  fazem  os  Jingas  excepção  às  restantes  tribus  da  raça 
negra  no  que  diz  respeito  a  classes  e  castas.  Temos  aqui  como 
em  todas  as  outras  tribus  daquela  raça  o  nobre,  o  livre  e  o 
o  escravo. 

Dos  nobres  saem  os  sobas,  'macotas  e  mais  dignatários  da 
corte ;  os  kimbandas  pertencem  aos  homens  livres. 

Parece  que  a  escala  hierárquico-social  entre  os  Jingas  é  de 
constituição  complicada  e  se  distribue  em  ordem  decrescente 
pelos  seguintes  títulos : 

Vundas,  Caudas,  Quiluanges,  Zundos,  Kapeles,  Ngola-Nboles, 
(espécie  de  secretário),  Matomuzumus,  etc. 

Por  morte  de  qualquer  destes  senhores  não  pode  o  seu  legí- 


DE  ANGOLA  227 

timo  descendente  suceder-lhe  imediatamente  e  isto  pela  simples 
razão  do  soba  o  não  permitir,  visto  interpôr-se  quási  sempre  um 
ambicioso,  que,  mais  abastado,  tenta  prejudicar  o  natural  pro- 
prietário. 

Estabelece-se  a  demanda  e  o  soba  resolve  por  quem  mais  dá. 

Terminado  o  pleito  é  o  vencedor  investido  no  seu  cargo  e 
pode  a  seu  turno  como  compensação,  esbulhar  os  subalternos. 


Jingas  —  Preparativos  para  a  guerra 

No  que  diz  respeito  aos  escravos  nada  temos  a  acrescentar 
ao  que  sobre  o  mesmo  assunto  deixamos  exposto  para  outras  tribus. 

Para  com  os  extrangeiros  usam  de  uma  certa  urbanidade, 
preparando-lhes  o  fungi  e  oferecendo-lhes  abrigo,  e  se  tanto  fôr 
preciso  deixando  a  sua  cubata. 

Nem  todos  os  povos  Jingas  são  pacíficos,  alguns  teem-se 
mostrado  irrequietos  e  de  difícil  sujeição. 

O  regimen  político  da  tribu  Jinga  foi  durante  muito  tempo 
caracterizado  por  um  despotismo  posto  nas  mãos  dos  seus  sobe- 
ranos —  Ngolas  Kiluanges  Kissamba  —  hoje  em  completa  deca- 
dência. 

A  este  soberano  absoluto  e  autocrata  estavam  sujeitos  vários 
estados  (sobados)  que  ele  explorava  em  proveito  próprio. 

Atualmente  esta  unidade  de  governo  quási  que  por  completo 
desapareceu  restando  uns  sobados  mais  ou  menos  independentes 
em   que   o  soba  —  muenéxi  ou   (senhor   das  terras)  —  perdeu  o 


228 


POPULAÇÕES   INDÍGENAS 


prestígio  de  outros  tempos,  e  tem  que  se  sujeitar  à  vontade  do 
conselho  dos  macotas,  seus  ministros. 

O  soba  vive  na  sanzala  — banza  ou  embala  —  que  constitue  a 
corte,  como  o  mais  simples  dos  seus  subordinados,  tendo  no 
entanto  os  rendimentos  que  lhe  adveem  do  julgamento  das  ques- 
tões que  lhe  apresentam,  e  do  produto  do  trabalho  de  um  dia 
por  ano  que  cada  morador  da  embala  tem  obrigação  de  prestar. 


Jingas  —  Depois  do  combate  dansando  era  volta  do  soba 

O  soba  usa  como  distintivo  um  pequeno  barrete,  espécie  de 
solideo  —  kijinga  —  tecido  de  qualquer  fibra  que  nunca  tira. 

A  sucessão  é  hereditária  e  defere-se  na  ordem  já  mencionada, 
quando  a  ela  nos  referimos  na  organização  da  família,  nesta  tribu. 

Ao  soba  falecido  tiram  um  dente  da  maxila  superior  que  é 
entregue  ao  sucessor  como  documento  autêntico  da  sua  sucessão. 

Na  investidura  do  novo  soba  costuma  haver  apenas  um  rui- 
doso batuque. 

As  cerimónias  do  enterro  do  soba  nada  teem  que  as  distinga 
das  que  fazem  quando  morre  outro  qualquer  Jínga. 


Considera- se  proprietário  da  terra  o  soba,  dispondo  dela  a 
seu  bel-prazer  entre  os  seus  subordinados  que  são  os  seus  usu- 
fructuários. 


DE  ANGOLA  229 

Exercem  o  comércio  dos  seus  produtos  agrícolas  e  sobretudo, 
de  gado,  com  que  fazem  as  principais  transacções. 

Esta  tribu  confinando  pelo  sul  com  territórios  ocupados  pelos 
ambaquistas  tem  sido  invadida  por  esta  praga,  e  assim  é  que,  é 
vulgarmente  encontrarem-se  contractos  ou  ajustes,  reduzidos  a 
escrito  pelo  manhoso  requerimentista  ambaquista,  e  que  o  Jinga 
religiosamente  guarda. 


As  questões  são  julgadas  conforme  a  sua  importância,  pelo 
soba  ou  por  um  tribunal  por  este  presidido,  tendo  como  mem- 
bros os  seus  makotas. 

Alem  da  prova  testemunhal  em  assuntos  de  gravidade,  sujei- 
tam o  réu  à  prova  da  ndua  ou  beberagem  venenosa,  preparada 
por  um  kimbanda. 

A  facilidade  com  que  de  bom  grado  os  pacientes  se  sujeitam 
e  até  reclamam  a  ndua,  mostra  bem  que  a  beberagem  é  prepa- 
rada à  vontade  do  freguez  e  só  produz  resultados  contraprodu- 
centes, quando  de  todo  o  que  a  ela  tem  de  se  sujeitar,  não  possua 
haveres  para  convencer  o  curandeiro. 


AfJSfyrya  //r,tt     irrp 


CAPITULO   IX 

KISSAMAS  (*) 

I.  —  Dos  caracteres  etnográficos  gerais 

Origem  desta  tribu.  —  Sua  situação  geo- 
gráfica. —  População. 

Segundo  a  tradição  corrente  os  povos  pertencentes  à  tribu 
Kissama  são  afins  daqueles  da  tribu  Ginga,  visto  que  parece  ter 
dado  origem  à  formação  da  tribu  um  irmão  de  um  potentado  da 
Ginga  que  se  veiu  estabelecer  na  região  actualmente  ocupada 
pelos  Kissamas. 

Admitindo  esta  tradição,  que  os  seus  usos  e  costumes  em 
parte  confirmam,  são  os  Kissamas  descendentes  dos  povos  que 
invadiram  a  província  pelo  norte. 

A  tribu  Kissama  ocupa  a  região  limitada  ao  norte  pelo  rio 
Cuanza,  ao  sul  pelo  rio  Longa,  a  oeste  pelo  Oceano  Atlântico,  a 
leste  pelo  rio  Luime  e  os  montes  Zumba  Vunge  que  a  separam 
do  Libolo. 

A  população  diminuiu  consideravelmente  dizimada  pela  doença 
do  sono,  flagelo  que  actualmente  os  tem  sacrificado  menos. 

São  de  estatura  regular,  robustos  e  resistentes,  de  côr  preta 
retinta,  joviais,  faladores  e  muito  desconfiados. 

Não  se  encontra  nesta  tribu  o  bócio  nem  a  steotipigia;  como 
deformações  artificiais,  usam  as  mulheres  prefurar  os  lóbulos 
das  orelhas  onde  introduzem  pequenos  bocados  de  cana  com  tabaco 
moido  (rapé),  e  tanto  os  homens  como  as  mulheres  costumam 
limar  os  dentes,  aguçando-os. 


(l)  Prestou  elementos  para  o  estudo  desta  tribu  o  Administrador  da 
Circunscrição  Civil  de  Cambambe  o  sr.  João  Pinto  da  Cunha  Andrade* 


232  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


II.  —  Da  vida  material  e  intelectual 


Cuidados  dados  ao  corpo.  —  Alimentação. 
—  Vestuário.  —  Habitação.  —  Meios  de 
existência.  —  Artes  e  sciêneias.  —  Facul- 
dades intelectuais. 


Não  prestam  o  menor  cuidado  à  higiene  e  limpeza  do  corpo, 
não  se  lavando  nunca,  e  sendo  talvez  dos  povos  da  província  os 
mais  porcos.  Em  compensação  usam  untar-se,  corpo  e  cabeça, 
com  azeite  de  palma  e  tacula. 

Tanto  homens  como  mulheres  usam  geralmente  o  cabelo  em 
tranças  caídas  sobre  os  ombros  e  enfeitadas  com  missangas  e 
contas  de  vidro  de  variadas  cores,  não  existindo  diferença  dos 
penteados  entre  os  dois  sexos,  a  não  ser  o  dos  homens  ser  mais 
carregado  de  adornos  e  enfeites. 

Entre  os  Kissamas  pratica-se  a  tatuagem,  mas  quási  exclusiva- 
mente nas  mulheres  que  usam  no  ventre  e  nas  costas,  feita  por 
meio  de  agulha  ou  â  faca. 

Como  adornos  e  enfeites  empregam  a  missanga  no  cabelo 
como  já  tivemos  ocasião  de  dizer  e  nos  braços,  pescoço,  pernas 
e  cintura. 

No  que  diz  respeito  a  vestuário  usam  as  fazendas  adquiridas 
ao  comércio  europeu,  as  mulheres  um  pano  em  volta  dos  rins, 
chegando-lhes  até  aos  joelhos,  os  homens,  um  simples  pedaço  de 
pano  em  forma  dos  chamados  papagaios  das  creanças.  Os  sobas 
vestem  casacos  e  usam  chapéus. 

  base  da  alimentação  é  vegetal  e  constituída  pela  massam- 
bala,  mandioca,  milho,  feijão,  batata  doce  e  ginguba. 

Consomem  na  alimentação  o  peixe  que  pescam,  principal- 
mente, nas  lagoas  e  a  carne  da  caça  :  boi  selvagem  (pacaça), 
javali  e  veado. 

Comem  igualmente  a  carne  do  cavalo  marinho,  do  macaco, 
cobras,  ratos  e  morcegos. 

Empregam  o  sal  como  tempero  e  o  gintlungu  como  excitante. 

Fazem  largo  uso  da  seiva  da  palmeira  depois  de  fermentada. 

Poucos  são  os  que  fumam,  na  maioria  tomam  rapé. 

Tomam  duas  refeições  por  dia,  preparadas  pelas  mulheres; 
os  homens  justamente  com  os  filhos  e  à  parte  as  mulheres. 

O  tipo  de  habitação  é  a  cubata  de  base  circular,  constituída 


Tipos  da  tribu  Quissama 


Popul.  indígenas  de  Angola. 


DÊ  ANGOLA  233 

de  paus  a  pique,  ligadas  por  cordas  de  filamentos  vegetais  e 
colmo  e  com  cobertura  deste  mesmo  material,  de  forma  cónica. 

A  cubata  assenta  directamente  sobre  o  solo. 

Não  preside  ao  estabelecimento  das  povoações  qualquer  orien- 
tação definida,  sendo  as  cubatas  construidas  irregularmente, 
sem  alinhamentos.  Escolhem  de  preferência  para  o  local  das 
povoações  os  logares  mais  baixos,  junto  dos  palmares  e  das  suas 
lavras. 

A  principal  ocupação  destes  povos  é  o  fabrico  do  azeite  de 
palma,  dedicando-se  igualmente  os  povos  de  oeste  à  extracção 
da  goma  copal  e  à  apicultura  para  o  comércio  da  cera. 

As  culturas  dominantes  são :  a  massambala,  a  mandioca  o 
feijão,  a  ginguba,  a  batata  doce  e  o  milho.  Destes  géneros 
costumam  vender  o  milho  e  o  feijão  de  que  não  necessitam 
para  a  sua  alimentação. 

Exercem  a  agricultura  pelos  processos  mais  rudimentares, 
empregando  as  enxadas  gentílicas,  as  catanas,  pequenos  ma- 
chados e  facas. 

Possuem  apenas  gado  suino  e  caprino. 

Além  do  fabrico  do  azeite  de  palma,  a  principal  indústria 
que  exercem  é  a  da  tecelagem,  fiando  o  algodão  e  fabricando 
sacos  e  redes  para  tipóia  (machila). 

A  língua  falada  é  o  Kimbundo. 

As  danças  usadas,  monótonas  como  as  das  restantes  tríbus, 
consistem  em  compassados  passos,  acompanhados  por  movimentos 
dos  quadris,  que  dois  deles  executam  no  meio  de  uma  circun- 
ferência formada  por  todos  os  outros  que  dançam. 

Como  instrumentos  de  música  usam  uma  espécie  de  flautim 
construido  de  cana  e  o  conhecido  tambor  feito  de  um  tronco  de 
árvore  ôco,  a  que  se  adapta  uma  pele  de  cabrito  ou  veado. 

Teem  vagas  noções  sobre  os  astros,  chamando  Rícumbe  ao  sol 
e  Rieiji  à  lua. 

III.  -  Da  vida  familial 

O  nascimento.  —  A  iniciação.  —  O  casa- 
mento. —  A  família.  —  A  morte.  —  A  reli- 
gião, rito,  cultos  e  sacerdócio. 

Não  usam  qualquer  prática  antes  do  nascimento  e  após  este, 
bem  assim  como  na  escolha  ou  imposição  do  nome  ao  recemnascido, 
16    . 


234  POPULAÇÕES  ÍNDÍGENAg 

que,  em  geral,  recebe  o  nome  de  um  parente  ou  de  um  amigo  da 
família. 

Não  lhes  merecem  cuidados  especiais  as  creanças,  a  quem, 
logo  de  princípio,  fazem  ingerir  banana  cozida  mastigada,  e 
farinha  de  mandioca  em  forma  de  papas  pouco  consistentes, 
bastante  diluídas  em  água. 

Praticam  a  circuncisão  entre  os  dez  e  doze  anos  pouco  mais 
ou  menos,  fazendo  festas  depois  da  operação  que  se  resumem  em 
danças,  comer  e  beber. 

Desconhecemos  se  as  raparigas  são  iniciadas  ao  chegar  à 
idade  da  puberdade. 

O  indivíduo  é  considerado  maior  quando  está  em  idade  de 
casar-se,  o  que  geralmente  é  entre  os  16  e  18  anos. 

O  casamento  ajusta-se  entre  o  noivo  e  os  pais  da  noiva,  e 
vincula-se  por  uma  oferta  feita  por  aquele  a  estes. 

Assim  ajustado,  o  casamento  efectiva-se  mandando  o  noivo 
buscar  por  pessoa  de  idade  a  noiva  a  casa  dos  pais,  sendo  indis- 
pensável enviar  por  este  intermediário  novo  presente,  que  em 
geral  consta  de  uma  esteira,  um  cacho  de  bananas,  peixe,  etc. 

Existe  a  poligamia  em  grande  escala. 

O  homem  tem  sobre  a  mulher  todos  os  direitos,  salvo  o  de 
morte. 

A  mulher  deve  obediência  ao  marido,  e  vive  na  sua  cubata 
com  os  seus  filhos.  A  primeira  mulher  goza  um  certa  número 
de  regalias  e  é  respeitada  pelas  outras. 

Existe  o  divórcio  tendo  como  causas  determinantes  o  adul- 
tério, os  maus  tratos,  e  a  esterilidade. 

A  mulher  uma  vez  divorciada  volta  para  a  casa  da  família, 
podendo  casar-se  novamente.  Os  filhos  ficam  com  o  pai  até  à 
maior  idade,  visto  que  a  mulher  não  tem  sobre  eles  direito  algum. 

Os  filhos  das  diferentes  mulheres  teem  direitos  iguais. 

É  pouco  frequente  o  adultério. 

A  herança  transmite-se  aos  sobrinhos  filhos  das  irmãs,  no- 
tando, contudo,  que  na  parte  norte  da  região  ocupada  pelos 
Kissamas  parece  que  a  sucessão  se  faz  em  alguns  deles  de  pais 
para  filhos.  A  mulher  não  tem  direito  a  parte  alguma  da 
herança. 

As  doenças  são  tratadas  pelos  kimbandas  que  àlêm  do  trata- 
mento empregado  pela  aplicação  dos  remédios  quási  todos  tirados 
da  flora  da  região,  usam  cerimónias  e  manigâncias  próprias 
para  cada  género  de  doenças. 


DÈ  ANGOLA  235 

Não  admitem  a  morte  natural,  atribuindo-a  a  feitiçaria.  A 
morte  é  sempre  assinalada  por  grande  fusilaria  de  tiros  de  es- 
pingarda, quando  teem  pólvora,  e  por  danças. 

No  que  diz  respeito  às  cerimónias  do  funeral,  envolvem  o 
cadáver  em  panos  e  depois  de  amarrado  conduzem-no  para  a 
sepultura  a  pau  e  corda.  O  cadáver  enterra-se  na  posição  de 
sentado,  pouco  mais  ou  menos  como  indicamos  para  as  tríbus  do 
sul  da  província. 

A  forma  de  sepultura  é  redonda,  e  cobre-se  com  uma  pedra 
ou  lage  coberta  depois  de  terra.  As  sepulturas  dos  caçadores  e 
sobas  são  feitas  de  pedras.  As  sepulturas  em  geral  são  perto 
das  povoações  e  junto  aos  caminhos,  salvo  as  dos  caçadores  e 
sobas,  que  são  no  alto  dos  morros. 

Nada  temos  a  acrescentar  em  matéria  religiosa  ao  que  ficou 
exposto  sobre  o  mesmo  assunto  ao  estudar  as  outras  tríbus. 

São  supersticiosos,  acreditando  na  influência  que  em  todos 
os  actos  da  sua  vida  teem  os  espíritos  dos  seus  antepassados, 
que  classificam  em  bons  e  maus,  oferecendo-lhes  sacrifícios  para 
aplacar  as  iras  dos  segundos  e  por  eles  fazem  interceder  os 
primeiros. 

Crêem  em  um  ente  supremo  que  respeitam  e  veneram  mas 
que  não  representam. 

IV.  —  Da  vida  social 

Espécie  de  vida.  —  Classes  e  castas.  — 
Organização  política.  —  Regimen  econó- 
mico. —  Propriedade.  —  Costumagens  ju- 
rídicas. 

Os  povos  que  constituem  a  tríbu  Kissama  levam  vida  seden- 
tária. 

Como  nas  restantes  tríbus  da  raça  negra  existem  classes. 

São  de  índole  mais  ou  menos  guerreira,  sendo  em  grande 
parte  rebeldes  às  nossas  autoridades. 

A  constituição  política  dos  Kissamas  é  constituída  por  soba- 
dos  independentes  uns  dos  outros,  governados  pelos  seus  res- 
pectivos sobas,  mas  mais  ou  menos  subordinados  ao  soba  Kixinge 
que,  não  obstante  ter  perdido  grande  parte  do  seu  prestígio, 
ainda  é  considerado  soba  grande  da  Kissama. 

Os  sobas  são  escolhidos  entre  os  parentes  do  falecido, 


236  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Junto  de  cada  soba  existe  o  conselho  dos  macotas,  escolhidos 
pelo  povo  de  entre  os  que  são  de  melhor  conselho  e  seriedade, 
que  é  ouvido  pelo  soba  em  todos  os  casos  importantes. 

Após  a  morte  de  um  chefe,  procede-se  como  em  qualquer 
óbito  assinalando  o  facto  com  fusilaria  e  danças. 

O  acto  da  investidura  de  um  soba  consiste  em  fazer  sentar 
o  escolhido  na  cadeira  de  estado  e  porem-lhe  cordas  de  fibras  de 
imbondeiro  no  pescoço  e  nos  braços,  e  na  cabeça  um  pequeno 
barrete  das  mesmas  fibras. 

Exercem  o  comércio  de  permuta  exportando  coconote  e  azeite 
de  palma,  milho,  etc,  e  importando  fazenda,  missanga,  contaria 
e  pólvora.  Muitos  exercem  já  o  comércio  a  dinheiro,  preferindo 
o  cobre  que  parece  que  em  parte  enterram. 

A  propriedade  das  terras  é  de  quem  a  ocupa,  não  tendo  por 
isso  os  chefes  mais  direitos  do  que  outro  qualquer  indígena. 

Existem  os  contractos  de  compra,  venda  e  empréstimo,  que  se 
provam  por  meio  de  testemunhas. 

As  questões  são  julgadas  pelo  tribunal  constituído  pelos  ma- 
cotas e  presidido  pelo  soba,  perante  o  qual  se  apresentam  os 
litigantes  com  as  suas  testemunhas. 

Existe  uma  espécie  de  juramento,  fazendo  um  sinal  no  chão 
com  um  dedo  que  em  seguida  passam  pela  língua. 

Todos  os  crimes,  delicto  ou  contravenção  são  expiados  pelo 
pagamento  de  indemnizações  e  composições  às  partes  lesadas. 


'"•'/"  •' 


CAPITULO  X 
LIBOLOSí1) 

I.  —  Dos  caracteres  etnográficos  gerais 

Situação  geográfica  desta  tríbu.  —  Sua  ori- 
gem. —  População. 

Os  povos  desta  tríbu  ocupam  os  territórios  ao  sul  do  rio 
Cuanza  limitados  ao  norte  por  este  rio,  ao  oeste  pelo  Luime  e 
montes  Zumba  Vunge,  a  leste  pelo  rio  Gando  e  a  sul  pelo  rio  Nhia. 

Não  conhecemos  tradição  que  nos  elucide  especialmente  sobre 
a  origem  da  tríbu  Libolo,  mas  do  estudo  dos  seus  usos  e  cos- 
tumes e  da  origem  da  tríbu  Bangala  não  será  dificil  concluir 
que  os  actuais  povos  da  tríbu  Lrbolo  são  descendentes  daqueles 
que  invadiram  a  província  pelo  Congo,  e  que  mais  tarde  se 
cruzaram  com  a  gente  de  Kinguri. 

Com  efeito,  quando  Kinguri,  capitaneando  um  grupo  de  des- 
cendentes do  estado  Muat-Ianvua,  esteve  no  Libolo  já  ali  encon- 
trou os  povos  vindos  do  norte  com  quem  travou  relações  que 
foram  tão  íntimas,  que  delas  resultaram  a  união  de  Kinguri  com 
uma  irmã  de  Angonga,  potentado  da  região,  união  que  deu  logar 
a  ingressar  no  jagado  de  Cassange  um  representante  da  família 
de  Angonga. 

Os  Libolos  são  bem  constituídos,  robustos,  musculados  e  re- 
sistentes, de  estatura  regular,  olhos  de  forma  elptica  e  côr  da 


(4)  Forneceram  elementos  para  o  estudo  desta  tríbu  o  administrador 
da  Circunscrição  civil  sr.  Armando  de  Campos  Palermo  e  o  Superior  da 
Missão  de  Calulo  ex.mo  sr.  Eduardo  George. 


238  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

pele  negra  retinta  nos  terrenos  baixos  junto  do  Cuanza  e  cas- 
tanho escuro  nas  regiões  de  maior  altitude. 

Não  se  encontra  o  bócio  nem  a  steotopigia,  mas  é  vulgar  o 
albinismo,  designando  os  albinos  kilombo  kiahaça. 

II.  —  Vida  material  e  intelectual 

Cuidados  dados  ao  corpo.  —  Vestuário.  — 
Alimentação.  —  Habitação.  —  Meios  de 
existência.  —  Artes,  seiências  e  faculda- 
des intelectuais. 

Nos  cuidados  de  asseio  e  higiene  com  o  corpo,  destoam  um 
pouco  dos  povos  circunvisinhos,  visto  lavarem-se  frequentemente 
nos  pequenos  ribeiros  que  atravessam  a  região  por  eles  ocupada, 
e  teem  todo  o  cuidado  com  a  limpeza  da  boca,  lavando-a  na 
maioria  mais  do  que  uma  vez  por  dia,  esfregando  os  dentes  e 
raspando  a  língua. 

Usam  untar  o  corpo  com  azeite  de  palma. 

Praticam  a  tatuagem  propriamente  dita  homens  e  mulheres, 
com  uma  agulha  impregnada  de  água  e  fuligem,  por  sucessivas 
picadas,  ou  mesmo  fazendo  ligeiras  incisões  com  facas  muito 
afiadas. 

As  mulheres  àlêm  da  tatuagem  costumam  fazer  cicatrizes  em 
relevo,  introduzindo  uma  agulha  grossa  horizontalmente  no 
tecido  subcutâneo  que  destacam  depois,  fazendo  deslisar  uma 
faca  sobre  a  agulha  que  assim  arranca  a  parte  do  tecido  que 
lhe  está  sobreposta.  As  feridas  produzidas  são  tratadas,  esfre- 
gando-as  com  milho  mascado. 

O  vestuário  é  constituído  pela  tradicional  tanga  de  fazenda. 

Entre  os  homens  é  luxo  o  vestirem  camisas  e  casacos,  e  os  de 
maior  gerarquia  costumam  usar  por  cima  do  pano  uma  pele,  em 
formrt  de  avental.    Esta  pele  para  os  sobas  é  de  onça. 

Só  os  carregadores  é  que  costumam  usar  uma  espécie  de  san- 
dálias, feitas  de  pele  de  boi. 

Como  adornos  alguns  homens  usam  em  volta  do  pescoço  cor- 
rentes de  metal  amarelo  em  que  suspendem  qualquer  objecto 


DE   ANGOLA 


239 


indicado  pelos  curandeiros  como  preservativos  de  determinadas 
doenças,  e  a  que  vulgarmente  dão  o  nome  de  chilo.  As  mulheres 
usam  colares,  pulseiras  e  cintos  de  missanga. 


# 
*      * 


A  base  de  alimentação  é  vegetal  e  constituída  pelas  papas  da 
farinha  de  milho  e  da  mandioca. 

A  este  prato  obrigatório  juntam  no  que  diz  respeito  a  vegetais, 
o  feijão,  a  abóbora,  a  batata  doce,  o  amendoim,  e  diversas  ervas 
em  forma  de  esparregado; 
no  que  diz  respeito  à  ali- 
mentação tirada  do  reino 
animal,  comem  peixe,  carne 
de  vaca  e  de  várias  espécies 
de  caça,  galinhas,  porcos, 
cabras,  carneiros,  ratos, 
gafanhotos  cobras,  salalé. 
Como  tempero  empregam  o 
sal,  nos  molhos  usam  o  azeite 
de  palma  e  como  excitantes 
o  gindungu  e  o  gipepe. 

Tomam  em  geral  duas 
refeições:  a  da  manhã  ou 
almoço  que  chamam  kuria- 
ula,  e  outra  ao  cair  da  tarde 
ou  jantar  Jculua. 

As  refeições  são  prepa- 
radas indistintamente  pelos 
homens  e  mulheres,  comendo 
os  homens  à  parte  das  mu- 
lheres, e  sendo  frequente  os  visinhos  reunirem-se  para  tomar 
as  refeições  em  comum. 

Por  motivo  de  superstição,  com  receio  que  lhes  morram  os 
filhos  as  mulheres  não  usam  na  alimentação  a  carne  de  porco  e 
da  cabra. 

Em  geral  conservam  sempre  o  fogo,  não  havendo  necessidade 
de  o  produzir,  o  que  fazem  quási  que  exclusivamente  quando 
mudam  a  povoação. 

Na  nova  povoação  fazem  fogo  novo,  com  receio  de  que  tra- 


WÈÊÊÊÊÊM 

Raparigas  da  tríbu  Libolo 


240  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

zendo  o  fogo  da  que  abandonaram,  com  êle  venha  Igualmente  as 
desgraças  experimentadas  naquela.  Neste  caso  o  fogo  é  produ- 
zido pela  percussão  em  pedras  com  ferro. 

Alem  de  água  fazem  uso  de  bebidas  fermentadas,  tais  como: 
o  maluvu  ou  vinho  de  palmeira ;  a  uala  ou  garapa  da  farinha  de 
milho  e  da  massambala;  o  kingundu  ou  hidromel. 

Fumam  o  tabaco  e  a  riamba. 

Conservam  a  carne  desecando-a  ao  sol  ou  defumando-a,  e  os 
cereais  e  legumes  em  celeiros  em  pequenas  cubatas  assentes 
sobre  estacaria  ou  em  cima  de  rochedos  para  assim  ficarem  ao 
abrigo  do  salalé. 

A  antropofagia  —  diz-se  —  é  praticada  clandestinamente,  sendo 
as  vítimas  os  feiticeiros  ou  prisioneiros  de  guerra.  Não  pode 
porem  ser  considerada  com  o  fim  de  se  alimentarem,  mas  tão 
somente  porque  estão  convencidos  que  assim  destroem  tudo 
quanto  pudesse  sobreviver  np  inimigo  morto. 


* 

*       * 


O  tipo  de  habitação  é  a  cubata  assente  sobre  o  chão,  de  base 
rectangular  ou  circular  —  mais  geralmente  esta  última  forma  — 
com  uma  só  porta  e  quási  sempre  sem  janelas. 

A  cubata  é  construida  de  pau  a  pique,  barreada  ou  revestida 
de  colmo  e  com  cobertura  deste  mesmo  material. 

Com  relação  ao  mobiliário,  além  da  tarimba  de  empelas  de 
palmeira,  raro  é  encontrar-se  outro  móvel. 

As  povoações  são  construídas  no  alto  dos  montes  e  não  longe 
de  água. 

São  constituídas  por  aglomerações  irregulares  de  cubatas, 
não  obedecendo  a  qualquer  plano. 

Nas  povoações  há  cubatas  destinadas  para  as  raparigas  sol- 
teiras de  uma  certa  idade  pernoitarem,  e  aos  hóspedes  oferecesse 
geralmente  a  cubata  de  um  rapaz. 


* 
%      # 


A  ocupação  principal  dos  povos  em  estudo  é  a  agricultura. 
O  Libolo  é,  por  certo,  das  tríbus  do  norte  da  província,  aquela 
que,  com  mais  esmero  e  proficiência  exerce,  não  só  a  agricultura 


DE   ANGOLA 


241 


dos  produtos  de  que  tira  a  sua  alimentação,  como  igualmente 
o  tratamento  de  outras  plantas  expontâneas,  principalmente  a 
palmeira  dendem,  em  que  se  pode  considerar  exímios. 

As  culturas  dominantes  são :  o  milho,  a  mandioca,  a  ginguba, 
a  abóbora,  a  batata  doce  e  o  feijão. 

Como  utensílios  e  alfaias  empregam  os  tradicionais  machados, 
enchadas  e  catanas;  não  recorrem  a  regras  ou  a  adubação. 

Ao  homem  compete  a  preparação  do  terreno  para  as  culturas 


Libolo  —  Fabrico  do  esteiras 


e  o  tratamento  das  palmeiras,  e  à  mulher  as  culturas  e  apanha 
dos  frutos. 

Dedicam-se  à  apicultura,  principalmente  os  indígenas  do  Ki- 
bala,  fazendo  os  cortiços  de  casca  de  árvore  e  suspendendo-os 
nas  árvores  de  maior  porte. 

Dedicam-se  à  criação  de  gado  suino,  caprino  e  lanígero. 

Exercem  a  caça  como  prazer  em  batidas  por  ocasião  das 
grandes  queimadas  de  julho  a  outubro  e  pela  forma  já  indicada 
para  os  Manungos. 

No  que  diz  respeito  a  indústrias :  exercem  a  de  olaria,  princi- 
palmente na  região  de  Mussende,  onde  abunda  a  argila  mais 
própria;  a  de  cesteiro,  quási  que  exclusivamente  da  competência 
da  mulher;  a  tecedura  do  algodão  expontâneo;  a  de  moagem 
por  trituração,  reservada  exclusivamente  às  mulheres;  a  de  me- 
talurgia, por  indivíduos  que  a  este  mister  se  dedicam,  fabricando 
facas,  machadinhas,  concertando  armas,  etc. ;  a  de  cordoaria  apro- 
veitando a  casca  de  imbundeiro;  a  de  tanoaria  e  a  de  tinturaria. 


242  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


*    * 

Os  Libolos  falam  um  dialecto  do  Kimbundu. 

As  danças  usadas  por  esta  tríbu  em  nada  diferem  das  que 
são  comuns  aos  povos  já  estudados,  sendo  como  aquelas  desen- 
graçadas,  monótonas  e  reduzindo-se  a  flexões  do  tronco  e  rins. 

São  dados  à  música.  Os  instrumentos  de  música  que  usam 
são:  a  marimba,  a  puita  (bombo),  já  descritas  para  outras  tríbus, 
e  a  kissaca,  constituída  por  três  ou  quatro  pequenas  cabaças, 
enfiadas  seguidamente  em  uns  paus  e  tendo  dentro  pedras. 

Não  praticam  a  escultura. 

Sobre  astronomia,  julgam  que  o  sol  durante  a  noite  se  mete 
na  água. 

III.  —  Da  vida  familial 

O  nascimento.  —  A  educação.  —  O  casa- 
mento. —  A  família.  —  A  morte.  — A  reli- 
gião, rito,  culto,  divindades,  sacerdóoio. 

A  mulher  grávida  três  meses  antes  do  parto  suspende  as 
relações  sexuais  com  o  marido,  mas  não  deixa  os  seus  misteres 
e  ocupações  senão  quando  sente  os  primeiros  smtomas  do  parto. 
Após  este  não  sai  da  cubata  durante  quatro  semanas  e  continua 
não  tendo  relações  sexuais  com  o  homem  durante  igual  período 
ao  que  já  o  precedeu. 

A  parturiente  é  assistida  no  parto  por  mulheres  experi- 
mentadas, em  geral  as  visinhas  amigas. 

A  lactação  dura  em  geral  dois  anos. 

Por  motivo  de  superstição  existe  o  infanticídio  obrigatório 
para  as  creanças  a  quem  os  dentes  de  cima  nasçam  primeiro. 
Quando  assim  sucede  é  a  própria  mãe  que  tem  de  ir  afogar  o 
filho  em  um  rio,  pois  se  assim  não  fizer  virá  a  ser  um  feiticeiro. 

O  *abôrto  é  muito  comum  e  quási  todas  as  mulheres  o  sabem 
provocar,  visto  que  assim  procedem  quando  concebem  fora  do 
casamento  ou  quando  concebem  a  primeira  vez  depois  de  casadas. 

Lavam  os  recemnascidos  com  água  fria,  cortam-lhe  o  cordão 
umbilical  com  uma  faca,  tratando-o  com  a  aplicação  de  uma 
mistura  de  excremento  de  lagarto,  fubá,  polpa  de  um  pequeno 
fruto  de  uma  curcubitácea  (ritanga)  e  azeite  de  palma. 


DE  ANGOLA 


243 


A  imposição  do  nome  ao  recemnascido  é  feita  só  entre  a  fa- 
mília, fazendo  uma  pequena  festa,  pretexto  para  se  usar  e  abusar 
das  bebidas  fermentadas.  O  nome  é  dado  pelo  mais  velho  tio 
paterno  do  recemnascido,  na  falta  deste  compete  a  um  tio  ma- 
terno e  só  não  havendo  tios  cabe  ao  pai  a  imposição  do  nome. 

Além  deste  nome,  os  Libolos  tomam  um  segundo  entre  os  16 
e  18  anos  quando  praticam  a  cerimónia  da  iniciação.  A  cerimónia 
é  presidida  pelo  soba,  oferecendo  uma  cabeça  de  gado,  que  manda 


Libolo  —  Ponte  gentílica 

cozinhar,  e  qualquer  bebida  fermentada.  Os  novos  nomes  são 
dados  reciprocamente  pelos  iniciados  e  a  cerimónia  é  seguida  de 
três  dias  de  festa,  em  que  as  mulheres  não  podem  tomar  parte. 
Ainda  é  costume  muitos  tomarem  um  terceiro  nome  dos  25 
aos  40  anos,  não  sendo  a  escolha  do  nome  revestida  de  cerimonial 
algum,  convidando  simplesmente  os  parentes  para  assistir. 


Pratica-se  a  circuncisão  entre  os  3  e  os  18  anos.   Da  operação 
é  encarregado  um  kimbanda  que  a  leva  a  efeito  longe  das  san- 


244  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

zalas  e  junto  de  qualquer  rio  ou  riacho,  onde  os  rapazes  se  con- 
servam durante  a  cicatrização,  não  podendo  ir  à  sanzala  nem 
privar  com  qualquer  mulher,  e  onde  a  família  lhes  manda  ali- 
mentação. 

Não  pode  fixar-se  a  idade  em  que  oLibolo  atinge  a  maioridade, 
pois  que  é  bastante  variável,  visto  que  a  condição  para  ser  senhor 
das  suas  acções  é  o  casamento. 

*       # 

Não  há  idade  certa  para  o  casamento,  entretanto  na  grande 
maioria,  o  homem  casa  dos  18  anos  em  deante  e  a  mulher  depois 
de  ter  feito  16  anos. 

Os  ajustes  antenupciais  variam  consoante  a  categoria  e  os 
haveres  dos  noivos.  O  noivo  faz  a  proposta  de  pedido  de  casa- 
mento à  família  da  noiva,  sendo  esta  ouvida,  mas  podendo  no 
entanto  ser  obrigada  pela  família  a  casar  contra  sua  vontade. 

Ajustado  o  casamento  é  o  noivo  obrigado  a  presentear  a 
família  da  noiva  com  gado,  fazendas,  aguardente,  etc,  no  valor 
sempre  superior  a  30$00. 

Caso  o  noivo  faleça  antes  de  se  unir  à  noiva,  é  a  família 
obrigada  a  restituir  o  que  dele  recebeu,  à  sua  família. 

A  forma  de  casamento  constituo  na  entrega  da  noiva  à  mãe 
do  noivo,  a  casa  de  quem  é  levada  pela  família,  vizinhos  e 
conhecidos,  matando  o  noivo,  por  essa  ocasião  e  para  solenizar 
o  acto,  um  porco  ou  um  carneiro. 

Só  depois  de  15  dias  de  iniciação  por  parte  da  sogra,  é  que 
os  noivos  se  podem  juntar. 

Existe  a  poligamia,  mas  não  se  pratica  a  poliandria. 

O  homem  tem  direitos  absolutos  sobre  a  mulher,  fazendo-a 
trabalhar  em  seu  proveito,  dando-lhe  alimentação  e  vestuário. 

Os  direitos  e  obrigações,  das  diversas  mulheres  de  um  mesmo 
homem  são  iguais,  estando  no  entanto  todas  mais  ou  menos 
subordinadas  à  primeira. 

Cada  mulher  vive  com  seus  filhos  em  cubata  separada. 

Existe  o  divórcio,  sendo  causas  determinantes : 

1.°  A  esterilidade  da  mulher; 

2.°  A  incapacidade  procreativa  do  homem; 

3.°  O  facto  de  falecerem  os  filhos  ainda  creanças; 

O  adultério  nem  sempre  constitue  causa  de  divórcio. 


DE   ANGOLA 


'245 


Entre  os  Libolos  o  divórcio  por  esterilidade  da  mulher  ou 
incapacidade  procreativa  do  homem  não  se  efectiva  sem  primeiro 
se  averiguar  qual  dos  cônjuges  é  o  culpado  de  não  haver  filhos. 
Assim  a  mulher  procura  ter  relações  sexuais  com  outro  homem 
e,  se  destas  há  fruto,  efectiva-se  o  divórcio,  perdendo  o  homem 
o  penhor  (alambamento)  que  deu  antes  do  contracto,  se  a  mu- 
lher não  consegue  ter  filhos 
com  outro  homem  e  este  con- 
segue havê-los  de  outra  mu- 
lher, o  divórcio  resolve-se  a 
favor  do  homem,  tendo  a  fa- 
mília da  mulher  de  o  inde- 
mnizar do  penhor  por  êle  en- 
tregue, se  ambos  se  revelam 
inaptos  para  procrear  acor- 
dam no  divórcio  por  mútuo 
consentimento. 

Pelo  que  fica  exposto,  pa- 
rece que  nesta  tríbu  não  se 
dá  bem  o  empréstimo  da 
mulher,  para  por  qualquer 
processo  se  obter  filhos  como 
nalgumas  tríbus  Ganguelas, 
e  que  se  acorda  no  divórcio 
provisório  logo  que  não  haja 
fruto  do  casamento,  ficando 
porém  a  forma  de  o  liquidar 
e  portanto  de  o  efectivar, 
dependente  da  averiguação 
de  quem  é  o  causador  da  falta 
de  prole. 

A  mulher  divorciada  fica 
livre  do  vínculo  que  a  prendia  ao  homem  e  apta  para  contrair 
novo  casamento.    Volta  em  geral  para  casa  da  família,  levando 
consigo  os  filhos  menores,  mas  cujo  sustento  corre  por  conta  do 
pai. 

Os  filhos  das  diferentes  mulheres  teem  os  mesmos  direitos, 
sendo  no  entanto  os  da  primeira  mulher  considerados  os  mais 
velhos,  não  obstante  sejam  mais  novos  que  alguns  das  outras 
mulheres. 

O  adultério  é  frequente,  sendo  punido,  quando  por  parte  da 


Libo  os  —  Soba  do  Mussende 


246  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

mulher,  com  indemnização  ao  marido  do  penhor  do  casamento, 
quando  por  parte  do  homem,  com  a  perda  por  parte  deste  da- 
quele penhor  em  favor  da  família  da  mulher. 

Parece  que,  pelo  menos  no  sobado  de  Calulo,  a  sucessão  se 
faz  de  pais  para  filhos,  sendo  estes  os  legítimos  herdeiros  dos 
pais,  e  que  na  falta  do  pai,  é  o  tio  paterno  que  exerce  as  suas 
funções,  com  os  respectivos  direitos,  fazendo  os  filhos  parte  do 
patriarcado. 

Esta  informação  prestada  pelo  superior  da  missão  de  Calulo 
e  confirmada  pelo  sr.  Palermo,  creio  bem  que  não  terá  um  caracter 
geral,  e  se  referirá  a  indígenas  mais  ou  menos  assimilados,  pois 
não*é  crível  que,  não  diferindo  a  organização  da  família,  nos 
seus  traços  gerais,  da  que  se  encontra  nas  tríbus  da  raça  negra, 
se  abrisse  uma  excepção  para  a  sucessão,  que  tão  característica 
é  para  aquela  raça,  por  se  fazer  pelo  ramo  colateral  feminino. 

A  mulher  não  herda  do  marido  e  na  falta  de  herdeiros  rever- 
tem os  bens  a  favor  do  soba. 


*       # 


As  doenças  são  tratadas  pelo  kimbanda,  adoptando  remédios 
e  mesinhas  tirados  do  reino  vegetal.  Usam  muito  a  aplicação  de 
ventosas,  servindo-se  de  chifres  de  boi  em  que  fazem  um  pequeno 
orifício  na  extremidade,  produzindo  o  vácuo  por  sucção  naquele 
orifício,  que  a  seguir  fecham  com  cera. 

Antes  da  aplicação  da  ventosa,  praticam  algumas  ligeiras 
incisões  na  derme  para  facilitar  a  sangria. 

Não  crêem  na  morte  natural  e  atribuem-na  sempre  aos  fei- 
tiços. 

Costumam  antes  de  enterrar  o  morto  de  o  untar  com  azeite 
de  palma,  vestindo-o  com  o  melhor  vestuário  que  possua,  e 
expondo-o  sentado  debaixo  de  uma  espécie  de  alpendre  que  cons- 
troem com  ramos  verdes  junto  da  cubata  em  que  morreu. 

Seguem-se  três  dias  em  que  choram  —  a  seu  modo  —  o  defunto, 
dançando,  comendo  e  sobretudo  bebendo. 

A  sepultura  é  em  forma  de  gaveta,  isto  é,  fazem  uma  cova 
e  em  uma  das  suas  paredes  junto  à  base  abrem  uma  pequena 
galeria,  onde  o  cadáver  é  colocado.  Tapam  a  abertura  desta 
galeria  com  esteiras  em  forma  de  cortina,  e  entulham  a  cova 
com  pedras  até  à  superfície. 


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Popul.'  indígenas  de  Angola 


(247) 


DÊ  ANGOLA  247 

O  luto  da  viuva  dura  um  ano,  no  espaço  do  qual  não  pode 
tratar  de  novo  casamento,  nem  de  cozinhar.  Decorrido  o  ano 
do  luto,  é  oferecido  no  tumulo  do  marido  o  sacrifício  de  uma 
cabra,  terminando  assim  este. 

Crêem  em  um  ente  supremo  que  não  sabem  representar,  que 
respeitam  e  que  tudo  governa. 

Crêem  em  espíritos  bons  e  maus  que  a  todo  o  transe  inter- 
veem  na  sua  vida,  recorrendo  aos  adivinhos  para  chamar  em 
seu  auxílio  a  influência  dos  primeiros  e  aplacar  as  iras  dos  segun- 
dos. 

Daí  a  sua  representação  material  por  meio  de  feitiços  (ma- 
bumbes),  guardados  em  uma  cubata  especial,  que  em  geral  se 
encontra  ao  centro  das  sanzalas. 

A.  alma  a  que  chamam  kilula,  depois  da  morte  torna  a  viver 
em  outro  corpo,  vindo  animar  o  corpo  de  um  escravo,  como 
castigo,  se  o  primeiro  corpo  a  que  pertenceu  praticou  algum 
crime,  e  de  um  homem  conceituado  como  recompensa  de  seu 
primeiro  possuidor  ser  um  homem  bom. 

São  supersticiosos  e  em  qualquer  pequena  coisa  vêem  pro- 
núncios  de  desgraça ;  teem  o  culto  pelos  antepassados. 

Os  adivinhos  e  curandeiros  parecem  reunir  em  si  as  funções 
de  sacerdócio. 

Cada  soba  tem  na  sua  corte  um  oficial  ou  ministro,  denomi- 
nado Mxocote,  de  nomeação  hereditária  e  que  é  encarregado  dos 
sacrifícios  nos  túmulos  dos  sobas  falecidos. 

IV.  —  Da  vida  social 

Espécie  de  vida.  —  Classes  e  castas.  — 
Organização  política.  —  Propriedade.  — 
Regime  económico.  — Costumagens  jurí- 
dicas. 

Levam  vida  bastante  sedentária,  dedicando-se  às  suas  culturas, 
e  tendo  verdadeiro  amor  pela  sua  terra. 

Existem  classes  e  castas,  nada  tendo  a  acrescentar  ao  que 
sobre  o  assunto  temos  exposto  para  outras  tríbus. 


248  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

A  organização  política  é  constituída  em  estados  independentes, 
sobados,  governados  por  um  chefe,  soba,  que  é  assistido  por  um 
conselho  com  atribuições  consultivas. 

O  soba  escolhe  uma  espécie  de  primeiro  ministro,  conselheiro 
e  ajudante,  e  que  se  denomina  Gana  Tandela.  Além  desta  enti- 
dade existem,  segundo  ordem  decrescente,  os  seguintes  digna- 
tários:  Golambole;  Gana  Egico ;  Gana  Lumbn;  Gana  Vilola; 
Gana  Toni;  Gana  Dungue;  Gana  Muculau;  Kilombo  kia  Goma; 
e  Gana  Kiambata. 

Estes  dignatários  vivem  uns  na  banza  do  suba  (residência)  ou 
em  outras  sanzalas  de  quem  são  chefes  e  a  quem  são  transmitidas 
as  ordens  do  soba  por  intermédio  do  Tandela.  O  Tandela,  ime- 
diato do  soba,  pertence  aos  dignatários  que  não  residem  na  banza 
e  é  chefe  de  uma  sanzala. 

O  conselho  junto  do  soba  é  constituído  pelos  dignatários 
acima  designados,  mas  em  geral  só  reúne  com  todos  os  seus 
membros  em  assunto  de  grande  importância,  em  casos  de  pequena 
importância  é  o  conselho  constituido  pelo  soba,  que  preside  e 
pelos  dignatários:  Tandela;  Gana  Egico;  Golambole;  Gana 
Dungue;  e  Gana  Lumbu. 

Em  geral  o  soba  conforma-se  com  a  opinião  do  conselho,  mas 
pode  não  conformar-se  e  tomar  resolução  contrária. 

O  soba  governa  o  seu  povo  e  tem  por  dever  defendê-lo  pe- 
rante a  autoridade.  Tem  sempre  direito  a  uma  parte  da  caça 
abatida  no  seu  sobado,  e  à  pele  se  aquela  fôr  leão  ou  onça. 

O  soba  usufrue  o  rendimento  dos  bens  do  sobado. 

Por  morte  do  soba,  fica  o  Gana  Tandela  dirigindo  o  sobado. 

Falecido  o  soba  passam  a  embalsamá-lo  extraindo-lhe  as 
vísceras  que  enterram  no  quintal  junto  da  habitação  do  soba 
falecido,  substituindo-lhas  por  sal  e  aguardente,  depois  do  que  é 
o  soba  falecido  envolvido  em  peles  de  onça  e  depositado  em  uma 
cubata.  Só  depois  desta  cerimónia  reúne  o  conselho  afim  de 
acordar  em  quem  deve  substituir  o  soba  falecido. 

Escolhido  o  novo  soba  dá-se  a  conhecer  o  seu  nome,  e  é  con- 
vidado para  se  apresentar  na  banza,  sem  cerimonial  especial.  O 
soba  toma  posse  do  seu  logar,  mas  quem  continua  a  ter  o  mando 
superior  é  o  Gana  Tandela,  até  que  decorridos  alguns  meses,  se 
trata  de  enterrar  o  falecido  soba  e  da  investidura  do  escolhido. 

Nesta  cerimónia  figuravam  sempre  uma  ou  mais  cabeças  de 
homens  que  eram  sacrificados  para  este  fim.  Atualmente 
substituem  as  cabeças  de  pessoas  por  cabeças  de  macaco. 


DE  ANGOLA  249 

Quem  preside  às  cerimónias  do  funeral  do  soba  falecido  e 
investidura  do  escolhido,  é  um  soba  vizinho,  respeitando  a  tra- 
dição de  ser  sempre  o  mesmo  soba  que  com  a  sua  comitiva  vem 
assistir  àquelas  cerimónias. 

Destas  cerimónias  consta  o  acompanhamento  do  cadáver  do 
soba  ao  cemitério  dos  sobas,  dansas,  sendo  dadas  as  cerimónias 
de  investidura  por  terminadas  com  uma  arenga  produzida  pelo 
novo  soba  em  que  exalta  as  suas  qualidades,  promete  bem  go- 
vernar, rematando  por  pôr  o  pé  sobre  a  cabeça  do  macaco. 

Nas  audiências  dadas  pelo  soba,  é  êle  quem  primeiro  dirige 
a  palavra  aos  seus  vassalos  sem  o  que  estes  não  podem  falar. 


#       * 


Praticam  a  permuta  de  cera,  esteiras,  coconote,  azeite  de 
palma,  milho,  ginguba,  batata  doce,  mandioca  e  fubá,  por  fa- 
zendas, armas,  facas,  etc.  Alguns  já  vendem  a  dinheiro  os  seus 
productos. 

Existe  o  direito  de  propriedade  das  terras,  individual,  colectiva 
e  a  que  constitue  os  bens  do  sobado. 

Existem  igualmente  os  contratos  de  compra,  venda  e  emprés- 
timo. 

O  credor  tem  o  direito  de  apossar-se  de  quaisquer  bens  do 
devedor,  quando  este  não  satisfaça  os  seus  compromissos. 

Os  contractos  provam-se,  por  testemunhas  ou  por  sinais,  por 
exemplo,  tratando-se  da  venda  de  um  palmar,  da  entrega  de 
duas  pequenas  hastes  do  vendedor  ao  comprador. 

As  questões  são  julgadas,  segundo  a  sua  importância,  pelos 
sobetas  ou  pelos  sobas. 

Nos  julgamentos  interveem,  àlêm  do  julgador,  as  testemunhas, 
os  litigantes  ou  seus  representantes  (em  geral  parentes  próximos) 
e  às  vezes  acessores. 

Como  provas  subsidiárias  usam  a  do  veneno,  administrado  ao 
suposto  culpado  e  a  do  acusado  meter  as  mãos  em  azeite  a 
ferver. 


17 


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CAPÍTULO  XI 
TEÍBUS  BAVILLI  (') 

(Cabindas  e  Kakongos) 

As  tríbus  Bavilli  ocupam,  na  província  de  Angola  os  territó- 
rios ao  norte  do  rio  Zaire,  no  que  impropriamente  se  denomina 
o  Enclave  de  Cabinda  limitados  ao  norte  e  sul  pelas  colónias 
extrangeiras  confinantes,  ao  oeste  pelo  Oceano  Atlântico  e  a  leste 
pelo  rio  Luali. 

As  tríbus  Bavilli  pertencem  à  raça  Negra  e  descendem  dos 
povos  que,  vindos  do  oriente,  na  sua  frente  encontraram  as 
grandes  florestas  da  bacia  hidrográfica  do  Zaire,  torneando  para 
o  norte. 

Os  Bavilli  constituíram  até  aproximadamente  ao  principio  do 
século  xvn  divisões  ou  condados  directamente  sujeitos  a  um  so- 
berano residente  em  S.  Salvador,  o  rei  do  Congo,  a  quem  paga- 
vam tributo.  Mas  com  o  andar  dos  tempos  e  em  virtude  da 
grande  extensão  dos  territórios,  que  dificultava  a  sua  adminis- 
tração, foi  a  região  ocupada  pelos  Bavilli  dividida  em  zonas 
governadas  por  delegados  do  rei  do  Congo. 

Estes  governadores  aproveitando  as  frequentes  revoltas,  sa- 
cudiram o  jugo  que  os  oprimia  e  proclamaram  a  sua  independência, 
tomando  cada  um  deles  o  título  de  rei,  o  que  deu  ocasião  à  for- 
mação do  reino  de  N'Goio,  ou  dos  territórios  actualmente  abran- 
gidos pela  Circunscrição  de  Cabinda,  cujos  habitantes  se  designam 
por  Bafiotes,  e  ao  reino  de  Kakongo,  com  jurisdição  nos  territó- 
rios hoje  pertencentes  à  Circunscrição  de  Landana  e  que  se 
extendem  até  ao  Luali. 


(!)  Forneceu  elementos  para  â  estudo  destas  tríbus  o  administrador 
da  Circunscrição  de  Landana  o  Sr.  Gama  Ochôa. 


252  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

I 

CABINDAS 

I.  —  Dos  caracteres  etnográficos  gerais 

Entre  os  Cabindas  encontram-se  ao  lado  do  tipo  franzino  o 
rapagão  de  formas  hercúleas;  ao  lado  da  estatura  meã  a  elevada. 
No  entanto,  ou  porque  predominam  o  número  de  certos  indiví- 
duos, ou  porque  o  clima,  a  educação,  os  usos,  a  abastança  rela- 
tiva, etc,  modifiquem  os  tipos,  certo  é  que  geralmente  o  cabinda 
está  longe  de  apresentar  o  corpo  disforme  de  outros  pretos;  é 
um  homem  geralmente  musculoso,  de  formas  airosas  quando 
ainda  não  velho.  Entre  as  raparigas  encontram-se  com  frequência 
figuras  esbeltas  e  corpos  modelados  com  elegância. 

A  mulher  entrada  há  pouco  na  puberdade,  tem  mãos  e  pés 
pequenos,  delgados  sustentando  uns  membros  inferiores  fortes, 
torneados,  engrossando  do  pé  ao  joelho  pouco  a  pouco,  e  forte- 
mente para  cima  até  constituirem  as  nádegas  volumosas,  com 
uma  ampla  bacia,  bem  conformada,  que  se  prolonga  em  uma 
cintura  delgada  e  um  tórax  desenvolvido,  de  seios  cónicos, 
rijos,  proeminentes,  com  mamilos  grossos  e  salientes  tudo  enci- 
mado por  um  pescoço  proporcionado  e  uma  cabeça  pequena, 
pouco  dolicocéfala,  de  orelhas  curtas  e  delgadas,  de  nariz  pouco 
achatado,  lábios  pouco  grossos,  olhos  grandes  e  rasgados  e  testa 
curta. 

O  cabinda  é  geralmente  cobarde,  não  responde  a  uma  agres- 
são, tornêa  as  dificuldades  e  os  perigos  sem  nunca  os  encarar 
de  frente;  com  uma  paciência  acima  de  toda  a  medida  espreita 
a  melhor  ocasião  de  fazer  o  que  pretende;  é  tenaz,  dissimulado 
até  ao  último  extremo,  mentindo  com  o  maior  desassombro, 
sem  que  o  seu  rosto  anuncie  a  menor  alteração.  Com  estes 
predicados,  astuto  e  sofismando  tudo,  fácil  Jhe  é  enganar  ou 
roubar  o  europeu,  e,  quanto  mais  e  melhor  o  fizer  mais  consi- 
deração fica  gosando  entre  os  seus. 

Desde  muito  novo  o  cabinda  está  pronto  a  emigrar  para 
qualquer  parte,  a  ganhar  a  vida  fora  da  pátria,  onde  conserva 
os  seus  usos  e  costumes  e  é  tão  trabalhador  como  mandrião  o  é 
na  sua  terra;  mas  tem  sempre  vivo  desejo  de  a  ela  voltar,  quer 
pouco  tempo,  quer  para  se  fixar. 


DE   ANGOLA  253 


II. —  Da  vida  material  e  intelectual 

Cuidados  dados  ao  corpo.  —  Alimentação. 
—  Vestuário.  —  Habitação.  —  Meios  de 
existência.  —  Artes,  sciências  e  faculda- 
des intelectuais. 

É  por  certo  a  tribu  da  província  a  que  mais  cuidados  tem 
com  a  higiene  e  asseio  do  corpo,  podendo  mesmo  afirmar  que 
êle  é  maior  do  que  em  muitas  das  nossas  aldeias  da  metrópole. 
Há  tendência  em  tudo  para  o  asseio  do  corpo;  tomam  repetidos 
banhos  quando  lhes  é  fácil  encontrar  água,  aproveitando  o  mar 
ou  os  rios,  e  mudam  amiudadas  vezes  de  roupa  quando  a  tem. 

O  que  porém  mais  cuidado  merece  ao  cabinda  é  o  asseio  da 
boca;  ao  levantar  é  a  primeira  coisa  que  faz,  lavando  e  fric- 
cionando os  dentes  com  um  pau  aromático  e  tirando  a  saburra 
lingual,  servindo-se  para  isso  de  uma  delgada  tira  de  bordão 
que  arrastam  no  dorso  da  língua  de  traz  para  diante  e  tomando 
fortes  e  repetidos  bochechos  de  água  simples.  Em  qualquer 
ocasião,  seja  qual  for  a  substância  que  se  comer  e  por  mais 
insignificante  que  for  a  quantidade,  o  cabinda  lava  a  boca  e 
fricciona  os  dentes  e  gengivas  com  o'  dedo. 


A  base  da  alimentação  é  constituída  pela  mandioca,  quer  em 
farinha  nas  conhecidas  papas,  quer  seca  (fadigo),  quer  cozida  a 
vapor  aos  pedaços  (maiaka)  ou  em  bolos  (chikuangá). 

Alem  da  mandioca  costumam  usar  na  alimentação  frutos, 
tubérculos  e  raizes  comestíveis,  o  peixe  e  caça. 

O  cabinda  faz  largo  uso  das  bebidas  alcoólicas  ou  fermentadas 
tais  como  :  a  seiva  das  palmeiras,  fresca  ou  fermentada ;  o  hi- 
dromel e  todas  as  bebidas  obtidas  pela  fermentação  do  milho, 
da  mandioca,  etc.  Aprecia  sobretudo  a  aguardente  (malávo),  é 
o  líquido  que  mais  consome  depois  da  água.  Sobre  o  uso  da 
aguardente  pelo  cabinda  escreve  J.  Matos  e  Silva  na  Contribuição 
para  o  Estudo  da  Região  de  Cabinda: 

«A  mãe  bebe  aguardente  e  dá-a  ao  filho  de  mama,  ou  pelo 
menos  borrifa-lhe  a  cabeça  e  a  boca;  cresce  a  pessoa  e  troca  o 
que  pode  por  aguardente;   em  ajustes  para  qualquer   serviço, 


254  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

entra  sempre  a  aguardente ;  este  líquido  mostra  se  a  rapariga 
aceita  noivo,  se  qualquer  indígena  aceita  qualquer  contrato;  a 
misade  manifesta-se  oferecendo  aguardente,  a  hospitalidade  do 
mesmo  modo;  no  casamento  no  funeral,  em  qualquer  festa,  a 
aguardente  corre  em  abundância;  muitos  serviços  se  pagam 
com  ela;  ela  era  a  base  a  que  se  referiam  certas  transações». 

É  trivialíssimo  em  ambos  os  sexos  o  uso  de  tabaco,  chei- 
rando-o  reduzido  a  pó,  ou  fumando-o  em  cachimbos  de  barro 
cozido  e  de  pipos  de  madeira,  por  eles  construídos. 

Não  obstante  a  proibição,  só  se  não  podem  é  que  não  fumam 
a  liamba  (cânhamo),  sujeitando-se  às  sensações  penosas  produzidas 
por  tal  uso  que  em  princípio  lhes  produz  uma  tosse  insistente, 
violenta,  fatigante,  quási  sufocante,  mas  que  parece  ser  com- 
pensada pela  fase  de  repouso  em  que,  segundo  contam,  há  sen- 
sações agradabilíssimas. 


O  vestuário  geralmente  usado  varia  com  o  sexo,  com  os  ha- 
veres de  cada  um  e  outras  circunstâncias,  mas  fundamentalmente 
consta  de  simples  tiras  de  algodão,  conhecidas  pelo  vulgar  nome 
de  panos. 

Nos  homens  o  pano  prende-se  na  cintura  por  um  cinto,  cordel 
ou  cordão  grosso  e  vai  até  ao  tornozelo,  sendo  mesmo  luxo  o 
arrastar  um  pouco  pelo  chão,  a  que  se  obsta  levantando  as  pontas 
que  é  uso  levar  na  mão.  Constitue  um  certo  luxo  que  o  pano 
fique  liso  sobre  as  nádegas,  vindo  toda  a  fazenda  em  excesso 
juntar-se  à  frente,  um  pouco  para  a  esquerda,  formando  nume- 
rosas pregas. 

Cobrindo  o  tronco  é  vulgar  as  camisas,  coletes,  casacos,  con- 
tudo é  de  uso  muito  comum  uma  espécie  de  camisola,  na  maioria 
branca,  pouco  larga  quando  não  justa  ao  corpo,  passando  raras 
vezes  da  cintura,  de  pequena  gola  lisa,  direita,  ou  mesmo  sem 
gola  e  abotoada  à  frente,  a  meio  ou  ao  lado,  em  uma  abertura 
tão  pequena  que  às  vezes  se  torna  difícil  o  vestir  e  despir.  Esta 
camisola  em  geral  não  tem  mangas  e  quando  as  tem  são  justas  e 
curtas  não  passando  àlêm  do  cotovelo.  Constitue  luxo  pequenas 
algibeiras  nesta  camisola,  bem  assim  como  botões  de  louça  de  cores 
variadas  e  desenhos  caprichosos  ou  mesmo  frases  a  pontos  variados. 

A  cabeça  em  geral  anda  descoberta,  mas  usam-se  bonets  de 
palha  e  chapéus  europeus. 


DE  ANGOLA  25Õ 

Andam  geralmente  descalços,  salvo  os  que  vestem  calças,  que 
quando  o  fazem  se  calçam. 

A  mulher,  enquanto  não  chega  à  puberdade,  usa,  em  geral, 
um  simples  pano  preso  à  cintura  e  que  lhe  chega  aos  joelhos, 
andando  os  seios  a  descoberto;  logo,  porem,  que  se  estabelece  a 
menstruação,  a  mulher  começa  a  usar  o  pano  preso  por  cima  dos 
seios  e  debaixo  dos  sovacos,  chegando-lhe  até  aos  joelhos,  e  quando 
muito  até  ao  tornozelo.  Por  baixo  desse  pano  é  costume  usar  mais 
dois,  presos  por  um  cordão  à  cintura,  um  constituído  por  uma 
pequena  tira  de  fazenda  que  atam  por  debaixo  das  pernas,  o  Zumbo, 
e  outro  dando  a  volta  ao  corpo  e  descendo  só  até  meia  coxa. 

A  cobrir-lhes  o  tronco  usam,  as  que  téem  mais  recursos,  uma 
camisa  quási  sempre  de  algodão  branco,  fino,  setineta  ou  voile, 
sem  mangas,  cobrindo  apenas  o  alto  do  braço  e  que  desce  até  ao 
joelho. 

Alem  do  vestuário  indicado  para  as  mulheres,  as  que  podem, 
acrescentam  àqueles  panos  um  outro,  espécie  de  manto  do  pescoço 
ao  chão,  e  que  não  anda  preso. 

Os  homens  teem  grande  predileção  pelo  vestir  à  europeia,  o 
que  não  sucede  com  a  mulher  que  traja  sempre  segundo  o  uso. 

Costumam  empregar  a  tatuagem  ou  antes  cicatrizes  salientes 
no  ventre,  peito  e  costas.  Estas  cicatrizes  são  finas  e  pequenas, 
de  dois  a  três  centímetros  e  aos  grupos  de  duas,  três  ou  quatro. 

Obteem-se  as  cicatrizes  desenhando-as  primeiro  na  pele  com 
greda,  aplicando  depois  qualquer  dos  seus  curiosos  processos  de 
ventosas,  que  sarjam  miudadamente  à  faca,  enchendo  as  feridas 
com  pó  fino  de  carvão  vegetal.  Em  poucos  dias  as  feridas  estão 
fechadas  e  as  cicatrizes  salientes  de  um  a  dois  milímetros. 

É  uso  nos  dois  sexos  furar  as  orelhas. 

No  que  diz  respeito  a  enfeites  e  adornos  usam  tanto  homens 
como  mulheres  os  propriamente  indígenas,  como  sejam :  pulseiras 
ou  argolas  de  ferro,  latão  e  prata  nos  braços  e  tornozelos,  nestes 
principalmente  as  mulheres,  que  pelo  seu  peso  lhes  chega  a  difi- 
cultar os  movimentos ;  pulseiras  de  pele  de  hipopótamo  ou  outro 
qualquer  animal  a  que  se  ligue  memória  de  caso  de  sensação; 
colares  de  contas  de  vidro,  massa  ou  metal  nas  mulheres  e  de 
dois  pêlos  de  elefante  nos  homens  a  que  geralmente  se  suspende 
um  búzio  ou  um  pequeno  osso;  e  o  massingalálila,  um  cordão 
de  algodão  ou  finas  fibras  vegetais  que  se  usa  na  cintura  sobre 
a  pele,  a  que  anda  preso  ou  enfiado  um  ou  mais  amuletos,  geral- 
mente um  pequeno  chifre,  osso  ou  búzio. 


256  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Dos  ornamentos  e  enfeites  de  origem  europeia  usam  :  os  brincos, 
as  pulseiras,  os  anéis,  relógios  de  ferro  e  prata,  em  geral  avariados 
e  só  para  vista,  correntes,  botões  de  metal,  marfim,  osso  ou 
madrepérola,  etc. 

* 
#       * 

O  tipo  de  habitação  é  a  cubata  de  base  rectangular  e  com 
cobertura  de  duas  águas  que  pôde  fechar  à  maneira  de  dobradiça 
em  torno  do  bordão  que  forma  o  pau  de  fileira.  Os  materiais 
empregados  na  construção  são  o  colmo,  o  bordão  de  palmeira  e 
os  papiros. 

A  porta  é  única  e  sempre  feita  em  uma  das  paredes  mais 
pequenas;  abre-se  a  uma  pequena  altura  do  solo,  tem  pouco 
mais  de  um  metro  de  altura  e  a  sua  largura  é  aquela  que  seja 
necessária  apenas  para  dar  passagem  ao  morador. 

Quanto  a  janelas,  uma  ou  outra  vez  as  há  nas  paredes  laterais, 
raras  na  posterior  e  mais  geralmente  no  telhado. 

Não  os  preocupa  a  orientação  ao  construir  a  cubata,  no  entanto 
a  porta  ficará  para  o  lado  oposto  ao  caminho  principal,  se  é  próximo. 
As  cubatas  agrupam-se  em  aldeias  (buala)  dispostas  irregular- 
mente, em  exposições  diversas,  sem  arruamentos,  mais  ou  menos 
afastadas  entre  si,  separadas  por  espaços  cultivados,  mas  todas 
ligadas  umas  âs  outras  por  caminhos  tortuosos. 

O  tipo  de  Buala  mais  pequena  é  constituída  por  um  chefe  de 
família  e  seus  parentes  próximos  ou  cônjuges  desses  parentes;  o 
mais  velho  é  o  representante  da  buala.  Outras  muala  (plural  de 
buala)  existem  em  que  se  agrupam  várias  famílias,  mais  ou  menos 
afastadas;  estas  ficam  subordinadas  então  a  um  príncipe. 

A  cosinha  é  junta  da  casa  em  uma  espécie  de  vestíbulo  feita 
pelo  prolongamento  de  duas  das  paredes  da  cubata,  que  pôde 
deixar  de  ser  coberto,  ou  então  por  uma  espécie  de  alpendre  sem 
paredes  e  cuja  cobertura  é  o  prolongamento  de  uma  das  águas 
do  telhado.  No  entgnto,  quando  se  trata  de  um  chefe,  a  cosinha 
é  feita  em  uma  pequena  cubata  próxima  da  que  serve  de  vivenda. 


O  cabinda  tem  especial  predilecção  e  tendência  para  os  ser- 
viços marítimos  a  que  se  entrega  como  remador  de  escaleres  em 


DE  ANGOLA  257 

toda  a  costa  da  província  e  de  S.  Tomé  e  Príncipe,  e  como  tri- 
pulantes de  outras  embarcações  à  vela  ou  vapor.  Além  desta 
ocupação,  que  por  certo  é  a  sua  predilecta,  o  cabinda  emprega-se 
como  criado  de  quarto  e  de  meza,  lavadeiro  e  cosinheiro,  tendo 
grangeado  uma  tal  fama  que  até  há  bem  pouco  tempo  era,  nos 
centros  mais  importantes  da  província,  considerado  como  indis- 
pensável. 

A  mulher  compete  quási  que  exclusivamente  os  trabalhos 
agrícolas,  o  serviço  caseiro  e  de  cosinha,  o  tratar  de  animais 
domésticos,  patos  e  galinhas,  e.  o  fabrico  de  bebidas  fermentadas. 

O  cabinda  tem  negação,  quási  que  absoluta,  pela  agricultura, 
que  considera  degradante,  sendo  os  trabalhos  agrícolas  da  exclu- 
siva competência  das  mulheres. 

Os  processos  empregados  nas  culturas  são  os  mais  rudimen- 
tares possíveis,  usando  como  alfaia  a  pequena  enxada  gentílica, 
e  não  regando  nem  adubando  as  terras  com  outro  adubo  que  não 
seja  a  cinza  das  ervas  a  que  deitam  fogo  para  fazerem  as  semen- 
teiras e  plantações. 

Cultivam  o  milho,  o  amendoim,  o  feijão,  a  batata  doce,  a 
mandioca  e  pouco  mais.  A  não  ser  o  milho  e  o  amendoim,  que 
cultivam  em  maior  escala,  as  restantes  culturas  são  calculadas 
para  as  necessidades  alimentares  até  nova  colheita. 

No  que  diz  respeito  à  criação  de  gado,  a  não  ser  os  poucos 
cuidados  que  às  mulheres  merece  a  criação  de  galinhas  e  patos, 
as  restantes  espécies  de  gado  que  possuem,  como  sejam  porcos, 
gado  lanígero  e  caprino,  não  os  preocupa  muito,  nem  lhes  for- 
necem alimentação ;  o  animal  alimenta-se  do  que  encontra  e  volta, 
próximo  da  noite,  para  casa  do  dono. 

Não  exercem  a  caça  por  profissão  e  simplesmente  levados  pela 
necessidade  de  se  defenderem  contra  os  prejuízos  que  qualquer 
peça  de  caça  lhes  faça. 

Não  usam  na  caça  flecha  e  raramente  armas  de  fogo ;  o  modo 
mais  usual  de  caçar  é  com  armadilhas  de  várias  espécies  e  feitios 
conforme  a  corpolência  e  a  ferocidade  do  animal  que  se  pretende 
caçar. 

Dos  processos  usados  pelos  cabindas  na  caça,  merece  especial 
menção  a  forma  como  caçam  o  macaco.  Empregam  uma  cabaça 
grossa,  solidamente  presa,  na  qual  fazem  um  pequeno  orifício 
por  onde  custe  a  entrar  a  mão  do  macaco,  e  onde  metem  pedaços 
de  maçaroca  de  milho,  espalhando  alguns  grãos  em  volta.  O  ma- 
caco, aproveitando  os  grãos,  vai  aproximando-se  da  cabaça,  e, 


258  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

espreitando  os  pedaços  de  maçaroca,  dispõe-se  a  tirá-los  com  a 
mão,  metendo-a  na  cabaça,  mas  não  o  podendo  fazer  denuncia  a 
manobra  aos  caçadores  que  pressurosos  acodem  gritando;  o  ma- 
caco, assustado,  tenta  fugir,  mas,  ou  porque  não  quer  largar  a 
maçaroca,  ou  porque  disso  se  não  lembra,  é  apanhado. 

Para  a  caça  de  animais  de  maior  porte  e  perigosos,  empregam 
uma  isca,  um  animal  vivo,  preso  a  uma  estaca,  e  uma  disposição 
especial  que  a  caça  ao  lançar-se  sobre  a  presa  ou  é  mortalmente 
ferida  por  uma  espingarda  que  se  dispara  ou  cai  em  uma  funda 
cova  de  onde  não  pôde  sair,  e  onde  depois  é  morta. 

A  pesca  é  igualmente  uma  ocupação  e  modo  de  vida  vulgar 
entre  os  cabindas.  Entregam-se  à  pesca  quer  no  mar,  quer  nos 
rios.  Na  praia  a  pesca  é  geralmente  exercida  com  a  rede  de 
arrastar,  processo  que  varia  conforme  a  profundidade  da  água. 
Junto  da  praia  com  pequenos  declives,  é  a  rede  constituída  por 
paus  paralelos  de  mais  de  um  e  menos  de  dois  metros,  distantes 
entre  si  de  três  metros,  e  ligados  todos  por  uma  rede,  de  50  a 
90  centímetros  de  largo,  constituída  por  um  encanastrado  de 
fibras  de  delgadas  hastes  vegetais,  que  inferiormente  é  continuada 
por  uma  espécie  de  franja  de  folhas  de  gramíneas,  soltas  a  modo 
de  cadilhos.  Para  pescarem  por  este  processo  estendem  pela 
praia  o  aparelho  e  arrastam-no  para  dentro  de  água  obliquamente 
à  praia ;  depois  de  terem  avançado  uma  distância  igual  ao  com- 
primento da  rede,  voltam  para  terra  formando  com  ela  um  semi- 
círculo que  a  pouco  e  pouco  vai  diminuindo  e  que  arrasta  para 
a  praia  o  peixe  que  ficou  dentro  dela. 

Em  fundos  não  superiores  a  seis  metros,  costumam  usar  uma 
outra  rede  de  arrastar  de  30  a  50  metros  de  comprimento,  for- 
mando uma  espécie  de  cone,  continuando-se  de  um  e  outro  lado  por 
panos  de  malhas  larguíssimas,  que  rematam  em  compridos  cabos. 

No  alto  mar  a  pesca  é  à  linha. 

Nos  rios  a  pesca  exerce-se  nos  cursos  de  água  de  maior  im- 
portância, com  aparelhos  semelhantes  aos  acima  descritos,  nos 
pequenos  rios,  com  redes  atravessando  a  corrente  ou  com  apa- 
relhos análogos  aos  nossos  covos,  mas  cuja  forma  é  cilíndrica  ou 
proximamente  cúbica. 

São  hábeis  em  obra  de  cesteiro  fabricando  de  fibras  vegetais 
esteiras,  cestos  (kindas)  de  vários  feitios  e  tamanhos,  barretes  e 
bonets. 

No  fabrico  dos  cestos  e  condessas  empregam  a  folha  seca  da 
palmeira  e  nos  bonets  e  barretes,  quando  mais  cuidados  e  desti- 


DE   ANGOLA  259 

nados  a  insígnias  ou  atributos  de  nobres,  de  delgadas  fibras  de 
folhas  de  ananaz  que,  pela  maceração  e  percursão,  tenham  dado 
fios  muito  alvos  e  extremamente  fortes. 

O  processo  de  fabrico  é,  em  geral,  o  encanastrado. 

Um  outro  producto  fabricado  pelo  mesmo  processo  é  a  insígnia 
de  nobreza,  tchinzela,  espécie  de  romeira,  cingida  ao  pescoço, 
sempre  sem  gola,  com  uma  abertura  rectilínea  na  frente,  guarne- 
cida ou  não  de  alamares  ou  cordões  com  borlas. 

A  cerâmica  dos  cabindas,  pequena  na  variedade  de  formas,  é 
muito  desenvolvida  na  produção,  constituindo  comércio  de  bas- 
tante importância.  A  argila  empregada  é  de  duas  variedades, 
resultando  productos,  depois  de  cosidos,  com  duas  cores,  a  aver- 
melhada mais  vulgar,  e  a  quási  preta  mais  empregada  para  os 
objectos  que  teem  de  sofrer  a  acção  directa  do  fogo. 

Os  productos  mais  comuns  são :  a  panela,  desde  a  de  pequenas 
dimensões,  podendo  conter  menos  de  um  litro,  até  à  maior,  de 
uns  cinco  litros;  garrafas  para  água,  em  geral  semelhantes  às 
nossas  garrafas  de  meza,  de  gargalo  alto  e  delgado  e  base  larga ; 
e  vasilhas  semelhantes  aos  nossos  potes,  com  tão  pouca  base  que 
para  se  manterem  de  pé  é  necessário  enterrá-los  ou  calçá-los. 

No  que  diz  respeito  a  obra  de  madeira,  a  não  ser  a  construção 
das  canoas  e  dos  manipanços  que  constituem  os  feitiços,  pouco 
mais  fazem. 

Apesar  de  raríssimos  cabindas  se  entregarem  a  trabalhos  de 
marfim,  o  que  é  muito  vulgar  no  Congo  francês  onde  esta  in- 
dústria está  mais  desenvolvida,  alguns  há  que  pachorrentamente 
e  à  faca  se  dedicam  a  trabalhos  desta  natureza. 

No  que  diz  respeito  aos  processos  de  moagem,  é  o  de  tri- 
turação por  meio  do  conhecido  pilão,  usado  pelos  povos  estabe- 
lecidos na  margem  sul  do  rio  Zaire. 

* 

O  dialecto  falado  pelos  Cabindas  tem  todas  as  características 
das  línguas  aglutinativas  e  perfixativas,  faladas  pela  grande 
família  bantu. 

O  mecanismo  do  dialecto  é  em  tudo,  pois,  semelhante  aos 
daqueles  já  inumerados  e  que  são  falados  pelas  diversas  tribus 
da  raça  negra  e  em  especial  das  estabelecidas  nas  margens  sul 
do  rio  Zaire,  em  que  o  prefixo  serve  para  designar  a  classe  a 


260 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


que  o  substantivo  pertence,  ou  para  designar  qual  o  substantivo 
com  que  o  adjectivo  concorda. 

A  seguir  publicamos  um  vocabulário  do  dialecto  falado  por 
esta  tribu, 

Yocabulário  do  dialecto  Cabinda 


Português 
* 

Singular 

Plural 

Abaixar 

Kukulula 

— 

Abantesma 

Tchimbinde 

Bimbinde 

Abcesso 

Ivúma 

Vuma 

Abelha 

Nossa 

Zinossa 

Aborto 

Tchialula 

Bialula 

Acácia 

Vúnga 

Mavúnga 

Adeus 

Siála 

— 

Adivinhar 

Kutécha 

__ 

Adoecer 

Kubéla 

— 

Advogado 

Kótikuanda 

Kótikuanda 

Agua 

Mázi 

— 

Aguardente 

Malávo 

— 

Águia 

Bémba 

Mabémba 

Agulha 

Túumbo 

Túumbo 

Álcool 

Tchikêma 

— 

Alcunha 

Kúmbo 

Kúmbo 

Aldeia 

Buála 

Mala 

Alfinete 

Finête 

Finête 

Amendoim 

Piinda 

Piinda 

Amor 

Luzólo 

— 

Anel 

Anére 

Anére 

Anus 

Fúne 

Mafúne 

Anzol 

Nezólo 

Nezólo 

Apodrecer 

Kubóla 

— 

Arroto 

Diouka 

Madiouka 

Artéria 

Lecila 

Cila 

Assassino 

Mepúnha 

Punha 

Assobio 

Luita 

Tuita 

Atirar 

Kukúba 

— 

Aza 

Váva 

Maváva 

Banana 

Itêba 

Bitêba 

Bandeira 

Limbo 

Belimbo 

Baralhar 

Kuméça 

--- 

Barbatana 

Itólo 

Matólo 

Barrete 

Mepú 

Mepú 

Beber 

Kunuá 

— ■ 

Beliscão 

Kinkofe 

Bimkofe 

Blenorragia 

Zuéma 

Zizuéma 

Boca 

Muno 

Mino 

Braza 

Kála 

Makála 

DE    ANGOLA 

Português 

Singular 

Plural 

Brincar 

Kusákana 

— 

Bufar 

Kufuanga 

— 

Buraco 

Ibulo 

Mabulo 

Buscar 

Kulânda 

— 

Cabaça 

Nessáva 

Zissáva 

Cabeça 

Metú 

Bantú 

Caçar 

Kubuéla 

— 

Caixote 

Lukáta 

Nekáta 

Caldeira 

Nezúngo 

Zúngo 

Calo 

Kângo 

Makângo 

Cama 

Tchica 

Betchica 

Camisa 

Tchinkuto 

Binkuto 

Caneca 

Nebúngo 

Búngo 

Cantar 

Kuimbila 

'  — 

Cantiga 

Luimbo 

Tuimbo 

Carro 

Kálo 

Makálo 

Cavar 

Kusika 

— 

Chamar 

Kutéla 

— 

Chave 

Sábi 

Zissábi 

Cheirar 

Kunúkuna 

— 

Chorar 

Kulile 

— 

Cobra 

Nhóka 

Inhóka 

Coçar 

Kukáleta 

— 

Concertar 

Kubókuka 

— 

Condeça 

Kinda 

Makinda 

Coral 

Búkua 

Mabúkua 

Corno 

Nepóka 

Nepóka 

Costela 

Lubânza 

Banza 

Crescer 

Kukúla 

— 

Curar 

Kubuka 

— 

Dedo 

Izála 

Bezála 

Deitar 

Kutula 

— 

Deixar 

Kulemba 

— 

Dente 

Liéno 

Méno 

Denunciar 

Kufúnda 

— 

Dia 

Lumbo 

Belumbo 

Discutir 

Kufinda 

— 

Donzela 

Tchinkumpa 

Bimkumpa 

Dôr 

Tanta 

Matânta 

Emissário 

Kunda-fúmo 

Bakunda-fumo 

Emprestar 

Kudéva 

— 

Encher 

Kuúazi 

— 

Enforcar 

Kusuunga 

— 

Ensinar 

Kusina 

— 

Enterrar 

Kusika 

— 

Escama 

Kó 

Makó 

Espada 

Tânzi 

Betânzi 

Espectáculo 

Iânge 

Maiange 

261 


262 


POPULAÇÕES    INDÍGENAS 


Português 

Singular 

Plural 

Espelho 

Lumuêno 

Muêno 

Espiga 

Rica 

Maça 

Espingarda 

Meta 

Mata 

Espoleta 

Pulêta 

Pulêta 

Esponja 

Sipônza 

Tchipônza 

Esteira 

Luândo 

Tuândo 

Estragar 

Kuiatalága 

,—  . 

Faca 

Mebéle 

Zimbele 

Falar 

Kutuba 

— 

Febre 

Kátama 

Makátama 

Fechadura 

Salúla 

Salúla 

Feijão 

Dézo 

Madézo 

Ferver 

Kutouka 

— 

Fígado 

Fula 

Befúla 

Fisga 

Bessouko 

Bessouko 

Folha 

Liéza 

Méza 

Fonte 

Jóngoulôulo 

Bejóngouloúlo 

Formiga 

Nouna 

Zinouna 

Forrar 

Kubâmbika 

— 

Fritar 

Kukânga 

— 

Fuzil 

Liindo 

Maliindo 

Gafanhoto 

Kônko 

Makônko 

Garfo 

Nssômo 

Somo 

Gato 

Uaia 

Uaia 

Gengive 

Lufúmbo 

Tufúmbo 

Gritar 

Kulôucuka 

— 

Guardar 

Kulunda 

— 

Guerra 

Vita 

Tuvita 

Guiso 

Liôio 

Maiôio 

Girino 

Zúndo 

Mazúndo 

Herdar 

Kulandula 

— 

Hombro 

Vêmbo 

Mavêmbo 

Homem 

Bákala 

Babákala 

ídolo 

Mekiça 

Bakiça 

Imbundeiro 

Nekôndo 

Kôndo 

Inchar 

Kukútuka 

— 

Intérprete 

Lingece 

-     Malingece 

Janela 

Zanéra 

Néra 

Joelho 

Kúngulo 

Makúngulo 

Jogo 

Içavo 

Óçávo 

Ladrar 

Kulóla 

— 

Lábio 

Lili 

Belili 

Lagartixa 

Meliônga 

Beliônga 

Lágrima 

Suéla 

Messuéla 

Lamber 

Kuvénda 

— 

Laranja 

Lalânge 

Malalânje 

Lei 

Mekáka 

Mikáka 

Lenço 

Lenço 

Malênço 

DE   ANGOLA 

Português 

Singular 

Plural 

Letra 

Lêtela 

Lêtela 

Língua 

Lulúme 

Tulumi 

Linha 

Sifo 

Messifo 

Luz 

Muinda 

Miinda 

Macaco 

Netchima 

Tchima 

Machado 

Táli 

Betáli 

Mandar 

Kutúma 

— 

Marido 

Menúno 

Banúno 

Meretriz 

Dúmba 

Badúmba 

Milhafre 

Fungo 

Mafúngo 

Montanha 

Môngo 

Miôngo 

Mosca 

Nezinzi 

Zinzi 

Mosquito 

Lubú 

Nebú 

Mulher 

Mechênto 

Bachênto 

Namorar 

Kulânga 

— 

Narina 

Muáia 

Miáia 

Nariz 

lio 

Mailo 

Nuvem 

Túti 

Matúti 

Olhar 

Kutala 

— 

Óculo 

Vókula 

Vókula 

Omoplata 

Sêngo-i-vêmbo 

Sêngo-i-vêmbo 

Orelha 

Kúto 

Mato 

Osso 

Vésse 

Mevésse 

Ostra 

Liire 

Maire 

Ovo 

Tchó 

Matchó 

Pai 

Táta 

Mata  ta 

Pagar 

Kufúta 

— 

Palavra 

Liâmbo 

Mambo 

Palhoça 

Tchimbéko 

Bimbéko 

Palmeira 

Ibá 

Mabá 

Pálpebra 

Ibátcheliéço. 

Ubátcheliéço 

Panela 

Zúngo 

Zizúngo 

Pano 

Tchindéle 

Bindéle 

Pão 

Pân 

Zimpân 

Papaia 

Iloulo 

Maloulo 

Pardal 

Sólela 

Zissolela 

Parede 

Báka 

Báka 

Parente 

Tchibúto 

Búto 

Pássaro 

Núni 

Zinúne 

Pedra 

Manha 

Mamânha 

Peixe 

Fú 

Zifú 

Peneira 

Sônsulo 

Bessônsulo 

Penis 

Mucête 

Mecête 

Prato 

Longa 

Belônga 

Quebrar 

Kubúlika 

— 

Quegila 

Tchina 

Bina 

Queimar 

Kuviá 

— 

Sã 

Ivouno 

Mavouno 

263 


264 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


Português 

Singular 

Plural 

Ramo 

Ivála 

Mavála 

Ranger 

Kukuéta 

— 

Rasgar 

Kutênda 

— 

Rato 

Mepuko 

Zimpuko 

Rebento 

Téka 

Betéka 

Recado 

Neçâmo 

Beçâmo 

Regador 

Lêgadou 

Lêgadou 

Relâmpago 

Luciêmo 

Tuciêmo 

Remar 

Kuvuila 

— 

Remador 

Mevuile 

Bavuile 

Remédio 

Melôngo 

Belôngo 

Rolha 

Káka 

Káka 

Saber 

Kuzábe 

— 

Sair 

Kubácika 

— 

Sapo 

Tchiúla 

Biúla 

Segurar 

Kusimba 

— 

Semana 

Souna 

Zissouna 

Servente 

Célo 

Becélo 

Sino 

Negúnga 

Gúnga 

Soco 

Nekoume 

Koume 

Soldado 

Sôrdáde 

Massórdade 

Soltar 

Kukútula 

— 

Sombra 

Tchinhe 

Ibinhe 

Soprar 

Kulunga 

— 

Tábua 

Libáia 

Mabaia 

Tambor 

Nedúngo 

Dúngo 

Telhado 

Muânza 

Miânza 

Tigre 

Nego 

Gó 

Tinteiro 

Builika 

Builika 

Tipóia 

Tchipoia 

Bipoia 

Tirar 

Kubótuka 

— 

Tomar 

Kutâmbula 

— 

Tomate 

Kamáto 

Tumato 

Tosse 

Unkózulou 

Kózulou 

Travesseiro 

Mepêto 

Peto 

Trazer 

Kutuála 

— 

Tromba 

Mekombe 

Mekombe 

Umbigo 

Kúmba 

Bekúmba 

Vapor 

Kúmbi 

Makúmbi 

Vareta 

Lussóko 

Sóko 

Vassoura 

Lukómbezo 

Ukômbezo 

Vespa 

Livéko 

Mavéko 

Víbora 

Tchinzêngala 

Bizêngala 

Virilha 

Vuámo 

Mavuámo 

Voar 

Kudúmuka 

— 

Voltar 

Kubárula 

— 

Vomitar 

Kuluka 

— 

Zangar 

Kudáçuka 

— 

DE  ANGOLA  265 


# 


São  dados  os  cabindas  ao  canto.  O  sistema  é,  invariavelmente, 
o  mesmo;  se  a  voz  é  uma  só,  fará  esta  a  parte  cantante  e  o 
acompanhamento  que  as  pausas  do  canto  lhe  permitam,  de  forma 
que  ao  nosso  ouvido  chega  sempre  a  mesma  toada  monótona. 
Quando  cantam  quatro  ou  mais,  um  fará  a  parte  cantante  e  os 
outros  (divididos  em  quatro  grupos)  cantarão  o  estribilho  em 
coro,  mas  por  três  entradas  sucessivas  em  contraponto,  donde 
resultará  ouvir-se  simultaneamente  a  voz  e  os  três  coros. 

A  letra  é  variável  para  cada  ocasião  e  refére-se  quási  sempre 
ao  acto  que  se  vai  executando. 

Estas  canções  são,  geralmente,  desacompanhadas  de  qualquer 
instrumento,  outras,  porém,  o  são,  quer  nos  funerais  de  pessoas 
gradas,  quer  em  outras  festas. 

O  instrumento  de  uso  mais  trivial,  quer  nas  danças  e  funerais, 
quer  para  acompanhar  a  mais  simples  canção,  é  o  tambor,  que 
até  pôde  ser  substituído  por  qualquer  caixote  ou  lata. 

Tem  este  instrumento  a  forma  de  um  charuto,  são  feitos  de 
um  tronco  excavado,  de  madeira  leve  e  macia,  sendo  neles  gra- 
vados a  fogo,  ou  pintados,  desenhos  representando  pessoas,  ani- 
mais ou  objectos  de  uso  indígena.  Em  uma  das  extremidades 
adapta-se  lhe  uma  pele  seca  e  descabelada,  geralmente  de  cabra, 
amarrada  circularmente  em  volta  pelo  exterior,  ou  por  fibras 
que  passam  nos  orifícios  nela  feitos. 

Tocam  este  instrumento  por  percussão  com  as  mãos  abertas. 

Usam,  igualmente,  nas  grandes  solenidades,  especialmente 
nos  funerais  de  importância,  trompas  de  marfim,  pequenos  dentes 
de  elefante  excavados  interiormente,  terminando  em  orifício  cir- 
cular na  ponta,  a  que  se  aplica  a  boca. 

Empregam  ainda  como  instrumentos:  grandes  búzios,  uma 
espécie  de  guitarra  de  duas  cordas,  feita  de  fibras  vegetais 
torcidas,  retezada  por  cravelhas  ;  o  sambi,  constituído  por  lâminas 
presas  por  uma  das  extremidades  e  tendo  por  baixo  uma  caixa 
de  resonância;  enfim,  os  instrumentos  de  origem  europeia,  como 
sejam  harmónios  e  uma  extraordinária  variedade  de  assobios, 
gaitas  e  apitos. 


18 


266  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


* 


No  que  diz  respeito  a  conhecimento  de  astronomia,  tomam  o 
firmamento  como  a  casa  do  deus  dos  brancos,  comparando  o  sol, 
a  lua  e  Vénus  com  o  que  na  vida  são  as  pessoas  e  a  que  os 
equivalem:  o  sol  é  o  homem,  o  chefe  da  família;  a  lua  é  a  mulher 
dele;  Vénus  a  criada  desta,  a  sua  escrava. 

Sobre  náutica  já  aqui  tivemos  ocasião  de  dizer  bastante  para 
mostrar  que  lhe  não  é  ela  desconhecida.  O  tipo  de  embarcação 
é  a  canoa  (buátu),  construída  de  uma  só  peça,  um  tronco  de 
árvore,  aparelhado  e  excavado,  conforme  já  o  descrevemos  ao 
tratar  de  outras  tribus,  e  que  em  geral  importam  já  feitos  do 
Zaire  ou  da  costa  do  norte;  as  que  são  construídas  na  região 
são-no  por  operários  especiais. 

A  navegação  pôde  ser  a  remo  ou  à  vela. 

A  remo,  cada  remador  pega  em  um  só  remo  (tchela),  e  de  pé 
e  de  frente  para  a  proa. 

Na  navegação  à  vela  empregam  uma  vela  triangular  muito 
alongada,  antigamente  de  tecido  vegetal,  actualmente  de  pano  de 
algodão,  e  bastantes  vezes  da  côr  do  ocre  ou  vermelha,  em  con- 
sequência da  emersão  prolongada  em  decoctos  vegetais  para 
resistir  mais  às  intempéries. 

Dividem  o  tempo  em  dia  e  noite  e,  praticando  como  nós, 
também  o  seu  dia  (lumbu)  corresponde  ao  período  de  24  horas. 

A  semana  tem  quatro  dias,  que,  por  sua  ordem,  se  designam : 
suna,  kaandu,  tóunu  e  becilu;.  o  primeiro  destes  dias  é  o  de  des- 
canço  e  por  êle  dizem  começar  a  semana. 

O  mês  não  tem  número  certo  de  semanas;  corresponde  a  um 
mês  lunar  e  começa  a  contar-se  quando  se  consegue  pela  primeira 
vez  ver  a  lua  nova. 

O  ano  dos  cabindas  tem  apenas  seis  meses  que  se  denominam  : 
Kafulu-katchu,  kafula-kanene,  tchungu-tcheliana,  muana-sundi, 
muana-sundi-kome-kazi  e  maku-tungu?igu. 


# 


A  inteligência  do  cabinda,  não  obstante  ser  superior  à  média 
da   de  outras  tribus   da  província,   é  rudimentar   e  na  grande 


DE  ANGOLA  267 

maioria  curta,  parecendo  algumas  vezes  quási  faltar  totalmente. 
A  astúcia  é  corrente  e  a  memória  é  bastante  desenvolvida. 

As  faculdades  intelectuais  florescem  dos  15  aos  30  anos;  depois 
desta  idade  só  conservam  a  memória  que  persiste  com  a  velhice. 

Na  mulher  o  nível  intelectual  ainda  é  inferior  ao  do  homem ; 
espécie  de  autómato  nas  mãos  dos  homens,  o  servilismo  a  que 
está  sujeita  torna-a  ainda  menos  esperta  do  que  estes. 

Em  ambos  os  sexos  é  precoce  a  vivacidade,  a  vontade  e  a 
facilidade  de  aprender;  no  entanto,  no  masculino  essas  qualidades 
poderão  desenvolver-se  com  vantagem  do  próprio,  no  feminino 
a  atrofia  virá  depressa  por  falta  de  exercício,  por  necessidade  e 
obediência  cega. 

III.  —  Da  vida  familial 

O  nascimento.  —  A  educação.  —  O  casa- 
mento. —  A  família.  —  A  morte.  —  A  re- 
ligião, rito,  culto,  divindades  e  sacer- 
dócio. 

Poucos  ou  nenhuns  cuidados  são  dados  às  mulheres  grávidas 
que  não  fazem  quási  alteração  alguma  à  vida  usual,  salvo  nos 
últimos  dias  antes  do  parto. 

A  parturiente  quando  se  sente  com  as  dores  características 
do  parto  avisa  o  marido  e  recolhe-se  à  sua  cubata ;  o  homem  por 
sua  vez  'participa  o  facto  às  parentas,  às  amigas  e  visinhas  da 
mulher,  que  vêem  vigiar  a  operação,  aconselhar,  tratar  da  criança, 
mas  nem  elas  nem  qualquer  outra  pessoa  interveem,  é  a  natureza 
quem  se  encarrega  de  tudo. 

Os  partos  são  geralmente  normais  e  fáceis,  para  isso  concor- 
rem, o  considerar-se  o  acto  honroso  e  natural,  não  influindo  no 
moral  deprimindo-o,  e  sobretudo  o  grande  desenvolvimento  da 
bacia  em  boas  condições  para  um  parto  fácil. 

Após  o  parto  é  a  mulher  lavada  em  água  morna  e  o  ventre 
ligado  com  uma  espécie  de  cinto  (iúbo),  de  fibras  vegetais,  de 
três  centímetros  de  largura,  que  dá  repetidas  voltas  ao  ventre, 
abrangendo-o  em  toda  a  altura.  Toma  durante  os  primeiros 
cinco  meses,  diariamente  banhos  especiais,  durante  os  quais  o 
cinto  é  tirado  e  que  o  seguir  novamente  se  põe,  ajustando-o 
sempre  cada  vez  mais  até  o  ventre  ficar  normal. 

Terminado  o  período  de  banhos  dá-se  a  intervenção  do 
curandeiro,  que  vem  praticar  as  cerimónias  necessárias  para  a 


268  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

criança  poder  sair  da  cubata,  e  que  consiste  em  colocar  em  volta 
da  cintura  da  criança  uma  tira  de  baeta,  e  ao  pescoço  o  amuleto 
que  serve  também  na  cabeça  da  mãe  durante  o  período  de  ama- 
mentação, e  que  consta  de  um  cordão  de  fibras  vegetais  com 
objectos  pequenos  suspensos,  tudo  pintado  de  takula. 

A  alimentação  da  criança  durante  os  primeiros  cinco  a  sete 
meses,  é  quási  que  exclusivamente  feita  pelo  leite  da  mãe,  só 
raras  vezes  pelo  de  outra  pessoa.  Depois  começa  a  ingerir 
pequenas  doses  de  farinha  de  mandioca  em  caldos  e  outras 
eguarias,  primeiro  mastigada  e  bem  salivada  pela  mãe;  aos  dois 
anos  já  come,  já  anda  mas  ainda  mama. 

A  mulher  enquanto  está  grávida  ou  amamenta,  não  pode 
coabitar,  com  receio  de  que  de  tal  advenha  mal  à  criança,  seque 
o  leite,  ou  dê  nova  prenhez. 

A  criança  acompanha  sempre  a  mãe,  em  geral  escarranchada 
às  costas,  segura  por  uma  peça  do  vestuário  como  nas  outras 
tribus,  às  vezes  até  com  idade  superior  a  2  e  a  3  anos. 


Pratica-se  a  circuncisão  entre  os  cinco  e  os  doze  anos,  não 
em  época  fixa  como  em  outras  tribus  e  por  grupos,  mas  indivi- 
dualmente, e  logo  que,  por  conveniência  social  ou  de  família,  ou 
por  o  rapaz  o  desejar,  se  entende  deve  proceder-se  à  operação, 
visto  que  a  circuncisão  é  por  assim  dizer  a  emancipação  assu- 
mindo o  indivíduo  a  responsabilidade  do  seu  sexo. 

Rapado  todo  o  cabelo,  é  pintado  o  corpo  com  tabula,  um 
curandeiro  corta  o  anel  perpucial,  com  simples  faca  e  de  um  só 
golpe,  contra  madeira  macia;  a  hemorragia  estanca-se  cóm 
cinza  peneirada  e  trata-se  da  ferida  como  de  qualquer  outra. 

Esta  cerimónia,  a  tinta,  é  acompanhada  de  dansa  e  folia. 

Quando  aparece  o  corrimento  menstrual  a  rapariga  co- 
munica-o  à  mãe  que  por  sua  vez  o  participa  ao  homem. 

Sujo  um  pano  com  o  líquido  menstrual  (zumbo),  é  arvorado 
na  cubata  da  mãe  da  rapariga,  espalhando-se  a  novidade  e 
comentando-se  o  facto. 

Como  consequência  imediata  reunem-se  os  parentes  e  vizinhos 
e  festeja-se  o  acontecimento. 

A  rapariga  não  cabe  em  si  de  contente,  deixa  de  ser  consi- 
derada  como   creança,    vai   ter   mais  liberdade,   começa  a  ser 


DE  ANGOLA  269 

mulher,  para  o  que  tem  de  ser  iniciada  na  casa  da  tinta,  uma 
cubata  espaçosa  que  não  difere  das  outras,  senão  por  uma  dispo- 
sição interior  especial  e  que  constitue  em  ser  dividida  por  baias 
de  madeira,  ao  modo  das  cavalariças,  sendo  cada  espaço  reservado 
para  cada  rapariga  durante  o  tempo  que  permanecer  na  casa. 

A  iniciação  faz-se  geralmente  poucos  dias  depois  de  manifes- 
tada a  puberdade,  e  as  despesas  de  sustento  e  cerimonial  durante 
o  internato  na  casa  da  tinta  correm  por  conta  de  quem  ordenou 
a  entrada,  que  em  geral  é  o  pai,  tio  materno  ou  outro  parente 
próximo  com  a  mira  nos  proventos  que  colherá  desta  fonte  de 
receita,  a  exploração  mais  rendosa  da  mulher,  e  outras  vezes  o 
homem  a  quem  a  rapariga  está  já  prometida  para  esposa. 

A  encarregada  das  práticas  da  iniciação  é  uma  velha,  com 
longa  prática,  dona  do  estabelecimento,  que  inicia  as  raparigas 
na  vida  de  mulheres,  especialmente  no  que  diz  respeito  à  cópula, 
dando-lhes  as  explicações  as  mais  minuciosas  e  dizem  até  que 
lhes  administra  noções  práticas. 

A  rapariga  ao  entrar  na  casa  da  tinta* é  totalmente  despojada 
dos  pêlos  que  tenha  em  qualquer  parte  do  corpo;  a  seguir  lavada 
e  untada  com  várias  drogas  e  entre  estas  com  takula.  Depois 
de  pintado  o  corpo,  incluindo  o  couro  cabeludo,  envolve-se  a 
rapariga  com  um  pano  grande  de  algodão  branco. 

As  raparigas  enquanto  sofrem  esta  aprendizagem,  fogem  e 
escondem-se  à  aproximação  de  qualquer  homem,  e  não  podem 
sair  de  casa  senão  acompanhadas,  de  cara  tapada,  e  só  nas  pro- 
ximidades do  estabelecimento  de  ensino. 

A  iniciação  costuma  ser  demorada,  dois  a  quatro  meses,  mas 
se  o  homem  está  impaciente,  fácil  é  abreviar  o  prazo  mediante 
contrato  especial. 

A  saida  é  precedida  de  um  banho  demorado  e  nova  pintura 
de  takula  e  tem  logar  de  noite. 

Quando  a  rapariga  ainda  não  tem  pretendente  a  família  ao 
terminar  a  iniciação  faz  uma  festa,  onde  a  apresenta  enfeitada, 
a  vêr  se  encontra  pretendente;  se  ainda  assim  este  não  aparece, 
pode  então  a  rapariga  entregar-se  aos  prazeres  sexuais  com  quem 
quizer. 

# 

Dos  povos  da  província  os  cabindas  são  dos  poucos  em  que 
existe  a  corte  feita  pelo  homem  à  mulher,  o  autêntico  e  genuíno 


270  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

namoro,  com  saudações  efusivas,  ademanes,  requebros  e  olhares 
ternos. 

O  namoro  entre  os  cabindas,  como  entre  os  povos  civilizados, 
nem  sempre  tem  como  consequência  imediata  o  casamento.  Par- 
tindo da  hipótese  que  a  corte  é  aceita  pela  mulher,  se  esta  é 
virgem,  tem  oNhomem  de  estabelecer  negociações  com  a  família 
da  requestada  afim  desta  ser  internada  na  casa  da  tinta,  sem 
o  que  não  pode  a  mulher  considerar-se  apta  para  se  casar  ou  ter 
relações  sexuais  com  qualquer  homem.  Neste  caso  o  homem  se 
não  é  responsável  por  todas  as  despesas  feitas,  pelo  menos  de  sua 
conta  fica  grande  parte.  Se  a  mulher  não  é  virgem  e  é  solteira 
da  corte  aceita  pela  mulher  pode  resultar:  relações  sexuais  aci- 
dentais, mais  ou  menos  efectivas,  a  mancebia  e  vida  em  comum 
sem  haver  casamento;  a  promessa  de  casamento.  Se  a  mulher 
é  casada  poderá  resultar  o  adultério,  e  suas  consequências. 

«As  relações  sexuais  aturadas  a  modo  de  experiência  de  génios 
ou  a  mancebia,  tem  em  geral  e  quási  sempre  como  terminus  o 
casamento. 

«Nas  classes  elevadas,  e  geralmente  quando  o  cônjuge  mascu- 
lino é  príncipe  ou  nobre  e  o  feminino  não,  os  casamentos  fazem-se 
ainda  em  creança  e  por  vezes  ajustam-se  casamentos  entre  fa- 
mílias de  creanças  ainda  não  nascidas. 

«É  sempre  ao  homem  —  escreve  Matos  e  Silva  no  Estudo  da 
Região  de  Cabinda —  que  compete  abordar  o  assunto,  fazendo  à 
mulher  uma  resenha  dos  amores  e  das  seenas  íntimas  passadas 
entre  os  dois,  citando  as  provas  de  afecto  que  tem  dado  e  dela 
recebido,  discurso  que  termina  pelo  abrir  a  boca  da  rapariga, 
apresentando-lhe  uns  presentes  e  uma  garrafa  de  aguardente 
rolhada,  um  copo  e  um  saca-rolhas.  Geralmente  esses  presentes 
são  dois  ou  mais  (até  dez)  cortados  estreitos,  dois  panos  largos 
para  vestidura,  cordão  para  a  cintura,  lenço  branco  de  qualquer 
qualidade  e  uma  volta  de  coral  (neste  lenço  a  mulher  amarra 
tudo,  quando  aceita  a  proposta) ;  se  o  noivo  quer  mostrar-se  rico, 
dá  também  dois  brincos  e  uma  pulseira. 

«Então  a  rapariga,  se  está  resolvida  a  casar  (o  que  já  tem  sido 
maduramente  pensado  por  ela  por  ser  resolução  de  grande  im- 
portância para  o  seu  futuro)  desrolha  a  garrafa,  enche  o  copo, 
bebe  parte  da  aguardente,  dá  o  resto  ao  homem  (que  a  bebe  toda) 
e  guarda  a  garrafa  tornando  a  fechá-la.  Está  assim  dado  o  seu 
consentimento  e  o  casamento  assente  em  princípio.  Nessa  ocasião, 
se  é  dia  ou  na  manhã  seguinte  muito  cedo,  entrouxados  os  pre- 


DE   ANGOLA  271 

sentes  e  as  coisas  que  calcula  lhe  serão  mais  precisas,  pega  na 
mesma  garrafa  e  abandona  o  noivo  (seja  ou  não  sua  amante) 
dirigindo-se  ao  local  onde  habitam  os  parentes  mais  próximos,  a 
quem  vai  pedir  autorização  procedendo  por  graduações  a  começar 
pelo  pai  ou  seu  substituto,  depois  pelos  parentes  deste  ramo, 
passando  em  seguida  à  mãe  e  aos  parentes  por  esta  linha. 

«Com  cada  um  dos  parentes  a,  cerimónia  é  igual;  participando 
o  que  acaba  de  passar  com  o  homem,  declarando  quem  é  êle,  sua 
família  e  aldeia  a  que  pertence,  faz  notar  que  a  garrafa  não  está 
cheia,  que  o  mesmo  é  que  dizer  que  por  sua  parte  anuiu ;  o  pa- 
rente se  é  mulher,  habituada  só  a  obedecer,  concorda,  se  é  homem 
pode  arriscar-se  a  alguma  observação,  mas  não  insistirá ;  só  o 
pai  ou  mãe  poderiam  servir  de  obstáculo,  mas  àlêm  de  que  já 
sabem  há  muito  de  que  se  trata,  e  ou  quiseram  impedir  ou  não 
o  puderam  fazer,  poderiam  dar  ocasião,  opondo-se,  a  qualquer 
questão  tentada  pelo  noivo,  à  desobediência  da  filha  ou  a  acon- 
tecimento pior  ;  geralmente  concordam  também.  O  consentimento 
de  todos  é  tanto  mais  provável  quanto  está  ali  a  tentadora 
aguardente  e  esta  cerimónia  lhes  indica  que  serão  contemplados 
com  alguns  presentes.  O  modo  de  mostrar  a  acquiescência  é 
beber  um  gole  de  aguardente  da  contida  na  garrafa  apresentada 
pela  rapariga. 

«Todo  o  parente  consultado  é  depois  presenteado  pelo  noivo, 
presentes  tanto  maiores  quanto  mais'  próximo  é  o  grau  de  paren- 
tesco; estes  pagamentos  vão  sendo  feitos  pouco  a  pouco,  e,  sem 
todos  estarem  satisfeitos,  não  deve  ter  logar  o  casamento;  adeante 
veremos  que  nem  sempre  tal  sucede,  o  que  faz  variar  as  conse- 
quências do  casamento;  receber  presente,  chama-se  comer  fa- 
zenda. 

«A  noiva  fica  residindo  de  então  para  o  futuro,  com  o  pai  ou 
a  mãe  até  ao  dia  do  casamento;  nunca  mais  se  junta  ao  noivo 
senão  defronte  de  testemunhas,  mesmo  no  caso  de  com  êle  ter 
vivido  amancebada  por  muito  tempo;  participa-lhe  ter  o  consen- 
timento da  família  e  enumera-lhe  as  pessoas  consultadas.  Daqui 
por  deante  o  vestuário  e  alimento  da  rapariga  ficam  á  conta  do 
noivo  que  por  vários  modos  ajuda  o  pai  dela  em  tudo  quanto 
lhe  for  possível. 

«Se  o  noivo  tem  já  as  fazendas  e  artigos  necessários  para  os 
presentes  aos  parentes,  entrega-os;  assim  abrevia  o  casamento; 
geralmente  porem,  só  depois  vai  ganhar  com  que  pagar  todos 
estes  tributos  e  as  despesas  da  cerimónia.    A  obrigação  de  dar 


272  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

tantos  presentes  faz  talvez  com  que  ás  vezes  digam  como  sinó- 
nimos casar  e  comprar  mulher,  e  este  facto  contribui  de  certo 
para  o  marido  tratar  a  mulher  casada  não  como  noiva  ou  amante, 
mas  quási  como  uma  escrava;  esta  mudança  de  situação,  as 
obrigações,  a  falta  de  regalias  que  dela  derivam,  motivam  bas- 
tantemente  o  demorado  pensar  das  raparigas  no  casamento  e  a 
experiência  que,  à  custa  de  relações  sexuais  ou  mancebia  mais 
ou  menos  prolongada,  elas  adquirem  das  qualidades  do  homem 
a  que  irão  pertencer. 

«É  por  causa  deste  estudo  que,  quando  o  noivo  lhe  abre  a  boca, 
a  rapariga  pode  não  se  decidir  logo  a  provar  da  garrafa,  sem 
que  tal  seja  considerado  como  recusa,  pois  a  dar-se  esta,  ou  a 
mulher  abandonaria  o  namorado  ou  francamente  lhe  diria  que, 
servindo-lhe  para  amante,  não  lhe  serviria  para  marido,  ou  que 
ainda  não  quer  casar,  etc,  os  mil  expedientes  em  que  os  pretos 
são  férteis  (quanto  mais  as  pretas)  para  adiarem  qualquer  acto. 

«Pode  o  casamento  não  se  realizar  mesmo  depois  de  chegadas 
as  coisas  a  esta  altura;  se  a  culpa  é  do  noivo,  êle  perderá  tudo 
quanto  deu  à  noiva,  e  aos  parentes;  se  ó  da  noiva  todos  os  que 
receberam  teem  que  restituir  tudo  em  número  e  qualidades  iguais. 

«Participados  os  factos  pelo  noivo  às  autoridades  das  terras 
dele  e  dela  (é  ainda  abrir  a  boca  dando  presentes),  construída  a 
nova  casa,  pagos  todos  os  parentes  dela,  reunidos  os  bens  ne- 
cessários para  as  despesas  do  casamento,  dadas  pequenas  lem- 
branças aos  parentes  dele  mais  próximos,  combinam  os  dois  o 
dia  e  procede-se  à  complicada  cerimónia.  São  avisados  de  vés- 
pera todos  os  parentes  e  pessoas  de  amizade  dos  dois  para  com- 
parecerem à  festa. 

«Pernoitam  juntos  uma  noite,  a  da  véspera  da  festa;  de 
manhã  o  rapaz,  com  qualquer  desculpa,  sai  da  cabana  e  em  seu 
lugar  entram  homens  e  mulheres,  com  que  esta  manobra,  estava 
anteriormente  combinada,  fazendo  grande  algazarra  e  dizendo 
para  ela  que  se  até  ali  era  prostituta,  desde  essa  ocasião  está 
casada;  a  multidão  dá  tiros  de  pólvora  seca  com  as  espingardas 
e  algum  mais  rico  com  velha  peça;  em  qualquer  parte  se  içam 
bandeiras  as  mais  extravagantes  e  logo  se  improvisam  dansas, 
regosijo  que  dura  dia  e  noite  por  tanto  tempo  quanto  as  posses 
do  noivo  o  permitem,  pois  é  êle  quem  paga  todas  as  despesas 
que  são  especialmente  fortes  na  quantidade  de  aguardente  e  li- 
cores que  os  convivas,  cada  vez  mais  numerosos,  vão  repetidas 
vezes  engorgitando.    Altas  horas  da  noite,  às  vezes  já  de  manhã, 


DE   ANGOLA  273 

é  que  se  dá  tréguas  à  dança,  para  continuar  pela  tarde,  emquanto 
de  dia  se  descança  um  pouco. 

«Desde  que  a  multidão  toma  conta  da  noiva,  algumas  mulheres 
vigiam-na  constantemente,  não  a  deixando  comer  senão  já  de 
noite  e  em  casa  do  pai  ou  da  mãe ;  também  durante  todo  esse 
dia  a  rapariga  deve  não  falar. 

«O  noivo  manda  a  casa  dos  sogros  uma  embaixada,  levando 
dois  cortados  e  uma  garrafa  de  aguardente,  a  participar  que 
casou.  A  primeira  noite  de  núpcias  passam-na  os  esposos  sepa- 
rados e  de  manhã  reunem-se  em  casa  do  noivo,  onde  são  visitados 
e  felicitados  pelos  amigos  e  parentes,  o  que  julgo  ser  apenas 
pretexto  para  a  continuação  da  festa,  que  recomeça  pela  tarde. 
É  nessa  manhã,  em  que  a  mulher  deixa  para  sempre  a  casa  pa- 
terna, que  ela  tem,  pela  primeira  vez,  de  fazer  a  comida  ao 
marido,  que  lhe  entrega  o  que  pretende  cosinhado  e  que  trivial- 
mente é  feijão  e  galinha  ou  peixe;  êle  dá-lhe,  como  motivo  de 
tal  serviço,  dois  cortados  estreitos,  dois  largos  de  vestidura,  um 
cordão  para  a  cintura  e  uma  garrafa  de  aguardente;  chama-se 
a  isto  pegar  fogo  (simba-bazo).» 

Existe  a  poligamia,  não  havendo  limites  para  o  número  de 
mulheres  que  cada  homem  pôde  possuir,  visto  que  quantas  mais 
tiver  mais  consideração  terá  e  maiores  serão  os  proventos  que 
dali  colherá  no  presente  e  até  no  futuro,  visto  que  as  filhas  llje 
darão,  ao  chegarem  à  idade  de  se  casarem,  uma  boa  fonte  de 
receita. 

As  mulheres  do  mesmo  homem  dão-se  bem  umas  com  as 
outras,  trabalham  para  êle,  procedendo  em  tudo  como  se  cada 
uma  fosse  esposa  única,  mais  ou  menos  subordinadas  à  primeira 
com  que  o  homem  casou,  salvo  quando  uma  das  outras  é  princesa 
ou  de  família  nobre,  que  será  a  mais  considerada. 

Cada  mulher  vive  com  os  seus  filhos  em  cubata  própria  e 
separada,  podendo  o  homem  mesmo  deixar  de  ter  cubata,  ser- 
vindo-se,  alternadamente,  da  de  qualquer  das  suas  mulheres. 

O  adultério  por  parte  do  homem  é  um  simples  incidente  da 
vida  conjugal  que  o  marido  regulariza,  quando  regulariza,  dando 
à  esposa  uma  insignificante  indemnização. 

Por  parte  da  mulher  é  o  adultério  mais  grave  e  punido,  se- 
gundo contam,  com  a  pena  de  morte  para  a  adúltera  e  para  o 
sedutor;  a  este,  se  lhe  poupam  a  vida,  não  lhe  escaparão  os 
haveres,  que  serão  poucos  para  pagar  a  indemnização  ao  marido 
ultrajado. 


274  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Existe  o  divórcio  tendo  como  causa  determinante  mais  vulgar 
a  leviandade  da  mulher.  Neste  caso,  se  a  mulher  convencer  o 
tribunal  que  a  julgar  da  sua  inocência,  terá  o  homem  de  lhe 
pagar  uma  indemnização  e  à  sua  família;  ao  contrário,  se  provar 
a  culpabilidade  da  mulher,  é  o  divórcio  pronunciado,  pagando 
os  parentes  da  mulher  não  só  todos  os  presentes  que  por  ocasião 
do  casamento  dele  receberam,  como  uma  indemnização,  que  é 
estipulada  pelo  juís,  tanto  maior,  quanto  mais  grave  fôr  a  falta. 

São  causas  determinantes  do  divórcio:  a  esterilidade  da  mulher ; 
o  ódio  ou  inimizades  fundas  que  se  manifestem  entre  as  famílias 
dos  cônjuges;  o  conhecer-se  qualquer  circunstância,  encoberta 
ou  desconhecida  por  ocasião  do  casamento  e  que  a  este  devia 
obstar;  os  crimes  graves  cometidos  pela  mulher,  quando  o  marido 
não  fôr  cúmplice  e  de  que  não  teve  conhecimento. 

Pôde  igualmente  o  divórcio  ser  promovido  pela  família  da 
mulher,  quando  puder  provar  que  o  marido  inflige  repetidos 
maus  tratos  à  mulher,  tentou  ou  planeou  assassiná-la,  faltou  aos 
seus  deveres  de  esposo,  ou  praticou  outras  faltas  graves  para 
com  ela  ou  para  com  a  sociedade. 

Pronunciado  o  divórcio  os  cônjuges  ficam  livres  de  qualquer 
compromisso,  como  se  fossem  solteiros. 

O  divórcio  não  traz  grandes  dificuldades  na  separação  dos 
haveres,  visto  que  à  mulher  só  pertencem  os  objectos  do  seji 
vestuário  e  pouco  mais;  os  bens  do  casal,  mesmo  os  angariados 
por  ela,  pertencem  ao  marido. 


# 
#       * 


A  família  cabinda  consta  principalmente  do  marido,  filhos  e 
mulheres ;  são  os  que  vivem  mais  aproximados,  são  todos  aqueles 
sobre  quem  o  chefe  da  família  tem  poderes  discricionários  e  que, 
por  essa  razão  talvez,  mais  lhe  obedecem  e  mais  respeito  lhe  teem. 

Os  filhos  teem  respeito  pelos  pais,  pelos  irmãos  uterinos  dos 
pais,  e  a  seguir  pelos  irmãos  uterinos  da  mãe. 

O  verdadeiro  amor  filial  é  da  mãe  aos  filhos  e  um  pouco 
menos  na  inversa. 

A  sucessão  dos  vários  cargos  públicos,  assim  como  a  dos  bens 
materiais,  é  do  falecido  para  o  filho  mais  velho  da  sua  irmã  mais 
velha;  se  essa  não  tem  filhos  é  para  os  da  segunda,  etc. 

No  caso  de  falecer  um  chefe  de  família,  essa  qualidade,  com 


DE   ANGOLA  275 

as  consequências  que  dela  derivam,  pode  passar  ao  irmão  uterino 
mais  velho  do  falecido  bem  como  os  bens  que  êle  possuía ;  só  não 
tendo  irmãos  nem  irmãs,  os  bens  são  divididos  pelos  parentes. 

Até  aos  7  ou  8  anos  a  criança  do  sexo  masculino  está  sob  a 
vigilância  da  mãe,  que  dela  trata,  daí  por  deante  acompanha  o 
pai,  competindo  a  este  ensiná-la  e  dirigi-la,  respondendo  por 
todos  os  actos  do  filho  para  com  estranhos.  Aos  18  anos,  apro- 
ximadamente, o  rapaz  passa  à  categoria  de  homem,  com  as 
vantagens  e  as  responsabilidades  que  são  inerentes  a  essa  qua- 
lidade, conforme  a  classe  social  a  que  pertença. 

No  que  diz  respeito  às  raparigas  estão  elas  sob  as  vistas  da 
mãe  até  à  puberdade,  então  começa  a  sentir-se  fortemente  a 
ingerência  do  pai,  a  quem  pertencem  todos  os  poderes,  passando 
a  mãe  a  ser  simples  companheira  e  conselheira. 

No  que  diz  respeito  aos  deveres  do  homem  como  marido, 
constituem  eles  em  defender  os  haveres  do  casal,  a  mulher  e  os 
filhos;  representá-los  em  todas  as  questões,  pagar  as  multas  e  as 
indemnisações  arbitradas  como  castigo  das  suas  faltas;  angariar 
por  sua  parte  os  meios  de  vida  que  a  terra  não  dá,  construir  as 
cubatas,  etc. 

A  mulher  casada  pertence  tratar  dos  seus  filhos,  cavar, 
plantar,  colher,  tratar  as  terras,  fazer  a  comida  para  o  marido 
salvo  quando  menstruada,  arranjar  a  lenha  para  o  serviço  do- 
méstico, ajudar  o  marido  em  transportes  mais  pesados,  vender 
os  produtos  agrícolas  ou  frutos  que  colher,  tratar  da  criação  e 
vendê-la.  A  mulher  casada  n*ão  deve  brincar  com  outros  homens 
nem  entrar  nas  cubatas  de  solteiros,  que  não  sejam  parentes 
muito  próximos;  não  deve  comer  na  presença  do  marido,  nem 
dos  parentes  mais  chegados  dele,  etc. 


A  arte  de  curar  as  doenças  pertence  ao  ganga,  nome  por  que 
designam  o  curandeiro,  e  que  igualmente  significa  feiticeiro  ou 
sacerdote  pelo  seu  caracter  religioso. 

No  entanto  ao  feiticeiro  na  acepção  vulgar  da  palavra,  aquele 
capaz  de  produzir  malefícios,  por  poder  sobrenatural,  a  esse 
chamam  dutche.  É  considerado  perigoso,  não  praticando  senão 
o  mal. 

O  ganga  aproveita  no  tratamento  das  doenças  grande  número 


276  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

de  plantas  sobre  cujas  propriedades,  efeitos,  parte  aproveitável 
e  modo  de  as  empregarem  guardam  segredo  absoluto. 

Emprega  o  ganga  para  aliviar  qualquer  dôr  e  como  trata- 
mento de  contusão,  quedas,  etc,  a  ventosa  seca  ou  sarjada. 

As  ventosas  aplicam-se  com  ou  sem  auxílio  de  fogo ;  o  instru- 
mento empregado  em  ambos  os  casos  é  quási  sempre  um  chifre, 
cuja  ponta  é  cortada  e  furada  ficando  com  um  pequeno  orifício. 

No  caso  de  se  não  empregar  o  fogo  a  rarefacção  faz-se  com  a 
boca  no  caso  do  uso  do  fogo  a  rarefação  faz-se  por  meio  de  uma 
grelha  de  brazas  colocada  dentro  do  chifre  a  pequena  distância 
da  pele. 

As  ventosas  sarjam-se  à  faca,  fazendo  pequenos  golpes  para- 
lelos finos,  superficiais. 

Após  o  falecimento  não  é  o  cadáver  enterrado,  sendo  antes 
disso  mumificado  pelo  fumo,  operação  demorada  e  tanto  mais 
complexa  quanto  maior  é  a  hierarquia  do  morto  e  os  haveres 
dos  parentes  próximos. 

Desejando  dar  uma  ideia  nítida  do  processo  de  mumificação 
passamos  a  transcrever  o  que  sobre  o  assunto  escreve  Matos  e 
Silva  : 

«Numa  das  suas  habitações  a  que  se  tira  uma  ou  duas  das 
paredes,  arma-se  a  meio  um  estrado  em  forma  de  grelha,  feito 
de  madeira  e  sustentado  sobre  quatro  estacas  a  uma  altura  de 
110  a  130  centímetros;  o  chão,  completamente  alisado  e  coberto 
de  areia  fina  em  camada  delgada,  servirá  tanto  para  a  colocação  do 
lume  como  para  dormitório  das  mulheres  do  morto,  que  estará 
sempre  vigiado  por  uma,  pelo  menos.  O  cadáver  é  todo  enrolado  (in- 
cluindo a  cabeça  e  pés)  num  pano  de  algodão,  branco  ou  riscado, 
que  dê  algumas  voltas,  e  deitado  sobre  a  grelha  fazendo-se-lhe 
debaixo  uma  pequena  fogueira  que  dê  pouco  calor  e  bastante 
fumo,  que  irá  bater  nas  costas  do  cadáver,  porque  as  paredes 
da  cabana  serão  colocadas  de  modo  a  evitar  as  correntes  atmos- 
féricas; esse  fogo  manter-se-ha  noite  e  dia  durante  a  semana  ou 
meses  que  durar  a  operação,  e  será  alimentado  pela  mulher, 
que  às  vezes  até  comerá  junto  do  corpo  por  não  ter  quem  a 
renda  sempre  que  fôr  preciso;  os  líquidos  cadavéricos  vão  caindo 
sobre  a  fogueira  e  alguns  pingos  na  areia ;  é  uso  que  da  massa 
formada  por  esses  líquidos  com  a  cinza,  as  viuvas  tomem  dedadas 
que  põem  na  própria  pele  da  testa  e  das  faces,  empregando 
tanto  mais  essa  manobra  quanto  mais  quizerem  demonstrar  o 
seu  desgosto.    De  tempos  a  tempos,  e  conforme  o  estado  imun- 


BE  ANGOLA  277 

díssimo  do  primeiro  pano,  é  o  corpo  envolvido  em  segundo, 
terceiro,  etc,  até  que,  nos  nobres,  sucede  que,  ao  passo  que  o 
cadáver  está  quási  reduzido  aos  ossos  e  pele,  o  volume  que 
apresenta,  formado  pelas  sucessivas  camadas  de  pano,  excede 
quanto  é  possível  imaginar  em  gordura  do  corpo  humano,  é  um 
enorme  cilindro.  O  fétido  exalado  durante  a  operação  é  fácil 
de  calcular  ;  os  perigos  para  a  saúde  dos  vizinhos  são  extraordi- 
nários; mas  a  crença,  a  rotina,  a  tudo  resiste;  e  o  mais  que  se 
tem  conseguido  é  que  esta  operação  seja  feita  a  distância  do 
povoado. 

«Dada  por  terminada  a  mumificação  e  reunidos  os  cabedais 
necessários  para  as  despezas  a  fazer,  trata-se  do  funeral. 

«Escolhido  o  dia  —  escreve  Matos  e  Silva  —  do  enterro,  man- 
da-se  abrir  a  sepultura  e  começa  a  festa,  as  cantigas  e  danças 
nocturnas,  em  que  tomam  parte  todos  os  indivíduos  das  aldeias 
subordinadas  e  ainda  qualquer  que  se  apresente,  mesmo  sem 
convite;  começa  a  ser  extraordinário  o  consumo  de  bebidas 
alcoólicas ;  tudo  isto  só  termina  na  noite  seguinte  àquela  em  que 
a  terra  cobrir  o  corpo,  e  é  de  admirar  como  tais  indivíduos 
resistem  a  tanta  fadiga  e  tanta  embriaguês.  Fazem-se  de  dia  os 
últimos  preparativos  e  acaba-se  o  carro  monumental,  um  especial, 
novo  para  cada  enterro  importante,  cuja  grandeza  e  complicação 
de  ornatos  estará  em  relação  com  as  posses  da  família;  o  desejo 
de  gastar,  de  alardiar  riqueza,  é  insaciável,  gasta-se  tudo  o  que 
de  momento  é  possível  obter,  chega-se  a  contrair  dívidas  que 
levarão  anos  a  saldar. 

«O  carro  constará  de  um  estrado  de  rija  madeira,  tendo  quatro 
a  seis  por  seis  a  dez  metros  de  superfície,  solidamente  ligado  a 
traves  que  servirão  de  eixos  a  três,  quatro  ou  cinco  pares  de 
rodas  de  madeira,  cheias,  de  50  a  60  centímetros  e  12  a  20  de 
trilho.  Sendo  fixos  os  eixos  de  tão  grande  extensão,  percebe-se 
que  grandes  curvas  será  necessário  fazer  descrever  ao  carro 
para  mudar  de  direcção;  para  isso  se  abre  propositadamente  um 
caminho  especial,  de  largura  dupla  da  do  carro,  abatendo-se 
todos  os  vegetais,  as  plantações  de  mantimentos,  as  casas,  os 
desnivelamentos,  desde  a  habitação  do  falecido  até  à  sepultura, 
caminho  que  muitas  vezes  fica  assim  com  a  extensão  de  bastantes 
quilómetros,  especialmente  se  ha  elevações  a  vencer  por  meio 
de  extensíssimas  curvas  em  rampa  suave. 

«Esse  estrado  é  guarnecido  em  volta  por  uma  grade  de  ma- 
deira,  que  só  deixa   aberturas  adiante  e  atrás,  e  circunscreve 


278  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

uma  espécie  de  varanda  ou  corredor  que  fica  entre  a  grade  e  a 
construção  central.  Esta  começa  debaixo  por  um  grande  para- 
lelepípedo de  mais  de  metro  de  altura  a  que  se  sobrepõem  outros 
cada  vez  mais  pequenos,  em  degraus  ou  qualquer  outra  forma 
arquitectónica,  contanto  que  no  alto,  de  tudo  haja  um  pequeno 
caixão,  que  não  chegaria  para  uma  criança  de  seis  anos. 

«Quanto  maior  fôr  a  altura,  quanto  maior  o  número  de  enfeites 
e  a  extravagância  deles,  maior  grandeza  tem  a  solenidade.  Sobre 
esses  degraus  amontoam-se  objectos  de  toda  a  espécie,  peles  de 
feras  espalhadas  fingindo  os  animais  em  posições  ameaçadoras, 
objectos  de  prata  ou  outro  metal,  jarros,  bacias,  bandoleiras, 
bandas  de  oficiais,  colchas,  lençaria  de  cores  berrantes,  pontas 
de  marfim  de  todas  as  grandezas,  com  ou  sem  enfeites  e  obras 
de  talha,  búzios  e  conchas  de  todos  os  feitios  e  dimensões,  cabeças 
de  antílopes,  peles  e  outros  despojos  de  animais,  armas  brancas 
e  de  fogo  de  todos  os  sistemas  e  qualidades,  etc.  A  madeira  de 
todo  o  carro  é  forrada  de  pano  de  algodão  branco  e  encarnado; 
o  caixãosinho  é-o  de  encarnado  com  galões  dourados  ou  prateados. 
Sobre  este  vão  as  insígnias  do  príncipe  morto,  o  seu  barrete,  a 
sua  romeira,  a  sua  chimpábala,  emfim  todos  os  seus  distintivos. 
Coroando  tudo,  no  alto,  um  pequeno  toldo  ou  chapéu  de  sol 
aberto,  de  algodão  branco  ou  vermelho  e,  melhor,  ainda  das 
duas  cores.  Abaixo  deste,  aos  lados,  nos  topos  de  varas  ligadas 
à  grande  varanda,  flutuam  bandeiras  e  galhardetes  de  todos  os 
feitios  e  cores,  tanto  mais  apreciados  quanto  mais  numerosos  e 
extravagantes. 

«Sobre  a  varanda  durante  o  caminhar  do  carro,  tomam  lugar 
vários  personagens:  à  frente  o  director  da  cerimónia  munido  de 
buzina,  dá  ordens;  atrás  dois  a  quatro  músicos  tocam,  em  pontas 
de  marfim  furadas,  uma  música  semelhante  à  dos  pretos  de 
,S.  Jorge,  composta  de  notas  soltas,  com  duração  e  intervalos 
desiguais,  mas  numa  certa  ordem  dada  pelo  tom  de  cada  instru- 
mento, resultando  uma  toada  plangente,  monótona,  audível  a 
grande  distância ;  nas  varandas  laterais  vão  alguns  escravos  ou 
criados  do  morto. 

«Este  carro  é  puxado  por  duas  grossas  cordas,  de  não  menos 
de  trinta  metros  de  comprimento,  paralelas  entre  si  e  totalmente 
guarnecida  de  pretos,  tantos  quantos  cabem,  que  vão  cantando, 
na  toada  habitual,  uma  canção  laudatória  do  defunto  ou  apro- 
priada ao  acto. 

«A  turba  enorme,  constituída  por  todos  os  subordinados  do 


DE   ANGOLA  279 

personagem  e  dos  parentes  dele,  reforça  a  canção,  faz  um  barulho 
de  ensurdecer,  caminhando  aos  lados  e  atrás  do  carro ;  mas  logo 
atrás  deste,  caminham  silenciosos  o  sucessor,  os  nobres  subordi- 
nados, os  nobres  da  família  e  os  mais  considerados  adivinhos. 

«De  noite  pára  o  cortejo  em  pontos  de  antemão  escolhidos,  cujas 
ervas  foram  cortadas  e  onde  se  canta  e  dança  por  noite  velha; 
andam-se  por  dia  apenas  500  a  1^000  metros,  para  fazer  durar  o 
trânsito  e  a  festa;  só  próximo  da  cova,  a  última  marcha  terá 
maior  extensão  e  rapidez  para  que  o  carro  lá  chegue  ao  anoitecer. 
Mas  em  cada  uma  marcha  há  ainda  novas  paragens  para  mudança 
dos  homens  que  puxam,  e  na  última  gasta-se  o  tempo,  de  sol  a 
sol,  nesse  caminhar  e  nessas  paragens,  porque  outros  factores 
entram  no  acompanhamento. 

«A  cada  passo  chega  um  magnate  conhecido  do  defunto  que 
vem  prestar  a  derradeira  homenagem;  faz-se  acompanhar  do 
maior  número  possível  de  pessoas  dos  dois  sexos  de  que  pôde 
dispor,  tudo  ao  som  de  cânticos,  buzinas,  tambores,  fazendo  o 
máximo  barulho  e  trazendo  arvoradas  o  maior  número  de  ban- 
deiras. A  cada  uma  destas  aglomerações  pertence  a  sua  vez 
de  puxar  pelas  cordas  do  carro,  que  pára  ao  avistar-se  novo 
grupo,  que  só  entra  em  exercício  depois  de  ruidosos  cumprimentos 
e  manifestações. 

«Vai  crescendo  o  número  de  pretos  e  pretas  atrás,  aos  lados 
e  adiante  do  carro,  mas  outro  grupo  especial  vai  sempre  adiante 
das  cordas,  próximo  delas,  mas  sem  lhes  tocar;  é  sempre  com- 
posto só  por  homens,  dos  mais  ágeis,  quási  nús,  com  coroas  de 
folhas  verdes  nas  cabeças,  com  braçaletes  de  ervas  nos  braços, 
nos  pulsos,  nos  tornozelos,  com  as  caras  sarapintadas  de  ver- 
melho, de  preto,  de  branco  ou  cobertas  por  toscas  mascaras  de 
madeira  pintada  de  branco  ou  de  vermelho  e  com  riscos  pretos, 
tornando-as  o  mais  hediondas  que  fôr  possível ;  levam  armas 
brancas  nas  mãos  ou  à  cintura  e  bastantes  espingardas.  O  papel 
destes  indivíduos  é  gritar,  fazer  esgares,  dar  saltos,  correr, 
fazer  cabriolas  e  ameaças  a  inimigos  invisíveis,  disparar  tiros, 
etc,  é  emfim,  afugentar  e  combater  inimigos  hipotéticos,  que 
tolhem  o  avanço,  que  fazem  surpresas  de  lado,  que  atacam  a 
rectaguarda  para  onde  por  vezes  destaca  uma  porção  dos  gro- 
tescos guerreiros.  Não  lembrará  esta  tradição  os  ataques  de 
que  foram  alvos  em  casos  semelhantes  há  longos  anos?  Bem  o 
fazem  crer  as  manobras  que  executam,  as  pinturas,  esgares  e 
posições  análogas  às  da  suas  guerras,  o  rudimentar  e  extranho 


280  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

vestuário  semelhante  ao  que  de  certo  usaram  em  épocas  muito 
remotas,  os  cuidados  e  precauções  com  o  cadáver  de  que  falarei 
mais  abaixo.    t, 

«O  extranho  cortejo  chegou  junto  da  sepultura  e  parou;  é 
quási  sol  posto.  Aí  teem  logar  as  mais, rijas  manobras  guerreiras, 
a  dansa  mais  longa  e  entusiasta,  a  maior  gritaria  e  confusão, 
a  grande  fusilaria  e  descargas,  as  desordenadas  e  furiosas  corridas 
darma  branca  em  riste,  que  chegam  a  ser  perigosas  e  a  causar 
ferimentos. 

Anoitece;  o  carro  é  arrastado  para  sobre  a  cova,  os  eixos 
são  cortados  rente  das  rodas  e  tudo  assenta  no  chão,  ficando  a 
enorme  cova  justamente  por  baixo  do  paralelipipedo.  central. 
Acendem-se  fogueiras,  ficam  de  guarda  alguns  parentes;  todos 
os  outros  pretos  retiram,  na  maioria  para  os  seus  povos  (aldeias) 
com  os  seus  magnates,  o  resto,  ainda  assim  alguns  centos,  para 
a  aldeia  do  falecido,  onde  a  festa  continua  rija  até  de  manhã. 

«Alta  noite  tem  então  logar  o  verdadeiro  enterro:  em  silêncio, 
pela  calada  da  noite,  alguns  homens  de  confiança,  poucos,  pa- 
rentes e  pessoas  de  prestígio,  conduzem  aos  ombros  volumoso 
caixote  contendo  os  restos  mortais  do  príncipe  que  vieram  do 
fumeiro  envolvidos  nas  centenas  de  metros  de  fazenda  de  várias 
cores  e  qualidades.  Chegados  à  cova,  encontram  desmanchada 
toda  a  parte  central  do  carro,  arrecadados  todos  os  adornos 
escancarada  a  sepultura :  descem  até  ao  fundo  o  cadáver  (dizem 
que  antigamente  ia  também  alguma  das  viuvas  ainda  viva), 
enchem  a  cova  de  terra,  calcando-a,  até  ao  nivel  do  terreno 
adjacente  e  um  pouco  mais,  colocam  sobre  ela  parte  da  cons- 
trução de  madeira  e  os  objectos  sem  valor  que  designarão  a 
sepultura  do  falecido,  e  retiram-se  todos,  levando  todo  o  resto 
menos  o  estrado  do  carro  com  sua  grade;  esta  parte  fica  mar- 
cando a  cova,  que  a  volta  interna  do  estrado  circunscreve  exa- 
tamente». 

Entre  os  cabindas  existe  o  luto,  variando  a  sua  duração  mais 
com  os  haveres  de  quem  o  usa  do  que  com  a  proximidade  de 
parentesco. 

Em  geral  o  luto  manifesta-se  pelo  uso  de  vestuário  de  ganga 
azul,  mascarrar  a  cara  com  carvão  ou  giz,  ou  simplesmente 
trazer  alguns  riscos  e  rapar  completamente  a  cabeça.  O  maior 
luto  é  o  da  viuvez. 


ÔÈ  ANGOLA  â8Í 


#        * 

Como  as  restantes  tribus  da  raça  negra  os  cabindas  são 
fetichistas,  não  obstante  o  meio  se  ressinta  da  acção  dos  missioná- 
rios que  em  antigos  tempos  evangelizaram  estes  povos.  Assim, 
em  presença  dos  brancos,  usam  fazer  um  juramento  que  consiste 
em  desenhar  no  chão  uma  cruz  com  o  dedo  indicador  da  mão 
direita,  levando-o  depois  à  boca  tapada  com  o  polegar,  e  beijando 
a  unha  deste.  Crêem-  em  entes  supremos  ou  deuses  sendo  o 
principal  o  Zambi  que  tem  grande  influência  na  vida  dos  casa- 
dos, e  o  Bunzi,  deus  da  chuva,  vivendo  debaixo  da  terra.  Cada 
um  destes  deuses  tem  o  seu  sacerdote  especial  que  é  o  interme- 
diário entre  os  crentes  e  o  respectivo  deus.  Assim  o  sacerdote 
do  deus  bunzi,  o  lunga,  é  quem  guarda  as  chaves  da  porta  por 
onde  há  de  entrar  a  chuva,  e  abri-la  quando  receba  para  isso 
ordem  do  bunzi.  Ainda  relativamente  ao  deus  da  chuva,  parece 
existir  outro  feiticeiro  ou  sacerdote  djima-kango,  encarregado  de 
furtar  ao  lunga  as  chaves  da  porta  das  chuvas  e  fechá-la.  E  claro 
que  estes  feiticeiros  só  operam  à  força  de  presentes. 

Acreditam  em  almas  penadas,  fantasmas,  espíritos  bons  e 
maus  que  consagram  em  objectos,  e  que  constituem  os  ídolos  ou 
feitiços  do  culto  e  das  crenças  indígenas. 

Estes  feitiços  são  fabricados  pelo  karálanga,  e  constituem 
grosseiras  esculturas  de  madeira  geralmente  clara  e  macia  dando» 
lhes  formas  tradicionais,  na  quási  totalidade  figuras  de  homens, 
com  alguma  particularidade,  ou  excentricidade  bem  visível,  que 
traduz  a  especialidade  a  que  o  feitiço  é  dedicado. 

Obtido  o  feitiço  chama-se  o  ganga,  feiticeiro  especial  para  o 
feitiço  de  cuja  representação  se  trata,  para  proceder  a  uma  es- 
pécie de  sagração.  No  meio  de  demorado  cerimonial  e  com 
palavras  especiais,  vai  adornando  o  feitiço  com  os  respectivos 
acessórios  postos  nos  logares  e  pela  forma  que  a  crença  deter- 
mina, e  só  depois  de  dar  por  terminada  a  cerimónia  é  que  o 
feitiço  pode  servir  para  o  culto. 

Quando  desejam  servir-se  dalgum  feitiço  procuram  o  feiti- 
ceiro respectivo,  contam  a  história  do  que  ali  os  levou,  dizem  o 
que  pretendem  e  cravam  no  feitiço  a  ponta  dum  prego,  pagando 
ao  feiticeiro  pela  interferência  determinada  quantia.  O  cumpri- 
mento da  promessa  dá  origem  a  nova  cerimónia  e  despezas  cor- 
19 


282  1>ÔÍ>ULAÇQES   INDÍGENAS 

relativas,  correspondentes  ao  soltar  o  prego  (kakula-muekica) ;  o 
feiticeiro  pisa  folhas  de  vegetais  e  com  o  seu  suco  molha  o  logar 
em  que  o  prego  está  cravado,  tapando-o  com  um  pano  e  dei- 
xando-o  ficar  assim  até  ao  dia  seguinte,  vindo  então  o  crente 
tirar  o  prego. 

Sucede  ás  vezes  decorrer  muito  tempo  entre  o  cravar  e  o 
tirar  o  prego,  de  modo  que,  ou  o  crente  se  esquece  e  não  sabe 
qual  foi  o  prego  .que  pregou,  ou  o  ganga  também  não  sabe ; 
nestes  casos  chama-se  o  feiticeiro  de  faca  quente  que,  procedendo 
ao  seu  cerimonial,  passa  a  faca  em  braza  pela  própria  mão  e 
declara  qual  é  o  prego.  Escusado  será  dizer  que  esta  cerimónia 
traz  comsigo  mais  uma  despez-a  adicional. 

Aos,  feitiços  fazem-se  igualmente  simples  consultas  por  inter- 
médio dos  respectivos  feiticeiros.  Para  isso,  presenteia-se  o  fei- 
ticeiro, e  põe-se  ao  corrente  da  consulta.  A  certa  altura  da 
narração  o  ganga,  conhecedor  do  caso  e  da  resposta  que  ha  de 
dar,  sente-se  inspirado  (tuntuka  mekice,  que  o  feitiço  lhe  entrou 
na  cabeça).  Salta,  dança,  diz  coisas  incompreensíveis,  e  por 
entre  elas  responde  à  consulta  do  crente,  e  sempre  por  uma 
forma  confusa.  Este  estado  anormal  termina  de  repente  decla- 
rando o  ganga,  que  o  feitiço  já  lhe  saiu  da  cabeça. 

Entre  os  vários  feitiços  dos  cabindas  contam-se:  o  Bumbo- 
malazi,  constituído  por  dez  pequenas  imagens  de  madeira  represen- 
tando pessoas,  colocadas  em  circunferência  e  todas  presas  à  mesma 
base,  é  o  feitiço  que  trata  de  regular  a  grandeza  do  ventre  das 
crianças  e  doenças  que  se  lhes  relacionam;  o  Lumba,  feitiço  de 
grande  importância  que  tem  moradia  especial,  uma  cubata  divi- 
dida a  meio,  ocupando  o  feitiço  o  compartimento  interior.  Assim 
ao  mesmo  tempo  que  serve  para  melhorar  os  doentes,  serve  para 
guardar  as  coisas  de  maior  valor,  é  advogado  contra  a  esterili- 
dade dos  esposos  e  encarregado  da  felicidade  dos  mesmos. 

O  funza,  feitiço  caseiro,  substituto  do  lumba  quando  o  homem 
é  casado  com  mais  de  uma  mulher ;  ou  é  a  segunda  mulher  que 
é  dedicada  a  este  feitiço,  ou  a  mulher  da  família  mais  nobre. 

O  melumba  que  preside  ao  efeito  das  balas  nas  guerras ;  tem 
moradia  própria.  Tratando-se  de  ir  para  a  guerra,  o  chefe  se- 
gura no  feitiço  perante  o  qual  os  guerreiros  vão  passando,  um 
a  um,  recebendo  do  feiticeiro  a  resposta,  se  pode  ir  ou  não  por 
ser  certo  lá  ficar  morto. 

Compreende-se  quanto  será  fácil  ao  chefe  do  bando  indicar 
ao  feiticeiro  quem  não  lhe  convêm  levar  consigo. 


DE  ANGOLA  28á 


IV.  —  Da  vida  social 

Espécie  d©  vida.  —  Classes  e  castas.  — 
Organização  política.  —  Propriedade.  — 
Regime  e  comércio.  —  Costumagens  jurí- 
dicas. 

A  sociedade  cabinda  divide-se,  pelas  suas  prerogativas,  em 
três  classes  bem  distintas :  nobreza,"  povo  e  escravos. 

Na  nobreza  residem  todos  os  poderes,  todas  as  atribuições, 
conforme  os  seus  graus,  desde  o  que  chamam  kapita,  até  ao  rei 
ou  regência.  Só  os  nobres  são  autorizados,  só  eles  teem  poder 
para  mandar,  em  nome  próprio  ou  no  de  superior. 

O  grau  mais  baixo,  kapita,  obtem-se  nâo  se  sendo  escravo,  se 
se  consegue  agradar  à  autoridade  mais  elevada,  pelo  bom  com- 
portamento, serviços  prestados  e  grandes  presentes;  entra-se  por 
este  modo  na  nobreza  sem  ser  por  herança,  mas  é  preciso  aliar-se, 
casando  com  princeza,  a  membro  da  classe  nobre. 

Depois,  podendo  já  ter  alguns  bens  sem  que  lhos  tirem  ime- 
diatamente, pode  adquirir  mais  um  título,  tarefa  então  mais 
fácil,  prestando  serviços  administrativos  dignos  de  recompensa, 
e  assim  subir  na  escala.  A  ma?nbuko  parece  não  ter  chegado 
preto  algum  senão  por  herança. 

Os  diversos  graus  de  nobreza,  por  ordem  descendente  são: 
ma?igòio  (rei),  manbôma,  mambuku,  mafuka,  mankáfí,  mom- 
bondu,  linguece,  lumbângala,  matchiôaa,  e  kapita.  A,  cada  nobre 
competem  qualidades  próprias  e  poderes  especiais  cada  vez  mais 
diminutos  até  ao  simples  kapita. 

Um  homem  do  povo  pode,  ser  elevado,  como  vimos  a  kapita 
e  passar  depois  a  matchiôua,  mas  por  ali  fica;  dos  herdeiros 
destes  dois  graus  inferiores  da  nobreza  é  que  saem  os  outros 
nobres,  subindo  sucessivamente  de  hierarquia  até  mafuka,  que 
é  o  grau  o  mais  elevado  que  se  pode  obter ;  só  parente  próximo 
do  rei  pode  chegar  a  manbuko. 

Faz  excepção  a  todas  estas  regras  o  grau  de  mambôma,  que 
corresponde  a  primeiro  ministro,  e  é  escolhido  pelo  rei,  em 
qualquer  classe  de  homens  livres,  mesmo  entre  o  povo,  pelo  seu 
muito  saber  e  esperteza;  pode  substituir  o  rei  na  sua  ausência 
emquanto  este  é  vivo,  mas  não  pode  ser  rei;  esse  cargo  é  único 
e  vitalício,  mas  não  é  hereditário.    É  o  conselheiro  real,  mas  se 


2l8á  tÔMJLAÇOES  INDÍGENAS 

cair  em  desagrado  no  conceito  real  é  quási  sempre  morto,  se  a 
tempo  não  se  exilar. 

Da  classe  povo  a  subdivisão  que  tem  mais  representação  e 
poderio  é  a  dos  feiticeiros  que  podem  hombrear,  e  mesmo  de- 
frontar-se  com  bastantes  nobres,  mas  que  não  são  como  tal  con- 
siderados ;  teem  muita  força  moral  de  que  usam  para  as  suas  ceri- 
mónias e  que  lhes  vem  da  sua  astúcia  e  da  crença  popular  em  feitiços. 

O  resto  do  povo  não  escravo,  o  mais  numeroso  da  tribu, 
divide-se  em  três  partes  desiguais  conforme  os  seus  haveres. 

O  escravo  (mevika  no  plural  bavika),  como  nas  restantes 
tribus  é  considerado  como  uma  pessoa  de  família,  quási  um 
filho  do  seu  senhor;  é  tratado  como  uma  creança,  é  irrespon- 
sável, não  tem  que  intervir  em  deliberações,  não  é  ouvida  a  sua 
opinião,  nem  pode  possuir  coisa  alguma. 

Os  escravos  provêem:  das  razias,  nos  tempos  das  conquistas; 
por  nascimento  quando  a  mãe  é  escrava;  por  compra,  em  geral 
de  outras  tribus;  por  dividas  e  furtos;  e  finalmente  o  escravo 
voluntário,  aquele  que  se  não  julgando  suficientemente  forte  para 
escapar  à  vingança  de  outro,  a  quem  se  esgotaram  os  meios  e 
pela  fome  se  rende,  aquele  que  se  vê  perseguido  por  um  crime 
ou  delicto  e  se  quer  eximir  à  sua  responsabilidade,  etc. 

Neste  último  caso  o  preto  escolhe  o  seu  senhor  e  mesmo  sem 
a  sua  anuência  se  torna  seu  escravo,  entrando-lhe  em  casa  e 
partindo-lhe  qualquer  objecto  de  louça  ou  vidro  que  arremessa 
ao  chão,  produzindo  estrondo  que  chame  a  atenção  de  pessoas 
para  servirem  de  testemunhas  de  que  foi  êle  que  não  pertencendo 
à  família,  veio  ali  expressamente  para  praticar  tal  acto.  Desde 
esse  momento  é  escravo  do  dono  da  casa. 


O  reino  de  N'goío  ê  governado  por  um  chefe  supremo  a  que 
denominam  rei,  e  que  é  dividido  em  zonas  mais  ou  menos  irre- 
gulares, administradas  cada  uma  por  um  mambúko,  que  por  sua 
vez  é  dividido  e  subdividido  em  outras  administradas  por  auto- 
ridades inferiores. 

Pelo  exposto  aqui  e  o  que  atraz  deixamos  escrito,  o  rei  ou 
chefe  supremo  exerce  o  seu  governo  por  intermédio  de  um  pri- 
meiro' ministro  e  dos  governadores  ou  administradores  das 
diversas  divisões  e  subdivisões  territoriais  do  reino. 


DE   ANGOLA  285 

Desde  porém  que  faleceu  o  último  rei,  ha  mais  de  vinte  anos, 
é  o  reino  de  N'goio  governado  por  uma  espécie  de  conselho. 
Esta  regência  é  constituída  pela  mambôma  do  falecido  rei,  pela 
mais  importante  mulher,  dele  viúva,  com  o  título  de  mambuka  e 
pelo  filho  mais  velho  do  dito  rei. 

Segundo  se  conta  a  morte  deste  rei  não  foi  natural,  razão 
porque  ela  esteve  durante  muitos  jnezes  oculta,  afim  de  dispor  o 
povo,  não  sobreviesse  qualquer  complicação.  Parece  que  este 
rei,  desde  que  se  apanhou  no  cargo,  começou,  segundo  uns,  a 
mostrar-se  demasiado  tirano  e,  segundo  outros,  a  alterar  os 
costumes  e  leis  em  sentido  liberal,  visto  não  ter  sido  total  e 
constantemente  a  favor  dos  nobres.  Inclinamo-nos  para  esta 
segunda  hipótese,  tanto  mais  que  o  facto  de  ficar  fazendo  parte 
da  regência  o  mambôma  do  rei,  o  que  é  fora  da  regra,  pois  o 
poder  de  ministro  acaba  com  a  vida  do  rei,  faz  supor  que  este 
entrou  na  conspiração  de  combinação  com  os  outros  nobres,  as 
mulheres  do  rei  e  talvez  mesmo  com  o  filho. 

«O  que  se  conta  —  escreve  Matos  e  Silva  —  é  que  estando  o 
rei  a  dormir  na  sua  cama,  dentro  da  cabana  e  a  meio  dela,  des- 
viado de  todas  as  paredes  (por  onde  se  conclue  que  receiava 
o  perigo  de  fora)  e  guardado  por  uma  esposa  cujo  dever  era 
despertá-lo  ao  menor  indicio  suspeito  (precauções  que  provam 
quanto  ele  julgava  a  sua  vida  em  perigo) ;  sucedera  que  a  esposa, 
de  guarda  em  certa  ocasião,  saíra  da  cabana  a  pretexto  de 
necessidade  urgente,  para  tal  ausência  servir  de  desculpa  ao  que 
aconteceu  e  foi  atribuído  a  pessoa  desconhecida;  mas  que,  na 
realidade,  fora  essa  mesma  esposa  quem  enfiara  pela  régia 
cabeça,  até  ao  pescoço,  o  nó  corredio  de  forte  corda  cujas  pontas, 
saindo  através  das  paredes  opostas,  eram  de  fora  da  choupana 
puxadas  de  ambos  os  lados  pelas  restantes  mulheres,  se  não  também 
por  algum  dos  nobres  conspiradores.  O  caso  foi  que  o  rei  morreu, 
o  segredo  manteve-se  mais  ou  menos,  os  nobres  não  se  encomo- 
daram  com  isso  ou  até  gostaram,  e  o  povo,  sabedor  do  caso 
tempos  depois,  mas  desorientado  pelos  vários  boatos  adrede 
habilmente  espalhados,  contentou-se  com  o  seu  papel  passivo  de 
nada  fazer,  não  se  metendo  nas  intrigas  da  corte. 

Publicado  o  acontecimento,  seguia-se  a  aclamação  do  real 
parente  (sobrinho  ou  irmão)  a  quem  os  costumes  do  país  davam 
a  sucessão;  mas  não  havia  na  família  real  quem  estivesse  nas 
condições  de  ser  coroado  e  por  isso  a  um  mambuko,  ou  directo 
sucessor  deste,  caberia  a  coroa. 


286  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

A  guerra  surda  estabelecida  entre  os  nobres  com  o  grau  de 
mambuko  demorou  a  escolha,  porque  alguns  não  estavam  nas 
condições  ou  não  tinham  haveres  para  colocarem  parentes  seus, 
e  uns  aos  outros  se  guerreavam,  dificultando  a  resolução  do 
negócio,  para  o  que  sempre  eram  auxiliares  seguros  os  membros 
da  regência.  Uma  das  últimas  tentativas  foi  feita  pelo  barão  de 
Cabinda  (Puna)  a  favor  dum  seu  irmão,  mas  sem  resultado, 
porque  este  não  quiz,  de  forma  alguma,  subir  tão  alto  com 
receio  dos  acontecimentos;  apezar  dos  gastos  feitos  para  aplanar 
dificuldades  da  votação,  não  houve  meio  de  o  decidir,  alegando 
êle  sempre  que  não  se  sentia  capaz  de  ser  rei,  que  não  podia 
fazer  a  vontade  aos  seus  partidários  porque  não  estaria  melhor 
sendo  rei  do  que  sendo  um  pescador  como  era.  Vê-se  uma  coisa 
quási  inacreditável:  um  preto  com  as  condições  para  ser  rei, 
solicitado  a  sê-lo,  aceito  já  por  alguns,  tendo  um  irmão  que  fazia 
todas  as  despezas  do  cerimonial,  um  preto  que  passava  de  mi- 
serável pescador  a  ser  a  pessoa  mais  importante  da  sua  terra, 
com  poderes  absolutos,  realisando  mais  do  que  tudo,  o  que  muitos 
dos  maiores  sonham  e  que  êle  podia  sonhar,  recusou  a  colocação, 
passando-se  isto  nos  tempos  em  que  ainda  não  havia  na  sua 
terra  o  prodomínio  dos  brancos.  Fácil  é  suspeitar  que  pelo 
irmão  êle  saberia  bastante  da  verdade,  e  que  aos  seus  40  anos 
sorria  mais  um  futuro  igual  ao  presente  que  conhecia,  embora 
humilde,  do  que  as  honras  de  rei ;  quem  sabe  até  de  quantas 
ameaças  teria  sido  alvo. 

Parece  que  não  haverá  mais  rei,  porque  deixou  de  haver 
quem  tenha  os  bens  necessários  para  as  despezas  da  coroação  e 
porque  já  não  vale  a  pena  ser  rei,  visto  que,  com  o  estabeleci- 
mento dos  brancos  as  condições  mudaram  totalmente. 

Para  ser  eleito  rei  é  preciso :  ser  do  sangue  dos  nobres  de 
primeira  grandeza;  ser  proposto  por  influente  e  aceite  pela 
grande  maioria  dos  mais  elevados  dos  nobres;  nunca  ter  sujado 
a  terra  de  sangue,  quer  de  gente  quer  de  qualquer  grande 
animal  útil ;  estar  resolvido  a  ir  viver  para  o  interior  sem  nunca 
mais  tornar  a  vêr  o  mar ;  possuir  o  suficiente,  seu  ou  de  inter- 
posta pessoa  que  lho  forneça,  para  as  despezas  da  coroação 
(afírmou-me  o  oivilisado  Manuel  Puna,  barão  de  Cabinda,  que 
não  andarão  por  menos  de  três  contos  de  reis  actualmente). 

Aparte  miúdas  cerimónias  de  que  não  foi  possível  infor- 
niar-me  convenientemente  para  delas  falar,  como  sejam  os  pre- 
parativos   dirigidos    pelos   grandes   feiticeiros,    de    demoradas, 


DE   ANGOLA  287 

complicadas  e  repetidas  cerimónias  religiosas  durante  semanas; 
aparte  minúcias  da  pragmática  durante  os  muitos  dias  que  vão 
desde  a  apresentação  do  candidato  até  à  coroação,  a  escolha  do 
seu  mambôma,  ou  primeiro  ministro,  o  novo  casamento  com 
princeza  importante,  que  ficará  sendo  a  primeira  mulher,  mas 
cujo  rapto  haverá  necessidade  de  simular,  bem  como  vida  errante 
com  ela  no  mato,  durante  os  primeiros  dias,  caçando  para  se 
alimentarem,  percorrendo  grandes  distâncias,  improvisando  com 
ramos  abrigos  para  passarem  a  noite  (vida  selvagem  que  parece 
ser  tradição  das  suas  emigrações  até  se  fixarem  neste  ponto  de 
Africa) ;  aparte  mil  outras  dificuldades  a  vencer  por  destreza, 
coragem,  decisão,  etc. ;  para  se  ser  rei  ha  ainda  o  grande  óbice 
das  extraordinárias  despezas  a  fazer  com  a  compra  dos  votos 
dos  eleitores,  que  teem  o  grau  de  mambuko,  e  com  os  funerais 
do  rei  anterior,  que  devem  dar  brado  através  os  tempos  pela 
magnificência  com  que  tenham  sido  feitos;  quanto  mais  sumptuo- 
sos forem  os  funerais  e  maior  duração  das  festas,  tanto  mais 
respeito  o  novo  rei  mostrará  pelo  seu  antecessor  e  mais  consi- 
deração o  povo  começará  a  ligar-lhe. 

Os  predicados  exigidos  para  se  ser  rei  sãomuitos,  mas  apesar 
disso  não  dão  certeza  de  que  o  rei  venha  a  ser  bom;  o  seu  pri- 
meiro ministro  governará  por  ele ;  terá  um  carrasco  encarregado 
de  fazer  justiça  sumária  e  o  próprio,  rei  não  desdenhará  de  der- 
ramar o  sangue  alheio;  em  breve,  por  extorsões,  feitas  sob  mil 
pretextos  ao  próprio  povo,  ou  por  guerras  com  os  vizinhos,  se 
indemnisará  com  grande  uzura  das  despezas  que  fez,  etc.» 


# 


Os  príncipes  e  as  autoridades  gentílicas  são  considerados  os 
senhores  da  terra ;  quem  quizer  construir  a  sua  cubata  ou  quizer 
cultivar  qualquer  terra  terá  de  pedir  licença  e  pagá-la  ao  prín- 
cipe, colherá  a  seara,  mas  não  será  dono  da  terra,  perdendo  o 
direito  às  plantações  que  vivam  mais  de  um  ano  que  ficarão 
pertencendo  ao  dono  da  terra. 

Talvez  deste  facto,  de  ser  infrutífero  o  labor  de  plantar 
árvores  viesse  a  crença,  muito  arreigada,  de  que  quem  plantar 
qualquer  árvore,  morre  antes  dela  ter  utilidade,  ou  antes  de  dar 
sombra  que  cubra  um  homem. 


288  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


*    * 


A  não  ser  os  nobres,  não  é  costume,  nem  mesmo  fácil  às 
restantes  classes  acumular  haveres.  Além  de  imprevidentes, 
gastando  tudo  com  a  maior  facilidade,  à  proporção  e  medida 
que  o  vão  havendo,  os  próprios  nobres  não  vêem  com  bons  olhos 
quem  tem  alguma  coisa,  e  é  sempre  fácil  arranjar  pretexto  para 
questões  que  tenham  por  fim  desapossar  cada  um  do  que  possuem. 
Se  algum  cabinda,  àlêm  de  ser  esperto  para  evitar  questões,  fôr 
trabalhador  e  poupado  para  acumular  valores,  pode  suceder  que 
exgotados  os  meios  de  lhe  fazer  perder  os  haveres,  cheguem  a 
fazer-lhe  perder  a  vida,  acusando-o  de  feiticeiro,  ou  forjando-lhe 
outro  qualquer  pretexto  que  o  leve  a  ter  de  tomar  a  beberagem 
que  constitui  o  juramento.  Assim  o  acumular  riqueza,  àlêm  de 
dar  muito  trabalho,  faz  ainda  correr  perigos  de  questões  e  até 
a  vida,  sendo  por  isso  dificil  e  perigoso  ter  alguma  coisa  não 
sendo  nobre. 

Gasta-se  emquanto  há,  satisfazem-se  depois  as  necessidades 
mais  urgentes  recorrendo  a  expedientes;  se  aparece  uma  doença 
ou  outra  grave  conjuntura  morre-se  à  míngua,  vende-se  ou 
empenha-se  a  mulher  e  os  filhos,  se  os  há,  vive-se  à  custa  de 
outros,  se  já  não  se  é  rapaz  ou,  sendo-se  novo,  vai-se  então 
trabalhar,  preferindo-se  a  expatriação. 

O  homem  pode  possuir  o  que  herda,  o  que  adquiriu  por 
qualquer  forma  e  o  que  as  suas  mulheres  e  filhos  ganharem;  à 
mulher  só  é  permitido  possuir  o  que  o  marido  lhe  der,  quer 
para  seu  uso,  quer  como  indemnização  por  ofensas  dos  costumes 
matrimoniais. 

Os  contractos  são  verbais,  perante  testemunhas,  que  só  em 
coisas  mínimas  deixa  de  haver,  e  sendo  de  maior  importância 
perante  uma  autoridade  gentílica,  que  em  parte  recebe  uma 
certa  quantia. 

Qualquer  contracto  se  pode  anular,  levando-o  perante  a 
autoridade;  a  maior  parte  das  vezes,  porém,  uma  das  partes 
contratantes  falta  às  condições  que  aceitou,  competindo  à  outra 
provocar  a  questão,  se  quizer  ganhá-la,  porque  se  ofende  por 
palavras  e  especialmente  por  actos,  a  que  não  cumpriu,  tem 
esta  direito  de  provocar  a  questão,  pagando  muito  menor  inde- 
mnização pela  falta,  e  sempre  inferior  à  multa  que  tem  a  receber 


DE  ANGOLA  289 

do  ofensor,  a  cujo  cargo  ficam,  àlêm  disso,  as  despezas  da  jus- 
tiça. 

Sempre  que  há  faita  de  cumprimento  de  um  contracto  e  que 
ela  se  prove  com  testemunhas  ou  argumentos  que  dêem  forte 
presunção  de  ter  havido  quebra,  ha  direito  a  indemnização;  o 
mesmo  sucede  quando  o  queixoso  mostra  a  falta,  embora  não  se 
prove  à  evidência,  mas  o  acusado  não  defenda  razoavelmente  o 
seu  proceder.  Se  foi  uma  só  das  partes  que  faltou,  pagará  essa ; 
se  faltaram  as  duas,  é  avaliado  o  prejuízo  resultante  de  uma  e 
de  outra  parte,  e  a  diferença  é  paga  por  um  ao  outro  mais  pre- 
judicado; em  ambos  os  casos  ha  multa  ou  custas  a  favor  do 
julgador. 

A  indemnização  pode  ir  desde  o  pagamento  de  uma  impor- 
tância mínima  até  à  perda  da  liberdade;  a  avaliação  dessa 
importância  depende  do  prejuízo  e  transtorno  causados  pela 
falta  do  contracto,  da  qualidade  da  pessoa  prejudicada,  da 
facilidade  ou  dificuldade  de  remediar  a  falta,  do  tempo  decorrido 
depois  de  cometida  a  falta,  mais  elevada  quanto  maior  o  inter- 
valo, da  habilidade  com  que  se  fizerem  valer  as  circunstâncias 
agravantes,  etc. 

Conhecem  como  moeda  as  notas  do  banco,  o  dinheiro  em 
prata  e  em  cobre,  bem  assim  como  o  franco,  quer  francês,  quer 
do  Congo  Belga. 

Como  medida  linear  conhecem  só  a  braça,  aplicável  a  tudo; 
no  entanto  tratando-se  de  tecidos  chamam  dóbela  à  jarda,  e 
como  múltiplos  desta  o  pano  e  o  cortado. 

Como  medidas  de  capacidade  conhecem  o  copo,  a  gaiata 
(5  '/a  a  7  decilitros)  e  o  garon  (galão)  de  cinco  ou  seis  gar- 
rafas. 

A  garrafa  de  aguardente  é  o  padrão  a  que  reduzem  todos 
os  outros  valores;  não  importa  saber  o  valor  em  moeda  desse 
líquido,  o  indígena  vende  uma  coisa  por  tantas  garrafas,  não 
quer  saber  quanto  custou  ou  vale  cada  garrafa.  Não  aceita  a 
troca  de  garrafas  por  dinheiro,  mas  tem  correspondências  de 
todos  os  valores  para  com  a  garrafa,  usando  de  frases  como 
estas;  um  copo  de  sabão,  uma  garrafa  de  tabaco,  etc. 

O  maior  valor  que  conhecem  é  a  espingarda,  isto  é,  o  que 
de  qualquer  género  de  comércio  corresponde  ao  valor  de  uma 
espingarda  ordinária  de  carregar  pela  boca,  antiga  lazarina,  ou 
suas  modernas  imitações. 


290  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


Os  julgamentos  a  que  os*  cabindas  chamam  meakno,  são 
levados  a  efeito  com  grande  aparato  e  variam  de  importância 
conforme  a  questão  a  julgar  e  da  autoridade  a  quem  se  recorre. 
Assim  recorrendo  a  uma  autoridade  gentílica  subordinada  em 
questões  de  menor  importância,  constitui  o  julgamento  no  que 
vulgarmente  se  denomina  puchar  a  palavra;  quando  porem  se 
recorre  a  um  príncipe  (fumo)  a  coisa  é  mais  séria  e  denoinina-se 
fundação.  A  marcha  geral  do  julgamento  é  a  mesma,  quer  se 
trate  de  puchar  a  palavra  quer  da  fundação;  em  qualquer  dos 
casos  pode  haver  recurso  da  sentença  para  outra  autoridade  de 
maior  hierarquia,  o  que  é  raro  porque  o  réu  com  receio  das 
avultadas  indemnizações  que  em  geral  tal  recurso  lhe  traz  eom 
a  sentença  se  conforma,  mesmo  que  se  não  convença. 

O  tribunal  é  constituido  pela  autoridade  gentílica  que  preside 
e  os  velhos  ou  outros  indígenas  considerados  de  bom  conselho. 

Quem  se  julgue  ofendido  nos  seus  direitos,  na  sua  propriedade, 
nos  seus  negócios,  etc,  se  não  é  escravo,  mulher  ou  creança, 
porque  nestes  casos  pertence  ao  senhor,  marido,  pai  ou  tio,  vai 
queixar-se  à  autoridade  —  um  príncipe  (fumo)  se  deseja  dar 
maior  importância  à  causa  —  que  tomando  conta  da  questão  que 
há-de  julgar  junto  da  sua  própria  casa,  fica  com  a  designação, 
especial  para  o. acto  de  fumi-kunzi.  Este  manda  chamar  a  outra 
parte,  depois  de  a  interrogar,  calcula  o  prazo  necessário  para  os 
contendores  obterem  as  provas  e  testemunhas  de  que  precisam, 
e  marca  o  dia  do  julgamento,  indicando  o  assunto  a  tratar. 
Muitas  vezes  incidentes  e  rabulices  fazem  protelar  o  dia  mar- 
cado, mas  o  fumo,  tendo  interesse  no  julgamento  pelos  proventos 
que  aufere,  corta  os  embaraços  e  termina  por  inexorável,  não 
consentindo  novo  adiamento. 

Com  bastante  antecedência  o  juiz  faz  avisos  ao  público  por 
meio  de  pregoeiros,  e  convida  directamente  os  indivíduos  de 
bom  conselho  que  hão  de  fazer  parte  do  tribunal.  Estes  confe- 
renceiam  entre  si  e  com  o  fumo  várias  vezes,  inteirando-se  sobre 
todas  as  minudências  do  caso,  procurando  recordar-se  de  outros 
semelhantes,  seu  julgamento  e  desfecho. 

Chegado  o  dia  famoso  —  escreve  Matos  e  Silva  —  ansiosamente 
esperado  começa  de  manhã  a  romaria  do  povo  para  o  local  de- 


DE   ANGOLA  291 

signado,  que  é  sempre  vasto  terreiro  junto  da  principal  habi- 
tação do  fumo  e  tendo  árvores  que  façam  sombra,  mas  pelo 
menos  uma  grande  árvore  junto  da  qual  se  constituirá  o  tribunal, 
assentando-se  o  presidente.  Esse  povo  é  constituído  pelos  dois 
sexos  e  de  todas  as  idades ;  assenta-se  todo  no  chão  em  semi-círculo 
de  concavidade  para  a  presidência,  deixando,  entre  esta  e  as 
várias  filas  que  forma,  um  espaço  amplo  onde  possam  livremente 
achar-se  todas  as  pessoas  que  são  chamadas  a  figurar  no  acto ;  as 
filas  da  frente  são  formadas  pelos  homens  mais  velhos  ou  de  maior 
posição  social,  e  logo  atrás  pelos  mais  novos  ou  menos  importantes ; 
os  rapazes  ficam  indistintamente  com  o  sexo  feminino  na  recta- 
guarda  do  elemento  masculino.  Raro  será  o  cabinda,  vivendo 
alguns  quilómetros  em  volta,  que  não  abandone  as  suas  ocupa- 
ções para  assistir  à  fundação,  porque  ainda  que  o  actual  caso, 
ou  qualquer  das  pessoas  nele  envolvidas,  não  o  interesse  de 
perto,  o  julgamento  sempre  serve  de  pretexto  para  não  trabalhar 
algum  tempo,  é  um  espectáculo  não  muito  vulgar,  e  pode  dar 
ensinamento  que  de  futuro  seja  proveitoso. 

As  autoridades  e  os  nobres  de  categoria  inferior  à  do  fumi- 
kunzi,  quer  seus  subordinados  quer  não,  não  deixam  também  de 
assistir,  mesmo  vindo  de  grandes  distâncias,  e  tomam  logares  à 
frente  do  povo  na  primeira  fila,  podendo  os  mais  graduados  ter 
assentos  fornecidos  pelo  juiz. 

Todo  este  auditório  fala  em 'voz  alta,  discute,  comenta,  infor- 
ma-se  produzindo  um  barulho  ensurdecedor  até  à  constituição 
do  tribunal;  mas  depois  faz- se  silêncio,  escuta-se  cuidadosamente 
o  que  se  passa  até  que,  com  o  decorrer  da  causa,  vai  aumentando 
o  entusiasmo,  acabando  por  haver  manifestações  a  favor  dos 
oradores,  sendo  preciso  chamar  à  ordem,  o  que  é  atribuição  do 
presidente  que  manda  tocar  um  tambor  indígena;  este  instru- 
mento é  também  empregado  para  advertir  que  vai  começar  o 
acto  solene,  ou  que  vai  recomeçar  depois  de  interrupção  no  mesmo 
dia  ou  em  dias  sucessivos. 

Durante  o  julgamento,  especialmente  quando  uma  testemunha 
faz  revelação  de  importância  ou  quando  um  orador  consegue 
arrebatar  o  auditório,  este  manifesta-se  repetidas  vezes  por 
exclamações  variadas  e  em  todos  os  tons;  como  muitas  vezes 
sucede  que  os  advogados,  discursando,  não  se  contentam  com 
chamar  a  atençãu  do  júri,  mas  ainda  fazem  consultas  directas 
aos  ouvintes,  estes  manifestam  a  sua  opinião  favorável  à  con- 
sulta, os  homens  repetindo  em  coro  a  última  palavra  da  frase 


292  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

do  advogado  e  dando  certas  palmadas,  as  mulheres  apenas  pelas 
palmas  e  só  acompanhando  as  dos  homens. 

Reunidas  todas  as  pessoas  que  devem  tomar  parte  no  julga- 
mento, passam  elas  a  ocupar  os  seus  logares  no  vasto  terreiro 
que  assim  vai  ficar  ocupado  formando-se  uma  figura  ovóide 
coberta  de  pretos,  havendo  apenas  espaços  livres  em  volta  dos 
autores  e  réus,  seus  advogados  e  testemunhas,  que  todos  se  co- 
locam por  grupos  entre  o  auditório  e  os  julgadores,  mas  de 
frente  para  estes  e  assentados  no  chão;  exceptuam-se  os  advo- 
gados que  geralmente  estão  de  pé,  virando-se  ora  para  um  lado 
ora  para  outro,  e  andando,  indo  conferenciar  com  os  seus  cons- 
tituintes, as  testemunhas,  o  júri  e  o  juiz. 

Do  lado  menor  do  ovóide  é  este  fechado  pelo  principe  julgador  e 
seus  ajudantes  ou  júri,  ficando  todos  à  sombra  da  árvore,  ou 
mesmo  debaixo  dum  coberto  em  forma  de  telhado  de  duas  águas, 
igual  aos  tectos  das  casas  indígenas,  que  tem  sido  construído  de 
propósito  para  tal  fim. 

O  fumi-kunzi  assenta-se  num  objecto  (muitas  vezes  cadeira  eu- 
ropeia) mais  elevado  do  que  qualquer  outro  dos  pretos  presentes; 
aos  seus  lados  tomam  assento  também  os  que  êle  chamou  para 
ajudarem  com  suas  luzes  o  julgamento  e  que  são  em  geral  velhos 
ou  pessoas  de  consideração,  bamukurunto,  ainda  mesmo  que  não 
sejam  nobres  ou  autoridades  (que  teem  preferência)  mas  nunca 
escravos.  Por  detrás  do  principe  e  de  pé,  estão  creados  seus,  ou 
súbditos,  a  quem  está  distribuído  o  papel  de  oficiais  de  deligên- 
cias;  não  me  pareceu  haver  agente  do  ministério  público  nem 
guardas  do  tribunal;  não  há  decerto  escrivães,  tudo  se  passa 
oralmente.  A  língua  falada  nas  fundações  (também  chamadas 
fundamentos)  ê  sempre  e  só  a  fióte  ou  indígena;  ainda  mesmo 
que  alguém  saiba  falar  outra  não  o  deve  fazer;  se  não  sabe 
falar  fióte,  diz  o  que  entende  ao  interprete  que  escolheu  para 
seu  advogado,  que  toma  o  nome  de  vikála-kâno,  e  este  repete 
em  língua  da  terra  o  que  lhe  parece,  acrescentando  o  que  for 
favorável  à  causa  que  adoptou  e  omitindo  o  que  pode  ser  desfa- 
vorável ou  que  é  contra  os  costumes  ou  leis  indígenas;  há  porém 
a  máxima  liberdade  de  palavra  fora  destas  restrições,  pode  em- 
pregar-se  qualquer  termo  que  não  será  tido  por  ofensivo  por 
mais  obsceno  que  seja;  pode-se  descer  a  todas  as  particulari- 
dades, ás  descrições  mais  minuciosas  e  escabrosas  das  scenas  mais 
íntimas  ou  repugnantes,  sem  empregar  perifrases.  Haja  contudo 
o  máximo  cuidado  em  não  usar  coisa  que  seja  ou  pareça  ofensa 


DE  ANGOLA  2§3 

ou  ching amento,  por  causa  das  más  consequências  que  daí  deri- 
vam, tudo  exactamente  como  na  palavra. 

O  presidente  da  reunião  marca  a  ordem  dos  trabalhos,  dá  a 
palavra  a  quem  ela  compete,  mantém  o  socêgo  e  respeito  no 
tribunal;  pode  acarear  testemunhas  a  pedido  dos  advogados  ou 
dos  membros  do  júri ;  estes  podem  fazer  perguntas  para  melhor 
se  esclarecerem  sobre  o  que  desejam;  os  advogados  podem  inter- 
rogar quaisquer  testemunhas,  falar  desenvolvidamente  a  favor 
dos  seus  constituintes  e  em  desabono  dos  contrários,  havendo  até 
réplicas  e  tréplicas. 

No  seu  longo  discurso,  cada  advogado,  tem  o  cuidado  de 
estender  o  mais  possível  as  conclusões  a  favor  da  causa  que 
defende;  será  tanto  mais  hábil  quanto  maior  fôr  o  número  de 
argumentos  favoráveis  que  do  mesmo  facto  puder  extrair;  esses 
argumentos  vão  sendo  ponderados  e  avaliados  pelos  julgadores 
e  de  cada  um  admitido  como  provado  e  probatório  o  presidente 
toma  nota.  Esta  nota  é  uma  coisa  curiosa;  não  há  argumento 
ou  prova  de  maior  ou  menor  valor  do  que  o  outro,  o  que  há  é 
o  número  de  argumentos  ou  de  provas  admitidos  depois  de 
examinados;  cada  uma  dessas  razões  será  representada  por  um 
pedacito  de  pau  que  o  fumi-hunzi  colocará  defronte  de  si,  mas 
do  lado  do  contendor,  a  quem  aproveite;  deste  modo  fácil  será, 
subtraindo  o  número  de  paus  de  um  lado  do  do  outro,  saber 
quem  perdeu. 

Exgotado  totalmente  o  assunto,  aduzido  tudo  quanto  lembrou 
de  ambos  os  lados,  chega  a  vez  ao  príncipe  de  beber  agua  com 
os  seus  conselheiros,  é  a  conferência  final;  cada  conferência 
interrompe  a  sessão,  por  ser  secreta,  e  pode  realizar-se  a  propó- 
sito de  cada  razão  apresentada  se  fôr  discutível  a  admissão  dela 
como  prova ;  pelo  que  percebi,  a  conferência  final  é  para  pon- 
derar, não  quem  venceu  a  questão,  mas  qual  o  castigo  a  arbitrar, 
qual  a  indemnização  a  pagar,  quais  as  custas  a  satisfazer;  rea- 
berta a  sessão,  é  publicada  a  sentença  o  que  se  chama  dar  rezão, 
mas  ela  não  terá  execução  antes  do  pagamento  das  custas  ou 
fiança. 

O  vencedor  retira-se  com  os  seus  partidários,  amigos  e 
parentes,  que  o  vão  aclamando;  depois,  toda  a  noite,  é  a  vitória 
festejada  com  danças  e  bebedeiras  na  aldeia  do  feliz  e  á  custa  dele. 

Como  já  tivemos  ocasião  de  vêr  admitem  a  prova  testemu- 
nhal, sendo  encarregado  de  escolher,  angariar  e  oferecer  as  teste- 
munhas o  interessado  que  para  isso  precisa  consultá-las  e  pagar- 


294  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

lhes  para  que  elas  aceitem  o  encargo.  Acontece  muitas  vezes 
que,  pagando-se  a  uma  testemunha  para  ela  dizer  só  parte  do  que 
sabe  e  convém  ao  interessado,  o  outro  contendor  pague  à  mesma 
testemunha  para  que  ela  diga  tudo  o  que  souber. 

Admitem  àlêm  da  prova  testemunhal,  as  provas  da  faca  quente 
e  da  kassa. 

No  que  diz  respeito  ã  primeira,  pondo-se  o  ganga  ao  facto 
do  caso  começa  este  preparando  a  cerimónia,  fazendo  uma 
pequena  cova  no  chão,  põe-lhe  dentro  um  seixo  que  consigo 
traz  e  faz -lhe  em  cima  lume,  aquecendo  a  faca. 

Emquanto  a  faca  aquece,  vai  o  ganga  falando  baixo,  tão 
baixo  que  nada  se  percebe,  deitando  apenas  pitadas  de  areia  no 
lume,  e  examinando  surrateiramente  o  que  se  passa  nas  fisiono- 
mias dos  assistentes  e  em  especial  daqueles  sobre  quem  recaem 
suspeitas. 

Então  o  ganga  dirige-se  ao  indigitado  ou  indigitados  como 
culpados,  e  no  alto  da  parte  externa  de  uma  das  pernas  de  cada 
um,  logo  abaixo  do  joelho,  traça  uma  circunferência  com  giz. 
Invoca  os  feitiços,  conta  resumidamente  a  história  do  caso,  e 
não  deixando  de  olhar  para  os  indigitados  que  marcou,  declara 
que  a  faca  irá  dizer  a  verdade,  porque  o  inocente  não  se  quei- 
mará, e  o  culpado  ficará  queimado. 

Os  pacientes  devem  repetir  os  finais  das  frases  do  ganga,  o 
que  os  obrigará  a  estar  com  toda  a  atenção  presa  ao  palavriado, 
e  portanto  deixando  melhor  transparecer  na  fisionomia  o  que 
se  lhe  passa  no  íntimo,  O  feiticeiro  toma  da  faca  pelo  cabo  cospe 
no  meio  do  círculo  marcado  pelo  giz  na  perna  de  cada  um,  e 
aplica-lhe  nesse  ponto  duas  a  cinco  pancadas  com  a  lâmina  da 
faca,  dadas  de  prancha  e  demorando  ou  não  o  contacto,  como 
entende;  se  a  pele  percutida  fica  menos  escura  do  que  a  restante, 
o  paciente  está  inocente,  se  a  pele  escurece  mais,  é  culpado. 

A  outra  prova  subsidiária  empregada  nos  julgamentos  pelos 
cabindas  é  a  da  kassa,  que  consiste  em  fazer  ingerir  ao  indigi- 
tado culpado  a  casca  de  um  vegetal,  reduzida  a  pó  pela  raspa- 
gem em  uma  pedra  áspera,  ou  pisando-a,  consentindo-se  ou  não 
a  ingestão  de  água,  quando  se  administra  a  casca,  conforme,  a 
gravidade  do  caso.  Asssim  tratando-se  de  caso  muito  grave, 
administra-se  a  kassa  com  a  água  contida  em  uma  pequena 
chávena,  quando  a  causa  a  julgar  não  é  de  tanta  importância, 
chega-se  a  dar  até  três  copos  de  água  para  ajudar  a  ingerir  a 
kassa. 


DE   ANGOLA  295 

Vomitar  a  hassa  é  prova  de  inocência,  não  a  vomitar  é 
prova  de  culpabilidade.  Quando  se  trata  de  questão  grave  a 
prova  produz  a  morte;  no  entanto,  muitas  vezes  a  morte  não 
chegaria  a  dar-se,  se  não  fosse  a  fúria  da  multidão  que  à  cace- 
tada acaba  aquele  cuja  morte  julga  próxima  e  inevitável. 

Em  geral  a  prova  faz-se  ao  nascer  do  sol,  e  o  efeito  vomitivo 
deve  produzir-se  de  forma  que,,  até  às  11  horas  ou  meio  dia, 
metade  da  porção  ingerida  tenha  sido  vomitada ;  a  outra  parte 
a  que  chamam  duli  leva  mais  tempo  a  sair,  acreditando  que  é 
esta  parte  que  mata  e  portanto  só  quando  "-ela  está  saída  é  que 
há  esperança  na  salvação  do  paciente. 

O  paciente  pode  fazer-se  acompanhar  pela  sua  família,  por 
feiticeiros  importantes,  que  assistirão  à  prova  como  fiscais  da 
regularidade  do  julgamento  e  para  destruir  a  acção  de  feitiços 
que  possam  comprometer  a  inocência  do  acusado. 

Emquanto  dura  a  cerimónia,  os  assistentes  cavaqueiam  e 
gozam  o  espectáculo,  e  os  criados  do  ganga  tocam  um  pequeno 
tambor  (mussaku)  e  cantam.  O  paciente  sentado  em  uma  esteira 
e  tendo  lavado  as  mãos  espera  que  o  ganga  que  toma  o  nome  de 
gola-kassa  prepare  a  casca.  Ingerido  o  pó,  o  paciente  deve 
passear  defronte  de  todos,  no  espaço  deixado  livre  para  a  ceri- 
mónia, mas  pode  sentar-se  de  quando  em  quando,  alguns  minutos. 
Nesta  ocasião  é  permitido  ao  paciente  falar,  licença  que  êJe 
aproveita  para  patentear  a  sua  inocência,  declarando  que  se  in- 
criminado está  a  casca  o  mate. 

Tratando-se  de  questões  de  pouca  importância,  se  passado  o 
tempo  próprio  para  vomitar,  não  vomita,  admitem  como  pro- 
vada a  culpabilidade  do  paciente  e  administram  lhe  remédios 
para  que  vomite,  o  que  em  geral  é  difícil,  ficando  o  paciente 
sofrendo  durante  algum  tempo,  ás  vezes  durante  anos. 

Vomitada  a  casca  no  tempo  próprio,  está  o  paciente  em  bom 
caminho  de  provar  a  sua  inocência,  deixa-lo  hão  então  dormir 
nessa  noite,  de  manhã  será  interrogado  pelo  gola-kassa,  a  que 
tem  de  responder  o  mais  alto  que  lhe  fôr  possível  e  com  voz 
bem  clara,  para  mostrar  que  está  bom,  chamando  a  esta  prova 
bila  kongo.  Assim  provada  a  inocência  do  acusado,  fica  este 
durante  algum  tempo  sujeito  a  um  regimen  especial.  Usará  um 
simples  pano  suspenso  à  cintura,  não  trabalhará  durante  um  certo 
número  de  meses,  tomará  banho  todos  os  dias,  terá  de  rapar  o 
cabelo  e  pintar-se  com  tacula,  e,  nos  tornozelos,  usará  um  amuleto 
dedicado  ao   lunga.    Levará   assim  uma  vida  regalada  na  sua. 


296  K^ÍJLAÇÕES  INDÍGENAS 

cubata,  visitado  e  tratado  por  mulheres,  não  admirando  que 
engorde  mais  que  o  costume,  chegando  a  parecer  melhor  do 
que  era,  e  cujos  efeitos  atribuem  à  kassa. 

Não  obstante  a  crença  geral  nos  efeitos  da  kassa  ser  tão 
arreigada  que  muitos  pedem  para  se  sujeitarem  voluntariamente 
a  esta  prova,  não  deixam  de  com  promessas  e  presentes,  dispor 
o  ganga  a  seu  favor. 

Parece  que  ha  duas  espécies  de  casca  empregadas  na  prova, 
uma  que  mata  e  outra  que  só  faz  vomitar,  ou  pelo  menos  empre- 
gam-se  juutamente  com  a  mesma  casca  outras  raízes  ou  vegetais 
para  a  reforçar  ou  neutralizar,  dependendo  tudo  do  feiticeiro 
pelo  que  é  conveniente  comprá-lo,  vencendo  quem  mais  paga. 
Assim  parece  que,  estando  resolvido  o  dia  e  local  em  que  dado 
paciente  tomará  kassa,  chama-se  o  feiticeiro  que  vem  para  ali 
de  noite  um  ou  dois  dias  antes,  instalando-se  numa  cubata 
isolada. 

Com  todos  os  cuidados  para  não  levantar  suspeitas,  o  repre- 
sentante de  uma  das  partes  vai  oferecer  fazendas  ao  ganga  para 
lhe  ser  favorável  ao  seu  partido ;  este  ouve  o  pretendente,  recebe 
o  que  se  lhe  dá  e  despede-o  depressa,  para  dar  ocasião  a 
que  os  contrários  venham,  que  efectivamente  não  se  fazem 
esperar.  Toda  a  noite  se  leva  em  correrias  para  a  cubata  do 
ganga,  com  presentes  e  promessas,  chegando  este  a  dizer  a  um  ofe- 
rente  que  já  teve  maior  oferta  dos  contrários,  e  sucedendo  que  o 
representante  de  um  partido  está  escondido  esperando  que  acabe 
a  conferência  do  ganga  com  o  do  outro  para  então  entrar.  No 
entanto  toda  a  gente  sabe  que  se  procede  assim  em  todos  os 
casos  em  que  se  administra  a  kassa}  a  maior  parte  do  povo  crê 
na  veracidade  da  prova. 

Perdida  a  questão  mas  salva  a  vida  tem  a  parte  condenada 
de  se  sujeitar  às  custas  e  mais  despezas  inerentes  à  sentença ; 
caso  o  condenado  tenha  morrido  durante  a  prova,  é  a  família 
a  responsável  pelas  despezas  da  sentença. 

Em  geral  nem  só  o  condenado  tem  de  pagar,  o  queixoso  ao 
autor,  igualmente  lhe  cabem  despezas  que  tem  de  satisfazer 
porque  enquanto  não  forem  pagas  todas  as  despezas,  ou  pelo 
menos  se  dê  penhor  ou  fiadores  que  as  garantam,  não  é  proferida 
a  sentença. 

Todos  os  que  interveem  no  julgamento  teem  quinhão,  mas  a 
parte  de  leão  pertence  ao  presidente,  autoridade  gentílica  ou 
príncipe  sendo  tanto  maior  quanto  maior  é  a  sua  categoria* 


DE  ANGOLA  297 

Quando  a  sentença  absolve  o  condenado  por  se  provar  a  sua 
inocência,  cabe  a  este  a  vez  de  chamar  perante  a  justiça  o  acu- 
sador, que  é  então  condenado  e  tem  de  pagar  todas  as  despezas 
feitas  e  até  uma  multa,  que  nunca  é  inferior  a  dez  cortados  e 
um  galão  de  aguardente,  e  que  tratando-se  de  indivíduos  de 
família  nobre  e  especialmente  se  o  é,  então  a  multa  é  de  arrazar, 
chegando  a  ser  escravizadas  famílias  inteiras  como  penhor  do 
pagamento  da  enorme  quantia  arbitrada  como  multa. 

II 
KAKONGOS 

Os  usos  e  costumes  da  tríbu  Kakongo  são  em  tudo  idênticos 
aos  da  tríbu  Cabinda,  salvo  no  que  diz  respeito  à  organização 
política,  motivo  porque  em  separado  só  desta  tratamos  para  os 
Kakongos. 

Os  territórios  ocupados  pelos  Kakongos  constituem  uma 
espécie  de  reino  governado  por  um  chefe  electivo  que  por  muito 
tempo  residiu  com  os  seus  ministros  em  Kingele,  sendo-lhe 
vedado  ver  a  água,  não  podendo  por  isso  vir  ao  litoral  nem  às 
margens  do  rio. 

Esta  curiosa  proibição  feita  ao  rei  pelo  «Ganga»  (curandeiro) 
tem  uma  explicação  que  a  coaduna  bem  com  o  retrato  moral 
dos  habitantes  de  Kakongo,  que  é  a  seguinte:  o  rei  de  Kakongo 
por  cada  navio  que  abordava  à  costa  nos  seus  domínios,  recebia 
um  imposto  chamado  m'bico,  por  intermédio  dos  seus  minis- 
tros, imposto  que  era  constituído  na  maior  parte  dos  casos,  por 
aguardente,  pólvora,  tabaco  e  outras  mercadorias,  principal- 
mente fazendas,  e  o  qual  era  transportado  para  a  capital  pelos 
referidos  ministros.  É  claro  que  o  imposto  chegava  sempre 
reduzido  a  menos  de  metade,  e  como  o  rei  não  conhecia  a  sua 
totalidade,  satisfazia-se  com  o  que  lhe  entregavam. 

O  rei  fazia-se  cercar  dos  seguintes  ministros: 

Mangove  —  Ministro  dos  negócios  estrangeiros  e  chefe  do 
protocolo ; 

Maniputo  —  secretário  do  Mangove ; 

Makaka —  Ministro  da  guerra  e  general  em  chefe  do  exército; 

Mani-Banza  —  Ministro  da  fazenda  e  o  encarregado  de  rece- 
ber os  impostos  e  de  fazer  os  pagamentos; 

Manibéle  —  É  o  mensageiro  do  rei  junto  dos  diversos  chefes 
20 


â9Ô  ÊOtULAÇOES  INDÍGENAS 

e  tinha  como  distintivo  a  chimpaba,  uma  faca  de  prata  Com  45 
a  50  centímetros  de  comprimento  por  dois  de  largura. 

Makimba  —  Ministro  do  fomento.  Tinha  superintendência 
sobre  os  rios  e  florestas. 

Mafuca  —  Ministro  do  comércio  e  como  tal  dos  mais  impor- 
tantes personagens  do  estado.  É  ó  encarregado  de  receber  os 
impostos  rríbico  e  contribuições  lançadas  sobre  os  europeus  que 
comerciavam  nos  domínios  do  seu  rei  e  o  encarregado  de  fisca- 
lizar a  permuta  entre  europeus  e  indígenas. 

Além  destes  ministros,  cada  aldeia  tinha  o  seu  chefe  ou 
MyFumn.  Ainda  hoje  existem  estes  chefes  de  povos  ou  M'Fumu- 
Bnála,  que  salvo  raras  excepções,  não  dispõem  já  de  prestígio 
algum,  e  que  se  limitam  a  cumprir  as  ordens  dos  sobas. 

Por  morte  do  rei  trata-se  de  eleições  do  novo  soberano. 
Como  acto  preliminar,  era  preciso  ver  se  existiam  na  terra  os 
representantes  do  NZambi  Wpungo  (Deus  creador  de  todas  as 
coisas)  e  que  delegou  os  seus  poderes  em  três  ídolos  que  presi- 
diam: um  aos  mares,  outro  aos  rios,  e  outro  às  florestas,  fazen- 
do-se  representar  na  terra  por  três  gangas,  espécie  de  sacer- 
dotes da  religião  «fiote». 

O  homem  que  ia  ser  coroado  rei,  devia  ser  um  negro  boçal 
e  sem  luzes  de  civilização,  devia  ser  apresentado  por  uma  das 
mais  importantes  famílias. 

Uma  outra  família  apresentava  o  Mamboma  (ministro  da 
guerra,  representante  da  força),  que  devia  ter  muita  gente 
armada  e  que  era  quem  verdadeiramente  governava. 

Uma  vez  descobertos  os  Gangas,  o  futuro  rei,  era-lhes  entre- 
gue, e  por  eles  levado  a  uma  floresta  onde  devia  fazer  uma  con- 
fissão de  todos  os  actos  da  sua  vida. 

Uma  das  clausulas  para  que  o  homem  pudesse  ser  rei  era  a 
de  nunca  ter  visto  sangue  de  outrem,  e  nunca  ninguém  ter 
visto  o  seu  sangue.  Quer  dizer :  nunca  devia  ter  sido  ferido 
nem  devia  ter  ferido  ninguém. 

Depois  da  confissão  entrava  então  nos  três  feitiços  da  terra : 
Lemba  Fungi  e  Bumba,  devendo  ter  para  cada  um  uma  mulher. 
As  mulheres  do  rei  conheciam-se  por  três  longas  costuras  de 
três  golpes  no  peito.  O  príncipe  daqueles  três  feitiços,  era  o 
Lemba  e  conheciam-se  os  indígenas  que  o  tinham  por  uma 
Malunga  (pulseira)  de  cobre,  lavrada  com  uns  desenhos,  um 
dos  quais  se  assimilhava  a  uma  cara.  Esta  Malunga  não  po- 
dia ser  de  outro  metal  senão  cobre,  podendo  porém  ser  grossa 


Í)É    ANGOLA  299 

ou  fina.  Depois  do  rei  se  ter  iniciado  nos  três  feitiços,  se  ainda 
o  não  estava,  e  de  ter  feito  a  confissão,  era  levado  pelos  Gangas 
a  um  lago  onde  o  banhavam.  Este  banho  representava  a  lavagem 
das  impurezas  morais  do  que  ia  ser  rei,  e  só  depois  apresentado 
por  Mamboma  ao  povo  e  nessa  ocasião  coroado.  São  então  no- 
meados os  seus  ministros  entre  os  quais  o  Ma  N}buco  que  tem 
como  distintivo  uma  Chimpaba  (faca)  de  cerca  de  30  centímetros 
de  comprimento  e  que  exerce  a  justiça  e  resolve  as  palavras 
(questões);  o  título  de  Ma  N'buco  equivale  ao  título  de  conde 
que  por  vezes  era  também  concedido  a  pessoas  ricas  e  nobres. 

O  rei  de  Kakongo  chamava-se  Makongo.  Parece  que  este 
prefixo  Ma  queria  indicar  a  autoridade  ou  nobreza  pois  que 
WGoio  é  Cabinda,  Mangoio,  rei  de  Cabinda,  Loango  é  Loango, 
Maloango,  rei  de  Loango,  Bonde  (norte  de  Loango)  Mabonde, 
rei  de  Mabonde.  Mesmo  nas  pessoas  nobres  se  encontra  este 
prefixo.    Ma  Suami,  Ma  Pucuta,  Ma  Benza,  etc. 

Depois  da  coroação  o  rei  era  levado  a  passear  pelos  seus 
estados  acompanhado  pelos  seus  ministros,  recebendo  nessa  oca- 
sião presentes  dos  príncipes  que  os  governavam. 


CAPÍTULO  XII 
MAIOMBES  (*). 

Os  Maiombes  ocupam  a  região  limitada  ao  norte  e  leste  pelo 
Congo  Francês  e  ao  oeste  sul  e  sudeste,  respectivamente  pelos 
rios  Luali  e  Luango  Luci. 

O  Nome  Maiombe  parece  provir  do  nome  dos  povos  que 
habitavam  a  região  N'Zala,  conhecida  por  Iombe  (escravo). 

Os  maiombes  são  descendentes  dos  povos  que  vindo  do 
oriente,  como  todos  os  outros  da  raça  Negra,  tornearam  o  rio 
Zaire  e  alcançaram  a  costa  ocidental  de  Africa  ao  norte  do 
mesmo  rio.  Está  igualmente  averiguado  que  estes  povos  pouco 
ou  nenhum  contacto  teem  tido  com  os  Bavili,  e  que  não  sofreram 
a  influência  dos  povos  do  sul  do  Zaire  e  portanto  não  estiveram 
subordinados  ao  rei  do  Congo. 

Os  habitantes  de  Maiombe,  são  de  pequena  estatura  sendo  a 
média  tirada  de  cem  indivíduos,  de  1,55  para  os  homens  e  de 
1,50  para  as  mulheres.  A  cabeça  é  redonda,  nariz  curto  e  largo, 
lábios  grossos,  e  um  pouco  revirados,  fronte  curta,  os  dentes 
salientes,  cabelos  lanosos,  quási  nenhuma  barba,  e  o  queixo 
retraído.  O  tronco  em  geral  é  estreito,  e  os  braços  proporcional- 
mente um  pouco  mais  compridos  que  as  pernas.  A  cavidade 
óssea  da  bacia  é  muito  estreita  mas  é  larga  no  sentido  do  osso 
sacro  o  que  torna  para  as  mulheres  mais  fáceis  os  partos. 

O  pé  é  chato;  a  pele  muito  porosa  e  exalando  um  cheiro 
nauseabundo.  Em  geral  o  seu  temperamento  é  linfático;  o  andar 
é  vagaroso  e  essencialmente  preguiçoso.  Os  membros  são  frouxos 
e  as  carnes  moles  e  flácidas.    Pouca  sensibilidade.    O  maiombe  é 


(l)  —  Os  elementos  para  o  estudo  desta  tríbu  foram  fornecidos  pelo 
administrador  sr.  Gama  Ochôa. 


302  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

inteligente  e  possui  uma  memória  boa.  Inventa  muitas  vezes 
histórias  que  conta  com  tão  grande  naturalidade  e  com  tais 
pormenores  como  se  fossem  verdadeiras,  possuindo  uma  extra- 
ordinária verbosidade.  É  um  grande  observador,  racionando 
sempre  com  calma  e  mostrando  sempre  muito  bom  senso.  As 
perguntas  que  lhe  são  feitas,  responde  sempre  de  modo  a 
agradar  ao  seu  interlocutor  sem  se  importar  da  verdade.  É 
mentiroso  por  excelência,  mas  nunca  responde  sem  primeiro  ter 
procurado  a  intenção  do  que  o  interroga.  Outras  vezes  responde 
com  evasivas  ou  interpretando  a  pergunta  a  seu  bel  prazer  e  do 
modo  que  mais  lhe  convêm. 

Fala  com  extrema  facilidade  adequando  à  palavra  o  gesto, 
que  por  vezes  é  elegante,  correspondendo  sempre  à  ênfase  ou  à 
doçura  da  frase.  Possui  um  jogo  fisionómico  soberbo,  sendo 
capaz  de  representar  todas  as  nuances  da  escola  sentimental  sem 
que  sinta  qualquer  delas.  De  constituição  débil,  a  sua  arma 
predilecta  é  a  astúcia. 

É  paciente,  e  pouco  sensível  às  dores.  Resiste  com  facilidade 
a  marchas  longas  mesmo  sem  se  alimentar  e  carregando  20  ou  30 
kilogramas.  A  sede,  principalmente  quando  o  calor  é  forte, 
encomoda-o  deveras,  não  podendo  passar  por  qualquer  ribeiro 
sem  beber  água.  Quando  nas  horas  de  calor  atravessa  regiões 
onde  não  há  água,  chupa  pedaços  de  raizes  de  Massiço.  Marcha 
com  o  corpo  direito  e  quando  descança  raras  vezes  se  deita.  A 
sua  posição  predilecta  para  descançar  é  assentada. 

O  trajo  limita-se  a  um  pouco  de  pano  que  enrola  à  cintura, 
caindo-lhe  até  ao  joelho  e  seguro  por  uma  correia  ou  por  uma 
m'singa  (cordel). 

Não  usa  chapéu  ou  qualquer  outra  cobertura  na  cabeça  mesmo 
quando  marcha  sob  o  mais  ardente  sol.  Só  o  soba  ou  chefe  do 
povo  usa  boné  feito  de  fio  de  vela  que  adquire  ao  comerciante, 
ou  ainda  de  fibra  de  ananaz  ou  de  matoba.  Por  cima  deste  boné 
põe  muitas  vezes  um  chapéu  alto,  um  bicornio  ou  qualquer  outro 
chapéu  extravagante.    O  Maiombe  anda  sempre  descalço. 

O  Maiombe  possui  de  uma  maneira  muito  completa  as  noções 
religiosas.  Crêem  num  deus  mas  entregam-se  excessivamente  à 
prática  do  fetichismo.  Todos  os  feitiços  estão  subordinados  ao 
N'Zambi,  e  tudo  quanto  não  souberem  explicar  respondem  com 
a  frase  «Samu  dia  Zambi»  (negócios  de  deus).  Cada  feitiço  porem 
tem  o  seu  poder.  Assim  há  feitiços  para  o  bom  êxito  na  caça, 
para  a  chuva,  para  o  feliz  parto,  outros  que  preservam  o  seu 


DE   ANGOLA  303 

possuidor  contra  várias  doenças,  etc.  Uma  vez  porem  que  o 
feitiço  nega  ao  seu  possuidor  o  que  lhe  pede,  é  posto  de  parte. 
Se  um  europeu  ou  um  extranho  mexe  num  feitiço,  este  perde  o 
seu  poder  e  é  igualmente  posto  logo  de  parte. 

Estes  idolos  podem  dividir-se  em  três  categorias  a  saber : 

1.°  —  Os  grandes  feitiços. 

2.° — Os  feitiços  das  povoações. 

3.°  —  Os  feitiços  domésticos. 

Os  grandes  feitiços  são  em  geral  segredo  dos  N'Gandas,  que 
os  empregam  na  cura  das  doenças.  Eis  o  Vambi  do  Malazi. 
Compõe-se  de  um  cesto  de  verga  tendo  dentro  uma  grande 
quantidade  de  ovos,  conchas,  cinzas,  M'Bonze,  (fruto  de  M'Bonze) 
e  vários  outros  objectos  tudo  embrulhado  numa  infinidade  de 
lenços  de  variadas  cores.  Serve  este  feitiço  para  a  cura  da 
doença  do  sono,  TChimbuca.  Serve  para  tornar  corcunda 
aquele  contra  quem  se  bate  o  prego  no  feitiço. 

Chama-se  «bater  o  prego  no  feitiço»  pregar  um  prego  numa 
figura  de  madeira,  umas  vezes  com  a  forma  humana  outras  com 
a  forma  de  animais  fantásticos,  e  que  em  geral  é  um  feitiço  da 
povoação  e  que  são  conservados  em  uma  pequena  cubata  e  de 
cuja  guarda  está  encarregada  uma  pessoa  da  povoação  indicada 
pelo  chefe,  sendo  o  único  responsável  pelo  feitiço  e  recebendo 
em  troca  os  presentes  que  lhe  dão  aqueles  que,  recorrendo  ao 
feitiço,  obtiveram  bons  resultados. 

Um  escultor  qualquer  faz  os  feitiços  mas  é  só  o  feiticeiro  e  o 
seu  proprietário  que  lhe  dão  o  poder.  Por  vezes  os  rochedos  e 
troncos  com  formas  caprichosas  e  extravagantes  são  objecto  de 
culto.  Os  idolos  domésticos  são  muito  numerosos  e  a  toda  a 
necessidade  preside  sempre  um  feitiço,  tendo  cada  indivíduo  o 
seu  para  a  mesma  necessidade.  Um  Yombe,  por  exemplo,  sai 
para  a  caça  ou  para  qualquer  outra  região,  onde  se  conta  demorar 
alguns  dias,  fecha  a  porta  da  sua  cubata,  atravessando-lhe  um 
pau  na  porta  ou  colocando-lhe  à  entrada  um  ramo  ou  uma  folha 
de  palmeira.  Fica  assim  seguro  que  ninguém  lhe  entrará  em 
casa  por  que  ela  está  protegida  pelo  feitiço  que  bem  patente 
deixou  na  porta  da  casa. 

E  vulgar  ver-se  nas  plantações  indígenas  um  pau  sobre  o 
qual  colocam  um  boneco  de  trapos,  ou  uma  panela  velha,  um 
jarro  quebrado  ou  qualquer  outro  objecto  semelhante  o  que 
representa  um  feitiço  ali  colocado  pelo  dono  da  plantação  e  que 
assim  está  seguro  que  não  será  roubado. 


304  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

O  Mayombe  teme  os  feitiços  das  outras  tríbus  por  que  é  muito 
supersticioso. 

Eis  o  que  se  nos  oferece  deixar  exposto  acerca  do  estudo 
etnográfico  desta  tríbu,  por  quanto,  os  restantes  usos  e  costumes 
se  podem  considerar  idênticos  aos  das  tríbus  Bavili, 


CAPÍTULO  XIII 
MUSSIIRONGOSC) 

(Asolongo) 

I.  —  Dos  caracteres  etnográficos  gerais 

Situação  geográfica  desta  tríbu.  —  Sua  Ori- 
gem. —  População. 

Os  Mussurongos  ocupam  a  vasta  região  da  província  margi- 
nando o  sul  do  rio  Zaire,  limitada  ao  norte  por  aquele  rio  a 
oeste  pelo  oceano  atlântico,  a  leste  pelo  rio  Mpozo,  seguindo 
depois  aproximadamente  o  paralelo  da  nascente  deste  rio  e  ao 
sul  pelas  tríbus  Iembe  e  Libongo. 

Os  mussurongos  são  descendentes  dos  povos  que  invadiram  a 
província  pelo  norte  e  a  que  já  tivemos  ocasião  de  nos  referir, 
não  tendo  conhecimento  de  qualquer  tradição  especial  por  eles 
contada. 

São  bem  constituídos  e  resistentes,  joviais  e  expansivos,  co- 
bardes e  traiçoeiros,  sem  amizade,  dedicação  e  compaixão  por  ou- 
trem. 

Não  praticam  a  tatuagem,  nem  a  deformação  do  crâneo,  do 
nariz,  das  orelhas  ou  dos  lábios. 


(')  Colaborou  no  estudo   desta  tríbu  o  sr.  Francisco   Rodrigues  de 
Castro. 


306  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


II.  — -  Da  vida  material  e  intelectual 

Cuidados  dados  ao  corpo.  —  Vestuário.  — 
Habitação.  —  Alimentação.  —  Meios  de 
existência. —  Artes,  seiências  e  faculda- 
des intelectuais. 

A  estes  povos  não  lhes  merece  cuidado  algum  a  higiene  do 
corpo. 

Na  sua  maioria  sabem  nadar,  sendo  um  divertimento  quando 
novos. 

Não  teem  um  tipo  característico  de  penteado,  usando  o  cabelo 
cortado  rente  com  tesoura,  no  entanto  em  certa  época  do  ano 
deixam-no  crescer,  penteando-o  com  pente  de  madeira,  não  fazendo 
emprego  de  óleos.  Tanto  as  mulheres  como  os  homens  costumam 
rapar  à  navalha  os  cabelos  da  púbis,  e  dos  sovacos,  parece  que 
para  assim  evitarem  os  parasitas. 

Quanto  ás  unhas  usam-nas  cortadas  rentes. 

São  de  ordinário  madrugadores,  deitando-se  cedo;  é  muito 
raro  dormirem  de  dia. 

Não  existe  entre  os  povos  desta  tríbu  a  tatuagem,  como  já 
dissemos,  há  no  entanto  o  costume  de  pintarem  o  corpo  com 
tacula,  em  determinadas  ocasiões,  vestindo  então  panos  tingidos 
com  a  mesma  tacula. 

* 

O  vestuário  dos  mussurongos  consiste  em  panos,  que  são  co- 
sidos por  eles  próprios  e  usados  como  temos  descrito  para  as 
outras  tríbus  alguns  havendo  já  que  vestem  casacos,  coletes  e 
camisas  e  na  cabeça  usam  chapéus,  barretes  e  bonets,  objectos 
que  compram  ao  comércio  europeu. 

Como  adorno  usam,  homens  e  mulheres,  argolas  nas  orelhas, 
fabricadas  de  cobre,  latão,  estanho  e  até  de  prata,  bem  assim 
como  igualmente  usam  por  luxo  e  ostentação  argolas  de  diferentes 
dimensões  e  dos  mesmos  .metais,  nos  tornozelos  a  que  chamam 
Malungas. 

Os  possuidores  dos  adornos  de  prata  são  considerados  gente 
abastada  e  para  a  sua  confeição  fundem  moedas,  de  preferência 
shillings  que  obtêem  a  bordo  dos  navios  ingleses  em  troca  de 
frutas,  legumes,  aves,  em  especial  papagaios,  etc.     Ao  pescoço 


DE  ANGOLA  307 

usam,  tanto  homens  como  mulheres,  colares  de  contas  de  coral 
fino,  os  abastados  e  os  pobres  contas  coloridas  de  vidro,  mis- 
sangas. 


O  tipo  de  habitação  é  a  cubata,  construida  de  colmo,  de  forma 
rectangular,  algumas  barreadas  tanto  interiormente  como  exte- 
riormente, tendo  na  maioria  uma  só  divisão,  e  todas  a  sua  porta 
e  algumas  delas  janelas. 

Não  teem  estes  povos  preferência  na  escolha  de  lugares  para 
a  construção  das  habitações,  assim  como  não  há  cerimónias  pre- 
paratórias, nem  consultam  o  feiticeiro. 

O  mobiliário  consiste  apenas  em  uma  tarimba  a  que  dão  o 
nome  de  n'fulo,  onde  colocam  as  esteiras  e  luandos  que  servem 
de  cama. 

Não  é  costume  haver  iluminação  nas  suas  habitações  a  não 
ser,  emquanto  de  noite  preparam  a  comida,  a  produzida  pelo 
fogo  da  cosinha. 

No  tempo  do  frio,  para  se  aquecerem,  fazem  uso  de  fogueiras 
fora  das  casas  e  no  interior  delas  conservam  durante  a  noite  toros 
de  madeira  a  arder. 

# 


A  base  de  alimentação  é  mixta,  predominando  todavia  a  ali- 
mentação vegetal. 

Fazem  uso  de  carne  e  sobretudo  de  peixe  que  teem  em  abun- 
dância em  virtude  de  uma  grande  parte  dos  mussurongos  se 
dedicar  à  pesca,  tanto  no  mar  como  nos  rios. 

Os  únicos  alimentos  que  comem  crus  é  a  mandioca  com  gin- 
guba  ou  com  castanhas  de  dendem  (coconote),  sendo  todos  cosi- 
dos, assados  e  guisados,  empregando  como  temperos  o  sal  — 
proveniente  das  suas  salinas  ou  comprado  a  troco  de  géneros 
coloniais  ao  comércio  europeu  —  e  o  azeite  de  palma,  e  como 
picantes  o  gindungo  com  que  preparam  as  muambas  (molhos). 
Como  sucede  com  as  restantes  tríbus  da  raça  negra  o  prato  de 
resistência  e  obrigatório  é  constituido  pelas  papas  ou  massa  que 
denominam  funfo  ou  ndiba  de  farinha  de  mandioca. 

Não  fazem  uso  do  leite  nem  dos  seus  derivados,  assim  como 
do  açúcar. 


308  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

A  sua  bebida  predilecta  é  o  malavo,  fabricado  da  seiva  ex- 
traída das  palmeiras  do  dendem,  do  bordão  e  das  matebeiras 
que  servem  depois  de  fermentada,  assim  como  apreciam  muito 
os  nossos  vinhos  e  todas  as  bebidas  alcoólicas  de  importação. 

Não  teem  número  regular  de  refeições  por  dia,  sendo  os  ali- 
mentos de  ordinário  preparados  pelas  mulheres  e  muitas  vezes 
pelos  homens.  As  refeições  são  tomadas  em  família  e  em  comum, 
comendo  no  entanto  os  homens  separados  das  mulheres.  Os 
escravos  mais  considerados  comem  juntos  com  os  seus  senhores. 

Os  alimentos  são  preparados  dentro  de  um  compartimento  da 
cubata  ou  ao  ar  livre,  colocando  as  panelas  sobre  três  pedras. 

Fazem  estes  povos  uso  dos  fósforos  para  produzir  o  fogo, 
conservando  constantemente  troncos  de  árvores  secas  a  arder. 

Os  homens  e  as  mulheres  na  sua  maior  parte,  cheiram  o  ta- 
baco (rapé),  atribuindo-se  este  uso  à  convivência  em  certa  época 
com  os  missionários.  Só  algumas  pessoas  idosas  fumam,  repu- 
gnando-lhes  em  geral  o  cheiro  do  tabaco. 

Não  existe,  nem  nunca  existiu  a  antropofagia,  assim  como 
não  existe  a  geofagia. 

Os  povos  desta  tríbu  teem  os  seus  celeiros  particulares,  cons- 
tando de  quatro  paus  espetados  no  chão  com  um  estrado  em  cima 
feito  de  bordões  ou  empélas  de  palmeira,  sobre  a  qual  arrumam 
os  sacos  contendo  os  ceriais. 


# 
# 


Quem  se  ocupa  dos  trabalhos  agrícolas  é  exclusivamente  a 
mulher  em  campos  cultivados,  constituindo  as  principais  culturas 
as  de  mandioca,  batata  doce,  ginguba,  gergelim,  milho,  feijão, 
abóboras,  inhame,  etc.  Os  produtos  são  para  consumo  próprio  e 
para  venderem  nos  mercados  (quitandas),  tratando  cada  família 
da  sua  lavra. 

Não  empregam  adubos  nem  regas  e  os  instrumentos  agrícolas 
constam  da  enchada  e  do  machadinho. 

O  trabalho  dos  campos  é  feito  no  princípio  da  época  das  chuvas. 

Dedicam-se  à  criação  de  animais  domésticos  tais  como  galinhas, 
porcos,  carneiros,  e  cabritos. 

Não  são  caçadores;  apenas  um  ou  outro  munido  de  uma 
espingarda  de  espoleta  dá  caça  ás  lebres,  perdizes,  pombos  verdes, 
galinhas  bravas,  javali,  antílopes,  etc.  Também  empregam  arma- 


DE  ANGOLA  309 

dilhas  para  caçar  assim  como  adestram  alguns  cães.  Àlêm  da 
espingarda  trazem  sempre  consigo  facas  em  bainhas  presas  à 
cintura  e  muitos  deles  usam  uma  navalha  de  barba  para  defesa, 
com  a  qual  em  lutas  ferem  o  adversário. 

Os  mussurongos  dedicam-se  muito  à  pesca;  embarcam  dois 
ou  três  em  uma  canoa  formada  de  um  tronco  de  mafumeira 
escavado  interiormente,  pescam  toda  a  qualidade  de  peixe  que 
abunda  no  mar  ao  longo  da  costa,  servindo-se  para  isso  de  anzol 
e  da  tarrafa  para  o  que  reúnem  duas  canoas,  borda  a  borda,  cosidas 
com  lianas  por  forma  a  manter  a  estabilidade.  Nos  rios  pescam 
em  canoas  ou  pirogas  com  os  mesmos  instrumentos,  fazendo 
também  uso  de  armadilhas,  formadas  de  troncos  de  árvores, 
algumas  tão  fortes  que  quando  colocadas  em  certos  canais  chegam 
a  caçar  o  hipopótamo. 

Os  povos  desta  tribu  fabricam,  para  seu  uso,  à  mão  e  de 
fibras  de  várias  plantas  textis,  ainda  que  pouco,  um  tecido  a 
que  dão  o  nome  de  mabela. 

Empregam-se  também  as  mulheres  no  fabrico  de  cestos  (quin- 
das)  de  mateba,  que  servem  para  condução  dos  ceriais,  assim 
como  no  de  cordoaria  da  mesma  mateba,  do  liconde  ou  de  fibras 
de  imbondeirp. 

Fazem  trabalhos  de  olaria:  panelas,  bilhas,  cântaros  para 
condução  de  líquidos,  que  cozem  em  fogueiras  de  mato  seco. 

Servindo-se  como  matéria  prima  de  arcos  de  ferro  dos  fardos 
das  fazendas,  forjam  e  fabricam  facas,  machetes,  enchadas  e 
outros  instrumentos. 

Em  madeira  fabricam  pratos,  escudelas,  colheres,  pás  para 
remarem,  assim  como  canoas  ou  pirogas,  servindo-se  para  estes 
trabalhos  apenas  da  faca  e  do  machado. 

Não  usam  a  moagem;  para  reduzirem  a  farinha  o  milho  e  a 
mandioca  seca  servem-se  do  pilão. 

A  linguagem  dos  Mussurongos  é  o  Kissolongo,  dialecto  do 
Kikongo  que  é  a  língua  falada  pela  maioria  das  populações  negras 
do  baixo  Congo. 


310  POPULAÇÕES   INDÍGENA^ 

Se  tomarmos  em  atenção  os  prefixos  com  que  se  forma  O 
plural  dos  nomes,  deixando  à  conta  de  excepções  os  poucos  que  não 
seguem  estas  regras,  podemos  dividi-los  nas  dez  classes  seguintes : 

1>  CLASSE 
PREFIXO  DO  SINGULAR  Mil,  M,  N  —  PLURAL  a 

Desta  classe  apenas  fazem  parte  os  nomes  de  pessoas  ou  seres 
racionais.  Ex. :  Munto  (pesspa) ;  Anto  (pessoas) — Muvuidi  (rema- 
dor);  Avuidi  (remadores) — Nkentu  (mulher);  Akentu  (mulheres). 

2.a  CLASSE 

prefixo  do  singular  Mu  (m,  n,  duros  e  fixos) 
—  plural  mi  (ante-posto). 

Nesta  classe  compreendem-se  todos  os  nomes  que  tendo  o 
prefixo  do  singular  idêntico  ao  da  l.a  não  significam  pessoas 
ou  seres  racionais  —  Ex. :  muanzi  (raiz);  mianzi  (raizes)  —  Mvu 
(ano);  Minvu  (anos)  —  Nlele  (pano);  Minlele  (panos). 

3.a  CLASSE 
PREFIXO  DO  SINGULAR  Kl  —  PLURAL  i 

Compreende  nomes  de  objectos,  instrumentos  línguas,  loca- 
lidades, qualidade,  etc.  Ex. :  Kinkuto  (camisa);  Inkuto  (camisas). 

4.a  CLAS3E 
PREFIXO  DO  SINGULAR  Dl  —  PLURAL  ma 

Ex. :  Dinkonde  (banana);  Mankonde  (bananas). 

5.a  CLASSE 
PREFIXO   DO  SINGULAR  Ku  —  PLURAL   M& 

Convêm  aos  nomes  de  algumas  partes  do  corpo  e  a  todos  os 
verbos  quando  sejam  tomadas  substantivamente.  Ex. :  Kulu 
(perna);  Malu  (pernas).  — Kudia  (o  comer,  ou  a  comida);  Ma- 

kudia  (as  comidas). 

6,a  CLASSE 

PREFIXO  DO   SINGULAR  Lu  —  PLURAL  TU 

Ex. :  Lukata  (caixa);  Tukata  (caixas). 

7. *  CLASSE 
prefixo  do  singular  m,  ti  (leves  e  fixas)  —  plural  Zi  (ante  posto). 

Encontram-se  também  nesta  classe  quási  todos  os  nomes 
importados  de  línguas  estranhas  que  não  afectam  de  qualquer 


DE  ANGOLA 


311 


prefixo  no  singular.  Ex. :  Mpaca  (curai);  Zimpaca  (curais); 
Nsungo  (ramo  de  árvore);  ginsungo  (ramos)  —  Lapi  (lápis); 
Zilapi  (lápis). 

8.a  CLASSE 
prefixo  do  singular  não  tem.  — plural  ma  (anteposto  ao  radical). 

É  constituído  por  alguns  nomes  que  em  tempos  tiveram  u 
com  o  prefixo  do  singular,  e  que  presentemente  se  usam  sem 
êle.    Ex. :    Lungo  (canoa)  Malungo  (canoas). 

9.a  CLASSE 
PREFIXO   DO   SINGULAR   U  —  PLURAL   U 

Compreende  esta  classe  alguns  nomes  concretos,  mas  convêm 
especialmente  à  grande  parte  dos  nomes  abstratos.  Ex. :  TJime 
(avareza,  avarezas);  Uenga  (medo,  medos). 

10.*  CLASSE 
PREFIXO  DO  SINGULAR  Vu  —  PLURAL  Mu 

Ex. :     Vuma  (iogar,  sitio);  Muma  (logares,  sitios). 
Quadro  das  classes  do  dialecto  kissolongo 


Classe 

Prefixo  do  singular 

Exemplos 

Prefixos  do  plural 

Exemplos 

I 

mu,  m,  n 

munto, 
mvuidi 
nkentu 

a 

antu  avuidi, 
akentu 

II 

mu,  (m,  n,  duros 

munvidi, 

mi,  (raranteposto) 

minvidi, 

e  fixos) 

mvu,  nti 

minvu,  minti 

III 

ki 

kinkuto 

i 

inkutu 

IV 

di 

divito 

ma 

mavito 

V 

ku 

kulu 

ma 

malu 

VI 

íu 

luinda 

tu 

tuinda 

VII 

m,  n.  (leves,  fixas) 

mbele,  ndala 

zi  (anteposto) 

zimbele,  zin- 
dala 

VIII 

ko,  lungu 

ma  (anteposto) 

mak o ,   ma- 
lungu 

IX 

u 

uiki 

u 

uiki 

X 

va 

vuma,   (vau 
ma) 

mu 

muma   (mu- 
uma) 

312 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


A  concordância  é  feita  pelos  prefixos  cujo  quadro,  corres- 
pondente às  classes  dos  nomes  damos  a  seguir : 


Classe 

Partícula  concordante 

Partícula  concordante 

—  singular 

—  plural 

I 

u 

A 

II 

u 

MI 

III 

Kl 

I 

IV 

Dl 

MA 

V 

KU 

MA 

VI 

LU 

TU 

VII 

I 

ZI 

VIII 

U 

MA 

IX 

U 

U 

X 

VA 

MU 

Em  kissolongo  os  nomes  são  epicenos.  O  género  é  indicado 
pelas  palavras  nkala  (homem)  e  a-nkentu  (mulher)  quando  se 
trate  de  pessoas  e  a-mbakala  (masculino)  e  a-nkentu  (feminino) 
quando  se  referem  a  seres  irracionais. 

Para  alguns  casos  empregam  vocábulos  especiais,  como: 
dise  tatá  (pai)  e  mama,  ngudi  (mãi). 

NOMES  DIMINUITIVOS 

Em  Quissolongo  a  formação  dos  díminuitivos  não  segue  as 
regras  conhecidas  dos  diversos  dialectos  do  Kikongo,  do  Kim- 
bundo  e  do  Umbundo. 

Não  empregam  prefixos.  Formam  o  diminuitivo  pela  simples 
simples  repetição  do  nome  repetição  do  nome.  Suprimindo,  na 
repetição  o  próprio  prefixo  do  nome  quando  este  tenha  mais  de 
duas  sílabas  e  não  forme  sílaba  predominante  com  a  letra  ou 
letras  que  se  lhe  seguem.  Ex. :  Ntekulu  (neto) ;  Ntekulu-ntekulu 
(netinho)  —  Divito  (porta);  Divito-vito  (portasinha) — Lucata 
(caixa);  Lucata-kata  (caixinha). 

NUMERAÇÃO 

Contam  decimalmente  e,  caso  raro  em  outros  dialectos  das 
línguas  Bantu,  vão  até  milhões. 

NUMERAÇÃO  ABSTRATA 


1  —  kosi,  —  mosi. 

2  —  zole,  —  ole. 

3  —  tatu,  —  tatu. 


4  —  ia,  —  ia. 

5  —  ntanu,  —  tanu. 

6  —  nsambunu,  —  sambanu 


DE  ANGoLA 


âiâ 


7  —  nsambuadi. 

8  —  nana. 

9  — vua 

10  — kumi 

11  —  kumi  ie  mosi. 

12  —  kumi  ie  zole. 

13  —  kumi  ie  tatu. 

14  —  kumi  ie  ia. 

15  —  kumi  ie  tanu. 

16  —  kumi  ie  sambanu. 

17  —  kumi  ie  nsambuadi. 

18  —  kumi  íe  nana. 

19  —  kumi  ie  vua. 

20  —  makumole. 

21  —  makumole  ie  mosi. 

22  —  makumole  ie  zole. 

23  —  makumole  ie  tatu. 

24  —  makumole  ie  ia. 

25  —  makumole  ie  tanu. 

26  —  makumole  ie  sambanu. 

27  —  makumole  ie  nsambuadi. 

28  —  makumole  ie  nana. 

29  —  makumole  ie  vua. 

30  —  makumatatu. 

31  —  makumatatu  ie  mosi,  etc. 

40  —  makumaia. 

41  —  makumaia  ie  mosi,  etc. 

50  —  makumatanu. 

51  —  makumatanu  ie  mosi,  etc. 

60  —  makumasambanu. 

61  —  makumasambanu   ie  mosi 

etc. 

70  —  lusambuadi. 

71  —  lusambuadi  ie  mosi,  etc. 

80  —  lunana. 

81  — lunana  ie  mosi,  etc. 

90  —  luvua. 

91  —  luvua  ie  mosi,  etc. 

100  —  nkama. 

101  —  nkama  ie  mosi. 

102  —  nkama  ie  zole,  etc. 

200  —  nkama  zole. 

201  —  nkama  zole  ie  mosi,  etc. 
300  —  nkama  tatu. 


301- 
400- 
401- 
500- 
501  — 

600- 
601  — 

700  — 
701- 

800- 
801  — 

900  — 

901  — 
1:000  — 
1:001  — 
1:100  — 
1:101  - 

2:000  — 

2:001  — 

3:000— 
3:001  — 

10:000  - 

10:001  — 


100:000  - 


100:001 


1:000.000 
1:000.001 
2:000.000 
2:000.001 
3:000.000 


nkama  tatu  ie  mosi,  etc. 
nkama  ia. 

nkama  ia  ie  mosi,  etc. 
nkama  tanu. 
nkama   tanu    ie    mosi, 
etc. 

nkama  sambanu. 
nkama     sambuanu    ie 

mosi,  etc. 
nkama  nsambuadi. 
nkama    nsambuadi    ie 

mosi,  etc. 
nkama  nana. 
nkama   nana   ie   mosi, 

etc. 
nkama  e  vua. 
nkama  e  vua,  etc. 
nkulazi. 

nkulazi  ie  mosi,  etc. 
nkulazi  ie  nkama. 
nkulazi,  nkama  ie  mosi 

etc. 
nkulazi,    ole    (nkulazi- 

zole). 
nkulazi    zole    ie   mosi, 

etc. 
nkulazi  tatu. 
nkulazi   tatu   ie    mosi, 

etc. 
nkulazi  kumi  (ou)  kumi 

di-a  kulazi. 
nkulazi  kumi  ie   mosi 

(ou)   kumi   dia-a  ku- 
lazi ie  mosi,  etc. 
nkulazi    nkama    (ou) 

nkama  a  kulazi. 
nkulazi  nkama  ie  mosi 

(ou)  nkama  an  kulazi 

ie  mosi,  etc. 
lufuku. 

lufuku  ie  mosi,  etc. 
mafuku  mole. 
mafuku  m-ole  ie  mosi. 
mafuku  ma-tatu,  etc. 


ADIVINHAS    (Ingunga) 

As  adivinhas  são  assim  propostas : 

O  que  propõe  diz:   Mez  omu?    O  interrogado  quando  sabe 
21 


Sú 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


dar  a  resposta  diz:  malokama  e  dá-a  em  seguida.    Quando  não 
sabe,  responde:  nuini  zo. 

I.  —  Pregunta :  E  divia  diavafa  nengua  mafuku  mole  kaka  ? 
A  horta  capinada  pela  mãe  montes  dois  só  ? 
Minha  mãe  capinou  uma  horta  aonde  há  só 
dois  montes  de  capim. 
Resposta :    Zintulu. 
Os  peitos. 

Os  peitos  da  mulher. 
II.  —  Pergunta :  E  nzo  i  avanga  tatá  e  iaka  iole  kaka  ? 

A  casa  que  fez  o  pai  as  paredes  duas  só? 
O  pai  fez  uma  casa  com  duas  paredes  apenas. 
Resposta:    Titi  kia  mpinda. 
Casa  de  ginguba. 

A  casca  de  ginguba,  que  é  composta  de  duas 
metades. 
III.  —  Pregunta  :  letu  tu-a-n-zola  o  iandi  k'a-tu-zola  ko? 
Nós  amámo-lo  e  êle  não  nos  amou? 
Nós  chegámo-nos  para  êle  e  êle  repele-nos. 
Resposta :    Tubia. 
Fogo. 
O  fogo. 

CONTOS  (Intinti) 


O  KUEBO  I  O  NKUVU 

Dom  Mpételu-mpételu  otungidi 
e  vata  diandi.  Dia-konka,  dia-ku- 
takana,  akuela  Nkenge  i  o  Ngundu. 
O  kuebu  avanga  e  divatai  o  nkuvu 
avang'e  divata.  O  nkuvu  asikang'e 
zimbambi: 


O  mvindi  a  ngo. 
Mutimen'e  mbambi!! 
Lélé,  kulé!! 

Akaz'iandi  bavovanga  vo: 

—  Vina  vele,  e  muni  ietu:  ngei 

olekeluanga  kua  ne-nkuvu ! 
O   kuebo,   n'auilu'uau,  akuenda 

kua  ne*kuvu  avova  vo: 


O  LEOPARDO  E  A  TARTARUGA 

Dom  Pedrinho  edificou  a  sua  po- 
voação. Depois  de  concluída  e  de 
toda  a  gente  arrumada,  desposou 
Quengue  e  Gundo.  O  leopardo  fez 
a  sua  casa  e  a  tartaruga  também 
fez  a  sua.  A  tartaruga  tocava  o  seu 
apito: 

A  canela  de  leopardo 
É. muito  boa  para  apitos!! 
Lélé,  culé!! 

As  mulheres  do  leopardo  diziam- 
lhe: 

—  Escuta,  ó  nosso  marido:  tu  es- 
tás sendo  descomposto  pela  tarta- 
ruga. 


DE   ANGOLA 


315 


—  Utolo  vele  e  mbcmbo  uaku  vele 
utolanga. 

—  E  ngo'nkazi,  mono  e  mbembe 
ntolanga : 


O  nivindi  a  ngua. 
Mutomen'e  mbambi! 
Lélé,  kulélí 

Amona,  e  ngo'nkazi?  onu  ntole- 
langa  kuame! 

—  E  muan'ame-a-nkazi,  uvana 
vel'e  zimbambi  zaku  mono  mpe  ia 
sika. 

O  ne-nkuvn  avana  e  zimbambi. 
O  ne-ngo  n'atambuid  e  zimbambi 
ozemuini  kuandi. 

O  ne-nkuvu  abonga  kaka  e  dim- 
bu-a-niki  a-ku-m-veta.  O  ne-ngo 
obokele  vo: 

—  Mfuidi!  ifuidi!!  Ke  zazi  e  zim- 
bambi zaku!! 

O  ne-nkuvu  akuenda  támbula  e 
zimbambi  zandi,  akatula  mpe  e 
dimbu.  O  ne-nkuvu,  o  kuma  ne 
kuakiele,  otolanga  diaka  vo : 

O  mvindi  a  ngo, 
Mutomen'e  mbambi!! 
Lélé,  kulé!! 

Akaz'a  ne-ngo  bavova  vo: 

—  E  nuni  ietu,  ngei  utoluanga 
kua  ne-nkuvu. 

O  ne-ngo  avova  vo: 

—  Amona!  ienu  akentu  una  lu- 
vondeselanga  e  maiakala!! 

Akentu  bavova: 

—  Vo  ietu,  oakolela ;  o  uau  o  ne- 
nkuvu  o-ku-lokelanga  k'o-ku-n-ko- 
lelako!! 

O"  ne-ngo  akuenda  kuna-ku  akala 
ne-nkuvu.  O  ne-ngo  avovesa  ne- 
nkuvu  vo: 

—  O  sika  vele  e  zimbambi  zaku. 
O  ne-nkuvu  asika  vo: 


O  leopardo,  tendo  ouvido  isto,  foi 
a  casa  da  tartaruga  e  disse-lhe: 

—  Ora  canta  lá  a  cantiga  que  es- 
tavas a  cantar. 

—  Ó  meu  tio,  eu  estava  cantando 
esta  cantiga: 

A  canela  da  mãe 
É  muito  boa  para  apitos!! 
Lélé,  culé!! 

—  Ó  meu  sobrinho,  dá-me  os  teus 
apitos  para  eu  também  tocar. 

A  tartaruga  deu  os  apitos.  O 
leopardo,  tendo  recebido  os  apitos, 
deitou-se  a  fugir. 

A  tartaruga  apanhou  imediata- 
mente um  bocado  de  cera  e  atirou- 
lhe  com  êle. 

O  leopardo  gritou: 

—  Ai  que  morro!  ai!  que  morro! 
Toma  lá  os  teus  apitos! 

A  tartaruga  veio  receber  os  seus 
apitos  e  tirou  também  a  cera. 

A  tartaruga,  logo  que  amanheceu, 
começou  novamente  a  cantar: 


A  canela  do  leopardo 
É  muito  boa  para  apitos!! 
Lélé,  culé!! 

As  mulheres  do  leopardo  dis- 
seram : 

—  Ó  nosso  marido,  você  está 
sendo  cantado  pela  tartaruga. 

O  leopardo  disse: 

—  Vejam!  vocês,  mulheres,  assim 
são  as  causadoras  da  morte  dos 
seus  maridos!! 

As  mulheres  disseram: 

—  Se  fôramos  nós,  bater-nos-ia; 
agora,  como  é  a  tartaruga  que  o 
está  descompondo,  não  lhe  bate!! 

O  leopardo  foi  aonde  estava  a 
tartaruga.  O  leopardo  disse  à  tar- 
taruga : 

—  Ora  toca  lá  os  teus  apitos. 


316 


POPULAÇÕES   INDÍGENAS 


Omvindi  a  ngua. 
Mutomen'e  mbambi!! 
Lélé,  kulé!! 

Ne-ngo  avova  vo : 

—  Ne-nkuvu,  u-m-pana  vePe 
zimbambi  zaku  mono  mpe  i  a 
sika. 

One-ngo  atambula  e  zimbambi . 
nátambuidi  kaka  e  zimbambi  aze- 
muna  kuandi.  O  ne-nkuvu  oboka 
nana,  o  ne-ngo  akuenda  ku  vata 
diandi! 

Ne-nkuvu  akuenda  kua  lubuta- 
buta  vo: 

—  E  lubutabuta,  u-n-landila 
manga. 

O  lubutabuta  aland'e  manga.  N'a- 
mene  landa  e  manga  avovesa  ne- 
nkuvu  vo: 

—  Tambula  e  nkisi  mi-a-dimiole. 
O  mosi,  ua-nkentu,  o  mosi,  ua- 
mbakala.  Edina  divov'o  nkisi 
a-nkentu,  diau  unua;  edina  divova 
o  nkisi  a-mbakala,  k'unu'ko. 

O  ne-nkuvu  akuenda  kuandi 
kun'e  vata  diandi,  avanga  kim- 
panga.  Muna  nkisi  mu  avaika  e 
muni  in'e  nkumbu  luseke,  lukam- 
bang'o  uiki.  O  luseke  luakuenda 
vovela  vana-va  kala  ne-ngo,  náuiro 
luseke,  akuenda  a  landi,  oenda  bu- 
langana  uiki  muna  nti  a-poto.  O 
n  e-ngo,  bulang'o  uiki,  atufo  koko 
mun'e  vu  dia  nti.  JSPatutidi,  o  koko 
ku  kakamene. 

Atuta  diaka  ku  mosi,  ku  kaka- 
mene diaka.  O  ne-nkuvu  a-ku-m- 
vovesa  vo: 

—  Amon'e  ngoVnkasi,  e  unu  ufui- 
di! 

O  ne-ngo  avova  vo : 

—  O  bika  ienda  a  landi  e  zim- 
bambi zaku. 

O  ne-nkuvu  avova  vo: 

—  UtePo  muana  aku  eza  a  tuadi 
e  zimbambi  zame. 


A  tartaruga  tocou: 

A  canela  da  mãe 
É  muito  boa  para  apitos!! 
Lélé,  culé. 

O  leopardo  disse: 

—  Tartaruga,  dá-me  os  teus 
apitos  para  eu  também  tocar. 

O  leopardo  recebeu  os  apitos;  e, 
mal  os  recebeu  fugiu  por  ele!  O 
leopardo  foi  para  a  sua  casa. 

A  tartaruga  foi  ter  com  o  noitibó 
e  disse: 

—  Ó  noitibó,  arranj  a-me  um  fei- 
tiço. 

A  noitibó  arranj  ou-lhe  um  fei- 
tiço. Quando  acabou  de  lho  arran- 
jar, disse  para  a  tartaruga: 

—  Toma  dois  feitiços:  um  fêmea, 
outro  macho.  Aquilo  que  te  disser 
o  feitiço  fêmea,  isso  escuta-o ;  o  que 
disser  o  feitiço  macho,  não  o  es- 
cutes. 

A  tartaruga  foi  para  o  seu  povo, 
fez  uma  maravilha:  Do  feitiço  saiu 
aquele  passarinho  que  tem  o  nome 
de  luceque,  que  nos  mostra  aonde 
há  mel !!  O  luceque  foi  cantar  aonde 
estava  o  leopardo.  O  leopardo, 
tendo  ouvido  o  luceque,  foi-o  se- 
guindo, foi  encontrar  mel  numa 
árvore  grande;  o  leopardo,  quando 
tirava  o  mel,  meteu  a  mão  no  bu- 
raco da  árvore.  Tendo-a  metido,  a 
mão  ficou  presa.  Meteu  lá  a  outra 
e  também  lá  ficou  presa.  A  tarta- 
ruga disse  lhe  então: 

—  Ora  viste,  meu  tio,  que  hoje 
vais  morrer! 

O  leopardo  disse: 

—  Deixa  que  eu  vou  buscar  os 
teus  apitos. 

A  tartaruga  disse: 

—  Chama  o  teu  filho,  que  venha 
trazer  os  meus  apitos. 

O  leopardo  gritou  ao  seu  filho: 

—  Vem  trazer  os  apitos  alheios, 
os  apitos  da  tartaruga. 


DE  ANGOLA 


317 


O  ne-ngo  abokele  o  muand'  andi 
Nzinga : 

—  Uiza  a  tuadi  e  zimbambi  za 
ngana,  za  ne-nkuvu. 

O  muana  auivula  vo : 

—  Uebi,  e  tatá  ?  e  mabuku  e  ? 

—  E  zimbambi ! 

—  A  uebi?  e  nkele? 

—  E  zimbambi!  E  zimbambi  za 
ne-nkuvu!! 

—  A  uebi,  e  tatá?  e  kutu? 

—  E  zimbambi  za  ne-nkuvu!! 

—  A  uebi,  e  tatá?  luazi? 

—  E  zimbambi  za  ne-nkuvu!! 

O  muana  a  kuiza  a  tuadi  e  zim- 
bambi, oiza  bulangana  o  tat'  andi  e 
nlembu  miaonsono  mivuidi  butuka ! 


O  filho  perguntou : 

—  O  que  é,  ó  pai?  as  cabaças? 

—  Os  apitos. 

—  O  que  é?  as  espingardas? 

—  Os  apitos!  Os  apitos  da  tarta- 
ruga!! 

—  O  que  é,  ó  pai?  a  bolsa? 

—  Os  apitos  da  tartaruga!! 

—  O  que  é,  ó  pai?  o  machado? 

—  Os  apitos  da  tartaruga! . . . 
Quando  o  filho  veio  trazer   os 

apitos  veio  encontrar  seu  pai  com 
as  mãos  todas  partidas! 


Os  mussorongos  não  são  dados  à  pintura,  tendo  no  capítulo 
escultura  alguns  trabalhos,  ainda  que  toscos  em  madeira  e 
marfim,  figurando  homens,  mulheres  e  animais  cabalísticos. 

Teem  apenas  uma  só  espécie  de  dança  para  todos  os  aconte- 
cimentos, não  tendo  danças  de  guerra  ou  de  caça.  Todos  dan- 
çam e  cantam,  sem  distinção  de  idade  ou  de  sexo,  batendo  as 
palmas  com  espaços  cadenciados  ao  som  de  tambores,  muitas 
vezes  durante  dias  e  noites  consecutivas. 

Empregam  para  contar  pequenas  pedras,  burgau,  contando 
às  centenas  e  milhares  —  nkama,  cem,  nkulazi,  mil;  também 
contam  de  mil  para  cima  como  nkulazi  nkama  zole,  mil  e  du- 
zentos, nkulazi-ole,  dois  mil,  etc. 

Dividem  o  tempo  por  ciclos  lunares  —  lua  ou  mez  rígonde  — 
noite  e  dia  o  n'fnso  o  muina. 

Não  possuem  veículos  de  espécie  alguma,  transportando 
cargas  e  tipóias  aos  ombros  e  à  cabeça. 

Quanto  à  náutica  constroem  apenas  as  pequenas  embarcações 
a  que  já  tivemos  ocasião  de  nos  referir. 

Não  teem  talento  inventivo,  seguindo  a  rotina  dos  seus  ante- 
passados. 

Quanto  a  factos  históricos  apenas  conservam  a  recordação 
de  uma  guerra,  de  uma  epidemia  ou  de  fome  ocasionada  por 
prolongadas  estiagens,  não  rememorando  por  muito  tempo,  em 


318  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

virtude  de  serem  em  geral  apoucados  de  memória,  assim  como  de 
entendimento,  observação  e  raciocínio.  Ha  no  entanto  alguns  mus- 
sorongos  que  possuem  qualquer  destas  faculdades  em  alto  grau. 
Não  são  previdentes;  agem  unicamente  sob  a  impulsão  da 
necessidade  de  momento. 


III.  —  Da  vida  familial 

O  nascimento.  —  A  educação.  —  O  casa- 
mento. —  A  morte.  —  A  família.  —  A  re- 
ligião, ritos,  cultos,  divindades  e  sacer- 
dócio. 

Não  é  costume  entre  estes  povos  realizarem-se  festas  ou 
sacrifícios  antes  ou  depois  do  nascimento,  nem  tão  pouco  tomam 
qualquer  precaução  para  protecção  da  mãe  a  não  ser  o  cessar 
esta  todas  as  relações  com  o  marido. 

A  mulher  tem  o  parto  na  sua  própria  habitação  e  muitas 
vezes  dentro  do  cercado  ou  no  quintal  da  mesma,  sendo  ajudada 
pelas  mulheres  da  família  com  excepção  da  mãe. 

A  posição  da  parturiente  é  ordinariamente,  assentada,  um 
pouco  inclinada  para  traz,  sendo  costume  após  o  parto,  tomarem 
banhos  semicúpios  em  água  muito  quente,  quási  em  ebulição. 

A  creança  é  amamentada  durante  bastante  tempo. 

Não  ha  a  registar  entre  os  povos  desta  tribu  casos  de  infan- 
ticídio, conformando-se  em  casos  de  aborto. 

Em  geral  os  pais  não  cuidam  da  educação  de  seus  filhos. 

Os  rapazes  quando  chegam  à  edade  própria  são  circuncisa- 
dos,  operação  esta  que  é  levada  a  efeito  nas  florestas,  onde  se 
conservam  até  completa  cicatrisação. 

Nos  povos  desta  tribu,  só  em  casos  isolados,  é  que  as  rapa- 
rigas praticam  o  coito  antes  de  atingirem  a  idade  da  puberdade. 

O  sentimento  do  amor  não  existe,  assim  como  não  existe  o 
celibato  e  a  continência. 

A  prostituição  é  clandestina  e  muito  reduzida. 


# 


Os  pedidos  de  casamento  são  feitos  com  muita  antecipação, 
até  mesmo  antes  da  rapariga  ter  atingido  a  idade  da  puberdade. 


DE   ANGOLA 


Si9 


O   pretendente  apresenta-se   aos  pais  da  escolhida,   fazendo-so 
acompanhar  de  fazendas  ajustando-se  então  o  alambamento  que 
muitas  vezes  é  julgado  insuficiente  e  só  quando  o  noivo  leva  o 
exigido  pelos  pais    é 
que  a  noiva  o  acom-      ___ __ __«_M___-!„         _. 

panha  para  sua  casa, 
ou  aguarda  a  puber- 
dade. 

Por  morte  do  noivo 
fica  pertencendo  a 
noiva  ao  irmão  ime- 
diatamente mais  ve- 
lho. 

Nenhum  sentimen- 
to determina  a  escolha 
da  mulher,  é  pura- 
mente ocasional. 

Entre  estes  povos, 
o  adultério  da  mulher 
é punido  com  fins  me- 
ramente gananciosos, 
pois  que  é  esta  obri- 
gada a  denunciar  o 
sedutor  o  qual  é  con- 
denado a  pagar  Uma 
pesada  indemnização, 
continuando  no  entan- 
to a  mulher  a  viver 
maritalmente  com  o 
seu  legítimo  possui- 
dor. 

O  casamento  é  per- 
pétuo não  obstante  os 
adultérios  constantes. 

Predomina  a  poli- 
gamia, tendo  o  homem 
várias  mulheres,  todas  na  mesma  condição,  gozando  no  entanto 
a  primeira  de  mais  autoridade.    Não  existe  a  poliandria. 

Durante  os  esponsais  há  festejos,  nos  quais  tomam  parte  os 
parentes,  vizinhos  e  gente  de  fora  da  sanzala. 

Existe  entre  estes  povos  o  impedimento  de  casamento  para 


Mussurongos  —  Soba  do  Ambrizete 


320  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

certos  graus  de  parentesco,  assim  como  para  determinadas 
classes  e  castas,  não  podendo  os  descendentes  de  escravos  (muai) 
casar  com  descendentes  de  homens  livres  (ginfumu). 

O  marido  tem  sobre  a  mulher  poderes  absolutos,  sendo  esta 
considerada  uma  verdadeira  escrava. 

As  relações  entre  o  genro  e  a  sogra  são  de  muito  respeito, 
evitando  quanto  possível  avistarem-se;  quando  teem  necessidade 
de  se  falar  é  sempre  atravez  de  uma  sebe  ou  parede. 

Existe  o  divórcio,  tendo  como  causas  determinantes  a  levian- 
dade da  mulher,  a  relutância  em  se  sujeitar  aos  caprichos  libi- 
dinosos do  marido  e  muitas  vezes  por  desharmonia  com  as  outras 
mulheres. 

No  caso  de  repudio,  os  parentes  da  mulher  restituem  o  valor 
do  alambamento  do  marido. 


#       # 


A  família  é  constituida  pelas  seguintes  pessoas :  pai,  mãe, 
filhos  solteiros  e  casados  e  avós. 

Não  existem  irmãos  de  sangue  nem  adopção. 

Os  filhos  casados  formam  um  novo  lar,  continuando  contudo 
a  estimar  os  seus  pais. 

A  autoridade  dos  pais  é  exercida  sobre  os  filhos  até  estes 
tomarem  estado. 

Os  pais  e  os  filhos  amam-se  mutuamente,  manifestando  estes 
o  seu  respeito  por  aqueles  ajoelhando-sc  e  batendo  palmas. 

Por  morte  do  pai  os  filhos  acompanham  a  mãe. 

Na  vida  comum  são  igualmente  proprietários  dos  haveres  do 
casal  o  homem  e  a  mulher,  sendo  do  produto  do  trabalho  daquele 
que  se  veste  e  alimenta  a  família. 

Os  homens  aplicam  se  aos  misteres  de  pescadores,  oleiros, 
ferreiros,  carpinteiros  de  canoas,  negociantes,  marinheiros,  car- 
regadores, etc,  e  as  mulheres  ao  cultivo  das  terras  e  aos  serviços 
domésticos. 

Por  morte  do  chefe  da  família  o  herdeiro  dos  seus  bens  é  o 
irmão  mais  velho,  que  igualmente  tem  de  casar  com  as  mulheres 
do  irmão,  na  falta  daquele  os  herdeiros  são  os  sobrinhos  filhos 
das  irmãs. 

A  família  é  responsável  e  solidaria  pelas  dívidas  e  crimes  de 
qualquer  dos  seus  membros  ate  á  segunda  ou  terceira  geração. 


DE   ANGOLA  321 


As  doenças  são  tratadas  pelos  curandeiros  (n*  ganga)  que  tiram 
os  remédios  que  administram  dos  cosimentos  e  infusões  de  várias 
plantas  e  raízes.  Entre  outros  medicamentos  costumam  os 
curandeiros  aplicar  ventosas  e  pinturas  de  tacula. 

* 
#       # 

Não  acreditam  na  morte  natural,  sendo  chamado  a  inter- 
vir um  adivinho  que  descobrirá  por  meio  dos  seus  sortilégios 
quem  foi  o  feiticeiro. 

Após  o  falecimento  é  o  cadáver  envolvido  em  fazendas  e 
enterrado  depois  de  previamente  o  terem  deitado  sobre  uma 
tarimba  um  pouco  elevada  do  solo  por  baixo  da  qual  colocam 
um  brazeiro  até  que  se  produz  a  desecação. 

A  cremação  só  é  praticada  nos  cadáveres  dos  feiticeiros, 
sendo  as  cinzas  lançadas  ao  vento. 

Não  tem  cemitérios*  próprios,  sendo  os  cadáveres  enterrados 
em  posição  horizontal,  em  covais  feitos  no  recinto  da  libata  perto 
da  cubata  onde  residem.  Sobre  o  tumulo  é  costume  colocarem 
alguns  utensílios  e  louças  de  què  o  finado  se  servia  durante  a 
vida,  tendo  o  cuidado  cie  previamente  as  inutilizarem  de  forma 
que  nãò  aproveitem  os  profanos. 

A  viuva  esposa  de  direito  o  irmão  de  seu  marido,  ficando  os 
órfãos  ao  cuidado  de  sua  mãe  a  quem  pertencem. 

Como  manifestação  de  luto  pintam  as  mulheres  os  panos  com 
tacula  e  a  cara  e  o  corpo  com  azeite  de  palma  e  carvão,  não  se 
lavando  durante  o  tempo  de  nojo. 

Entre  os  mussorongos  o  nome  dado  à  alma  humana  é  mo  tom- 
boria,  sendo  crença  entre  eles  de  que  os  feiticeiros  depois  de 
matarem  com  feitiços  as  suas  vítimas,  as  vão  de  noite  vender 
aos  brancos  para  resuscitadas  as  embarcarem  *. 


1  Esta  lenda  vem  de  tempo  da  escravatura  em  que  os  navios  negrei- 
ros vinham  à  costa  carregar  escravos. 


322  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Crêem  estes  povos  na  existência  de  um  deus  supremo  —  o 
rízambi  ia  rípungo  desu —  que  é  citado  pelos  sobas,  quando 
presidindo  a  qualquer  julgamento,  proferem  a  sua  sentença 
Oriambo  ria  bobeie  rízambi  ia  pungo  desu.  —  Quinanque  êno 
aleque?  o  que  desu  ordenou  foi.  .  .  (qualquer  máxima  adequada 
ao  caso).  Não  foi  meus  filhos  ?  ao  que  assemblea  responde  em 
unisono  —  ua  una  —  é  isso . .  . 

E  este  o  único  princípio  geral  regulador  do  Universo  em 
que  o  indígena  acredita. 

Entre  os  mussorongos  existe  também  o  cirito  pelos  seus  ídolos 
ou  feitiços  aos  quais  lhes  são  conferidos  vários  atributos,  sendo 
invocados  em  casos  de  doença  ou  suspeita  de  malifícios  que 
alguém  lhes  queira  fazer. 

Teem  noções  muito  superficiais  do  bem  e  do  mal,  assim 
como  do  pudor,  do  remorso  e  da  caridade. 

Os  adivinhos  rí ganga  rígambo  e  os  curandeiros  rí ganga,  a  que 
já  fizemos  alusão  não  são  escolhidos  ou  recrutados,  fazendo  uso 
desse  mister  quem  quizer  ou  por  essa  arte  tiver  predilecção ;  rece- 
bem para  tal  fim,  a  instrução  e  educação  dos  profissionais  que  exer- 
cem semelhantes  artes.  Gosam  de  poderes  particulares  sendo  o  seu 
papel  na  vida  política  e  social  extraordinariamente  preponderante, 
estão  ligados  por  votos,  mas  não  são  obrigados  à  abstinência  nem 
à  castidade  e  os  seus  trajos  são  os  mesmos  dos  da  região. 

Ha  também  entre  estes  povos  o  cirurgião  da  casca  ríganga 
ríeassa,  o  qual  é  chamado  para  administrar  nos  julgamentos  a 
prova  da  casca  a  que  na  altura  competente  nos  referimos. 

Entre  os  mussorongos  existe,  em  algumas  libatas,  um  voto,  de- 
nominado dos  guimbas,  composto  de  um  número  de  vinte  ou  mais 
rapazes,  entre  os  14  e  os  20  anos,  que  vivem  isolados,  falam  uma  lin- 
guagem especial,  usam,  como  vestuário,  suspenso  da  cintura  uma 
espécie  saiote  formado  de  colmo  e  pintam  o  corpo  com  cré  (pembe) 
diluido  em  água. 

IV.  —  Da  vida  social 

Espécie  de  vida.  —  Classes  e  castas.  — 
Organização  política.  —  Propriedade.  — 
Regime  económico.  —  Gostumagens  jurí- 
dicas. 

Não  são  nómadas  levam  vida  mais  ou  menos  sedentária. 
A  organização  social  comporta  as  seguintes  classes :  os  sobas, 
nobres,  homens  livres  e  escravos. 


Popul,  indígenas  de  Angola. 


(322) 


DE   ANGOLA  323 

Os  curandeiros,  adivinhos  e  feiticeiros,  não  obstante  a  pre- 
ponderância que  teetn  entre  os  indígenas,  não  são  considerados 
nobres  e  pertencem  à  classe  dos  homens  livres. 

Os  escravos  são  considerados  como  pessoas  de  família,  go- 
zando algumas  regalias  e  direitos,  sendo-lhes  porém  vedado  a  liga- 
ção com  mulheres  livres.  Não  teem  cubatas  ou  libatas  especiais, 
vivendo  com  suas  famílias  em  comum  com  os  seus  senhores. 

A  organização  social  pode  actualmente  ser  considerada  como 
uma  monarquia  constitucional,  com  um  chefe  ou  soba,  NVnmu 
ia  bata  (senhor  da  libata),  que  governa  assistido  por  um  conselho, 
constituído  pelos  nobres. 

A  sucessão  dos  chefes  é  por  hereditariedade  e  por  via  colateral, 
sendo  herdeiro  do  trono  o  irmão  mais  velho,  só  na  falta  deste  é 
que  o  soba  é  eleito  entre  os  nobres,  em  geral  o  que  dispõe  de 
mais  influência. 

A  mulher  não  pode  ser  soba. 

Pouco  tem  adeantado  os  povos  desta  tríbu  do  contacto  com 
os  civilizados,  conservando  na  sua  maior  parte,  os  costumes 
gentílicos;  há  no  entanto  muitos  que  falam,  ainda  que  mal,  a 
língua  portuguesa. 

Não  distinguem  nem  consideram  mais  que  os  outros  o  indígena 
que  recebeu  uma  educação  europeia. 

A  propriedade  da  terra  consideram-na  como  pertencendo  ao 
soba  que  dela  dispõe. 

A  mulher,  quer  seja  livre,  casada  ou  escrava,  é  vedado  pos- 
suir em  seu  nome  próprio,  comprar  ou  vender. 

Fazem  comércio  de  importação  e  de  exportação.  Importam 
mercadorias  de  toda  a  espécie  e  exportam  café,  azeite  de 
palma,  coconote,  ginguba,  gergelim,  borracha,  marfim  e  outros 
produtos. 

Tem  estes  povos  em  vários  pontos  da  região  os  seus  mercados 
chamados  quitandas,  onde  se  reúnem  em  determinados  dias  e  aí 
transacionam,  trocando  por  fios  ou  enfiadas  de  milhares  de 
contas  de  coral  matari,  buanza  —  moeda  corrente  —  fazendas, 
galinhas,  cereais,  farinha  de  mandioca,  frutas  e  outros  géneros, 
assim  como  garrafas  e  meias  garrafas  de  aguardente  e  frascos 
de  genebra. 


324  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Como  medidas  só  usam  a  braça  não  conhecendo  medidas  de 
peso. 

Como  vias  de  comunicação,  servem-se  só  de  trilho  e  a  pas- 
sagem pelos  rios  é  feita  em  pequenas  canoas. 

Não  existe  uma  ou  um  conjunto  de  leis  definindo  e  classifi- 
cando os  delitos  ou  infrações,  as  penas  são  estabelecidas  pelo 
soba  e  pelos  conselheiros  em  audiência  pública,  variando  a  sua 
gravidade  conforme  a  punição  dos  julgadores,  sendo  no  entanto 
as  infracções  definidas  pelo  costume. 

O  tribunal  chamado  fundação  é  constituído  pelo  soba  que 
preside,  e  pelos  seus  conselheiros,  os  quais  dão  o  seu  veredictum 
independente  de  qualquer  influência  do  chefe. 

O  julgamento  é  público,  compete  ao  soba  proferir  a  sentença 
que  é  deliberada  em  conferência  secreta  dando  a  esse  acto  a 
denominação  de  beber  a  agua. 

O  acusado  pode  defender-se  ou  nomear  advogado,  ale- 
gando as  razões  que  militarem  em  seu  favor  contra  a  parte 
queixosa. 

A  prova  do  crime  é  feita  por  testemunhas,  com  debates  entre 
os  advogados  e  os  julgadores. 

Além  da  prova  testemunhal  existe  também  a  prova  da  rikassa, 
vulgarmente  designada  da  casca,  que  em  pouco  difere  da  prova 
designada  pelo  mesmo  nome,  usada  pelos  cabindas. 

Algumas  vezes  antes  do  julgamento  e  para  descobrir  o  ver- 
dadeiro criminoso  há  a  intervenção  do  adivinho. 

Outrora,  antes  da  ocupação  desta  região,  existia  entre  eles 
a  pena  de  morte  por  meio  de  decapitação,  assim  como  prisões  em 
troncos  aos  pés  e  ao  pescoço;  actualmente  só  existem  as  penas 
pecuniárias. 

Há  contudo  uma  excepção  para  os  acusados  a  quem  se 
administra  a  casca  e  que  por  virtude  desta  prova  dão  indícios  já 
de  pouca  vida,  acabando  com  êle  a  machado  e  à  cacetada. 


.VFtr'/-    • 


CAPITULO  XIV 
AMBOINSO) 

I.  —  Dos  caracteres  etnográficos  gerais 

Situação  geográfica  desta  tríbu.  —  Sua  ori- 
gem. —  População. 

Os  Amboins  ocupam  toda  a  floresta  da  região  designada  pelo 
Amboim,  limitada  ao  norte  pelo  rio  Nhia,  ao  sul  pelo  Cuvo,  a 
leste  pelo  Cupaelo  e  ao  este  pelos  rios  Longa  e  Culohonjo. 

Segundo  as  tradições  desses  povos  e  o  que  nos  ensinam  os 
seus  usos  e  costumes  são  eles  um  produto  do  cruzamento  das 
tribus  descendentes  das  quo  invadiram  a  província  pelo  norte  e 
nordeste  com  as  tribus  Bimbundo,  no  entanto  as  primeiras  mi- 
grações para  esta  região  vieram  dos  povos  do  interior  de  Loanda, 
parecendo  que  outras  migrações  se  seguiram  vindas  do  sul,  das 
tribus  Bimbundo. 

São  hoje  de  índole  pacífica,  robustos,  musculados,  bem  cons- 
tituídos e  de  estatura  mediana. 

A  coloração  da  pele  é  em  geral  castanha  um  pouco  carregada ; 
a  forma  dos  olhos  oval  e  a  cor  da  iris  igualmente  castanha 
escuro. 

Como  deformações  artificiais  ou  mutilações  étnicas,  aguçam 
os  dentes  incisivos  superiores  e  perfuram  os  lóbolos  das  orelhas 
e  as  narinas. 


(l)  Forneceu  valiosos  elementos  para  o  estudo  desta  tríbu  o  capitão- 
mór  do  Amboim  o  senhor  Henrique  de  Carvalho. 


326  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


II.  —  Da  vida  material  e  intelectual 

Cuidados  dados  ao  corpo.  —  Vestuário. — 
Alimentação.  —  Habitação.  —  Meios  de 
existência.  —  Artes.—  Ciências. — Facul- 
dades intelectuais. 

No  que  respeita  a  cuidados  com  a  higiene,  usam  lavar  a  boca, 
esfregando  os  dentes  com  um  bocado  de  madeira  de  manhã  e 
sempre  que  tomam  qualquer  refeição.  É  costume  igualmente 
lavar  a  cara,  enchendo  a  boca  de  água  que  em  seguida  deitam 
em  uma  das  mãos,  com  a  qual  esfregam  a  cara. 

Untam-se  com  azeite  de  palma  a  que  juntam  a  tacula. 

Com  relação  aos  penteados  usados,  os  homens  usam  o  cabelo 
curto,  e  as  mulheres  em  trancinhas  empastadas  com  azeite  de 
palma  para  cada  um  dos  lados  da  cabeça. 

Como  vestuário  usam  o  comum  às  tribus  de  raça  negra,  no 
entanto  já  alguns  homens  usam  camisas,  casacos  e  coletes. 

Existe  a  tatuagem  propriamente  dita  (cangin)  feita  com 
uma  agulha  e  o  látex  da  borracha  queimada.  Alem  da  tatuagem 
existem  igualmente  as  cicatrizes  étnicas,  feitas  com  agulha  e 
uma  faca,  e  constituidas  por  diversos  bordados  nas  costas,  nos 
braços  ou  no  peito,  ou  ainda  por  meio  do  suco  duma  planta  que 
chamam  dondarinho,  que  cáustica  a  pele,  deixando  marcas  in- 
deléveis. 

Raramente  os  homens  usam  qualquer  espécie  de  adornos  que 
são  especialmente  reservados  às  mulheres  que  usam  braceletes 
de  missangas  nos  braços  e  nas  pernas,  brincos,  cordões  ao  pes- 
coço com  diversos  amuletos,  e  diademas  de  búzios  na  cabeça, 
bem  assim  como  cintos  de  missangas  em  cores  mais  ou  menos 
bem  combinadas. 

A  base  de  alimentação  é  vegetal  e  constituída  principalmente 
pelas  papas  ou  massa  de  farinha  de  milho,  que  habitualmente 
fazem  acompanhar  de  um  cosinhado  de  ervas  temperadas  com 
azeite  de  palma  ou  então  com  carne  de  cabrito  ou  porco,  quando 
a  teem. 

Comem  a  carne  mesmo  em  estado  de  putref acção,  aproveitando 
todos  os  animais  mortos,  servindo-lhes  qualquer,  como  cobras f 
lagartos,  etc. 

Como  excitantes  empregam  o  gindungo. 

Tomam  em  geral  duas  refeições  por   dia    preparadas  pelas 


DÈ  ANGOLA 


327 


mulheres  comendo  os  homens  à  parte  destas,  que  tomam  as 
refeições  conjuntamente  com  os  filhos;  isto  se  a  mulher  é  nova 
e  com  pouco  tempo  de  casada,  porque  sendo  já  velha  come 
juntamente  com  o  homem. 

A  habitação  tipo  é  a  cubata  de  base  circular,  assente  sobre 
o  solo,  sem  janelas  com  uma  única  porta,  construídas  de  varas 
entrelaçadas,  barradas,  e  cobertas  de  colmo. 


Tipos  do  Amboim 


Não  obedece  a  disposição  alguma  a  distribuição  das  cubatas 
na  povoação  ou  libata,  esta  é  que  tem  de  ficar  em  local  dominante 
e  o  mais  possível  inacessível. 

A  principal  ocupação  desses  povos  é  a  agricultura,  cultivando 
o  milho,  a  mandioca  e  o  feijão,  e  preparando  o  café  que  colhem 
dos  cafezeiros  expontâneos.  Nas  suas  culturas  empregam  as 
enchadas  gentílicas,  o  machadinho,  e  a  catana. 

No  Amboim,  propriamente  dito,  região  pouco  propícia  à 
creação  de  gado  bovino,  prevalece  a  criação  de  animais  domés- 
ticos, como  a  galinha,  o  porco,  a  cabra  e  o  carneiro. 

Estes  povos  são  pouco  industriosos,  no  entanto  manifestam 
habilidade  no  fabrico  de  objectos  de  uso  ordinário,  especialmente 
louça  de  barro  cosido  que  fabricam  com  relativa  perfeição, 


328  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Alem  disto  produzem  pequenos  artefactos  de  verga,  bancos, 
cadeiras,  zagaias,  cintos,  etc. 

Falam  um  dialecto  de  Kimbundu. 

As  danças  são  como  as  tradicionais  da  raça  negra,  de  mo- 
vimentos compassados  e  dengosos.  Os  instrumentos  de  musico 
usados  são :  o  conhecido  batuque,  constituído  por  um  tronco  inte- 
riormente cavado,  em  que,  a  cada  um  dos  lados  adaptam  uma  pele ; 
a  puita  constituida  igualmente  por  um  tronco  cavado  interiormente 
mas  com  pele  em  um  só  dos  lados  a  qual  adaptam  uma^corda 
que  friccionada  faz  vibrar  a  pele  produzindo  um  som  similhante 
ao  mugir  dum  touro ;  o  Kindende,  espécie  de  rabeca  de  uma  só 
corda  em  que  a  caixa  sonora  é  constituida  por  uma  cabaça,  e 
que  é  tocada  por  uma  vara  que  substitue  o  arco;  e  o  Izupa,  em 
forma  de  clarinete. 

Em  trabalho  de  escultura  de  madeira  fazem  pequenos  mani- 
panços,  pentes,  bancos,  cadeiras,  mocas,  etc. 

III.  —  Da  vida  familial 

O  nascimento.  —  A  educação.  —  A  iniciação 
O  casamento.  —  A  família.  —  A  morte.  — 
Ritos,  cultos,  e  sacerdócio. 

Antes  do  nascimento  não  se  pratica  qualquer  cerimónia,  apenas 
em  seguida  ao  parto,  o  pai  tem  que  presentear  com  qualquer 
cousa  as  pessoas  que  o  auxiliaram. 

Quando  a  creança  nasce  dá-se-lhe  de  comer  o  que  em  igual- 
dade de  circunstâncias  comeu  o  pai.  Esta  cerimónia  é  feita  pelo 
pai  ou  pelos  avós  paternos  que  em  segredo  conservam  o  conhe- 
cimento da  comida  que  primeiro  lhe  deram  e  tem  por  fim  uma 
espécie  de  prova  se  o  recemnascido  é  ou  não  filho  do  presumido 
pai,  pois  teem  como  certo  que  se  o  não  fôr,  aceitando  o  alimento 
inicial,  morre  pouco  depois. 

É  nesta  ocasião  que  a  assistente  mais  velha  pergunta  ao  pai 
o  nome  que  quer  dar  ao  filho,  escolhendo  este  habitualmente  o 
nome  de  um  dos  seus  ascendentes  que  segundo  a  tradição  mais 
se  tenha  distinguido. 

Poucos  ou  quási  nenhuns  cuidados  lhe  merecem  os  recemnas- 
cidos  prestando-lhes  os  indispensáveis  para  os  manter  vivos,  aos 
quais  como  nas  restantes  tribus  da  raça  negra,  é  uso  começar  a 
dar  os  alimentos  usuais  dos  adultos  em  tenras  idades, 


Í)E   ANGOLA  32§ 

Entre  os  Amboins  existem  as  práticas  de  iniciação  para  ambos 
os  sexos. 

Nos  indivíduos  do  sexo  masculino  é  constituída  pela  circun- 
cisão. A  circuncisão  pratica-se  uma  vez  em  cada  ano  pelo  ca- 
cimbo (estação  seca)  sujeitando-se  à  operação  aqueles  que  o 
desejam  e  em  qualquer  idade,  sendo  costume  a  família  mandar 
os  filhos  quando  os  encontra  na"  idade  mais  conveniente  para 
suportarem  a  operação. 

O  operador  é  um  dos  mais  considerados  Kimbandas  da  libata 
ou  das  libatas  próximas,  e  a  operação  pratica-se  em  lugar  afas- 
tado da  povoação  no  interior  de  qualquer  floresta.  No  dia  de- 
signado o  soba  entrega  uma  cadeira  ao  Kimbanda  operador,  que, 
acompanhado  dos  pacientes  se  dirige  para  o  local  escolhido. 
Desde  esse  momento,  ao  soba,  aos  pais  dos  circuncisados  e  a 
estes  é  absolutamente  vedado  ter  relações  sexuais  emquanto  não 
estiverem  completas  todas  as  cerimónias  de  iniciação.  De  ordi- 
nário os  pacientes  permanecem  30  a  40  dias  no  mato  para  cica- 
trização das  partes  operadas.  Designado  pelo  Kimbanda  o  dia 
em  que  os  operados  devem  regressar  à  libata,  cada  um  deles  corta 
um  pau  de  lenha  e  com  o  operado  à  frente  regressam  à  povoação. 
O  soba  previamente  prevenido  manda  preparar  uma  refeição  que 
se  toma  após  a  entrega  dos  paus  de  lenha  seguindo-se  depois  a 
distribuição  do  vinho  de  palmeira  e  com  ela  uma  orgia  que  vai 
terminar  nas  libatas  junto  da  família  dos  iniciados. 

A  iniciação  das  raparigas  cujas  práticas  não  podemos  minu- 
ciosamente averiguar,  parece  que  consiste  na  rotura  do  hymen 
com  uma  faca. 

Quando  um  homem  pretende  casar  principia  por  oferecer 
qualquer  coisa  à  rapariga  escolhida  declarando-lhe  a  sua  pre- 
tenção.  Se  ela  recebe  o  presente  é  porque  está  disposta  a  aceitar 
o  casamento  e  então  o  noivo  arranja  um  amigo,  com  quem  se 
apresenta  à  mãe  da  noiva,  para  que  lhe  exponha  a  pretenção,  con- 
servando-se  o  pretendente  calado.  Chamam-se  a  rapariga  e  as  tias, 
e  ficando  assente  o  casamento,  efectiva-se  vindo  o  amigo  que  acom- 
panhou o  noivo  e  uma  mulher  buscar  a  noiva,  entregando  nessa 
ocasião  à  família  da  noiva  o  penhor  do  contracto  do  casamento 
(alamb  amento). 

Entre  estes  povos  existe  a  poligamia. 

O  homem  tem  sobre  a  mulher,  sua  consorte,  direitos  de 
senhor  absoluto. 

As  mulheres  de  um  mesmo  marido  teem  iguais  direitos,  salvo 
22 


330  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

a  mais  antiga  a  quem  as  outras  devem  respeitos  e  a  quem  o 
homem  costuma  consultar  sobre  todos  os  negócios  do  casal,  não 
podendo  casar  com  nova  mulher  sem  o  seu  consentimento. 

A  mulher  incumbe  especialmente  tratar  dos  filhos,  dos 
arranjos  domésticos  e  das  lavras. 

Os  pais  pouco  direito  teem  sobre  os  filhos,  competindo-lhes 
no  entanto,  a  obrigação  de  os  cuidar  e  defender  pelos  que  são 
responsáveis  perante  a  família  da  mulher.  Quem  tem  direitos 
sobre  os  filhos  de  um  casal,  são  os  tios  maternos  que  intervém 
em  tudo  que  lhes  diz  respeito. 

Existe  o  divórcio,  sendo  variadíssimas  as  causas  que  o  de- 
terminam, no  entanto  a  mais  vulgar  tanto  da  parte  do  homem 
como  da  mulher  é  a  esterilidade.  E  também  causa  do  divórcio 
muito  frequente,  a  morte  dos  filhos,  neste  caso,  àlêm  do  divórcio, 
o  cônjuge,  que  o  Kimbanda  indica  como  causador  da  morte,  tem 
ainda  de  pagar  a  outro  uma  indemnização. 

A  mulher  divorciada  livre  do  vínculo  que  a  prendia,  facil- 
mente casa  outra  vez;  porem,  se  a  opinião  pública  lhe  é  diversa 
na  questão  do  divórcio  dificilmente  encontra  homem  que  a  aceite. 

Os  filhos  geralmente  acompanham  a  mãe,  visto  pertencerem 
ao  clan  materno  como  é  de  uso  nas  tríbus  da  raça  negra. 

O  adultério  é  frequente.  Quando  praticado  pela  mulher  é 
esta  chamada  em  primeiro  logar  pelo  marido,  e  se  averigua  que 
ela  foi  vítima  de  violação  ou  cilada  procura-se  o  culpado  que  é 
condenado  a  pagar  ao  marido  uma  indemnização  cuja  impor- 
tância varia  segundo  as  circunstâncias,  continuando  o  marido  e 
mulher  a  viver  em  bôa  paz;  se  a  culpa  está  do  lado  da  mulher, 
o  que  geralmente  esta  confessa,  tem  de  dizer  os  motivos  que  a 
levaram  a  proceder  assim,  realisando-se,  neste  caso,  um  julga- 
mento, que  termina  sempre  pelo  divórcio,  se  o  motivo  do  pro- 
cedimento da  mulher  foi  o  de  não  ter  filhos;  mas  se  o  motivo 
que  levou  a  mulher  ao  adultério  não  é  justo,  segundo  eles,  então  é 
em  geral  despresada  até  pela  própria  família,  sendo  muito  raro 
tornar  a  casar.  Em  tempos  obrigavam-na  a  ir  trabalhar  para 
pagar  uma  indemnização.    Hoje  esse  costume  caiu  em  desuzo. 

Em  geral  o  indígena  dispõe  do  que  tem,  emquanto  vivo,  dis- 
tribuindo os  seus  bens  pelas  mulheres,  de  forma  que  quando 
morre  está  a  herança  naturalmente  repartida;  no  entanto  se 
mais  alguma  coisa  deixou  ou  morre  solteiro,  pertencem  os  bens 
aos  irmãos  ou  tios  e  sobrinhos  maternos. 

Quando    alguém   está   doente  vai  um  parente  procurar  um 


DE   ANGOLA  331 

Kimbanda  (médico  feiticeiro  ©u  adivinhador)  para  zambular 
(adivinhar)  o  motivo  da  doença,  que  atacou  o  parente;  espíritos 
maus,  feitiços,  acidentes,  etc,  depois  do  que  se  chama  outro 
Kimbanda  o  qual  fica  sendo  o  assistente,  e  principia  a  tratá-lo. 
Os  remédios  empregados  são  em  geral  folhas  de  plantas,  raizes, 
etc.  ;  algumas  delas  com  virtudes  terapêuticas  comprovadas, 
mas  na  cura  das  doenças  entra  em  grande  parte  o  charlatanismo, 
a  feiticeria,  e  a  sugestão,  com  a  qual  na  verdade  obteem  muitas 
curas,  chegando  a  persuadir  o  doente  de  que  lhe  extraíram  da 
cabeça,  estômago,  etc,  objectos  variadíssimos,  como  balas,  en- 
xadas, pedras.  Estes  objectos  são  mostrados  na  própria  ocasião 
da  extracyão  ao  doente,  que  fica  completamente  capacitado  do 
engano  feito  pelo  Kimbanda. 

Não  consideram  a  morte  natural  ainda  que  o  indivíduo  tenha 
100  ou  mais  anos ;  houve  sempre  uma  causa :  feitiço,  etc. 

Em  seguida  à  morte  os  que  se  encontram  presentes  começam 
a  gritar  andando  em  várias  direcções  de  volta  da  cubata,  par- 
tindo outros  a  avisar  os  parentes  de  longe. 

O  morto  é  então  lavado  sendo-lhe  metido  no  ânus  um  rolo  de 
pano  e  o  consorte,  homem  ou  mulher  tem  então  que  se  espojar 
na  lama  que  a  água  da  lavagem  fez  no  chão  depois  de  que  é  o 
cadáver  ligado  com  panos  de  forma  a  ficar  de  cócoras  posição 
em  que  é  metido  na  sepultura. 

A  cova  tem  a  forma  circular  e  a  altura  necessária  ao  cadáver, 
sendo  depois  tapado  com  uma  lage  ao  nível  do  terreno  sobre  o 
qual  deitam  a  terra  extraída  da  cova,  colocando  sobre  a  terra 
uma  camada  de  pedras  soltas  e  acamadas. 

O  enterro  não  vai  àlêm  de  24  horas  não  podendo  o  soba  da 
libata  comer  emquanto  não  enterrarem  o  morto.  Se  a  fraqueza 
o  aperta  come  qualquer  coisa  mas  para  isso  desvia-se  para  fora 
da  banza,  ocultando-se. 

Crêem,  e  quando  algumg  calamidade  os  ataca,  o  Kimbanda 
chamado  Sembo  ou  N'Gana  Carambolo,  espécie  de  sacerdote  e 
encarregado  dos  sandes  e  relíquias  do  sobado  que  sempre  estão 
guardadas  em  cubata  especial  ao  lado  da  do  soba,  ali  vai  im- 
plorar e  fazer  prece,  mas  só  êle,  sendo  interdito  a  qualquer,  lá 
entrar  ou  tocar.  Pelo  mesmo  motivo  também  vai  rogar  às  se- 
pulturas dos  sobas  mais  importantes  para  que  não  deixem  perder 
a  libata. 

A  alma  (quilalo  ou  cazambi)  segue  o  corpo  para  a  sepultura, 
saindo  dali  sempre  que  lhe  apraz,  umas  vezes  para  exigir  dos 


332  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

vivos  qualquer  cousa:  comer,  beber  e  até  panos;  outras  vezes 
para  exigir  festas,  reparações  por  qualquer  acto  que  em  vida  ou 
depois  de  morto  contra  ele  praticassem,  regressando  logo  que 
fique  satisfeita.  Assim  muitas  vezes  se  vê  em  redor  da  libata 
tiras  de  panos  amarrados  nos  ramos,  outras  vezes  uma  panela  de 
carne,  indo  uma  bruxa  oferecer  e  espalhar  os  bocados  pelo  chão> 
com  o  que  bastante  lucram  os  esfomeados  cães  que  seguem  de 
perto,  engulindo  os  bocados,  que  no  dizer  de  gentio  foram  comidos 
pelos  cazambiz.  Emfim  sempre  que  atribuem  mal  ou  doença  ao 
quilulo,  teem  que  satisfazer  o  que  pede,  rogando-lhe  que  fique 
socegado,  que  nem  volte  a  apoquentar  nem  a  fazer  mal. 

A  todos  os  mortos,  como  atraz  se  explica  das  velhas,  tem  que 
se  lhes  fazer  a  festa  da  garapa,  matando  se  qualquer  cabeça  de 
gado;  se  porém  a  comemoração  é  a  da  morte  de  algum  soba 
importante,  manda  o  rito  que  seja  sacrificado  um  homem  que 
será  comido  na  festa,  sendo  a  cabeça  oferecida  ao  soba  morto. 
Esta  de  canibais  tem-se  feito  na  Tunda,  e  no  Amboim  não  se 
pode  pôr  em  dúvida  que  o  tenham  feito,  havendo  quem  o  afirme 
ter-se  efectuado  no  Assango  há  pouco,  por  morte  do  soba 
Sacanga. 

IV.  —  Da  vida  social 

Espécie  de  vida.  —  Classes  e  castas.  — 
Organização  política. — Regime  econó- 
mico. —  Propriedade.  —  Costumagens  ju- 
rídicas. 

Estes  povos  levam  vida  sedentária,  sendo  pouco  propensos, 
mesmo  a  sair  da  sua  terra. 

Existem  castas  e  classes.  A  organização  social  admite:  os 
sobas,  os  kilambas  (os  do  seu  conselho),  os  homens  livres  e  os 
escravos. 

A  organização  política  é  constituída  por  estados  ou  sobados 
governados  por  um  chefe,  o  soba,  que  é  assistido  por  um  con- 
selho. A  estes  estados  estão  subordinados  outros  mais  pequenos 
com  uma  organização  em  tudo  idêntica  à  do  estado  a  que  estão 
sujeitos. 

Os  chefes  dos  estados  são  eleitos  de  entre  os  parentes  dos 
chefes  falecidos,  e  exercendo  grande  preponderância  na  escolha 
as  mulheres  já  idosas,  indicando  os  defeitos  ou  qualidades  dos 
candidatos. 


DE   ANGOLA  333 

Como  já  dissemos  os  sobas  são  assistidos  por  um  conselho, 
composto  de  certo  número  de  macotas  ou  kilambas  que  residem 
junto  do  chefe,  e  que  são:  o  N'Gana  Carombolo,  encarregado 
das  relíquias  do  sobado;  o  kimbungo,  ajudante  dcf  soba  que  é 
um  seu  sobrinho;  o  N'Gana  Dengue,  irmão  do  soba;  o  N'Gana 
Kessongo;  e  o  N'Gana  Kapingana.  O  N'Gana  Kessongo  é  sempre 
um  escravo  idoso  da  confiança  do  soba  que  o  acompanha,  se- 
guindo-o  atrás,  uma  espécie  de  mordomo  mór  e  confidente. 

A  organização  política  não  pode  ser  classificada  de  autocrata 
ou  ditatorial,  e  o  soba  com  o  seu  conselho,  competindo-lhe  in- 
terpretar as  leis  ou  costumes  e  impor  a  sua  execução,  tem  sempre 
em  mira  conservar  os  usos,  procurando  resistir  ou  intravar 
qualquer  inovação  que  o  povo  queira  introduzir. 

São  muito  limitados  os  direitos  dos  sobas,  mais  ou  menos 
sujeitos  ao  que  o  seu  conselho  lhes  impõem.  Quanto  aos  seus 
deveres,  tem  por  obrigação  representar  o  povo,  presidindo  ao 
conselho,  defendê-lo  perante  extranhos  até  ao  sacrifício,  sendo 
tanto  mais  estimado  quanto  mais  diplomata  ou  sofismador  seja. 
Os  seus  rendimentos  limitam-se  à  parte  que  tem  na  caça  que  se 
abate  na  área  da  sua  jurisdição,  e  ao  que  lhe  compete  na  resolu- 
ção das  questões  e  ofertas  feitas. 

Quando  da  morte  de  um  soba,  toda  a  libata  se  agita  em  uma 
perfeita  orgia  durante  alguns  dias.  A  criação  que  existe  é  aba- 
tida e  consumida;  os  valores  móveis  do  soba  são  repartidos;  e 
em  tempos,  conta-se  que  até  as  crianças,  se  as  mães  se  descui- 
davam, eram  apanhadas  e  vendidas. 

Afirma-se  que  na  região  da  Tunda,  quando  da  morte  de  um 
soba,  o  enterro  deste  aguarda  que  os  caçadores  vão  em  pro- 
cura de  um  homem  que  apanhado  descuidado  escolhem  para 
vítima,  decepando-lhe  a  cabeça  que  será  sepultada  com  o  soba. 
Igualmente  se  conta  que  no  Pungo  é  de  uso  o  sacrificarem-se 
duas  crianças  para  serem  sepultadas  com  o  soba  afim  de  no 
túmulo  ficarem  ao  seu  serviço,  uma  para  água,  e  outra  para  a 
lenha. 

Nesta  mesma  região  no  Pungo  o  soba  ao  tomar  posse  do  seu 
cargo,  depois  da  eleição,  e  ao  assentar-se  tem  que  sacrificar  duas 
crianças  uma  de  cada  sexo,  que  são  colocadas  ao  lado  da  cadeira 
e  que  este  ao  sentar-se  mata  com  duas  facas  que  impunha  em 
cada  uma  das  mãos. 

Ao  soba  é  defeso  falar  ou  imitir  opinião  que  não  seja  na  pre- 
sença dos  kilambas,  por  isso  sempre  que  os  seus  vassalos  lhe  vem 


334  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

pedir  a  sua  opinião  ou  algum  favor,  o  soba  diz-lhe  sempre  que 
volte  no  dia  em  que  reúne  o  seu  conselho. 

Existe  o  comércio  de  permuta,  constituindo  a  sua  moeda  os 
produtos  das  suas  culturas  ou  da  industrialização  daqueles  que 
colhem  das  árvores  espontâneas. 

A  propriedade  do  solo  pertence  ao  sobado,  eompetindo  ao 
soba  dispor  dela,  para  o  que  os  seus  súbditos,  quando  pretendem 
fazer  uma  nova  plantação,  escolhem  o  local,  e  comunicam  no  ao 
soba. 

Existem  os  contractos  de  locação,  de  compra  e  venda,  e  de 
empréstimo,  feitos  verbalmente  mas  sempre  perante  testemunhas. 

As  questões  ou  causas  são  julgadas  pelo  conselho  dos  kilambas 
presidido  pelo  soba,  onde  se  discutem  com  toda  a  amplitude,  ou- 
vindo testemunhas  e  advogado  do  réu,  e  produzindo-se  as  provas 

Proferida  a  sentença  fica  a  liberdade  ao  condenado  de  pagar 
ou  não,  mas  sempre  o  faz  sob  ameaça  do  outro  litigante  lhe 
fazer  feitiço,  cujo  sentido  lato  quer  dizer,  fazer  mal  por  todas 
as  formas  e  feitios, 


CAPITULO  XV 
TRÍBTJ  BIMBUNDO 


CACONDAS,    BIENOS,   BAILUNDOS,   HUAMBOS,   SAMBOS,   GANDAS 
HANHAS,  GALENGUES,  SELES,  MUSSUMBES  E  CtUILENGUES 


I.  —  Dos  caracteres  etnográficos  gerais 

Origem  destes  povos.  —  Sua  situação  geo- 
gráfica. —  População. 

A  semelhança  dos  usos  e  costumes  das  tríbus  que  vamos  estu- 
dar, sobretudo  no  que  diz  respeito  à  língua  falada  que  é  o  m'bundu, 
apenas  com  algumas  variações  fonéticas  de  tríbu  para  tríbu  e  em 
especial  para  os  Quilengues  e  Galengues  levou-nos  a  incluir  em 
um  só  grupo,  Bimbundo  (plural  de-  nVbundo)  as  tríbus  acima 
indicadas,  a  fim  de  evitar  fastidiosas  repetições  no  estudo  dos 
usos  e  costumes  das  populações  indígenas  de  Angola,  que  por 
sua  natureza  já  bastante  árida  é.  E  tanto  mais  que,  as  razões 
de  existência  da  maioria  destas  tríbus  tem  a  sua  explicação  uni- 
camente, em  uma  questão  de  ordem  política,  visto  que  são  pro- 
venientes da  separação  de  sub-estados  que  descontentes  se 
tornaram  independentes  dos  chefes  gentílicos  a  que  estão  subor- 
dinados. 

Parece  que  estes  povos  são  descendentes  dos  que  fizeram  a 
sua  entrada  pelo  norte  da  província,  e  que  os  seus  ascendentes 
vindos  do  Congo  foram  os  primeiros  invasores  do  planalto  de 
Benguela.  A  esta  invasão  se  veio  juntar  a  dos  povos  cuja  emi- 
gração se  fez  por  sudeste,  nordeste  e  sul  da  província.  Da  fuzão 
de  parte  da  tríbu  cuja  emigração  se  deu  pelo  norte,  pelo  sudeste 


336 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


e  nordeste,  resultaram  os  diversos  tipos  que  actualmente  constituem 
as  tríbus  em  estudo,  salvo  para  os  Bimbar,  uma  espécie  de  classe 
entre  os  Cacondas,  que  são  o  produto  do  cruzamento  daqueles 


Bimbundu  —  Mulher  Galangue 

povos  com  os  antigos  degredados  do  presídio  que  durante  muitos 
anos  existiu  em  Caconda. 

Estas  tríbus  ocupam  extensos  territórios  no  distrito  de  Ben- 
guela entre  a  costa  e  os  rios  Cuanza  e  Cubango,  estendendo-se: 
os  bienos  pela  região  do  planalto,  limitando  a  leste  pelo  Cuanza, 
e  a  norte  e  oeste  pelo  Cunhinga  e  a  sul  pelo  Coquema ;  os  bai- 


DE  ANGOLA  337 

lundos,  do  rio  Cutato  para  àlêm  do  Queve;  os  seles,  deste  rio  à 
costa;  os  mussumbes,  ao  norte  destes,  entre  a  costa  e  o  Cuvo ; 
os  hanhas,  ao  sul  dos  seles  entre  a  costa  e  a  Ganda;  os  gandas 
nesta  última  região;  os  Huambos,  entre  os  rios  Caiae  e  Cunene; 
os  sambos,  entre  este  rio  e  o  Cubango;  os  cacondas  ao  sul  destes; 
os  quilengues  na  região  do  mesmo  nome;  e  os  galengues  ao  sul 
dos  sambos  entre  os  rios  Cunene  e  Cubango. 

A  vasta  região  ocupada  por  estes  povos  e  em  especial  a  parte 
planáltica  é  talvez  aquela  da  província  onde  a  densidade  da 
população  indígena  é  maior,  e  que  tende  a  aumentar  devido  por 
certo  ás  suas  condições  climatéricas. 

Os  povos  destas  tríbus  são  na  maioria  bem  constituídos, 
robustos,  musculados,  joviais  e  expansivos.  A  má  índole  e  as 
qualidades  de  ladrões,  traiçoeiros  e  assassinos,  que  as  caraterisava 
emquanto  se  não  efectuou  a  ocupação,  hoje  não  existe,  podendo 
classificar-se  das  mais  laboriosas  da  província. 

São  de  estatura  mais  que  regular  e  aprumados. 

A  côr  da  pele  é  de  preto  retinto  entre  os  que  habitam  o  lito- 
ral; entre  os  povos  que  habitam  a  parte  planáltica,  a  côr  da  pele 
é  menos  retinta,  nas  regiões  mais  expostas  aos  raios  solares,  e 
abronzeada  nas  menos  expostas. 

II.  —  Da  vida  material  e  intelectual 

Cuidados  dados  ao  corpo.  —  Vestuário.  — 
Alimentação.  —  Habitação.  —  Meios  de 
existência.  —  Misteres.  —  Ocupações.  — 
Artes.  —  Sciências.  —  Faculdades  intele- 
ctuais. 

Estes  povos,  como  em  geral  a  maioria  dos  que  povoam  a 
província,  teem  pouco  cuidado  consigo  próprio,  não  praticando 
exercícios  especiais  que  não  sejam  as  viagens  que  fazem  para 
permutarem  os  seus  géneros,  e  lavando-se  raras  vezes.  Em  com- 
pensação merece-lhes  especial  cuidado  o  tratamento  da  boca  e 
dentes  que  manteem  muito  limpos. 

Estes  povos  usam  untar  o  corpo  com  azeite  de  palma. 


338  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

São  variadíssimos  os  penteados  usados  por  estes  povos  de  que 
passamos  a  dar  uma  ideia  tanto  quanto  possível  rigorosa  e  apro- 
ximada. Os  homens  da  tríbu  em  estudo  usam  o  cabelo  cortado  e 
pouco  comprido;  somente  os  quilengues  fazem  excepção  a  esta 
regra  e  usam  vários  penteados,  ora  solto,  ora  rapado,  deixando 
ficar  uma  tira  no  alto  da  cabeça,  ora  com  cortes  variados.  As 
mulheres  em  geral,  usam  torcer  o  cabelo,  deixando-o  cair  sobre 
o  pescoço  e  ombros  em  canudos  semelhante  a  tranças,  ás  vezes 
fixam  nas  extremidades  das  tranças  umas  poucas  de  voltas  de 
arame  amarelo ;  no  entanto  algumas  mulheres  solteiras  usam  o 
cabelo  solto,  e  grande  número  daquelas  que  pertencem  ás  tríbus 
caconda,  bieno,  e  bailundo  usam-no  cortado  rente.  Dos  penteados 
os  mais  caraterísticos  são  os  das  mulheres  quilengues,  que  cos- 
tumam fazer  três  bandós,  sendo  um  no  alto  da  cabeça  e  dois  nos 
lados  presos  atrás  por  taxas  amarelas. 

Nesta  confecção  de  penteados  usam  ferros  e  pentes  adquiridos 
no  comércio  ou  por  eles  fabricados;  é  vulgar  trazerem  estes 
enfeitando  a  cabeça. 


O  vestuário  é  o  tradicional  pano,  entre  estes  povos  um  amplo 
pano,  cobrindo-lhe  as  pernas  até  ao  tornozelo  ou  mesmo  até  ao 
chão,  suspenso  em  volta  da  cintura  para  os  homens,  e  por  cima 
dos  seios  e  por  debaixo  dos  sovacos,  para  a  maioria  das  mulheres. 
Trazem  o  tronco  nu  ou  cobrem-no  com  um  outro  pano ;  alguns 
homens  vestem  camisas,  camisolas,  casacos,  etc,  e  algumas  mu- 
lheres, principalmente  as  raparigas,  trazem  o  tronco  nu,  enco- 
brindo os  seios  com  um  lenço  que  amarram  por  debaixo  dos 
sovacos.  O  cobertor  de  lã  encontra-se  em  uso,  mais  ou  menos 
entre  estes  povos,  com  que  cobrem  o  tronco  nas  manhãs  frias. 
Nestas  tríbus,  e  principalmente  entre  os  cacondas  encontram-se 
indígenas  trajando  calças. 

Em  geral  trazem  a  cabeça  descoberta  e  andam  descalços;  no 
entanto,  está  mais  ou  menos  vulgarizado  o  uso  do  chapéu  e  cal- 
çado. Em  viagem  todos  os  indígenas  costumam  usar  alpercatas 
de  couro. 

Os  homens,  a  não  ser  em  práticas  de  feitiçaria,  não  usam 
adornos,  nem  fazem  a  aplicação  de  cores  no  corpo;  é  vulgar  o 
costume  de  uma  fita  de  retrós  em  volta  do  pescoço  em  que  sus- 
pendem uma  medalha  adquirida  no  comércio  europeu.    As  mu- 


DE  ANGOLA 


339 


lheres  é  que  em  geral  se  enfeitam  com  missangas  e  contarias, 
que  trazem  ao  pescoço,  nos  pulsos,  artelhos  e  cintura.    Algumas 


Tipos  Bimbundu  (Chineca  —  Caconda) 

mulheres  seles,  hanhas,   cacondas   e   quilengues,    também  usam 
nos  pulsos  e  nos  artelhos  pulseiras  feitas  de  arame  amarelo. 

No  que  diz  respeito  a  tatuagem,  praticam-na,  nos  rostos,  nas 
costas  e  no  ventre,  quer  por  pequenos  cortes,  quer  por  pontuados 
de  agulhas  embebidas  em  líquidos  negros  que  se  tornam  inde- 
léveis. 


340  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Os  seles,  hanhas  e  gandas  usam  as  orelhas  furadas,  e  alguns 
dos  povos  daquela  primeira  tríbu  costumam  igualmente  furar  o 
nariz. 


A  base  de  alimentação  é  vegetal  constituída  pelas  papas  de 
farinha  de  mandioca  ou  de  milho  a  que  já  nos  referimos  no 
estudo  das  outras  tríbus  e  cuja  preparação  em  nada  difere.  Além 
das  papas,  alguns  destes  povos,  como  os  bailundos,  usam  umas 
outras  feitas  de  farinha  de  milho,  pisada  com  o  grão  molhado, 
para  se  lhe  separar  a  casca,  e  uma  espécie  de  pão  ou  bolo  igual- 
mente de  farinha  de  milho,  amassada  e  colocada  entre  folhas 
verdes  de  bananeiras,  que  leva  ás  brazas. 

Comem  feijão  cosido  em  água  e  sal,  a  que  ás  vezes  juntam 
azeite  de  palma;  esperregado  de  rama  de  mandioca  ou  de  abó- 
bora; gafanhotos,  lagartos  e  alguma  caça;  de  longe  em  longe 
carne  de  porco,  e  só  por  motivo  de  festa  abatem  bois;  o  peixe 
que  em  geral  preparam  limpando-o,  espetando-o  em  um  pau,  e 
assando-o  sem  sal,  que  pouco  a  pouco  comem  cosido. 

Não  aproveitam  o  leite  de  vaca  nem  o  de  cabra. 

Como  tempero  fazem  uso  do  sal  e  do  azeite  de  palma. 

No  que  diz  respeito  a  bebidas,  usam  a  que  obteem  da  fer- 
mentação da  farinha  de  milho  com  o  auxílio  do  luco  germinado 
que  reduzem  a  farinha  e  que  chamam  kimbombo  ou  com  uma 
raiz  cortada  em  bocados  ou  mesmo  a  farinha  do  próprio  milho 
grelado,  que  denominam  kissanga. 

Em  geral  teem  uma  só  refeição  por  dia  ao  cair  da  tarde  ou 
à  noite.  Os  homens  não  comem  com  as  mulheres,  nem  com  os 
sogros,  tomando  primeiro  a  refeição  os  homens  e  só  depois  as 
mulheres,  os  homens  comem  em  geral  no  jango  (cubata  que  serve 
de  uma  espécie  de  club  da  sanzala)  e  as  mulheres  nas  cubatas. 

Fazem  uso  dos  fósforos,  fumam  o  tabaco  e  o  cânhamo,  em 
cachimbos  e  muitos  cheiram  igualmente  o  tabaco,  para  o  que 
o  trazem  numa  caixa  que  usam  suspensa  à  cintura. 


* 


O  tipo  de  habitação  é  a  cubata  de  forma  circular  ou  retan- 
gular,  sendo  a  mais  geralmente  usada  esta  última. 


DE   ANGOLA  341 

A  cubata  entre  estes  povos  apresenta-se  nas  sua  linhas  gerais 
com  um  aspecto  de  maior  elegância,  do  que  as  dos  povos  do 
norte  da  província,  as  linhas  de  água  são  mais  inclinadas  e  as 
paredes  na  maioria  são  barradas  e  muitas  com  aparência  de 
caiadas  ou  pintadas,  se  não  no  todo,  pelo  menos  em  uma  faixa 
junto  da  cobertura  ou  do  solo  pelo  emprego  de  barro  branco  ou 
vermelho. 

A  distribuição  das  cubatas  na  libata  (aldeia)  não  preside 
qualquer  traçado  geométrico  ou  simétrico,  visto  que,  determinado 
o  local  da  libata  os  homens  construem  a  sua  cubata  agrupando-se 
por  famílias.  As  libatas  são  sempre  cercadas  por  palissadas  de 
pau  a  pique  que  na  maioria  das  vezes,  pegando  de  estaca  se 
transformam  em  palissadas  de  árvores.  Estas  palissadas  em 
algumas  libatas  são  fechadas  por  portas  características  e  que  não 
é  fácil  de  abrir  quando  fechadas;  são  elas  constituídas  por  dois 
ou  três  troncos  suspensos  na  parte  superior  por  uma  charneira 
que  lhe  permite  um  movimento  de  rotação  em  volta  dela,  de  forma 
que  a  porta  assim  constituída,  se  abra  de  fora  para  dentro.  Estas 
portas  que  se  conservam  abertas  por  meio  de  forquilhas  cravadas 
no  solo,  obstando  a  que  tomem  a  posição  vertical,  fecham-se 
atravessando-lhe  na  parte  inferior  um  tronco  que  serve  de  tranca. 

Como  a  libata  é  composta  por  um  certo  número  de  famílias, 
que  vivem  por  grupos,  separadas  as  cubatas  de  famílias  diferen- 
tes por  palissadas,  a  libata  torna-se  por  vezes  um  complicado 
labirinto  de  corredores  de  onde  ás  vezes  não  é  fácil  sair.  Esco- 
lhem de  preferência  como  local  para  a  construção  das  libatas,  os 
sítios  altos  e  perto  das  nascentes  dos  rios,  não  obedecendo  a 
princípios  especiais  de  tradição  senão  o  local  das  embalas  dos 
sobas. 

Nas  libatas  ha  sempre  uns  telheiros  de  cobertura  de  colmo, 
chamado  jango,  uma  espécie  de  club,  onde  reúnem  os  homens  da 
libata,  a  palestrar,  fumar  e  beber. 

Entre  estes  povos  as  cubatas  teem  em  geral  três  e  quatro 
divisões  e  nalgumas  veem-se  já  pequenas  janelas;  no  que  diz  res- 
peito a  mobiliário  são  dignas  de  menção  as  camas  de  madeira  com 
os  seus  colchões  feitos  de  tiras  de  couro  por  eles  construídos, 
hoje  bastante  vulgarizadas  principalmente  entre  os  huambos  e 
sambos;  àlêm  da  cama  constitue  o  mobiliário,  bancos  e  mesmo 
cadeiras,  ás  vezes  uma  arca,  e  o  trem  de  cosinha,  constituído  por 
panelas  de  barro  e  colheres  de  pau. 


342 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


Estes  povos  exercem  atualmente  a  agricultura  com  uma  rela- 
tiva intensidade,  visto  que  dedicando-se  anteriormente  à  indústria 
e    comércio    da    borracha,    com   a  baixa   desta  viram-se  força- 
dos a  lançar  mão 
■I  '-'-1     da    agricultura. 

Neste  mister,  na 
parte  referente  à 
preparação  de  ter- 
renos e  semen- 
teiras são  das 
atribuições  dos 
homens,  coadjuva- 
dos pelas  mulhe- 
res, na  parte  refe- 
rente à  colheita  dos 
frutos,  pertence 
ela  quási  que  ex- 
clusivamente à 
mulher. 

Das  tríbus  em 
estudo  as  mais 
agrícolas  são :  os 
cacondas,  bailun- 
dos,  huambos  e 
hanhas. 

4s  culturas  do- 
minantes são :  o 
milho,  o  feijão, 
a  abóbora,  a  ba- 
tata, a  jinguba,  a 
batata  doce,  a  mandioca,  a  massambala  e  o  tabaco. 

A  agricultura  exercese  por  processos  rudimentares  e  sim- 
plesmente com  o  auxílio  das  pequenas  enxadas  gentílicas  e  ma- 
chados. 

Quási  todos  estes  povos  exercem  a  caça;  os  hanhas,  por  certo 
os  melhores  caçadores,  exercem-na  por  assim  dizer,  por  arte,  e 
em  batidas  que  duram  dias;   os  restantes  exercem  a  caça  em 


Musseles  —  Um  soba  e  sua  família  prisioneiros 


DE  ANGOLA  343 

menor  escala  em  geral  por  ocasião  das  queimadas;  os  que  exer- 
cem menos  são  os  quilengues. 

Para  a  caçada  característica  das  queimadas,  reune-se  um 
certo  número  de  caçadores  acompanhados  de  cães,  que  lançando 
fogo  nos  três  pontos  cardeais  do  mato  a  queimar  vão  esperar  a 
caça  no  ponto  livre,  à  medida  que  ela  vai  saindo,  espavorida  e 
desnorteada,  a  vão  abatendo. 

Empregam  na  caça  a  arma  de  espoleta,  pistão,  a  seta  e  a  moca. 

A  pesca  entre  estas  tríbus  é  principalmente  exercida  na  costa 
pelos  mussumbos  nas  suas  características  canoas  (bimbas)  —  cons- 
truídas em  forma  de  leque  de  troncos  de  um  arbusto  aquático 
muito  leve  que  é  vulgar  encontrar  na  foz  dos  rios,  e  com  as  quais 
se  avantajam  às  vezes  ao  largo  no  exercício  desta  profissão,  e 
pelos  bailundos,  bienos,  cacondas,  huambos  e  outros  nos  pequenos 
rios  da  região  planáltica,  mas  em  pequena  escala,  apenas  para  a 
sua  alimentação.  Para  a  pesca  usam  uns  cestos  de  forma  cónica 
de  malha  estreita,  tendo  de  comprimento  dois  ou  três  metros,  e 
um  diâmetro  de  boca  inferior  a  um  metro,  colocam  este  cesto  a 
jusante  do  rio,  com  a  abertura  para  o  montante,  onde  removem 
a  água  turvando  de  forma  que  o  peixe  desnorteado  e  cego  arras- 
tado pela  corrente  do  rio  vai  meter-se  nos  cestos.  Empregam 
igualmente  lançar  à  água  uns  tubérculos  ou  folhas  de  uma  árvore 
pisada,  que  tem  a  propriedade  de  atordoar  o  peixe,  vindo  à  su- 
perfície podendo  assim  apanhá-lo  à  mão. 

Todos  estes  povos  se  dedicam  à  criação  de  gado,  fazendo-o 
em  maior  escala  os  quilengues,  os  gandas  e  os  hanhas ;  as  tríbus 
da  zona  planáltica  são  as  que  criam  menos  gado. 

Os  quilengues,  gandas  e  hanhas  dedicam-se  sobretudo  à  creação 
de  gado  bovino  e  caprino;  os  bienos,  bailundos,  huambos  e  sam- 
bos  principalmente  à  creação  de  gado  suino. 

No  que  diz  respeito  às  indústrias  que  estes  povos  exercem, 
merece  menção  a  indústria  metalúrgica,  distinguindo-se :  os  bai- 
lundos, bienos,  huambos  e  sambos  no  fabrico  de  enxadas,  zagaias, 
em  concertos  de  armas  de  fogo  os  quilengues,  em  anilhas  e  pul- 
seiras os  hanhas  e  gandas. 

No  fabrico  de  esteiras  e  quindas  (cestos)  distinguem-se  os 
bailundos,  bienos,  huambos  e  sambos,  e  principalmente  os  cacon- 
das que  imitam  qualquer  objecto  de  arte  que  se  lhes  dê  para 
padrão. 

Estas  tríbus  todas,  mais  ou  menos,  exercem  as  indústrias 
rudimentares  de  olaria,  e  de  moagem  por  trituração. 


344 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


Exercem  a  indústria  de  tanoaria,  fazem  a  exploração  da  cera 
e  do  mel,  da  goma  copal  e  da  borracha,  conhecida  por  borracha 
das    ervas,    hoje  em   muito   pequena   escala   devido   à   baixa   de 

preço,   e  fabricam  o  azeite  de 
J!     palma,  principalmente  os  hanhas 
'.     1     eos  seles. 


Estes  povos  falam  o  m'bun- 
du,  a  língua  falada  por  maior 
número  de  tríbus  do  distrito  de 
Benguela,  e  a  que  nos  referire- 
mos mais  detalhadamente,  como 
fizemos  para  o  kimbundo. 


pronúncia 

O  alfabeto  n^bundu  pode 
compôr-se  de  vinte  letras  a  sa- 
ber :  a,  b,  d,  e,  f,  g,  h,  i,  j,  k, 
m,  n,  o,  p,  r,  s,  t,  u,  v,  y. 

Os  a,  e,  f,  i,  m,  n,  o,  p,  q,  t, 
u,  teem  o  mesmo  som  que  em 
português. 

Os  b,  d,  q,j,  são  sempre  pre- 
cedidos de  um  som  nasal. 

Emprega-se  o  h  para  indi- 
car que  a  sílaba  que  principia 
por   aquela   consoante   deve  ser   aspirada. 

O  j  tem  sempre  o  mesmo  som  áspero  de  degê. 
O  k  tem  sempre  antes  de  qualquer  vogal  o  valor  de  c  portu- 
guês antes  de  a,  o,  u. 

O  r  tem  sempre  o  som  brando  do  r  em  português  entre  vogais. 
O  s  tem  o  som  sibilante  do  s  português  no  princípio  das  pa- 
lavras ou  depois  da  consoante. 

O  v  tem  um  som  compreendido  entre  o  b  e  o  v  português. 


Tipo  Mnssumbe 


DE    ANGOLA 


345 


SUBSTANTIVOS 


Género 


Em  m'bundu  não  se  forma  o  género  por  alteração  na  palavra. 
Indica-se  o  género  pelos  adjectivos : 

Ulume  ou  ondue  (para  animais  grandes  do  género  masculino). 

Otchilume  ou  Oka~ 
tchilume  (para  animais 
pequenos  do  género 
masculino). 

Ukai  ou  omange 
(para  animais  grandes 
do  género  feminino). 

Otchipange  ou  oka 
tchipange  (para  animais 
pequenos  do  género  fe- 
minino). Há  ainda  al- 
guns termos  diversos 
para  designar  o  macho 
ou  fêmea  de  determina- 
dos animais. 

Número 

For  ma -se  o  plural 
dos  substantivos  por 
mudança  no  começo  das 
palavras,  que  consiste 
na  substituição  de  uma 
letra  ou  grupo  de  letras 
por  outra  letra  ou  grupo, 
denominadas  prefixos  tíPo  Mussumbe 

dos  substantivos. 

Fazem  excepção  a  esta  regra  algumas  palavras  cujo  plural 
difere  do  singular  no  começo  e  no  fim  e  outras  que  são  uniformes 
para  os  dois  sexos.  Umas  e  outras  são  em  tão  pequeno  número, 
que  adiante  as  mencionaremos  quási  na  sua  totalidade. 

PREFIXOS 

Constituem  os  prefixos  a  chave  da  língua;  com  eles  se  forma  o 
plural,  as  concordâncias  e  até  por  vezes  servem  de  verbo  auxiliar. 

Substituindo-se,  antepondo-se,  intercalando-se  operam  toda  a 
mecânica  do  m/bundu, 
23 


346 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


Prefixos  dos  substantivos 


No  singular 

No  plural 

Princi- 
pais 

Menos  usados 

Forma 
mais 
usual 

Formas 
excepcio- 
nais 

Significando 
pessoas 

Indicando  natura- 
lidades 

Otchi 

_ 

Ovi 

I 





0 

— 

Olo 

— 

— 

— 

Olu 

— 

01o 

— 

— 

— 

U 

— 

Ovi 

Ovo..I.. 

A.  Ova 

Va    Â.Ova.. 

Oka 

— 

Otu 

— 

— 

— 

E 



A 

— 

— 

— 

Ê 

— 

Ova 

Ovex 

— 

— 

— 

I  (principiando 
a  palavra  por 

Ova 

Ovae 

— 

— 

— 

consoante) 

— 

— 

Vô  (anteposto) 

— 

— 

Okuo 

Ovô 

Ovo 

— 

— 

— 

Oku 

Ovo 

— 

— 

— 

— 

Ou 

Au 

— 

— 

— 

— 

Omu.  .Orno. . 

Orna 

— ■ 

— 

— 

EXEMPLOS 
Classe  otchi  —  ovi : 

Otchina             coisa  ovina  coisas 

Otchindele         branco  ovindele  brancos 

Otchite               pau  oviti  paus 

Otchiquengue   periquito  oviquengue  periquitos 

Otchivela           ferro  ovivela  ferros 

Otchimunu        ladrão  ovimunu  ladrões 

Otchimbundu    preto  ovimbundu  pretos 

Otchipa              pele  ovipa  peles 

Também  se  usa  o  plural  em  i,  porém  o  mais  usado  moder- 
namente é  o  ovi. 


Classe  o  —  olo  : 

Ombua 

cão 

olombua 

cães 

Osema 

soba 

olosema 

sobas 

Orneia 

boca 

olomela 

bocas 

Onde 

colmeia 

olonde 

colmeias 

Ombiga 

chifre 

olombinga 

chifres 

Onjiavite 

machada 

olonjiavite 

machadas 

Ombia 

panela 

olombia 

panelas 

Omunda 

monte 

olomunda 

montes 

Pop.  indígenas  de  Angola. 


(347) 


DE  ANGOLA 

Omuko 

rato 

olomuko 

ratos 

Ongamba 

carregador 

olomgamba 

carregador 

Classe  olu  — 

olo : 

Oluhaco 

sapato 

olohaco 

sapatos 

Olusolo 

bala 

olosolo 

balas 

Olumati 

costela 

olo  ma  ti 

costelas 

Olungiala 

unha 

olòngiala 

unhas 

Oluhisa 

percevejo 

olohisa 

percevejos 

Olusi 

peixe 

olosi 

peixes 

Classe  u  —  ovi : 

Utue 

cabeça 

ovitiie 

cabeças 

Uti 

árvore 

ovitue 

árvores 

Umuini 

dedo 

ovimuini 

dedos 

Usenge 

seta 

ovisenge 

setas 

Utima 

coração 

ovitima 

corações 

Excepções  com  o  plural  em  ovo 

i  j 

Uta 

arma 

ovota 

armas 

Ula 

cama 

ovola 

camas 

Unga 

zagaia 

ovonga 

zagaias 

Também  se 

pode  formar  o 

plural  em  i, 

mas  é  pou( 

Classe  u  —  a 

(significando  pessoas)  : 

Ulume 

homem 

alume 

homens 

Ukai 

mulher 

akai 

mulheres 

Ukuengie 

rapaz 

akuengie 

rapazes 

Umalehe 

jovem 

amalehe 

jovens 

Ukomhe 

hóspede 

akombe 

hóspedes 

Upica 

escravo 

apica 

escravos 

Ufeko 

rapariga 

afeko 

raparigas 

Ungorabo 

pastor 

amgombo 

pastores 

347 


No  Bié  usam  de  preferência  o  plural  em  ova  (Ex.  Ulume 
Ovalume). 


Classe  u  —  va  : 

Umbuela 
Ugalange 


preto  ambuela 
preto  galange 


vambuela 
vagalange 


pretos  ambuelas 
pretos  galanges 


Em  algumas  regiões  usa-se  também  o  plural  em  a  e  em  ova. 

Classe  oka  —  utu : 

andorinhas 
papagaios 


Okamiapia     andorinha 
Okalongq       papagaio 


otumiapia 
otulongo 


348 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


Okapamba  milhano  otupamba  milhanos 

Okandingo  canário  otundingo  canários 

Okaliama  gavião  otuliama  gaviões 

Okalundilili  morcego  otulundilili  morcegos 

Esta  classe  indica  diminuitivos.  Nenhum  outro  exemplo  se 
encontra  e  dos  apontados  se  exceptuarmos  Okalongo  e  Okaliama, 
os  restantes  são  aves  pequenas. 


Classe  e—  a: 

Etimba 

corpo 

atimba 

corpos 

Eterno 

enxada 

atemo 

enxadas 

Epute 

ferida 

ápute 

feridas 

Elonga 

prato 

alonga 

pratos 

Enhulo 

nariz 

anhulo 

narizes 

Evimbi 

milhafre 

avimbi 

milhafres 

Esisa 

esteira 

asisa 

esteiras 

Evele 

mama 

avele 

mamas 

Emela 

folha 

ameias 

folhas 

Epungo 

milho 

apungo 

milho 

Ekongo 

velhote 

akongo 

velhotes 

Eyui 

doido 

ayui 

doidos 

Obs.  —  No  Bié  usa-se  o  plural  em  ova  para  todos  os  subs- 
tantivos que  no  singular  terminam  em  e  aberto  ou  mudo. 


Classe  em  é —  ova  : 


Eyo 

Éka 

Épia 

Éué 

Étui 


dente 

mão 

lavra 

pedra 

orelha 


ovayo 

ovaka 

ovapia 

ovaue 

ovatui 


dentes 

mãos 

lavras 

pedras 

orelhas 


Formas  excepcionais  em  ovo: 


Enha 
Éngu 
Énhu 


pena 
larva 
verme 


Classe  y  —  ovae  ou  ova  : 


Imo 
I  so 
lmbo 


barriga 

olho 

aldeia 


ovonha 
ovongu 
ovonhu 


penas 

larvas 

vermes 


ovaemo  ou  ovamo        barrigas 
ovaeso  ou  ovaso  olhos 

ovaembo  ou  ovambo   aldeias 


Ina  mãe  forma  o  plural  excepcionalmente  vaina  mães. 
Classe  okuo  ou  oku  —  ovo : 


Okuoko 
Okulo 


braço 
perna 


ovoko 
ovolu 


braços 
pernas 


DE   ANGOLA 


349 


Classe  ou  —  au  : 

Ouatu                canoa 
Ouanga              malefício 
Ouanda              tipóia 
Ouango              erva 

auato 
auanga 
auanda 
auango 

canoas 
malefícios 
tipóias 
ervas 

Classe  omu,  orno  —  orna : 

Omunu              homem 
Omola                filho 

omanu 
omala 

homens 
filhos 

DIMINUITIVOS 

Com  as  raras  excepções  indicadas,  todos  os  nomes  cujos  pre- 
fixos sejam  oka  ou  otu  significam  diminuitivos. 

Forma-se  o  diminuitivo  dos  substantivos  com  estes  dois  prefi- 
xos e  observando  as  regras  seguintes: 

No  singular 

I  —  Os  que  principiam  pelas  vogais  o  ou  e  mudam-na  pelo 
prefixo  oka. 

II  —  Os  que  principiam  por  iouu  antepõe-se-lhes  o  mesmo  pre- 
fixo oka  com  o*  qual  pela  regra  geral  das  contrações  de  ai  em  ae 
e  de  au  em  ó,  equivale  a  mudar  o  i  inicial  em  okae  e  o  u  em  oko> 

No  plural 

I  —  Os  que  principiam  por  olo  mudam  este  prefixo  em  otu. 

Os  restantes  cuja  vogal  inicial  do  prefixo  é  o  substituindo 
esta  vogal  pelo  prefixo  otu. 

II  —  Todos  aqueles  cuja  letra  inicial  é  a  ou  outra,  antepondo 
o  prefixo  otu.  Ex. : 


Singular 

Plural 

Otchite 

pau 

Okatchite 

pausinho 

Ovite 

paus 

otuvite 

pausinhos 

Ombua 

cão 

okambua 

cãosinho 

olombua 

cães 

otulombua 

cãesinhos 

Oluhaco 

sapato 

okaluhaco 

sapatinho 

ouhaco 

sapatos 

otulohaco 

sapatinhos 

Eterno 

enxada 

okatemo 

enxadinha 

atemo 

enxadas 

oluatemo 

enxadinhas 

Eue 

pedra 

okaue 

pedrinha 

ovaue 

pedras 

otuvaue 

pedrinhas 

Ouato 

canoa 

okauato 

canôasinha 

auato 

canoas 

otuanato 

canôasinhas 

Ulume 

homem 

okolume 

homenzinho 

alume 

homens 

otualume 

homenzinhos 

Imbo 

aldeia 

okambo 

aldeiasinha 

ovaembo 
(ovambo) 

aldeias 

olubambo 

aldeiasinhas 

Imo 

barriga 

okamo 

barriguinha 

ovaemo 
(ovamo) 

barrigas 

otuvamo 

barriguinhas 

Isso 

olho 

okaeso 

olhinho 

ovasso 

olhos 

otuvasso 

olhinhos 

CONCORDÂNCIA 

A  concordância  faz-se  por  meio  de  prefixos,  os  quais  de  uma 
forma  geral,  se  podem  dividir  em  três  partes : 

Á   primeira  pertencem  os  que  significam   do,  da,  dos,  das, 


36Ò 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


exprimindo  posse,  são  colocados  entre  dois  substantivos.    Ex. : 
otchipa  tchiombua  —  a  pele  do  cão). 

Os  que  significam  de  ou  para,  com  eles  se  pretende  indicar 


%/ 


> 


Mussumbe  —  Uma  «bimba» 


a  matéria  de  que  uma  coisa  é  feita,  o  seu  conteúdo,  fim  ou  des- 
tino.   Ex. :  Otchialotchietchivela  —  cadeira  de  ferro). 

Com   as  partículas  da  primeira  série  se  faz  também  a  con- 
cordância de  substantivos  com  o  infinitivo  dos  verbos  quando  se 


DE  ANGOLA 


351 


pretende  indicar  o  seu  destino  a  dar  ao  substantivo.  Convém,  geral- 
mente, nas  expressões  em  que  o  verbo  é  enunciado  a  seguir  ao  sub- 
stantivo e  opera-se  antepondo  a  partícula  concordante  ao  prefixo 
oku  do  infinitivo  dos  verbos.  Ex. :  Otchialo  tchiokupekela —  ca- 
deira para  dormir;  Onanga  iokuuala —  fazenda  para  vestir). 

Ás  partículas  da  segunda  série  aplicam-se  quando  o  comple- 
mento (quer  seja  um  substantivo  ou  um  adverbio)  principiem 
por  consoante  (e  faz-se  antepondo  ao  complemento  a  partícula 
correspondente  ao  prefixo  do  sugeito).  Ex.  :  Uta  atate — arma 
de  meu  pai;  olondaca  viasuko  —  palavras  de  Deus). 

Os  prefixos  da  terceira  série  empregam-se  quando  se  queiram 
significar  alocuções  compostas  de  proposição  e  adverbio;  e  tam- 
bém nos  casos  em  que  do,  da,  dos,  das,  não  exprimem  posse 
mas  sim  o  logar  que  as  cousas  ocupam.  Nestes  casos  a  concor- 
dância faz-se  acrescentando  à  partícula  concordante  as  preposi- 
ções py  k,  v  ou  m.  Ex. :  Evanhama  viovusenge  —  os  bichos  do 
mato  (que  estão  no  mato).  Epunga  liokovapia  —  o  milho  dos 
campos  (que  está  nos  campos). 

Ha  ainda  outras  formas  de  concordância  correspondentes  ao 
infinitivo  dos  verbos  e  às  preposições  que  adiante  veremos. 

PreOxos  concordantes 


Prefixos  dos  substantivos 


I  Série 


Otchi 

O 

(Palavra  principiando  por 

consoante) 

Olu 

U  —  O  mu  —  Orno 

Oka 

I  —  e  —  é  

Oku 

Ou   

Ovi  — Olo  — I 

Otu 

  —  Ova 

  —  Ova  (significando  pes- 
soas)   


Tchio 
I 


Lu 
U 

K  (antes  de  vogal) 

Ka  (antes  de  consoante) 

Li 

Ku 

U 

Vi 

Tu 

(Não  tem  antes  de  vogal) 

  (antes  de  consoante) 

V  (antes  de  vogal) 

Va  (antes  de  consoante) 


35$  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 


EXEMPLOS  DA  CONCORDÂNCIA  —  I  SERIE 

Objecto  possuído  no  singular : 

Otchialo  tchiovindele  —  a  cadeira  dos  brancos. 

Ombinga  iongombe  —  o  chifre  do  boi. 

Olunhaco  luakuengie  —  a  alpergatados  rapazes. 

Olumati  luomola  — a  costela  do  filho. 

Utima  ualume  —  o  coração  dos  homens. 

Elonga  liomola  —  o  prato  dos  pequenos. 

Épia  liovinbundo  —  a  lavra  dos  gentios. 

Okatemo  kanaua  —  a  enxadinha  do  cunhado. 

Okatemo  kufeco  —  a  enxadinha  da  rapariga. 

Ise  iomuko  —  o  pae  do  rato. 

Iso  iomuko  —  o  olho  do  rato. 

Imo  liongombe  —  a  barriga  do  boi. 

Imbo  liomanu  —  a  aldeia  da  gente. 

Naua  iosoma  —  o  cunhado  do  soba. 

Okuoko  kuongamba  —  a  perna  do  carregador. 

Omunu  uosoma  —  o  homem  (escravo)  do  soba.  i 

Omona  segue  às  vezes  as  regras  dos  que  principiam  por  â. 

Obs.  —  Exceptuando  a  forma  plural  em  i  que  como  já  disse- 
mos se  usa  nalgumas  partes  em  vez  de  ovi,  e  para  os  quais  o 
prefixo  concordante  é  vi,  poucos  substantivos  no  singular  prin- 
cipiam por  i. 

Esses  poucos  damo-los  neste  exemplo  com  ús  concordâncias 
que  o  uso  lhe  aplica  que  como  se  vê  para  alguns  é  i  e  para 
outros  é  li. 

Objecto  possuido  no  plural: 

Ovipa  viovinhama  —  as  peles  dos  bichos. 
Olofeka  viomano  —  as  terras  dos  homens. 
Otuvitue  tuolosangie  —  as  cabecinhas  das  galinhas. 

A  partícula  concordante  da  I  série  corresponde  aos  plurais 
â  e  ova,  série  A,  mas  elide-se  por  eufonia  antes  da  vogal  que 
segue  e  põe-se  simplesmente  o  segundo  substantivo  em  seguida 
ao  primeiro. 

Mas  quando  o  primeiro  substantivo  que  tem  por  prefixo  â 
ou  ova  é  nome  de  pessoa  a  partícula  concordante  é  va  ou  v  antes 
de  vogal. 

Omanu  e  omala  exigem  excepcionalmente  esta  concordância 
também.    Ex.: 

Âkepa  ovinhama  —  os  ossos  dòs  bichos. 
Âkuengie  vanaua  —  os  rapazes  da  cunhada, 
Ouala  vonianu  —  os  filhos  dos  homens» 


DE  ANGOLA  353 

Exemplos  do  emprego  das  partículas  concordantes  da  I  série, 
exprimindo  a  matéria  de  que  uma  coisa  é  feita,  o  seu  fim,  con- 
teúdo ou  uso. 

Singular 

Otchialo  tchiotivela  —  uma  cadeira  de  ferro. 

Onjio  iovaue  —  uma  casa  de  pedra. 

Olui  luolomupa  —  rio  de  cachoeiras. 

Uta  uombangia  —  arma  de  pederneira. 

Épungo  lionanga  —  milho  para  (comprar)  fazenda. 

Okombia  kuotuma  —  a  panelinha  de  barro. 

Imo  liovava  —  barriga  de  água. 

Ouanda  uovindele  —  tipóia  para  brancos. 

Plural 

Oviti  viokutunga  ongio  —  paus  para  construir  uma  casa. 

Olondovi  violonde  —  cordas  para  as  colmeias. 

Ovaue  olombongo  —  pedras  de  onde  se  tira  o  dinheiro. 

Ovola  otchivela  —  camas  de  ferro. 

Akupa  olananga  —  fardos  de  fazenda. 

Auato  uotchivela  —  canoas  de  ferro. 

ADJE3TIVOS  POSSESSIVOS  E  PRONOMES  PESSOAIS 

Os  adjectivos  possessivos  formam-se  dos  pronomes  pessoais 
antepondo-se-lhes  a  partícula  concordante  da  I  série  correspon- 
dente ao  substantivo  possuidor. 

Os  pronomes  ame,  eie,  ovo,  para  formar  os  possessivos  sofrem 
alterações:  ange,  ae,  avo. 

Em  vez  de  ae  (tchiae,  etc.)  dizem  alguns  ale  (tchiaié). 

Os  possessivos  colocam  se  sempre  depois  dos  substantivos. 

Os  pronomes  pessoais  e  os  adjectivos  possessivos  podem, 
quando  o  sentido  o  pede,  incluir  o  verbo  auxiliar,  ser:  ame  — 
sou  eu,  ove  —  és  tu,  etc.  Viange —  são  minhas,  vietu  —  são 
nossas,  e  também  as  minhas,  as  nossas,  etc. 

Quando  dele  e  deles  se  refere  a  um  substantivo  que  não  é 
nome  de  pessoa  exprime-se  de  um  modo  diferente;  também  algu- 
mas vezes  se  pode  como  que  personificar  o  tal  substantivo,  e 
exprimir  o  substantivo  por  tchiae,  viae,  como  acima. 

Adjectivos  possessivos 
Meu         Teu 


Eu  Tu  Ele 

Ame       Ove        Eie 


Dele         Nosso         Vosso 

Deles 

Dela             —                — 

Delas 

PronomBS  pessoais 

Ela          Nós  -      Vós 

Eles          Elas 

Eie          Etu          Ene 

Ovo          Ovo 

354 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


PREFIXOS  DO  SUBSTANTIVO 


Otchi 

tchiange 

chiove 

tchiae 

tchietu 

tchine 

tchiavu 

0 

iange 

iove 

iae 

ietu 

ienu 

iavo 

Olu 

luange 

luove 

luae 

luetu 

lueno 

luavo 

U 

uange 

uove 

uae 

uetu 

ueno 

uavo 

Oka 

kange 

kove 

kae 

ketu 

kene 

kavo 

E 

liange 

liove 

liae 

lietu 

liene 

liavo 

PARA  SUBSTANTIVOS  NO  PLURAL 

Ovi 

viange 

viove 

viae 

vietu 

viene 

viava 

Olo 

viange 

viove 

viae 

vietu 

viene 

viava 

Otu 

tuange 

tuove 

tuae 

tueto 

tuene 

tuava 

 

ange 

ove 

ae 

etu 

ene 

avo 

Ovo 

ange 

ove 

ae 

etu 

ene 

avo 

 

vange 

vove 

vae 

vetu 

vene 

vavo 

Orna 

vange 

vove 

vae 

vetu 

vene 

vavo 

Destas  tríbus  aqueles  que  falam  o  mirando  mais  puro  são  os 
bienos  e  os  bailundos.  Os  quilengues  são  das  tríbus  em  estudo 
os  que  teem  adulterado  mais  em  contacto  com  os  mondombes. 


Estes  povos  teem  danças  muito  simples,  e  que  de  uma  maneira 
geral  consistem  apenas  em  um  movimento  lento  e  cadenciado  dos 
pés,  braços,  hombros  e  quadris,  à  mistura  com  algumas  piruetas 
e  umbigadas,  quando  dela  fazem  parte  as  mulheres,  acompanhadas 
de  música  com  três  executantes,  em  que  dois  fazem  a  parte  can- 
tante e  um  o  acompanhamento. 

Entre  os  vários  instrumentos  de  música  usados  por  estas  tríbus 
mencionaremos:  ariba,  o  tchigufu,  o  orubedo,  o  tchisage,  o  tchi- 
suba  e  o  orokuguru,  etc. 

Ariba,  é  o  instrumento  que  vulgarmente  se  chama  marimba. 
Compõe-se  de  uma  série  de  pequenas  táboas  em  número  de  doze  a 
quinze,  com  trinta  centímetros  de  comprimento  por  dez  de  lar- 
gura e  meio  centímetro  de  espessura,  ligadas  por  tiras  de  couro, 
e  assente  por  cima  de  cabaças  ocas  e  abertas  superiormente,  que 
vão  decrescendo  de  tamanho,  como  as  táboas,  do  centro  para  as 
extremidades.  O  instrumento  é  tocado  com  duas  baquetas  per- 
cutindo as  táboas. 

O  tchigufu,  ê  um  instrumento  feito  de  um  tronco  aparelhado 


DE   ANGOLA 


355 


de  uma  árvore  com  a  forma  de  um  trapésio  isósceles  invertido. 
É  ôco,  feito  de  uma  só  peça,  tendo  no  bordo  superior  uma  fenda 
longitudinal  que  abrange  todo  o  comprimento  do  instrumento. 


Bimbundu  —  Port  i  em  um  cercado  de  uma  libata 

É  tocado  com  duas  baquetas  que  se  fere  lateralmente  na  parte 
superior. 

O  erubedo  é  uma  espécie  de  clarinete  sem  palheta  nem  chaves 
tendo  oito  a  dez  buracos. 

0  otchisage  é  um  pequeno  instrumento  que  consta  de  uma 


356 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


série  de  oito  a  dez  dentes  de  ferro  polido,  formando  notas  dis- 
persas agudas  e  graves;  assenta  sobre  uma  tábua  colocada  em 
uma  pequena  cabeça.  Toca-se  ferindo  os  dentes  com  os  dedos 
polegar  e  indicador. 

O  otchisuba  é  uma  espécie  de  rebeca  usada  principalmente 
pelos  quilengues  consta  de  uma  caixa  retangular,  ôca,  sobre  que 
estão  estendidas,  como  na  rebeca,  seis  a  oito  cordas,  presas  de  um 


Bimbundu  -  Ponte  gentlilica 

lado  a  uma  extremidade  da  caixa  e  do  outro  lado  a  uns  pequenos 
paus  curvos  e  flexíveis,  dispostos  em  forma  de  leque.  Toca-se 
fazendo  vibrar  as  cordas  com  os  dedos. 

O  orukuguru  instrumento  tocado  exclusivamente  pelas  mulhe- 
res, formado  por  um  arco  de  uma  estreita  casca  de  bordão  e  uma  li- 
nha que  tem  o  comprimento  de  quatro  centímetros  pouco  mais  ou 
menos.  Toca  se  metendo  um  dos  lados  da  casca  do  bordão  entre  os 
dentes,  fazendo  vibrar  a  linha  com  os  dedos  polegar  indicador. 


Sob   o   ponto    de  vista   scientífico,   não  devemos  deixar  de 
mencionar  o  tratamento  das  doenças. 


DE   ANGOLA  357 

Os  curandeiros  (tchimbanda)  entre  estas  tribus,  como  em 
geral  entre  as  outras  populações  indígenas  da  província,  são 
muito  considerados  e  respeitados,  desejando  todos  com  eles  estar 
nas  melhores  relações,  pois  são  muito  temidos  pelos  poderes  que 
lhe  atribuem  de  adivinhos  e  contra  os  feiticeiros.  Assim  a  sua 
influência  moral  é  grande  e  os  seus  conselhos  são  sempre  ouvidos 
e  atendidos,  de  que  eles  se  aproveitam  para  saber  tudo  o  que 
querem  para  seu  interesse. 

No  tratamento  das  doenças  ha,  como  já  fizemos  notar  para 
as  outras  tribus,  a  parte  de  magia  e  espiritista,  e  a  parte  pro- 
priamente médica,  constituída  pela  aplicação  de  remédios  quási 
todos  de  origem  vegetal. 

Temos  presente  uma  longa  lista  de  plantas  aproveitadas  pelos 
indígenas  destas  tribus  no  tratamento  das  suas  doenças,  que  não 
incluímos  por  não  nos  ter  sido  possível  classificar  e  não  sabermos 
senão  o  nome  porque  os  indígenas  as  conhecem. 

Empregam  os  curandeiros  plantas  com  propriedades  purga- 
tivas, calmantes,  toxicas,  anestésicas,  etc,  que  merecem  um 
estudo  especial  por  quem  tenha  competência,  pois  cremos  que 
desse  estudo  só  advinha  proveito  para  a  medicina. 

Os  curandeiros  tratam  com  os  seus  medicamentos  a  diarreia, 
a  iterícia,  o  reumático,  as  úlceras,  a  sífilis,  o  hemorroidal,  afe- 
cções de  baço;  mordedelas  de  reptis,  etc. 

Ainda  sob  o  ponto  de  vista  scientífico  nos  queremos  referir 
aos  conhecimentos  que  estes  povos  teem  de  astronomia. 

Consideram  o  sol  como  um  grande  reflector  que  mergulha  no 
mar  (karuga)  e  que  passa  por  debaixo  da  água  para  o  dia  se- 
guinte aparecer  no  oriente.  Consideram  a  lua  como  a  fêmea  do 
sol  e  sobre  ela  teem  a  mesma  ideia. 

As  estrelas,  uns  consideram-nas  fogueiras  acesas  por  gente 
que  lá  vive  e  outros  como  pirilampos. 

Uns  consideram  o  raio  como  um  animal  que  cai  do  ceu  por 
efeito  da  chuva  e  que  depois  de  destruir  e  queimar  se  enterrou; 
outros  como  o  fogo  resultante  do  choque  de  pedras  da  chuva  que 
julgam  existir  na  abobada  celeste. 

De  todos  os  fenómenos  da  natureza  aquele  que  mais  temem 
é  o  raio, 

. 


358 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


III.  —  Da  vida  familial 

O  nascimento.  —  A  educação.  —  O  casa- 
mento. —  A  família.  —  A  morte.  —A  reli- 
gião, rito,  culto,  divindades,  sacerdócio 


Por  ocasião  do  nascimento  da  creança  o  pai  oferece  à  parteira 
e  às  pessoas  que  o  vêem  cumprimentar  algumas  bebidas  repe- 
tindo-se  estas  libações,   quando  a  parteira 
apresenta   a   creança  fora   da  alcova  onde 
nasceu. 

Quando  se  trata  de  filhos  de  soba  ou  de 
famílias  de  importância,  e  de  um  varão  nin- 
guém da  libata  vai  às  lavras;  para  se  po- 
der dispensar  este  uso  é  necessário  que  um 
curandeiro  prepare  ura  remédio  que  será 
lançado  à  terra  antes  que  nela  se  meta  a 
enxada. 

O  nascimento  de  gémeos  é  sempre  motivo 
de  regosijo  e  festas,  para  que  se  convidam 
todos  os  parentes  e  amigos,  e  que  são  levadas 
a  efeito  a  distância  da  libata ;  para  lá  seguem 
todos  os  convidados,  dizendo  apóstrofes  e 
palavras  obscenas  dirigidas  aos  gémeos,  e 
levando  a  mãe  à  cabeça  a  panela  que  guarda 
os  cordões  umbelicais  dos  gémeos.  Cons- 
truem um  leito  ou  catre  onde  se  assenta  a 
mãe  com  os  gémeos  e  onde  são,  mãe  e  filhos, 
levados  por  um  curandeiro  com  cosimento 
de  hervas  medicinais.  A  seguir  a  mãe  dis- 
tribue  pelos  assistentes  os  cosinhados  pre- 
parados da  ocasião,  terminando  a  festa,  como 
em  geral  todas  as  das  populações  da  província,  por  comer  e  beber. 
Iguais  festas  se  fazem  quando  a  creança  nasce  com  os  pés 
para  a  frente  ou  quando  se  trata  de  um  aborto. 

No  caso  de  nascimento  de  três  filhos,  um  deles,  varão,  é 
mandado  de  presente  ao  soba  que  tem  de  criá-lo,  sustentá-lo, 
vesti-lo,  e  dar-lhe  uma  arma,  ficando  a  ser  seu  filho  adoptivo, 
e  perdendo  os  pais  o  direito  sobre  êle, 


Musselles  —  Um  caçador 


DE   ANGOLA  359 


* 


No  que  diz  respeito  a  educação  e  iniciação  entre  quási  todas 
estas  tribus,  existe  a  circuncisão. 

O  local  onde  se  realisa  a  circuncisão  é  na  libata  dentro  de 
uma  palissada  expressamente  construída  para  esse  fim.  O  cir- 
cuncisado  ali  passa  noites  e  dias  exposto  ao  ar  livre,  não  podendo 
dormir  na  cubata  emquanto  durar  a  cura,  que  vai  de  oito  a 
quinze  dias.    O  curativo  faz-se  com  folhas  frescas  de  rícino. 

Usam  praticar  a  circuncisão  na  mesma  época  para  todos  os 
rapazes  da  libata  que  se  encontram  com  idade  própria  e  que 
regula  entre  os  quinze  e  os  dezoito  anos. 

Depois  de  curados  são  os  circuncisados  muito  bem  lavados  e 
vestidos  e  durante  dias  consecutivos  se  fazem  festas  em  que 
estes  dançam,  para  o  que  se  abate  um  boi  ou  um  porco  conforme 
as  posses  dos  pais  dos  circuncisados. 

É  de  uso  igualmente  em  alguns  destes  povos,  cerimónias  e 
festas  quando  as  raparigas  atingem  a  puberdade  (okafefika),  sem 
o  que  se  não  podem  ligar  a  qualquer  homem.  As  raparigas 
obrigadas  pelos  pais  a  prestarem-se  às  provas  a  que  teem  de  ser 
sugeitas,  e  que  não  nos  foi  possível  conhecer,  são  fechadas  em 
uma  cubata  especial,  em  que  se  tem  deitado  uma  camada  de 
areia  e  onde  a  paciente  se  deita  completamente  nua,  com  uma 
pequena  tanga  entre  as  pernas. 

Seguem-se  depois  as  festas  em  que  se  abatem  tantas  cabeças  de 
gado  bovino  quantas  as  raparigas,  cujos  rabos  lhes  são  distribuídos. 

Estas  festas  consistem  principalmente  em  numerosos  cortejos 
em  que  as  raparigas  pintadas  de  branco  com  cal  moída,  de  olhos 
no  chão  e  acompanhadas  de  numeroso  cortejo  vem  passear  à  libata ; 
e  isto  até  se  darem  por  findas  as  cerimónias  a  que  se  segue  a  apre- 
sentação das  raparigas  depois  de  lavadas  e  com  a  cabeça  coberta, 
cantando  e  dançando  cada  uma  delas  com  o  rabo  de  boi  que  lhe 
foi  distribuído;  nas  cerimónias  da  puberdade  cada  rapariga  tem 
uma  madrinha. 

* 

O  pedido  de  casamento  e  a  autorização  para  se  requestar 
uma  mulher  é  firmado  por  um  pequeno  presente  que  o  noivo 


360  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

manda  à  família  da  futura  esposa.  Desde  esse  momento  ..o  noivo 
tem  permissão  e  liberdade  de  andar  por  toda  a  parte  com  a 
noiva,  com  ela  viajar,  passar  uma  temporada  na  sua  terra,  e 
até  dormir  com  ela  no  mesmo  leito,  sendo-lhe  porém  vedado 
oom  ela  ter  relações  sexuais.  Cada  vez  que  vai  buscar  a  noiva 
a  casa  dos  pais,  tem  que  dar  uma  ou  duas  garrafas  de  aguar- 
dente. 

Os  pedidos  de  casamento  são  como  em  geral  nos  restantes 
povos  da  província,  feitos  muitas  vezes  tendo  as  donzelas  tenra 
idade. 

Chegada  a  ocasião  do  casamento  o  noivo,  expede  dois  irmãos 
e  uma  irmã  que  vão  buscar  a  noiva,  levando  o  dote  do  noivado, 
e  que  consiste  em  fazendas,  aguardente,  gado,  etc,  variando  o 
seu  valor  consoante  as  posses  do  noivo.  São  os  emissários 
recebidos  pela  família  da  noiva,  demoram  se  alguns  dias  comendo 
e  bebendo,  e  por  fim  entregam-lhes  os  pais  da  noiva  esta, 
acompanhada  por  uma  irmã  e  sobrinha,  que  lhe  levam  uma 
quinda  e  uma  cabaça,  objectos  que  simbolisam  o  mister  da  mulher. 
Recebe  o  noivo  a  sua  esposa  com  grandes  demonstrações  festivas, 
abatendo  galinhas  e  um  porco,  e  que  se  prolongam  por  alguns 
dias,  durante  os  quais  a  noiva  se  conserva  na  cubata  nupcial, 
onde  bebe  e  recebe  as  visitas,  saindo  ao  romper  da  manhã, 
cautelosa  e  secretamente  para  não  ser  vista. 

Terminadas  as  festas  pode  a  mulher  sair  e  então  o  esposo 
faz-lhe  entrega  da  casa  e  de  uma  enxada,  com  que  ela  vai  tra- 
balhar na  lavra  de  uma  cunhada  ou  outro  parente  próximo  do 
marido.  Só  depois  é  que  lhe  faz  entrega  dos  terrenos,  previa- 
mente limpos  e  desbravados,  representando  a  nova  lavra. 

Entre  algumas  famílias  mais  civilizadas,  usa-se  levarem  os 
parentes  da  noiva  as  provas  de  virgindade  para  serem  apresen- 
tadas a  toda  a  sua  família  e  amigos. 

Dois  meses  depois  do  casamento  é  costume  a  nubente  visitar 
os  pais,  trazendo  as  pessoas  que  a  acompanharam.  É  claro  que 
esta  visita  é  motivo  para  novas  festas,  libações  e  troca  de  pre- 
sentes. 

Em  alguns  destes  povos  quando  a  família  da  noiva  (pai  ou 
tia)  deseja  que  o  casamento  tenha  um  caracter  mais  grave  e 
rigoroso,  fazem-no  compreender  ao  noivo,  retribuindo-lhe  o 
presente  por  ocasião  da  visita  da  nubente,  com  um  porco  grande, 
tendo  prezas.  O  noivo  desde  logo  fica  sabendo  que  brevemente 
receberá  um  novo  presente  (ogibe  é  obigua)  constituído  por  um 


DE  ANGOLA 


361 


boi  que  os  nubentes  teem  de  comer  e  para  o  que  convidam  os 
seus  amigos  e  parentes.  Durante  estas  festas  que  se  prolongam 
aproximadamente  por  oito  dias,  os  noivos  conservam-se  em  uma 
cubata  às  escuras  onde  comem  e  recebem  visitas,  chamando  a 
esta  cerimónia  ókuture,  (enviuvar  ou  tomar  nojo).  Assim  neste 
caso,  os  esposos  tomam  o  luto  em  vida,  e  por  morte  de  um  dos 
cônjuges,  o  outro  não  tem  necessidade  de  tomar  nojo. 

Entre  a  tribu  Quilengues  é  ao  noivo  que  compete  promover 
esta  forma  de  confirmação  de  casamento  peio  oferecimento  de 
um  boi  aos  sogros  (pais  e 
tio  da  mulher),  não  com- 
partilhando a  noiva  do 
banquete  que  se  faz  com 
a  carne  de  boi,  e  termi- 
nando as  cerimónias  pela 
oferta  de  uma  tira  da- 
quela carne  seca  à  noiva. 
O  casamento  assim  con- 
firmado tem  tal  valor, 
que  mesmo  que  os  cônju- 
ges se  divorciem,  os  filhos 
que  a  mulher  possa  vir  a 
ter  de  outro  homem,  são 
de  direito  filhos  do  pri- 
meiro marido. 

Os  direitos  do  marido 
sobre   a   mulher   consistem   apenas    na  obediência   que   esta  lhe 
deve  e  nos  serviços  a  seu  cargo  que  tem  de  prestar  como  dona 
de  casa. 

O  crime  de  adultério,  (ukoi)  por  parte  da  mulher  é  punido 
com  o  pagamento  de  indemnização  pelo  sedutor  ao  marido  ul- 
trajado. Entre  os  Quilengues  e  outros  povos  chega-se  a  fazer 
do  ukoi  uma  exploração  imoralíssima,  induzindo  as  suas  mulheres 
a  cometer  o  adultério  para  receber  a  indemnização  respectiva. 

Existe  a  poligamia,  vivendo  cada  mulher  em  sua  cubata. 

E  permitido  o  divórcio  que  pode  ser  promovido  pelo  marido, 
pela  mulher  ou  pelos  tios  maternos  desta.  O  divórcio  tem  por 
fundamento,  quando  promovido  pelo  homem,  a  incompatibilidade 
de  génios  ou  o  não  saber  a  mulher  cumprir  os  deveres  de  dona 
de  casa ;  quando  promovido  pela  mulher,  a  mesma  incompati- 
bilidade ou  maus  tratos;  e  quando  promovido  pelo  tio  materno 
24 


Bimlnmdu —  Músicos  de  Orubedo  (Huambo) 


362  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

da  mulher,   o   facto  de,   passados  dois  ou  mais  anos,   não  ter 
filhos. 

A  mulher,  uma  vez  divorciada,  é  livre  e  independente  do 
marido  voltando  para  casa  dos  pais  ou  parentes  e  ali  ficando 
até  contrair  segundo  matrimónio,  sendo  novamente  dotada  pelo 
homem  com  quem  casar.  No  caso,  porem,  de  esterilidade  atri- 
buída ao  marido,  a  mulher  não  pode  contrair  segundo  matrimónio 
sem  que  o  segundo  marido  restitua  ao  primeiro  o  dote  que  este 
lhe  deu.  E,  não  havendo  filhos  do  segundo  marido  e  tendo  logar 
novo  divórcio  o  primeiro  marido,  tem  o  direito  de  anular  o 
divórcio  tornando  a  restituir  ao  ulterior  marido  o  dote  do  casa- 
mento ou  de  exigir  à  família  da  mulher  uma  indemnização 
(mukano)  por  lhe  ter  atribuido  a  esterilidade. 

O  marido  não  retira  à  mulher  divorciada  os  bens  que  lhe 
tiver  dado. 

Sobre  a  situação  dos  filhos  dos  divorciados,  as  informações 
que  possuímos  são  um  pouco  contraditórias  com  os  usos  comuns 
aos  direitos  do  pai  sobre  os  filhos.  Assim  nos  parece  que,  sendo 
os  tios  maternos  quem  dispõe  dos  filhos,  os  pais,  pela  circuns- 
tância do  divórcio,  fiquem  sobre  eles  tendo  direitos;  o  que  seria 
natural  é  que  eles  ficassem  dependentes  da  família  da  mãe.  A 
não  ser  que  as  informações  prestadas  não  sejam  claras  e  que  se 
trate  do  dever  de  os  sustentar  e  educar,  podendo  assim  e  por 
conveniência,  ceder  esse  dever  ou  direito  à  mãe,  aos  tios  maternos 
ou  paternos. 

# 

Todas  as  doenças  teem  por  causa  a  acção  de  espíritos  malignos 
de  pessoa  já  falecida  inimiga  da  família  do  doente  ou  de  um 
membro  da  família  que  não  está  satisfeita  com  qualquer  acto 
dos  seus  descendentes. 

Assim  se  adoecer  alguém  gravemente,  recorre-se  imediatamente 
ao  tchimbanda,  advinho  que  averigua  a  causa  da  doença  e  pro- 
núncia o  seu  diagnóstico  dando-se  começo  aos  sacrifícios  que  se 
oferecem  ao  espírito  descontente  para  aplacar  a  sua  ira,  e  às 
arengas  ou  evocações,  solicitando  ao  espírito  que  deixe  em  paz 
o  doente. 

Aqui  termina  a  acção  do  adivinho  passando-se  a  chamar  o 
tchimbanda  curandeiro,  especialista  da  doença  indicada  pelo 
adivinho,    que   aplica  os  seus  remédios.    Caso  estes  não  produ- 


DE  ANGOLA  363 

zam  resultado,  consulta-se  novo  adivinho  para  fazer  novo  dia- 
gnóstico. 

Após  o  falecimento  procede-se  à  remoção  dos  trastes  que 
mobilam  a  alcova,  sendo  esta  limpa  e  atapetada  com  esteiras. 
Lavam  e  vestem  o  cadáver  e  anuncia-se  o  falecimento  às  pessoas 
conhecidas  e  parentes,  que  correm  à  casa  mortuária  com  pre- 
sentes para  ajudar  as  despezas  do  óbito. 

Começa  a  seguir  o  choro,  exaltando-se  as  qualidades  do 
morto;  e  após  êle  os  cantos  e  danças,  acompanhadas  de  libações 
que  se  prolongam  até  alta  noite.  No  dia  seguinte  recomeça  o 
choro  e  a  seguir  os  cantos  e  danças,  que  se  prolongam  quoti- 
dianamente até  terminar  o  óbito,  que  pode  durar  até  dez  dias  e 
mais,  conforme  as  posses  da  família.  Se  não  ha  recursos  para 
fazer  óbito  é  este  adiado  para  quando  os  haja,  adiamento  a  que 
se  chama  okuvebika  o  uábe  (enterrar  o  óbito). 

Emquanto  dura  o  óbito,  todas  as  noites,  depois  de  terem  ter- 
minado as  libações,  e  quando  tudo  dorme,  o  feiticeiro,  em  pre- 
sença da  família,  pergunta  ao  morto  qual  foi  a  causa  da  sua 
morte,  qual  é  a  sua  última  vontade  e  o  seu  herdeiro  universal 
(kapikuarau),  mesmo  que  tenha  filhos,  e  quem  deve  ser  o  seu 
tutor  caso  sejam  menores. 

No  último  dia  do  óbito  mata-se  um  boi  e  a  todas  pessoas  de 
casa  se  corta  o  cabelo  rente,  isto  sendo  morto  de  alta  estirpe; 
não  o  sendo,  apenas  se  corta  o  cabelo. 

Terminado  o  óbito,  o  cadáver  embrulhado  "em  panos  e  estei- 
ras, é  conduzido  para  o  local  da  sepultura  a  pau  e  corda, 
com  um  numeroso  cortejo  que  dança  e  canta,  dando-se  salvas 
de  tiros. 

Costumam  em  geral  cavar  a  sepultura  em  forma  de  gaveta, 
fazendo  primeiro  uma  excavação  vertical  e  depois  outra  horizontal 
comunicando  com  aquela,  onde  se  mete  o  cadáver. 

Salvo  o  caso  de  terem  os  cônjuges  tomado  o  nojo  em  vida,  como 
acima  referimos,  em  todos  os  outros,  a  viúva  ou  viúvo,  acompa- 
nhados por  um  ou  dois  filhos  mais  velhos,  tomam  nojo,  conser- 
vando-se  na  cubata  mortuária  alguns  dias. 

No  que  diz  respeito  à  forma  de  proceder  quando  morre  um 
chefe  gentílico,  começa-se  por  não  divulgar  a  morte  senão  dois 
ou  três  meses  depois,  o  tempo  suficiente  para  se.  decompor  o 
cadáver,  e  separando-se  o  tronco  da  cabeça,  visto  que  ao  exalar 
o  último  suspiro  é  suspenso  pelo  pescoço. 

Comunicado  o  óbito  começam  a  chorar  os  que  vem  dar  os 


364  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

pezames  à  família  e  trazem  os  presentes  com  que  se  hão  de  custear 
as  despesas  do  óbito. 

Procede-se  depois  ao  sacrifício  de  um  boi  com  grande  armação, 
cuja  pele  constitue  a  mortalha,  não  já  do  cadáver,  mas  do  esque- 
leto, bem  assim  como  das  vestes  de  gala  com  que  o  vestiram  e 
dos  vermes  da  decomposição.  Cosida  a  pele  é  assim  depositada  no 
jazigo  dos  sobas  (akókoto). 

* 

Na  família,  o  pai  e  mãe  tem  apenas  sobre  os  filhos  o  direito 
de  obediência,  de  tutela  e  dos  seus  serviços,  emquanto  estão  na 
casa  paterna,  visto  que  de  facto,  são  os  tios  quem  dispõem  dos 
sobrinhos,  filhos  de  irmã,  podendo  este  até  vendê-los. 

Os  direitos  dos  filhos  das  diferentes  mulheres,  livres  ou  escra- 
vas são  iguais  em  vida  do  pai,  que  os  teem  de  sustentar,  vestir 
e  protejer,  a  diferença  só  se  dá  no  direito  de  herdar,  morto  o 
pai. 

Por  morte  de  um  chefe  de  família,  a  herança  transmite-se  ao 
primogénito,  se  as  mulheres  são  todas  livres  ou  todas  escravas, 
não  importando  que  a  mãe  seja  á  primeira,  segunda  ou  terceira 
mulher;  se  existem  filhos  de  mulheres  livres  ou  escravas,  a  he- 
rança transmite-se  de  preferência  ao  primogénito  filho  de  escrava. 
Havendo  sobrinhos,  filhos  de  irmã,  e  filhos  de  mulheres  livres, 
herda  o  sobrinho  mais  velho;  havendo  também  filhos  de  escravos 
herda  o  mais  velho  destes  e  o  mais  velho  dos  sobrinhos  por  igual.  A 
falta  de  sobrinhos  a  herança  transmite-se  pela  seguinte  ordem: 
netos,  pais,  avós,  tios,  primos,  cunhados,  etc.  E  não  havendo 
parentes,  a  quem  o  autor  da  herança  por  testamento  verbal  e 
perante  testemunhas  indicou,  ou  à  falta  de  testamento  a  quem 
êle  indicar  depois  de  morto  quando  perguntado  pelo  feiticeiro, 
como  já  tivemos  ocasião  de  referir.  A  mulher  não  é  herdeira, 
só  tem  parte  na  herança  por  vontade  expressa  do  morto. 

Segundo  o  que  deixamos  exposto  o  filho  da  irmã  prefere  o 
filho  da  mulher  livre,  por  que  é  dificil  garantir  que  seja  real- 
mente filho  do  autor  da  herança,  ao  passo  que  o  filho  da  irmã 
é  parente  garantido  mais  próximo.  No  entanto,  se  o  autor  da 
herança  é  mulher,  o  filho  legítimo  prefere  o  sobrinho,  e  neste 
caso  herda  aquele,  visto  que  neste  caso  não  pode  haver  dúvidas. 
Havendo,  porem  filhos  de  mulher  livre  ou  escrava,  o  filho  da 


DE   ANGOLA 


365 


escrava  prefere  o  da  mulher  livre,  herdando  aquele,  visto  que  o 
último,  depois  de  herdar,  pode  dividir  a  herança  paterna  levando 
parte  dela  para  a  casa  materna,  ao  passo  que  o  filho  da  escrava, 
não  tendo  família  materna,  não  tem  por  quem  a  dividir. 

Assim  pois,  existe  o  morgadio,  competindo  este  ao  primogé- 
nito, filho  de  escrava,  a  seguir  ao  filho  da  irmã  e  só  por  último 
o  filho  primogénito  da  mulher  livre. 

O  herdeiro  tem  por  dever  sustentar  e  conservar  na  libata  os 
outros  filhos  até  que  se  possam  governar,  bem  assim  como  as 


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Bimbundu  —  Um  Tchi 


curandeiro)  no  exercício  de  sua  profissão 


viúvas,  se  não  tiverem  meios,  até  que  contraiam  novo  matri- 
mónio. No  entanto,  na  maior  parte  das  vezes,  o  herdeiro  para 
se  livrar  destes  encargos  distribui  uma  parte  da  herança  pelos 
irmãos  e  madrasta.    A  mãe  do  herdeiro  nunca  deste  se  separa. 

A  mulher  na  família  exerce  o  papel  de  dona  de  casa,  compe- 
tindo-lhe  àlêm  dos  serviços  que  lhe  são  destinados  na  lavra,  var- 
rer e  limpar  a  habitação,  cosinhar  para  o  marido  e  para  a  sua 
família,  se  este  a  tem  na  mesma  libata. 


Crêem  estes  povos  nos  espíritos,  bons  e  maus,  cultivando  o 
espiritismo  a  que  recorrem  para  quási  todos  os  actos  da  sua  vida, 


366  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

em  geral,  por  meio  do  magnetismo  das  pessoas;  o  magnetizado 
tem  dupla  vista,  lê  o  que  vai  no  íntimo  das  pessoas  os  seus  pen- 
samentos, e  adivinha  as  causas  e  efeitos  dos  males. 

Os  espíritos  são  a  alma  dos  mortos,  parentes  ou  extranhos, 
que  consideram  imortal,  que  vagueia  no  espaço,  vindo  visitar, 
alta  noite,  uma  vez  por  outra  a  sua  casa  e  a  sua  família,  que  se 
incarna  no  cérebro  da  pessoa  que  cultiva  o  espiritismo,  e  que  nos 
magnetismos  fala  pela  boca  do  magnetizado.  Ao  espiritismo 
chama-se  orodére  e  ao  espírito  odére. 

De  todos  os  espíritos,  o  que  consideram  peor  e  mais  terrível 
é  aquele  que  denominam  Sáburo,  mas  temem  outros  como  sejam  o 
chamado  Tchirudo,  Tchihobo  e  Sege.  Na  classe  dos  benefícios 
numeram  o  Kámiam,  o  espírito  das  creanças. 

Todos  estes  povos  crêem  e  respeitam  um  ente  supremo  Suku 
(Deus)  arquitecto  do  universo,  que  em  tudo  manda  e  de  tudo 
dispõe. 

Teem  lugares  sagrados,  vedados  aos  profanos,  recintos  ou 
cubatas  onde  praticam  a  magia,  o  espiritismo  e  a  feitiçaria, 
(Etambu)  e  onde  se  guardam  os  feitiços  que  consistem  em  chifres, 
machadinhas,  penachos,  chocalhos,  cabaças,  etc,  e  de  que  fazem 
parte  o  Usése  rabo  de  cavalo  que  os  sobas  e  séculos  usam,  a 
Uhába  do  negociante,  e  arco  e  seta  do  guerreiro  e  do  caçador. 

Estes  povos  tem  superstições  com  relação  a  animais,  tais  como 
o  leão,  o  jacaré,  a  águia,  etc. ;  crêem  que  estes  animais  não  matam 
uma  pessoa  sem  que  esta  tenha  cometido  algum  crime  ou  uma 
má  acção,  e  consequentemente  se  podem  servir  desses  animais 
para  fazerem  mal  a  qualquer.  De  todos  os  animais  o  mais  te- 
mido é  a  águia  de  grande  envergadura,  peito  branco,  costa  e  azas 
escuras  a  cauda  vermelha,  a  que  chamam  Hokohóko.  A  esta  águia 
se  atribuem  várias  doenças  das  crianças  e  desgraças  a  adultos 
que  tem  de  ter  intervenção  imediata  dos  curandeiros. 

Além  desta  superstição  teem  estas  tríbus  feitiços  a  quem 
atribuem  propriedades  para  se  poderem  fazer  amar,  para  obterem 
a  estima  geral,  para  se  fazerem  queridos  dos  seus  senhores  ou 
chefe,  para  vencerem  o  inimigo  em  guerra  ou  quebrar-lhe  a  ira, 
para  serem  bem  sucedidos  em  qualquer  empreza,  para  conse- 
guirem todos  os  pedidos  que  façam,  e  para  se  livrarem  de  feiti- 
çaria e  tantas  outras. 


DE  ANGOLA  367 


IV.  —  Da  vida  social 

Espécie  de  vida.  —  Classes  e  castas.  — 
Organização  política.  —  Regimen  econó- 
mico. —  Propriedade.  —  Costumagens  ju- 
rídicas. 

Não  obstante  alguns  destes  povos  empreenderem  grandes 
viagens,  e  outros  como  os  quilengues  se  dedicarem  à  criação  de 
gado,  todos  eles  levam  vida  sedentária. 

Entre  estes  povos,  alem  das  classes  privilegiadas  a  que  já 
tivemos  ocasião  de  nos  referir,  de  feiticeiros  e  curandeiros, 
existem  os  sobas,  os  seus  conselheiros,  os  séculos  ou  chefes  de 
libatas,  os  anciões,  os  fidalgos,  os  homens  ricos,  os  homens 
livres  e  os  escravos.  Como  em  outras  tríbus,  existem  duas  es- 
pécies de  escravos :  os  escravos  comprados,  por  herança  e  por 
dívida  para  prestação  de  serviços,  e  que  ficam  fazendo  parte  da 
constituição  da  família,  e  os  escravos  prisioneiros  de  guerra  que 
se  conservam  para  serem  resgatados. 


* 
*       * 


A  organização  política  é  por  estados  (sobados)  e  sub-estados 
ou  estados  subordinados,  (libatas  ou  grupos  de  libatas) ;  os  pri- 
meiros governados  pelos  sobas  que  se  denominam  soma  e  os 
segundos  pelos  secura,  sendo  estes  subordinados  àqueles. 

Junto  dos  sobas  e  sobetas  existem  outras  autoridades  que 
constituem  um  conselho  (ptchiduri)  e  a  sua  corte  (eróbe).  O  con- 
selho do  estado  que  assiste  aos  chefes  gentílicos  compõe-se  dos 
vákuerobe,  dignatários  privativos  do  chefe  em  exercício,  esco- 
lhidos particularmente  por  aquele  entre  os  seus  parentes,  pessoas 
livres  e  escravos  seus,  e  dos  vamuênren  eróbe,  os  membros 
efectivos,  inamovíveis,  vitalícios  da  corte,  visto  que  não  são  de 
nomeação  do  soba,  sendo  os  seus  logares  hereditários  e  descen- 
dentes dos  primitivos  escravos  do  estado.  Estes  conselheiros 
não  podem  ser  destituídos  pelo  soba,  castigando-os  apenas  quando 
cometem  algum  delito. 

Os  conselheiros  (vámumren)  constituem  uma  corporação  pu- 
gnando pelo  estado  a  que  pertencem,  moram  com  as  suas  famílias 
na  embala  do  soba,  e  é  com  eles  que  o  povo  conta  quando  está 


368 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


descontente  com  o  soba.    Os  seus  principais  séculos,  é  com  estes 
conselheiros  que  se  entendem  para  a  sua  deposição. 

Os  dignatários  (vakuerobé)  pugnam  pelo  soba  que  os  nomeou, 


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Bímbundu  —  Feiticeiros  Galangues 


constituindo  um  corpo  particular  daquele,  e  tem  as  suas  cubatas 
na  libata,  onde  teem  as  suas  famílias,  estando  na  embala  quando 
estão  de  serviço. 

É  grande  a  autoridade  dos  conselheiros  e  dos  dignatários, 


DE   ANGOLA  3G9 

sendo  muito  respeitados  não  só  pelo  povo  como  pelo  próprio 
soba  que,  a  maioria  das  vezes,  segue  o  seu  parecer. s 

Os  conselheiros,  como  representantes  do  estado,  são  quem 
depõe  os  sobas  e  os  fazem  subir  ao  trono;  resolvem  por  morte 
do  soba  se  o  herdeiro  presuntivo  tem  ou  não  competência  para 
ascender  ao  trono,  elegendo  outro  herdeiro  ou  um  estranho,  se 
entenderem  que  nenhum  dos  parentes  do  morto  tem  competência, 
e  sendo  a  sua  opinião  e  conselho  respeitado  e  cumprido. 

A  organização  política  dos  estados  subordinados  é  igual  à  dos 
principais.  Nas  reclamações  das  grandes  questões  entre  diversos 
sub-estados  os  sobetas  teem  de  ouvir  o  parecer  do  soba  a  quem 
estão  subordinados,  seguindo-o  em  geral. 

Os  chefes  gentílicos  tiveram  em  tempo  direito  sobre  a  vida  e 
liberdade  dos  seus  subordinados,  actualmente  com  a  ocupação  a 
não  ser  os  sobas  dos  Galangues  que  ainda  conservam  poderes 
absolutos  sobre  os  seus  súbditos  e  que  ainda  praticam  sacrifícios 
humanos  pela  morte  do  soba  e  a  elevação  ao  trono  da  nova 
autoridade,  estão  as  suas  prerogativas  muito  mais  resumidas. 

Não  teem  os  chefes  direitos  sobre  a  propriedade,  mas  são  os 
seus  subordinados  obrigados  a  servi-los  quando  eles  necessitam. 

Os  sobas  teem  como  rendimento  os  emolumentos  que  cobram 
pela  decisão  de  questões,  as  multas  que  impõem  e  os  presentes 
que  frequentemente  recebem. 

A  sucessão  do  soba  é  em  geral  por  hereditariedade;  por  morte 
do  soba  sobe  ao  trono  o  filho  primogénito  da  mulher  preferida 
(rainha),  e  quando  dela  não  houver,  teem  preferência  os  da 
mulher  escrava  aos  da  mulher  livre,  tendo  em  atenção  sempre  a 
primogenitura.  A  falta  de  filhos  sucedem  os  netos  e  a  seguir 
irmãos,  sobrinhos  e  primos. 

Quem  indica  o  novo  soba  é  o  presidente  do  conselho  (otchiduri), 
observando-se  as  leis  de  sucessão  salvo  se  o  conselho  entender 
que  o  herdeiro  de  direito  não  é  competente  para  governar.  À 
falta  de  herdeiro  presuntivo,  elegem  em  geral  um  sobeta. 

A  sucessão  nos  sobetas  é  igualmente  por  hereditariedade  que 
só  se  não  sustenta  quando  o  sobeta  é  deposto  por  insubordinação, 
neste  caso  o  soba  nomeia  em  geral  para  substituir  o  sobeta  um 
dos  grandes  do  seu  estado. 

A  cerimónia  da  investidura  dos  chefes,  feita  na  parte  da 
embala  reservada  às  audiências,  consiste  na  entrega  ao  soba  do 
bastão  e  do  Usese  (rabo  de  cavalo  com  que  desviam  as  balas  na 
guerra)  pelo  presidente  do  otchiduri  e  na  arenga  que  este  profere 


370  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

sendo  apoiado  pelos  assistentes  com  repetidas  salvas  de  palmas. 
Seguindo-se  depois  os  cumprimentos  e  juramentos  de  obediência 
e  fidelidade  dos  assistentes,  as  felicitações,  os  presentes,  as  salvas 
e  as  festas. 

Entre  estas  tríbus  alguns  estados  teem  entre  si  alianças  em 
que  se  obrigam  a  mútuo  auxílio,  quer  na  guerra  ofensiva  ou 
defensiva,  quer  para  facilitar  relações  comerciais.  Esta  espécie 
de  tratados  é  sempre  feita  perante  testemunhas  sob  juramento, 
selando-se  a  aliança  com  o  sacrifício  de  um  boi  e  presentes 
mútuos,  acompanhados  das  indispensáveis  práticas  de  feitiçaria. 


# 
#       * 


O  comércio  é  exercido  em  mais  ou  menos  escala  por  todos 
estes  povos,  distinguindo-se  porém  os  bienos  e  bailundos.  O  co- 
mércio é  de  permuta,  sendo  os  principais  artigos  permutados :  a 
cera  entre  quási  todos  os  povos;  e  gado  principalmente  pelos 
quilengues,  gandas,  hanhas  e  seles;  os  géneros  pobres,  por  todos  ; 
a  goma  copal  e  azeite  de  palma,  principalmente  pelos  seles  e 
hanhas;  os  couros  pelos  quilengues;  e  a  borracha  pelos  bienos, 
e  que  hoje  perdeu  a  importância  que  em  tempos  chegou  a  atingir. 

As  transacções  são  em  geral  à  vista  e  a  moeda  consiste  em 
gado,  fazendas  e  escravos. 

Existe  o  direito  de  propriedade  de  terras.  Quem  nos  terrenos 
de  outrem  e  com  seu  consentimento  tiver  construído  cubatas  ou 
tiver  plantado  árvores,  pode  dispor,  dando  ou  vendendo,  das  cons- 
truções ou  das  árvores. 

Existe  o  contrato  de  compra  e  venda;  que  se  comprova  por 
testemunhas,  e  se  valida  por  um  sinal  dado  adiantadamente.  O 
objecto  comprado  só  passa  para  as  mãos  do  comprador  na  ocasião 
em  que  paga  o  valor.  Depois  do  sinal  dado,  se  o  vendedor  dispor 
do  objecto  para  outrem,  tem  de  restituir  o  sinal,  se  fôr  o  com- 
prador que  desistir  do  negócio,  não  tem  direito  à  restituição  do 
sinal. 

As  dívidas  não  prescrevem.  A  dívida  é  sempre  comprovada 
por  testemunhas,  e  o  devedor  fica  na  completa  dependência  do 
credor,  podendo,  caso  não  tenha  outro  meio,  dispor  da  sua  li- 
berdade. 


DE    ANGOLA  371 


* 

# 


O  tribunal  para  o  julgamento  das  questões  gentílicas  é  cons- 
tituído pelos  conselheiros  de  estado  e  pelos  dignatários  do  soba, 
presidindo  este,  quando  a  questão  é  importante  e  transcendente, 
ou  um  dos  membros  do  conselho  se  a  questão  é  de  menos  impor- 
tância. 

O  tribunal  funciona  sempre  de  manhã  e  ao  ar  livre,  em  um 
recinto  da  embala  do  soba,  denominado  ekago. 

O  julgamento  começa  sempre  pela  exposição  da  causa  a  julgar, 
feita  pelo  presidente,  dando  este  a  seguir  a  palavra  à  parte  de 
acusação,  para  expor  a  queixa;  ao  réu,  para  fazer  a  sua  defeza; 
e  por  último  às  testemunhas. 

A  seguir  o  presidente  convida  os  diversos  membros  do  tri- 
bunal a  expor  a  sua  opinião,  lavrando  a  sentença  em  conformidade 
com  ela,  na  maioria  das  vezes. 

Além  da  prova  testemunhal  existe  o  conhecido  juramento  da 
casca  que  consiste—  como  já  para  outros  povos  indicamos  —  em 
fazer  beber  um  cosimento  venenoso  a  quem  tem  de  a  êle  se  pres- 
tar. A  inocência  fica  provada  se  o  incriminado  vomitar  o  líquido 
ingerido,  caso  contrário  não  sofre  dúvida  a  culpabilidade  do  incri- 
minado. 

A  pena  comum  para  todos  os  crimes,  delitos  ou  contraven- 
ções, é  a  indemnização,  variando  o  seu  valor  consoante  a  gravi- 
dade daqueles.  A  indemnização  é  paga  em  gado,  géneros,  fazendas, 
aguardente  ou  escravos. 

II 
MONDOMBES 

Segundo  a  nossa  opinião  os  Mondombes  devem  ser  incorpo- 
rados no  grupo  das  tríbus  Bimbundu,  não  obstante  pelo  contacto 
que  teem  tido  com  as  tríbus  do  planalto  da  Huíla  e  com  as  tríbus 
Bacuando  e  Bacuisso  da  raça  Boschjman,  o  seu  modo  de  ser  tenha 
tomado  uma  feição  especial,  sobretudo  pela  influência  daquelas 
duas  últimas  tríbus. 

Os  Mondombes  ocupam  a  região  litoral  ao  sul  da  cidade  de 
Benguela  na  bacia  hidrográfica  do  rio  Coporolo  e  estendem-se 
para  o  sul  até  aos  confortes  da  serra  do  Cheia. 


372 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


/ 


Os  Mondombes  ainda  não  ha  muito  que  eram  considerados 
insubmissos  e  sempre  que  podiam  faziam  a  sua  partida  ao  viajante 
desprevenido  que  êies  transportavam  em  maxila.  Depois  porém 
da  severa  lição  que  lhes  infligiu  o  major  Bastos,  reduzindo-os  à 

obediência,  mostram-se  de  índole 
pacífica,  não  obstante  um  tanto 
trocistas. 

São  joviais,  expansivos  e  bas- 
tante astutos. 

Quanto  aos  cuidados  de  hi- 
giene, pode  considerar-se  este  povo 
como  um  dos  mais  porcos  da  pro- 
víncia, e  reduzem-se  aqueles  a 
untar-se  com  manteiga  e  um  óleo 
que  extraem  do  fruto  de  um  ar- 
busto espinhoso  a  que  chamam 
umóko. 

Quanto  aos  penteados  ou  à 
forma  como  usam  o  cabelo,  as 
mulheres  costumam  correr  o  ca 
belo  para  traz,  acertando-o  com 
a  mão,  fazem  como  que  um  rabi- 
cho no  alto  da  cabeça,  e  pendidos 
sobre  as  fontes  trazem  dois  canu- 
dos tecidos  à  semelhança  de  tran- 
ças. Os  homens  solteiros  usam 
rapar  a  cabeça  em  redor,  tendo 
apenas  no  alto  desta  uma  porção 
de  cabelo  em  forma  de  pirâmide 
cónica,  a  que  chamam  osiíku.  Os 
homens  casados  usam  cabeleira 
corrida  para  traz  e  caindo  em  bandó  sobre  as  orelhas,  a  que 
chamam  etuma. 

É  vulgar  o  uso  de  turbante  em  homens  e  mulheres,  sendo  o 
destas,  quando  casadas  de  pele  de  cabrito. 

No  que  diz  respeito  a  adornos  àlêm  dos  indicados  para  as 
restantes  tríbus  Bimbundus,  usam  os  homens  e  as  mulheres  con- 
siderados importantes  e  ricos  ao  pescoço  umas  grandes  colheiras 
feitas  de  dongo. 

A  cubata  dos  Mondombes  é  de  base  circular  e  de  forma  ovóide, 
sem  janelas  e  com  uma  pequena  abertura  que  força  o  seu  habi- 


Tipo  Mondombe 


DE  ANGOLA 


373 


tante  a  entrar  nela  de  rastos.  As  cubatas  são  formadas  por  um 
esqueleto  de  madeira  facilmente  transportável  e  cobertas  de  colmo 
desde  o  vértice  até  à  base. 

Dentro  das  cubatas,  em  geral,  pouco  mais  existe  do  que  a 
cama,  uma  tarimba  feita  de  barro  amassado. 

Não  obstante  se  dedicarem  à  agricultura,  as  suas  principais 


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Tipos  Mondombos 


ocupações  são  as  da  creação  de  gado  bovino  e  a  de  carregar,  no 
que  são  exímios. 

No  que  respeita  à  vida  familial  e  social  apenas  notarei  como 
costume  característico  dos  Mondombes  a  forma  como  procedem 
com  o  cadáver  que  deslocam  emquanto  não  arrefece  de  todo, 
metendo-lhe  a  cabeça  entre  os  pés  e  reduzindo-o  a  uma  espécie 
de  bola.  Depois  é  embrulhado  em  panos  e  exposto,  à  noite,  fora 
da  cubata,  tornando  a  ser  recolhido  ao  romper  da  manhã. 

É  costume  fazer  passar  o  cadáver  sobre  um  boi,  à  saída  da 


374 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


cubata  onde  se  dê  o  óbito,  sendo  em  seguida  abatido  o  animal. 
Antes  do  cortejo  funerário  chegar  ao  local  da  sepultura  vai  um 
mensageiro  apregoar  a  genealogia  e  qualidades  do  morto. 


No  cemitério  é  morto  outro  boi,  cujo  sangue  é  vazado  na  se- 
pultura; colocam  então  o  cadáver  com  todas  as  suas  armas  e 
insígnias,  e  a  cabeça  do  boi  ali  abatida;  só  depois  destas  ceri- 
mónias é  que  se  procede  à  inhumação. 

Eis  o  que  se  nos  oferece  expor  como  sendo  os  costumes  que 
mais  em  destaque  põem  os  Mondombes  entre  as  tríbus  Bimbundus. 


CAPITULO  XVI 
TRÍBTJS  GANGUELAS  (') 

(Baluimbe,  Banhema,  Bambuela,  Babunda,  Balutchaze) 

T.  —  Dos  caracteres  etnográficos  gerais 

Situação    geográfica  destes  povos.  —  Sua 
origem.  —  População. 

Pelas  razões  já  expostas  em  anteriores  capítulos  em  que  con- 
juntamente tratamos  mais  de  uma  tríbu,  isto  é,  por  os  povos  que 
se  designam  de  uma  maneira  geral  por  Ganguelas  terem  usos  e 
costumes  idênticos  e  falarem  uma  mesma  língua,  adoptamos 
igual  critério  fazendo  o  seu  estudo  neste  capítulo. 

Os  Ganguelas  ocupam  o  distrito  de  Benguela  para  àlêm  do 
rio  Cubango  e  a  parte  norte  do  distrito  da  Huíla,  estendendo-se 
os  Balimbes  ao  longo  da  margem  esquerda  do  rio  Cuanza,  desde 
o  rio  Luanda  até  Massaca,  e  ao  longo  da  margem  direita  do 
Cuanza  entre  o  Dunje  e  o  Cunhinga;  os  Banhema,  do  rio  Cunene 
ao  sul  dos  Galangues  e  Bienos  até  àlêm  do  rio  Cuelei ;  os  Bam- 
buela, ao  sul  dos  Banhema  e  Quiocos,  pelo  vale  de  Otchitanda, 
entre  este  rio  e  o  Cubango,  e  àlêm  deste  em  pequenas  colónias 
nas  margens  do  Cuito  inferior,  Luiana  e  seus  afluentes,  confi- 
nando pelo  sul  com  as  tribus  N'Ctuba,  Cuanjares  e  Mucussos; 
os  Babunda  ao  sul  do  rio  Lungue-Bungo  ao  longo  dos  rios  Cussibi, 
ou  Cuti,  Chiculai,  Minda,  Luati,  até  ao  Cuando :  os  Balutchaze, 
entre  os  rios  Luena  e  Lungue-Bungo. 


í1)  Cooperou  no  estudo  destas  tribus  o  amanuense  sr.  Francisco 
Araújo  e  Cunha  e  forneceu  valiosos  elementos  de  estudo  o  Ex.m0  sr, 
dr.  Manuel  Alves  da  Cunha. 


376 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


Não  obstante  a  dificuldade  de  obter  tradições  sobre  a  origem 
destas  tríbus,   parece-nos  poder  concluir,  pelo  estudo  dos  seus 


Raparigas  Grangnelas 

usos  e  costumes  e  afinidades  com  as  tríbus  Bimbundu  e  do  sul 
da  província  que,  não  andamos  longe  da  verdade,  supondo  que 
são  elas  o  resultado  da  disseminação  dos  povos  cujos  ascendentes 
foram  o  produto  do  cruzamento  daquelas  que  invadiram  a  pro- 
víncia pelo  norte,  nordeste  e  sobretudo  sudeste. 


DE   ANGOLA 


37Í 


A  parte  sul  da  região  ocupada  pelos  Ganguelas,  correspon- 
dente  às  tríbus  Baluimbe  e  Banhema  que  habitam  o  planalto  de 
Benguela,  é,  como  a 
região  ocupada  pelas 
tríbus  Bimbundu, 
aquela  da  província 
onde  a  densidade  da 
população  é  maior;  já 
assim  não  sucede  na 
parte  leste  e  principal- 
mente naquela  que  é 
ocupada  pela  tríbu 
Babunda. 

As  condições  cli- 
matéricas do  planalto 
muito  concorrem  para 
compensar  e  corrigir 
as  causas,  já  para  ou- 
tras tríbus  indicadas, 
que  entre  as  popula- 
ções indígenas  contri- 
buem para  a  diminui- 
ção da  população.  Daí 
o  facto  da  população 
aumentar  ou  pelo  me- 
nos estar  estacionária 
nas  tríbus  do  planalto 
e  nas  outras  ter  dimi- 
nuído principalmente 
entre  a  tríbu  Babunda. 

Pelas  mesmas  ra- 
zões acima  expostas 
podemos  de  urna  maneira  geral,  considerar  dois  tipos  entre  os 
Ganguelas;  um,  em  que  agrupamos  os  indígenas  do  planalto, 
de  estatura  mais  que  mediana,  robustos,  espaduados  e  muscu- 
lados, e  de  tez  abronzeada;  um  outro,  em  que  agrupamos  as 
tríbus  de  leste,  e  sul  da  região  ocupada  pelos  Bambuelas, 
25 


Ganguelas  —  Tipo  Banhema 


378 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


de  estatura  mediana,  pouco  robustos,  e  de  tez  negra  quási  re- 
tinta. 

No  que  diz  respeito,  em  especial  ao  sexo  fraco,  as  mulheres 
das  tríbus  Banhema  e  Bambuela  podem-se  classificar  das  mais 
feias  e  desengraçadas  de  formas,  o  que  contrasta  com  a  graciosi- 


Mulheres  G-anguelas 

dade  de  formas  e  coquetismo  das  mulheres  da  tríbu  Balutchaze, 
que  podemos  considerar  como  tipo  de  beleza  mais  perfeito  da 
província. 

Os  Ganguelas  são  de  carácter  jovial,  pouco  expansivos;  nos 
seus  maiores  sofrimentos  físicos  ou  morais  raro  é  verem-se-lhes 
as  lágrimas,  a  não  ser  as  mulheres;  pouco  dedicados;  compaixão 
apenas  para  com  os  parentes  muito  próximos,  e  nem  sempre; 
amizade  só  quási  a  filial  e  esta  a  materna. 

Os  Banhema  são  odiados  por   todas  as  outras  tríbus,    por 


DE  ANGOLA  379 

serem  falsos  e  de  má  condição,  não  se  aventurando  a  deixar  a 
sua  terra  senão  em  grandes  comitivas,  e  ainda  assim  é  raro  que 
não  tenham  lutas  com  os  outros  povos. 

Os  Balutchaze  são  aventureiros  fazem  correrias  ou  guerras 
(como  o  indígena  as  classifica)  nos  territórios  dos  Banhema, 
fazendo  razia  em  gente  e  gado. 

II. —  Da  vida  material  e  intelectual 

Cuidados  dados  ao  corpo.  —  Vestuário. — 
Alimentação. —  Habitação.  —  Meios  de 
existência.  —  Artes,  sciências,  faculda- 
des intelectuais. 

Nos  cuidados  de  higiene  e  limpeza,  salvo  as  mulheres  Balut- 
chaze que  diariamente  se  lavam,  não  fazem  estes  povos  excepção 
à  grande  maioria  dos  outros  da  província,  não  usando  lavagens 
regulares  e,  quando  o  fazem,  é  por  imersão  nos  rios  e  riachos. 
Untam  o  corpo,  empregando  diversas  substâncias  oleosas,  tais 
como,  os  óleos  de  rícino  e  de  gimguba,  e  entre  algumas  popula- 
ções do  sul,  a  manteiga. 

São  variados  e  numerosíssimos  os  penteados  usados  por  estes 
povos  não  tendo  a  pretenção  de  descrever  senão  aqueles  que  são 
mais  característicos  e  típicos. 

Entre  os  Baluimbes,  os  homens  rapam  à  navalha  ou  cortam 
rente  o  cabelo  do  alto  da  cabeça  e  da  nuca,  e  abrem  um  sulco 
pela  mesma  forma  que  partindo  dos  cantos  da  testa  vai  termi- 
nar na  parte  superior  da  cabeça;  as  mulheres  deixam  crescer  o 
cabelo  de  que  fazem  muitas  tranças  que  lançam  para  trás,  e  que 
ornamentam  de  missangas  e  fixam  com  taxas  amarelas. 

Entre  os  Banhema,  os  Bambuela,  Balutchaze  e  Babunda, 
citaremos  como  um  dos  penteados  mais  característicos,  aquele 
usado  por  algumas  mulheres,  consistindo  em,  do  meio  da  testa 
partirem  dois  rolos  de  cabelo  ou  de  fibras  vegetais  entrançadas, 
as  quais  depois  de  se  separarem  um  pouco,  deixando  a  descoberto 
o  alto  da  cabeça,  tornam  de  novo  a  unir-se,  vindo  terminar  em 
bico  recurvado  na  nuca,  sendo  o  resto  do  cabelo,  tanto  nas  fontes 
como  entre  os  dois  rolos,  penteado  liso  sobre  a  cabeça,  e  termi- 
nando por  uma  tira  de  missangas  de  várias  cores,  em  volta  da 
testa,  de  orelha  a  orelha,  e  acompanhando  a  raiz  do  cabelo.  Um 
outro  penteado,  característico  dos  Banhema  é  o  constituído  por 


380 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


dois  rolos  em  posição  horizontal,  postos  de  trás  para  diante  se- 
melhando chifres  de  antílope. 

Dentre  os  penteados  usados  pelos  homens  da  tríbu  Bambuela, 
e  da  grande  maioria  dos  povos  Ganguelas,  citaremos:  o  que 
consiste   em   rapar   completamente  a  cabeça;   o  de  deixar  um 


Tipos  Ganguelas  (Banliema) 


filete  de  cabelo  crescido,  segundo  a  linha  média,  entre  a  testa  e 
o  centro  da  cabeça,  rapando  o  resto;  o  de  deixar  simplesmente 
um  filete  de  cabelo  crescido,  formando  uma  aureola,  que  cinge 
a  cabeça,  da  testa  à  nuca;  a  combinação  dos  dois  penteados 
anteriores;  metade  da  cabeça  rapada  e  outra  com  o  cabelo 
crescido;  a  cabeça  toda  rapada  deixando  um  pequeno  rabicho 
no  centro,  ou  uma  espécie  de  melenas  nas  fontes;  o  de  vários 
filetes  de  cabelo  crescido,  intercalados  com  partes  rapadas, 
partindo  do  centro  da  cabeça  para  a  periferia. 


DE  ANGOLA  381 


Aqui  como  em  todos  os  outros  povos  da  raça  negra,  o  ves- 
tuário,é  constituído  simplesmente  pela  tanga  de  pano  ou  de  pele, 
suspensa  na  cintura,  visto  trazerem  o  tronco  nú. 

Não  obstante  predominar  actualmente  a  tanga  de  fazenda  de 
origem    europeia,    ainda   se   encontram   panos   por   eles   tecidos, 

principalmente  entre  os  Ba-     - _t>y_M,^MHJC^- -  

nhema,  e  é  vulgar  nos  Bam- 

buela  e  Balumbes  o  uso  da  ÍÉ^ 

pele. 

Como  fazendo  parte  do 
vestuário  inumeramos  aqui  * 

uma  espécie  de  saco  de  coiro 
em  que  algumas  mulheres 
Bambuela  e  Banhemas  con- 
duzem os  filhos  às  costas,  e 
igualmente  entre  estes  últi- 
mos, umas  largas  tiras  de 
tecido  de  malha  larga  por 
eles  fabricados,  empregadas 
para  o  mesmo  fim. 

No  que  diz  respeito  aos 
adornos  usados,  pode  afir- 
mar-se  que,  nas  tríbus  em     &% 
estudo,  as  mulheres,  se  mais         '■■': À 

se  não  carregam  de  missan-      l.^J|  ■■HHBH 

gas,  e  de  braçaletes  e  argo-  Tipo  Ganguelas  (Banhema) 

las  de  ferro,  de  latão  ou  co- 
bre é  porque  mais  não  podem  ou  para  tanto  não  chegam  os  seus 
recursos.  Usam  missangas,  em  colares,  nas  tranças  e  em  tiras  ou 
pequenas  fachas  dos  penteados ;  usam  braceletes  e  argolas  de  ferro, 
de  latão  ou  cobre,  nos  tornozelos  e  nos  braços;  usam  taxas  de  latão 
para  fixar  as  tranças. 


A    alimentação   é   quási  que  exclusivamente  constituída  por 
vegetais,  e  em  especial  da  farinha  com  que  se  prepara  a  massa, 


382 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


base  da  alimentação,  e  que  nos  Baluimbe,  Balutehaze,  Babunde 
e  na  maioria  dos  Banhema  é  feita  quási  que  exclusivamente  da 
mandioca,  o  que  não  sucede  com  os  Bambuela,  onde  já  predomina 
talvez  a  farinha  do  massango  e  massambala. 

Dos   alimentos   de   que  fazem  uso  tirados  do  reino  animal, 
podemos  incluir  em  primeiro  logar  o  peixe  dos  rios,  que,  fresco 

ou  seco  consomem  em  geral  assado  ; 
em  segundo  logar  vem  a  carne  de 
caça,  e  por  fim  a  carne  de  animais 
domésticos,  em  especial  de  vaca, 
que  se  abate  só  por  motivo  de  sa- 
crifícios oferecidos  aos  feitiços  ou 
por  ocasião  de  festa. 

Fazem  uso  do  tabaco  e  da  liam- 
ba (cânhamo),  principalmente  os 
Banhema  e  Bambuela,  que  fumam 
em  cachimbos  especiais,  feitos  de 
chifres,  passando  o  fumo  por  um 
pequeno  deposito  de  água. 

Usam  as  bebidas  fermentadas 
da  farinha  de  milho,  massango,  mas- 
sambala e  de  vários  frutos,  bem 
assim  como  o  hydromel,  em  especial 
os  Banhema. 


Tipos  Bambuelas 


* 
*  * 


Entre  estes  povos  predomina  nos  Baluimbe  e  Banhema  a 
forma  rectangular  das  cubatas,  nas  restantes  tríbus  e  nomeada- 
mente na  Bambuela,  a  forma  circular. 

A  cubata  tem  sempre  cobertura  de  colmo  e  assenta  no  solo, 
salvo  na  tribu  Babunda,  em  que  as  libatas  estão  situadas  em 
lugares  encharcados  e  onde  as  cubatas  assentam  sobre  estacaria. 

Nas  tríbus  de  leste  as  paredes  da  cubata  são  revestidas  de 
colmo ;  nas  tríbus  Baluimbe  e  Banhema,  não  obstante  a  regra  geral 
seja  o  revestimento  de  colmo,  está  muito  em  uso  o  revestimento 
de  barro. 

Na  tríbu  Bambuela  o  revestimento  de  barro  é  interior,  não 
se  revestindo  exteriormente  a  cubata  e  deixando  a  descoberto 
os  paus  que  formam  o  seu  esqueleto. 

De  uma  maneira  geral  as  cubatas  destes  povos  são  regular- 


DE  ANGOLA 


383 


mente  lançadas,  elegantes,  altas,  tendo  uma  grande  inclinação 
as  linhas  de  água,  o  que  lhes  dá  um  aspecto  diferente  das  habi- 
tações dos  restantes  povos  da 
província. 

Algumas  das  cubatas  bar- 
radas são  pintadas  com  ele- 
mentos naturais :  kaolino,  li- 
munite  e  hematite. 

As  libatas  são  em  geral 
cercadas  por  palissadas  com- 
pletamente abertas  ou  fecha- 
das, e  neste  caso  comunicando 
com  o  exterior  por  estreitas 
portas  corrediças,  como  des- 
crevemos para  as  tríbus  Bam- 
tuba,  ou  abrindo  em  volta  de 
uma  charneira  colocada  pela 
parte  superior,  conforme 
usam  alguns  dos  povos  das 
tríbus  Bimbundu. 

As  grandes  libatas  consti- 
tuídas pela  reunião  de  várias 
famílias  são  interiormente  di- 
vididas por  cercados  em  cada 
um  dos  quais  vive  uma  famí- 
lia. 

Para  a  escolha  do  local  da 
li  bata,  concorre  principal- 
mente, haver  próximo  boas 
•terras  para  cultura  e  rios. 

Na  tríbu  Babunda  algu- 
mas libatas  são  localizadas 
muito  próximo  às  margens 
dos  rios  em  terrenos  mesmo 
pantanosos,  sendo  as  cubatas  construídas  sobre  estacaria.  Pa- 
rece porém  que  este  uso  vai  decaindo,  visto  atribuírem  a  grande 
mortandade  nas  libatas  àquele  facto,  e  que  se  afastam  dos  rios, 
localizando  as  libatas  nos  morros  que  os  acompanham,  salvo 
para  uma  sub-tríbu,  bamaxis,  que  ainda  constroem  as  suas  cubatas 
em  cima  das  águas  do  rio  Cuango. 


384  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 


A  principal  ocupação  dos  ganguelas  é  a  agricultura  que  exer- 
cem por  processos  rudimentares  com  às  suas  tradicionais  enxadas. 


Mtilher  da  tríbii  Balutchaze 

A  agricultura  é  exercida  pelas  mulheres,  auxiliadas  pelos  ho- 
mens, deixando  de  prestar  este  auxílio  no  tempo  próprio  da 
extracção  das  raízes  da  borracha  das  ervas  (principalmente  nas 
tríbus  de  leste)  ou  das  caçadas. 

As  culturas  principais  são :  a  mandioca,  para  os  Baluimbe, 
Banhema  e  Balutchaze;  massambo  e  massambala  para  os  Bambuela 


DE   ANGOLA 


385 


e  Babunda;  de  uma  maneira  geral  o  milho,  o  feijão,  a  ginguba, 
a  abóbora,  etc. 

Os  Baluimbe,  Banhema  e  Bambuela  cultivam  ou  tratam  o 
algodão  expontâneo  que  fiam  e  tecem,  fazendo  panos ;  no  entanto 
é  esta  cultura  em  muito  pequena  escala. 

Não  deixa  de  ser  interessante  mencionar  como  em  geral  os 
ganguelas  procedem  na  separação  do  grão  dos  cereais  cultivados. 


Tipos  Balutchazes 

Aquecem  as  massarocas  ou  as  espigas,  conforme  o  caso,  sobre 
uma  grelha  formada  de  troncos  de  madeira  colocados  sobre  um 
buraco  aberto  no  chão  e  no  fundo  do  qual  arde  um  lume  brando. 
Por  este  processo,  aquecida  a  massaroca  ou  a  espiga,  facilmente 
à  mão  se  separa  depois  o  grão. 

Dedicam-se  à  apicultura,  principalmente  os  Banhema,  servin- 
do-se  de  cortiços  cilíndricos  que  colocam  no  topo  dos  ramos  das 
árvores  mais  altas,  fazendo  largo  comércio  de  cera. 

São  os  Ganguelas  todos  mais  ou  menos  creadores  de  gado,  salvo 
os  Balutchaze,  os  Bambundo  e  Bambuela  de  leste  que  por  falta  de 
pasto  possuem  pouco  gado;  predomina  a  criação  de  gado  bovino. 

São  caçadores  e  pescadores,  sendo  estes  misteres  exercidos 
pelos  homens,  salvo  na  tríbu  Babunda  em  que  a  pesca  é  das  atri- 
buições das  raparigas. 


386 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


Os  Ganguelas  trabalham  o  ferro  em  forjas,  idênticas  às  que 
já  descrevemos  para  outras  tríbns,  sendo  exímios  nesta  indústria 
os  Banhema,  produzindo  machadinhas,  enchadas,  facas,  za- 
gaias, etc. 

Fiam  o  algodão  em  pequenos  fios,  e  tecendo  em  malha  muito 


Casa  Ganguela 

larga  umas  fachas  em  que  algumas  mulheres  seguram  os  filhos 
às  costas. 

Simplesmente  com  auxílio  da  faca  teem  os  Ganguelas,  espe- 
cialmente os  Banhema,  verdadeiras  criações  em  obra  de  madeira, 
produzindo  cadeiras,  bancos,  bastões,  com  figuras  regularmente 
delineadas,  e  tendo  como  motivo,  scênas  de  adultério,  práticas 
obscenas  e  adágios. 


DE  ANGOLA 


387 


Em  género  de  trabalho  de  madeira  não  desejamos  de  nos 
deixar  de  referir  à  construção  de  canoas  feitas  da  casca  da  árvore 
(samba)  que  por  ser  interessante  e  não  ser  usada  —  que  nos 
conste  —senão  pelos  Banhema  e  Bambuela,  passamos  a  descre- 
ver. 

Fazem-se  dois  cortes  circulares  no  tronco,  um  junto  ao  pé, 
outro  no  ponto  em  que  as  árvores  deitam  os  primeiros  ramos,  e 
um  terceiro,  vertical,  unindo  os  dois;  depois  começam  a  separar 
a  casca,  por  meio 
de  pequenas  cu- 
nhas. Em  seguida 
enche-seo  cilindro 
ôco  extraído  com 
folhas  secas,  fa- 
zem-se arder  estas 
para  dar  mais  elas- 
ticidade à  casca, 
limpa-se  esta  ex-' 
teriormente  das 
partes  mais  rugo- 
sas  e  por  meio  de 
paus  fortemente 
cravados  no  solo 
obrigam-se  a  unir 
as  duas  extremi- 
dades do  cilindro, 
que  se  apertam 
por  meio  de  fibras  vegetais  que  se  fazem  passar  nos  furos  que 
previamente  se  teem  feito  com  um  ferro  de  zagaia  quente.  Para 
concluir  a  canoa,  basta  afastar  na  parte  média  os  dois  bordos  por 
meio  de  travessas  de  madeira. 

Fabricam  a  farinha  por  trituração,  preparam  peles  de  animais, 
não  desconhecem  o  trabalho  de  olaria,  e  fabricam  toda  a  espécie 
de  cordas  e  atilhos  que  necessitam. 


Tipos  Balutchazes 


A  língua  falada  é  a  ganguela  ou  dialectos  desta  língua  com 
pequenas  variações. 

Sobre  canto  e  música  não  conhecemos  qualquer  particularidade 


388  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

a  acrescentar  ao  que  expozemos  no  capítulo  anterior  sobre  os 
Bimbundus. 

As  danças  são  como  em  geral  entre  os  povos  da  raça  negra 
pouco  variadas  e  monótonas. 

Ao  centro,  três  ou  quatro  tambores  seguros  entre  as  tríbus 
dos  homens  que  com  grande  força  os  percutem ;  a  pequena  dis- 


Granguelas  —  Aparelhos  de  pesca 

tância  em  círculo  fechado,  as  mulheres  formando  cordão  tanto 
mais  espesso  quanto  mais  numerosas  forem,  e  em  volta  delas, 
exteriormente,  os  homens,  cujos  passos  de  dança  são  muito  mais 
livres  e  variados;  um  pouco  mais  distante,  em  grupos  sentados, 
os  que  não  dançam  ou  já  se  não  sentem  de  pé  muito  firmes. 

Soam  os  tambores,  eleva-se  uma  voz,  logo  um  coro  que  não 
é  desarmonioso,  e  o  círculo  das  mulheres  agita-se,  movendo  cada 
uma  o  corpo  a  um  e  outro  lado,  avançando  lateralmente  em 
passo  muito  miúdo  e  fazendo  soar  as  manilhas  dos  tornozelos 
pelo  bater  dos  pés  no  chão;  no  cordão  dos  homens,  mais  amplo 
e  desafogado,  o  mesmo  balancear  do  dorso,  caminhando  em  cír- 
culo, e  de  vez  em  quando  um  deles  dá  um  salto,  gira  no  ar  e 
caindo  de  pé  faz  um  gesto  particular. 


DE  ANGOLA  389 

Assim  se  sucedem  uns  após  outros  os  passos  de  dança,  sem 
variantes,  ou  tendo-as  só  na  letra  do  canto. 


Em  conhecimentos  scientíficos  àlêm  das  noções  erradas  que 
os  feiticeiros  e  adivinhos  lhes  administram  dos  astros,  das  chu- 
vas, etc,  sabem  contar  pelos  dedos  e  são  hábeis  curandeiros. 
O  tchimbanda  Banhemba  gosa  de  fama  em  todo  o  distrito  de 
Benguela  sendo  respeitado  até  pelos  povos  circunvizinhos. 

Tiram  os  remédios  de  que  fazem  aplicação  da  flora  da  região. 

Sobre'  faculdades  intelectuais  não  se  lhes  pode  negar  a  me- 
mória que  conservam  até  avançada  idade;  são  astutos  e  obser- 
vadores, qualidades  de  que  se  servem  sempre  ao  enta"bolar  relações 
com  alguOm,  pautando  o  seu  procedimento  pelo  resultado  obtido. 

III.  —  Da  vida  familial 

O  nascimento.  —  A  educação  e  iniciação.  — 
O  casamento.  —  A  família.  —  A  morte. 
—  Religião,  ritos,  cultos  e  sacerdócio. 

O  nascimento  das  crianças  constitue  sempre  um  acontecimento 
que  é  motivo  de  regosijo,  constatado  por  ofertas  aos  pais  e  re- 
tribuição destes. 

Ao  nascimento  das  crianças  assiste  uma  mulher  entendida  e 
prática  que  partilha  das  ofertas  por  parte  dos  pais,  e  que  é  en- 
carregada, passados  alguns  dias  após  o  parto,  de  trazer  para 
fora  da  cubata  o  recemnascido,  oferecendo  nesse  dia  o  pai  bebidas 
aos  assistentes  à  cerimónia. 

O  recemnascido  recebe  o  nome  de  um  parente  vivo  ou  já 
morto,  nome  que  tem  sempre  significação  de  plantas,  utensílios, 
animais,  provérbios,  estação  do  ano,  meses,  fenómeno  da  natureza 
que  se  torna  notável  nessa  ocasião,  etc. 

As  crianças  do  sexo  masculino  até  aos  cinco  anos  estão  sob  o 
cuidado  da  mãe,  só  depois  desta  idade  começam  a  acompanhar 


390  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

o  pai  e  dele  a  receberem  a  instrução  nos  diversos  misteres  a  que 
se  entregam.  f 

Entre  alguns  povos  destas  tríbus,  em  especial  entre  os  Balut- 
chaze,  as  crianças,  passados  os  cinco  anos,  passam  para  a  com- 
panhia dos  tios  maternos  que  deles  podem  dispor,  e  de  quem 
são  legítimos  herdeiros. 

Pratica-se  a  circuncisão.    A  operação  é  feita  ou  quando  cai  o 

cordão    umbilical    e    a    maior 

~!  "i 

parte  das  vezes  entre  os  quinze 

e  os  dezoito  anos. 

A  circuncisão  é  levada  a 
efeito  na  época  de  colheita, 
escolhendo-se  de  preferência 
anos  de  abundância;  para  a 
prática  da  circuncisão  for- 
mam-se  grupos  de  trinta  a 
quarenta  rapazes  que,  com  três 
ou  quatro  Tchimbanda,  a  quem 
são  entregues,  vão  acampar  a 
distância,  fora  das  povoações; 
aí  são  operados,  e  permanecem 
em  tratamento  durante  o  tempo 
necessário  para  a  cura,  não 
podendo  usar  panos  e  prepa- 
rando os  vestuários  feitos  com 
fibras  vegetais,  com  os  quais, 

Tipo  de  penteado  da  tabu  Bambuela  .  ,       ,     , 

e  com  o  corpo  pintado  de  barro 
branco,  se  apresentam  depois  da  cura.  Terminada  esta,  dirige-se 
o  grupo  com  os  curandeiros  a  um  rio  e  ali  se  lavam,  sendo  es- 
perados pelas  famílias,  que  os  vestem  com  panos  novos,  sendo  o 
facto  motivo  para  festas  de  que  o  elemento  principal  é  a  morte 
de  um  boi,  oferecido  pelo  soba  ou  século. 

As  raparigas  são  também  iniciadas  ao  chegar  à  idade  da  pu- 
berdade, não  conseguindo  averiguar  das  cerimónias  ou  práticas 
a  que  são  sujeitas;  sabemos  que  se  pintam  de  várias  cores,  se 
cobrem  com  um  pequeno  pano  e  estão  recolhidas  em  uma  casa 
especial  e  entregues  ao  cuidado  de  umas  velhas,  que  são  as  en- 
carregadas da  iniciação. 

Quando  se  dá  por  concluída  a  iniciação  seguem-se  as  festas  e 
danças,  vindo  os  rapazes  escolher  as  suas  noivas. 

Não  temos  dados  seguros  para  afirmar  se  das  práticas  da 


DE   ANGOLA 


âôi 


iniciação  das  raparigas  faz  parte  a  cerimónia  do  desfloramento 
por  qualquer  processo,  visto  que  parece  —  pelo  menos  entre  os 
povos  Balutchaze  —  ser  a  mãe  que  em  tenra  idade  desflora  a  filha 
com  o  auxílio  de  uma  tripa  de  cabrito  cheia  de  água. 


Encontramos  nos  Ganguelas,  como  nos  centros  de  civilização, 
nojentas  degradações   que   em   nada   condizem   com    a   natureza 


Ganguelas  —  Preparando  a  farinha 

selvagem  da  raça  a  que  pertencem  e  mais  parecem  filhos  de  uma 
vida  enervante  de  luxúria  sexual  que  não  sabemos  explicar  a 
origem. 

Alem  da  masturbação  nos  dois  sexos,  é*  frequente,  nas  tríbus 
Banhema  e  Balutchaze,  homens  e  mulheres  satisfazerem  os  seus 
prazeres  sexuais  com  indivíduos  do  mesmo  sexo,  chegando  os 
sobas  a  ter  junto  com  as  mulheres  um  rapazola  vestido  e  penteado 
como  estas. 

No  que  diz  respeito  ao  ajuste  de  casamento  é  ele  feito  de  uma 
maneira  geral  como  nos  outros  povos  da  raça  negra,  e  em  tenra 
idade,  ficando  a  noiva  em  casa  da  família,  geralmente,  até  aos 
doze  anos,  vindo  só  depois  para  a  companhia  do  marido. 


392 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


Existe  a  poligamia  e  entre  a  tríbu  Balutchaze  é  frequente  a 
poliandria,  visto  que  a  mulher  tem  em  geral  dois  homens  com 
consentimento  mútuo  destes,  e  até  como  dever  de  mulher,  porque 
não  é  apreciada  pelo  homem  se  não  tiver  outro. 

É  frequente  o  adultério,  desagravado  com  o  pagamento  de 
uma  indemnização  pelo  co-reu  adúltero,  e  facultado  pelo  marido 
ultrajado  que  no  adultério  tem  uma  fonte  de  receita,  consentindo 
e   até  instigando  a  mulher  a  cometê-lo,  chegando  esta  a  fazer 

digressões  pelos 
povos  vizinhos 
procurando  e 
provocando  os 
homens  a  quem 
se  entrega  a  tro- 
co de  qualquer 
recompensa,  e 
vindo  depois  re- 
latar ao  marido 
as  infidelidades 
cometidas,  afim 
de  este  exigir  a 
respectiva  in- 
demnização. Ca- 
so o  arguido  ne- 
gue perante  o 
tribunal  julga- 
dor o  crime,  é  corrente  chamar-se  a  depor  a  adúltera,  e  perante 
a  confissão  desta  é  aquele  condenado. 

A  adúltera  só  é  punida  pelo  seu  crime  se  o  adultério  produz 
fruto;  entre  os  Balutchaze  é  esse  facto  um  crime  grave. 

Existe  o  divórcio  com  a  restituição  ou  garantia  do  contracto 
e  tendo  como  causas  determinantes  as  inunciadas  para  as  tríbus 
Bimbundu. 

Parece,  porém,  que  nem  em  todas  estas  tríbus  constitui  motivo 
para  divórcio  a  esterilidade  da  mulher  ou  incapacidade,  pro- 
criativa  do  homem,  pelo  menos  antes  de  chegar  aquele  extremo 
tentam,  por  troca  ou  empréstimo  da  mulher,  obter  prole.  É  o 
que  se  dá  na  tríbu  Banhema,  em  que  é  corrente  dois  amigos 
fazerem  o  pacto  da  troca  de  mulheres;  dirigem-se  primeiro  à 
cubata  do  que  fez  a  proposta;  tomam  uma  pequena  refeição  e 
enquanto  o  convidado  se  fecha  com  a  mulher  do  amigo,  o  marido 


&^:HSsSS^g^-^gr~  ^•VV.Vttó'^'^ 


Tipo  de  habitação  da  tríbu  Babunda 


DE  ANGOLA  393 

espera  sentado  à  porta ;  saem  dali  e  repete-se  a  mesma  scena  em 
casa  do  outro.  Os  filhos  assim  havidos  são  recebidos  e  conside- 
rados como  próprios  pelo  marido  da  mulher  que  os  concebeu. 


A  família  compõe-se  do  chefe,  das  mulheres,  dos  filhos  e  dos 
sobrinhos  filhos  das  irmãs  do  chefe  da  família. 

Ao  chefe  da  família  devem  obediência  e  respeito  os  seus  di- 
versos membros. 

A  mulher  é  tratada  com  certa  deferência,  principalmente 
entre  os  Balutchaze,  e  embora  sujeita  aos  trabalhos  agrícolas  e 
de  cosinha,  não  são  estes  tão  árduos  que  facilmente  os  não  su- 
portem, porque  os  homens  deles  compartilham. 

A  mulher  da  tríbu  Balutchaze  só  procria  dos  vinte  e  cinco 
anos  em  diante  e  fá-lo  com  tal  método,  que  só  tem  filhos  de  cinco 
em  cinco  anos,  dizem  elas,  para  conservar  a  sua  beleza  por 
muito  tempo. 

Os  filhos,  como  já  tivemos  ocasião  de  dizer,  estão  sob  a  vigi- 
lância da  mãe  até  aos  cinco  anos,  passando  depois  a  acompanhar 
o  pai  ou  para  a  companhia  dos  tios  maternos. 

# 

*       * 

Não  admitem  a  morte  natural,  sendo  sempre  atribuída  a  fei- 
tiço ou  a  outra  qualquer  causa  extranha,  que,  pelos  adivinhos, 
feiticeiros  e  interrogando  o  morto,  procuram  conhecer;  só  tra- 
tando-se  de  pessoas  muito  idosas  admitem  que  o  Calunga  (o  ente 
supremo)  o  levou. 

Segundo  os  usos  antigos  dos  povos  Ganguelas,  não  havia 
grandes  cerimónias  por  ocasião  da  morte  de  qualquer  pessoa; 
logo  no  dia  seguinte  ao  da  morte,  um  sobrinho  do  falecido  trans- 
portava-o  às  costas,  com  o  auxílio  de  outro  parente,  e  enterrava-o 
no  mato;  depois  a  cubata  do  falecido  era  destruída  e  queimada, 
não  se  construindo  mais  no  local  por  ela  ocupada.  Actualmente 
pelo  convívio  com  as  tríbus  Bimbundu  e  Quiocos  aqueJes  usos 
estão  modificados  e  praticam  mais  ou  menos  as  cerimónias  usadas 
pelos  Bimbundu. 


394  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


* 
*         '* 

As  considerações  expostas  ao  estudarmos  a  religião  da  tríbu 
Bimbundu,  são,  de  uma  maneira  geral,  aplicáveis  aos  Ganguelas, 
que  cultivam  a  feitiçaria,  a  magia  e  o  espiritismo  em  alto  grau. 

Como  naquelas  tríbus,  os  Ganguelas  respeitam  é  crêem  em 
um  ente  supremo  que  designam  pelo  nome  de  Calunga. 

Parece  designarem  pelo  mesmo  nome  Tchimbanda,  os  adivi- 
nhos, feiticeiros  e  curandeiros,  cujas  funções  estão  mais  ou  menos 
ligadas  ao  culto  e  por  isso  podem  ser  considerados  como  os  seus 
sacerdotes; 

IV.  —  Da  vida  social 

Espécie    de   vida.  —  Classes    e    castas.  — 
Organização  política.  —  Propriedade. 

Não  obstante  alguns  destes  povos,  principalmente  os  Banhema 
e  Bambuela,  se  dedicarem  à  criação  de  gado,  pelo  que  se  poderia 
supor  que  levavam  vida  nómada  e  pastoral,  assim  não  sucede. 

Aqui  como  nos  outras  tríbus  da  raça  negra  temos  a  distinguir, 
nobres,  livres  e  escravos;  dos  primeiros  saem,  em  geral,  as  auto- 
ridades e  constituem  os  conselheiros  e  os  ministros ;  nos  segundos 
agrupam-se  os  ricos,  os  pobres,  e  a  ela  pertencem  os  tchimb andas, 
finalmente  na  terceira  agrupam-se  os  escravos :  por  dívidas,  por 
pagamento,  por  efeito  de  sentença  de  tribunal,  por  depósito  para 
garantia  de  dívidas,  por  compra,  como  presas  de  guerra,  e  vo- 
luntariamente, entregando-se  por  dificuldades  na  vida  àquele  que 
escolhem  para  seu  senhor  para  o  que  basta  quebrar-lhes  diante 
de  testemunhas  qualquer  pequeno  frágil  objecto  que  lhe  pertença, 
o  que  entre  os  Babunda  se  chama  ukutumbica. 

O  escravo  é  tratado  como  um  filho  menor,  podendo  casar  com 
os  filhos  do  seu  senhor,  e  até  a  seu  bel  prazer,  quando  lhe  con- 
vier, mudar  de  senhor,  para  que  basta  praticar  a  ohutumbica  em 
objecto  pertencente  ao  senhor  que  de  novo  escolheu. 

Parece  existirem  associações  secretas,  não  obstante  não  co- 
nhecermos os  seus  fins  nem  a  sua  organização. 


£>E    ANGOLA 


3ÓS 


Vamos  entrar  em  uma  das  partes  mais  interessantes  do  estudo 
destas  tríbus  —  a  organização  política  —  característica  para  cada 
uma  delas  e  com  uma  feição  completamente  diferente  daquela 
das  restantes  tríbus  da  raça  negra. 

A  não  ser  nas  tríbus  Babunda  e  Bambuela  àquem  Cubango, 
não  existem  os  grandes  estados  subdivididos  em  sub-estados;  nas 
tríbus  em  estudo,  predomina  a  federação  de  pequenos  núcleos  li- 


Bamlmela  —  Uma  libata 

gados  por  laços  de  família,  mais  ou  menos  independentes  uns  dos 
outros. 

Na  tríbu  Babunda  cada  libata  é  governada  pelo  seu  secúlo, 
assistido  de  um  conselho  composto  pelos  mais  velhos,  que  reúnem 
para  solucionar  as  questões  de  maior  importância,  sendo  as  de- 
liberações tomadas  por  maioria.  Estes  pequenos  estados  —  cha- 
memos-lhes  assim  —  estão  subordinados  ao  chefe  da  tríbu  a  quem 
as  magnas  questões  são  presentes  depois  de  ouvida  a  opinião 
daqueles  conselhos,  e  que  tratando-se  de  assuntos  de  grande  in- 
teresse para  a  tríbu,  como  ameaça  de  guerra  por  tríbus  vizinhas, 
ou  resolver  sobre  a  guerra  a  fazer,  sucessão  de  chefe,  etc,  reúne 
e  consulta  uma  grande  assembleia  composta  por  todos  os  chefes 
das  libatas  e  seus  parentes,  sendo  igualmente  as  resoluções  to- 
madas por  maioria. 

O  chefe  da  tríbu  é  o  soba  Bando  que  vem  exercendo  este 


396 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


cargo  há  perto  de  vinte  anos,  que  é  das  poucas  autoridades  gen- 
tílicas que  tem  conservado  o  poder  e  prestígio  entre  os  seus  su- 
bordinados. Este  soba  tem  o  seu  lombe  (residência  do  soba)  na 
margem  do  Lua  ti,  devendo  o  grande  prestígio  que  goza  ao  constar 
que  tem  o  p  oder  de  transformação,  poder  de  que  faria  uso  se  fosse 
atacado  pelos  brancos,  transformando  a  sua  libata  e  embala  em 

um  grande  rio,  tomando 
êle  a  forma  de  um  hipo- 
pótamo. 

Uma  organização  polí- 
tica semelhante,  consti- 
tuída por  sobados  dividi- 
dos em  mucundas  com  os 
seus  séculos,  se  encontra 
nos  Bambuela  de  àquem 
Cubango,  não  obstante  os 
sobas  terem  perdido  o  seu 
prestígio. 

Entre  os  Bambuela  de 

leste  —  àlêm  Cubango  —  a 

organização    política    é 

constituída  por  federações 

de  pequenas  famílias  cada 

uma  com  o  seu  chefe. 

Entre    os    Baluimbe  e 

Balutchaze  cada  libata  constitui  um  pequeno  estado  independente, 

governado  por  um  chefe  que  é  o  mais  velho. 

Na  tríbu  Banhema  as  autoridades  gentílicas  não  são  vitalícias, 
servindo  cada,  soba  um  triénio  ao  fim  do  qual  é  substituído, 
sendo  destituído  aquele  que  se  recusar  a  sair,  dando  este  facto 
logar  a  lutas  entre  os  vários  partidos  formados. 

Os  principais  da  libata,  antes  de  terminar  o  mandato  do 
soba,  reúnem  secretamente  e  escolhem  o  sucessor,  que  fica  des- 
conhecido para  o  povo  e  o  soba  em  exercício.  Nas  vésperas  o 
novo  soba  é  apresentado  fora  da  libata  ao  seu  povo  para  sancionar 
a  sua  escolha,  enquanto  o  soba  que  termina  o  mandato  se  prepara 
para  de  noite  abandonar  a  residência  (lombe)  com  as  suas  mu- 
lheres e  filhos.  Na  ocasião  da  investidura  do  novo  soba,  prati- 
cam-se  várias  cerimónias  inerentes  ao  caso,  como  sejam  entrega 
de  chaves  e  mais  pertences  da  residência  do  soba,  a  que  se 
seguem  festas  e  grande  fusilaria. 


Balutchazes  —  Circuncisão 


DE  ANGOLA  397 

Diz-se  —  não  o  podendo  nós  asseverar  —  que  por  esta  ocasião 
uma  das  cerimónias  consiste  na  apresentação  da  cabeça  de  um 
homem  que  é  enterrada  conjuntamente  com  uma  cabeça  de 
malanca  (boi  bravo). 

O  executor,  kissa?nbo,  acompanhado  pelos  kissongos  sai  em 
busca  da  vítima  humana  que  tem  que  ser  decapitada  e  que 
servirá  na  cerimónia,  dirigindó-se  a  terras  alheias,  e  em  sítio 
pouco  frequentado,  para  por  surpreza  agarrar,  auxiliado  pelos 
kissongos,  o  primeiro  desgraçado  que  apareça,  cortando-lhe  a 
cabeça  que  leva  para  a  embala,  abandonando  o  corpo.  Muitas 
vezes  a  vítima  pertence  ao  estado  e  é  indicada  pela  família  por 
ser  mau  elemento  ou  que  por  qualquer  outra  razão  convenha 
que  desapareça. 

A  sucessão  nas  tríbus  em  que  os  sobas  são  vitalícios  é  por 
via  colateral  feminina  sendo  herdeiros  do  trono  os  irmãos  ou 
sobrinhos  filhos  das  irmãs. 

# 

#  # 

Os  Ganguelas  e  destes  em  especial  os  Banhema,  entregam-se, 
em  grande  escala,  ao  comércio  de  permuta,  não  só  dos  géneros 
que  constituem  a  principal  alimentação  dos  indígenas,  como 
igualmente  de  gado,  couros,  cera  e  borracha,  constituindo  estes 
produtos  os  artigos  de  exportação  que  os  Ganguelas  permutam 
por  fazendas,  contaria,  missanga,  armas  e  pólvora  (quando  a  sua 
venda  está  autorizada)  e  outros  tantos  artigos  que  o  comércio 
europeu  tem  introduzido. 

Não  existe  o  contracto  de  locação  e  em  matéria  de  contractos 
os  mais  usuais  são  de  compra  e  venda,  que  se  fazem  perante 
testemunhas  e  em  geral  à  vista. 

Existe  o  penhor  como  garantia  do  pagamento  de  dívidas,  que 
consiste  em  gado  e  em  escravos. 

A  moeda  entre  estes  povos  são  os  escravos,  gado  e  as  fa- 
zendas. 

A  indústria  é  familial. 

# 

*  * 

Os  julgamentos  são  da  competência  do  tribunal  constituído 
pela  soba  ou  século  que  preside  e  dos  seus  conselheiros,  os  velhos 
da  libata. 


398  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

Mo  obstante  o  soba  ou  secúlo  presidir  ao  julgamento  parece 
que  nem  em  todas  as  tríbus  Ganguelas,  é  êle  encarregado  de 
dirigir  os  trabalhos,  havendo  por  exemplo  na  tríbu  Babunda  em 
todas  as  libatas  uma  personagem  especial  para  esse  fim,  que 
deve  ser,  esperto,  velhaco  e  dotado  d,e  verbosidade. 

Instalado  o  tribunal  tomam  assento  junto  do  presidente  os 
seus  membros,  a  um  lado  assenta-se  o  arguido,  a  outro  o  quei- 
xoso, fazendo-se  acompanhar  cada  um  respectivamente  dos  seus 
advogados,  testemunhas,  parentes  e  convidados. 

Aberta  a  sessão  dá  o  presidente  a  palavra  ao  queixoso,  ao 
arguido,  aos  seus  advogados  e  testemunhas  e  a  quem  mais  deseje 
manifestar  a  sua  opinião,  ao  fim  do  que  é  a  sentença  proferida 
pelo  presidente. 

Parece  que  antes  do  julgamento  de  certas  causas  o  tribunal  tem 
uma  reunião  secreta  preparatória  ou  para  instrução  do  processo. 

Além  da  prova  testemunhal,  quando  estas  não  esclarecem  os 
julgadores  ou  quando  as  partes  não  se  conformam  com  a  decisão 
do  tribunal,  recorre-se  às  provas  por  sortilégios,  torturas  ou 
veneno. 

Estas  provas  são  administradas  ou  da  competência  do  curan- 
deiro. 

Para  a  prova  do  veneno  o  feiticeiro  manipula  a  droga  e, 
dividindo-a  em  partes  iguais,  ingerida  pelo  arguido  e  queixoso. 
Um  deles  pouco  depois,  começa  a  sentir  os  efeitos  do  veneno,  e 
c-aindo  exausto  no  chão,  e  vendo-se  perdido,  acaba  por  confes- 
sar-se  culpado,  embora  o  não  seja,  para  que  o  curandeiro  lhe 
administre  o  contra-veneno. 

Uma  outra  prova  consiste  em  perante  o  tribunal  pôr  em  ebu- 
lição uma  porção  de  água,  sujeitando  arguido  e  queixoso,  a  meter 
as  mãos  na  água,  repetindo  esta  operação  três  vezes.  Discute-se 
novamente  a  causa  e  averigua-se  qual  dos  dois  ficou  queimado, 
sendo  este  considerado  culpado. 

Uma  outra  prova,  consiste  em  cortar  rapidamente  a  cabeça  a 
uma  galinha,  atirá-la  para  o  meio  do  tribunal  e  para  a  frente  do 
indigitado  culpado,  se  acaso  a  galinha  deixa  de  estrebuchar  é 
este  considerado  réu  sem  apelo. 

Todos  os  crimes  e  delitos  são  punidos  com  indemnizações  ou 
composições  às  partes  lesadas,  incluindo  o  de  morte  que  é  pago 
aos  herdeiros  do  morto.  Uma  excepção  existe  para  o  crime  de 
morte  por  meio  de  feitiço,  sendo  o  suposto  criminoso  queimado 
vive. 


DE   ANGOLA 


399 


Para  este  caso  especial  intervém  o  adivinho  afim  de  averiguar 
quem  seja  o  culpado,  e  quando  confirmado  duas  ou  três  vezes, 


G-ançuelas  —  Festa  da  circuncisão 


por  meios  diferentes,  aplicados  pelo  adivinho,  é  aquele  sentenciado 
à  morte. 

Os  pacientes  são  geralmente  procurados  entre  as  mulheres  de 
idade  avançada,  sendo  sacrificadas  juntamente  as  filhas  solteiras. 

São  amarradas  nuas  de  pés  e  mãos,  deitadas  no  chão  e,  cer- 
cadas por  toda  a  gente  da  libata  ao  som  do  jingufu  (tambor)  e 
de  cantos,  são  espesinhadas. 

A  seguir  são  levadas  para  o  lugar  do  suplício,  ali  amarradas 
a  uma  árvore,   e  emquanto  a  música  e  cantos  não  cessa,  vão 


400  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

depondo  em  volta  dos  sentenciados  feixes  de  lenha,  a  que  o  mais 
velho  da  libata  deita  o  fogo.  A  música  e  cantos  continuam  para 
sufocar  os  gritos  dilacerantes  da  vítima,  estando,  dentro  de  pouco 
tempo,  tudo  reduzido  a  cinzas. 

Aqui  como  na  tríbu  Mucussu  o  indivíduo  que  propositadamente, 
ou  involutáriamente  cegar  de  um  ou  dos  dois  olhos  outrem,  é 
condenado  a,  todos  os  anos,  pagar-lhe,  emquanto  fôr  vivo  uma 
determinada  indemnização. 


uM.Sffe/a    •/'<'*    zmp. 


CAPITULO  XVII 

VANYANEKAS  (4) 

I.  —  Dos  caracteres  etnográficos  gerais 

Situação  dos  povos  designados  por  vania- 
nekas.  —  Sua  origem.  —  População. 

Os  povos  designados  por  vanianekas  habitam  uma  extensa 
região  na  parte  mais  alta  do  planalto  da  Huíla  situado  entre  os 
graus  14  a  16  de  latitude  sul  e  compreendendo  as  circunscrições 
do  Lubango,  Chibia,  Humpata  e  Gambos. 

O  nome  por  que  são  conhecidos  deriva  do  verbo  o  Kuanyaneca 
que  significa  estender  ao  sol. 

Os  vanyanekas  são  originários  dos  povos  cuja  imigração  se 
deu  pelo  norte  da  província  e  que  não  se  tendo  fundido  com  as 
tríbus  que  se  chocaram  no  planalto  de  Benguela,  vindas  de  nor- 
deste e  sudoeste,  se  foram  estabelecer  no  planalto  da  Huíla,  onde 
os  seus  usos  e  costumes  passaram  por  grandes  transformações 
em  contacto  com  os  damaras,  ovampo  e  hotentotes  que  pelo  sul 
invadiram  a  província. 


Os  vanyanekas  são  bem  constituídos,  solidamente  musculados, 
aprumados  e  a  côr  da  pele  de  um  preto  avermelhado  e  cabelo 
encarapinhado. 

Encontram-se  albinos  e  observa-se  em  alguns  o  bócio. 


(')  Prestaram  a  sua  colaboração  no  estudo  desta  tribu  o  administrador 
de  circunscrição  sr.  Campos  Palermo  e  os  missionários  do  planalto  da 
Huíla. 


402  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Extraem  os  dois  incisivos  superior  médios  ou  limam-os  de 
forma  a  deixar  entre  este  um  espaço  de  forma  triangular. 

São  joviais  e  expansivos  entre  si,  principalmente  nos  tempos 
de  abundância  e  nas  festas  e  corajosos  quando  estão  certos  de 
pilhagem.  A  polidês  é  absolutamente  exigida  para  com  os  chefes 
gentílicos,  pessoas  de  idade  e  parentes. 

II. —  Da  vida  material  e  intelectual 

Cuidados  dados  ao  corpo.  —  Vestuário. — 
Alimentação.  —  Habitação.  —  Meios  de 
existência.  —  Artes,  seiências  e  faculda- 
des intelectuais. 

Entre  estes  povos  não  há  uso  de  banhos  ou  de  lavagem,  mas 
untam  o  corpo  com  manteiga  ou  com  óleos  vegetais,  o  que  não 
é  exigido  pela  religião,  e  tão  somente  pelo  bem  estar  que  sentem 
e  para  tornar  a  pele  macia. 

No  que  diz  respeito  a  penteados  existe  uma  grande  variedade, 
não  se  encontrando  um  que  se  possa  considerar  como  caracte- 
rístico da  tribu. 

Assim  entre  os  povos  da  Huíla,  Chibia,  Humpata  e  Lubango 
o  penteado  mais  usual,  quer  entre  os  homens,  quer  entre  as 
mulheres,  são  as  cabeleiras  penteadas  em  forma  de  crista.  Entre 
os  povos  habitando  os  Gambos,  os  homens,  uns  rapam  comple- 
tamente a  cabeça,  outros  rapam  o  cabelo  só  na  parte  correspon- 
dente à  nuca,  e  ainda  outros  deixam  crescer  grandes  cabeleiras 
que  penteiam  para  trás;  as  mulheres,  umas  deixam  crescer  uma 
pequena  porção  de  cabelo  na  parte  média  da  cabeça  e  que  se 
alonga  da  testa  à  nuca,  e  nas  partes  laterais  fazem  múltiplas 
tranças  que  adornam,  outras  usam  um  penteado,  como  que  for- 
mando as  abas  de  um  capacete,  que  fazem  com  o  auxílio  de 
pequenas  vergônteas  de  madeira. 

A.s  mulheres  e  crianças  do  sexo  feminino  costumam  adornar 
a  cabeça  com  contarias,  taxas  amarelas  e  às  vezes  penachos. 

Empregam  a  epilação  apenas  para  as  barbas,  parecendo  que 
obedecem  a  um  simples  costume.  Muitos  trazem  pendurada  ao 
pescoço,  por  um  cordel,  uma  pequena  pinça  de  ferro,  para  pro- 
ceder à  epilação. 

Dormem  durante  a  noite;  apenas  as  pessoas  idosas  é  que 
descansam  um  pouco  de  dia,  durante  as  horas  de  maior  calor. 


DE  ANGOLA 


403 


Não  são  nadadores,  só  em  caso  de  inundação  para  se  salvarem. 
Poucos  são  os  que  sabem  nadar. 

Conduzem  aos  ombros  as  tipóias  e  as  diferentes  cargas,  sendo 
estas  apertadas  por  dois  paus  compridos,  a  que  chamam  ono- 
mango.    Muitas  vezes  levam  à  cabeça  cestas  com  mantimento. 


Tipos  Vanyanekas  (Humpata) 

Não  consta  que  haja  torneios  de  luta,  mas  como  divertimentos 
entregam-se  a  diferentes  jogos  sendo  os  principais:  onkusso, 
omphnono,  okange. 

# 


No  que  diz  respeito  a  vestuário  consiste  êle  em  um  pequeno 
pano  suspenso  na  cintura  á  frente,  e  atrás  uma  pele  de  cabrito  ou 
de  onça  para  os  homens,  uma  pele  de  bezerro  ou  de  carneiro  para 
as  mulheres  e  uma  pele  de  cabrito  para  os  rapazes  e  raparigas. 

Fazem  uso  de  sandálias  feitas  com  pele  de  boi. 

Todos  os  materiais  empregados  nos  vestidos  são  obtidos  do 
comércio  por  permuta,  excepto  as  peles.  Não  há  alfaiates,  sendo 
os  panos  remendados  em  família. 

Alguns  adornos  marcam  a  posição  social  dos  que  os  trazem; 
assim  os  sobas  colocam  nas  cabeleiras  certas  conchas  brancas, 
que  só  eles  podem  trazer.  Os  feiticeiros  possuem  certas  conta- 
rias e  amuletos  da  sua  classe  e  alguns  ministros  do  soba  costumam 
ter  objectos  inerentes  à  sua  dignidade. 


404  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Como  adornos  usam  nos  cabelos,  contarias  de  cores,  botões 
dourados,  taxas  também  douradas,  penachos;  nos  braços,  brace- 
letes e  pulseiras  de  ferro,  de  metal  amarelo  e  de  junco  denomi- 
nados ovikeka;  e  nos  dedos  anéis.  Ao  pescoço  suspendem  "uma 
infinidade  de  amuletos,  feitiços,  cartuchos  vasios,  fivelas,  chifres 
pequenos  e  contaria  grande  e  meuda. 

Pintam  o  corpo  em  diversas  festas  gentílicas,  principalmente 
por  ocasião  da  festa  do  soba  e  na  mudança  de  cabeleira  das 
raparigas,  empregando  para  isso  terra  branca,  terra  encarnada , 
folhas  moidas,  etc. 

Não  ligam  muita  importância  à  tatuagem  no  entanto  alguns 
há  que  a  empregam  por  meio  de  picaduras  ou  antes  pequenas 
incisões  cujas  cicatrizes  formam  desenhos  variados. 


# 


A  base  de  alimentação  é  vegetal  e  consiste  principalmente 
nas  conhecidas  papas  de  farinha  de  milho  ou  massango,  em 
feijão  frade  ou  macunde,  abóboras,  algumas  frutas  dos  bosques, 
mandioca  e  cará. 

A  carne  de  diversos  animais,  tanto  domésticos  como  selvagens, 
assim  como  o  peixe  fresco  ou  seco,  fazem  igualmente  parte  da 
alimentação.  Apreciam  extraordinariamente  a  carne  dos  bovídeos 
mortos  pela  peripneumonia,  caonha,  doença  muito  vulgar  no 
planalto  e  a  que  vitima  mais  gado. 

O  leite  é  sempre  coalhado. 

As  diversas  espécies  de  carne  são  cosidas,  assadas  ou  torra- 
das nas  brazas,  assim  como  o  peixe  seco  ou  fresco,  e  usando 
como  tempero  o  sal. 

Como  bebidas,  usam  a  aguardente,  ás  vezes  o  vinho,  o  hidro- 
mel e  as  bebidas  fermentadas  onkela,  ongougo,  macau  e  berlunga, 
fabricadas  pelas  mulheres.  De  uma  maneira  geral  estas  bebidas 
são  produzidas  pela  fermentação  das  farinhas  de  milho,  de  mas- 
sango de  massambala,  obedecendo  todas  elas  ao  mesmo  processo 
de  fabrico.  Primeiro  fazem  germinar  o  cereal,  regando-o  com 
água.  Uma  vez  germinado  é  pizado  até  o  reduzirem  a  pó,  pondo-o 
em  seguida  a  secar.  O  pó  assim  obtido  constitui  o  fermento  ; 
para  fazerem  a  bebida,  pizam  uma  porção  de  cereal,  que  depois 
de  reduzido  a  farinha  deitam  dentro  de  um  recipiente  com  água 
a  ferver  conjuntamente  com  determinada  quantidade  de  fermento. 


DE   ANGOLA 


405 


Decorrido  que  sejam  vinte  e  quatro  horas,  está  a  bebida  sufi- 
cientemente fermentada. 

Os  homens  comem  separadamente  das  mulheres.  As  crianças 
comem  no  mesmo  prato  ou  cestinho. 

A  refeição  principal  é  à  noite  composta  de  pirão  e  um  conduto 
qualquer. 

A  cosinha  é  uma  cubata  não  rebocada,  compondo-se  de  fogão 
de  três  ou  quatro  pedras  entre  as  quais  se  introduz  a  lenha;  as 


Tipos  Vanyanecas  (Quipungo) 


panelas  são  de  argila  cosida,  mexendo  o  alimento  com  um  pau 
denominado  oluvale. 

O  fogo  é  produzido  ordinariamente  fazendo-se  girar  uma  vara 
em  um  orifício.  Os  que  estão  em  contacto  mais  próximo  com  os 
brancos  já  empregam  fósforos. 

Existem  alguns  manjares  proibidos  por  motivos  de  superstição 
e  crenças  religiosas,  sendo  entre  eles  certos  pássaros  e  animais. 

Os  excitantes  principais,  usados  entre  estes  povos,  são  o  ta- 
baco e  o  cânhamo,  mas  este  raras  vezes. 

A  antropofagia,  propriamente  dita,  não  existe  entre  os  vanya- 
nekas,  todavia  certas  cerimónias  exigem  que  os  iniciados  comam 
carne  humana. 

Os  celeiros  são  particulares;  cada  família  tem  o  seu  ou  nas 
libatas  ou  nas  florestas,  longe  dos  olhares  curiosos. 

Secam  a  carne  e  o  peixe  ordinariamente  ao  sol. 


406  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


# 


O  tipo  da  habitação  é  a  cubata  construída  de  pau  a  pique  e 
de  forma  circular,  barreadas  interiormente,  com  uma*  abertura 
que  serve  de  porta  e  janela  ao  mesmo  tempo.  As  cubatas  teem 
um  diâmetro  de  três  metros  aproximadamente. 

As  cosinhas  estão  instaladas  em  cubatas  separadas  da  habi- 
tação e  não  são  barreadas. 

Escolhem  de  preferência  para  local  das  habitações  as  monta- 
nhas, ou  as  planícies  não  expostas  a  inundações.  O  dono  da 
aldeia  escolhe  o  terreno,  manda  cortar  a  madeira  para  as  casas 
e  sem  mais  formalidades  principia  a  construir. 

Não  existem  habitações  transportáveis.  Cada  homem  faz  a 
sua  casa  sem  embelesamentos. 

Como  mobília  estes  povos  tem  apenas  uma  pele  a  servir  de 
cama,  panelas  de  argila,  alguns  cestos  de  diferentes  tamanhos  e 
cabaças  para  água.  t 

Não  é  costume  haver  iluminarão,  quando  de  noite  necessitam 
procurar  o  caminho  ou  objectos  perdidos,  acendem  fogueiras  ou 
servem-se  de  um  tição.  Para  se  aquecerem  servem-se  também 
de  fogueiras. 

As  casas  não  obedecem  à  linha  recta,  agrupam-se  simplesmente. 

O  curral  consiste  num  simples  cercado  que  está  ordinariamente 
no  meio  da  aldeia.  Tende  a  desaparecer  o  costume  de  circundar 
as  aldeias  com  palissadas  sólidas,  que  constituem  verdadeiras 
fortificações. 


Os  vanyanekas  dedicam-se  à  agricultura,  sendo  os  homens 
que  arroteiam  os  campos,  procedem  as  mulheres  ás  sementeiras 
e  apanha  dos  frutos. 

Cultivam  por  processos  rudimentares  o  milho,  o  sorgo,  o 
massango,  o  feijão,  as  abóboras  e  o  tabaco.  Não  empregam 
adubos,  nem  regas,  a  não  ser  na  cultura  do  tabaco  que  regam  à 
mão  e  fazem  em  antigos  curais. 

O  único  instrumento  empregado  na  agricultura  é  a  enxada, 
no  entanto  usam  o  machadinho,  a  catana,  a  moca,  a  faca  ordi- 
nária e  uma  outra  de  dois  gumes  a  que  chamam  onutenge. 


DE   ANGOLA  407 

São  caçadores,  servindo-se  muito  da  espingarda,  moca,  azagaia, 
arco,  flexas  e  armadilhas. 

Dedicam-se  à  creação  de  gado  bovino,  caprino,  lanígero  e 
suino. 

As  mulheres  e  creanças  dedicam-se  à  confecção  de  cestos  e 
fabrico  de  objectos  de  barro. 

No  que  diz  respeito  ás  indústrias,  exercem  as  de  tanoaria, 
e  bem  assim  a  de  metalurgia,  fabricando  azagaias,  machadinhos  e 
braceletes.    O  ferreiro  é  sempre  um  homem  importante. 

A  moagem  é  por  trituração  no  pilão. 


A  língua  falada  por  estes  povos  é  a  nyaneka. 

Pertence  como  todas  as  faladas  na  colónia  a  grande  família 
das  línguas  faladas  pelos  povos  do  grupo  Bantu. 

Línguas  —  prefixas,  polígenas  e  de  classificação  não  se- 
xual. 

É  muito  mais  semelhante  à  do  Umbundo  do  que  ao  Kimbundo 
ou  Kicongo.  Poderia  mesmo  considerar-se  um  simples  dialeto 
da  língua  N'Bundu  mas  não  o  classificamos  assim  porque  sa- 
bendo que  os  povos  hoje  chamados  njoneka  vieram  àcêrca  de 
dois  séculos  reunidos  ao  Vananos  e  outros  povos  que  falam 
aquela  língua  não  é  possivel  concluir  a  qual  delas  cabe  na  ver- 
dade a  classificação. 

Sem  pretendermos  apresentar  aqui  um  estudo  gramatical 
completo  de  língua  limitamo-nos  a  incluir  neste  trabalho  algumas 
noções  colhidas  de  obras  publicadas  pelas  missões  da  Huíla. 

Adoptando  para  a  língua  Nyaneka  o  alfabeto  português  temos, 
no  que  respeita  à  fonética  de  convencionar  algumas  alterações. 
Assim : 

O  —  Sôa  sempre  como  o  nosso  gue  mesmo  antes  do  é  ou  i. 

H  —  É  sempre  aspirado. 

O  — Sôa  sempre  como  o  nosso  é  aberto. 

R  —  Sempre  brando  como  na  palavra  Maria. 

S  — Tem  sempre  o  valor  do  nosso  ç  mesmo  entre  vogais. 

Y  —  Sôa  como  dois  ii. 

Do  y  servimo-nos  também  para  representar  um  som  especial 
da  língua,  muito  difícil  de  pronunciar  e  mesmo  de  exemplificar 
pelo  alfabeto  português.  É  o  de  determinadas  consoantes  compostas 


408  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

que  alguns  gramáticos  chamam  molhadas,  e  que  representamos 
por  u,  d,  t  seguidas  y  pela  seguinte  forma : 

Ny  —  Equivalendo  ao  nhi  português. 

Dy  —  Exprimindo-se  dos  sons  de  ndi-nhdi  e  ndj-nhdj  do  por- 
tuguês. 

Ty  1  —  Sôa  entre  o  txi  e  til  da  nossa  língua. 

SUBSTANTIVOS 
Plural  dos  substantivos 

O  plural  faz-se  sempre  no  princípio  das  palavras. 

l.a  Os  nomes  que  começam  por  omu  (seres  animados),  mudam 
o  omu  em  ova.  Ex. :  omukuendye,  rapaz,  ovakuendye;  omuntu, 
pessoa,  ovantu.  Huko,  Deus,  faz  no  plural  ovohuku;  tate,  meu 
pai,  ovotate;  nyoko,  tua  mãe,  ovonyoko ;  i?ia,  mãe  dele,  ovoina; 
otava,  camarada,  ovotava; 

2.a  Os  que  principiam  por  omu  (seres  inanimados),  mudam 
o  omu  em  omi.  Ex. :  omuti,  árvore,  omiti;  o?nutue,  cabeça, 
omitue; 

3.a  Os  que  começam  por  olu;  otu  ou  ou  mudam  o  o  em  orna; 
ex. ;  olufue,  copo,  omalufue;  otupia,  fogo,  omatupia;  outa,  cama, 
omaula; 

Alguns  teem  no  plural  outra  forma  mais  usada  em  ono  ou 
onon;ex.;  oluhúki,  cabelo,  onohukiou  omatuhuki;  olukui,  lenha, 
ononkhuiouomalukui  ; 

4.a  Os  que  começam  por  o*  seguido  de  outras  letras  não  men- 
cionadas acima  mudam  o  o  em  ono;  ex.;  ofufua,  galinha,  onofu- 
fua;  omfunda,  montanha,  onomfunda;  ondenge,  irmão,  onon- 
denge ; 

5.a  Os  que  principiam  por  e  mudam  esta  letra  em  orna;  ex.: 
ekamo ;  etala,  lagoa,  omatala;  eiho,  olho;  omaihe,  vista,  omeho, 
órgãos ; 

6.a  Os  que  começam  por  otyi  mudam  em-ovi;  ex. :  otyihutu, 
camisa,  ovikutu;  otyinyango,  fruta,  ovinyango  ; 

Alguns  há,  porém,  que  fazem  o  plural  irregular ;  ex. :  otyalo, 
banco,  ovityalo  ;  otyoto,  altar,  ovityoto ; 

7.a  Os  que  começam  por  oka  fazem  o  plural  em  ou;  ex. : 
okatemba,  carrinho,  outemba;  okana,  criancinha,  ouna; 

8.a  Os  que  principiam  por  oku,  uns  fazem  o  plural  somente 


1  Som  muito  diferente  do  texi  e  tki  que  se  exprime  em  Umbundo  pelo 
grupo  tchi. 


£>E    ANGOLA 


409 


oku  em  orna;  ex.  :  oknuoko,  o  braço,  omauoho ;  outros  também 
mudam  o  o  em  orna;  ex.  :  okútui,  orelha,  o?nakutids  órgãos, 
omatui,  audição. 

Tabela  dos  preflxos,  inflxos  e  sufixos, "com  os  quais  se  operam 
as  concordâncias  das  palavras 


Classes 


2.* 

1. 

2. 

3. 

4. 
5. 
6. 

7. 
8. 


Singular  —  Ame 

pessoa  D,       ,      ~   , 

( Plural  —  Ontue 

( Singular  —  Ove 

^  K        j  Plural  —  Onue 

iSi?igular  —  O  mu. . . . 

(Plural  —  Ova,  ovo.. . 

i  Singular  —  Omu 

[Plural  —  O  mi 

Singular  —  01  u 

I  Singular  —  Otu 

I  Singular  —  Ou 

Plural  —  A 

J  Singular  —  O 

\Plural  —  Ono 

( Singular  —  E 

\  Plural  —  Orna 

i  Singular  —  Otyi 

[Plural —  O  vi  

j  Singular  —  Oka  

[Plural—  Ou 

I  Singular  —  Oku 
Plural  —  Orna 

Pu    .. 

Ku  

Mu 


Prefixos 

dos 

qnaliíi  a- 

tivos 


ndyimu 

tuva 

omu 

muva 

omu 

ova 

omu 

omi 

olu 

otu 

omu 

orna 

o 

ono 

e 

orna 

otyi 

ovi 

oka 

ou 

oku 

orna 

pa 

ku 

mu 


Prefixos 
pronomi- 

Infixos 
pronomi- 

nais 
sujeitos 

comple- 
mentos 

ndyi 

ndy 

tu 

tu 

u 

ku 

mu 

mu 

u 

mu 

va 

ve 

u 

mu 

vi 

VI 

lu 

lu 

tu 

tu 

u 

u 

a 

e 

i 

í 

mbu 

mbu 

ri 

ri 

a 

e 

tyi 

tyi 

VI 

VI 

ka 

ke 

u 

u 

ku 

ku 

a 

e 

pa 

pe 

ku 

ku 

mu 

mu 

Sufixos 
pronomi- 
nais 
comple- 
mentos 


ange 

etu 

ove 

enyi 

o 

vo 

o 

vio 

luo 

tuo 

uo 

o 

io 

mbo 

rio 

o 

tyo 

vio 

ko 

o 

ko 

o 

po 

ko 

mo 


Qualificativos 


Há  poucos  qualificativos  nesta  língua  e  empregam-se  sempre 
precedidos  dos  prefixos  da  segunda  coluna;  ex.:  omuti  omunene, 
uma  árvore  grande;  omamanya  omale,  as  pedras  compridas. 


27 


410 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


GRAUS  DOS  ADJECTIVOS 
Qualificativos 

O  comparativo  de  igualdade  forma-se  pospondo-se  nga  (assim) 

ao  positivo,  ex.:  elombe  omuua  nga  he,  o  chefe  é  tão  bom  como 

o  pai. 

O  comparativo  de  superioridade  forma-se  pospondo-se  vari 

(mais)  ao  positivo;  ex.:  o  meu  livro  é  mais  bonito,  omukando 

uange  omuua  vari;  ou 
então  empregando  ver- 
bos, que  indiquem  ideia 
de  superioridade;  ex.: 
meu  pai  é  mais  rico  do 
que  o  meu  irmão,  iate 
u apita  vari  ondenge 
iange  kJolu?nono,  (lit. 
passa  acima  do  meu  ir- 
mão em  riqueza). 

O  comparativo  de  in- 
ferioridade for  ma-se  com 
verbos,  que  exprimem 
ideia  de  inferioridade; 
ex.:  a  minha  manta  é  me- 
nos forte  do  que  a  tua, 
onguno  iange  kaikolele 
(não  forte)  iove  iakota- 
vari  (a  tua  é  mais  forte). 
O  superlativo  absoluto  forma-se  repetindo-se  o  positivo;  ex.: 

epata  enene-nene,  casa  muito  grande. 

O  superlativo  relativo  forma-se  por  meio  de  uma  perífrase;  ex.: 

a  melhor  fruta,  diz-se :  p}ovinyango,  tyino  otyiua  vari,  dentre  as 

frutas,  esta  é  melhor. 

Demonstrativos 

Estes  formam-se  com  as  partículas  no,  que  significa  perto,  ena, 
longe,  precedidas  dos  prefixos  pronominais  sujeitos  (3. a  coluna); 
ex.:  omuntu  una,  literalmente:  o  homem  êle  lá,  ou  aquele  homem. 

Outras  formas  de  demonstrativos  figuram  no  quadro  abaixo. 

Possessivos 

Formam-se  com  o  sufixo  complemento,  correspondente  ao 
prefixo  do  possuidor,  precedido  do  prefixo  do  sujeito  correspon- 


Tipos  Vanyanecas  (Lubango) 


Í)Ê    ANGOLA 


411 


dente  ao  da  causa  possuída,  interpondo-se  um  a;  ex.:  ovifuo 
viavio,  as  folhas  delas  (árvores). 

O  sufixo  complemento  o  da  l.a  classe  do  singular  muda-se 
em  e;  ex.:  epia  riae,  em  vez  de  riae,  em  vez  de  riao,  o  campo  dele. 

Na  formação  dos  possessivos  das  l.a  e  2.a  pessoas  de  ambos 
os  números  o  a  elide-se ;  ex. :  uange,  riove>  mbetu  e  luenyi. 

Vem  aqui  aqui  a  propósito  falar  do  genitivo :  forma-se  este 
como  o  possessivo,  elidindo-se  o  a  antes  de  vogal;  ex. :  ondaka 
ia  Huku,  a  palavra  de  Deus;  omfunda  iotylongo  tyange,  a  mon- 
tanha da  minha  terra. 

Numerais 

A  simples  contagem  faz-se  do  modo  seguinte : 


1  —  Mohi. 

2  —  Vari. 

3  —  Tatu. 

4  —  Kuana. 

5  —  Tano. 
6—  Panda. 

7  —  Pandivari. 

8  —  Tyinana. 

9  —  Tyive. 

10  —  Ekui. 

11  —  Ekui  na  ike. 


12  —  Ekui  na  vari. 

20  —  Omakui  evari. 

30  -  Omakui  etatu. 

40  —  Omakui  ekuana. 
100  —  Otyita 
200  --  Ovityita  vivari 
600  —  .Ovityita  epanda. 
700  —  Ovityita  epanduvari. 
800  —  Ovityita  etyinana. 
900 —  Ovityita  etyive. 
1000  —  Ekui  —  riovityita. 


Quando  o  nome  vem  expresso,  antepõem-se  ao  numeral  1  a  5 
inclusive  os  prefixos  pronominais  sujeitos  (3.a  coluna),  com  as 
seguintes  excepções:  O  a  muda-se  em  e,  e  no  plural  da  4.a  classe 
emprega-se  o  prefixo  dos  qualificativos.  Ex. : 


1  rapaz  —  omukuendye  uike. 

2  pastores  —  ovantita  vevari. 
4  livros  —  omikanda  vikuana. 


5  virtudes  —  omakamo  etano. 
3  carneiros  —  onongi  onontatu. 


De  6  a  9  inclusive,  antepõem-se  um  e;  ex. :  omivia  epandu, 
seis  cintas;  onombula  etyinana,  oito  cortiços. 

O  número  10  é  invariável;  ex. :  oviimbo  ekui,  dez  cantos; 
onontemo  ekui,  dez  flores. 

De  11  a  99  a  concordância  faz-se  do  modo  seguinte:  em  pri- 
meiro lugar  fica  o  nome,  em  seguida  o  algarismo  da  dezena, 
emfim  o  da  unidade,  quando  houver,  precedido  do  prefixo  do 
nome;  ex. :  omihongo  omakui  evari  na  vivari,  22  cartuchos; 
omauta  omakui  ekuana  na  etano,  45  espingardas;  omasolari 
omakui  epanduvari,  70  soldados. 

Tratando-se  de  centenas,   figura  primeiro  o  nome,  depois  o 


412 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


algarismo  da  centena  e  segue-se  a  regra  acima ;  ex. :  omiti  ovi- 
tyita  vivari  nomakui  etano  na  vitatu,  253  árvores. 

As  formas:  uma  vez,  duas  vezes,  etc,  são  os  cardinais,  pre- 
cedidos de  tu;  ex.:  tulce,  tuvari,  etc.  De  6  para  diante  são  os 
cardinais  sem  modificação:  epandu,  epanduvari,  etc. 

Numerais  ordinais 

Estes  são  os  cardinais,  precedidos  dos  prefixos  dos  genitivos; 
ex.:  emanya  riatatu,  terceira  pedra. 

As  formas:  primeira  vez,  segunda  vez,  etc,  são  os  cardinais, 
precedidos  de  tya,  ex.:  tyke,  tyavari,  tyatatu. 

Tabela  dos  demonstrativos 


Classes 

Este 

Aquele 

Este  aqiú 

Aquele  lá 

1 

Singular  —  Omu  . . . 

OU 

0 

oióu 

oió 

Plural  —  Ova 

ava 

ovo 

ovava 

ovovo 

' 

Singular  —  Omu  . . 

ou 

0 

oióu 

oió 

Plural  —  Omi    

evi 

ovio 

ovievi 

ovióvio 

Singular  —  Olu    ... 

olu 

olo 

ololu 

ololo 

J  Singular  —  Otu     . . 
j  Singular  —  Ou 

otu 

oto 

ototu 

ototo 

,  ou 

0 

oióu 

0 

1  Plural  —  A 

a 

o 

a  (oiua) 
oiei 

0 

oioio 

( Singular  —  0 

{Plural —  Ono 

ei 

oio 

ombu 

ombo 

ombombu 

ombombo 

1 Singular  —  E 

j  Plural  —  Orna 

eri 

orio 

orieri 

oriorio 

a 

0 

a  (oiua) 

ó 

A  Singular  —  Otyi  — 
\Plural  —  Ovi 

etyi 

otyo 

utyetyi 

otyotyo 

evi 

ovio 

ovievi 

oviovio 

1  Singular  —  Oka  .   . 
\  Plural  —  Ou...... . 

aka 

oka 

okaka 

okaka 

ou 

0 

oióu 

ó 

A  Singular  —  Oku.  . 
j  Plural  —  Orna 

oku 

oio 

okoku 

okoko 

a 

0 

a  (oiua) 

ó 

Pn 

apa 
oku 
omu 

opo 
oko 
orno 

apapa 
okoku 
omomu 

opopo 
okoko 

Ku   

Mu • 

omoiTio 

yiHV/lHv 

Os  da  2.a  e  3.a  colunas  são  adjectivos  e  pronomes,  os  da  4.a 
e  5.a  são  só  pronomes  demonstrativos. 

As  partículas  no  e  na,  precedidas  dos  pronomes  da  4.a  coluna, 
servem  também  para  formar  um  outro  modo  de  demonstrati- 


DE   ANGOLA  413 

vos :  oiouna  ano,  oruána,  oieino,  ombombuna,  orierino.  otyetyino, 
ovievina,  okakana,  okokuna. 

Relativos 

Estes  não  se  traduzem  em  Olunyaneka ;  ex. :  namona  o  mu- 
lume,  ueya,  vi  o  homem,  que  veiu. 

Indefinidos 
Muito,  a,  os,  as,  —  nyingi.  |      Outro,  a,  os,  as.  —  kuavo. 

Antepostos  dos  prefixos  dos  qualificativos  (2.a  coluna). 

Certo,  a,  os,  as,  —  mue.  Algum,  a,  uns,  as,  —  mue. 

Tal,  tais,  —  atyo. 

Precedidos  dos  prefixos  pronominais  sujeitos  (3.a  coluna). 
Nenhuma,  a,  uns,  as.  —  Na  mue.        |      Nenhum  Só,  —  Na  ike. 

As  partículas  mue  e  ike  antepoem-se  os  prefixos  pronominais 
sujeitos  (3.a  coluna). 

Todo,  a,  os,  as.  —  a-ho.  |      Pouco,  a,  os,  as.  —  ka-hi. 

Intercalados  dos  infixos  pronominais  complementos  (4.a  co- 
luna). 


Cada  um,  uma.  —  Kalamununu., 

Tudo.  —  Atyiho. 

O  mesmo,  a,  os,?as.  —  Lumue. 


Qualquer,  quaisquer.  —  Hatyo. 
Um  poucochinho.  —  Okatutu. 


EXEMPLOS 

Omakumbi  omanyingi,  muitos  dias  ;  ofivuo  vimue,  algumas 
folhas;  omunthu  na  umue,  nenhum  homem;  onandaka  ambuho, 
todas  as  palavras ;  ovinuango  havihi,  poucas  frutas ;  mouye  muno 
atyio  tyipua,  tudo  acaba  neste  mundo. 

Interrogativos 
Que?  qual?  quais?  (adj.) — pi,  (pron.)  o-pi. 

Sendo  adjectivo,  vem  depois  do  nome  e  é  precedido  dos 
infixos  pronominais  complementos.  (4.a  coluna);  excepto  na  l.a 
e  2.a  classe  do  singular,  em  que  se  empregam  os  prefixos  pro- 
nominais sujeitos ;  sendo  pronome,  é  a  forma  o'pi  intercalada 
dos  infixos  e  prefixos  acima  ditos.  Ex. :  oripi?  (emanya)  qual? 
(pedra);  omukay  opi?  que  mulher? 
Qual?  quais?  (espécie),  —patyi  ?      |      O  que  (com  o  verbo).  —  tyi  ? 

Ex. :  otyiv  era  patyi?  qual  ferro?  —  Uhandatyi  ?  o  que  queres  tu? 
Quantos,  as  ?  —  ngapi 


414 


POPULAÇÕES    INDÍGENAS 


Precedidos  dos  infixos  pronominais  complementos  (4.a  coluna) ; 
exceptuam-se  a  l.a  e  7.a  classes,  em  que  figuram  os  prefixos  dos 
qualificativos;  ex. :  omiti  vingapi?  quantas  árvores?  onombolo 
onongapi?  quantos  pães? 


De  quem  ?  —  o-arie  ? 


Dè  que  ou  para  que  ?  —  o-atyi  ? 


Intercalados  dos  prefixos  pronominais  sujeitos  (3.a  coluna) ; 
ex. :  olufu  oluarie?  de  quem  é  o  copo?  ombila  oiatyi?  para  que 
serve  a  chuva  ? 


Quem  sou  eu  ?  —  amalie  ? 
Quem  é  ele  ?  —  orie  ? 
Quam  sois  vós?  —muvariè? 


Quem  és  tu?  —  overie? 
Quem  somos  nós?  —  tuvarie? 
Quem  são  eles?  —  ovarie? 


Para  maior  compreensão  das  regras  acima  ditas,  veja-se  a 
conversação. 

Vocativo 

Os  vocativos  formam-se  eliminando  a ,  primeira  vogal  dos 
nomes.  Ex. :  mulume!  Ó  homem  !  Liepe,  mfepo  nkhombe,  tetemena 
rieulu!  Salve,  anjo,  príncipe  do  ceu ! 

Os  adjectivos  seguem  a  regra,  excepto  os  possessivos.  Ex. : 
nondenge  mbange  mondalaua!  meus  irmãos  justos! 

CONCORDÂNCIA 

1.°  Concorrendo  dois  ou  mais  nomes  de  pessoas  do  mesmo 
prefixo  ou  diferente,  o  prefixo  do  adjectivo  ou  do  verbo  é  o  da 
l.a  classe;  ex. :  ohamba  nonkhayhamba  nonondei  ovaua,  o  soba, 
a  rainha  e  os  ministros  são  bons ;  he  novana  nomapanga  a  Pedulu 
vapita,  o  pai,  os  filhos  e  os  amigos  de  Pedro  partiram. 

2.°  Havendo  nomes  de  cousas  ou  de  animais  do  mesmo  pre- 
fixo, ou  prefixos'  do  adjectivo  e  do  verbo  são  correspondentes 
aos  da  classe,  a  que  pertencem  aqueles  nomes.  Ex. :  epatanomapia 
à  omanene  aringa  epingo  riange,  a  casa  e  os  campos  vastos 
tornaram-se  minha  herança ;  onkhuriha  monkhapi  mburia  ovanta, 
o  leão  e  onça  são  ferozes. 

3.°  Concorrendo  nomes  de  cousa  ou  de  animais  de  prefixo 
desigual,  o  prefixo  do  adjectivo  é  ovi  e  o  verbo  vi.  Ex. :  etemba 
novitele  vienyi  viao?nba,  o  carro  e  as  vossas  cargas  perderam-se; 
ombua  notyimbisi  vityiriya  ovantu,  o  cão  e  o  gato  acostumam-se 
com  o  homem. 

4.°  Quando  houver  nomes  de  pessoas,  animais  e  cousas,  o 
prefixo  de   adjectivo  é  o  do  mais  próximo  e  o  do  verbo  é  ty. 


DE  ANGOLA 


415 


Ex. :  ovana,  nonongombe  nepata  riae  tyapundua,  os  filhos  os  bois 
e  a  casa  dele  foram  roubados. 

Pu,  Ku,  Mu. 

Estas  preposições  chamamo-las  locativos,  porque  as  empre- 
gamos sempre  referindo-se  à  ideia  de  logar;  a  primeira  significa 
pe?'to  de  ou  sobre,  a  segunda  na  direcção  de  com  ou  para  com 
a  terceira  em  ou  dentro.    Guardam  a  sua  forma  primitiva  antes 


Raparigas  Vanyanekas 

dos  nomes  sem  prefixos  e  dos  pronomes;  ex.:  ku  nioko,  com  tua 
mãe;  pu  ove,  perto  de  ti.  Quando  precede  outro  nome  o  u  eli- 
da-se. 

Correspondentes  a  estas  preposições  há  os  advérbios  de  logar ; 
apa,  opa,  opopa;  oku,  oko,  okoJai;  omu,  orno,  omumo. 

Nas  orações  formadas  com  estas  preposições  ou  advérbios 
deve-se  estabelecer  a  concordância  entre  as  preposições  e  os 
advérbios,  e  o  adjectivo  e  o  verbo ;  os  prefixos  de  concordância 
são  os  da  2.a  coluna,  da  tabela  dos  prefixos;  ex.:  apa  payikua, 
aqui  está  fechado;  oko  kuua,  ali  é  bonito;  orno  muantikovera, 
dentro  está  escuro. 

Com  estes  mesmos  prefixos  (pa,  ku,  mu)  e  as  partículas  de- 
monstrativas no  e  na,  formam-se  advérbios  demonstrativos;  veja 
tabela  dos  prefixos,  3.a  coluna. 

Finalmente  há  sufixos  correspondentes  (po,  ko,  mo),  que  se 
pospõem  aos  verbos  para  explicar  melhor  a  ideia;  ex.:  polapo, 


416  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

tira  aqui;  napolako,  tirei  ali;  vapolamo,  tiraram  dentro  (veja-se 
conversação). 

O  complemento  (me)  ndyi  tem  as  seguintes  alterações : 

Antes  de  uma  vogal  transforma-se  em  ndy  ;  ex.:  undyi?  co- 
nheces-me?  em  vez  de  undyii;  aandyamena,  favoreceu-me,  em 
vez  de  uandyiamena. 

Antes  de  y  transforma-se  em  nd;  ex.:  undyeka,  êle  deixa-me, 
em  vez  de  undyiyeka. 

Antes  de  h  muda-se  em  nty,  isto  é,  o  h  passa  para  antes  do  y ; 
ex.:  untyole?  amas-me?  em  vez  de  undyihole;  ouomu  uantyenesa, 
o  medo  faz-me  fugir,  em  vez  de  ouoma  uandyihenesa. 

A  mesma  regra  aplica-se  aos  verbos,  que  começam  por  fous; 
estas  letras  transformando  se  em  h;  ex.:  okufuisa,  preparar, 
ntyuisepo,  preparar-me  aí,  em  vez  de  ndyifuisepo ;  okusa,  deixar, 
uantya,  deixou-me,  em  vez  de  uandyisa. 

Antes  de  l  e  r  muda-se  em  n  e  o  l  e  r  do  verbo  transfor- 
mando-se  em  d;  ex.:  okundelwsa,  mostrar-me,  em  vez  de  okun- 
dyilekesa;  okundyepesa,  saudar-me,  em  vez  de  okundyiriepesa. 

Antes  de  v  muda-se  em  m  e  o  v  do  verbo  transforma-se  em  b; 
ex.:  umbasa,  encontra-me,  em  vez  de  undyivasa;  uambeta,  ba- 
teu-me,  em  vez  de  uandyiveta. 

Antes  de  p,  k  e  t  o  ndyi  transforma-se  em  m  ou  n  pondo-se 
um  h  depois  de  p,  h  e  t;  ex.:  mfopite,  ajuda-me,  em  vez  de  ndyi- 
popile;  uanhkuata,  agarrou-me,  em  vez  de  uandyikuata ;  uanteta, 
cortou-me,  em  vez  de  uandiyteta. 

Antes  do  m  ou  n  não  se  exprime;  ex.:  uamona,  viu-me;  nane, 
pucha-me. 

MODELO   DE  UM  VERBO  AFIRMATIVO 


Falar  —  Oku-popia 


INDICATIVO  PRESENTE 

Eu  falo,  etc. 

Ame .  ndyipopia 

Ove  upopia 

Oe  upopia 

Onthue  tupopia 

Onue  mupopia 

Ava  vapopia 

IMPERFEITO 

Eu  falava,  etc. 


É   o   indicativo    precedido   de 
ankho. 

Ame  ankho  ndyipopia,  etc. 


PERFEITO  IMEDIATO 

Eu  falei, 

(há  pouco)  etc. 

Ame 

napopia 

Ove 

uapopia 

Oe 

uapopia 

Onthue 

tuapopia 

Onue 

muapopia 

Ava 

vapopia 

DE   ANGOLA 


417 


PERFEITO 

REMOTO 

Eu  faíei, 

(há 

muito)  etc. 

Ame 

napopile 

Ove 

uapopile 

Oe 

uapopile 

Onthue 

tuapopile 

Onue 

muapopile 

Ava 

vapopile 

MAIS  QUE  PERFEITO 

Eu  falava  ou  tinha  falado,  etc. 

É  o  perfeito  precedido  de 
ankho. 

Ame  ankho  napopia,  etc. 

FUTURO  INDEFINIDO 

Eu  falarei,  etc. 

Ame  handyipopia 

Ove  haupopia 

Oe  haupopia 

Onthue  hatupopia 

Onue  hamupopia 

Ava  havapopia 


FUTURO 

PRÓXIMO 

Eu  falaria,  (< 

im  breve)  etc. 

Ame 

mandyipopia 

Ove 

mopopi 

Oe 

mapopi 

Onthue 

matupopia 

Onue 

mamupopi 

Ava 

mavapopi 

FUTURO  REMOTO 

Eu  hei  de  falar,  etc. 

Ame 

mandyikapopia 

Ove  mokapopia 

Oe  makapopia 

Onthue  matukapopia 

Onue  mamukapopia 

Ava  mavakapopia 

CONDICIONAL  PRESENTE 

Eu  falaria,  etc. 


É   o   indicativo    precedido   de 
ngeno. 

Ame  ngeno  ndyipopia,  etc. 

CONDICIONAL  PASSADO 

Eu  teria  falado,  etc. 
É  o  perfeito  precedido  de  ngeno. 
Ame  ngeno  napopia,  etc. 

IMPERATIVO 

Popia,  fala  tu. 

Tupopia,  falemos  nós.     ^ 

Popiei,  falai  vós. 

CONJUNTIVO 

Que  eu  fale,  etc. 

É  o  indicativo  mudando  a  úl- 
tima letra  em  e. 

Ame  ndyipopie,  etc. 

MAIS  QUE  PERFEITO 

Eu  tivesse  falado,  etc. 

É  o  perfeito  remoto  precedido 
de  ngeno. 

Ame  ngeno  napopile,  etc. 

FUTURO 

Eu  falar,  etc. 

É  o  futuro  indefinido  precedido 
de  apa. 

Ame  apa  handyipopia,  etc. 

PARTICÍPIO  PRESENTE 

Mokupopia,  Falando. 

PARTICÍPIO  PASSADO  SIMPLES 

Uapopia,  falado,  a. 
Vapopia,  falados,  as. 

PARTICÍPIO  PASSADO  COMPOSTO 

Popie,  Tendo  falado  eu,  tu,  etc. 


418 


POPULAÇÕES   INDÍGENAS 


Forma  negativa  do  Infinito 

Para  formar  um  infinito  negativo,  intercala-se  ha  entre  o 
prefixo  e  o  radical;  a  terminação  do  verbo  segue  as  seguintes 
regras : 

l.a  Aos  terminados  em  ia  e  ua  suprime-se  a  última  vogal; 
ex.:  okunkhia,  morrer,  okuhankhi;  okulua,  combater,  okuhalu. 

2.a  Os  que  na  penúltima  sílaba  tiverem  a,  mudam  a  última 
vogal  em  e;  os  que  tiverem  e,  i,  o,  u,  mudam  a  última  vogal 
respectivamente  em  e,  i,  o,  u;  ex.:  okutala,  ver,  okuhalale;  oku- 
puena,  fumar,  okuhapuene;  okulita,  chorar,  okuhalili;  okupola, 
tirar,  okuhapolo;  okukupa,  escapar,  okuhakupu. 

3.a  Os  terminados  em  ya,  ka  e  sa,  ordinariamente  não  al- 
teram a  terminação;  ex :  okupeleya,  desejar,  okukapeleya;  oku- 
tereka,  cozinhar,  okuhatereka ;  okuvasa,  encontrar,  okuhavasa. 

Às  regras  acima  ditas  há  raras  excepções,  que  só  se  aprendem 
com  a  prática. 

VERBO  NEGATIVO 

Não  comer  —  Oku-hari 


INDICATIVO  PRESENTE 

Eu  não  como,  etc. 


Ame 

hiri 

Ove 

kuri 

Oe 

kari 

Onthue 

katuri 

Onue 

kamuri 

Ava 

kavari 

IMPERFEITO 

Eu  não  comia,  etc. 

É   o  indicativo    precedido  de 
anicho. 

Ame  ankho  biri,  etc. 


PERFEITO  IMEDIATO 

Eu  não  comi,  etc. 

Ame 

sarile 

Ove 

kuarile 

Oe 

karile 

Onthue 

katuarile 

Onue 

kamuarile. 

Ava 

kavarile 

MAIS  QUE  PERFEITO 

Eu  não  comera  ou  não  tinha 
comido,  etc. 

É  o  perfeito  precedido  de 
ankho. 

Ame  ankho  hirie,  etc. 

FUTURO  INDICATIVO 

Eu  não  comerei,  etc. 


Ame 

himari 

Ove 

kumari 

Oe 

kamari 

Onthue 

kamaturi 

Onue 

kamamuri 

Ava 

kamavari 

FUTURO  PRÓXIMO 

Como  o  antecedente. 
Eu  não  hei  de  comer,  etc. 

FUTURO  REMOTO 

Eu  não  hei  de  comer,  etc. 


DE  ANGOLA 


419 


Ame 

Ove 

Oe 

Onthue 

Onue 

Ava 


himakaria 

kumakaria 

kamakaria 

kamatukaria 

kamatukaria 

kamavakaria 


CONDICIONAL  PRESENTE 

Eu  não  comerei,  etc. 

É    o   indicativo    precedido   de 
ngeno. 

Ame  ngeno  hiri,  etc. 

CONDICIONAL  PASSADO 

Eu  não  teria  comido,  etc. 
É  o  perfeito  precedido  de  ngeno. 
Ame  ngeno  hirile,  etc. 

IMPERATIVO 

(conselho) 

Uharie,  não  comas. 
Tuhariei,  não  comamos. 
Muhariei,  não  comais. 

Ordem  expressa: 

hori. 

haturi. 

hamuri. 


CONJUNTIVO 

Que  eu  não  coma,  etc. 
É  o  indicativo  ajuntado  um  e. 
Ame  hirie,  etc. 

MAIS  QUE  PERFEITO 

Eu  não  tivesse  comido,  etc. 

É  o  perfeito  remoto  precedido 
de  ngeno. 

Ame  iigeno  hirile,  etc. 

FUTURO 

Eu  não  comer,  etc. 

É  o  futuro  indicativo  precedido 
de  apa. 

Ame  apa  himari,  etc. 

PARTICÍPIO  PRESENTE 

Mokuhari,       não  comendo. 

PARTICÍPIO  PASSADO  SÍMPLES 

Karilue.  não  comido,  a. 
Kavarilue,  não  comidos,  as. 

PARTICÍPIO  PASSADO  COMPOSTO 

Mokuaharile,  não  tendo  co- 
mido eu,  etc. 


Voz  passiva  do  infinito 

Passa-se  um  verbo  da  activa  para  a  passiva  mudando  a  última 
vogal  em  tia;  ex.:  okuteva,  pfende?\  okulevua.  Exceptuam-se: 
okupa,  dar,  okupeua;  okuta,  afugentar,  okuteua;  okusa,  deixar, 
okuhiua  e  outros. 

VERBO  PASSIVO 


Ser  amado  —  Oku-holua 

INDICATIVO  PRESENTE 

Eu  sou  amado,  etc. 


Ame 

ndyiholua 

Ove 

uholua 

Oe 

uholua 

Onthue 

tuholua 

Onue 

muholua 

Ava 

vaholua 

MAIS  QUE  PERFEITO 

Eu  fora  ou  tinha  sido  amado,  etc. 


É  o  perfeito  imediato  precedido 
de  ankho. 

Ame  ankho  naholua,  etc. 

IMPERFEITO 

Eu  era  amado,  etc. 


420 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


É    o   indicativo    precedido   de 
ankho. 

Ame  ankho  ndyiholua,  etc. 

PERFEITO  IMEDIATO 

Eu  fui  amado,  etc. 


Ame 

naholua 

Ove 

uaholua 

Oe 

uaholua 

Onthue 

tuaholua 

Onue 

muaholua 

Ava 

vaholua 

PERFEITO  REMOTO 

Eu  fui  amado,  etc. 

Ame 

naholelue 

Ove 

uaholelue 

Oe 

uaholelue 

Onthue 

tuaholelue 

Onue 

muaholelue 

Ava 

vaholelue 

CONDICIONAL  PRESENTE 

Eu  seria  amado,  etc. 

É   o   indicativo    precedido   de 
ngeno. 

Ame  ngeno  ndyiholua,  etc. 

CONDICIONAL  PASSADO 

Eu  teria  sido  amado,  etc. 
É  o  perfeito  precedido  de  ngeno. 
Ame  ngeno  naholua,  etc. 

IMPERATIVO 

Holua,  sejas  amado. 
Tuholuei,  sejamos  amados. 
Holuei,  sede  amados. 

CONJUNTIVO 

Que  eu  seja  amado,  etc. 

É  o  indicativo  mudado  a  última 
letra  em  e. 

Ame  ndyiholue,  etc. 


FUTURO  INDEFINIDO 

Eu  serei 

amado,  etc. 

Ame 

handyiholua 

Ove 

hauholua 

Oe 

hauholua 

Onthue 

hatuholua 

Onue 

hamuholua 

Ava 

havaholua 

FUTURO  PRÓXIMO 

Eu  serei  amado,  etc. 


Ame 

mandyiholua 

Ove 

mo  holua 

Oe 

maholua 

Onthue 

matuholua 

Onue 

mamuholua 

Ava 

mavaholua 

FUTURO  REMOTO 

Eu  serei 

amado,  etc. 

Ame 

mandyikaholua 

Ove 

mokaholua 

Oe 

mokaholua 

Onthue 

matukaholua 

Onue 

mamukaholua 

Ava 

mavakaholua 

MAIS  QUE  PERFEITO 

Eu  não  tivesse  sido  amado,  etc. 

É  o  perfeito  remoto  precedido 
de  ngeno. 

Ame  ngeno  naholelue,  etc. 

FUTURO 

Eu  não  fôr  amado,  etc. 

É  o  futuro  indefinido  precedido 
de  apa. 

Ame  apa  handyiholua,  etc. 

PARTICÍPIO  PRESENTE 

Mokuholua,    sendo  amado. 

PARTICÍPIO  PASSIVO 

Holué,  tendo  sido  amado,  a, 
os,  as. 


DE   ANGOLA  421 

OBSERVAÇÕES  SOBRE  ALGUNS  TEMPOS  DO  VERBO 
Infinito 

Quando  no  mesmo  período  houver  dois  ou  mais  verbos  no  mesmo 
tempo,  o  último  vai  para  o  infinito,  precedido  de  n' ;  ex.:  Onohamba 
mbatundile  k'  Outundilo,  ambuhindikilua  n ' ontungululu  iomaelema,  am- 
biya  ku  Belém,  ambufende  Sesu,  ri 'okumuavera  ovipahulilo  viambo,  os 
magos  saíram  do  Oriente,  foram  dirigidos  pela  estrela  milagrosa,  vieram 
a  Belém,  adoraram  Jesus  e  ofereceram-lhe  presentes. 

Formação  dos  pretéritos 

Pretéritos  afirmativos  imediatos;  veja-se  o  modelo  do  verbo  afirma- 
tivo. 

Afirmativo  remoto.  Este  forma-se  mudando  a  última  vogal  em  ele; 
ex.:  nalala,  dormi,  natalele;  em  ile,  se  a  penúltima  fôr  i,  y,  u;  ex.:  na- 
kunkha,  moi,  nakunkhile. 

Os  que  terminam  em  ma  e  na,  cuja  penúltima  vogal  fôr  a,  e,  o,  mudam 
a  última  vogal  em  ene;  napuena,  fumei,  napuenene;  se  a  penúltima  fôr 
i  ou  u,  mudam  a  última  vogal  em  ine;  outro  tanto  acontece  aos  verbos 
terminados  em  nua;  ex. :  natnma,  mandei,  natumine;  nanua,  bebi,  na- 
nuine. 

Os  terminados  em  sa  mudam  esta  sílaba  em  hile;  ex.:  navasa,  en- 
contrei, navahile. 

Pretéritos  negativos 

Imediatos.  Veja-se  o  modelo  do  verbo  negativo,  as  terminações  são 
as  mesmas  do  remoto  afirmativo. 

Os  terminados  em  sa  mudam  esta  sílaba  em  hile;  ex.:  katuvahile,  não 
encontramos. 

Remotos.  Formam-se  com  os  imediatos  negativos  terminados  em  ele, 
ile,  ene,  ine,  mudando  a  última  vogal  respectivamente  em  ele,  ile,  ene,  ine; 
ex.:  salalele,  não  dormi,  salalelele;  katnamanene,  não  acabámos,  katua- 
manenene. 

O  a,  prefixo  dos  verbos  nos  pretéritos  muda-se  em  e: 

1.°)  Antes  dos  infixos  complementos;  ex.:  uemuleta,  trouxe-o.  Antes 
do  infixo  da  l.a  pessoa  do  singular  (ndy)  o  a  conserva-se;  ex.:  uandyita 
pediu-me; 

2.°)   Antes  de  li  (reflexo);  ex.:  neliveta,  feri-me. 

Imperativo 

Quando  a  primeira  pessoa  do  plural  do  imperativo  se  refere  somente 
a  duas  pessoas,  deve  terminar  em  e;  referindo-se  a  mais  de  duas,  termina 
em  ei;  ex.:  luringe,  façamos  (eu  e  tu);  turingei,  façamos  (eu  e  muitos). 

A  2.a  pessoa  do  singular  do  imperativo  termina  igualmente  em  e, 
quando  tiver  por  complemento  os  infixos  das  l.as  pessoas  {ndy  e  tu); 
ex.:  ndyavere,  entrega-me;  tupopia,  fala-nos. 


422  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


Particípio  presente 

Este  particípio  traduz-se  de  dois  modos: 

1.°  Pelo  infinito  precedendo-o  da  partícula  m1 ;  ex.:  m'okutala  ovantu, 
vendo  as  pessoas; 

2.°  Por  uma  oração  condicional;  ex.:  yuino  ombila  iloka,  kamatuende, 
chuvendo  não  iremos. 

Particípio  passado 

Particípio  passado  simples  dos  verbos  transitivos.  Traduz-se  este 
pelo  pretérito  perfeito  da  voz  passiva  no  singular  ou  no  plural,  conforme 
o  sujeito;  ex.:  uambasa  ame  navetua,  encontrou-me  ferido;  omapia 
arimua,  campos  cultivados. 

Particípio  passado  simples  dos  verbos  intransitivos.  Este  traduz-se 
pelo  pretérito  perfeito  da  voz  activa;  ex.:  omfay  iamita,  o  pé  inchado; 
omiti  kaviauile,  as  árvores  não  caídas. 

Particípio  passado  composto  de  um  verbo  afirmativo.  Traduz-se 
pelo  radical  de  um  verbo,  mudando  a  última  vogal  em  e;  ex.:  Sesu,  kanené 
ovana,  ai;  Jesus,  tendo  abençoado  os  meninos,  retirou-se. 

Particípio  passado  composto  negativo.  Traduz-se  pela  3.a  pessoa  do 
singular  do  pretérito  remoto  afirmativo,  precedido  de  m'okuaha,  supri- 
mindo-se  o  prefixo  do  sujeito;  ex.:  m ' oknahahandele,  não  tendo  acabado. 

VERBOS  RELATIVOS 

Os  verbos,  que  em  Olunyaneka  chamamos  relativos,  traduzem-se  em 
português  por  uma  locução,  que  exprime  para  com  uma  pessoa  ou  objecto 
uma  relação  de  favor,  causa,  deferência,  fim,  vantagem,  etc.  Estes  verbos 
são  caracterizados  pelas  desinências  ela,  ila,  ena,  ina,  conformando-se 
com  as  seguintes  regras: 

l.a  Ela;  mudam  a  última  vogal  nesta  terminação  os  verbos  que 
tiverem  como  penúltima  vogal  a,  e,  o,  y;  ex.:  okutapa,  buscar  água, 
okutapela,  buscar  água  para  alguém ;  okuveta,  bater,  okuvetela,  bater  em 
vantagem  de  outrem ;  okuyola,  rir-se,  okuy  oleia,  rir-se  por  causa  de  outro ; 
okuloya,  dar  tiro,  okuloyeta,  dar  tiro  em  vantagem  de  alguém. 

2.a  Ita;  mudam  a  última  vogal  nesta  terminação,  quando  a  penúltima 
vogal  fôr  i,  u;  ex. :  okuringa,  trabalhar,  okuringila,  trabalhar  por  um 
certo  fim ;  okuhupa,  escapar-se,  okuhupila,  escapar-se  por  um  motivo. 

3.a  Ena;  nesta  desinência  mudança  última  vogal  os  verbos,  que  ter- 
minarem em  ma,  na  ou  nya,  cuja  penúltima  vogal  fôr  a,  e,  o;  ex.:  okutyama, 
vaguear,  okuty amena,  vaguear  por  uma  causa;  okutena,  fortalecer,  okn- 
tenena,  fortalecer  em  vantagem  de  uma  causa;  okuanya,  regeitar,  okua- 
nyena,  regeitar  por  um  motivo. 

4.a  Ina;  mudam  nesta  desinência  a  última  vogal  os  verbos  terminados 
em  ma,  na,  nica,  cuja  penúltima  vogal  fôr  i  ou  u;  ex.:  okutuma,  mandar, 
okutumina,  mandar  a  favor  de  alguém;  okunua,  beber,  okunuina,  beber 
a  pedido  de  outrem. 

VERBOS  CAUSATIVOS 

Estes  indicam  uma  ideia  de  causalidade: 

l.a   Tomam  a  desinência  esa  quando  a  penúltima  vogal  do  infinito 


DE  ANGOLA  423 

fôr  a,  e,  o,  y;  ex.:  okulala,  dormir,  okidalesa,  causar  sono;  okuveta,  bater, 
okuvetesa,  mandar  bater;  okutopa,  enlouquecer,  okutopesa,  causar  loucura; 
okuloya,  dar  tiro,  okuloyesa,  causar  o  tiro. 

2.a  Tomam  a  terminação  isa  quando  a  penúltima  vogal  fôr  i  ou  u; 
ex.:  okunkhia,  morrer,  okunkhisa,  causar  a  morte;  okuhuva,  admirar, 
okuhuvisa,  causar  admiração. 

LINGUAGEM    NARRATIVA 

Nos  pretéritos  imediatos  desta  linguagem  o  prefixo  do  sujeito  é  pre- 
cedido de  um  a;  notando-se,  porém,  que  o  sujeito,  sendo  nome  de  pessoa 
da  2.a  do  singular,  o  prefixo  ua  muda-se  em  o;  sendo  da  3.a  do  singular, 
o  dito  prefixo  transforma-se  em  a;  ex.:  abri,  abriste,  etc,  andyiikula, 
oyikula,  ayikula,  atuyikula,  amayikula,  avayikula. 

As  terminações  dos  verbos  variam  assim:  1.°  Os  terminados  em  ia 
e  ua  perdem  a  última  vogal;  ex.:  avulu,  eles  brigam;  2.°  Sendo  a  penúltima 
vogal  a,  e,  i,  o,  u,  a  terminação  será,  respectivamente,  aquelas  vogais ; 
ex.:  avatuala,  levaram;  olili,  tu  choraste;  epata  aritoko,  a  casa  caiu. 

Exceptuam-se  os  seguintes  verbos:  okupa,  dar,  andyipe,  ope,  ape} 
etc;  okuti,  dizer,  andyiti,  oty,  aty,  etc;  okuia,  ir-se,  abdary,  oi,  ai,  etc. 

Os  que  tiverem  um  y  como  penúltima  vogal  a  terminação  deve  ser 
em  o. 

Ma 

Esta  partícula  emprega-se  antes  dos  verbos  para  indicar  a  continui- 
dade de  uma  acção  ou  uma  futura  muito  próxima.  Os  verbos  precedidos 
desta  partícula  mudam  as  terminações  seguindo  as  regras  da  linguagem 
narrativa;  ex.:  inanu,  está  a  beber. 

Ka 

Esta  partícula  é  empregada  como  negação,  precedendo  o  verbo;  ex.: 
kavakapa.  Como  influxo  traduz-se  pela  locoção  portuguesa  ir  como  o 
infinito;  ex.:  nakapola. 

Ha 

Esta  partícula  negativa  antepõe-se  aos  substantivos,  adjectivos,  pro- 
nomes, verbos  no  infinito  e  advérbios,  suprimindo-se  a  primeira  vogal  da 
palavra  a  que  se  junta;  ex.:  hamuntu,  não  é  gente. 

Vo 

Esta  partícula  pospõe-se:  1.°  Aos  pronomes  pessoais  sujeitos  para 
indicar  respeito;  ex.:  ovevo.  2.°  Aos  imperativos,  e  neste  caso  traduz-se 
por  faze  o  favor  de. . .;  muaveravo  otyitumba  notyingondi,  faze  o  favor 
de  lhe  dar  isto,  aquilo. 

A  aplicação  das  partículas  ma,  ka,  ha,  ngo,  na,  ia,  vo  e  olyo  acha-se 
na  conversação. 

ADVÉRBIOS 

Hoje,  hoje  mesmo —  Omuhomo,  homo  rimo. 
Amanhã  —  Muhuka* 


424  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Depois  de  amanhã  —  Muhuka  rina. 
Ontem  —  Mongulo. 

CONJUNÇÕES 

Afim  de  que  —  e,  com,  Na. 
Ou  —  Ine,  muhuna,  ae. 
Mas,  mas  êle  —  Anti,  ngué. 
Porem  —  Ongo. 

Sem  que 

A  forma  de  dizer  em  português  sem  que  seguido  do  imperativo  do 
conjuntivo  traduz-se  pelo  pretérito  remoto  afirmativo,  suprimindo-se  a 
primeira  letra  e  antepondo-se  ao  verbo  anah,  oh,  ah,  atuh,  amuh  avah, 
respectivamente  a  cada  pessoa;  ex.:  anahaitile,  ohaitile,  etc.  Sem  que  eu 
pedisse,  sem  que  tu  pedisses,  etc. 

PREPOSIÇÕES 

Até,  16;  com,  n' ;  desde,  tunde;  para,  na;  junto,  pu;  etc. 

INTERJEIÇÕES 

Oh!    Tate;  Espera!  He;  Nunca!  Tuan;  Espera!  he;  etc. 


Entre  estes  povos  não  existe  o  talento  inventivo  ou  de  inves- 
tigação, desconhecendo  por  completo  as  produções  artísticas. 

Teem  grande  predileção  pela  música,  pelo  canto  e  pela  dança, 
consistindo  esta  em  saltos,  voltas,  requebros  e  movimentos  com- 
passados, alternados  com  palmas. 

Todos  cantam  e  dançam,  os  homens  separadamente  das  mu- 
lheres, sendo  os  assuntos  tirados  dos  diversos  acontecimentos 
da  vida:  como  seja  de  guerra,  de  caça,  festas  de  família,  recreio, 
etc. 

Como  instrumentos  de  música  teem  os  vanyanekas  a  enkhuene, 
flauta  com  dois  sons;  onkhuins,  cornetas  formadas  com  chifres 
de  antílopes;  onkhondmi  e  ombulumbumbo,  composta  de  um 
arco,  uma  corda  e  uma  pequena  vara ;  otyihumba  e  otyindyaluidya, 
com  a  configuração  de  um  tamanco,  tendo  cinco  cordas;  otyicandyi, 
espécie  de  marimba.  Alem  destes  teem  também  o  chamado  batuque 
grande  e  batuque  pequeno. 

Há  variados  passatempos  infantis  muito  interessantes,  que  se 
assemelham  a  alguns  jogos  dos  países  civilisados. 

Quanto  a  jogos  na  acepção  da  palavra,  teem  estes  povos 
apenas  o  chamado  ovela. 


DE  ANGOLA  425 

No  capítulo  sciências  os  seus  conhecimentos  são  quási  nulos ; 
desconhecendo  por  completo  a  engenharia  e  a  náutica  —  em 
virtude  dos  seus  rios  não  serem  caudalosos  —  de  astronomia 
conhecem  as  seguintes  estrelas:  as  Plêiadas,  otyikuane  kanda; 
Estrela  de  Alva,  otyofi;    Via  Láctea  —  omunkheka-nkheka. 

Como  medicamentos  empregam  ordinariamente  os  vegetais; 
fazendo  também  operações  cirúrgicas,  o  que  contribue  muito 
para  a  grande  influência  que  o  médico  goza  entre  os  povos. 


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Vanyanecaa  —  Libata  (Kihita) 

Sobre  história  conservam  a  memória  de  certos  factos  tais 
como:  de  guerras,  de  estiagens  que  produziram  fama,  nomes  de 
sobas,  aparecimento  dos  brancos,  construções  das  fortalezas  e 
outros. 

Sobre  geografia  citam  nomes  de  determinadas  terras/florestas, 
montanhas,  rios,  etc,  indicando  as  direcções,  mas  não  representam 
nada  pelo  desenho. 

O  vanyaneca  tem  a  memória  muito  viva,  dos  factos,  dos 
logares,  das  pessoas  e  das  palavras,  assim  como  viva  tem  a 
imaginação,  especialmente  para  o  que  diz  respeito  a  feitiços  e 
crenças  supersticiosas. 

Possue  algum  entendimento;  e  quanto  a  observação,  só  se 
revela  em  assuntos  que  lhe  dizem  respeito :  como  questões,  fei- 
tiços, etc. 


28 


426  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


III.  —  Da  vida  familial 

O  nascimento.  —  A  educação.  —  O  casa- 
mento. —  A  morte.  —  A  família.  — A  reli- 
gião, rito,  culto,  divindade  e  sacerdócio. 

Entre  estes  povos  é  costume,  algumas  vezes  a  prática  de 
certas  cerimónias  antes  do  nascimento  para  favorecerem  o  nas- 
cituro e  ainda  outras  para  protecção  da  mãe. 

A  parturiente  dá  à  luz  em  sua  própria  casa  sendo  ordinaria- 
mente assistida  por  algumas  mulheres  idosas  pertencentes  à 
família,  sendo  certo  que  os  cuidados  que  lhes  dispensam  nunca 
são  escrupulosos  nem  esmerados. 

A  própria  mãe  é  que  amamenta  o  seu  filho. 

A  mulher  que  tem  dois  filhos  gémeos,  em  alguns  povos,  paga 
multa  de  um  carneiro  ao  chefe  da  aldeia  e  no  caso  do  nascimento 
dum  ser  disforme  é  logo  morto. 

O  nome  é  dado  à  criança  no  fim  de  oito  ou  dez  dias  após  o 
nascimento,  ficando  esta  a  pertencer  ao  tio  materno. 

Em  geral  o  número  maior  dos  recemnascidos  pertence  ao  sexo 
femenino,  competindo  à  mãe  os  primeiros  cuidados  na  infância  e 
passando  o  filho  varão,  dos  sete  aos  nove  anos,  a  ser  educado  pelo 
pai,  que  o  obriga  a  acompanhar  os  pastores  que  guardam  o  gado. 

A  educação  física,  intelectual  ou  moral  deixa  muito  a  desejar 
ou  mesmo  não  existe,  a  não  ser,  a  educação  especial  dos  adivinhos, 
feiticeiros,  curandeiros,  etc,  aproveitando  na  maioria  dos  casos 
indivíduos  atacados  de  epilepsia  que  consideram  como  manifes- 
tações dos  espíritos  a  designá-los  para  o  ofício. 

Entre  estes  povos,  para  que  qualquer  homem  goze  dos  seus 
direitos  e  garantias  deve  ser  circuncisado,  não  havendo  tempo 
fixo  para  esta  prática,  mas  escolhendo  de  preferência  os  meses 
de  junho  ou  julho,  realizando-se  por  essa  ocasião  muitas  festas  e 
passatempos. 

Também  a  rapariga  chegada  à  idade  da  puberdade,  faz  uma 
grande  festa  em  companhia  de  suas  amigas  e  pessoas  de  família. 


Antes  do  casamento  o  noivo  visita  e  oferece  presentes  à  noiva, 
que  ordinariamente  é  pedida  por  uma  terceira  pessoa,  sendo  os 


DE   ANGOLA  i2l 

pais  consultados  e  recebendo  uma  cabeça  de  gado  após  o  seu 
consentimento. 

Os  sentimentos  de  amor  e  de  afeição,  em  regra,  são  pouco 
intensos,  sendo  o  celibato  e  a  continência  exigidas  em  certas 
épocas  da  vida,  não  existindo  nestes  povos  a  prostituição  pro- 
priamente dita. 

A  idade  própria  para  o  casamento  é  para  os  homens  dos 
vinte  aos  vinte  e  cinco  anos  e  para  as  mulheres  dos  quinze  aos 
dezoito  anos,  não  sendo  exigida  a  estas  a  sua  virgindade. 

Dado  o  consentimento  dos  noivos  e  ouvidos  os  pais  e  o  tio 
materno,  o  casamento  fica  combinado,  realizando-se  na  idade 
conveniente,  sendo  levada,  para  casa  do  marido,  ocupando  logo 
a  categoria  de  mulher  casada,  sem  mais  festas  ou  cerimónias. 

Algumas  vezes  o  homem  convida  a  sua  futura  noiva  a  passar 
um  certo  tempo  em  casa  dele  para  a  conhecer  de  perto,  apre- 
ciar-lhe  o  génio,  aptidões  para  o  trabalho  e  outras  qualidades, 
podendo  chamar-se  a  isto,  casamento  de  ensaio. 

Entre  estes  povos  é  permitido  ao  homem  escolher  mulher 
fora  do  seu  clan,  tribu  ou  aldeia,  podendo  ter  várias,  sendo 
porém  uma  delas  a  favorita. 

A  poligamia  ó  uzada  entre  estes  povos  em  razão  de  costume, 
do  trabalho  das  lavras,  etc,  habitando  cada  mulher  em  casa 
diferente. 

A  poliandria  não  existe. 

Os  impedimentos  de  casamento  são  sempre  motivados  por 
consanguinidade. 

O  adultério  do  homem  fica  impune,  o  da  mulher  ó  punido 
com  uma  indemnização  paga  ao  marido  pelo  homem  com  quem 
a  mulher  o  cometeu. 

A  existência  do  divórcio  é  determinada  por  várias  causas, 
como:  maus  tratos  infligidos  à  mulher;  ausência  prolongada  do 
marido ;  prisão  ou  exílio  deste  e  outros. 


# 
#       * 


Entre  os  vanyanekas  os  curandeiros  e  feiticeiros  gozam  de 
muita  influência;  empregam  medicamentos,  fazendo  operações 
cirúrgicas.  São  muito  crentes  em  sortilégios,  feitiços  ou  amuletos, 
sendo  as  doenças  mais  frequentes:  cluva  —  febre  e  pegitomo  — 
pontada  (pneumonia). 


428 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


Nos  últimos  momentos  de  um  moribundo,  algumas  vezes,  o 
curandeiro  é  chamado  para  lhe  assistir. 

Quando  um  curandeiro  (vimbande)  está  agonisante,  assistem 
todos    os    colegas    que    podem   reunir,    havendo   então   grandes 
danças,  cantos  e  práticas  mágicas. 
Não  acreditam  na  morte  natural. 

Após  o  falecimento  é  ao 
cadáver  partida  a  espinha 
dorsal  e  enrolado  de  forma 
que  os  joelhos  toquem  no 
queixo. 

A  mortalha  consiste  em 
uma  manta  ou  uma  peça  de 
fazenda  e  muitas  vezes  uma 
pele  de  boi  que  é  abatido  para 
este  fim. 

Os  cemitérios  são  nas  flo- 
restas. 

Entre  estes  povos,  como 
sinal  de  luto,  há  carpideiras, 
disparam-se  tiros  de  espin- 
garda, e  os  homens,  parentes 
próximos,  rapam  todo  o  ca- 
belo. 

Em  seguida  ao  falecimento 
do    marido     a    viúva    volta 
para  casa  da  família  e  os  órfãos  são  entregues  ao  tio  materno. 


L:    I  J     

Vai;yanelía  —  Ura  feiticeiro  (Gambos) 


A  família  nestes  povos,  compõe-se  de  pai,  mãe,  filhos,  irmãos 
e  tios.  Há  uma  espécie  de  adopção,  ficando  o  adoptado  com 
todos  os  direitos  de  membro  da  família. 

Possuem  autoridade  na  família:  o  pai,  a  mãe,  o  tio  materno, 
0  filho  mais  velho  e  em  geral  os  parentes  mais  idosos.  Os  filhos 
quando  casados,  formam  um  novo  lar. 

Em  regra  os  filhos  amam  seus  pais  e  os  parentes  mais  velhos, 
prestando-lhes  respeitosa  obediência. 

Não  existe  entre  estes  povos  o  parentesco  por  afinidade,  mas 
reconhecem  parentesco  com  o  animal  que  deu  o  nome  à  família. 


DE   ANGOLA  429 

Cada  membro  da  família  é  isoladamente  responsável  pelas 
suas  dívidas,  contractos,  crimes,  etc. 

A  propriedade  é  particular  e  privada,  ajudando-se  às  vezes 
em  certos  trabalhos,  os  membros  da  família. 

Ordinariamente  é  nulo  o  papei  dos  visinhos,  acatando  todavia, 
quando  velhos,  os  seus  conselhos. 

A  autoridade  da  mulher  ó  quásinula,  dependendo  do  marido, 
como  verdadeira  escrava,  e  sendo~lhe  sujeita  até  haver  uma 
razão  que  determine  o  divórcio. 


# 
#       # 


Estes  povos  crêem  na  existência  de  um  Deus,  criador  de  todas 
as  coisas,  havendo  um  certo  número  de  evocações  que  lhe  são 
dirigidas. 

Acreditam  nos  espíritos  (almas  dos  antepassados)  que  evocam 
nas  diversas  necessidades  da  vida,  e  nos  poderes  dos  grandes 
vimbandas  por  espíritos  dos  antepassados. 

Os  vimbandas  quando  evocam  os  espíritos  fazem-nos  falar, 
mas  só  de  noite,  com  todos  os  fogos  apagados. 

Prestam  culto  aos  espíritos  dos  antepassados,  a  quem  oferecem 
sacrifícios,  pedindo-lhes  a  sua  intervenção  em  tempos  de  fome, 
epidemia  ou  de  qualquer  calamidade. 

É  convicção  íntima  entre  estes  povos,  que  os  espíritos,  estão 
encerrados  em  algumas  vacas  sagradas. 

Í3á  proibição  para  comer  certos  manjares,  de  pronunciar 
certas  palavras,  de  nomear  certas  pessoas,  de  passar  em  deter- 
minados logares,  etc.  Esta  proibição  é  bazeada  em  motivos  reli- 
giosos e  supersticiosos. 

Como  em  outro  logar  se  disse,  algumas  famílias  e  tribus 
tomam  o  seu  nome  de  certos  animais  ou  objectos,  que  veneram 
e  respeitam. 

A  alma  humana  chama-se  ohonde ;  esta  depois  da  morte,  .às 
vezes,  vem  atormentar  e  perseguir  os  vivos. 

O  indígena  tem  uma  ideia  muito  vaga  da  vida  futura. 

O  materialismo  está  muito  impresso  no  ânimo  do  gentio,  que 
a  cada  passo  diz  o  seguinte  provérbio :  turie,  tukute,  tunyne,  tu- 
lovole,  kondyenbo  halyiko,  que. quer  dizer:  comamos,  fiquemos 
fortes,  dansemos,  fiquemos  saciados,  depois  desta  vida  nada  mais 
há. 


430  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Os  vanyanekas  possuem  a  noção  do  bem  e  do  mal,  existindo 
entre  eles  centenas  de  provérbios,  adágios  e  máximas,  sobre  o 
respeito,  maledicência,  justiça,  remorso,  caridade,  etc. 

A  ideia  filosófica  entre  eles  é  quási  nula,  acreditando  que 
tudo  que  acontece  é  por  intervenção  dos  espíritos,  assim  como 
todos  os  acontecimentos  são  ligados  à  ideia  da  religião  e  supers- 
tição. 

Celebram  estes  povos,  em  várias  épocas  do  ano  grande  nú- 
mero de  práticas  e  cerimónias  religiosas,  acompanhadas  de  evo- 
cações, sacrifícios,  oferendas  e  muitas  vezes  obrigados  a  jejum. 

Possuem  uma  grande  colecção  de  longos  contos  e  narrativas 
dos  omakihi  (seres  fabulosos). 

A  organização  das  sociedades  secretas  tem  por  fim  a  perse- 
guição, aplicação  de  venenos  e  a  prática  de  vários  crimes. 

Os  iniciados  fazem  uso  de  insígnias  particulares  quando 
assistem  às  cerimónias. 

O  tempo  principal  é  na  embala  (casa  do  soba)  sendo  aí  guar- 
dadas as  campainhas  do  soba,  vários  ferros  sagrados,  as  jarras 
para  o  leite  das  vacas  sagradas  àlêm  de  outros  objectos  desti- 
nados às  cerimónias. 

O  sumo  sacerdote  por  excelência  é  o  soba,  como  chefe  da 
hierarquia,  em  seguida  tem  os  sacerdotes  e  os  feiticeiros  que 
podem  oferecer  sacrifícios  aos  espíritos  e  finalmente  os  adivinhos 
que  gozam  de  uns  certos  poderes  particulares.  Distinguem-se 
uns  dos  outros  pelas  variadas  insígnias  que  trazem  no  pescoço 
ou  na  cinta. 

IV.  —  Da  vida  social 

Classes  e  castas.  —  Organização  política. 
—  Propriedade.  —  Regime  económico.  — 
Costumagens  jurídicas. 

Entre  estes  povos  a  vida  nómada,  propriamente  dita,  não 
existe;  apenas  os  pastores  mudam,  em  certas  épocas  do  ano,  de 
terra  em  terra  à  procura  de  novos  pastos  para  gado. 

Os  rapazes  de  sete  a  doze  anos  guardam  gado  caprino,  e  os 
desta  idade  em  diante  ocupam-se  do  gado  bovino.  A  noite  é 
costume  juntar-se  no  curral  a  mocidade  e  aí  cantam  e  dançam. 

Entre  os  vanyanekas  existem  sacerdotes,  feiticeiros,  ricos, 
pobres,  livres  e  escravos,  gozando  cada  um  deles  das  suas  ga- 
rantias e  prerogativas. 


DE   ANGOLA  431 

Os  escravos  provêm  dos  prisioneiros  de  guerra  ou  de  paga- 
mentos. Os  amos  exigem  deles  qualquer  trabalho,  podendo 
adquirir  família,  e  obter  a  liberdade  mediante  um  certo  número 
de  cabeças  de  gado. 

* 
#       * 

Estes  povos  tem  por  chefe  supremo,  o  soba,  que  reside  em 
uma  libata  simplesmente  com  os  seus  parentes  e  conselheiros,  e 
que  se  chama  umbala.  Junto  do  soba  há  os  ministros  (onondei) 
que  o  aconselham  e  ajudam  no  governo  dos  povos  que  lhe  prestam 
obediência. 

Os  sobados  estão  divididos  em  um  certo  número  de  mucunda 
ou  departadamento,  cujo  governo  está  a  cargo  de  um  chefe 
denominado  muene,  sinónimo  de  secúlo,  senhor  da  terra,  de  no- 
meação hereditária,  e  que  estão  subordinados  ao  soba. 

O  soba  preside  aos  julgamentos  importantes,  aplica  multas  e 
impõe  correctivos.  É  o  sumo  sacerdote  como  já  se  disse,  e  pos- 
sui em  grau  elevado  todas  as  insígnias  da  feitiçaria. 

A  sucessão  ao  trono  é  do  tio  ao  sobrinho. 

A  mulher  pode  ser  chefe  de  um  departamento,  administrar 
uma  mucunda,  mudando  de  quatro  em  quatro  anos  de  marido. 

Os  anciãos,  às  vezes,  reunem-se  em  assembleia  para  decidirem 
sobre  um  certo  número  de  negócios  de  família,  mudança  de 
aldeia,  precauções  a  tomar  durante  o  tempo  de  uma  guerra,  fome 
ou  outra  qualquer  calamidade.  Assistem  a  estas  reuniões  os  prin- 
cipais chefes. 

O  soba  recebe  impostos  em  cereais  ou  trabalho  em  determi- 
nadas épocas  do  ano. 


-  A  propriedade  é  essencialmente  privada.  A  sua  origem  é  a 
ocupação  para  os  campos,  compra  ou  herança  para  os  restantes 
objectos. 

Os  limites  dos  campos  são  marcados  por  cercados. 

Não  há  propriedade  em  comum,  todavia  há  uma  excepção 
para  o  gado,  encontrando  se  muitas  vezes  uma  cabeça  de  gado 
pertencer. a  vários  donos. 

Não  há  locações. 

Existe  uma  espécie  de  usufruto  para  os  gados. 


432  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Na  casa,  o  homem  e  a  mulher  possuem  separadamente  os  bens 
mobiliários,  instrumentos  de  trabalho,  utensílios  de  cosinha,  etc. 
A  mulher  pode  vender  o  producto  do  seu  trabalho  e  dos  seus 
campos. 

O  direito  da  caça  é  livre,  assim  como  é  o  da  pesca. 

A  cera  e  o  mel  pertencem  ao  dono  do  cortiço. 

O  direito  de  propriedade  sobre  achados  existe,  ficando  per- 
tencendo o  objecto  achado  ao  primeiro  que  o  encontrou,  não 
aparecendo  o  dono. 

A  propriedade  passa  do  tio  materno  para  os  sobrinhos,  não 
herdando  a  viuva  e  os  filhos  cousa  alguma. 

A  sucessão  pode  ser  de  pai  aos  filhos,  por  meio  de  testamento 
verbal  feito  perante  os  velhos  da  terra. 


#       # 


Qualquer  pessoa  pode  exercer  comércio  em  todo  o  lugar  e  época. 

Os  productos  vendidos  pelos  vanyanekas  são  em  geral:  — gado, 
cereais,  mel,  panelas,  cabaças,  bebidas,  caça,  etc,  e  recebem  em 
troca  dinheiro,  fazendas,  contarias,  mantas,  sal,  arame  de  cobre 
ou  de  latão,  facas,  catanas  e  outros  artigos. 

Não  há  moedas  nem  pesos.  Possuem  para  medir  os  cereais 
uns  cestos,  denominados  ombul,  plural  ombue. 

Os  rios  não  são  navegáveis. 


*       # 


Há  um  conjunto  de  leis  e  costumes  relativos  à  família,  ao  ca- 
samento e  a  outras  questões. 

Os  contractos  de  compra  e  venda  são  feitos  simplesmente 
pelos  donos  dos  objectos. 

Nos  empréstimos  não  são  exigidos  juros. 

Existe  um  complexo  de  costumes,  estabelecendo  penas  e  multas 
para  as  diferentes  infracções.  Estas  multas  reduzem-se  ao  pa- 
gamento de  cabeças  de  gado. 

Como  já  se  disse  os  julgamentos  de  questões  graves  são  pre- 
sididos pelo  soba,  assistido  por  alguns  dos  seus  ministros.  O 
queixoso  apresenta  a  questão  e  indica  testemunhas,  havendo  de- 
bates e  discussões  durante  a  audiência. 


DE  ANGOLA  433 


Entre  estes  povos,  não  podem  os  estrangeiros  exercer  cargo 
algum  importante  no  país,  assim  como  não  podem  fazer  parte 
das  assembleias  ou  reuniões. 

Não  existem  tratados  de  comércio,  sendo  a  hospitalidado 
exercida  por  todos,  conforme  as  posses  e  circunstâncias  de  cada 
um. 

É  raríssimo  actualmente  haver  entre  os  vanyanekas  declarações 
de  guerra.  No  entanto  possuem  diversas  armas  como :  espin- 
gardas de  pederneira  e  de  espoleta,  azagaias,  arcos  e  flechas, 
catanas,  machadinhas,  moscas  e  facas  de  dois  guines. 

O  indígena  que  traje  um  pouco  à  europeia,  fale  algumas  pa- 
lavras em  português  ou  saiba  algum  ofício,  é  entre  estes  povos, 
bastante  considerado  e  respeitado. 


'ANGOLA* 

Escala  =.-^-t^À 


12O00000 


Tribu  HUMBE 


M.Egrtja  y***-    àrtp 


CAPÍTULO  XVIII 

HUMBESO) 

I.  —  Dos  caracteres  etnográficos  gerais 


Situação  dos  povos  designados  por  hura- 
bes.  —  Sua  origem.  —  População. 

Os  humbes  habitam  a  margem  direita  do  Cunene,  desde  o 
Dongoena  ao  Capelongo,  e  as  margens  do  Caculvar  até  ao  Tchi- 
pelongo. 

A  tribu  muhumbe  parece  ter  formado  um  grande  estado,  esten- 
dendo-se  por  toda  a  bacia  do  Cunene,  desde  as  suas  cabeceiras 
até  às  faldas  da  serra  da  Cheia,  Chambicua  e  ás  matas  do  Ovampo. 

Sobre  a  origem  destes  povos  não  nos  foi  possível  colher  ele- 
mentos que  de  uma  forma  cabal  nos  ilucidem,  limitando-nos  por 
isso  a  transcrever  para  aqui  o  que  sobre  o  assunto  se  escreve  no 
Sul  de  Angola. 

«É  hoje  incontestável  que,  quando  os  portugueses  procuravam 
desenvolver  a  ocupação  e  conquista  no  território  norte  do  reino 
de  Angola,  existia  no  sul  um  grande  estado  governado  pelo  Humbi- 
Onene,  o  qual  se  estendia  por  toda  a  bacia  do  Cunene,  desde  as 
suas  cabeceiras  perto  do  Bié  até  às  faldas  da  Cheia,  Chabicua 
e  ás  matas  do  Ovampo. 

Sabe-se  que  nos  meados  do  século  xvi  foi  o  Congo  invadido 
pelas  hordas  dos  jagas,  onde  se  supõe  virem  também  os  baxim- 
bas-bacumbis  sob  o  comando  de  célebre  Zimbo  ou  Ximbo,  as 
quais,  depois  de  destruirem  S.  Salvador,  obrigaram  o  rei  a  re- 


(  )  Colaborou  no  estudo  desta  tríbu  o  administrador  de  circunscrição, 
sr.  Campos  Palermo. 


436 


POPULAÇÕES   INDÍGENAS 


fugiar-se  numa  das  ilhas  do  Zaire.  Em  seguida  dividiu  o  seu 
exército  em  hostes  mais  pequenas  e  mandou-as  à  conquista  de 
novas  terras,  competindo  ao  seu  logar-tenente  Quinzuva  marchar 
para  o  oriente  a  avassalar  os  povos  até  ao  mar.  Sendo  detidos 
pelos  portugueses  na  bacia  do  Zambeze,  em  Tete,  recebeu  mais 

reforços,  mas,  após  algu- 
mas vitórias,  foi  novamente 
derrotado  em  Melinde  sen- 
do obrigado  a  retirar. 

Não  podendo  prosse- 
guir o  caminho  que  leva- 
vam, por  as  populações 
se  levantarem  contra  eles, 
transpozeram  o  Zambeze 
com  um  pequeno  número 
de  companheiros  e,  tor- 
neando o  Calahari  pelo 
norte,  vieram  à  procura 
de  terras  próprias  para  se 
estabelecerem  no  ocidente, 
fixando-se  nas  margens  do 
Cunene,  expulsando  ou 
avassalando  os  seus  pri- 
mitivos habitantes  e  for- 
mando o  grande  estado 
do  Humbe.  E  a  confir- 
mação de  que  os  povos  do 
Humbe  não  são  aborigines, 
está  na  diferença  que  eles  oferecem  dos  outros  povos  que  os  cercam, 
na  tradição  que  ainda  entre  eles  existe  de  terem  vindo  do  norte 
e  ainda  numa  tal  ou  qual  analogia  que  uma  cuidada  observação 
surpreende  entre  os  seus  costumes  e  os  árabes,  como  se  nota  em 
outras  tribus  distantes,  mas  habitantes  do  norte  e  nordeste». 

Não  tendo  elementos  seguros  para  discutir  esta  tradição,  não 
podemos  deixar  de  estranhar  que  tendo  os  povos  invasores  da 
província  vindo  da  região  dos  lagos,  retrocedessem  a  conquistar 
terras  que  eles  ou  os  seus  ascendentes  tinham  abandonado  e  já 
conheciam.  O  racional  e  o  que  a  história  destas  invasões  nos 
ensina,  é  que  os  povos  invasores,  em  geral,  não  retrocedem, 
avançam,  submetendo  ou  escorraçando  as  tribus  que  se  lhe  depa- 
ram no  caminho,    se   tem  condições  vitais  para  o  fazer,  ou  são 


Tipos  Muhumbes 


DE  ANGOLA  437 

detidos  e  a  pouco  e  pouco  aniquilados,  por  aquelas  tríbus  que 
encontram,  se  lhes  não  podem  resistir.  O  que  parece  não  restar 
dúvida,  constatado  por  algum  dos  seus  usos  e  costumes,  e  prin- 
cipalmente pela  língua  falada,  é  que  os  humbes  teem  grandes 
afinidades  com  algumas  das  tribus  do  planalto  de  Benguela. 

São  fortes,  espaduados,  retintos,  mas  com  as  feições  agradá- 
veis e  bastante  correctas;  especialmente  as  mulheres  que  se  podem 
classificar  de  formosas  e  bastante  fáceis. 

Arrancam  os  dois  incisivos  do  maxilar  inferior. 


II.  —  Da  vida  material  e  intelectual 

Cuidados  dados  ao  corpo.  —  Vestuário. — 
Alimentação.  —  Habitação.  —  Meios  de 
existência.  —  Artes.  —  Sciências  e  facul- 
dades intelectuais. 

Merecem-se-lhes  especial  cuidado  os  penteados  e  cosméticos  de 
manteiga  de  vaca  misturada  com  algumas  folhas  e  raízes  aromá- 
ticas com  que  se  untam. 

O  vestuário  predominante  é  a  pele,  não  obstante  terem  muita 
predilecção  pelos  panos,  mas  que  raras  vezes  usam  por  não  ter 
com  que  os  adquirir.  Os  homens  usam  suspensa  por  um  cinto 
de  couro,  na  frente,  uma  pele  para  que  pouco  mais  lhes  serve  do 
que  para  resguardar  os  órgãos  genitais,  e  outra  posteriormente 
cobrindo-lhes  as  nádegas.  As  mulheres  usam,  o  mesmo  vestuário 
que  os  homens,  com  a  diferença  de  que  as  peles  são  maiores,  que 
o  cinto  de  couro  muitas  vezes  é  substituído  por  um  largo  cinto 
de  missanga,  e  que  a  pele  suspensa  posteriormente,  tem  a  forma 
de  uma  meia  lua,  com  a  concavidade  voltada  para  cima  e  suspensa 
aos  quadris  por  duas  pontas  que  prendem  no  cinto. 

Os  homens  usam  o  cabelo  com  dois  ou  três  centímetros  de 
comprimento,  não  o  penteando,  ou  costumam  rapar  a  cabeça,  dei- 
xando dois  ou  três  rebaixos  quási  no  vértice  da  mesma. 

As  mulheres  usam  um  penteado  interessante  e  característico, 
consistindo  em  uma  elevação  de  cabelo,  no  vértice  da  cabeça, 
desde  a  nuca  à  testa,  semelhando  o  todo  um  capacete  romano,  e 
nos  lados,  por  sobre  as  orelhas,  umas  finas  rodelas  de  cabelo  na- 
tural, lembrando  as  orelhas  do  elefante. 

A  maioria  das  raparigas  casadoiras  (mucandonas)  usam  o  ca- 
belo   cortado  à  navalha  junto  das  orelhas  e  um  pouco  acima, 


438  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

formando  três  listas  que  partem  da  testa  para  a  nuca,  sendo  a 
do  centro  maior;  as  listas  de  cabelo  são  feitas  em  tranças  que 
vão  cair  sobre  os  hombros  e  testa  onde  suspendem  grande  quan- 
tidade de  missangas. 

Os  rapazes  em  geral  usam  o  cabelo  sem  ser  cortado  nem 
tratado,  costumam  atá-lo  com  uma  tira  de  couro  quando  está 
muito  crescido. 

Como  adorno  usam  os  homens  argolas  de  ferro,  cobre  ou  la- 
tão nos  pulsos;  ao  pescoço  alguns  usam  missangas  (e  pouco  a 
usam),  e  suspenso  de  uma  tira  de  couro  um  bocado  de  pau  me- 
dicinal e  uma  espécie  de  colher  com  que  chegam  o  tabaco  em  pó 
(rapé)  ao  nariz. 

As  mulheres  usam  missanga  na  cabeça,  ao  pescoço  em  colares 
ou  caida  sobre  o  peito,  e  na  cintura  principalmente,  chegan- 
do-lhes  às  vezes  quási  que  a  cobrir  as  nádegas.  Usam  as  mulheres 
igualmente  nos  braços  e  nas  pernas,  argolas  de  ferro  ou  latão, 
ou  arame  dos  mesmos  metaes,  enrolado  em  espiral,  e  nos  dedos 
anéis  grosseiros  de  ferro. 


A  base  de  alimentação  é  vegetal  e  constituída  pelas  papas  de 
farinha  de  massango,  prato  diário  de  resistência  que  se  serve  com 
qualquer  condimento,  carne  ou  peixe,  e  na  falta  deste  com  leite 
fermentado.  Costumam  usar  na  sua  alimentação,  sapos  aquá- 
ticos, rãs  e  frutas  silvestres.  Não  fazem  uso  de  carne  de 
porco.  ; 

Fazem  uso  das  bebidas  fermentadas  feitas,  quer  das  farinhas 
de  massambala  e  massangu,  quer  de  frutos,  e  igualmente  do  ma- 
rufo  da  palmeira. 

Das  bebidas  fermentadas  de  que  fazem  mais  uso  são  o  macau, 
e  berlungo  e  o  gongo. 

Para  se  fabricar  o  macau  põe-se  a  massambala  de  molho  em 
água  durante  três  dias,  no  fim  dos  quais  se  estende  no  chão  co- 
berta com  folhas  molhadas  ou  terra  húmida,  até  que  comece  a 
germinar ;  em  seguida  lava-se,  expõe-se  ao  sol  durante  uma  ou 
duas  horas,  reduzindo-a  logo  a  farinha  ainda  húmida  e  molhada, 
deitando-se  a  seguir  em  água  a  ferver;  no  dia  seguinte  junta-se 
novamente  uma  pequena  quantidade  da  farinha  para  fermento  e 
no  fim  de  dois  dias  está  pronto  a  beber-se,  depois  de  coada. 

O  fabrico  do  berlungo  é  idêntico  ao  do  macau  com  a   dife- 


DE  ANGOLA  439 

rença  que  sendo  feita  de  farinha  de  massango  a  germinação  e 
fermentação  são  mais  rápidos. 

O  gongo  fabrica-se  reunindo-se  em  um  cesto  frutos  da  árvore 
do  mesmo  nome,  onde  se  conservam  durante  três  ou  quatro  dias, 
no  fim  dos  quais  se  lhe  tira  a  casca  e  se  espremem  os  frutos, 
deitando  o  suco  em  uma  panela  e  os  caroços  e  os  restos  do  fruto 
noutra  a  que  se  junta  água,  ficando  depois  a  fermentar  bem 
como  o  sumo  principal;  este  está  pronto  a  beber-se  no  dia  se- 
guinte, o  proveniente  da  fermentação  dos  restos  dos  caroços  no 
no  fim  de  6  a  8  dias. 


A  habitação  tipo  é  de  cubata  de  base  circular,  em  que  a  base 
tem  um  diâmetro  de  2m,5  e  a  altura  da  parede  não  vai  àlêm  de 
70  centímetros  e  para  onde  se  não  pode  entrar  senão  de  cócoras. 

A  cubata  constroe-se  de  pau  a  pique  barreada  interiormente 
e  a  cobertura  de  uma  armação  cónica  coberta  de  colmo. 

As  cubatas  agrupam-se  em  aldeias  (tchilongos)  por  famílias, 
circundadas  por  fortes  palissadas  de  pau  a  pique  e  defendidas 
ainda  por  cercados  de  espinheiros  a  dois  ou  três  metros  da  pa- 
lissada.  Dentro  do  tchilongo  estão  separadas  as  cubatas  de 
habitação  e  aquelas  que  servem  de  cosinhas,  das  que  se  destinam 
para  guarda  de  mantimentos  e  dos  currais,  por  uma  palissada, 
como  a  que  envolve  o  tchilongo. 

Escolhem  para  a  construção  dos  tchilongos  de  preferência  os 
logares  mais  livres  de  anato  e  próprios  para  culturas,  não  dando 
preferência,  às  visinhanças  dos  rios,  mulolas,  cacimbas  ou  chands. 

Como  cama  usam  uma  pele  ou  uma  esteira  de  caniços,  esten- 
dida no  chão  ou  sobre  um  leito  feito  de  estacas. 

Como  utensílios,  teem :  panelas  e  púcaros  de  barro;  vasos  de 
madeira;  cestos  de  várias  formas  e  feitios  (quimbalas),  e  as 
cabaças  que  representam  o  principal  utensílio  caseiro. 

# 

4 

A   principal  ocupação  dos  muhumbes,   homens,  mulheres   e 

crianças  é  a  agricultura  e  creação  de  gado.  As  mulheres  fazem 
as  suas  culturas  separadas  dos  homens;  ajudando-se  reciproca- 
mente,  no  entanto  esta  separação  é  um  simples  capricho,   por- 


440 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


1 


quanto  ao  fazer  a  colheita  juntam  tudo.  Os  filhos  àlêm  de 
ajudarem  os  pais  no  serviço  da  cultura,  são  empregados  na 
pastoreação  do  gado,  bem  como  os  escravos.  As  raparigas  àlêm 
da  parte  que  lhes  compete  em  ajudar  as  sementeiras,  são  encar- 
regadas dos  serviços  caseiros,  cosinhar,  pizar  o  mantimento  para 
fazer  a  farinha,  buscar  água  e  lenha,  etc. 

Cultivam   a  massambala,   o  massango,   o  feijão  macunde,   o 

tabaco,  ginguba,  abóboras, 
e  tem  introduzido  ultima- 
mente a  cultura  do  milho. 
Dedicam-se  à  creação 
do  gado  bovino,  caprino, 
lanígero  e  galinhas,  pos- 
suindo de  cada  qualidade 
pouca  quantidade.  Não 
criam  gado  suino. 

Nos  rios  ou  mulolas  pes- 
cam na  quadra  seca,  depois 
que  as  aguas  baixam. 

Não  são  caçadores,  não 
obstante  haver  abundância 
de  caça  na  época  de  estia- 
gem. Usam  armas  de  fogo, 
fundas,  zagaias  e  sobretudo 

CISMEI     -^ '  °    Purrenno    que    manejam 

com    destreza    chegando    a 
caçar  com  êle  aves  e  peque- 
3SBB&*  nos  animais. 

Exercem  rudimentar- 
mente as  indústrias  de  ola- 
ria e  tanaria,  executam  obras  de  cesteiro  e  de  madeira,  e  tra- 
balham o  ferro. 

# 
#       # 


1; 


Tipo  Muhumlbe 


No  que  diz  respeito  à  linguagem  falam  os  humbes  um  dialecto 
especial,  parecido  com  nVbundo  e  os  dialectos  que  falam  os  povos 
visinhos. 

Amantes  de  música,  usam  vários  cantos  e  danças  pelas  festas 
que  fazem  durante  o  ano. 

No  que  diz  respeito  a  instrumentos  usam :  umas  cabaças  com 


DE  ANGOLA  441 

pedras  dentro  que  agitam  para  tirar  os  diversos  sons;  uma 
espécie  de  viola  feita  de  um  arco  de  flexa  com  corda,  tendo 
próximo  de  uma  das  extremidades  uma  meia  cabaça,  que  serve 
de  caixa  de  ar  e  uma  espécie  de  trompa,  feita  de  barro. 

A  dança  mais  vulgar  é  o  batuque,  que  é  executado  só  por 
mulheres  ou  só  por  homens,  formando  um  círculo,  saindo  um 
que  ao  centro  vai  cantar  qualquer  coisa  relativa  a  algum  dos 
que  está  no  círculo  e  que  os  outros  repetem  em  coro;  a  seguir 
vai  ao  centro  o  visado  e  assim  se  continua  a  dança,  que  quand0 
é  pelos  homens  é  acompanhada  de  saltos. 

Fazem  várias  festas  durante  o  ano;  as  principais  são:  a  do 
gongo  em  Fevereiro,  em  que  tomam  parte  os  feiticeiros  sarapin- 
tados e  vestidos  a  capricho;  a  das  sementeiras;  a  das  colheitas; 
e  a  festa  em  memória  dos  falecidos  que  não  tem  tempo  determi- 
nado.   Todas  as  festas  tem  por  fim  comer,  beber,  cantar  e  dançar. 

Tem  cronologia,  ainda  que  rudimentar,  dividindo  o  tempo  em 
lunações  e  fazendo  começar  o  ano  em  Outubro. 

Consideram  o  sol  como  uma  grande  fogueira;  a  lua  e  as 
estrelas  como  tantas  outras  que  se  deslocam. 

Tomam  as  nuvens  carregadas  como  pronuncio  de  chuvas. 

Tem  muito  receio  das  trovoadas. 


III.  —  Da  vida  familial 

O  nascimento.  —  A  iniciação.  —  O  casa- 
mento. —  A  família.  —  A  morte.  —  A  re- 
ligião e  sacerdócio. 

O  nascimento  de  uma  criança  é  sempre  festejado,  matando  o 
pai  um  garrote,  um  cabrito  ou  um  carneiro,  conforme  as  suas 
posses  para  agradecer  à  mulher  o  ter-lhe  dado  um  filho. 

Os  nomes  dados  aos  recemnascidos  são,  em  geral,  o  de  uma 
pessoa  de  família  já  falecida,  ou  no  caso  de  haver  qualquer  facto 
importante  na  ocasião  do  parto,  é  um  nome  adequado  ou  relativo 
a  esse  facto  o  que  se  dá  à  criança. 

# 

Usam  a  prática  de  circuncisão  para  os  rapazes,  bem  assim  como 
celebram  com  festas  quando  as  raparigas  chegam  à  puberdade. 
29 


442 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


No  que  diz  respeito  à  circuncisão,  pratica-se  dos  16  aos  18 
anos,  mandando  os  rapazes  nas  condições  de  ser  circuncisados 
para  uma  mata  próxima  e  desabitada,  onde  um  perito  vai  fazer- 
lhes  a  operação.  Durante  o  período  da  cura  as  famílias  costumam 
abater  um  garrote,  levando  a  carne  para  o  circuncisado  e  fazendo 
cintos  da  pele,  que  lhe  entregam  ao  regressar.    Da  operação  da 

circuncisão  costumam 
morrer  alguns  rapazes 
por  falta  de  conve- 
niente tratamento; 
quando  tal  sucede  os 
companheiros  enter- 
ram-no  ecomunicam-no 
à  família,  que  não  chora 
o  óbito. 

A  emancipação  faz- 
se  pelo  casamento  ;  não 
casando,  a  emancipação 
faz-se  no  homem  dos  18 
aos  22  anos,  e  na  mulher 
dos  15  aos  18,  podendo 
estabelecer-se  em  habi- 
tação separada  da  famí- 
lia. 

* 


Tipos  Muliumlbes  (Mucandonas) 


O  casamento  efec- 
tua-se  logo  que  o  pai 
da  noiva  entende  ter  esta  atingido  a  idade  para  casar,  enviando-a 
ao  futuro  genro  por  quem  anteriormente  estava  escolhida  e  pedida, 
acompanhada  de  uma  comitiva  de  amigas  e  família,  com  um 
garrote.  Matam  este  garrote  e  outro  que  o  noivo  oferece  aos 
convivas,  bebe-se  e  dança-se,  e  está  o  casamento  efectivado. 

Existe  a  poligamia,  variando  o  número  das  mulheres  com  a 
fortuna  do  marido;  cada  mulher  habita  na  sua  cubata. 

É  permitido  o  divórcio  por  motivos  fúteis  ou  por  desobediência 
da  mulher.  Quando  o  divórcio  seja  de  comum  acordo,  fazem 
a  divisão  dos  filhos  igualmente  por  acordo  ;  quando  o  não  é,  os 
rapazes  ficam  com  o  pai  e  as  raparigas  acompanham  a  mãe  que 
regressa  ao  lar  da  família  emquanto  não  tiver  outro  pretendente. 


DÈ  ANGOLA  443 

0  marido  é  a  verdadeira  autoridade  na  família,  limitando-se 
a  mulher  à  obediência. 

O  pai  e  a  mãe  exercem  autoridade  igual  sobre  os  filhos. 

Por  morte  do  homem  a  mulher  e  os  filhos  não  herdam  e  os 
haveres  vão  para  o  irmão  mais  velho  e  na  falta  de  irmão  para  o 
tio  mais  velho,  e  na  falta  deste,  para  o  sobrinho  materno  mais 
velho. 

As  viúvas  vão  aumentar  o  número  das  mulheres  do  irmão 
mais  velho  do  finado,  ficando  sendo  mulheres  do  cunhado;  levam 
consigo  os  filhos  e  a  herança,  visto  que  é  o  herdeiro  quem  os 
recebe. 

Os  viúvos  ficam  com  os  filhos,  não  havendo  alteração  alguma, 
visto  o  homem  ter  mais  mulheres  e  estas  não  terem  fortuna. 

De  uma  maneira  geral  os  herdeiros  são  o  irmão  mais  velho 
e  na  sua  falta  os  sobrinhos  da  irmã.  Os  filhos  nunca  herdam  do 
pai,  salvo  o  que  o  mesmo  lhes  haja  dado  em  vida. 


#       # 


A  morte  nunca  é  considerada  como  natural  e,  a  não  ser  a  dos 
rapazes  que  morrem  por  virtude  da  circuncisão,  é  atribuída  a 
qualquer  acto  de  feitiçaria  ou  às  almas  dos  antepassados. 

Para  tratamento  das  doenças  teem  os  curandeiros  que  consi- 
deram e  respeitam.  Os  curandeiros  são  em  geral  emigrados  que 
ao  regressar  se  anunciam  como  tal,  não  havendo  preparação 
para  o  mister. 

Fazem  grande  segredo  dos  remédios  que  aplicam  operando 
em  geral  as  curas  por  sugestão. 

No  que  diz  respeito  ao  costume  para  com  o  cadáver,  antes  de 
ser  enterrado  é  dobrado,  unindo-se-lhes  os  joelhos  ao  corpo,  mãos 
apoiadas  no  rosto  e  os  cotovelos  nos  quadris,  mete-se  dentro  de 
uma  pele  de  boi  preto  ou  envolve-se  em  panos,  e  a  pau  e  corda 
é  assim  transportado  para  o  local  da  sepultura.  Antes  porém  de 
ser  sepultado  o  parente  mais  próximo  e  idoso  pergunta-lhe  quem 
foi  o  causador  da  sua  morte.  Se  aquele  em  quem  recaem  as 
culpas  está  presente,  o  defunto  impele  os  que  o  conduzem  para  o 
lado  onde  êle  está;  se  está  ausente  deixam  nomear  uma  grande 
quantidade  de  nomes  dos  supostos  e  avançam  para  quem  os  inter* 
roga. 

O  funeral  é  sempre  acompanhado  de  choros,  cantos,  danças  e 


444  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

o  indispensável  sacrifício  de  algumas  cabeças  de  gado  que  comem 
bem  regadas  com  bebidas  fermentadas. 

Em  geral  um  dos   animais   sacrificados  é  imolado  sobre  a 
sepultura  e  esta  é  regada  com  o  seu  sangue. 


Estes  povos  crêem  na  existência  de  um  ente  supremo  a  quem 
chamam,  uns  Suou  e  outros  Calunga  e  que  invocam  indistinta- 
mente. 

São  supersticiosos  com  alguns  logares,  onde  não  vão,  e  com 
animais  domésticos  e  ferozes. 

Parece  que  estes  povos  não  distinguem  o  curandeiro  do  fei- 
ticeiro. 

IV. —  Da  vida  social 

Espécie  de  vida.  —  Classes  e  castas.  — 
Organização  política.  —  Propriedade.  — 
Regime  económico.  —  Costumagens  judi- 


Não  obstante  serem  criadores  de  gado  levam  vida  sedentária. 

Como  nas  tribus  vizinhas  há  sobas,  séculos,  curandeiros, 
homens  livres,  e  escravos.  Os  escravos  fazem  parte  da  família 
e  se  se  comportarem  bem  dão-lhes  a  liberdade  ao  chegar  à  maiori- 
dade. 

A  organização  política  é  constituída  por  um  governo  absoluto 
exercido  pelos  sobas  que  delegam  parte  das  suas  atribuições  nos 
séculos,  chefes  das  mucundas.  No  entanto  em  casos  graves  ou  de 
terem  de  aplicar  a  alta  justiça,  consultam  sempre  os  velhos  e 
cuja  opinião  acatam. 

Os  sucessores  dos  sobas  e  séculos  são  os  irmãos  e  na  falta 
destes  os  sobrinhos  filhos  da  irmã. 


DE   ANGOLA 


445 


* 


Existe  a  propriedade  individual,  sendo  os  terrenos  que  agri- 
cultam considerados  como  bens  imóveis.  Raras  vezes  as  transa- 
cionam,  e  se  o  fazem  é  por  absoluta  necessidade,  em  casos  de 
fome;  qualquer  transacção  é  feita  perante  testemunhas  que  assistem 
ao  contracto. 

Costumam  fazer  negócio  de  permuta  com  os  comerciantes 
ambulantes   (funantes),    permutando   gado   ou   mantimentos  por 


Muhumbes  —  Penteados 


fazendas,  missangas,  metais,  enxadas  gentílicas  e  quinquilharias. 
A  moeda  corrente  é  o  boi,  o  cabrito  ou  o  carneiro. 


Em  matéria  de  administração  de  justiça  é  ela  da  competência 
dos  séculos  e  do  conselho  dos  velhos  e  em  última  instância  do 
soba. 

Tem  o  juramento  firmado  sobre  a  memória  de  família  morta 
e  admitem  a  prova  testemunhal. 

No  que  diz  respeito  a  punições  de  crimes  e  delitos  são  eles 
expiados  com  o  pagamento  de  uma  indemnização.    Assim  o  crime 


446  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

de  morte  é  punido  com  a  indemnização  à  família  do  morto  que 
nunca  pode  ser  inferior  a  10  bois.  A  mutilação,  ferimento  ou 
espancamento  dá  o  direito  ao  ofendido  de  se  vingar  em  tempo 
oportuno.  O  estupro,  o  dano  e  o  adultério,  são  punidos  com 
indemnização.  A  traição  com  a  morte  do  traidor  e  família,  e 
confiscação  de  bens. 


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CAPÍTULO  XIX 
TEIBUS  BANCTUBA  (») 

(Cuamatos,  Cuanliamas,  Evales) 

I.  —  Dos  caracteres  etnográficos  gerais 

Situação    geográfica   destes   povos.  —  Sua 
origem.  —  População. 

As  tribus  N'ctuba,  cujo  nome  lhe  advém  de  uma  peça  de  ves- 
tuário que  usam  suspensa  pela  cintura  posteriormente,  habitam 
os  vastos  territórios  entre  o  Cubango  e  o  Cunene  abaixo  do  pa- 
ralelo 16°  de  latitude  sul. 

Estes  povos  são  originários  do  sudoeste,  da  região  do  Ovampo. 

Não  obstante  haver  zonas  desabitadas  na  região  ocupada 
por  estas  tribus,  é  ela  uma  daquelas  da  província  em  que  a  den- 
sidade da  população  é  maior. 

O  indígena  destas  tribus  tem  um  tipo  agradável,  é  alto  ele- 
gante, bem  constituido,  robusto  e  muito  sociável.  Tem  os  cara- 
cterísticos da  raça  negra,  o  pigmento  não  é  muito  retinto,  mas 
um  tanto  avermelhado ;  usam  todos  limarem  os  dois  incisivos 
superiores. 

São  agricultores  e  pastores,  turbulentos  e  muito  dados  à 
rapina.  Apreciam'  muito  as  armas  de  fogo  e  o  gado  bovino,  e 
teem  muita  facilidade  em  assimilar  os  hábitos  e  costumes  euro- 
peus. 


(')  Prestaram  colaboração  no  estudo  desta  tríbu  o  administrador  de 
circunscrição  senhor  Campos  Palermo  e  as  missões  católicas. 


448  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


II.  —  Da  vida  material  e  intelectual 

Cuidados  dados  ao  corpo.  —  Alimentação 
—  Vestuário.  —  Habitação.  —  Meios  de 
existência.  —  Artes.  —  Sciências.  —  Fa- 
culdades intelectuais. 

Poucos  ou  nenhuns  cuidados  lhe  merece  o  corpo  a  não  ser  os 
penteados.  Com  efeito  a  não  ser  os  evales  que  se  não  esmeram 
com  o  penteado,  usando  geralmente,  tanto  homens  como  mulheres, 
o  cabelo  cortado,  untando-o  às  vezes  com  lucula,  os  restantes  povos 
destas  tríbus  cuidam  bastante  dos  seus  penteados. 

Os  cuamatos  e  cuanhamas,  os  homens  e  rapazes,  ou  rapam  o 
cabelo,  ou  deixam  no  alto  da  cabeça  e  na  nuca  uma  pequena 
porção  de  cabelo  crescido,  ou  um  simples  rabicho  na  parte  pos- 
terior da  cabeça. 

As  mulheres  dos  cuamatos  usam  em  geral  o  cabelo  crescido 
apartado  ao  meio  e  entrançado  com  fios  de  imbondeiros,  caindo 
sobre  as  orelhas  e  pescoço. 

As  mulheres  cuanhamas  usam  na  cabeça  uma  espécie  de  capa- 
cete, patela  de  couro  e  cabelo,  terminada  por  duas  hastes  levan- 
tadas à  frente,  que  prendem  à  cabeça  com  pregos  de  madeira. 


A  alimentação  destes  povos  é  quási  que  exclusivamente  cons- 
tituída por  vegetais,  a  não  ser  a  dos  evales  que  usam  muito  a 
carne  de  boi,  escaceando-lhes  às  vezes  os  mantimentos. 

Os  restantes  povos  usam  quotidiamente  as  papas  de  farinha 
de  massango,  empregando  a  carne  na  sua  refeição  só  por  ocasião 
de  festa.  Todos  os  povos  que  estão  estabelecidos  junto  dos  rios 
empregam  na  sua  alimentação  o  peixe. 

Usam  e  abusam  das  bebidas  fermentadas  que  constitui  a  sua 
primeira  refeição,  e  empregam  na  alimentação,  frutos  silvestres, 
como  sejam:  os  nombes,  semelhantes  ao  bago  de  uva;  nenhandos, 

espécie  de  abrunhos,  etc. 

# 

#       # 

No  que  diz  respeito  a  vestuário  entre  as  tríbus  em  estudo,  é 
característico  para  os  homens  o  uso  da  ríctuba,  um  pedaço  de 


DE   ANGOLA 


449 


pele  de  boi,  com  uma  orelha-  ao  lado  direito,  e  que  se  suspende 
por  um  cinto  de  couro  na  parte  posterior,  cobrindo  as  nádegas. 

É  a  ríctuba  que  conjuntamente  com  a  matita,  uma  pele  de 
boi  suspensa  na  frente  que,  entre  os  cuanhamas  constitui  o  traje 
nacional  e  se  costuma  usar  nas  festas  solenes.  No  entanto  actual- 
mente quási  todo  o  cuanhama  que  tem  alguma  coisa  de  seu,  pelo 
menos  os  lengas,  usam  fato  à  europeia,  lenço  ao  pescoço  calçado 
e  chapéu,  ou  pelo  menos  um 
grande  pano  que  lhes  chega 
abaixo  do  joelho.  Alguns 
muficos  do  soba,  usam  ca- 
misas compridas  apertadas 
na  cintura  por  um  cinto  de 
couro,  onde  trazem  os  car- 
tuchos. As  mulheres  cua- 
nhamas usam  na  frente  um 
buxo  de  boi  e  na  parte 
posterior,  uma  pele  em  for- 
ma de  losango  suspenso  do 
cinto  e  apertado  aos  lados 
sobre  os  quadris,  descre- 
vendo sobre  as  nádegas, 
dois  arcos  com  as  concavi- 
dades voltadas  para  fora. 

Entre  os  restantes  povos 
o  vestuário  consiste  para 
os  homens,  em  um  pequeno 
pedaço  de  pele  ou  riscado, 
para  cobrir  os  órgãos  ge- 
nitais e  uma   estreita  tira 

de  couro  para  encobrir  o  anus ;  para  as  mulheres  em  duas  tiras 
largas  de  pele  de  boi,  preferindo  a  preta,  pendente,  à  frente  e 
posteriormente,  de  um  largo  cinto  de  couro. 

Como  adornos,  usam  missangas  ao  pescoço,  trazendo  uma 
simples  fiada  os  homens,  e  nem  todos,  mas  nas  mulheres  chegando 
por  vezes  a  constituir  uma  grossa  e  pesada  coleira;  usam  homens 
e  mulheres  pulseiras  de  fio  de  cobre  ou  ferro,  braceletes  cinzela- 
dos (principalmente  os  cuanhamas)  e  argolas  dos  mesmos  metais 
nos  braços  e  pernas;  e  as  mulheres  cuanhamas  faixas  ou  cintas 
de  contaria  grossa.  As  raparigas  solteiras  cuanhamas  usam 
como  distintivo  várias  rodelas  de  ovos  de  avestruz,  enfiadas  em 


BancUibas  —  Tipo  do  Cuamato 


450  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

uma  linha  e  assentes  ou  suspensas  da  faxa  de  missanga  cobrin- 
do-lhe  os  rins. 

Alguns  homens  do  evale  usam  chapéu  embelezado  com  uma 
pena  de  avestruz,  encòntrando-se  o  mesmo  costume  entre  os 
muficos  do  soba  dos  cuanhamas. 

Todos  os  cuanhamas  e  alguns  dos  povos  das  outras  tribus 
usam  furar  a  orelha  direita  onde  suspendem  à  laia  de  brinco, 
um  colchete,  uma  argola,  pedaço  de  fio,  etc. 

Não  usam  a  tatuagem. 


O  tipo  da  habitação  é  a  cubata  de  base  circular,  e  cuja  forma 
portanto  é  a  pyramide  cónica. 

As  cubatas  assentam  directamente  sobre  o  solo,  e  são  cons- 
truídas de  pau  a  pique,  barreadas  e  com  cobertura  de  colmo. 

As  cubatas  dos  membros  da  mesma  família,  agrupam-se, 
constituindo  o  tchilongo  cercado  de  pau  a  pique,  com  um  corredor 
em  labyrinto  dando  serventia  às  divisões  interiores  para  cubatas, 
currais,  e  cobertos  para  trabalho  e  descanço.  A  entrada  prin- 
cipal do  tchilongo  fica  sempre  voltada  a  oriente  e  é  fechada  por 
uma  porta  em  órgão,  constituída  por  paus  que  sobem  ou  descem, 
correndo  entre  dois  que  formam  a  verga  do  portado,  e  que  pela 
parte  inferior  são  trancados  com  outros  dois  ou  mais  de  correr. 
Álêm  da  porta  principal  há  sempre  pelo  menos  uma  falsa,  mas- 
carada por  arbustos,  junto  ao  curral  interior  do  gado  e  da  entrada 
principal. 

Escolhem  de  preferência  para  local  do  tchilongo  logares  mais 
elevados,  nas  orlas  das  chanas,  e  perto  de  mulolas,  cacimbas  ou 
rios. 

Como  mobiliário  àlêm  do  trem  de  cosinha,  constituído  por 
algumas  panelas  de  barro,  quindas,  e  vasos  de  madeira  para  o 
leite,  usam  esteiras  de  caniço  e  peles  de  boi,  que  lhes  servem  de 
cama  e  assento,  quando  não  tem  cama  feita  de  estacas  de  madeira, 
e  alguns  troncos  de  árvores  de  pequenas  dimensões  para  subs- 
tituir as  cadeiras. 


Uma  das  principais  ocupações  destes  povos  e  em  especial  dos 
cuamatos  é  a  agricultura.    As  culturas  dominantes  são:  o  mas- 


DE  ANGOLA 


451 


sango;  massambala;  o  feijão  chingoméne;  amendoim;  abóboras; 
tomates;  e  algum  milho. 

Em  geral  cultivam  só  o  necessário  para  o  seu  consumo  e 
conservam  os  produtos  em  umas  pequenas  cubatas  sobre  estacas, 
barreadas  interiormente. 

Na  sua  rudimentar  agricultura  empregam  a  enchada,  uma 
espécie  de  ancinho,  o  machadinhd,  e  a  catana.  Quando  tem  de 
fazer  derrubas  de  árvores  de  grande  porte  empregam  o  fogo. 


Banctubas  —  Tipos  do  Cuamato 


Exercem  a  caça  principalmente  os  evales  que  disso  fazem  a 
sua  principal  ocupação. 

%  Dedicam-se  à  creação  de  gado  bovino,  caprino  e  algum  suino, 
em  especial  no  que  diz  respeito  ao  gado  bovino  a  que  se  dedicam 
em  grande  escala. 

No  que  diz  respeito  às  indústrias  que  exercem,  todos  estes 
povos  se  dedicam :  à  indústria  de  olaria,  fabricando  panelas  de 
vários  feitios  e  tamanhos,  e  outras  vasilhas;  ao  fabrico  de  es- 
teiras e  cestos  variados;  à  de  tanarias;  à  de  metalurgia,  fabri- 
cando as  facas  características  que  usam,  machadinhos,  enchadas, 
argolas,  pulseiras,  flechas,  azagaias  e  concertando  armas ;  e  a 
de  trabalhar  a  madeira,  fabricando  cestos  e  ceirões  de  entrecasca 
de  árvore  e  vasilhas  de  que  se  servem  para  depósito  de  manti- 
mentos. 


452  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


A  língua  falada  é  o  herrero  ou  ovampo  com  pequenas  varian- 
tes de  tríbu  para  tríbu. 

No  que  diz  respeito  a  canto  e  danças  não  existe  grande  va- 
riedade, e  quási  por  assim  dizer  se  reduzem  a  coros  acompa- 
nhando o  vulgar  e  conhecido  batuque.  Os  instrumentos  de  mú- 
sica usados  são  a  puita  (espécie  de  tambor),  as  marimbas,  onugo 
(viola  de  uma  só  corda). 

Entre  os  cuanhamas  é  de  uso  ao  anoitecer,  em  quási  todos 
os  tchilongos,  as  raparigas  solteiras  (mucandonas)  organizarem 
umas  espécies  de  orfeons,  acompanhando  o  canto  com  palmas. 

Entre  os  evales  há  quatro  festas  durante  o  ano  a  que  o  povo 
aflue,  diverte-se,  dança  canta  e  bebe. 

A  primeira  festa  coincide  com  as  colheitas,  sendo  reunido 
todo  o  gado  e  contado;  outra  festa  é  na  segunda  quinzena  de 
Agosto  em  que  o  gado  e  novamento  contado;  vem  depois,  na 
primeira  quinzena  de  Setembro,  a  festa  da  fundula,  em  que  as 
raparigas  casadoiras  são  presentes  ao  soba  que  escolhe  quais  as 
que  se  encontram  em  condições  de  contrair  matrimónio;  a  última 
festa  é  a  das  sementeiras  ou  chiepa. 


Estes  povos  são,  relativamente  aos  restantes  do  sul  da  pro- 
víncia, dotados  *de  uma  inteligência  e  estado  de  adiantamento 
incomparavelmente  superior  àqueles. 

Orientam-se  pelo  sol,  conhecem  as  fases  da  lua  que  lhes  serve 
de  contagem  de  tempo,  sem  é  claro  lhe  dar  explicação. 

III.  —  Da  vida  familiál 

O  nascimento.  —  A  iniciação.  —  O  casa- 
mento. —  A  família.  —  A  morte.  —  A  reli- 
gião e  sacerdócio. 

Entre  alguns  destes  povos  não  é  costume  qualquer  cerimónia 
pelo  nascimento,   entre  alguns  cuamatos   após  o   nascimento    e 


DE  ANGOLA  453 

depois  da  parturiente  ter  sido  esfregada  com  manteiga,  sai 
para  fora  da  cubata  com  a  criança  recemnascida  e  com  ela  pas- 
seia a  libata,  sendo  oferecido  a  esta  pelas  mulheres,  pequenas 
porções  de  mantimento  e  outros  artigos  de  uso  das  mulheres,  se 
«o  recemnascido  é  do  sexo  feminino;  se  é  do  sexo  masculino,  é  aos 
homens  que  compete  oferecerem  artigos  de  seu  uso,,  havendo  a 
seguir  um  batuque. 

A  imposição  do  nome  é  da  competência  da  família ;  assim  em 
geral  tratando-se  do  primeiro  filho  é  o  nome  dado  pelo  avô 
paterno,  ao  contrário  pertence  ao  pai.  Os  nomes  teem  diferentes 
significações,  tais  como:  trazer,  encontrar,  nomes  de  parentes 
falecidos,  nomes  conforme  a  hora  a  que  a  criança  nascer  e  a 
estação  do  ano,  etc. 

Entre  os  cuanhamas  quando  nasce  uma  criança  defeituosa 
é  sacrificada,  bem  assim  como  quando  nascem  gémeos,  sendo  pou- 
pado, sempre  o  do  sexo  masculino. 

Existe  a  circuncisão  para  os  cuamatos  e  cuanhamas,  mas  não 
é  de  uso  entre  os  evales. 

Existe  a  festa  do  mufico  para  os  cuanhamas  e  da  fundula 
para  os  cuamatos,  quando  as  raparigas  chegam  à  idade  de  pu- 
berdade. 

As  raparigas  não  podem  conceber  antes  da  festa  do  fundula, 
a  que  tiver  a  infelicidade  de  conceber  antes  da  fundula  lavrou 
a  sua  sentença  de  morte. 

Os  homens  emancipam-se  logo  que  tenham  tanta  força  como 
os  pais  ou  quando  se  casam  ;  as  mulheres  só  depois  de  casadas. 


Entre  alguns  povos  da  tríbu  cuamato  o  período  de  casamento 
é  feito  espetando-se  uma  flecha  à  porta  do  pai  da  noiva,  a  que 
se  segue  um  batuque  oferecido  pela  família  do  noivo  à  da  noiva 
e  que  termina  com  a  oferta  da  família  daquele  à  deste  de  um 
boi,  cabritos,  ou  enxadas  e  bebidas  fermentadas  conforme  as 
posses. 

Entre  outros  povos  destas  tríbus  o  casamento  contracta  se 
pela  oferta  acima  referida  do  pai  do  noivo  ao  da  noiva. 

Entre  os  evales  as  cerimónias  que  precedem  o  casamento 
diferem  por  completo  da  usual  que  se  pratica  nas  tríbus  aqui 
em  estudo,  visto  que  os  casamentos  saem  por  assim  dizer  efecti- 


454 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


.. 


h 


vados  da  festa  da  fundula  a  que  já  nos  referimos,  havendo  à 
oferta  de  um  boi  não  da  família  do  noivo,  mas  deste  à  noiva,  de 
que  se  tem  de  presentear  o  soba  com  uma  perna,  visto  a  este 
competir  fazer  a  escolha  das  raparigas  que  encontra  em  condi- 
ções para  o  matrimónio. 

A  mulher  casa  logo  que  chegue  à  idade  de  puberdade  entre 

^      os  15  e  os  18 ;  o  homem  entre 
os  17  e  os  20. 

Existe  a  poligamia,  va- 
|  riando  o  número  de  mulheres 
|  com  que  cada  indígena  casa  e 
I  não  indo  àlêm  de  15,  à  excep- 
j  ção  dos  sobas  que  podem  ter 
as  que  quizerem.  Cada  mu- 
lher vive  na  sua  cubata. 

Existe   o   divórcio   que  é 
proposto  pelo  homem  ou  pelo 
tio  materno  da  mulher,  sendo 
'á    indemnizado  o  homem  ou  a 
família  deste  do  presente  que 
Ú     deu    para    efectivar   o   casa- 
mento.   A  mulher  divorciada 
9     não  tem  direito  algum  sobre 
os  bens  do  homem.    Os  filhos 
na  maioria  dos  casos  acom- 
fl    panham  a  mãe. 

O   adultério  é  motivo  de 

'     divórcio  quando  o  seductor 

da    mulher   não  pague  uma 

indemnização. 

O  divórcio  exigido  pelos  tios  maternos  da  mulher  é  sempre 

fundado  na  esterilidade  do  marido. 


Banetubas  —  Tipos  Dongoenas 


* 


Os  pais  não  teem  direito  sobre  os  filhos,  e  os  seus  direitos 
sobre  a  mulher  é  para  nós  ponto  muito  discutivel;  no  entanto 
filhos  e  mulher  devem-lhe  obediência,  os  filhos  emquanto  se  não 
emancipam  e  a  mulher  emquanto  se  não  divorcia.  Quem  de 
direito  dispõe  dos  filhos  são  as  mães  e  os  tios  maternos. 


BE   ANGOLA  455 

A  ordem  de  sucessão  para  efeito  de  herança  é  entre  irmãs  e 
a  seguir  entre  os  filhos  das  irmãs,  começando  pelo  mais  velho; 
na  falta  de  herdeiros  revertem  os  haveres  em  favor  do  soba. 

Os  viúvos  e  viúvas  não  teem  direito  algum  aos  bens  do  casal, 
nem  em  vida,  nem  depois  da  morte,  gozando  dos  direitos  que 
teem  as  pessoas  solteiras. 

Os  filhos  das  diferentes  mulheres  vivem  em  comum  emquanto 
pequenos,  e  teem  todos  os  mesmos  direitos. 


Para  o  tratamento  das  doenças  teem  os  curandeiros  que  são 
muito  respeitados  e  considerados,  usando  os  do  evale,  como  dis- 
tintivo, uma  tira  de  pele  de  boi  vermelho  ombro  a  ombro,  os 
curandeiros  cuamatos,  nem  todos  tem  distintivos  e  só  alguns 
usam  pulseiras  de  couro  e  pendente  ao  pescoço  uma  concha  com 
uma  espécie  de  figa. 

Os  remédios  mais  usuais  são  pó  de  lucula  e  azeite  de  palma, 
chá  de  diferentes  raízes,  pó  de  folhas  secas  de  diversas  árvores, 
raízes  maceradas  ou  em  infusão. 

Os  curandeiros  fazem  segredo  da  sua  profissão  e  quem  se 
encontra  com  aptidão  para  exercer  o  cargo  entende-se  com  um 
curandeiro  velho  que  a  troco  do  sigilo  e  de  uma  remuneração 
recebe  a  aprendizagem. 

Os  falecimentos  dão  sempre  logar  a  festas,  tanto  mais  impor- 
tantes quanta  a  importância  do  falecido.  A  seguir  ao  óbito  é 
chamada  a  família  e  enquanto  os  homens  vão  bebendo  e  disparando 
tiros,  as  mulheres  em  volta  do  cadáver  fazem  uma  algazarra  me- 
donha. No  dia  seguinte  é  o  cadáver  enterrado,  para  o  que  se 
dobra,  de  forma  a  que  as  coxas  fiquem  unidas  ao  peito,  apoiando 
o  queixo  nas  mãos,  e  os  cotovelos  nas  coxas ;  o  que  para  se 
obter  muitas  vezes  tem  de  se  quebrar  os  ossos  ao  cadáver. 

O  corpo  enterra-se  no  curral  dos  bois  em  uma  sepultura  cir- 
cular, deitando-se  por  cima  do  cadáver  uma  pele  de  boi  preto  e 
cobrindo-se  com  terra. 

Quando  se  trata  do  falecimento  de  um  soba,  não  é  este  logo 
dado  a  conhecer ;  faz-se  constar  que  está  doente  e  só  passados 
dias  e  às  vezes  meses,  tempo  que  parece  ser  determinado  para 
mais  ou  menos  facilidade  na  sucessão,  é  que  a  morte  se  torna 
pública.    Afluem  à  embala  a  gente  de  categoria,  matam- se  bois 


456  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

pretos  em  abundância,  bebe-se,  come-se  e  chora-se  largo  tempo. 
O  cadáver  é  exposto  numa  cubata  entre  peles  de  boi  preto,  até 
apodrecer,  só  depois  é  removido  para  uma  caixa  de  madeira  e 
depositado  em  um  cercado  de  estacas,  coberto  de  capim. 


Crêem  na  existência  de  um  ente  que  os  domina  e  que  manda 
nos  astros,  dispõe  da  chuva  e  lhes  dá  o  que  necessitam,  poder  que 

julgam  conservar  alguns  sobas 
ou  pelo  menos  por  intermédio 
de  quem  a  êle  se  dirigem. 
Assim  no  Evale  quando  vêem 
as  sementeiras  perdidas,  reu- 
nem-se  os  chefes  de  macunda, 
vão  pedi-la  ao  soba,  levando 
é  claro  o  respectivo  boi.  O 
soba  vai  a  seguir  transmitir 
o  pedido  à  sepultura  do  antigo 
soba  Binga  e  antes  de  regres- 
;  sar  à  embala  chove  torrencial- 
!:  fíjSi  mente ! 

A  não  ser  a  sepultura  dos 
sobas  que  lhes  é  vedado  pisa- 
rem, não  tem  lugares  sagrados. 
Não  adoram  nem  veneram 
j    representações  materiais  de 
entes  sobrenaturais,  não  exis- 

Banctuba  —  Tipo  Cuanhama 

tindo  manipanços. 

São  muito  supersticiosos,  atribuindo  todos  as  desventuras  e 
infortúnios  a  qualquer  acto  que  tivessem  praticado,  recorrendo 
aos  feiticeiros  para  o  remir,  com  o  pagamento  de  alguns  bois. 

No  Evale  do  soba  reside  toda  a  sabedoria  e  todos  os  poderes 
de  magia,  não  permitindo  aquele  outros  feiticeiros  nos  seus  do- 
mínios. 

Entre  a  classe  dos  feiticeiros,  existem:  os  feiticeiros  da  guerra 
cuja  missão  especial  é  indicar  o  resultado  final  de  qualquer 
guerra;  os  feiticeiros  maus,  que  segundo  a  sua  crendice  são  cul- 
pados da  morte  de  qualquer  pessoa ;  e  os  bons  a  quem  se  recorre 
para  desfazer  os  efeitos  daqueles  ou  para  remir  as  culpas. 


DE    ANGOLA 


IV.  —  Da  vida  social 


45? 


Espécie  de  vida.  —  Classes  e  castas.  — 
Organização  política.  —  Propriedade.  — 
Regime  económico.  —  Costumagens  ju- 
ridicas. 

Não  obstante  se  dedicarem  à  criação  de  gado  em  grande 
escala,  levam  vida  sedentária. 

Álêm  dos  sobas,  dos  chefes  de  mucundas,  dos  lengas,  dos 
curandeiros  e  dos  feiticeiros,  há  os  homens  ricos,  os  homens 
livres,  e  os  escravos.  Há  escravos  por  dívidas,  e  escravos  pri- 
sioneiros de  guerra  ou  das  razias,  que  fazem  aos  povos  do  dis- 
trito de  Benguela;  os  primeiros  são  considerados  como  filhos. 

Por  morte  dos  seus  senhores  os  escravos  se  não  quizerem 
ficar  ao  serviço  dos  herdeiros,  podem  servir  qualquer  outra 
pessoa,  mas  nunca  são  livres. 

A  organização  política  não  é  igual  para  todas  as  tríbus. 

A  organização  política  dos  evales  é  caracterisada  por  um 
governo  absoluto,  e  até  mesmo  despótico,  posto  na  única  auto- 
ridade que  de  tudo  dispõe,  ao  ponto  de  depender  dele  a  licença 
para  pescar  e  caçar,  e  que  é  o  soba.  O  soba  só  em  casos  de 
excepcional  gravidade  consulta  os  velhos  tidos  como  homens  de 
bom  conselho,  mas  esta  consulta  é  uma  simples  formalidade, 
porquanto  estes  teem  o  cuidado  de  previamente  saberem  as  dis- 
posições do  soba  para  lhe  não  desagradarem.  Depois  destes,  os 
indígenas  mais  considerados  são  os  séculos. 

O  soba  tem  os  seus  lengas,  chefes  de  guerreiros  que  dispõem 
de  limitada  influência  e  são  escolhidos  e  substituídos  segundo 
a  vontade  daquele.  No  Evale  há  dois  sobados  rivais,  um  situado 
na  margem  direita  e  outro  na  margem  esquerda  do  rio  Cuvelay 
que  atravessa  a  região  do  norte  a  sul. 

A  autoridade  do  soba  faz-se  sentir  debaixo  de  todas  as  for- 
mas :  dispondo  da  vida  das  pessoas  sobre  qualquer  pretexto, 
escravisando  famílias  inteiras  com  confiscação  dos  haveres, 
desde  que  alguns  dos  seus  membros  é  acusado  de  homicídio  ou 
crime  grave,  e  finalmente  intervindo  na  resolução  de  todas  as 
questões. 
30 


4'58  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Emfim  não  permitindo  nos  seus  domínios  os  feiticeiros,  nas 
suas  mãos  concentra  todos  os  poderes  para  despoticamente 
governar. 

Em  teoria  o  sucessor  do  soba  do  Evale  é  o  sobrinho  mais 
velho,  filho  da  irmã  igualmente  de  mais  idade;  mas  na  prática 
é  aquele  que  dispondo  de  mais  elementos  de  combate  ou  simpatia 
do  povo  vence  o  seu  rival. 

A  eleição  do  soba  no  Evale,  a  seguir-se  a  tradição,  seria 
feita  por  um  conselho  de  velhos  e  chefes  mais  importantes,  os 


Banctubas  —  Mulheres  Cuanhamas 

quais  se  conformariam  com  as  disposições  do  soba  falecido  ou 
escolheriam  o  seu  sobrinho  de  maior  idade. 

Comunicar-se-ia  ao  eleito  a  decisão  do  conselho  e  este  cons- 
truiria a  sua  embala  a  um  quilómetro  distante  da  antiga,  visto 
ser  vedado  ao  eleito  entrar  nesta,  sem  primeiro  ter  provado  a 
sua  capacidade  para  o  desempenho  do  cargo. 

Entre  os  cuanhamas,  o  governo,  não  obstante  ser  absoluto,  é 
menos  despótico  do  que  no  Evale. 

O  soba  é  o  Oghamba  senhor  do  tchinogo  (terra)  e  governa 
repartindo  a  sua  autoridade  pelos  membros  da  sua  família, 
fidalgos  e  simples  séculos.  O  sobado  divide-se  em  mueundas  e 
estas  em  libatas;  governa  a  mucunda  um  século  e  a  libata  o  seu 
chefe;  no  entanto  há  séculos  que  teem,  alem  da  sua  mucunda 
outros  séculos  subordinados. 

A  sucessão  é  entre  os  irmãos  e  depois  entre  os  sobrinhos 
mais  velhos  filhos  das  irmãs. 

Entre  os  cuamatos  a  organização  política  é  em  tudo  seme- 
lhante à  dos  cuanhamas ;  um  soba  exercendo  o  governo  absoluto, 


DE   ANGOLA  459 

ajudado  pelos  chefes  da  mucunda  e  lengas,  de  que  dispõe,  por  que 
dele  depende  a  sua  nomeação.  No  entanto,  nas  regiões  de  Dom- 
bomdola,  Uncuancua  e  Hinga,  não  existe  a  autoridade  soba 
propriamente  dita,  e  quem  exerce  as  suas  funções  é  o  chefe  de 
mucunda  mais  velho,  que  tem  muito  pouca  autoridade,  a  qual 
está  distribuida  pelos  respectivos  chefes  de  mucunda  que  são 
afinal  quem  governam. 

A  sucessão  é  como  entre  os  cuanhamas. 

Todas  estas  tríbus  teem  uma  organização  militar  mais  ou 
menos  perfeita.  O  agrupamento  predilecto  parece  ser  a  tanga 
(cem  homens).  Um  lenga,  o  chefe  de  guerra,  comanda  2,  3,  4, 
ou  5  tangas  e  mais.  Em  geral  o  lenga  é  o  século  da  terra  e 
comanda  a  sua  gente,  havendo  lengas  seus  subordinados  quando 
a  área  da  sua  juridiscão  é  grande.  Ao  conjunto  de  vários  lengas 
dão  o  nome  de  ohíta. 

Extremamente  ladrões  e  dotados  de  um  espírito  aventureiro 
mantinham  esta  organização  guerreira  para  efectivar  as  suas 
razias.  Para  dar  ideia  de  uma  dessas  proezas  passamos  a  trans- 
crever alguns  períodos  de  um  artigo  do  senhor  Campos  Palermo, 
descrevendo  uma  razia  ao  Humbe,  onde  foi  admnistrador  de 
circunscrição : 

«4  guerra  dos  diversos  vaus  (')  fica  ao  cuidado  das  mucundas 
(grupos  de  indígenas  dirigidos  por  um  chefe,  que  se  denomina: 
chefe  de  macunda)  que  residem  mais  próximo  deles. 

O  povo  fabrica  pequenos  paus  ponteagudos  que  vão  semi- 
enterrar  no  leito  do  rio,  no  sítio  dos  vaus,  e  com  os  bicos  vira- 
dos para  cima.  Esta  operação  tem  por  fim  embaraçar  as  guer- 
rilhas na  passagem  dos  vaus,  porque  vindo  os  peões  descalços, 
espetam-se  e  a  passagem  é  retardada,  o  que  contribue  para  que 
o  gentio  que  vai  ser  atacado  se  reúna  em  maior  número  para  a 
resistência  e,  muitas  vezes,  os  escurraçar  com  grandes  perdas. 

O  gado  só  vai  beber  água  por  turnos,  para  no  caso  de  assalto 
imprevisto,  se  perder  o  menos  possível,  e  de  dia  e  de  noite  os 
indígenas  que  estão  de  sentinela  ao  rio  gritam  o  seu . . .  alerta ! 
para  mostrar  que  estão  vigiando  e  que  não  há  novidade.  Quando 
os  gritos  se  retardam,  logo  outros  indígenas  vão  inquirir  do 
que  se  passa,  não  tenham  algumas  sentinelas  sido  mortas  pelos 
cuanhamas. 


(l)  Só  no  Cunene. 


460  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

E  assim  se  passa  esta  quadra  do  ano  nesta  anciedade  cons- 
tante, e  apesar  de  todos  estes  cuidados,  não  há  ano,  que  se  passe 
sem  que  tenha  havido  mais  ou  menos  incursões,  maiores  ou  me- 
nores roubos  e  razias. 

As  guerrilhas  cuanhamas  são  tecnicamente  organizadas. 

Cada  lenga  (chefe  de  guerra)  comanda  a  sua  gente. 

Os  lengas  vêem  a  cavalo,  vestidos  à  europeia,  com  botas  de 
meia  prateleira,  esporas  e  polainas,  quási  todos  eles  armados  de 
espingardas  Mauser  de  8mm. 

Juntamente  com  a  gente  armada  de  espingardas  vem  outra, 
só  com  zagaias,  porrinhos  (pequenas  mocas  com  que  enxotam  o 
gado  e  também  combatem)  e  punhais  com  curiosas  bainhas  de 
madeira. 

Não  entram  em  massa.  Vêem  mais  ou  menos  formados  a 
três  ou  quatro;  entram  por  um  vau  e  geralmente  vão  sair  por 
outro,  dando  o  seu  trajecto  a  forma  de  um  semicírculo,  em  que 
o  rio  representa  o  diâmetro. 

É  uma  verdadeira  rede  de  arrastar ! 

Também  às  vezes  entram  em  duas  guerrilhas  por  pontos  dife- 
rentes mas  não  muito  distantes,  para  destorcar  e  dividir  os  defen- 
sores. 

Assim  que  se  presente  uma  guerrilha,  os  primeiros  indígenas 
que  a  pressentem  dão  o  grito  de  alarme  (conhecido  pelo  termo: 
bater  cua),  e  então  as  mulheres  são  quem  alastram  o  alarme 
gritando  agudamente:  Ulu.  ,  .  Ulu,  .  .  Ulu.  .  ,  Ulu.  .  .  De  toda 
a  parte  ocorrem  homens  armados  com  espingardas,  zagaias,  fle- 
chas, punhais  e  porrinhos;  enquanto  outros,  num  afan  diabólico 
enxotam  as  manadas  e  os  rebanhos  para  o  interior  da  terra,  para 
fora  do  alcance  das  guerrilhas. 

O  combate  trava- se  a  princípio  com  pouca  intensidade,  mas 
à  maneira  que  as  guerrilhas  se  entranham  e  que  a  massa  dos 
defensores  aumenta  torna-se  mais  rijo  até  que,  os  cuanhamas 
quando  jã  vêem  o  inimigo  muito  numeroso,  retiram.  Então,  os 
defensores  passam  a  ofensiva,  perseguem  os  cuanhamas  tentando 
reaver  as  presas  que  eles  levam,  atravessam  o  Cunene  em  sua 
perseguição  e  vão  muitas  vezes  até  próximo  das  primeiras  aldeias 
cuanhamas. 

Algumas  vezes,  indígenas  da  margem  direita  conseguem  rea- 
ver as  presas  que  os  cuanhamas  já  levam,  e  infligir-lhes  maior 
número  de  baixas  do  que  as  sofridas  e  fazerem-lhe  bastantes 
prisioneiros.    Os  cuanhamas  armados  só  de  porrinhos  tem  a  mis- 


DE  ANGOLA  461 

são  especial  de  tomarem  conta  do  gado  apanhado  e  conduzirem-o 
para  o  cuanhama.  Os  combatentes  cobrem  habilmente  a  presa, 
fazendo  face  ao  inimigo,  defendendo- a  e  os  qne  a  levam.  Sabem 
fazer  fogo  por  descargas,  e  retiram  quási  sempre  em  ordem.  O 
móbil  destas  guerrilhas  é  o  roubo  de  gado.  Os  prisioneiros 
podem  ser  depois  resgatados  por  bois  e  vacas,  e  os  que  não  são 
resgatados  ficam  como  seus  escravos». 


* 


Parece  não  haver  o  direito  de  propriedade  de  terra  senão 
para  os  sobas  e  séculos,  que  delas  dispõem  a  seu  belo  prazer  e 
simplesmente  como  usofruto. 

Donde  se  conclue  que  só  existem  contratos  de  compra  e  venda 
de  terras  entre  aquelas  autoridades,  e  que  as  questões  desta  na- 
tureza só  podem  ser  liquidadas  pela  guerra. 


* 


Exercem  o  comércio,  permutando  gado  bovino  por  armas, 
munições,  fazendas,  riscados,  missangas,  aguardente,  arame  de 
cobre  e  ferro.  Os  cuanhamas,  em  especial,  adquiriam  armas  e 
munições  em  grande  quantidade,  e  objectos  de  uso  de  europeus 
como  sejam,  fatos,  camisas,  calças,  chapéus,  navalhas,  louca  de 
folha  esmaltada,  espelhos  e  toda  a  espécie  de  bugigangas  que  os 
funantes  se  lembram  de  lhes  impingir.  Abastecem-se  de  sal  por 
intermédio  dos  povos  do  sul  do  distrito  de  Benguela.  Entre  si 
há  permuta  de  objectos  vários,  sendo  a  moeda  corrente  o  gado 
bovino  e  os  mantimentos. 

*       * 

A  forma  como  se  administra  a  justiça  entre  estas  tríbus  está 
mais  ou  menos  em  relação  com  a  sua  organização  política. 

Assim  entre  os  evales,  cuja  organização  política  tem  como 
base  um  governo  autocrático  e  dispótico,  não  há  por  assim  dizer 
tribunal  para  resoluções  das  questões,  visto  que  quem  nelas 
unicamente  intervém  é  o  soba  que  ouvindo  as  partes,  as  suas 


462  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

respectivas  famílias  e  testemunhas,  resolve  a  seu  belprazer, 
terminando  o  julgamento  por  o  soba  deitar  farinha  na  testa  do 
favorecido  pela  sentença. 

Entre  os  cuanhamas,  onde  o  governo  sendo  absoluto  é  menos 
autocrático,  tem  os  séculos  competência  para  julgar  a  maioria  das 
questões,  e  só  quando  se  trata  de  caso  grave  são  eles  os  inter- 
mediários entre  o  seu  povo  e  o  soba ;  o  que  não  impede  de  qual- 
quer pessoa  poder  directamente  queixar-se  ao  soba.  Do  exposto 
se  vê  que  o  soba  é  quem  em  última  instância  administra  a  justiça. 

Entre  os  cuamatos  as  questões  são  julgadas  pelo  soba  e  pelos 
lengas,  sendo  em  casos  graves  consultados  os  velhos  séculos. 

Todos  os  crimes  e  delitos  se  resgatam  pelo  pagamento  de  uma 
indemnização  em  bois,  até  mesmo  o  crime  de  morte  que  é  punido 
com  a  morte,  pode  ser  esta  resgatada  com  o  pagamento  de  10  a 
15  bois. 


vv^ovLvrM 


"ANGOLA? 

Escala  -12.000.000 


Tribu  CUA.NGARES 


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CAPITULO  XX 
CUANGARES 

I.  —  Dos  caracteres  etnográficos  gerais 


Os  cuangares  habitam  a  vasta  região  entre  os  rios  Cuatir  e 
Cuito,  limitada  ao  Sul  pelo  rio  Cubango  e  confinando  ao  Norte 
com  territórios  ocupados  pelos  Ambuelas. 

Os  Cuangares  são  descendentes  das  tribus  Ovampo  e  Dámaras 
que  evadiram  o  Sul  da  província  e  se  foram  estabelecer  nas 
margens  do  Cubango,  depois  de  cruzados  com  alguns  dos  povos 
que  habitavam  o  planalto  da  Huíla,  e  que  ali  teem  recebido  novas 
influências  dos  povos  do  Barotze. 

São  de  estatura  mais  que  vulgar,  robustos,  imperiosos,  san- 
guinários, ladrões  e  indolentes. 


II.  —  Da  vida  material  e  intelectual 

Os  povos  desta  tríbu  costumam,  tanto  homens  como  mulheres, 
untar  totalmente  o  corpo,  desde  os  pés  até  à  ponta  dos  cabelos, 
com  o  que  chamam  tacula,  que  é  uma  mistura  de  manteiga  com 
o  pó  vermelho  que  se  obtém  pisando  a  madeira  de  múcula, 
espécie  de  acácia.  Quanto  mais  elevada  é  a  jerarquia  mais  se 
untam,  e,  portanto,  mais  pronunciadamente  vermelhos  teem  o 
cabelo  e  a  pele. 

No  que  diz  respeito  a  penteados  usam  os  homens  o  cabelo 
rapado  em  toda  a  volta  da  cabeça,  deixando  no  vértice  uma 
espécie  de  solidéu  de  cabelo  mais  crescido,  que,  com  auxílio  de 
tacula,  dispõem  em  numerosas  e  finas  torcidas. 

As  mulheres  usam  o  mesmo  solidéu  mas  a  este,  e  a  partir  das 


464  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

orelhas  para  a  parte  de  traz,  estão  ligadas  compridas  fibras  ve- 
getais torcidas.  Esta  ligação  é  tão  bem  feita  que  dá  ideia  de  uma 
larga  e  farta  cabeleira  com  um  tom  avermelhado  que  lhe  dá  a 
tacula, 

#      * 

A  base  de  alimentação  é  o  leite  misturado  com  as  papas  feitas 
de  massango. 

Usam  muito  na  alimentação  de  umas  cebolinhas  que  arrancam 


Tipos  Cua.n0ares 

nas  chanas,   de  fructos  silvestres,   de  peixe  que  secam,  e  teem 
grande  predilecção  pela  carne  de  cavalo  marinho. 

Entregam-se  ao  uso  de  bebidas  fermentadas,  e  costumam  chei- 
rar o  rapé  que  trazem  em  pequenas  bocetas  feitas  de  chifre  de 
antílopes  o  a  que  aplicam,  como  tampa,  uma  rodela  de  couro. 
Correlatrvo  a  esta  boceta  tem  uma  fina  lamina  de  ferro,  que 
trazem  espetada  nos  cabelos,  e  que  lhes  serve  para  aplicar  o 
rapé  ao  nariz. 


O  vestuário  consiste  em  uma  pele  suspensa  por  um  forte  cinto 
de  couro  na  frente  e  outra  atraz. 

Os  homens  em  geral  usam  só  a  da  frente  e  essa  mesmo  muito 
curta.  Em  vez  de  peles  de  pequenos  antílopes,  que  são  as  mais 
vulgarmente  empregadas,  usam  alguns  peles  de  boi. 


DE  ANGOLA  465 

As  peles  usadas  pelas  mulheres  são  em  geral  mais  compridas, 
dando-lhes  pelo  joelho  ou  abaixo  dele;  algumas  mulheres  usam 
também  uma  espécie  de  capas  redondas,  que  descem  abaixo  da 
cintura,  e  que,  na  maioria  dos  casos,  são  feitas  de  várias  peles 
cosidas  entre  si  por  meio  de  fibras. 

Costumam  preparar  as  peles,  raspando-lhe  o  pêlo  e  untan- 
do-as  e  esfregando-as,  de  forma  que  conseguem  dar-lhe  quási 
uma  flexibilidade  e  a  aparência  de  pano. 

No  que  diz  respeito  a  ornamentos  as  mulheres  de  mais  alta 
jerarquia  usam  braceletes  de  fio  de  ferro,  latão  ou  cobre,  que 
lhes  envolvem  os  braços  desde  o  pulso  até  ao  cotovelo,  bem  assim 
como  trazem  ao  pescoço  pendentes  colares  de  contas  de  ferro  ou 
latão;  nas  orelhas  umas  grossas  e  pesadas  anilhas  deste  último 
metal  e  na  cintura  por  cima  das  peles  uma  enfiada  de  pequenas 
rodelas  de  ovos^de  avestruz. 

As  mulheres  de  menor  jerarquia,  em  vez  de  braceletes,  usam 
numerosas  pulseiras  dos  mesmos  metais,  umas  mais  toscas  e  fa- 
bricadas por  elas  próprias,  outras  importadas  do  Ngami. 

Os  homens  usam  ao  pescoço  e  nos  pulsos  os  mesmos  orna- 
mentos que  as  mulheres;  as  pernas,  trazem-nas  cingidas,  logo 
abaixo  do  joelho,  por  um  ou  mais  finos  anéis  de  latão,  e  no  braço, 
na  depressão  que  existe  entre  o  biceps  e  o  ombro,  trazem  justo  em 
volta  uma  tira  de  couro  de  um  centímetro  de  largura,  onde  alguns 
entalam  a  boceta  do  tabaco.  Além  destes  ornamentos  usam  como 
sinal  de  nobreza  os  mandes,  grandes  rodelas  cie  louça  branca, 
enfiadas  em  colares  de  forma  a  penderem  sobre  o  peito  como  um 
medalhão. 

Em  marcha  usam  os  homens  alpercatas  de  pele  de  boi. 


O  tipo  de  habitação  é  a  cubata,  de  base  circular.  A  cubata 
constroe-se  fazendo  o  esqueleto  circular  com  pau  a  pique,  a  que 
exteriormente  se  encostam  esteiras,  e  a  que  aqueles  paus  são 
atados. 

A  cobertura  de  colmo  é  feita  à  parte,  e  só  depois  de  completa, 
colocada  no  seu  logar. 

As  cubatas  agrupam-se  em  libatas,  divididas  interiormente 
por  esteiras  demarcando  os  diversos  recintos,  e  defendidas  por 
fortes  palissadas  de  espinheiros. 


466  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

As  libatas  são  construídas  perto  dos  cursos  de  água,  e  é  de 
canoa  que  fazem  as  suas  viagens. 

Em  geral  os  séculos  e  chefes  da  povoação  usam  duas  libatas, 
uma  para  a  quadra  das  secas  junto  ao  rio,  e  outra  para  a  quadra 
das  chuvas  mais  afastada,  fora  do  alcance  das  cheias. 


Estes  povos  são  principalmente  agricultores  e  pastores;  cul- 
tivam o  milho,  a  ginguba,  o  massango,  a  abóbora,  o  feijão  e  o 
rícino. 

Dedicam-se  à  creação  de  gado  bovino,  não  teem  porcos,  cabras 
e  carneiros,  mas  em  compensação  teem  galinhas  e  cães. 

Caçam  o  elefante  cujas  pontas  constituem  a  sua  riqueza,  o 
avestruz  e  o  hipopótamo,  cuja  carne  e  gordura  muito  apreciam, 
servindo-se  de  armas  de  fogo,  flexas  envenenadas  e  armadilhas. 

Exercem  a  pesca  nos  rios,  lagoas  e  mulolas. 

Fabricam  estes  povos,  bancos,  vasos,  pratos,  escudelas  de 
madeira,  e  constroem  canoas,  maúatos,  dos  troncos  de  mucussé 
e  nucibe,  que  movem  com  pequenas  pás. 

As  esteiras  usadas  nas  cubatas  são' feitas  com  o  caniço  do  rio, 
dispondo  no  chão  compridas  varas  deste  caniço  e  batendo-o  até 
ficarem  completamente  rachadas;  cortam-se  segundo  essas  rachas 
longitudinais  e  abrem-se,  obtendo-o  assim  o  elemento  que  serve 
para  o  entrançado  da  esteira. 


Usam  várias  danças  e  cânticos,  acompanhados  dos  toques  dos 
instrumentos  semelhantes  aos  usados  pelas  tríbus  n'ctuba. 

Fazem  várias  festas  sendo  as  principais  a  das  ?nucandonas, 
a  que  nos  referimos  na  organização  da  família,  coincidindo  com 
o  fim  das  colheitas,  e  aquela  das  sementeiras  em  Setembro. 


%■ 


Os  cuangares  falam  o  herrero,  modificado  pelos  dialectos  do 
Barotze  e  povos  seus  visinhos. 


DE  ANGOLA  467 


III.  —  Da  vida  familial 


Desconhecemos  quaisquer  práticas  ou  cerimónias  antes  do 
nascimento  das  crianças  ou  após  este. 

Usam  festas  pela  emancipaçãa  das  raparigas  que  consideram 
com  a  idade  para  se  poderem  casar,  aproveitando  o  fim  das 
colheitas.  As  festas  são  levadas  a  efeito  na  embala  e  para  elas 
são  feitos  convites  a  todas  as  libatas,  dirigindo-se  as  raparigas 
e  os  seus  noivos  às  diversas  libatas  onde  cantam  e  dançam. 
Formam  as  raparigas  um  círculo  e  os  rapazes  um  outro  em 
volta  daquele,  cada  um  atrás  do  seu  par,  e  ao  som  da  puita, 
acompanhado  por  um  estranho  repinicado,  feito  com  uns  pe- 
quenos paus,  de  que  cada  rapaz  trás  um  par,  batendo  com 
um  no  outro  ora  acima  da  cabeça,  ora  em  frente  do  corpo,  os 
rapazes  meneam-se  graciosamente  e  as  raparigas  com  as  mãos 
nos  quadris  fazem  requebros  do  corpo  e  cabeça.  No  que  diz 
respeito  ao  casamento  nesta  tribu  pratica-se  como  nas  tribus 
n'ctuba. 

São  polígamos,  variando  o  número  de  mulheres  conforme  a 
sua  riqueza;  as  mulheres  vivem  todas  na  mesma  libata  com  o 
marido,  mas  cada  uma  na  sua  cubata  com  os  seus  filhos. 

O  marido  é  o  chefe  da  família  e  como  tal  manda  no  casal. 

O  divórcio  é  de  uso  e  costume  frequente;  e  a  vontade  ou 
capricho  de  qualquer  dos  cônjuges,  é  o  bastante  para  o  efecti- 
var, retirando  cada  um  com  os  haveres  que  trouxe,  tendo  de 
retribuir  as  ofertas. 

Os  direitos  de  sucessão  e  herança,  exercem-se  nos  irmãos  e  a 
seguir  nos  sobrinhos  filhos  das  irmãs,  havendo  no  entanto  exce- 
pções frequentes. 

Em  matéria  de  religião  não  se  afastam  do  que  deixamos 
exposto  para  as  tribus  n'ctuba. 

Supersticiosos,  como  todos  os  povos  da  província,  e  sendo 
uma  das  suas  principais  ocupações  a  caça,  teem  alguns  uma 
espécie  de  recinto  sagrado  com  numerosos  feitiços  da  caça. 

IV.  -—  Da  vida  social 

Existem  os  sobas,  os  séculos,  os  homem  ricos  e  livres,  e  os 
escravos.  Como  nas  tribus  já  estudada  há  escravos  familiares, 
podendo   ligar-se   com   as  pessoas  da  família,   provenientes  de 


468  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

actos  de  justiça  e  das  permutas,  e  os  escravos  das  guerras  e 
razias  com  outros  povos. 

A  autoridade  superior  entre  os  Cuangares  é  o  soba  com  po- 
deres absolutos  e  despóticos  sobre  pessoas  e  haveres,  não  admi- 
tindo controvércias  parlamentares.  No  entanto  em  casos  graves 
consulta  os  séculos  e  os  homens  mais  velhos. 

Na  vasta  região  ocupada  pela  tríbu  cuangar  há  quatro  soba- 
dos  independentes  uns  dos  outros,  o  do  Cuangar  propriamente 
dito,  e  os  dos  povos  da  Bunga,  Sambio  e  Dirico. 

Cada  sobado  é  dividido  em  mucundas  com  os  seus  séculos. 

Dedicam-se  ao  comércio  de  permuta,  constituindo  a  sua  prin- 
cipal moeda  os  dentes  de  elefante  com  que  obtém,  armas,  mu- 
nições, missangas,  etc. 

A  justiça  é  administrada  pelo  soba,  sendo  admitida  a  prova 
testemunhal,  e  todos  os  crimes  e  delitos  espiados  com  pagamento 
de  uma  indemnização,  que  pode  ser  em  mantimento,  gado  ou 
pessoas. 


Escala  -jjjTõoí 


Tribu  MUCUSSOS 


Otjunjuma,       \oJ\tcuTtoana.'* 


«■ 


CAPÍTULO  XXI 
MUCTJ8S0S 

Dos  Caracteres  etnográficos  gerais. 

—  Vida  material  e  intelectual.  —  Vida  farnilial. 

—  Vida  social. 

Os  povos  designados  por  mucussos  ou  bacussos  são  originários 
do  Barotze ;  habitam  as  margens  do  Cubango  inferior  e  as  do 
Liliana  e  Cuando,  ocupando  assim  uma  vastíssima  região  da 
nossa  província,  limitada  a  oeste  pelo  rio  Cuilo  a  leste  pelo 
Cuando  ao  sul  pelo  Cubango  e  ao  norte  pelos  territórios  habi- 
tados pelos  ambuelas. 

Os  mucussos  são  espaduados,  corpolentos,  fortes,  alegres  e 
joviais  e  retintos,  costumam  limar  em  pontas  os  dois  incisivos 
médios  superiores,  e  não  usam  tatuagem. 

As  condições  climatéricas  não  lhes  permite  que  se  dediquem 
com  afinco  à  agricultura,  são  no  entanto  hábeis  na  condução 
das  canoas,  em  que  descem  os  rápidos  dos  rios,  e  exercem  a 
caça. 


No  que  diz  respeito  aos  cuidados  dados  ao  corpo,  merece-lhes 
especial  atenção  os  penteados  e  uso  de  amaciar  a  pele  com  o 
emprego  da  manteiga  de  vaca  ou  óleo  de  rícino,  misturado  com 
tacula  reduzida  a  pó. 

O  vestuário  em  nada  difere  do  usado  pela  tríbu  cuangar  que 
deixamos  estudada  no  capítulo  anterior,  bem  assim  como  no  que 
diz  respeito  a  ornamentos,  constituindo  a  única  diferença  o  facto 
de  os  usarem  em  maior  escala. 

Outro  tanto  sucede  com  os  penteados,  observando-se  contudo 


470  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

uma  maior  percentagem  de  homens  com  a  cabeça  completamente 
rapada. 

Na  alimentação  àlêm  da  farinha  e  do  leite  coagulado  usam 
principalmente  o  peixe  seco  de  que  fazem  grandes  reservas  para 
a  quadra  das  chuvas.  Fazem  pouco  uso  de  carne  e  para  não 
fazer  excepção  aos  outros  povos  da>  província,  entregam-se  ao 
uso  das  bebidas  fermentadas  de  farinha  de  milho  e  de  vários 
frutos. 

O  tipo  de  habitação  é  a  cubata,  em  cuja  construção  predomina 

a  esteira  por  eles 
fabricada  do  ca- 
'      nico  dos  rios.  As- 
sim    encontram-se 
^W^-'^  «X  ,      -  ú     cubatas  semelhan- 

tes às  usadas  pelos 
_  cu  a  ngares,  veda- 

rajtV;0  :í     das  por  esteiras  e 

cobertas  de  colmo, 
&  jStss,  .&^_-.*&^n.5ÍMfâgm    \     cuja  diferença  está 

simplesmente  em 
?>.,,,  .\y'-'  *í     terem  a  cobertura 

mais  elevada,  e 
Tipos  da  tribu  Mucussu  outras  feitas  exclu- 

sivamente   com    esteiras    combinadas  de  modos  diversos,   e  de 
forma  cilíndrica,  elítica,  cónica  e  quadrada. 

As  libatas,  construídas  no  meio  de  caniços  das  ilhas,  e  mar- 
gens dos  rios,  ou  mais  frequentemente  em  altos,  fora  dos  terrenos 
alagadiços,  são  constituídas  por  cubatas  dispostas  sem  ordem  e 
apertando-se  umas  contra  as  outras,  vedadas  por  cercados  de 
esteiras,  mas  na  maior  parte  de  entrada  livre,  e  sem  defesa. 

Os  mucussos  não  podem  dediear-se  à  agricultura,  visto  o 
regime  incerto  das  chuvas  na  maioria  não  lhes  garantir  um 
êxito  regular  para  as  suas  culturas,  por  esta  razão  do  pouco 
que  cultivam  muitas  vezes  nada  recolhem,  sendo  frequentes  as 
crises  de  verdadeira  fome. 

Cultivam  o  milho,  o  massango,  abóboras  e  o  rícino. 
A  principal  ocupação  consiste  na  pesca  e  na  caça,  enquanto 
que  as  mulheres  tratam  das  lavras  e  da  seca  do  peixe. 

No  que  diz  respeito  à  caça,  a  principal  é  a  do  elefante,  mas 
segundo  o  costume  o  marfim  pertence  ao  soba,  que  faz  a  dili- 
gência para   que  tal  uso  se  cumpra,  mandando  azagaiar  todo 


DE   ANGOLA  471 

aquele  que,  caçando  um  elefante,  lhe  não  venha  entregar  os 
respectivos  dentes,  não  obstante  o  rigor  do  castigo  nem  todo  o 
marfim  do  mucusso  vai  parar  às'  mãos  do  soba.  Exercem  com 
alguma  intensidade  a  caça  do  cavalo  marinho,  para  o  que  em- 
pregam uma  forte  vara  rectangular  de  dois  a  três  metros  de 
cumprido,  tendo  em  uma  das  extremidades  um  orifício  onde  se 
coloca  um  arpão  forte  de  ferro ;  à  haste  deste  arpão  está  ligado  um 
feixe  de  cordas,  que  se  prende  fortemente  ao  meio  da  vara.   Com 


Ti  1303  do  Mncussu 

este  aparelho  embarcam  nas  suas  canoas  e  procuram  aproximar- se 
do  animal  para  lhe  enterrar  o  arpão;  logo  que  o  conseguem,  ou 
o  cavalo  marinho  se  dirige  furioso  à  canoa  ou  mergulha  para 
fugir;  em  qualquer  dos  casos  a  canoa  foge  rapidamente  para 
a  terra,  e  vai  largando  um  cabo  que  previamente  se  tem  amar- 
rado à  vara,  enquanto  esta  flutua  à  superfície,  desembaraçada 
do  arpão,  que  ficou  enterrado  no  animal,  e  indicando  a  sua 
posição  ;  prendem  o  cabo  a  um  tronco  da  margem  do  rio  e  esperam 
que  o  cavalo  marinho  morra. 

Dedicam-se  em  pequena  escala  à  creação  do  gado,  principal- 
mente do  gado  bovino,  e  não  tem  gado  suino. 

Falam  o  barotze,  dialecto  mucusso  da  língua  do  Barotze. 

# 

*       # 

No  que  diz  respeito  à  organização  e  mais  usos  e  costumes  em 
relação  ao  nascimento,  casamento,  morte,  religião  e  sacerdócio, 


472  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

são  eles  idênticos   aos  da  tríbu  cuangar,  havendo  a  notar  quê" 
entre  os  mucussos  há  magníficos  curandeiros. 


Sobre    a    organização    social    àlêm    do  que  ficou  dito  para 
os    cuangares,    merece   especial  menção  no   que  diz  respeito  à 


Mucussu  —  Urna  libata 


^y 


organização  política  a  forma  absoluta,  despótica  e  sanguinária 
como  o  soba  exerce  o  seu  governo. 

Este  soba  é  temido  pelos  seus  vassalos  e  impõe-se-lhe  por  um 
despotismo  sanguinário,  suprimindo  todo  aquele,  seja  êle  quem 
fôr,  que,  começando  a  ganhar  um  certo  prestígio  faça  sombra  à 
sua  autoridade  suprema.  Aos  povos  limítrofes,  desde  longa  data 
que  se  lhes  vem  impondo  pelo  poder",  que  se  arroga,  e  que  todos 
lhe  reconhecem,  de  dispor  das  chuvas,  procurando  por  meio  de 
presentes  captar  lhe  a  benevolência,  para  que  na  época  própria 
a  chuva  não  falte  nas  suas  respectivas  terras. 

Junto  da  embala  do  soba,  que  está  estabelecida  em  uma  ilha 
do  rio  Cubango,  existe  um  pequeno  bosque  que  é  o  recinto  des- 
tinado às  cerimónias  do  culto  das  chuvas;  ali  ninguém  entra 
senão  o  soba,  e,  raras  vezes,  com  êle,  o  sobrinho,  que  destina 
para  suceder-lhe  no  poder,  e  aquém,  a  pouco  e  pouco,  vai  ini- 
ciando. 


Jf.Ayrt/a    *T"V     r*nf* 


I 


CAPITULO  XXII 
VAHIMBAS 

Dos  caracteres  etnográficos  gerais. 

—  Vida  material  e  intelectual.  —  Vida  familial. 

—  Vida  social. 

Os  vahimbas  habitam  a  região  ocidental  dos  Gambos,  nas 
nascentes  do  Curoca  e  Otchinjau,  errando  muitos  pelo  Chabicua, 
Nguerengue  e  vertentes  da  serra  da  Cheia  até  ao  Cunene. 

Os  vahimbas  são  o  produto  do  cruzamento  dos  boschjmanes 
com  os  hotentotes  e  dámaras,  e  por  assim  dizer  representam  um 
termo  de  transição  entre  a  raça  boschjman  e  a  negra  ou  bantu. 

Caracteriza  esta  tríbu  a  vida  errante  que  a  maioria  da  po- 
pulação leva,  pastoriando  os  seus  gados  e  não  se  fixando  à  terra. 

Entre  os  vahimbas  ainda  muitos  não  enterram  os  cadáveres. 


Merece-lhes  especial  cuidado  os  penteados  que  pouco  se  afas- 
tam dos  usados  pelos  vanyanekas,  principalmente  entre  os  homens. 

O  vestuário  consiste  em  uma  pele  suspensa  e  em  uma  tira  de 
pano  que  passam  por  entre  as  pernas,  depois  de  entalada  no 
cinto  de  couro.  Os  séculos  usam  vários  panos  sobrepostos,  fa- 
zendo lembrar  saias  com  muitas  pregas. 

Algumas  mulheres  usam  uma  pele  de  boi  em  forma  de  saia 
que  lhe  cai  até  ao  joelho  e  uma  outra  em  forma  de  capa,  presa 
ao  pescoço,  enfeitada  com  pregos  amarelos  e  contas  de  ferro. 

Encontram  se  algumas  mulheres  que  na  cabeça  usam  um  cas- 
quete em  forma  de  mantilha  com  duas  orelhas  como  enfeite. 

Usam  vários  adornos,  tais  como  :  colares  de  missanga,  bra- 
31 


474 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


,- 


celetes,  pulseiras,  brincos,  anéis,  etc.    Os  homens  usam  à  cinta 
um  cinto  ou  larga  correia  onde  penduram  uma  patrona  de  coiro, 
a  faca  e  o  porrinho.    As  mulheres  usam  grandes  faixas  ou  cintos 
de  fios  de  missanga  branca,  verde  e  vermelha. 
Empregam  a  tatuagem. 

A   alimentação   é  quási  que  exclusivamente  vegetal,  consti- 
tuída pelas  papas  de  farinha  de 
F-1"  5     massambala  ou  dé  milho,  e  do 

jip^  leite  cuagulado. 

&*  **  Usam  várias  bebidas  fermen- 

I  tadas  por  eles  fabricadas,  e  que 

as  mais  frequentes  são   a  ber- 
lunga,  o  gongo  e  o  hidromel. 

O  tipo  de  habitação  ê  a  cu- 
bata de  base  circular  coberta  de 
colmo  e  ramos  de  árvores. 

A  principal  ocupação  destes 
povos  é  a  criação  de  gado  bovino 
e  caprino,  o  que  constitue  a  sua 
principal  riqueza.    No  entanto 
os  homens  empregam-se  igual- 
mente na  caça  e  no  cultivo  de 
arimos,  e  as  mulheres  tratam  do 
lar  doméstico,  dos  filhos  e  das 
culturas. 
As  culturas  dominantes  são  o  milho,  a  massambala  e  o  mas- 
sango.    Cultivam  também,  mas  em  pequena  escala,  o  feijão  ma- 
cunde,  abóboras,  tabaco,  ginguba,  cará  e  mandioca. 

Teem  pequenas  indústrias  de  oleiro,  obras  de  madeira  e  de 
cesteiro,  e  de  metalurgia. 
Falam  um  dialecto  herrero. 


$%>v 


Tipo  Vahimba 


O  nascimento  cie  uma  criança  é  sempre  motivo  de  regosijo 
para  a  família,  abatendo-se  um  cabrito  e  untando-se  a  criança 
com  manteiga. 

A  imposição  do  nome  (oculuca)  ê  feita  sempre  por  um  velho 
ou  velha  da  família.    A  criança  tem  em  geral  três  nomes. 

Praticam  a  circuncisão  dos  12  aos  14  anos,  e  as  raparigas  ao 


DE  ANGOLA 


475 


chegarem    à   puberdade   fazem  uma  festa,  ficando  aptas  para  o 
casamento. 

O  casamento  não  tem  cerimónias  especiais  e  efectiva-se  pelo 
dote  antenupcial  como  nas  outras  tríbus. 

Os  direitos  dos  cônjuges  um  sobre  o  outro  são  quási  nulos. 

Existe  a  poligamia  e  o  divórcio. 

A  sucessão  é  de  tios  para  sobrinhos  filhos  das  irmãs,  o  her- 
deiro pode  ou  não  dar  às 
viuvas  ou  aos  filhos  do  fa- 
lecido alguma  cousa,  de- 
pendendo da  sua  boa  ín- 
dole e  vontade. 

É  permitido  o  testa- 
mento perante  os  velhos 
da  povoação. 

No  tratamento  das 
doenças  recorrem  aos  cu- 
randeiros, que  dispõem  de 
enorme  influência  entre  os 
povos  e  cuja  arte  passa  por 
herança  ou  vocação.  Quem 
se  sente  com  vocação,  pra- 
tica com  um  curandeiro,  e 
este,  passado  tempos,  vai 
com  êle  em  uma  noite  de 
luar  para  longe  da  povoa- 
ção, e  dando  ambos  uma 
incisão  em  um  dos  pulsos, 
unem-nos  durante  o  tempo 
que    julgam   necessário 

para  que  o  sangue  do  mestre  tenha  passado  ao  discípulo;  desde 
então  considera-se  o  novo  curandeiro  encartado. 

Os    medicamentos    usuais   são  tirados   das  raizes  e  hervas, 
acompanhados  é  claro  de  práticas  de  magia. 

O  cadáver  é  amarrado  de  forma  a  ficar  sentado,  como  nas 
tríbus  circunvizinhas. 

São  muito  supersticiosos  e  crêem  em  um  ente  superior,  bom. 


Tipos  Valiimbas 


476  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


Como  já  se  disse  muitos  dos  vahimbas  levam  uma  vida  mais 
ou  menos  errante,  mudando  de  sítio  em  procura  de  pastos  para 
o  seu  gado. 

Entre  os  vahimbas  há :  sobas,  séculos,  chefes  guerreiros, 
homens  livres  e  escravos.  Como  na  maioria  das  tríbus  da  pro- 
víncia, os  escravos  são  provenientes  das  guerras,  ou  de  pagamento 
de  dívidas,  sendo  tratados  como  pessoas  de  família  e  podendo 
ser  resgatados  pela  família  ou  por  outra  qualquer  pessoa. 

Actualmente  não  existem  sobas,  quem  exerce  a  autoridade 
são  os  séculos  estendendo-se  a  sua  acção  sobre  as  pessoas  e  seus 
haveres,  e  sobre  o  seu  próprio  trabalho.  A  forma  de  governo 
é  absoluta,  consultando  os  chefes  o  conselho  dos  velhos  em  casos 
graves  de  administração  e  declaração  de  paz  ou  guerra. 

O  direito  de  sucessão  recai  nos  sobrinhos  filhos  da  irmã. 

O  chefe  no  acto  da  investidura  tem  de  estar  voltado  para  o 
sol,  com  dois  ramos  nas  mãos,  do  meio  dia  às  4  horas. 

Há  o  direito  á  propriedade  comprada,  e  todos  os  contractos 
se  provam  com  testemunhas. 

Fazem  as  suas  transacções  por  meio  de  permuta  de  gados  e 
mantimentos,  apreciando  sal,  armas,  pólvora,  missangas,  anilhas 
de  cobre,  fazendas,  etc. 

As  questões  são  resolvidas  pelos  chefes,  assistidos  em  casos 
mais  importantes  e  graves,  por  um  conselho  de  velhos,  e  em 
que  é  admitida  a  prova  testemunhal. 

Os  crimes,  delitos  e  contravenções  são  espiadas  com  o  paga- 
mento de  indemnização,  em  geral,  em  gado,  que  é  a  moeda  cor- 
rente. Destas  indemnizações  merece  especial  mensão  a  devida 
pela  mutilação  de  um  olho,  em  que  a  multa  que  constitue  a  pena 
é  paga  todos  os  anos. 


PARTE  II 

ESTUDO  ETNOGRÁFICO 
DAS  TRÍBUS  DA  RAÇA  BOSCHJMAN 


„V £\/ri;"i    tfrav     inyt. 


PARTE  II 
TRÍBTJS  DA  RAÇA  BOSCHJMAN(<) 

(Bacuisses,  Bacuandos,  Bacuncas,  Bacubais,  Bacancaias,  Bacassequeres) 

Hipótese  da  primitiva  ocupação  da  África 
equatorial  e  austral  pelos  boximanes  e 
similares. — Incapacidade  étnica  da  raça 
como  factor  de  utilização  e  desenvolvi- 
mento das  terras  que  ocupava.  —  Sub- 
jugação e  expulsão  das  populações  abo- 
rígenes. —  Fragmentos  dessas  antigas 
populações  em  Angola. ! — Cruzamentos. 

—  Descrição  dos  principais  caracteres 
físicos  que  distinguem  os  boximanes 
(estatura,  forma  do  crânio,  desenho  do 
rosto,  olhos,  cabelos,  eôr  da  pele,  estea- 
topigia,  tablier  das  mulheres).  —  Indu- 
mentária e  ornatos.  —  Defeza  da  raça. — 
Manifestações  de  ordem  moral.  —  A  lín- 
gua e  as  diferenciais  que  a  isolam  no 
meio  da  variedade  das  línguas  bântus 

—  Regime  político.  —  Vida  errante;  ocu- 
pações do  povo.  —  Festas,  danças,  artes 
e  indústrias.  —  Religião. 

Os  viajantes  e  exploradores  que  nestes  últimos  tempos  pene- 
traram mais  a  fundo  no  continente  africano,  até  às  proximidades 
do  equador,  poderam  descobrir  uns  fragmentos  de  população, 
evidentemente  distanciados,  pelo  aspecto,  língua  e  costumes,  das 
tríbus  de  raça  preta,  no  meio  das  quais  vagueavam.    Todos  os 


(J)  O  estudo  das  tribus  da  raça  boschjmanes  é  a  transcrição  do  capí- 
tulo I  «Primitivas  populações»  do  Subsidiário  Etnográfico,  do  Ex.mo  Sr. 
Dr.  Manuel  Alves  da  Cunha,  em  publicação  e  que  S.  Ex.a  nos  autorisou  a 
incluir  neste  trabalho. 


480  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

descrevem  como  gente  de  pequena  estatura,  côr  amarelo  terrosa 
vida  nómada,  hábeis  atiradores  de  frechas,  miseráveis  e  repe- 
lentes. 

Já  os  portugueses  souberam  (xvn  século)  da  existência  dos 
Minos  ou  Baka-Baka  no  reino  do  Mapôco  onde  os  nossos  pum- 
beiros  iam  à   compra   do   marfim   e  onde  apanharam  as  vagas 
notícias  que  Dapper  arquivou  na  sua  Description  de  V Afrique, 
Stanley,  Nogueira  e  Serpa  Pinto  viram  e  descreveram,  respectiva- 
mente, os  Watua,  os  Bacancala  e 
1     os  Bacassequere. 
I".  Schweinfurth,  o  ilustre  explo- 

rador a  quem  mais  deve,  talvez, 
a  reconstituição  da  prehistória 
africana,  mediu  e  desenhou  mui- 
tos dos  Acka  do  equador,  um  dos 
ramos  desta  curiosa  raça  dos  pig- 
meus ou  Ni  grilos  (4). 

São  bem  conhecidos  os  Ba- 
cuisses  do  litoral  sul,  como  o  são 
os  Boximanes  (2)  e  Hotentotes  (3) 
do  sul  africano. 

Não    indicamos    mais.     Pode 

vêr-se,  no  mapa  completo  de  Sir 

Tipo  Baouisso  Harry  Johnston,  a  extensão  e  a 

densidade  destas   populações, 

para  as  quais  passou  para  sempre  a  sua  época. 

Assim,  pois,  desde  o  rio  Orange  até  o  Cu&ene,  e  depois, 
subindo,  abordando  as  águas  do  centro  de  África,  errando  pela 
imensa  floresta  desde  o  Gabão  a  Contra  Costa,  desde  a  Guiné 
setentrional  às  alturas  do  Kenia  e  rio  Juba,  ora  com  um  nome 
ora  com  outro,  encontra  o  viajante,  aqui  ou  alem,  certos  núcleos 
similares  de  população  retardada,  e  caída  na  miséria,  estigmati- 
zada por  uma  fatalidade  comum,  mas  conservando,  através  dos 


(')  A  palavra  Nigrilo  tem  sido  empregada  para  designer  os  pigmeus 
africanos,  considerados  como  descendentes  dos  primeiros  habitantes  an- 
teriormente à  grande  invasão  dos  povos  da  raça  negra. 

(2)  De  Bosjesmannen,  i.  é,  homem  dos  bosques,  nome  dado  pelos  colo- 
nos holandeses  da  África  Austral. 

(3)  Palavra  de  origem  holandesa.  Os  hotentotes  dão  a  si  próprios  o 
nome  de  Coin  Coin,  i.  é,  homens.  São  os  denominados  vaquiros  dos 
nossos  cronistas. 


DE  ANGOLA  481 

acidentes  da  dispersão  e  das  mudanças  violentas  da  vida,  os 
traços  basilares  do  seu  tipo  e  a  impressão  inalterável  do  pobre 
sangue  que  o  constitue. 

Ora,  reconhecendo  por  um  lado  a  afinidade  destes  núcleos 
através  das  distâncias  que  os  separam,  e  não  podendo  por  outro 
lado  encontrar  a  explicação  suficiente  de  similhantes  resíduos, 
que  andam  aqui  como  que  deslocados,  muito  distanciados,  pela 
antropotomia,  hábitos  e  linguagem,  das  raças  invasoras  e  domi- 
nadoras,—  a  sciência  moderna  parece  cada  vez  mais  inclinada  a 
admitir  a  existência  duma  grande  raça  aborigena,  primitiva, 
homogénea,  hoje  decadente  e  dividida  em  peças  avulsas  que 
lutam  debalde  contra  o  seu  destino, 

«Esses  homens,  diz  Sir  Harry  Johnston,  que  aparecem  hoje 
como  que  perdidos  e  salpicados  em  volta  das  regiões,  são  evi- 
dentemente os  representantes  actuais  de  um  tipo  originário  de 
indígenas,  que,  num  certo  período,  teriam  habitado  a  África 
tropical,  desde  as  bordas  mais  austrais  do  deserto  do  Saara  até 
as  cabeceiras  das  águas  Congo  Zambeze,  desde  a  costa  oriental 
até  as  praias  do  Atlântico»  (*). 

Assim  pensam,  alêiii  doutros,  o  citado  Schweinfurth,  A.  Le 
Roy,  que  passou  vinte  anos  em  contacto  com  estas  populações, 
o  conde  de  Ficalho,  homem  dum  senso  Crítico  e  dum  escrú- 
pulo scientífico  que  fazem  dele  um  guia  ilustrado  e  conscien- 
cioso. 

Tudo  leva,  pois,  a  preferir  a  hipótese  que  acaba  de  ser  apre- 
sentada, de  preferência  a  que  considera  estas  tríbus  nómadas 
como  formas  decadentes  e  regressivas  de  várias  raças  que  já 
floriram. 

.* 
*       * 

Estamos  em  presença  duma  raça  indolente,  dum  tipo  ínfimo 
da  humanidade,  que  nenhuma  esperança  ou  desejo  despertam 
para  as  lutas  da  vida  e  para  os  progressos  que  dessas  lutas 
derivam.  Não  praticam  nem  conhecem  a  agricultura,  reduzindo 
a  sua  alimentação  vegetal  às  raizes  das  plantas  espontâneas  e  aos 
frutos  das  árvores  silvestres  —  a  pura  fase  da  selvajaria.  Não 
conhecem  o  ferro  nem  o  bronze.    Apertados  pela  fome,  lançam 


(l)  Sir  H.  Johnston,  Grenfell  and  the  Congo,  li,  pág.  500. 


482  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

mão  do  arco  e  da  seta  e  fazem-se  caçadores,  exclusivamente 
para  não  morrerem ;  não  teem  previdência,  sentindo  apenas  as 
necessidades  que  aguilhoam  na  hora  que  passa. 

A  pátria,  para  eles,  é  o  chão  onde  acampam,  onde  acendem 
hoje  o  fogo,  é  a  caverna  ou  a  fenda  das  rochas  onde  se  abrigam 
de  noite  com  a  mísera  prole.  Emfim,  uma  existência  apática  na 
floresta,  absorvida,  como  a  dum  bicho,  na  conquista  dum  pedaço 
de  carne  e  dum  covil. 

Veja-se  a  descrição  que  faz  Serpa  Pinto  dos  Bacassequeres  ou 
Mucassequeres  (*),  para  não  citarmos  outras  muitas,  e  ter  se  há 
ideia  da  abjecção  desses  entes  que  os  pretos  quási  não  querem 
para  seus  escravos. 


Uma  tal  raça  primitiva  estava  condenada  a  ser  vencida.  Ela 
só  podia  conservar  a  sua  pobre  paz  emquanto  outra  gente  mais 
enérgica,  impelida  pela  necessidade  ou  pela  iniciativa  de  pro- 
gredir, não  olhasse  para  esse  campo  imenso  que  a  indolência 
duma  raça  tornava  estéril. 

Foi  o  que  aconteceu.  Quando  caíram  sobre  ela  os  invasores 
e  novos  dominadores  de  raça  preta,  nenhuma  resistência  opôs ; 
vivendo  por  viver,  nascendo  e  morrendo  como  ao  acaso,  esses 
povos  não  sentiram  nesse  momento  a  força  prodigiosa  que  sai 
dos  músculos  de  quem  defende  a  sua  pátria;  foram  chacinados, 
escravizados,  varridos  da  grande  vida  do  continente. 

As  tribus  a  quem  a  desgraça  deu  força  refugiaram-se  aqui  ou 
acolá,  nalgum  recanto  mais  solitário  onde  poderam  reconstituir 
o  seu  pequeno  clan,  e  vagueiam  entre  as  populações  de  raça 
preta;  os  outros,  a  grande  onda,  foram  rechaçados  para  o  sul  e 
sepultados  nos  confins  do  deserto  de  Calaari,  que  ainda  são  hoje 
a  sua  pátria. 

O  mapa  de  A.  Le  Roy  assinala  alguns  acampamentos  de  Bo- 
ximanes  a  a  vizinhar  em-se  duma  e  doutra  margem   do   Cunene. 


(*)  Serpa  Pinto,  ob.  cit.,  pág.  278-284.   Capelo.   De  Angola  à  contra 
costa,  206  e  seg.  —  sobre  os  Bacancalas. 


DE   ANGOLA  483 

Serpa  Pinto  encontrou  os  Bacassequeres  ou  Mucassequeres  no 
país  dos  Ambuelas  do  Cuando  superior.  Os  Bacuisses  ou  Muquisses, 
a  quem  já  se  referiu  A.  F.  Nogueira,  e  recentemente  os  srs.  Au- 
gusto Bastos  (')  e  João  de  Almeida  (ã),  escondem-se  nas  montanhas 
pedregosas  do  litoral-sul ;  vivem  nas  furnas  e  nutrem-se  de  pe- 
quenos animais,  de  raizes,  de  mel,  de  moluscos  e  de  alguns  peixes. 

Os  Bacancalas  ou  Mucancalas;  e  os  Bacassequeres  mais  para 
leste,  segundo  a  afirmação  autorizada  do  citado  escritor  do  Sul 
de  Angola,  habitam  as  matas  interfluviais  dos  grandes  rios,  onde 
não  há  populações  fixas,  desde  o  Cmiene  à  fronteira  leste.  Estes 
povos,  com  nomes  diferentes,  pertencem,  evidentemente,  ao  grupo 
dos  Boximanes  e  são  representantes  deles  entre  os  bântus. 

Os  Boximanes  prestaram-se  no  sul  da  Província,  para  onde 
vinham  sendo  impelidos  pelos  Hotentotes,  a  numerosas  fusões  de 
sangue.  Nelas  encontraram  principalmente  os  Matchonas  —  os 
povos  mais  antigos  de  raça  preta  que  habitaram  o  Sul  de  Angola ; 
os  Dámaras,  os  invasores  desse  estado,  que,  não  contentes  com  a 
região  que  a  fortuna  lhes  concedia,  seguiram  a  sorte  dos  fugi- 
tivos e  se  misturam  com  eles;  e  os  Hotentotes,  os  mesmos  que 
forçaram  os  Boximanes  a  atravessar  o  Cunene,  e  que  são  dos 
mais  antigos  habitantes  da  África  austral,  o  tipo  aperfeiçoado 
do  boximane  com  o  qual  cruzou  em  larga  escala;  vivem  hoje  a 
sudoeste  da  África  austral. 

Daqui  resultou  a  formação  das  diferentes  tríbus  que  povoaram 
a  região,  desde  a  embocadura  do  Cunene  e  da  cordilheira  da 
Cheia  até  ao  Cubango,  e  que  tomaram  diferentes  nomes  em  har- 
monia com  os  nomes  das  terras  e  cios  chefes  e  com  a  predomi- 
nância do  sangue. 


Os  Boximanes,  fisicamente,  são  homens  de  estatura  pequena, 
quási  anãos.  Aceitando  os  números  de  Mondiere,  a  raça  não  se 
eleva,  em  média,  acima  de  l,,n34  de  altura.  Estas  minguadas 
dimensões  dependem  sobretudo  do  comprimento  dos  membros 
inferiores  pois  os  braços  e  o  busto  são  regulares. 

Teem  o  crânio  muito  alongado   (dolicocéfalos),   sendo  o  seu 
índice  cefálico  72  a  73;  capacidade  craniana,  1250c3. 


(')  Augusto  Bastos,  ob.  cit.,  pág.  27. 

(2)  João  de  Almeida,  ob.  cit.,  pág.  67  e  seg. 


484  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

A  fronte  é  curta,  mas  não  deprimida;  os  pómulos  redondos 
e  salientes;  dai  para  baixo  as  linhas  do  rosto  desviam-se  abru- 
tamente  do  seu  desenho  e  vão  dar  em  linha  recta  a  um  queixo 
agudo,  talhando  desta  maneira  a  todo  o  fácies  uma  aparência 
triangular. 

Os  olhos  são  fundos,  mui  ligeiramente  oblíquos;  as  fendas 
palpebrais,  estreitas;  a  pupila,  mortiça. 

Cobre-lhe  a  cabeça  uma  rara  cabeleira  de  aspecto  lanoso. 

A  pele  é  dum  amarelo  escuro,  terroso;  o  amarelo  do  cobre, 
ou  ainda  melhor,  o  amarelo  esverdeado  de  uma  azeitona  do 
Alentejo. 

As  mulheres  apresentam  um  fenómeno  interessante,  a  que  a 
sciência  deu  o  nome  de  esteatopigia:  a  hipertrofia  das  camadas 
do  tecido  celular  subcutâneo  do  médio  corpo,  com  uma  forte 
saliência  do  sacrum.  Semelhante  intumescência  gordurosa,  que 
não  se  sabe  se  atribuir  a  propósito  da  natureza,  se  a  fixação 
hereditária  de  algum  defeito  ou  de  algum  vício  originário,  tor- 
na-se  flácida  e  rugosa  com  a  idade,  à  maneira  de  um  balão  que 
se  vai  esvasiando  do  gaz  que  o  enche. 

Outra  especialidade  anatómica  que  caracteriza  as  mulheres 
é  o  chamado  tablier  (avental)  ou  prolongamento  desconforme  das 
ninfas;  nalgumas  chegam  a  atingir  o  comprimento  de  15  e  mesmo 
18c.  Kolbe,  que  conheceu  e  contou  estas  gentes,  afirma  que  as 
mulheres  boximanes  consideram  o  tablier  como  um  sinal  carac- 
terístico de  pura  raça. 

A  indumentária  masculina  reduz-se  a  um  saio  de  peles  em 
volta  dos  rins;  a  das  mulheres  mete  mais  uma  espécie  de  alforje 
onde  trazem  os  filhos. 

Esta  gente  não  é  dada  a  coqueteries ;  ao  passo  que  os  seus 
consanguíneos,  os  Hotentotes,  segundo  diz  Kolbe,  usam  uma 
infinidade  de  pequeninas  coisas,  chegando  ao  apuro  de  se  pulve- 
rizarem com  a  brilhantina  que  arranjam  das  folhas  secas  e  re- 
moidas  de  uma  espiraca  chamada  bueku,  estes  simples  na  sua 
fealdade,  conformados  com  ela,  ou  antes,  desconhecendo-a,  apre- 
sentam-se  limpos  de  adornos  e  atavios  aos  olhos  de  quem  os  en- 
contra. Quando  muito  trazem  ao  pescoço  algum  amuleto  ou  nos 
artelhos  uma  argola  de  junco. 


DE   ANGOLA  485 


A* raça,  por  mais  que  se  pressinta  condenada,  defende-se. 

Uma  das  principais  medidas  é  a  exogamia ;  o  joven  Sab  (nome 
que  o  boximane  se  dá  a  si  mesmo,  plural  Sáu)  chegado  aos  anos 
próprios,  sai  do  seu  clan  e  procura  a  esposa  noutra  família  (*). 

A  consanguinidade  é  um  impedimento;  o  incesto  é  um  acto 
abominável  e  punido.  E  porque?  Porque  eles  sentem  de  qualquer 
maneira  a  obrigação  moral  de  reagir  contra  o  esgotamento  da 
sua  estirpe ;  assim  como  a  terra  sujeita  invariavelmente  as  mesmas 
culturas,  começa  a  tornar-se  esquiva,  assim  o  sangue  humano, 
fechado  sempre  nos  mesmos  vasos  e  movido  por  forças  velhas  que 
dia  a  dia  decrescem,  finalmente  impossibilita-se  e  morre. 

Ao  passo  que  em  volta  deles,  no  seio  das  populações  supe- 
riores de  raça  preta,  domina  a  promiscuidade  do  lar,  a  poligamia, 
os  Boximanes  conservam  ao  seu  matrimónio  a  feição  monogâ- 
mica. 

Os  indivíduos  mal  conformados,  ou  incapazes  da  vida  ou 
gravemente  defeituosos,  são  sacrificados  à  nascença  em  home- 
nagem à  pureza  da  raça. 

Nesta  luta  contra  o  que  se  poderia  supor,  os  Boximanes  pro- 
curam avir-se  com  as  próprias  forças,  sem  recorrer  ao  valimento 
dos  totems  (-). 


(')  Exogamia  —  regra  que  obriga  a  tomar  mulher  fora  do  seu  clan  ou 
mais  geralmente  da  sua  parentela ;  opõe-se  a  endogamia. 

Clan  (palavra  de  origem  escocesa)  —  agrupamento  de  aparentados  so- 
ciais (organização  cujos  membros  se  consideram  como  descendendo  do 
mesmo  antepassado  que  o  seu  chefe). 

(2)  Esta  expressão  foi  tirada  duma  palavra  dos  índios  «Chippewai»  da 
America  do  Norte;  designa  a  ideia  dum  protector  colectivo  de  aparen- 
tados; totemismo  —  instituição  que  tem  por  base  o  totem.  O  totem  é  um 
aliado  ou  protector  do  clan  (espécie  animal  ou  ainda  vegetal  ou  uma  classe 
de  objectos  que  se  considera  como  um  protector  colectivo). 

Ou  seja  que  o  vigor  da  raça  comece  a  afrouxar  em  face  dos  infortúnios, 
ou  que  se  aspire  a  perpetuar  sobre  ela  o  valimento  dos  espíritos,  das 
omnipotências  misteriosas  que  dão  ao  mundo  as  voltas  que  querem,  certas 
populações,  na  África,  na  America  e  na  Oceania,  travam  pacto  com  uma 
espécie  da  sua  predilecção,  em  que  encontram,  mais  do  que  noutra  qual- 
quer, atributos  e  privilégios  que  a  fazem  estimadados  génios  superiores. 

Valha  a  verdade  que,  as  mais  das  vezes,  a  preferência  manifesta  um 


486  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Rigorosamente — os  Boximanes  não  são  totemistas. 

O  mais  que  se  conta  deles  é  uma  afeição  especial  por  um 
insecto  que  se  chama  ngo,  afeição  exagerada  até  quási  aos  pri- 
cípios  dum  culto  naturalista.  Este  ngo  era  na  verdade,  uma 
criatura  especialmente  fadada  para  atrair  as  complacências  de 
homens  tímidos. 

Com  fragmentos  de  palha,  com  fios  e  teias  volantes,  com  a 
seiva  das  árvores,  o  ngo  arranja-se  uma  espécie  cie  bainha  ou 
forro,  onde  se  esconde,  onde  não  é  visto  nem  pressentido;  e, 
quando  precisa  de  alimento  ou  de  sol,  arrisca  à  entrada  a  cabeça 
e  a  primeira  ordem  de  patas;  porém,  ao  primeiro  alarme,  o  insecto 
renuncia  instantaneamente  à  sua  distracção  ou  à  sua  caça. 

O  Boximane  viu  neste  pequeno  animal  a  sua  própria  impopu- 
laridade no  meio  da  natureza,  a  sua  preocupação  de  passar  des- 
percebido. Dai  esse  estranho  amor  ao  ngo.  Que  o  Sab  seja 
recolhido  e  acautelado,  como  a  larva  escondida  no  seu  casulo;  e, 
quando  partir  para  a  caça,  que  procura  nos  ramos  das  árvores, 
algum  desses  viventes  silenciosos  que  lhe  traga  fortuna! 


* 


Já  no  que  fica  referido  se  deixa  entrever  um  aspecto  da  vida 
moral  dos  Boximanes  —  a  moral  a  proteger  a  constituição  da 
família  em  ordem  ao  aperfeiçoamento  da  raça.  Encontra-se 
também,  ainda  que  embrionária,  como  base  da  elevação  relativa 
dos  indivíduos  e  da  segurança  das  relações  sociais. 

O  Boximane  que  mente  não  merece  a  consideração  do  povo. 

Man,  Stanley,  A.  Le  Roy,  prestam  homenagem  ao  sentimento 
do  pudor  conservado  vivo  no  meio  destas  populações  primitivas. 
O  primeiro   cita  crimes  que  as  grandes  civilizações  não  desco- 


capricho  redondamente  selvagem :  não  os  impressiona  nem  o  rugido  do 
leão,  nem  a  força  do  elefante,  nem  a  beleza  da  pantera,  nem  a  fidelidade 
do  cão,  nem  o  canto  das  aves  :  o  sapo,  a  serpente,  o  jacaré  e  outras  criações 
similhantes,  eis  para  onde  se  inclinam  as  aspirações  dos  interessados. 

Seja  como  fôr,  está  ai  para  o  futuro  o  seu  totem.  Eles  se  dirão  com 
ufania  os  descendentes  do  lagarto,  da  salamandra ;  adoptarão  a  figura  do 
defensor  para  emblema  dos  escudos  de  guerra,  para  ornato  da  tatuagem ; 
conservarão  nas  suas  cubatas  um  representante  da  espécie  famosa ;  invo- 
carão esse  oráculo  nas  suas  angustias  e  não  atentarão  jamais  contra  a 
sua  existência. 


DE   ANGOLA  48? 

nhecem  e  que  fariam  abrir  os  olhos  de  espanto  aos  nómadas  para 
quem  o  próprio  sertão  é  cruel.  Não  matar,  não  roubar,  não 
caluniar,  não  cometer  adultério,  são  preceitos  conhecidos  e  pra- 
ticados ainda  que  por  instinto  rude,  por  estas  comunidades. 

A  par  da  moral  que  tem  por  fundamento  a  conservação  e  o 
progresso  do  indivíduo,  da  família  e  da  sociedade,  estende-se 
outro  ramo,  igualmente  pobre  de -seiva,  que  parece  já  depender, 
pelo  menos  em  parte,  do  domínio  religioso.  Assim  o  acto  de 
deitar  ao  lume  a  cera  das  abelhas,  que,  para  quem  sabe  apro- 
veitar Osse  produto,  seria  um  desperdício,  é  para  eles  quási  um 
sacrilégio. 


A  língua  dos  Boximanes  não  é  compreendida  das  tríbus  de 
raça  preta,  que  aliás  se  entendem  mais  ou  menos  umas  das 
outras. 

É  este  um  campo  envolvido  ainda  em  densa  penumbra.  Mas 
supondo,  como  parece  mais  provável,  que  o  principal  dialecto, 
que  falam  os  Boximanes,  seja  uma  simples  variação  do  hotentote 
já  se  podem,  pelo  menos,  indicar  as  diferenciais  mais  importantes 
que  o  isolam  entre  as  línguas  bântus. 

A  primeira,  e  talvez  mais  importante,  é  o  jogo  dos  sufixos,  a 
indicação  das  relações  gramaticais  no  fim  das  palavras.  Este 
feitio  da  língua  separa-a  das  do  grupo  bântu:  o  que  nestas  é 
mais  característico,  é  o  emprego  exclusivo  de  prefixos  para  ex- 
primir as  noções  de  género,  número,  pessoa  e  tempo ;  as  palavras 
formam-se  acrescentando  a  um  radical  invariável  uma  ou  mais 
partículas  que  modificam  o  sentido  do  termo  principal. 

A  segunda  é  o  predomínio  das  guturais,  assinalado  unanime- 
mente pelos  escritores  e  viajantes.  Moffat,  ilustre  filólogo  afri- 
cano, apanhou  aos  Boximanes  um  som  especial  da  garganta 
similhante  ao  grasnar  dos  corvos  —  a  croaking  sound  (Ficalho, 
Plantas  úteis,  pág.  12). 

O  dique,  (estalinho  da  língua)  pode  não  ser  mais  do  que  um 
geito  da  fala,  mas  imprime  ao  hotentote  um  sabor  característico. 
No  fim  das  palavras  ou  ainda  cortando-as,  com  a  rapidez  que  só 
poderia  derivar  de  um  longo  uso  tradicional,  eles  fazem  ouvir 
um  estalinho  da  língua,  produzido  pelo  jogo  deste  órgão  contra 
o  veu  palatino. 

O  Boximane  também  mete  os  diques,  segundo  afirmam  Moffat, 


488  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Capelo  e  Ivens,  João  de  Almeida,  etc.  Augusto  Bastos  diz  que  â 
língua  dos  Camussequeles  é  reforçada  com  estalinhos  da  lín- 
gua (*). —  Acaso,  imitação,  tendência  da  língua?  Seja  o  que  fôr; 
em  todo  o  caso  a  reprodução  não  seria  possível  senão  numa  base 
de  afinidade  e  de  similhança  que  desmentiria  por  completo  o 
isolamento  da  linguagem  dos  Boximanes,  ainda  por  alguns  pre- 
tendido. 

Estes  dialectos  são  pobres  de  sons  labiais  e  dentais;  falam  de 
uma  maneira  especial  o  l,  o  v  o  f. 

Um  progresso,  em  compensação,  os  distingue  de  outros  mais 
pobres — a  partilha  dos  géneros,  uma  forma  para  o  masculino  e 
outra  para  o  feminino. 

#       * 

O  regime  político  é  o  regime  elementar  das  sociedades  pa- 
triarcais, em  que  o  chefe  concentra  em  si  a  tríplice  autoridade 
—  paterna,  civil  e  sacerdotal. 

Os  bens  são  comuns,  o  que  quási  se  restringe  a  significar 
que  todos  são  admitidos  a  partilhar  da  caça  que  matam.  Não  há 
distinções  de  classes  ou  de  pessoas;  porém  a  mulher,  de  facto,  é 
uma  verdadeira  escrava.  (Mondière,  V.  La  Qrande  Encyclo- 
pédie,  Paris,  t.  i,  pág.  738). 

Para  eles  toda  a  terra  é  a  mesma,  contanto  que  possam  viver 
escondidos  e  não  morram  à  fome.  Consumidos  os  frutos  e  as 
raizes  silvestres,  afastada  a  caça,  irão  procurar  as  fendas  de 
outros  rochedos  ou  as  tocas  de  outras  árvores,  onde  possam  re- 
colher-se.  Assim  a  pátria  pode  dizer-se  que  não  é  para  eles  mais 
do  que  o  esconderijo  de  um  dia. 

A  principal  ou  mesmo  a  única  ocupação  do  povo  é  a  caça. 
Nem  lavras,  nem  rebanhos,  nem  comércio;  a  indolência  e  a  ti- 
midês  só  a  perdem  de  arco  à  cintura  no  meio  dos  bosques, 
quando  a  fome  os  aperta. 

Daqui  a  extraordinária  fragmentação  dos  grupos  de  Boximanes; 
bandos  compactos  não  poderiam  viver  em  paz  e  saciados  só  com 
a  ajuda  de  tão  insignificantes  recursos. 


(l)  Obr.,  cit,  pág.  181. 


DE  ANGOLA  489 


#         * 


Parece  que  para  estes  fugitivos  não  há  festas  em  períodos 
fixos;  estas  expansões  são  determinadas  pelos  acontecimentos 
mais  ou  menos  notáveis  que  se  dão  na  tríbu.  Encontra-se  refe- 
rência a  uma  dança  nocturna  (mocoma),  que  pertence  ao  número 
dos  actos  impetratórios,  como  se  vê  pelas  circunstâncias  em  que 
se  pratica,  destinada  a  chamar  sobre  a  aflição  do  povo  o  favor 
dos  seres  superiores. 

As  artes  e  as  indústrias  são  menos  do  que  embrionárias  —  o 
bastante  para  terem  as  curtas  peles  com  que  se  vestem  e  as 
frechas  com  que  atiram  à  caça.  A.  Le  Roy  diz  que  os  Boximanes 
e  os  seus  similares  se  gabam  de  terem  sido  os  primeiros  a  extrair 
e  a  trabalhar  o  ferro  (d). 


Os  Boximanes  reconhecem  a  existência  dum  génio  macho 
(Goha)y  que  habita  nos  altos  ares,  mandando  nos  astros,  presi- 
dindo às  estações,  dirigindo  o  céu  e  os  seus  fenómenos ;  e  a  dum 
génio  fêmea  (Ko)t  subterrâneo,  que  das  profundidades  do  solo 
governa  o  mundo. 

Estes  poderes  são  justos  e  bons,  embora  temíveis;  mas  há  o 
génio  mau  (Gauna  ou  Gaunale),  que  habita  um  céu  negro  e  que 
é  a  origem  das  desventuras  que  os  afligem.  Ainda  mais  alto 
encontra-se  o  primeiro  chefe  ou  Kaang,  a  quem,  para  o  distinguir 
dos  poderes  subalternos,  se  deu  o  nome  de  senhor  de  tudo  (Kne- 
Ahenteng).  Nas  suas  mãos  está  a  vida  e  a  morte  dos  homens, 
dele  depende  a  abundância  e  a  falta  da  chuva  e  da  caça.  (2) 

Os  boximanes  não  teem  o  mais  leve  simulacro  de  altares  ou 
templos;  apenas  sobre  uns  palmos  de  chão  consagrado  deixam 
cair,  ao  passar,  o  ramo  de  acácia,  um  seixo  ou  mesmo  um  pu- 
nhado de  terra.  A  mutilação  da  falange  do  dedo  mínimo,  ope- 
rada à  beira  das  sepulturas,  pode  considerar-se  para  eles  como 
o  seu  sacrifício  propiciatório. 


(')  La  Religion  des  Primitifs,  Paris,  1911,  pág.  371. 
(2)  Ha?in,  Tsuni  Goam,  The  suprom  Being  of  the  Khoikhoi,  Londres, 
1881,  cit.  por  A.  Le  Roy,  ob.  cit.,  pág.  376. 
32 


490  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

O  Boximane  é  um  feiticisía  ?  Não  é,  qualquer  que  seja  o 
aspecto  sob  que  se  considere  o  feitiço.  Ele  não  faz  esculturas 
de  espécie  nenhuma.  Mas  gosta  de  se  prevenir  contra  a  desgraça 
com  os  amuletos  ou  gri-gri;  ainda  assim  não  carrega  o  peito 
desse  amontoado  de  crinas,  de  galhos,  de  pontas  e  de  dentes,  que 
é  a  mania  doutras  populações  aliás  superiores  (1). 

Parece  mesmo  que  o  amuleto  do  Boximane  começa  a  fazer  a 
transição  entre  o  amuleto  propriamente  dito  e  uma  virtude  de 
outra  natureza.    Sabe-se  que  o  homem  do  mato  tem  uma  ten- 


(1)  Feitiço  foi  o  nome  dado  pela  primeira  vez  pelos  nossos  navegadores 
da  costa  africana  aos  objectos  divinizados  pelos  pretos  (preferível  à  forma 
afrancesada  na  linguagem  comum — fetiche,  fetichismo).  — Feitiço,  no  sen- 
tido rigoroso  desta  palavra,  é  uma  estatueta,  geralmente  de  madeira  e  al- 
gumas vezes  de  terra,  de  pedra,  de  marfim,  raras  vezes  de  metal,  habitada 
e  animada  por  algum  génio  ou  espírito  poderoso,  enchida  por  assim  dizer 
da  sua  virtude.  Esse  génio  ou  espírito  pode  ser  tutelar  da  família,  da 
aldeia  ou  da  tríbu,  com  uma  acção  eminentemente  defensora  e  protectora, 
ou  um  espírito  mau  e  vingador. 

Alem  destas  duas  espécies,  ainda  há  outras  estatuetas-feitiços  que 
certas  populações  pretendem  que  sejam  a  imagem  de  algum  ilustre  ante- 
passado, e  que  servem  ao  mesmo  tempo  de  relicário  onde  se  guardam  os 
seus  cabelos,  as  suas  unhas,  os  seus  dentes,  ossos,  numa  palavra,  qualquer 
coisa  do  que  eles  foram.  Então  o  espírito  que  se  evolou  recolhe-se  a  esses 
despojos  e  dali  continua  a  exercer  os  prodígios  de  habilidade  ou  de  força 
que  o  tornaram  notável. 

E  o  feiticismo,  rigorosamente,  termina  aqui;  — rigorosamente,  em- 
quanto  traduz  uma  virtude  extrínseca,  uma  força  que  não  resulta  nem  da 
matéria  nem  da  forma  da  estatueta,  mas  da  união  superveniente  de  um 
espírito  mais  ou  menos  poderoso  que  o  compenetra. 

O  feitiço  diferença-se  do  amuleto  e  do  talisman  em  que  é  consciente  e 
tira  a  sua  força  de  si  próprio  por  virtude  do  espírito  que  o  habita. 

Há  coisas  que  teem  em  si  próprias,  pouco  importa  porquê,  uma 
influência  misteriosa — são  os  amuletos  ou  gri-gri. 

O  amuleto  e  o  talisman  diferem  em  dois  pontos. 

O  amuleto  significa  um  objecto  que  por  sua  virtude  misteriosa  se 
julga  preservar  das  desgraças,  doenças,  etc,  ou  dar  felicidade  na  guerra, 
na  caça,  etc,  em  o  indivíduo  o  trazendo  consigo.  O  talisman  é  um  objecto 
cuja  virtude  não  adere  à  própria  essência  da  coisa  como  a  do  amuleto, 
mas  a  certos  caracteres  ou  sinais  cabalísticos  que  nela  se  gravam. 

Em  segundo  lugar,  talvez  devido  ao  seu  caracter  mais  social,  o  talisman 
não  acompanha  o  indivíduo,  como  o  amuleto,  suspende-se  à  porta  das 
habitações,  à  entrada  da  aldeia  ou  nos  ramos  de  alguma  árvore  que  borda 
o  caminho  comum. 

Os  amuletos  e  os  talismans  variam  ao  infinito;  há-os  para  todas  as 
felicidades  c  contra  todos  os  males. 


DE   ANGOLA  491 

dência  manifesta  para  a  medicina.  Oprimido  pela  doença,  olha 
em  volta  de  si  e  experimenta  do  que  descobre:  da  casca  das 
árvores,  do  suco  das  folhas,  das  raizes  e  dos  frutos.  Sucede 
muitas  vezes  que  acerta  ou  supõe  acertar. 

Então  essas  matérias  assumem  aos  seus  olhos  a  qualidade  de 
remédios  maravilhosos.  Como  era  de  crer  numa  imaginação 
desprevenida  contra  o  sofisma,  generaliza,  e  o  específico  já  não 
serve  unicamente  para  curar,  serve  com  a  mesma  eficácia  de 
isolador  e  de  preventivo.  Daí  o  trazê-lo  sempre  consigo  suspenso 
ao  pescoço. 


PARTE  III 

ESTUDO  ETNOLÓGICO 
DAS  POPULAÇÕES  INDÍGENAS  DE  ANGOLA 


^[.Eartiiou  ar.  c  vnp. 


——————— 


— 1 


CAPITULO  I 

DA  ORIGEM  DAS  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 
DE  ANGOLA 

Exposto  na  primeira  e  segunda  parte  deste  trabalho  o  estudo 
etnográfico  das  tríbus  das  duas  raças  que  povoam  a  província, 
isto  é,  a  descrição  mais  ou  menos  completa  dos  seus  usos  e  cos- 
tumes, religião,  língua,  caracteres  étnicos  e  origem  na  história, 
resta-nos,  como  nos  propozemos,  comparar  aqueles  elementos  de 
estudo,  para  deles  deduzir  as  leis  gerais  dos  diversos  fenómenos 
da  vida  social;  em  uma  palavra,  resta-nos  fazer  o  estudo  etno- 
lógico das  populações  indígenas  de  Angola,  tendo  assim  em  vista 
coligir  sob  uma  forma  aproveitável  o  que  é  indispensável  conhe- 
cer do  indígena  sob  os  pontos  de  vista  antropológico  e  socioló- 
gico, habilitando  o  legislador  com  os  conhecimentos  intrínsecos 
e  scientíficos  que  constituem  as  bases  necessárias  para  a  con- 
fecção das  leis  de  caracter  social. 

O  estudo  etnográfico  das  tríbus  da  província,  distribuídas 
conforme  o  mapa  aqui  junto,  não  pode  deixar  dúvidas  sobre  a 
existência  das  duas  raças  indígenas  —  a  Negra  e  a  Boschjman  — 
seja  ele  considerado,  quer  sob  o  ponto  de  vista  dos  caracteres 
étnicos,  quer  sob  o  ponto  de  vista  da  linguagem,  da  habitação, 
do  vestuário,  da  alimentação,  dos  meios  de  existência,  das  facul- 
dades intelectuais,  quer  enfim  sob  o  ponto  de  vista  da  vida  fa- 
milial  ou  da  organização  social. 

Assim  constatada  a  existência  daquelas  duas  raças,  nós  co- 
meçaremos o  estudo  etnológico,  por  neste  capítulo  indagar  da 
sua  origem. 

As  gerações  das  raças  indígenas  que  povoam  a  província 
tem-se  sucedido  sem  deixar  o  menor  vestígio  da  sua  cultura  e 
civilização. 

Delas  não  restam  monumentos,  nem  escritos  que  ilucidem  e 


496  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

facilitem  uma  investigação  metódica  sobre  a  sua  origem,  tornan- 
do-se  difícil  chegar  a  conclusões  seguras,  pelo  estudo  dos  repre- 
sentantes daquelas  gerações  que  actualmente  povoam  a  província 
e  pelas  lendas  tradicionais  que  se  podem  colher  em  uma  ou  outra 
tríbu. 

Nestes  termos,  e  desejando  fugir,  tanto  quanto  possível,  a 
formular  conjecturas  sobre  a  história  das  populações  indígenas 
de  Angola,  forçosamente  vagas  e  destituídas  de  provas,  nós 
vamos  procurar,  se,  no  estudo  dos  usos  e  costumes  dos  seus 
representantes  actuais,  encontramos  bases  scientíficas  que  nos . 
possam  servir  de  ponto  de  partida  para  averiguar  da  sua  origem. 
Pelo  estudo  etnográfico  ficamos  sabendo  que  o  Boschjman  é 
o  puro  ideal  do  selvagem,  levando  uma  existência  perfeitamente 
nómada,  não  construindo  habitação,  vivendo  da  caça,  desconhe- 
cendo a  agricultura,  e  alimentando-se  apenas  das  raizes  das 
plantas  expontâneas  ou  dos  frutos  das  árvores  silvestres. 

Quanto  ao  Negro,  podemos  concluir  pelo  estudo  etnográfico, 
que  não  é  nómada,  não  obstante  o  estado  de  flutuação  em  que 
se  encontra  e  que  parece  ser  uma  transição  necessária  entre  a 
vida  nómada  e  a  estabilidade  relativa  das  nações  civilizadas,  e 
que  em  geral,  fixando-se  é  cultivador,  vivendo  do  produto  do 
solo. 

Por  outro  lado,  os  estudos  dos  botânicos  sobre  a  origem  das 
plantas  geralmente  cultivadas,  e  que  formam  a  base  da  alimen- 
tação dos  povos  da  raça  Negra,  chegam  todos  à  conclusão  de 
que  a  maior  parte  daquelas  plantas  — salvo  quási  exclusivamente 
para  o  sorgo  —  são  extranhas  a  Angola  e  até  à  Africa,  oriundas 
de  outras  regiões,  e  foram  ali  introduzidas  em  épocas  mais  ou 
menos  remotas. 

Os  factos  constatados  pela  etnografia,  do  Boschjman  não 
praticar  a  agricultura,  e  se  alimentar  de  raizes  de  plantas  es- 
pontâneas ou  frutos  de  árvores  silvestres,  e  do  Negro  ser  essen- 
cialmente cultivador,  constituindo  o  produto  das  suas  culturas 
a  base  da  sua  alimentação,  conjugados  com  o  que  nos  ensina  a 
botânica  de  que  as  plantas  geralmente  cultivadas  pelos  Negros 
são  extranhas  a  Angola,  não  podem  deixar  de  ser  tomados  em 
consideração  ao  estudar  a  origem  das  populações  indígenas  da 
província. 

O  que  a  etnografia  nos  constata  e  a  botânica  nos  ensina, 
leva-nos  à  conclusão  de  que  em  Angola  a  existência  dos  povos 
da  raça  Negra  está  intimamente  relacionada  com  a  introdução 


DE  ANGOLA  497 

das  plantas  que  cultivam  e  de  que  tiram  a  sua  principal  alimen- 
tação, e  que  anteriormente  à  introdução  das  espécies  vegetais 
extranhas  à  província,  só  pode  ser  admitida  a  existência  de  uma 
raça  que  não  usasse  estas  espécies  vegetais  na  sua  alimentação, 
de  que,  por  certo,  o  Boschjman  é  o  actual  representante. 

Parece  pois,  não  restar  dúvida  que  os  povos  da  raça  Negra, 
são  os  representantes  actuais  dos  povos  que,  em  uma  época  por 
determinar,  posteriormente  ou  contemporâneo  à  introdução  das 
plantas  extranhas  a  Angola,  invadindo  a  província,  nela  se  es 
tabeleceram,  e  que  os  Boschjmans  são  os  representantes  de  uma 
raça  arborigem,  habitando  primitivamente  toda  a  província. 

Estando  pois,  em  presença  de  duas  raças,  uma  arborigem  — 
a  Boschjman  — e  uma  outra  invasora  —  a  Negra  —  ocorre  natu- 
ralmente averiguar  da  proveniência  desta  última. 

Atendendo  à  íntima  ligação  que  mostrámos  haver  entre  a 
data  do  estabelecimento  dos  povos  da  raça  Negra  em  Angola  e 
a  da  introdução  das  plantas  que  constituem  as  suas  principais 
culturas,  o  indagar  da  procedência  dos  povos  desta  raça,  será, 
como  que  um  corolário  do  estudo  da  proveniência  das  plantas 
cultiváveis  de  que  tiram  a  sua  alimentação. 

As  plantas  cultivadas  pelos  Negros  serão  mencionadas  adiante, 
na  parte  deste  estudo  ao  tratarmos  dos  meios  da  existência  das 
populações  indígenas,  aqui,  apenas  citaremos,  das  plantas  ex- 
tranhas à  África,  as  mais  características,  e  como  tal,  aquelas  que 
nos  podem  elucidar  sobre  o  assunto  que  presentemente  estamos 
tratando. 

Deixando  de  lado  o  sorgo,  por  estar  provado  ser  uma  planta 
indígena  de  África,  e  por  esse  facto,  presentemente  não  nos 
interessar  para  o  estudo  em  questão,  das  outras  plantas  extranhas 
a  Angola  e  de  que  o  Negro  faz  a  sua  principal  alimentação, 
constata-se,  no  sul  da  província,  a  cultura  do  massango  (Pennise- 
tum)  e  do  luco  (Eleusine),  e  reconhece-se,  caminhando  para  o 
norte,  que  aquelas  culturas  são  substituídas  pelas  da  mandioca 
e  batata  doce. 

A  estas  plantas,  de  que  o  Negro  faz  a  sua  principal  alimen- 
tação, podemos  juntar,  o  milho,  o  jindungu  (capsicum),  a  bana- 
neira, a  mangueira,  o  coqueiro,  o  tabaco,  a  larangeira,  etc,  que 
mais  ou  menos  se  encontram  em  toda  a  província. 

Diz-nos  a  botânica  que  o  luco,  a  bananeira,  a  mangueira,  e  o 
coqueiro  são  de  origem  asiática. 

É   hoje  um  facto  histórico  plenamente   provado  o  contacto 


498  POPULxVÇÕES   INDÍGENAS 

íntimo  que,  desde  eras  remotas,  se  estabeleceu  entre  a  África  e 
a  Ásia,  quer  pela  via  naturalmente  estabelecida  do  vale  do  Nilo, 
quer  pela  navegação  entre  a  Arábia  e  a  África  do  nordeste,  e  a 
costa  oriental  da  África  do  sul. 

Para  o  caso  das  relações  da  Ásia  com  a  África  do  sul  —  que  pre- 
sentemente nos  interessa  —  a  via  estabelecida  pelo  vale  do  Nilo, 
só  indirectamente  e  por  meio  de  Etiópia  pode  ser  considerada 
como  servindo  de  colector,  visto  que,  pelo  sul  e  oeste  os  desertos 
opunham  a  qualquer  expansão  um  obstáculo  insuperável. 

Mas,  como  fica  exposto,  as  relações  da  África  e  Ásia  não  se 
limitaram  às  que  tiveram  logar  por  intermédio  do  vale  do  Nilo, 
fizeram-se  igualmente  pela  navegação  entre  a  Arábia  e  a  África. 
Separadas  por  um  mar  estreito  e  facilmente  navegável  o  contacto 
estabeleceu-se,  não  só  pelas  costas  do  nordeste,  mas  igualmente 
pelas  de  leste,  visto  que,  os  navegadores  dobrando  o  cabo  dos 
Aromas,  alongavam  as  suas  viagens  por  esta  costa  até  Zanzibar. 

Assim  não  é  difícil  conceber  que  as  espécies  vegetais  Asiáticas, 
por  esta  via  penetrassem  na  África  Austral,  e  que  aos  habitantes 
da  Arábia  devem  atribuír-se  as  primeiras  dispersões  daquelas  espé- 
cies de  um  para  outro  continente. 

No  que  diz  respeito  às  espécies  vegetais  tais  como:  o  milho, 
a  mandioca,  jindungu  (capsícum)  e  o  tabaco,  estranhas  a  Angola 
e  a  África,  que  nela  actualmente  se  cultivam  ou  se  encontram, 
consideram-nas  os  botânicos  como  sendo  segura  a  sua  origem 
americana. 

As  descobertas  dos  portugueses  da  costa  ocidental  da  África 
e  do  Brasil,  o  predomínio  que  então  tinhamos  nos  mares,  e  as 
provas  numerosas  de  quanto  nos  empenhamos  em  introduzir  nas 
nossas  províncias  as  plantas  úteis  que  conheciamos,  são  argu- 
mentos irrefutáveis  em  favor  da  dispersão  daquelas  espécies 
vegetais  americanas,  por  intermédio  da  costa  ocidental  de  África, 
em  especial  pela  de  Angola,  e  da  influência  dominante  que  nela 
tiveram  os  portugueses. 

Não  será  pois  difícil  concluir  que  as  costas  de  Angola  não 
podem  deixar  de  ser  consideradas  como  tendo  sido  uma  outra 
via  de  penetração  de  plantas  estranhas  à  África. 

E,  se  esta  via  é  a  que  serviu  de  colector  às  espécies  vegetais 
americanas,  pelas  razões  expostas,  deve  igualmente  ser  conside- 
rada, como  a  porta  de  entrada  em  África  de  muitas  plantas  de 
origem  europeia  que,  malogradas  tentativas,  não  conseguiram 
adaptar-se  às  condições  climatéricas  da  África. 


DE   ANGOLA  499 

A  flora  económica  da  África  enriqueceu  se  assim,  sucessiva- 
mente, de  plantas  de  origem  asiática  e  americana,  introduzidas 
respectivamente  pelos  dois  flancos  —  o  oriente  e  o  ocidente. 

Esta   dupla   corrente  que  da  Ásia  se  dirigiu  para   a   costa 
oriental  e  da  América  para  a  costa  ocidental  de  África,  devia  ■ 
tender  a  povoar  o  oriente  de  espécies  vegetais  de  origem  asiática 
e  o  ocidente  de  espécies  americanas. 

Actualmente  é  difícil  constatar  sequer,  o  predomínio  respe- 
ctivo de  influências,  determinado  por  aquelas  duas  correntes, 
visto  que  indistintamente  era  qualquer  das  costas  e  nos  sertões 
do  interior  da  África  Austral  se  encontram,  quer  as  espécies 
introduzidas  pelo  oriente,  quer  as  introduzidas  pelo  ocidente. 

O  facto  de  no  oriente  aparecerem  plantas  vindas  da  América 
e  no  ocidente  plantas  vindas  da  Ásia,  tentam  explicá-lo  alguns 
autores,  afirmando  que  as  introduções  se  não  fizeram  regular- 
mente, e  uma  espécie  americana  podia  ser  levada  pelos  portu- 
gueses para  Angola,  e  ao  mesmo  tempo  para  Moçambique,  como 
uma  espécie  Asiática  podia  ser  trazida  directamente  para  a  costa 
ocidental. 

Se  de  facto  estas  razões  podem  ser  consideradas  para  atender 
na  explicação  de  no  ocidente  aparecerem  espécies  vegetais  intro- 
duzidas pelo  oriente  e  vice-versa,  não  nos  ilucidam  nem  podem 
ser  consideradas,  como  causas  que  influíram  para  que  aquelas 
espécies  do  litoral  se  dispersassem  e  penetrassem  nos  sertões  da 
África  Austral. 

A  principal  dessas  causas  —  se  não  a  única  —  encontrâmo-la 
nas  migrações  dos  povos  da  raça  negra,  que  não  é  difícil  concluir 
de  tudo  que  deixamos  exposto. 

Com  efeito,  arredada  a  hipótese,  pelo  que  fica  exposto,  de 
serem  considerados  os  invasores  os  povos  da  raça  Boschjman,  e, 
pelo  contrário,  confirmado  que  são  arborígens  da  província,  não 
pode  restar  a  menor  dúvida  que  aos  negros  se  deve  atribuir  a 
dispersão  daquelas  plantas  estranhas  à  África. 

Nestes  termos  e  conforme  as  conclusões  a  que  chegamos,  duas 
hipóteses,  podem  admitir-se  —  a  invasão  da  raça  Negra  corres- 
pondente à  entrada  e  dispersão  das  plantas  pelo  ocidente  da 
África  Austral  ou  a  invasão  da  raça  Negra  correspondente  à 
entrada  e  dispersão  das  plantas  pelo  oriente  da  África  Austral. 

A  invasão  correspondente  à  entrada  e  dispersão  das  plantas 
pelo  ocidente,  está  prejudicada;  pelo  ocidente  os  invasores  e 
introductores  das  plantas  estranhas  à  África  fomos  nós,  os  por- 


500  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

tugueses;  e  assim  por  dedução  lógica  se  conclue  que  a  invasão 
da  raça  Negra  em  Angola  deu-se  com  a  introdução  das  plantas 
oriundas  do  oriente. 

Mas  não  é  só  pela  dedução  lógica  que  chegamos  a  esta  con- 
clusão, é  o  que  os  próprios  Negros  narram  nas  suas  tradições,  e 
o  que  as  investigações. dos  botânicos  nos  ensinam,  indicando-nos 
como  sendo  as  plantas  introduzidas  pelo  oriente,  aquelas  que 
primeiro  deram  entrada  na  província. 

Proseguindo  na  investigação  da  procedência  dos  povos  da 
raça  Negra,  ainda  mais  uma  vez  recorremos  à  botânica. 

Está  plenamente  confirmado  que  a  agricultura  das  plantas 
estranhas  à  Africa  Austral  e  que  são  oriundas  da  Ásia  tiveram 
em  épocas  remotas  largo  desenvolvimento  na  Abyssinia. 

Sobre  o  assunto  e  em  especial  sobre  a  cultura  do  luco,  escreve 
o  Conde  de  Ficalho: 

«Vimos  nas  páginas  precedentes  que  o  nosso  antigo  viajante 
Duarte  Lopes,  enumerando  os  cereais  cultivados  no  Congo,  men- 
ciona como  um  dos  melhores  o  luco;  e  acrescenta,  não  haver 
muito  tempo  que  ali  era  frequente,  tendo  sido  as  suas  sementes 
trazidas  da  parte  do  Nilo,  onde  este  rio  entra  no  segundo  lago. 

Em  primeiro  logar  podemos  estabelecer  com  segurança  a 
identidade  entre  o  luco  e  a  Eleusine  Coracana,  pois  não  só  esta 
espécie  corresponde  de  modo  bastante  exacto  à  curta  descrição 
de  Duarte  Lopes,  como  é  hoje  cultivada  nas  terras  altas  de 
Angola,  e  conhecida  pelo  mesmo  nome  de  luco,  segundo  verificou 
Welwitsch.  Esta  planta  julga-se  originária  da  índia,  e  em  todo 
o  caso  é  cultivada  ali  desde  tempos  muito  remotos,  pois  tem  um 
nome  sânscrito  —  Rajika.  É  frequente  em  cultura  no  oriente  da 
África,  tanto  em  parte  do  Egito,  como  nas  terras  altas  da  Abis- 
sínia; e  Speke  e  Grant  encontraram-na  por  toda  a  parte  na  sua 
viagem  de  Zanzibar  aos  lagos  e  ao  Nilo.  E  também  bastante 
comum  na  província  de  Moçambique;  mas  aí  suspeito  que  hou- 
vesse introdução  directa  e  relativamente  recente  da  Índia,  pois 
o  nome  vulgar  é  naxenim,  levíssima  corrução  de  um  dos  nomes 
das  modernas  línguas  indianas,  nanchni.  Deixando,  porém,  esta 
questão,  é  fora  de  dúvida  que  a  cultura  desta  espécie  é  muito 
antiga  no  oriente  da  África,  e  daí  passou,  pelo  interior,  às  terras 
do  Congo,  onde  chegou  no  meiado  talvês  do  século  xvi.  Vejamos 
se  é  possível  indagar  quem  a  levou.» 

«Os  factos  parecem  pois  encadear-se  de  um  modo  claro  e 


1 — — 


DE    ANGOLA  501 

bastante  plausível :  introdução  remotíssima  da  espécie  pela  costa 
do  Mar  Vermelho,  e  cultura  na  Abissínia,  onde  ainda  hoje  é  fre- 
quente; expansão  gradual  pelo  vale  do  Nilo  superior,  e  pene- 
tração nas  terras  dos  antropófagos,  em  parte  das  quais  ainda 
hoje  é  a  cultura  dominante;  movimentos  destes  povos  para  o 
ocidente,  coincidindo  com  o  começo  desta  cultura  no  Congo, 
facto  sobre  o  qual  temos  um  testemunho  histórico.  E  note-se 
que,  se  por  um  lado  o  estudo  das  analogias  dos  povos  veiu  escla- 
recer a  marcha  da  cultura,  por  outro  esta  marcha,  e  o  sentido 
e  época  em  que  teve  logar,  se  podem  invocar  como  argumento 
em  favor  daquela  analogia  ou  parentesco.» 

Parece  pois  não  haver  dúvida  que  a  Abissínia  pode  ser  con- 
siderada como  o  centro  por  onde  se  deu  a  dispersão,  senão  de 
todas  as  plantas  vindas  do  oriente,  pelo  menos  dalgumas  e  destas 
das  que  o  Negro  fez  e  faz  a  sua  principal  alimentação,  e,  conse- 
quentemente, pode  pois  a  Abissínia  ser  igualmente  considerada 
como  o  centro  das  primeiras  migrações  dos  povos  da  raça  Negra. 

Considerada,  com  grandes  probabilidades  de  certeza,  a  Abis- 
sínia, como  o  centro  das  migrações,  não  só  pelas  razões  acima 
deduzidas,  mas  igualmente  por  não  ser  admissível  que  as  migra- 
ções se  dessem  por  qualquer  ou  quaisquer  outros  centros  junto 
da  costa  oriental  da  África  até  Zanzibar,  pela  grande  barreira 
que  lhe  opunha  a  cordilheira  que  limita  por  leste  a  região  dos 
lagos,  vamos  tentar  reconstruir  o  caminho  que  essas  migrações 
seguiram  para  alcançarem  Angola. 

O  caminho  seguido  pelas  migrações  cias  populações  da  raça 
Negra  obedeceu  por  certo,  ás  normas  e  princípios  que  facilmente 
se  deduzem  da  forma  como  elas  se  deslocaram  a  dentro  da  pro- 
víncia, e  a  que,  por  estarem  bem  constatadas,  podemos  recorrer 
como  argumento  seguro  para  o  reconstituir. 

Aqueles  princípios  podem  reduzir-se  a  dois :  não  transpor  os 
obstáculos  que  se  lhes  deparavam  nas  marchas,  constituídos  por 
grandes  rios  e  montanhas;  e  seguir,  em  geral,  ao  longo  dos  cursos 
dos  rios  de  forma,  a  não  lhes  faltar  a  água  e  terrenos  férteis 
para  as  suas  culturas. 

Assim,  um  simples  exame  da  carta  da  África  do  sul,  indica-nos 
que,  as  primeiras  migrações  dos  povos  da  raça  Negra,  partindo  da 
Abissínia,  e  encontrando  pela  frente  a  rede  fluvial  do  rio  Zaire, 
tornearam-na,  seguindo  os  dois  únicos  caminhos  que  se  lhes 
apresentavam  sem  grandes  obstáculos.  Uns,  seguindo  pelo  norte 
da  bacia  hidrográfica  do  Zaire,  outros,  seguindo  a  região   dos 


502  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

lagos,  verdadeiro  corredor  entre  duas  cordilheiras,  a  longa  crê- 
vasse  a  que  os  fenómenos  geológicos  do  Jurássico  deram  logar. 

As  migrações  que  seguiram  o  primeiro  caminho  estão  actual- 
mente representadas  pelas  tríbus  da  raça  Negra  estabelecidas  ao 
norte  do  rio  Zaire,  e  são,  portanto  os  ascendentes  dos  povos  que 
ocupam  o  que,  impropriamente,  se  chama  o  enclave  de  Cabinda. 

As  migrações  que  seguiram  pela  região  dos  lagos,  desceram 
até  ás  nascentes  dos  rios,  afluentes  dos  Zaires,  e,  subindo  ao 
longo  destes,  uns  alcançaram  o  Zaire  e  por  êle  desceram,  outros 
vieram  a  dar  origem  à  constituição  dos  estados  Muat-Ianvua  e 
Bakololo,  e  outros  ainda,  dirigindo-se  para  oeste  —  os  primeiros 
que  ao  ocidente  chegaram  —  deram  logar  à  constituição  do  im- 
pério do  Ovampo. 

As  migrações  que  subiram  os  afluentes  do  Zaire,  fixando-se 
primeiro  na  região  média  dos  rios  Cassai  e  Lualaba,  deram  logar 
à  constituição  dos  estados  da  Luba  e  do  Muat-Ianvua. 

Retalhado  o  estado  da  Luba  por  diferentes  invasores,  o  seu 
último  potentado  Mutumbo  Muculo  aconselhou  os  seus  filhos,  a 
que  fossem  procurar  novas  terras  e  melhor  fortuna  mais  para  o 
norte,  acompanhando  os  rios,  e  ali  constituiram  novos  estados, 
protegendo-se  mutuamente.  São  pois  estes  povos,  descendentes 
dos  filhos  de  Mutumbo,  que,  por  sucessivas  migrações  alcançaram 
o  Zaire  e  o  desceram,  e  portanto,  são  estes  os  ascendentes  da- 
queles que  em  territórios  ribeirinhos  do  Zaire,  incorporados  na 
província,  vieram  a  constituir  o  grande  reino  do  Congo. 

Foi  deste  reino  que  partiram  sucessivas  migrações  para  sul, 
chegando  o  rei  do  Congo  a  estender  a  sua  influência,  mais  ou 
menos  directamente,  até  ao  sul  do  Cuanza,  podendo  considerar-se 
como  legítimos  descendentes  dos  primitivos  povos  do  reino  do 
Congo,  aqueles  que  constituem  as  tríbus :  Muchicongo,  Mussu- 
rongos,  Muzumbos,  Sosso,  Dembos  e  Mussuco. 

Os  Maungos,  Jingas,  Ngolas,  Kissamas  e  Libolos,  podem  e 
devem  ser  considerados  como  descendentes  dos  povos  do  reino 
do  Congo,  visto  que  foram  estes  os  primeiros  invasores  que  se 
instalaram  nas  regiões  por  aqueles  ocupadas,  e  portanto  os  que 
devem  ser  considerados  como  fundadores  das  tríbus.  No  entanto 
os  actuais  representantes  daqueles  povos  não  podem  ser  consi- 
derados como  sendo  descendentes  puros  dos  invasores  do  Congo, 
mas  sim  um  produto  de  cruzamento  destes  com  aqueles  que  in- 
vadiram a  província  por  nordeste. 

Dos  povos  que  vieram  fixar-se  na  parte  média  dos  rios  Cassai 


DE   ANGOLA  503 

e  Lualaba  encontramos  os  Bungos,  entre  o  Lubilaxi  e  o  Luiza, 
vivendo  agrupados  em  diferentes  povoações,  governando-se  inde- 
pendentemente cada  um,  com  o  seu  chefe,  intitulado  «senhor  do 
estado»  e  que  tinha  por  distintivo  o  lucano  (braçalete  feito  de 
veias  humanas). 

Não  obstante  a  sua  independência  os  chefes  das  povoações 
eram  parentes  e  todos  ouviam  e  respeitavam  o  mais  velho,  lalo 
Maka,  o  velho  Xacala  a  que  tivemos  ocasião  de  nos  referir  ao 
tratar  da  origem  da  tríbu  Bangala. 

Como  então  referimos,  tendo  os  seus  dois  filhos  Kinguri  e 
lala,  assassinado  seu  pai,  o  velho  Xacala,  sucedeu-lhe  sua  filha 
Lueji  que  tutelada  por  um  conselho  governou  o  estado. 

Foi  a  união  de  Lueji  com  Ilunga,  filho  de  Mutumbo  Muculo, 
o  último  potentado  da  Luba,  que  deu  logar  à  constituição  do 
estado  de  Muat-Ianvua. 

Das  dissenções  na  corte  do  estado  de  Muat-Ianvua  —  a  que 
igualmente  nos  referimos  ao  tratar  da  origem  da  tríbu  Bangala 
e  das  tríbus  Lundas  —  resultaram  as  sucessivas  invasões  por 
nordeste  e  a  constituição  das  tríbus :  Lunda,  Bangala,  Quioco, 
Luena,  Songo,  Minungo,  Xinge,  Bondo  e  Holo. 

Alguns  dos  povos  —  na  opinião  de  Casalis — os  Basuto,  cujas 
migrações  subiram  os  afluentes  do  Zaire,  estabeleceram- se  nas 
terras  baixas  do  alto  Zambozo,  fundando  o  estado  que  se  deno- 
minou Bakololo,  nome  que,  segundo  A.  F.  Nogueira,  vem  de 
Kukoko,  triturar,  o  que  quer  dizer,  fortes,  destruidores,  por 
alusão  aos  estragos  e  às  derrotas  que  os  Bakololo  infligiram  nos 
povos  da  raça  Boschjman  que  habitavam  as  terras  onde  eles  se 
estabeleceram. 

Parece  que  o  primeiro  chefe  dos  Bakololo  foi  Chibitano,  que 
capitaneava  os  Basuto  ao  invadir  o  alto  Zambeze,  e  que  por  isso 
se  pode  considerar  como  sendo  o  fundador  do  estado. 

No  alto  Zambeze,  entre  o  Katongo  e  Linyante,  permaneceram 
algum  tempo,  até  que  obrigados  pelo  clima  doentio  que  os  ia 
enfraquecendo  se  dividiram  em  dois  ramos;  um,  deslocou-se 
para  leste;  o  outro,  mais  forte  e  mais  enérgico,  desceu  o  Zambeze. 

Foi  por  certo  deste  último  grupo  que  se  destacaram  as  migra- 
ções sucessivas  que,  seguindo  o  Cubango.  invadiram  por  sudeste 
a  província  de  Angola,  e  que  teem  como  actuais  representantes 
os  Mucussos  e  os  povos  das  tríbus  Ganguelas. 

Finalmente  a  província  de  Angola  foi  invadida  pelos  povos 
do  Ovampo  e  os  Damaras,  descendentes  dos  primeiros  povos  da 


504  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

raça  Negra  que  alcançaram  a  costa  ocidental,  e  que,  tendo  se- 
guido pela  região  dos  lagos,  tornearam  pelo  norte  o  Kalahari  e 
vieram  estabelecer-se  ao  sul  dos  actuais  limites  de  Angola,  donde 
fizeram  as  suas  invasões. 

Os  actuais  representantes  destes  povos  na  província  são  os 
que  pertencem  às  tríbus  Banctuba  e  Cuangares. 

Convêm  esclarecer  que  os  povos  que  actualmente  habitam  o 
centro  da  província,  como  sejam  os  pertencentes  às  tríbus  Bim- 
bundu  e  Ganguelas,  e  aqueles  que  designamos  por  Vanyanekas, 
Humbes,  Vaymbas  e  Cuangares,  devem  ser  considerados  como 
produtos  de  fusão  de  diferentes  invasões. 

Na  verdade  no  centro  da  província  deu-se  o  embate  das  di- 
versas e  sucessivas  invasões  dos  povos  da  raça  Negra;  desse 
choque  resultou,  como  é  natural,  a  fusão  de  uns  e  o  serem  es- 
corraçados outros  que,  não  se  fundindo  ou  cruzando  com  os 
invasores,  foram  vencidos  e  rechaçados. 

Assim  os  dois  grupos  de  tríbus  que  no  estudo  etnográfico 
designamos  por  Bimbundu  e  Ganguelas,  são  productos  de  fusão; 
os  Bimbundu,  da  fusão  dos  povos  que  invadiram  Angola  pelo 
norte  e  daqueles  descendentes  do  estado  de  Muat-Ianvua  que  a 
invadiram  por  nordeste;  os  Ganguelas,  producto  da  fusão  da 
invasão  nordeste  com  a  dos  Bakololo  ou  de  sudeste. 

Isto  mesmo  se  conclue  da  designação  genérica  de  Bananu 
(gente  do  norte)  como  os  Bimbundu  são  conhecidos  e  da  de 
Bambueilu  (do  verbo  ombueilu,  gente  do  sul)  com  que  os  Ganguelas 
são  designados. 

A  mesma  conclusão  temos  de  admitir  pelo  estudo  dos  seus 
usos  e  costumes  e  sobretudo  pelas  línguas  faladas,  que  aproximam 
o  Bimbundu  dos  povos  da  invasão  do  norte  e  os  Ganguelas  dos 
povos  da  invasão  do  sudeste. 

No  que  diz  respeito  aos  povos  da  raça  Negra  habitando  o 
planalto  da  Huila,  representados  pelas  tríbus  Vanyaneka,  Humbe 
e  Vaymba,  podemo-los  enquadrar  como  descendentes  das  invasões 
do  norte  que  vieram  estabelecer-se  nos  terrenos  do  centro  da 
província  e  que  escorraçados  por  novas  invasões  ali  se  fixaram. 

As  invasões  do  Ovampo  e  sobretudo  dos  Damaras,  e  o  con- 
tacto com  os  povos  da  raça  Boschjman,  introduziram  nestes 
povos  novos  elementos,  e  os  actuais  representantes  podem  con- 
siderar-se  um  tipo  sui  generis,  em  que  os  Vaymba  são  como  que 
o  termo  da  transição  entre  a  raça  Boschjman  e  a  raça  Negra. 

Os  Cuangares,  não  resta  dúvida,  são  descendentes  da  invasão 


t)É  ANGOLA  505 

sul  —  do  Ovampo  —  no  entanto  até  eles  chegaram  as  invasões 
dos  Bakololo  e  isso  por  certo  constituiu  o  bastante  para  actual- 
mente os  Cuangares  não  poderem  ser  considerados  como  des- 
cendentes puros  da  invasão  sul  e  se  tenham  afastado  um  pouco 
dos  Banctuba. 

Eis  o  que  se  nos  afigura  dizer  sobre  a  origem  das  populações 
indígenas  de  Angola,  estudo  elaborado  tendo  por  base  o  que 
deixamos  exposto  no  estudo  etnográfico  das  diferentes  tríbus  que 
povoam  a  província,  e  tendo  em  atenção  o  evitar  repetições  de 
tradições  e  costumes,  já  expostas  no  estudo  etnográfico,  que 
prejudicariam  a  sua  coordenação  e  tornariam  este  estudo  mais 
fastidioso  do  que  ele  por  sua  natureza  já  é. 


33 


CAPITULO  II 
DA  POPULAÇÃO 

A  população  indígena  está  muito  irregularmente  distribuída 
pelos  vastos  territórios  da  província,  mercê  das  condições  geo- 
lógicas e  meteorológicas  e  em  grande  parte  dos  seus  tradicionais 
costumes. 

A  constituição  geológica  dos  terrenos  tem  uma  grande  in- 
fluência na  distribuição  da  população,  tanto  mais  para  apreciar 
e  ser  considerada  como  um  factor  predominante,  quanto  menos 
culta  é  a  população  que  o  habita. 

É  evidente  que  as  populações  indígenas,  não  sabendo  corrigir 
os  terrenos  que  ocupam  e  que  se  lhes  tornam  inospitaleiros,  por 
lhes  não  darem  os  frutos  expontâneos  de  que  carecem  ou  não 
lhes  serem  favoráveis  às  suas  culturas,  adoptam  o  único  meio  de 
defeza  que  se  lhes  depara,  abandonando-os,  e  procurando  con- 
centrar-se  em  regiões  onde  a  natureza  dos  terrenos  lhes  garanta 
pelo  menos  o  indispensável  para  a  sua  subsistência. 

Se  as  condições  geológicas  dos  terrenos  teem  uma  grande 
influência  na  distribuição  da  população  indígena,  não  menos  in- 
fluência teem  as  condições  meteorológicas  que,  efectivamente, 
podemos  classificar  de  capital. 

As  condições  meteorológicas,  e  destas,  em  especial,  o  regimen 
das  chuvas,  tem  uma  influência  capital  na  distribuição  da  popu- 
lação indígena,  por  que  dependendo  a  hidrografia  duma  região, 
quási  que  exclusivamente,  daquelas  condições,  delas,  implicita- 
mente, depende  o  abastecimento  de  água  da  população  indígena 
dessa  região. 

E  em  absoluto  assim  é,  por  que  o  indígena  nos  trabalhos  de 
pesquiza  de  água  não  vai  além  da  construção  das  tradicionais 
cacimbas,  poços  reservatórios  de  pequena  profundidade  e  sem 
revestimento  de  espécie  alguma. 


508  •   POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Assim,  compreende-se  quanta  influência  teem  as  condições 
metereológicas  na  concentração  das  populações  indígenas  ao 
longo  dos  rios,  junto  de  nascentes,  lagos  ou  de  charcos. 

Da  influência  das  condições  geológicas  e  meteorológicas  na 
distribuição  da  população  indígena  resultaram  as  condições  tra- 
dicionais do  costume,  senão  de  todas  as  tríbus  da  província, 
pelo  menos  do  maior  número,  de  se  estabelecerem  com  água  à 
vista  e  em  terrenos  apropriados  às  suas  culturas. 

No  entanto,  não  só  aquele  costume  tem  influência  na  distri- 
buição da  população  indígena,  a  organização  social  e  sobretudo 
a  forte  organização  da  família  indígena,  impede,  em  grande 
parte,  uma  distribuição  regular  da  população,  concentrando-a 
em  determinadas  regiões,  em  prejuízo  de  outras,  dando  logar  a 
núcleos  de  população  onde  a  densidade  atinge  uma  elevadíssima 
percentagem. 

Não  tendo  elementos  para  elaborar  com  precisão  um  estudo 
consciencioso  da  distribuição  da  população  indígena  em  Angola, 
limitamo-nos,  por  esse  facto,  a  elucidar' que,  das  regiões  da  pro- 
víncia por  nós  conhecidas,  aquelas  onde  a  densidade  da  população 
indígena  é  maior,  são  os  planaltos  de  Benguela  e  de  Malange,  e 
as  regiões  de  Catete,  do  Libolo,  do  Amboim,  de  Maquela  do  Zombo, 
e  as  ribeirinhas  do  Zaire,  Santo  António  e  S.  Salvador  do  Congo. 

Um  estudo  conscencioso  da  distribuição  da  população  ;  indí- 
gena deve  ter  como  base  um  recenseamento  exacto,  de  que  es- 
tamos longe  e  com  que  não  podemos  contar  nos  anos  mais  pró- 
ximos. 

Em  África  faltam  todos  os  elementos  que  podem  servir  de 
base  para  elaborar  um  recenseamento  da  população  indígena  que 
se  aproxime  da  verdade. 

O  indígena,  desconfiado,  furta-se  tanto  quanto  possível  às 
operações  do  recenseamento,  e  uma  das  duas  hipóteses  seguintes 
se  podem  dar :  a  região  está  insubmissa,  ou  simplesmente  subme- 
tida, e  o  indígena  foge  ao  contacto  com  as  suas  autoridades,  e  o 
recenseamento  é  impossível;  ou  a  região  está  perfeitamente  ocu- 
pada e  o  indígena,  entrincheirando-se  em  uma  resistência  passiva, 
por  todos  os  modos  dificulta  o  recenseamento. 

Para  vencer  estas  dificuldades  de  nada  vale  a  força,  que 
poderá  submeter  no  primeiro  caso,  mas  que  não  vencerá,  em 
qualquer  deles,  a  relutância. 

Só  com  persistência,  diplomacia,  espírito  de  justiça  e  sobretudo 
uma  força  de  vontade  inexcedível,  podem  as  autoridades  admi- 


pftovmcr,, 


■ 


DE   ANGOLA  509 

nistrativas,  encarregadas  do  recenseamento  da  população,  vencer 
a  má  vontade  do  indígena. 

Sem  desdouro  para  as  autoridades  administrativas  da  pro- 
víncia, difícil  é  conseguir  reunidas  aquelas  qualidades  em  um 
mesmo  indivíduo,  e  sobretudo  conservá-las  por  muito  tempo 
nestes  climas  depauperantes. 

E,  por  que  em  Angola  faltam  todos  os  elementos  necessários 
para  o  recenseamento  da  população  indígena,  tivemos  de  lançar 
mão  da  única  base  admissível  para  o  elaborar,  o  arrolamento 
para  o  pagamento  do  imposto  de  cubata. 

O  arrolamento  para  o  pagamento  do  imposto  de  cubata  não 
nos  pode  dar  um  recenseamento  exacto,  emquanto  aquele  não  se 
estender  a  todos  os  indígenas  da  província,  porquanto  não  se 
referindo  senão  a  populações  que  foram  arroladas  para  o  imposto, 
só  inclue  aquelas  das  regiões  onde  êle  poude  efectuar-se;  mas 
tom  a  vantagem  de  por  êle,  e  à  primeira  vista,  se  poder  avaliar 
a  intensificação  da  nossa  administração,  constituindo  um  elemento 
de  estudo  e  devendo  interessar  a  quem  a  exerce. 

Para  bem  avaliar  de  que  longe  estão  da  verdade  os  recensea- 
mentos elaborados,  procuramos  organizar  a  carta  junta,  em  que, 
com  uma  aproximação,  tanto  quanto  possível,  indicamos:  quais 
as  regiões  onde  o  pagamento  do  imposto  de  cubata  atingiu  o  seu 
máximo,  e  consequentemente,  onde  o  arrolamento  para  esse  pa- 
gamento se  pode  considerar  completo  e  o  recenseamento  da  po- 
pulação indígena  exacto;  as  regiões  onde,  cobrando-se  o  imposto 
de  cubata,  este  ainda  não  abrange  todos  os  indígenas,  e  portanto, 
onde  o  arrolamento  é  incompleto  e  o  recenseamento  da  população 
indígena  não  pode  considerar-se  exacto;  finalmente  as  regiões 
onde  não  tem  havido  operações  de  arrolamento  para  o  pagamento 
do  imposto  de  cubata  e  consequentemente  de  que  não  existe 
recenseamento  da  população  indígena. 

Um  exame  à  carta  organizada  como  deixamos  exposto,  dá-nos 
uma  ideia  perfeita  e  nítida  do  estado  actual  da  intensificação  da 
administração  pública  em  Angola,  revelando-nos  que  a  área  das 
regiões,  onde  o  recenseamento  é  exacto  e  portanto  onde  a  acção 
administrativa  mais  se  faz  sentir,  não  excede  a  um  décimo  da 
área  total  dos  territórios  ocupados  pela  província. 

Tomando  como  base  para  o  recenseamento  da  população  indí- 
gena, o  arrolamento  para  o  pagamento  do  imposto  de  cubata, 
vem  aquele  sendo  elaborado  desde  o  ano  de  1913,  em  que  foi 
creada  a  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas,  e  onde  se  concentram 


510 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


os  recenseamentos  parciais  dos  concelhos,  circunscrições  e  capi- 
tanias-móres,  com  o  auxílio  dos  quais  se  tem  organizado  o  recen- 
ceamento  geral  da  província. 


Recenseamento  da  população  indígena  durante  os  anos  de  1913,  1914,  1915  e  1916 


Anos 

Total 
geral 

Por  distritos 

Lo  anela 

Cuanza 

Congo 

Lund  a 

Ben^  nela 

Mossâ- 
rnedes 

Hnila 

1913 
1914 
1915 
1916 

1.984.824 
2.124.361 
1.839.077 
1.677.705 

378.418 
13.841 
17.186 
16.966 

(l) 

224.968 
224.953 
331.269 

717.017 
715.186 

469.788 
297.396 

109.655 
197.634 
157.269 
136.140 

695.390 
884.389 
881.610 
822.302 

6.846 
6.890 
6.819 
6.792 

80.498 
81.452 
81.452 
66.837 

Julgamos,  pois,  de  toda  a  conveniência  manter,  como  base  da 
elaboração  do  recenseamento  da  população  indígena,  o  arrola- 
mento para  o  pagamento  do  imposto  de  cubata,  mas  admitir, 
conjuntamente,  o  recenseamento  por  estimativa  das  regiões  con- 
finantes coríi  aquelas  onde,  por  efeito  do  arrolamento  do  imposto 
de  cubata,  se  tenha  probabilidades  de  o  organizar,  partindo  da 
hipótese  de  em  igual  área  haver  a  mesma  densidade  de  população 
da  que  na  região  tomada  como  tipo,  e  onde  se  organizou  o  recen- 
seamento da  população. 

Por  esta  forma  o  recenseamento  da  população  indígena  subdi- 
vidir-se  há  em  duas  partes;  uma  exacta  e  directamente  organizada 
tendo  como  base  o  arrolamento  para  o  pagamento  do  imposto  de 
cubata;  outra  organizada  por  estimativa,  tendo  esta  por  base  a 
hipótese  de  em  igual  área  haver  a  mesma  densidade  de  população 
da  região  confinante  que  lhe  serve  de  tipo  e  onde  o  recenseamento 
foi  organizado  directamente. 

Nesta  ordem  de  ideias  elaboramos  um  projecto  (2)  regulando 
a  forma  de  organizar  o  recenseamento  da  população  indígena. 

O  recenseamento  da  população  indígena  pode  ainda  ser  auxi- 
liado com  o  registo  do  estado  civil  dos  indígenas  que  urge  ser 
regulado  na  província. 

Em  nosso  entender  o  registo  do  estado  civil  dos  indígenas 
deve  ser  obrigatório,  não  obstante,  se  depreenda  que  essa  obriga- 


(1)  Este  distrito  foi  creado  em  1914. 

(2)  Vide  Apenso  V. 


DE  ANGOLA  511 

toriedade  só  poderá  efectivar-se  em  regiões  pacificadas  e  ocupa- 
das, como  afinal  se  dá  com  o  imposto  de  cubata  e  outras  tantas 
disposições  especiais  para  os  indígenas,  que  são  obrigatórias 
segundo  a  lei. 

A  direcção,  coordenação  e  superintendência  do  serviço  do 
registo  do  estado  civil  dos  indígenas  deverá  incumbir  ao  Secre- 
tário dos  Negócios  Indígenas,  cabendo-lhe  o  nome  no  exercício 
das  suas  funções,  de  Conservador  Geral  do  Registo  Civil  dos 
indígenas  e  funcionando  a  Conservatória  na  Secretaria  dos  Ne- 
gócios Indígenas. 

Em  cada  concelho,  circunscrição  civil  e  capitania-mór  haverá 
uma  repartição  de  registo  civil  que  funcionará  na  respectiva 
secretaria  da  administração  do  concelho,  circunscrição  ou  capi- 
tania-mór, dirigida  por  um  oficial  do  registo  civil  que  respecti- 
vamente será  o  administrador  do  concelho,  circunscrição  ou 
capitão -mor. 

Em  cada  posto  civil  ou  militar  das  circunscrições  e  capitanias- 
móres  haverá  um  posto  do  registo  civil  dirigido  por  um  ajudante 
do  oficial  do  registo  civil,  sob  directa  responsabilidade  deste 
oficial,  e  que  será  o  respectivo  chefe  do  posto. 

Por  qualquer  acto  do  registo  civil  cobrar-se  há  o  emolumento 
único  de  $25,  pertencendo  $20  ao  funcionário  que  lavrou  o  re- 
gisto e  $05  à  autoridade  gentílica  que  intervém. 

Para  cada  espécie  de  registo  é  este  constituído  pelo  ori- 
ginal e  dois  extratos,  um  para  ser  enviado  ao  conservador  do 
registo  e  outro  para  ser  entregue  ao  interessado  ou  interessa- 
dos. Os  extractos  destinados  aos  interessados,  quando  se  trate 
de  nascimento  ou  casamento,  são  constituídos  por  chapas  me- 
tálicas. 

Os  registos  serão  lavrados  em  face  das  declarações  do  chefe 
ou  chefes  das  famílias  dos  interessados  e  na  presença  da  autori- 
dade gentílica,  a  que  estão  subordinados,  e  que  é  responsável 
pela  participação  e  declaração  do  registo  do  estado  civil. 

Pelo  casamento  polígamo,  cobrar-se  há,  além  do  emolumento, 
uma  taxa  de  5$00  pela  segunda  mulher  e  a  de  10$00  por  cada 
uma  das  outras. 

O  casamento  de  menores  entre  os  16  e  18  anos,  sendo  do  sexo 
masculino,, e  entre  os  14  e  16  anos,  sendo  do  sexo  feminino  ficam 
dependentes  da  licença  do  funcionário  do  registo  civil  e  por  êle 
cobrar-se  ha  uma  taxa  de  2$00. 

O  divórcio  averbar-se  há  à  margem  do  respectivo  registo  de 


512  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

casamento,  em  face  da  sentença  do  tribunal  indígena  que  o  con- 
firmou. 

As  autoridades  administrativas  fica  competindo  compelir  ao. 
registo  civil  todos  os  indígenas  que  por  efeito  de  operações  de 
arrolamento  e  cobrança  do  imposto  de  cubata,  de  queixas,  con- 
tractos de  prestação  de  trabalho,  ou  por  qualquer  outro  motivo, 
averiguem,  não  terem  celebrado  os  actos  do  registo  em  que  se 
encontram. 

Eis  de  uma  maneira  geral  como  se  nos  afigura  que  deve  ficar 
estabelecido  o  registo  do  estado  civil  dos  indígenas  e  cujo  pro- 
jecto de  regulamento  incluímos  no  Apenso  (1). 


(')  Vide  Apenso  IV. 


CAPITULO  III 
DOS  CARACTERES  ÉTNICOS 

Neste  capítulo  propomo-nos  estudar  os  caracteres  físicos  e 
fisiológicos  das  populações  que  povoam  a  província,  e  por  meios 
dos  quais  podem  estabelecer-se  as  suas  afinidades  e  as  agrupar 
sistematicamente. 

Esta  parte  do  nosso  trabalho,  que  outra  coisa  não  é,  senão 
um  estudo  de  antropologia  étnica  das  populações  de  Angola,  seria 
por  certo  a  mais  importante,  se  tivéssemos  elementos  para  lhe 
dar  o  desenvolvimento  que  merece.  A  falta  de  tempo,  de  instru- 
mentos e  de  pessoal  habilitado  que  nos  coadjuve,  força-nos  a 
abandonar  a  ideia  de,  por  agora,  lhe  prestar  a  atenção  e  cuidado 
a  que  tem  jus  pelo  papel  preponderante  que  tem  no  estudo  etno- 
lógico das  raças  indígenas  de  Angola. 

Na  ordem  de  ideias  acabada  de  expor  vamos  passar  em  revista 
os  diversos  caracteres  étnicos  das  populações  indígenas  da  pro- 
víncia. 

I.  —  Dos  caracteres  anatómicos 

Dos  caracteres  étnicos  são  os  caracteres  anatómicos  os  que 
nos  podem  dar  melhores  e  mais  rigorosos  elementos  para  o 
estudo  das  raças,  mas  são  igualmente  aqueles  que,  com  precisão, 
não  podemos  tratar. 

Os  caracteres  anatómicos,  estudados  sobre  o  esqueleto  ou 
sobre  o  cadáver,  demandam,  para  constituir  um  trabalho  honesto 
e  sério,  instrumentos  de  antropometria,  quem  deles  se  saiba 
servir,  e  um  grande  número  de  medições  e  observações. 

Nada  disto  tivemos,  por  que  no  que  diz  respeito  a  antropologia 
étnica  — como  fácil  é  de  supor  —  nos  encontramos  absolutamente 
sós  com  um  compasso  de  espessura  e  um  outro  de  corrediça,  e 
sobretudo  sem  podermos  dispor  de  tempo  para,  com  estes  redu- 


514  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

zidíssimos  instrumentos,  proceder  às  medições  indispensáveis  e 
que  deveriam  servir  de  base  ao  estudo  dos  caracteres  étnicos. 

E,  se  nos  faltaram  instrumentos,  tempo  e  cooperadores,  muito 
menos  podemos  dispor  da  matéria  prima  onde  efectuar  o  estudo 
antropológico — esqueletos  e  cadáveres. 

No  que  respeita,  pois,  aos  caracteres  físicos  e  em  especial 
anatómicos,  não  será  fácil,  por  emquanto,  tentar  um  estudo  sob 
o  ponto  de  vista  scientífico,  como  é  mister  que  se  leve  a  efeito  e 
de  que  nós  não  desistimos,  desde  que  possamos  dispor  dos  ele- 
mentos indispensáveis  para  o  fazer. 

Assim,  é  para  desejar  um  estudo  completo  do  esqueleto,  em 
particular,  do  crâneo,  bem  assim  como  o  estudo  comparativo 
dos  músculos,  do  sistema  nervoso,  dos  aparelhos  esfâncnicos  e 
órgãos  genitais,  que  constituem  a  base  da  anatomia  descritiva  e 
comparada  das  raças. 

A  craniologia  tem  actualmente  um  logar  proeminente  na  an- 
tropologia étnica  e  pode  subdividir-se  em  craniografia — o  estudo 
filho  de  observação  directa  e  de  simples  descrição  —  e  a  crânio- 
metria — o  estudo  do  crânio  por  processos  matemáticos. 

Nos  caracteres  craniográficos  ou  descritivos  começaremos 
pelas  suturas  do  crânio. 

As  articulações  das  suturas  do  crânio  entre  as  raças  de  Angola 
são  habitualmente  simples,  o  que  aliás  vêm  confirmar  a  lei  consta- 
tada de  que  as  articulações  das  suturas  variam,  segundo  as  posi- 
ções das  raças  na  escala  humana,  sendo  simples  nas  raças  infe- 
riores e  muito  complicadas  nas  superiores. 

A  obliteração  das  suturas  marcando  o  terminus  do  crescimento 
do  crânio,  e  consequentemente  indicando^  igualmente  o  terminus 
do  crescimento  do  cérebro,  dá-nos  úteis  indicações  sobre  a  evo- 
lução cerebral. 

A  obliteração  das  suturas,  no  homem,  principia  usualmente 
um  pouco  antes  da  velhice,  salvo  excepções  individuais,  devidas 
de  ordinário  a  uma  actividade  prolongada  das  faculdades  inte- 
lectuais. 

Nas  raças  Negra  e  sobretudo  Boschjman  a  obliteração  tem 
logar,  em  média,  aos  vinte  e  cinco  anos,  aproximando-se  dos 
indivíduos  pouco  inteligentes  ou  completamente  estranhos  à  vida 
intelectual  que  ocupam  os  últimos  graus  cia  escala  das  raças 
superiores. 

As  partes  laterais  do  ocipital  são  achatadas  e  verticais,  e  a 
protuberância  do  ocipital  externa  saliente. 


DE  ANGOLA  515 

O  frontal  articula-se  muitas  vezes  com  o  temporal,  e  assim, 
as  grandes  azas  do  esfenoide  não  se  articulam  com  o  parietal. 

As  bossas  frontais  são  na  maioria  confluentes  ou  substituídas 
por  uma  bossa  única  e  mediana,  e  as  órbitas  são  pouco  profundas, 
resultado  das  arcadas  serem  pouco  salientes  e  lisas. 

Se  pouco  podemos  dizer  sobre  caracteres  craniográficos,  que 
poderemos  acrescentar  sobre  caracteres  craniométricos? 

Como  se  sabe  a  craniometria  constituo  hoje  uma  sciência 
distinta,  empregando  processos  matemáticos  de  precisão  e  tendo 
por  base  as  medições  craniométricas.  As  medições  craniométri- 
cas  são  de  rectas  ou  curvas,  de  projecção,  angulares  e  estereomé- 
tricas  ou  de  capacidade. 

O  que  fica  exposto  parece-nos  por  si  responder  à  pergunta 
formulada,  pois,  por  certo,  não  podíamos  sequer  pensar  em 
medições  craniométricas  com  os  elementos  de  trabalho  de 
que  dispúnhamos,  limitando-nos  a,  por  assim  dizer,  repetir  o 
que  actualmente  de  uma  maneira  genérica  se  sabe  sobre  o 
assunto. 

No  que  diz  respeito  à  capacidade  craniana,  na  maioria,  não 
ultrapassa  entre  os  negros  1600  centímetros  cúbicos  e  entre  os 
Boschjman  1400.  O  crânio  é  dolicocéfalo  nas  duas  raças  mas 
muito  mais  pronunciado  entre  os  Boschjman. 

Com  relação  ao  prognatismo  é  muito  variável,  e  se  a  sciência 
na  actualidade  não  admite  a  ortognatia  absoluta,  parece,  que 
entre  as  populações  indígenas  de  Angola,  o  trivial  é  serem  os 
ângulos  inferiores  aos  da  raça  branca. 

Como  caracteres  anatómicos  propriamente  ditos  acrescenta- 
remos, que  teem  o  esqueleto  desenvolvido,  ossos  proeminentes, 
curvatura  pronunciada  da  coluna  vertebral,  logo  acima  da  bacia 
e  dentes  oblíquos,  excedendo,  em  geral,  os  superiores. 

II.  —  Dos  caracteres  morfológicos 

Dos  caracteres  morfológicos,  começaremos  por  tratar  da  cor- 
da pele,  caracter  que  se  nos  afigura  tanto  mais  importante, 
quanto  é  certo  que  tem  servido,  de  uma  maneira  -geral,  como 
base  para  a  classificação  das  raças. 

As  cores,  nuances  e  tons  que  a  pele  apresenta,  variando  até 
ao  infinito,  resultam  da  combinação  da  matéria  corante  vermelha 
do  sangue  em  circulação  na  rede  capilar,  vista  por  transparência 
através  da  epiderme,   das  granulações  negras  do  pigmento   da 


516  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

rede  mucosa  de  Malpighi,  e  da  biliverdina,  produzida  no  fígado, 
e  dando  aos  tecidos  uma  côr  amarelada. 

Assim  a  côr  da  pele  depende  das  proporções  em  que  estes 
três  elementos  se  encontram  representados. 

Há  porém  quem  conteste  serem  três  os  elementos  fundamentais 
da  côr  da  pele,  e  os  reduza  a  dois  —  o  vermelho  do  sangue  e  o 
negro  do  pigmento  —  com  o  fundamento  de  que  a  biliverdina 
não  é  senão  uma  transformação,  uma  maneira  de  ser  diferente 
da  matéria  corante  do  sangue  ou  do  pigmento. 

Em  Angola  podem  as  populações  indígenas  com  relação  à  côr 
da  pele,  reduzir-se  a  dois  tipos,  correspondentes  às  duas  raças 
—  Negra  e  Boschjman.  • 

As  populações  indígenas  da  raça  Negra  corresponde  uma 
coloração  de  pele  com  várias  nuances  e  tons,  desde  o  negro 
quási  retinto  ao  castanho  escuro ;  às  populações  daraça  Boschjman 
corresponde  uma  coloração  de  pele  muito  menos  carregada, 
amarelo  esverdeado,  assemelhando-se  ao  verde  escuro  da  azeitona 
de  Elvas. 

A  côr  da  pele,  subordinada  às  altitudes  e  condições  geológicas 
das  localidades,  à  hereditariedade  e  à  alimentação,  é  tão  variável 
dentro  dos  limites  acima  expostos,  que  nos  impossibilita  de  com 
precisão  fazer  a  sua  distribuição  em  um  mapa  da  província. 

O  maior  número  de  tons  da  coloração  da  pele,  encontra-se 
na  raça  Negra,  como  não  é  dificil  de  prever,  atendendo  que  esta 
é  a  que  tem  a  maior  representação  na  província,  ocupando-a 
quási  na  totalidade. 

A  coloração  da  pele  da  população  da  raça  Boschjman  é  a  mais 
uniforme,  pois  que  reduzidos  a  um  pequeno  número,  habitando 
regiões  cujas  condições  são  em  tudo  muito  semelhantes,  não 
podiam  apresentar  grandes  variações. 

No  entanto  e  apesar  das  variadíssimas  nuances  da  coloração 
da  pele  das  populações  da  raça  Negra,  quem  percorrer  a  pro- 
víncia, e  atente  às  diversas  nuances  da  côr  da  pele  dos  indígenas 
que  vá  encontrando,  constatará  que  nas  regiões  de  maior  alti- 
tude, a  coloração  vermelha  predomina  e  nas  mais  baixas  o  fundo 
negro  é  manifesto.  E,  dentre  as  regiões  de  maior  altitude,  notará 
que  naquelas,  correspondentes  às  grandes  florestas,  a  coloração 
vermelha  é  ainda  mais  acentuada,  e  acrescida  do  amarelo. 

Assim,  de  uma  maneira  geral,  poderemos  admitir  em  Angola 
quatro  tipos  diferentes  da  coloração  da  pele  dos  indígenas.  Ama- 
relo esverdeado  correspondente  à  côr  da  pele  dos  indígenas  da 


DE  ANGOLA  517 

raça  Boschjman;  negro  quási  retinto,  sem  o  ser  em  absoluto,  cor- 
respondente à  côr  da  pele  dos  indígenas  da  raça  Negra  ocupando 
as  regiões  baixas  da  província  ;  abronzeado,  correspondente  à 
côr  da  pele  destes  indígenas,  ocupando  as  regiões  planálticas, 
mas  despidas  de  vegetação  de  grande  porte;  castanho  claro,  cor- 
respondente à  côr  da  pele  dos  indígenas  da  raça  Negra,  ocupando 
as  regiões  planálticas  e  de  floresta. 

Nesta  ordem  de  ideias  elaboramos  o  mapa  junto  com  a  dis- 
tribuição dos  diversos  tons  da  coloração  da  pele  dos  indígenas 
de  Angola. 

No  que  diz  respeito  à  distribuição  das  diversas  nuances  da 
côr  da  pele  em  um  mesmo  indivíduo,  nota-se  que  as  partes  geni- 
tais são  mais  escuras  e  que  a  palma  das  mãos  e  planta  dos  pés 
são  mais  claras. 

A  coloração  da  pele  anda  mais  ou  menos  associada  a  côr  dos 
olhos  e  dos  cabelos. 

A  côr  do  cabelo  varia  do  preto  fusco  ao  negro,  e  a  côr  dos 
olhos  varia  do  castanho,  em  que  ha  vários  tons,  até  ao  preto, 
que  não  é  trivial.  A  esclerótica  não  é  perfeitamente  branca, 
predominando  o  amarelo  pálido. 

A  côr  do*  cabelos  e  olhos  varia  igualmente  consoante  a  alti- 
tude, sendo  mais  claros  os  cabelos  e  olhos  das  populações  indígenas 
dos  planaltos. 

Os  cabelos  são  lanosos,  mais  ou  menos  finos  e  encrespados, 
rijos,  enrolando-se  em  espiral  e  achatando-se,  como  que  for- 
mando pequenos  grânulos  de  pólvora,  como  Topinard  os  classi- 
fica. 

Os  cabelos  no  corpo  rareiam  sobre  o  ventre,  braços  e  pernas 
e  pode  dizer-se  que  são  muito  poucos  os  indivíduos  que  os  teem 
nas  costas,  peito  e  hombros. 

São  raras  as  calvas  que  se  vêem  em  indivíduos  de  muita 
idade,  bem  assim  como  os  cabelos  russos  ou  brancos. 

Passemos  aos  traços  da  fisionomia,  compreendendo  a  forma 
geral  do  rosto,  os  seus  detalhes  e  tudo  o  que  concorre  para  a 
sua  expressão. 

Visto  de  perfil  o  rosto  é  visivelmente  oblíquo  ou  prognata,  com 
as  mandíbulas  salientes  lembrando  um  focinho,  beiços  grossos  e 
revirados;  de  frente,  testa  curta  e  descaída,  faces  curtas,  as  maçãs 
proeminentes  e  os  olhos  à  flor  do  rosto. 

No  entanto,  algumas  excepções  se  encontram,  principalmente 
no  que  diz  respeito  à  testa  que  em  muitos  casos  se  confunde  com 


518  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

o  do  tipo  europeu  —  grandes,  cheias,  com  as  bossas  um  tanto  ele- 
vadas, e  bem  pronunciadas  as  arcadas  em  que  assentam  as 
sobrancelhas,  tornando  as  órbitas  profundas. 

O  nariz  é,  ainda  assim,  o  traço  fisionómico  mais  uniforme, 
destacando-se  a  largura,  na  base  entre  as  ventas,  que  em  alguns 
chega  a  ser  igual  à  altura,  de  modo  que  a  sua  projecção  será  um 
triângulo  muito  próximo  do  equilátero. 

As  ventas  são  largas,  havendo-as  arredondadas,  as  azas  do 
nariz  carnudas  e  móveis,  com  dilatação  e  contracção  pronunciadas. 

O  intervalo  ocular  é  igual,  na  maior  parte  dos  tipos,  à  base 
do  nariz,  e  mais  pronunciada  entre  os  Bochsjman. 

As  orelhas  são  compridas  e  largas,  sendo  a  sua  projecção  a 
de  um  ovo  em  que  a  parte  superior  mais  larga  é  uma  curva  de 
grande  raio;  a  sua  extremidade  superior  é  bastante  pronunciada, 
decaindo  para  a  frente,  enquanto  que  a  inferior,  é  mais  unida  à 
face  que  no  europeu. 

Os  beiços  são  salientes,  em  geral,  o  inferior  mais  do  que  o 
superior  e  um  pouco  decaido,  revirando-se  em  uns  mais  do  que 
em  outros ;  o  superior  levanta-se  ligeiramente. 

O  queixo  é  em  geral  redondo  e  pouco  saliente;  a  proemi- 
nência do  masseter  é  geral,  alargando-lhes  o  rosto,  de  modo 
que  os  apresenta  com  as  fontes  deprimidas  e  com  as  cabeças 
estreitas. 

A  pele  é  finissima,  polida,  fresca  e  aveludada,  deixando  ver 
bem  todo  o  sistema  venoso. 

O  pénis  é  longo  e  volumoso  no  estado  de  flacidez,  aumentado 
pouco  no  de  erecção. 

No  que  diz  respeito  à  mulher  o  caracter  étnico  mais  impor- 
tante é  representado  pelos  pequenos  lábios  da  vagina,  que  atin- 
gem um  desenvolvimento  considerável,  bem  assim  como  a  vagina, 
correspondendo  assim  às  dimensões  do  pénis  do  homem. 

O  cheiro  dos  órgãos  genitais  é  característico  nos  dois  sexos. 

Os  seios  da  mulher  são  grandes,  pendentes  depois  da  puber- 
dade, túrgidos  e  em  forma  de  pêra  antes  daquele  período. 

Para  a  estatura  ou  altura  a  cima  do  solo  do  ponto  culminante 
da  cabeça  —  o  vértice — adoptamos  a  classificação  de  Topinard: 
1.°  grande  estatura,  superior  a  lm,70;  2.°  estatura  mediana  supe- 
rior, de  lm,69  a  lm,G5  inclusive;  3.°  estatura  mediana  inferior, 
de  l,n,64  a  lm,60  inclusive;  4.°  pequena  estatura,  inferior  a  lm,60. 

No  primeiro  grupo  podemos  incluir  as  tríbus  Banctuba,  Cuan- 
gares,  Bailundos,  Bienos,  Mussurongos,  Muchicongos  e  Muzombo; 


DE  ANGOLA  519 

no  quarto  grupo,  os  Boschjman;  no  terceiro  grupo  a  tríbu  Jinga; 
e  no  segundo  as  restantes  tríbus  da  província. 

No  que  respeita  aos  caracteres  morfológicos  da  cabeça,  nota-se 
que  em  geral,  as  raças  indígenas  teem  a  parte  da  cabeça  que  me- 
deia entre  o  vértice  e  o  limite  dos  cabelos,  mais  curta  do  que 
entre  a  raça  branca ;  que  a  testa,  da  intersecção  dos  cabelos  à 
raiz  do  nariz,  é  elevada;  que  o  .nariz  é  curto  e  pouco  elevado; 
que  no  sentido  transversal,  a  região  média  da  face  é  alongada; 
e  que  entre  os  Boschjman  é  grande  o  intervalo  ocular. 

O  tronco  entre  os  Negros,  é  mais  curto  que  entre  os  europeus, 
o  que  não  sucede  com  os  Boschjman,  que  em  média  regula  pelo 
destes. 

Com  relação  à  grande  envergadura,  isto  é,  ao  comprimento 
entre  as  extremidades  dos  dedos  médios,  afastando  longitudinal- 
mente os  dois  braços  e  as  duas  mãos,  podemos  enquadrar  as 
raças  da  província  naquela  de  braços  compridos. 

Assim,  não  obstante  terem,  Negros  e  Boschjman,  os  membros 
inferiores  compridos,  entre  os  Negros  os  membros  superiores 
ultrapassam  aqueles.  Finalmente,  teem  as  mãos  grossas  e  dedos 
curtos,  e  o  pé  pequeno  e  largo. 

Tendo  passado  em  revista  os  mais  importantes  caracteres 
morfológicos  das  populações  indígenas  de  Angola,  resta-nos, 
antes  de  fechar  este  capítulo,  tratarmos  das  anomalias  que  se 
nos  deparam  em  alguns  indivíduos,  e  que  constituem  valiosos 
elementos  de  estudo  para  a  antropologia  étnica  das  raças  de 
Angola. 

Estas  anomalias  ou  deformações  podem  ser  produzidas  fisio- 
logicamente durante  a  vida,  outras  são  congenitais,  e  outras,  não 
sendo  um  produto  da  natureza,  são  provocadas  voluntária  ou 
involuntariamente,  e  constituem  o  que  vulgarmente  se  denominam 
mutilações  étnicas. 

Nas  primeiras  podemos  enquadrar  o  albinismo,  vulgar  entre 
as  tríbus  da  raça  Negra,  devido  à  falta  de  matéria  pigmentar, 
tornando  a  pele  e  os  cabelos  incolores,  a  iris  transparente  e  a 
face  interna  do  choroide  desprovida  de  matéria  negra  destinada 
a  absorver  o  excesso  dos  raios  luminosos,  resultando  não  poder 
o  albino  suportar  a  luz  solar  e  vendo  melhor  de  noite  do  que  de  dia. 

Os  albinos  teem  os  olhos  e  a  pele  avermelhada,  pela  transpa- 
rência dos  tecidos  que  deixam  ver  o  sangue  circulando  nos  ca- 
pilares. 

Como  tivemos  ocasião  de  dizer  na  primeira  parte  deste  tra- 


520  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

bailio,  encontramos  em  Pungo  Andongo  um  caso  interessante  de 
albinismo  parcial,  raro,  mas  que  a  antropologia  étnica  confirma. 

Uma  outra  deformação  é  a  steatopigia,  a  acumulação  de  tecido 
adiposo  sobreposto  aos  músculos  das  nádegas,  vibrando  ao  menor 
contacto,  muito  vulgar  entre  as  mulheres  da  raça  Boschjman  e 
rara  entre  as  da  raça  Negra. 

A  steatopigia  constitue  um  caracter  étnico  de  um  alto  valor 
da  raça  Boschjman  pura,  pois  parece  provado  que  ela  desaparece 
pelo  cruzamento  desta  raça  com  outras. 

Entre  os  indígenas  da  raça  Negra  é  vulgar  a  excrecência  na 
garganta  ou  o  bócio. 

Como  vimos  no  estudo  de  cada  uma  das  tríbus  que  povoam 
a  província,  as  deformações  produzidas  artificialmente  ou  as 
mutilações  étnicas  são  variadíssimas,  podendo  algumas  vezes 
alterar  certos  caracteres  antropológicos,  como  por  exemplo  a 
epilação,  ao  passo  que  outras,  não  indo  tão  longe,  atingem  mais 
ou  menos  a  integridade  de  certos  órgãos,  como  sejam  as  perfu- 
rações diversas,  e  ainda  outras,  como  a  tatuagem,  não  alteram 
nem  as  formas  nem  as  funções.  No  entanto,  todas,  desde  a  mais 
insignificante  à  mais  importante,  devem  merecer  a  nossa  atenção, 
seja  como  característicos  da  raça  ou  tríbu,  seja  como  o  índice 
das  relações  que  possam  existir  entre  certas  tríbus. 

Assim  começaremos  por  mencionar  a  epilação  que,  sendo  pra- 
ticada por  muitos  povos  da  província,  se  não  pode  no  entanto  consi- 
derar como  geral.  A  epilação  é  praticada  principalmente  pelas 
tríbus  do  sul  da  província,  havendo,  entre  estes  indígenas,  alguns 
que  trazem  consigo  sempre  uma  espécie  de  pinça  para  a  exercerem. 

Outro  tanto  devemos  acrescentar  quanto  à  tatuagem  ou  melhor 
quanto  às  cicatrizes  étnicas,  porquanto  a  tatuagem  propriamente 
dita  é  muito  rara  praticar-se.  Assim  é  que,  não  devemos  classificar 
de  tatuagem  os  traços  e  figuras  salientes  que  alguns  dos  povos 
da  província  apresentam  pelo  corpo,  principalmente  no  ventre, 
nas  costas,  nos  ombros,  nos  antebraços  e  raramente  no  rosto,  e 
que  nos  parece  não  passar  de  cicatrizes  étnicas. 

As  cicatrizes  salientes  que  alguns  indígenas  de  Angola  apre- 
sentam são  praticadas,  quer  pela  aplicação  de  ventosas  que  à  faca 
rasgam,  quer  por  incisão  com  uma  agulha  ou  estilete  de  madeira 
bastante  afiado,  quer  intersectando  a  epiderme  com  uma  agulha, 
arrancando  a  parte  intersectada  com  uma  faca,  e  que  fazem  cica- 
trizar servindo-se  de  vários  processos  e  empregando  diferentes 
ingredientes,  conforme  a  região. 


DE  ANGOLA  521 

São  raras  as  figuras  e  desenhos,  sendo  mais  vulgar  a  prática 
de  cicatrizes  em  linhas  mais  ou  menos  paralelas. 

A  bárbara  e  antiquíssima  prática  da  deformação  artificial  do 
crânio,  é  pouco  vulgar.  É  levada  a  efeito  nas  crianças  recém- 
nascidas  e  por  pressão,  com  o  fim  de  tornar  a  cabeça  mais 
bem  feita. 

São  vulgares  as  mutilações  no  nariz  e  orelhas,  principalmente 
nestas  últimas,  constituindo  em  perfurações  para  suspender  ar- 
golas, pingentes  ou  pequenos  pedaços  de  pau.  A  não  ser  os 
Cuanhamas  que  usam  a  orelha  direita  furada,  os  Cuangares  a 
esquerda,  e  os  Seles  e  Amboims  que  perfuram  o  nariz,  o  que 
constitue  um  característico  daquelas  tríbus,  nas  restantes,  estas 
mutilações  não  são  privativas  de  um  determinado  povo. 

É  igualmente  muito  frequente  a  mutilação  nos  dentes  incisivos, 
quer  extraindo-os,  quer  limando-os  ou  lascando-os  só  de  um  lado, 
quer  aguçando-os  em  ponta.  A  mutilação  dos  dentes  incisivos  é 
frequente,  sobretudo  nas  tríbus  do  sul  da  província. 

Finalmente  como  mutilações  étnicas  temos  a  considerar  as 
praticadas  pelos  Negros,  na  época  da  iniciação  dos  rapazes  e 
raparigas,  nos  órgãos  genitais,  a  que  mais  detalhadamente  nos 
referimos  ao  tratar  das  práticas  da  iniciação,  e  o  tablier  entre 
os  Boschjman. 

O  tablier  é  constituído  por  uma  hipertrofia  considerável  de 
todos  os  elementos  vasculares  e  glandulares  nos  pequenos  lábios 
da  vagina,  da  qual  participa  o  prepúcio  do  clitóris,  e  que  se 
pratica  desde  criança.  O  tablier  chega  atingir  o  comprimento 
de  15  e  18  centímetros  e  pode  considerar-se  como  sendo  um 
caracter  étnico  da  raça  Boschjman. 


III.  —  Dos  caracteres  fisiológicos 

Se  as  diferenças  físicas  constatadas  sobre  o  cadáver  ou  sobre 
o  vivo  teem  um  logar  de  destaque  na  distinção  das  raças,  as 
diferenças  resultantes  do  funcionamento  dos  órgãos  não  podem 
deixar  de  ser  consideradas  para  o  estudo  etnológico,  por  que  não 
se  lhe  pode  negar  a  importância  que  teem  para  o  estudo  compa- 
rativo das  raças. 

No  que  diz  respeito  à  duração  da  vida  média,  está  ela  abaixo 
do  que  se  atribue  a  diversos  povos  da  raça  Negra,  devido,  cremos, 
às  influências  dos  meios  físicos  e  sociológicos  em  que  vivem. 
34 


522  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

A  indolência,  a  preguiça  e  a  ignorância,  atrofiando-os  e  con- 
correndo para  os  tornar  de  uma  submissão  extrema,  não  lhes 
permite  o  culto  da  inteligência.  Não  sabem  sequer  como  evitar 
as  causas  das  doenças. 

As  lutas  e  guerras  que  se  sucedem  pelo  desejo  de  uma  melhor 
existência,  daquela  que  teem  nos  logares  que  abandonam,  são 
motivos  de  extinção  ou  expulsão  dos  povos  mais  desfavoráveis. 

E,  finalmente,  o  abandono  e  isolamento  em  que  os  teem  dei- 
xado os  povos  civilizados,  mais  teem  concorrido  para  as  péssimas 
condições  sociais  em  que  vivem  os  indígenas  de  Angola. 

,A  mulher  entra  em  um  estado  de  decadência  e  enfraquecimento 
muito  mais  rapidamente  que  entre  os  europeus,  por  que  não  só 
se  desenvolve  muito  mais  cedo,  como  igualmente  muito  antes  da 
época  própria  é  arrastada  aos  prazeres  sexuais,  e  todo  o  organismo 
decerto  se  deve  resentir  desse  facto. 

G  desenvolvimento  do  corpo,  a  mudança  de  dentição,  o  termo 
do  crescimento  do  cérebro,  o  aparecimento  do  dente  do  sizo,  o 
desenvolvimento  dos  ossos  longos  e  a  menstruação,  dão-se  muito 
mais  cedo  do  que  é  usual  entre  europeus.  O  enfraquecimento 
e  queda  dos  cabelos  e  a  perda  dos  dentes  dá-se  ao  contrário 
muito  mais  tarde. 

A  mulher,  apesar  dos  mais  elementares  cuidados,  concebe  com 
facilidade  e  a  procriação  é  grande. 

Mas  assim  como  a  fecundidade  é  grande,  a  mortalidade  nas 
crianças  é  correspondente,  o  que  pode  atribuir-se  à  pobreza  do 
leite  das  mães,  por  andarem  constantemente  expostas  às  intem- 
péries e  sujeitas  a  trabalhos  superiores  às  suas  forças.  Esta 
mortalidade  e  a  servidão  concorrem  muito  para  a  depauperação 
das  raças  da  província. 

Com  relação  a  cruzamentos,  está  averiguado  que  se  teem 
dado  em  pequena  escala  entre  as  duas  raças  que  habitam  a  pro- 
víncia, o  que  não  quer  dizer  que  o  cruzamento  das  duas  raças 
não  seja  para  ser  tomado  em  conta  nas  tríbus  da  raça  Negra  que 
mais  em  contacto  teem  vivido  com  os  Boschjman,  tais  como 
sejam  os  Mondombes,  os  Vaymbas  e  os  Vanyanekas.  O  cruzamento 
entre  Negros  e  europeus  tem-se  dado  em  larga  escala,  principal- 
mente na  região  ocupada  pelos  N'golas,  entre  a  tríbu  Muchicongo, 
imediações  de  S.  Salvador  e  entre  os  Cacondas. 

Este  cruzamento  não  tem  sido  fecundo,  e  dele  não  advieram 
os  resultados  que  se  esperavam,  seja  qual  fôr  o  ponto  de  vista 
como  se  encare. 


CAPITULO  IV 
DA  VIDA  MATERIAL 

I.  —  Dos  cuidados  dados  ao  corpo 

Tivemos  ocasião  de  ver  no  estudo  etnográfico  que  fizemos  das 
tríbus  da  província  que,  em  geral,  os  mais  rudimentares  preceitos 
de  higiene  e  limpeza  do  corpo  são  desconhecidos,  e  notamos  que 
dos  povos  que  povoam  a  província  se  destacam  os  Cabindas  nos 
cuidados  de  aceio  do  corpo.  Em  compensação  merece-lhes  bas- 
tante cuidado  o  aceio  da  boca,  que  lavam  diariamente  ao  levan- 
tarem-se  e  quando  tomam  qualquer  refeição,  esfregando  os  dentes 
e  gingivas  com  um  pequeno  pau  e  à  falta  deste  com  os  dedos. 

Como  medida  de  limpeza  do  corpo  e  cabelo,  ou  como  resguardo 
contra  a  mudança  do  tempo  e  acção  contra  parasitas  da  pele,  os 
indígenas  de  ambos  os  sexos  usam  untar-se;  os  das  regiões  baixas 
e  onde  abunda  a  palmeira  dendem,  com  óleo  de  palma,  os  dos 
planaltos  com  óleo  de  rícino  e  de  ginguba,  e  os  do  sul  da  pro- 
víncia, onde  a  sua  riqueza  predominante  é  constituída  pela  criação 
de  gado  bovino,  com  manteiga  ou  leite  azedo. 

Ainda,  como  medida  de  higiene  ou  por  simples  preocupação  de 
luxo,  muitos  povos  da  província,  principalmente  as  mulheres 
costumam  juntar  às  substâncias  oleosas  ou  gordura  com  que  se 
untam,  a  tinta  de  tacula  ou  de  outras  substâncias,  pintando-se 
de  vermelho.  Como  vimos  distinguem-se  por  este  uso,  e  até 
pode  ser  considerado,  como  característico  de  tríbu,  os  Cuanhamas, 
os  Cuangares  e  os  Mucussos. 

No  que  diz  respeito  a  penteados  a  imaginação  dos  indígenas 
apresenta-nos  extravagantes  criações,  como  tivemos  ocasião  de 
descrever  para  cada  tríbu. 

Se  para  muitas  tríbus  da  província  não  existe  um  penteado 
característico,  o  que  principalmente  sucede  com  aquelas  onde  mais 


524  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

se  tem  feito  sentir  a  nossa  acção,  como  sejam  as  tríbus  :  Cabindas, 
ribeirinhas  do  rio  Zaire,  N'golas,  Liboios,  Bailundos,  Bienos, 
Cacondas,  etc,  para  outras,  e  talvez  a  grande  maioria,  o  penteado* 
é  característico,  para  cada  tríbu  ou  grupo  de  tríbus,  com  pe- 
quenas variantes.  Assim  parece  que  os  penteados  mais  complicados 
e  extravagantes  constituem  um  característico  das  tríbus  que  com- 
nosco  menos  convívio  teem  tido,  o  que  a  própria  confecção  do 
penteado  confirma  pela  espécie  de  beleza  selvagem  que  apresenta. 

É  o  que  os  factos  nos  demonstram,  com  os  penteados  típicos 
dos  homens  da  tríbu  Jinga,  deixando  crescer  e  cair  o  cabelo  em 
tranças;  com  o  dos  Quissamas,  ornados  de  contaria  de  variada 
côr  igualmente  caindo  sobre  os  ombros;  com  o  do  grupo  das 
tríbus  que  denominamos  Ganguelas ;  com  o  dos  homens  da  tríbu 
Mondombe  em  cabeleiras  soltas  e  corridas  para  trás  ou  em  forma 
cónica;  com  o  interessante  penteado  das  mulheres  do  Humbe, 
cujo  conjunto  faz  lembrar  um  capacete  romano ;  com  o  das  mu- 
lheres Cuanhamas,  adaptando  à  carapinha  um  capacete  de  couro, 
uma  espécie  de  tricórnio  original;  com  o  das  mulheres  Cuangares 
e  Mucussos  em  longas  cabeleiras  postiças  caídas  sobre  os  ombros 
e  pintadas  de  vermelho;  com  o  das  mulheres  Donguena  em  longas 
tranças,  igualmente  postiças,  às  vezes  quási  até  aos  pés ;  com  a 
dos  homens  dos  Ambuelas,  usando  o  cabelo  todo  rapado  ou  dei- 
xando um  simples  rabicho  no  alto  da  cabeça  ou  filetes  paralelos 
ou  concêntricos  de  cabelo,  etc. 

Sobre  torneios  de  lutas  e  jogos  com  o  fim  de  desenvolver  as 
forças  musculares  ou  da  agilidade,  não  temos  conhecimento  que 
se  pratiquem  entre  os  povos  que  povoam  a  província ;  o  indígena 
de  Angola  aproveita  os  seus  ócios,  palestrando  e  fumando  com 
os  parentes  e  amigos,  preferindo  deleitar-se  com  o  fumo  do  seu 
cachimbo,  relembrando  ou  contando  histórias  tradicionais  em 
que  exercita  a  memória,  a  todo  e  qualquer  exercício  que  demande 
grande  soma  de  energia. 

II.  —  Da  alimentação 

A  base  de  alimentação  indígena  é  vegetal,  e  constituída,  para 
os  indígenas  da  raça  Boschjman,  pelas  raizes  das  plantas  espon- 
tâneas e  pelos  frutos  silvestres,  para  os  indígenas  da  raça  Negra, 
principalmente,  pela  mandioca  (manihot  utilíssima),  pelo  milho, 
pela  massambala  (dorgo),  pelo  massango  (pennisetum),  pelo  luco 


DE    ANGOLA  525 

(eleusine  coracana),  pela  batata  doce  (ipomaea  batata),  pela  gin- 
guba  (arachis  hypogaea). 

A  mandioca  constituo  a  base  da  alimentação  dos  povos  da 
província  dos  distritos  do  Cuanza,  Congo,  Loanda,  Lunda  e  parte 
do  distrito  de  Benguela;  o  massango,  a  massambala,  o  luco,  e 
sobretudo  o  massango  a  base  da  alimentação  dos  povos  do  sul 
da  província. 

A  mandioca,  a  massambala,  o  massango,  o  milho,  e  o  luco, 
são  consumidos,  em  geral,  reduzidos  a  farinha,  com  que  fazem 
as  papas  ou  massa  que  constituo  o  seu  principal  alimento,  di- 
luindo a  farinha  em  água  a  ferver  e  mexendo-a  com  um  pau  até 
tomar  a  consistência  da  massa  do  pão.  Consomem  igualmente 
os  tubérculos  da  mandioca  crus,  assados  ou  secos,  bem  assim 
como  consomem  torradas  as  diversas  espécies  de  gramíneas 
acima  indicadas,  principalmente  o  milho. 

Alem  destas  espécies  vegetais  fazem  os  indígenas  de  raça  negra 
uso  na  alimentação  de  uma  espécie  de  esperregados  da  rama  da 
mandioca  o  de  outros  vegetais,  de  diversas  espécies  de  feijão,  da 
abóbora,  dos  pimentos,  do  dendem  da  palmeira,  das  bananas, 
do  caju,  da  fruta  pinha  o  vários  outros  frutos. 

Apreciam  muito  a  carne  mesmo  no  estado  de  putrefacção,  o 
até  de  preferência  neste  estado,  bem  assim  como  o  peixe. 

Os  povos  do  sul  da  província  fazem  uso  na  sua  alimentação 
do  leite  azedo. 

A  cosinha  indígena,  das  atribuições  da  mulher,  é  muito  rudi- 
mentar, e  constitue,  àlêm  da  preparação  das  papas  da  farinha, 
em  assados  (carne  e  peixe  fresco  ou  seco)  ou  cosidos  (peixe),  e 
nos  molhos  ou  condutos  que  acompanham  as  papas. 

Como  temperos  usam  o  azeite  de  palma,  o  jindungu  (plural 
de  n'dungn)  (eapsicum  conicum),  o  o  sal,  quando  o  teem,  pois 
em  certos  pontos  da  província  é  muito  raro. 

Àlêm  da  água,  constituem  bebidas  predilectas,  de  uma  ma- 
neira geral,  a  aguardente,  o  hydromel  e  as  bebidas  obtidas  pela 
fermentação  da  farinha  de  milho  (ulua),  no  distrito  do  Cuanza  e 
(quimbombo),  no  de  Benguela  do  massango  (berlunga)  e  da  mas- 
sambala (macau)  no  sul,  e  da  seiva  das  palmeiras  malufo,  malavo, 
(maluvo)  onde  estas  plantas  fegetam. 

No  sul  da  província  usam  igualmente  o  gonga,  bebida  obtida 
pela  fermentação  do  fruto  da  árvore  do  mesmo  nome. 

Pode  pois  concluir-se  que  a  alimentação  das  raças  que  actual- 
mente povoam  a  província,  é  caracterizada,  para  a  raça  Boschjman 


526  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

pelo  uso  na  sua  alimentação  das  raízes  e  frutos  sem  preparação 
alguma  culinária,  como  a  natureza  lhos  fornece,  e  para  a  raça 
Negra,  já  por  uma  rudimentar  preparação  culinária,  que  muito 
a  distancia  e  nos  mostra  a  superioridade  desta  raça  sobre  a  pri- 
meira. 

No  que  diz  respeito  ao  uso  do  tabaco  (nicotiana  tabacum  ou 
rústico)  encontra-se  êle  difundido  por  toda  a  província  quer  re- 
duzido a  pó,  como  rapé,  quer  picado  para  ser  fumado. 

Raro  é  o  homem  ou  a  mulher  que  não  se  deleita  com  o  seu 
cachimbo  e  havendo  indígenas  que  fumam  o  cânhamo  (cannabis 
sativa)  riamba  ou  liamba,  principalmente  os  das  margens  do  rio 
Cubango,  onde  mais  intensa  é  a  cultura  desta  espécie  vegetal. 
O  cânhamo  é  fumado  em  cachimbos  especiais,  atravessando  o 
fumo  a  água  contida  cm  uma  pequena  cabaça  ou  chifre. 

Os  efeitos  deste  terrível  veneno,  que  às  primeiras  aspirações 
produz  ao  fumador  fortes  acessos  de  tosse,  e  a  seguir  uma  so- 
nolência que  lhe  dá  visões  e  sonhos  que  muito  apreciam,  acaba, 
pelo  abuso  que  dele  fazem,  por  enlouquecer  o  fumador. 

III. — Do  vestuário 

O  vestuário  usado  pelos  indígenas  da  província  de  Angola, 
é  constituído,  de  uma  maneira  geral,  pela  tanga,  suspensa  da 
cintura  e  em  algumas  tríbus,  para  as  mulheres,  traçado  por 
debaixo  dos  sovacos  e  por  cima  dos  seios.  Na  sua  simplicidade 
o  vestuário  tem  variantes  de  tríbu  para  tríbu,  quanto  à  matéria 
prima  e  à  espécie  de  tecidos  empregados,  e  quanto  à  sua  forma 
e  tamanho,  definindo  as  raças  e  as  tríbus  ou  grupos  de  tríbus. 

Dos  indígenas  da  província  aqueles  que  mais  simplesmente  se 
vestem,  ou  por  outra  aqueles  que  menos  vestidos  andam,  são  os 
pertencentes  à  raça  Boschjaman,  cujo  vestuário  não  vai  àlêm  de 
um  saio  em  volta  dos  rins. 

Em  ordem  crescente  seguem-se-lhes  as  tríbus  da  raça  Negra 
do  sul  da  província,  Vanyanekas,  Humbes,  Vaymbas,  Cuamatos, 
Donguenas,  Cunhamas,  Evales,  Cuangares  e  Mucussos,  em  que 
predomina  a  tanga  de  pele  de  boi,  de  cabritos,  e  de  vários  antí- 
lopes, caracterisando  as  tríbus  Cuamatos,  Donguenas,  Cunhama 
e  Evale  uma  peça  de  vestuário  a  ríctuba  a  que  já  nos  referimos 
ao  tratar  aquelas  tríbus.  Na  mesma  ordem  crescente,  e  em  que 
se  encontra  ainda  a  tanga  de  tecidos  de  fibras  têxtis,  não  obs- 


DE  ANGOLA  527 

tante  predominarem  actualmente  os  tecidos  de  origem  europeia, 
podem  incluir-se  as  tríbus  de  nordeste,  principalmente  as  que  se 
constituir am  à  custa  de  dissenções  que  se  deram  no  estado  de 
Muat-Ianvua.  A  seguir  vêem  as  tríbus  em  que  só  se  encontram 
tecidos  de  origem  europeia,  cuja  tanga  não  vai  além  do  joelho 
ou  pouco  o  ultrapassa,  tais  como  sejam  as  do  norte  da  província 
e  sul  do  rio  Zaire,  e  que  se  estendem  para  àlêm  do  Cuanza  até 
ao  distrito  de  Benguela.  Finalmente  os  Cabindas  e  as  tríbus 
Bimbundu  que,  usando  tecidos  comprados  ao  comércio  europeu, 
a  tanga  cobre-lhes  os  membros  inferiores  até  ao  tornozelo  e 
mesmo  o  ultrapassa,  arrastando  às  vezes  pelo  chão. 

Entre  es  povos  mais  assimilados,  como  sejam  os  N' Golas, 
Muxicongos,  Cacondas,  Cabindas,  etc,  os  homens  usam  panos 
cobrindo  o  tronco,  camisolas,  camisas,  coletes,  casacos,  cobertores 
e  alguns  vestem  mesmo  calças  ;  as  mulheres,  chambres  e  vários 
outros  panos,  quer  sobrepostos  sobre  a  tanga,  quer  por  debaixo 
desta  e  de  menor  tamanho. 

É  raríssimo  as  mulheres  usarem  a  saia. 

Salvo  as  tríbus  da  raça  Boschjman  que,  coerentes  com  a  sua 
simplicidade,  não  teem  por  costume  usarem  adornos,  nas  tríbus 
da  raça  Negra  estes  parecem  estar  em  proporção  decrescente  com 
o  grau  de  civilização  em  que  elas  se  encontram,  apresentando 
mais  adornos  e  maior  número  de  enfeites  as  tríbus  mais  selvagns 
e  que  menos  contacto  comnosco  teem  tido.  É  o  que  concluímos 
se  lançarmos  um  golpe  de  vista  sobre  o  que  deixamos  exposto 
respeitante  a  adornos,  no  estudo  etnográfico  das  tríbus  da  raça 
Negra. 

Como  tivemos  ocasião  de  ver  os  ornatos  usados  pelos  indíge- 
nas variam  ao  infinito  e  são  constituídos  por  colares,  pulseiras, 
braçaletes  e  cintos,  de  junco,  de  missanga,  de  cobre,  de  latão, 
de  marfim,  de  ferro,  etc,  e  pingentes  de  toda  a  qualidade,  pon- 
tas, dentes,  cascas  de  ovos  de  avestruz,  etc. 

IV.  —  Da  habitação 

Das  manifestações  exteriores  dos  povos,  a  habitação  é,  sem 
dúvida,  uma  das  que  melhor  traduz  o  grau  da  sua  civilização  e 
cultura. 

Os  materiais  e  processos  empregados  na  sua  construção,  a  sua 
arquitectura,  a  distribuição  dos  compartimentos  interiores,  os 
móveis  e   até  mesmo,  os  pequenos  detalhes  da  sua  arrumação, 


528  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

constituem  elementos  preciosos  para  o  estudo  dos  usos  e  costumes 
dos  povos,  e  como  tal,  não  podem  nem  devem  ser  desprezados 
em  trabalhos  desta  natureza. 

Entre  os  povos  da  província  a  habitação  é  característica  para 
cada  uma  das  duas  raças  que  a  povoam. 

Para  os  Boschjmans  a  habitação  não  os  preocupa,  qualquer 
caverna,  fenda  ou  abrigo  natural  lhes  serve.  É  a  vida  errante. 

Para  os  indígenas  da  raça  Negra  a  habitação  embora  rudi- 
mentar e  tendo  como  tipo,  a  cubata,  uma  construção  circular, 
quadrada  ou  rectangular,  feita  de  paus  a  pique,  revestida  de 
terra  amassada  ou  de  colmo  e  com  uma  cobertura  deste  mesmo 
material,  constitue  em  si  um  fenómeno  localisado  e  fixo,  que 
evidentemente  traduz  a  superioridade  e  o  grau  de  desenvolvi- 
mento a  que  chegou  já,  em  comparação  com  o  tipo  Ínfimo  do 
Boschjman. 

Fazendo  uma  análise  um  pouco  mais  demorada  da  habitação 
das  tribus  da  raça  Negra,  vamos  encontrar  na  sua  simplicidade, 
modalidades  que  nos  darão  outros  tantos  elementos  para  ajuizar 
do  grau  de  civilização  das  diversas  tribus. 

Assim,  em  um  estudo  comparativo,  nós  concluímos  que  a 
grande  maioria  das  tribus  da  raça  Negra  constroe  a  sua  habita- 
ção assente  no  solo  e  só  um  número  reduzido,  habitando  em  ter- 
renos eneharcados  de  sudeste,  tais  como  em  alguns  povos  da 
tribu  Babunda,  a  constróem  sobre  estacaria. 

Se  considerarmos  a  habitação  sôb  o  ponto  de  vista  dos  ma- 
teriais de  construção  empregados,  não  nos  será  difícil  concluir 
que  a  grande  maioria  dos  povos  empregam  nas  suas  construções 
exclusivamente  o  colmo,  o  papiro,  o  bordão  ou  empela  da  pal- 
meira, ao  passo  que  em  um  número  reduzido  de  tribus  a  estes 
materiais  juntam  a  terra  amassada,  e  finalmente  que  os  Cuanga- 
res  e  Mucussos  substituem  as  paredes  das  suas  habitações  por 
esteiras  com  que  revestem  uma  tosca  armação  que  previamente 
teem  feito. 

Impossível  se  torna  determinar  as  tribus  que  excluem  dos 
materiais  empregados  na  sua  construção  o  barro,  e  aquelas  que 
o  adoptam,  porque  em  quási  todas  se  encontram  povos  que  o 
empregam;  no  entanto,  onde  com  maior  frequência  se  encontra  o 
uso  do  barro  com  material  de  construção  é  nas  tribus  do  centro 
da  província. 

Se  agora  passarmos  a  analizar  a  habitação  dos  indígenas  da 
raça  Negra  sôb  o  ponto  de  vista  da  sua  forma,  nós  encontramos 


DE   ANGOLA  529 

em  todos  os  vastíssimos  territórios  da  província  três  tipos:  cir- 
cular quadrada  e  rectangular.  Pelas  mesmas  razões  acima  expos- 
tas ao  tratarmos  dos  materiais  empregados,  a  forma  de  habitação, 
a  não  ser  nas  tríbus  do  sul  da  província,  onde  é  exclusivamente 
circular,  não  constitue  um  característico  da  tríbu,  no  entanto 
podemos  afirmar,  que  a  habitação  de  forma  rectangular  predo- 
mina, e  quási  que  constitue  a  única  forma  adoptada  nas  tríbus  do 
norte  da  província  e  de  grande  parte  do  distrito  de  Benguela 
(tríbus  Bimbundu). 

Entrando  em  detalhes  observa-se,  quanto  à  elegância  como  são 
lançadas  as  linhas  gerais  da  construção,  ao  seu  maior  pé  direito, 
à  existência  de  janelas,  à  forma  e  tamanho  das  portas,  que,  cons- 
tituem atributos  da  habitação  de  forma  quadrada  e  sobretudo 
rectangular. 

A  igual  conclusão  chegamos  no  que  diz  respeito  a  embeleza- 
mentos exteriores,  com  a  aplicação  de  barros  de  uma  ou  duas 
cores,  aos  compartimentos  ou  divisões  interiores,  e  aos  móveis. 

Sobre  móveis  é  de  notar,  as  artísticas  cadeiras  e  bancos  que 
se  encontram  entre  os  Ganguelas  e  Bimbundu,  e  principalmente, 
a  substituição  que  alguns  indígenas  vão  fazendo  das  tarimbas 
por  camas  de  madeira  com  colchão  feitos  de  tiras  de  pele  de  boi. 

Resta-nos  fazer  referência  a  outras  construções  indígenas, 
que  não  obstante  sejam  do  mesmo  tipo,  teem  fins  diferentes.  Refe- 
rimo-nos  às  pequenas  cubatas  que  alguns  indígenas,  principal- 
mente nobres  e  os  que  exercem  autoridade,  edificam  junto  à 
cubata  da  habitação  ou  no  cercado,  —  quando  o  teem  —  e  que  lhes 
serve  de  cosinha,  às  pequenas  cubatas  que  assentes  sobre  esta- 
caria servem  de  celeiros,  a  umas  outras  que  destinadas  a  guar- 
dar os  seus  ídolos  ou  feitiços,  e  a  um  telheiro  (jango)  que  em 
geral  se  encontra  em  cada  libata  ou  sanzala,  onde  raras  vezes 
deixa  de  haver  lume,  e  que  constitue  uma  espécie  de  club  em 
que  os  homens  passam  horas  esquecidas  fumando  e  palestrando. 

As  cubatas  agrupam-se  em  geral  por  afinidades  de  família  em 
sanzalas  ou  libatas,  em  linhas  mais  ou  menos  tortuosas,  sendo 
uso  em  alguns  povos  a  existência  junto  das  cubatas,  de  culturas 
mais  apreciadas,  como  o  tabaco  e  outras. 

Do  exposto  não  queremos  deixar  de  tirar  as  conclusões  ou 
ensinamentos  que  devem  orientar  a  legislação  especial  destinada 
a  indígenas. 

Nesta  ordem  de  ideias,  julgamos  necessário  observar  que  o 
indígena  de  Angola  não  tem  o  culto  pelo  lar  doméstico,  isso  se 


530  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

infere,  como  teremos  ocasião  de  ver,  ao  tratar  da  organização 
da  família,  mas  até  mesmo  pela  própria  habitação  que,  de  pouco 
mais  lhe  serve  do  que  para  pernoitar  —  e  nem  sempre  —  por  que 
nas  quentes  noites  de  luar  muitas  vezes  dela  se  não  aproveita. 
Além  disso  a  cubata  por  si  não  constitue  um  domicílio  inviolável ; 
o  indígena  na  construção  da  sua  cubata  não  pretende  senão 
defender-se  das  intempéries,  não  havendo  nada  que  possa  justi- 
ficar o  comparar-se,  sequer,  a  sua  cubata  com  o  domicílio  como 
nós  europeus  o  entendemos.  Assim  como,  as  vedações,  sebes  ou 
palissadas  que  muitos  povos  ainda  usam  em  volta  da  libata  ou 
sanzalas  se  destinam  única  e  simplesmente,  como  meio  de  defeza 
contra  as  feras  ou  qualquer  ataque  por  parte  de  outros  povos, 
assim  a  cubata  constitui  um  meio  de  defeza  contra  as  variações 
atmosféricas. 

O  exposto  dispensa-nos  mais  acrescentar  para  mostrar  que  o 
princípio  da  inviolabilidade  do  domicílio  da  nossa  Constituição 
seria  irrisório  aplicado  às  cubatas  das  populações  indígenas  de 
Angola,  razão  por  que  no  seu  estatuto  civil  e  político  ele  não 
deve  ser  mantido  (l), 

V.  —  Dos  meios  de  existência 

Do  que  deixamos  exposto  no  estudo  etnográfico  das  populações 
indígenas  de  Angola,  sobre  os  meios  de  existência,  resalta  à  evi- 
dência o  contraste  entre  as  duas  raças  que  a  habitam. 

Ao  passo  que  o  Boschjman  leva  uma  existência  miserável  e 
errante,  do  verdadeiro  selvagem,  sem  o  menor  desejo  ou  ambi- 
ção, não  praticando  nem  conhecendo  a  agricultura,  o  indígena 
da  raça  Negra  fixa-se,  cultiva,  vivendo  do  produto  do  solo,  de- 
nunciando nos  qualidades  que  muito  superior  o  coloca  relativa- 
mente ao  Boschjman,  e  que  devemos  desenvolver  e  aproveitar 
para  o  fazer  evolucionar  dentro  do  quadro  da  sua  civilização. 

A  agricultura  que  não  é  conhecida  nem  praticada  pelos  indí- 
genas da  raça  Boschjman,  é  a  principal  ocupação  dos  indígenas 
da  raça  Negra.  O  Negro  é  essencialmente  cultivador ;  se  mais  não 
agriculta,  é  por  que  de  mais  não  carece  para  satisfazer  as  exi- 
gências da  sua  vida,  e,  se  em  parte  entrega  ao  cuidado  da  mulher 
as  suas  culturas,  é  por  que  sendo  elas  tão  simples  e  leves,  con- 


(l)  Vide  Apenso  I  (n.°  4.  do  art.  3.°). 


DE  ANGOLA 


531 


sidera  degrante  delas  ocupar-se  e  não  por  que  tenha  adversão 
aos  trabalhos  agrícolas.  E  tanto  assim  ê,  que  ao  homem  compe- 
tem os  trabalhos  mais  pesados,  como  sejam  derruba,  limpeza  dos 
terrenos  destinados  à  cultura,  o  tratamento  da  palmeira,  etc.  O 
indígena  da  raça  Negra  entrega  ao  cuidado  da  mulher  as  cultu- 
ras, pela  mesma  razão  que,  entre  os  povos  civilizados,  os  mais 
leves  trabalhos  de  costura  se  entregam  à  mulher,  e  que  os  aldeãos 
das  nossas  Beiras  igualmente  lhe  entregam  as  sachas  e  outros 
trabalhos  agrícolas  menos  pesados.  A  noção  errada  que  se  atri- 
bui ao  Negro  do  horror  pela  agricultura,  filha  de  uma  muito  su- 
perficial observação  dos  seus  usos  e  costumes,  que  tem  vindo  sendo 
admitida  sem  contestação,  e  que  por  conveniência,  muitas  pre- 
tendem manter,  precisa  ser  esclarecida,  por  não  corresponder  à 
verdade  dos  factos. 

Dela  resultou  o  atribuir-se  ao  preto,  como  axiomático,  uma 
indolência  que  não  pode  ter  o  carácter  tão  generalizado  e  exa- 
gerado como  se  afirma  e  que  bem  fácil  é  de  contraditar. 

O  Negro,  agricultando  todos  os  produtos  agrícolas  que  cons- 
tituem a  base  da  sua  alimentação,  como  sejam,  a  mandioca,  o 
milho,  a  massambala,  o  mossango,  a  batata  doce,  etc,  arranca 
do  solo  pela  sua  rudimentar  cultura,  alguns  milhares  de  tonela- 
das daqueles  produtos;  mas  por  aí  não  fica,  porque  não  se  limita 
a  agricultar  o  restrito  para  o  seu  consumo,  o  Negro  cultiva 
aqueles  produtos  para  vender  e  que  grande  parte  são  exporta- 
dos, como  se  constata  pelas  estatísticas  das  exportações  que  a 
seguir  incluímos. 

Estatística  da  exportação  de  milho,  feijão,  ginguba  e  fubá  pelas  Alfândegas 
da  província  nos  anos  de  1914  e  1915 


Produtos 

Ano  de  1914 

Ano  de  1915 

Milho 

4.051.902  Kg. 
849.832     » 

792     » 
691.182     » 

929  883  Kg. 

Feijão 

Ginguba 

Fubá 

267.425     » 

1.763     » 

145.416     » 

Os  produtos  agrícolas  acima  indicados,  devidos  exclusivamente 
à  agricultura  indígena,  constituem  apenas  uma  pequena  parcela 
representativa  das  manifestações  da  actividade  indígena  em  tra- 
balhos agrícolas,  porquanto  na  agricultura  indígena  não  levamos 


532  POPULAÇÕES    INDÍGENAS 

em  linha  de  conta  o  valor  da  sua  industrialização  pela  prepara- 
ção dos  produtos  agrícolas,  tais  como,  o  café,  o  coconote,  a  bor- 
racha, que  colhem  em  árvores  expontâneas  por  eles  tratadas  e 
cuidadas. 

A  exportação  daqueles  produtos  tem  uma  excepcional  impor- 
tância, no  movimento  comercial  da  província  e  atingiu,  nos  anos 
de  1914  e  1915,  as  cifras  designadas  no  seguinte  quadro: 


Produto 

1914 

1915 

Café 

4.458.368  Kg. 
3.976.743     » 
1.614.610     » 

4.000.920  Kg. 
2.407.024     » 
2  077  805     » 

Coconote 

Borracha 

Não  obstante  se  não  possa  considerar,  como  sendo  de  exclu- 
siva iniciativa  dos  indígenas,  as  quantidades  dos  produtos  acima 
indicados  no  quadro  das  exportações,  visto  que  parte  destes  pro- 
dutos são  devidos  a  explorações  agrícoles  europeias,  o  que  não 
pôde  ser  contestado,  é  que  aqueles  milhares  de  toneladas  de  café, 
coconete  e  borracha,  foram  produto  do  trabalho  do  Negro,  e 
grande  parte  devido  por  sua  iniciativa,  à  agricultura  indígena 
ou  melhor  à  sua  indústria  agrícola. 

E,  se  a  isto  acrescentarmos,  produtos  agrícolas,  como  o  assucar 
e  outros,  que,  não  sendo  da  exclusiva  agricultura  indígena,  são 
no  entanto  devido  ao  produto  do  seu  trabalho,  teremos  provado 
que  a  principal  ocupação  do  Negro  é  a  agricultura  ou  a  sua  in- 
dustrialização. Do  que  deixamos  escrito  não  se  suponha  que  de- 
sejamos concluir  que  o  Negro  produz  já  o  máximo,  por  forma 
alguma  o  admitimos,  por  que  muito  longe  ainda  está  de  o  atin- 
gir ;  sabemos  quanto  rudimentares  são  os  processos  de  agricul- 
tura dos  indígenas,  sem  regras,  nem  adubos  e  simplesmente  com 
o  auxílio  das  suas  tradicionais  e  características  alfaias  agrícolas 
— a  enchada  e  o  machado  gentílico — para  não  seguirmos  o  exem- 
plo daqueles  que  temos  vindo  criticando,  por  à  priori  e  axíoma- 
ticamente  admitirem  erradas  noções  sobre  as  populações  indíge- 
nas de  Angola.  Em  nossa  opinião  afigura-se-nos,  pelo  contrário 
ser  necessário  levar  o  indígena  a  produzir  mais  e  muito  mais  do 
que  atualmente  produz. 

As  nações  coloniais  cabe  a  responsabilidade,  não  só  cie  não 
terem  melhor  aproveitado  as  aptidões  do  Negro  para  a  agricul- 


DE  ANGOLA  533 

tura,  mas  sobretudo  de  não  exercerem  uma  maior  fiscalização 
nas  relações  dos  seus  colonos  com  os  nativos,  o  que  tem  tido 
como  único  resultado  o  atrofiar  aquelas  aptidões. 

A  agricultura  indígena  já  por  si  rudimentar  e  simples,  pelas 
condições  de  excepcional  produção  dos  terrenos  e  poucas  necessi- 
dades do  Negro,  foi  prejudicada  na  forma  como  se  procedeu  em 
largos  anos  no  recrutamento  dos  trabalhadores  indígenas  para 
as  fazendas  agrícolas  ou  roças.  O  colono  europeu  em  logar  de 
atrair  e  fazer  desenvolver  o  gosto  ao  Negro  pelos  trabalhos  agrí- 
colas conseguiu,  pelo  contrário  dele  divorciá-lo. 

O  nosso  dever,  como  nação  dominadora  impõe-nos,  primeiro 
que  tudo,  o  assegurar  ao  indígena,  nas  suas  relações  com  o  co- 
lono europeu,  a  protecção  e  assistência  de  que  êle  necessita  pelo  seu 
atrazado  estado  de  civilização,  e,  seguros  da  eficácia  das  dispo- 
sições naquele  sentido,  regular  a  repressão  da  ociosidade  e  va- 
diagem. 

Regulando  as  relações  entre  os  europeus  e  o  indígena,  no  que 
diz  respeito  à  protecção  no  trabalho,  está  em  vigor  o  Regulamento 
do  Trabalho  dos  Indígenas  das  Colónias  Portuguesas,  aprovado 
pelo  Decreto  n.°  951  de  14  de  Outubro  de  1914,  que,  se  como 
lei  basilar  satisfaz  por  completo,  como  regulamento  necessita  ser 
adaptado  às  condições  especiais  da  província. 

Assim,  se  no  que  diz  respeito  aos  funcionários  encarregados 
da  execução  do  regulamento  e  por  quem  é  exercida  a  tutela,  veio 
dar  satisfação  à  opinião  que  nos  nossos  relatórios  expozemos, 
sobre  quem  deviam  recair  as  funções  de  Curador  Geral,  está 
incompletísssima  sobre  as  atribuições  destes  e  dos  seus  Agentes. 

Com  uma  pequena  adaptação  no  tocante  à  parte  burocrática 
da  execução  dos  serviços,  o  capítulo  do  regulamento  que  trata 
do  recrutamento  dos  trabalhadores  indígenas,  pode  considerar-se 
perfeito  e  estabelecido  segundo  as  normas  modernas  deste  ramo 
de  administração  colonial. 

Por  êle  se  vê  que  o  legislador  conhece  tudo  o  que  em  congres- 
sos se  tem  resolvido  e  o  que  se  pratica  e  está  legislado  em  coló- 
nias estrangeiras,  e  que  o  teve  em  atenção  ao  elaborá-lo.  Pena 
foi  que  não  tivesse  havido  coragem  —  digamos  assim  —  de  varrer 
deste  diploma  as  disposições  sobre  trabalho  compelido  que,  admi- 
tindo o  fornecimento  pelas  autoridades  administrativas  de  indí- 
genas considerados  como  compelidos,  se  presta  a  que  se  sofisme 
a  lei,  e  a  que,  por  vezes,  se  deseje  transformar  em  agente  de 
recrutamento  os  adminstradores  de  circunscrição  e  capitães-mó- 


534  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

res  e  portanto  os  agentes  do  Curador,  por  que  as  funções  destes 
cargos  são  inerentes  àqueles  funcionários. 

No  que  diz  respeito  ao  estabelecido  pelo  Regulamento  sobre  a 
prestação  de  serviço,  pouco  mais  se  pode  aproveitar  do  que, 
propriamente  constítue  os  princípios  gerais,  não  só,  por  que  se 
tem  de  regular  a  forma  de  contratar,  como  por  o  Regulamento 
ser  confuso  e  até  omisso  sobre  vários  assuntos. 

É  para  desejar,  atendendo  à  manifesta  relutância  dos  patrões 
de  deixar  de  comunicar  à  autoridade  sempre  que  podem,  os  indí- 
genas que  particularmente  contratam,  que  o  contracto  seja  sem- 
pre feito  com  intervenção  desta,  não  obstante  possamos  admitir 
uma  subdivisão  na  forma  de  contracto,  e  que  seria,  o  contracto, 
quando  haja  operações  de  recrutamento  e  o  local  de  prestação 
de  trabalho  não  seja  o* do  domicílio  do  indígena  contratado,  e  o 
contracto  correspondente  à  prestação  de  trabalho  salariado,  quando 
o  indígena  venha  oferecer  os  seus  serviços  ao  estabelecimento 
agrícola  ou  industrial  e  seja  prestado  no  seu  domicílio  e  este,  se 
quizer,  possa  todos  os  dias  regressar  á  sua  cubata. 

As  condições  da  prestação  de  trabalho  e  o  regimen  a  que  fi- 
carão sujeitos  patrões  e  trabalhadores,  deferirão,  simplesmente  no 
tocante  ao  pagamento  de  salários  e  sua  liquidação,  e  às  taxas 
devidas  pelos  contractos. 

Com  pequenas  alterações  poder -se-hia  equiparar  a  primeira 
forma  de  prestação  de  serviço  à  estabelecida  pelo  Código  Civil 
para  o  serviço  doméstico  e  a  segunda  à  prestação  de  serviço 
salariado. 

E  claro  que  no  contracto  para  fora  da  colónia  se  admitiria  só 
a  primeira  espécie  de  contracto,  conservando  as  taxas  estabele- 
cidas pelo  atual  regulamento  em  vigor,  e  alterando-o  na  parte 
que  se  refere  à  forma  de  as  liquidar,  que  deve  ser  na  província. 

Ainda  sobre  os  contractos  não  deve  manter-se  emolumento  de 
espécie  alguma  e  compensar  os  funcionários  investidos  na  fun- 
ção de  Agentes  do  Curador  com  uma  gratificação  pelo  serviço 
de  Curadoria. 

Nesta  ordem  de  ideias,  e  tendo  introdusido  algumas  altera- 
ções no  tocante  a  transporte  dos  trabalhadores,  a  disposições  de 
protecção,  penalidades  e  forma  de  processo,  elaboramos  um  pro- 
jecto de  Regulamento,  incluído  no  apenso  (1). 


(1)  Vide  Apenso  VIII. 


DE  ANGOLA  535 

Asseguradas  as  relações  entre  europeus  e  indígenas,  consoante 
ao  trabalho  indígena,  não  podemos  nem  devemos  consentir,  seja 
em  seu  beneficio,  seja  da  sociedade,  que  estes  levem  uma  vida 
de  ociosidade. 

Por  uma  forma  mais  ou  menos  imprecisa,  algumas  disposições 
se  encontram  estabelecidas  no  Regulamento  do  Trabalho  dos  Indí- 
genas reprimindo  a  ociosidade  e  vadiagem,  indevidamente,  em 
nossa  opinião,  visto  que  não  é  do  diploma  que  regula  a  forma 
como  se  exerce  o  trabalho  indígena  que  cabe  a  repressão  da 
ociosidade. 

É  um  erro  que  se  vem  repetindo  na  legislação  sobre  trabalho 
indígena  que  carece  ser  corrigido,  destacando  daquele  regula- 
mento as  disposições  aproveitáveis  sobre  o  assunto,  para  em 
diploma  especial  e  com  um  carácter  mais  generalizado  as  ampliar, 
precisar  e  tornar  viáveis  e  práticas,  de  forma  a  habilitar  as  au- 
toridades a  poder  efectivar  a  obrigatoriedade  do  trabalho. 

Assim,  à  elaboração  do  diploma  a  promulgar  sobre  a  repres- 
são da  ociosidade  dos  indígenas  deve  presidir  o  critério  de  com- 
binar os  dois  princípios  que  lhe  servem  de  base,  a  obrigatorie- 
dade de  trabalho  e  a  livre  escolha  do  modo  de  dar  cumprimento 
a  esta  obrigação ;  indicando  com  clareza,  quando  o  indígena  está 
isento  daquela  obrigação,  e  sobretudo,  precisar  os  meios  práti- 
cos de  que  a  autoridade  se  tem  de  servir  para  reprimir  a  ocio- 
sidade ([). 

Como  complemento  do  diploma  regulando  a  repressão  da 
ociosidade  dos  indígenas  torna-se  indispensável  dotar  a  adminis- 
tração da  província  com  estabelecimentos  especiais,  onde  se  cum- 
pram as  penas  de  trabalho  impostas  aos  indígenas  delinquentes  e 
aqueles  destinados  a  corrigir  tantos  outros  que  atualmente  se 
perdem  por  falta  deles. 

Enfim,  para  alcançar  o  fim  desejado,  de  sobre  bases  sólidas 
ficar  garantida  a  melhor  forma  de  aproveitar  as  aptidões  dos 
indígenas,  basta  que  acompanhemos  aquelas  medidas  com  outras, 
no  sentido  de  instituir  o  ensino  profissional  aos  indígenas,  difun- 
dinclo-o  profusamente  por  toda  a  província,  e  a  que  teremos 
ocasião  de  mais  detalhadamente  nos  referirmos  ao  tratarmos  da 
vida  intelectual  dos  indígenas  de  Angola. 

Demonstrada  como  ficou  a  importância  da  agricultura  indí- 


(')  Vide  Apenso  X. 


536  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

gena,  não  queremos  deixar  de  nos  referir  aos  seus  processos  e 
às  culturas  que  com  mais  intensidade  são  exercidas. 

Os  processos  empregados  pelos  Negros  são,  em  geral,  os  mais 
rudimentares  possíveis. 

Não  usam  a  rega,  não  adubam  as  terras  a  não  ser  com  as 
cinzas  dos  fenos  ou  outros  arbustos  ique  queimam  na  preparação 
dos  terrenos,  e  empregam  como  alfaias  agrícolas  as  suas  tradi- 
cionais enxadas. 

De  uma  maneira  geral,  o  indígena  começa  por  fazer  a  limpeza 
do  terreno  a  agricultar  por  meio  da  queimada  ou  da  capinação, 
e,  algumas  vezes,  praticando  uma  cava  superficial,  sobretudo 
quando  se  trata  de  culturas  como  o  tabaco  e  outras  sementes  de 
pequeno  porte  que  são  lançadas  à  terra  a  esmo,  e  em  que  a  cava 
se  torna  indispensável. 

A  seguir  semeia  ou  faz  a  plantação  que,  salvo  o  caso  acabado 
de  referir  para  sementes  de  pequeno  porte,  pratica,  dispondo  as 
sementes  ou  as  hastes  a  plantar,  respetivamente  conforme  se  trata 
de  sementeira  ou  plantação  em  pequenas  covas  que  a  seguir  se 
cobrem  de  terra. 

No  que  diz  respeito  ao  tratamento  das  culturas,  se  à  grande 
maioria  dos  Negros  poucos  cuidados  lhes  merecem,  limitando-se 
a  umas  cavadelas  em  redor  das  plantas  outros  teem  o  cuidado 
de  trazer  limpas  as  suas  plantações,  beneficiando-as  com  sachas. 

Das  culturas  propriamente  ditas  que  com  maior  intensidade 
são  exercidas  pelos  indígenas  da  raça  Negra,  destacamos  a 
mandioca  no  norte  da  província  e  estendendo-se  ainda  ao  sul  do 
Cuanza  por  parte  do  distrito  de  Benguela;  o  massango,  a  mas- 
sambala,  e  o  luco  no  sul  da  província;  o  milho  nos  distritos  do 
Cuanza,  Lunda  e  Benguela;  o  algodão  em  Catete  e  Cassoneca; 
a  batata  doce,  a  ginguba,  a  abóbora,  o  feijão,  etc,  de  uma  ma- 
neira geral,  em  toda  a  província. 

No  que  diz  respeito  ao  tratamento  pelos  Negros  das  plantas 
de  produtos  coloniais  ou  à  sua  indústria  agrícola,  destacamos 
o  café  nas  regiões  de  Mayombo,  Encoje,  Golungo  Cazengo  e 
Amboim;  a  palmeira  dendem  nas  regiões  acima  indicadas  e  do 
litoral  até  ao  Dombe  Grande. 

No  quadro  a  seguir  incluímos  a  distribuição  dos  produtos 
agrícolas  indígenas  pelos  diversos  centros  de  produção  e  traba- 
lho exclusivamente  de  iniciativa  dos  indígenas. 


DE  ANGOLA 


537 


Centros  de  produção  e  trabalho  com  tríbus  Indígenas  e  sem  colonos  brancos 


Centros 
de  produção 


Trabalhadores 


Tribu 


Culturas 
dominantes 


Industria  agricola 


.2       © 
o 

a 

ES         'd 

d 


Cabinda. 
Zaire.   . 


Encoje 

Alto  Dande. . . 
Icolo  e  Bengo 
Golungo  Alto. 
Cazengo 


Planalto  de 

Malange.    . 


Libolo— Quis- 
sama 


Amboim. 


Novo   Redon- 
do   

Seles 

Catumbela  . . 


Dombe  Gran- 
de   


Planalto  de 
Benguela  . 


Planalto  Huí- 

la 

Coroca 


CS 

u 


Cabinda 


(  Mayombes  .  . 
|  Mussurongos 

l  Maungos 

/  Dembos 

N'golas  .... 


Mandioca 


O 


N'golas 
Gingas . 


Songos 

Bangalas. . 
Maungos. . 

Holos 

Libolos.. .  . 
Quissamas 
N'golas  .  . . 
Amboins.  . 


Musseles 
Hanhas . 


Mondombes 
Hanhas.  . .  . 

Gandas 

Quilengues. 
Bailundos.  . 
Bienos  ...  . 
Cacondas. .  . 
Huambos  . . 
Sambos 


Boschjman 


Vanyanekas 
Bacorocas. . 


(2) 


(4) 


(5) 


Palmeira  Den- 
dem,  Café 


Palmeira  Den- 
dem 


Palmeira  Den- 
dem,  Café 


Palmeira  Den- 
dem 


o 

a 

o 
o 
o 
o 

cu 

03 
jj 

CD 
<D 

'53 

N 

03" 

O 

-d 


o 

O 

cd 

u 

o 
a, 
M 
H 


(*)  Mandioca,  Milho,  Batata  doce,  Ginguba,  Feijão,  Abóbora. 

(2)  »  »  »  »  »  »         Algodão. 

(3)  , 

(*)  Milho,  Batata  doce,  Ginguba,  Feijão,  Abóbora,  Massango,  Massambala,  Luco. 
(5)  Massango,  Massambala,  Luco. 

35 


538C  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Ainda  intimamente  ligado  com  a  agricultura  se  pode  consi- 
derar um  outro  mister  do  Negro,  o  de  caiwegador,  visto  que  as 
suas  cargas  são  constituídas  pelos  productos  agrícolas  que  explo- 
ram e  que  levam  aos  mercados. 

Não  desejamos  prosseguir  na  análise  dos  outros  misteres  e 
ocupações  do  indígena  da  raça  Negra,  sem  nos  referirmos  à 
grande  importância  que  na  província  tem  o  comércio  da  cera 
principalmente  no  distrito  de  Benguela  e  Cuanza,  devido,  é  claro, 
à  grande  intensidade  com  que  o  indígena  exerce  a  apicultura. 


Puzemos  em  destaque  a  importância  da  agricultura  indígena 
por  parte  da  população  da  raça  Negra,  classificando  o  exercício 
desse  mister,  como  a  sua  principal  ocupação,  prosseguindo  no 
nosso  modesto  estudo,  segue-se  em  ordem  decrescente  a  criação 
de  gado  pelos  Negros,  visto  que,  o  Boschjman  está  para  a  criação 
de  gado  como  está  para  a  agricultura. 

A  criação  de  gado  pelos  indígenas  da  raça  Negra  constituo 
um  factor  económico  importantíssimo,  para  que  o  Governo  deve 
fazer  convergir  a  sua  atenção,  desenvolvendo-a,  e  sobretudo 
aperfeiçoando  as  raças. 

A  criação  de  gado  bovino  pelos  indígenas  dos  planaltos  da 
Lunda,  Benguela  e  Huíla,  a  criação  de  gado  suíno  exercida  por 
quási  todos  os  Negros  salvo  no  sul  da  província,  e  em  segundo 
plano  a  criação  de  gado  lanígero  e  caprino,  está  bem  patente  na 
estatística  elaborada  na  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  nos 
anos  de  1913,  1914,  1915  e  1916,  que  a  seguir  publicamos,  e  que 
se  refere  exclusivamente  aos  povos  em  que  se  faz  arrolamento 
para  o  pagamento  do  imposto  de  cubata. 


DE  ANGOLA 


539 


Estatística  do  gado  referente  aos  anos  de  1913,  1914,  1915  e  1916 


Distritos 


Bovino 


Lanígero 


Caprino 


Suíno 


Cava- 
lar 


Muar 


Asinino 


Ano  de  1913 


Total .   

Loanda  

Lunda 

Benguela.  . . 
Mossâmedes 
Huíla 


135.055 

70.239 

2.623 

42.757 

100 

19.336 


24.097 

12.953 

666 

9.503 

130 

1.345 


87.812 
19.429 
1.890 
48.745 
200 
17.548 


102.668 

49.115 

647 

52.762 

60 

89 


Ano  de  1914 


Total 

Loanda   .... 

Cuanza  

Congo .     .    . 

Lunda . . 

Benguela.. . 
Mossâmedes 
Huíla 


120.978 

75.104 

153.791 

201.880 

6 

23 

513 

2.994 

197 

808 

- 

- 

22.258 

20.998 

25.420 

44.859 

2 

23 

- 

436 

3.553 

5.000 

- 

- 

16.666 

5.349 

14.521 

7.185 

- 

- 

60.671 

46.955 

91.172 

143.860 

3 

- 

110 

155 

230 

102 

- 

- 

20.760 

917 

18.118 

66 

1 

- 

159 
155 


Ano  de  1915 


Total 

Loanda .    ... 
Cuanza .... 

Congo  

Lunda 

Benguela 

Mossâmedes 
Huíla 


110.923 

22.258 

6.662 

61.133 

110 

20.760 


78.229 

8 

20.598 

1.384 

5.243 

49.924 

155 

917 


156.623 

409 

25.420 

11.245 

2.099 

99.401 

230 

17.818 


1.256.130 

804 

44.859 

17.470 

36.339 

1.156.490 

102 

66 


23 
23 


163 
155 

4 
4 


Ano 

DE  1916 

Total 

144.422 

124.835 

100 

297.074 
500 

345.078 
900 

41 

80 

206 

Loanda   

Cuanza  

36.952 

33.541 

65.341 

91.867 

7 

24 

179 

Congo 

207 

7.762 

26.683 

26.649 

- 

- 

- 

Lunda! 

10.891 

9.127 

28.593 

12.356 

- 

- 

- 

Benguela 

67.406 

71.453 

153.954 

212.840 

33 

53 

19 

Mossâmedes  . 

250 

164 

246 

211 

- 

- 

- 

Huíla 

28.716 

2.688 

21.757 

255 

1 

■" 

8 

540  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Esta  estatística  não  obstante  nos  dar  ideia  da  importância 
capital  que  a  criação  de  gado  tem  por  parte  dos  indígenas, 
ainda  não  pôde  ser  exacta,  por  que  tem  como  base  o  arrola- 
mento do  imposto  que  muito  longe  está  de  abranger  todos  os 
povos  da  provincia. 

# 

Como  vimos,  todos  os  povos  da  província  mais  ou  menos  se 
dedicam  à  caça,  praticando-a,  quer  por  necessidade  para  defen- 
derem as  suas  culturas,  quer  pára  a  sua  alimentação,  quer 
mesmo  por  diversão. 

Entre  os  indígenas  da  raça  Boschjman  a  caça  exerce-se  como 
a  exercem  os  animais  selvagens  entre  si,  e  de  que  tão  pouco  se 
distanceiam. 

Entre  os  indígenas  da  raça  Negra  o  exercício  da  caça  teve 
uma  capital  importância,  que  actualmente  vai  perdendo,  com  a 
maior  intensidade  da  ocupação  e  consequentemente  com  o  melhor 
aproveitamento  da  actividade  dos  indígenas.  No  entanto,  entre 
algumas  tríbus,  ainda  o  exercício  da  caça  tem  foros  de  uma 
instituição  a  que  nem  todos  podem  pertencer,  tendo  aqueles  que 
nela  desejam  ingressar  sujeitar-se  a  provas,  e  sobretudo  pre- 
sentear quem  os  terá  de  julgar. 

Se  lançarmos  um  golpe  de  vista  sobre  o  que  deixamos  ex- 
posto no  estudo  etnográfico  com  relação  aos  processos  usados 
pelos  Negros  no  exercício  da  caça,  vemos  que  se  podem  reduzir 
a  dois:  em  grandes  batidas,  por  ocasião  das  queimadas,  e  em 
que  tomam  parte  uma  ou  mais  povoações,  ou  individualmente 
em  tojdo  o  tempo. 

Na  vida  de  algumas  tríbus  as  grandes  caçadas  são  sempre 
motivo  de  grande  regosijo  e  muito  antes  da  sua  realização  teem 
elas  sido  discutidas  e  preparadas. 

O  soba  ou  autoridade  gentílica  que  tem  jurisdição  na  região 
onde  ffe  pretende  levar  a  efeito  a  caçada,  escolhe  o  local  e  nas 
vésperas  anuncia-a  aos  povos  circunvisinhos. 

No  dia  escolhido  vão  os  caçadores  colocar-se  nos  seus  postos, 
cercando  o  vasto  campo  de  capim  seco  pelo  lado  oposto  àquele 
em  que  se  começa  a  queimar.  Tudo  a  postos,  procede-se  à  ceri- 
mónia de  lançar  o  fogo  ao  capim ;  a  língua  de  fogo  avança  e 
espaçados  começam  a  ouvir-se  os  primeiros  tiros  sobre  a  caça 
que  espavorida  foge.    As  chamas  atingem  rapidamente  grande 


DE    ANGOLA  541 

incremento,  e  o  entusiasmo  cresce;  e,  emquanto  a  linha  de  fogo 
caminha  vertiginosamente,  os  caçadores,  envolvidos  em  espessos 
rolos  de  fumo,  sob  os  raios  ardentes  do  sol  e  das  lavaredas  das 
chamas,  em  uma  berraria  infernal,  desfecham  sem  interrupção  as 
suas  armas,  ferindo-se  uns  aos  outros  e  a  caça  que  meia  cha- 
muscada pretende  escapar-se  ao  apertado  cerco  de  fogo.  As 
lavaredas  vão  extinguindo-se,  o  fogo  dos  caçadores  começa  a 
fraquejar  até  de  todo  cessar,  e  aqui  e  àlêin  estrebucham  as  peças 
de  caça  que  à  cacetada  se  acabam  de  matar;  a  caçada  está  ter- 
minada, dando-se  começo  à  divisão  da  caça. 


# 


O  Negro  actualmente  pesca  muito  mais  do  que  caça,  visto  o 
peixe  constituir  o  alimento  de  que  mais  fazem  consumo  depois 
dos  vegetais. 

A  pesca  é  exercida  em  toda  a  costa  e  rios  da  província, 
variando  os  processos  adoptados  conforme  as  circunstâncias. 

Na  costa,  e  em  pequenas  profundidades,  adoptam  os  indígenas 
uma  espécie  de  redes  de  arrasto,  umas  que  suspendem  das  suas 
canoas  (Cabinda)  e  outras  com  que  fecham  um  cerco  e  depois 
arrastam  para  a  praia.  Em  grandes  profundidades  pescam  ao 
anzol. 

Nos  rios  e  lagoas  empregam :  as  sebes  no  tempo  das  cheias 
para  reter  o  peixe  quando  as  águas  descem;  uma  espécie  de 
covos  de  vários  tamanhos  e  feitios;  a  tarrafa  e  outras  redes  que 
atravessam  nos  pequenos  rios.  No  exercício  deste  mister  usam 
os  indígenas  as  suas  tradicionais  canoas,  feitas  de  um  tronco  de 
mafumeira  (Eriodendrom  aufractuosum)  escavado  interiormente 
e  que  exteriormente  descascam  e  dão  a  forma  de  um  charuto; 
para  lhe  aumentar  a  estabilidade  usam  alguns  Mussurongos 
unir  duas  canoas. 

Não  obstante  ser  este  tipo  de  canoa  o  mais  empregado, 
encontra-se  um  outro  construído  da  casca  de  uma  árvore  especial, 
que  descrevemos  ao  tratar  das  tríbus  Ganguelas,  e  ainda  na 
parte  da  costa  entre  Benguela  Velha  e  Egito,  vê-se  um  tipo 
sui  generis  de  embarcação,  quási  que  especialmente  usado  pela 
tríbu  de  pescadores  Mussumbe,  construído  de  troncos  muito  leves 
de  um  arbusto  (Hermineira  claphroxilum)  que  cresce  na  foz  de 
alguns  rios,  e  que  reúnem  e  atam  fortemente  com  fibras  vegetais, 


542  POPULAÇÕES    INDÍGENAS 

em   forma   de  leque,   constituindo  umas  pequenas  chatas   onde 
sentado  em  uma  táboa  só  pode  embarcar  um  tripulante. 

Estas  chatas,  conhecidas  pelo  nome  de  bimbas,  fazendo  água 
por  todos  os  lados,  não  correm  o  risco  de  se  afundarem,  visto 
se  conservarem  à  tona  de  água,  mas  não  livram  o  tripulante  de 
um  banho  ou  pelo  menos  de,  emquanto  está  no  mar,  ter  água 
pelas  pernas. 


Continuando  a  passar  em  revista  os  misteres  e  ocupações  dos 
indígenas  da  raça  Negra,  não  devemos  esquecer  as  industrias  a 
que  se  dedicam,  começando  pela  de  artefactos  de  verga  e  palha, 
exercida  mais  ou  menos  por  todos  os  povos  da  província,  fabri- 
cando os  objectos  de  que  necessitam  para  seu  uso,  e  entre  algumas 
tríbus,  como  os  Mussurongos,  produzindo  cestos  de  vários  ta- 
manhos e  feitios,  esteiras,  etc,  destinadas  ao  comércio. 

Nesta  indústria,  como  em  outras,  àlêm  de  usarem  no  fabrico 
os  modelos  tradicionais,  com  facilidade  imitam  os  modelos  euro- 
peus ou  outros  que  se  lhes  apresentem. 

De  fibras  vegetais  fabricam  toda  a  espécie  de  cordas  e  atilhos. 

No  que  diz  respeito  a  tinturaria,  empregam-na  no  fabrico  de 
artefactos  de  verga  e  palha,  e  para  tingir  os  panos,  etc.  As 
cores  predominantes  são  o  preto  e  vários  tons  entre  o  vermelho 
viro  ao  roxo,  cores  que  obteem  de  várias  espécies  vegetais,  de 
que  a  mais  vulgar  é  a  tacula,  e  de  barros  em  cuja  composição 
entra  o  kaolino,  a  limonite,  a  hematite,  etc. 

Todos  os  indígenas  da  raça  Negra  mais  ou  menos  fabricam 
louça  de  barro  procedendo  uns  à  sua  cozedura  a  fogo  brando, 
em  buracos  feitos  no  chão  e  ainda  outros  simplesmente,  secando-a 
exposta  ao  sol. 

Preparam  as  peles  de  toda  a  espécie  de  animais,  umas  de  que 
se  servem  para  vestuário  ou  insígnias  de  autoridade,  outras  para 
o  comércio. 

Com  o  simples  auxílio  das  suas  usuais  facas  trabalham  a 
madeira,  produzindo  toda  a  espécie  de  objectos  de  uso  comum 
desde  o  tosco  manipanço  do  Congo  aos  artísticos  bastões,  cadeiras 
e  bancos,  com  figuras  alegóricas,  scenas  obscenas  e  de  adultério, 
e  reproduzindo  adágios. 

Sobre  o  fabrico  da  farinha  é  ela  feita  pelas  mulheres  e  por 
trituração  com  o   auxílio   do  pilão ;  um  grosso   tronco,  e  coió- 


DE  ANGOLA  543 

cando-se  o  grão  que  se  deseja  reduzir  a  farinha  em  uma  cavidade 
escavada  em  outro  tronco  ou  uma  pedra. 

Das  indústrias  exercidas  pelos  Negros  a  mais  importante  é  a 
de  trabalhar  o  ferro. 

Não  conhecemos  tradições  ou  lendas  que  nos  elucidem  como 
os  indígenas  da  raça  Negra  tiveram  conhecimento  do  ferro, 
visto  que  todos  são  unânimes  em  dizer  que  os  seus  antepassados 
já  o  conheciam,  das  terras  de  onde  vinham,  fazendo  já  uso  dele 
quando  invadiram  a  província. 

Para  as  inúmeras  aplicações  que  fazem  do  ferro,  ou  o  extraem 
do  minério  em  pequenos  fornos,  nas  regiões  onde  ele  existe,  ou 
aproveitam  os  arcos  de  pipas,  aros  que  seguram  os  fardos  das 
fazendas,  etc. 

A  forja  é  constituída  por  uma  grande  pedra  com  a  face 
superior  lisa,  onde  se  faz  a  combustão,  e  um  fole  construído  de 
um  tronco  grosso,  desbastado,  em  que  uma  das  extremidades 
tem  duas  excavações  semelhantes  aos  pratos  de  uma  balança, 
que  comunicam  por  um  pequeno  furo  com  uma  outra  que  tem  a 
forma  das  ventas  de  porco.  A  cada  uma  das  referidas  excavações 
adapta-se  uma  pele  muito  macia,  que  as  cobre  como  se  fossem 
válvulas,  e  a  que  está  ligada  uma  pequena  vara.  A  outra  extre- 
midade é  ajustada  à  boca  de  uma  campânula  de  barro  que  se 
mete  no  carvão. 

Assim,  basta  pôr  em  movimento,  por  intermédio  das  pequenas 
varas,  alternadamente  um  e  outro  fole,  para  se  produzir  uma 
contínua  corrente  de  ar  sobre  o  carvão  incandescente. 

No  que  diz  respeito  à  tecelagem  o  processo  é  muito  simples. 

Sobre  uma  travessa  colocada  .horisontalmente  ao  alto  e  fixa 
sobre  uma  paralela  inferior  e  móvel,  dispõem-se  os  fios,  uns  ao 
lado  dos  outros,  em  toda  a  largura  que  se  pretende  dar  ao 
tecido,  e  a  começar  de  baixo  para  cima,  vão  dispondo-se  outros 
fios  transversais,  entre  as  duas  ordens  de  fios  verticais,  que  se 
cruzam  depois,  fazendo  passar  entre  elas  umas  réguas  de  ma- 
deira com  as  arestas  boleadas  com  que  batem  duas  ou  três  pan- 
cadas sobre  o  cruzamento  dos  fios  verticais  que  apertam  os 
transversais,  e  assim  seguidamente  até  se  tocar  na  travessa  su- 
perior fixa. 

A  largos  traços  deixamos  exposto  os  principais  misteres  e 
ocupações  dos  indígenas  da  raça  Negra,  e  se  nos  não  referimos 
aos  Boschjman  ao  tratar  das  indústrias  é  por  que  desconhecemos, 
por  completo,  que  eles  as  exerçam. 


CAPÍTULO  V 
DA  VIDA  INTELECTUAL 

Se  as  manifestações  por  que  se  traduzem  os  actos  da  vida  ma- 
terial dos  indígenas  da  província,  não  podem  deixar  dúvidas  sobre 
a  mentalidade  das  populações  indígenas  da  raça  Negra,  dão-nos 
ao  contrário  indicação  segura  da  falta,  quási  absoluta,  da  ca- 
pacidade dos  indígenas  da  raça  Boschjman,  para  sobre  eles  tentar, 
sequer,  uma  evolução  dentro  do  quadro  da  sua  civilização. 

A  raça  Boschjman  vencida  e  escravisada,  levando  uma  exis- 
tência apática  na  floresta,  é  uma  raça  que  vai  extinguindo-se 
a  olhos  vistos,  exgotando-se  como  a  terra,  que  sujeita  invaria- 
velmente ás  mesmas  culturas  se  torna  estéril  e  esquiva;  é  uma 
raça  condenada  a  desaparecer  num  praso  de  tempo  relativamente 
curto  e  de  que  nada  temos  a  esperar. 

Outro  tanto  não  sucede  com  os  indígenas  cia  raça  Negra,  a 
quem  não  pode  negar-se  faculdades  intelectuais,  não  obstante 
opiniões  em  contrário  de  alguns  investigadores. 

Na  verdade,  são  aquelas  opiniões  filhas  de  observações  leva- 
das a  efeito  sobre  os  Negros  semi-civilizados,  tendo  assimilado 
todos  os  inconvenientes  e  a  parte  defeituosa  da  sua  imperfeita  e 
falsa  civilização  que  se  lhes  teem  consentido  assimilar  e  que  por 
forma  alguma  nos  podem  dar  uma  verdadeira  e  nítida  compre- 
ensão da  sua  capacidade  intelectual.  As  observações  teem  de 
ser  levadas  a  efeito  sobre  o  Negro  que  ainda  não  sofreu  a  acção 
da  influência  daquela  civilização,  o  espécimen  da  criação  natural. 

Se  assim  se  proceder,  não  será  necessário  recorrer  a  argu- 
mentos inverosímeis  para  reconhecer  ao  Negro  capacidade  não  in- 
ferior ao  nosso  sertanejo  do  Alemtejo,  e  para  concluir  que  o 
atrazado  grau  da  sua  civilização  é  devido  mais  ás  condições  so- 
ciais, políticas  e  climatéricas,  do  que  à  fisiologia  e  pessoal  inca- 
pacidade do  Megro. 


546  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Temos  a  convicção  que,  abandonando  o  preto  a  si  próprio, 
êle  não  estacionaria  e  desenvolveria  uma  civilização  apropriada 
ao  génio  e  caracter  da  sua  raça  e  acomodada  ao  meio  em  que 
vive. 

Parece,  pois,  que  seria  o  natural,  e  para  desejar,  tanto  mais, 
que  foi  assim  que  a  evolução  se  fez  lios  outros  povos  do  mundo. 

Não  podem,  porém,  as  nações  civilizadas  abandonar  aos  seus 
próprios  meios  e  recursos  as  raças  inferiores,  compete-lhes  pro- 
tegê-las, auxiliá-las  e  encaminhá-las  para  poderem  resistir  ás 
influências  da  civilização  europeia  e,  atendendo,  ás  condições  e 
exigências  do  comércio  e  indústria,  mais  lhe  compete,  adoptar 
medidas  apropriadas  no  sentido  de  acelerar  a  sua  evolução  den- 
tro do  quadro  da  sua  civilização. 

Os  processos  que  nós  e  todas  as  nações  com  domínios  em 
Africa,  temos  adoptado  naquele  sentido,  mostram,  pelos  resulta- 
dos obtidos,  que  não  corresponderam  ao  fim  altruista  em  que 
foram  inspirados. 

Entenderam  as  nações  coloniais  que  a  instrução  literária  cons- 
tituía só  por  .si  a  mais  possante  alavanca  de  que  poderiam  dis- 
por para  realizar  a  sua  obra  colonial,  como  valor  educativo, 
desenvolvendo  a  inteligência,  formando  caracteres  e  ter  uma 
acção  moralizadora. 

Nesta  ordem  de  ideias,  para  as  suas  colónias  africanas  trans- 
plantaram as  nações  coloniais  os  seus  métodos  de  ensino  metropo- 
litano, como  sendo  os  mais  apropriados  para  realizar  a  transfor- 
mação do  Negro  e,  animadas  pelo  acolhimento  que  tais  processos 
tiveram  por  parte  dos  indígenas  acorrendo  ás  escolas,  segundo 
eles,  regularam  as  instituições  de  instrução. 

Os  factos  encarregaram-se  de  demonstrar  quanto  errada  foi 
aquela  orientação ;  na  província  de  Angola  temos  o  exemplo  fri- 
zante,  com  a  acção  secular  de  jesuítas  orientada  naquele  sentido, 
não  conseguindo  criar  uma  sociedade  estável  e  dando  logar  ao 
tipo  bem  conhecido  missionary-made  man  de  Reinsch :  «vestido  à 
europeia  e  mostrando  com  orgulho  uma  tintura  de  instrução  à 
inglesa,  os  nativos  civilizados  pavoneiam-se  pelas  povoações  da 
costa,  desprezando  o  trabalho  manual  e  os  costumes  da  sua 
raça». 

Compete  pois  a  Portugal  —  e  na  província  de  Angola  o  esbo- 
çou o  governador  Norton  de  Matos — limitar  a  acção  da  ins- 
trução literária  e  consequentemente  os  resultados  que  dela  podem 
advir. 


DE    ANGOLA  547 

Aqueles  que  a  seu  cargo  teem  a  direcção  da  evoliu-ão  intele- 
ctual dos  indígenas,  devem  limitar-se  a  procurar  que  estes  últi- 
mos se  transformem  em  nossos  colaboradores,  ensinando-os  a  tra- 
balhar de  acordo  comnosco,  desenvolvendo  a  nossa  influência, 
difundindo  os  nossos  inventos,  e  assim,  concorrendo  para  o  en- 
grandecimento e  para  a  fusão  dos  interesses. 

Afim  de  guiar  o  desenvolvimento  da  nossa  influencia,  é  abso- 
lutamente necessário  aumentar  as  relações  entre  administradores 
e  administrados,  facilitar  os  seus  contactos,  e  difundir  tanto 
quanto  possível  o  conhecimento  da  língua  portuguesa.  E,  ao 
mesmo  tempo,  ensinar-lhes  uma  arte  ou  ofício  uma  profissão  ma- 
nual, o  trabalho  da  terra,  da  madeira,  da  pedra  ou  dos  metais, 
conforme  as  localidades  e  a  índole  dos  seus  habitantes. 

Para  conseguir  este  programa,  a  instrução  deve  ter  um  cara- 
cter essencialmente  utilitário  e  ao  mesmo  tempo  prático.  Que  a 
escola  seja  mais  uma  oficina  do  que  uma  escola,  onde  se  ensine 
juntamente  com  a  língua  portuguesa  um  ofício,  uma  profissão,  o 
trabalho  rural,  criando  operários  e  agricultores,  e  preparando 
obreiros  capazes  de  nos  secundar  utilmente  na  parte  técnica  da 
nossa  obra. 

I.  —  Da  linguagem 

Não  temos  a  pretensão  de  apresentar  um  trabalho  linguístico 
acerca  das  populações  de  Angola;  para  tal  não  temos  competência, 
nem  semelhante  estudo  se  nos  pode  exigir,  como  Secretário  dos 
Negócios  Indígenas,  por  quanto  demanda  êle  de  um  estudo  atu- 
rado que,  a  ser  levado  a  efeito,  absorveria  todas  as  nossas  ener- 
gias, em  prejuízo  dos  outros  serviços  que  nos  estão  incumbidos. 

A  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  compete  promover,  coli- 
gir e  compilar  trabalhos  desta  natureza ;  mais  do  que  isto  será 
meter  foice  em  seara  alheia. 

Nesta  ordem  de  ideias  temos  procedido  e  para  aqui  trazemos 
o  resultado  a  que  chegamos. 

A  linguística  esclarece-nos  sobre  a  origem  e  afinidade  dos 
povos  que  hoje  ocupam  a  província,  e,  se  não  possue  todos  os 
elementos  para  a  determinação,  caracterisação  e  classificação 
das  raças  e  tríbus,  é  certo  que  os  materiais  étnicos  e  anatómicos, 
e  todas  as  investigações  a  que  nos  conduzem  os  estudos  antropo- 
lógicos, a  podem  subministrar. 

Assim,  a  linguagem  caracteriza  e  define,  não  só  cada  uma 
das  raças  que  povoam  a  província,  como  igualmente,  cada  tribu, 


548  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

e  ainda  agrupamentos  de  tríbus  com  pequenas  variações  foné- 
ticas. 

Em  Angola  encontramos  dois  grupos  de  línguas  completa- 
mente distintas;  o  das  linguas  falada  pelos  Boschjmanes  e  o  das 
linguas  Bantu. 

O  principal  dialecto  que  falam  os  Boschjmanes  parece  ser  uma 
simples  variação  do  hotentote,  caracterizada,  pelo  jogo  dos  sufi- 
xos, isto  é,  a  indicação  das  relações  gramaticais  no  fim  das  pa- 
lavras, e  pelo  predomínio  das  guturais. 

A  estas  características  que  separam  e  isolam  a  língua  dos 
Boschjmanes  da  falada  pelas  tríbus  da  raça  Negra,  temos  a  ajun- 
tar o  clique,  um  estalido  singular  da  língua,  produzido  pelo 
jogo  deste  órgão  contra  o  véo  palatino  no  fim  das  palavras  ou 
cortando-as. 

As  línguas  Bantu  faladas  pelos  indígenas  da  raça  Negra,  em 
que  os  elementos  se  justapõem  e  aglutinam,  estão  no  período 
denominado  de  aglomeração  ou  aglutinação,  isto  é  pertencem  ao 
tipo  das  línguas  aglutinantes,  e  são  caracterizadas  principalmente 
por  carecerem  do  géneros  gramaticais  e  de  flexões  desinenciais 
para  os  nomes  e  verbos,  isto  é,  são  línguas  assexuais  e  prefixais 
ou  inflexivas. 

A  chave  da  construção  nestas  línguas  está  no  emprego  de 
prefixos,  que,  conjuntamente  com  pronomes  de  referência  aos 
nomes  e  pessoas  gramaticais,  substituem  com  vantagem  as  flexões 
nominais  e  verbais. 

A  determinação  do  sexo  faz-se,  pospondo  ao  nome  comum 
aos  dois  sexos  o  substantivo  macho  ou  fêmea,  ligado  ao  primeiro 
em  género  equivalente  ao  do  genitivo. 

Para  plantas  e  objectos  inanimados  não  ha  especificação  gra- 
matical genérica  ou  sexual  imprópria. 

A  unidade  das  línguas  Bantu  faz  delas  um  grupo  perfeitamente 
definido,  homogéneo,  de  origem  própria  e  marcha  autónoma. 

Assim,  a  unidade  das  línguas  Bantu,  é  representada,  quanto 
à  fonética,  na  susceptibilidade  de  todas  poderem  ser  represen- 
tadas pelo  mesmo  alfabeto,  salvo  pequenas  excepções  na  exclusão 
de  grupos  de  consoantes,  na  terminação  vocálica  de  todas  as 
sílabas,  etc,  quanto  à  morfologia  e  sintaxe,  na  identidade  de 
processos  na  formação  dos  possessivos  e  demonstrativos,  deri- 
vação dos  nomes  verbais  e  sua  conjugação,  etc,  quanto  ao  paren- 
tesco, no  vocabulário  e  plano  gramatical. 

As  línguas  Bantu  são  representadas  em  Angola :  pelo  Kicongo 


d  e: 

«ANGOLA- 

Escala 


-l/jÇ*w;ya  y< 


DE   ANGOLA  549 

e  seus  dialectos,  falado  pelos  povos  que  povoam  as  regiões  ao 
norte  da  província  que  aproximadamente  teem  por  limite  sul 
uma  linha  seguindo  os  cursos  do  rio  Lifune  a  oeste  e  do  rio 
Cambo  a  leste,  e  entre  as  nascentes  destes  rios  a  linha  divisória 
das  águas:  pelo  Kinbundu  e  seus  dialectos,  falado  pelos  povos 
que  ocupam  as  regiões  estendendo-se  para  o  sul  entre  os  limites 
acima  indicados  e  aqueles  que  de  oeste  para  leste  seguem  o  curso 
do  rio  Cuvo  e  o  seu  afluente  Cupache,  o  Cuilo,  afluente  do  Cu- 
tato  e  este  último  até  à  sua  confluência  "com  o  Cuanza,  o  rio 
Luando,  inflectindo-se  para  o  sul,  correspondente  aos  territórios 
ocupados  pela  tríbu  Quioco,  e  vindo  acompanhar  o  curso  do  rio 
Luena;  pelo  M'bundu  e  seus  dialectos,  falado  pelas  tríbus  Bim- 
bundu  ;  pelo  Ganguela  e  seus  dialectos  falado  pelas  tríbus  Ganguela 
e  Mucusso;  pelo  Onyaneka  e  seus  dialectos,  falado  no  planalto  da 
Huila;  e  pelos  dialectos  do  Herrero  falado  pelas  tríbus  N'Ctuba 
e  Cuangar. 

Em  uma  análise  mais  detalhada  das  afinidades  das  diversas 
línguas  faladas  pelos  Negros,  não  será  difícil  reuni-las  em  três 
grupos :  No  primeiro  grupo,  podemos  incluir  o  Kicongo  e  o 
Kimbundu;  no  segundo  grupo,  o  M'bundu  e  o  Onyaneka;  no 
terceiro  grupo,  o  Ganguela  e  os  dialectos  do  Herrero. 

Assim,  a  conclusão  a  que  fomos  levados  pelas  afinidades  das 
línguas  faladas  pelos  povos  da  província,  confirmam  aquelas  a 
que  chegamos,  quanto  à  sua  origem,  isolando  a  raça  Boschjman, 
arborigem  da  província  e  agrupando  as  populações  indígenas  da 
raça  Negra  em  três  grupos,  correspondentes,  o  primeiro,  às  inva- 
sões por  norte  e  nordeste,  o  terceiro,  às  invasões  de  sul  e  sudeste, 
e  o  segundo,  ao  produto  de  fusão  de  povos  daquelas  invasões. 

II  — Das  artes 

O  estudo  das  artes  constituiu,  em  todos  os  tempos,  um  dos 
melhores  elementos  para  definir  e  caracterizar  o  grau  de  civili- 
zação e  cultura  dos  povos. 

O  estudo  da  linguagem  falada  pelos  povos  da  província,  posto 
em  destaque  na  secção  anterior,  por  virtude  da  sua  excepcio- 
nal importância,  pôs  bem  em  relevo  a  sua  importância,  pela 
forma  como  contribui  para  esclarecer  a  origem  das  raças  e  tribus 
e  portanto  para  as  definir  com  precisão. 

E,  se  o  estudo  da  linguagem  definiu  e  extremou  as  duas  raças 
indígenas  que  povoam  Angola,  as  outras  artes  por  eles  cultivadas 


550  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

mais  acentuam  a  grande  distância  que  as  separa,  porquanto,  se 
entre  os  Negros  algumas  constatamos,  entre  os  Boschj  manes  des- 
conhecemos que  se  cultivem  as  mais  rudimentares. 

As  artes  que  os  indígenas  da  raça  Negra  cultivam  com  mais 
persistência  e  aquelas  que  merecem  especial  mensão,  são :  a 
dança,  o  canto  e  a  musica. 

Com  efeito,  no  que  diz  respeito  à  arte  de  escrever,  quer,  por 
meio  de  sinais  convencionais,  marcas,  incisões  em  madeira  ou 
em  pedra,  quer  por  desenhos,  reprodução  gráfica  dos  objectos 
em  mente  ou  emprego  de  sinais,  representando  ideias  ou  pala- 
vras, pode  bem  dizer-se  que  não  existe,  porquanto,  é  ela  repre- 
sentada, pelas  marcas  ou  sinais  que  os  indígenas  sem  carácter 
permanente  costumam  fazer  nos  cruzamentos  dos  caminhos,  para 
indicar  aos  que  os  precedem  aquele  que  seguiram,  e  pelos  sinais 
dados  com  toques  em  tambores  com  o  auxílio  dos  quais  conseguem 
a  grande  distância  falar  e  transmitir  notícias. 

Outro  tanto  diremos  com  relação  à  pintura  que,  entre  as  tríbus 
em  que  existe  é  rudimentaríssima  e  se  reduz  na  aplicação  às  pa- 
redes barreadas  das  cubatas  de  barros  coroados  e  a  uns  toscos 
desenhos,  em  geral,  figurando  pessoas  e  animais  fantásticos. 

Já  assim  não  sucede  com  a  escultura,  que  não  obstante  rudi- 
mentar, se  constata  em  trabalhos  executados  em  pontas  de  marfim, 
em  hastes  de  boi  bravo,  nos  manipanços  e  em  outros  grotescos 
baixos  relevos  das  portas  ou  hombreiras,  feitos  simplesmente 
com  o  auxílio  das  suas  facas,  representando  figuras  humanas, 
jacarés,  etc. 

No  entanto,  as  artes  que  os  povos  da  raça  Negra  cultivam 
com  persistência  e  até  mesmo  com  frenesi,  são  como  já  dissemos, 
o  canto,  a  musica  e  a  dansa. 

Intimamente  ligadas  e  subordinadas  ao  canto,  a  dansa  e  a 
música  são  qualquer  delas  monótonas. 

O  canto  consiste  quási  que  exclusivamente  em  uma  espécie 
de  recitativo,  uma  sucessão  monótona  de  uma  a  três  ou  pouco 
mais  notas,  repetidas  em  coro  por  diversas  vozes  em  tons  dife- 
rentes. 

No  sul  da  província,  porém,  encontramos  cantos  de  guerra, 
de  caça  e  as  tristes  e  doces  melopeias  dos  Gambos. 

Os  instrumentos  de  música  usados,  como  vimos,  são  varia- 
díssimos, mas  rudimentares,  compreendendo  instrumentos  de 
corda,  poucos  de  sopro  e  sobretudo  de  pancadaria  que  muito 
apreciam. 


DE  ANGOLA  551 

A  dança  é,  como  o  canto,  monótona  e  é  constituída  pela  repe- 
tição indefenida  de  passos  e  movimentos  semelhantes  e  cadencia- 
dos ;  o  seu  principal  caraterístico  é  ser  caricata  e  excessiva- 
mente lúbrica. 

O  canto,  e  sobretudo  a  dança  constituem  a  principal  distracção 
dos  indígenas  da  raça  Negra,  e  são  a  forma  de  assinalar  e  vin- 
cular os  actos  mais  importantes  da  vida  dos  indígenas,  os  sacri- 
ficios  oferecidos  pelo  nascimento,  pela  iniciação,  pelo  casamento, 
pela  morte,  pela  posse  ou  elevação  ao  trono  de  uma  autoridade 
gentílica,  e  por  tantos  outros,  de  que  o  canto  e  a  dança  são  com- 
plementos indispensáveis,  e  que,  em  determinadas  tríbus  são 
adequadas  a  cada  um  deles. 

Assim,  pois,  se  é  de  todo  inconveniente  adoptar  medidas  no 
sentido  de  alterar  os  usos  e  costumes,  em  tudo  que  não  brigue 
com  os  princípios  humanitários,  não  devemos  igualmente  modi- 
ficar os  processos  tradicionais  consagrados  a  assinalar  ou  tornar 
público  aqueles  mesmos  usos  e  costumes. 

O  facto  é  que  o  indígena,  desconhecedor,  ou  melhor  talvez, 
sem  querer  saber  dos  resultados  que  lhe  podem  advir  da  violenta 
excitação  e  do  cansaço  da  forma  como  exerce  a  dança,  dá  logar 
à  satisfação  dos  seus  prazeres,  e  em  noites  seguidas,  com  um 
louco  frenesi,  dansa  até  cair  extenuado. 

Como  medida  de  protecção  compete-nos  intervir,  adoptando 
medidas  no  sentido  de  evitar  os  inconvenientes  acima  apontados, 
reduzindo  o  número  de  dias  consagrados  a  vincular  os  actos  mais 
importantes  da  sua  vida  para  cada  consagração  ou  festa  e  limi- 
tando o  número  de  horas  de  cada  dia  (*). 

III. —  Das  sciências 

Não  podemos  negar  aos  indígenas  da  raça  Negra  conheci- 
mentos scientíficos,  não  obstante  os  ponhamos  em  dúvida  para 
as  tríbus  da  raça  Boschjman. 

Cremos  bem  que  a  noção  errada  de  negar  aos  indígenas  da 
raça  Negra  conhecimentos  scientíficos,  só  pôde  advir  da  forma 
como  se  encara  o  assunto,  pondo  em  confronto  os  conhecimentos 
dos  Negros  com  os  das  raças  civilizadas.  Só  assim  se  explica 
que  semelhante   afirmação  tenha  tido  curso,  não  atendendo  ao 


(i)  Vide  Apenso  XX. 


552  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

grau  de  civilização  em  que  os  povos  daquela  raça  se  encontram, 
e  consequentemente,  a  não  nos  restringir  a  apreciar  as  diversas 
manifestações  que  nos  traduzem  os  seus  conhecimentos  sciêntí- 
ficos. 

Para  avaliarmos  da  importância  dos  conhecimentos  sciêntífi- 
cos  dos  povos  da  raça  Negra,  e  mostrar  que  alguma  coisa  repre- 
sentam, não  os  devemos  pôr  em  confronto  com  os  das  raças 
civilizadas,  confrontemo-los,  por  exemplo,  com  os  da  raça  Bos- 
chjman. 

Esse  confronto  temos  vindo  a  fazer  neste  capítulo  e  por  êie 
se  constata  uma  tão  grande  superioridade  para  a  raça  Negra 
que  quási  a  podiamos  classificar  de  civilizada  em  relação  aos 
Boschjmanes. 

O  primeiro  colono  europeu  que  pôz  o  pé  em  África  encontrou 
já  o  Negro  construindo  a  sua  habitação  por  forma  a  não  poder 
negar-lhe  conhecimentos  apreciáveis  sobre  construção  ;  não  lhe 
podia  passar  desapercebido  que  êle  não  tivesse  conhecimentos 
sobre  a  manufactura  dos  tecidos  que  usava  e  de  todos  os  uten- 
sílios que  necessitava,  quer  para  uso  doméstico,  quer  para  agri- 
cultar as  suas  lavras;  viu-o  caçar  e  pescar  com  aparelhos,  que 
denunciavam  outros  tantos  conhecimentos,  e  constatou  que  êle 
também  os  tinha  sobre  algumas  culturas. 

Aqueles  que  põem  em  dúvida  os  conhecimentos  sciêntíficos 
dos  Negros  esquecem  ou  desconhecem  que,  talvez,  a  grande  maio- 
ria de  colonos  europeus  que  por  África  mourejam,  se  familiari- 
zaram com  alguns  dos  processos  usados  pelos  Negros  na  cultura 
e  tratamento  de  determinados  produtos,  e  em  outros  que  nos 
revelam  conhecimentos  sciêntíficos,  o  que  nos  fornece  um  pre- 
cioso argumento  em  favor  da  nossa  tese,  por  nos  mostrar  que 
os  conhecimentos  dos  Negros  não  podem  ser  postos  em  dúvida, 
nem  são  tão  para  desprezar,  que  não  sejam  aproveitados  pela 
grande  maioria  dos  colonos  europeus. 

.Tivemos  ocasião  de  vêr  no  estudo  etnográfico  que,  àlêm  do 
que  aqui  fica  exposto,  quási  todos  os  indígenas  da  província 
teem  noções  sobre  astronomia,  divisão  do  tempo,  matemática,  e 
que  sobre  conhecimentos  de  náutica  se  distinguem  os  Cabindas, 
Mussorongos  e  Mussumbes. 

De  todas  as  manifestações  da  vida  do  Negro,  o  tratamento 
das  suas  doenças,  é,  no  entanto,  aquele  que  melhor  nos  eviden- 
ceia  e  personaliza  o  valor  sciêntífico  dos  seus  conhecimentos. 

As  crenças  dos  Negros  baseiam-se  em  circunstâncias  mera- 


DE  ANGOLA  553 

mente  fortuitas,  sem  relação  alguma  com  os  acontecimentos  de 
que  se  sUpõe  que  elas  são  o  pronuncio,  sendo  por  esse  facto  a 
superstição  um  sentimento  religioso,  e  as  causas  de  todos  os  seus 
males,  ainda  os  mais  insignificantes,  atribuídos  ao  descontenta- 
mento dos  espíritos  dos  seus  parentes,  amigos  ou  inimigos,  fale- 
cidos, por  qualquer  acto  por  eles  praticado  e  que  lhes  desagrada, 
e  à  má  vontade  dos  seus  ídolos,  e  aos  malefícios  dos  feiticeiros. 
Assim,  quando  adoece  alguém,  trata-se  logo  de  averiguar  a 
causa,  para,  ao  mesmo  tempo  que  se  aplacam  as  iras  dos  descon- 
tentes ou  se  descobrem  os  feiticeiros,  se  aplicar  ao  doente  os 
remédios  apropriados. 

Temos  pois,  no  tratamento  das  doenças,  duas  partes  perfei- 
tamente distintas,  a  que  constitui  a  averiguação  da  causa  da 
doenya  e  o  seu  diagnóstico,  e  aquela  que  consta  propriamente 
do  seu  tratamento. 

Em  muitas  tríbus  da  raça  Negra— talvez  na  maioria  —  cada 
urna  daquelas  duas  partes  é  função  de  uma  determinada  enti- 
dade—  o  adivinho  para  a  primeira  e  o  curandeiro  para  a  segunda 
—  tomando  vários  nomes  para  cada  uma  delas,  e  até  nomes  es- 
peciais conforme  a  doença,  ou  designadas  por  um  nome  comum. 
Noutras  tríbus  as  funções  de  adivinho  e  curandeiro  são  atri- 
butos de  um  mesmo  indivíduo. 

Em  qualquer  dos  casos,  a  parte  que  constitue  propriamente 
o  tratamento  da  doença,  subdivide-se  em  duas :  a  primeira,  ope- 
rando por  sugestão  e  com  o  auxílio  de  práticas  de  magia,  e  que 
constitui  uma  espécie  de  preparação,  imperando  sobre  o  espírito 
do  doente  de  forma  a  bem  receber  o  que  propriamente  constitui 
o  tratamento;  a  segunda,  a  que  se  passa,  só  quando  o  curandeiro 
reconhece  estar  seguro  da  vontade  do  paciente,  e  que  constitui  na 
aplicação  dos  remédios  e  mezinhas. 

Se  a  primeira  parte  em  que  se  subdivide  o  tratamento  das 
doenças  nos  mostra  que  os  Negros,  por  intuição,  não  desconhe- 
cem os  processos,  de  que  a  medicina  moderna  tão  largamente 
lança  mão,  e  que  operando  sobre  o  espírito  do  doente  constituem 
meia  cura,  a  segunda  parte,  a  aplicação  do  seu  receituário,  tirado 
na  grande  maioria  da  flora,  constitue  só  por  si  o  bastante, 
para  que  não  possamos  negar  ao  Negro  conhecimentos  scientí- 
ficos. 

Destes   seus   conhecimentos   fazem   os    profissionais   segredo 
quási  que  absoluto,  sendo  dificil  neste  sentido  apanhar-lhes  qual- 
quer informação,  respondendo  por  evasivas  ou  erradamente,  e, 
36 


554  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

se  às  vezes  mais  ou  menos  forçados  por  reconhecimento  os  apli- 
cam a  europeus,  fazem-no  de  forma  a  esconderem  a  origem  do 
medicamento. 

Não  obstante  a  relutância  do  Negro  por  dar  a  conhecer  as 
plantas  de  que  tira  os  seus  medicamentos,  possuímos  uma  rela- 
ção de  um  número  avultado  de  plantas  empregadas  pelos  indí- 
genas no  tratamento  das  doenças,  e  que  aqui  não  incluímos  por 
lhe  não  conhecermos  senão  o  nome  gentílico. 

Citaremos  por  exemplo  :  as  raizes  da  ?nunhanoca  (Cássia  occi- 
dentalis)  e  de  mulemba  (Ficus  psilopoga),  e  a  casca  de  mulolo 
(Bauhinia  reticulata)  e  de  iríbulambia  (Psorosperum  fébrifugum) 
usadas  para  combater  a  febre ;  a  casca  e  raiz  de  molungo  (Ery~ 
trina  suberifera),  as  raizes  de  jile  (Tiliacora  chrysobotrya)  e  de 
mvk-óko  (Cissampeloos  Parideira)  para  a  sífilis ;  a  infusão  de  fo- 
lhas de  kalusangue  (Pencedanum  fraxinifolium)  nas  tosses  e 
doenças  de  peito  ;  cabeia  (Xilopia  aethiopica)  e  as  sementes  de 
jipepe  (Monodora  myristica),  como  tónicos  e  estomacais  ;  estas 
últimas  plantas,  o  jile,  as  raizes  da  mangueira  (Mangifera  indica) 
e  de  mulemba  (Ficus  psilopoga)  nas  disentrias  e  suas  complica- 
ções; cosimentos  de  casca  de  kalusangae  (Pencedanum  fraxini- 
folium) e  raizes  de  mangueira  nas  cólicas;  a  casca  de  mulolo 
(Bauhinia  reticulata)  e  cosimentos  de  raizes  de  mulemba  (Ficus 
psilopoga),  no  tratamento  de  feridas  e  úlceras;  etc.  . . 

Ainda  sobre  o  tratamento  de  doenças,  e  em  especial  sobre  as 
entidades  a  quem,  entre  os  indígenas,  está  confiado  aquele  tra- 
tamento, não  desejamos  dar  como  terminadas  as  nossas  conside- 
rações, sem  observar  que  este  assunto,  pela  sua  excepcional 
importância,  não  deve  passar  desapercebido  aos  legisladores. 

De  facto,  como  proceder  com  as  entidades  indígenas  que 
interveem  no  tratamento  das  doenças  ? 

Deve  dar-se  àquelas  entidades  liberdade  plena  para  exer- 
cerem o  seu  mister  ? 

Deve  restringir  se,  e  como?  Chamando-os  a  cooperar  com- 
nosco? 

Seria  talvez  o  mais  lógico,  mas  por  certo  o  menos  viável  na 
prática. 

Entendemos  que  só  com  um  conjunto  de  medidas  apropriadas 
podemos  chegar  a  resultados  práticos. 

Com  efeito,  a  repressão  das  práticas  empregadas  no  trata- 
mento das  doenças  dos  indígenas,  e  consequentemente  a  proibi- 
ção do  exercício  ilegal  de  adivinhos  e  curandeiros,  por  si  só, 


DE  ANGOLA  555 

terá  como  resultado  uma  perturbação  grande  na  vida  dos  indí- 
genas. 

Mas  como  ela  tem  inevitavelmente  de  ser  levada  a  efeito,  a 
única  forma  de  evitar  maior  perturbação  será  mandar  proceder, 
por  uma  missão,  ao  estudo  das  plantas  medicinais  aplicadas 
pelos  indígenas,  ao  mesmo  tempo  que  dotando-se  a  província 
com  uma  modelar  reorganização  dos  serviços  de  saúde  se  possa 
dar  cumprimento  integral  ás  disposições  em  vigor  sobre  assis- 
tência indígena  (*),  isto  é,  podermos  garantir  com  vantagem  para 
o  indígena  a  substituição  dos  curandeiros  pelos  nossos  médicos 
e  enfermeiros,  tendo  em  vista  na  aplicação  dos  medicamentos 
aqueles  tirados  da  flora  da  região,  para  assim  inspirar  confiança 
aos  indígenas. 

Não  podemos  pois,  de  no  projecto  do  Código  de  Justiça  In- 
dígena, deixar  de  incluir  as  medidas  de  repressão  que  devem 
ser  tomadas  com  relação  a  curandeiros  e  adivinhos,  por  que 
isso  se  nos  impõe,  como  um  dever  de  Nação  colonial  com  respon- 
sabilidades na  civilização  dos  povos  que  domina,  mas  repetimos 
que,  a  não  ser  esta  medida  contrabalançada  com  outras  como 
indicamos,  os  resultados  serão  absolutamente  nulos. 

IV.  —  Das  faculdades  intelectuais 

As  faculdades  intelectuais,  função  do  modo  de  actividade  do 
cérebro  e  produto  das  suas  manifestações  exteriores,  constituem 
um  caracter  étnico  que  não  pode  deixar  de  ser  tomado  na  devida 
consideração  para  o  estudo  das  raças. 

A  análise  das  faculdades  intelectuais  de  uma  raça  ou  tríbu  é 
sempre  difícil,  por  que  ao  fazer-se  tem  de  ser  considerada  a 
distinção  das  faculdades  intelectuais  próprias,  pertencentes  à 
raça  e  ao  indivíduo,  e  aqueles  que  provêem  da  educação  e  da 
acção  do  meio  exterior. 

Não  pode  ser  contestado  que  a  feição  das  manifestações  ex- 
teriores do  cérebro  e  portanto  dos  caracteres  intelectuais,  per- 
sistem através  dos  tempos,  como  os  caracteres  físicos ;  as  impulsões 
inerentes  à  matéria  cerebral  são  tão  tenazes,  que,  não  obstante 
a  educação  e  a  civilização,  resistem  mesmo  aos  cruzamentos. 
Mas,  o  que  igualmente  não  sofre  dúvida,  é  que  a  educação  e  a 


(')  Vide  Apenso  XXII. 


656  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

civilização,  tem  sobre  as  faculdades  intelectuais  uma  acção  evo- 
lucionadora  perfeitamente  demonstrada  por  factos,  variando  o 
seu  modo  de  ser,  consoante  a  faculdade  de  apropriação  dos  in- 
divíduos sobre  quem  recai  e  da  forma  como  é  exercida. 

No  que  respeita  ás  duas  raças  que  povoam  a  província,  e  no 
tocante  aos  indígenas  da  raça  Boschjman,  não  manifestam  estes, 
pelos  traços  da  sua  fisionomia  ou  nos  actos  da  sua  vida,  possuir 
a  menor  parcela  de  inteligência,  vivendo  em  uma  indiferença  a 
mais  absoluta,  e  não  se  preocupando  senão  em  beber  e  comer. 

E,  tão  convicto  estamos  da  ausência  de  faculdades  intelectuais 
no  Boschjman  que  lhe  negamos  um  dos  caracteres  considerados 
pelos  antropologistas,  como  comuns  ao  homem — a  faculdade  de 
assimilar  e  portanto  de  evolucionar  —  e  simplesmente  lhe  reco- 
nhecemos a  de  imitação. 

Outro  tanto  não  diremos  com  relação  ás  faculdades  intelectuais 
do  Negro,  por  que  as  possui  e  são  constatadas  por  todos  os  actos 
e  manifestações  da  sua  vida. 

Por  certo  é  a  memória  a  faculdade  intelectual  que  mais  desen- 
volvida se  encontra  entre  os  indígenas  da  raça  Negra,  e  que  em 
alguns  chega  a  ser  prodigiosa,  na  reprodução  fiel  de  tradições  que 
de  geração  em  geração  vêem  sendo  transmitidas. 

Pelas  tradições  e  lendas  que  contam,  dão-nos  igualmente  a 
conhecer  a  larga  imaginação  que  possuem,  reconstituindo  histó- 
rias e  scenas  transcendentes  em  que  figuram  seres  fantásticos, 
produto  da  sua  fértil  imaginação. 

São  observadores,  não  lhes  escapando  o  mais  pequeno  detalhe; 
mas  na  observação  são  dissimulados,  talvez  como  precaução  e 
como  meio  de  defeza. 

Só  quem  não  tenha  assistido  ás  suas  polémicas  e  aos  seus 
julgamentos,  lhes  pode  negar  raciocínio,  quer  servindo-se  da 
comparação,  do  exemplo,  e  dos  argumentos  em  apoio,  quer  so- 
bretudo do  dilema. 

Não  lhes  podemos  negar  a  faculdade  de  invenção,  mas  são 
pouco  previdentes. 

Dotados  das  faculdades  intelectuais  que  deixamos  expostas, 
os  indígenas  da  raça  Negra  teem  uma  facilidade  extrema  em 
assimilar,  e  de  se  desenvolverem  intelectualmente,  o  que,  apro- 
veitado por  uma  acção  constante,  progressiva  e  por  étapes  su- 
cessivas, garantirá  a  sua  evolução. 

A  nossa  acção  naquele  sentido  —  e  quando  dizemos  nossa 
referimo-nos  a  todas  as  nações  com  domínios  no  ultramar  —  tem 


DE  ANGOLA  557 

sido  quási  nula  e  até  contraproducente,  como  já  tivemos  ocasião 
de  referir  neste  capítulo,  por  quo  se  tem  traduzido  isoladamente 
e  sobretudo  por  uma  forma  brusca,  provocando  não  a  evolução 
natural  e  progressiva  da  raça,  mas  sim,  uma  forçada  aceleração 
na  evolução  intelectual  de  alguns  indivíduos  que  constituem  um 
tipo  esporádico,  que  a  todos,  brancos  e  a  indivíduos  de  côr 
assimilados  a  europeus,  convêm  estirpar  por  completo  do  meio 
social,  não  tornando  possivel  o  aparecimento  de  novos  produtos 
desta  espécie. 

E,  para  conseguir  esse  desideratum,  insistimos  que,  a  ins- 
trução deve  ter  um  caracter  essencialmente  utilitário  e  ao  mesmo 
tempo  prático.  .   . 

Que  a  escola  seja  mais  uma  oficina  do  que  uma  escola,  onde 
se  ensine  juntamente  com  a  língua  portuguesa,  um  oficio,  uma 
profissão,  o  trabalho  rural,  criando  operários  e  agricultores,  e 
preparando  obreiros  capazes  de  nos  secundar  utilmente  na  parte 
técnica  da  nossa  obra. 

Assim  a  preocupação  constante  do  Governo  da  Província  tem 
de  ser  de  criar  operários,  criar  agricultores,  instituindo  em  cada 
concelho,  circunscrição  ou  capitania  mór,  escolas  em  que  se  en- 
sine juntamente  com  a  língua  portuguesa,  com  a  leitura  e  escrita, 
com  as  quatro  operações  e  com  o  sistema  de  pesos  e  medidas, 
uma  arte,  ou  um  ofício  uma  profissão  manual,  o  trabalho  da 
terra,  o  trabalho  da  madeira,  da  pedra,  ou  dos  metais,  conforme 
a  índole  dos  seus  habitantes;  escolas  dotadas  de  um  regimen 
semi-internato,  a  que  se  atraia  o  indígena  por  uma  pequena 
remuneração,  ou  melhor  talvez,  por  meio  de  uma  ou  duas  re- 
feições de  géneros  da  terra,  de  modo  a  não  tentar  arrancar, 
sequer,  o  indígena  ao  meio  social  a  que  pertence,  onde  é  mister 
que  se  conserve,  melhorando-o  e  aperfeiçoando-o  cada  vez  mais. 

Eis  as  bases  sólidas  em  que  deve  assentar  a  instrução  que 
preconisamos  para  os  indígenas  de  Angola  (l),  como  sendo  aquela 
que,  difundindo- se  por  toda  a  província,  pelos  seus  processos  e 
a  par  e  passo,  melhor  concorrerão  para  a  evolução  da  raça  Negra. 

O  ensino  profissional  assim  instituído,  completar-se  há  com 
aquele  que  se  deverá  subministrar  nos  estabelecimentos  de  cor- 
recção e  de  tutela  a  que  já  nos  referimos,  cujos  resultados  não 
se  farão  esperar. 


(')  Vide  Apenso  XVII. 


CAPITULO  VI 

DA  VIDA  RELIGIOSA 

Segundo  o  modo  de  ver  dos  mais  exigentes  em  matéria  reli- 
giosa, a  maioria  das  manifestações  do  sentimento  religioso  dos 
indígenas  não  devem  passar  de  ser  consideradas  senão  como 
crenças,  atribuindo-lhes  os  mais  condescendentes  a  significação 
de  culto. 

Assim  não  o  entendemos,  porquanto,  se  o  conjunto  de  crenças 
e  cultos  dos  indígenas  não  constituem  uma  religião  definida,  tal 
como  costuma  conceber-se,  constituem,  no  entanto,  uma  forma 
religiosa  que  ainda  que  grosseira,  é  a  base  fundamental  sobre 
que  gira  a  vida  dos  indígenas. 

Nesta  ordem  de  ideias  atribuímos  aos  povos  indígenas  de 
Angola  a  primeira  forma  religiosa  bem  caracterizada  e  que  se 
manifesta  no  feiticismo — o  conjunto  do  crenças  e  manifestações 
pelas  quais  o  indígena  considera  e  interpreta  o  sobrenatural  — 
traduzido  no  culto  das  pedras,  dos  vegetais,  dos  animais,  das 
águas,  do  fogo,  do  vento,  dos  astros,  dos  chifres,  das  conchas, 
dos  dentes,  de  ídolos  e  feitiços  e  de  objectos  de  toda  a  espécie; 
e  ainda,  no  culto  dos  espíritos,  na  veneração  dos  manes,  na  crença 
em  uma  vida  futura  e  na  persistência  da  personalidade  depois 
da  morte. 

O  feiticismo,  apresenta-se,  porem,  com  vários  graus.  Ao  passo 
que  os  habitantes  das  florestas,  aterrorizados  pela  pujança  das 
manifestações  da  natureza,  praticam  o  feiticismo  na  sua  essência, 
rendendo  um  culto  bárbaro  a  todos  os  objectos  que  para  eles 
representa  o  perigo,  o  desconhecido  e  o  imprevisto,  outros  são 
monoteistas,  e  teem  por  vezes  concepções  religiosas  elevadas. 

Quer  num,  quer  noutro  caso,  os  sacerdotes  destas  religiões, 
essa  horda  de  exploradores,  constituída  pelos  adivinhos  e  feiti- 
ceiros, usando  e  abusando  da  grande  preponderância  que,  pela 


560  POPULAÇÕES    INDÍGENAS 

astúcia,  pela  mentira  e  pela  brutalidade,  conseguem  ter  sobre  a 
população  indígena,  exercem  a  mesma  deplorável  influência  sobre 
a  mentalidade  das  pobres  criaturas  que  exploram. 

Não  obstante,  a  opinião  em  contrário  do  Ex.mo  Sr.  Dr.  Cunha, 
de  que  o  Boschjman  não  é  feiticista,  transcrita  na  segunda  parte 
deste  trabalho,  cremos,  que  dentro  da  lata  definição  de  feiticismo 
cabem  as  manifestações  do  sentimento  religioso  de  todas  as  po- 
pulações indígenas  de  Angola. 

E,  assim  o  entendemos,  por  que  a  razão  apresentada  do  Bos- 
chjman não  ser  feiticista,  por  não  fazer  esculturas  de  espécie 
alguma,  não  nos  parece  de  ordem  a  excluir  o  Boschjman  do 
feiticismo,  em  face  da  sua  definição,  e  a  sê-lo,  teriamos  igual- 
mente de  excluir  do  feiticismo  algumas  das  tríbus  da  raça 
Negra,  entre  as  quais  se  não  encontra  o  feitiço  representado 
por  esculturas. 

O  Boschjman  é  feiticista  porque,  oprimido  entre  as  manifes- 
tações da  natureza  que  o  rodeia  e  desconhece,  crê  no  poder  iso- 
lador e  preservativo,  contra  os  seus  males,  de  qualquer  raiz, 
fruto  ou  outro  objecto. 

O  Boschjman  crê  na  existência  de  génios  justos  e  bons,  um 
habitando  nos  altos  ares,  presidindo  ás  estações,  mandando  nos 
astros,  etc,  outro  subterrâneo  que  de  lá  governa  o  mundo.  A 
par  destes  génios,  crêem  em  outros,  um  habitando  o  ceu  negro, 
e  outro  nas  mãos  do  qual  está  a  vida  e  a  morte  do  homem. 

Quanto  aos  Negros  não  resta  dúvida,  que  teem  uma  ideia 
imperfeita  e  rudimentar  do  deus  pai,  o  deus  criador,  uma  força 
suprema,  invisível  e  criadora,  que  se  manifesta  aos  olhos  do 
homem  através  do  poder  e  da  magestade  dos  elementos,  que  não 
temem  e  não  representam. 

Encontra-se,  pois,  no  Negro,  a  crença  no  ente  supremo  por 
mais  incerta,  imperfeita  ou  obscura  que  ela  possa  apresentar-se 
para  nós;  na  certeza  de  que  tudo  o  que  ela  transparece  de  sobre- 
natural, que  excede  os  limites  da  sua  compreensão,  é  atribuído 
à  agência  material  dos  poderes  de  um  ser  oculto  designado  por 
um  nome  especial,  que  varia  segundo  a  tríbu  —  Nzambi  (nas 
tríbus  do  norte  que  falam  o  Kicongo  e  Kimbundu),  Saku  (nas 
tríbus  Bimbundu),  Hnkii  (na  tríbu  Vanyaneka),  Kalunga  (nas 
tríbus  Guanguela  e  Banctuba). 

Ao  lado  destas  manifestações  do  sentimento  religioso,  o  Negro 
tem  o  culto  pelos  espíritos  bons  e  maus,  de  natureza  extra 
humana  ou  almas  dos   antepassados  ou   dos  feiticeiros   que   te- 


DE   ANGOLA  561 

mem,  por  poderem  exercer  uma  influência  malfazeja,  e  que 
servem,  aplacando-lhes  as  suas  iras  por  meio  de  oferendas  ou 
sacrifícios. 

Esta  predominante  manifestação  do  sentimento  religioso  do 
Negro  é,  pois,  o  de  uma  pura  superstição,  que  o  embaraça  a 
cada  momento  em  todos  os  actos  da  sua  vida.  O  Negro  vive  sem 
cessar  em  uma  atmosfera  de  terror,  terror  de  tudo  o  que  o  rodeia, 
dos  seus  antepassados,  e  dos  espíritos  ou  almas  dos  mortos  que 
lhes  falam  por  intermédio  dos  feitiços. 

Nas  culturas,  na  caça,  preservando  as  parturientes,  os  recem- 
nascidos  e  os  noivos,  na  administração  da  justiça,  emfim,  em 
todos  os  actos  da  vida  dos  indígenas,  por  mais  insignificantes, 
encontramos  o  feitiço.  No  norte  da  província,  nos  distritos  do 
Congo,  Loanda,  Cuanza  e  Lunda,  representados  pelos  manipanços 
ou  toscas  estatuetas,  para  o  sul  rareando  até  desaparecerem  e 
substituídas  por  diversos  objectos,  que  em  si  encarnam  algum 
génio  ou  espírito  poderoso. 

O  modo  de  ser  destas  manifestações  do  sentimento  religioso 
dá  lugar  à  rendosa  profissão  dos  que  são  encarregados  das  funções 
religiosas,  curandeiros,  adivinhos  e  feiticeiros. 

Ao  estudarmos  as  manifestações  da  vida  intelectual  dos  Negros, 
na  parte  referente  aos  conhecimentos  scientíficos  cremos  ter  dei- 
xado bem  expressa  a  diferença  entre  as  funções  do  curandeiro 
e  do  adivinho  e  seu  carácter  religioso. 

Feiticeiro  é,  em  geral,  o  indivíduo  que  se  julga  possuir  os 
poderes  ocultos  suficientes  para  fazer  o  mal,  e  como  tal  con- 
siderado o  terror  das  populações  indígenas  da  raça  Negra  ;  no 
entanto,  algumas  tríbus  distinguem  os  feiticeiros  prejudiciais,  dos 
bons,  daqueles  que  teem  poderes  para  contra-actuar  e  desfazer 
os  malefícios  dos  primeiros. 

Muitas  vezes  os  curandeiros  e  adivinhos  são  ao  mesmo  tempo 
feiticeiros  propriamente  ditos,  mas  o  mais  vulgar  é  serem  os 
curandeiros  também  adivinhos,  conforme  indicamos  no  mencio- 
nado capítulo  da  vida  intelectual. 

Assim  é  que  às  funções  de  curandeiro,  adivinho  e  feiticeiro 
andam  intimamente  ligados  aos  nomes  de  nganga  entre  as  tríbus 
do  Congo  e  Lunda,  ki?nbanda,  entre  as  tríbus  de  Loancla  e  Cuanza, 
tchimbanda,  entre  as  tríbus  de  Benguela,  vimbanda  entre  as  tríbus 
do  planalto  da  Huila,  etc. 

As  entidades  encarregadas  das  funções  religiosas  gozam  uma 
situação  preponderante  entre   as  populações  indígenas,   de  que 


562  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

dispõem  absolutamente  e  a  seu  bel-prazer,  e  intervindo  em  todos 
os  actos  da  sua  vida. 

Assim  é  que,  a  moral  entre  os  Negros  não  tem  outra  base  que 
não  seja  o  instinto,  outra  regra  que  não  seja  o  direito  do  mais 
forte,  outro  atributo  que  não  seja  o  adivinho  e  sobretudo  o  fei- 
ticeiro. 

Com  o  direito  sucede  outro  tanto. 

A  influência  dos  feiticeiros  faz -se  sentir  nas  relações  sociais  e 
sobretudo  no  tocante  à  aplicação  da  justiça,  quer  satisfazendo  um 
sentimento  de  vingança  pessoal,  quer,  pretendendo-se  ser  justo, 
dando  aos  factos  que  lhes  são  submetidos  uma  solução  conforme 
a  sua  opinião,  quer  enfim  fazendo  pender  a  justiça  para  quem 
melhor  lhes  pagar. 

Perante  a  forma  como  se  traduzem  as  manifestações  do  senti- 
mento religioso  dos  indígenas,  qual  tem  sido  a  nossa  orientação 
e  atitude,  e  a  das  demais  nações  com  domínios  em  África? 

O  trazer  para  África  a  nossa  escola,  considerando  os  nossos 
métodos  de  ensino  metropolitano  como  sendo  os  mais  próprios 
para  preparar  a  evolução  das  raças  indígenas,  e,  assim,  admi- 
tindo a  instrução  que  lhes  facultamos  nas  escolas  do  Governo  e 
aquela  que  consentimos  lhe  seja  ministrada  nas  missões  religio- 
sas, como  sendo  a  mais  poderosa  alavanca  para  o  progresso  na 
escala  da  civilização. 

A  acção  de  qualquer  destes  estabelecimentos  de  ensino 
é  absolutamente  condenável ;  manifestando-se  pelo  desenvolvi- 
mento acelerado,  e  certamente  antecipado,  da  inteligência  do 
Negro,  para  o  que,  nem  êle,  nem  o  meio  onde  vive,  estão  pre- 
parados. 

E  se,  quanto  à  forma  como  a  instrução  laica  é  ministrada  nas 
escolas  do  Governo,  já  tivemos  ocasião  de  nos  pronunciar,  clas- 
sificando-a  de  inconveniente  pelos  resultados  obtidos,  quanto  ao 
ensino  por  intermédio  das  missões  dos  diferentes  credos  é  êle 
absolutamente  condenável,  pela  forma  menos  racional  e  mais 
imperfeita  como  encaminham  o  Negro. 

O  missionário,  baseado  em  tradições  espiritualistas  e  ritua- 
listas,  destinadas  a  cérebros  e  climas  diferentes,  não  sabe  mode- 
lar os  princípios  moralizadores  consoante  o  estado  das  sociedades 
indígenas. 

No  estado  actual  do  desenvolvimento  dos  povos  da  raça  Negra, 
não  é  possível  substituir  as  crenças  indígenas  por  qualquer  das 
religiões  dos  povos  civilizados. 


DE  ANGOLA  563 

«A  razão  principal  ({)  dessa  grande  dificuldade,  mesmo  em 
relação  às  várias  formas  do  cristianismo,  reside  no  facto  do  fei- 
ticismo  ter  para  o  preto  um  carácter  essencialmente  material, 
dificil  de  substituir  pelo  carácter  essencialmente  espiritual  de 
quási  todas  as  formas  de  religião  de  Cristo  e  totalmente  impos- 
sível, por  agora,  de  substituir-se  pelo  carácter  de  pura  abstração 
que  distingue  a  religião  natural. 

«A  força  enorme  do  feiticismo  reside  na  confiança  absoluta 
que  o  indígena  deposita  no  seu  feitiço,  que  ele  pode  escolher 
entre  as  diversas  fórmulas  da  sua  religião,  apropriado  a  todas 
as  contingências  de  ordem  material  a  que  está  exposto  no  decor- 
rer normal  da  sua  vida. 

«O  gentio  armado  com  a  protecção  do  feitiço  que  deve  defen- 
dê-lo de  um  determinado  inimigo  invisivel,  mas  cujas  manifesta- 
ções são  sempre  materiais,  palpáveis,  sente-se  forte,  adquire  con- 
fiança em  si,  por  que  tem  uma  arreigada  fé  em  que  esse  feitiço 
o  defenderá  nas  conjunturas  a  que  poderá  expôr-se.  Ele  vê  o 
feitiço,  sente-o,  e  com  êle  é  capaz  de  arrostar  os  riscos  das  em- 
prezas  em  que  se  embrenha,  confiante  na  protecção  material  de 
que  se  julga  munido.  Essa  mesma  confiança  dá-lhe  audácia,  e 
todos  sabemos  quanto  é  importante  o  papel  desempenhado  nas 
acções  humanas  pela  confiança  do  homem  em  si  próprio  e  pela 
audácia,  seja  qual  fôr  o  fundamento  em  que  assentem  essas  duas 
qualidades  ou  sentimentos. 

«A  diferença  está,  porém,  em  que  o  bom  sucesso  num  em- 
preendimento realizado  por  um  homem  civilizado  é  por  êle 
explicado  por  uma  causa,  ao  passo  que  o  indígena,  incapaz  de 
deduzi-la,  explica-o  sempre  pelo  efeito  do  feitiço. 

« Se  acaso  a  fortuna  é  adversa  ao  indígena,  não  vira  as  cul- 
pas ao  feitiço,  e  a  sua  confiança  nele  não  sofre  o  menor  abalo, 
como  poderíamos  supor.  A  sua  imaginação  ingénua  e  os  seus 
hábitos  facultam-lhe  uma  explicação  simples  que  evita  a  destrui- 
ção da  crença  e  da  sua  fé. 

«É,  diz  êle,  por  que  o  seu  feitiço  foi  contra-actuado  por  um 
feitiço  de  influência  superior  à  do  seu,  ou  por  que,  por  uma 
natural  distracção,  deixou  de  executar  algumas  das  muitas  e  mui 
complicadas  minudências  dos  ritos  que  fortalecem  a  virtude  do 
feitiço. 


(•)  No  Congo  Português  —  Relatório  do   Governo  do  distrito,  José 
Cardoso,  1914. 


564  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

«Compare-se  isto  com  a  intimidade  dos  enguiços  a  que  são 
atreitos,  mesmo,  muitos  espíritos  cultos,  e  convencer-nos  hemos 
de  que  é  eminentemente  natural  a  suposta  acção  dinâmica  do 
feitiço. 

«A  falta  de  confiança  no  auxílio  que  possa  prestar-lhe  a  reli- 
gião civilizada  é,  portanto,  muito  fácil  de  compreender-se. 

«Em  primeiro  logar,  embora  o  indígena  creia  na  sobrevivência 
do  espírito,  não  lhe  parece  que  sirva  para  qualquer  coisa  a  sal- 
vação da  alma,  e  o  que  vê  nas  nossas  imagens  são  outros  tantos 
feitiços  destinados  a  fins  idênticos  aos  seus,  mas  que  só  são  efe- 
ctivos para  brancos. 

«Por  fim,  é  um  facto  que  o  indígena  convertido  tem,  como 
regra,  uma  fé  frouxa,  e  sente,  quando  entregue  a  ela,  a  falta 
de  qualquer  coisa  tangível  que  o  defenda  na  vida  presente,  e 
nas  conjunturas  materiais  mais  difíceis,  das  armadilhas  dos  mil  e 
um  feitiços  que  se  opõem  aos  seus  empreendimentos,  aos  quais 
se  entrega  sem  aquela  confiança  no  êxito  que  lhe  prometem  os 
seus  feitiços  familiares  e  portanto  de  facílima  intuição  para  êle. 

«Quando  sofre  um  insucesso,  que  se  lhe  pretende  explicar  pelo 
facto  de  Deus  querer  experimentar  a  intensidade  da  sua  nova  fé, 
não  o  satisfaz  essa  explicação  com  a  qual  se  não  governa  e  que 
não  o  anima  a  consolidar  a  sua  fé  nesse  Deus  que,  para  experimen- 
tá-lo, o  abandona,  expondo-o  assim  a  sérias  contingências,  que 
êle  não  pode  prever  quando  cessem,  por  não  saber  quando  acaba 
essa  prova  a  que  tem  de  sujeitar  a  sua  fé. 

«Daí  resulta  que  na  maioria  das  vezes  o  preto  cristão  adiciona 
à  sua  nova  crença  o  uso  íntimo  do  seu  feitiço,  para,  pelo  menos, 
iludir  o  feitiço  oposto,  encobrindo-lhe  a  sua  conversão  ao  cris- 
tianismo, o  que  afinal  não  passa  de  ser  uma  forma  prática  do 
preto  manifestar  que  também  compreende  que  é  bom  estar-se 
bem  com  todos  os  deuses.» 

O  missionário  e  a  religião  que  prega  e  que  deseja  implantar, 
nada  tem  conseguido  do  Negro,  nem  sequer  o  converteu,  por  que, 
debaixo  da  fraca  demão  de  verniz  que  a  instrução  cristã  lhe  deu, 
conserva-se  o  selvagem,  não  já  o  produto  natural,  mas  o  selva- 
gem tendo  assimilado  todos  os  defeitos  e  vícios  do  cristianismo. 

As  nações  com  domínios  em  África  pareceu  que  as  missões 
católicas  e  protestantes,  poderiam  transformar-se  em  outros  tan- 
tos valiosos  elementos  com  que  o  Estado  contaria  na  obra  de  colo- 
nização, por  quanto,  conjuntamente  com  a  instrução  literária 
elementar  que  subministram  ao  indígena,  ensinam-lhe  um  ofício, 


DE    ANGOLA  565 

uma  profissão,  o  trabalho  da  terra,  e,  com  a  incontestável  van- 
tagem do  seu  pessoal  dever  ser  escolhido  entre  homens  que  pelos 
seus  votos,  consagram  a  sua  vida  à  tarefa  de  missionar,  sem 
ambições  nem  esperanças. 

A  prática,  porém,  tem  de  sobejo  mostrado  à  evidência  que 
é  urgente  e  necessário  dar  como  terminada  esta  tentativa  que 
por  completo  falhou. 

As  missões  falharam  e  não  corresponderam  ao  que  delas  se 
esperava,  por  que  o  seu  principal  papel  e  aquele  a  que  com  in- 
teresse e  cuidado  mais  zelozamente  se  dedicam  é  o  de  converter 
à  sua  religião  ou  crença,  indígenas,  com  a  destruição  do  poder 
do  feitiço,  o  que  o  missionário  não  pode  conseguir,  sem  varrer 
da  mente  ingénua  dos  indígenas  as  suas  crenças  tradicionais,  e, 
consequentemente,  sem  destruir  a  organização  da  sociedade  ca- 
frial  que  tem  todos  os  seus  actos,  particulares  e  públicos,  inti- 
mamente relacionados  com  o  poder  do  feitiço. 

As  missões  religiosas  com  quem  se  contava,  como  poderosos 
factores  para  a  regeneração  das  raças  africanas,  não  passam 
de  elementos  de  desorganização  que  se  introduziram  no  seio 
das  sociedades  cafriais,  dando  logar  por  vezes  a  graves  pertur- 
bações. 

As  missões  religiosas,  como  quaisquer  outras  tentativas  con- 
géneres, tendo  como  base  o  combater  ou  aniquilar  as  crenças 
tradicionais  mais  radicadas  entre  os  indígenas,  não  podem  nem 
devem  ser  toleradas,  por  nocivas  e  prejudiciais  a  uma  bôa  polí- 
tica indígena. 

Não  será  com  semelhantes  processos  que  conseguiremos  en- 
fraquecer a  crença  do  indígena  nos  seus  feitiços,  a  forma  mais 
eficaz  de  combater  o  feiticismo  será  a  liberdade  absoluta  do  seu 
exercício,  combinada  com  uma  administração  inteligente,  em  que 
a  acção  civilizadora  do  Estado  recaia  sobretudo,  sobre  a  organi- 
zação económica,  o  meio  mais  próprio  de  acelerar  e  facilitar  a 
evolução  social. 

Sem  fazer  do  feiticismo  uma  religião  do  Estado,  devemos 
admiti-lo,  e  garantir  o  seu  livre  exercício,  se  não  quizermos  que 
êle  seja  contra  o  Estado. 

Conforme  o  exposto,  no  projecto  do  Estatuto  Civil  e  Político 
dos  Indígenas  de  Angola  (l)  estabelecemos  o  princípio  da  libér- 


ia Vide  Apenso  I 


586  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

dade  de  consciência  e  de  cultos  e  garantimos  o  exercício  de  todos 
os  cultos  desde  que  não  ofendam  os  princípios  humanitários,  não 
se  consentindo  prática  alguma  que  por  qualquer  forma  possa 
constituir  crime  contra  pessoas  e  punindo-se  severamente  todos 
os  que  a  exerçam  ou  para  ela  concorram  ('). 


(i)  Vide  Apenso  III  (Parte  III). 


.      CAPÍTULO  VII 
DA  VIDA  FAMILIAL 

I.  —  Do  nascimento 

Não  obstante,  entre  algumas  tríbus  da  raça  Negra,  se  con- 
sultem adivinhos  e  curandeiros,  nos  últimos  tempos  de  gravides, 
afim  de  encaminhar  os  sucessos  a  um  bom  êxito,  de  uma  ma- 
neira geral,  os  Negros  só  recorrem,  por  este  facto,  ao  adivinho 
ou  ao  curandeiro,  quando  sobrevem  qualquer  complicação. 

As  cerimónias  aconselhadas  pelos  adivinhos  e  os  remédios 
mandados  aplicar  pelos  curandeiros,  parece  que  se  renovam  em 
todas  as  fases  da  lua. 

Além  do  exposto,  e  o  cessarem  todas  as  relações  entre  marido 
e  mulher  no  último  período  da  gravides,  não  conhecemos  quais- 
quer outras  práticas  ou  medidas  higiénicas  durante  aquele  pe- 
ríodo, tanto  mais  que  a  mulher  grávida  só  deixa  os  trabalhos 
usuais  a  que  se  entrega,  quando  se  pronunciam  os  primeiros 
sintomas  do  parto,  sendo  vulgar  surpreendê-la  o  parto  nos  tra- 
balhos das  lavras  ou  em  viagem. 

No  entanto  o  parto  em  condições  normais  tem  lugar  na 
cubata  da  parturiente,  e  estando  esta  dè  bruços  ou  ajoelhada. 

O  parto  é  assistido  pelas  vizinhas  e  amigas  da  parturiente  e 
em  alguns  povos,  por  mulheres  especialmente  destinadas  a  esse 
fim,  uma  espécie  de  parteiras,  que  a  ajudam  no  parto. 

O  nascimento  duma  criança  é  sempre  motivo  para  regosijo 
por  parte  dos  indígenas  da  raça  Negra,  sobretudo  se  é  do  sexo 
feminino,  não  só  por  que  a  mulher  representa  sempre  para  a 
sua  família  o  valor  do  penhor  do  casamento  dado  pelo  noivo, 
como,  por  que,  pertencendo  os  filhos  ao  clan  materno,  são  as 
mulheres  que  se  encarregam  de  aumentar  a  sua  prole,  emquanto 
que  os  homens  aumentam  as  dos  outros,  e  às  vezes  sem  o  saber, 


588  '  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Mais  ou  menos  todas  as  tríbus  da  raça  Negra  festejam  ou 
praticam  cerimónias  ou  práticas,  por  ocasião  do  parto  e  pela 
imposição  do  primeiro  nome  ou  do  leite  ao  recemnascido.  Se 
alguns  povos  não  teem  por  costume  levá-las  a  efeito  pelos  dois 
actos,  não  deixam  de  as  praticar  por  um  deles. 

As  práticas  e  festas,  se  servem  de  pretexto  para  orgias,  são 
igualmente  a  forma  de  tornar  público  o  nascimento  e  de  o  sole- 
nizar. Na  libata  ou  sanzala,  e  mesmo  nas  que  ficam  mais  pró- 
ximas, o  nascimento  é  imediatamente  conhecido,  e  em  grande 
número  de  tríbus  é  obrigatória  a  comunicação  do  nascimento  à 
autoridade  gentílica. 

Este  facto  vem  facilitar  e  tornar  viável  o  poder  tornar-se 
obrigatório  o  registo  dos  nascimentos,  e  deles  tornar  responsável 
as  autoridades  gentílicas,  conforme  o  deixamos  estabelecido  no 
projecto  do  Registo  do  Estado  Civil  dos  Indígenas  (*). 

A  latação  das  crianças  prolonga-se  até  muito  tarde,  dois  ou 
três  anos,  no  entanto,  não  passa  isso  de  uma  guloseima,  por  que 
é  rara  a  mãe.  que  ao  fim  de  um  mês  não  dá  ao  recemnascido 
caldos  grossos  de  farinha  de  mandioca  ou  de  milho, — e  mesmo 
bolos  de  massa  que  fazem  daquelas  farinhas,  que  o  obrigam  a 
chupar. 

O  nascimento  de  uma  criança  com  qualquer  defeito  físico  ou 
o  facto  de  nascer  em  posição  que  não  seja  a  habitual,  é  ainda  em 
grande  número  de  tríbus,  motivo  para  que  a  própria  mãe  tenha 
que  afogar  ou  enterrar  no  lodo  o  seu  filho. 

O  primeiro  nome  ou  de  leite  é  imposto  poucos  dias  depois  do 
nascimento  e  anda  em  geral  ligado  a  qualquer  acontecimento 
notável  que  por  ocasião  do  nascimento  se  deu,  ou  ao  nome  de 
visita  importante  que  chegue,  tornando-se  a  criança  comemorativa 
do  facto. 

Do  que  fica  exposto  sobre  a  forma  de  proceder  do  Negro  pelo 
nascimento,  se  reconhece  não  lhe  merecer  grandes  cuidados  o 
recemnascido  nem  a  mãe,  o  que  prejudica  e  limita  a  população, 
em  parte,  porquanto  outras  causas  a  determinam,  como  sejam, 
os  casamentos  com  uma  idade  muito  juvenil,  a  poligamia,  etc, 
a  que  em  ocasião  oportuna  mais  detalhadamente  teremos  ocasião 
de  nos  referir.  Aqui,  entraremos  em  linha  de  conta  unicamente, 
com  a  falta  de  cuidados  e  medidas  higiénicas,  ao  recemnascido 


(•)  Vide  Apenso  IV. 


DE    ANGOLA  569 

e  à  mãe,  que  a  própria  natureza  tem  suprido,  com  a  grande 
fecundidade  da  mulher  e  facilidade  com  que  concebe. 

As  medidas  tomadas  neste  sentido,  as  poucas  que  estão  em 
vigor,  não  teem  tido  execução  por  parte  do  serviço  de  saúde 
por  falta  de  organização.  Queremos  referir-nos,  à  portaria  pro- 
vincial n.°  406  de  22/3/14  (*),  creando  comissões  de  assistência 
médica  e  definindo  as  suas  atribuições,  onde  não  foi  esquecida  a 
assistência  indígena  na  gravidez  e  na  infância,  e  o  funcionamento 
de  maternidades. 

Se  estas  estão  no  papel,  e  resta  o  principal,  executá-las, 
muitas  outras  medidas  de  assistência  e  protecção  urge  promulgar, 
àlêm  das  que  nos  anteriores  capítulos  indicamos. 

A  administração  da  província  na  parte  que  se  refere  a  as- 
suntos indígenas  e  de  política  indígena  é  deficientíssima,  por 
que  carece  de  estabelecimentos  de  protecção  e  assistência  indí- 
gena, protegendo,  tutelando  e  corrigindo;  enquanto  este  estado 
de  coisas  assim  se  mantiver,  não  se  dotando  a  província  com 
estabelecimentos  daquela  natureza,  não  poderemos  caminhar, 
e  a  nossa  acção  será  estéril  por  que  dela  não  resulta  coisa 
apreciável. 

Todas  as  iniciativas  caem  por  terra  em  face  da  falta  de  uma 
verba  para  custear  a  instalação  e  garantir  o  funcionamento  dos 
estabelecimentos  com  que  é  urgente  dotar  a  administração  da 
província. 

É  mister,  pois,  que  se  crie  um  fundo  especial  de  protecção  e 
assistência  aos  indígenas,  constituído  : 

1.°  —  Pelas  receitas  de  loterias  cuja  emissão  seja  autorizada 
na  província  (-) ; 

2.°  —  Pelas  importâncias  que  constituem  o  bónus  de  repatriação 
de  trabalhadores  indígenas  contratados  para  dentro  e  fora  da  pro- 
víncia, -que  faleceram  durante  a  constância  do  contracto  ou  antes 
do  pagamento  do  respectivo  bónus,  quando  os  herdeiros  os  não 
reclamem  dentro  do  prazo  estipulado  por  lei ; 

3.°  —  Pelas  receitas  que  por  lei  ou  determinação  superior, 
sejam  destinadas  ao  mesmo  fim; 

4.°  —  Por  subsídios  de  particulares. 

Nestes  termos,  e  estabelecendo  que  o  fundo  reverta  a  favor 


(»)  Vide  Apenso  XXII. 
(2)  Vide  Apenso  XIII. 
37 


570  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

de  colónias  de  correcção,  de  tutorias  de  infância,  de  asilos  de 
velhos  e  inválidos,  de  prémios  de  natalidade  a  indígenas  e  de 
quaisquer  despezas  eventuais  de  protecção  e  socorro  aos  indígenas, 
elaboramos  o  projecto  que  incluímos  no  apenso  (*). 

Conforme  acabamos  de  indicar,  parte  do  fundo  de  protecção 
e  assistência  destina-se  a  prémios  de  natalidade,  visto,  por 
enquanto  não  ser  viável  promulgar  outras  disposições,  a  não 
ser  as  já  indicadas  no  projecto  regulamento  do  Registo  do  Estado 
Civil  e  as  que  estabelecemos  no  projecto  do  Código  de  Justiça 
Indígena,  com  o  fim  de  dificultar  a  poligamia. 

Como  disposição  destinada  a  fomentar  o  aumento  da  população 
e  a  moralização  dos  seus  costumes,  em  apenso  incluímos  o  pro- 
jecto, instituindo  os  prémios  de  natalidade  a  indígenas  concedidos 
às  mulheres  casadas,  nos  termos  do  Registo  do  Estado  Civil  dos 
Indígenas,  que  provem  ter  cinco  ou  mais  filhos  vivos  do  marido 
e  devidamente  registados  (2). 

Como  tivemos  ocasião  de  notar,  o  que  deixamos  exposto  é 
relativo  ao  nascimento  entre  os  indígenas  da  raça  Negra,  no 
tocante  ao  Boschjman  não  consta  haver  festas,  cerimónias  ou 
práticas  pelo  nascimento,  e  não  obstante  as  disposições  por  nós 
propostas  poderem-lhe  ser  extensivas,  cremos  bem  que  a  sua 
aplicação  não  se  efectivará  nos  pequenos  núcleos  de  população 
Boschjman  pela  relutância  que  este  tem  em  de  nós  se  aproximar. 

II.  —  Da  educação  e  iniciação 

Entre  as  populações  indígenas  da  província  não  se  praticam 
Jogos  ou  misteres  como  fazendo  parte  de  um  sistema  de  educação 
física. 

Outro  tanto  podemos  acrescentar  quanto  à  educação  intele- 
ctual, não  obstante,  como  já  fizemos  notar  ao  tratarmos  das 
faculdades  intelectuais,  o  Negro  acorrer  com  facilidade  à  escola. 

Quanto  à  educação  moral  não  pode  ela  ser  negada  a  qualquer 
das  raças  da  província,  por  que,  não  obstante  se  apresente 
diferente  da  moral  da  nossa  raça,  ela  constata-se  sobre  várias 
formas  em  todos  os  actos  da  vida  dos  indígenas. 

As  creanças  de  um  e  outro  sexo  até  aos  sete  anos  estão  ao 
cuidado  quási  exclusivamente  das  mães;  depois  desta  idade,  as 


O  Vide  Apenso  XIV. 
(2)  Vide  Apenso  XV. 


DE    ANGOLA  571 

raparigas  continuam  mais  ou  menos  acompanhando  a  mãe  e  os 
rapazes  passam  a  ajudar  o  pai,  até  à  idade  da  puberdade  ou  de 
constituir  família. 

É  deste  convivio  que  resulta,  por  assim  dizer,  a  educação  nas 
primeiras  idades,  e  por  êle  que,  de  geração  em  geração,  se  trans- 
mite o  modo  de  ser  das  populações  indígenas. 

Com  esta  preparação  considera-se  o  indígena  apto  para  cons- 
tituir família,  no  entanto,  entre  as  populações  da  raça  Negra,  ã 
educação  não  fica  por  aqui  para  determinadas  classes  e  cargos, 
ou  profissões.  Referimo-nos  aos  que  por  hereditariedade  tenham 
de  vir  a  exercer  autoridade,  aos  que  desejem  ou  mostrem  aptidões 
para  curandeiros,  e  aos  que  tendam  para  a  magia  e  desejem  pra- 
ticar para  adivinhos. 

Estes  teem  de  se  sujeitar  a  uma  educação  especial;  os  futuros 
sobas  ou  dignatários,  exercida  pelos  seus  ascendentes;  os  curan- 
deiros e  adivinhos,  exercida  pelos  considerados  mestres  nestes 
misteres,  sujeitando-se  a  cerimónias  e  práticas,  que  difícil  é  ao 
europeu  conhecer. 

O  que  o  Estado  tem  feito  em  Angola  sobre  a  educação  do 
indígena,  cremos,  ficou  claramente  exposto  nos  anteriores  capítu- 
los, bem  assim  como  igualmente  os  resultados  obtidos  e  o  que,  em 
nossa  opinião,  urge  fazer. 

O  conjunto  de  medidas  que  temos  vindo  proposto,  combinadas 
com  aquelas  que  no  decorrer  deste  trabalho  teremos  ocasião  de 
propor,  completarão  a  legislação  especial,  que  mais  se  coaduna 
com  a  índole  do  indígena,  e  constituirão  por  esse  facto,  garantia 
suficiente,  pelo  menos,  para  a  sua  fácil  efectivação,  se  lhe  qui- 
zerem  negar  o  êxito  dos  seus  resultados. 

A  este  respeito  não  desejamos  deixar  de  nos  referir  à  falta 
de  estabelecimentos  destinados  a  internar  indígenas  menores, 
órfãos  ou  abandonados,  que  tanto  embaraça  a  tutela  dos  que 
por  lei  teem  de  substituir  o  poder  paternal  daqueles  menores, 
obrigando-os  a  recorrer  ao  depósito  em  casa  de  particulares, 
que  nem  sempre  é  o  mais  conveniente. 

Reservando-nos  para  mais  detalhadamente  tratar  este  assunto 
em  outro  capítulo  deste  trabalho,  aqui,  unicamente  queremos 
frizar  que  a  tutela  dos  menores  órfãos  e  abandonados  é  uma 
utopia,  se  não  houver  estabelecimentos  especiais  onde  possam 
ser  depositados  (d). 


(i)  Vide  Apenso  XVI. 


572  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

As  práticas  de  iniciação  a  que  são  submetidos  os  indígenas 
dos  dois  sexos  das  tríbus  da  raça  Negra,  constituem  um  costume 
característico  daquela  raça,  visto  que  não  são  praticadas  pelo 
Boschjman. 

A  iniciação  é  uma  educação  especial  que  os  indígenas  dos 
dois  sexos  recebem  ao  chegar  à  idade  da  puberdade,  no  momento 
em  que  vão  tornar-se  adultos,  a  que  o  indígena  se  tem  de  sujeitar 
para,  na  sociedade  cafrial,  poder  fazer  uso  dos  direitos  e  deveres 
que  pelo  costume  são  inerentes  à  classe  a  que  pertence. 

A  iniciação  é,  pois,  um  dos  actos  mais  solenes  da  vida  dos 
indígenas  da  raça  Negra,  por  que  ela  constitui  o  rito  de  passagem 
da  juventude  para  a  adolescência,  sem  a  qual  o  indígena  não 
pode  casar  e  portanto  constituir  família. 

A  iniciação  é  levada  a  efeito  em  grupos  de  iniciados  e  consiste 
essencialmente,  na  operação  ou  mutilação  dos  órgãos  genitais,  e 
em  práticas  ou  cerimónias;  destas  umas,  levadas  a  efeito  como 
medida  de  precaução  a  tomar  para  a  rápida  cicatrização  dos 
ferimentos  produzidos  pela  operação,  outras,  propriamente  para 
solenisar  e  tornar  público  o  acto,  e  ainda  outras,  exclusivamente 
para  os  indivíduos  do  sexo  feminino,  e  que  consistem  em  uma 
espécie  de  aprendizagem  nas  relações  sexuais. 

A  operação  em  si,  consiste  nos  indivíduos  do  sexo  masculino, 
na  circuncisão;  nos  indivíduos  do  sexo  feminino,  consiste  na 
ablação  dos  grandes  lábios  da  vagina,  ou  pelo  menos,  na  prefu- 
ração  da  membrana  do  hymen.  Em  qualquer  dos  casos  é  a  ope- 
ração feita  com  uma  faca  bem  afiada. 

No  que  respeita  ás  práticas,  como  medidas  de  precaução, 
podemos  considerar  como  tais,  o  isolamento  dos  operados,  o 
vestuário  exigido  durante  a  cura,  e  o  costume  de  pintar  o  corpo 
e  o  rosto  aos  pacientes.  Quaisquer  deles  constituem  costumes 
tradicionais  que,  como  tantos  outros,  teem  a  sua  razão  de  ser,  o 
seu  fundamento,  e  que  para  o  presente  caso  encontramos  nas 
medidas  de  higiene  a  tomar  depois  da  operação. 

Com  efeito,  tanto  para  os  rapazes  como  para  as  raparigas,  a 
operação  é  feita  em  logar  isolado  e  em  geral  afastado  da  povoa- 
ção, onde  os  operados  se  conservam  incomunicáveis,  durante  um 
determinado  tempo;  ali  permanecem  durante  o  tempo  da  cura 
sendo  lhes  vedado  falar,  sequer,  com  qualquer  pessoa  que  não 
seja  o  curandeiro  operador  ou  a  quem  está  incumbido  de  lhes 
levar  de  comer. 

Como  tivemos  ocasião  de  ver  no  estudo  etnográfico,  o  local 


DE   ANGOLA  573 

onde  se  pratica  a  operação  de  iniciação  pode  ser  uma  cubata 
isolada  na  povoação,  mas  o  mais  usual  é  ser  em  logar  afastado 
desta,  em  cubata  especialmente  constituída  para  esse  fim  ou 
mesmo  no  meio  do  mato. 

Destas  cubatas,  a  mais  característica,  é  a  usada  pela  tríbu 
Cabinda  para  a  iniciação  dos  indivíduos  do  sexo  feminino  —  a 
casa  das  tintas  —  nome  que  tem  a  sua  origem  no  facto  de  que 
as  iniciadas  são  nela  esfregadas  com  tacula. 

Como  não  é  dificil  antever,  o  regimen  e  a  fiscalisação  a  que 
estão  sujeitos  os  pacientes,  depois  da  operação  e  durante  a  cura, 
tem  por  fim  não  a  prejudicar  e  acelera-la,  evitando  que  os  ini- 
ciados tenham  relações  sexuais. 

Outro  tanto  sucede  com  relação  ao  vestuário  usado  emquanto 
dura  a  cura,  constituído  unicamente  por  panos  em  que  se  envol- 
vem, e  que  diminuem  ou  mesmo  evitam  o  atrito  do  vestuário 
nos  órgãos  genitais,  que  assim  poderia  prejudicar  o  bom  anda- 
mento da  cura. 

Finalmente,  o  costume  de  aplicar  tintas  no  corpo  e  rosto  dos 
pacientes  consideramo-lo  como  um  meio  fácil  de  fiscalização  e 
que  denuncia  qualquer  dos  iniciados  que  queira  eximir  se  ao 
regimen  a  que  está  sujeito,  evadindo-se. 

Terminada  a  cura  são  os  iniciados  lavados  e  apresentados 
solenemente  na  sanzala  ou  libata,  dando-se  começo  ás  cerimó- 
nias que  patenteiam  e  tornam  público  o  acto,  constituída  por 
danças,  cânticos  e  libações,  que  se  prolongam  em  dias  consecu- 
tivos. 

Como  tivemos  ocasião  de  mostrar  no  estudo  etnográfico,  na 
grande  maioria  das  tríbus  da  raça  Negra  —  aquelas  que  menos 
contacto  teem  tido  com  a  civilização  europeia  —  os  iniciados  ao 
apresentarem-se  na  povoação  vêem  mascarados,  com  vestes  de 
fibras  vegetais  que  os  cobrem  totalmente,  parecidas  com  as  pa- 
lhoças usadas  pelos  pastores  das  províncias  do  norte  de  Portugal, 
ou  de  malha  com  saios  franjados  em  volta  da  cintura ;  em  outras 
tríbus  este  costume  tem  caido  em  desuso  e  os  iniciados  não  se 
apresentam  mascarados  nas  festas  de  iniciação,  mas  vestem  panos 
novos  que  as  respectivas  famílias  lhes  fornecem. 

A  estas  festas  da  iniciação  dão  excepcional  brilho  os  povos 
das  tríbus  do  sul  e  leste  da  província. 

Álêm  do  que  fica  exposto  é  positivo  que,  na  grande  maioria 
das  tríbus  da  raça  Negra,  outras  práticas  são  levadas  a  efeito 
na  iniciação  das  raparigas,   sem  contudo   delas  podermos   dar 


574  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

ideia,  pelo  sigilo  que  guardam  a  este  respeito.  Sabe-se  que  as 
iniciadas  são  internadas  em  casas  especiais,  onde,  àlêm  da  ope- 
ração, lhes  são  ministrados  outros  conhecimentos  sobre  a  forma 
como  teem  de  se  haver  nas  relações  sexuais,  e  há  quem  afirme 
que  lhes  são  dados  praticamente,  dando  logar  a  scenas  obscenas. 
Resta-nos,  para  completar  tanto  possivel  o  que  é  a  iniciação 
entre  os  Negros,  esclarecer  que  a  operação  é  das  atribuições  de 
um  curandeiro  especial,  o  que  não  obsta  que  da  infecção  pro- 
duzida pela  operação  morram  alguns  dos  pacientes. 

III.  —  Do  casamento 

O  casamento  sendo  a  base  da  constituição  da  família,  vem 
trazer-nos,  para  o  estudo  das  populações  indígenas  de  Angola, 
as  primeiras  noções  da  organização  da  família  em  cada  uma  das 
duas  raças  que  a  povoam. 

O  casamento  dos  indígenas  da  província  é  um  perfeito  con- 
tracto civil;  bem  ao  contrário  do  que  se  dá  com  todos  os  actos 
da  vida  gentílica,  em  que  se  encontra  bem  manifesta  e  acentuada 
a  influência  de  qualquer  das  manifestações  da  sua  rudimentar 
religião,  no  casamento,  não  intervém  o  adivinho  ou  feiticeiro, 
nem  os  costumes  tradicionais  e  usuais  a  êle  inerentes  traduzem 
a  menor  influência  religiosa. 

O  casamento,  entre  os  indígenas  da  raça  Boschjman,  tem 
feição  monogâmica  e  o  seu  caracter  essencial  é  a  exogamia.  O 
Boschjman  é  obrigado  a  procurar  mulher  fora  do  seu  clan  ou 
mais  geralmente  dos  seus  parentes,  pois  que,  persentindo  a  sua 
raça  condenada  defende-se,  sente  a  necessidade  de  por  qualquer 
maneira  reagir  contra  o  exgotamento  da  sua  estirpe. 

Entre  as  populações  indígenas  da  raça  Negra,  domina  a  poli- 
gamia e  o  casamento  tem  um  caracter  exclusivamente  económico. 

O  indígena  deseja  ter  muitas  mulheres,  isso  representa  um 
capital,  e  consequentemente  um  luxo  muito  apreciado ;  a  mulher 
aspira  sempre  a  ter  muitos  filhos,  que  constitui  uma  riqueza 
para  a  sua  família,  sobretudo  se  forem  do  sexo  feminino,  por 
que  deles  pode  dispor. 

Os  esponsais  ou  ajustes  do  casamento  são  feitos  entre  o  noivo 
e  o  clan  materno  da  família  da  noiva,  em  geral,  representado 
pelo  tio  materno  ou  o  individuo  considerado  como  chefe  do  clan, 
e  para  o  que  não  há  necessidade  do  consentimento  da  noiva. 

A  família  da  noiva  recebe  do  noivo,  como  penhor  do  contrato 


DE  ANGOLA  Õ7Õ 

de  casamento  um  determinado  valor  em  dinheiro,  fazendas,  gado, 
géneros,  etc.,  que  será  devolvido  se  por  qualquer  circunstância 
se  não  chega  a  efectivar  o  casamento. 

Na  sua  essência,  o  que  deixamos  exposto  é  o  que  caracteriza 
os  esponsais,  e  que  pode  considerar-se  generalizado  a  todas  as 
tríbus  da  raça  Negra,  no  entanto,  dentro  desta  fórmula  genérica, 
cabem  as  diferentes  modalidades,  variáveis  de  tríbu  para  tríbu. 

Assim,  quanto  à  idade  dos  ajustes  do  casamento  e  à  situação 
em  que  fica  a  noiva  depois  de  pedida,  impossível  se  torna 
estabelecer  uma  regra  fixa,  tão  variável  é  a  maneira  de  pro- 
ceder. 

Em  algumas  tríbus  os  ajustes  são  feitos  ainda  em  tenra  idade 
da  noiva ;  noutras  os  ajustes  precedem  com  pouca  antecipação  a 
época  da  iniciação ;  em  outras  tríbus  os  ajustes  são  por  ocasião 
das  festas  tornando  público  a  iniciação ;  e  ainda  em  outras  tríbus, 
como  a  Cabinda,  o  noivo,  quando  pretende  qualquer  rapariga,  é 
êle  próprio  que  promove  e  acelera  a  sua  iniciação.  E,  se  as 
coisas  assim  se  passam  quanto  à  época  dos  ajustes  do  casamento, 
outro  tanto  sucede  quanto  à  situação  da  noiva  que,  ou  se  con- 
serva em  casa  de  sua  familia,  ou  pode  acompanhar  p  futuro 
marido,  cedida  pela  familia,  sem  contudo  poder  ter  com  ela 
relações  sexuais,  ou  pode  mesmo  chegar  a  permitir-se  uma  es- 
pécie de  casamento  de  ensaio. 

A  virgindade  da  mulher  não  é  exigida  nem  estimada;  não  é 
nem  podia  ser  exigida,  por  que  este  facto  iria  de  encontro  ao 
costume  da  operação  usual  por  ocasião  da  iniciação  da  mulher, 
não  é  estimada,  por  que  o  casamento  tem  um  caracter  exclusi- 
vamente económico,  sendo  raro  que  o  inspire  qualquer  sentimento 
de  amor  ou  afecto. 

O  casamento  efectiva-se  pelo  pagamento  de  penhor  estipulado 
entre  o  noivo  e  a  familia  do  noivo  e,  como  por  ocasião  de  outros 
actos  solenes  da  vida  dos  indígenas,  torna-se  público  pelo  sacri- 
fício de  uma  cabeça  de  gado  bovino,  lanígero  ou  suino,  conforme 
a  região,  que  se  abate  para  as  festas  tradicionais  solenizando  o 
casamento  que,  como  todas  as  outras,  redundam  em  uma  verda- 
deira orgia. 

Efectivado  o  casamento  é  a  noiva  entregue  ao  seu  marido, 
variando  o  cerimonial  da  entrega  consoante  a  tríbu.  Em  umas 
tríbus,  por  exemplo  nas  Bimbundu,  é  a  noiva  levada  ao  marido 
e  acompanhada  por  um  cortejo,  cuja  composição,  varia  segundo 
o  costume  local;  em  outras  tríbus  a  noiva  simula  uma  fuga  e  o 


576  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

noivo  corre  a  buscá-la,  levando-a  consigo ;  em  outras  finalmente, 
a  entrega  é  pela  ocasião  das  festas  tornando  público  o  acto. 

No  que  diz  respeito  a  impedimentos  do  casamento,  a  consan- 
guinidade nem  sempre  o  é,  pois  que  há  o  exemplo  do  casamento 
entre  tios  e  sobrinhas  e  vice-versa,  mas  a  loucura,  a  lepra  ou 
qualquer  outra  doença  incurável  é  impedimento,  por  que  os  in- 
divíduos atacados  destas  doenças  não  conseguem  casar. 

O  casamento  dissolve-se  pela  morte  e  pelo  divórcio. 

O  divórcio  pode  ser  promovido  por  qualquer  dos  conjugues 
ou  pela  família  da  mulher  —  em  geral  o  chefe  do  clan  materno. 

O  homem  divorcia-se  da  mulher,  quando  há  incompatibilidade 
de  génios,  quando  ela  é  descurada  e  incapaz  para  os  trabalhos 
agrícolas.  A  mulher  dívorcia-se  do  homem,  quando  há  a  mesma 
incompatibilidade  de  génios,  por  maus  tratos,  por  ausência,  sem 
que  do  ausente  haja  notícias,  etc.  A  família  da  mulher  promove 
o  divórcio,  em  geral,  quando  esta,  passados  dois  anos  ou  pouco 
menos,  não  tem  filhos,  isto  é,  por  incapacidade  procreativa  do 
homem,  e  por  incompatibilidade  irredutível  das  famílias  dos  côn- 
juges. 

Do  divórcio  resulta  para  os  cônjuges  a  situação  anterior  à 
do  casamento,  ficando  livres  do  vínculo  que  os  ligava  um  ao 
outro  e  aptos  para  contraírem  novo  casamento,  seguindo  a  mu- 
lher para  o  seio  da  sua  família,  mas  ficando  obrigado  o  cônjuge 
que  deu  causa  ao  divórcio  a  restituir  ao  outro  cônjuge  ou  à 
família  deste  o  valor  do  que  deles  recebeu,  e  a  perder  em  se« 
favor  tudo  o  que  êle  haja  dado  como  penhor. 

No  caso  do  divórcio  por  incapacidade  procreativa  do  marido, 
dada  a  circunstância  da  mulher,  contraindo  novo  casamento,  não 
ter  filhos  do  segundo  marido,  o  primeiro  marido  pode  exigir  a 
restituição  do  penhor. que  perdeu  em  favor  da  mulher  ou  da  sua 
família  quando  se  divorciou,  mas  se  do  segundo  marido  a  mu- 
lher divorciada  houver  filhos  poderá  ela  ou  a  sua  família  exigir 
deste  uma  indemnização,  em  geral,  correspondente  ao  número 
de  anos  da  constância  do  primeiro  casamento. 

O  adultério  não  constitui,  em  geral,  motivo  para  o  divórcio, 
o  que  não  quer  dizer  que,  em  algumas  tríbus,  o  adultério  da 
mulher  dê  lugar  ao  divórcio,  e  que  este  seja  sempre  punido  com 
uma  indemnização  ao  marido  ultrajado,  voltando  a  mulher  para 
o  lar,  apta  a  novamente  praticá-lo,  às  vezes  até,  instigada  pelo 
marido  que  nesse  crime  tem  uma  bela  fonte  de  receita. 

O  adultério  em  algumas  das  tríbus  Ganguelas  chega  quási  a 


DE  ANGOLA  577 

constituir  uma  instituição,  sendo  mais  estimadas  as  mulheres 
adulteras.  Assim,  é  que,  chegam  as  mulheres  a  fazer  verdadei- 
ras tournées  pelos  povos  visinhos,  provocando  os  homens,  e  indo 
depois  relatar  ao  marido  as  infidelidades  cometidas  e,  sobretudo, 
os  co-reus  adúlteros,  a  quem  o  marido  vai  exigir  a  repectiva 
indemnização,  sendo  vulgar  que,  negando  aqueles  o  crime,  sejam 
chamados  perante  os  tribunais  onde  a  própria  adúltera  lhes  vai 
lembrar  as  condições  em  que  se  deu  o  crime. 

Em  face  do  que  constituem  os  costumes  gentílicos  sobre  casa- 
mento, e  que  concretisamos  nos  anteriores  períodos,  vamos  pas- 
sar a  estudar  a  legislação  especial  que  a  este  respeito  tem  de  ser 
elaborada,  consoante  os  nossos  deveres,  como  nação  colonial, 
estabelecidas  na  Conferência  de  Berlim  e  nas  Bases  das  Cartas 
Orgânicas  das  colónias. 

Começando  pelo  registo  do  casamento,  deve  este  ser  registado 
pelo  oficial  ou  ajudante  do  registo  civil  (*),  e  pela  sua  participa- 
ção será  responsável  a  autoridade  gentílica  dos  cônjuges,  que 
no  acto  receberão  uma  chapa  metálica,  indicando  o  número  do 
registo,  a  repartição  onde  foi  registado  e  o  ano,  que  constitui 
uma  certidão  ou  extracto  do  registo  do  casamento. 

O  projecto  do  Código  de  Justiça  Indígena  (2)  deve  estabelecer 
que  o  casamento  é  um  contracto  puramente  civil  que  se  presumo 
perpétuo  sem  prejuizo  da  sua  dissolução  pelo  divórcio. 

O  projecto  estabelece  que  não  podem  contrair  casamento  :  os 
parentes  por  consaguinidade  ou  afinidade  em  linha  recta,  ainda 
que  o  casamento  causa  da  afinidade  tenha  sido  dissolvido ;  os 
irmãos;  os  menores  de  16  anos,  sendo  do  sexo  masculino,  e 
de  14  anos,  sendo  do  sexo  feminino,  e  aqueles  que  manifesta- 
mente se  reconheça  estarem  atacados  de  demência  ou  loucura, 
tripanosimiase,  lepra  ou  qualquer  outra  doença  incurável  ou 
contagiosa  ou  que  importe  aberração  sexual. 

Para  os  menores  entre  os  16  e  18  anos,  sendo  do  sexo  mas- 
culino, e  entre  os  14  e  16  anos,  sendo  do  sexo  feminino,  só  é 
permitido  o  casamento  mediante  uma  licença,  por  que  se  deve 
pagar  uma  pequena  taxa,  e  que  pode  ser  recusada,  quando  o 
funcionário  do  registo  o  entender  conveniente. 

O  casamento  não  poderá  celebrar-se  sem  o  consentimento  por 


(')  Vide  Apenso  IV. 
(2)  Vide  Apenso  III. 


578  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

parte  dos  tios  maternos  ou  pais  da  noiva,  ou  por  quem  fôr  con- 
siderado como  chefe  do  seu  clan  materno. 

No  que  diz  respeito  aos  actos  e  ajustes  usuais,  preliminares 
do  casamento,  feitos  entre  os  noivos  ou  perante  as  famílias  des- 
tes, devem  ser  considerados  lícitos  e  garantidos,  pelo  Código, 
desde  que  se  provem.  Assim  o  casamento  pode  ser  garantido 
por  um  penhor  em  dinheiro,  gado,  fazendas,  ou  quaisquer  géneros 
ou  artigos  entregues  pelo  noivo  aos  tios  maternos  da  noiva  ou  a 
quem  segundo  o  costume  deve  receber,  podendo  a  sua  entrega 
ser  feita  antecipadamente  à  realização  do  casamento  ou  no  acto 
da  sua  celebração,  ficando  o  seu  valor  consignado  no  registo  do 
casamento.  Por  este  penhor  fica  solidariamente  responsável  a 
família  da  noiva,  contraindo  a  obrigação  de  restituí-lo,  desde  que 
o  casamento  deixe  de  realizar-se. 

Àlêm  do  penhor,  sendo  costume  em  algumas  tríbus  o  troca- 
rem-se  dádivas  ou  ofertas  durante  o  ajuste  do  casamento,  devem 
estas  ficar  igualmente  consignadas  no  registo,  e  a  sua  restitui- 
ção ser  obrigatória,  quando  o  casamento  deixe  de  realizar-se. 

Deve-se  permitir  o  regimen  polígamo,  mas  restringir-se  há 
com  o  pagamento  de  taxas  progressivas  para  cada  mulher  àlêm 
da  primeira. 

No  que  respeita  aos  haveres  dos  conjugues,  o  casamento  deve 
considerar-se  sempre  feito  com  separação  de  bens,  e  os  bens 
adquiridos  durante  a  constância  do  casamento  devem  pertencer 
exclusivamente  à  sociedade  familial  do  marido,  salvo  os  artigos 
de  vestuário  e  objectos  de  uso  doméstico  da  mulher  que  ficam 
pertencendo  a  esta.  Esta  disposição,  como  tantas  outras  não 
obstante  nos  repugnem,  traduzem  um  costume  radicado  nas 
populações  indígenas  que  não  pode  deixar  de  ser  considerado 
no  Código,  por  que  isso  acarretaria  uma  profunda  alteração  na 
organização  da  família,  que  por  todos  os  motivos  convém  não 
provocar. 

A  administração  dos  haveres  trazidos  para  o  casal  por  qual- 
quer dos  cônjuges,  bem  como  a  dos  adquiridos  durante  a  cons- 
tância do  casamento,  pertence  ao  marido  que  não  pode,  contudo, 
alienar  os  haveres  que  a  mulher  haja  trazido  sem  o  consenti- 
mento do  chefe  do  clan  materno  da  família  da  mulher. 

O  marido  por  si  ou  pelos  seus  haveres  não  será  responsável 
pelas  dívidas  da  mulher,  bem  assim  como  a  mulher  não  será 
responsável  pelas  dívidas  do  marido. 

Passando  a  examinar  o  costume  gentílico  no  que  respeita  às 


DE  ANGOLA  579 

dissoluções  do  casamento,  deve  o  Código  estabelecer  a  dissolução 
pela  morte  e  pelo  divórcio. 

O  divórcio  poderá  ser  pedido  só  por  um  dos  cônjuges,  por 
ambos  conjuntamente,  ou  pelo  indivíduo  considerado,  segundo  o 
costume,  como  o  chefe  do  clan  materno  da  mulher. 

O  divórcio,  quando  pedido  por  ambos  os  cônjuges  conjunta- 
mente classificar-se-há  por  mútua  consentimento  ;  quando  pedido 
só  por  um  dos  cônjuges  ou  pelo  chefe  do  clan  materno  da  mulher, 
será  litigioso. 

O  divórcio  por  mútuo  consentimento  obter-se  há  por  simples 
solicitação  dos  cônjuges  ao  presidente  do  tribunal  indígena  do 
segundo  grau,  da  área  a  que  eles  pertencem,  que  o  autorizará 
provisoriamente  depois  de  perante  êle  os  cônjuges  provarem 
o  casamento,  e  acordarem  na  forma  de  restituir  as  ofertas  ante- 
nupciais e  sobre  a  situação  dos  filhos  menores,  se  os  houver.  Na 
sua  primeira  reunião  o  tribunal  sancionará  o  divórcio  e  lavrará 
a  sua  sentença  definitiva  se  os  cônjuges  persistirem  na  sua  re- 
solução. 

Para  o  divórcio  litigioso  pedido  por  um  dos  cônjuges,  são 
causas  legítimas:  a  incompatibilidade  de  génios;  maus  tratos; 
ausência,  sem  que  do  ausente  haja  notícias  por  tempo  não  infe- 
rior a  cinco  anos ;  o  adultério  da  mulher ;  a  esterilidade  da  mu- 
lher e  a  incapacidade  procreativa  do  homem ;  a  inaptidão  da 
mulher  para  os  trabalhos  agrícolas ;  a  loucura  ou  demência  e 
qualquer  outra  doença  contagiosa  ou  que  importe  a  aberração 
sexual ;  e  os  condenados  pelos  crimes  a  que  corresponda  pena 
de  degredo. 

Para  o  divórcio  litigioso  pedido  pelo  chefe  do  clan  materno 
da  mulher  serão  causas  legítimas  ;  a  incompatibilidade  irreductí- 
vel  das  famílias  dos  conjugues  ;  e  a  condenação  do  homem  pelos 
crimes  a  que  corresponda  pena  de  degredo. 

Solicitado  o  divórcio  litigioso  ao  presidente  do  tribunal  indí- 
gena do  segundo  grau  da  área  a  que  pertencem  os  conjugues, 
fará  este  intimar  os  conjugues  para  comparecerem  perante  o  tri- 
bunal com  as  suas  respectivas  testemunhas,  e,  se  exgotados  os 
meios  conciliatórios,  tentados  no  julgamento,  os  conjugues  per- 
sistirem no  propósito  de  se  divorciarem,  o  tribunal  lavrará  a 
sentença  do  divórcio  definitivo,  em  que  ficará  definida  a  questão 
dos  haveres  e  encargos  do  casal,  a  restituição  das  ofertas  e 
penhor  e  bem  assim  a  situação  dos  filhos  se  os  houver. 

O  cônjuge  que  der  causa  ao  divórcio  litigioso  fica  obrigado 


580  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

a  restituir  ao  outro  ou  à  família  deste  o  valor  do  que  deles  rece- 
beu, como  penhor  ou  ofertas,  e  a  perder  em  seu  favor  tudo  o 
que  lhe  haja  dado  como  penhor. 

Do  divórcio  deverá  resultar  para  os  cônjuges,  em  relação 
aos  seus  haveres,  a  situação  anterior  à  do  casamento,  salvo  para 
os  adquiridos  durante  a  constância  do  casamento  que,  conforme 
o  costume,  deverão  pertencer  ao  clan  materno  do  homem.  No  en- 
tanto, deve  em  parte  compensar-se  a  mulher,  e  é  justo  que  ela 
fique  com  o  direito  ao  fruto  das  plantações  que  exclusivamente 
agricultou  e  a  uma  parte  dos  daquelas  em  cuja  agricultura  auxi- 
liou o  marido,  e  que  será  fixada  pelo  tribunal. 

Os  créditos  adquiridos  e  os  débitos  contraídos  durante  a 
constância  do  casamento  pertencem  ao  marido,  salvo  os  que  res- 
peitem aos  haveres  trazidos  pela  mulher,  sobre  os  quais  o  tribu- 
nal decidirá  como  julgar  de  justiça. 

Havendo  filhos  menores  de  16  anos  e  acordo  sobre  a  qual 
dos  cônjuges  ou  suas  famílias  deverão  eles  ser  entregues  e  con- 
fiados, será  êle  respeitado ;  não  o  havendo,  incumbe  ao  tribunal, 
tendo  em  vista  os  usos  e  costumes  locais,  providenciar  àcêrca  do 
destino  a  dar  aos  filhos  menores  de  16  anos,  devendo  de  prefe- 
rência entregá-los  aos  cuidados  dos  parentes  maternos. 

Os  cônjuges  divorciados  são  para  todos  os  efeitos  considera- 
dos livres  do  vínculo  que  os  ligava  um  ao  outro  e  aptos  para 
contraírem  novo  casamento,  quer  restabelecendo  a  todo  o  tempo, 
a  sociedade  conjugal,  quer  passando  a  novas  núpcias  com  ou- 
trem. 

O  marido  contra  quem  seja  lavrada  sentença  de  divórcio  liti- 
gioso, com  o  fundamento  da  sua  incapacidade  procreativa,  po- 
derá exigir  a  restituição  do  penhor  e  ofertas  ante-núpciais  que 
perdeu,  quando  a  mulher  de  quem  se  divorciou,  tendo  contraído 
novas  núpcias,  não  manifestou  a  sua  fecundidade,  mas  se  do  úl- 
timo casamento  da  mulher  divorciada  houver  filhos,  constando-se 
assim  a  incapacidade  procreativa  do  homem  de  quem  se  divorciou, 
poderá  ela  ou  a  sua  família  exigir  deste  uma  indemnização  que 
o  tribunal  fixará  consoante  os  usos  e  costumes  locais. 

IV.  —  Da  família 

A  constituição  da  família  entre  as  populações  indígenas  da 
raça  negra  Boschjman,  tendo  como  tipo  o  totemismo,  não  antevê 
senão  a  protecção  da  raça,  reagindo  contra  o  exgotamento  da 


DE   ANGOLA  581 

sua  estirpe;  ela  não  nos  dá  a  menor  indicação  sobre  qualquer 
costume  tradicional,  que  possamos  traduzir  em  lei,  regulando  as 
relações  sociais. 

Nas  populações  indígenas  da  raça  Negra,  a  família  constitui 
uma  instituição  solidamente  organizada,  tendo  por  base  o  regi- 
men polígamo  com  fins  exclusivamente  económicos,  em  que  o 
parentesco  se  estabelece  pela  linha  maternal,  e  a  sucessão  é  cola- 
teral e  se  defere  entre  tios  e  sobrinhos,  filhos  das  irmãs  uteri- 
nas, e,  na  falta  destes,  entre  irmãos  uterinos. 

A  constituição  da  família  do  Negro  que,  aparentemente,  parece 
semelhante  à  das  sociedades  civilizadas,  é  bem  diferente  e  tem 
feição  característica.  Ao  passo  que  nas  sociedades  civilizadas  o 
casamento  dá  logar  à  constituição  de  um  novo  lar  doméstico,  a 
que  ficam  pertencendo  os  cônjuges  e  seus  filhos,  pelo  casamento 
gentílico  dos  indígenas  da  raça  Negra,  não  se  constitui  de  facto 
um  novo  lar ;  a  mulher  não  vai  para  o  casamento  senão  para 
enriquecer  com  os  seus  braços  o  marido  e  a  família  deste,  e  dar 
filhos  para  aumentar  a  prole  da  sua  família;  a  mulher  não  vive 
na  mesma  cubata  com  o  homem,  mas  em  uma  cubata  separada 
com  os  seus  filhos;  enfim,  os  cônjuges  ficam  pertencendo  às 
suas  respectivas  famílias,  e  os  filhos  que  houver  do  casamento 
fazem  parte  da  família  da  mulher.  O  homem  tem  por  dever 
proteger  e  defender  a  pessoa  e  haveres  da  mulher  e  de  prover 
à  sua  alimentação,  bem  assim  como  dos  seus  filhos  menores ;  a 
mulher  deve  obediência  ao  marido ;  os  filhos  devem  respeito  e 
obediência  aos  pais ;  mas  o  que  não  resta  dúvida,  é  que,  quem 
exerce  a  verdadeira  autoridade  na  sociedade  conjugal,  é  o  chefe 
do  clan  materno  da  família  da  mulher,  que  dispõe  dos  filhos  do 
casal,  e  a  quem,  sobretudo,  obedece  a  mulher. 

O  clan  materno  é,  pois,  quem  preside  aos  destinos  da  família, 
e,  como  a  unidade  de  constituição  da  comunidade  das  populações 
indígenas  da  raça  Negra  não  é  o  indivíduo,  como  sucede  nas 
sociedades  civilizadas,  mas  a  família,  o  clan  materno  pôde  bem 
considerar-se  como  uma  instituição  servindo  de  base  ou  de  su- 
porte da  colectividade,  em  volta  da  qual  gira  toda  a  vida  cafreal, 
sobre  que  êla  superintende  de  uma  maneira  categórica  e  positiva. 

Individualmente  o  indígena,  por  mais  aptidões  e  qualidades 
de  trabalho  que  revele,  não  lhe  é  permitido  acumular  em  seu 
próprio  proveito  o  que  possa  angariar  pelo  produto  ou  rendi- 
mento do  seu  trabalho,  tem  que  reparti-lo  pela  sua  família,  e 
como  esta  verdadeiramente  está  limitada  ao  clan  materno,  a  esta, 


582  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

por  intermédio  do  seu  chefe,  compete  interferir  administrando 
o  produto  do  trabalho,  da  indústria  e  do  comércio  dos  mem- 
bros da  família. 

E,  assim  como  o  indígena  não  pode  dispor  do  produto  do 
seu  trabalho,  não  seria  lógico  que  a  esta  feição  colectiva  da  vida 
gentílica,  não  correspondesse,  por  parte  do  clan  materno,  a  obri- 
gação jurídica  de  prestar  assistência  a  todos  os  seus  membros, 
visto  que  todos  são  considerados  responsáveis  pelas  acções,  cri- 
mes ou  delictos  cometidos  por  qualquer  deles. 

Esta  feição  colectiva  é  igualmente  usual  e  tradicional,  para 
a  celebração  dos  sacrifícios  ou  cerimónias,  levadas  a  efeito  nos 
actos  mais  solenes  da  vida  dos  indígenas,  pois  que  cada  um  dos 
membros  do  clan  materno  tem  por  dever  contribuir  com  a  sua 
parte  para  as  despezas. 

Esta  instituição  de  suporte  colectiva  a  que  estão  subordina- 
dos todos  os  direitos  e  obrigações  dos  indígenas  da  raça  Negra, 
não  pôde  deixar  de  transparecer  e  ser  traduzida  no  Código  de 
Justiça  Indígena,  por  que  não  envolve  matéria  que  vá  de  encon- 
tro aos  princípios  humanitários  dos  povos  civilizados. 

Nesta  ordem  de  ideias,  o  projecto  do  Código  de  Justiça 
Indígena,  consigna,  para  efeitos  do  mesmo  Código,  que  os  indi- 
víduos de  que  se  compõe  o  clan  materno  de  uma  família  consti- 
tuem entre  si  o  que  se  denomina  sociedade  familiar ;  (*),  e  esta- 
belece que  esta  sociedade  abrange :  a  propriedade  que,  nos 
termos  legais  possa  vir  a  pertencer-lhes ;  tudo  o  que  cada  um 
dos  seus  membros  possa  apropriar-se  por  ocupação ;  o  uso  e  os 
rendimentos  do  que  fica  consignado ;  o  produto  do  trabalho, 
indústria  e  comércio  de  cada  um  dos  seus  membros. 

Àlêm  disto  estabelece  que  a  sociedade  familiar  é  solidaria- 
mente responsável  pelo  cumprimento  de  todas  as  disposições 
civis  voluntariamente  contraídas  por  qualquer  dos  seus  membros 
ou  que  aos  mesmos  seja  imposta  por  efeito  legal  ou  por  sentença* 

No  que  respeita  à  relações  mútuas  entre  os  diversos  membros 
da  família,  estabelece  o  projecto  do  Código,  quanto  à  mulher 
a  obrigação  (2)  de  prestar  obediência  ao  marido ;  de  viver  em 
cubata  que  aquele  lhe  destinar  ;  de  o  acompanhar,  salvo  para 
fora  da  província ;  de  o  auxiliar  nos  trabalhos  da  sua  agricul- 


(*)  Vide  Apenso  III  (Parte  II,  capítulo  II). 

(2)  Vide  Apenso  III  (Parte  II,  capítulo  V,  secção  II). 


DE  ANGOLA  583 

fura  e  indústria  e  dos  serviços  domésticos ;  quanto  ao  marido  a 
obrigação  de  proteger  e  defender  a  pessoa,  e  os  haveres  da  mu- 
lher e  de  prover  à  sua  alimentação  e  vestuário. 

Sobre  as  relações  entre  pais  e  filhos  (*)  fica  consignado  no 
projecto  do  Código  que,  ao  pai  compete  reger  e  dirigir  a  pessoa 
dos  filhos  menores,  bem  assim  como  defendê-los  perante  os  tri- 
bunais, e  prover  à  sua  subsistência,  participando,  igualmente, 
destes  deveres,  o  chefe  do  clan  materno. 

Na  ausência  ou  impedimento  do  pai  compete  à  mãe  substi- 
tuí-lo, e  na  falta  daquele  são  os  seus  deveres  e  obrigações  para 
com  os  filhos  menores,  exercidas  por  tutela. 

A  tutela  pertence  ao  chefe  do  clan  materno  ou  qualquer 
outro  membro  deste,  por  tácito  acordo  entre  a  família,  e  na  falta 
destes  ao  chefe  do  clan  paterno  ou  a  qualquer  membro  deste 
por  tácito  acordo.  A  tutela  dos  menores,  órfãos  ou  abandona- 
dos, de  que  se  não  conheça  família,  será  exercida  pelo  Curador 
Geral  ou  por  delegação  deste  pelos  agentes  do  curador. 

No  que  diz  respeito  aos  deveres  dos  filhos  menores  devem 
eles  obediência  e  respeito  aos  pais  e  ao  chefe  do  clan  materno. 

No  que  acabamos  de  expor  e  no  que  ficou  dito  com  relação 
ao  casamento,  Sobre  a  superintendência  do  clan  materno  na  vida 
na  vida  familial  das  populações  indígenas  da  raça  Negra,  cremos 
ter  mostrado  a  feição  característica  e  sui  generis  que  deve  ter  o 
Código  de  Justiça  Indígena  e  a  que  no  capítulo  seguinte  nova- 
mente nos  teremos  de  referir. 

V.  —  Da  morte 

Perante  a  morte,  como  em  todas  as  outras  manifestações  da 
sua  vida,  o  Boschjman  comporta-se  como  o  verdadeiro  selva- 
gem, distanciando-se  consideravelmente  do  Negro. 

Ao  passo  que  o  Boschjman,  vivendo  por  viver,  nascendo  e 
morrendo  como  ao  acaso,  não  patenteia  a  morte  por  prantos  e 
cerimónias  e  abandona  os  cadáveres  dos  mortos,  o  Negro  celé- 
bra-a  com  festas  e  sacrifícios  e  enterra  os  cadáveres  dos  seus 
mortos. 

O  Negro,  supersticioso  sobremaneira,  não  toma  a  morte  como 
coisa  natural  e  atribui-a  sempre  a  qualquer  malefício,  que  a  fa- 


([)  Vide  Apenso  III  (Parte  II,  capítulo  V,  secção  II) 


584  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

mília  do  falecido  tem  por  dever  indagar  e  para  o  que  se  recorre 
ao  adivinho.  Junto  do  cadáver  o  adivinho  dá  largas  à  sua  ima- 
ginação, fazendo  práticas  para  convencer  os  assistentes  do  seu 
poder  mágico,  e,  na  grande  maioria  das  tríbus,  chega  a  subme- 
ter o  morto  a  um  apertado  interrogatório,  de  que  só  êle  adivinho 
é  capaz  de  perceber  as  respostas.  É  claro  que  o  adivinho,  é 
sempre  astuto  bastante  para  estar  ao  par  dos  factos  ocorridos 
entre  os  povos  onde  exerce  o  seu  mister,  para  lhe  ser  fácil  atri- 
buir a  responsabilidade  da  morte  a  um  seu  inimigo  que  apon- 
tado como  feiticeiro,  se  não  desaparece,  nas  tríbus  em  menos  con- 
tacto com  as  autoridades,  terá  morte  bárbara. 

No  que  diz  respeito  à  mortalha,  varia  esta  consoante  a  tríbu, 
e  vai,  desde  uma  esteira  em  que  se  envolve  o  cadáver,  ao  ves- 
tir-se  este  como  nunca  em  vida  trajou.  Sobre  a  mortalha  o 
costume  mais  característico  que  encontramos  nas  populações 
indígenas  da  raça  Negra,  é  o  usado  pelos  povos  do  sul  da  pro- 
víncia e  por  parte  de  alguns  do  distrito  de  Benguela  e  que 
consiste  em  envolver  o  cadáver  com  uma  pele  de  boi,  que, 
tratando-se  de  soba,  lenga  ou  de  pessoa  categorizada,  tem  de 
ser  preta. 

Ao  cadáver,  esfregado  com  tacula,  nas  populações  do  norte 
da  província,  ou  com  sangue  de  boi,  nas  do  sul,  dá-se,  na  grande 
maioria  das  tríbus,  a  posição  de  sentado,  ficando  com  o  queixo 
apoiado  nos  joelhos,  os  braços  estendidos  ao  longo  das  pernas  e 
estas  dobradas  e  juntas  ao  tronco,  tendo  de,  em  alguns  casos, 
para  obter  esta  posição,  partir-se  a  golpe  de  machado  a  espinha 
dorsal  ao  cadáver. 

O  cadáver  depositado,  em  geral  na  cubata  que  em  vida  lhe 
serviu  de  vivenda,  é,  após  o  falecimento,  chorado  em  altos 
prantos  pelas  mulheres  da  família  e  das  vizinhas,  emquanto  que 
os  homens  fora  da  cubata  de  espaço  a  espaço  anunciam  o  óbito 
por  descargas  ou  tiros  isolados. 

Ao  mesmo  tempo,  outros  vão  preparando  as  coisas  para  as 
cerimónias  do  funeral,  mais  ou  menos  complicadas  e  demoradas, 
consoante  a  categoria  social  do  falecido  e  sobretudo  dos  seus 
haveres,  visto  que  um  óbito  é  sempre  pretexto  para  uma  ver- 
dadeira orgia  qne  se  prolonga  o  mais  que  se  pode,  e  com  o 
pretexto  de  que  o  morto  ainda  não  está  satisfeito  e  deseja  que  as 
festas  continuem. 

É  indispensável  no  óbito  o  sacrifício  de  uma  ou  mais  cabeças 
de  gado  bovino,  lanígero  ou  suino,  conforme  a  região;  no  sul  da 


DE  ANGOLA  585 

província,  onde  abunda  o  gado  bovino,  em  funeral  de  certa 
ordem  são  sacrificados  pelo  menos  dois  bois,  um  logo  que  se  dá 
o  óbito  e  outro  junto  à  sepultura,  com  o  sangue  do  qual  esta  se 
rega. 

A  esta  orgia  que,  como  medida  de  protecção,  nos  compete 
reduzir  (*),  tanto  quanto  possível,  segue-seo  funeral  propriamente 
dito  ou  cortejo  para  o  local  da  sepultura. 

Este  cortejo,  é  sempre  um  produto  da  fértil  imaginação  do 
indígena,  e  sobretudo  muito  complicado  entre  a  tríbu  Cabinda, 
como  tivemos  ocasião  de  descrever,  não  obstante  actualmente  se 
não  proceder  já  com  a  pompa  outrora  usada. 

A  sepultura  mais  geralmente  usada  e  em  forma  de  gaveta, 
isto  é,  abre-se  uma  cova  de  forma  rectangular  e  em  uma  das 
suas  paredes  cava-se  uma  galeria,  onde  o  cadáver  é  depositado, 
e  que  é  fechada  com  pedras  em  alguns  povos  ou  por  uma  simples 
esteira  noutros,  enchendo-se  o  resto  da  sepultura  com  terra. 

No  entanto,  esta  forma  de  sepultura  não  se  pôde  considerar 
geral,  principalmente  tratando-se  de  autoridades  gentílicas,  que 
em  algumas  tríbus,  como  por  exemplo  no  Amboim,  constituem 
toscos  monumentos  construídos  de  pedras  amontuadas,  que  nou- 
tras, como  nos  Quiocos,  é  a  própria  cubata  que  se  cobre  de  terra 
e  se  defende  por  um  cercado.  O  local  das  sepulturas  varia 
igualmente  de  povo  para  povo,  podendo  ser  na  própria  cubata, 
ou  dentro  da  povoação,  mas  sendo  mais  usual  as  sepulturas 
aglomerarem-se,  junto  dos  caminhos  e  próximo  das  povoações. 

Sobre  a  sepultura  é  vulgar  e  principalmente  nas  tríbus  do 
norte  da  província,  colocar  os  utensílios  de  que  em  vida  o  falecido 
se  serviu. 

Os  sinais  de  luto  usados  são  de  uma  maneira  geral,  o  rapar 
o  cabelo  da  cabeça,  o  mascarrar  a  cara  com  barro  negro,  e,  em 
algumas  tríbus,  mais  familiarizadas  com  os  costumes  europeus  o 
uso  de  panos  pretos.  As  cerimónias  dos  funerais  dos  sobas,  na 
sua  essência,  não  se  afastam  das  usuais,  revestem,  no  entanto, 
maior  pompa  e  complicam-se  com  aquelas  que  é  costume  praticar 
com  relação  à  sucessão,  e  a  que  nos  referiremos  no  capítulo 
seguinte  na  parte  que  se  refere  à  organização  política. 


(i)  Vide  Apenso  XX, 
38 


".f-.vJLi  ?jf&Bl 


CAPITULO  VIII 
DA  VIDA  SOCIAL 

I.  —  Da  organização  social 

O  estado  social  em  que  se  encontram  as  populações  indígenas 
de  Angola,  comporta  dois  estádios,  correspondentes  às  duas  raças 
que  a  povoam. 

Para  os  indígenas  da  raça  Boschjman,  caracterizada  pela 
vida  errante,  não  conhecendo  nem  praticando  a  agricultura,  não 
exercendo  comércio  nem  indústria,  servindo-lhe  qualquer  terra 
onde  acampem  desde  que  lhe  não  seja  hostil,  dando-lhe  os  frutos, 
as  raizes  e  a  caça  de  que  vivem,  e  a  caverna  ou  fenda  onde  possam 
alojar-se. 

Para  as  populações  da  raça  Negra,  caracterizada  pela  fixação 
à  terra,  praticando  a  agricultura,  construindo  a  habitação  e 
exercendo  a  indústria  e  o  comércio,  e  revelando  um  tal  grau  de 
adiantamento  em  relação  à  raça  Boschjman  que  o  conde  de 
Ficalho  escreve:  «Por  bárbaras  que  sejam  as  cortes  de  Muat- 
Ianvua  ou  do  Cazembe,  de  Munsa  ou  Kambari,  temos  quási  a 
tentação  dê  as  chamar  civilizadas,  quando  as  comparamos  com 
uma  tríbu  dos  Boschjmanes». 

No  entanto,  as  migrações  das  populaçães  indígenas  da  raça 
Negra,  que  em  épocas  remotas  tiveram  logar  e  actualmente  conti- 
nuam, não  obstante  com  muito  menos  intensidade,  mostram-nos 
que  ainda  se  encontram  hoje  num  estado  de  flutuação  que  parece 
ser  uma  transição  necessária  entre  a  vida  errante,  e  a  estabilidade 
das  nações  civilizadas,  pela  qual  estas  igualmente  passaram. 

Continuando  a  estudar  a  organização  social  das  duas  raças, 
encontramos  em  todas  as  formas  por  que  ela  se  manifesta  a 
mesma  acentuada  diferença  entre  elas  e  a  grande  superioridade 
do  Negro  sobre  o  Boschjman. 


588  ,  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Ao  passo  que,  na  raça  Boschjman  não  ha  distinções  de  castas, 
classes  ou  pessoas,  a  organização  social  do  Negro  compreende 
três  castas :  os  nobres,  ou  sejam  os  chefes,  dignatários  e  suas 
famílias,  e  outras  pessoas  categorizadas  ou  que  se  distinguem 
pela  sua  riqueza;  os  homens  livres  constituindo  a  burguezia 
indígena;  e  os  escravos.  As  castas  por  seu  turno  admitem  um 
determinado  número  de  classes,  podendo  contar-se,  quanto  aos 
nobres,  as  classes :  dos  chefes ;  dos  sobetas  ou  chefes  de  pequenos 
estados  subordinados;  dos  conselheiros  ou  ministros  dos  chefes; 
dos  lengas  ou  chefes  de  grupos  guerreiros,  entre  os  Cuanhamas; 
dos  chefes  de  sanzalas  ou  libatas;  quanto  aos  homens  livres  as 
classes:  dos  curandeiros;  dos  adivinhos;  dos  feiticeiros;  dos  ho- 
mens ricos  e  dos  pobres;  quanto  aos  escravos:  os  provenientes 
de  razias  ou  guerras;  os  domésticos,  por  nascimento  ou  por 
terem  passado  a  este  estado  para  pagamento  de  dívidas  como 
caução  ou  penhor,  etc. 

A  acção  das  nações  com  domínios  em  África  perante  as  socie- 
dades cafreais,  caracterizada  por  uma  política  de  destruição  e 
servidão  e  seguidamente  substituída,  nos  três  primeiros  quartéis 
do  século  xix,  pela  assimilação  dos  indígenas,  atribuindo  a  todos 
os  indivíduos  uma  mentalidade  absolutamente  semelhante,  ou 
pelo  menos  julgando-os  susceptíveis  de  a  possuir  depois  de  uma 
superficial  educação,  admitindo  um  tipo  único  e  superior  de 
civilização  que  se  tornava  necessário  propalar  por  toda  a  parte, 
e  substituindo  as  instituições  indígenas  pelas  nossas  leis,  tiveram 
como  uma  das  mais  graves  consequências  —  de  entre  muitas  a 
que  deram  lugar  —  a  criação  de  um  novo  tipo  ou  classe :  —  o 
indígena  semi-civilisado,  o  dengoso  tipo,  entregando-se  a  uma 
doentia  ociosidade,  coçando-se  pelas  esquinas  das  populações  do 
litoral,  trajando  à  europeia,  esfarrapado,  do  casaco  restando  só 
quási  as  mangas,  meio  calçado  meio  descalço,  não  dispensando 
um  roto  chapéu  ou  um  desbotado  boné,  com  a  pretenção  a  ci- 
dadão da  República,  mas  exercendo  a  poligamia  e  conservando  os 
costumes  indígenas  que  mais  lhe  convêm  para  satisfação  dos 
seus  vícios. 

Eis  exposta  de  uma  maneira  singela  a  organização  social  das 
populações  indígenas  de  Angola;  ao  legislador  compete,  perante 
ela  e  em  face  dos  princípios  humanitários,  elaborar  o  estatuto 
que  deve  regular  as  suas  relações  sociais  e  adoptar  as  medidas 
de  protecção  que  o  seu  estado  atrazado  de  civilização  nos  impõe, 
como  dever  imperioso  de  tutela  que  nos  cabe  exercer. 


DE  ANGOLA  589 

De  facto  urg^e  encarar  o  problema  de  frente,  sem  subterfúgios 
e  pueris  receios,  saindo  da  falsa  situação  que  criamos  de  dar  ao 
indígena  direitos  que  ele  não  reclama,  não  deseja  e  até  repu- 
dia, bem  assim  como,  não  lhe  impor  deveres  que  de  bom  grado 
não  aceita. 

O  indígena  de  Angola  não  pretende  nem  aspira  a  possuir  as 
regalias  e  obrigações  dos  cidadãos  da  República,  nascidos  e 
educados  na  metrópole,  conserva  as  suas  instituições  e  possue  os 
seus  códigos  pelos  quais  se  regula  e  que  nós  devemos  respeitar, 
não  havendo  necessidade  nem  interesse  em  lhe  impor  disposições 
de  que  não  carece,  que  não  solicita  e  que  não  quer. 

Ha  absoluta  necessidade  de  definir  o  indígena  de  Angola,  o 
que  não  está  feito  em  termos  claros  e  precisos  nos  textos  legais; 
dando  logar  a  dúvidas  e  confusões  as  definições  estabelecidas 
nas  diversas  disposições  da  lei,  e  que  se  torna  indispensável 
fazer,  tanto  mais  que  actualmente  assim  está  determinado  pela 
lei  orgânica  das  colónias. 

Em  Angola  existem  indivíduos  de  côr  que,  pelo  seu  trabalho 
e  aturado  estudo,  atingiram  uma  civilização  que,  se  não  é  igual  à 
nossa,  é  pelo  menos  paralela ;  estes  podem  considerar-se  para 
todos  os  efeitos  como  cidadãos  portugueses,  a  quem  podemos 
dar  os  direitos  e  exigir  as  obrigações  que  a  nossa  Constituição 
estabelece,  o  que  não  sucede  com  os  restantes  indivíduos  de  côr, 
e  o  maior  número  que,  pela  sua  cultura  e  civilização,  muito  se 
diferenciam  dos  europeus,  e  a  quem  não  ha  necessidade  nem 
conveniência  de  impor  direitos  e  deveres  que  não  desejam. 

Nesta  conformidade  elaboramos  o  estatuto  civil  e  político  dos 
indígenas  (*),  considerando  indígena,  o  indivíduo  de  côr,  natural 
da  província,  ou  de  colónias  africanas  portuguesas  ou  estran- 
geiras, que  não  satisfaça  cumulativamente  às  seguintes  condições: 

1.°  —  Falar  e  escrever  o  português  ou  alguma  outra  língua 
culta ; 

2.°  —  Não  praticar  os  usos  e  costumes  característicos  das 
raças  africanas; 

3.°  —  Exercer  profissão,  comércio  ou  indústria,  ou  possuir 
bens  de  que  se  mantenha  . 

Os  indivíduos  de  côr  que  satisfaçam  àquelas  condições  são 
considerados  pelo  estatuto  como  cidadãos  da  República,  e  como 


(t)  Vide  Apenso  I. 


590  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

tal  isentos  da  aplicação  das  leis  e  outras  disposições  exclusiva- 
mente adoptadas  para  indígenas,  tendo  garantido  o  pleno  uso  de 
todos  os  direitos  civis  e  políticos  concedidos  na  província  aos 
portugueses  originários  da  metrópole.  Destes  indivíduos  far-se  ha 
um  registo  especial  nas  administrações  dos  concelhos,  circunscri- 
ções e  nas  capitanias-móres. 

No  que  diz  respeito  ao  exercício  dos  direitos  e  garantias 
individuais  dos  indígenas  estabelece  o  projecto  do  estatuto: 

1.°  —  Que  serão  mantidos  os  foros  de  nobreza  e  os  títulos 
hierárquicos  tradicionais  segundo  os  usos  e  costumes ; 

2.°  —  Que  é  inviolável  a  liberdade  de  consciência  e  de  crença, 
e  garantido  o  exercício  de  todos  os  cultos,  desde  que  não  ofendam 
os  princípios  humanitários  e  que  sejam  compatíveis  com  a  ordem 
pública ; 

3.°  —  A  liberdade  de  reunião,  associação  e  petição,  salvo 
quando  esta  fôr  exercida  por  escrito  e  assinado  a  rogo,  que 
será   regulada  por  diploma  especial; 

4.°  —  A  não  inviolabilidade  de  domicilio; 
5.°  —  A   prisão   sem  culpa   formada,    quando  executada   por 
ordem  escrita  de  autoridade; 

6.° —  Que  tudo  quanto  diz  respeito  à  administração  de  justiça 
a  indígenas  regulado  por  disposições  especiais; 

7.°  —Que  o  estado  civil  e  os  respectivos  registos  são  de 
exclusiva  competência  da  autoridade  administrativa; 

8.° — Que  o  direito  de  ocupação,  concessão  e  propriedade  da 
terra  é  o  estabelecido  pelas  leis  sobre  o  assunto  em  vigor ; 

9.°  —  Que  é  livre  a  forma  de  dar  cumprimento  à  obrigação 
moral  e  legal  a  que  o  indígena  está  sujeito  a  por  meio  de  tra- 
balho, prover  ao  seu  sustento  e  melhorar  sucessivamente  a  sua 
condição  social. 

Álêm  disto,  o  estatuto  mantém  as  instituições  políticas  indí- 
genas, respeitando-se,  nas  relações  de  subordinação,  na  escolha 
dss  autoridades  gentílicas  e  suas  funções,  as  tradições  usos  e 
costumes  que  não  vão  de  encontro  aos  princípios  humanitários, 
e  estabelece  que  o  Governador  Geral  é  o  protector  nato  dos 
indígenas  da  província,  quer  nela  permaneçam,  quer,  não  sendo 
da  província,  nela  se  encontram  ou  venham  a  estabelecer-se. 

Na  ordem  de  ideias  estabelecida  e  no  que  diz  respeito  a  me- 
didas de  protecção,  a  administração  da  província  de  Angola, 
como  a  de  qualquer  outra  colónia  em  que  o  colono  europeu  se 
não  pôde  aclimar  nem  entregar  aos  trabalhos  agrícolas  de  campo 


DE  ANGOLA  591 

—  salvo  em  um  número  muito  diminuto  de  regiões  de  extensão 
limitada —  tem  por  base  o  indígena,  gerador  preponderante  do 
orçamento,  o  elemento  capital  de  prosperidade,  que  é  mister 
proteger.  Sem  indígenas  não  há  colónias,  por  que  não  há  pro- 
dução nem  imposto  para  o  Estado,  não  há  agricultura  nem 
indústria  para  os  colonos  nem  comércio  para  os  negociantes. 
Nas  colónias  tropicais,  onde  a  população  é  quási  exclusivamente 
agrícola,  o  verdadeiro  colono  é  o  indígena. 

Mas,  não  há  só  fortes  motivos  de  interesse,  há  as  razoes  de 
ordem  moral,  de  justiça  e  de  dever,  que  a  nação  colonizadora 
tem  de  acatar  e  que  garantem  às  raças  indígenas  o  direito  de 
existirem,  de  se  desenvolver  e  de  se  civilizarem.  O  artigo  16.° 
do  Acto  Geral  da  Conferência  de  Berlim  sancionou  expressamente 
esta  doutrina,  visto  as  potências  tomarem  o  compromisso  da 
conservação  das  populações  indígenas  e  do  melhoramento  das 
suas  condições  materiais  e  morais  de  existência. 

Para  manter  e  garantir  a  protecção  que  ao  Governo  imcumbe 
exercer,  afigura-se-nos  indispensável,  primeiro  que  tudo,  dotar 
a  província  com  os  órgãos  de  administração  especiais  para  esse 
fim. 

Como  órgão  de  administração  central  sobre  negócios  indígenas 
existe,  na  província  a  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas,  a  quem 
não  faltam  atribuições,  dadas  pelo  decreto  que  a  criou  e  por 
aquele  que  aprovou  o  regulamento  de  trabalho  indígena,  mas 
que  luta  com  a  exiguidade  do  pessoal  com  que  foi  dotada,  insu- 
ficiente para  os  serviços  que  tem  a  seu  cargo,  tornando-se  urgente 
publicar  um  diploma  reunido  todas  as  atribuições  que  lhe  estão 
incumbidas  e  reorganizando  o  quadro  do  seu  pessoal  (4).  Como 
complemento,  e  na  mesma  ordem  de  ideias,  junto  da  Secretaria 
dos  Negócios  Indígenas,  deve  instalar-se  um  museu  etnográfico  (2) 
que  constituirá  um  elemento  valioso  de  estudo  dos  usos  e  costumes 
indígenas. 

Nas  administrações  de  concelho,  circunscrições  e  capitanias- 
móres  são  delegados  da  Secretaria  os  administradores  e  capitães- 
móres. 

Delineada  a  organização  da  repartição  por  onde  devem  correr 
os  negócios   indígenas   e,  portanto,   por  intermédio  de  quem  se 


(')  Vide  Apenso  XI. 
(*)  Vide  Apenso  XII. 


592  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

deve  exercer  a  protecção  aos  indígenas,  uma  grande  barreira  se 
levanta  diante  de  nós  —  a  falta  de  verba  com  que  desde  o  inicio 
da  Secretaria  se  vem  lutando  para  fazer  face  às  despesas  com  a 
protecção  a  efectivar.  Isto  mesmo  já  tivemos  ocasião  de  referir 
em  um  dos  anteriores  capítulos,  propondo  a  criação  de  um  fundo 
especial ;  aqui  novamente  insistimos  ria  necessidade  dos  projectos 
que  elaboramos  a  este  respeito  (*). 

Sobre  a  inspecção  e  fiscalização  das  condições  higiénicas  das 
povoações  indígenas  existe  na  província  uma  portaria  do  gover- 
nador Norton  de  Matos,  cujas  disposições  são  modelares  e-ijue, 
se  até  hoje  não  produziu  resultados  apreciáveis,  é  pela  razão 
simples  de  que,  dependendo  a  sua  execução  de  muito  trabalho  e 
persistência,  ela  tem  sido  descurada  e  pode  bem  dizer-se,  consi- 
derada como  letra  morta. 

Álêm  do  legislado  na  província  sobre  assistência  médica  — 
que  urge  fazer  cumprir  —  parece  de  toda  a  vantagem  mais 
alguma  coisa  estabelecer  sobre  populações  e  bairros  indígenas, 
de  forma  a  concentrá-los  em  núcleos  de  populações  e  exigir  que 
as  povoações  ou  bairros  fiquem  completamente  separados  das 
povoações  ou  bairros  dos  europeus  (2).  Não  é  preciso  que  o 
bairro  indígena  seja  muito  afastado  do  centro  europeu,  mas  é 
indispensável  que  seja  construido  fora  dos  limites  do  bairro 
europeu,  e,  sobretudo,  que  não  se  estabeleça  era  local  que  pela 
direcção  do  vento  dominante  possa  prejudicar  o  bairro  europeu. 

O  bairro  ou  povoações  indígenas  deverão  seguir  um  plano 
determinado,  com  ruas  largas,  adoptando-se  um  tipo  de  habitação 
higiénica  e  confortável,  que  os  indígenas  serão  obrigados  a  seguir  ; 
ãlêm  disto,  as  terras  deverão  ser  drenadas  para  o  fácil  escoa- 
mento das  águas  e  os  lixos  nas  ruas  serão  proibidos. 

No  que  diz  respeito  à  nosologia  dos  indígenas,  àlêm  do 
paludismo  com  as  suas  manifestações,  as  doenças  das  vias  respi- 
ratórias, da  pele  e  do  aparelho  digestivo,  as  que  maior  número 
de  vítimas  fazem,  são  a  variola  e  a  doença  do  sono. 

O  indígena  tem  pela  variola  verdadeiro  terror,  que  infeliz- 
mente não  tem  sido  aproveitado  para  levar  as  populações  indí- 
genas a  usar  da  vacina  antivariólica,  não  obstante  existir  na 
província  um  regulamento  de  vacinação  e  revacinação  aprovado 
pela  portaria  provincial  n.°  1116  de  14  de  Setembro  de  1911. 


(1)  Vide  Apensos  XIII  e  XIV. 

(2)  Vide  Apenso  XXI. 


DA  ANGOLA  593 

Sobre  as  medidas  profiláticas  contra  a  doença  do  sono,  àlêm 
das  que  foram  tomadas  pelo  Governo  da  metrópole  dignas  de 
referência,  por  que  de  uma  maneira  intensa  efectivam  as  provi- 
dências que  vinham  sendo  reclamadas,  convêm  agrupar  em 
povoações  os  indígenas,  vivendo  separados  em  pequenas  sanzalas, 
ocultos  na  maioria  das  vezes  em  densas  florestas,  frequentadas 
pelas  glossinas  (l). 

Sobre  a  assistência  médica  e  condições  de  alojamento,  vestuário, 
horas  de  trabalho  em  que  se  encontram  os  indígenas  nos  estabe- 
lecimentos agrícolas  ou  industriais,  àlêm  do  que  dispõe  o  projecto 
sobre  o  Regulamento  de  Trabalho  Indígena  (2),  é  de  toda  a  van- 
tagem estabelecer  indemnizações  aos  indígenas  que,  no  desempenho 
do  trabalho  a  seu  cargo  ou  por  causa  dele,  sobrevenha  acidente 
de  que  resulte  incapacidade  de  trabalho  temporária  ou  perma- 
nente (3)  e  aos  parentes  considerados  como  herdeiros,  no  caso  de 
pelo  acidente  resultar  a  morte  do  trabalhador  indígena. 

Sôb  o  ponto  de  vista  da  assistência  moral,  àlêm  do  que 
temos  ponderado  neste  trabalho  sobre  as  medidas  a  adoptar  de 
protecção  à  raça  Negra,  sobre  a  poligamia,  casamentos  precoces, 
tutela  de  menores,  etc,  não  convêm  deixar  de  frizar  quanto 
pernicioso  tem  sido  o  cruzamento  da  raça  Branca  com  a  Negra, 
e  quanta  vantagem  havia  em  promulgar  medidas  que  tivessem 
por  fim  dificultar  semelhantes  ligações. 

Destas  ligações  não  tem  resultado  senão  o  definhamento  da 
raça  Negra,  como  bem  contestado  está  nos  indígenas  das  tríbus 
que  povoam  as  regiões  de  mais  intensa  ocupação  e  em  que  se 
deram  maior  número  de  cruzamentos.  Estas  populações  são  de 
constituição  raquítica  e  de  uma  indolência  doentia,  que  contrasta 
com  a  robustez  das  populações  circunvisinhas,  em  que  se  não  fez 
sentir  a  acção  depauperadoura  do  cruzamento  das  duas  raças. 

Nestes  termos,  torna-se  urgente  proibir,  ou  pelo  menos  difi- 
cultar as  ligações  legítimas  ou  ilegítimas  de  indivíduos  das  duas 
raças  bem  assim  como,  promulgar  disposições  que  por  meio  de 
prémios  de  natalidade  estimulem  o  aumento  da  população  (4). 

Ainda  sobre  este  assunto  muito  será  para  desejar  que  se 
efectivasse  uma  protecção  aos  velhos  e  inválidos,  pelo  menos  nos 


(»)  Vide  Apenso  XIX. 

(2)  Vide  Apenso  VIII. 

(3)  Vide  Apenso  IX. 
(*)  Vide  Apenso  XV. 


594  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

centros  mais  civilizados  (4),  e  se  adoptassem  medidas  enérgicas 
contra  a  exploração  corrente  nas  petições  escritas  a  rogo  de 
indígenas  (2). 

As  petições  escritas  em  nome  ou  a  rogo  dos  indígenas  devem 
ser  restritas  a  um  número  de  indivíduos  e  dadas  por  meio  de 
licença  concedida  pela  autoridade  administrativa,  que  só  a  con- 
cederá, a  indivíduo  de  comprovada  moralidade  e  honestidade  e 
possua  instrução  necessária  para  exercer  o  mister. 

Sôb  o  ponto  de  vista  da  assistência  intelectual,  já  tivemos 
ocasião  de  a  tal  respeito  nos  pronunciarmos  sobre  a  orientação 
a  seguir,  no  capitulo  da  vida  intelectual,  sendo  supérfluo  aqui 
novamente  reproduzir  o  que  ali  deixamos  exposto. 

II.  —  Da  organização  política 

Uma  boa  política  indígena  exige,  àlêm  da  conservação  das 
raças  indígenas^  e  a  coodificação  dos  seus  costumes,  o  respeito 
pelas  leis,  pela  organização,  pela  individualidade  política  e  social 
dos  povos  da  região  em  que  se  exerce  a  acção  colonizadora. 

Cumpre  à  nação  coLonizadora  manter  a  preponderância  das 
autoridades  gentílicas,  não  derrogar  os  hábitos  locais  e  conservar 
tanto  quanto  possível,  os  costumes,  as  ideias  e  a  religião  das 
populações  indígenas,  exercendo  uma  fiscalização  benévola  e 
efectiva  sobre  os  seu  actos,  substituindo  gradualmente  os  seus 
processos  administrativos  por  outros  mais  perfeitos,  mantendo 
rigorosamente  a  ordem  pública  e  promovendo  o  progresso  da 
colónia  pela  realização  de  melhoramentos  materiais. 

Esta  política  tutelar  e  benévola,  geradora  de  uma  nova  civi- 
lização, é  a  verdadeira  política  indígena.  A  que  traz  o  Negro  a 
cooperar  com  o  Branco  na  realização  da  grande  obra  que  se 
chama  colonização,  e  que  nenhum  deles  isoladamente  poderia 
levar  a  cabo,  pois  o  que  ao  europeu  só  falta  —  a  resistência  física 
—  é  quási  o  único  elemento  de  que  pode  dispor  o  indígena. 

A  associação  do  espírito  do  Branco  que  pensa  e  do  braço  do 
indígena  que  executa  dará  ao  europeu  os  elementos  necessários 
para  compreender  o  espírito  dos  indígenas,  e  impôr-lhes  pela 
benevolência  a  sua  autoridade,  não  desprezando  o  indígena,  nem 
caindo  no  erro  de  o  identificar  a  si. 


í1)  Vide  Apenso  XIX. 
(2)  Vide  Apenso  VI. 


DE  ANGOLA  595 

Entre  a  população  indígena  da  raça  Boschjman  o  regimen 
político  é  o  regimen  elementar  das  sociedades  patriarcais,  o  chefe 
da  família  é  que  exerce  a  autoridade. 

A  organização  política  das  populações  indígenas  da  raça  Negra 
não  se  apresenta  tão  rudimentar  como  a  dos  Boschj manes  e  não 
pode,  pelas  diferentes  modalidades  que  tem,  reduzir-se  a  um 
único  tipo. 

Os  grandes  estados,  característicos  da  organização  política  das 
populações  negras  doutrora,  não  existem,  desapareceram  pela 
emancipação  dos  pequenos  estados  subordinados  que,  adquirindo 
prestigio  e  força,  se  tornaram  independentes. 

Para  isso  muito  concorreu  a  sujeição  absoluta  a  que  estavam 
presos  os  estados  subordinados,  posta  em  prática  por  um  despo- 
tismo que  a  pouco  e  pouco  foi  fomentando  a  revolta  e  por  fim 
deu  logar  à  separação.  Indirectamente  as  nossas  autoridades, 
suprimindo  abusos  incompatíveis  com  os  sentimentos  de  humani- 
dade favoreceram  e  facilitaram  a  independência  dos  estados 
subordinados. 

O  desaparecimento  dos  vastos  e  fortes  impérios  indígenas,  nas 
mãos  de  um  soba  déspota,  se  foi  inconveniente  por  dificultar  a 
acção  administrativa,  com  a  falta  de  uma  subordinação  bem 
estabelecida,  entre  os  povos  e  seus  chefes,  do  que  resultou  a 
dificuldade  de  espalhar  a  acção  da  autoridade,  troxe-nos  a  van- 
tagem, muito  para  apreciar,  de  nos  livrar  das  complicações  de 
soberania  resultantes  de  facilmente  se  movimentar  contra  nós 
uma  grande  massa  de  indígenas  ao  arbítrio  de  um  chefe. 

Os  grandes  estados  que  actualmente  ainda  existem  no  sul  e 
sudeste  da  província,  são  um  arremedo  dos  antigos  impérios  do 
Congo  e  do  Muat-Ianvua ;  no  entanto  o  regime  político  é  absoluto, 
exercido  despoticamente  por  um  chefe  que  dispõe  dos  haveres, 
da  vida  e  da  liberdade  dos  seus  súbditos.  O  chefe  é  assistido 
por  um  conselho — nem  em  todos  os  estados  —  cuja  composição 
varia  de  estado  para  estado,  constituído  pelos  mais  velhos  da 
embala  (residência)  do  soba,  ou  pelos  chefes  dos  estados  subor- 
dinados, ou  ainda  por  conselheiros,  espécie  de  ministros.  Mas 
o  que  não  resta  dúvida,  é  que  este  conselho  em  nada  se  opõe  à 
vontade  suprema  do  chefe,  e  outros  pelo  contrário,  quando 
chamados  a  reunir  teem  o  cuidado  de  se  inteirar  da  sua  vontade, 
não  vá  pagar  com  a  vida  aquele  que  tiver  a  ousadia  de,  em 
conselho,  advogar  doutrina  que  lhe  desagrade. 

Das   dissenções  nas  cortes  dos  grandes  estados,  provocadas 


596  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

pelos  abusos  dos  seus  chefes,  resultou  a  formação  de  pequenos 
estados  independentes,  como  os  da  Lunda,  do  Congo,  etc,  em 
que  as  prerogativas  do  chefe  estão  muito  atenuadas  pelo  conselho 
que  junto  de  si  teem.  O  soba  não  exerce  só  por  si  e  arbitraria- 
mente os  seus  poderes;  o  conselho  dos  velhos,  ministros  ou  pes- 
soas importantes  (macotas,  mutatas,  lengas,  etc.)  interfere  de 
uma  maneira  preponderante  na  gerência  dos  negócios  do  estado, 
são  os  depositários  das  leis  e  costumes  da  tríbu,  e,  na  grande 
maioria  dos  casos,  o  chefe  quási  não  tem  vontade  própria,  porque 
quem  de  facto  governa  é  o  seu  conselho.  O  soba  tem  o  direito 
do  veto,  mas  raramente  dele  faz  uso,  porque  seria  o  primeiro 
passo  para  a  sua  deposição. 

A  sucessão  do  chefe  é  hereditária  nos  grandes  estados  e  grande 
número  de  pequenos,  e  electiva  em  alguns  destes  últimos. 

A  sucessão  por  hereditariedade  faz-se  pela  linha  feminina, 
baseada  como  anda  na  evidência  da  maternidade  em  oposição 
às  incertezas  ou  desconfianças  do  lado  paterno,  e  os  sucessores 
são  os  irmãos  uterinos  e,  na  falta  destes,  o  primogénito  ou  mais 
competente  dos  filhos  da  irmã  mais  velha  do  chefe  que  acaba 
de  governar.  Esta  regra  tem  excepções,  sendo  dado  primeiro 
logar  aos  sobrinhos  que  aos  irmãos,  ou  mesmo  recaindo  a  su- 
cessão no  filho  primogénito,  como  sucede  em  algumas  tríbus  de 
Benguela. 

Em  algumas  tríbus  Ganguelas  e  entre  os  Quiocos  as  dissen- 
çoes  provocadas   pelos   descontentes   que   se  separaram   deram 
logar  a  que  cada  sanzala  ou  libata  se  constituísse  em  estado,  e* 
o  governo  se  exercesse  por  um  chefe  assistido  do  seu  respectivo 
conselho,  formado  pelos  mais  velhos. 

Nestes  reduzidos  estados  a  sucessão  é  electiva,  o  chefe  é  eleito 
pelos  membros  do  conselho,  e  em  algumas  tríbus  Ganguelas  a 
eleição  tem  de  ser  sancionada  pelo  povo  e  o  soba  é  eleito  para 
servir  um  determinado  número  de  anos,  findos  os  quais  deixa  o 
governo. 

Em  face  da  organização  política  das  populações  indígenas  de 
Angola,  como  a  largos  traços  acabamos  de  indicar,  tem  pois  o 
legislador  de  aplicar  os  princípios  que  expuzemos  ao  abrir  este 
capítulo,  pondo  de  parte,  de  uma  vez  para  sempre,  a  orientação 
de  desprezo  que  se  votou  aos  chefes  gentílicos,  o  manifesto  pro- 
pósito de  os  desviar  da  ingerência  na  administração  dos  indígenas, 
e  a  hostilidade  quási  constante  que  as  autoridades  administrativas 
manifestaram  e  praticaram  para  com  eles,  deixando  de  aproveitar 


DE   ANGOLA  597 

tão  valiosos  elementos,  enveredando  por  uma  política  de  atracção, 
no  aproveitamento  das  autoridades  gentílicas,  no  respeito  pelos 
usos  e  costumes,  em  tudo  que  não  vá  de  encontro  aos  princípios 
de  humanidade. 

Nesta  conformidade  o  projecto  do  Estatuto  Civil  e  Político 
dos  Indígenas  que  incluimos  no  apenso  e  a  que  já  tivemos  ocasião 
de  fazer  alusão,  mantêm  as  instituições  políticas  indígenas,  de- 
vendo respeitar-se,  nas  relações  de  subordinação,  na  escolha  das 
autoridades  gentílicas  e  suas  funções,  as  tradições,  usos  e  costu- 
mes que  não  vão  de  encontro  aos  princípios  de  humanidade. 
Mas  não  pode  por  aqui  ficar  o  que  se  deve  promulgar  a  este 
respeito,  e  como  complemento  é  necessário  precisar  aquela  dou- 
trina em  um  regulamento,  para  cujo  projecto  chamamos  a  atenção 
e  que  vai  inserto  no  Apenso  VII. 

III.  —  Da  condição  económica 

Já  neste  trabalho  tivemos  ocasião  de  aludir  à  opinião  de 
Paul  Reinsch,  sobre  o  critério  scientífico  que  deve  servir  de  base 
para  orientar  a  acção  civilizadora.  Essa  acção  deve  recair  sobre 
a  organização  económica,  como  o  meio  mais  próprio  de  acelerar 
e  facilitar  a  evolução  social. 

Com  precisão  mecânica  pode  demonstrar-se —  diz  Paul  Reinsch 
—  que  a  reforma  dos  mais  viciosos  caracteres  da  vida  africana 
será  a  necessária  consequência  de  uma  pequena  modificação  na 
organização  económica;  e  assim  podemos  efectivamente  antecipar 
uma  expansão  de  novas  e  melhores  energias  sociais,  quando  o 
terreno  tenha  assim  sido  desembaraçado  dos  peores  obstáculos 
do  progresso. 

Concordamos  em  absoluto  com  a  doutrina  de  Reinsch,  por 
que  toda  a  vida  social  se  encontra  dependente  da  vida  económica. 
Emquanto  não  há  regularidade  nas  condições  económicas  são 
verdadeiramente  impossiveis  as  manifestações  mais  elevadas  da 
vida  social,  porque  as  necessidades  de  conservação  absorvem  e 
sufocam  toda  a  actividade  individual. 

As  forças  económicas  são  a  base  sobre  a  qual  se  desenvolve 
a  vida  humana  em  todas  as  suas  modalidades.  A  evolução  de 
um  povo  deriva  por  isso  das  causas  materiais,  independentes  da 
vontade  dos  indivíduos,  do  poder  e  da  influência  das  leis.  O 
desenvolvimento  da  organização  do  trabalho  e  a  introdução  de 
novos  processos  técnicos  da  produção,  aumentando  o  bem  estar 


598  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

da  população,  farão  surgir,  com  as  novas  forças  económicas,  o 
senso  moral  e  intelectual  dos  indígenas. 

Das  populações  indígenas  de  Angola  o  Boschjman,  cuja  ma- 
neira de  viver  quási  se  não  distingue  dos  processos  da  vida 
comum  dos  animais  inferiores,  de  facto,  não  tem  um  regimen 
económico,  como  se  pode  verificar  no  Negro  que  produz  tudo  o 
que  necessita  para  seu  sustento  ou  para  satisfação  do  seu  rudi- 
mentar conforto,  e  que  o  transaciona  com  o  comércio  europeu 
ou  entre  si. 

A  economia  gentílica  é  imperfeita  e  muito  rudimentar,  porque 
o  Negro  não  tem  a  preocupação  de  criar  fortuna,  de  acumular  a 
riqueza  para  aumentar  a  faculdade  de  aquisição,  por  falta  de 
incentivo  e  ambição,  em  grande  parte  devida  a  que  a  unidade 
da  constituição  da  comunidade  é  a  família,  em  virtude  da  qual 
ao  indivíduo,  mesmo  contra  sua  vontade,  não  lhe  é  permitido 
acumular  em  seu  próprio  proveito  o  produto  do  seu  trabalho  e 
tem  que  o  repartir  com  a  família. 

Daqui  a  grande  dificuldade  de  se  instituir  a  propriedade 
particular  que,  salvo  dos  utensílios  e  objectos  de  uso,  não  existe. 

Do  estudo  etnográfico  que  fizemos  resulta  à  evidência  que  a 
questão  da  propriedade  entre  os  negros  se  encontra  em  fases 
diferentes  consoante  o  seu  grau  de  civilização.  Nas  tríbus,  cara- 
cterizadas por  um  regimen  político  autocrata  nas  mãos  de  um 
chefe  déspota,  a  propriedade  pertence  a  este  que  dela  dispõe, 
distribuindo  a  sua  exploração  pelos  seus  subordinados  a  seu 
bel  prazer;  noutras,  a  propriedade  é  colectiva,  mas  a  sua  ex- 
ploração fica  ainda  dependente  de  autorização  do  soba;  final- 
mente em  outras  tríbus  a  propriedade  é  ainda  colectiva,  mas 
aqui  a  colectividade  é  a  família,  transmite-se  aos  seus  descen- 
dentes, e  a  sua  exploração  é  feita  sob  a  direcção  do  chefe  da 
família. 

Do  exposto  se  conclue  que  não  podemos  ter  a  pretensão  de 
estabelecer  já  a  propriedade  particular;  por  emquanto,  em  nossa 
opinião,  devemos  encaminhar  os  nossos  esforços  para  aquele 
desideratum,  dando  a  propriedade  ao  clan  materno,  isto  é,  à 
sociedade  familiar  conforme  convencionamos  designá-lo  no  pro- 
jecto do  Código  de  Justiça  Indígena. 

Neste  projecto  definimos  posse,  a  retenção  de  tudo  o  que,  nos 
termos  do  Código,  é  susceptivel  de  apropriação  por  ocupação,  e 
o  que  constitue  o  produto  do  trabalho,  indústria  ou  comércio. 
A  posse  pode  ser  adquirida  individualmente,  mas  a  sua  fruição 


DE  ANGOLA  599 

e  exercício  pertence  à  sociedade  familiar  (clan  materno)  do 
adquirente,  segundo  o  costume  local.  Da  posse  resulta  o  direito 
da  propriedade  para  a  sociedade  familiar  do  adquirente  (4). 

Atendendo,  pois,  às  condições  de  propriedade,  as  reformas 
introduzidas  não  poderão  actuar  de  uma  maneira  rápida  na 
transformação  da  condição  económica  dos  indígenas.  Outro  factor 
preponderante  da  sua  vida,  o  comércio,  pondo  cm  contacto 
íntimo  e  prolongado  o  indígena  com  o  europeu,  poderá  desem- 
penhar um  papel  preponderante  na  condição  económica  dos 
indígenas. 

O  comércio  tem  uma  alta  importância  na  civilização  cafreal, 
e  influe  por  tal  forma  no  ânimo  do  Negro,  que  o  leva  aos  maiores 
sacrifícios,  para  adquirir  as  bugigangas  que  satisfaçam  os  seus 
infantis  apetites. 

A  acção  do  comércio  sobre  o  indígena,  recaindo  sobre  uma 
grande  massa  de  indivíduos  sob  uma  forma  intensiva,  persistente 
e  constante  deve  produzir  uma  transformação  profunda  do  meio 
e  é  uma  das  melhores  maneiras  de  civilizar  o  Negro. 

Infelizmente  assim  não  tem  sucedido,  porque  o  comércio  em 
lugar  de  criar  necessidades  ao  Negro,  de  fazer-lhe  nascer  hábitos 
de  conforto,  veio  explorar-lhe  as  necessidades  carreais,  os  vícios 
e  a  manifestação  dos  maus  instintos  que  já  tinha.  Substitui-lhe 
os  panos  de  tecelagem  gentílica  pelos  mais  reles  algodões,  ver- 
dadeiras serapilheiras;  trouxe-lhó  toda  a  qualidade  de  vestuário 
que  guarnecia  os  adelos  e  ferros-velhos;  estimulou-lhe  o  vício 
da  embriaguez,  vendendo-lhe  o  álcool;  e  alimentou-lhe  as  lutas 
cafreais,  facilitando-ihe  a  pólvora. 

Não  contavam,  por  certo,  as  potências  signatárias  do  Acto 
Geral  da  Conferência  de  Berlim  que  as  suas  intenções  fossem 
ludibriadas  e-  que  pela  bacia  convencional  do  Congo  se  abrissem 
as  portas  da  Africa  para  nela  se  introduzirem  os  lixos  e  os  cacos 
da  Europa,  Muito  aó  contrário,  supôs-se  que,  com  o  livre  esta- 
belecimento do  comércio,  sob  o  regimen  moderno  da  concorrência 
mercantil,  o  indígena,  para  obter  o  dinheiro  necessário  para  as 
suas  despezas,  ou  o  género  para  a  troca,  exigida  pelo  comércio, 
se  lançaria  espontaneamente  no  trabalho  livre,  concorrendo, 
por  um  processo  evolutivo,  natural  e  admissível,  para  arrancar 
as  populações  indígenas  das  trevas  da  barbaria. 


(l)  Vide  Apenso  III  (Parte  II,  capítulos  II  e  IV). 


600  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Como  nação  signatária  do  Acto  Geral  da  Conferência  de 
Berlim  não  pudemos  deixar  de  respeitar  as  suas  deliberações, 
mas  isso  não  impede  que,  dentro  da  esfera  da  nossa  acção  go- 
vernativa, tomemos  medidas  que  em  parte  atenuem  aquele  estado 
de  coisas. 

Nesta  ordem  de  ideias  é  absolutamente  indispensável  que,  em 
lugar  de  ferros-velhos  deve  dar-se  ao  Negro  dinheiro,  estabele- 
cendo um  regimen  monetário  que  permita  a  circulação  da  moeda 
no  sertão;  «moeda  abundante,  moeda  que  seja  bem  recebida  pelos 
indígenas,  mas  que  ao  mesmo  tempo  tenha  a  estabilidade  neces- 
sária para  não  perturbar  as  relações  com  a  metrópole  e  com 
outros  paizes,  moeda  convenientemente  subdividida,  moeda 
que  marque  a  nossa  soberania  e  que  não  permita  a  circula- 
ção de  moedas  estrangeiras  —  é  o  que  devemos  e  podemos 
conseguir.» 

Isto  disse  em  1913  o  governador  geral  Norton  de  Matos  à 
Junta  Geral  da  Província  no  magnífico  discurso  que  então  pro- 
duziu ao  fundamentar  a  sua  proposta  sobre  o  regimen  monetário 
e  acrescentou:  «Um  regimen  monetário,  convenientemente  ada- 
ptado à  Província  de  Angola,  deve  manter  uma  circulação  uni- 
forme, sem  a  qual  nenhum  desenvolvimento  económico  é  possível ; 
acabar  de  vez  com  os  pagamentos  de  salários,  de  prés  e  de 
impostos  em  géneros,  sistema  imoral  e  dentro  do  qual  nenhuma 
administração  digna  deste  nome,  se  pode  organizar;  reduzir  cada 
vez  mais  o  processo  de  permuta  ou  de  troca  de  géneros  por 
outros  géneros,  processo  bárbaro  que  constitui  uma  formidável 
barreira  a  opôr-se  ã  expansão  económica  e  comercial  da  colónia ; 
multiplicar  as  transações  no  interior  da  província,  permitindo 
transações  mínimas;  baratear  a  vida  da  colónia,  satisfazer  as 
necessidades  da  metrópole,  alargando  cada  vez  mais  as  suas 
operações  comerciais  com  a  província  de  Angola,  e  ao  mesmo 
tempo  satisfazer  as  necessidades  do  comércio  indígena;  e  final- 
mente acelerar  a  evolução  económica  da  colónia.* 

É  o  que  urge  fazer  e  compete  ao  Governo  da  colónia  como 
uma  forma  admissível  para  a  solução  do  problema  económico. 

Ainda  como  complemento  das  medidas  a  tomar  sob  o  ponto 
de  vista  da  condição  económica  dos  indígenas,  não  desejamos 
dar  por  terminado  o  assunto  de  que  temos  vindo  tratando  sem 
aludir  à  importância  que  a  agricultura  indígena  tem,  e  pode  vir 
a  ter,  na  economia  da  província. 

É  já  um  lugar  comum  afirmar  que  urge  providenciar  de  forma 


DE  ANGOLA  601 

a  intensificar  a  produção  para  fazer  face  às  necessidades  cada 
vez  mais  crescentes  da  província. 

Em  uma  colónia  como  Angola  que  sob  o  ponto  de  vista  eco- 
nómico se  pode  classificar  de  uma  colónia  mixta,  porque  abrange 
os  dois  tipos  de  colónia  de  plantação  e  de  povoação,  a  condição 

r 

principal  da  sua  prosperidade  é  o  capital.  E  o  capital,  porque 
êle  é  a  alma  de  qualquer  exploração;  é  o  capital  porque  para  o 
estabelecimento  da  colónia  de  povoação  a  emigração  do  capital 
tem  de  preceder  a  emigração  de  pessoas. 

Nestas  circunstancias  para  intensificar  a  produção  na  pro- 
víncia é  condição  essencial  o  capital.  De  momento  será  viável  a 
drenagem  de  capital  para  a  Província?  E  se  não  é  fácil  obter 
de  momento  capitais  para  Angola,  devemos  esperar  de  braços 
cruzados  até  que  eles  se  possam  obter? 

Em  nossa  opinião,  não  deve  esperar-se,  deve  procurar-se  a 
intensificação  da  produção  pela  agricultura  indígena,  mesmo  que 
para  esse  desideratum  se  tenha  de  lançar  mão  de  um  forte  estí- 
mulo, quási  forçado. 

Nesta  ordem  de  ideias  é  absolutamente  necessário  tornar 
compulsórias  determinadas  medidas,  tendentes  a  encaminhar  a 
agricultura  indígena  de  forma  a  obter-se  dela  os  melhores  resul- 
tados, obrigando  os  indígenas,  em  datas  fixas,  ou  determinadas 
annalmente,  a  proceder  às  cavas,  semeaduras,  colheitas,  etc,  dis- 
tribuindo-lhe  sementes  e  facilitando-lhe  a  colocação  dos  produtos. 

IV. —  Da  condição  jurídica 

Tudo  o  que  fica  exposto  neste  trabalho  mostra  a  conveniência 
de  uma  legislação  especial,  em  harmonia  com  as  necessidades  e 
as  condições  das  sociedades  gentílicas,  sendo  supérfluo  funda- 
mentá-la de  novo,  ao  abrir  o  estudo  da  condição  jurídica. 

A  justiça  indígena  deve  ser,  sobretudo  simples  e  rápida, 
convindo  não  sobrecarregar  os  julgamentos  senão  com  as  for- 
malidades indispensáveis,  e  tendo  em  vista  na  sua  aplicação,  os 
usos  e  costumes,  em  tudo  que  não  vá  de  encontro  aos  princípios 
de  humanidade  e  de  equidade,  sem  os  quais  nenhuma  sentença 
poderá  conter  uma  decisão  de  justiça. 

No  que  diz  respeito  a  administração  de  justiça  indígena  a 
primeira  coisa  a  considerar  é  a  constituição  dos  tribunais. 

Em  causas  ou  questões  gentílicas  o  seu  julgamento  deve  ser 
da  exclusiva  competência  dos  tribunais  indígenas,  arredando-o 
39 


602  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

de  uma  vez  para  sempre  dos  tribunais  ordinários,  cuja  compo- 
sição, forma  de  processo  e  mais  normas  e  preceitos,  são  de  todo 
inconvenientes  para  as  populações  indígenas,  porque  não  lhe  são 
adequados  aos  seus  usos  e  costumes  (*). 

A  constituição  dos  tribunais  indígenas  deve,  tanto  quanto 
possivel,  moldar-se  na  organização  dos  tribunais  gentílicos, 
constituidos  por  diversos  membros  e  presididos  pela  autoridade 
gentílica  que  profere  a  sentença  e  a  faz  cumprir. 

Sobre  este  assunto  dividem-se  as  opiniões,  visto  que  autores 
ha  que  entendem  conservar  a  constituição  dos  tribunais  con- 
forme o  costume,  arrogando-se  o  governo  do  direito  de  nomear 
e  demitir  os  juizes,  e  fiscalizando  o  funcionamento  dos  tribunais 
com  o  recurso  da  apelação  para  um  tribunal  europeu.  Funda- 
menta-se  esta  opinião  no  facto  de  que  o  juiz  indígena  conhece  os 
usos  e  costumes  que  constituem  a  atmosfera  em  que  êle  próprio 
foi  creado,  fala  a  língua  das  partes,  e  assim  tem  mais  facilidade 
de  descobrir  a  verdade  através  da  atitude,  dos  ditos  e  das 
reticências  dos  pleiteantes. 

Estas  circunstâncias  que,  não  resta  dúvida,  teem  de  ser 
tomadas  em  conta  na  organização  dos  tribunais  indígenas,  não 
o  podem  ser  com  a  latitude  acima  indicada,  porque,  pela  mesma 
razão,  não  haveria  lugar  ao  tribunal  europeu  de  recurso,  e  a 
administração  de  justiça  aos  indígenas  ficar-lhe-ia  nas  mãos,  o 
que,  inconveniente  por  todos  os  motivos,  nem  ao  menos  dela 
poderíamos  tirar  partido,  como  política  de  atracção. 

Só  quem  desconhece  os  julgamentos  gentílicos,  as  bárbaras 
provas  subsidiárias  empregadas,  e  as  extorsões  que  eles  sancionam 
pode  admitir  a  constituição  do  tribunal,  constituído  única  e 
exclusivamente  por  indígenas.  Do  tribunal  devem  fazer  parte  a 
autoridade  ou  autoridades  gentílicas  dos  pleiteantes  e  acessores 
indígenas,  mas  será  presidido  pela  nossa  autoridade  administra- 
tiva que  não  julgará  sem  ouvir  todos  os  membros  do  tribunal, 
podendo  ou  não  seguir  a  sua  indicação. 

Não  é  conveniente  estabelecer  para  o  exercício  de  justiça  aos 
indígenas  uma  autoridade  judiciária  diferente  da  autoridade 
administrativa.  O  indígena  não  compreende  facilmente  a  dis- 
tinção entre  a  jurisdição  e  a  administração,  que  se  apresenta  ao 
seu  espírito  simples  e  ignorante  como  uma  complicação  inútil. 
A  divisão  das  funções  nos  meios  primitivos  não  pode  ser  levada 


(')  Vido  Apenso  II. 


DE  ANGOLA  6Õâ 

tão  longe,  como  nas  sociedades  civilizadas,  sendo  certo  que  a 
confusão  das  autoridades  administrativas  e  judiciárias  se  encontra 
forçosamente  nos  primeiros  alvores  da  evolução  social. 

De  mais,  o  direito  de  punir  traz  consigo  um  grande  prestígio 
aquele  que  o  exerce,  principalmente  perante  os  indígenas  que 
não  estão  familiarizados  com  esta  divisão  de  trabalho  governa- 
mental que  se  chama  separação  dos  poderes  e  das  autoridades. 

Em  questões  entre  europeus  ou  assimilados  e  indígenas,  tam- 
bém não  existe  unidade  de  vistas.  Uns  inclinam-se  para  a  ju- 
risdição do  réu,  o  que  pode  obrigar  o  autor  europeu  a  dirigir-se 
a  um  tribunal  indígena.  Outros  entendem  que  devem  organizar-se 
tribunais  mixtos  com  elementos  das  duas  jurisdições,  um  juiz 
europeu  e  um  juiz  indígena  reunidos  sob  a  presidência  de  um 
funcionário  tendo  por  missão  o  equilíbrio  entre  os  interesses 
opostos  dos  colonos  e  dos  indígenas.  Finalmente  ainda  outros  — 
e  entre  esse  número  nos  contamos — entendem  que  as  questões 
entre  europeus  e  indígenas  devem  ser  julgadas  pelos  tribunais 
ordinários  europeus,  tendo-se  em  atenção  na  aplicação  das  penas 
aos  indígenas  o  Código  de  Justiça  indígena. 

Voltando  propriamente  ao  que  aqui  nos  interessa,  a  forma  de 
regular  a  administração  de  justiça  aos  indígenas,  é  de  toda  a 
vantagem  defini-la,  tanto  quanto  possível,  de  forma  que  o  simples 
pretexto  da  distância  à  sede  do  tribunal  não  possa  servir  de 
desculpa  ao  indígena  para  à  sanção  deste  não  sujeitar  as  suas 
questões. 

Assim,  no  projecto  do  Regimento  de  Administração  de  Justiça 
aos  Indígenas,  constituímos,  àlêm  dos  tribunais  indígenas  de 
excepção  e  provincial,  os  tribunais  indígenas  de  primeiro  grau 
estabelecidos  junto  de  cada  posto  civil  ou  militar  e  os  tribunais 
indígenas  de  segundo  grau  estabelecidos  junto  de  cada  concelho, 
circunscrição  ou  capitania-mor. 

O  tribunal  provincial  funciona  junto  da  Secretaria  dos  Ne- 
gócios Indígenas  e  compete-lhe  conhecer  dos  recursos  interpostos 
das  sentenças  dos  tribunais  regionais. 

Os  tribunais  de  excepção  reúnem,  quando  convocados  pelo 
Governador  Geral  que  indicará  os  litígios  que  vão  julgar,  a  sua 
composição  e  o  local  onde  devem  funcionar,  sendo  dissolvidos 
logo  que  tenham  terminado  a  sua  missão. 

Os  tribunais  de  excepção  teem  competência  exclusivamente 
para  julgar:  os  crimes  de  rebelião  contra  o  Estado,  o  Governo 
da   província   ou   os   seus  representantes ;   os   crimes    cometidos 


604  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

colectivamente  contra  sobados,  sanzalas  ou  libatas  e  tríbus,  com 
o  fim  de  exercer  autoridade,  de  fazer  razias  ou  exercer  vingan- 
ças; os  crimes  de  contrabando  de  armas  e  munições;  os  actos  de 
força  contra  as  tropas  regulares,  contra  caravanas  de  carrega- 
dores e  escoteiros  em  serviço  do  Estado. 

Aos  tribunais  regionais  do  segundo  grau  compete  julgar,  em 
matéria  civil,  todas  as  causas  e,  em  matéria  crime,  todos  os 
crimes  que  não  sejam  da  competência  do  tribunal  de  excepção. 

Quanto  aos  tribunais  indígenas  do  primeiro  grau,  não  se  lhes 
deve  dar  competência  para  julgar  causas  crimes  e  deve  restrin- 
gir-se  a  competência  em  matéria  civil  a  causas  cujo  valor  não 
exceda  a  20$00. 

No  que  diz  respeito  à  forma  de  processo  temos  de  banir  por 
completo  a  organização  morosa  dos  nossos  processos,  e  as  suas 
minutas  complicadas,  tão  pouco  conformes  com  a  mentalidade  e 
com  os  interesses  dos  indígenas,  devendo-nos  inspirar  no  resul- 
tado da  experiência. 

Assim  é  que  o  processo,  quer  se  trate  de  matéria  civil,  quer 
de  matéria  criminal,  será  sumário  e  o  julgamento  em  discussão 
verbal. 

Quanto  à  instrução  do  processo  deve  ela  ficar  a  cargo  do 
presidente  do  tribunal,  a  quem  deve  dar-se  liberdade  de  acção. 
-  A  sua  iniciativa  precisa  de  se  encontrar  desembaraçada  das  res- 
trições do  código  do  processo,  em  virtude  da  pouca  confiança 
que  merecem  as  testemunhas  e  da  dificuldade  que  há  de  encon- 
trar os  culpados.  Se  a  acção  do  juiz  se  mantiver  coartada  pela 
lei,  impondo  um  certo  modo  de  proceder,  os  criminosos  escaparão 
quási  todos,  rindo-se  o  indígena  da  nossa  impotência  e  multipli- 
cando-se  os  atentados  contra  as  pessoas  e  as  propriedades  de  um 
modo  assombroso,  como  está  sucedendo. 

Estas  razões  aconselham  deixar  ao  juiz  a  escolha  dos  meios 
mais  eficazes  para  a  descoberta  dos  criminosos,  por  ser  esta  a 
forma  mais  simples  e  mais  prática  de  exercer  a  justiça  aos  in- 
dígenas. 

Como  já  tivemos  ocasião  de  frizar  o  nosso  projecto  institui  o 
recurso  de  apelação  e  de  revista  para  os  tribunais  indígenas  do 
segundo  grau  em  relação  às  sentenças  proferidas  nos  de  primeiro 
e  para  o  tribunal  provincial  para  as  do  segundo. 

Os  recursos  de  apelação  e  de  revista  devem  existir,  como 
garantias  verdadeiramente  necessárias  de  uma  boa  administração 
da  justiça. 


DE  ANGOLA  605 

Emfim,  como  feixo  do  regimento  de  administração  de  justiça 
aos  indígenas  instituímos  no  nosso  projecto  a  assistência  judi- 
ciária. 

Exposta  a  nossa  opinião  sobre  o  regimento  de  administração 
de  justiça,  passamos  a  indicar  a  forma  de  estabelecer  os  direitos 
e  obrigações  dos  indígenas  e  regular  as  relações  entre  si,  con- 
soante o  estado  social  da  sua  civilização,  e  de  forma  a  não  ir  de 
encontro  aos  princípios  de  humanidade,  isto  é,  passamos  a  estudar 
o  Código  de  Justiça  Indígena. 

As  populações  indígenas  de  Angola  não  distinguem,  como  os 
povos  civilizados,  a  responsabilidade  civil  da  responsabilidade 
criminal ;  a  simples  contestação  dos  seus  direitos  é  considerada 
como  uma  ofensa,  que  tem  de  ser  desagravada  pelo  seu  autor  ou 
pelos  seus  parentes,  porque  todos  são  considerados  solidaria- 
mente responsáveis. 

Não  consagram  o  princípio  da  irresponsabilidade  pessoal, 
nem  a  legítima  defeza  é  facto  justificativo,  pois  consideram  as 
ofensas  somente  pelo  lado  exterior  e  objectivo,  sem  atenção  ao 
elemento  da  voluntariedade. 

Todos  os  crimes  se  desagravam  pelo  pagamento  de  uma  com- 
posição pecuniária,  todos  são  delitos  civis,  ainda  que  para  muitas 
ofensas  não  haja  regras  fixas  de  indemnização. 

São  estes  os  princípios  gerais  sobre  que  assenta  o  estatuto 
jurídico  dos  indígenas  e  é  consoante  eles  que  nós  temos  de  ela- 
borar o  Código  do  indiginato,  não  obstante  os  não  admitamos 
integralmente. 

Nestes  termos,  no  projecto  do  Código  de  Justiça  Indígena  (*) 
que  elaboramos,  tomamos  por  base  o  princípio  a  que  já  mais  de 
uma  vez  fizemos  menção,  de  que  a  unidade  da  constituição  da 
comunidade  é  o  clan  materno,  restringindo  assim  a  responsabi- 
lidade colectiva  de  todos  os  membros  da  família  ao  clan  materno, 
porque  essa  restrição  se  esboça  na  grande  maioria  das  tríbus,  e 
portanto,  assim,  facilitamos  a  evolução  natural  que  lenta  e  pro- 
gressivamente se  vai  operando  na  civilização  das  populações 
indígenas. 

A  sociedade  familiar  —  assim  convencionamos  designar  o  clan 
materno  —  é  a  base  sobre  que  giram  todas  as  disposições  do 
Código,  interferindo  em  todos  os  actos  da  vida  dos  seus  respe- 
ctivos membros,  e  por  esse  facto,  solidariamente  responsável  pelo 


(l)  Vide  Apenso  III. 


606  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

cumprimento  de  todas  as  disposições  civis  voluntariamente  con- 
traídas por  qualquer  dos  seus  membros  ou  que  aos  mesmos  seja 
imposta  por  efeito  legal  ou  por  sentença. 

O  indígena  maior  do  sexo  masculino,  nos  termos  do  mesmo 
Código,  tem  capacidade  civil  para  gerir  a  sua  própria  pessoa  e 
haveres,  é-lhe  lícito  apropriar-se  pela  ocupação  dos  terrenos, 
animais  e  produtos  ou  substâncias  naturais,  salvo  as  restrições 
consignadas  no  Código  e  nos  regulamentos  especiais,  pode  esco- 
lher o  género  de  trabalho  para  prover  à  sua  subsistância,  tem  a 
faculdade  de  intervir  em  contractos,  etc,  mas  todos  os  actos  da 
sua  vida,  tudo  aquilo  de  que  só  apropria,  todo  o  produto  do  seu 
trabalho,  comércio  e  indústria,  todos  os  contractos  cm  que  inter- 
vém, ficam  dependentes  e  subordinados  à  sociedade  familiar  que, 
solidariamente  responsável,  em  todos  interfere. 

No  que  diz  respeito  ao  facto  dos  indígenas  não  distinguirem 
a  responsabilidade  civil  da  responsabilidade  criminal,  não  pode 
este  princípio  prevalecer  no  Código  de  Justiça  Indígena;  isso 
equivaleria  a  não  admitir  a  reparação  da  ofensa  ou  violação  pelo 
dano  causado  à  sociedade  na  ordem  moral. 

Sobre  direito  civil,  àlêm  do  que  já  tivemos  ocasião  de  fazer 
alusão  neste  trabalho,  sobre  relaç5es  entre  os  diversos  membros 
da  família,  tutela  de  menores,  ocupação,  posse  e  propriedade, 
admite  o  Código  os  contractos  de  parceria  pecuária,  muito  em 
voga  nas  tríbus  que  se  entregam  à  creação  de  gado  bovino,  de 
empréstimo,  de  compra  e  venda  e  de  locação. 

O  cumprimento  das  obrigações  que  resultam  dos  contractos 
pode  ser  garantido  por  fiança  ou  por  penhor. 

Com  relação  à  sucessão,  àlêm  da  legítima,  não  podemos  deixar 
de  incluir  no  projecto  do  Código  a  sucessão  testamentária  porque 
ela  é  frequente  em  algumas  tríbus,  em  que  os  indígenas  por  sua 
última  vontade  dispõem  verbalmente  e  perante  testemunhas  dos 
seus  haveres;  mas  tanto  uma  como  outra  são  restritas  aos  mem- 
bros da  sociedade  familiar,  podendo  só  recair  em  estranhos  na 
falta  de  membros  daquela;  isto  é,  o  testador  pode  desherdar  alguns 
dos  seus  legítimos  descendentes  em  favor  de  outros  e  só  pode 
testar  livremente  em  favor  de  qualquer  pessoa  quando  não  tiver 
sucessores  legítimos. 

A  sucessão  legítima  defere-se  pela  linha  feminina,  como  já 
mais  de  uma  vez  aludimos,  isto  é,  defere-se  entre  os  membros 
da  família  do  clan  materno  do  autor  da  herança,  que  constituem 
a  sociedade  familiar  a  que  êle  pertence,  na  ordem  e  consoante  o 


DE  ANGOLA  607 

costume  local,  e  só  na  falta  de  membros  da  família  pertencentes 
ao  clan  materno  se  defere  a  sucessão  entre  os  do  clan  paterno. 

No  que  diz  respeito  à  parte  do  projecto  que  se  refere  ao 
direito  penal,  temos  que  ter  em  conta,  como  na  parte  do  direito 
civil,  que  não  podemos  aplicar  aos  indígenas  pura  e  simplesmente 
o  nosso  Código  Penal. 

O  indígena  não  tem  noção  alguma  do  que  nós  chamamos 
ordem,  não  respeitando,  por  vezes,  nem  a  vida  nem  a  propriedade, 
perante  o  que  devem  ceder  os  escrúpulos  jurídicos  e  as  conside- 
rações sentimentais,  organizando-se  uma  justiça  repressiva,  de 
forma  a  garantir  a  vida  e  os  haveres. 

A  lista  de  infracções  não  pode  ser  a  mesma,  embora  isto 
brigue,  à  primeira  vista,  com  as  nossas  ideias  de  igualdade,  visto 
que  há  determinadas  acções  proibidas  a  europeus  que  se  devem 
permitir  aos  indígenas,  sob  pena  de  se  provocar  a  sua  desorga- 
nização social. 

A  gravidade  dos  crimes  pode  não  ser  a  mesma,  conforme  se 
trate  de  um  europeu  ou  de  um  indígena ;  uma  acção  que  pode 
ser  gravemente  exprobada  a  um  europeu,  de  quem  se  deve  exi- 
gir uma  moralidade,  superior,  será  uma  falta  ligeira  quando 
praticada  por  um  indígena. 

Assim,  é  necessário  analizar  cada  infracção,  apreciar  as  suas 
condições  e  defini-las,  tendo  em  atenção  o  estado  social,  os  cos- 
tumes, as  ideias  morais  e  religiosas  dos  indígenas,  aferindo-se  a 
sua  gravidade  de  forma  a  conciliar-se  este  ponto  de  vista  com  o 
da  nossa  segurança  e  o  do  nosso  prestígio. 

Por  esta  forma  no  projecto  do  Código,  na  parte  penal,  esta- 
belecemos a  aplicação  das  penas  previstas  pelo  nosso  Código 
Penal  nos  crimes  contra  a  segurança  do  Estado  e  contra  a  vida 
e  liberdade  das  pessoas,  e  admitimos  como  penas  previstas  pelo 
costume:  a  de  degredo;  a  de  desterro;  a  de  trabalho  correcional; 
a  de  multa;  e  a  de  indemnização.  E,  quando  as  penas  mandadas 
aplicar  pelo  Código  forem  as  decretadas  pelo  Código  Penal,  en- 
tender-se  liá  que  as  penas  maiores  de  prisão  celular,  seguidas 
de  degredo  ou  não,  serão  sempre  substituídas  pelas  penas  maiores 
de  degredo  fixo  ou  temporário,  aplicáveis  em  alternativa,  e  que 
a  pena  de  prisão  correccional  será  sempre  substituída  por  tra- 
balho correccional. 

A  pena  de  indemnização  àlêm  dos  casos  em  que  é  taxativa- 
mente decretada  no  Código  deverá,  cumulativamente  com  outras 
penas,  ser  imposta  pelos  tribunais  indígenas  em  todos  os  crimes 


608  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

e  delitos  de  que  resulte  prejuízo  para  o  ofendido,  quando  este 
não  seja  o  Estado. 

Tendo  em  vista  o  que  deixamos  exposto  sobre  a  aplicação 
das  penas,  no  projecto  do  Código  de  Justiça  Indígena  graduamos 
as  penas  previstas  pelo  mesmo  Código,  consoante  a  gravidade 
dos  crimes  sob  ponto  de  vista  gentílico. 

Como  meio  de  prova,  tanto  em  matéria  civil  como  em  matéria 
penal,  admitimos  todos  os  que  são  admitidos  nas  leis  portuguesas 
e  ainda  aqueles  que,  nos  usos  e  costumes  de  cada  tríbu,  consti- 
tuem para  muitos  pleitos  incontestável  prova  da  verdade  dos 
fa&tos. 

É  evidente  que  nestas  provas  não  queremos  abranger  as  que 
são  verdadeiros  crimes  contra  pessoas  ou  grosseiras  superstições, 
tais  como  a  do  veneno,  do  ferro  em  braza,  da  água  a  ferver,  da 
decapitação  de  um  animal,  das  práticas  de  magia  ou  adivinhação 
de  feiticeiros  e  outras,  tão  bárbaras  ou  tão  grosseiras  e  pueris, 
como  as  que  citamos.  Referimo-nos  aos  objectos  permutados  como 
sanção  de  um  contracto,  dos  sinais  pintados  ou  gravados,  às 
cerimónias  realizadas,  e  a  outros  actos  que,  na  tradição  de  cada 
tríbu,  é  uso  praticar-se  antes  ou  após  a  realização  de  qualquer 
facto. 

Em  tudo  que  deixamos  exposto  sobre  a  condição  jurídica 
visamos  sobretudo  as  populações  indígenas  da  raça  Negra,  visto 
nâo  haver  possibilidade  de  a  nós  atrair  as  populações  Boschjmanes 
e  muito  menos  de  por  uma  forma  taxativa  regular  o  seu  modo 
de  ser  arbitrário  e  selvagem. 


APENSO 


PROJECTO  DO  ESTATUTO  CIVIL  E  POLÍTICO 
DOS  INDÍGENAS  DE  ANGOLA 

Artigo  1.°  Considera-se  indígena  da  província  de  Angola,  o  indivíduo 
de  côr  (preto  ou  mestiço),  natural  da  província,  ou  de  colónias  africanas 
portuguesas  ou  estrangeiras,  que  não  satisfizer  cumulativamente  às  se- 
guintes condições: 

1.°  Falar  e  escrever  o  português  ou  alguma  outra  língua  culta  ; 

2.°  Não  praticar  os  usos  e  costumes  característicos  das  raças  africanas ; 

3.°  Exercer  profissão,  comércio  ou  indústria,  ou  possuir  bens  de  que 
se  mantenha. 

Art.  2.°  O  indivíduo  de  côr  (preto  ou  mestiço)  natural  da  província  ou 
de  colónias  africanas  portuguesas  ou  estrangeiras,  que  satisfaça,  cumu- 
lativamente, às  condições  do  artigo  anterior  será  considerado  cidadão  da 
República,  e  como  tal  isento  da  aplicação  das  leis  e  outras  disposições 
exclusivamente  adoptados  para  indígenas,  tendo  garantido  o  pleno  uso  de 
todos  os  direitos  civis  e  políticos  concedidos  na  província  aos  portugueses 
originários  da  metrópole. 

§  único.  Nas  administrações  de  concelho,  de  circunscrição  civil  e  capi- 
tanias-móres  far-se  há  registo  dos  indivíduos  de  côr  (pretos  ou  mestiços), 
abrangidos  pelo  estabelecido  neste  artigo,  que  perante  o  respectivo  admi- 
nistrador ou  capitão-mór,  conforme  o  caso,  provem  satisfazer  às  condi- 
ções indicadas. 

Art.  3.°  O  exercício  dos  direitos  e  garantias  individuais  dos  indígenas 
da  província  de  Angola,  será  regulado  nos  termos  seguintes  : 

1.°  Serão  mantidos  os  foros  de  nobreza  e  os  títulos  hierárquicos  tradi- 
cionais segundo  os  usos  e  costumes ; 

2.°  É  inviolável  a  liberdade  de  consciência  e  de  crença,  e  garantido  o 
exercício  de  todos  os  cultos,  desde  que  não  ofendam  os  princípios  huma- 
nitários e  que  sejam  compatíveis  com  a  ordem  pública ; 

3.°  É  livre  o  direito  de  reunião,  associação  e  petição.  Disposições  es- 
peciais regularão  o  direito  de  petição,  quando  fôr  exercido  por  escrito 
e  assinado  a  rogo ; 

4.°  O  domicílio  não  é  inviolável; 

5.°  É  admitida  a  prisão  sem  culpa  formada,  quando  fôr  executada  por 
ordem  escrita  da  autoridade  competente; 

6.°  A  definição,  punição  dos  crimes,  delitos  e  contravenções,  a  instru- 


612  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

ção  e  forma  de  processo,  as  autoridades  que  tenham  de  intervir  no  julga- 
mento, e  tudo  o  mais  que  diga  respeito  à  administração  de  justiça  a  indí- 
genas será  regulado  por  disposições  especiais  •, 

7.°  O  estado  civil  e  os  respectivos  registos  são  da  exclusiva  competência 
da  autoridade  administrativa.  Disposições  especiais  regularão  o  assunto  ; 

8.°  O  direito  de  ocupação,  concessão  e  propriedade  de  terrenos  é  regu- 
lado pelas  disposições  especiais  sobre  o  assunto ; 

9.°  É  livre  a  forma  de  dar  cumprimento  à  obrigação  moral  e  legal  a 
que  o  indígena  está  sujeito  de,  por  meio  de  trabalho,  prover  ao  seu  sustento 
e  melhorar  sucessivamente  a  sua  condição  social. 

Art.  4.°  O  Governador  Geral,  por  intermédio  da  Secretária  dos  Negó- 
cios Indígenas,  é  o  protector  nato  dos  indígenas  da  província,  quer  nela 
permaneçam,  quer,  não  sendo  da  província,  nela  se  encontrem  ou  venham 
a  estabelecer-se. 

Art.  5.°  São  mantidas  as  instituições  políticas  indígenas,  devendo  res- 
peitar-se,  nas  relações  de  subordinação,  na  escolha  das  autoridades  gen- 
tílicas e  suas  funções,  as  tradições,  usos  e  costumes  que  não  vão  de  en- 
contro aos  princípios  humanitários. 


II 


PROJECTO  DO  REGIMENTO 

DE  ADMINISTRAÇÃO  DE  JUSTIÇA  AOS  INDÍGENAS 

DA  PROVÍNCIA  DE  ANGOLA 

CAPÍTULO  I 
Disposições  gerais 

Artigo  1.°  0  julgamento  das  causas  ou  questões  gentílicas  é  da  exclu- 
siva competência  dos  tribunais  indígenas. 

§  único.  Desde  que  uma  das  partes  em  litígio  seja  um  cidadão  europeu 
ou  de  côr,  nos  termos  do  estatuto  civil  e  político  dos  indígenas,  será  o 
julgamento  das  atribuições  dos  tribunais  ordinários,  tendo  em  atenção 
na  aplicação  das  penas  aos  indígenas  o  Código  de  Justiça  Indígena. 

CAPÍTULO  II 
Da  constituição  dos  tribunais  indígenas 

Art.  2.°  A  administração  de  justiça  aos  indígenas  da  província  de 
Angola  é  ministrada : 

1.°  Nos  tribunais  indígenas  regionais  de  1.°  grau,  estabelecidos  junto 
de  cada  posto  civil  ou  militar  das  circunscrições  e  capitanias-móres ; 

2.°  Nos  tribunais  indígenas  regionais  de  2.°  grau,  estabelecidos  junto 
de  cada  um  dos  concelhos,  circunscrições  civis  e  capitanias-móres ; 

3.°  No  tribunal  indígena  provincial,  estabelecido  em  Loanda ; 

4.°  Nos  tribunais  indígenas  de  excepção. 

Art.  3.°  Os  tribunais  regionais  de  1.°  grau  são  constituídos  pelo  chefe 
do  posto,  pelo  chefe  ou  chefes  gentílicos,  reconhecidos  pela  autoridade,  a 
que  pertencem  os  indígenas  em  litígio,  e  por  dois  acessores,  escolhidos 
anualmente  pelo  administrador  do  concelho  ou  da  circunscrição,  ou  ca- 
pitania-mór,  conforme  o  caso,  de  uma  lista  de  cinco  indígenas  ou  assimi- 
lados de  reconhecida  preponderância  e  honestidade  apresentada  pelo  chefe 
do  posto. 

Art.  4.°  Os  tribunais  regionais  de  2  o  grau  são  constituídos  pelo  admi- 
nistrador do  concelho  ou  da  circunscrição  ou  capitão-mór,  conforme  o 
caso,  que  será  o  presidente  do  tribunal ;  pelo  secretário  da  administração 


614  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

do  concelho  ou  da  circunscrição  ou  capitania  mór,  que  será  o  secretário 
com  voto;  pelo  chefe  ou  chefes  gentílicos,  reconhecidos  pela  autoridade, 
das  áreas  a  que  pertencem  os  indígenas  em  litígio;  e  dois  acessores,  no- 
meados anualmente  pelo  Secretário  dos  Negócios  Indígenas  e  escolhidos 
de  uma  lista  de  cinco  indígenas  ou  assimilados  de  reconhecida  prepon- 
derância e  honestidade,  apresentada  pelo  presidente  do  tribunal. 

Art.  5.°  O  tribunal  provincial  é  constituído  pelo  Secretário  dos  Negó- 
cios Indígenas  que  será  o  presidente,  o  delegado  do  procurador  da  Re- 
pública da  comarca  de  Loanda,  e  um  indivíduo,  funcionário  ou  não,  co- 
nhecedor dos  usos  e  costumes  indígenas,  nomeado  pelo  Governador  Geral 
anualmente. 

§  único.  Servirá  de  Secretário  neste  tribunal  sem  voto  um  amanuense 
da  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas,  designado  pelo  presidente  do  tri- 
bunal. 

Art.  6.°  Os  tribunais  de  excepção  são  compostos  de  membros,  desi- 
gnados pelo  Governador  Geral  na  portaria  que  os  mandar  constituir. 

§  único.  Na  constituição  destes  tribunais  o  Governador  Geral  poderá, 
se  assim  o  entender,  deixar  de  incluir  acessores  indígenas. 

Art.  7.°  Os  chefes  gentílicos  e  os  acessores  dos  tribunais  indígenas 
não  teem  voto,  mas  o  tribunal  não  pode  nunca  julgar  sem  os  ouvir. 

Art  8.°  Junto  de  cada  tribunal  haverá  um  intérprete. 

Art.  9.°  No  caso  de  uma  das  partes  em  litígio  ser  um  chefe  gentílico, 
que  teria  de  fazer  parte  do  tribunal,  será  este  substituído  por  um  outro 
com  preponderância  na  região  escolhido  pelo  presidente  do  tribunal. 

Art.  10.°  Os  tribunais  regionais  do  1.°  e  2.°  grau  funcionam  respecti- 
vamente junto  das  secretarias  dos  postos  civis  e  militares,  dos  concelhos, 
das  circunscrições  e  das  capitanias-móres.  O  tribunal  provincial  funcio- 
nará na  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  e  os  tribunais  de  excepção  no 
local  designado  na  portaria  da  sua  constituição. 

Art.  11.°  Os  tribunais  regionais  não  teem  reuniões  periódicas,  são 
convocados  conforme  as  necessidades  e  conveniências  de  serviço  pelos 
seus  respectivos  presidentes. 

Art.  12.°  O  tribunal  provincial  tem  uma  reunião  mensal. 

Art.  13.°  Os  tribunais  de  excepção  reúnem,  quando  convocados  pelo 
Governador  Geral  em  portaria  que  designará  a  sua  composição,  o  local 
onde  deve  funcionar  e  os  litígios  que  vão  julgar,  sendo  dissolvidos  logo 
que  tenham  terminado  a  sua  missão. 

CAPÍTULO  III 
Da  competência  dos  tribunais  indígenas 

Art.  14.°  Os  tribunais  regionais  do  1.°  grau;  em  matéria  civil  e  comer- 
cial, teem  competência  para  julgar  causas  cujo  valor  não  exceda  a  20100; 
em  matéria  crime  não  teem  competência  para  julgar. 

Art.  15.°  Os  tribunais  de  2.°  grau  teem  competência  para  julgar  em 
matéria  civil  e  comercial  todas  as  causas,  e  em  matéria  crime  todos  aqueles 
que  não  sejam  das  atribuições  dos  tribunais  de  excepção. 

§  único.  A  estes  tribunais  compete  rever  os  julgamentos  efectuados 


BE  ANGOLA  G15 

nos  tribunais  do  1.°  grau,  sem  que  para  isso  haja  necessidade  da  sus- 
pensão da  sentença,  salvo  o  caso  de  ter  sido  interposto  recurso  dessa  sen- 
tença. 

Art.  16.°  Ao  tribunal  provincial  compete  conhecer  dos  recursos  inter- 
postos das  sentenças  dos  tribunais  regionais  do  2.°  grau. 

Art.  17.°  Os  tribunais  de  excepção  teem  competência  exclusivamente 
para  julgar : 

a)  Os  crimes  de  rebelião  contra  o  Estado,  o  Governo  da  província  ou 
os  seus  representantes; 

b)  Os  crimes  cometidos  colectivamente  contra  sobados,  sanzalas  ou  li- 
batas  e  tríbus,  com  o  fim  e  exercer  autoridade  de  fazer  razias  ou  exercer 
vinganças; 

c)  Os  crimes  de  contrabando  de  armas  e  munições; 

d)  Os  actos  de  força  contra  as  tropas  regulares,  contra  caravanas  de 
carregadores  e  escoteiros  em  serviço  do  Estado. 

CAPÍTULO  IV 
Da  forma  do  processo 

Art.  18.°  O  processo,  quer  se  trate  de  matéria  criminal,  quer  se  trate 
de  matéria  civil  ou  comercial,  será  sumário  e  o  julgamento  em  discussão 
verbal. 

Art.  19.°  O  tribunal,  em  matéria  civil  ou  comercial,  não  promoverá 
qualquer  acção  sem  uma  comunicação  oral  ou  por  escrito  dirigida  ao  pre- 
sidente do  tribunal  e  um  preparo  na  importância  de  um  escudo  e  cincoenta 
centavos  quando  o  julgamento  fôr  da  competência  do  tribunal  do  primeiro 
grau  e  três  escudos  quando  fôr  da  competência  do  tribunal  do  segundo 
grau. 

§  único.  Deste  preparo  cabe,  nos  tribunais  do  primeiro  grau,  50%  à 
autoridade  que  julgar  a  causa,  25%  ao  chefe  ou  chefes  gentílicos  que  in- 
tervenham, e  25%  aos  acessores;  nos  tribunais  do  segundo  grau,  50%  ao 
presidente  do  tribunal,  10%  ao  secretário  do  mesmo,  20%  ao  chefe  ou 
chefes  gentílicos  que  intervenham  e  20%  aos  acessores. 

Art.  20.°  Em  matéria  crime  o  tribunal  promoverá  o  julgamento  de 
todos  os  crimes  que  tem  competência  para  julgar  e  ao  seu  conhecimento 
chegarem,  independentemente  mesmo  de  participação  ao  presidente  do 
tribunal. 

Art.  21.°  Ao  presidente  do  tribunal  compete  a  instrução  das  causas  a 
julgar,  podendo,  nesta  conformidade,  inquirir  e  ouvir  testemunhas  e  as 
partes  em  qualquer  local  e  ocasião  mandar  prender  preventivamente  o 
réu,  e  proceder  a  quaisquer  diligências  que  julgar  necessárias. 

Art.  22.°  A  instrução  de  qualquer  causa  não  deverá  exceder  um  prazo 
de  tempo  que  vá  àlêm  de  quinze  dias  a  contar  da  data  que  o  presidente 
do  tribunal  dela  tiver  conhecimento,  findo  o  qual  se  procederá  ao  julga- 
mento. 

§  único.  A  ampliação  do  prazo  de  tempo  para  a  instrução  só  pode  ser 
feita  por  julgamento  que  prove  a  sua  insuficiência. 

Art.  23.°  Dentro  do  prazo  que  não  exceda  a  dez  dias  a  contar  do  co- 


616  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

nhecimento  da  causa  será  feita  a  convocação  do  tribunal,  e  intimadas  as 
partes  e  testemunhas  para  em  dia  e  hora  determinada  se  proceder  ao 
julgamento  da  causa. 

Art.  24.°  As  partes  são  obrigadas  a  comparecer,  podendo,  no  caso  de 
impossibilidade,  fazerem-se  representar  por  mandatários  escolhidos  entre 
os  parentes,  tendo,  no  entanto,  a  sua  qualidade  de  ser  reconhecida  pelo 
tribunal. 

§  único.  Caso  ambas  as  partes  ou  uma  delas,  devidamente  convocadas, 
não  compareça  ou  não  se  façam  representar,  o  tribunal  julgará  como  se 
todos  estivessem  presentes. 

Art.  25.°  A  cada  uma  das  partes  é  concedido  fazer-se  acompanhar  de 
um  defensor  indígena,  ficando  a  sua  apresentação  dependente  da  resolução 
do  presidente  do  tribunal. 

Art.  26.°  Os  julgamentos  são  públicos,  podendo  o  tribunal  por  motivos 
excepcionais  reunir-se  em  audiências  secretas. 

Art.  27.°  Dos  .julgamentos  se  lavrará  acta  escrita  em  um  livro  de 
registo  de  que  constará : 

a)  Os  nomes,  idades,  profissões  e  residências  dos  membros  do  tribu- 
nal, das  partes,  das  testemunhas,  do  intérprete  e  de  quaisquer  outras 
pessoas  que  intervenham  no  julgamento. 

b)  Hora,  dia,  mês  e  ano  em  que  o  julgamento  tiver  logar. 

c )  Enunciado  da  causa  e  resumo  da  sua  discussão. 

d)  Fundamento  da  sentença. 

e)  A  sentença. 

Art.  28.°  As  actas  serão  assinadas  por  todos  os  membros  do  tribunal 
que  saibam  ler  e  escrever,  serão  feitas  por  séries  anuais,  escrevendo-se 
na  margem  das  folhas  do  livro  respectivo,  o  número  de  ordem  e  do  ano 
a  que  digam  respeito,  e  serão  separadas  umas  das  outras  por  um  simples 
traço  não  devendo  ficar  qualquer  linha  em  branco  entre  elas. 

Art.  29.°  As  actas  serão  escritas  por  extenso,  sem  emendas,  razuras 
e  algarismos,  devendo  qualquer  erro  ser  rectificado  na  mesma  e  em  se- 
guida à  sentença  antes  das  assinaturas. 

Art.  30. •  As  anotações  que  sejam  julgadas  necessárias  bem  assim 
como  a  declaração  de  ter  havido  recurso  e  o  resultado  deste  serão  feitas 
nas  margens  das  actas. 

Art.  31.°  Proferida  a  sentença  e  passada  em  julgado,  será  esta  posta 
em  execução  pela  autoridade  administrativa  em  que  o  tribunal  funciona, 
sendo-lhe  enviadas  pelo  presidente  do  tribunal  as  certidões  das  sentenças, 
quando  este  o  não  fôr. 

Art.  32.°  Quando  se  tratar  da  pena  de  multas  a  importância  destas 
dará  entrada  na  Fazenda  por  guia  assinada  pela  autoridade  encarregada 
da  execução  da  sentença. 

Art.  33.°  Aos  presidentes  dos  tribunais  regionais  e  às  autoridades 
competentes  cumpre,  por  todos  os  meios  ao  seu  alcance,  dar  imediata 
execução  às  sentenças,  de  forma  a  garantir  o  seu  integral  cumpri- 
mento. 


DÉ  ANGOLA  617 

CAPÍTULO  V 
Dos  recursos 

Art.  34.°  Das  sentenças  dos  tribunais  regionais  do  primeiro  grau  cabe 
recurso  aos  tribunais  regionais  do  segundo  grau  e  das  sentenças  destes 
para  o  tribunal  provincial. 

§  único.  Das  resoluções  do  tribunal  provincial  não  ha  recurso. 

Art.  35.°  Das  sentenças  dos  tribunais  de  excepção  cabe  recurso  para 
o  Governador  Geral  em  Conselho  do  Governo. 

Art.  36.°  Qualquer  dos  recursos  acima  indicados  será  interposto  no 
prazo  de  três  dias  a  contar  da  data  da  sentença,  por  uma  simples  decla- 
ração verbal  ou  escrita  feita  ao  presidente  do  tribunal  que  intervier  no 
julgamento,  o  qual  a  seguir  mandará  tirar  certidão  do  acto  do  julgamento 
e  enviará  ao  presidente  do  tribunal  para  que  cabe  recurso. 

§  único.  No  caso  do  recurso  dos  tribunais  de  excepção,  serão  as  cer- 
tidões das  actas  dos  julgamentos  presentes  ao  Governador  Geral  por 
intermédio  do  Secretário  dos  Negócios  Indígenas. 

Art.  37.°  Os  recursos  serão  instruídos  no  acto  da  sua  apresentação 
com  um  preparo  na  importância  de  seis  escudos. 

§  único.  Deste  preparo  cabe  40%  ao  presidente  do  tribunal,  25%  a 
cada  um  dos  vogais  do  tribunal  e  10  %  ao  secretário. 

CAPÍTULO  VI 
Da  assistência  judiciária 

Art.  38.°  Junto  de  cada  tribunal  regional  de  segundo  grau  funcionará 
uma  comissão  de  assistência  judiciária  aos  indígenas,  composta  de  três 
membros  anualmente  nomeados  pelo  Governador  Geral  sob  proposta  do 
presidente  do  respectivo  tribunal  e  que  recairá  em  cidadãos  europeus  ou 
de  côr,  funcionários  ou  não,  de  provada  moralidade  e  honestidade. 

Art.  39.°  As  comissões  de  assistência  prestarão,  perante  os  tribunais 
indígenas,  assistência  judiciária  aos  indígenas  que,  por  falta  de  recursos, 
comprovada  pelas  comissões  junto  dos  mesmos  tribunais,  se  encontrem 
impossibilitados  de  exercer  os  seus  direitos  junto  deles. 

§  único.  Aos  indígenas  nestas  condições  não  será  levado  preparo  na 
instrução  do  processo. 

CAPÍTULO  VII 
Disposições  diversas 

Art.  40.°  Os  presidentes  dos  tribunais  do  2.°  grau  elaborarão  mensal- 
mente um  mapa  (modelo  A)  das  causas  julgadas  nos  tribunais  a  que 
presidem  e  nos  tribunais  de  primeiro  grau  pertencentes  à  divisão  admi- 
nistrativa onde  aquele  se  encontra  instalado,  e  envia-lo-hão  para  a  Secre- 
taria dos  Negócios  Indígenas  até  ao  dia  15  de  cada  mês. 

Art.  41.°  Em  face  dos  mapas  recebidos  será  publicado  pela  Secretaria 

40 


618 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


dos  Negócios  Indígenas  um  boletim  semestral,  donde  constem  as  causas 
julgadas  e  o  modo  como  foram  resolvidas,  durante  o  semestre  anterior. 

Art.  42.°  Os  livros  de  registo  das  actas  do  julgamento  e  mais  expe- 
diente será  fornecido  pela  Fazenda  a  requisição  dos  presidentes  dos 
tribunais. 

:  §  único.  Os  livros  de  registo  das  actas  e  mais  expediente  dos  tribunais 
de  excepção  serão  requisitados  pelo  Secretário  dos  Negócios  Indígenas  e 
ficarão  depositados  na  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas. 

Art.  43.°  Á  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  incumbe  fiscalizar  e 
inspeccionar  o  funcionamento  dos  tribunais  indígenas,  e  receber  e  expedir 
toda  a  correspondência  que  sobre  os  tribunais  indígenas  tenha  de  ser 
presente  ao  Governo  Geral  ou  a  qualquer  concelho. 

(Modelo  A) 


Data 


Da  apresenta- 
ção da  causa 


Dia 


Mês 


Ano 


Do  julgamento 


Dia 


Mês 


Ano 


Nome 
3  domi- 
cilio 
do 
autor 


Nome 
3  domi- 
cílio 
do 
réu 


Objecto 
da 


Funda- 
mento 
da 
sentença 


Sentença 


III 

PROJECTO  DO  CÓDIGO  DE  JUSTIÇA  INDÍGENA 

PARTE  I 
DISPOSIÇÕES  GERAIS 

Art.  l.°  As  disposições  deste  Código  estabelecem  direitos  e  obrigações 
aos  indígenas  da  província  de  Angola  e  regulam  as  relações  entre  si  con- 
soante o  estado  actual  da  sua  civilização  e  de  forma  a  não  ir  de  encontro 
aos  princípios  humanitários  dos  povos  civilizados. 

Art.  2.°  A  ofensa  ou  violação  dos  direitos  de  outrem  importa  a  obriga- 
ção de  indemnizar  o  lezado  pelos  prejuízos  causados. 

Art.  3.°  Os  direitos  ofendidos  produzem : 

a)  responsabilidade  civil; 

b)  responsabilidade  criminal; 

c)  responsabilidade  civil  e  criminal  simultaneamente. 

Art.  4.°  A  responsabilidade  civil  e  criminal  consiste  na  obrigação  em 
que  se  constitui  o  autor  da  ofensa  ou  violação  dos  direitos  de  outrem  de 
restituir  o  lesado  ao  estado  anterior  ao  da  lesão,  indemnizando-o  das  per- 
das e  danos  que  lhe  tiver  causado. 

Art.  5.°  A  responsabilidade  criminal  consiste  na  obrigação  em  que  se 
•institui  o  autor  da  ofensa  ou  violação  de  reparar  o  dano  causado  à  socie- 
dade na  ordem  moral. 

Art.  6.°  A  responsabilidade  civil  nunca  é  acompanhada  da  responsabi- 
lidade criminal. 

A  responsabilidade  criminal  pôde  ser  acompanhada  da  responsabili- 
dade civil,  e  os  casos  em  que  o  é  são  especificados  neste  Código. 

Art.  7.°  O  direito  de  exigir  reparação  bem  como  a  obrigação  de  a  pres- 
tar transmite-se  por  herança  em  todos  os  casos  da  responsabilidade  civil  ; 
nos  casos  de  responsabilidade  criminal  transmite-se  unicamente  o  direito 
de  exigir  a  reparação. 


62Ô  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

PARTE  II 
DO  DIREITO  CIVIL 

CAPÍTULO  I 
Da  Capacidade  Civil 

Art.  8.°  Todo  o  indígena  do  sexo  masculino  maior  nos  termos  deste 
Código  é  apto  para  gerir  a  sua  pessoa  e  haveres. 

Art.  9.°  São  incapazes  para  gerir  a  sua  pessoa  e  haveres: 

1.°  As  mulheres; 

2.°  Os  menores ; 

3.°  Os  dementes ; 

4.°  Os  surdo-mudos ; 

5.°  Os  que  acidentalmente  se  acharem  privados  de  fazer  uso  da  sua 
razão  por  algum  acesso  de  delírio,  embriaguês  ou  outra  causa  seme- 
lhante. 

Art.  10.°  A  incapacidade  da  mulher  é  suprida,  nos  termos  e  condições 
estabelecidas  neste  Código,  quando  casada,  pelo  marido,  e  na  falta  ou  in- 
capacidade deste,  ou  quando  solteira  ou  viuva  pelo  chefe  do  clan  materno 
da  família  a  que  pertence. 

Art.  11.°  A  incapacidade  dos  menores  é  suprida  pelo  pai  e  na  falta  ou 
incapacidade  deste  por  tutela  conforme  dispõem  os  artigos  seguintes. 

Art.  12.°  Todos  os  filhos  qualquer  que  seja  o  estado  civil  em  que  a 
mãe  os  houver,  são  considerados  como  de  maternidade  legítima. 

Art.  13.°  São  considerados  de  paternidade  legítima  os  filhos  que  a 
mulher  conceber  durante  a  constância  do  casamento,  desde  que  o  marido 
ou  a  sua  família  não  contestem  a  sua  legitimidade. 

Art.  14.°  O  casamento  legitima  a  paternidade  dos  filhos  nascidos  das 
pessoas  que  o  contraem  e  que  existam  à  data  da  sua  celebração,  qualquer 
que  fosse  a  situação  destas  pessoas  no  momento  da  concepção  ou  nasci- 
mento. 

Art.  15.°  São  considerados  de  paternidade  ilegítima  os  filhos  havidos 
de  mulher  solteira,  divorciada  ou  viuva,  e  bem  assim  os  de  mulher  casada 
cuja  paternidade  seja  contestada  pelo  marido  ou  sua  família. 

Art.  16.°  Os  filhos  de  paternidade  ilegítima  podem  ser  perfilhados  pelo 
presumido  pai,  desde  que  a  mãe  ou  sua  família  convenham  na  perfilhação. 

Art.  17.°  Ao  pai  compete  reger  e  dirigir  as  pessoas  dos  filhos  menores 
e  administrar  os  seus  bens. 

Art.  18.°  O  indivíduo  considerado  como  chefe  do  clan  materno  parti- 
cipa dos  deveres  que  competem  ao  pai  e  que  ficam  estabelecidos  no  artigo 
anterior. 

Art.  19.°  Compete  exclusivamente  ao  pai  representar  e  defender  os 
seus  filhos  menores  perante  os  tribunais,  e  prover  à  sua  subsistência. 

Art.  20.°  Os  filhos  menores  devem  obediência  e  respeito  aos  pais  e  tios 
ou  outro  qualquer  membro  da  família  considerado  como  chefe  do  clan 
maternc. 


DE   ANGOLA  621 

Art.  21.°  Na  ausência  ou  impedimento  do  pai  competem  à  mãe  os  deve- 
res consignados  nos  artigos  17.°  e  19.°. 

Art.  22.°  Na  falta  do  pai  os  deveres  e  obrigações  que  a  este  incumbe 
para  com  os  filhos  menores  são  exercidos  por  tutela. 

Art.  23.°  A  tutela  legítima  dos  filhos  legítimos  menores  pertence  : 

1.°  Ao  chefe  do  clan  materno  ou  a  qualquer  outro  membro  deste,  por 
tácito  acordo  entre  a  família,  e  na  falta  destes  ; 

2.°  Ao  chefe  da  família  do  clan  paterno  ou  a  qualquer  membro  desta 
por  tácito  acordo  entre  a  família. 

Art.  24.°  A  tutela  dos  menores,  órfãos  ou  abandonados,  de  que  se  não 
conheça  família,  será  exercida  pelo  Curador  Geral,  ou,  por  delegação 
deste,  pelos  Agentes  do  Curador. 

§  único.  A  acção  de  tutela  do  Secretário  dos  Negócios  Indígenas  e 
Curador  Geral  e  seus  agentes  pôde  ir  até  à  suspensão  temporária  ou  ini- 
bição completa  do  poder  tutelar  das  pessoas  designadas  nos  artigos  17.°  a 
23.°  inclusive,  quando  os  menores  se  encontrem  em  perigo  moral,  quer 
pelo  abandono  a  que  tenham  sido  votados,  quer  pela  insuficiência  de  qua- 
lidades educadoras  das  mesmas  pessoas. 

Art.  25.°  O  Curador  Geral,  ou,  por  delegação  deste,  os  Agentes  do 
Curador,  poderão  entregar  os  menores,  nas  condições  do  artigo  anterior, 
ao  cuidado  e  responsabilidade  de  qualquer  estabelecimento  do  Estado  ou 
Município  ou  por  eles  subsidiado  ou  ainda  a  qualquer  particular,  que  se 
encarregue  gratuitamente  de  prover  à  sua  subsistência  e  educação. 

Art.  26.°  A  entrega  de  menores  será  feita  mediante  termo  de  respon- 
sabilidade, lavrado  perante  o  Curador  ou  seus  Agentes. 

Art.  27.°  Do  termo  de  responsabilidade  constará  a  forma  de  dar  exe- 
cução aos  deveres  estabelecidos  no  artigo  25.°,  e  bem  assim,  a  obrigação 
a  que  fica  sujeito  o  depositário,  quando  fôr  um  particular,  de  entregar  o 
menor  quando  se  ausente  da  área  da  jurisdição  da  autoridade  que  lho 
entregou,  no  caso  do  depósito  ter  sido  feito  por  um  agente  do  curador, 
e  da  sede  da  Curadoria  Geral  quando  o  depósito  tiver  sido  feito  pelo 
Curador  Geral. 

Art.  28.°  Os  directores  ou  gerentes  de  estabelecimentos  do  Estado  ou 
Municípios,  e  bem  assim  os  particulares  que  tomarem  a  seu  cargo  meno- 
res órfãos  ou  abandonados,  ficam  sendo  seus  tutores,  salvo  a  superien- 
tendência  do  Curador  Geral,  ou  dos  seus  agentes  que  poderão  rescindir 
o  depósito  e  dar  novo  rumo  aos  menores,  quando  o  entendam  por  con- 
veniente. 

Art.  29.°  Os  indígenas  da  província  de  Angola  atingem,  sem  distinção 
de  sexos,  a  maioridade  aos  18  anos  de  idade  completos. 

§  único.  Os  menores  de  16  anos  sendo  do  sexo  masculino  e  os  de  14 
anos  do  sexo  feminino,  atingem  a  maioridade  pelo  casamento. 

Art.  30.°  A  incapacidade  dos  dementes  e  surdo-mudos  é  suprida  pelo 
chefe  do  clan  materno  da  família  a  que  pertencem,  na  falta  ou  incapaci- 
dade deste  pelo  chefe  do  clan  paterno  e  na  falta  ou  incapacidade  deste  o 
membro  da  família  escolhido  por  tácito  acordo. 

Art.  31.°  A  incapacidade  dos  dementes  e  surdo-mudos  de  que  se  não 
conheça  família  é  suprida  pelo  Curador  Geral,  ou,  por  delegação  deste, 
pelos  agentes  do  curador,  observando-se  o  disposto  nos  artigos  25.°,  26.° 


622  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

e  28.°  na  parte  aplicável  a  depósitos  em  estabelecimentos  do  Estado  ou 
Municípios,  ou  por  eles  subsidiados. 

Art.  32.°  A  incapacidade  dos  que  acidentalmente  se  acharem  privados 
de  fazer  uso  da  sua  razão,  é  suprida,  em  quanto  ela  persista,  pela  forma 
estabelecida  nos  artigos  30.°  e  31.°. 

Art.  33.°  Todo  o  indígena  apto  para,  nos  termos  deste  Código,  gerir 
a  sua  pessoa  e  haveres,  poderá  praticar  actos  de  comércio. 

Art.  34.°  A  mulher  pode  praticar  actos  de  comércio,  autorizada  pelo 
marido,  odiando  casada,  e  quando  solteira,  divorciada  ou  viuva,  pelo  chefe 
do  clan  materno  a  que  pertence. 

Art.  35.°  Para  efeito  do  exercício  dos  seus  direitos  e  do  cumprimento 
das  suas  obrigações,  o  domicílio  do  indígena  é  a  sanzala  ou  a  libata  onde 
estiver  situada  a  cubata  por  que  pague  imposto. 

§  único.  O  indígena  que  por  não  ter  pago  o  imposto  de  cubata,  não  tenha 
domicílio  determinado,  será  considerado  como  domiciliado  no  logar  em 
que  se  encontrar. 

Art.  36.°  Os  indígenas  que  servem  ou  trabalham  em  casa  de  outrem 
teem  por  domicílio  o  da  pessoa  a  quem  servem,  emquanto  durar  a  pres- 
tação de  trabalho,  salvo  se  continuarem  a  residir  na  cubata  porque  pa- 
garam o  imposto. 

Art.  37.°  Os  menores  teem  por  domicílio  o  da  mãe  ou  do  pai,  e  na  falta 
destes  o  da  pessoa  ou  estabelecimento  a  quem,  nos  termos  deste  Código, 
estejam  entregues. 

Art.  38.°  Se  qualquer  indígena  desaparecer  do  lugar  do  seu  domicílio, 
sem  que  dele  se  saiba  parte,  os  seus  haveres  e  aqueles  de  que  seja  detentor, 
caso  seja  considerado  como  chefe  de  família  do  clan  materno,  serão 
administrados  pelo  membro  deste  clan  que  por  tácito  acordo  seja  escolhido. 

Art.  39.°  Na  falta  de  tácito  acordo  entre  os  membros  da  família  do 
clan  materno,  ser-lhe  há  dado  curador  pelo  presidente  do  respectivo 
tribunal  indígena  do  2.°  grau,  tendo  em  vista  na  escolha  o  costume  local. 

Art.0  40.°  Caso  não  se  conheça  família  do  ausente  será  a  curadoria 
exercida  pelo  Curador  Geral  ou  por  delegação  deste,  pelos  Agentes  do 
Curador. 

Art.  41.°  Se  o  ausente  tiver  deixado  filhos  menores  a  tutela  destes 
será  exercida  conforme  estabelece  o  artigo  23.°  e  seguintes  deste  Código. 

Art.  42.°  Em  todo  o  tempo  que  o  ausente  volte,  só  poderá  exigir  a 
restituição  dos  seus  próprios  haveres  e  dos  rendimentos  que  eles  tenham 
produzido  deduzidas  as  despezas  feitas  com  a  sua  conservação  ou  explo- 
ração e  com  os  filhos  menores  quando  os  houver. 

CAPÍTULO  II 
Da  Sociedade  Familiar 

Art.0  43.°  Os  indivíduos  de  que  se  compõe  o  clan  materno  de  uma  fa- 
mília constituem  entre  si  o  que,  para  efeito  deste  Código,  se  denomina 
sociedade  familiar. 

Art.0  44.°  A  sociedade  familiar  rege-se  pelas  disposições  dos  artigos 
subsequentes. 


DE  ANGOLA  623 

Art.°  45.°  A  sociedade  familiar  abrange : 

1.°  A  propriedade  dos  terrenos  que,  nos  termos  do  Regimen  das  Con- 
cessões de  Terreno  em  vigor,  seja  como  tal  titulada  a  cada  um  dos  seus 
associados : 

2.°  Tudo  o  que  cada  um  dos  seus  associados  poder  apropriar-se  por 
ocupação,  nos  termos  deste  Código ; 

3.°  O  uso  e  os  rendimentos  do  que  fica  consignado  nos  números  !.•  e 
2.»; 

4.°  O  produto  do  trabalho,  indústria  e  comércio  dos  seus  associados. 

Art.  46.°  O  uso  dos  haveres  da  sociedade,  e  a  partilha  dos  rendimentos 
e  do  produto  do  trabalho,  indústria  e  comércio,  pelos  associados,  é  regu- 
lado entre  eles  por  tácito  acordo  e  constante  o  costume  local. 

Art.  47.°  A  sociedade  familiar  é  solidariamente  responsável  pelo  cuiut 
primento  de  todas  as  disposições  civis  voluntariamente  contraídas  por 
qualquer  dos  seus  associados  ou  que  aos  mesmos  seja  imposto  por  efeito 
legal  ou  por  sentença. 

CAPÍTULO  III 

Da  Ocupação 

Art.  48.°  É  lícito  aos  indígenas  apropriarem-se,  pela  ocupação,  dos 
terrenos,  dos  animais  e  produtos  ou  substâncias  naturais,  que  não  forem 
propriedade  exclusiva  de  outrem,  salvo  as  restrições  consignadas  neste 
código  e  nos  regulamentos  especiais. 

Art.  49.°  É  permitido  aos  indígenas,  nos  termos  do  Regimen  de  Con- 
cessões de  Terrenos,  ocuparem  terrenos  devolutos,  incultos  não  demar- 
cados, ou  dentro  das  áreas  exclusivamente  destinadas  para  esse  fim. 

Art.  50.°  É  permitido  aos  indígenas  dar  caça  aos  animais  bravios,  con- 
formando-se  com  as  condições  dos  regulamentos  especiais  de  caça; 

1.°  Nos  terrenos  próprios  cultivados  ou  não; 

2.°  Nos  terrenos  do  Estado  ou  dos  particulares,  não  cultivados,  nem 
vedados. 

Art.  51.°  O  caçador  apropria-se  da  peça  de  caça  que  matar  ou  reter  nas 
suas  artes  de  caça. 

Art.  52.°  O  caçador  adquire  direitos  à  parte  do  animal  que  ferir. 

§  único.  A  partilha  da  caça  será  regulada  pelos  usos  e  costumes  locais. 

Art.  53.°  É  permitido  aos  indígenas  pescar  nas  águas  públicas  e  comuns, 
salvo  as  restrições  dos  regulamentos  especiais. 

Art.  54.°  No  exercício  do  direito  do  artigo  anterior  não  é  permitido 
devassar  os  terrenos  marginais  do  Estado  ou  de  particulares,  que  se  en- 
contrem cultivados  ou  vedados. 

Art.  55.°  Todo  e  qualquer  indígena  pode  apropriar-se  dos  enxames  que 
primeiro  encontrar,  não  sendo  perseguidos  pelo  dono  da  colmeia,  de  que 
houverem  enxameado,  ou  não  se  achando  pousados  dentro  de  prédios  de 
que  outrem  tem  o  usufruto  ou  propriedade. 

Art.  56.°  Os  animais  domésticos  e  as  cousas  inanimadas,  perdidas  ou 
extraviadas  poderão  ser  ocupados  livremente  pelo  primeiro  que  as  en- 
contrar, mas  restitui-los  hão  ao  seu  dono  desde  que  este,  em  qualquer 
tempo,  prove  pertencerem-lhe. 


624  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Art.  57.°  As  águas  pluviais  que  caem  directamente  sobre  qualquer 
prédio  e  bem  assim  as  de  fonte  ou  nascente  que  haja  dentro  do  mesmo 
prédio,  podem  ser  aproveitadas  pelo  dono  ou  usufrutuário  do  prédio,  não 
podendo,  no  entanto,  desviá-las  do  seu  curso  natural,  para  onde  possam 
causar  prejuízo,  sem  consentimento  dos  supostos  prejudicados. 

Art.  58.°  As  nascentes  das  águas  medicinais  são  consideradas  pro- 
priedade do  Estado,  não  podendo  delas  dispor  o  dono  ou  usufrutuário 
do  prédio  onde  nasçam. 

Art.  59.°  Os  donos  ou  usufrutuários  dos  prédios  atravessados  por 
quaisquer  águas  correntes,  podem  delas  usar  livremente,  desde  que  não 
prejudiquem  a  navegação  ou  flutuação  e  os  prédios  confinantes. 

Art.  60.°  A  pesquiza  e  lavra  de  substâncias  minerais  é  regulada  pelas 
disposições  especiais  em  vigor. 

.Art.  61.°  Os  pastos,  matos,  lenhas  e  outras  substâncias  vegetais,  pro- 
duzidas em  terrenos  do  Estado,  não  cultivados  nem  vedados,  podem  ser 
Mvremente  aproveitados  pelos  indígenas,  salvo  nas  áreas  em  que  por  de- 
terminação da  autoridade  administrativa  fôr  proibido. 

Art.  62.°  O  corte  de  madeiras  e  árvores  de  fruto  dos  terrenos  do  Estado, 
não  cultivados  nem  vedados,  só  é  permitido  nos  termos  dos  regulamentos 
especiais. 

CAPÍTULO  IV 
Do  Trabalho,  da  Posse  e  da  Propriedade 

Art.  63.°  É  lícito  aos  indígenas  escolher  o  género  do  trabalho  para 
prover  ao  seu  sustento  e  necessidades. 

Art.  64.°  O  indígena  que,  no  exercício  do  direito  estabelecido  no  artigo 
anterior,  lesar  os  direitos  de  outrem  será  responsável  pelos  danos  cau- 
sados. 

Art.  65.°  Diz-se  posse  a  retenção  de  tudo  o  que,  nos  termos  deste  Có- 
digo, é  susceptível  de  apropriação  por  ocupação,  e  o  que  constitui  o  pro- 
duto do  trabalho,  indústria  ou  comércio. 

Art.  66.°  A  posse  pode  ser  adquirida  individualmente,  mas  a  sua  fruição 
e  exercício  pertence  à  sociedade  familiar  do  adquirente,  segundo  o  cos- 
tume local. 

Art.  67.°  Da  posse  resulta  o  direito  de  propriedade  para  a  sociedade 
familiar  do  adquirente,  salvo  as  restrições  estabelecidas  pelo  Regimen  de 
Concessões  de  Terrenos  em  vigor. 

CAPÍTULO  V 
Dos  contractos 

SECÇÃO  I 
Disposições  Gerais 

Art.  68.°  Contracto  é  o  acordo  porque  duas  ou  mais  pessoas  transferem 
entre  si  algum  direito  ou  se  obrigam  a  alguma  obrigação. 


DE  ANGOLA  625 

Art.  69.°  Os  contractos  entre  indígenas  só  podem  ser  pessoalmente 
feitos  pelos  outorgantes. 

Art.  70.°  Os  contractos  entre  indígenas  podem  ser  celebrados : 

1.°  Verbalmente  sem  intervenção  da  autoridade  competente; 

2.°  Por  escrito  perante  a  autoridade  competente; 

3.°  Conforme  estabelece  este  Código  ou  os  regulamentos  em  vigor 
para  os  casos  especiais  não  especificados. 

§  único.  A  autoridade  competente  para  intervir  nos  contractos  é  o 
presidente  do  Tribunal  Indígena  do  segundo  grau. 

Art.  71.°  Salvo  os  contractos  que,  nos  termos  deste  Código  ou  dos  re- 
gulamentos especiais,  tenham  de  ser  celebrados  perante  a  autoridade 
competente,  para  os  restantes  contractos  entre  indígenas  é  facultativo  o 
serem  feitos  perante  a  autoridade  competente. 

Art.  72.°  Os  contractos  entre  indígenas  e  europeus  ou  indivíduos  de 
côr  como  tais  considerados,  são  regulados  por  diploma  especial,  são 
sempre  verbais  e  pessoalmente  feitos  pelos  outorgantes  perante  o  res- 
pectivo presidente  do  tribunal  indígena  do  segundo  grau. 

Art.  73.°  São  hábeis  para  contractar  todos  os  indígenas  que  por  este 
Código  não  são  tidos  como  incapazes  nos  termos  do  artigo  9.° 

Art.  74.°  As  condições  e  cláusulas  de  um  contracto  fazem  parte  inte- 
grante do  mesmo,  e  governam-se  pelas  mesmas  regras. 

Art.  75.°  Os  contractos  celebrados  nos  termos  deste  Código  serão  pon- 
tualmente cumpridos  e  não  podem  ser  rescindidos  ou  alterados  senão 
por  mútuo  consentimento  dos  contratantes. 

Art.  76.°  Os  contractos  obrigam  tanto  ao  que  é  neles  expresso,  como 
ás  suas  consequências  usuais  e  legais. 

Art.  77.°  O  contraente  que  faltar  ao  cumprimento  do  contracto  resti- 
tuirá ao  outro  aquilo  que  precipuamente  tiver  recebido. 

Art.  78.°  O  contraente  que  tenha  satisfeito  aquilo  a  que  se  obrigou 
pôde  exigir  do  que  não  tenha  satisfeito,  não  só  a  restituição  do  que  pres- 
tou, como  uma  indemnização  correspondente  ao  prejuízo  sofrido  pela 
falta  do  cumprimento. 

Art.  79.°  Se  nenhum  dos  outorgantes  tiver  cumprido  o  contracto,  e  só 
um  deles  se  prestar  a  cumpri-lo,  este  pôde  exigir  do  outro  a  execução  do 
contracto  ou  uma  indemnização  correspondente  ao  valor  daquele. 

Art.  80.°  Os  direitos  e  obrigações  dos  contractos  podem  ser  transmi- 
tidos entre  vivos  ou  por  morte,  salvo  se  esses  direitos  e  obrigações  forem 
puramente  pessoais  por  sua  natureza  ou  por  efeito  do  contracto. 

Art.  81.°  São  nulos  os  contractos: 

1.°  Quando  algum  dos  outorgantes  fôr  incapaz  nos  termos  deste  Código; 

2.°  Quando  o  consentimento  de  algum  dos  outorgantes  tiver  sido 
obtido  por  coação ; 

3.°  Quando  algum  dos  outorgantes  ou  outrem  que  tenha  intervindo  no 
contracto  haja  usado  de  dolo  ou  má  fé; 

4.°  Quando  o  objecto  do  contracto  fôr  física  e  legalmente  impossível; 

5.°  Quando  estipularem  condições  sobre  o  que  estiver  fora  do  comér- 
cio, o  que  não  se  puder  reduzir  a  um  valor  exigível,  ou  que  não  puder 
ser  determinado ; 

6.°  Quando  das  condições  do  contracto  não  se  possa  depreender  qual 


626  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

fosse  a  vontade  ou  intenções  dos  contratantes  sobre  o  objecto  principal 
do  contracto ; 

7.°  Quando  estipularem  condições  contrárias  aos  princípios  humani- 
tários ou  às  obrigações  impostas  por  disposição  legal. 

Art.  82.°  O  cumprimento  das  obrigações  que  resultam  dos  contractos 
pode  ser  assegurado  por  fiança  ou  por  penhor. 

Art.  83.°  Fiança  é  o  acto  pelo  qual  alguém  se  torna  responsável  pelo 
cumprimento  das  obrigações  que  um  ou  mais  outorgantes  contraem, 
quando  este  ou  estes  deixem  de  cumpri-las. 

Art.  84.°  Penhor  é  todo  o  valor  em  dinheiro,  gado,  fazendas,  géneros 
ou  quaisquer  outros  objectos  móveis,  que  alguém  entrega  para  assegurar 
o  cumprimento  das  disposições  contraidas. 

Art.  85.°  Os  indígenas  com  capacidade  para  contratar,  nos  termos 
deste  Código,  podem  afiançar. 

Art.  86.°  O  fiador  só  é  obrigado  a  pagar  ao  credor  quando  o  devedor 
e  a  sociedade  familiar  a  que  êle  pertence  estiverem  materialmente  im- 
possibilitados de  o  fazer. 

Art.  87.°  A  sociedade  familiar  do  fiador  é  solidariamente  responsável 
pela  obrigação  por  este  contraída. 

Art.  88.°  O  fiador  que  fôr  obrigado  a  pagar  pelo  devedor  tem  o  direito 
de  por  êle  ser  indemnizado  não  só  do  que  afiançou,  como  das  perdas  e 
danos  que  disso  sobrevenham. 

Art.  89.°  Ao  fiador  assiste  o  direito  de  exigir  do  devedor  o  cumpri- 
mento da  obrigação  contraída,  antes  mesmo  de  por  êle  ter  pago,  quando 
tiver  justo  receio  de  que  este  por  qualquer  forma  procure  eximir-se  ao 
pagamento  da  dívida. 

Art.  90.°  Havendo  vários  fiadores  do  mesmo  devedor,  e  pela  mesma 
dívida,  cada  um  deles  responde  pela  parte  que  proporcionalmente  lhe 
compete. 

Art.  91.°  O  credor  adquire  pelo  penhor  o  direito  de,  não  sendo  pago 
no  tempo,  pagar-se  do  seu  débito  pelo  valor  do  penhor. 

Art.  92.°  O  credor  pode  sempre  exigir  do  devedor  outro  penhor  se  o 
primeiro  se  perdeu  ou  se  desvalorisou,  salvo  se  prove  que  para  isso  pro- 
positadamente concorreu  o  credor. 

Art.  93.°  O  credor  é  obrigado  a  guardar  aquilo  que  constitui  o  penhor 
como  fosse  seu  e  responder  por  êle. 

SECÇÃO  II 
Do  Casamento 

Art.  94.°  O  casamento  indígena,  nos  termos  deste  Código,  é  um  contracto 
feito  entre  duas  pessoas  do  sexo  diferente  com  o  fim  de  constituírem  le- 
gitimamente família. 

Art.  95.°  Este  contracto  é  puramente  civil  e  presume-se  perpétuo  sem 
prejuízo  da  sua  dissolução  pelo  divórcio  nos  termos  deste  Código. 

Art.  96.°  O  casamento  é  celebrado  perante  as  autoridades  encarregadas 
do  registo'do  estado  civil  dos  indígenas,  nas  condições  e  pela  forma  esta- 
belecida no  regulamento  do  mesmo  registo. 


DE  ANGOLA  627 

Art.  97.°  Não  podem  contrair  casamento : 

1.°  As  parentes  por  consanguinidade  ou  afinidade  em  linha  recta, 
ainda  que  o  casamento  causa  da  afinidade  tenha  sido  dissolvido ; 

2.°  Os  irmãos; 

3.°  Os  menores  de  16  anos,  sendo  do  sexo  masculino,  e  de  14  anos, 
sendo  do  sexo  feminino; 

4.°  Aqueles  que  manifestamente  se  reconheça  estarem  atacados  cie 
demência  ou  loucura,  tripanosimiase,  lepra  ou  qualquer  outra  doença  in- 
curável ou  contagiosa  que  importe  aberração  sexual. 

Art.  98.°  Para  os  menores  entre  os  16  e  18  anos,  sendo  do  sexo  mas- 
culino, e  entre  os  14  e  16,  sendo  do  sexo  feminino,  só  é  permitido  o  casa- 
mento mediante  licença  do  oficial  do  registo  do  estado  civil  da  área  da 
divisão  administrativa  a  que  pertencerem  os  menores,  que  lhe  poderá 
ser  recusada  quando  o  entender  conveniente. 

Art.  99.°  O  casamento  não  poderá  celebrar-se  sem  o  consentimento 
por  parte  dos  tios  maternos  ou  pais  da  noiva,  ou  na  falta  de  qualquer 
destes  por  aqueles  a  quem,  segundo  o  costume  da  sua  tríbu,  competir 
concedê-lo. 

Art.  100.°  É  permitido  o  regimen  polígamo  nos  termos  deste  Código, 
ficando  dependente  a  celebração  dos  casamentos  neste  regimen  do  paga- 
mento das  taxas  restritivas,  consignadas  no  Regulamento  do  Registo  do 
Estado  Civil  dos  Indígenas. 

Art.  101.°  Os  actos  e  ajustes  usuais,  preliminares  do  casamento,  feitos 
entre  os  noivos  ou  perante  as  famílias  destes,  são  lícitos  e  garantidos 
para  efeitos  futuros,  desde  que  sejam  provados. 

Art.  102.°  O  casamento  pode  ser  garantido  por  um  penhor  em  dinheiro, 
gado,  fazendas  ou  quaisquer  géneros  ou  artigos  entregue  pelo  noivo  aos 
tios  maternos  ou  pais  da  noiva  ou. na  falta  de  qualquer  destes  a  quem, 
segundo  o  costume,  o  deva  receber. 

Art.  103.°  A  entrega  daquele  penhor  poderá  ser  feita  antecipadamente 
à  realização  do  casamento  ou  no  acto  da  sua  celebração,  sendo  o  seu  valor 
consignado  no  registo  do  casamento. 

Art.  104.°  A  sociedade  familiar  da  noiva  será  solidariamente  respon- 
sável pelo  penhor  recebido  e  contrae  a  obrigação  de  restitui-lo  ao  noivo 
desde  que  o  casamento  deixe  de  realizar-se. 

Art.  105.°  Álêm  do  penhor  a  que  se  refere  o  artigo  102.°  será  igual- 
mente consignado  no  registo  do  casamento  o  valor  total  dos  presentes, 
dádivas  ou  ofertas,  feitas  pelos  noivos  entre  si  ou  entre  qualquer  dos 
noivos  à  família  do  outro  durante  o  ajuste  do  casamento. 

Art.  106.°  A  restituição  do  valor  dos  presentes,  dádivas  ou  ofertas  a 
que  se  refere  o  artigo  anterior  é  obrigatória  quando  o  casamento  deixe 
de  realizar-se. 

Art.  107.°  O  casamento,  nos  termos  deste  Código,  considera-se  sempre 
feito  com  separação  de  bens. 

Art.  108.°  Os  bens  adquiridos  durante  a  constância  do  casamento  per- 
tencem exclusivamente  à  sociedade  familiar  do  marido,  salvo  os  artigos 
de  vestuário  e  objectos  de  uso  doméstico  da  mulher  que  ficam  perten- 
cendo a  esta. 

Art.  109.°  A  administração  dos  bens  trazidos  para  o  casal  por  qualquer 


628  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

dos  cônjuges,  bem  como  a  dos  adquiridos  durante  o  casamento,  pertence 
ao  marido  que  não  pode  contudo  alienar  os  bens  que  a  mulher  haja  tra- 
zido ou  herdado  sem  o  consentimento  da  pessoa,  consagrado  pelo  costume, 
como  sendo  o  chefe  da  sociedade  familiar  a  que  pertence  a  mulher. 

Art.  110.°  O  marido  por  si  ou  pelos  seus  haveres  não  é  responsável 
pelas  dívidas  da  mulher,  quer  estas  sejam  contraídas  antes,  quer  durante 
a  constância  do  casamento.  Da  mesma  forma  a  mulher  não  é  responsável 
pelas  dívidas  do  marido  ou  da  família  deste. 

Art.  111.0  A  mulher  tem  por  obrigação  : 

1.°  Prestar  obediência  ao  marido; 

2.°  Viver  na  cubata  que  o  marido  lhe  destinar; 

3.°  De  o  acompanhar  para  qualquer  parte  que  êle  lhe  exija,  salvo  para 
fora  da  província ; 

4.°  De  o  auxiliar  nos  trabalhos  da  sua  agricultura  e  indústria ; 

5.°  Os  serviços  domésticos. 

Art.  112.°  Ao  marido  incumbe  a  obrigação  de  proteger  e  defender  a 
pessoa  e  os  bens  da  mulher  e  prover  à  sua  alimentação  e  vestuário. 

Art.  113.°  No  regimen  polígamo  a  primeira  mulher  ou  de  mais  elevada 
gerarquia,  conforme  o  costume,  gosa  de  autoridade  sobre  as  outras  mu- 
lheres, e  é  administradora  dos  bens  do  casal  durante  as  pequenas  ausên- 
cias do  marido. 

Art.  114.°  O  casamento  prova-se  pelo  seu  registo,  ou  por  qualquer  ou- 
tro meio  que  prove  a  posse  desse  estado. 

SUB-SECÇÃO  i 
Da  dissolução  do  Casamento 

Art.  115.°  O  casamento  dissolve-se: 

1.°  Pela  morte; 

2.°  Pelo  divórcio. 

Art.  116.°  O  divórcio  pode  ser  pedido  só  por  um  dos  cônjuges,  por 
ambos  conjuntamente,  ou  pelo  indivíduo  considerado,  segundo  o  costume, 
como  o  chefe  da  sociedade  familiar  da  mulher. 

Art.  117.°  O  divórcio,  quando  pedido  por  ambos  os  cônjuges  conjunta- 
mente diz-se  divórcio  por  mútuo  consentimento;  quando  pedido  só  por  um 
dos  cônjuges  ou  pelo  chefe  da  família  da  mulher  diz-se  litigioso. 

Art.  118.°  O  divórcio  por  mútuo  consentimento  obtem-se  por  simples 
solicitação  dos  cônjuges  ao  presidente  do  tribunal  indígena  do  segundo 
grau,  da  área  a  que  eles  pertencem,  que  o  autorizará  provisoriamente 
depois  de  perante  êle  os  cônjuges  provarem  o  casamento  nos  termos  do 
artigo  114.°,  e  acordarem  na  forma  de  restituir  as  ofertas  ante-nupciais, 
penhor  do  casamento  e  sobre  a  situação  dos  filhos  menores,  se  os  houver. 

Art.  119.°  Na  sua  primeira  reunião  o  tribunal  sancionará  a  autorização 
provisória  concedida  pelo  presidente  e  lavrará  a  sentença  definitiva  do 
divórcio  se  os  cônjuges  persistirem  na  sua  resolução. 

Art.  120.°  Para  o  divórcio  litigioso  pedido  por  um  dos  cônjuges,  são 
causas  legítimas  nos  termos  deste  Código  : 

1.°  Incompatibilidade  de  génios ; 

2.°  Maus  tratos; 


x 


DE  ANGOLA  629 

3.°  A  ausência,  sem  que  do  ausente  haja  notícias  por  tempo  não  infe- 
rior a  cinco  anos; 

4.°  O  adultério  da  mulher; 

5.°  A  esterilidade  da  mulher  e  a  incapacidade  procriativa  do  homem ; 

6.°  A  inaptidão  da  mulher  para  os  trabalhos  agrícolas; 

7.°  A  loucura  ou  demência,  e  qualquer  outra  doença  contagiosa  que 
importe  aberração  sexual; 

8.°  Os  condenados  pelos  crimes  a  que  couber  pena  de  degredo. 

Art.  121.°  Para  o  divórcio  litigioso  pedido  pelo  chefe  da  família  da  mu- 
lher, são  causas  legítimas: 

1.°  A  incapacidade  procriativa  do  homem; 

2.°  A  incompatibilidade  irreductível  das  famílias  dos  cônjuges  ; 

3.°  A  condenação  do  homem  pelos  crimes  a  que  couber  pena  de  de- 
gredo. 

Art.  122.°  A  petição  para  divórcio  litigioso  é  feita  ao  presidente  do  tri- 
bunal indígena  do  segundo  grau  da  área  a  que  pertencem  os  cônjuges, 
acompanhada  da  indicação  das  testemunhas  oferecidas. 

Art.  123.°  O  presidente  do  tribuual  fará  intimar  os  cônjuges  para  com- 
parecerem pedante  o  tribunal  com  as  suas  respectivas  testemunhas  no 
dia  e  hora  designados,  devendo  na  intimação  ao  cônjuge  arguido  indicar 
os  fundamentos  da  petição  do  divórcio  e  o  nome  das  testemunhas  do 
auctor. 

Art.  124.°  Se  esgotados  os  meios  de  conciliação,  tentados  no  julga- 
mento, os  cônjuges  persistirem  no  propósito  de  se  divorciarem,  o  tribu- 
nal lavrará  a  sentença  do  divórcio  definitivo  em  que  ficará  definida  a 
questão  dos  haveres  e  encargos  do  casal,  a  restituição  das  ofertas  e  pe- 
nhor e  bem  assim  a  situação  dos  filhos  se  os  houver. 

Art.  125.°  O  cônjuge  que  der  causa  ao  divórcio  litigioso  fica  obrigado: 

1.°  A  restituir  ao  outro  cônjuge  ou  à  família  deste  o  valor  do  que  deles 
haja  recebido,  como  penhor  ou  oferta; 

2.°  A  perder  em  favor  do  outro  cônjuge  ou  da  família  clêste  tudo  o  que 
lhe  haja  dado  como  penhor; 

§  único.  A  restituição  do  que  trata  o  número  1.°  deste  artigo  será  feita 
dentro  do  prazo  consignado  na  sentença  do  julgamento  do  divórcio. 

Art.  126.°  Do  divórcio  resulta  para  os  cônjuges,  em  relação  aos  seus 
haveres,  a  situação  anterior  à  do  casamento,  salvo  para  os  adquiridos 
durante  a  constância  do  casamento  que  ficam  pertencendo  à  sociedade  fa- 
miliar do  marido  e  em  que  não  estão  incluídos  os  artigos  de  vestuário  e 
objectos  de  uso  doméstico  da  mulher  que  nos  termos  do  artigo  108.°  per- 
tencem a  esta. 

Art.  127.°  A  mulher,  por  virtude  do  divórcio  litigioso,  tem  direito  aos 
frutos  das  plantações  que  exclusivamente  agricultou  e  uma  parte  dos 
frutos  daquelas  em  cuja  agricultura  auxiliou  o  homem,  que  será  fixada 
pelo  tribunal. 

Art.  128.°  Os  créditos  adquiridos  e  os  débitos  contraídos  durante  a 
constância  do  casamento  pertencem  ao  marido,  salvo  os  que  respeitem 
aos  haveres  trazidos  pela  mulher  para  a  sociedade  conjugal,  sobre  os 
quais  o  tribunal  decidirá  como  julgar  de  justiça. 

Art.  129.°  Havendo  filhos  menores  de  16  anos  e  acordo  sobre  a  qual 


630  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

dos  cônjuges  ou  suas  famílias  devem  eles  ser  entregues  e  confiados,  será 
esse  acordo  respeitado  pelo  tribunal. 

Art.  130.°  Não  havendo  acordo  incumbe  ao  tribunal,  tendo  em  vista  os 
usos  e  costumes  locais,  providenciar  àcêrca  do  destino  a  dar  aos  filhos 
menores  de  16  anos,  devendo  de  preferência  entregá-los  ao  cuidado  dos 
parentes  maternos. 

Art.  131.°  Os  cônjuges,  divorciados  nos  termos  deste  Código,  são  para 
todos  os  efeitos  considerados  livres  do  vínculo  que  os  ligava  um  ao  outro 
e  aptos  para  contraírem  novo  casamento,  quer  estabelecendo  a  todo  o 
tempo  a  sociedade  conjugal,  quer  passando  a  novas  núpcias  com  outrem. 

Art.  132.°  O  marido  contra  quem  seja  lavrada  sentença  de  divórcio  liti- 
gioso, com  o  fundamento  da  sua  incapacidade  procreativa,  poderá  exigir 
a  restituição  do  penhor  e  ofertas  ante-nupciais  que  perdeu  nos  termos  do 
artigo  125.°,  quando  a  mulher  de  quem  se  divorciou,  tendo  contraído 
novas  núpcias,  não  manifestou  durante  três  anos  a  sua  fecundidade. 

Art.  133.°  Quando  por  ulterior  casamento  da  mulher  divorciada  houver 
filhos,  constatando-se  assim  a  incapacidade  procriativa  do  homem  de  quem 
se  divorciou,  poderá  aquela  ou  a  sua  família  exigir  deste  uma  indemniza- 
ção que  o  tribunal  designará  consoante  os  usos  e  costumes  locais. 

SECÇÃO  III 
Do  Contracto  da  Parçaria  Pecuária 

Art.  134.°  O  contracto  de  parçaria  pecuária  dá-se,  quando  alguém  en- 
trega a  outrem,  animais  para  os  cuidarem,  pensarem  e  vigiarem,  com  o 
ajusto  de  repartirem  entre  si  os  lucros. 

Art.  135.°  As  condições  deste  contracto  serão  reguladas  por  acordo 
entre  os  interessados,  observando-se,  na  falta  destes,  o  costume  local. 

Art.  136.°  O  parceiro  depositário  é  obrigado  a  guardar  e  tratar  os 
animais,  como  se  seus  fossem,  respondendo  pelas  perdas  e  danos  a  que 
der  causa. 

Art.  137.°  Se  os  animais  perecerem  por  caso  fortuito,  será  a  perda 
por  conta  do  parceiro  depositante,  e  o  proveito  que  acaso  se  possa  tirar 
dos  animais  que  morreram,  pertencerá  a  este. 

SECÇÃO  IV 

Dos  contractos  de  prestação  de  serviços,  de  empréstimo, 
de  compra  e  venda  e  de  locação 

Art.  138.°  A  prestação  de  serviços  e  o  seu  contracto  rege-se  pelas  dis- 
posições especiais  sobre  trabalho  indígena  em  vigor. 

Art.  139.°  O  contracto  de  empréstimo  consiste  na  cedência  gratuita  ou 
como  determinada  retribuição  de  qualquer  coisa,  contraindo  a  pessoa  a 
quem  é  cedida  a  obrigação  de  a  restituir  na  mesma  espécie  ou  em  coisas 
equivalentes. 

Art.  140.°  O  contracto  de  compra  e  venda  é  aquele  em  que  um  dos  con- 
traentes se  obriga  a  entregar  certa  coisa,  e  outro  a  pagar  por  ela  certo 
preço  em  dinheiro,  gado,  géneros  ou  qualquer  outro  valor. 


BE    ANGOLA  631 

Art.  141.°  Dá-se  o  contracto  de  locação,  quando  alguém  trespassa  a 
outrem,  por  certo  tempo,  mediante  certa  retribuição,  o  uso  e  fruição  de 
certa  coisa. 

CAPÍTULO  VI 
Da  Sucessão 

Art.  142.°  Por  morte  de  alguém,  os  seus  haveres,  direitos  e  obrigações 
na  sociedade  familiar  transmitem-se  por  sucessão  testamentária  ou  por 
sucessão  legítima. 

Art.  143.°  A  sucessão  é  testamentária,  quando  o  indivíduo,  por  sua 
última  vontade,  dispõe  de  todos  ou  parte  dos  seus  haveres,  direitos  e 
obrigações  na  sociedade  familiar  a  favor  de  um  ou  mais  dos  seus  suces- 
sores legítimos.  Só  na  falta  destes  pode  o  testador  livremente  testar  a 
favor  de  qualquer  pessoa. 

Art.  144.°  A  sucessão  é  legítima,  quando  todos  ou  parte  dos  haveres, 
direitos  e  obrigações  do  indivíduo  na  sociedade  familiar,  por  falta  de 
disposição  da  sua  última  vontade,  passam  aos  seus  sucessores  legítimos 
nos  termos  deste  Código. 

Art.  145.°  Diz-se  testamento  o  acto  pelo  qual  alguém,  por  sua  última 
vontade,  verbalmente  e  perante  testemunhas  dispõe,  consoante  o  estabe- 
lecido no  artigo  143.°,  para  depois  da  sua  morte,  de  todos  ou  de  parte  dos 
seus  haveres,  direitos  e  obrigações  na  sociedade  familiar. 

Art.  146.°  As  disposições  testamentárias  podem  ser  impugnadas  pelos 
sucessores  legítimos  do  testador. 

Art.  147.°  São  considerados  nulos  e  de  nenhum  efeito  os  testamentos : 

1.°  Em  que  figurem  como  testemunhas  indivíduos  contemplados  no 
testamento ; 

2.°  Em  que  o  testador  ou  qualquer  das  testemunhas  não  esteja  em 
perfeito  juizo  ou  livre  de  coação ; 

3.°  Em  que  o  testador  seja  menor  nos  termos  deste  Código. 

Art.  148.°  Um  testador  pode  dispor  dos  seus  haveres,  direitos  e  obriga- 
ções na  sociedade  familiar,  desherdando  parte  dos  seus  legítimos  sucesso- 
res. 

Art.  149.°  Os  haveres  de  que  o  autor  da  herança  não  tiver  disposto  em 
testamento,  e  bem  assim  aqueles  de  que  tiver  disposto,  quando  o  testa- 
mento venha  a  ser  anulado,  pertencem  aos  seus  sucessores  legítimos. 

Art.  150.°  A  sucessão  legítima  defere-se  entre  os  membros  da  família 
do  clan  materno  do  autor  da  herança,  que  constituem  a  sociedade  familiar 
a  que  êle  pertence,  na  ordem  e  consoante  o  costume  local.  Na  falta  de 
membros  da  família  pertencentes  ao  clan  materno,  defere-se  a  sucessão 
entre  aqueles  do  clan  paterno. 

Art.  151.°  A  herança  responde  solidariamente  pelo  pagamento  das  dí- 
vidas do  autor  dela  e  dos  membros  da  família  deste  pertencentes  ao  clan 
materno,  bem  assim  como,  pelas  despezas  do  seu  funeral. 


632  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

PARTE  III 
DO  DIREITO  PENAL 

CAPÍTULO  I 
Dos  crimes  em  geral  e  dos  criminosos 

Art.  152.°  Crime  ou  delito,  para  os  efeitos  de  Código,  é  o  facto  volun- 
tário por  êle  declarado  punível. 

Art.  153.°  Contravenção,  para  os  efeitos  deste  Código,  é  o  facto  volun- 
tário por  êle  punível  que  unicamente  consiste  na  violação  ou  na  falta  de 
observância  das  disposições  preventivas  das  leis  e  regulamentos. 

Art.  154.°  Os  agentes  do  crime  para  os  efeitos  deste  Código,  são  autores, 
cúmplices  ou  encobridores. 

Art.  155.°  São  autores:  i 

1.°  Os  que  executam  o  crime  ou  tomam  parte  directa  na  sua  execução ; 

2.°  Os  que  concorrerem  directamente  para  preparar  ou  facilitar  a 
execução  nos  casos  em  que  sem  esse  concurso,  não  tivesse  sido  cometido 
o  crime. 

Art.  156.°  São  cúmplices : 

1.°  Os  que  directamente  aconselharem  ou  instigarem  outros  a  serem 
agentes  do  crime; 

2.°  Os  que  concorrerem  directamente  para  facilitar  ou  preparar  a 
execução  nos  casos  em  que,  sem  esse  concurso,  pudesse  ter  sido  come- 
tido o  crime. 

Art.  157.°  São  encobridores : 

1.°  Os  que  alterarem  ou  desfizerem  os  vestígios  do  crime  com  o  pro- 
pósito de  prejudicar  ou  impedir  a  formação  do  corpo  de  delito; 

2.°  Os  que  ocultarem  ou  inutilizarem  as  provas,  os  instrumentos  ou 
os  objectos  do  crime  com  o  intuito  de  concorrerem  para  a  impunidade. 

3.°  Os  que  dão  coito  ao  criminoso  ou  lhe  facilitarem  a  fuga  com  o 
propósito  de  o  subtraírem  à  acção  da  justiça. 

Art.  158.°  Só  podem  ser  criminosos  os  indígenas  que  tem  a  necessária 
inteligência  e  liberdade. 

Art.  159.°  A  responsabilidade  criminal  recai  única  e  individualmente 
nos  agentes  do  crime  ou  de  contravenções. 

Art.  160.°  A  responsabilidade  criminal  é  agravada  ou  atenuada, 
quando  concorrerem  no  crime  ou  no  agente  dele  circunstâncias  agravan- 
tes ou  atenuantes. 

Art.  161.°  São  circunstâncias  agravantes : 

1.°  Ter  sido  cometido  o  crime  com  premeditação ; 

2.°  Ter  sido  cometido  o  crime  sendo  o  ofendido  ascendente,  descen- 
dente, cônjuge  ou  parente; 

3.°  Haver  reincidência,  sucessão  ou  acumulação  de  crimes ; 

4.°  Em  geral  quaisquer  outras  circunstâncias  que  precedam,  acompa- 
nhem ou  sigam  o  crime,  se  robustecem  a  culpabilidade  do  agente  ou 
aumentarem  por  qualquer  modo  a  gravidade  do  facto. 


£>E   ANGOLA  633 

Árt.  162.°  Dá-se  reincidência  para  os  efeitos  deste  código,  quando  o 
agente,  tendo  sido  condenado  por  algum  crime,  comete  outro  da  mesma 
natureza  antes  de  ter  passado  um  ano  desde  a  dita  condenação. 

Art.  163.°  Verifica-se  a  sucessão  de  crimes  para  os  efeitos  deste  Có- 
digo, quando  o  agente,  tendo  sido  condenado  por  algum  crime,  comete 
outro  de  natureza  diferente,  não  tendo  mediado  um  ano  entre  a  condena- 
ção do  primeiro  e  a  perpetração  do  segundo. 

Art.  164.°  Dá-se  a  acumulação  de.  crimes  quando  o  agente  comete 
mais  de  um  crime  na  mesma  ocasião,  ou  quando,  tendo  perpetrado  um, 
comete  outro  antes  de  ter  sido  condenado  pelo  anterior. 

Art.  165.°  São  circunstâncias  atenuantes  da  responsabilidade  criminal: 

1.°  O  bom  comportamento  anterior; 

2.°  Ser  menor  nos  termos  deste  Código; 

3.°  Ser  provocado  ; 

4.°  A  expontânea  confissão  do  crime; 

5.°  Ser  em  legítima  defesa; 

6.u  Em  geral  quaisquer  outras  circunstâncias  que  precedam,  acom- 
panhem ou  sigam  o  crime,  ou  enfraquecerem  a  culpabilidade  do  agente 
ou  diminuam  por  qualquer  modo  a  gravidade  do  facto  criminoso. 

CAPÍTULO  II 
Das  Penas 

Art.  166.°  As  penas  admitidas  por  este  Código  são: 

1.°  A  de  degredo; 

2.°  A  de  desterro; 

3.°  A  de  trabalho  correccional ; 

4.°  A  de  multa ; 

5.°  A  de  indemnização. 

Art.  167.°  Quando  as  penas  mandadas  aplicar  por  este  Código  forem 
as  decretadas  pelo  Código  Penal  Português  entender-se  há : 

1°  Que  as  penas  maiores  de  prisão  maior  celular,  seguida  de  degredo 
ou  não,  serão  sempre  substituídas  pelas  penas  maiores  de  degredo  fixo, 
ou  temporário,  aplicáveis  em  alternativa; 

2:>  Que  a  pena  de  prisão  correccional  será  sempre  substituída  por 
trabalho  correccional. 

Art.  168.°  A  pena  de  degredo  temporário  não  poderá  ser  menor  de 
três  anos  nem  exceder  a  doze  e  será  sempre  cumprida  em  outra  colónia, 
competindo  ao  Governo  Geral  destinar  o  local  do  degredo,  para  o  que 
serão  os  condenados  postos  à  sua  disposição  por  intermédio  da  Secretaria 
dos  Negócios  Indígenas. 

Art.  169.°  A  pena  de  desterro  não  poderá  ser  menor  de  um  ano  nem 
exceder  a  doze  e  será  sempre  cumprida  dentro  da  colónia  e  em  estabele- 
cimento correccional  situado  em  outro  distrito  diferente  daquele  a  que 
pertence  o  condenado,  e  designado  pelo  Secretário  dos  Negócios  Indígenas. 
Art.  170.°  As  penas  de  degredo  e  desterro  obrigam  o  condenado  a 
trabalhar  no  estabelecimento  onde  a  pena  fôr  cumprida,  de  harmonia  com 
os  respectivos  regulamentos. 
41 


634  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

Art.  171.°  A  pena  de  trabalho  correccional  não  poderá  exceder  a  três 
anos  e  será  cumprida  nos  trabalhos  do  Estado  ou  dos  Municípios  e  sem- 
pre que  seja  possível  no  concelho,  circunscrição  ou  capitania-mór  onde  o 
réu  foi  condenado. 

Art.  172.°  Os  indígenas  condenados  a  trabalho  correccional  serão  alo- 
jados pelo  Estado  ou  Municípios,  ficando, sob  a  vigilância  da  autoridade, 
que  tomará  as  precauções  necessárias  para  que  se  não  evadam. 

Art.  173.°  Os  indígenas  condenados  a  trabalho  correccional  teem  di- 
reito a  alimentação  e  a  um  salário  de  $03  por  dia  útil  de  trabalho,  forne- 
cidos pelo  Estado  ou  pelo  Município  que  os  empregarem. 

Art.  174.°  O  condenado  em  multa  é  obrigado  a  pagar  para  o  Estado 
uma  quantia  até  três  anos,  arbitrada  em  sentença,  de  modo  que  por  dia 
não  seja  menor  que  $10,  nem  exceda  a  $50,  salvo  nos  casos  em  que  este 
Código  taxar  quantias  determinadas. 

Art.  175.°  A  pena  de  indemnização  àlêm  dos  casos  em  que  é  taxativa- 
mente decretada  neste  Código  deverá,  cumulativamente  com  outras  penas, 
ser  imposta  pelos  tribunais  indígenas  em  todos  os  crimes  e  delitos  de  que 
resulte  prejuízo  material  para  o  ofendido,  quando  este  não  seja  o  Estado. 

Art.  176.°  Para  o  cômputo  da  indemnização  será  tomado  em  conside- 
ração, pelo  julgador,  a  gravidade  do  prejuízo  sofrido  e  os  haveres  e  ren- 
dimentos da  sociedade  familiar  a  que  pertence  o  condenado. 

Art.  177."  O  pagamento  da  indemnização  ao  ofendido  poderá  ser  feito 
em  dinheiro,  gado,  géneros  ou  outros  valores. 

Art.  178.°  Aos  crimes  ou  delitos  e  contravenções  especificadas  neste 
Código,  correspondem  penas  no  mesmo  designadas. 

§  único.  As  penas  dentro  dos  limites  assinados  neste  Código  serão 
graduadas  conforme  forem  ou  não  os  crimes  acompanhados  de  circuns- 
tâncias agravantes  ou  atenuantes,  e  havendo  umas  e  outras,  conforme 
predominarem  estas  ou  aquelas. 

Art.  179.°  O  cúmplice  ou  encobridor  será  punido  com  o  mínimo  da 
pena  aplicável  ao  crime. 

§  único.  Quando  o  condenado  fôr  punido  com  o  mínimo  da  pena  o 
cúmplice  ou  o  encobridor  será  absolvido. 

Art.  180.°  As  penas  não  passarão  em  caso  algum  da  pessoa  do  delin- 
quente. 

Art.  181.°  Todo  o  procedimento  criminal  e  toda  a  pena  acaba: 

1.°  Pela  morte; 

2.°  Pelo  cumprimento  da  pena. 

CAPÍTULO  III 
Dos  crimes  contra  a  liberdade  de  crenças  e  de  cultos 

Art.  182.°  Todo  o  indígena  que  por  qualquer  forma  praticar  ou  tentar 
praticar  actos  com  o  fim  de  impedir  a  liberdade  de  crenças  religiosas  e  o 
livre  exercício  de  qualquer  culto,  que  não  ofendam  os  princípios  huma- 
nitários e  sejam  compatíveis  com  a  ordem  pública,  será  condenado  com 
a  pena  de  trabalho  correccional  até  seis  meses,  quando  dos  actos  pratica- 
dos não  resulte  ofensa  a  que  caiba  pena  mais  grave. 


DE  ANGOLA  635 

CAPÍTULO  IV 
Dos  crimes  contra  a  segurança  do  Estado 

Art.  183.°  Todo  o  indígena  que  praticar  qualquer  dos  crimes  contra 
a  segurança  exterior  do  Estado,  previstos  pelo  Código  Penal,  será  conde- 
nado nas  penas  correspondentes  decretadas  pelo  mesmo  Código. 

Art.  184.°  São  condenados  com  as  penas  previstas  pelo  Código  Penal: 
1.°  Aquele  que  maliciosamente  arrancar  ou  por  qualquer  modo  su- 
primir marcos,  balizas  ou  outros  sinais  indicativos  do  território  portu- 
guês; 

2.°  Aquele  que,  sendo  português  e  violando  as  leis,  decretos  ou  regu- 
lamentos, se  passar  em  tempo  de  guerra  para  país  estrangeiro  neutro  ou 
amigo ; 

3.°  Aquele  que,  sem  autorização  do  Governo,  recrutar  ou  fizer  recrutar, 
assalariar  ou  fizer  assalariar  gente  para  serviço  militar  ou  marítimo  es- 
trangeiro, ou  procurar  armas,  ou  embarcações,  ou  munições  para  o  mesmo 
fim. 

Art.  185.°  Os  indígenas  que  por  qualquer  acto  de  rebelião  atentaram 
contra  o  domínio  português,  impedindo  ou  tentando  impedir  por  actos 
de  violência  o  exercício  do  mesmo  domínio  dando  lugar  a  motim  ou  le- 
vantamento e  de  que  resulte  a  morte  de  qualquer  agente  da  autoridade, 
a  destruição  ou  dano  de  edifício  ou  construção  do  Estado  serão  conde- 
nados: 

1.°  No  máximo  da  pena  de  degrêdq  estabelecida  por  este  Código  aqueles 
que  tenham  exercido  aliciação,  comando  ou  direcção; 

2.°  Na  pena  fixa  de  degredo  por  quinze  anos,  aqueles  que  tomaram 
parte  activa  como  co-réus,  na  prática  dos  crimes  de  que  trata  este  artigo  ; 
3.°  Na  pena  de  degredo  temporário,  aqueles  que  por  qualquer  forma 
tenham  concorrido  para  a  preparação  e  execução  destes  crimes. 

Art.  186.°  Quando  pela  prática  dos  crimes  previstos  no  artigo  anterior 
se  derem  actos  de  violência  contra  os  agentes  da  autoridade  de  que  não 
advenha  a  morte  e  dela  resultaram  a  destruição  ou  dano  de  edifício  ou 
construção  do  Estado  serão  condenados: 

1.°  Na  pena  de  degredo  por  quinze  anos,  aqueles  que  tenham  exercido 
aliciação,  comando  ou  direcção; 

2.°  Na  pena  de  degredo  temporário,  aqueles  que  tenham  concorrido 
para  a  preparação  e  execução  do  crime  ou  nele  tenham  tomado  parte 
activa. 

Art.  187.°  Quando  dos  crimes  de  rebelião  resultar  unicamente  a  des- 
truição ou  dano  de  edifício  ou  construção  do  Estado,  serão  condenados : 
1.°  Na  pena  máxima  de  desterro,  aqueles  que  tenham  exercido  ali- 
ciação, comando  ou  direcção; 

2.°  Na  pena  máxima  de  trabalho  correccional,  estabelecido  por  este 
Código,  aqueles  que  tenham  concorrido  para  a  preparação  e  execução  ou 
nela  tenham  tomado  parte  activa. 

Art.  188.°  Os  indígenas  que  atentarem  contra  as  autoridades  gentílicas, 
como  tal  reconhecidas,  concertando-se  para  a  sua  deposição  ou  substi 


éâé  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

tuição  por  meios  contrários  aos  que  lhe  facultam  as  disposições  legais, 
serão  condenados  na  pena  de  desterro  temporário. 

§  único.  O  aliciador  do  movimento  de  rebelião  contra  as  autoridades 
gentílicas,  assim  como  o  que  pretende  substitui-la,  serão  condenados  na 
pena  de  degredo  temporário. 

CAPÍTULO  V 
Dos  crimes  contra  a  ordem  e  tranquilidade  pública 

Art.  189.°  Aqueles  que  sem  praticar  actos  que  devam  considerar-se  de 
rebelião,  se  ajuntarem  em  motim  ou  tumulto  ou  arruido,  perturbando  ou 
tentando  perturbar  o  exercício  da  autoridade  pública,  ou  tendo  em  vista 
exercer  algum  acto  de  ódio,  desprezo  ou  vingança  contra  qualquer  fun- 
cionário ou  empregado  do  Estado,  ou  autoridade  gentílica,  serão  conde- 
nados na  pena  de  trabalho  correccional  não  inferior  a  cento  e  oitenta 
dias. 

§  único.  Os  aliciadoras,  promotores  ou  dirigentes  destes  motins  ou 
tumultos,  serão  condenados  na  pena  de  desterro  até  três  anos. 

Art.  190.°  Aquele  que  ofender  directamente  por  palavras,  ameaças  ou 
por  actos  ofensivos  da  consideração  devida,  alguma  autoridade  civil,  mi- 
litar ou  gentílica,  estejam  ou  não  no  exercício  das  suas  funções,  ou  qual- 
quer funcionário  no  exercício  destas,  será  condenado  na  pena  de  trabalho 
correccional  até  um  ano.  • 

Art.  191.°  A  ofensa  corporal  contra  alguma  das  autoridades  designadas 
no  artigo  anterior,  no  exercício  das  suas  funções  ou  por  causa  destas, 
será  punida: 

1.°  Com  a  pena  de  degredo  temporário  se  da  ofensa  corporal  resultar 
qualquer  ferimento  não  produzindo  impossibilidade  de  trabalho; 

2.°  Com  a  pena  de  degredo  por  quinze  anos  se  da  ofensa  corporal  re- 
sultar impossibilidade  de  trabalho; 

3.°  Com  a  pena  de  degredo  por  vinte  anos  se  da  ofensa  corporal  re- 
sultar cortamento,  aleijão,  privação  ou  inabilitação  de  algum  membro  ou 
órgão  do  corpo; 

4.°  Com  a  pena  máxima  de  degredo,  quando  da  ofensa  corporal  resul- 
tar a  morte. 

Art.  192.°  Aquele  que  perturbar  a  ordem  em  qualquer  acto  ou  lugar 
público,  ou  levantar  gritos  subversivos  da  ordem  ou  tranquilidade  pú- 
blica será  condenado  na  pena  de  trabalho  correccional  até  cento  e  oitenta 
dias. 

Art.  193.°  Aquele  que  em  lugar  público  se  apresentar  em  manifesto 
estado  de  embriaguês,  *será  condenado  na  pena  de  trabalho  correccional 
até  noventa  dias. 

Art.  194.°  Aquele  que  romper  ou  quebrar  selos  postos  por  ordem  da 
autoridade  em  qualquer  lugar  ou  objecto,  e  o  que  por  qualquer  forma 
inutilisar  editais  ou  avisos  mandados  afixar  pela  autoridade,  serão  con- 
denados na  pena  de  trabalho  correccional  até  cento  e  oitenta  dias. 

Art.  195.°  Aquele  que  empregar  actos  de  resistência,  opondo-se  a  que 
a  autoridade  pública  ou  qualquer  funcionário  exerça  as  suas  funções, 


DE   ANGOLA  637 


será  condenado  na  pena  de  trabalho  correccional  até  um  ano,  se  pelos 
actos  de  resistência  empregados  não  couber  pena  mais  grave. 

Art.  196.°  Aquele  que  desobedecendo  à  autoridade,  se  recusar  a  pres- 
tar ou  deixar  de  prestar  qualquer  serviço  de  interesse  público  para  que 
tiver  sido  nomeado  ou  intimado,  ou  que  faltar  à  obediência  devida  ás 
ordens  ou  mandados  legítimos  da  autoridade  pública  ou  agente  dela,  será 
condenado  na  pena  de  trabalho  correccional  até  noventa  dias,  se  a  deso- 
bediência não  fôr  acompanhada  de  actos  por  que  lhe  caiba  pena  mais 
grave. 

§  único.  Compreendem-se  ras  disposições  deste  artigo  aqueles  que 
infligirem  as  determinações  da  autoridade  competente,  tornadas  públicas 
por  editais  ou  bandos. 

Art.  197.°  Aquele  que  por  qualquer  modo  concorrer  para  a  fuga  ou 
tentativa  de  fuga  de  algum  preso,  preparando,  auxiliando,  ou  facilitando-a 
maliciosamente,  será  condenado : 

1.°  Na  pena  de  trabalho  correccional  até  um  ano  se  o  auxílio  prestado 
se  limitar  a  qualquer  simples  artifício  fraudulento  ; 

2.°  Na  pena  de  desterro  temporário  quando  o  auxílio  para  a  fuga  se 
traduzir  em  violências  e  ameaças  contra  os  encarregados  da  guarda  do 
preso,  em  levantamento  propositado  de  motim  ou  tumulto,  ou  em  arrom- 
bamento, escalamento  ou  uso  de  chave  falsa  no  edifício  em  que  estiver 
guardado  o  preso; 

3.°  Na  pena  de  degredo  temporário,  se  pelos  actos  praticados  não 
houver  crime  a  que  corresponda  pena  mais  grave,  quando  as  violências 
cometidas  forem  acompanhadas  de  ofensas  corporais  na  pessoa  dos  agentes 
da  autoridade  a  quem  esteja  confiada  a  guarda  do  preso  ou  de  qualquer 
outro  que  lhe  esteja  prestando  auxílio. 

Art.  198.°  O  preso  que  antes  do  julgamento  passado  em  julgado  se 
evadir,  será  simplesmente  punido  com  as  penas  disciplinares  dos  regu- 
lamentos da  prisão  ou  casa  de  detenção,  se  para  realizar  a  fuga  não  tiver 
cometido  qualquer  crime  por  que  deva  ser  condenado  em  pena  mais  grave 
do  que  a  correspondente  ao  crime  porque  estava  preso. 

§  único.  A  fuga  será  sempre  tomada  em  conta  para  a  aplicação  da 
pena  pelos  crimes  cometidos  como  circunstância  agravante. 

Art.  199.°  Aqueje  que  estando  condenado  por  sentença  passada  em  jul- 
gado se  evadir  sem  que  tenha  cumprido  a  pena  será  obrigado  a  cumprir 
a  sentença  acrescida  de  mais  um  terço. 

Art.  200.°  Aquele  que  falsificar  moeda  metálica  ou  notas  do  banco  da 
forma  daquelas  que  teem  curso  legal  no  território  da  República,  e  aqueles 
que  lhes  derem  curso  conscientes  da  sua  falsidade,  serão  condenados  na 
pena  de  degredo  por  vinte  e  cinco  anos. 

Art.  201.°  Aquele  que,  tomando  um  falso  nome,  tentar  subtrair-se,  de 
qualquer  modo,  à  vigilância  da  autoridade  pública,  ou  fizer  algum  pre- 
juízo ao  Estado  ou  particulares  será  condenado  na  pena  de  trabalho  cor- 
reccional até  um  ano. 

Art.  202.°  Aquele  que  mudar  de  nome  sem  que  esta  mudança  seja  le- 
galmente feita  nos  termos  do  Registo  do  Estado  Civil  dos  Indígenas,  será 
condenado  na  pena  de  trabalho  correccional  até  trinta  dias. 

Art.  203.°  Aquele  que  sem  título  ou  causa  legítima  exercer  funções 


638  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

próprias  da  autoridade  ou  empregado  público,  arrogando-se  estas  quali- 
dades, será  condenado  com  a  pena  de  desterro  temporário  sem  prejuízo 
das  penas  de  falsidade  se  houverem  lugar. 

Art.  204.°  Aquele  que  em  causa  criminal  e  sobre  as  circunstâncias 
essenciais  da  acusação  testemunhar  falso,  será  condenado : 

1.°  Na  pena  de  desterro  temporário,  se  testemunhar  falso  contra  o 
acusado; 

2.°  Na  pena  de  trabalho  correccional  até  um  ano,  se  testemunhar  a 
favor  do  acusado. 

§  único.  O  testemunho  falso  em  matéria  civil,  será  punido  na  pena  de 
trabalho  correccional  até  cento  e  oitenta  dias. 

Art.  205.°  Ao  suborno  ou  tentativa  de  suborno  para  alguém  dar  teste- 
munho falso,  cabem  as  penas  estabelecidas  no  artigo  anterior  para  o  teste- 
munho falso. 

Art.  206.°  Aquele  que,  maliciosamente,  perante  as  autoridades,  apre- 
sentar falsa  queixa  ou  acusação,  será  condenado  na  pena  de  trabalho 
correccional  até  um  ano. 

Art.  207.°  O  enterramento  de  qualquer  indígena,  em  contravenção  dos 
regulamentos  especiais  em  vigor,  será  punido  com  a  pena  de  trabalho 
correccional  até  cento  e  oitenta  dias. 

Art,  208.°  Aquele  que  cometer  violação  de  túmulos  ou  sepulturas, 
praticando,  antes  ou  depois  da  inumação,  factos  que  pelo  costume  local 
importem  falta  de  respeito  devido  à  memória  dos  mortos,  será  condenado 
na  pena  de  trabalho  correccional  até  um  ano. 

Art.  209. a  Aqueles  a  quem  cabendo  obrigação  de  promover  o  enterra- 
mento de  um  cadáver  o  não  fizerem,  deixando  o  cadáver  insepulto,  serão 
condenados  na  pena  de  trabalho  correccional  até  um  ano. 

Art.  210.°  Aquele  que,  exercendo  práticas  de  curandice,  exponha  à 
venda,  venda  ou  subministre  substâncias  venenosas  ou  abortivas,  será 
condenado  na  pena  de  desterro  temporário,  se  daquelas  práticas  não 
resultar  crime  a  que  caiba  pena  mais  grave. 

Art.  211.°  Aquele  que,  de  qualquer  maneira  alterar  géneros  destinados 
ao  consumo  público  de  forma  que  se  tornem  nocivos  à  saúde,  e  aquele 
que  os  vender,  será  condenado  na  pena  de  trabalho  correccional  até  um 
ano. 

§  1.°  Em  igual  pena  será  condenado  aquele  que  fabricar  ou  vender 
objectos  cujo  uso  seja  nocivo  à  saúde. 

§  2.°  Os  géneros  ou  objectos  de  que  trata  este  artigo  serão  apreendidos 
e  inutilizados  em  qualquer  parte  que  se  encontrem. 

Art.  212.°  Aquele  que  lançar  às  águas  que  sirvam  para  a  alimentação, 
qualquer  coisa  que  as  torne  impuras  ou  nocivas  à  saúde,  será  condenado 
na  pena  de  trabalho  correccional  até  um  ano. 

Art.  213.°  Aqueles  que  transgredirem  os  regulamentos,  avisos  e  deter- 
minações das  autoridades  administrativas  e  sanitárias  sobre  providências 
de  higiene  e  saúde  pública,  serão  condenados  na  pena  de  trabalho  corre- 
cional  até  cento  e  oitenta  dias. 

Art.  214.°  Os  crimes  sobre  fabrico,  importação,  venda,  subministração 
ou  guarda  de  armas  proibidas  e  pólvora,  bem  assim  como  os  que  resultam 
do  exercício  da  caça  e  pesca,  são  aqueles,  como  tais  considerados  pela 


DE    ANGOLA  639 

legislação  especial  sobre  o  assunto  em  vigor,  e  as  penas  que  lhes  cabem, 
aquelas  que  pela  mesma  legislação  lhes  competem. 

Art.  215.°  Será  declarado  vadio  o  indígena  como  tal  considerado  pelo 
diploma  regulando  a  repressão  da  ociosidade  e  vadiagem. 

Art.  216.°  O  indígena  declarado  como  vadio  será  detido,  julgado  e  con- 
denado, nos  termos  do  diploma  mencionado  no  artigo  anterior. 

Art.  217.°  Os  crimes  e  delitos  de  contrabando  e  descaminho  de  di- 
reitos serão  punidos  nos  termos  da  legislação  especial  em  vigor  sobre  o 
assunto. 

Art.  218.°  Todo  o  indígena  que,  fazendo-se  passar  por  feiticeiro,  pre- 
tenda exercer  ou  utilizar  práticas  de  magia  ou  de  feiticeria,  arrogando-se 
um  poder  sobrenatural  para  por  qualquer  forma,  influir  ou  actuar  sobre 
a  pessoa  dos  indígenas  ou  de  seus  haveres,  será  condenado  na  pena  de 
degredo  temporário,  se  do  exercício  daquelas  práticas  não  resultar  crime 
a  que  caiba  pena  mais  grave. 

Art.  219.°  Aquele  que,  não  se  fazendo  passar  por  feiticeiro,  pratique 
no  entanto  qualquer  prática  de  magia  ou  feiticeria  com  o  fim  de  causar 
dano  na  pessoa  ou  haveres  de  outrem,  será  condenado  na  pena  de  tra- 
balho correccional  até  dois  anos. 

Art.  220.°  Aquele  que  falsamente  acusar  outrem  de  exercer  habitual  ou 
profissionalmente  a  feiticeria,  será  condenado  na  pena  de  trabalho  correc- 
cional até  três  anos. 

Art.  221.°  Aquele  que  falsamente  atribuir  a  outrem  a  origem  ou  a  in- 
tenção de  qualquer  mal,  por  efeitos  de  feiticeria,  sem  que  contudo  o  acuse 
de  feiticeiro  por  profissão,  será  condenado  na  pena  de  trabalho  correc- 
cional até  um  ano. 

Art.  222.°  Aquele  que,  baseando-se  no  pretendido  poder  de  magia  ou 
feiticeria  de  alguém,  a  êle  recorra  para  causar  dano  na  pessoa  ou  haveres 
de  outrem,  será  condenado  na  pena  de  desterro  temporário. 

Art.  223.°  Será  condenada  na  pena  de  multa  de  5100  a  50$00,  toda  a 
autoridade  gentílica : 

1.°  Que,  no  uso  dos  suas  atribuições,  aconselhar  ou  informar  dolosa- 
mente com  falsidade  a  autoridade  administrativa  a  que  está  subordinada; 

2.°  Que  empregar  ou  fizer  empregar,  sem  motivo  legítimo,  contra 
qualquer  indígena  violências  que  não  sejam  necessárias  para  o  cumpri- 
mento das  determinações  da  autoridade  e  bem  assim  quaisquer  represálias. 

Art.  224.°  Toda  a  autoridade  gentílica  que  se  recusar  a  dar  execução 
às  determinações  que  pelos  superiores  a  quem  devem  directamente  obe- 
diência lhes  forem  legalmente  dadas  em  matéria  da  sua  competência,  será 
condenada : 

1.°  Na  pena  de  multa  de  5$00  a  50$00,  quando  a  desobediência  fôr  mo- 
tivada por  simples  falta  de  zelo  ou  negligência; 

2.°  Na  pena  de  deposição  seguida  de  degredo  temporário,  quando  a 
desobediência  tomar  um  caracter  de  insubordinação  contra  o  prestígio  e 
o  respeito  devido  à  autoridade. 

Art.  225.°  Aquele  que,  tendo  sido  suspenso  ou  deposto  do  exercício  de 
funções  de  autoridade  gentílica,  continuar  a  praticar  actos  inerentes  às 
mesmas  funções,  será  condenado  na  pena  de  trabalho  correccional  até  dois 
anos. 


640  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

Art.  226.°  A  autoridade  gentílica,  e  bem  assim  outros  indígenas  em- 
pregados do  Estado,  que  abandonarem  o  exercício  das  suas  funções  ou 
emprego  por  mais  de  quinze  dias,  sem  motivo  justificado,  serão  conde- 
nados na  pena  de  trabalho  correccional  até  cento  e  oitenta  dias,  devendo 
esta  pena  ser  acompanhada  de  deposição  quando  se  trate  de  autoridades 
gentílicas. 

Art.  227.°  A  autoridade  gentílica  que,  aproveitando-se  das  suas  atri- 
buições extorquir  por  qualquer  forma,  dinheiro,  serviços  ou  outra  qual- 
quer coisa  que  lhe  não  seja  devida,  será  condenada  na  multa  de  5100  a 
50100,  independentemente  da  restituição  do  valor  extorquido. 

Art.  228.°  Todo  o  indígena  que,  exercendo  emprego  ou  funções  de 
autoridade  pública,  cometer  crimes  de  peita,  suborno  e  corrupção,  será 
condenado  na  pena  de  desterro  temporário. 

Art.  229.°  Aquele  que  corromper  por  dádivas,  presentes,  oferecimentos 
ou  promessas  qualquer  indígena  que  exerça  emprego  ou  função  de  au- 
toridade, será  condenado  na  pena  de  trabalho  correccional  até  dois  anos. 

CAPÍTULO  VI 
Dos  crimes  contra  as  pessoas 

Art.  230.°  Será  condenado  com  as  penas  decretadas  pelo  Código  Penal 
e  que  por  este  lhe  couberem : 

1.°  Todo  o  indígena  que  praticar  qualquer  dos  crimes  contra  a  liber- 
dade das  pessoas; 

2.°  Todo  aquele  que  praticar  qualquer  dos  crimes  previstos  pelo  Có- 
digo Penal  sobre: 

a)  Partos  supostos; 

b)  Subtracção  e  ocultação  de  menores; 

c)  Exposição  e  abandono  de  infantes. 

3.°  Todo  aquele  que  praticar  qualquer  dos  crimes  previstos  pelo  Có- 
digo Penal  sobre: 

a)  Homicídio  voluntário  ou  involuntário ; 

b)  Envenenamento; 

c)  Aborto; 

d)  Ferimentos,  contusões  e  outras  ofensas  corporais  voluntárias  ou 
involuntárias. 

Art.  231.°  O  presidente  do  tribunal  indígena  do  segundo  grau,  a  quem 
fôr  presente  qualquer  queixa  sobre  crimes  de  ofensa  corporal,  sobre 
consulta  de  algum  perito  que  haja  na  localidade,  ou  ao  seu  prudente  arbí- 
trio, calculará  o  tempo  provável  da  doença  ou  impossibilidade  de  trabalho. 

Art.  232.°  Não  são  crimes  o  homicídio,  os  ferimentos  ou  espanca- 
mentos ou  outros  actos  ou  meios  de  força,  quando  forem  cometidos: 

1.°  Repelindo  de  noite  o  escalamento  ou  arrombamento  de  uma  habi- 
tação ; 

2.°  Defendendo-se  contra  os  autores  de  roubos  ou  destruições  execu- 
tadas com  violências. 

Art.  233.°  Todo  aquele  que  provocar,  ordenar  ou  subministrar  o 
emprego,  de  substâncias  venenosas,  do  fogo,  da  água  em  ebulição  ou  de 


DE   ANGOLA  641 

outro  processo  que  directa  ou  indirectamente  possa  produzir  a  morte  de 
pessoas  ou  animais  ou  causar-lhe  ferimentos  ou  ofensas  corporais,  para 
averiguar  de  factos  imputados  a  alguém,  será  condenado  na  pena  fixa  de 
degredo  por  quinze  anos,  se  da  prova  não  resultar  crime  a  que  caiba 
pena  mais  grave. 

Art.  234.°  Aquele  que  prepare,  venda  ou  retenha  em  seu  poder  qualquer 
preparação  venenosa  habitualmente  empregada  nas  provas  judiciais  indí- 
genas, será  condenado  na  pena  de  degredo  temporário. 

Art.  235.°  Aquele  que  assistir  a  uma  prova  judicial  indígena  será 
condenado  na  pena  de  trabalho  correccional  até  três  anos. 

Art.  236.°  A  autoridade  gentílica  que,  directa  ou  indirectamente,  tolerar 
ou  facilitar  uma  prova  judicial  indígena  ou  que,  tendo  conhecimento  que 
essa  prova  terá  logar  ou  se  projecta  na  área  da  sua  jurisdição,  não  informe 
imediatamente  a  autoridade  administrativa,  será  deposta  e  condenada  na 
pena  de  degredo  temporário. 

Art.  237.°  Aquele  que  ameaçar  ou  intimar  outrem  de  fazer  algum  mal 
que  constitue  crime  será  condenado  na  pena  de  trabalho  correccional  até 
noventa  dias. 

Art.  238.°  Aquele  que  ameaçar  ou  intimar  outrem  para  o  constranger 
a  fazer  ou  deixar  de  fazer  alguma  coisa,  a  que  por  lei  não  é  obrigado, 
será  condenado  na  pena  de  trabalho  correccional  até  cento  e  oitenta  dias. 

Art.  239.°  Aquele  que  se  introduzir  na  habitação  de  outrem,  sem  co- 
nhecimento ou  licença  deste  ou  contra  sua  vontade,  não  sendo  agente 
da  autoridade  pública  e  por  esta  não  esteja  devidamente  autorizado,  será 
condenado  na  pena  de  trabalho  correccional  até  um  ano,  se  não  resultar 
crime  a  que  caiba  pena  mais  grave. 

Art.  240.°  Aquele  que  dolosamente  ocupar  o  estado  civil  de  outrem  ou 
de  quaisquer  direitos  da  família,  será  condenado  na  pena  de  trabalho 
correccional  até  um  ano. 

Art.  241.°  A  mulher  que  contrair  segundo  ou  ulterior  casamento,  sem 
que,  nos  termos  deste  Código,  se  ache  dissolvido  o  anterior,  será  conde- 
nada na  pena  de  desterro  temporário. 

Art.  242.°  Aquele  que  publicamente,  por  qualquer  acção,  ofender  a 
moralidade,  como  tal  considerada  pelo  costume  local,  ou  que  sem  ofender 
aquela  moralidade,  cometer  acções  que  não  possam  ser  admitidas  pelos 
povos  civilizados,  será  condenado  na  pena  de  trabalho  correccional  até 
cento  e  oitenta  dias. 

Art.  243.°  Todo  o  atentado  contra  o  pudor  de  uma  pessoa  de  um  ou 
outro  sexo,  que  fôr  cometido  com  violência,  será  condenado  na  pena  de 
trabalho  correccional  até  um  ano. 

§  único.  Se  o  atentado  fôr  praticado  em  menor  de  doze  anos  a  pena 
será  a  mesma  embora  se  prove  não  ter  havido  violência. 

Art.  244.°  Aquele  que,  por  meio  de  sedução,  estuprar  mulher  virgem 
maior  de  doze  anos  e  menor  de  dezasseis,  será  condenado  na  pena  de 
desterro  temporário. 

Art.  245.°  Aquele  que  tiver  cópula  ilícita  com  quaisquer  mulheres, 
contra  sua  vontade,  por  meio  de  violência  física,  de  intimidações  ou  de 
qualquer  forma,  que  não  constitua  sedução,  ou  achando-se  a  mulher  pri- 
vada do  uso  da  razão,  será  condenado  em  pena  de  degredo  temporário. 


642  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Art.  246.°  Aquele  que  desflorar  menor  de  doze  anos,  será  condenado 
na  pena  fixa  de  degredo  por  quinze  anos. 

Art.  247.°  Os  tribunais  indígenas  não  tomarão  conhecimento  dos  crimes 
de  adultério  senão  quando  os  cônjuges  forem  casados  nos  termos  do  re- 
gisto do  Estado  Civil  dos  indígenas. 

O  adultério  da  mulher  importa  a  punição  do  co-reu  adúltero,  sempre 
que  o  marido  ofendido  promova  o  divórcio  e  este  seja  decretado. 

Art.  248.°  Nos  termos  do  artigo  anterior,  ao  co-reu  adúltero  cabe,  àlêm 
da  restituição  a  que  se  refere  o  art.  125.°  pela  efectivação  do  divórcio, 
a  pena  de  indemnizar  o  marido  em  mais  cincoenta  por  cento  do  valor 
da  restituição. 

Art.  249.°  O  marido  ofendido  que,  não  tendo  promovido  o  divórcio 
pelo  adultério,  receba  qualquer  valor  da  família  da  adúltera  ou  do  co-reu 
adúltero,  a  título  de  indemnização  pela  ofensa,  restituirá  o  valor  recebido 
e  será  condenado  na  pena  de  trabalho  correccional  até  um  ano. 

Art.  250.°  O  marido  que  por  qualquer  forma  incitar  a  mulher  à  prática 
do  adultério  perde  o  direito  a  por  esta  causa  requerer  o  divórcio  e  será 
condenado  na  pena  de  trabalho  correccional  até  dois  anos. 

Art.  251.°  Aquele  que  para  satisfazer  desejos  desonestos  de  outrem, 
excitar,  favorecer  ou  facilitar  a  prostituição  ou  corrupção  de  qual- 
quer pessoa  sua  descendente,  tutelada,  ou  que  esteja  confiada  à  sua 
guarda  e  direcção,  será  condenado  na  pena  de  trabalho  correccional  até 
um  ano. 

Art.  252.°  Aquele  que  publicamente  difamar,*caluniar  ou  injuriar  outrem, 
será  condenado  na  pena  de  trabalho  correccional  até  cento  e  oitenta  dias. 

CAPÍTULO  VII 
Dos  crimes  contra  a  propriedade 

Art.  253.°  O  indígena  que  cometer  o  crime  de  furto,  subtraindo  frau- 
dulentamente uma  coisa  que  lhe  não  pertença,  será  obrigado  a  restituir 
ao  queixoso  a  coisa  subtraída  ou  seu  valor  e  a  pagar-lhe  uma  indemnização 
na  importância  igual  ao  valor  do  furto,  e  condenado  na  pena  de  trabalho 
correccional  até  três  anos,  conforme  o  valor  do  furto. 

Art.  254.°  Os  reincidentes  a  quem  no  último  ano  tenha  sido  imposta 
mais  de  uma  pena  por  furto,  serão  condenados  na  pena  de  desterro  até 
três  anos. 

Art.  255.°  É  qualificado  como  roubo  a  subtração  da  coisa  alheia  que 
se  comete  com  violência  ou  ameaças  contra  as  pessoas. 

Art.  256.°  Ao  crime  de  roubo  cabe  comulativamente  as  penas  de  furto 
da  coisa  roubada  e  das  que,  por  este  Código,  correspondem  às  das  vio- 
lências ou  ameaças  cometidas. 

Art.  257.°  Aquele  que  burlar  outrem,  empregando  qualquer  meio  de 
fraude  para  o  lesar,  será  obrigado  a  indemnizar  o  burlado  do  valor  da 
fraude  e  condenado  na  pena  de  trabalho  correccional  até  dois  anos,  con- 
forme a  gravidade  do  crime. 

Art.  258.°  O  abuso  de  confiança  daquele  que,  descaminhando  ou  dissi- 
pando em  prejuízo  do  possuidor  ou  detentor  dinheiro,  gado,  fazendas  ou 


DE  ANGOLA  643 

qualquer  outro  valor  que  lhe  tenha  sido  confiado,  será  considerado  como 
crime  de  furto  e  como  tal  punido. 

Art.  259.°  Aquele  que  voluntariamente  puzer  fogo,  e  por  este  meio 
destruir  no  todo  ou  em  parte: 

1.°  Edifício  pertencente  ao  Estado  ou  qualquer  logar  contendo,  ou  des- 
tinado a  conter  coisas  pertencentes  ao  Estado,  será  condenado  na  pena 
fixa  de  degredo  por  vinte  e  cinco  anos; 

2.°  Lavras,  searas  ou  colheitas,  será  condenado  na  pena  fixa  de  degredo 
por  quinze  anos ; 

3.°  Habitação  indígena  ou  qualquer  logar  por  eles  habitado  será  con- 
denado na  pena  de  desterro  temporário ; 

4.°  Cubata  não  habitada  nem  destinada  a  habitação,  será  condenado 
na  pena  de  trabalho  correccional  até  três  anos. 

Art.  260.°  Quando  do  fogo  posto  resultar  a  morte  de  alguma  pessoa, 
será  o  crime  punido  como  homicídio  voluntário. 

Art.  261.°  Aquele  que  voluntariamente,  por  qualquer  meio,  derrubar, 
destruir  ou  desarranjar,  no  todo  ou  em  parte,  edificação,  construção  ou 
qualquer  obra  do  Estado,  ou  de  outrem,  concluída  ou  somente  começada, 
será  condenado: 

1.°  Na  pena  de  trabalho  correccional  até  cento  e  oitenta  dias,  quando  o 
prejuízo  causado  não  exceder  dez  escudos; 

2.°  Na  pena  de  trabalho  correccional  até  um  ano,  quando  o  prejuízo, 
excedendo  dez  escudos,  não  fôr  superior  a  cem  escudos; 

3.°  Na  pena  de  desterro  temporário,  quando  o  prejuízo  exceder  a  cem 
escudos. 

Art.  262.°  A  destruição  ou  desarranjo  de  via  férrea,  ponte  ou  estrada 
pública,  e  bem  assim  a  colocação  de  qualquer  objecto  sobre  estas  vias  de 
comunicação  com  o  fim  de  embaraçar  a  circulação,  será  punida  com  a 
pena  de  degredo  temporário. 

Art.  263.°  Aquele  que  voluntariamente  danificar  ou  destruir  culturas 
e  bem  assim  o  que  ferir  ou  matar  animais  domésticos  pertencentes  ao 
Estado  ou  de  outrem,  será  condenado  nas  penas  estabelecidas  no  ar- 
tigo á58.°,  conforme  o  prejuízo  causado. 

PARTE  IV 
é  DAS  PROVAS 

Art.  264.°  Prova  é  a  demonstração  da  verdade  dos  factos  alegados  pe- 
rante os  tribunais  indígenas. 

Art.  265.°  Os  únicos  meios  de  prova  admitidos  por  este  Código  são : 

1.°  A  confissão  das  partes; 

2.°  Os  exames  e  vistorias ; 

3.°  Os  documentos ; 

4.°  O  caso  julgado; 

5.°  O  depoimento  das  testemunhas  ; 

6.°  As  presunções ; 

7.°  Os  sinais  feitos,  animais  ou  objectos  trocados  por  ocasião  da  cele- 
bração do  contracto,  consagrado  pelo  costume  local. 


644  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Art.  266.°  A  confissão  é  o  reconhecimento  expresso  que  a  parte  faz 
do  direito  da  parte  contrária  ou  da  verdade  dos  factos  por  esta  alegados. 

Art.  267.°  A  confissão  é  indivisível,  não  podendo  por  ôste  facto,  a  parte 
que  dela  se  quizer  aproveitar,  aceitar  o  que  lhe  fôr  favorável  e  regeitar 
o  que  lhe  possa  ser  prejudicial,  salvo  abrangendo  a  dita  confissão  factos 
cuja  falsidade  se  ache  aliás  demonstrada.   , 

Art.  268  u  A  prova  por  exame  ou  vistoria,  é  aplicável  à  averiguação  de 
factos,  que  tenham  deixado  vestígios,  que  possam  ser  sujeitos  a  inspecção 
ou  exame  ocular. 

Art.  269.°  Prova  documental  é  a  que  resulta  de  documentos  escritos, 
exarados  ou  expedidos  pelas  instâncias  oficiais. 

Art.  270.°  Caso  julgado  é.  o  facto  ou  o  direito  tornado  certo  por  sen- 
tença de  que  já  não  há  recurso. 

Art.  271.°  Podem  ser  testemunhas  todas  as  pessoas  de  um  e  outro  sexo 
que  não  sejam  consideradas  inábeis  por  incapacidade  natural  ou  dispo- 
sição deste  Código. 

Art.  272.°  São  inábeis  para  serem  testemunhas,  por  incapacidade  na- 
tural: 

1.°  Os  dementes ; 

2.°  Os  cegos,  ou  surdos  nos  casos  cujo  conhecimento  depender  destes 
sentidos; 

3.°  Os  menores  nos  termos  deste  Código. 

Art.  273.°  São  inábeis  nos  termos  deste  Código,  para  serem  testemu- 
nhas: 

1.°   Os  que  teem  interesses  directos  na  causa; 

2.°  Os  ascendentes  nas  causas  dos  descendentes  e  vice-versa ; 

3.°  O  marido  nas  causas  da  mulher  e  vice-versa  ; 

§  único.  O  disposto  nos  números  2.°  e  3.°  não  é  aplicável  às  questões 
em  que  se  trata  de  verificar  o  registo  do  Estado  Civil  dos  Indígenas. 

Art.  274.°  O  depoimento  de  uma  única  testemunha,  destituído  de  qual- 
quer outra  prova,  não  fará  fé  em  juizo. 

Art.  275.°  Presunções  são  as  consequências  ou  ilacções,  que  o  julgador 
deduz  de  um  facto  reconhecido,  para  firmar  um  facto  desconhecido. 

Art.  276.°  Ao  prudente  arbítrio  do  tribunal  julgador  fica  o  aceitar  ou 
regeitar  como  prova,  em  questões  de  contractos,  os  sinais  convencionais 
feitos,  animais  ou  objectos  trocados,  por  ocasião  da  sua  celebração  e 
consagrados  pelo  costume  local. 


IV 


PROJECTO  DO  REGULAMENTO 

DO  REGISTO  DO  ESTADO  CIVIL  DOS  INDÍGENAS 

DA  PROVÍNCIA  DE  ANGOLA 

CAPÍTULO  I 
Disposições  gerais 

Art.  l.°  O  registo  do  estado  civil  dos  indígenas  da  província  de  Angol 
é  obrigatório  e  abrange: 

1.°  O  registo  dos  nascimentos; 

2.°  O  registo  dos  casamentos; 
*  3.°  O  registo  dos  óbitos; 

Art.  2.°  No  mesmo  registo  se  averbarão  os  outros  actos  relativos  ao 
estado  civil. 

CAPÍTULO  II 
Dos  funcionários  do  registo  civil  e  suas  atribuições 

Art.  3.°  A  direcção,  coordenação  e  superintendência  do  serviço  do  re- 
gisto civil  incumbe  ao  Secretário  dos  Negócios  Indígenas,  cabendo-lhe  o 
nome,  no  exercício  das  suas  funções,  de  Conservador  Geral  do  Registo 
Civil  dos  Indígenas. 

Art.  4.°  A  conservatória  do  registo  civil  dos  indígenas  funcionará  na 
Secretaria  dos  Negócios  Indígenas. 

Art.  5.°  No  exercício  das  suas  atribuições  incumbe  ao  Conservador 
Geral : 

1.°  Propor  ao  Governador  Geral  as  medidas,  as  instruções  e  provi- 
dências necessárias  para  a  organização  e  funcionamento  dos  serviços; 

2.°  A  inspecção  das  repartições  do  registo  civil,  directamente  por  si 
próprio  ou  por  intermédio  de  funcionários  seus  subordinados; 

3."  Resolver  as  dúvidas  que  nos  casos  particulares  forem  suscitadas 
por  qualquer  dos  oficiais  do  registo  civil,  solicitando  deles  ou  de  outros 
quaisquer  funcionários  do  registo  os  dados  e  informações  que  julgar  con- 
venientes e  dando-lhe  as  ordens  e  instruções  acomodadas; 

4.°  Organizar  a  estatística  do  registo  civil; 


646  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

5.°  Desempenhar  todas  as  mais  funções  que  pela  índole  do  seu  cargo 
lhe  competem. 

Art.  6.°  O  Conservador  Geral  será  substituído  nos  casos  de  falta  ou 
impedimento  pelo  funcionário  que  o  substituir  como  Secretário  dos  Ne- 
gócios Indígenas. 

Art.  7.°  Em  cada  concelho,  circunscrição  civil  e  capitania-mór  haverá 
uma  repartição  do  registo  civil  que  funcionará  na  respectiva  Secretaria 
da  administração  do  concelho,  circunscrição  civil  ou  da  capitania-mór, 
dirigida  por  um  oficial  do  registo  civil. 

Art.  8.°  Em  cada  posto  civil  ou  militar  das  circunscrições  e  capitanias 
mores  haverá  um  posto  de  registo  civil  dirigido  por  um  ajudante  do 
oficial  do  registo  civil  e  sob  directa  responsabilidade  deste  mesmo  oficial. 

Art.  9.°  O  facto  d&  existência  dos  postos  do  registo  civil  não  retira 
ao  oficial  a  sua  competência  dentro  da  área  destes  postos,  antes,  quando 
o  oficial  se  encontrar  presente,  é  a  êle  que  de  preferência  compete  realizar 
os  registos,  embora  nos  livros  dos  postos. 

Art.  10.°  As  funções  de  oficial  do  registo  civil  são  inerentes  aos  cargos 
de  administrador  do  concelho  ou  circunscrição  civil  e  de  capitão-mór. 

Art.  II.9  Exercem  as  funções  de  ajudante  de  oficial  de  registo  civil  os 
chefes  de  postos  civis  ou  militares  a  que  eles  pertencem. 

Art.  12.°  Os  oficiais  e  ajudantes  do  registo  civil  serão  substituídos,  na 
sua  falta  ou  impedimento,  por  quem  legalmente  os  deve  substituir  nos 
seus  cargos. 

Art.  13.°  No  exercício  das  suas  atribuições  incumbe  aos  oficiais  e  aju- 
dantes do  registo  civil: 

l.°  Lavrar  ou  mandar  lavrar  sob  a  sua  responsabilidade  todos  os  re- 
gistos dos  actos  concernentes  ao  estado  civil  para  que  tenham  competência; 

2.°  Arquivar,  guardar  e  conservar  os  livros  dos  registos  e  todos  os 
documentos  neles  referidos; 

3.°  Organizar  e  enviar  ao  Conservador  Geral  ou  oficial  do  registo 
civil,  conforme  os  casos,  os  mapas  e  mais  informações  a  que  se  refere 
este  regulamento  e  quaisquer  outros  que  aqueles  funcionários  lhe  pedirem; 

4.°  Passar  extractos,  certidões  e  boletins  dos  actos  do  registo  civil  a 
seu  cargo  e  de  quaisquer  documentos  arquivados  ou  certificar  a  sua  não 
existência; 

5.°  Desempenhar  as  mais  funções  que  lhe  são  incumbidas  por  este 
regulamento. 

CAPÍTULO  III 

Dos  livros  do  Registo  Civil 

Art.  14.°  Em  cada  repartição  do  registo  civil  haverá  os  seguintes  livros 
de  registo : 

1.°  De  nascimentos; 

2.°  De  casamentos; 

3.°  De  óbitos. 

Art.  15.°  Os  livros  de  registo  devem  ser  conforme  os  modelos  que 
fazem  parte  deste  regulamento,  não  podendo  cada  uma  das  suas  folhas 
conter  mais  de  um  registo. 


DE  ANGOLA  t)47 

Art.  16.°  Para  os  nascimentos  e  casamentos  é  o  registo  constituído 
pelo  original  e  um  extracto  deste  (modelos  A  e  B). 

§  único.  No  acto  do  registo  de  nascimento  ou  de  casamento  será  en- 
tregue aos  interessados  uma  chapa  metálica  (modelo  C)  para  o  registo  de 
nascimento,  e  (modelo  D)  para  o  registo  de  casamento. 

Art.  17.°  Para  os  óbitos  é  o  registo  constituído  pelo  original  e  dois 
extractos  (modelo  E),  sendo  um  destes  entregue  aos  herdeiros  do  fale- 
cido. 

Art.  18.°  Aos  oficiais  do  registo  civil  incumbe  mensalmente  enviar 
para  o  Conservador  Geral  os  extractos  dos  registos  por  eles  lavrados  e 
os  efectuados  pelos  ajudantes  dos  postos  civis  ou  militares  que  estão  sob 
a  sua  directa  responsabilidade. 

Art.  19.°  Os  ajudantes  do  registo  civil  enviarão  ao  oficial  respectivo 
até  ao  dia  15  do  mês  seguinte  os  extractos  dos  registos  que  efectuaram 
durante  o  mês. 

Art.  20.°  Os  oficiais  do  registo  civil  enviarão  ao  Conservador  Geral, 
até  ao  dia  30  do  mês  seguinte,  os  extractos  dos  registos  que  efectuaram  e 
aqueles  que  receberam  dos  seus  ajudantes  durante  o  mês. 

Art.  21.°  Aos  funcionários  do  registo  civil  que  não  enviarem  os  ex- 
tractos ou  os  demorarem  mais  de  um  mês  será  imposta  uma  multa  de 
um  escudo  por  cada  dia  de  demora,  paga  por  meio  de  guia  assinada  pelo 
Conservador  Geral. 

Art.  22.°  Os  originais  dos  registos  serão  arquivados  anualmente  pelos 
oficiais  do  registo  civil  nas  respectivas  repartições. 

Art.  23.°  Os  extractos  dos  registos  serão,  depois  de  ligados  por  enca- 
dernação, arquivados  pelo  Conservador  Geral  na  Secretaria  dos  Negócios 
Indígenas. 

Art.  24.°  A  numeração  de  cada  espécie  de  registo  será  feita  por  anos 
civis  em  cada  repartição  de  registo  civil. 

Art.  25.°  Por  qualquer  acto  do  registo  civil  cobrar-se  há  o  emolumento 
único  de  $25  pertencendo  $20  ao  funcionário  que  lavrou  o  registo  e  $05 
à  autoridade  gentílica  que  inter  vier  no  registo. 

Art.  26.°  As  despezas  com  os  livros,  chapas  e  mais  expediente  das 
repartições  do  registo  correrão  por  conta  dos  respectivos  oficiais  e  aju- 
dantes destes  e  saem  das  verbas  que  constituem  os  seus  emolumentos. 

CAPÍTULO  IV 
Dos  serviços  do  registo  civil 

Art.  27.°  O  serviço  do  registo  civil  pode  ser  feito  de  dia  ou  de  noite 
na  repartição  ou  fora  dela. 

Art.  28.°  É  proibido,  nos  registos,  usar  de  abreviaturas  ou  algarismos, 
podendo  no  entanto  repetir-se  por  algarismos  as  datas  já  escritas  por 
extenso. 

Art.  29.°  Os  riscos,  emendas,  razuras  ou  outra  qualquer  alteração  que 
possa  ocasionar  dúvida,  devem  ser  ressalvadas  pela  mesma  letra  e  antes 
da  assinatura. 

Art.  30.°  O  registo,  antes  de  ser  assinado  será  sempre  lido  em  voz  alta 


648  POPULAÇÕES  INDÍGENA^ 

e  traduzido  na  língua  falada  pelos  indígenas,  perante  todas  as  pessoas 
que  nele  intervierem,  e  de  que  se  fará  expressa  menção. 

Art.  31.°  As  notas  e  averbamentos  que  tenham  de  ser  feitos  posterior- 
mente nos  registos  serão  lançadas  à  margem  do  respectivo  registo,  e  se 
o  funcionário  já  não  tiver  em  seu  poder  o  extracto,  é  obrigado  a  enviar 
ao  Conservador  Geral  no  prazo  de  oito  dias,  uma  cópia  textual  desse 
lançamento  com  indicação  do  registo  a  que  se  refere. 

Art.  32.°  Os  registos  são  lavrados  em  face  das  declarações  do  chefe  ou 
chefes  das  famílias  dos  interessados  e  na  presença  da  autoridade  gentílica, 
a  que  estão  subordinados  os  indígenas  de  que  trata  o  registo. 

Art.  33.°  São  responsáveis  pela  participação  e  declaração  do  registo 
do  estado  civil  dos  indígenas  as  autoridades  gentílicas  que  neles  inter- 
veem. 

Art.  34.°  As  autoridades  gentílicas  que,  na  falta  das  declarações  da 
família  dos  interessados  no  registo  não  fizerem  as  participações  ou  derem 
falsas  declarações  serão  punidos  com  a  pena  de  multa  de  5  a  50$00  escudos 
imposta  pelos  oficiais  do  registo  civil  e  mandada  entrar  na  Fazenda  por 
guia  por  estes  funcionários  assinada. 

§  único.  Se  se  reconhecer  que  o  facto  da  falta  da  participação  ou  falsas 
declarações  feitas  pela  autoridade  gentílica  foram  devidas  a  erradas  in- 
formações, nem  por  isso  aquela  autoridade  fica  isenta  da  responsabilidade 
do  pagamento  da  multa  que  lhe  fôr  imposta,  mas  igual  pena  será  aplicada 
ao  falso  informador. 

Art.  35.°  As  declarações  de  nascimento  devem  ser  feitas  dentro  do 
prazo  de  15  dias  a  contar  do  parto,  fazendo  o  funcionário  encarregado  do 
registo,  perante  os  indivíduos  indicados  no  art.  32.°  e  na  presença  do 
recem-nascido,  o  respectivo  registo. 

Art.  36.°  A  mudança  de  nome  é  autorizada  até  duas  vezes  para  cada 
indígena  e  o  seu  registo  far-se  há  em  averbamento  à  margem  do  registo 
do  nascimento. 

Art.  37.°  No  registo  de  casamento  dos  indígenas  observar-se  ha  o 
disposto  no  Código  de  Justiça  Indígena  no  capítulo  respectivo  ao  casa- 
mento. 

Art.  38.°  Os  indígenas  que  pretenderem  contrair  casamento  deverão 
comparecer  perante  o  funcionário  de  registo  civil  da  área  administrativa 
a  que  pertence  a  noiva,  acompanhados  dos  indivíduos  indicados  no 
art.  32.°  e  do  membro  da  família  da  noiva  que  nos  termos  do  art.  103.° 
do  Código  de  Justiça  Indígena  compete  dar  o  consentimento  para  o 
casamento. 

Art.  39.°  O  funcionário  do  registo  civil  verificando,  pelas  declarações 
do  chefe  da  família  e  da  autoridade  gentílica  que  o  casamento  pode  rea- 
lizar-se,  e  ouvindo  o  membro  da  família  da  noiva  a  quem  compete  dar  o 
seu  consentimento,  nos  termos  do  art.  103.°  do  Código  de  Justiça 
Indígena,  explicará  os  direitos  e  deveres  de  cada  um  dos  cônjuges  e 
lavrará  ou  mandará  lavrar  o  registo  do  casamento. 

Art.  40  °  Pelo  casamento  polígamo,  permitido  pelo  art.  104.°  do  Có- 
digo de  Justiça  Indígena,  cobrar-se  ha,  àlêm  do  emolumento  a  que  se 
refere  o  art.  25.°,  a  taxa  de  cinco  escudos  pela  segunda  mulher,  e  a  de 
dez  escudos  por  cada  uma  das  outras. 


DE  ANGOLA 


649 


§  único.  No  registo  far-se  há  especial  menção  do  casamento  neste  re- 
gimen e  da  taxa  cobrada. 

Art.  41.°  Quando  os  noivos  forem  menores  entre  os  16  e  18  anos,  sendo 
do  sexo  masculino,  e  entre  os  14  e  16  anos,  sendo  do  sexo  feminino,  o 
funcionário  do  registo  civil  procederá  nos  termos  do  artigo  102.°  do 
Código  de  Justiça  Indígena,  cobrando  a  taxa  de  dois  escudos  pela  con- 
cessão da  respectiva  licença. 

Art.  42.°  As  taxas  consignadas  no&  artt.  40.°  e  41.°  darão  entrada  na 
Fazenda  por  meio  de  guia  passada  pelo  funcionário  do  registo  civil. 

Art.  43.°  O  divórcio  averbar-se  há  à  margem  do  respectivo  registo  de 
casamento,  em  face  da  sentença  que  o  confirmou. 

Art.  44.°  Logo  que  um  indígena  falecer,  compete  ao  chefe  da  família 
do  falecido,  na  falta  ou  na  ausência  deste  a  qualquer  membro  desta,  vir 
declarar  o  óbito  ao  funcionário  do  registo  Civil  da  área  a  que  pertence 
fazendo-se  acompanhar  da  respectiva  autoridade  gentílica. 

Art.  45.°  O  funcionário  do  registo  civil  pode,  se  entender  conveniente, 
não  lavrar  o  registo  de  óbito  senão  depois  de  ir  ou  mandar  verificar  o 
mesmo. 

Art.  46.°  Se  aparecer  o  cadáver  de  um  indígena,  cuja  identidade  não 
seja  possível  reconhecer-se,  no  registo  de  óbito  deverá  declarar-se  : 

1.°  O  logar  onde  foi  encontrado  o  cadáver; 

2.°  O  estado  em  que  êle  se  encontrava; 

3.°  O  seu  sexo  e  idade  aproximada; 

4.°  Quaisquer  outras  circunstâncias  ou  indícios  que  se  encontrarem. 

§  1.°  Compete  à  autoridade  gentílica  mais  próxima  do  local  onde  ocor 
reu  o  óbito  de  qualquer  indígena  desconhecido  ou  sem  família,  fazer  a 
sua  comunicação  ao  respectivo  funcionário  do  registo  civil; 

§  2.°  O  registo  destes  óbitos  é  gratuito. 

Art.  47.°  Os  assentos  e  mais  documentos  relativos  ao  registo  do  estado 
civil  dos  indígenas  são  isentos  de  selo. 

CAPÍTULO  V 
Disposições  transitórias 

Art.  48.°  Compete  às  autoridades  administrativas  compelir  ao  registo 
civil  todos  os  indígenas  que  por  efeito  de  operações  de  arrolamento  e 
cobrança  do  imposto  de  cubata,  de  queixas  e  contractos  de  prestação  de 
trabalho,  ou  por  qualquer  outro  motivo,  averiguem,  não  terem  celebrado 
os  actos  do  registo  do  estado  em  que  se  encontram. 

Art.  49.°  Ficam  isentos  do  pagamento  das  taxas  a  que  se  referem  os 
artt.  40°  e  41.°  todos  os  registos  de  casamentos  gentílicos  celebrados 
antes  da  publicação  deste  regulamento  e  que  por  efeito  do  artigo  anterior 
tenham  de  ser  registados. 


42 


650 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


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0  funcionário  do  Registo  Civil, 


Emolumentos : 

para  o  funcionário  do  Registo  Civil. 
$0õ  para  a  autoridade  gentilica. 


DE  ANGOLA 


651 


Noivo 


PROVÍNCIA  DE  ANGOLA 

Concelho,   Circunscrição  ou  Capitania  de . . . 

REGISTO  DO  ESTADO  CIVIL  DOS  INDÍGENAS 

Repartição  de- . . 

REGISTO  DE  CASAMENTO 

N.°... 

Número  de  ordem  deste  registo  em  constância  do  regimen  polígamo.   • 

l  Nome. . .  0.0"5 

Idade.. 
Estado. 

Naturalidade...    _  AVERBAMENTOS 

Residência   anterior 

samento. . . 
Nome  do  pai. , 


Nome. . . 
Idade. . . 
Estado. . . 
Naturalidade. 
Residência. . . 
Nome  do  pai. 
Nome  da  mãe 


Nome  da  mãe. 


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a 


deu  o  seu  consentimento  ao 


Autoridade  gentílica  que  interveio... 
Membro  da  família  do  clan  materno  da  noiva  que 
casamento. . . 

Emolumentos  para   o  funcionário  do  Registo  Civil $20 

»  para   a   autoridade  gentílica $05 

Taxas  pelo  consentimento  de  menores # 

»       pelo  casamento  no  regimen  poligamo Ò 

...  de  ...  de  19... 

O  funcionário  do  Registo  Civil, 


052 


POPULAÇÕES   INDÍGENAS 


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Valor  das  ofertas 


Do  noivo  à  noiva  ou  sua  família . . 
Da  noiva  ou  sua  família  ao  noivo 


Penhor  do  contrato  do  casamento. . 


Descrição  dos  haveres  trazidos  pela  noiva  para  o  casal. 


0  funcionário  do  Registo  Civil, 


PE  ANGOLA 


653 


(Modelo  C) 


(Modelo  D) 


CONCELHO,  CIRCUNSCRIÇÃO  OU  CAPITANIA  DE. 
REPARTIÇÃO  DE... 

CASAMENTO 

N.o... 
19... 


654 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


Filiação  cc(Hy 

W(P)  d- 


PROVÍNCIA  DE  ANGOLA 

Concelho,  Circunscrição  ou  Capitania  de-- 

REGISTO  DO  ESTADO  CIVIL  DOS  INDÍGENAS 

Repartição  de. . . 

REGISTO  I)E  ÓBITO 

N.°... 


0,05 


Data  do  nascimento.. 
Logar  do  nascimento. 
Sexo. . . 


5í  /  Nome. 


JNome. . . 
(Morada. 

(Nome. .. 
j  Morada. 


S  JNome. . . 
■§  i Morada. 


Autoridade   gentílica  que  interveio...  Declarante... 
...,  ...  de  ...    de  191... 

O  funcionário  do  Registo  Civil, 

Emolumentos  : 

#20  para  o  funcionário  do  Registo  Civil. 

$05  para  a  autoridade  gentilica. 


AVERBAMENTOS 


PROJECTO 

DO    DIPLOMA    REGULANDO    O    RECENSEAMENTO 

DA    POPULAÇÃO    INDÍGENA 

Art.  l.°  Aos  administradores  de  concelho,  circunscrições  civis  e  capi- 
tães-móres  compete  organizar  o  recenseamento  da  população  indígena, 
pela  forma  estabelecida  neste  diploma. 

§  único.  Simultaneamente  ao  recenseamento  da  população  se  proce- 
derá ao  recenseamento  do  gado. 

Art.  2.°  O  recenseamento  da  população  indígena  organisar-se-há: 

1.°  Directamente; 

2.°  Por  estimativa. 

Art.  3.°  O  recenseamento  organizar-se  há  directamente,  nas  regiões 
em  que  se  proceda  ao  arrolamento  para  o  imposto  de  cubata,  e  as  opera- 
ções do  recenseamento  serão  simultaneamente  levadas  a  efeito  pela  ocasião 
em  que  se  proceder  às  operações  do  arrolamento. 

Art.  4.°  O  recenseamento  organizado  directamente  será  classificado: 

1.°  Completo,  quando  o  arrolamento  para  o  pagamento  do  imposto  de 
cubata  o  fôr,  e  abranja  a  totalidade  dos  indígenas  da  região. 

2.°  Incompleto,  quando  o  arrolamento  o  fôr,  e  não  abranja  a  totali- 
dade dos  indígenas  de  região. 

Art.  5.°  O  recenseamento  organizar-sehá  por  estimativa  nas  regiões 
em  que  não  se  proceda  ao  arrolamento  para  o  pagamento  do  imposto  de 
cubata. 

Art.  6.°  Com  os  elementos  colhidos  pela  forma  estabelecida  nos  artigos 
anteriores  elaborarão  as  autoridades  administrativas  os  mapas  do  recen- 
seamento da  população  indígena,  conforme  o  modelo  junto,  e  enviá-lo 
hão  para  a  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  até  31  de  Janeiro  de  cada 
ano. 


656 


POPULAÇÕES    INDÍGENAS 


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Na  área  da  Circunscrição 


Fora  da  Província 


Na  área  da  Circunscrição 


Ausentes  na  Provincia 


Fora  da  Provincia 


Varões 


Fêmeas 


Varõe? 


Fêmeas 


Varões 


Fêmeas 


Densidade  da  população 


Bovino 


Lanígero 


Caprino 


Suino 


Cavalar 


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Asinino 


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VI 


PROJECTO  REGULANDO  O  EXERCÍCIO  DO  DIREITO 
DE  PETIÇÃO  POR  ESCRITO 

(Procuradores  indígenas) 

Art.  l.°  Para  escrever  e  assinar,  em  nome  ou  a  rogo  de  indígenas, 
reclamações,  queixas,  petições  ou  qualquer  exposição,  dirigida  às  autori- 
dades ou  instâncias  oficiais,  só  são  competentes : 

1.°  Aqueles  que  legalmente  podem  fazê-lo,  pela  sua  qualidade  de 
advogados  ou  solicitadores ; 

2.°  Os  procuradores  de  indígenas. 

Art.  2.°  Ninguém  poderá  ser  procurador  de  indígenas  sem  uma  licença 
especial  passada  pela  autoridade  competente. 

Art.  3.°  As  licenças  de  procuradores  de  indígenas  são  da  competên- 
cia dos  administradores  do  concelho,  circunscrições  civis  ou  capitães- 
móres. 

Art.  4.°  Todo  aquele  que  deseje  obter  licença  de  procurador  de  indí- 
genas deverá  requerê-la  à  autoridade  competente  de  concelho,  circunscri- 
ção ou  capitania-mór,  onde  deseja  exercer  o  seu  mister. 

Art  5.°  As  autoridades  competentes  para  passarem  licenças  de  pro- 
curadores de  indígenas,  só  as  concederão,  quando  reconheçam  que  os 
requerentes  são  de  comprovada  moralidade  e  honestidade  e  possuam 
instrução  necessária  para  exercerem  o  seu  mister. 

Art.  6.°  Para  averiguar  das  condições  dos  requerentes  empregarão 
as  autoridades  os  meios  .que  entenderem  convenientes,  podendo  sempre 
recusar  qualquer  licença  sem  obrigação  de  justificar  o  motivo  da  recusa, 
bem  assim  como  poderão  cancelar  as  licenças  que  hajam  concedido. 

Art.  7.°  Por  cada  licença  de  procuradores  de  indígenas  cobrar-se  há 
uma  taxa  de  cinco  escudos,  paga  na  Fazenda  por  meio  de  guia  passada 
pela  autoridade  que  a  concede. 

Art.  8.°  As  licenças  de  procuradores  de  indígenas  são  pessoais  e  in- 
transmissíveis  e  terminaram  em  31  de  Dezembro  do  ano  em  que  foram 
concedidas. 

Art.  9.°  Nas  administrações  dos  concelhos,  circunscrições  ou  capita - 
nias-móres,  far-se  há  um  registo  das  licenças  de  procuradores  de  indíge- 
nas, de  onde  conste  o  nome,  a  morada,  o  estado  e  profissão  do  titular  da 
licença,  e  a  sua  assinatura. 


658  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Art.  10.*  O  número  de  procuradores  de  indígenas  de  cada  concelho, 
circunscrição  ou  capitania-mór  não  poderá  exceder  a  10. 

Art.  11.°  As  reclamações,  queixas,  petições  ou  exposições  escritas  e 
assinadas,  em  nome  ou  a  rogo  de  indígenas,  que  não  sejam  dirigidas 
às  autoridades  ou  entidades  oficiais  da  divisão  administrativa  em  que  a 
licença  é  válida,  transitarão  pelos  administradores  do  concelho,  circuns- 
crição ou  capitães-móres,  que  devidamente  informadas  as  farão  seguir 
o  seu  destino. 

Art  13.°  As  reclamações,  queixas,  petições  ou  exposições  escritas  e 
assinadas,  em  nome  ou  a  rogo  de  indígenas,  não  serão  recebidas  sem 
que  venham  autenticadas  pela  impressão  digital  do  polegar  esquerdo  dos 
indígenas  interessados. 

Art.  14.°  E  lícito  aos  procuradores  dos  indígenas  receberem  uma  re- 
muneração pelos  serviços  prestados  no  exercício  do  seu  mister,  a  qual 
não  poderá  exceder  a  $50  pela  primeira  lauda  escrita  e  $20  por  cada  uma 
das  outras. 

Art.  15.°  Os  procuradores  de  indígenas  são  obrigados  a  assinar  os 
escritos  que,  em  nome  ou  a  rogo  de  indígenas,  fizerem,  bem  asssim  como 
a  explicar  claramente  o  texto  dos  mesmos  escritos  aos  seus  clientes. 

Art.  16.°  Á  margem  daqueles  escritos  constará  a  quantia  recebida 
como  remuneração  dos  serviços  prestados. 

Art.  17.°  Toda  e  qualquer  infracção  ao  disposto  neste  diploma  por 
parte  dos  procuradores  de  indígenas,  será  punida  com  a  multa  de  um  a 
cinco  escudos,  podendo  ser-lhe  caçada  a  licença  se  a  autoridade  que  a 
concedeu  assim  o  julgar  conveniente. 

Art.  18.°  Aquele  que  escrever  e  assinar,  em  nome  ou  a  rogo  de  indí- 
genas, qualquer  reclamação,  queixa,  petição  ou  exposição,  dirigida  às 
autoridades  ou  entidades  oficiais,  etn  contravenção  do  disposto  nos 
artt.  l.°  e  2.°  deste  diploma,  será  punido  com  a  multa  de  cinco  a  vinte 
escudos. 

PROVÍNCIA  DE  ANGOLA 

Concelho,  Circunscrição  ou  Capitania- mór  de . .  . 

LICENÇA  DE  PROCURADOR  DE  INDÍGENAS 

Estando. . .  nas  condições  de  obter  licença  de  procurador  de  indígenas, 
nos  termos  do . . .  de.  . .  hei  por  conveniente  passar-lhe  a  presente  licença 
válida  desde. . .  de.   .  até  31  de  Dezembro  de  191    . . 

...,  ...  de...  de  191... 

Assinatura  do  titular  da  licença 

Administrador  do  Concelho,  Circunscrição 
ou  Capitão -mór, 


VII 


PROJECTO  REGULANDO  A  ORGANIZAÇÃO  POLITICA 

INDÍGENA 


Art.  l.°  São  considerados  como  autoridades  gentílicas  os  sobas,  so- 
betas,  séculos,  macotas,  mucuruntos,  lengas  e  similares  exercendo  as 
suas  funções  com  o  consentimento  expresso  das  autoridades  administra- 
tivas. 

Art.  2.°  São  reconhecidos  e  considerados  como  Conselhos  Gentílicos 
as  corporações  de  sobetas1,  séculos,  macotas  e  similares,  a  quem,  segundo 
as  tradições  indígenas,  cabe,  colectivamente,  as  resoluções  de  diversos 
assuntos  de  interesse  das  populações  indígenas. 

Art.  3.°  Nos  termos  do  artigo  5.°  do  Estatuto  Civil  e  Político  dos 
Indígenas  são  mantidas  todas  as  autoridades  e  Conselhos  Gentílicos  e 
permitidos  e  respeitados  todos  os  usos  e  costumes  das  organizações  polí- 
ticas indígenas  que  não  sejam  contrárias  às  disposições  legais  e  aos 
princípios  de  humanidade. 

Art.  4.°  A  autoridade  gentílica  somente  se  exerce  sobre  os  indivíduos 
compreendidos  na  categoria  de  indígenas  definida  pelo  Estatuto  Civil  e 
Político  dos  indígenas. 

Art.  5.°  Os  indígenas  das  diferentes  circunscrições  administrativas 
da  província,  quer  se  achem  nas  localidades  a  que  pertencem,  quer  fora 
delas  por  efeito  de  contracto  para  trabalho  por  período  certo  de  tempo, 
ou  por  qualquer  outra  circunstância  que  implique  regresso  à  sua  residên- 
cia usual,  estão,  para  os  efeitos  da  subordinação  à  autoridade  gentílica, 
repartidos  por  sobados. 

Art.  6.°  Entende-se  por  sobado  uma  povoação  ou  agrupamento  de 
povoações  obedecendo  a  um  chefe  indígena,  quando  dessa  relação  de 
obediência  seja  confirmada  pela  tradição  e  à  autoridade  administrativa 
convenha  mantê-la. 

Art.  7.°  Os  limites  territoriais  dos  sobados  são  fixados  pelo  adminis- 
trador da  circunscrição,  mediante  a  informação  dos  chefes  dos  postos 
e  ouvidos  os  conselhos  gentílicos  dos  sobados  limítrofes. 

§  único.  Na  delimitação  da  área  dos  postos  ter-se  há  em  vista  que 
o  mesmo  sobado  fique  inteiramente  incluído  na  área  de  um  posto. 

Art.  8.°  Todos  os  indígenas  que  residam  habitualmente  no  sobado  e 
que  nele  venham  a  estabelecer-se  consideram-se  como  fazendo  parte  desse 


660  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

sobado  e  estão  para  todos  os  efeito  sujeitos  à  autoridade  do  respectivo 
soba. 

§  único.  Exceptuam-se  desta  disposição  os  indígenas  empregados  pelo 
Governo  ou  por  casas  particulares  mediante  contracto  efectuado  nos  ter- 
mos da  lei  emquanto  dure  o  serviço  ou  seja  válido  o  contracto. 

Art.  9.°  Cada  sobado  fica  sujeito  á  autoridade  de  um  único  chefe  indí- 
gena, o  soba  ou  sobeta,  directamente  subordinado  ao  administrador  do 
concelho,  circunscrição  ou  capitania-mór,  que  lhe  transmitirá  as  suas 
ordens  directamente  ou  por  intermédio  do  chefe  do  posto  respectivo. 

Art.  10.°  Entre  os  sobas,  sobetas,  macotas  e  similares  serão  mantidas 
as  relações  de  subordinação  e  uso  das  funções  que  pela  tradição  lhes 
competem,  de  harmonia  com  os  princípios  estabelecidos  neste  diploma. 

Art.  11.°  Quando  a  extensão  territorial  do  sobado  seja  demasiado 
grande,  mantem-se  virtual  a  influência  do  soba  relativamente  a  todo  êle, 
e  dá-se  aos  sobas  subordinados  ou  aos  sobetas,  a  influência  actual,  tal 
como  é  definida  pelo  presente  diploma  também  aplicável  aos  sub-so- 
bados  e  aos  sobetas  da  mesma  forma  que  o  é  aos  sobados  e  sobas. 

Art  12.°  Quando  em  qualquer  sobado  se  tenha  extinguido  a  organi- 
zação política  indígena  devido  à  influência  da  autoridade  dominadora, 
à  disseminação  do  povo  que  habitava  a  região,  a  heterogeneidade  étnica 
da  população  indígena  que  ali  esteja  estabelecida,  ou  a  qualquer  outro 
motivo,  as  autoridades  administrativas  deverão  procurar  restabelecer 
aquela  organização,  orientando-se  para  este  fim,  com  os  melhores  ele- 
mentos que  poderam  obter  acerca  de  quem  por  direito,  tradição  ou  con- 
veniência política  deva  assumir  a  chefia  do  sobado  e  constituir  o  conselho 
gentílico. 

§  único.  Na  restauração  dos  sobados  extintos  a  autoridade  adminis- 
trativa, intervirá  por  forma  a  conseguir  que  a  organização  política  esta- 
belecida se  harmonise  o  melhor  possível  com  os  usos  e  costumes  da 
maioria  da  população  e  porá  especial  cuidado  para  que  todos  se  submetam 
às  autoridades  gentílicas  nomeadas. 

Art.  13.°  As  autoridades  administrativas  deverão  respeitar  quanto 
possível  as  regras  consuetudinárias  e  as  tradições  dos  povos  na  investi- 
dura dos  sobas  e  outras  autoridades  gentílicas^  assistindo  lhe  porém  a 
faculdade  de  se  oporem  a  ela,  quando  assim  seja  necessário  à  sua  acção 
administrativa. 

Art.  14.°  Os  administradores  do  concelho,  circunscrição  ou  capitães- 
móres  quando  julguem  prejudicial  a  investidura  ou  a  continuação  em 
exercício  de  determinado  indígena  nas  funções  de  soba  ou  outra  autori- 
dade gentílica,  farão  reunir  o  conselho  gentílico  do  respectivo  sobado,  ao 
qual  lembrarão  a  escolha  de  outros  indivíduos  para  o  exercício  daquela  s 
funções,  de  acordo  com  o  sentimento  da  população  do  sobado  e  interesse  s 
administrativos,  e  só  quando  por  este  meio  não  conseguirem  que  as  fun- 
ções sejam  atribuídas  a  indivíduo  competente,  poderão  escolhê-lo  segundo 
o  seu  critério. 

Art.  15.°  Nenhuma  autoridade  gentílica  poderá  exercer  as  suas  fun- 
ções sem  que  a  sua  escolha  ou  eleição  seja  aprovada  pelo  administrador 
da  circunscrição  e  sem  que,  perante  a  mesma  autoridade  administrativa 
tome  posse  e  preste  as  suas  declarações  de  honra. 


BE  ANGOLA  661 

Art.  16.°  No  acto  da  posse  será  organizado  o  registo  biográfico  dos 
nomeados  conforme  o  modelo  anexo  ao  presente  regulamento. 

§  único.  Um  duplicado  deste  registo  será  enviado  à  Secretaria  dos 
Negócios  Indígenas. 

Art.  17.°  A  nomeação  dos  sobas  será  confirmada  pelos  administrado- 
res um  ano  depois  da  sua  nomeação  provisória  e  a  das  outras  autoridades 
gentílicas  após  seis  meses,  devendo,  nesta  ocasião,  ser-lhes  entregue  o 
competente  alvará. 

Art.  18.°  A  confirmação  dos  sobas  será  comunicada  à  Secretaria  dos 
Negócios  Indígenas  para  ser  publicada  no  Boletim  Oficial. 

Art.  19.°  Os  sobas  e  sobetas  teem  direito  a  uma  percentagem  sobre  a 
cobrança  do  imposto  de  cubata,  quando  nela  intervenham  prestando 
o  seu  auxílio  ao  arrolamento  e  cobrança  e  a  outras  importâncias  ou 
emolumentos  que  lhes  sejam  atribuídas  pelas  leis  e  regulamentos  em 
vigor. 

§  1.°  As  autoridades  administrativas  poderão  determinar  que  uma 
parte  das  percentagens  ou  emolumentos  atribuídos  ao  soba  seja  equitati- 
vamente distribuída  pelas  autoridades  gentílicas  suas  subordinadas. 

§  2.°  Podem  também  ser  abonadas  gratificações  a  qualquer  autori- 
dade gentílica  por  serviços  prestados  não  excedendo  porém  a  60100 
em  cada  ano.  Estas  gratificações  serão  pagas  pelo  fundo  das  circuns- 
crições mediante  proposta  do  administrador,  autorizada  pelo  governo 
do  distrito. 

Art.  20.°  Será  concedida  passagem  gratuita  em  caminhos  de  ferro  ou 
a  bordo  de  qualquer  navio  para  o  soba  e  para  um  dos  macotas  que  o 
acompanhar,  sempre  que  por  ordem  da  autoridade  administrativa  tenha 
de  deslocar-se  em  objecto  de  interesse  público  entre  localidades  servidas 
por  aquelas  vias  de  comunicação. 

Art.  21.°  É  garantido  aos  sobas  e  outras  autoridades  gentílicas  a 
ocupação  provisória  e  usufruto  de  terrenos  do  Estado  que,  segundo  as 
suas  tradições,  constituem  os  chamados  bens  do  governo  do  sobado. 

§  único.  Para  garantia  da  ocupação  provisória  serão  os  terrenos 
demarcados  pelos  funcionários  dos  serviços  de  agrimensura  ou  adminis- 
trativos e  gratuitamente  titulados  pelo  respectivo  administrador,  em 
favor  do  Bobado  ou  sub-divisão  deste. 

Art.  22.°  A  área  máxima  a  conceder  nos  termos  do  artigo  anterior 
será  de  vinte  hectares  para  usufruto  do  soba,  dez  para  o  sobeta  e  cinco 
para  usufruto  de  cada  macota,  século  ou  similar. 

Art.  23.°  Os  filhos  dos  sobas  e  sobetas,  assim  como  as  suas  mulheres 
são  isentos  da  obrigatoriedade  na  prestação  de  serviços  a  que  se  refere  o 
artigo. 

Art.  24.°  São  deveres  dos  sobas  e  sobetas :  \/ 

1.°  Obedecer  e  fazer  com  que  os  povos  sob  a  sua  jurisdição  obedeçam 
às  autoridades  administrativas  da  circunscrição  a  que  pertencem. 

2.°  Tornar  públicas  no  sobado  as  determinações  e  avisos  da  autori- 
dade administrativa,  vigiar  sob  a  sua  observância  e  comunicar  às  mesmas 
autoridades  as  faltas  que  se  derem  levando  também  ao  seu  conhecimento 
os  pedidos,  reclamações  ou  queixas  que  sobre  as  mesmas  determinações 
fizerem  os  habitantes  do  sobado. 


662  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

3.°  Auxiliar  a  autoridade  a  que  estejam  subordinados,  na  execução 
dos  seguintes  serviços : 

a)  organização  de  recenseamentos ; 

b)  arrolamento,  e  cobrança  de  imposto; 

c)  recrutamento  de  trabalhadores ; 

d)  recrutamento  militar; 

4.°  Fazer  nos  termos  do  regulamento  do  Registo  do  Estado  Civil 
dos  Indígenas  as  devidas  participações  à  autoridade  competente. 

5.°  Conservar  sempre  abertos  e  limpos  os  caminhos,  pontes,  poços 
e  cacimbas  do  seu  sobado. 

6.°  Vigiar  pela  conservação  das  estradas,  pontes,  linhas  telegráficas 
e  outras  obras  do  Estado  impedindo  que  por  incúria  ou  maldade  sejam 
danificadas  e  comunicando  à  autoridade  administrativa  imediatamente 
qualquer  dano  ou  desarranjo  motivado  for  propósito  ou  caso  fortuito. 

7.°  Comunicar  à  autoridade  administrativa  todos  os  acontecimentos 
de  importância  que  ocorrerem  no  sobado  e  que  interessem  e  demandem 
a  intervenção  da  autoridade,  tais  como  calamidades  públicas,  desloca- 
mento de  populações  em  massa,  incursões  de  outros  povos,  tentativas  de 
rebelião,  etc. 

8.°  Auxiliar  e  proteger  os  indígenas  sujeitos  à  sua  jurisdição  man- 
tendo a  ordem  e  a  tranquilidade  da  população. 

9.°  Fazer  a  polícia  do  sobado  denunciando  e  capturando  de  motu  pró- 
prio, ou  a  pedido  da  autoridade  administrativa,  para  serem  presentes  a  esta: 

a)  os  desobedientes  aos  mandados  e  determinações  da  autoridade; 

b)  os  desordeiros ; 

c)  os  ociosos  e  vadios  que  não  cumpram  por  qualquer  forma  a  sua 
obrigação  de  trabalho. 

d)  os  serviçais  fugidos  do  local  onde  estavam  prestando  serviços; 

é)  os  indígenas  de  fora  da  circunscrição  que  transitem  pelo  seu 
sobado  sem  estarem  munidos  da  competente  guia  ; 

f)  os  transgressores  das  disposições  sobre  uso  e  porte  de  armas, 
caça,  corte  de  madeiras  e  outros  regulamentos  em  vigor; 

g)  os  desertores. 

h)  os  condenados  evadidos  do  logar  em  que  estavam  cumprindo  a 
condenação ; 

i)    quaisquer  outros  reconhecidos  ou  supostos  criminosos. 

10.°  Auxiliar  a  autoridade  administrativa  na  manutenção  da  ordem 
e  polícia  da  região  e  em  tudo  o  mais  que  seja  necessário  e  comunicar-lhe 
todos  os  delitos  ou  crimes  de  que  tenham  conhecimento. 

Art.  25.°  Os  sobas  e  sobetas  são  auxiliados  pelas  autoridades  gentí- 
licas que  lhe  estiverem  subordinadas,  competindo  a  estas  autoridades 
dentro  das  sub-divisões  do  sobado  sujeitas  à  sua  autoridade  as  mesmas 
obrigações  que  por  este  diploma  competem  aos  sobas. 

Art.  26.°  Para  execução  dos  trabalhos  públicos  a  cargo  dos  sobados 
devem  as  autoridades  gentílicas  empregar  a  população  por  forma  que, 
durante  cada  ano,  a  tarefa  imposta  aos  indígenas  seja  equitativamente 
repartida  por  todos  eles,  sendo  permitido  o  emprego  das  mulheres  e  dos 
menores  nos  serviços  menos  violentos  tais  como  limpeza  de  povoados  e 
caminhos. 


DE  ANGOLA  663 


Art.  27.°  Nenhum  indígena  poderá  ser  forçado  a  trabalhar  nos  termos 
do  artigo  anterior  mais  do  que  vinte  e  quatro  dias  em  cada  ano  civil, 
salvo  em  casos  de  calamidade  pública. 

Art.  28.°  A  não  ser  por  ordem  da  autoridade  ou  em  serviço  desta, 
nenhum  indígena  poderá  ausentar-se  por  mais  de  trinta  dias  para  fora 
do  sobado  ou  por  qualquer  tempo  para  fora  da  circunscrição  administra- 
tiva a  que  pertencer,  sem  se  munir  de  uma  guia  de  desembaraço  que  lhe 
poderá  ser  negada  quando  a  autoridade  tenha  razões  para  isso. 

§  único.  A  transgressão  do  disposto  neste  artigo  será  punida  com  a 
multa  de  um  a  três  escudos. 

Art.  29.°  Pela  guia  de  desembaraço  pagarão  os  indígenas  a  impor- 
tância de  $10  que  será  dividida  em  duas  partes,  pertencendo  uma  à 
autoridade  gentílica  da  residência  do  indígena  e  outra  à  autoridade  que 
a  passar. 

§  1.°  As  guias  de  desembaraço  podem  ser  colectivas  e  neste  caso  a 
importância  a  cobrar  será  de  $05  por  cada  indígena  adulto  quando  nelas 
sejam  incluídos  três  ou  maior  número. 

§  2.°  Nenhuma  importância  será  cobrada  pelas  guias  com  que  os 
indígenas  hajam  de  regressar  de  qualquer  local  ao  seu  sobado. 

Art.  30.°  A  falta  de  cumprimento  nas  obrigações  impostas  por  este 
diploma  às  autoridades  gentílicas  será  punida :  com  a  multa  de  um  a 
vinte  escudos  ou  com  prisão  até  sessenta  dias. 

§  único.  A  reincidência  sem  manifestação  de  tendência  para  correcção 
implica  a  destruição  da  autoridade  gentílica  e  pode  determinar  a  sua 
apresentação  ao  governador  do  distrito  para  lhe  dar  destino  conveniente, 
quando  a  autoridade  administrativa  reconhecer  que  é  prejudicial  à  ordem 
e  tranquilidade  da  região  a  permanência  ali  da  autoridade  gentílica 
destituída. 

Art.  31.°  É  expressamente  proibido  a  todas  as  autoridades  gentílicas: 

1.°  Cobrar  quaisquer  importâncias  a  título  de  imposto  em  seu  pro- 
veito ou  de  outrem,  sem  que  para  isso  estejam  legalmente  autorizadas. 

2.°  Servir-se  de  nome  da  autoridade  administrativa  sem  seu  prévio 
consentimento  para  o  con seguimento  de  qualquer  acto. 

3.°  Exercer  violências  e  extorsões  sobre  os  indígenas. 

§  único.  A  transgressão  do  disposto  neste  artigo  será  punida  com  a 
multa  de  cinco  a  cinco  enta  escudos  ou  com  prisão  até  seis  meses,  podendo 
qualquer  das  penas  aplicadas  ser  ou  não  seguida  da  destituição  nos 
termos  do  §  único  do  artt.  30.°,  mas  importando  sempre  a  reparação 
pecuniária  do  dano  ou  dolo  causado. 

Art.  32.°  As  multas  cominadas  neste  diploma  quando  não  sejam 
pagas  voluntariamente,  sem  outra  forma  de  processo  àlêm  da  sua  apli- 
cação e  passagem  da  respectiva  guia  em  papel  comum  e  sem  selos  para 
entrada  na  Fazenda  serão  impostas  em  processo  sumário  e  se  por  esta 
forma  não  forem  ainda  pagas  serão  substituídas  por  prisão  ou  trabalho 
correccional  equivalendo  um  dia  à  importância  de  $30. 

Art.  33.°  Os  administradores  e  capitães-móres  deverão  reunir  os  sobas 
e  sobetas  ao  menos  uma  vez  em  cada  ano,  na  sede  das  circunscrições  para 
ouvirem  as  suas  queixas  e  exposições  sobre  quaisquer  assuntos  e  para  09 
guiar  e  orientar  na  política  indígena  a  seguir. 


664  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

§  único.  Anualmente  as  mesmas  autoridades  deverão  enviar  ao  governo 
do  distrito  e  à  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  um  relatório  sobre  a 
política  indígena  da  área  das  suas  jurisdições. 

Art.  34.°  Ficam  por  este  diploma  revogadas  e  substituídas  as  dispo- 
sições do  capítulo  3.°  do  Regulamento  das  Circunscrições  Civis  em 
vigor. 


VIII 

PROJECTO 

DO  REGULAMENTO  DE  TRABALHO  DOS  INDÍGENAS 

NA  PROVÍNCIA  DE  ANGOLA 

CAPITULO  I 
Disposições  gerais 

Art.  l.°  É  livre  o  trabalho  dos  indígenas  em  todo  o  território  da  pro- 
víncia de  Angola. 

Art.  2.°  A  prestação  de  serviços  por  parte  dos  indígenas  da  província 
de  Angola  exige  sempre  um  contracto  nos  termos  deste  regulamento. 

Art.  3.°  Os  contractos  de  prestação  de  serviços  para  fora  da  província^ 
só  podem  ser  feitos  com  licença  do  Governo  da  Metrópole. 

§  único.  Serão  permitidos  os  contractos  de  prestação  de  serviços, 
nos  termos  deste  regulamento,  para  a  província  de  S.  Tomé  e  Príncipe, 
autorizado  pelo  decreto  n.°  951  de  14  de  outubro  de  1914,  e  para  a  Ro- 
désia do  Norte,  conforme  os  acordos  internacionais  de  4  e  31  de  Dezembro 
de  1912. 

Art.  4.°  A  emigração  dos  indígenas  de  Angola  para  a  metrópole,  para 
outras  colónias  portuguesas  ou  para  colónias  ou  países  estrangeiros,  só 
será  permitida  mediante  contracto  feito  nos  termos  dos  artigos  antece- 
dentes. 

Art.  5.°  O  Governador  Geral  proporá  ao  Governo  da  Metrópole,  sem- 
pre que  o  aconselhem  razões  políticas  ou  económicas,  a  proibição  tempo- 
rária da  emigração  de  indígenas  de  todo  ou  de  parte  do  território  da 
província  para  fora  da  mesma  província. 

§  único.  Compete  ao  Governador  Geral,  em  Conselho  do  Governo, 
proibir  a  emigração  de  uns  pontos  para  outros  dentro  da  província, 
sempre  que  o  aconselhem  razões  económicas,  de  saúde  pública  ou  de 
política  indígena. 

Art.  6.°  São  considerados  trabalhadores  indígenas  os  indígenas  que 
por  um  contracto  se  obriguem  à  prestação  de  trabalho  mediante  paga- 
mento de  um  salário. 

§  1.°  São  incluídos  nesta  categoria  os  indígenas  que  prestam  serviços 
domésticos,  serviços  marítimos  ou  de  pesca  e  de  cargas. 

43 


666  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

§  2.°  O  facto  de  qualquer  indivíduo  ou  entidade  ter  ao  seu  serviço 
um  indígena  confere  a  este  os  direitos  e  deveres  de  trabalhador  indígena. 

Art.  7.°  São  considerados  colonos  indígenas  os  indígenas  de  Angola 
que  dentro  da  província  contratarem  os  seus  serviços  para  cultivar  de 
conta  própria  terrenos  de  outrem,  por  concessão,  arrendamento  ou  a 
troco  de  prestação  de  serviço. 

CAPÍTULO  II 
Da  tutela  dos  trabalhadores  indígenas 

Art.  8.°  O  Estado  exerce  tutela  sobre  os  trabalhadores  e  colonos  indí- 
genas, nos  termos  deste  regulamento. 

Art.  9.°  A  tutela  a  que  se  refere  o  artigo  antecedente  é  exercida  pelo 
curador  geral  e  pelos  seus  agentes,  sob  a  superintendência  do  Governador 
Geral. 

Art.  10.°  Exerce  as  funções  de  curador  geral  na  província  o  secretário 
dos  negócios  indígenas. 

§  único.  Na  falta  ou  impedimento  do  secretário  dos  negócios  indígenas 
desempenhará  as  funções  do  curador  geral  o  funcionário  daquela  secre- 
taria que  o  substitue. 

Art.  11.°  São  agentes  do  curador  geral  na  província  de  Angola: 

1.°  Os  administradores  de  concelho; 

2.°  Os  administradores  de  circunscrição; 

3.°  os  capitães-móres. 

§  1.°  O  curador  geral  se  assim  o  entender  conveniente  para  o  serviço 
poderá  retirar  a  qualquer  dos  seus  agentes  todas  ou  parte  das  atribuições 
que  lhes  competirem  em  toda  ou  em  parte  da  área  da  sua  jurisdição, 
delegando-as  a  qualquer  funcionário  civil  ou  militar,  mediante  proposta 
apresentada  ao  Governador  Geral,  por  este  aprovada  em  portaria  publicada 
no  Boletim  Oficial. 

§  2.°  Os  agentes  do  curador  poderão,  por  conveniência  de  serviço, 
delegar  todas  ou  parte  das  suas  atribuições  em  qualquer  funcionário 
civil  ou  militar  da  área  da  sua  administração,  mediante  proposta 
aprovada  pelo  curador  geral  e  confirmada  pelo  Governador  Geral  em 
portaria  publicada  no  Boletim  Oficial. 

Art.  12.°  O  curador  geral  e  os  seus  agentes  são  os  protectores  natos 
dos  trabalhores  e  colonos  indígenas  contratados,  nos  termos  do  presente 
diploma,  com  ou  sem  intervenção  da  autoridade,  devendo,  sob  a  super- 
intendência do  Governador  Geral,  vigiar  e  fiscalizar  a  execução  dos  res- 
pectivos contractos. 

Art.  13.°  Não  poderá  ser  nomeado  curador  geral  ou  seu  agente  quem 
tiver  em  colónias  portuguesas  ou  estrangeiras  qualquer  exploração  agrí- 
cola ou  industrial  em  que  empreguem  trabalhadores  ou  colonos  indígenas. 

Art.  14.°  Compete  ao  curador  geral: 

1.°  Interferir  na  celebração  dos  contractos  de  prestações  de  serviços 
conforme  o  disposto  no  presente  regulamento; 

2.°  Fazer  sob  sua  responsabilidade,  com  que  as  condições  desses 
contractos  sejam  observados  escrupulosamente; 


DE  ANGOLA  667 

3.°  Opôr-se  à  celebração  dos  mesmos  contractos  quando  encontrar 
razões  pelas  quais  entenda  não  dever  aprova  los,  e  anular  aqueles  feitos 
sem  a  intervenção  da  autoridade,  quando  os  julgue  nas  mesmas  condições ; 
em  um  e  outro  caso  os  seus  despachos  serão  dados  com  fundamento, 
sujeitos  às  disposições  dos  artt.  21.°  e  22.°; 

4.°  Vigiar  por  si  e  pelos  seus  agentes,  que  lhes  estão  imediata  e. 
directamente  sujeitos,  que  os  contractos  sejam  fielmente  cumpridos  pelos 
patrões  e  trabalhadores  indígenas,  podendo  proceder  ou  mandar  proceder 
por  delegados  seus  às  investigações  que  julgar  necessárias; 

5.°  Receber  as  reclamações  e  queixas  que  com  relação  à  execução  dos 
contractos  de  prestação  de  serviços,  lhe  forem  feitas  e  proceder  nos  termos 
da  lei ; 

6.°  Retirar  a  aprovação  dada  aos  contractos  quando,  por  ofensa  das 
disposições  legais,  para  isso  haja  suficiente  motivo; 

7.°  Praticar  os  actos  necessários  para  fazer  executar  e  cumprir  todas 
as  disposições  protectoras  dos  trabalhadores  indígenas  contratados  e  para 
compelir  estes  ao  cumprimento  das  disposições  que  tomaram,  pelo  facto 
de  serem  contratados  os  seus  serviços; 

8.°  Publicar  anualmente  um  relatório  claro  e  conciso  de  onde  conste  o 
número  de  indígenas  contratados  e  todos  os  outros  detalhes  que  sejam 
necessários  para  que  se  possam  julgar  com  exactidão  do  movimento  dos 
trabalhadores  contratados; 

9.°  Julgar  e  punir,  em  processo  sumário,  todas  as  faltas  cometidas 
pelos  patrões  e  trabalhadores  indígenas,  contra  o  disposto  no  presente 
regulamento,  e  a  que  não  corresponde  pena  superior  a  multa  de  5.000$  ou 
a  seis  meses  de  prisão  correccional  ou  300  dias  de  trabalho  correccional,  e 
especialmente : 

1.°  Por  parte  dos  patrões  : 

a)  Falta  de  pagamento  dos  salários  ; 

b)  Detenção  forçada  dos  trabalhadores  indígenas  ; 

c)  Maus  tratos  infligidos  aos  trabalhadores  indígenas  a  que  não  cor- 
responde penalidade  superior  à  da  sua  competência; 

d)  Transgressão  das  obrigações  impostas  no  contracto  de  prestação  de 
serviços. 

2.°  Por  parte  dos  trabalhadores  indígenas : 

a)  Ausência  ilegítima  do  estabelecimento  de  trabalho; 

b)  Recusa  de  prestação  de  trabalho; 

c)  Desobediência  contínua  ou  insubordinação,  não  acompanhada  de 
agressão  ou  circunstâncias  a  que  corresponde  pena  superior  à  da  sua  al- 
çada; 

d)  Embriaguês  habitual,  prática  de  danos  e  vícios  de  maus  costumes 
inveterados. 

10.°  Expedir  directamente  para  os  agentes  do  curador  as  ordens  e  ins- 
truções que,  sobre  os  serviços  de  curadoria  entender  conveniente  para  a 
execução  dos  mesmos  serviços ; 

11.°  Desempenhar  todas  as  outras  atribuições  que,  pelo  presente  regu- 
lamento, lhe  compete  ou  pelo  governador  geral  lhe  forem  conferidas. 

Artigo  15.°  Compete  aos  agentes  do  curador : 

1.°  O  estabelecido  nos  n.os  1.°,  2.°,  3.°,  5.°,  6.°  e  7.°  do  artigo  anterior; 


668  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

2.°  Vigiar  que  os  contractos  sejam  fielmente  cumpridos  pelos  patrões  e 
trabalhadores  indígenas ; 

3.°  Julgar  e  punir,  em  processo  sumário,  todas  as  faltas  cometidas 
pelos  patrões,  trabalhadores  e  colonos  indígenas,  e  em  especial  os  indica- 
dos no  n.°  9  do  artigo  anterior,  a  que  não  corresponda  pena  superior  a 
seis  meses  de  prisão  correccional  ou  a  multa  de  590$  ou  cento  e  cincoenta 
dias  de  trabalho  correccional ;  - 

4.°  Desempenhar  todas  as  outras  atribuições  que  pelo  presente  regu- 
lamento lhes  competem,  bem  assim  como  as  ordens  e  instruções  que,  em 
serviço  de  curadoria,  pelo  curador  geral  lhes  forem  incumbidas. 
■  Art.  16.°  As  atribuições  protectoras  do  Ministério  Público,  com  relação 
aos  menores  de  dezoito  anos,  contratados  ou  que  se  queiram  contratar 
nos  termos  do  presente  regulamento,  serão  exercidas  pelo  curador  geral 
ou  por  delegação  deste,  pelos  seus  agentes. 

Art.  17.°  O  curador  geral,  por  si  ou  pelos  seus  agentes  poderá,  sempre 
que  o  entender  conveniente,  proceder  ou  mandar  proceder  à  inspecção  dos 
serviços  sujeitos  à  sua  autoridade. 

§  único.  O  curador  geral  quando  em  serviço  fora  da  capital  da  provín- 
cia, terá  direito  a  transporte  e  à  ajuda  de  custo  como  secretário  dos  ne- 
gócios indígenas. 

Art.  18.°  Quando  no  exercício  das  faculdades  que  lhe  são  confiadas,  o 
curador  geral  ou  seus  agentes  entenderem  por  bem  retirar  a  aprovação 
dada  aos  contractos,  procederão,  primeiro  a  todas  as  precisas  investi- 
gações, ouvindo  o  patrão  e  o  queixoso  ou  quem  o  represente,  podendo 
interrogar  ou  fazer  interrogar  testemunhas  e  reduzir  a  auto  o  seu 
depoimento. 

Art.  19.°  O  curador  e  seus  agentes  tem  o  direito  de  intimar,  por  via 
administrativa,  quaisquer  testemunhas  de  que  careçam  para  as  inves- 
tigações a  que  tenham  de  proceder,  a  comparecerem  no  local  e  hora 
designadas  na  intimação,  atendendo  sempre  às  distâncias  e  meios  de 
transporte. 

§  único.  Todo  aquele  que  depois  de  intimado  não  comparecer  no  local 
e  à  hora  que  lhe  foram  marcadas  será  punido,  pelo  curador  ou  seu  agente, 
nos  termos  do  art.  188.°  do  Código  Penal,  excepto  se  justificarem  a 
impossibilidade  da  comparência. 

Art.  20.°  O  curador  gerai  e  seus  agentes  não  podem  ser  impedidos  no 
exercício  das  funções  por  quaisquer  autoridades  que,  ao  contrário,  lhes 
prestarão,  nos  limites  das  suas  atribuições,  todo  o  auxílio  e  concurso  de 
que  careçam  no  exercício  do  seu  cargo. 

Art.  21.°  Das  decisões  dos  agentes  do  curador  ha  recurso  para  este. 
Das  decisões  do  curador  há  recurso  para  o  governador  geral,  em  Conselho 
de  Governo.  Da  decisão  do  Governador  Geral  não  ha  recurso  algum. 

Art.  22.°  O  Governador  Geral  pode  ordenar,  por  despacho  seu,  que 
quaisquer  negócios  resolvidos  pelo  curador  geral,  e  que  não  tenham  ca- 
rácter judicial,  subam  ao  seu  conhecimento  ;  a  resolução  que  sobre  eles 
houver  de  ser  tomada,  alterando  o  despacho  do  curador,  será  sempre  em 
Conselho  do  Governo. 

§  único.  Os  recursos  terão  efeito  suspensivo. 

Art.  23."  O  curador  geral  corresponde-se  directamente,  em  nome  do 


DE    ANGOLA  669 

Governador  Geral,  com  todas  as  autoridades  da  província  e  com  os  go- 
vernadores das  outras  províncias. 

Art.  24.°  A  Curadoria  Geral  da  Província  faz  parte  integrante  da 
Secretaria  dos  Negócios  Indígenas,  e  os  serviços  da  curadoria  serão  dis- 
tribuídos em  uma  ou  mais  secções  ao  pessoal  daquela  secretaria,  pelo 
Secretário  dos  Negócios  Indígenas. 

Art.  25.°  As  secretarias  dos  agentes  da  curadoria  funcionam  em  cada 
uma  das  sedes  dos  concelhos,  circunscrições  ou  capitanias-móres,  fazendo 
parte  integrante  destas  secretarias  salvo  o  caso  do  disposto  no  §  2.°  do 
art.  2.°,  que  funcionará  junto  da  repartição  do  funcionário  a  quem  foram 
dadas  as  atribuições  de  agente  de  curador. 

§  único.  Na  capital  da  província  não  funcionará  agente  da  curadoria 
junto  da  respectiva  administração  do  concelho  e  exercerá  as  funções  de 
agente  cio  curador  o  funcionário  da  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas, 
nomeado  nos  termos  do  §  1.°  do  art.  2.°. 

Art  °  26.°  As  despezas  dos  livros  e  expediente  da  Curadoria  Geral  e 
suas  agências  serão  pagas  pela  verba  fixada  nas  tabelas  orçamentais  para 
o  expediente  da  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas. 

Art.  27.°  Pelos  serviços  indicados  no  presente  regulamento  perceberão 
os  agentes  do  curador  uma  gratificação  anual  de  120$. 

Art.  28.°  Os  agentes  do  curador  em  serviço  da  Curadoria,  a  mais  de 
5  quilómetros  da  sede  da  sua  secretaria  terão  direito  a  uma  ajuda  de 
custo  de  2$  diários,  não  podendo  exceder  trezentos  dias  em  cada  ano  o 
número  total  dos  dias  de  ajuda  de  custo  para  todos  os  agentes  do  cura- 
dor da  Província. 

Art.  29.°  Nenhuma  ajuda  de  custo  poderá  ser  abonada  sem  que  os 
agentes  do  curador  que  a  ela  tiverem  direito,  apresentem  ao  curador  geral 
um  relatório  dos  serviços  de  curadoria  a  que  procederam,  e  sem  que  as 
respectivas  folhas  sejam  visadas  pelo  mesmo  curador. 

Art.  30.°  O  curador  geral  e  os  seus  agentes  não  poderão  receber  emo- 
lumento algum  por  qualquer  acto  que  pratiquem  no  exercício  das  suas 
funções,  sob  pena  de  demissão  do  cargo  que  acumularem  com  o  de  cura- 
doria. 

Art.  31.°  As  receitas  criadas  pelo  decreto  n.°  951  de  14  de  Outubro 
de  1914,  e  de  que  tratam  os  artt.  36.°,  70.°,  83.%  91.°  e  107  e  §  1.°  do  art.  40.° 
deste  regulamento,  serão  arrecadadas  pela  Secretaria  dos  Negócios  In- 
dígenas, e  constituirão  um  fundo  especial  à  ordem  do  Governador  Geral 
para  anualmente  serem  aplicadas  em  obras  de  fomento  e  de  assistência 
de  utilidade  imediata  para  os  indígenas  da  província,  atendendo  tanto 
quanto  possível  à  região  de  proveniência  das  receitas. 

§  1.°  Para  este  efeito  na  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  se  montará 
uma  escrita  por  partidas  dobradas  daquelas  receitas,  por  distritos. 

§  2.°  Os  agentes  do  curador  enviarão  mensalmente  para  o  curador 
geral  as  importâncias  cobradas  e  arrecadadas  provenientes  dos  artigos 
mencionados  acima,  acompanhadas  duma  conta  corrente  com  a  descrimi- 
nação das  diversas  receitas. 


670  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

CAPÍTULO  III 
Dos  agentes  e  sociedades  de  recrutamento 

SECÇÃO  i 
Dos  agentes  de  recrutamento 

Art.°  32.*  Para  o  recrutamento  de  trabalhadores  indígenas  que  se  des- 
tinem a  prestar  serviço  dentro  da  província,  são  competentes  : 

1.°  Os  patrões  quando  para  serviço  próprio; 

2.°  Os  agentes  de  recrutamento,  quando  para  serviço  doutrem; 

3.°  As  autoridades  administrativas,  quando  para  serviço  do  Estado. 

Art.  33.°  Para  o  recrutamento  de  trabalhadores  indígenas  que  se  des- 
tinem a  prestação  de  serviço  para  fora  da  província  são  só  competentes 
os  agentes  de  recrutamento. 

Art.  34.°  Ninguém  poderá  ser  agente  de  recrutamento,  ou  engajar 
trabalhadores  indígenas  para  serviço  próprio,  sem  ter  licença  de  enga- 
jador,  passada  pela  autoridade  competente. 

§  1.°  Exceptuam-se; 

1.°  Aqueles  que  contratem  trabalhadores  indígenas  para  o  seu  serviço 
caseiro  e  em  número  que  esteja  de  acordo  com  a  sua  posição  social; 

2.°  Aqueles  que  tenham  ou  giram  estabelecimentos  comerciais  e  que 
neles  não  empreguem  mais  de  dez  trabalhadores  indígenas ; 

3.°  Aqueles  que,  para  serviço  próprio  e  por  período  de  tempo  não 
superior  a  três  meses,  contratam,  no  estabelecimento  ou  propriedade  da 
prestação  de  serviço,  trabalhadores  indígenas  que  ali  venham  oferecer-se 
e  sobre  que  não  tenha  havido  operação  de  recrutamento. 

4.°  As  autoridades  administrativas  quando  disso  encarregadas. 

§  2.°  No  caso  dos  n.08  l.°  e  2.°  do  parágrafo  anterior,  os  indivíduos  a 
que  eles  se  referem  não  poderão  percorrer  a  província  para  engajar  tra- 
balhadores indígenas,  mas  tão  somente  fazê-lo  na  sua  casa,  estabeleci- 
mento ou  em  qualquer  local  onde  se  reunam  trabalhadores  para  serem 
contratados. 

Art.  35.°  Todo  aquele  que  desejar  obter  licença  para  recrutar,  seja 
para  serviço  próprio  seja  para  serviço  doutrem,  poderá  requerê-la  ao 
Governador  Geral  por  intermédio  do  secretário  dos  negócios  indígenas. 

§  1.°  O  requerimento  deverá  ser  acompanhado  dos  seguintes  docu- 
mentos: 

1.°  Certidão  de  registo  criminal; 

2.°  Certidão  de  bom  comportamento  passada  pela  autoridade  adminis- 
trativa da  área  onde  residir  ou  tenha  residido  nos  últimos  doze  meses ; 

3.°  Documento  mostrando  ter  depositado  na  Secretaria  dos  Negócios 
Indígenas  (modelo  A) ; 

a)  Para  recrutar  para  serviços  fora  da  província  1.000$  ; 

b)  Para  recrutar  para  serviços  dentro  da  província,  500$; 

c)  Sendo  o  recrutamento  feito  pelo  patrão,  20$  ; 

§  2.°  São  dispensados  de  depósitos  os  agentes  das  sociedades  de 
recrutamento  e  emigração. 


DE  ANGOLA  671 

Art.  36.°  Pelas  licenças  para  recrutar  pagarão  os  titulares,  no  acto  de 
a  receberem  : 

Para  recrutar  para  fora  da  província,  100$ ; 

Para  recrutar  para  dentro  da  província,  20$ ; 

Para  recrutar  para  serviço  próprio,  2$ ; 

§  1.°  A  licença  para  recrutar  é  válida  por  um  ano  e  pode  ser  renovada 
se  o  Governador  Geral  entender  que  o  titular  não  praticou  abusos  durante 
o  período  que  a  usou. 

§  2.°  Exceptuam-se  as  licenças  dos  agentes  das  sociedades  de  recruta- 
mento e  emigração,  que  serão  válidas  emquanto  o  Governador  Geral  não 
as  anular. 

Art.  37.°  Recebido  o  requerimento  pedindo  licença  de  recrutamento, 
o  Governador  Geral  mandará  proceder,  por  intermédio  da  Secretaria  dos 
Negócios  Indígenas,  a  um  inquérito  sobre  as  qualidades  morais  e  proce- 
dimento anterior  do  requerente  e  só  concederá  a  licença  (modelo  B) 
quando  se  convencer  do  seu  bom  comportamento  anterior  e  moralidade. 

Art.  38.°  Para  coadjuvar  os  agentes  de  recrutamento,  ou  os  patrões 
com  licença  para  engajar,  haverá  engajadores,  que  são  os  agentes  auxi- 
liares de  recrutamento,  quando  europeus,  e  auxiliares  especiais,  quando 
indígenas. 

v  Art.  39.°  O  pessoal  de  cada  agência  de  recrutamento  não  poderá 
exceder  :  um  agente,  três  engajadores  europeus  e  cincoenta  engajadores 
indígenas. 

Art.  40.°  As  licenças  dos  engajadores  são  dadas,  quando  europeus, 
pelo  curador  geral  (modelo  C)  sob  proposta  dos  agentes  de  recrutamento 
ou  dos  patrões  com  licença  de  recrutar,  quando  indígenas,  por  estes,  mas 
sancionadas  pelo  curador  geral  ou  seus  agentes  (modelo  D). 

§  1.°  Pelas  licenças  pagarão,  os  agentes  europeus  1$;  os  engajadores 
indígenas  $50. 

§  2.°  Os  agentes  de  recrutamento  ou  os  patrões  responsabilisar-se  hão 
por  serem  os  engajadores  pessoas  honestas  e  de  bons  costumes,  sendo 
punidos  nos  termos  deste  regulamento  em  caso  de  falsa  declaração. 

§  3.°  Os  agentes  do  curador  sempre  que  sancionem  a  nomeação  de 
engajadores  indígenas,  darão  conhecimento  pelo  primeiro  correio  ao 
curador  geral,  indicando  os  nomes  do  engajador  e  do  agente  do  recruta- 
mento ou  patrão  com  licença  para  recrutar  para  serviço  próprio  que  o 
nomeou. 

§  4.°  Nenhuma  outra  taxa  àlêm  das  fixadas  neste  artigo  poderá  ser 
imposta  aos  engajadores  e  agentes  de  recrutamento  de  trabalhadores 
indígenas. 

Art.  41.°  As  licenças  são  pessoais  e  intransmissíveis,  sendo  expres- 
samente proibido  ao  agente  do  recrutamento  ou  ao  engajador  o  fazer-se 
substituir  no  exercício  das  suas  funções  por  outra  pessoa,  sob  pena  de 
30$  a  150$  de  multa  e  prisão  correccional  de  um  a  seis  meses. 

Art.  42.°  A  renovação  da  licença  é  obrigatória  dentro  de  15  dias  que 
seguirem  ao  seu  termo,  sob  pena  da  perda  da  caução  depositada. 

§  único.  Quando  o  agente  do  recrutamento  não  queira  continuar  a 
exercer  o  mister  deverá,  dentro  dos  15  dias,  o  mais  tardar,  que  se  segui- 
rem ao  termo  da  sua   licença,    declará-lo   na   Secretaria   dos   Negócios 


672  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Indígenas,  sendo  a  declaração  acompanhada  das  licenças  válidas  dos 
engajadores  que  tenham  trabalhado  sob  a  sua  direcção. 

Art.  43.°  Aos  agentes  do  recrutamento  e  aos  seus  engajadores  é 
expressamente  proibido  encetar  o  recrutamento  sem  que  primeiro  se 
apresentem  aos  agentes  do  curador  das  regiões  onde  vão  operar  esse 
recrutamento. 

Art.  44.°  Em  caso  de  alteração  de  ordem  pública,  ou  outra  de  força 
maior,  o  governo  da  metrópole,  por  proposta  do  Governador  Geral,  pode 
suspender  o  exercício  de  todas  as  licenças  de  recrutamento  e  as  respec- 
tivas operações  em  toda  ou  em  determinadas  regiões  da  província,  sem 
que  os  agentes  e  seus  engajadores  tenham  direito  a  qualquer  indemnização. 

Art.  45.°  Tanto  o  Governador  Geral  como  o  curador  geral  e  os  seus 
agentes  poderão  recusar  a  nomeação  de  indivíduos  que  lhes  sejam  pro- 
postos para  agentes  e  engajadores,  sem  obrigação  de  justificarem  a  sua 
recusa,  assim  como  poderão  cancelar  as  nomeações  que  hajam  feito  sempre 
que  entendam  conveniente. 

Art.  46.°  Os  agentes  de  recrutamento  deverão  fazer  seguir  os  tra- 
balhadores indígenas  recrutados  para  a  sede  da  Curadoria  Geral  ou  dos 
agentes  desta  que  mais  próxima  ficar  do  local  das  suas  operações,  e  ali 
deverão  apresentá-los,  para  serem  celebrados  os  contractos,  nos  termos 
deste  regulamento. 

§  1.°  As  autoridades  darão  todas  as  facilidades  aos  agentes  de  recru- 
tamento e  aos  engajadores  destes,  e  verificarão  se  os  indígenas  recrutados 
são  devidamente  cuidados  e  bem  tratados. 

§  2.°  No  transporte  de  serviçais  recrutados  da  região  das  operações 
para  o  local  da  prestação  de  serviço,  aproveitar-se  há,  sempre  que  haja 
caminho  de  ferro  ou  navegação  fluvial  ou  marítima. 

§  3.°  Nos  caminhos  que  os  indígenas  recrutados  hajam  a  seguir 
deverão  os  agentes  ter  acampamentos  devidamente  formados  onde  os 
mesmos  possam  pernoitar  e  receber  a  necessária  alimentação. 

§  4.°  No  caso  de  os  indígenas  serem  contratados  para  fora  da  província 
e  tenham  de  seguir  por  via  marítima,  deverá  haver,  em  localidade  pouco 
afastada  do  porto  de  embarque,  edifício  apropriado  para  os  receber  em- 
quanto  esperam  embarque  e  também  os  repatriados,  emquanto  não 
seguirem  para  as  suas  terras  ou  o  Governador  Geral  lhes  não  dá  o  devido 
destino,  nos  termos  do  presente  regulamento. 

§  5.°  As  despesas  de  alimentação  antes  do  embarque  e  as  despesas 
com  a  instalação  para  receber  os  indígenas  contratados  antes  do  embarque 
e  depois  da  repatriação,  correm  por  conta  do  agente. 

Art.  47.°  A  responsabilidade  dos  agentes  e  engajadores  cessa  desde 
que  os  trabalhadores  indígenas  sejam  entregues  ao  patrão  da  propriedade 
onde  tem  de  servir,  ou  a  bordo  dos  navios  em  que  seguem  viagem. 

Art.  48.°  É  proibido  aos  agentes  de  recrutamento  e  engajadores: 

1.°  Empregar  engajadores  indígenas  que  não  sejam  portugueses; 

2.°  Recrutar  indígenas  e  entregá-los  aos  patrões,  sem  que  previamente 
os  tenham  apresentado  aó  curador  ou  seus  agentes,  nos  termos  do 
artigo  47.°; 

3.°  Desviar  os  indígenas  do  destino  para  que  tinham  sido  contratados. 

Art.  49.°  Na  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  haverá  livros  de  registo 


< 


DE    ANGOLA  673 

dos  agentes  de  recrutamento  (modelo  E)  e  engajadores  europeus  (mo- 
delo F)  e  indígenas  (modelo  G),  nomeados  e  sancionados  na  província. 

§  único.  Na  secretaria  dos  agentes  de  curador  haverá  livros  de  registo 
dos  engajadores  indígenas  (modelo  G\  sancionados  pelos  respectivos 
agentes. 

SECÇÃO  II 

Das  sociedades  de  recrutamento 

Art.  50."  Os  agricultores,  industriais  e  comerciantes  da  província  po- 
derão organizar-se  em  sociedade  de  recrutamento  e  emigração,  a  fim  de 
recrutar  indígenas  na  província  ou  fora  da  província. 

§  único.  As  sociedades  de  recrutamento  ou  de  recrutamento  e  emigra- 
ção, constituir-se  hão  sob  a  forma  de  sociedades  anónimas,  e  os  lucros 
respectivos  constituirão  dois  fundos  de  reserva,  um  permanente  e  outro 
variável,  na  proporção  que  fôr  indicada  pela  respectiva  direcção  e  apro- 
vada pela  assembleia  geral. 

A  estas  sociedades  serão  aplicáveis  os  preceitos  dos  artt.  162.°  a  198.° 
do  Código  Comercial. 

Art.  51.°  As  sociedades  de  recrutamento  ou  de  recrutamento  e  emigra- 
ção serão  formadas  por  todos  os  agricultores,  industriais  e  comerciantes 
da  província  que  quizerem  utilizar-se  e  dela  possuam  uma  ou  mais  acções». 

§  único.  As  acções  das  sociedades  de  recrutamento  ou  de  recrutamento 
e  emigração  serão  sempre  nominativas. 

Art.  52.°  Não  poderá  haver  na  província  senão  uma  sociedade  de 
recrutamento  e  emigração. 

§  1.°  Caso  haja  uma  sociedade  de  recrutamento  e  emigração  autorizada 
pelo  governo  a  recrutar  dentro  da  província  para  serviços  a  prestar 
noutra  colónia  nenhum  outro  agente  de  emigração  para  essa  colónia  se 
poderá  entregar  ao  mesmo  mister,  salvo  acordo  feito  pela  referida  socie- 
dade. 

§  2.°  Os  serviçais  contratados  pelas  sociedades  de  recrutamento  e  emi- 
gração, serão  sempre  distribuídos  em  rateio,  com  a  mais  absoluta  impar- 
cialidade conforme  fôr  regulamentado  pelo  governador  da  colónia  de 
destino. 

§  3.°  Aos  agentes  das  sociedades  de  recrutamento  e  emigração  que 
angariarem  para  particulares,  ou  que  procurem  favorecer  uns  agricultores 
em  prejuízo  de  outros,  será  anulada  a  licença  e  serão  punidos  com  multa 
ou  prisão,  nos  termos  do  presente  regulamento. 

Art.  53.°  As  sociedades  de  recrutamento  ou  de  recrutamento  e  emigra- 
ção nomearão  um  representante  e  um  agente  geral  de  recrutamento,  que 
deverão  ser  indivíduos  de  comprovada  honestidade  e  moralidade  ;  o  agente 
geral  só  poderá  exercer  o  seu  cargo  cora  aprovação  do  Governador  Geral. 
Quando  as  sociedades  o  entenderem  conveniente,  os  dois  cargos  podem 
ser  exercidos  pelo  mesmo  indivíduo. 

§  único.  Para  efectuar  o  recrutamento  haverá  os  necessários  agentes, 
de  nomeação  do  agente  geral,  e  que  só  poderão  entrar  em  exercício  quando 
as  suas  nomeações  forem  aprovadas  pelo  Governador  Geral. 

Art.  54.°  O  agente  geral  e  mais  agentes,  bem  como  os  engajadores 
europeus  e  indígenas,  ficarão  sujeitos  às  disposições  da  l.a   secção  do 


674  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

presente  capítulo  que  não  se  encontrar  em  oposição  com  as  da  presente 
secção. 

Art.  55.°  As  verbas  a  depositar  na  sociedade  de  recrutamento  e  emi- 
gração para  satisfazer  as  despesas  de  recrutamento  de  cada  serviçal  para 
patrões  cujos  estabelecimentos  estejam  situados  dentro  do  mesmo  con- 
celho, circunscrição  civil  ou  capitania-mór,  serão  as  mesmas  para  todos 
os  patrões,  podendo,  porem,  a  sociedade  fixar  uma  localidade  onde  aqueles 
deverão  tomar  conta  dos  trabalhadores  indígenas  contratados. 

CAPÍTULO  IV 
Dos  contractos  de  prestação  de  serviços 

SECÇÃO  I 
Disposições  gerais 

Art.  56.°  Os  indígenas  da  província  de  Angola  teem  o  direito  de  con- 
tratarem livremente  os  seus  serviços. 

Art.  57.°  O  Govêrno~não  intervêm  nos  contractos  de  prestação  de  ser- 
viços, a  não  ser  para  manter  a  liberdade  do  indígena  de  contratar  os  seus 
serviços  com  quem  entender,  para  fiscalizar  o  cumprimento  dos  contractos 
com  êle  feito  e  para  exercer  a  tutoria  de  que  aquele  carece,  pelo  seu  atra- 
zado  estado  de  civilização. 

Art.  58.°  Os  contractos  de  prestações  de  serviços  de  trabalhadores  e 
colonos  indígenas  e  a  sua  execução,  são  sujeitos  à  interferência,  vigilância 
e  fiscalização  do  Governador  Geral,  curador  geral  e  agentes  deste. 

Art.  59.°  Para  os  efeitos  dos  contractos  de  trabalho  é  aplicável  o  disposto 
no  Código  Civil  Português,  sobre  os  contractos  de  prestação  de  serviços 
em  tudo  que  não  vá  de  encontro  ao  estabelecido  no  presente  regulamento. 

Art.  60.°  As  únicas  autoridades  competentes  para  intervir  na  celebração 
dos  contractos  são  o  curador  geral  e  os  seus  agentes. 

Art.  61.°  Os  contractos  de  prestação  de  serviços  podem  ser : 

1.°  Só  para  prestação  de  trabalho; 

2.°  Para  prestação  de  trabalho  e  colonização  por  ocupação  de  terras  na 
posse  do  patrão; 

3.°  Só  para  colonização  por  ocupação  de  terras  na  posse  dos  patrões. 

§  único.  Os  contractos  para  prestação  de  trabalhos  podem  ser : 

1.°  Para  servir  na  colónia; 

2.°  Para  servir  fora  da  colónia. 

Art.  62.°  Os  contractos  de  prestação  de  serviços  podem  estipular  como 
remuneração : 

1.°  Salário; 

2.°  Salário  e  sustento,  podendo  este  ser  fornecido  em  géneros  ou  em 
dinheiro ; 

3.°  Salário,  sustento  e  vestuário. 

§  único.  O  salário  será  sempre  pago  em  dinheiro. 

Art.  63.°  Não  poderão  ser  contratados  para  prestação  de  serviços  os 
indígenas  com  menos  de  catorze  anos,  podendo,  porem,  acompanhar  os 


DE  ANGOLA  675 

seus  pais  contratados ;  entre  os  catorze  e  dezoito  anos  só  poderão  ser 
contratados  com  autorização  de  seu  pai  ou  de  sua  mãe,  ou  de  quem  sobre 
eles  exerça  tutela. 

Art.  64.°  Os  contractos  de  trabalho  das  mulheres  dos  trabalhadores  que 
os  acompanhem,  embora  a  união  seja  segundo  o  costume  gentílico,  serão 
lavrados  em  um  só  instrumento.  Da  mesma  forma  se  procederá  com 
relação  aos  filhos  e  sobrinhos  sucessores  entre  os  catorze  e  dezoito  anos 
que  os  acompanhem. 

Art.  65.°  Os  expostos  ou  abandonados,  menores  de  dezoito  anos,  ficam 
sujeitos  ao  que  a  seu  respeito  dispõe  o  Código  Civil  Português  nos  títulos 
respectivos,  e  o  presente  regulamento  no  que  respeita  aos  seus  contractos. 

SECÇÃO   II 
Dos  contractos  para  prestação  de  serviços  dentro  da  província 

Art.  66.°  Os  contractos  para  prestação  de  serviços  dentro  da  província, 
quando  não  se  trate  de  indígenas  recrutados  nas  condições  dos  n.os  1.°,  2.° 
e  3.°  do  §  Io  e  do  §  2.°  do  artigo  34.°,  serão  lavrados  em  impressos  segundo 
o  modelo  H,  contendo  as  principais  condições  do  contracto,  sendo  entregue 
ao  trabalhador  indígena  o  bilhete  de  identidade,  e  enviando  o  duplicado 
ao  curador  geral'  quando  entervier  no  contracto  algum  dos  seus  agentes. 

Art.  67.°  Os  contractos  para  prestação  de  serviços  dentro  da  província, 
quando  se  trate  de  indígenas  recrutados  nas  condições  dos  n.os  1.°,  2.° 
e  3.°  do  §  1.°  e  do  §  2.°  do  artigo  34.°,  poderão  ser  reduzidos  a  escrito  em 
triplicado  (modelo  I),  pelo  patrão  que  enviará  o  original  e  um  duplicado 
ao  curador  ou  agente  mais  próximo  e  as  taxas  correspondentes,  para 
este  os  sancionar  depois  de  verificar,  no  local  da  prestação  de' trabalho 
ou  mandando  vir  os  trabalhadores  à  sua  presença,  se  estes  compreen- 
deram todas  as  cláusulas  do  contracto  e  se  nelas  consentiram  livremente. 

§  único.  O  curador  ou  qualquer  dos  seus  agentes,  para  sancionar  os 
contractos,  poderão  deixar  de  proceder  à  verificação  indicada  neste  artigo, 
mas  ficarão  responsáveis  pela  veracidade  dos  contractos. 

Art.  68.°  O  curador  geral  e  os  seus  agentes  recusar-se  hão  a  lavrar  e 
a  sancionar  contractos  em  que  houver  preceitos  injustos  ou  imorais,  ou 
que  não  contiverem  condições  claras  e  expressas  regulando: 

1.°  O  período  não  superior  a  três  anos; 

2.°  A  natureza  do  serviço  ; 

3.°  A  retribuição  em  dinheiro,  com  ou  sem  alimentação  ou  vestuário; 

4.°  O  local  onde  o  serviço  deve  ser  prestado. 

Art.  69.°  São  nulos  os  contractos: 

1.°  Que  estipularem  prestação  de  serviços  por  mais  de  três  anos; 

2.°  Que  dispensarem  o  patrão  de  dar  ao  trabalhador  indígena  uma  re- 
tribuição certa  em  dinheiro ; 

3.°  Que  autorizarem  o  patrão  a  aplicar  ao  trabalhador  indígena  penas 
corporais. 

4.°  Que  inibirem  o  trabalhador  indígena  do  exercício  de  direitos  e  fa- 
culdades legais  ou  o  obriguem  a  actos  proibidos  por  lei ; 

5.°  Que  impuzerem  serviços  em  que  haja  perigo  manifesto  ou  dano 
considerável  para  quem  os  prestar; 


676  POPULAÇÕES   INDÍGENAS 

6.°  Que  não  estipularem  que,  terminado  o  contracto  de  prestação  de 
serviços,  o  trabalhador  indígena  seja,  à  custa  do  patrão,  transportado 
para  o  local  onde  foi  contratado; 

7.°  Que  contiverem  cláusulas  contra  as  disposições  do  presente  regu- 
lamento. 

Art.  70.°  Pelos  contractos  de  prestação  de  serviços,  cobrar-se  há,  àlêm 
de  $10  por  cada  contracto,  uma  taxa  de  $10  por  cada  mês  de  trabalho. 

Art.  71.°  Nenhuma  outra  taxa,  àlèm  da  fixada  no  artigo  anterior,  seja 
sob  que  pretexto  for,  quer  de  selos,  licenças  ou  impostos  de  qualquer 
natureza,  poderá  ser  lançada  sobre  os  patrões  que  contratam  serviçais, 
ou  sobre  os  serviçais  e  seus  contractos,  quer  directamente,  quer  por  inter- 
médio dos  agentes;  nem  poderá  ser  exigido  qualquer  documento  a  apre- 
sentar pelo  serviçal,  tal  como  folha  corrida,  desembaraço,  guia  ou  outro 
e  que  obrigue  este  ou  agente  de  recrutamento  ou  emigração  a  pagar 
qualquer  quantia. 

Art.  72.°  É  dever  do  patrão  para  com  o  trabalhador  indígena : 

1.°  Cumprir  escrupulosamente  todas  as  condições  do  contracto  de  pres- 
tação de  serviços  que  houver  feito; 

2.°  Não  exigir  dele  trabalho  superior  às  suas  forças; 

3.°  Tratar  ou  mandar  tratar  o  trabalhador  indígena  quando  estiver 
doente; 

4.°  Prover  à  subsistência  do  trabalhador  indígena  em  caso  de  crise 
alimentícia,  dispendendo  para  tal  fim  até  50%  do  salário  ajustado,  se  o 
contracto  não  estipular  alimentação ; 

5.°  Dar-lhe  alojamento  higiénico  ou  materiais  para  construir  a  sua  ha- 
bitação e  alimentação  saudável,  se  estiver  estipulado  alojá-lo  e  alimentá-lo; 

6.°  Abster-se  escrupulosamente  de  compeli-lo  por  meios  directos  ou 
indirectos  a  comprar-lhe  ou  a  comprar  a  agentes  seus  quaisquer  artigos 
de  que  êle  queira  prover-se; 

7.°  Não  lhe  reter  as  soldadas  ou  parte  delas,  sempre  que  forem  devidas, 
nem  apoderar-se  de  qualquer  valor  que  lhe  pertença,  sob  pretexto  algum ; 

8.°  Conservar  ao  seu  serviço  o  trabalhador  indígena  durante  o  período 
estipulado  no  contracto,  não  o  podendo  despedir,  contra  suavontade,  sem 
causa  justa; 

9.°  Apresentá-lo,  findo  o  contracto,  à  autoridade  que  o  tiver  contratado, 
sendo  as  despezas  de  transporte  pagas  pelo  patrão; 

10.°  Não  obstar  a  que  o  trabalhador  indígena  viva  com  a  sua  família 
no  local  do  trabalho; 

11.°  Estabelecer,  caso  o  exija  o  trabalhador  indígena,  uma  pensão  à 
sua  família,  que  será  descontada  do  salário  respectivo; 

12.°  Não  ceder  a  outrem  os  direitos  que  lhe  resultem  dos  contractos 
com  os  trabalhadores  indígenas,  sem  autorização  do  curador  geral  ou  dos 
seus  agentes  e  sem  consentimento  desses  trabalhadores; 

1S.°  Fornecer  aos  trabalhadores  indígenas  a  caderneta  de  trabalho  a 
que  se  refere  o  diploma  que  regula  a  repressão  da  ociosidade  e  vadia- 
gem. 

Art.  73.°  É  dever  do  trabalhador  indígena: 

1.°  Obedecer  às"  ordens  do  patrão  em  tudo  que  estiver  de  acordo  com 
as  prescrições  do  presente  regulamento; 


DE    ANGOLA  677 

2.°  Desempenhar  o  trabalho,  de  que  fôr  encarregado,  com  zelo  e  da 
melhor  forma  compatível  com  as  suas  forças  e  aptidões; 

3.°  Indemnizar  o  patrão  das  perdas  e  danos  que  causar  propositada- 
mente, por  desleixo  ou  incúria; 

4.°  Não  abandonar  o  serviço  sem  prévia  autorização  do  patrão. 

Art.  74.°  Os  trabalhadores  indígenas  não  podem  ser  obrigados  a  tra- 
balhar mais  de  nove  horas  úteis  por  dia  e  deverão  ter  quatro  dias  de 
repouso  por  mês,  sem  perda  dos  seus  salários,  sempre  que  forem  contra- 
tados para  fora  do  seu  domicílio. 

§  1.°  Não  se  considera  tempo  útil  de  trabalho  aquele  que  gasto  a  per- 
correr a  distância  entre  o  alojamento  dos  trabalhadores  e  o  local  do  serviço, 
contanto  que  esse  tempo  não  exceda  a  meia  hora  à  ida  e  meia  hora  para 
o  regresso. 

§  2.°  Os  trabalhadores  de  empreitada,  quando  os  haja,  serão  livremente 
ajustados  com  os  colonos  ou  trabalhadores  indígenas,  sem  quebra  todavia 
das  vantagens  estabelecidas  nos  primitivos  contractos,  e  que  os  patrões 
não  poderão  diminuir  por  este  meio. 

§  3.°  A  isenção  de  trabalho  nos  dias  de  descanço  não  exime  da  obri- 
gação de  serviço  para  o  tratamento  necessário  dos  gados  e  da  vida  habitual, 
e  ainda  para  o  salvamento  de  géneros  expostos  à  acção  do  tempo; 

Art.  75.°  A  prestação  de  serviço  entre  o  pôr  do  sol  e  o  nascer  do  sol 
será  paga  pelo  dobro  do  salário. 

Art.  76.°  Os  trabalhadores  indígenas  contratados  não  poderão  ser  trans- 
feridos pelo  respectivo  patrão  para  outro,  salvo  o  caso  do  contracto  ter 
sido  feito  em  nome  das  sociedades  de  recrutamento,  autorizadas  pelo  Go- 
verno, que  os  poderão  transferir  por  simples  declaração  do  representante 
ou  agente  geral  das  sociedades,  feita  no  respectivo  contracto,  por  uma 
única  vez,  e  só  quando  o  contracto  de  prestação  de  serviços  seja  feito  para 
dentro  da  província. 

§  único.  No  caso  do  estabelecimento  agrícola,  comercial  ou  industrial 
mudar  de  dono,  o  adquirente  assumirá  todas  as  responsabilidades  dos 
contractos  de  que  o  transmitente  haja  feito  com  os  seus  trabalhadores, 
caso  eles  o  consintam,  e  a  isso  anua  o  curador  geral,  fazendo-se  na  Cu- 
radoria Geral  os  respectivos  averbamentos  nos  contractos.  O  curador 
geral  poderá  recusar-se  a  fazer  os  averbamentos  e  não  deverá  fazê-los 
sem  primeiro  averiguar  das  qualidades  morais  do  adquirente. 

Art.  77.°  Falecendo  os  patrões,  os  seus  herdeiros,  se  a  isso  anuírem  os 
serviçais  contratados,  sucedem  no  direito  ao  cumprimento  dos  contractos 
existentes,  salvo  renunciando  a  êle,  ficando  entretanto  com  a  obrigação 
de  cumprir  todas  as  cláusulas  do  contracto,  especialmente  a  de  repatria- 
ção. 

Art.  78.°  Não  é  permitida  a  prorogação  de  contractos  de  prestação  de 
serviços  antes  de  findar  o  seu  prazo. 

Art.  79.°  Se  nos  contractos  de  colonização  de  terrenos  houver  conjunta- 
mente a  obrigação  de  prestação  de  serviços,  estes  não  poderão  ser  pres- 
tados por  período  superior  a  metade  do  tempo  útil  e  por  mais  de  dois 
anos,  nem  estipular-se  preço  certo  para  a  venda  de  géneros  ou  que  estes 
sejam  vendidos  ao  senhorio. 

Art.  80.°  O  Governo  ou  corpos  administrativos,  teem,  para  com  os  ii> 


678  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

dígenas  que  empregarem  como  trabalhadores  nas  obras  e  serviços  públi- 
cos, os  direitos  e  deveres  de  patrão. 

§  1.°  As  penas  que,  pelo  presente  diploma,  são  aplicáveis  aos  patrões 
que  faltem  aos  seus  deveres  para  com  os  serviçais,  serão,  no  caso  dos 
trabalhadores  indígenas  em  serviço  do  Governo  e  corpos  administrativos, 
aplicadas  aos  funcionários  sob  cujas  ordens  directas  eles  se  encontrarem 
trabalhando. 

§  2.°  Os  contractos  para  prestação  de  serviços  feitos  pelo  Governo  ou 
corpos  administrativos  serão  feitos  nos  termos  do  art.  67.°  sendo  dis- 
pensado o  pagamento  das  taxas  a  que  se  refere  o  art.  70.° 

Art.  81.°  Os  trabalhadores  indígenas  contratados  para  dentro  da  pro- 
víncia, por  tempo  não  superior  a  três  anos,  podem  recontratar  os  seus 
serviços  por  tempo  não  superior  a  dois  anos,  sendo  o  seu  salário  elevado 
a  5  %  em  cada  um  dos  anos  que  continuem  ao  serviço. 

§  único.  Não  poderá  fazer  recontractos  o  patrão  que  nos  últimos 
365  dias  tenha  sido  punido  por  maus  tratos  para  com  os  serviçais. 

Art.  82.°  Os  recontractos  só  podem  ser  feitos  com  a  intervenção  da 
autoridade  e  pelo  curador  geral,  ou  com  autorização  deste. 

Art.  83.°  Por  cada  recontracto  pagará  o  patrão  a  quantia  de  2$00. 

Art.  84.°  Os  trabalhadores  indígenas  contratados  que,  terminado  o 
período  do  seu  contracto,  não  quiserem  recontratar-se,  serão  repatriados 
dentro  do  prazo  máximo  de  um  mês. 

Art.  85.°  A  repatriação  na  província  será  obrigatória  para  os  traba- 
lhadores indígenas  que  tenham  prestado  serviço  durante  cinco  anos  con- 
secutivos. 

Art.  86.°  Os  trabalhadores  indígenas  que  não  desejem  recontratar-se 
e  os  que  tenham  de  ser  repatriados,  serão  apresentados  pelo  patrão  ao 
curador  ou  seu  agente,  que  celebrou  o  contracto  ou  àquele  a  quem  foi 
comunicado  o  contracto  verbal  ou  escrito,  sendo  as  despesas  de  transporte 
pagas  pelo  patrão  e  aproveitando  este,  sempre  que  haja,  o  caminho  de 
ferro  e  a  navegação  fluvial  e  marítima. 

Art.  87.°  Os  contractos  serão  registados  pelo  curador  geral  ou  agente 
do  curador  que  os  celebrou  ou  por  quem  os  sancionou,  e  serão  depositados 
na  curadoria  ou  na  agência  a  que  pertencer  q  local  da  prestação  de  serviço. 

Art.  88.°  Na  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  haverá  livros  de  registo 
(modelo  J)  de  todos  os  contractos  celebrados  para  prestação  de  serviços 
dentro  da  província. 

§  1.°  Para  os  efeitos  deste  artigo,  os  agentes  do  curador  enviarão  ao 
curador  geral  os  duplicados  dos  contractos  a  que  se  refere  o  art.  66.°  e  o 
duplicado  a  que  se  refere  o  artigo. 

§  2.°  Os  agentes  do  curador  terão  sempre  em  dia  um  livro  de  re- 
gisto dos  contractos  e  prestação  dos  serviços  dentro  da  província  (mo- 
delo J). 

SECÇÃO  III 

Dos  contractos  para  fora  da  colónia 

Art.  89.°  Nos  contractos  para  fora  da  província  observar-se  hão  os 
preceitos  já  indicados  para  os  trabalhadores  indígenas  dentro  da  pro- 
víncia, que  não  sejam  contrários  às  disposições  da  presente  secção. 


DE  ANGOLA  679 

Art.  90.°  Os  contractos  que  obrigarem  os  trabalhadores  indígenas  a 
prestar  serviços  fora  da  província,  só  poderão  ser  feitos  nos  termos  do 
artigo  66.° 

Art.  91.°  Pelos  contractos  de  prestação  de  serviços  para  fora  da  pro- 
víncia cobrar-se  hão  àlêm  de  $10  por  cada  contracto  as  seguintes  taxas: 

Por  cada  contracto  de  trabalho : 

Até  um  ano,  4$00. 

Até  dois  anos  inclusive,  7$00. 

De  dois  anos  em  diante,  9$00. 

§  único.  Nenhuma  outra  taxa  ou  emolumento  poderá  ser  cobrada  pelos 
contractos. 

Art.  92.°  Os  contractos  de  prestação  de  serviços  para  fora  da  provín- 
cia serão  celebrados  pelo  curador  geral  ou  seus  agentes  mais  próximos 
do  local  das  operações  de  recrutamento,  registados  na  Curadoria  Geral 
da  Província  e  depositados  na  Curadoria  de  S.  Tomé,  no  caso  dos  tra- 
balhadores indígenas  se  destinarem  aquelas  ilhas,  registados  na  Cura- 
doria Geral  da  Província  e  na  secretaria  do  agente  de  Nana  Candundo  e 
os  seus  termos  entregues  ao  comissário  do  Governo  no  local  da  prestação 
de  trabalho  no  caso  dos  trabalhadores  indígenas  se  destinarem  à  Rodésia 
do  Norte. 

Art.  93.°  O  tempo  de  serviço  conta-se  desde  o  dia  em  que  o  serviçal 
desembarca  no  porto  da  colónia  de  destino,  ou  chega  ao  local  da  prestação 
de  serviço  quando  tenha  de  seguir  por  via  terrestre. 

Art.  94.°  Nos  contractos  de  prestação  de  serviços  para  fora  da  provín- 
cia estabelecer-se  há  sempre  a  obrigação  de  que  o  último  patrão  com  quem 
servirem  deverá  pagar  a  viagem  de  regresso  do  serviçal  e  de  sua  famí- 
lia, sempre  que  o  serviçal  se  repatrie. 

Art.  95.°  Na  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  haverá  livros  de  registo 
dos  contractos  de  prestação  de  serviços  para  a  província  de  S.  Tomé  e 
Príncipe  (modelo  L)  e  para  as  colónias  estrangeiras  (modelo  M). 

§  único.  Os  agentes  do  curador  enviarão  a  este,  pelo  primeiro  cor- 
reio, os  duplicados  dos  contractos  celebrados  para  a  província  de 
S.  Tomé  e  Príncipe  e  colónias  estrangeiras. 

SECÇÃO  IV 
Dos  contractos  da  serviçais  oriundos  da  país  ou  colónia  estrangeira 

Art.  96.°  O  contracto  de  trabalhadores  e  colonos,  indígenas  vindos  de 
país  estrangeiro,  obedecerá  ao  disposto  no  presente  diploma  para  os  tra- 
balhadores indígenas  oriundos  das  colónias  portuguesas,  salvo  qualquer 
disposição  em  contrário  feita  em  contracto  realizado  no  país  de  origem, 
devidamente  legalizado,  e  que  será  visado  pelo  curador  geral. 

§  único.  O  contracto  de  trabalhadores  indígenas,  não  portugueses,  feito 
em  país  estrangeiro,  será  cumprido  sob  fiscalização  do  curador  geral 
como  se  fosse  feito  em  território  português,  salvo  nas  cláusulas  que  forem 
contrárias  à  Constituição  da  República. 

Art.  97.°  Não  será  permitido  o  desembarque  de  trabalhadores  indígenas 
oriundos  de  país  ou  colónia  estrangeira  que  não  venham  contratados 
regularmente  ou  que  não  tragam  passaporte  legal,  e  bem  assim  o  do 


680  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

menores  de  catorze  anos  que  não  venham  acompanhando  sua  família :  pai, 
mãe,  e  irmãos,  avós  ou  tios. 

§  único.  Se  qualquer  menor  de  catorze  anos  vier  acompanhando  um  eu- 
ropeu ou  equiparado,  só  poderá  desembarcar  se  este  depositar  na  Curadoria 
100100  e  fizer  declaração  legal  de  que  assume  para  com  o  trabalhador 
indígena  as  responsabilidades  de  tutor.  A  verba  de  100$00  ficara  depo- 
sitada até  que  o  menor  tenha  dezoito  anos  de  idade  e  servirá  de  garantia 
para  a  sua  educação  e  repatriação,  caso  venha  a  ficar  abandonado.  E, 
caso  não  seja  empregada,  será  entregue  ao  depositante  logo  que  o  menor 
tenha  atingido  a  idade  de  dezoito  anos. 

Art.  98.°  Os  contractos  com  que  desembarcarem  os  trabalhadores 
indígenas  vindos  de  colónia  ou  país  estrangeiro,  serão  registados  na 
Curadoria  Geral  devendo  o  Curador  Geral  verificar,  fora  da  presença  do 
agente  recrutador  ou  seu  representante,  que  os  indígenas  entram  na  pro- 
víncia por  sua  livre  vontade,  bem  assim  que  nos  contractos  se  estabelece 
a  repatriação  à  custa  dos  patrões. 

Art.  99.°  Nos  portos  estrangeiros,  onde  haja  agentes  consulares  por- 
tugueses, estes  deverão  visar  os  contractos  dos  indígenas  contratados 
em  país  estrangeiro,  certificando  que  os  contractos  são  feitos  segundo  as 
leis  do  país. 

Quando  não  houver  agente  consular  no  porto  de  embarque,  o  visto  e 
o  certificado  deverão  ser  feitos  pelo  agente  consular  residente  no  local 
mais  próximo  desse  porto  ou  por  uma  autoridade  local. 

CAPÍTULO  V 

Vencimentos,  salários, 

alimentação,  vestuário  e  habitações  dos  trabalhadores 

e  seu  tratamento  médico 

Art.  100.°  O  pagamento  dos  salários  aos  trabalhadores  indígenas  será 
sempre  feito  em  dinheiro  e  aos  meses  ou  às  semanas,  conforme  o  estipu- 
lado nos  contractos. 

Art.  101.°  Os  patrões  depositarão  no  cofre  da  curadoria,  seus  agentes 
ou  de  qualquer  entidade  digna  de  confiança  que  pelo  curador  geral  ou 
seu  agente  fôr  designada,  em  dinheiro,  letras  com  garantia,  por  fiança  ou 
por  aval,  a  importância  dos  salários  de  um  mês. 

§  1.°  Se  até  o  dia  2S  de  cada  mês  o  patrão  não  tiver  satisfeito  o  paga- 
mento desse  mês  aos  seus  serviçais,  considerar-se  ha  anulado  o  contracto 
de  prestação  de  serviços,  sendo  o  trabalhador  mandado  retirar  pelo  cura- 
dor ou  seu  agente. 

§  2.°  O  curador  geral  ou  os  seus  agentes,  quando  se  trate  de  patrões 
que,  pelo  seu  anterior  comportamento  e  rigorosa  honestidade  de  paga- 
mento aos  trabalhadores  indígenas,  se  tornem  merecedores  de  tal  proce- 
dimento, poderá  dispensá-los  do  depósito  a  que  se  refere  este  artigo,  mas 
tal  dispensa  nunca  poderá  ser  dada  ao  patrão  que  alguma  vez  tenha 
deixado  de  pagar  aos  seus  trabalhadores  indígenas,  e  será  da  responsa- 
bilidade do  curador  geral  ou  do  agente  que  lha  conceder,  devendo  o 
responsável  pagar  ao  trabalhador  indígena  não  pago,  à  sua  conta,  quando 
o  patrão  o  não  fizer. 


DE  ANGOLA  681 

Art.  102.°  O  pagamento  dos  salários  será  fiscalisado  pelo  curador  geral 
ou  seus  agentes,  directamente  ou  pelo  funcionário  administrativo  em  quem 
deleguem  e  que  rubricará  as  folhas  do  pagamento. 

§  1.°  Para  esse  efeito  os  patrões  são  obrigados  a  comunicar  ao  curador 
ou  agente  deste,  que  tem  jurisdição  no  local  de  prestação  de  trabalho,  os 
dias  e  horas  de  pagamento  dos  salários,  que  poderão  ser  alterados  por 
aqueles  funcionários,  constante  as  necessidades  de  serviço,  mas  que 
nunca  ultrapassarão  o  dia  30  de  cada  mes. 

§  2.°  Afim  de  não  se  levantarem  infundadas  reclamações  por  parte  dos 
trabalhadores  indígenas,  a  estes  será  distribuído  o  bilhete  de  trabalho 
(Modelo  N),  devidamente  assinado  pelo  patrão  ou  seu  representante  e 
indicada  a  data  em  que  foi  entregue,  afim  de  nele  serem  designados  os 
dias  em  que  o  trabalhador  indígena  prestou  serviço. 

Art.  103.°  Os  patrões  não  poderão  adiantar  ajps  trabalhadores  indígenas 
contratados  qualquer  quantia,  excepto  no  acto  do  contracto,  até  três 
meses  dos  seus  salários. 

§  1.°  O  desconto  dos  adeantamentos  feitos  aos  trabalhadores  indígenas 
não  poderá  nunca  ser  superior  a  33  %  do  seu  salário. 

§  2.°  Não  será  permitido  obrigar  o  indígena  a  pagar,  no  acto  do  con- 
tracto, mais  de  um  ano  de  imposto  de  cubata,  que  lhe  poderá  ser  abonado 
pelo  agente  de  recrutamento  ou  pelo  patrão. 

Art.  104.°  No  caso  do  trabalhador  indígena  desejar  deixar  pensão  a 
sua  família,  não  poderá  aquela  ser  superior  a  um  terço  do  seu  salário 
e  será  indicada  no  contracto.  As  pensões  serão  enviadas  pelos  patrões 
ao  curador  geral  ou  aos  seus  agentes,  que  as  farão  chegar  ao  seu  destino 
pela  via  mais  segura  e  rápida  e  são  por  elas  responsáveis.  O  recibo  da 
entrega  será  passado  pela  autoridade  administrativa  mais  próxima  da 
localidade  da  residência  da  família  do  trabalhador  indígena. 

Art.  105.°  Àlêm  da  garantia  estabelecida  pelo  art.  101.°  os  patrões  de 
trabalhadores  indígenas,  cujo  domicílio  não  pertencer  ao  concelho,  cir- 
cunscrição ou  capitania-mór  do  local  de  prestação  de  serviço,  serão  obri- 
gados a  depositar  à  ordem  do  curador  geral  ou  dos  seus  agentes,  à  medida 
e  à  proporção  que  forem  pagando  os  salários,  metade  destes  que  consti- 
tuirá o  seu  bónus  de  repatriação. 

§  único.  O  curador  geral  ou  o  seu  agente,  terminado  o  contracto,  en- 
tregará ao  indígena  este  bónus  de  repatriação,  em  presença  de  testemu- 
nhas e  na  sede  do  concelho,  circunscrição  ou  capitania-mór  onde  foi  con- 
tratado, sendo  para  aí  remetido  o  dinheiro  e  as  folhas  de  pagamento,  e 
lavrando-se  uma  acta  em  duplicado ;  um  exemplar  é  destinado  ao  curador 
e  outro  para  o  arquivo  da  secretaria  do  agente  do  curador. 

Art.  106.°  No  caso  da  prestação  de  serviços  fora  da  província,  o  paga- 
mento dos  salários,  a  parte  deste  que  constitui  o  seu  bónus  de  repatria- 
ção e  mais  condições  de  contracto,  são  da  responsabilidade  e  competência 
do  curador  geral  de  S.  Tomé  e  Príncipe,  quando  se  trace  dos  trabalhado- 
res indígenas,  prestando  serviços  naquela  ilha,  ou  do  comissário  do  Go- 
verno no  local  da  prestação  de  serviço,  quando  se  trate  daqueles  prestando 
serviços  na  Rodésia  do  Norte. 

§  único.  O  representante  na  província,  dos  patrões  para  quem  os 
indígenas  trabalham  na   Rodésia   do   Norte,  depositarão,   na  Filial  do 

44 


682  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Banco  Nacional  Ultramarino,  em  Loanda,  a  importância  que  o  curador 
geral  entender  ser  suficiente  para  garantir  o  pagamento  do  bónus  de 
repatriação. 

Art.  107.°  Caso  o  trabalhador  indígena  morra  durante  a  constância  do 
contracto  ou  depois  de  o  terminar,  mas  antes  de  ter  recebido  o  seu  bónus 
de  repatriação,  a  parte  do  salário  depositada  será  entregue  à  família,  e, 
não  se  encontrando  esta,  dentro  do  período  de  um  ano,  estas  quantias 
depositadas  reverterão  a  favor  do  fundo  a  que  se  refere  o  art.  31.°. 

Art.  108.°  Quando  o  trabalhador  indígena,  terminado  o  contracto,  fique 
na  propriedade  do  patrão  à  espera  de  ocasião  de  transporte,  ser-lhe  há 
devido  salário  caso  trabalhe,  e  o  mesmo  sucederá  se  for,  pelo  curador 
geral  ou  seus  agentes,  depositado  na  propriedade  de  qualquer  patrão. 

Art.  109.°  Aos  agentes  do  curador  incumbe  dentro  do  prazo  de  três 
meses,  depois  do  conhecimento  deste  regulamento,  proporem  ao  curador 
os  salários  mínimos  a  fixar  nas  áreas  das  suas  respectivas  jurisdições. 

§  único.  Nas  propostas  de  fixação  de  salários,  os  agentes  do  curador 
atenderão : 

1.°  À  natureza  de  serviço,  se  é  rural,  industrial  ou  doméstico  ; 

2.°  Se  a  remuneração  estipulada  é  só  por  salário,  por  salário  e  sustento, 
ou  por  salário,  sustento  e  vestuário; 

3.°  Aos  salários  de  homens,  mulheres  e  menores  entre  os  catorze  e 
dezoito  anos. 

Art.  110.°  Quando  o  trabalhador  indígena  houver  de  receber  alimenta- 
ção, esta  constará  de  três  refeições  diárias :  a  primeira,  antes  da  partida 
para  o  trabalho ;  a  segunda,  entre  as  onze  e  as  treze  horas ;  e  a  terceira 
depois  de  largar  o  trabalho. 

§  único.  Depois  da  segunda  refeição  terá  o  trabalhador  indígena  uma 
hora  para  descanço. 

Art.  111.0  As  refeições  serão  compostas  de  géneros  de  bôa  qualidade  e 
tanto  quanto  possível  daquelas  a  que  os  indígenas  estão  habituados  nas 
suas  terras  e  de  preferência  de  produção  da  região. 

Art.  112.°  O  curador  fará  inspeccionar,  por  si  ou  por  agentes  seus,  a 
maneira  como  os  trabalhadores  indígenas  são  alimentados,  podendo,  caso 
o  entenda,  e  ouvida  a  autoridade  sanitária,  propor  ao  Governador  Geral 
a  organização  de  tabelas  do  rancho  dos  trabalhadores  indígenas,  tendo 
em  atenção  na  organização  destas  tabelas,  os  hábitos  dos  indígenas  e  a 
alimentação  a  que  êle  está  habituado  e  prefere. 

Art.  113.°  Quando  o  trabalhador  indígena  tenha  pelo  seu  contracto, 
direito  a  vestuário,  o  patrão  fornecer-lhe  há,  mensalmente,  um  chapéu  e 
um  fato  de  ganga  ou  cotim,  composto  de  calça,  blusa  ou  casaco,  ou  dois 
panos. 

Art.  114.°  Quando  qualquer  patrão  houver  de  construir  alojamentos 
para  trabalhadores  indígenas,  poderá  dar-lhes  materiais  e,  pelo  menos, 
uma  semana  para  construírem  a  sua  cubata,  ou  fornecer-lhes  alojamentos, 
de  alvenaria,  cobertos  de  colmo. 

§  1.°  Em  um  e  outro  caso  o  patrão  enviará  ao  curador  geral  um  cro- 
quis da  sanzala  a  formar,  a  sua  situação  e  o  desenho  de  cada  cubata  ou  da 
casa  a  construir. 

§  2.°  Em  cada  cubata  ou  casa  não  poderá  alojar-se  mais  de  uma  famí- 


DÈ  ANGOLA  683 

lia,  quando  os  trabalhadores  indígenas  tenham  consigo  a  sua  família,  ou 
alojar  mais  de  seis  trabalhadores,  no  caso  contrário. 

Art.  115.°  Os  patrões  que  tenham  em  serviço  das  suas  propriedades 
1:000  ou  mais  trabalhadores  indígenas  deverão  fazê-los  visitar  diariamente 
pelo  médico  respectivo. 

Os  que  tiverem  600  a  1:000,  três  vezes  por  semana,  e  semanalmente  os 
que  tiverem  menos  de  600. 

§  1.°'0  facultativo  deverá  tambêmanspecionar  todos  os  trabalhadores 
indígenas  quando  formam  para  o  trabalho,  ou  num  domingo  de  manhã. 

Esta  visita  será  feita  uma  vez  cada  quinze  dias  nas  propriedades  que 
empreguem  mais  de  1:000  trabalhadores  indígenas  e  uma  cada  mês  nas 
que  empreguem  entre  100  a  1:000. 

§  2.°  Em  casos  urgentes  e  graves,  o  patrão  deverá  fazer  imediata- 
mente visitar  o  trabalhador  por  um  facultativo. 

§  3.°  O  facultativo  poderá  prescrever  qualquer  restrição  e  até  completa 
dispensa  de  trabalho,  por  motivo  de  doença. 

Art.  116.°  Os  patrões  de  estabelecimentos  industriais  ou  agrícolas  que 
não  tenham  médico,  situados  a  mais  de  quinze  quilómetros,  pela  estrada 
ou  caminho  ordinário,  de  qualquer  hospital  do  Estado,  serão  obrigados 
ao  pagamento  de  uma  cota,  que  não  será  superior  a  $50  por  serviçal  e 
por  ano  para  o  serviço  de  saúde  desde  que  o  Governo  nomeie  um  médico 
que  se  estabeleça  a  menos  de  quinze  quilómetros  do  mesmo  estabeleci- 
mento. 

§  único.  Para  o  cômputo  da  cota  a  pagar  tomar-se  há  o  número  médio 
dos  serviçais  que  o  patrão  ou  dono  do  estabelecimento  empregar  durante 
o  ano. 

Art.  117.°  O  médico  nomeado  pelo  Governo,  nos  termos  do  artigo 
antecedente,  deverá  fazer  as  visitas  diárias  ou  semanais  a  que  se  refere 
o  art.  115.° 

Art.  118.°  A  nomeação  dos  médicos  nestas  condições  deverá  ser  feita 
em  concurso  público. 

Art.  119.°  Os  patrões  poderão  ter  ao  seu  serviço  médicos  por  eles  pagos 
para  a  visita  e  tratamento  dos  indígenas,  devendo  a  nomeação  ser  feita 
livremente  pelos  patrões,  mas  podendo  os  médicos  ser  mandados  demitir 
pelo  curador,  em  caso  de  queixa  dos  trabalhadores  indígenas,  e  provado 
que  seja  que  o  médico  é  pouco  zeloso  e  incompetente. 

Art.  120.°  As  prescrições  do  facultativo  e,  em  geral,  quaisquer  ocorrên- 
cias médicas  respeitantes  aos  trabalhadores  indígenas,  serão  registadas 
pelo  próprio  facultativo,  em  livro  especial  fornecido  pelo  patrão,  com 
termo  de  abertura  e  encerramento  e  as  folhas  numeradas  e  rubricadas  pelo 
curador  geral  ou  seu  agente. 

§  único.  O  médico  é  o  fiscal  da  salubridade  e  do  estado  sanitário  do 
estabelecimento  onde  os  serviçais  trabalham,  e,  como  tal,  poderá  passar 
as  visitas  que  entender  necessárias. 

Art.  121.°  Os  patrões  que  tiverem  ao  seu  serviço  mais  de  50  trabalha- 
dores indígenas  enviarão  mensalmente  para  a  Secretaria  dos  Negócios 
Indígenas,  e  por  intermédio  do  agente  do  Curador  mai3  próximo,  um 
boletim  com  o  movimento  dos  doentes  assinado  pelo  facultativo. 

Art.  122.°    Cada  patrão  que  tiver  mais  de  50  trabalhadores  indígenas 


684  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

normalmente  empregados  em  sen  serviço,  e  cujo  estabelecimento  diste 
mais  de  quinze  kilómetros  de  qualquer  hospital  ou  enfermaria  do  Governo, 
é  obrigado  a  ter  enfermarias  onde  os  serviçais  possam  receber  tratamento 
gratuitamente. 

§  1.°  Caso  no  estabelecimento  trabalhem  homens  e  mulheres,  a  enfer- 
maria deverá  ter  instalações  para  os  dois  sexos. 

§  2.°  Se  entre  o  local  dos  trabalhos  e  o  hospital  do  Governo  houver 
meios  de  transporte  rápido  por  via  férrea,  poderá  o  Governador  Geral 
dispensar  a  existência  da  enfermaria. 

§  3.°  Em  todos  os  estabelecimentos  onde  se  empreguem  mais  de  dez 
trabalhadores  indígenas  deverá  haver  uma  ambulância  para  poder  prestar 
serviços  em  caso  de  necessidade. 

Art.  123.°  Na  construção  de  hospitais  para  tratamento  de  trabalhadores 
indígenas,  de  creches  para  crianças  e  doutros  edifícios  para  tratamento 
de  trabalhadores  indígenas,  o  patrão  é  obrigado  a  apresentar  os  projectos 
das  construções  a  fazer  ao  curador,  que  resolverá  depois  de  consultar  o 
chefe  do  Serviço  de  Saúde. 

Art.  124.°  Em  qualquer  ocasião  o  curador  ou  seus  agentes  poderá 
exigir  dos  patrões  as  obras  necessárias  para  a  conservação  dos  aloja- 
mentos, hospitais,  creches,  etc,  para  uso  dos  serviçais  e  bem  assim  a 
desinfecção  dos  locais  por  estes  habitados. 

Art.  125.°  O  patrão  não  poderá  impor  às  mulheres  e  aos  menores 
serviços  que  só  por  homens  possam  ser  executados. 

Art.  126.°  As  mulheres  contratadas  são  sempre  dispensadas  de  qual- 
quer trabalho  nos  trinta  últimos  dias  prováveis  da  gestação  e  nos  trinta 
dias  imediatos  ao  parto. 

§  único.  Nos  primeiros  seis  meses  de  amamentação  de  seus  filhos  só 
poderão  ser  empregadas  em  tabalhos  moderados,  em  recinto  abrigado 
ou  perto  das  suas  habitações. 

Art.  127.°  É  proibido  o  contracto  para  dentro  e  para  fora  da  província 
de  trabalhadores  indígenas  velhos,  raquíticos,  atacados  de  alienação 
mental  ou  doença  do  sono,  de  quaisquer  moléstias  ou  deformidades  que 
os  tornem  inaptos  para  o  trabalho  e  daqueles  que  previamente  não  tenham 
sido  vacinados. 

§  1.°  Para  os  efeitos  deste  artigo,  o  curador  geral  e  seus  agentes  não 
celebrarão  contractos  senão  em  presença  duma  declaração  de  qualquer 
delegado  de  saúde  da  província,  atestando  a  aptidão  para  o  trabalho  e  a 
vacinação. 

§  2.°  Estas  declarações  são  gratuitas  não  tendo  os  delegados  de  saúde 
direito  a  exigir  por  elas  quaisquer  emolumentos. 

Art.  128.°  Em  cada  estabelecimento  em  que  haja  crianças,  filhos  de 
serviçais  ou  colonos,  de  idade  inferior  a  sete  anos,  haverá  uma  creche 
onde  sejam  convenientemente  tratados  durante  o  período  em  que  suas 
mães  trabalhem. 

Art.  129.°  Em  todas  as  localidades  onde  haja  escola  oficial  a  distância 
inferior  a  quatro  kilómetros  da  residência  dos  serviçais,  o  patrão  não 
poderá  pôr  obstáculo  ou  impedir  que  os  serviçais  enviem  a  essa  escola  03 
seus  filhos  ou  filhas  desde  a  idade  dos  sete  anos. 


DE  ANGOLA  685 

CAPÍTULO  IV 
Do  transporte  de  trabalhadores  indígenas  por  mar 

Art.  130.°  O  transporte  de  trabalhadores  indígenas  da  província  para 
outra  colónia  por  via  marítima  e  em  número  superior  a  dez,  só  poderá 
ser  feito  em  navios  portugueses  para  esse  fim  aprovados  pelo  Governo 
(modelo  O). 

§  1.°  Só  no  caso  de  não  haver  carreiras  regulares  de  vapores  portu- 
gueses poderá  ser  feito  o  transporte  em  vapores  estrangeiros,  que  declarem 
na  respectiva  capitania  do  porto,  que  se  sujeitam  ao  disposto  no  presente 
diploma. 

§  2.°  O  navio  que  transportar  da  província  para  outra  colónia  mais  de 
dez  serviçais  ou  colonos  contratados,  será  sujeito  a  uma  fiança  ou  depó- 
sito de  2.000S00. 

Art.  131.°  O  transporte  de  trabalhadores  indígenas  de  um  para  outro 
porto  da  província  poderá  ser  feito  em  navios  portugueses,  nas  condições 
do  artigo  anterior,  ou  em  outros  igualmente  portugueses  cujos  coman- 
dantes tenham  obtido  licença  das  autoridades  marítimas  locais. 

§  1.°  Estas  licenças  não  são  permanentes,  não  estão  sujeitas  à  fiança, 
mas  são  por  elas  responsáveis  as  autoridades  marítimas  que  as  conce- 
derem. 

§  2.°  As  autoridades  marítimas  sempre  que  dêem  uma  licença  nestas 
condições  comunicá-la  hão  ao  curador  geral  ou  ao  seu  agente  do  porto  de 
embarque  dos  trabalhadores  indígenas. 

Art.  132.°   À  autoridade  marítima  compete  verificar: 

1.°  Se  os  navios  recebem  a  bordo  trabalhadores  indígenas  em  número 
que  não  esteja  em  relação  com  a  sua  tonelagem; 

2.°  Se  os  navios  que  transportam  trabalhadores  indígenas  teem  no 
depósito  mantas  ou  cobertores  em  número  de  dois  para  cada  trabalhador 
que  habitualmente  transportam,  para  serem  utilizados  pelos  trabalhadores 
durante  a  viagem,  e  se  no  fim  da  viagem  são  devidamente  desinfectados. 

§  único.  A  falta  de  cumprimento  destas  disposições  será  punida  com 
a  multa  de  50800  a  500$00. 

Art.  133.°  O  comandante  do  navio  é  responsável  pelo  bom  tratamento 
dos  trabalhadores  indígenas  a  bordo;  caso  algum  indígena  morra  durante 
a  viagem,  o  médico  de  bordo  deverá  certificar,  sob  declaração  de  honra, 
que  para  essa  morte  em  nada  concorreu  o  tratamento  dado  a  bordo  e, 
sobretudo,  a  falta  de  alojamento  e  abrigo  conveniente. 

Art.  134.°  O  navio  que  transportar  mais  de  dez  trabalhadores  indígenas 
é  obrigado  a  ter  a  bordo  médico  e  enfermeiro. 

Art.  135.°  Ao  findar  a  viagem,  e  verificado  que  o  comandante  cumpriu 
com  as  obrigações  legais,  deverá  receber  uma  resalva  que  assim  o 
certifique;  no  caso  contrário  ser-lhe  ha  aplicada  uma  multa  que  dependerá 
da  natureza  da  infracção  que  tiver  cometido  (modelo  P). 

Art.  136.°  O  comandante  do  navio  poderá  recusar  a  entrada  a  bordo 
a  indígenas  que  não  tragam  suficientes  roupas  de  agasalho  para  a  tra- 
vessia e  que  não  venham  decentemente  vestidos. 


686  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Art.  137.°  Os  trabalhadores  indígenas  contratados  ou  repatriados,  que, 
para  seguirem  para  o  local  da  prestação  de  trabalho  ou  para  a  terra  da 
sua  naturalidade,  tenham  de  embarcar  em  qualquer  dos  portos  da  pro- 
víncia serão  presentes  ao  curador  geral  ou  ao  agente  do  porto  de  embarque 
que,  em  face  dos  contractos  e  bilhetes  de  identidade,  por  meio  de  guia  os 
mandará  apresentar  à  autoridade  marítima  que  lhes  passará  uma  guia 
em  duplicado,  onde  se  especifiquem  os  nomes  e  os  destinos  dos  trabalha- 
dores indígenas. 

§  1.°  O  comandante  conferirá  a  guia  com  os  trabalhadores  indígenas 
que  recebe  e  estando  conforme,  e  os  trabalhadores  indígenas  em  condições 
de  serem  embarcados,  passará  o  recibo  no  duplicado,  ficando  desde  esse 
momento  responsável  com  estes  pelo  tratamento  dos  trabalhadores  indí- 
genas que  recebeu  e  por  os  entregar  no  porto  do  destino.  O  recibo  será 
enviado  ao  curador  geral. 

§  2.°  O  comandante  poderá  recusar  o  embarque  dos  trabalhadores 
indígenas  que  o  médico  do  bordo  considere  doentes,  raquíticos,  ou  inca- 
pazes para  o  trabalho,  e  que  não  tenham  sido  vacinados. 

§  3.°  Da  decisão  do  comandante  haverá  recurso  para  o  Governador 
Geral. 

§  4.°  No  porto  de  desembarque  serão  os  trabalhadores  indígenas 
entregues  à  autoridade  marítima  que  os  mandará  apresentar  ao  curador 
geral  ou  ao  agente  daquela  localidade  que  os  fará  seguir  ao  seu  destino. 

Art.  138.°  Em  todos  os  navios  que  transportem  trabalhadores  indígenas 
repatriados  de  S.  Tomé  e  Príncipe  haverá  um  comissário  do  Governo 
nomeado  ad  hoc  pelo  Governador  daquela  colónia,  portador  de  bónus  de 
repatriação  e  incumbido  de  verificar  que  os  serviçais  só  desembarquem 
no  porto  do  seu  destino  entregando  nessa  ocasião  o  respectivo  bónus  ao 
curador  geral,  de  que  se  lavrará  uma  acta  em  duplicado,  assinada  pelo 
comissário  do  governo,  curador  geral  e  duas  testemunhas. 

§  único.  Um  exemplar  desta  acta  será  enviado  ao  curador  da  província 
de  S.  Tomé  e  Príncipe  e  o  outro  será  arquivado  na  Secretaria  dos 
Negócios  Indígenas  da  província. 

Art.  139  °  Havendo  trabalhadores  indígenas  repatriados  de  S.  Tomé  e 
Príncipe,  que  para  seguirem  para  a  terra  da  sua  naturalidade,  tenham  de 
novamente  embarcar,  serão  estes  agrupados  em  tantas  relações  (modelo  Q) 
quantos  os  portos  que  servem  às  terras  das  suas  naturalidades  e  entregues 
ao  comissário  ad  hoc  que  os  fará  desembarcar  no  porto  do  destino,  en- 
tregando nessa  ocasião  o  respectivo  bónus  ao  agente  do  curador,  de  que 
se  lavrará  uma  acta  em  duplicado,  sendo  um  exemplar  destinado  ao 
curador  geral  da  província  e  outro  para  ser  arquivado  na  Secretaria  do 
Agente  do  Curador  do  porto  de  desembarque. 

Art.  140.°  A  fiança  estabelecida  no  §  2.°  do  art.  130.°  responde  pela 
falta  de  cumprimento  das  obrigações  impostas  pelo  presente  regulamento, 
e  independentemente  do  procedimento  civil  e  criminal  a  que  os  actos  do 
comandante  e  tripulação  para  com  os  serviçais  possam  dar  logar. 

Art.  141.°  As  reclamações  e  queixas  contra  os  comandantes  dos  navios 
serão  resolvidas  pelo  Governador  Geral  sob  promoção  do  curador,  e  em 
última  instância  sempre  que  a  falta  que  motivou  a  queixa  seja,  nos  termos 
do  Código  Penal,  castigado  com  multa  não  superior  a  500$00. 


DE  ANGOLA  687 

Art.  142.°  Os  trabalhadores  indígenas  não  podem  ir  presos  a  bordo, 
salvo  cometendo  crime  pelo  qual  devam  ser  e  neste  caso,  logo  que  cheguem 
a  terra,  serão  entregues  às  autoridades  competentes  para  instaurarem  o 
processo. 

Art.  143.°  Todos  os  trabalhadores  indígenas  que  não  apresentarem 
sinais  evidentes  de  varíola  ou  de  terem  sido  vacinados  sê-lo  hão  antes  de 
embarcar. 

Art.  144.°  Os  navios  que  transportem  serviçais  deverão  fornecer 
passagem  gratuita  em  primeira  classe  ao  curador  geral  entre  os  portos 
da  província,  sempre  que  este  o  deseje,  afim  de  verificar  o  tratamento 
dados  aos  serviçais. 

§  único.  A  qualquer  funcionário  da  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas 
e  Curadoria  dos  Serviçais  que  por  ordem  do  curador  o  substitua  no  uso 
das  atribuições  deste  artigo  ou  que  por  qualquer  motivo  tenha  de  acom- 
panhar serviçais  embarcados,  igualmente  será  fornecida  passagem  gra- 
tuita na  classe  a  que  a  sua  categoria  lhe  der  direito. 

Art.  145.°  Entende-se  pelo  facto  de  obterem  licença  para  transporte 
de  trabalhadores  indígenas  que  os  comandantes  se  obrigam  ao  disposto 
no  presente  decreto  que  diz  respeito  ao  transporte  dos  mesmos. 

CAPÍTULO  VII 
Das  penalidades  e  sua  aplicação 

SECÇÃO  I 
Penalidades 

Art.  146.°  Quando  o  curador  nos  primeiros  oito  meses  de  cada  ano, 
não  apresentarem  ao  governador  geral  o  relatório  a  que  se  refere 
o  art.  15.°,  será  imediatamente  suspenso  do  seu  vencimento  de  exer- 
cício, que  não  tornará  a  receber  emquanto  não  apresentar  o  mesmo  re- 
latório. 

§  1.°  Se  tiver  sido  suspenso,  demitido  ou  licenceado  por  qualquer 
motivo  dentro  dos  oito  meses  referidos  no  artigo  anterior,  e  não  apre- 
sentar o  mesmo  relatório  dentro  desse  período,  será  punido  com  multa 
de  1.000$,  que  será  mandada  cobrar  coercivamente  pelo  governador. 

§  2.°  Compete  a  publicação  do  relatório,  referido  a  todo  o  ano  civil 
ao  curador  que  estiver  nomeado  por  decreto  no  dia  31  de  dezembro  de 
cada  ano. 

Art.  147.°  Os  agentes  do  curador  que  não  enviarem  para  a  curadoria 
as  informações  estabelecidas  no  §  3.°  do  art.  40.°,  no  art.  66.°,  no  art.  67.°, 
no  §  único  do  art.  95.°  e  205.",  e  não  prestarem  conta  das  receitas  con- 
forme estabelece  o  §  2.°  do  art.  31.°,  ou  as  demorem  mais  de  três  meses, 
serão  suspensos  dos  vencimentos  de  exercício,  o  qual  perderão  definiti- 
vamente até  que  as  remetam. 

Art.  148.°  Os  patrões  que  deixarem  de  cumprir,  para  com  os  trabalha 
dores  indígenas,  os  deveres  que  pelo  contractos  de  prestação  de  serviços 
e  pelo  presente  regulamento  lhes  são  impostos,  serão  punidos  com  multa 


688  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

de  5$  a   100$  àlêm  do  .pagamento  das  indemnizações  que  possam  ser 
devidas  aos  serviçais  queixosos. 

§  único.  Quando  o  patrão  não  residir  habitualmente  na  localidade, 
será  condenado  como  tal,  para  os  efeitos  deste  artigo,  o  seu  gerente, 
capataz  ou  chefe  de  secção  que  no  local  dirija  os  trabalhos. 

Art.  149.°  Os  patrões  que  maltratarem  os  seus  trabalhadores  indígenas 
voluntariamente,  produzindo-lhe  ferimentos,  contusões  ou  contra  eles 
praticar  ofensas  corporais  voluntárias,  serão  punidos  conforme  o  disposto 
nos  artt.  359.°  e  367.°  do  Código  Penal. 

Art.  150.°  Os  patrões  que  conservarem  os  trabalhadores  indígenas 
com  algemas,  grilhetas,  gargalheiras,  ou  quaisquer  outros  instrumentos 
que  tolham  a  liberdade  de  movimentos  serão  punidos  nos  termos  dos 
artt.  359.°  e  360.°  do  Código  Penal. 

Art.  151.°  Aos  patrões  que  mensalmente,  ou  por  outro  período  que 
fôr  designado  no  respectivo  contracto,  não  pagarem  aos  trabalhadores 
indígenas  o  salário  devido,  serão  rescindidos  os  contractos  dos  trabalha- 
dores indígenas  não  pagos,  pelo  curador  geral  ou  seus  agentes  ;  as  mesmas 
autoridades  pagarão  dos  cofres  públicos  os  salários  em  dívida,  cobrando-os 
desde  logo  do  patrão  pela  via  coerciva. 

Art.  152.°  A  Repartição  de  Fazenda  do  Distrito  onde  houverem  de  ser 
pagos  trabalhadores  indígenas,  nos  termos  do  artigo  anterior,  satisfará 
as  requisições  de  fundos  que  lhe  forem  feitas  para  esse  fim  pelo  curador 
ou  seus  agentes. 

Ârt.  153.°  Todo  o  patrão  ou  seu  agente  que  apresentar  ao  curador 
geral  ou  seus  agentes  folhas  de  pagamento  de  trabalhadores  indígenas 
falsificadas  ou  que  não  sejam  a  expressão  da  verdade,  será  punido  nos 
termos  do  art.  216.°  do  Código  Penal. 

Art.  154.°  Os  patrões  de  trabalhadores  indígenas  não  poderão  impedir 
estes  de  recorrerem  às  autoridades  locais,  sob  pena  da  multa  de  50$  a 
500$  considerando-se  em  caso  de  condenarão  do  patrão,  o  respectivo 
contracto  rescindido  se  o  trabalhador  indígena  assim  o  desejar. 

Art.  155.°  O  curador  geral  ou  seu  agente  poderá,  em  vista  da  queixa 
justificada  e  provada  do  trabalhador  indígena,  retirá-lo  do  serviço  do 
patrão  desde  logo  e  mandá-lo  depositar  mais  conveniente,  sempre  que 
julgar  que  o  patrão  possa  exercer  represálias  sobre  o  trabalhador  indígena 
queixoso. 

Art.  156.°  Os  patrões,  cujos  trabalhadores  indígenas  lhe  forem  reti- 
rados por  cancelamento  dos  respectivos  contractos,  são  obrigados  ao 
pagamento  das  passagens  de  repatriação  para  os  trabalhadores  e  suas 
famílias. 

§  único.  Não  sendo  cumprida  voluntariamente  a  obrigação  imposta 
por  este  artigo,  será  a  importância  das  passagens  cobrada  dos  patrões, 
coercivamente,  pelo  processo  das  execuções  administrativas,  servindo 
de  título  exequível  qualquer  documento  comprovativo  da  dita  importância. 

Art.0  157.°  Os  patrões  que  deixarem  de  dar  aos  trabalhadores  ou 
colonos  indígenas  sustento  e  de  cumprir  as  demais  condições  estipuladas 
nos  contractos,  serão  intimados  a  fazê-lo  pelo  curador  ou  seus  agentes  ou 
pela  autoridade  administrativa  da  localidade  onde  aqueles  não  existam 
os  quais  procederam  ex-oficio  logo  que  lhes  constar  a  falta. 


DE  ANGOLA  689 

§  1.°  Se,  intimado  a  fazê-lo,  o  patrão  não  cumprir  a  ordem,  será  desde 
logo  levantado  o  respectivo  auto  e  enviado  ao  curador  geral  ou  seus 
agentes,  sendo  o  patrão  julgado  pelo  crime  de  desobediência  à  autori- 
dade. 

§  2.°  Em  caso  de  urgência,  poderá  a  autoridade  administrativa  que 
fizer  a  intimação  retirar  os  trabalhadores  indígenas  do  serviço  ao  patrão 
e  mandá-los  depositar  onde  entender  mais  conveniente. 

Art.  158.°  Todo  aquele  que  recrutar  trabalhadores  indígenas  sem 
licença  ou  em  contravenção  do  disposto  no  presente  decreto,  será  casti- 
gado com  a  pena  de  multa  de  50$  a  1.000$. 

Art.  159.°  Os  agentes  de  recrutamento  ou  engajadores,  ou  outra  qual- 
quer pessoa,  que,  com  o  fim  de  obrigar  os  indígenas  a  contratarem  se 
para  prestação  de  serviços,  os  conservarem  com  algemas,  grilhetas,  gar- 
galheiras, ou  quaisquer  outros  instrumentos  que  tolham  a  liberdade  de 
movimento,  serão  punidos  nos  termos  do  art.  330.°  do  Código  Penal. 

Art.  160.&  Álêm  das  penalidades  que  pelas  leis  vigentes  lhe  possam 
ser  aplicadas,  ficam  sujeitos  à  perda  total  ou  parcial  do  seu  depósito  de 
caução  todos  os  agentes  de  recrutamento  ou  engajadores  que  não  cum- 
prirem os  deveres  impostos  pelo  presente  regulamento  e  que : 

1.°  Perturbem  ou  tentem  perturbar  a  ordem  pública; 

2.°  Cometam  violências  ou  fraudes  de  que  resultem  prejuízos  aos 
direitos  ou  interesses  do  Governo  ou  dos  indígenas; 

3.°  Pratiquem  contrabando  ou  descaminho  de  direitos,  exerçam  co- 
mércio proibido  ou  não  autorizado  ou  cometam  qualquer  contravenção 
das  leis  e  regulamentos  em  vigor  na  província. 

Art.  161.°  Os  colonos  com  obrigação  de  trabalho  e  os  trabalhadores 
indígenas  que,  sem  motivo  justificado  faltarem  ao  trabalho  a  que  pelo 
contracto  são  obrigados,  perderão  em  cada  dia  útil  as  respectivas  rações 
e  o  salário  do  dia. 

Art.  162.°  Os  indígenas  que  desobedecerem  ás  instruções  da  autori- 
dade e  se  recusarem  ao  trabalho,  os  que  se  evadirem  dos  lugares  onde 
lhes  tiverem  dado  trabalho  ou  a  caminho  desses  lugares,  ou  que  se  recu- 
sarem a  prestação  de  trabalho,  serão  entregues  ao  curador  geral,  ou  seus 
agentes,  que  os  julgarão  e  terão  competência  para  condenar  a  trabalho 
correccional  por  período  variável  de  oito  a  trezentos  dias. 

Art.  163.°  Os  trabalhadores  indígenas  que,  sem  motivo  justificado, 
abandonarem  o  serviço,  rompendo  o  contracto  celebrado,  serão  pela 
autoridade  compelidos  ao  trabalho  nos  termos  do  Capítulo  vi  deste 
regulamento. 

O  patrão  terá  direito  a  indemnização  das  despesas  feitas. 

Art.  164.°  Quando  os  indígenas  praticarem  delitos  ou  transgressões 
das  disposições  do  presente  regulamento,  forem  encontrados  ou  residirem 
fora  da  área  onde  tenham  praticado  esses  delitos  ou  cometido  essas  trans- 
gressões, poderão  ser  julgados  pelo  curador  geral  ou  seus  agentes  a  cuja 
jurisdição  pertencer  o  local  onde  forem  encontrados  ou  residirem,  sempre 
que  o  curador  geral  assim  o  determinar. 

Art.  165.°  A  pena  de  prisão  correccional,  quando  aplicada  a  indígenas, 
poderá  ser  substituída  pela  de  trabalho  correccional  na  proporção  de  dois 
dias  de  trabalho  por  um  de  prisão  correccional,  devendo  a  sentença  do 


690  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Poder  Judicial,  do  curador  geral  ou  seus  agentes,  indicar  qual  das  duas 
penas  deverá  ser  aplicada. 

Art.  166.°  A  competência  dos  agentes  do  curador  para  condenação  a 
trabalho  correccional  é  da  metade  da  do  mesmo  curador  geral. 

Art.  167.°  A  pena  de  trabalho  correccional  será  mandada  aplicar  por 
um  certo  número  de  dias  úteis  de  trabalho  e  não  se  julgará  concluída 
emquanto  o  condenado  não  tiver,  seja  por  que  motivo  fôr,  trabalhado 
efectivamente  esses  dias  todos. 

Art.  168.°  Para  a  captura  dos  trabalhadores  indígenas  fugitivos  e  dos 
vadios  em  geral,  serão  efectuadas  administrativamente  as  buscas  domi- 
ciliárias ou  no  mato  que  sejam  indispensáveis. 

Art.  169.°  Quando  as  faltas  pelos  patrões  para  com  os  trabalhadores 
indígenas  ou  vice-versa,  estiverem  fora  da  alçada  jurisdicional  do  curador 
ou  dos  seus  agentes,  estes  funcionários  promoverão  a  sua  repressão 
pelos  tribunais  ordinários,  fazendo  a  competente  participação  ao  agente 
do  Ministério  Público. 

Art.  170.°  É  absolutamente  proibido  aos  trabalhadores  indígenas 
comprar  ou  vender  géneros  coloniais  e  especialmente  a  mesma  espécie 
daqueles  que  são  produzidos  no  estabelecimento  ou  propriedade  onde 
trabalham.  Os  que  não  cumprirem  esta  disposição  serão  punidos  com 
prisão  correccional  de  um  a  seis  meses  ou  multa  de  2$  a  50$.  Em  igual 
penalidade  incorrem  os  que  venderem  ou  comprarem  aos  trabalhadores 
indígenas. 

Art.  171.°  O  indígena  que  depois  de  recrutado  se  evadir  será  obrigado 
a  restituir  ao  engajador  o  adeantamento  que  tiver  recebido.  Se  o  não 
fizer  será  pelo  curador  geral  ou  seu  agente  julgado  e  condenado  a  tra- 
balho correccional  até  pagamento  do  mesmo  adeantamento. 

Art.  172.°  Os  indígenas  que  emigrarem  de  territórios  portugueses 
donde  a  emigração  seja  proibida  deverão  ser  presos  em  qualquer  parte 
do  território  da  República  onde  forem  encontrados  sem  passaporte,  con- 
duzidos ao  distrito  da  sua  residência,  serão  aí  julgados  nos  termos  deste 
regulamento.  Se,  porem,  voltarem  expontâneamente  ser-lhes  há  levada 
em  conta  essa  circunstância  no  julgamento. 

Art.  173.°  O  indivíduo  que  scientemente  e  sem  motivo  justificado 
receber  algum  trabalhador  ou  colono  indígena  por  outrem  contratado, 
indemnizará  o  anterior  patrão  das  despesas  feitas  com  o  transporte  e 
contracto  do  mesmo  serviçal,  e  será  obrigado  a  contratá-lo  com  interven- 
ção da  autoridade,  sob  pena  de  multa  de  20$  a  50$. 

Art.  174.°  Todo  aquele  que  abusar  da  fraqueza  e  deficiência  da  instrução 
e  educação  do  indígena,  quer  provocando-o  a  que  êle  faça  dívidas  que 
não  possa  pagar,  quer  incutindo-lhe  falsas  ideias  dos  seus  deveres  ou 
receios  infundados  da  autoridade  ou  emfim,  usando  de  qualquer  outro 
meio  ilícito  afim  de  o  obrigarem  a  recontratar  se  contra  o  seu  desejo  será 
punido  com  a  multa  de  100$  a  1.000$  ou  prisão  até  seis  meses. 

Art.  175.°  É  absolutamente  proibido  envolver  os  trabalhadores  indí- 
genas em  questões  de  propriedade  ou  de  posse,  que  só  nos  tribunais 
ordinários  devem  ser  derimidas.  Aquele  que  nisso  os  envolver  incorrerá 
na  pena  de  recisão  dos  contractos  de  todos  os  trabalhadores  indígenas 
envolvidos  na  questão  ou  multa  de  500$  a  5.000$. 


DE  ANGOLA  691 

Art.  176.°  Todo  aquele  que  vender  clandestinamente  bebidas  alcoólicas 
ou  fermentadas  a  trabalhadores  indígenas  contratados  e  sem  autorização 
do  patrão  deste,  incorrerá  na  pena  de  um  a  seis  meses  de  prisão  correc- 
cional ou  multa  de  100$  a  1.000$. 

Art.  177.°  Os  que  perturbarem  ou  tentarem  perturbar  o  trabalho  dos 
trabalhadores  indígenas  ou  os  aliciar  para  o  abandonar ;  os  que  espa- 
lharem falsas  notícias  tendenciosas,  procurando  desacreditar  os  pa- 
trões perante  os  trabalhadores  indígenas  e  os  que  aplicarem  falsidades 
tendentes  a  prejudicar  os  patrões  ou  serviçais,  ou  a  levantar  estes 
contra  aqueles  serão  punidos  com  a  multa  de  100$  até  1.000$,  ou  prisão 
até  seis  meses. 

§  único.  Se  a  aliciação  fôr  acompanhada  de  actos  de  violência,  para 
fazer  abandonar  o  trabalho  e  a  casa  dos  patrões  com  quem  estive- 
rem contratados,  serão  aplicadas  as  disposições  do  art.  329.°  do  Código 
Penal. 

Art.  178.°  O  acto  de  publicamente  em  reunião  de  trabalhadores  ou 
colonos,  procurar  convencê-los  a  abandonar  o  trabalho,  ou  a  praticar 
qualquer  outro  facto  criminoso  é  condenado  como  provocação  pública 
ao  crime,  sujeito  ao  art.  483.°  do  Código  Penal. 

Art.  179.°  Toda  a  aliciação  ou  provocação  para  o  fim  de  perturbar  o 
trabalho  dos  trabalhadores  e  colonos  indígenas  contratados  nos  termos 
da  lei  em  vigor,  ou  para  se  recusarem,  em  reunião  ao  cumprimento  das 
condições  estabelecidas  nos  respectivos  contractos,  fica  sujeito  às  penas 
estabelecidas  no  art.  483.°  do  Código  Penal,  quando  o  facto,  pelas  mesmas 
circunstâncias  não  esteja  compreendido  em  algumas  das  outras  disposi- 
ções mais  graves. 

Art.  180.°  Todo  o  português  que  publicar  notícias  falsas  e  tendenciosas, 
procurando  demonstrar  a  existência  do  trabalho  forçado  ou  não  livre 
nas  colónias  portuguesas,  será  punido  com  a  multa  de  100$  a  1.000$  ou 
prisão  de  seis  meses  a  cinco  anos. 

Art.  181.°  O  curador  geral  e  seus  agentes  bem  como  os  agentes  do 
Ministério  Público  teem  competência  para  representarem  em  juíso  ou 
administrativamente  os  trabalhadores  e  colonos  indígenas  contratados, 
em  tudo  que  respeita  ao  cumprimento  dos  respectivos  contractos. 

Art.  182.°  A  falta  de  cumprimento  dos  deveres  impostos  pelo  presente 
regulamento,  quer  por  parte  dos  funcionários  da  província,  quer  pelos 
patrões,  agentes  de  recrutamento,  trabalhadores  ou  outras  entidades,  e 
sem  que  neste  se  imponha  penalidade  especial  será  punido  com  a  multa 
de  5$  a  100$  ou  prisão  correccional  de  seis  a  cento  e  oitenta  dias,  quando 
pelas  vias  gerais  não  lhe  corresponda  penalidade  maior. 

§  único.  Na  aplicação  das  penas  impostas  nos  termos  do  presente 
capítulo,  dever-se  ha,  sempre  que  fôr  julgado  de  justiça,  preferir  a  apli- 
cação das  multas  à  prisão  correccional. 

Art.  183.°  Se  na  província  houver  quem  empregue  mulheres  indígenas 
em  estabelecimento  de  venda  de  géneros  alimentícios,  bebidas  de  qualquer 
espécie  ou  ainda  mercadorias  de  uso  especial  dos  indígenas,  provando-se 
por  qualquer  fórmá  que  os  donos  desses  estabelecimentos  exploram  essas 
mulheres  ou  consentem. que  elas  se  entreguem  à  prostituição,  será  cas- 
tigado com  multa  de  200$  a  2.000$  ou  prisão  de  seis  meses  a  dois  anos. 


692  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

§  único.  Se  as  mulheres  a  que  se  refere  este  artigo  forem  casadas  com 
os  donos  dos  estabelecimentos  ainda  mesmo  segundo  os  costumes  gentí- 
licos a  multa  será  de  2.000$  a  5.000$. 

SECÇÃO  II 
Forma  de  processo 

Art.  184.°  As  penas,  quaisquer  que  seja  a  sua  natureza,  da  competência 
do  curador  geral  e  seus  agentes,  que  hajam  de  ser  aplicadas,  nos  termos 
do  presente  diploma,  serão  impostas  em  processo  sumário,  julgando  o 
curador  geral  e  seus  agentes  pela  verdade  sabida. 

Art.  185.°  O  processo  será  gratuito,  escrito  em  papel  branco  e  isento 
de  selo,  emolumentos,  salários,  custas  ou  papel. 

Art.  186.°  No  processo  servirão  de  escrivão  um  oficial  da  curadoria 
geral,  os  secretários  das  administrações  de  concelho,  de  circunscrição,  de 
capitania-mór,  ou  quem  suas  vezes  fizer,  conforme  os  casos. 

§  único.  Na  falta  de  quaisquer  dos  funcionários  mencionados  neste 
artigo,  poderá  ser  nomeado  um  escrivão  ad  hoc. 

Art.  187.°  As  intimações  serão  feitas  pelo  pessoal  das  administrações 
de  concelho,  circunscrição  ou  capitanias-móres  a  que  pertencer  o  agente 
do  curador. 

§  único.  Na  sede  da  curadoria  geral,  as  intimações  serão  feitas  pela 
administração  de  concelho,  sempre  que  tal  seja  requisitado  pelo  curador 
geral,  em  simples  nota  oficial. 

Art.  188.°  O  processo  começará  por  queixa  verbal  ou  escrita,  auto  ou 
mandado,  conforme  os  casos. 

Art.  189.°  Conhecida  a  infracção,  o  curador  geral  ou  seus  agentes, 
sempre  que  por  aquele  lhes  não  forem  restringidas  as  atribuições  a  julgar, 
fará  intimar  o  arguido  para,  no  praso  de  três  a  oito  dias  ou  mais,  se 
houver  motivo  justificado,  comparecer  na  curadoria  geral  ou  suas  agências, 
com  a  defeza  que  tiver. 

§  único.  O  curador  geral  ou  seus  agentes,  quando  entenderem,  poderão 
inquirir  testemunhas  ou  proceder  a  quaisquer  diligências  antes  do  jul- 
gamento. 

Art.  190.°  No  dia  e  hora  designados  para  o  julgamento,  o  escrivão 
verificará  se  está  presente  o  arguido  com  a  sua  defeza,  se  a  tiver,  e  o 
curador  geral  ou  os  seus  agentes  ouvindo  o  arguido  e  as  testemunhas, 
caso  compareçam,  proferirá  em  seguida  a  sentença. 

§  único.  Caso  o  arguido  não  compareça,  correrá  o  processo  à  revelia 
não  se  podendo  fazer  substituir  no  julgamento. 

Art.  191.°  Os  julgamentos  serão  em  discussão  verbal  e  deles  se  lavrará 
acta  escrita  no  livro  do  registo  das  actas  de  julgamentos,  que  deverá 
existir  na  curadoria  geral  e  em  todas  as  suas  agências. 

§  1.°  Das  actas  constará  o  nome  do  autor,  do  arguido,  das  testemu- 
nhas e  de  quaisquer  outras  pessoas  que  intervenham  no  julgamento, 
hora,  dia,  mês  e  ano  em  que  tiver  logar  este,  a  questão  versada  e  a 
sentença. 

§  2.°  As  actas  serão  assinadas  pelo  julgador  e  pelas  testemunhas, 
quando  as  houver  e  saibam  escrever.    São  separadas  umas  das  outras 


DE   ANGOLA  693 

por  um  simples  traço,  não  devendo  ficar  qualquer  linha  em  branco 
entre  elas. 

§  3.°  Na  margem  das  actas  serão  feitas  quaisquer  anotações  que  sejam 
julgadas  necessárias,  bem  assim  como  a  declaração  de  ter  havido  recurso 
e  resultado  deste. 

§  4.°  As  actas  são  feitas  por  séries  anuais,  escrevendo-se  na  margem 
das  folhas  do  livro  respectivo  o  número  de  ordem  e  do  ano  a  que  digam 
respeito. 

§  5.°  As  actas  são  escritas  por  extenso,  sem  emendas,  rasuras  e  alga- 
rismos. Qualquer  erro  será  rectificado  na  mesma  e  em  seguida  à  sentença, 
antes  das  assinaturas. 

Art.  192.°  Proferida  a  sentença  e  passada  em  julgado,  nos  termos  dos 
artt.  194.°  e  195."  o  curador  geral  ou  seus  agentes,  enviarão  às  respectivas 
autoridades  administrativas,  quando  o  não  sejam,  as  certidões  necessárias 
para  que  possa  ser  executada,  quando  se  trate  de  pena  de  prisão. 

Art.  193.°  A  importância  das  multas  dará  entrada  na  Fazenda  por 
guia  passada  pelo  escrivão,  e  assinada  pelo  curador  geral  ou  seus  agentes, 
à  maneira  que  vão  sendo  pagas,  juntando-se  ao  processo  o  recibo  passado 
pelo  recebedor  da  fazenda. 

§  único.  Das  multas  aplicadas  por  maus  tratos  a  qualquer  trabalhador 
indígena,  o  curador  geral  ou  os  seus  agentes  poderão  determinar  que  até 
100  por  cento  da  importância  da  multa  seja  entregue  ao  indígena,  como 
indemnização,  independentemente  de  qualquer  outra  que  deva  receber. 

Art.  194.°  Decorridos  dez  dias  após  a  condenação  em  multa,  que  o 
condenado  a  não  vier  pagar,  quando  não  tenha  recorrido,  porque  neste 
caso  tem  a  sentença  efeito  suspensivo,  notificar-se  ha  à  autoridade  admi- 
nistrativa a  falta  de  pagamento,  remetendo-se-lhe  a  certidão  de  sentença 
a  fim  de  ser  satisfeita  na  cadeia  à  razão  de  1$00  diário. 

§  1.°  Quando  os  agentes  do  curador  forem  conjuntamente  autoridades 
administrativas,  farão  eles  próprios  cumprir  a  prisão. 

§  2.°  Em  qualquer  altura  que  o  preso  pretenda  pagar  a  parte  da  multa 
de  que  ainda  seja  devedor,  ser-lhe  ha  recebida,  sendo  imediatamente 
posto  em  liberdade  e  procedendo- se  com  relação  à  parte  da  multa  paga, 
nos  termos  do  artigo  anterior. 

Art.  195."  Da  sentença  dos  agentes  do  curador  cabe  recurso  para  o 
curador  geral  e  da  sentença  deste  para  o  Governo  Geral. 

Art.  196.°  Qualquer  dos  recursos  acima  mencionados  será  interposto 
no  prazo  de  cinco  dias,  a  contar  da  intimação  da  sentença,  por  meio  de 
uma  petição  que  a  autoridade  recorrida  mandará  juntar  aos  autos  ou 
documentos  do  processo,  dando  recibo  de  entrega  ao  recorrente.  Em 
seguida  mandará  o  curador  geral  ou  os  seus  agentes  tirar  certidão  da 
acta  do  julgamento  pelo  escrivão,  a  qual  assinará,  juntando-se  ao  processo, 
enviando  em  seguida  esta,  assim  instruída  e  com  a  sua  informação  ao 
curador  geral  ou  Governador  Geral,  conforme  fôr  o  caso. 

Art.  197.°  O  curador  geral  ou  o  Governador  Geral,  conforme  o  caso, 
mandará  dar  vista  do  processo  ao  recorrente  por  três  dias  para  que  apre- 
sente a  sua  minuta,  querendo. 

Art.  198.°  Passados  três  dias,  o  processo  será  cobrado  pelos  meios 
prescritos  para  o  processo  judiciário. 


BÔ4  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Art.  199.°  No  caso  do  recurso  para  o  Governador  Geral,  nomeará  este 
a  seguir  um  relator  membro  do  Conselho  do  Governo,  marcando  um 
prazo,  não  inferior  a  quinze  dias,  para  este  relatar  o  processo  em  sessão 
do  Conselho  do  Governo  e  que  se  realizará  depois  desse  prazo. 

Art.  200.°  Quando  o  Conselho  do  Governo  tiver  deliberado,  o  Gover- 
nador Geral,  dentro  do  prazo  de  três  dias,  lançará  o  seu  despacho  nos 
autos  confirmando  ou  revogando  o  do  curador  geral,  e  ordenará  que  o 
processo  seja  remetido  à  Curadoria  Geral  para  cumprir  ou  promover  o 
cumprimento  do  mesmo  despacho. 

Art.  201.°  Do  recurso  para  o  Governador  Geral  será  escrivão  o  primeiro 
oficial  da  Secretaria  do  Governo,  e  as  suas  diligências  serão  feitas  por 
oficiais  de  diligências  da  administração  do  concelho. 

Art.  202.°  Quando  o  curador  geral  fôr  membro  do  Conselho  do  Go- 
verno, não  poderá  assistir  às  deliberações  sobre  recursos  das  sentenças 
da  Curadoria. 

Art.  203.°  Recebido  o  processo  com  o  despacho  do  curador  geral  ou 
deste  e  do  Governador  Geral,  confirmando  ou  negando  a  sentença,  será 
este  logo  intimado  ao  réu  para  dele  ter  conhecimento. 

Art.  204.°  Quando  se  dê  o  caso  do  art.  156.°  o  curador  geral  ou  os  seus 
agentes  intimarão  os  patrões  a  num  prazo  que  lhes  pareça  razoável,  virem 
fazer  entrega  da  importância  das  despezas,  e,  caso  o  não  façam  no  prazo 
marcado,  será  enviada  a  conta  à  autoridade  administrativa,  para  o  efeito 
do  referido  artigo. 

Art.  205.°  Os  agentes  do  curador  informarão  o  curador  geral,  mensal- 
mente, dos  julgamentos  que  fizerem,  segundo  o  modelo  R.  Mesmo  que 
durante  o  mês  não  tenham  feito  aplicação  de  qualquer  pena,  deve  ser  feita 
a  comunicação  nesse  sentido  ao  curador  geral. 

§  único.  Os  mapas  a  que  se  refere  este  artigo  serão  feitos  em  dupli- 
cado, sendo  o  original  enviado  ao  curador  geral  e  ficando  o  duplicado 
arquivado  na  agência,  com  a  data  da  remessa  do  original, 

Art.  206.°  O  curador  enviará  trimestralmente,  ao  Governador  Geral, 
uma  nota  de  todas  as  penas  impostas,  com  indicação  detalhada  das  razões 
que  as  motivaram  e  do  patrão  em  cujo  serviço  se  deu  o  delito. 

CAPÍTULO  IX 
Disposições  transitórias 

Art.  207.°  Os  contractos  celebrados  antes  da  vigência  do  presente  re- 
gulamento subsistirão  até  terminarem  os  respectivos  prazos,  contudo,  os 
trabalhadores  indígenas  e  os  patrões  ficam  sujeitos  às  disposições  tute- 
lares estabelecidas  por  este  regulamento  e  outras  de  ordem  pública. 

Art.  208.°  Os  trabalhadores  indígenas  contratados  na  província  e  pres- 
tando serviço  em  S.  Tomé  e  Príncipe,  antes  da  vigência  do  presente  re- 
gulamento, que  não  tenham  depósito  algum  no  fundo  de  repatriação, 
serão,  quando  terminados  os  seus  contractos,  caso  o  desejem,  repatriados 
à  custa  dos  patrões  e  entregues  ao  Governador  Geral,  o  qual  providenciará 
para  que  sejam  devidamente  tutelados,  protegidos  e  levados  até  às  suas 
terras  sob  a  vigilância  das  autoridades,  sendo  para  esse  efeito  abonados 


DE    ANGOLA  695 


pelo  cofre  de  repatriação  da  colónia  onde  o  indígena  trabalhou  uma  verba 
não  superior  a  30$  para  as  despesas  da  tutela  de  cada  serviçal,  a  qual 
será  entregue  ao  Governador  Geral. 

Art.  209.°  O  governador  geral,  com  os  repatriados  que  não  tenham 
descontado  parte  alguma  dos  seus  vencimentos  para  o  cofre  de  repatriação 
poderá  organizar  povoações  indígenas,  aos  quais  dará  habitação,  terras, 
sementes  e  utensílios  de  agricultura  e  onde  os  manterá  sob  a  sua  vigi- 
lância, a  fim  de  não  serem  esbulhados  çlos  meios  que  lhes  forem  entregues. 

§  único.  Se  os  repatriados  não  forem  capazes  de  angariar  os  meios 

de 'subsistência  por  serem  inválidos,  serão  entregues  às  suas  famílias, 

sendo-lhe  abonada  a  verba  de  30$  indicada  no  art.  208.°,  e  caso  não  tenham 

família,   serão  instalados  nas  povoações  organizadas  pelo  governador, 

recebendo  a  mesma  quantia  de  30$,  depois  de  deduzidas  as  quantias 

gastas  com  a  instalação. 

(Modelo  A) 

SECRETARIA  DOS  NEGÓCIOS  INDÍGENAS      ^      SECRETARIA  DOS  NEGÓCIOS  INDÍGENAS 
E   CURADORIA  DOS  SERVIÇAIS  M  E  CURADORIA  DOS  SERVIÇAIS 

Talão  da  guia  de  depósito  i».°...  <»  Guia  de  depósito  n.°... 

Entregou. . .  a  quantia  de. . .  que  «^  O  Ex.m0  Sr.  . .  entregou  a  quan- 
fica  depositada  nesta  Secretaria  Aã  tia  de. ..  que  fica  depositada  nesta 
como  garantia  da  licença  de  recru-  «**  Secretaria  como  garantia  da  licença 
tamento  que  requereu.  ít  de  recrutamento  que  requereu. 

Loanda, . .  .  de. . .  de  19. . .  ^      Loanda,. . .  de.  . .  de  19. . . 

Esc. ..$...  É      Esc ..$... 

M 

O  Secretário  dos  Negócios  Indígenas  *=£  O  Secretario  dos  Negócios  Indígenas 

e  Curador  Cerai,  *N»(»  e  Curador  Geral, 


(Modelo  B) 

PROVÍNCIA  DE  ANGOLA 

Licença  de  recrutamento  para  prestação-  de  serviços 

AGENTE  DE  RECRUTAMENTO) 

Tendo. . .  provado  achar-se  no  caso  de  obter  licença  para  recrutamento 
de  indígenas  nos  termos  do  Regulamento  de  trabalho  indígena  em  vigor, 
hei  por  conveniente  passar-lhe  a  presente  licença. . .  válida  desde. . .  de. . . 
de.   .  até. . .  de. . .  de. . . 

Loanda,. . .  de. . .  de. . . 

O  Agente  de  recrutamento, 

O  Governador  Geral, 


A  presente  licença  só  permite  o  recrutamento  de  serviçais  para  ser 
viço. . .  e  será  apresentada  sempre  que  fôr  pedida  por  qualquer  autoridade 
administrativa  ou  militar. 


696  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Modelo  B  (verso) 

Direitos  e  deveres  dos  agentes  de  recrutamento  e  seus  engajadores 

1.°  As  licenças  são  pessoais  e  intransmissíveis,  sendo  expressamente 
proibido  ao  portador  da  licença  o  fazer-se  substituir  por  outrem  no 
exercício  das  suas  funções,  sob  pena  de  30100  a  150100  de  multa  e  prisão 
correccional  de  um  a  seis  meses. 

2.°  A  renovação  da  licença  é  obrigatória  dentro  dos  quinze  dias  que 
se  seguirem  ao  seu  termo,  sob  pena  da  perda  da  caução  depositada.  Quando 
o  agente  não  queira  continuar  a  exercer  o  seu  mister  deverá,  dentro  de 
quinze  dias,  o  mais  tardar,  que  se  seguirem  ao  termo  da  sua  licença, 
declará-lo  na  curadoria,  sendo  a  declaração  acompanhada  das  licenças 
ainda  válidas  dos  engaj adores  que  tenham  trabalhado  sob  a  sua  direcção. 

3.°  Em  caso  de  alteração  de  ordem  pública  ou  outro  de  força  maior,  o 
Governo  da  Metrópole,  por  proposta  do  Governador  Geral,  pode  suspender 
o  exercício  de  todas  as  licenças  de  recrutamento  e  as  respectivas  opera- 
ções em  todas  ou  em  determinadas  regiões  da  província,  sem  que  os 
agentes  e  seus  engaj  adores  tenham  direito  a  qualquer  indemnização. 

4.°  As  autoridades  competentes  para  sancionar  as  nomeações  de  agen- 
tes e  de  engajadores  poderão  cancelar  as  nomeações  que  hajam  feito, 
sempre  que  o  entendam  conveniente. 

5."  Os  agentes  de  recrutamento  e  seus  engajadores  deverão  apresentar 
os  serviçais  angariados  ao  curador  ou  seu  agente  que  mais  próximo 
ficarem  do  local  das  suas  operações,  afim  de  serem  celebrados  os  contra- 
ctos, nos  termos  legais. 

6.°  As  autoridades  prestarão  todas  as  facilidades  aos  agentes  de  recru- 
tamento e  seus  engajadores  intervindo  simplesmente  no  angariamento 
para  o  fiscalisar  e  garantir  a  liberdade  do  indígena. 

7.°  É  proibido  aos  agentes  de  recrutamento  e  engajadores: 

a)  Empregar  engajadores  indígenas  que  não  sejam  portugueses ; 

b)  Recrutar  indígenas  e  entregá-los  aos  patrões  sem  que  previamente 
tenham  feito  o  respectivo  contracto,  sem  ou  com  intervenção  da  autoridade; 

c)  Desviar  os  indígenas  do  destino  para  que  tenham  sido  contratados. 

(Modelo  C) 

PROVÍNCIA  DE  ANGOLA 
Licença  de  recrutamento  para  prestação  de  serviços 

AGENTE  AUXILIAR  DE  RECRUTAMENTO  (engajador  europeu) 

Tendo-me  sido  proposta  por. . .  a  nomeação  de  .  filho  de. . .  e  de. .  • 
que  pelo  proponente  me  é  afiançado  como  pessoa  honesta  e  de  bons  cos- 
tumes, para  engajador  de  serviçais  indígenas  e  conformando-me  com  essa 
proposta  lhe  passo  a  presente  licença,  pela  qual  pagou  a  taxa  de  ...$... 

Esta  licença  lhe  dá  direito  a  engajar  serviçais  no. .  .  pelo  período  de. . . 
a  começar  em ...  de . . .  de .  . .  e  terminando  em  de . . .  de  . . 

Loanda, . . .  de. . .  de. . . 

O  Engajador 

O  Secretário  dos  Negócios  Indígenas 
e  Curador  Geral 


DE  ANGOLA  697 

(Modelo  C)  (verso) 

Direitos  e  deveres  dos  agentes  de  recrutamento  e  seus  engajadores 

1.°  As  licenças  são  pessoais  e  intransmissíveis,  sendo  expressamente 
proibido  ao  portador  da  licença  o  fazer-se  substituir  por  outrem  no  exer- 
cício das  suas  funções,  sob  pena  de  30$00  a  150$00  de  multa  e  prisão  cor- 
reccional de  um  a  seis  meses. 

2.°  A  renovação  da  licença  é  obrigatória  dentro  dos  quinze  dias  que  se 
seguirem  ao  seu  termo,  sob  pena  da  perda  da  caução  depositada.  Quando 
o  agente  não  queira  continuar  a  exercer  o  seu  mister  deverá,  dentro 
de  quinze  dias,  o  mais  tardar,  que  se  seguirem  ao  termo  da  sua  licença, 
declará-lo  na  curadoria,  sendo  a  declaração  acompanhada  das  licenças 
ainda  válidas  dos  engajadores  que  tenham  trabalhado  sob  a  sua  dire- 
cção. 

3.°  Em  caso  de  alteração  de  ordem  pública,  ou  outro  de  força  maior, 
o  Governo  da  Metrópole,  por  proposta  do  Governador  Geral,  pode 
suspender  o  exercício  de  todas  as  licenças  de  recrutamento  e  as  respe- 
ctivas operações  em  todas  ou  em  determinadas  regiões  da  Província, 
sem  que  os  agentes  e  seus  engajadores  tenham  direito  a  qualquer  inde- 
mnização. 

4.°  As  autoridades  competentes  para  sancionar  as  nomeações  de  agentes 
e  de  engajadores  poderão  cancelar  as  nomeações  que  hajam  feito,  sempre 
que  o  entendam  conveniente. 

5.°  Os  agentes  de  recrutamento  e  seus  engajadores  deverão  apresentar 
os  serviçais  angariados  ao  curador  ou  seu  agente  que  mais  próximo  fica- 
rem do  local  das  operações,  afim  de  serem  celebrados  os  contractos,  noa 
termos  legais. 

6.°  As  autoridades  prestarão  todas  as  facilidades  aos  agentes  de  recru- 
tamento e  seus  engajadores  intervindo  no  angariamento  simplesmente 
para  o  fiscalizar  e  garantir  a  liberdade  do  indígena. 

7.°  É  proibido  aos  agentes  de  recrutamento  e  engajadores: 

a)  Empregar  engajadores  indígenas  que  não  sejam  portugueses; 

b)  Recrutar  indígenas  e  entregá-los  aos  patrões  sem  que  previamente 
tenham  feito  o  respectivo  contracto,  sem  ou  com  intervenção  das  autori- 
dades ; 

c)  Desviar  os  indígenas  do  destino  para  que  tenham  sido  contratados. 

(Modelo  D) 

x  PROVÍNCIA  DE  ANGOLA 

Licença  de  recrutamento  para  prestação  de  serviços 

AGENTE  ESPECIAL  DE  RECRUTAMENTO  (engajador  indígena) 

Pelo  presente  declaro  que  nomeio  engajador  o  indígena. . . ,  da  povoação 
de...,  sobado  de...,  afim  de  me  auxiliar  no  recrutamento  de  serviçais 
45 


698  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

indígenas,  e  pelo  qual  me  responsabilizo.    A  presente  nomeação  deverá 
ter. . .  meses  de  validade,  a  contar  da  data  em  que  fôr  aprovada. 
Loanda, . . .  de...  de. . . 

0  Patrão  ou  Agente, 

■Visto  e  aprovado. 

Loanda,.  .  •  de. . .  de  .. 

0  Secretário  dos  Negócios  Indígenas 
e  Curador  Gerai, 

(Modelo  D)  (verso) 

Direitos  e  deveres  dos  agentes  de  recrutamento  e  seus  engajadores 

1.°  As  licenças  são  pessoais  e  instransmissíveis,  sendo  expressamente 
proibido  ao  portador  da  licença  o  fazer-se  substituir  por  outrem  no 
exercício  das  suas  funções,  sob  pena  de  30100  a  150$00  de  multa  e  prisão 
correccional  de  um  a  seis  meses. 

2.°  A  renovação  da  licença  é  obrigatória  dentro  dos  quinze  dias  que 
se  seguirem  ao  seu  termo,  sob  pena  da  perda  da  caução  depositada. 
Quando  o  agente  não  queira  continuar  a  exercer  o  seu  mister  deverá, 
dentro  de  quinze  dias,  o  mais  tardar,  que  se  seguirem  ao  termo  da  sua 
licença,  declará-lo  na  curadoria,  sendo  a  declaração  acompanhada  das 
licenças  ainda  válidas  dos  engajadores  que  tenham  trabalhado  sob  a  sua 
direcção. 

3.°  Em  caso  de  alteração  de  ordem  pública,  ou  outro  de  força  maior, 
o  Governo  da  Metrópole,  por  proposta  do  Governador  Geral,  pode  sus- 
pender o  exercício  de  todas  as  licenças  de  recrutamento  e  as  respectivas 
operações  em  todas  ou  em  determinadas  regiões  da  Província,  sem  que 
os  agentes  e  seus  engajadores  tenham  direito  a  qualquer  indemnização- 

4.°  As  autoridades  competentes  para  sancionar  as  nomeações  de  agentes 
e  de  engajadores  poderão  cancelar  as  nomeações  que  hajam  feito,  sempre 
que  o  entendam  conveniente. 

5.°  Os  agentes  de  recrutamento  e  seus  engajadores  deverão  apresentar 
os  serviçais  angariados  ao  curador  ou  seu  agente  que  mais  próximo 
ficarem  do  local  das  operações,  afim  de  serem  celebrados  os  contractos, 
nos  termos  legais. 

6.°  As  autoridades  prestarão  todas  as  facilidades  aos  agentes  de  recru- 
tamento e  seus  engajadores  intervindo  no  angariamento  simplesmente 
para  o  fiscalizar  e  garantir  a  liberdade  do  indígena. 

7.°  É  proibido  aos  agentes  de  recrutamento  e  engajadores: 

a)  Empregar  engajadores  indígenas  que  não  sejam  portugueses; 

b)  Recrutar  indígenas  e  entregá-los  aos  patrões  sem  que  previamente 
tenham  feito  o  respectivo  contracto,  sem  ou  com  intervenção  das  autori- 
dades ; 

c)  Desviar  os  indígenas  do  destino  para  que  tenham  sido  contratados. 


Í)E  ANGOLA 


699 


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(Modelo  H) 

CURADORIA  GERAL  DA  PROVÍNCIA  DE  ANGOLA 

Agência  de. . . 

BILHETE  DE    IDENTIDADE 


?  Nome... 

*  Número  do  contracto. . . 

g  Pai... 

g  Mãe  .  • 

£  Sobado... 

g  Concelho,  Circunscrição  ou  Capitania-mór. . . 

£  Duração  do  contracto   . . 

»  Salário... 

w  Natureza  do  serviço... 

3  "    <^>  Local  da  prestação  do  serviço. . . 

4to   ^  ^ata  d°  contracto. 
. . ., 


de...  de  191. 


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O  Agente  do  Curador, 


M,   Vapor  em  que  partiu. . . 
—   M   Data  da  chegada  ao  local  do  trabalho. 


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(Modelo  H) 


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$&  Agência  de... 


$  Contracto  de  prestação  de  serviços 


5Jg  (Modelo  H)  ^  (Modelo  H) 

|     CURADORIA  GERAL  DA  PROVÍNCIA  DE  ANGOLA     |  CURADORIA  GERAL  DA  PROVÍNCIA  DE  ANGOLA 

®  Agência  de...  <|»  Agência  de... 


i\ 


Nos  termos  do  regulamento  do  trabalho  dos  indí- 
genas de.  •(')•••  em  nome  da(2)..-  contracta  para 
prestação  de  serviços,  o  indígena  (3). . .  e...  que  de- 
clarou perante  mim  desejar  contrata-rse  livremente 
e  sem  imposição  de  qualquer  espécie,  para  ir  ser- 
vir por  {*)■•■  nas(*)  propriedades  agrícolas,  sitas 
em  (•)...,  (')•..,  (8)-.. 

O  salário  mensal  será  de...S---  e  alimentação :  o 
serviçal  deixa  à  sua  família  a  pensão  mensal  de  ■ . .  S .  ■ . 
e  recebeu  de  adiantamento  a  quantia  de  ..&■■■ 

Obrigamo-nos  a  cumprir  o  presente  contracto  feito 
hoje...  de...  de  19... 
(9)  ■• 


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O  Agente  do  Curador, 


(10) 


Vistos 

Indicações   especiais 

Ao   último  patrão  com 
quem  servir  fica  a  obri- 
gação de  pagar  a  viagem 
de  regresso,  sempre  que 
o  serviçal  se  repatrie. 

N: 


g 


BILHETE   DE    IDENTIDADE 


M  Contracto  de  prestação  de  serviços 

*  % 

W  Nos  termos  do  regulamento  do  trabalho  dos  indí-  & 

Jv?  genasde...  (')••■  em  nome  do(2)...  contracta  para  JR 

W  prestação  de  serviços,  o  indígena  (3). . .  e..    que  de-  M 

M  clarou  perante  mim  desejar  contratar-se  livremente  'M   m"': 

M  e  sem  imposição  de  qualquer  espécie,  para  ..                     

ts>  .             /iv                 n\           •   •  j    /„„   „„*.;™i„«    citoo  W    Concelho,  Circunscrição  ou  Capitania-mor. 

ffi  vir  por («)...    nas(>)  propriedades  agrícolas,  sitas  K   „„„.„./,, .Jj 

m  em  (6)...  (')   ..,(')■•• 

$%       O  salário  mensal  será  de. .  .$.  ■  ■  e  alimentação: 

^   serviçal  deixa  à  sua  família  a  pensão  mensal  de . . .  S  • 

^   e  recebeu  de  adiantamento  a  quantia  de  ...$.. . 

^       Obrigamo-nos  a  cumprir  o  presente  contracto  feito 

^   hoje. ..  de...  de  19... 

m  (>)■■■ 


w 


O  Agente  do  Curador, 


Nome. . . 

Número  do  contracto. 

Pai... 


Sobado. 


Duração  do  contracto 
Salário. . . 

Natureza  do  serviço... 
Local  da  prestação  do  s 
Data  do  contracto. . . 
...,  ...de...  de  191. 


O  Agente  do  Curador, 


M  Vapor  em  que  partiu. . . 

W   Data  da  chegada  ao  local  do  trabalho. 


Indicações  espec 


Ao  último  patrão   com  M. 

quem  servir  fica  a  obri-  <£* 

gação  de  pagar  a  viagem  M 

de  regresso,  sempre  que  m 

o  serviçal  se  repatrie.  M 


(')  Nome  do  patrão  ou  do  agente  do  recrutamento.  —  (:)  Nome 
do  patrão  cuso  o  contracto  seja  feito  pelo  agente.—  (a)  Nome  do 
indígena. —(')  Tempo  do  contracto.  —  (s)  Espécie  de  estabeleci- 
mento, se  agrícola,  comercial  ou  industrial.  —  t6)  Colónia  para 
onde  vai  servir.—  (']  Distrito.  —  !")  Concelho,   Circunscrição  ou 


é£9  do   palrao 

S£  doindígen 

5ÁP  mento,  se  agrícola, 

ÍS  onde  vai  servir.  -  (! 


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Capitania-mór.  —  (fl)  Assinatura  do  patrão  ( 
para  impressão  do  polegar  do  serviçal. 


I  Logar    «JVC»    Capitania-mór.  —  (")  Assinatur; 
JêS    para  impressão  do  polegar  do 


patrão  ou  do  agente  do  recrutamento  — (•)  Noi 
o  contracto   seja  feito  pelo  agente.  —  t'l  Nor 

«I  Tempo  do  contracto.  —  (')  Espécie  de  estabeleci-  $£ 

omercial  ou  industrial.  -  ,«)  Colónia  para  ^g 

Distrito.  -  (•)  Concelho,    Circunscrição  ou  ^ 

t.rãn  ou  agente.-!"»)  Logar  £%• 


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representa.   . 
Serviçal 

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DE  ANGOLA 


703 


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Patrão 


Patrão 


Naturalidade... 
Companhia  que  representa. 


Patrão. . . 
Observações. 


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Nome  .. 
Idade.. 

Naturalidade. . . 
Companhia  que  representa. . 


Serviçal 


Nome  próprio... 

Outros  nomes  de  que  usa  ou  usou. 


Nome  do  pai... 

Nome  da  mãe.. . 

Nome  da  povoação  onde  nasceu- . . 

Circunscrição,  concelho  ou  capitania-mór  onde 

ceu . . . 
Distrito... 
Se  leva  família  e  qual. . . 


Nome  próprio . .  ■ 

Outros  nomes  de  que  usa  ou  usou. . . 
Sobado  .. 
Nome  do  pai.   . 
Nome  da  mãe . . . 

Nome  da  povoação  onde  nasceu.  • . 
Circunscrição,  concelho  ou  capitania-mór  onde  nas- 
ceu . . . 
Distrito . . . 
Se  leva  família  e  qual. . . 


704 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


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DE   ANGOLA 


705 


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DE  ANGOLA 


707 


•  (Modelo  N) 

BILHETE  DE  TRABALHO 
NOME  DA  PROPRIEDADE 

Número  do  registo  de  trabalhadores. . ,  Data  de  entrega. . . 


O  Patrão  ou  o  administrador  da  propriedade 


(Modelo  O) 


PROVÍNCIA  DE  ANGOLA 


DEPARTAMENTO  MARÍTIMO  DA  PROVÍNCIA  DE  ANGOLA 

Licença  para  transporte  de  serviçais  indígenas 

Tendo  o  Comandante  do...  depositado  na  recebedoria  de  Fazenda  a 
quantia  de  2:000$00  como  demonstrou  por  documento  comprovativo  que 
fica  arquivado  nesta  repartição,  pela  presente  licença  o  autorizo  a  trans- 
portar serviçais  nos  termos  do  Regulamento  do  Trabalho  Indígena  em 
vigor  nesta  Colónia. 

O  número  dos  serviçais  que  no  máximo  poderá  ser  de. . . 

Loanda. . .  de. . .  de. . . 

O  Chefe  do  Departamento  Marítimo, 

(Modelo  P) 
DEPARTAMENTO  MARÍTIMO  DA  PROVÍNCIA  DE  ANGOLA 
Capitania  do  Porto  de. .  . 
RESSALVA  PELO  TRANSPORTE  DE  SERVIÇAIS 

Tendo  o  Comandante  do.  .  transportado  serviçais  indígenas  de.  . 
para. .  ,  e  tendo  verificado  por  inspecção  própria  e  pelas  informações  re- 
cebidas que  o  tratamento  dado  aos  serviçais  foi  . .  lhe  passe  a  presente 
ressalva. 

...  de ...  de  . . 

O... 


708 


POPULAÇÕES   INDÍGENAS 


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IX 

PROJECTO  REGULANDO  OS  ACIDENTES  DO  TRABALHO 

Art.°  1.°  Os  agricultores,  industriais,  comerciantes  ou  qualquer  outro 
particular  que  ao  seu  serviço  empregue  trabalhadores  indígenas,  pagará, 
conforme  estabelece  este  diploma,  uma  indemnização  ao  trabalhador  indí- 
gena a  que,  no  desempenho  do  trabalho  a  seu  cargo  ou  por  causa  dele, 
sobrevenha  acidente  de  que  resulte  incapacidade  de  trabalho  temporária 
ou  permanente. 

Art.°  2.°  No  caso  de  pelo  acidente  resultar  a  morte,  será  a  indemnização 
paga  aos  parentes  considerados  herdeiros  conforme  o  costume  local. 

Art.°  3.°  O  patrão  pagará  : 

1.°  Por  um  acidente  de  que  resulte  a  incapacidade  temporária,  uma 
indemnização  correspondente  a  um  terço  da  importância  dos  seus  salá- 
rios, emquanto  essa  incapacidade  persistir,  tomando  por  base  o  salário 
que  o  trabalhador  percebia  à  data  do  acidente; 

2.°  Por  um  acidente  de  que  resulte  a  incapacidade  de  trabalho  perma- 
nente, uma  pensão  vitalícia  correspondente  a  metade  do  salário  que  o  tra- 
balhador percebia  à  data  do  acidente; 

3.°  Por  um  acidente  de  que  resulte  a  morte,  uma  indemnização  nunca 
inferior  a  50100. 

Art.  4.°  A  indemnização  a  pagar  .por  acidente  de  que  resulte  a  morte 
será  fixada,  para  cada  caso,  pela  comissão  de  assistência  médica  aos  indí- 
genas e  tendo  em  atenção  as  circunstâncias  em  que  o  caso  se  deu. 

Art.  5.°  Das  resoluções  da  comissão  de  assistência  médica  aos  indí- 
genas caberá  recurso  para  o  Governador  Geral  em  Conselho  do  Governo, 
por  intermédio  da  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas. 

Art.  6.°  O  disposto  nos  n.os  1.°  e  2.°  do  artigo  3.°  não  dispensa  o  sus- 
tento e  o  tratamento  médico  a  que  por  lei  os  trabalhadores  indígenas  teem 
direito. 

Art.  7.°  As  indemnizações  a  pagar  não  poderão  ser  satisfeitas  levando 
em  conta  os  adeantamentos  feitos  aos  trabalhadores  indígenas. 

Art.  8.°  Os  patrões  são  obrigados  a  comunicar  à  autoridade  adminis- 
trativa a  que  pertence  o  local  da  prestação  do  trabalho,  todo  e  qualquer 
acidente,  logo  que  êle  tenha  logar. 

Art.  9.°  As  indemnizações  serão  pagas  por  intermédio  da  autoridade 
administrativa,  lavrando-se  uma  acta,  que  ficará  arquivada  na  secretaria 
da  administração,  circunscrição  ou  capitania-mór,  conforme  o  caso,  e  de 


DE  ANGOLA  711 

que  se  extrairão  duas  cópias  uma  para  ser  entregue  ao  patrão  e  outra 
para  ser  enviada  à  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas. 

Art.  10.°  Nenhuma  indemnização  será  devida  por  acidentes  provocados 
voluntariamente  ou  por  comprovado  estado  de  embriaguez. 

Art.0  11.°  As  infracções  ao  disposto  neste  diploma  por  parte  dos  patrões 
serão  punidas  pelas  autoridades  administrativas  com  multa  de  cinco  a 
vinte  escudos. 

Art.  12.°  O  médico,  enfermeiro,  ou  qualquer  outro  empregado  do  esta- 
belecimento onde  se  tenha  dado  um  incidente  no  trabalho,  que,  não  comu- 
nicado pelo  patrão,  não  dê  dele  imediato  conhecimento  à  autoridade  admi- 
nistrativa, será  punido  pela  mesma  com  uma  multa  de  cinco  a  cincoenta 
escudos. 

Art.  13.°  Os  administradores  de  concelho,  circunscrição  ou  capitães- 
mores  elaborarão  mensalmente  um  mapa.  dos  acidentes  no  trabalho, 
conforme  o  modelo  junto,  e  enviá-lo  hão  para  a  Secretaria  dos  Negócios 
Indígenas  até  ao  dia  15  de  cada  mês. 


712 


POf-ULAÇOES   INDÍGENAS 


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PROJECTO  DO  DIPLOMA  REGULANDO  A  REPRESSÃO 
DA  OCIOSIDADE  E  VADIAGEM 

Art.  l.°  Os  indígenas  válidos  da  província  de  Angola  são  moral  e  legal- 
mente sujeitos  à  obrigação  de,  por  meio.  do  trabalho,  adquirir  os  meios 
de  subsistência,  e  de  melhorar  sucessivamente  a  sua  condição  social. 

Art.  2.°  Todo  o  indígena  que  não  cumprir  voluntariamente  esta  obri- 
gação, será  obrigado  a  fazê-lo  pelas  autoridades  administrativas. 

§  1.°  A  escolha  do  modo  de  cumprir  a  obrigação  de  trabalho  é  livre 
para  os  maiores  de  dezoito  anos. 

§  2.°  Para  os  menores  de  18  anos  a  escolha  de  trabalho  é  feita  pelos 
pais  e  na  sua  falta,  por  quem  sobre  eles  exerça  legalmente  tutela. 

Art.  3.9  As  autoridades  administrativas,  para  imporem  a  obrigação 
legal  de  trabalho  aos  indígenas,  servir-se  hão,  pela  ordem  por  que  suces- 
sivamente devem  ser  empregados,  dos  seguintes  meios: 

1.°  Notificar  aos  indígenas,  por  editais,  bandos,  afixações  de  avisos  e 
comunicações  às  autoridades  gentílicas,  a  obrigação  a  que  estão  sujeitos; 

2.°  Chamar  à  sua  presença  os  remissos,  sob  custódia,  se  for  preciso, 
admoestando-os  e  emprazando-os  a  procurar  cumprir  a  obrigação  a  que 
estão  sujeitos  dentro  de  um  curto  período  de  tempo; 

3.°  Mandar  apresentar  os  transgressores  aos  funcionários  que  dirijam 
estabelecimentos  ou  obras  do  Estado  ou  dos  Municípios,  dentro  da  área 
da  sua  jurisdição,  designando-lhe  o  tempo  por  que  devem  prestar  ser- 
viço e  o  salário  máximo  a  perceberem,  que  será  o  mínimo  porque  esteja 
em  uso,  na  localidade,  pagar  idênticos  trabalhos; 

4.°  Distribuir-lhe  terrenos,  nos  termos  do  Regimen  de  Concessões  de 
Terrenos  em  vigor,  impondo-lhe  culturas  apropriadas,  dando-lhe  instru- 
ções e  auxiliando-os,  com  os  meios  de  que  puder  dispor,  na  aquisição  de 
sementes  e  venda  dos  produtos. 

§  único.  Às  autoridades  administrativas  é  expressamente  vedado  for- 
necer trabalhadores  indígenas  para  serviço  de  particulares. 

Art.  4.°  A  obrigação  legal  de  trabalho  julga-se  cumprida: 

1.°  Pelos  indígenas  que  provem,  pela  certidão  de  manifesto  de  capitais, 
que  possuem  capitais  cujo  rendimento  lhes  assegure  meios  de  subsistência 
para  si  e  suas  famílias; 

2.°  Pelos  indígenas  proprietários,  inscritos  como  tais  na  respectiva 
matriz,  e  que  vivam  dos  próprios  rendimentos ; 


714  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

3.°  Pelos  indígenas  concessionários  de  terrenos,  nos  termos  do  Regula- 
mento de  Concessões  de  Terrenos  em  vigor,  que  mostrem  ter,  persistente- 
mente cultivados,  dois  hectares  de  terreno  por  cada  chefe  de  família  e 
meio  hectar  por  cada  membro  da  mesma; 

4.°  Pelos  indígenas  que  exerçam  qualquer  arte,  ofício,  profissão  ou 
mister  de  que  tirem  licitamente  os  meios  de  subsistência  e  desse  modo 
procurem  trabalhar  quotidianamente; 

5.°  Pelos  indígenas  que  provem  estar  prestando  serviço  mediante 
pagamento  de  um  salário  ou  tenham  já  prestado  pelo  menos  4  meses  em 
cada  ano ; 

6.°  Pelos  indígenas  alistados  como  soldados  ou  cipaios. 

§  único.  Os  indígenas  compreendidos  no  n.°  5  deste  artigo  que  não 
possuam  lavras  onde  trabalhem,  nem  habitualmente  se  entreguem  à  ex- 
ploração e  aproveitamento  de  quaisquer  produtos  coloniais,  para  a  venda 
ao  comércio  do  consumo  local  ou  de  exportação,  oú  não  exerçam  em 
suma,  qualquer  mister  de  onde  se  reconheça  que  podem  tirar  os  meios 
de  subsistência,  durante  os  8  meses  restantes,  sem  viverem  à  custa  do 
trabalho  das  mulheres  numa  imoral  ociosidade,  não  ficam  isentos  da  obri- 
gação de  trabalho  e  para  com  eles  se  procederá  nos  termos  do  artigo  3.° 

Art.  5.°  São  isentos  da  obrigação  legal  de  trabalho: 

1.°  As  mulheres; 

2.°  Os  homens  de  mais  de  60  anos  ou  menores  de  14; 

3.°  Os  doentes  ou  inválidos; 

4.°  Os  sobas,  séculos,  macotas  e  similares,  como  tais  reconhecidos 
pela  autoridade. 

§  único.  A  isenção  da  obrigação  legal  de  trabalho  às  mulheres  não 
prejudica  as  medidas  de  repressão  que  as  autoridades  possam  tomar, 
impondo  o  trabalho  e  corrigindo  aquelas  que  averiguar  levarem  uma 
vida  imoral  de  ociosidade,  entregendo-se  à  vadiagem  ou  prostituição. 

Art.  6.°  Nos  cadernos  do  recenseamento  da  população  registar-se 
ha  a  forma  como  cada  indígena  dá  cumprimento  à  obrigação  de  tra- 
balho. 

Art.  7.°  Todo  o  indígena  é  obrigado  a  munir-se  da  caderneta  de  tra- 
balho, conforme  o  modelo  junto,  fornecida  pela  autoridade  administrativa, 
e  da  qual  conste  a  forma  como  o  indígena  anualmente  dá  cumprimento  à 
obrigação  legal  de  trabalho  ou  a  razão  por  que  desta  obrigação  está 
isento. 

Art.  8.°  As  cadernetas  de  trabalho  são  pessoais,  intransmissíveis  e 
isentas  de  selo. 

Art.  9.°  Por  cada  caderneta  de  trabalho  cobrarão  as  autoridades  admi- 
nistrativas o  único  emolumento  de  dez  centavos. 

§  único.  O  custeio  das  cadernetas  de  trabalho  sairá  deste  emolumento. 

Art.  10.°  Aos  administradores  de  concelho,  circunscrição  ou  capitães- 
móres  incumbe  anualmente: 

1.°  Lançar  na  caderneta  de  trabalho  de  cada  indígena  pertencente  à 
área  da  aua  jurisdição,  a  forma  como  deu  cumprimento  à  obrigação  legal 
de  trabalho  ou  por  que  dessa  obrigação  está  isento; 

2.°  Fazer  o  registo  das  cadernetas  de  trabalho; 

3.°  Lançar  no  caderno  do  recenseamento  da  população  a  forma  por 


DE   ANGOLA  7ÍÕ 

que  cada  indígena  deu  cumprimento  à  obrigação  legal  de  trabalho  ou  por 
que  desta  fica  isento; 

4.°  Autenticar  com  a  sua  assinatura  e  selo  em  branco  da  secretaria  a 
caderneta  de  trabalho. 

Art.  11.°  Aos  administradores  dos  concelhos  ou  circunscrições  civis  e 
aos  capitães-móres  compete  averiguar  a  forma  como  cada  indígena  da 
área  das  suas  jurisdições,  dá  cumprimento  à  obrigação  de  trabalho  e 
vigiar  por  que  a  cumpram,  servindo-se,  para  esse  efeito,  dos  meios  ao 
seu  alcance,  e  nomeadamente,  dos  seguintes : 

1.°  Do  registo  do  manifesto  de  capitais,  da  matriz  predial,  das  licenças 
para  comércio  e  indústria  e  do  tombo  de  concessões  de  terrenos; 

2.°  Dos  cadernos  de  recenseamento  da  população  e  do  arrolamento 
para  a  cobrança  do  imposto  de  cubata; 

3.°  Dos  registos  de  contractos  de  trabalho  feitos  nos  termos  dos  Regu- 
lamentos em  vigor; 

4.°  Das  informações  dos  funcionários  e  das  autoridades  gentílicas ; 

5.°  Da  exigência  da  apresentação  da  caderneta  de  trabalho; 

6.°  Das  visitas  e  rusgas  que  fizerem  ou  mandarem  fazer  às  autoridades 
que  lhes  estiverem  subordinadas. 

Art.  12.°  Os  indígenas  sujeitos  à  obrigação  de  trabalho  que  desobede- 
cerem e  resistirem  à  acção  suasória  indicada  no  art.  3.°,  tornando-a  sob 
qualquer  pretexto  ineficaz,  serão  considerados  vadios  e  como  tal  detidos 
e  julgados  pelos  tribunais  indígenas  do  2.°  grau  e  condenados  na  pena  de 
trabalho  correccional  até  um  ano. 

Art.  13.°  Os  indígenas  que  condenados  por  vadiagem  se  evadirem  dos 
locais  em  que  forem  obrigados  a  trabalhar  ou  a  caminho  para  esses  lo- 
gares,  os  relapsos  a  quem  nos  dois  últimos  anos  tenha  sido  imposta 
mais  de  uma  pena  por  vadiagem,  e  todos  aqueles  que,  por  qualquer 
modo,  fujam  pertinazmente  ao  cumprimento  da  sua  obrigação  de  trabalho, 
sejam  elementos  perturbadores  e  inconvenientes,  ou  instigadores  à  deso- 
bediência da  obrigação  de  trabalho,  será  instaurado  auto  administrativo, 
em  que  deponham  3  testemunhas,  e  postos  à  disposição  do  Governo 
Geral,  por  intermédio  da  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas. 

Art.  14.°  A  pena  de  trabalho  correccional,  aplicada  pelos  tribunais  in- 
dígenas, nos  termos  do  art.  12.°,  será  cumprida  em  estabelecimentos 
penais  ou  de  correcção  especiais  para  indígenas  e  sempre  que  seja  pos- 
sível no  distrito  a  que  pertencem  os  indígenas. 

Art.  15.°  Os  indígenas  postos  à  disposição  do  Governo  Geral,  nos 
termos  do  art.  13.°,  serão  deportados  para  outra  colónia  ou  para  outro 
distrito,  sendo  neste  caso  internados  em  qualquer  estabelecimento  penal. 

Art.  16.°  Os  patrões  que  ao  seu  serviço  admitirem  trabalhadores  indí- 
genas e  não  lhes  exigirem  a  apresentação  das  suas  cadernetas  de  trabalho, 
serão  punidos  com  a  multa  de  1  a  10  escudos,  tendo  em  atenção  para  o 
seu  cômputo,  o  número  de  indígenas  por  que  fôr  aplicada. 

Art.  17.°  Todo  o  indígena  que  fôr  encontrado  sem  caderneta  de  tra- 
balho, ou  possuindo-a  não  esteja  o  registo  em  dia,  àlêm  do  procedimento 
com  êle  a  haver  nos  termos  do  art.  3.°,  será  punido  com  a  multa  de  1  a 
5  escudos. 

Art.  18.°  Afim  de  facilitar  a  execução  do  n.°  3.°  do  art.  3.°,  os  funcio» 

46 


716 


POPULAÇÕES  INDÍGENAS 


nários,  ou  empregados  encarregados  de  dirigir  as  obras  e  trabalhos  do 
Estado  e  dos  Municípios,  informarão  a  autoridade  administrativa  do  local 
da  prestação  de  trabalho,  do  número  de  trabalhadores  que  necessitam 
para  os  serviços  de  que  estão  encarregados. 

Art.  19.°  Nos  concelhos,  circunscrições  ou  capitanias-móres  em  que 
não  haja  trabalhos  do  Estado  e  do  Município,  ou  que  o  número  de  indí- 
genas a  empregar  nos  termos  do  n.°  3.°  do  art.  3.°,  fôr  superior  às  neces- 
sidades daqueles  trabalhos,  as  autoridades  administrativas  darão  conhe- 
cimento ao  Governador  do  Distrito  do  número  de  indígenas  naquelas 
condições,  afim  de  serem  empregados  em  quaisquer  outros  serviços  do 
Estado. 


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XI 


PROJECTO  DO  REGULAMENTO 

DA  SECRETARIA  DOS  NEGÓCIOS  INDÍGENAS 

DA  PROVÍNCIA  DE  ANGOLA 


CAPITULO  I 
Dos  Serviços 

Art.  l.°  À  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  da  Província  de  Angola, 
criada  por  Decreto  n.°  175  de  21  de  outubro  de  1913,  compete  tratar  àlêm 
dos  assuntos  que  por  aquele  decreto  lhe  foram  incumbidos,  todos  aqueles 
que  digam  respeito  a  serviços  de  Curadoria,  incluindo  a  cobrança  e 
arrecadação  das  receitas  próprias  à  emigração  dos  indígenas,  e  a  todos  os 
mais  que  se  relacionarem  com  a  política  indígena  e  os  negócios  indígenas 
da  Província  de  Angola. 

,  Art.  2.°  A  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  divide-se  em  cinco  sec- 
ções. 

Art.  3.°  Compete  à  l.a  secção  tratar  dos  negócios  relativos: 

1.°  Ao  recenseamento  da  população  indígena; 

2.°  Aos  estudos  etnográficos  e  codificação  dos  usos  e  costumes  indí- 
genas; 

3.°  Ao  estudo  e  aproveitamento  das  instituições  indígenas ; 

4.°  Á  justiça  indígena; 

5.°  Á  determinação  de  zonas  de  território  a  reservar  aos  indígenas,  às 
concessões  de  terreno  a  indígenas  e  a  tudo  que  se  relacione  com  a  riqueza 
indígena; 

6.°  Ao  movimento  do  pessoal  da  Secretaria  ou  daquele  que  por 
ela  transite;  ao  expediente  e  registo  de  entrada  e  saida  da  correspon- 
dência. 

Art.  4.°  Compete  à  2.a  secção  tratar  dos  negócios  relativos  à  regula* 
mentação  e  fiscalização  de  tudo  que  se  relacione  com  o  trabalho  indígena, 
ou  recrutamento  de  trabalhadores  indígenas  e  com  todos  os  mais  serviços 
que  digam  respeito  a  assuntos  de  curadoria,  quando  o  local  da  prestação 
fôr  dentro  da  província. 

Art»  5.°  Compete  à  3.a  secção  tratar  dos  negócios  relativos: 

1«°  Á  regulamentação  e  fiscalização  de  tudo  que  se  relacione  com  o 


DE    ANGOLA  719 

recrutamento  de  trabalhadores  indígenas  para  prestação  do  serviço  fora 
da  província,  e  com  a  repatriação  destes  trabalhadores; 

2.°  Á  fiscalisação  e  direcção  de  todos  os  mais  assuntos  relativos  à 
emigração  dos  indígenas; 

Art.  6.°  Compete  à  4.a  secção  tratar  dos  assuntos  relativos  aos  socorros 
a  prestar  aos  indígenas,  e  que  principalmente  digam  respeito: 

1.°  Promover  a  assistência  médica; 

2.°  Á  alimentação,  vestuário,  habitação,  tratamento  médico  e  tudo  que 
se  relacione  com  a  protecção  aos  trabalhadores  indígenas ; 

3.°  Aos  acidentes  de  trabalho ; 

4.°  Á  fiscalização  do  cumprimento  das  disposições  contra  o  fabrico  e 
consumo  de  bebidas  alcoólicas  pelos  indígenas ; 

5.°  Á  instituição  de  associações  de  beneficência,  de  asilos  de  indígenas 
velhos  e  inválidos,  à  assistência  a  indígenas  alienados,  de  colónias  penais 
e  casas  de  correcção,  sua  fiscalização  e  superintendência; 

6.°  Á  fiscalização  de  modo  como  se  exerce  a  protecção  às  mulheres 
grávidas  e  aos  recemnascidos; 

7.°  Á  instituição  de  maternidade; 

8.°  Ao  estudo  dos  meios  para  a  repressão  de  práticas  indígenas; 

9.°  Á  superintendência  no  ensino  profissional  dos  indígenas. 

Art.  7.°  A  5.a  secção  centraliza  a  escrituração  de  toda  a  contabilidade 
da  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  e  como  tesouraria  faz  o  movimento 
de  fundos  que  lhe  tiverem  sido  entregues,  competindo-lhe: 

1.°  Escriturar,  em  harmonia  com  as  regras  da  contabilidade,  todas  as 
receitas  relativas  a  licenças  de  recrutamento  de  trabalhadores  indígenas, 
taxas  de  contractos  e  recontractos  de  prestação  de  trabalho,  e  todas  as 
mais  que  digam  respeito  a  trabalho  indígena  para  dentro  da  província  e 
emigração  de  trabalhadores  indígenas  para  fora  da  província,  bem  assim 
as  de  qualquer  natureza  que  sejam  cobradas  e  arrecadadas  pela  Secretaria 
dos  Negócios  Indígenas  ou  por  sua  ordem ; 

2.°  Escriturar  os  bónus  de  repatriação  pertencentes  a  trabalhadores 
indígenas  que  prestam  serviço  dentro  da  província  ou  daqueles  que  tendo 
emigrado  prestem  serviço  fora  dela; 

3.°  Escriturar  todos  os  depósitos  e  garantias  de  pagamento  de  salários 
a  trabalhadores  indígenas,  e  de  licenças  de  recrutamento,  arrecadadas  na 
sede  da  Secretaria  ou  em  qualquer  das  agências  da  Curadoria  da  Pro- 
víncia. 

4.°  Arrecadar  todas  as  receitas  da  Secretaria  a  que  se  referem  os 
números  anteriores  classificando-as  por  distritos  e  discriminando-as 
conforme  as  espécies  de  receita ; 

5.°  Entregar  contra  recibo  assinado  pelo  Secretário  dos  Negócios 
Indígenas,  os  fundos  arrecadados  afim  de  terem  a  aplicação  estabelecida 
pelas  leis. 

Art.  8.°  Incumbe  a  cada  uma  das  secções : 

a)  O  estudo  e  preparação  de  todos  os  documentos  e  processos  a  enviar 
ao  Ministério  das  Colónias  ou  a  apresentar  ao  Governador  Geral  ou  aos 
diversos  conselhos,  respeitantes  à  política  ou  assuntos  indígenas  que  lhe 
compete  tratar  nos  termos  deste  Regulamento. 

b)  A  fiscalização,  regulamentação  estatística  de  todos  os  actos  da  vida 


720  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

civil  dos  indígenas  da  província,  ou  que  nela  residam  ou  transitam  que 
lhe  competir  tratar  nos  termos  deste  regulamento. 

CAPÍTULO  II 
Do  Pessoal   . 

Art.  9.°  O  pessoal  da  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  compõe-se  de: 
1  Secretário  dos  Negócios  Indígenas; 
1  Intendente  do  serviço  de  emigração; 
1  Oficial; 

1  Chefe  da  secção  de  contabilidade; 

2  l.08  Amanuenses;  ' 
9  2.0S  Amanuenses; 

2  Intérpretes; 

1  Contínuo ; 

1  Servente. 

§  único.  O  pessoal  da  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  constitue  um 
quadro  privativo  e  os  seus  vencimentos  são  os  constantes  da  tabela 
anexa  a  este  regulamento  e  que  dele  fazem  parte  integrante. 

Art.  10.°  O  Secretário  dos  Negócios  Indígenas  a  cargo  de  quem  fica  a 
Secretaria  dos  Negócios  Indígenas,  pertencerá  ao  Conselho  do  Governo  e 
superintende  sobre  todos  os  serviços  dos  Negócios  Indígenas,  terá  a 
categoria  de  Chefe  de  Serviço  Provincial,  despachando  nessa  qualidade, 
directamente  com  o  Governador  Geral,  competindo-lhe: 

I.°  Corresponder-se  directamente,  em  nome  do  Governador  Geral, 
com  todas  as  autoridades  da  província  e  com  os  Governadores  das  outras 
colónias; 

2.°  Receber  e  expedir  directamente,  em  nome  do  Governador  Geral, 
em  objecto  da  sua  competência,  para  os  demais  chefes  do  serviço  pro- 
vincial, para  os  Governadores  do  distrito  e  administradores  do  distrito 
de  Loanda,  as  ordens  e  instruções  necessárias  para  a  execução  dos  res- 
pectivos serviços ; 

3.°  Expedir  directamente  para  os  agentes  do  curador  as  ordens  e 
instruções  que,  sobre  os  serviços  da  curadoria,  entender  conveniente 
para  a  execução  dos  mesmos  serviços; 

4.°  Instruir,  documentar  e  informar  todos  os  processos  que  corram 
pela  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas; 

5.°  Estudar,  tratar,  dirigir,  executar  e  fazer  executar  todos  os  assuntos 
e  serviços  mencionados  no  Capítulo  I  deste  regulamento  e  propor  o  que 
julgar  conveniente  à  melhoria  das  condições  de  vida  dos  indígenas  da 
província ; 

6.°  Exercer  as  funções  de  Curador  Geral; 

7.°  Na  parte  relativa  aos  serviços  de  contabilidade: 

a)  Fiscalisar  a  escrituração  do  serviço  de  contabilidade; 

b)  Assistir  aos  balanços  da  tesouraria,  e  inspeccionar  sempre  que  o 
entenda  por  conveniente,  os  fundos  e  documentos  que  à  data  existam 
em  cofre ; 

c)  Assinar  todos  os   documentos  ou  guias   de  entrega  ou  saida  de 


DE  ANGOLA  721 

fundos  da  tesouraria,  bem  assim  como  os  depósitos  ou  levantamentos  na 
Filial  do  Banco  Nacional  Ultramarino; 

d)  Determinar  as  necessárias  transferências  de  fundos. 

8.°  Publicar  o  relatório  anual  dos  serviços  a  seu  cargo;    - 

9.°  Dirigir  e  inspeccionar  os  serviços  da  Secretaria,  propondo  ao  Go- 
vernador Geral  as  providências  que  lhe  pareçam  necessárias  e  adquadas 
ao  serviço; 

10.°  Manter  a  ordem  e  fazer  executar  as  disposições  do  regulamento 
relativas  ao  regimen,  serviço  e  polícia  interna  da  Secretaria  admoestando 
os  empregados  e  repreendê-loá  quando  for  necessário  e  suspendê-los  até 
15  dias,  dando  imediatamente  parte  ao  Governador  Geral. 

Art.  11.°  Na  falta  ou  impedimento  do  Secretário  dos  Negócios  Indígenas 
serão  as  funções  deste  cargo  desempenhadas  pelo  intendente  do  serviço 
de  emigração.  .       - 

Art.  12.°  Compete  ao  intendente  do  serviço  de  emigração: 

1.°  Dirigir  o  expediente  da  secção  de  emigração  dos  indígenas,  exa- 
minando e  fiscalizando  todos  os  trabalhos  a  seu  cargo; 

2.°  Coadjuvar  o  Secretário  dos  Negócios  Indígenas  nos  assuntos  da 
sua  secção,  e  atender  sempre  à  boa  execução  dos  demais  trabalhos  que 
este  lhe  distribuir; 

3.°  Desempenhar  as  funções  do  Secretário  dos  Negócios  Indígenas  na 
falta  ou  impedimento  deste  funcionário. 

Art.  13.°  Compete  ao  oficial: 

1.°  Dirigir  o  expediente  da  l.a  secção,  examinando  e  fiscalizando  todos 
os  trabalhos  a  seu  cargo ; 

2.°  Coadjuvar  o  Secretário  dos  Negócios  Indígenas  nos  assuntos  da  sua 
secção  e  atender  à  boa  execução  dos  demais  trabalhos  que  este  lhe  distribuir; 

3.°  Desempenhar  as  funções  de  arquivista  da  Secretaria. 

Art.  14.°  Compete  ao  chefe  da  contabilidade: 

1.°  Dirigir  o  expediente  da  secção  de  contabilidade  e  tesouraria  exa- 
minando e  fiscalizando  todos  os  trabalhos  a  seu  cargo; 

2.°  As  funções  de  tesoureiro  da  Secretaria,  ficando  por  tal  exercício 
sujeito  ao  cumprimento  das  obrigações  e  responsabilidades  em  vigor, 
aplicáveis  aos  exactores  da  Fazenda  Pública; 

3."  Responsabilidade  pelos  fundos  que  arrecadar,  e  que  derem  entrada 
no  cofre  da  tesouraria,  dos  quais  só  poderá  dispor  em  face  de  documentos 
ou  guias  autorizadas  pelo  Governador  Geral,  e  assinadas  pelo  Secretário 
dos  Negócios  Indígenas; 

4.°  Arrecadar  todas  as  receitas  que  lhe  forem  apresentadas,  passando 
recibo  das  importâncias  entregues; 

5.°  Providenciar,  sob  sua  inteira  responsabilidade  para  que  todos  os 
valores  existentes  no  cofre  sejam  diariamente  depositados  na  Filial  do 
Banco  Nacional  Ultramarino ; 

6.°  Proceder  ao  balanço  diário  do  cofre  da  tesouraria; 

7.°  Elaborar  os  balancetes  mensais  do  movimento  de  contabilidade  da 
secção; 

8.°  Apresentar,  sempre  que  pelo  Secretário  dos  Negócios  Indígenas 
lhe  fôr  exigido,  os  fundos  e  documentos  que  nesse  acto  devem  existir  em 
seu  poder; 


722  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Art.  15.°  Compete  aos  l.os  amanuenses: 

1.°  Encarregar-seda  secção  que  pelo  Secretário  dos  Negócios  Indígenas 
lhe  £ôr  distribuída; 

2.°  Coadjuvar  o  Secretário  nos  assuntos  da  sua  secção  e  atender  sempre 
à  boa  execução  dos  demais  trabalhos  que  este  lhe  distribuir. 

Art.  16.°  Compete  aos  2.0S  amanuenses:  - 

í.°  Dar  entrada  à  correspondência  que  não  fôr  de  natureza  confidencial 
e  passar  a  limpo  a  que  tiver  sido  expedida; 

2.°  Ter  em  dia  os  registos  de  que  estiver  encarregado ; 

3.°  Desempenhar  com  presteza  e  asseio  os  serviços  de  escrituração  que 
pelo  Secretário  dos  Negócios  Indígenas  ou  chefe  da  secção  a  que  pertencer 
lhe  forem  distribuídos ; 

4.°  Desempenhar  quaisquer  outros  trabalhos  da  Secretaria  que  lhe 
forem  cometidos  pelo  Secretário  e  que  sejam  compatíveis  com  as  suas 
habilitações. 

Art.  17.°  Compete  aos  intérpretes: 

1.°  Desempenhar  as  funções  de  intérprete  na  Secretaria  quer  na  sede 
desta,  quer  fora  dela  acompanhando  o  Secretário  dos  Negócios  Indígenas; 

2.°  Desempenhar  quaisquer  outros  trabalhos  da  Secretaria  que  lhe 
forem  cometidos  pelo  Secretário  que  sejam  compatíveis  com  as  suas 
habilitações. 

Art.  18.°  Compete  aos  contínuos : 

1.°  Abrir  todos  os  dias  a  Secretaria  às  horas  que  forem  determinadas 
fazendo  a  limpeza  a  toda  a  mobília  e  utensílios  de  serviço,  conservando-os 
em  boa  ordem  e  fechá-la  quando  superiormente  lhe  fôr  ordenado; 

2.°  Evitar  que  sejam  por  qualquer  forma  desviados  do  serviço  próprio 
quaisquer  artigos  da  Secretaria,  verificando  amiudadas  vezes  o  seu  número 
e  dando  conhecimento  das  faltas  que  encontrar; 

3.°  Anunciar  a  presença  das  pessoas  que  pretenderem  falar  a  qualquer 
empregado  ou  tratar  de  qualquer  pretenção; 

4.°  Coadjuvar  o  serviço  da  expedição  de  malas  para  o  correio; 

5.°  Executar  tudo  o  mais  que  lhe  fôr  ordenado  pelo  Secretário  dos 
Negócios  Indígenas  ou  pelos  funcionários  da  Secretaria,  e  seja  relativo  ao 
serviço  a  seu  cargo. 

Art.  19.°  Compete  aos  serventes  : 

1.°  Fazer  a  limpeza  da  Secretaria; 

2.°  Executar  todos  os  mais  serviços  que  lhe  forem  ordenados. 

Art.  20.°  Salvo  o  disposto  nos  artigos  anteriores,  a  distribuição  ,do 
pessoal  da  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  pelas  cinco  secções  será 
feita  por  aquele  funcionário,  tendo  em  vista  as  suas  habilitações,  aptidões 
e  as  necessidades  e  conveniências  do  serviço. 

Art.  21.°  A  nomeação  para  o  cargo  de  Secretário  dos  Negócios  Indí- 
genas e  Intendente  dos  serviços  de  emigração  é  da  competência  do 
Governo  da  Metrópole  e  só  poderá  recair  a  indivíduos  de  provada  com- 
petência, com  conhecimento  dos  usos  e  costumes  e  línguas  indígenas,  e 
devendo  para  a  nomeação  daquele  funcionário  ser  exigido  um  curso 
superior,  tendo  preferência  para  qualquer  dos  cargos  os  diplomados  com 
o  curso  da  Escola  Colonial. 

Art.  22.°  O  chefe  da  secção  de  contabilidade  será  um  Guarda-livros 


DE  ANGOLA  723 

diplomado,  nomeado  pelo  Governo  da  Metrópole  mediante  concurso 
documental. 

Art.  23.°  Os  Jogares  de  oficial  e  primeiros  amanuenses  serão  providos 
provisoriamente  por  antiguidade,  respectivamente  entre  os  primeiros  e 
segundos  amanuenses  e  confirmados  depois  de  um  ano  de  exercício  'com 
boas  informações.  Os  logares  de  segundos  amanuenses  serão  por  con- 
curso de  provas  públicas,  conforme  o  estabelecido  no  art.  26.° 

Art.  24.°  O  logar  de  contínuo  é  provido  por  concurso  documental  para 
que  se  exigirá: 

1.°  Certidão  de  exame  de  1.°  grau; 

2.°  Certidão  do  registo  criminal; 

3.°  Certidão  de  bom  comportamento  passada  pela  autoridade  adminis- 
trativa da  residência  dos  últimos  12  meses. 

Art.  25.°  A  nomeação  dos  intérpretes  e  serventes  é  da  exclusiva  com- 
petência do  Secretário  dos  Negócios  Indígenas, 

Art.  26.°  As  provas  do  concurso  para  os  logares  de  segundos  ama- 
nuenses serão  escritas  e  orais  e  versarão  sobre  os  assuntos  e  negócios 
que  corram  pela  Secretaria  e  sobre  as  línguas  indígenas  Kimbundo  e 
Umbundo. 

§  1.°  As  provas  escritas  na  parte  relativa  às  línguas  indígenas  cons- 
tarão : 

1.°  Tradução  da  língua  indígena  para  a  portuguesa; 

2.°  Tema; 

3.°  Redacção  em  língua  indígena. 

§  2.°  As  provas  orais  constarão  na  parte  relativa  a  línguas  indígenas: 

1.°  Leitura  e  tradução  em  voz  alta  de  um  texto  da  língua  indígena; 

2.°  Tradução  e  explicação  em  língua  indígena  de  um  texto  em  por- 
tuguês; 

3.°  Conversação  em  língua  indígena,  do  candidato,  primeiro  com  o 
examinador  e  depois  com  um  indígena  que  não  conheça  o  português; 

4.°  Conversação  de  um  examinador  falando  português,  com  o  indígena 
falando  em  língua  indígena,  servindo  o  candidato  de  intérprete. 

Art.  27.°  O  júri  para  os  concursos  será  composto  pelo  Secretário  dos 
Negócios  Indígenas,  servindo  de  presidente  o  intendente  do  serviço  de 
emigração  e  outro  funcionário  nomeado  pelo  Governador  Geral,  conhe- 
cedor das  línguas  indígenas. 

Art.  28.°  Aos  funcionários  da  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  são 
aplicáveis  as  seguintes  penas  disciplinares: 

1.°  Repreensão  verbal  ou  registada; 

2.°  Suspensão  de  exercício  e  vencimento; 

3.°  Demissão. 

Art.  29.°  São  causas  de  repreensão  as  faltas  leves  cometidas  em 
serviço. 

Art.  30.°  São  causas  de  suspensão: 

1.°  A  negligência  ou  qualquer  outro  motivo  culposo  pelo  qual  o  em- 
pregado falte  ao  cumprimento  dos  seus  deveres,  depois  de  repreendido; 

2.°  A  desobediência  às  ordens  superiores  em  objecto  de  serviço; 

3.°  A  pronúncia  passada  em  julgado. 

§  único.  A  suspensão  nunca  será  inferior  ao  tempo  quo  decorrer  desde 


724  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

a  pronúncia  até  ao  julgamento  definitivo  ao  tempo  da  duração  da  pena 
em  que  o  réu  foi  condenado. 

Art.  31.°  Nos  casos  dos  n.08  1.°  e  2.°  do  artigo  antecedente  a  suspensão 
poderá  ser  imposta  pelo  Secretário  dos  Negócios  Indígenas  até  15  dias 
dando  imediatamente  parte  ao  Governador  Geral,  que  poderá  levantar  a 
suspensão. 

Art.  32.°  A  suspensão  tem  por  efeito  privar  o  funcionário  não  só  do 
exercício  do  seu  emprego,  mas  também  de  metade  do  de  categoria. 

Art.  33.°  Ao  funcionário  que  tiver  sido  suspenso  por  virtude  de  pro- 
núncia serão  restituidos  todos  os  vencimentos  se  fôr  absolvido. 

§  único.  Esta  disposição  aplica-se  aos  funcionários  suspensos  para 
efeito  de  sindicância,  a  quem  seja  levantada  a  suspensão. 

Art.  34.°  São  causas  de  demissão : 

1.°  A  revelação  dos  segredos  da  Secretaria  e  o  abuso  de  confiança  em 
matéria  de  serviço  público,  devidamente  comprovada; 

2.°  A  aceitação  ou  participação  de  lucros  provenientes  do  andamento 
e  resolução  dos  negócios  dependentes  da  Secretaria; 

3.°  A  impossibilidade  permanente,  física  ou  moral,  de  exercer  o  em- 
prego quando  o  funcionário  não  estiver  em  circunstâncias  de  ser  apo- 
sentado; 

4.°  O  abandono  de  serviço,  considerando-se  como  tal  o  número  de 
faltas  não  justificadas  superior  ao  terço  dos  dias  úteis  em  cada  ano; 

5.°  A  condenação  por  crime  a  que  caiba  pena  maior,  e  ainda  conde- 
nação nos  crimes  de  suborno,  peculato,  concussão,  falsidade,  moeda  falsa, 
furto,  burla,  roubo  e  abuso  de  confiança,  quando  lhes  caiba  pena  correc- 
cional. 

Art.  35.°  A  suspensão  por  mais  de  15  dias,  e  a  demissão  em  todos  os 
casos  só  podem  ser  impostas  pelo  Governador  Geral  ou  pelo  Governo  da 
Metrópole  segundo  a  respectiva  competência,  excepto  quanto  ao  servente 
e  intérpretes  que  podem  ser  demitidos  pelo  Secretário  dos  Negócios  In- 
dígenas. 

Art.  36.°  É  expressamente  proibido  aos  funcionários  da  Secretaria  dos 
Negócios  Indígenas: 

a)  Receber  presentes  de  qualquer  espécie  ou  remuneração  directa  ou 
1ndirecta  dos  agentes  de  recrutamento  ou  de  pessoa  que  tenha  ao  seu 
serviço  trabalhadores  indígenas; 

b)  Ser  agentes  de  recrutamento  de  trabalhadores  indígenas  ou  em- 
pregar-se  em  qualquer  agência  desta  natureza; 

c)  Serem  interessados  em  sociedades  agrícolas,  industriais  ou  comer- 
ciais ou  fazer  parte  de  qualquer  sindicato,  sociedade  ou  companhia  dentro 
da  província ; 

d)  Tomar  parte  em  manifestações  colectivas  ou  nelas  cooperar  sem 
autorização  superior. 

CAPÍTULO  III 

Do   tempo   de   serviço 

Art.  37.°  O  horário  de  serviço  será  fixado  pelo  Governador  Geral. 
§  1.°  O  contínuo  e  os  serventes  devem  comparecer  sempre  na  Secre- 
taria meia  hora  antes  da  fixada  para  o  começo  do  trabalho; 


DE  ANGOLA  725 

§  2.°  Chegada  a  hora  de  saida,  nenhum  empregado  poderá  retirar  ou 
deixar  o  trabalho  sem  que  o  Secretário  dos  Negócios  Indígenas  dê  como 
terminado  ou  interrompido  o  serviço  daquele  dia  ou  sem  prévia  permissão 
do  mesmo  Secretário. 

Art.  38.°  Os  empregados  da  Secretaria  assinam,  logo  que  entram,  o 
livro  do  ponto. 

§  único.  Um  quarto  de  hora  depois  da  marcada  para  a  entrada  dos 
empregados  é  encerrado  o  ponto  pelo  Intendente  de  emigração  e  colocado 
sobre  a  mesa  do  Secretário  dos  Negócios  Indígenas,  para  êle  o  verificar. 

CAPÍTULO  IV 
Da  ordem  e  processo  de  serviço 

Art.  39.°  Na  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  haverá,  àlêm  do  livro 
do  ponto  já  mencionado,  os  de  entrada,  de  cópia  e  de  saida  de  correspon- 
dência, da  porta,  de  registo  e  ordens,  resoluções  e  arquivo. 

Art.  40.°  Todos  os  assuntos  e  papeis  afectos  à  Secretaria  serão  extra- 
tados  no  livro  de  entrada,  em  que  se  anotará  todo  o  andamento  que  lhes 
fôr  dado  até  final  resolução. 

§  l.°*0  livro  de  entrada  tem  um  índice  alfabético,  em  que  se  farão 
referências  aos  números  dos  negócios,  por  assuntos  e  nomes  dos  indiví- 
duos, autoridades  e  corporações  que  neles  figurar. 

§  2.°  Nos  diversos  papeis  que  tenham  números  diferentes,  mas  que 
tenham  alguma  ligação  com  o  mesmo  assunto,  devem  fazer-se  referências 
mútuas  pelos  números. 

Art.  41.°  Todos  os  documentos  e  informações  relativos  ao  mesmo  as- 
sunto são  anotados  com  o  número  que  esse  assunto  tiver  no  livro  de 
entrada  sempre  que  seja  possível,  e  andam  reunidos,  emquanto  durar  o 
expediente,  assim  como  quando  são  guardados  e  arquivados. 

Art.  42.°  Todos  os  papeis  atinentes  ao  mesmo  assunto  constituirão 
processo,  que,  depois  de  findos  serão  guardados  nó  arquivo  e  classifi- 
cados em  harmonia  com  a  divisão  da  Secretaria. 

Art.  43.°  Os  requerimentos  são  datados,  assinados  e  escritos  em  papel 
selado,  nos  termos  da  lei  do  selo  em  vigor, 

Art.  44.°  Em  nenhuma  representação,  informação,  ofício  ou  nota  pode 
tratar-se  mais  de  um  assunto. 

Art.  45.°  As  representações  e  requerimentos  dirigidos  ao  Governo  Geral 
não  se  restituem  às  partes,  todavia  podem  delas  tirar  certidões,  assim 
como  dos  despachos  que  a  seu  respeito  tiverem  sido  deferidos. 

§  1.°  Exceptuam-se  os  requerimentos  em  que  se  pedem  certidões,  os 
quais  se  entregam  aos  requerentes  com  as  certidões  nelas  exaradas. 

§  2.°  No  caso  de  indeferimento  ou  de  desistência  da  pretensão,  resti- 
tuem-se  todos  os  documentos,  sendo  a  entrega  feita  por  termo  no  pro- 
cesso. 

§  3.°  No  caso  de  deferimento  da  pretensão,  os  documentos  serão  res- 
tituídos nos  casos  seguintes: 

1.°  Ficando  cópia  deles  autêntica  no  processo; 

2.°  Quando  apresentados  conjuntamente  com  públicas  formas,  ficando 
essas  no  processo; 


726  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

§  4.°  Em  qualquer  das  hipóteses  do  §  anterior,  lavrar-se  há  sempre 
no  processo  termo  da  entrega  dos  documentos,  e  neles  se  consignará, 
quando  fiquem  apenas  públicas  formas,  obrigação  do  requerente  ou  seu 
procurador  de  apresentar  os  originais  logo  que  lhe  for  exigido. 

Art.  46.°  Não  se  darão  certidões  de  requerimentos  que  não  sejam 
pedidas  pelos  signatários  ou  procuradores. 

Vencimentos  do  pessoal  do  quadro  da  Secretaria  dos  Negócios  Indí- 
genas: 

Secretario  dos  Negócios  Indígenas: 

Vencimento  de  categoria -$- 

Vencimento  de  exercício -$- 

Intendente  de  Emigração: 

Vencimento  de  categoria . . , 700$00 

Vencimento  de  exercício . 2.500$00 

3.200100 
Oficial  : 

Vencimento  de  categoria m  500100 

Vencimento  de  exercício 1.300$00 

1.800100 
Chefe  da  Secção  de  Contabilidade : 

Vencimento  de  categoria 500100 

Vencimento  de  exercício 1.900$00 

2.400100 
1.°  Amanuense: 

Vencimento  de  categoria 300$00 

Vencimento  de  exercício 660$00 

960$00 
2.°  Amanuense: 

Vencimento  de  categoria 240100 

Vencimento  de  exercício 600100 

840100 
Intérprete: 

Gratificação  de 360fô00 

Contínuo  e  servente,  os  vencimentos  fixados  para  idênticos  cargos  do 
quadro  do  pessoal  da  Secretaria  Geral. 

Ajudas  de  custo  ao  Secretário  dos  Negócios  Indígenas,  quando  em 
serviço  fora  da  sede,  durante  o  prazo  máximo  de  180  dias  a  5$00  diários. 

Expediente,  impressos  e  despezas  miúdas  da  Secretaria  e  das 
agências  da  Curadoria  1.500100 


XII 

PROJECTO 
DA  INSTITUIÇÃO  DE  UM  MUSEU  ETNOGRÁFICO 

Art.  l.°  É  instituído  na  cidade  de  Loanda  e  junto  da  Secretaria  dos 
Negócios  Indígenas  um  Museu  que  se  denominará  <-  Museu  Etnográfico 
de  Loanda». 

Art.  2.°  O  Museu  fica  directamente  subordinado  ao  Secretário  dos 
Negócios  Indígenas  que  será  o  Director. 

Art.  3.°  Àlêm  do  Director,  será  o  pessoal  do  Museu  Etnográfico 
constituído  por  um  conservador  e  um  contínuo. 

Art.  4.°  O  Conservador  do  Museu  será  um  funcionário  da  Secretaria 
dos  Negócios  Indígenas  nomeado  pelo  Governador  Geral  sob  proposta 
do  Secretário  dos  Negócios  Indígenas  e  terá  uma  gratificação  anual 
de  600$00. 

Art.  5.°  O  contínuo  será  equiparado  para  todos  os  efeitos  ao  da  Secre- 
taria dos  Negócios  Indígenas. 

Art.  6.°  Para  custear  os  vencimentos  do  pessoal,  conservação  e  outras 
despezas  do  Museu  será  este  dotado  com  a  verba  de  5.000S00. 

Art.  7.°  O  Governador  Geral,  sob  proposta  do  Secretário  dos  Negócios 
Indígenas,  elaborará  o  Regulamento  interno  do  Museu  Etnográfico. 


XIII 

PROJECTO  SOBRE  A  EMISSÃO  DE  LOTERIAS 

Art.  l.°  É  proibida,  na  província  de  Angola,  a  venda: 

1.°  Da  loteria  nacional  portuguesa; 

2.°  De  loterias  estrangeiras; 

3.°  De  quaisquer  rifas  ou  cautelas  cuja  extracção  se  regule  pelas 
mesmas  loterias. 

Art.  2.°  Fica  autorizada  a  emissão  até  quatro  loterias  em  cada  ano,  de 
harmonia  com  os  planos  que  forem  previamente  aprovados  pelo  Governo 
Geral,  sendo  o  produto  líquido,  depois  de  pagas  todas  as  despezas, 
incluída  a  de  pessoal  empregado  na  sua  realização,  lançado  em  conta 
especial  e  aplicado  à  protecção  e  assistência  indígena. 

Art.  3.°  A  emissão  da  loteria  correrá  pela  Secretaria  dos  Negócios 
Indígenas. 

Art.  4.°  Aqueles  que  negociarem  bilhetes  ou  os  distribuírem,  ou  que 
por  qualquer  meio  de  publicidade  tiverem  feito  conhecer  a  existência  de 
uma  loteria  proibida  por  este  diploma,  ou  facilitarem  a  emissão  ou 
distribuição  dos  bilhetes,  serão  punidos  nos  termos  dos  art.  270.°  e  271.° 
do  Código  Penal. 


XIV 

PROJECTO  SOBRE  A  CRIAÇÃO  DUM  FUNDO  ESPECIAL 

PARA  SER  APLICADO 

Á  PROTECÇÃO  E  ASSISTÊNCIA  INDÍGENA 

Art.  l.°  É  instituído  na  província  de  Angola  um  fundo  de  protecção  e 
assistência  aos  indígenas. 

Art.  2.°  O  fundo  a  que  se  refere  o  artigo  anterior  é  constituído  pelas 
receitas  líquidas: 

l.°  Das  loterias  autorizadas  pelo  Governo  Geral  nos  termos  do  diploma 
que  regula  este  assunto; 

2.°  Das  importâncias  que  constituem  o  bónus  de  repatriação  dos 
trabalhadores  indígenas  contratados  para  dentro  e  fora  da  província, 
que  faleceram  durante  a  constância  do  contracto  ou  antes  do  pagamento 
do  respectivo  bónus,  quando  os  herdeiros  os  não  reclamem  dentro  do 
prazo  estabelecido  por  lei ; 

3.°  Das  receitas  que  por  leis  ou  determinações  superiores,  sejam 
destinadas  ao  mesmo  fim; 

4.°  De  subsídios  de  particulares. 

Art.  3.°  O  fundo  de  protecção  e  assistência  aos  indígenas  é  arrecadado 
e  escriturado  na  secção  de  tesouraria  e  contabilidade  da  Secretaria  dos 
Negócios  Indígenas. 

Art.  4.°  No  fim  de  cada  ano  civil  serão  as  importâncias  arrecadadas 
durante  o  ano  e  que  constituem  o  fundo,  postas  à  disposição  do  Gover- 
nador Geral,  para,  segundo  o  seu  prudente  arbítrio,  terem  a  aplicação  a 
que  se  refere  este  diploma. 

Art.  5.°  O  fundo  de  protecção  e  assistência  aos  indígenas  reverterá  a 
favor : 

1.°  Das  colónias  de  correcção; 

2.°  Das  tutorias  de  infância; 

3.°  Dos  asilos  de  velhos  e  inválidos; 

4.°  De  prémios  de  natalidade  a  indígenas; 

5.°  De  quaisquer  despezas  eventuais  de  protecção  e  socorro  aos  indí- 
genas. 


XV 

PROJECTO  SOBRE  A  INSTITUIÇÃO  DE  PRÉMIOS 
DE  NATALIDADE  A  INDÍGENAS 

Art.  l.°  São  instituídos  prémios  de  natalidade  destinados  a  fomentar 
o  aumento  da  população  indígena  e  a  moralização  dos  seus  costumes. 

Art.  2.°  Estes  prémios  serão  concedidos  às  mulheres  indígenas  casadas 
nos  termos  do  Registo  do  Estado  Civil  dos  Indígenas  que  provem  ter 
cinco  ou  mais  filhos  vivos  do  marido  e  devidamente  registados. 

Art.  3.°  O  número  de  prémios  a  distribuir  cada  ano  e  a  importância  de 
cada  um,  nunca  inferior  a  3 $00  nem  superior  a  10$00,  será  anualmente 
fixada  de  harmonia  com  a  verba  que  do  fundo  de  protecção  e  assistência 
a  indígenas  fôr  distribuído  para  este  fim. 

Art.  4.°  A  distribuição  de  prémios  será  feita  com  equidade  por  todos 
os  distritos  e  em  cada  um  terão  preferência  as  concorrentes  que  tiverem 
maior  número  de  filhos. 

Art.  5.°  Ás  indígenas  uma  vez  premiadas  não  poderá  ser  distribuído 
novo  prémio,  salvo  quando  tendo  passado  5  anos  provem  ter  aumentado 
a  sua  prole  com  mais  dois  filhos. 

Art.  6.°  Para  concorrer  à  distribuição  dos  prémios  basta  que  as 
interessadas  se  habilitem  com  um  ou  mais  atestados  de  funcionários  do 
registo  civil  em  que  comprovem  estar  nas  condições  do  n.°  2.°  deste 
diploma  o  qual  será  devidamente  informado  e  remetido  à  Secretaria  dos 
Negócios  Indígenas  pelo  Administrador  ou  capitão-mór  respectivo. 

Art.  7.°  Dos  atestados  é  indispensável  constar  o  nome,  naturalidade  e 
residência  da  concorrente  e  do  marido,  a  data  do  registo  do  seu  casamento, 
e  o  nome,  idade  e  data  do  registo  do  nascimento  dos  filhos,  devendo  ser 
passados  gratuitamente  em  papel  comum  e  isentos  de  qualquer  selo. 

Art.  8.°  A  entrega  dos  prémios  será  feita  por  intermédio  da  autoridade 
administrativa  competente. 


XVI 

PROJECTO  PARA  O  ESTABELECIMENTO  DE  TUTORIAS 
DE  MENORES  INDÍGENAS 

Art.  l.°  Com  os  fins  de  evitar,  nos  centros  de  população  civilizada,  a 
exibição  da  miséria  moral  e  material  dos  menores  indígenas  a  que  se 
refere  o  art.  24.°  e  §  único  do  Código  de  Justiça  Indígena,  de  procurar 
corrigir  e  regenerar  quanto  possível  os  delinquentes  e  viciosos  e  ainda 
de  tornar  efectiva  e  profícua  a  protecção  aos  abandonados,  são  criados 
na  província  de  Angola  internatos  de  repressão  e  de  protecção  a  menores 
que  se  denominarão  «Tutorias  de  Menores  Indígenas». 

Art.  2.°  São  desde  já  criadas  duas  Tutorias  de  Menores  Indígenas 
devendo  instalar-se  uma  na  cidade  de  Loanda  e  outra  na  de  Benguela. 

Art.  3.°  Quando  as  circunstâncias  o  aconselhem  o  Governador  Geral 
poderá  instalar  outras  Tutorias  nos  centros  de  maior  população  europeia 
e  assimilada. 

Art.  4.°  A  instalação  dos  internatos  será  feita  em  edifícios  do  Estado 
expressamente  construídos  para  este  fim,  podendo,  provisoriamente, 
instalar-se  em  qualquer  edifício  do  Estado  que  para  isso  possa  apro- 
priar-se. 

§  único.  Anexo  ao  internato  deverá  haver  um  vasto  campo  onde  possa 
ser  ministrado  o  ensino  de  trabalhos  agrícolas,  aos  menores. 

Art.  5.°  Nos  termos  do  art.  l.°  devem  ser  inscritos  sob  a  vigilância  e 
protecção  das  Tutorias  de  Menores  Indígenas,  todos  os  menores  de 
16  anos,  órfãos  ou  abandonados,  ou  que  se  encontrem  em  perigo  moral, 
e  recolhidos  aos  internatos,  os  delinquentes,  e  todos  aqueles  a  quem  por 
outra  forma  eficaz  não  possa  prestar-se  auxílio  e  protecção. 

Art.  6.°  Nas  Tutorias  estabelecer-se  hão  divisões  separadas,  para  cada 
um  dos  sexos,  dos  maiores  de  cinco  anos,  e  uma  divisão  especial  e  única, 
denominada  «Creche  da  Tutoria»,  em  que  se  reunirão  todos  os  menores 
de  cinco  anos. 

Art.  7.°  A  inscrição  dos  menores,  conforme  as  circunstâncias  que  a 
motivarem,  será  feita  sob  as  seguintes  designações: 

a)  Órfãos; 

b)  Abandonados; 

c)  Em  perigo  moral; 

d)  Delinquentes. 

l.°  Sob   a   designação   de   órfãos   serão  inscritos  os  órfãos  de  pai 

47 


732  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

e  mãe  que  não  tenham  parentes  conhecidos,  ou  que  tendo-os  sejam  inca- 
pazes. 

2.°  A  designação  de  abandonados  compreende  os  que  embora  tenham 
um  ou  ambos  os  progenitores  vivos  ignorem  a  sua  residência  e  se  encon- 
trem sem  a  natural  protecção  dos  avós,  tios  ou  irmãos. 

H.°  A  designação  em  perigo  moral  abrange  todos  os  que  sejam  reti- 
rados de  sob  o  domínio  dos  pais  ou  parentes  por  se  considerar  insuficiente 
ou  defeituosa  a  capacidade  educadora  daquelas  pessoas. 

4.°  Sob  a  designação  de  delinquentes  serão  inscritos  todos  os  menores 
que  em  consequência  de  terem  praticado  qualquer  acto  criminoso  sejam 
internados  nas  Tutorias. 

Art.  8.°  Em  cada  uma  das  divisões,  dos  maiores  de  cinco  anos,  far-se 
ha  a  separação  dos  menores  em  duas  classes,  segundo  o  seu  carácter 
moral  e  comportamento,  e,  dentro  destas,  a  distribuição  em  grupos  con- 
forme as  idades. 

Art.  9.°  Para  a  primeira  classe  serão  seleccionados  todos  os  menores 
que,  revelando  boa  índole,  não  estejam  ainda  prevertidos  ou  se  tenham 
regenerado  e  mostrem  que  são  susceptíveis  de  se  educar  dentro  de  um 
regimen  de  simples  assistência  e  protecção  moral. 

Art.  10.°  Na  segunda  classe  serão  incluídos  todos  os  que,  pelos  seus 
antecedentes,  índole  viciosa  ou  má  conduta  dentro  da  instituição,  devam 
sujeitar-se  a  um  regimen  mais  severo. 

Art.  11.°  Aos  menores  internados  nas  Tutorias  será  fornecida  alimen- 
tação e  vestuário  que  deve  ser  uniforme  para  cada  um  dos  sexos. 

§  único.  Como  estímulo  ao  bom  comportamento  e  à  regeneração  moral 
dos  menores,  poderão  ser  distribuídos  uniformes  de  cores  ou  talhes 
diversos  a  cada  uma  das  duas  classes,  e  ainda  distintivos  aos  que,  dentro 
da  sua  classe,  melhor  se  conduzirem. 

Art.  12.°  Nas  Tutorias  é  obrigatória  a  educação  literária  e  profissional 
dos  menores,  orientando-se  a  mesma  educação  sob  um  carácter  morali- 
zador, utilitário  e  prático,  de  molde  a  criar  no  espírito  dos  menores  o 
amor  pelo  trabalho  e  pela  economia,  fazendo  deles  uns  bons  operários,  e 
nunca  futuros  ociosos  pretenciosa  e  defeituosamente  assimilados  à  civili- 
zação europeia. 

Art.  13.°  A  educação  literária  será  restricta  ao  ensino  da  língua  por- 
tuguesa com  leitura  e  escrita,  ao  das  quatro  operações  ariméticas  e  ao 
conhecimento  de  sistema  de  pesos  e  medidas. 

Art.  14.°  A  educação  profissional  abrangerá  o  ensino  de  qualquer  arte 
ou  ofício  e  o  de  trabalhos  agrícolas  e  domésticos. 

Art.  15.°  O  ensino  profissional  poderá  ser  ministrado  nas  oficinas  e 
campos  anexos  às  Tutorias  ou  em  quaisquer  outros  estabelecimentos 
fabris  ou  agrícolas  explorados  pelo  Estado. 

§  único.  Excepcionalmente  poderá  permitir-se  que  os  menores  apren- 
dam qualquer  arte  ou  ofício  em  oficinas  particulares. 

Art.  16.°  Aos  menores  compreendidos  na  primeira  classe  nos  termos 
do  art.  9.°  poderá  ser  permitida  a  saída  temporária  das  Tutorias  para  se 
empregarem  em  estabelecimentos  do  Estado  ou  em  qualquer  oficina  ou 
casa  particular,  prestando  serviços  domésticos  ou  agrícolas. 

-§  único.  Compete  ao  curador  geral,  ou  ao  seu  agente  que  dirigir  uma 


DE  ANGOLA  733 

Tutoria,  autorisar  a  saída  dos  menores  nas  condições  deste  artigo,  me- 
diante termo  de  depósito  e  de  responsabilidade,  assinado  pelo  director 
do  estabelecimento  do  Estado  ou  particular  que  tomar  a  seu  cargo  o 
menor,  em  conformidade  com  o  disposto  nos  artt.  26.°  e  27.°  do  Código 
de  Justiça  Indígena. 

Art.  17.°  Os  menores  compreendidos  na  segunda  classe,  a  que  se  refere 
o  art.  10.°,  só  poderão  prestar  qualquer  serviço,  fora  do  internato,  em 
estabelecimentos  do  Estado  e  sob  vigilância,  devendo  regressar,  no  fim 
de  cada  dia  de  trabalho,  à  Tutoria  em  que  estiverem  internados. 

Art.  18.°  Os  directores  dos  estabelecimentos  do  Estado  ou  os  particu- 
lares que  tenham  ao  seu  serviço  menores,  inscritos  sob  a  vigilância  e 
protecção  das  Tutorias,  ficam  obrigados  a  fazer  um  desconto  de  20  % 
nos  seus  salários,  que  será  depositado,  em  conta  corrente  do  menor,  na 
Caixa  Económica  da  Tutoria  em  que  este  estiver  inscrito. 

Art.  19.°  Os  salários  vencidos  pelos  menores,  pelo  trabalho  prestado 
nos  termos  do  art.  17.°,  reverterá  em  favor  da  Tutoria,  salvo  a  percen- 
tagem de  10  %>  que  será  depositada  em  conta  do  menor,  nos  termos  do 
artigo  anterior. 

Art.  20.°  A  importância  acumulada  na  Caixa  Económica,  em  conta  de 
cada  menor,  ser-lhe  há  entregue  quando  atingir  a  maioridade. 

Art.  21.°  As  quantias  em  depósito  na  Caixa  Económica  dos  menores 
que  falecerem  ou  desaparecerem  sem  que  deles  haja  notícias  durante  dois 
anos,  reverterão  em  favor  da  instituição  onde  serão  especialmente  apli- 
cadas em  reforço  das  verbas  com  que  fôr  dotada  a  creche. 

§  único.  Dos  depósitos  dos  falecidos  deduzir-se  há  a  importância  gasta 
com  o  funeral. 

Art.  22.°  As  Tutorias  de  Menores  Indígenas  ficam  sob  a  superinten- 
dência da  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  e  Curadoria  dos  Serviçais, 
competindo  ao  Curador  Geral  a  direcção  imediata  da  de  Loanda  e  ao  seu 
agente  em  Benguela  a  desta  cidade. 

Art.  23.°  Para  cada  Tutoria  serão  nomeados  um  regente  e  uma  regente 
encarregados  do  funcionamento  interno  da  instituição,  competindo-lhes 
respectivamente  a  regência  da  divisão  masculina  e  da  divisão  feminina. 

Art.  24.°  A  nomeação  dos  regentes  será  feita  por  concurso  em  que 
terão  preferência  os  professores  de  instrução  primária  legalmente  habi- 
litados. 

Art.  25.°  Os'  regentes  das  Tutorias  percebem  os  vencimentos  consi- 
gnados na  tabela  anexa  ao  regulamento  interno  das  Tutorias,  gozam  dos 
mesmos  direitos  e  regalias  concedidos  aos  professores  de  instrução  pri- 
mária regendo  escolas  do  Estado  e  teem  direito  a  moradia  gratuita  em 
dependências  do  internato. 

§  único.  É  obrigatória  a  residência  dos  regentes  no  edifício  do  internato. 

Art.  26.°  São  obrigações  dos  regentes  das  Tutorias  de  Menores  Indí- 
genas : 

1.°  Fazer  a  inscrição  dos  menores  nos  termos  dos  artt.  5.°  e  7.° 

2.°  Distribuir  os  menores  pelos  respectivos  grupos  e  propor  o  seu 
trânsito  de  uma  para  outra  classe. 

3.°  Organizar  o  registo  biográfico  de  todos  os  menores  sob  a  vigilância 
e  protecção  da  Tutoria. 


?34  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

4.°  Manter  a  ordem  e  disciplina  entre  os  menores  da  sua  divisão. 

5.°  Ministrar  o  ensino  literário  aos  menores  da  sua  divisão. 

6.°  Distribuir  e  dirigir  a  execução  de  todos  os  serviços  do  estabeleci- 
mento de  harmonia  com  as  disposições  do  regulamento  e  instruções  do 
director. 

7.°  Desempenhar  as  funções  de  ecónomos. 

8.°  Ter  à  sua  responsabilidade  toda  a  escrituração  da  Tutoria. 

Art.  27.°  Junto  de  cada  Tutoria  funcionará  um  Conselho  de  Adminis- 
tração e  Disciplina; 

§  1.°  Este  Conselho  na  Tutoria  de  Loanda  será  composto: 

Do  Curador  Geral,  presidente; 

Do  Inspector  dos  Serviços  de  Agricultura; 

Do  Delegado  do  Procurador  *la  República  ou  do  Conservador  do  Re- 
gisto Predial  da  comarca  de  Loanda,  à  escolha  do  Governador  Geral; 

Do  Administrador  do  Concelho  de  Loanda; 

De  um  vereador  da  Câmara  Municipal  escolhido  pelo  Governador 
Geral. 

§  2.°  O  Conselho  de  Administração  e  Disciplina  da  Tutoria  de  Benguela 
será  composto: 

Do  Agente  do  Curador  Geral,  presidente; 

Do  Delegado  do  Procurador  da  República  ou  do  Conservador  do  Re- 
gisto Predial  da  comarca  de  Benguela,  à  escolha  do  Governador  Geral; 

Do  Delegado  de  Saúde  do  concelho  de  Benguela; 

Do  agrónomo  ou  regente  agrícola  chefe  dos  serviços  de  agricultura  do 
distrito ; 

De  um  vereador  da  Câmara  Municipal  escolhido  pelo  Governador 
Geral. 

Art.  28.°  Compete  ao  Conselho  Administrativo  e  Disciplinar: 

1.°  Administrar  autonomamente  os  fundos  da  Tutoria  arrecadando  as 
receitas  e  ordenando  as  despezas; 

2.°  Admitir  por  contracto  ou  assalariado  todo  o  pessoal  que  for  neces- 
sário para  auxiliar  os  regentes  na  execução  de  todos  os  serviços  da  Tu- 
toria e  despedi-lo  quando  entender  conveniente,  respeitando  as  condições 
dos  contractos. 

3.°  Propor  ao  Governador  Geral  as  alterações  que  julgar  conveniente 
introduzir  no  regulamento  interno  da  Tutoria. 

4.°  Deliberar  sobre  a  selecção  dos  menores  para  as  duas  classes  a  que 
se  referem  os  artt.  9.°  e  10.°  e  sobre  o  trânsito  de  uma  para  outra. 

5.°  Conceder  prémios  ou  distintivos  aos  internados  que  «e  distingui- 
rem pelo  seu  bom  comportamento. 

6.°  Julgar  e  punir,  paternalmente,  pelos  princípios  da  equidade  e  da 
justiça,  os  delitos  e  faltas  cometidos  por  todos  os  menores  inscritos  sob 
a  vigilância  e  protecção  da  Tutoria,  salvo  quando  aos  factos  praticados 
corresponda  a  pena  de  degredo  na  legislação  penal  indígena,  entregando 
neste  caso  os  menores  aos  tribunais  competentes. 

Art.  29.°  Constitue  receita  das  Tutorias  de  Menores  Indígenas: 

1.°  A  verba  que  do  fundo  de  protecção  e  assistência  fôr  anualmente 
distribuída ; 

2,°  O  subsídio  que  lhe  fôr  consignado  lio  orçamento  da  colónia; 


DE    ANGOLA  735 

3.°  O  produto  de  quaisquer  donativos  que  lhes  sejam  feitos; 

4.°  O  rendimento  dos  produtos  agrícolas  ou  dos  trabalhos  executados 
nas  oficinas  das  Tutorias. 

Art.  30.°  O  Conselho  de  Administração  e  Disciplina  da  Tutoria  de 
Loanda  dentro  do  prazo  de  90  dias  elaborará  e  apresentará  ao  Gover- 
nador Geral,  para  aprovação  deste,  o  regulamento  interno  das  Tutorias, 
dentro  dos  princípios  estabelecidos  neste  diploma. 


XVII 

PROJECTO  SOBRE  O  ENSINO  PROFISSIONAL 

Art.  1.°  É  instituído  na  província  de  Angola,  o  ensino  profissional  para 
os  indígenas  dos  dois  sexos. 

Art.  2.°  Fica  o  Governador  Geral  autorizado  a  estabelecer  junt@  de 
cada  concelho,  Circunscrição  Civil  e  Capitania-mór,  escolas  profissionais 
ou  simplesmente  escolas-oficinas,  nos  termos  deste  projecto. 

§  único.  O  Governador  Geral  só  estabelecerá  uma  escola  quando  tenha 
garantido  o  seu  funcionamento  pelas  verbas  que  constituem  receita  da 
respectiva  escola  e  em  que  o  subsídio  do  Estado  não  ultrapasse  o  estabe- 
lecido por  este  projecto. 

Art.  3.°  O  ensino  é  absolutamente  gratuito. 

Art.  4.°  A  admissão  dos  alunos  far-se  ha  em  qualquer  época  do  ano, 
bastando  para  isso  uma  declaração  escrita  ou  verbal,  feito  pelos  pais  ou 
tutores  perante  o  presidente  do  conselho  escolar  e  provar-se,  sem  dis- 
pêndio para  o  aluno: 

a)  Ter  mais  de  nove  anos  e  menos  de  quatorze; 

b)  Não  ter  doença  contagiosa ; 

c)  Ter  suficiente  robustez  física. 

Art.  5.°  É  condição  de  preferência  para  a  admissão  o  ser  órfão  de  pai 
e  mãe  ou  de  pai  ou  de  mãe. 

Art.  6.°  Nas  escolas  profissionais  ou  escolas-oficinas  ministrar-se  ha: 

1.°  O  ensino  de  uma  profissão  manual; 

2.°  A  instrução  literária  rudimentar; 

3.°  A  instrução  moral  e  cívica; 

4.°  A  cultura  e  desenvolvimento  físico. 

Art.  7.°  O  ensino  profissional  destinado  a  indígenas  do  sexo  masculino 
será  dividido  pelos  seguintes  ofícios: 

a)  De  serralheiro ; 

b)  De  marceneiro; 

c)  De  carpinteiro; 

d)  De  pedreiro; 

e)  De  funileiro; 
/)   De  alfaiate; 
g)  De  sapateiro; 

h)  De  trabalhador  rural. 

§  único.  As  profissões  a  adoptar  em  cada  uma  das  escolas  será  depen- 


DE   ANGOLA  737 

dente  das   condições  locais,    conforme   a  índole  dos  seus  habitantes  e 
tendo  em  conta  a  situação  financeira  em  que  a  escola  se  encontra. 

Art.  8.°  O  ensino  profissional  nas  escolas  destinadas  a  indígenas  do 
sexo  feminino  constará: 

a)  De  costura,  corte  e  confecção  das  peças  de  vestuário  e  roupa  de  uso 
comum; 

b)  Do  conhecimento  e  usos  de  máquinas  de  costura,  de  meias,  de 
bordados; 

c)  De  noções  de  misteres  caseiros,  governo  de  casa,  higiene  doméstica, 
cuidados  com  os  filhos. 

Art.  9.°  A  instrução  literária  constará,  em  qualquer  das  escolas 
profissionais,  do  ensino  da  língua  portuguesa,  com  leitura  e  escrita, 
com  as  quatro  operações  de  arim ética  e  com  o  sistema  de  pesos  e  me- 
didas. 

Art.  10.°  O  regimen  das  escolas  profissionais  será  o  semi-internato, 
com  a  distribuição  de  uma  refeição  sadia,  abundante,  cozinhada  segundo 
o  costume  indígena  e  composta  de  géneros  da  terra  empregados  pelos 
indígenas  da  região. 

Art.  11.°  Para  ministrar  a  instrução  literária,  moral  e  cívica,  e  a 
cultura  e  desenvolvimento  físico  em  cada  uma  das  escolas,  será  encar- 
regado o  professor  oficial  ou  municipal  de  instrução  primária  da  divisão 
administrativa  onde  se  encontra  instalada  a  escola,  quando  se  tratar  de 
escolas  para  indígenas  do  sexo  masculino,  e  a  professora,  quando  a  escola 
se  destinar  a  indígenas  do  sexo  feminino.  Caso  não  haja  professor,  ou 
havendo-o,  por  motivo  atendível  não  possa  exercer  essas  funções  será 
encarregada  pessoa  de  comprovada  competência. 

Art.  12.°  O  professor  encarregado  da  instrução  literária  será  o  director 
da  escola  e  terá  como  remuneração  dos  serviços  prestados  uma  gratificação 
estabelecida  sob  proposta  da  autoridade  administrativa  local. 

Art.  13.°  Do  ensino  profissional  será  encarregado  pessoal  contratado 
e  devidamente  habilitado. 

Art.  14.°  As  nomeações  dos  professores  de  instrução  literária  e  os 
contractos  do  pessoal  encarregado  do  ensino  profissional  serão  aprovados 
por  portaria  provincial ; 

Art.  15.°  Cada  uma  das  escolas  será  dirigida  e  administrada  por  um 
conselho  escolar  composto: 

1.°  Do  administrador  do  Concelho  ou  de  Circunscrição  ou  o  Capitão-mór 
da  capitania,  conforme  os  casos,  que  será  o  presidente; 

2.°  Do  Secretário  da  Administração  do  Concelho  ou  da  Circunscrição 
ou  da  Capitania-mór; 

3.°  Do  Director  da  escola  que  será  o  Secretário  com  voto. 

§  único.  O  presidente  do  conselho  escolar  das  escolas  profissionais  da 
cidade  de  Loanda  será  o  Secretário  dos  Negócios  Indígenas. 

Art.  16.°  O  Conselho  Escolar  reunirá  pelo  menos  uma  vez  por  mês, 
competindo-lhe : 

a)  Apreciar  os  resultados  do  ensino,  propor  as  alterações  e  modifi- 
cações que  julgar  conveniente; 

b)  Adoptar  os  melhoramentos  que  julgue  convenientes  dentro  do 
orçamento  e  recursos  da  escola  ; 


738  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

c)  Administrar  o  fundo  da  escola,  arrecadando  as  suas  receitas  e 
satisfazendo  as  suas  despesas; 

d)  Enviar  mensalmente  para  a  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  um 
balancete  da  receita  e  da  despesa  da  escola; 

e)  Elaborar  o  relatório  anual  para  ser  presente  por  intermédio  do 
Secretário  dos  Negócios  Indígenas  ao  Governo  Geral. 

Art.  17.°  A  superintendência  das  escolas  profissionais  fica  a  cargo  do 
Secretário  dos  Negócios  Indígenas,  e  toda  a  correspondência  daquelas 
que  tenha  que  ser  presente  ao  Governo  Geral  ou  a  qualquer  conselho 
transitará  pela  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas. 

Art.  18.°  O  Secretario  dos  Negócios  Indígenas  elaborará  anualmente 
um  relatório  sobre  o  funcionamento  das  escolas  profissionais  da  província 
e  os  resultados  obtidos,  para  ser  presente  ao  Conselho  Inspector  de 
Instrução  Pública  da  Província. 

Art.  19.°  Constituem  receitas  de  cada  escola : 

a)  30%  do  adicional  sobre  o  imposto  de  cubata  estabelecido  pelo 
art.  145.°  do  Regulamento  das  Circunscrições  Administrativas; 

b)  20  %  do  fundo  das  circunscrições  nos  termos  do  art.  164  do  Regu- 
lamento de  2  de  outubro  de  1912; 

c)  O  produto  líquido  dos  trabalhos  executados  nas  oficinas; 

d)  Subsídios  que  lhe  forem  estabelecidos  por  qualquer  instituição  de 
beneficência; 

e)  Subsídios  e  donativos  particulares; 

f)  Subsídios  de  subscrições,  bazares  e  quermesses. 

§  único.  Os  subsídios  do  Estado  não  ultrapassarão  dois  mil  escudos 
nas  escolas  estabelecidas  nas  sedes  dos  governos  de  distrito,  e  seis- 
centos escudos  nas  restantes. 

Art.  20.°  Incumbe  ao  Governador  Geral  da  Província  de  Angola, 
ouvido  o  Conselho  do  Governo  e  sob  proposta  do  Secretário  dos  Negócios 
Indígenas,  aprovar  os  regulamentos  das  escolas  profissionais  que  forem 
sendo  criadas  na  província. 


XVIII 

PROJECTO  DE  DIPLOMA  PARA  O  ESTABELECIMENTO 
DE  COLÓNIAS  DE  CORRECÇÃO  PARA  INDÍGENAS 

Art.  l.°  São  criados  na  Província  de  Angola  estabelecimentos  penais, 
denominados  Colónias  de  Correcção  para  Indígenas,  destinados  ao  Inter- 
nato dos  indígenas  condenados  nas  penas  de  desterro  e  trabalho  correc- 
cional pelos  tribunais  da  província  e  aos  degredados  indígenas  vindos 
de  outras  províncias  ultramarinas. 

Art.  2.°  As  Colónias  de  Correcção  funcionarão,  simultaneamente:  como 
estabelecimentos  de  ensino  profissional  e  elementos  de  progresso  e  desen- 
volvimento da  agricultura,  da  pecuária  e  das  indústrias  e  economia  admi- 
nistrativa da  província. 

Art.  3.°  Serão  desde  já  estabelecidas  uma  Colónia  de  Correcção  em  cada 
distrito  da  província,  competindo  ao  Governador  Geral,  ouvindo  o  Secre- 
tário dos  Negócios  Indígenas  e  o  Inspector  de  Agricultura  e  os  respecti- 
vos governadores  dos  distritos  designar  o  local  onde  devem  estabelecer-se. 

§  único.  Fica  o  Governador  Geral  autorizado  a  dispender  até  à  quantia 
de  20.000$00  com  a  instalação  de  cada  Colónia  de  Correcção,  assim  como 
garantir  a  manutenção  de  cada  colónia  com  uma  dotação  anual  não  su- 
perior a  3.000S00. 

Art.  4.°  Constituem  as  receitas  de  cada  Colónia  de  Correccção : 

1.°  O  rendimento  das  suas  culturas,  criações  de  gado  e  oficinas; 

2.°  A  verba  da  sua  dotação  nas  tabelas  orçamentais ; 

3.°  A  verba  que  anualmente  lhe  fôr  distribuída  do  fundo  de  protecção  e 
assistência  a  indígenas. 

§  único.  Quando  uma  ou  mais  Colónias  de  Correcção,  pelo  desenvolvi- 
mento dos  seus  rendimentos  não  careçam  de  dotação  ou  do  subsídio  do 
fundo  de  protecção  e  assistência  a  indígenas,  poderão  aplicar-se  as  respe- 
ctivas verbas  à  manutenção  e  desenvolvimento  doutras  Colónias. 

Art.  5.°  O  Governador  Geral  poderá,  nas  condições  dos  artigos  ante- 
riores, aumentar  o  número  de  Colónias  de  Correcção  quando  assim  o 
julgue  necessário. 

Art.  6.°  Para  o  estabelecimento  de  cada  Colónia  de  Correcção  será  de- 
marcada uma  área  não  inferior  a  200  hectares,  destinada  a  ser  agricul- 
tada, pelos  internados  da  Colónia,  em  culturas  de  géneros  próprios  à 
alimentação  do  pessoal  e  gado  e  à  exportação  e  consumo  da  província. 

Art.  7.°  Na  escolha  do  local,  ter-se  há  em  vista  que  as  instalações  do 


740  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

estabelecimento  penal  devem  ficar  sempre  a  menos  de  2  quilómetros  da 
sede  de  uma  circunscrição  ou  capitania-mór,  preferindo-se  a  proximidade 
da  via  férrea. 

Art.  8.°  As  Colónias  de  Correcção,  quando  as  conveniências  o  aconse- 
lhem, poderão  ser  instaladas  nos  postos  agrícolas  ou  granjas  existentes, 
aproveitando-se  os  edifícios,  culturas  e  toda  a  existência  desses  estabele- 
cimentos para  a  transformação  em  Colónias  de  Correcção. 

Art.  9.°  Em  todas  as  Colónias  de  Correcção  haverá  escolas  de  instrução 
literária  rudimentar  e  oficinas,  onde  será  ministrado  o  ensino  literário  e 
profissional  aos  internados. 

Art.  10.°  A  educação  literária  consistirá  no  ensino  da  língua  portuguesa 
com  leitura  e  escrita,  das  quatro  operações  de  arimética  e  do  sistema  de 
pesos  e  medidas. 

Art.  11.°  A  educação  profissional  consistirá  no  ensino  das  profissões 
manuais  de  : 

Ferreiro-serralheiro. 

Carpinteiro-marceneiro. 

Serrador. 

Pedreiro-trôlha. 

Funileiro. 

Alfaiate. 

Sapateiro. 

Oleiro. 

Trabalhos  rurais  com  prática  de  máquinas  e  alfaias  agrícolas  e  espe- 
cialmente cultura  de  hortas  e  pomares. 

§  único.  As  profissões  a  adoptar  em  cada  uma  das  Colónias  de  Correcção 
serão  dependentes  das  condições  locais  e  de  harmonia  com  as  necessida- 
des e  recursos  da  Colónia. 

Art.  12.°  O  ensino  literário  será  ministrado  em  aulas  nocturnas,  e  é 
obrigatório  para  todos  os  indígenas  que  hajam  de  cumprir  penas  de  dura- 
ção superior  a  um  ano. 

Art.  13.°  O  ensino  dos  ofícios,  mencionados  no  artigo  10.°,  será  minis- 
trado àqueles  dos  internados,  que,  tendo  mais  tempo  de  desterro  ou  de- 
gredo a  cumprir,  mostrem  melhores  aptidões  para  cada  um  deles. 

Art.  14.°  Além  dos  ofícios  indicados  no  artigo  10.°,  poderão  ensinar-se 
todos  aqueles  de  que  haja  conveniência  manterem-se  as  respectivas  oficinas. 

Art.  15.°  As  oficinas,  àlêm  da  aplicação  do  ensino  profissional  aos  in- 
ternados, destinar-se  hão  à  execução  dos  trabalhos  necessários  ao  funcio- 
namento das  Colónias  de  Correcção  e  ainda  a  quaisquer  outros  que  lhe 
sejam  encomendados  pelo  Estado  ou  por  particulares. 

Art.  16.°  A  educação  profissional  aos  indígenas  do  sexo  feminino  con- 
sistirá no  ensino  de  serviços  domésticos  e  de  costura,  como  corte  e  con- 
fecção de  peças  de  vestuário  feminino  e  infantil,  e  será  ministrada  às  indí- 
genas que  mostrem  aptidões  para  o  receber. 

Art.  17.°  As  escolas  de  instrução  literária  rudimentar  para  os  indíge- 
nas de  ambos  os  sexos  serão  regidas,  respectivamente,  pelo  professor  e 
professora  de  instrução  primária  da  localidade  a  quem  será  paga  uma 
gratificação  que  lhe  fôr  atribuída  pela  comissão. 

Art.  18.°  Para  mestres  das  oficinas  serão  contratados  operários  compe- 


DE  ANGOLA  741 

tentes,  vencendo  como  assalariados  o  jornal  estipulado  por  cada  dia  de 
trabalho. 

§  único.  Estes  operários  terão  a  garantia  de  receber  50%  do  seu  jor- 
nal durante  30  dias  em  cada  ano,  quando  deixem  de  trabalhar  por  motivo 
de  doença. 

Art.  19.°  Para  a  manutenção  da  ordem  e  guarda  dos  condenados  haverá 
sempre  em  cada  Colónia  de  Correcção  um  destacamento  de  20  a  30  praças 
indígenas  devidamente  comandadas,. 

Art.  20.°  Será  obrigatório  o  trabalho  durante  8  horas  em  cada  dia  útil 
para  todos  os  condenados. 

Art  21.°  Aos  condenados  será  distribuída  alimentação  e  vestuário,  e 
abonada  mensalmente  a  quantia  de  $30. 

Art.  22.°  Além  do  que  lhe  é  concedido  pelo  artigo  anterior  ser-lhe  ha 
pago  salário  por  cada  dia  em  que  trabalhem,  variando  conforme  as  suas 
aptidões,  entre  $01  a  $03  diários  para  os  trabalhadores  rurais,  aprendizes 
de  diversos  ofícios  e  mulheres,  e  entre  $03  e  $10,  para  os  que  trabalhem 
regularmente  em  qualquer  dos  ofícios  mencionados  no  artigo  11.°. 

Art.  23.°  Quando  nas  Colónias  de  Correcção  houver  operários  disponí- 
veis poderão  ser,  temporariamente,  dispensados  para  quaisquer  trabalhos 
do  Estado  ou  Municípios,  quando  estes  sejam  próximos  das  Colónias  de 
Correcção  e  os  condenados  possam  recolher  todas  as  noites  ao  estabeleci- 
mento penal. 

Art.  24.°  Os  encarregados  das  obras  do  Estado  ou  dos  Municípios  que 
requisitarem  os  condenados,  ficarão  responsáveis  pela  sua  guarda  e  vigi- 
lância, e  pelo  pagamento  da  importância  dispendida  com  a  sua  alimenta- 
ção, conforme  fôr  estipulado  pelo  Director  da  Colónia  de  Correcção,  pelo 
pagamento  do  abono  de  $30  a  que  se  refere  o  artigo  21.°  e  pelo  salário 
que  lhe  fôr  atribuído. 

§  único.  O  salário  de  cada  dia  de  trabalho  será  computado  no  dobro 
do  que  habitualmente  seja  pago  aos  indígenas,  quando  em  serviço  na 
Colónia  de  Correcção,  revertendo  uma  parte  a  favor  do  fundo  do  estabe- 
lecimento penal. 

Art.  25.°  A  venda  de  quaisquer  géneros  de  colheita  nas  Colónias  de 
Correcção,  assim  como  a  dos  gados  nelas  criados  e  a  execução  de  obras 
feitas  nas  suas  oficinas,  será  sempre  feita  a  pronto  pagamento  e,  ainda 
quando  se  trate  de  fornecimento  para  o  Estado,  não  poderão  os  riquisi- 
tantes,  ou  quaisquer  autoridades  superiores,  exigir  que  as  Colónias  de 
Correcção  satisfaçam  as  requisitações  doutra  forma,  a  não  ser  em  casos 
excepcionais  de  calamidade  pública. 

Art.  26.°  As  Colónias  de  Correcção  para  indígenas  serão  dirigidas  e 
administradas  por  uma  comissão  composta  : 

a)  Do  administrador  do  concelho,  circunscrição  ou  Capitão-mór  que 
será  o  presidente  e  director  fiscal  da  Colónia  de  Correcção ; 

b)  De  um  regente  agrícola  do  quadro  do  serviço  de  Agricultura  da 
Província  que  será  o  administrador  gerente ; 

c)  Do  Delegado  de  Saúde  da  respectiva  divisão  administrativa  em  que 
estiver  situada  a  Colónia ; 

d)  Do  escrivão  ou  delegado  de  Fazenda  da  Circunscrição  ou  concelho 
em  que  estiver  situada  a  Colónia  de  Correcção ; 


742  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

e)  Dos  professores  de  instrução  literária  na  Colónia  de  Correcção ; 

f)  De  um  dos  mestres  das  oficinas  do  estabelecimento  penal  que  fôr 
escolhido  pelos  restantes  membros  da  comissão. 

§  1.°  Estas  comissões  terão  autonomia  administrativa  necessária  para 
fomentar  e  arrecadar  as  receitas  das  Colónias  de  Correcção  e  para  ordenar 
as  despesas  do  seu  funcionamento,  competindo-lhe  reunir  quinzenalmente 
para  deliberar  sobre  todos  os  assuntos  que  interessem  ao  mesmo  funcio- 
namento, quer  nos  da  parte  puramente  administrativa  como  nos  que 
possam  considerar-se  de  carácter  técnico. 

§  2.°  Das  reuniões  da  comissão  serão  lavradas  as  competentes  actas 
ficando  todos  os  membros  solidariamente  responsáveis  pelas  delibera- 
ções tomadas  embora  não  tenham  assistido  às  reuniões  em  que  forem 
tomadas  se  na  primeira  reunião  não  protestarem  a  sua  discordância  com 
as  mesmas  deliberações  e  não  fundamentarem  na  acta  a  razão  da  sua 
discordância. 

Art.  27.°  Os  membros  das  comissões  administrativas  que  estiverem 
servindo  em  31  de  dezembro  terão  a  obrigação  de  elaborar  até  15  de 
março  do  ano  seguinte,  um  sucinto  relatório  da  administração  anual  da 
Colónia  de  Correcção,  acompanhando  o  mesmo  relatório  de  elucidativos 
elementos  estatísticos  sobre  movimento  dos  condenados,  resultados  das 
culturas,  trabalhos  das  oficinas  e  um  balancete  geral  da  receita  e  despesa. 

§  único.  Deste  relatório  será  enviado  um  exemplar  ao  Governador  do 
Distrito  e  dois  exemplares  ao  Governo  Geral  da  Província  por  intermé- 
dio da  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  e  da  Inspecção  de  Agricultura. 

Art.  28.°  Ao  director  fiscal  compete  especialmente:  a  fiscalização  e 
direcção  superior  de  todas  as  deliberações  da  comissão  administrativa ; 
a  manutenção  da  ordem  e  disciplina  do  estabelecimento ;  a  aplicação  de 
castigos  aos  condenados ;  e  a  assinatura  de  toda  a  correspondência  oficial 
da  Colónia  de  Correcção. 

Art.  29.°  Ao  administrador  gerente  compete :  ordenar  e  dirigir  todo  o 
funcionamento  do  estabelecimento  penal,  de  harmonia  com  as  delibera- 
ções da  comissão  administrativa  e  indicações  do  seu  presidente ;  ter  a 
seu  cargo  a  guarda  e  conservação  de  toda  a  existência  dos  depósitos  e 
oficinas ;  manter  directamente  a  ordem  e  disciplina  do  pessoal  e  conde- 
nados. 

Art.  30.°  Ao  Delegado  de  Saúde  compete:  a  inspecção  sanitária  do  esta- 
belecimento penal. 

Art.  31.°  Ao  escrivão  ou  Delegado  de  Fazenda  compete :  exercer  as 
funções  de  tesoureiro  e  pagador  da  Colónia  de  Correcção. 

Art.  32.°  Aos  professores  de  Instrução  literária  compete:  auxiliar  o 
administrador  gerente  e  o  tesoureiro  na  organização  de  toda  a  escritura- 
ção do  estabelecimento  penal. 

Art.  33.°  O  administrador- gerente  vence  pelo  quadro  do  Serviço  de 
Agricultura  a  que  pertence  e  tem  direito  a  residência  gratuita  na  Colónia 
de  Correcção  e  á  gratificação  especial  que  lhe  fôr  atribuída  pela  Comissão 
Administrativa  da  Colónia  de  Correcção  com  a  aprovação  do  Governador 
Geral. 

Art.  34.°  As  Colónias  de  Correcção,  como  estabelecimentos  penais  para 
indígenas,  de  administração  autónoma,  estão  sob  a  superintendência  e 


DE  ANGOLA  743 

fiscalização  da  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  e  com  ela  se  corres- 
pondem directamente  assim  como  com  quaisquer  outras  autoridades  da 
província. 

Art.  35.°  O  Governador  Geral,  ouvida  a  Secretaria  dos  Negócios  Indí- 
genas e  as  entidades  que  julgar  conveniente  regulamentará  o  funcio- 
namento das  Colónias  de  Correção  para  Indígenas  de  harmonia  com 
as  disposições  deste  diploma  e  com  os  recursos  e  necessidades  possivel- 
mente atendíveis  em  cada  região  onde  seja  montada  uma  Colónia  de  Cor 
recção. 


XIX 

PROJECTO  DE  DIPLOMA  INSTITUINDO  UM  ASILO 
DE  VELHOS  E  INVÁLIDOS  NA  CIDADE   DE  LOANDA 

Art.  l.°  É  fundado  na  cidade  de  Loanda  um  estabelecimento  de  bene- 
ficência que  se  denominará  Asilo' de. . .  destinado  ao  internato  de  indígenas 
da  província  de  Angola  velhos  ou  inválidos  de  ambos  os  sexos. 

Art.  2.°  O  Asilo  de...  será  provisoriamente  instalado  em  qualquer 
edifício  do  Estado  emquanto  não  fôr  construído  edifício  próprio  para  a 
sua  definitiva  instalação. 

Art.  3.°  As  despesas  com  a  instalação  e  manutenção  do  Asilo  serão 
custeadas : 

1.°  Com  a  importância  da  verba  que  anualmente  lhe  fôr  distribuída 
do  fundo  de  protecção  e  assistência  a  indígenas ; 

2.°  Com  os  subsídios  que  lhe  forem  consignados  pelas  Câmaras  e 
Comissões  Municipais  da  província  ; 

3.°  Com  o  produto  de  legados  ou  donativos  que  lhe  forem  testados  ou, 
oferecidos,  e  com  o  rendimento  destes  fundos ; 

4.°  Com  a  importância  das  quotizações  pagas  pelos  protectores  dos 
asilados  admitidos  extraordinariamente; 

5.°  Com  o  produto  de  quaisquer  receitas  que  por  iniciativa  da  admi- 
nistração do  asilo  possam  ser  angariadas. 

Art.  4.°  A  admissão  dos  asilados  far-se  ha  por  duas  classes  :  ordinários 
e  extraordinários. 

Art.  5.°  Serão  admitidos  como  asilados  ordinários  os  indígenas  indi- 
gentes que  não  tenham  família  que  possa  socorrê-los  na  sua  invalidez 
por  doença  ou  velhice. 

Art.  6.°  Poderão  ser  admitidos  como  extraordinários : 

1.°  Os  velhos  ou  inválidos  que  tenham  pessoas  de  família  a  quem 
cumpra  socorrê-los  ; 

2.°  Os  trabalhadores  indígenas  que  por  acidente  de  trabalho  ou  doença 
adquirida  durante  a  vigência  de  um  contracto  de  trabalho,  se  tornem 
inválidos. 

Art.  7.°  A  admissão  dos  asilados  extraordinários  só  poderá  ser  feita, 
mediante  pagamento  permanente  da  prestação  mensal  estipulada  no  regu- 
lamento interno  do  Asilo,  para  os  mencionados  no  n.°  1.°  do  art.  6."  e  me- 
diante o  mesmo  pagamento,  durante  o  período  de  dois  anos,  ou  da 
importância  de  50$00,  paga  de  uma  só  vez,  para  os  do  n.°  2.°. 


BE  ANGOLA  745 

Art.  8.°  Não  poderão  ser  recebidos  no  Asilo  indígenas  que  sofram  de 
moléstias  contagiosas,  nem  os  atacados  de  demência  e  condições  de  per- 
turbarem a  ordem  no  estabelecimento,  emquanto  nele  não  houver  depen- 
dências apropriadas  para  os  alojar  isoladamente. 

Art.  9.°  Os  asilados  em  condições  de  trabalhar  na  manufactura  de 
objectos  de  verga  ou  fibra,  ou  em  qualquer  outro  mister  compatível  com 
a  sua  idade  e  invalidez,  serão  obrigado  a  trabalhar  durante  um  determi- 
nado número  de  horas  por  dia. 

Art.  10.°  Metade  do  produto  dos  asilados  ser-lhes  ha  entregue  mensal- 
mente, revertendo  a  outra  metade  em  favor  da  instituição. 

Art.  11.°  O  asilo  será  gratuitamente  assistido  e  visitado  por  um  médico 
do  quadro  de  saúde  da  província,  para  esse  fim  designado  pelo  Chefe  do 
Serviço  de  Saúde,  competindo-lhe  fazer  remover  para  o  hospital  os 
doentes  que  não  possam  ser  tratados  no  asilo  e  requisitar  do  mesmo  hos- 
pital os  medicamentos  e  os  serviços  de  enfermagem  que  fôr  preciso  para 
os  que  poderem  ser  tratados  no  asilo. 

Art.  12.°  A  administração  do  asilo  será  entregue  a  uma  comissão  de 
5  membros  composta:  do  Secretário  dos  Negócios  Indígenas,  que  servirá 
de  presidente  ;  do  Chefe  dos  Serviços  de  Saúde,  vice-presidente ;  do  Admi- 
nistrador do  Concelho  de  Loanda,  e  de  dois  outros  indivíduos  europeus, 
nomeados  pelo  Governador  Geral  para  servirem  por  dois  anos  servindd 
um  deles  de  tesoureiro. 

Art.  13.°  A  comissão  administrativa  terá  duas  reuniões  periódicas 
mensais  nos  dias  que  forem  designados  no  regulamento  do  asilo,  e  as 
extraordinárias  que  forem  precisas  para  a  regular  administração  do 
estabelecimento,  competindo-lhe : 

1.°  Fixar  trimestralmente,  conforme  a  provável  disponibilidade  de 
fundos,  o  número  máximo  do  asilados  de  cada  sexo  que  podem  ser  admi- 
tidos no  trimestre  seguinte; 

2.°  Ordenar  as  despesas  e  aprovar  o  seu  pagamento ; 

3.°  Promover  a  criação  de  receitas  e  deliberar  sobre  o  seu  recebimento 
e  arrecadação ; 

4.°  Propor  ao  Governo  Geral  as  modificações  que  julgue  necessário 
introduzir  no  regulamento  do  asilo  e  todas  as  medidas  convenientes  paru 
a  manutenção  e  progresso  da  instituição ; 

5.°  Elaborar  anualmente,  até  31  de  Março,  um  relatório  sumário  com 
as  contas  da  sua  administração  durante  o  ano  findo,  que  será  publicado 
no  Boletim  Oficial. 

Art.  14.°  O  Secretário  dos  Negócios  Indígenas  será  o  director  do  Asilo 
e  como  tal  encarregado  de  executar  as  deliberações  da  comissão  adminis- 
trativa e  de  prover  e  vigiar  o  funcionamento  do  estabelecimento. 

Art.  15.°  Do  expediente  da  administração  do  asilo  será  encarregado 
um  funcionário  da  Secretaria  dos  Negócios  Indígenas  que  servirá  também 
de  secretário  nas  reuniões  da  comissão  administrativa. 


XX 

PROJECTO  DO  REGULAMENTO  DE  FESTAS 
E  CERIMÓNIAS  GENTÍLICAS 

Art.  l.°  Os  batuques,  festas  e  cerimónias  fúnebres  indígenas  que  por 
qualquer  modo,  possam  vir  prejudicar  a  ordem  e  a  tranquilidade  pública 
só  serão  permitidos  mediante  licença  por  escrito  da  autoridade  adminis- 
trativa e  nas  condições  prescritas  pela  mesma. 

Art.  2.°  Não  serão  concedidas  licenças  para  festas  ou  cerimónias  que 
se  continuem  por  mais  de  5  dias  nem  será  consentido  que  durante  a  noite 
se  prolonguem  àlêm  das  2  horas  e  comecem  antes  das  12. 

§  único.  As  festas  e  cerimónias  por  morte  ou  investidura  de  novo  soba 
poderá  excepcionalmente  permitir-se  que  durem  até  30  dias. 

Art.  3.°  Aqueles  a  quem,  como  organizadores  das  festas  e  cerimónias 
gentílicas,  forem  passadas  as  respectivas  licenças  ficarão  responsáveis 
pelo  cumprimento  das  determinações  da  autoridade  sobre  a  execução  das 
mesmas  cerimónias  e  festas. 

Art.  4.°  As  licenças  a  que  se  refere  este  diploma  são  sujeitas  ao  paga- 
mento de  emolumentos,  para  a  autoridade  que  as  conceder,  de  $30  quando 
a  duração  das  festas  fôr  de  um  dia  e  $50  se  fôr  mais  de  um. 

Art.  5.°  Serão  punidos  com  a  multa  de  1  a  10  escudos  aqueles  que 
organizarem  festas  gentílicas,  públicas,  sem  prévia  licença  ou  em  con- 
trário das  condições  em  que  forem  autorizadas  pela  autoridade. 


XXI 

PROJECTO  DO  REGULAMENTO 

PARA  A  CONCENTRAÇÃO,  ISOLAMENTO  E  HIGIENE 

DAS  HABITAÇÕES  DOS  INDÍGENAS 

Art.  l.°  Todos  os  indígenas  da  província  de  Angola,  são  obrigados  a 
agrupar  as  suas  habitações  nos  locais  que  forem  escolhidos  para  edificação 
de  bairros  ou  povoações  indígenas. 

Art.  2.°  A  partir  da  publicação  do  presente  regulamento  nenhum  indí- 
gena poderá  construir  a  sua  cubata  ou  ir  fixar  residência  dentro  do  perí- 
metro reservado  para  a  edificação  de  centros  urbanos  de  habitação  de 
europeus  ou  africanos  civilizados,  nem  estes  poderão  mudar  a  sua  habi- 
tação para  os  logares  exclusivamente  destinados  à  construção  de  bairros 
ou  povoações  indígenas. 

§  único.  Aos  indígenas  empregados  em  serviços  domésticos  ou  ainda 
em  quaisquer  outros  que  por  circunstâncias  especiais  seja  necessário 
viverem  no  centro  de  população  civilizada,  bem  assim  como  as  suas 
famílias,  será  permitida  a  residência  em  dependências  das  habitações  dos 
europeus  e  equiparados. 

Art.  3.°  A  concentração  das  habitações  dos  indígenas  em  bairros  ou 
povoações  ter-se  ha  completado  no  praso  máximo  de  5  anos,  findo  o  qual 
as  autoridades  administrativas  mandarão  destruir  todas  as  cubatas  que 
estiverem  fora  dos  locais  designados. 

Art.  4.°  Os  indígenas  que  pela  ocasião  do  segundo  arrolamento  para 
cobrança  do  imposto  de  cubata,  a  que  se  proceder  após  a  publicação  deste 
diploma,  não  tiverem  mudado  as  suas  habitações  para  os  logares  de  con- 
centração, ficarão  obrigados  ao  pagamento  do  dobro  do  imposto  por  esse 
ano  económico,  e  progressivamente,  ao  tripulo  e  ao  quádrupulo  no  ter- 
ceiro e  quarto  arrolamentos  seguintes. 

Art.  5.°  A  escolha  de  logares  para  o  estabelecimento  de  bairros  e 
povoações  indígenas,  o  seu  delineamento  e  a  vigilância  e  fiscalização  das 
rescrições  impostas  neste  regulamento,  competem,  na  área  de  cada  con- 
celho, circunscrição  ou  capitania-mór,  às  comissões  que  permanentemente 
funcionarão  para  esse  fim,  compostas  dos  seguintes  membros  : 

Administrador  do  concelho,  circunscrição  ou  capitão-mór; 

Delegado  de  saúde; 

Dois  vogais  da  Câmara  ou  Comissão  Municipal ; 

Um  funcionário  da  Agrimensura  ou  das  Obras  Públicas. 

48 


748  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

§  único.  Nas  localidades  onde  não  haja  delegado  de  saúde  nem  fun- 
cionários da  Agrimensura  ou  Obras  Públicas,  funcionará  a  comissão 
apenas  com  os  outros  membros. 

Art.  6.°  Em  cada  posto  militar  ou  civil  constituir-se  ha  uma  comissão 
auxiliar,  composta  do  chefe  do  respectivo  posto,  de  dois  sobas  ou  chefes 
indígenas  e  de  mais  dois  vogais,  indivíduos  brancos  ou  de  côr,  indicados 
pelo  mesmo  chefe  como  conhecedores  da  topografia  e  recursos  da  região, 
e  dos  hábitos  e  necessidades  agrícolas  e  indústrias  dos  indígenas. 

Art.  7.°  ás  comissões  a  que  se  referem  os  artigos  anteriores,  para  a 
escolha  dos  locais  onde  devam  estabelecer-se  bairros  ou  povoações  indí- 
genas, terão  em  vista : 

1.°  As  condições  de  salubridade-  e  abundância  de  água,  própria  para 
bebida  e  outros  usos  domésticos; 

2.°  O  aproveitamento  dos  locais  onde  existam  já  importantes  núcleos 
de  população,  quando  pelas  condições  higiénicas  e  topográficas  forem 
adquáveis  ao  estabelecimento  de  grandes  povoações ; 

3.°  O  mais  provável  aproveitamento  das  riquezas,  minerais  florestais 
e  agrárias  da  região,  e  os  hábitos  e  interesses  agrícolas,  comerciais  ou 
indústrias  indígenas ; 

4.°  A  maior  possibilidade  de  ligar  as  povoações  às  sedes  das  divisões 
administrativas  ou  centros  de  população  civilizada,  por  estradas  ou  cami- 
nhos que  permitam  fácil  e  rápido  acesso. 

5.°  Outros  fins  convenientes  à  boa  administração  e  subordinação  dos 
povos. 

Art.  8.°  A  concentração  das  populações  indígenas  far-se  ha  por  tríbus, 
sobados  e  famílias  subordinadas  ao  mesmo  século,  macota  ou  similar, 
não  devendo,  em  regra,  estabelecer-se  povoações  com  menos  de  50  cubatas 
nem  o  número  de  povoações  exceder : 

3  quando  os  sobados  tenham  menos  de  250  cubatas ; 

5  tendo  entre  250  a  500; 

8  tendo  entre  500  a  1.000; 

10  tendo  de  1.000  a  2.000; 

12  tendo  mais  de  2.000  cubatas. 

§  único.  As  cubatas  poderão  agrupar-se  em  um  só  núcleo  ou  em 
bairros  de  dez  ou  mais  cubatas,  com  tanto  que,  da  periferia  de 
qualquer  bairro  à  do  que  lhe  ficar  mais  próximo,  não  distem  mais  de 
150  metros. 

Art.  9.°  As  povoações  quer  se  constituam  em  único  agrupamento  quer 
em  bairros,  serão  previamente  delineadas,  obrigando-se  os  indígenas, 
sob  pena  de  destruição  das  obras  feitas  ou  começadas,  a  respeitar  o  plano 
concebido,  segundo  as  indicações  que  lhe  forem  dadas  sobre  arruamentos, 
alinhamentos,  dimensões,  condições  de  higiene,  estética  e  segurança  das 
suas  habitações  e  dependências. 

§  único.  O  delineamento  dos  bairros  indígenas  anexos  aos  centros 
urbanos  de  população  europeia,  será  sempre  feito  de  acordo  com  as  res- 
pectivas corporações  municipais. 

Art.  10.°  É  garantido  aos  indígenas  a  ocupação  gratuita  dos  terrenos 
do  Estado,  para  edificações  das  suas  habitações  e  respectiva  dependência 
até  60  metros  quadrados  por  cada  chefe  de  família  e  mais  doze  por  cada 


DE  ANGOLA  749 

membro  desta,  que  lhe  poderão  ser  titulados  nos  termos  do  Regulamento 
de  Concessões  de  Terrenos  em  vigor. 

§  único.  Os  terrenos  pertencentes  aos  municípios  ser-lhes  hão  facul- 
tados mediante  o  pagamento  de  um  preço  certo  por  metro  quadrado  que 
será  estipulado  de  acordo  com  a  autoridade  administrativa. 

Art.  11.°  Será  respeitado  em  cada  local  o  tipo  regional  ou  étnico  das 
habitações,  no  que  respeitar  à  forma  e  material  de  construção  empregado, 
mas  não  será  permitida  a  construção  de  cubatas  destinadas  a  serem 
habitadas,  que  tenham  menos  de  2  metros  de  altura  e  de  6  metros  qua- 
drados de  superfície,  ou  cujo  sistema  de  construção  seja  manifestamente 
prejudicial  à  saúde  dos  habitantes. 

§  único.  O  número  máximo  de  indígenas  que  poderão  alojar-se  em 
uma  cubata,  será  computado  à  razão  de  5  metros  quadrados  de  superfície 
para  cada  habitante. 

Art.  12.  °  Nenhum  indígena  poderá  construir  ou  reedificar  as  suas 
cubatas  sem  estar  munido  de  uma  licença  passada  por  qualquer  das 
comissões  a  que  se  referem  os  artt.  5.°  e  6.°  pelo  qual  pagará  a  impor- 
tância de  •  •   $ 

§  único.  O  produto  destas  importâncias  será  arrecadado  e  adminis- 
trado pela  comissão  a  que  se  refere  o  art.  5."  e  destina-se  exclusivamente 
ao  pagamento  de  despesas  que  haja  de  fazer  com  o  delineamento  de 
bairros  ou  povoações,  e  à  distribuição  anual  de  um  prémio  em  cada 
sobado,  proporcional  ao  rendimento  por  ele  produzido,  com  que  serão 
gratificados  os  indígenas  que  em  melhores  condições  de  estética  e  higiene 
construírem  as  suas  habitações. 

Art.  13.°  Os  indígenas  são  obrigados  a  manter  limpos  o  interior  das 
suas  habitações  e  dependências,  os  arruamentos  da  povoação  e  uma 
faxa  de  terreno,  pelo  menos  de  250  metros  de  largura,  em  volta  da  mesma 
e  a  estabelecer  os  cercados  ou  estábulos  para  o  gado  e  lixeiras,  fora  das 
habitações  e  em  local  que  não  prejudique  a  salubridade  das  povoações. 

Art.  14.°  Em  cada  povoação  ou  bairro  indígena  compete  ao  respectivo 
século,  raacota  ou  chefe  da  povoação,  zelar  pelo  cumprimento  das  dispo- 
sições deste  regulamento,  obrigando  os  indígenas  a  observá-las  e  acu- 
sando os  transgressores  ao  soba  e  às  autoridades  administrativas  para 
lhe  ser  imposto  o  devido  castigo. 

§  único.  A  falta  de  zelo  no  cumprimento  das  obrigações  que  por  este 
artigo  competem  as  autoridades  gentílicas,  será  punida  com  a  multa  de 
1  a  10  escudos. 

Art.  15.°  Qualquer  transgressão  ao  preceituado  neste  regulamento 
será  punida  com  a  multa  de  1  a  20  escudos  que  será  paga  em  trabalho  à 
razão  de  $15  diários  quando  o  não  seja  voluntariamente  em  dinheiro. 

§  único.  O  produto  das  multas  será  arrecadado  e  administrado  pela 
comissão  a  que  se  refere  o  art.  5.°  que  o  aplicará  em  obras  de  saneamento 
ou  de  utilidade  para  as  povoações  indígenas  assim  como  os  dias  de  tra- 
balho em  que  sejam  remidas. 


XXII 

DA  ASSISTÊNCIA   MÉDICA  AOS   INDÍGENAS 

(Portaria  Provincial  n.°  406  de  27  de  Março  de  1914) 

Tem  a  assistência  aos  indígenas  merecido  os  maiores  cuidados  a  este 
Governo  Geral.  São  prova  disso  as  portarias  e  circulares  relativas  à  mão 
de  obra  indígena,  à  regulamentação  de  trabalho  indígena  e  à  instrução 
profissional,  as  medidas  de  diversa  espécie  tomadas  contra  a  doença  do 
sono,  as  visitas  médicas  periódicas  às  fazendas  agrícolas,  a  criação  de 
uma  secretaria  de  negócios  indígenas  e  a  publicação  do  regulamento  das 
circunscrições.  Mas  muito  resta  a  fazer  ainda;  e  entre  o  mais  instante 
avulta  a  organização  da  assistência  indígena  na  gravidez,  na  infância  e 
na  doença.  A  isso  visa  esta  portaria;  e  julgando  azado  o  momento  para 
a  promulgação  de  medidas  tendentes  ao  aumento  da  população  indígena,  á 
sua  preservação  e  ao  seu  robustecimento,  visto  figurarem  no  orçamento 
do  ano  económico  correntes  verbas  para  esse  fim  por  mim  propostas; 

Tendo  ouvido  o  Conselho  do  Governo : 

Hei  por  conveniente  determinar  o  seguinte : 

Art.  1.'  Nas  sedes  dos  concelhos,  circunscrições  civis  e.capitanias- 
móres  serão  criadas  comissões  denominadas  «comissões  de  assistência 
indígenas» ;  e  nos  principais  centros  de  população  indígena  serão  estabe- 
lecidos «postos  de  assistência». 

§  1.°  Cada  comissão  de  assistência  indígena  será  constituída  pelo 
administrador  ou  capitão-mór,  pelo  delegado  de  saúde  e  por  um  indígena 
de  prestígio  entre  os  nativos,  anualmente  escolhido  pela  municipalidade 
na  sua  primeira  sessão. 

§  2.°  Nos  concelhos  ou  circunscrições  onde  houver  câmaras  municipais 
fará  também  parte  da  comissão  o  presidente  da  câmara. 

§  3.°  Nas  localidades  onde  não  houver  delegado  de  saúde  fará 
parte  da  comissão  pessoa  idónea,  indicada  pelo  administrador  ou  ca- 
pitão-mór. 

§  4.°  Os  «postos  de  assistência»  serão  dirigidos  por  enfermeiros  da 
companhia  de  saúde  ou  por  enfermeiros  civis,  fiscalizados  pela  comissão 
de  assistência  indígena  do  concelho,  circunscrição  ou  capitania  a  que 
pertencerem. 

§  5.°  Os  administradores  das  circunscrições  ou  capitanias-móres  são 
obrigados  a  participar  aos  governadores  dos  distritos  respectivos  a  ins- 
talação das  comissões  a  que  se  refere  este  artigo. 


ÍNDICE 


Pág. 

INTRODUÇÃO v 

PARTE  I  —  ESTUDO  ETNOGRÁFICO  DAS  TRÍBUS  DA  RAÇA  NEGRA.    ...  1 

Capítulos  : 

I  —  Negolas 3 

II  —  Dembos 31 

III  —  Muchicongos 65 

IV  —  Muzombos 91 

V  -  Tríbus  da  Lunda  (distrito)  . . 97 

VI  —  Mahungos 165 

VII  —  Mussucos 187 

VIII  —  Gingas 209 

IX— Kissamas ; 231 

X  —  Libolos 237 

XI  -  Tríbus  Bavili 251 

XII  —  Mayombes 301 

XIII  —  Mussurongos 305 

XIV  —  Amboins .* 325 

XV— Tríbus  Bimbundo 335 

XVI  — Tríbus  Ganguelas 375 

XVII  —  Vanyanekas 401 

XVIII  -  Humbes 435 

XIX  —  Tríbus  Banctuba 447 

XX  —  Cuangares ■  .  .  .  463 

XXI  -  Mucussos 469 

XXII  —  Vahimbas 473 

PARTE     II  —  ESTUDO  ETNOGRÁFICO  DAS  TRÍBUS  DA  RAÇA  BOSCHJMAN  477 
PARTE  III  —  ESTUDO    ETNOLÓGICO    DAS    POPULAÇÕES    INDÍGENAS    DE 

ANGOLA.        493 

Capítulos  : 

I  —  Da  origem  das  populações  indígenas  de  Angola  ....  495 

II  —  Da  população 507 


756  POPULAÇÕES  INDÍGENAS 

Pág. 

III  —  Dos  caracteres  étnicos 513 

IV  — Da  vida  material. 523 

V  —  Da  vida  intelectual 545 

VI  —  Da  vida  religiosa 559 

VII  —  Da  vida  familial 567 

VIII  — Da  vida  social 587 

APENSO: 

I  —  Projecto  do  Estatuto  Civil  e  político  dos  indígenas    .  .  611 

II  —        »         do  Regimento  de  Administração  de  Justiça  .  613 

III  —        »         do  Código  de  Justiça  Indígena 619 

IV  —        »         do  Regulamento  do  Registo  do  Estado  Civil.  645 

V  —        »         do  Regulamento  do  Recenseamento  da  Popu- 

lação   655 

VI  —  Projecto  Regulando  o  Exercício  de  Petição  por  Escrito .  657 

VII  —        »        Regulando  a  Organização  Política  Indígena  .  .  659 

VIII—        »         do  Regulamento  do  Trabalho  dos  Indígenas.  .  665 

IX  —        »         Regulando  os  acidentes  de  trabalho •  710 

X  —        >         de  Diploma  regulando  a  repressão  da  ociosi- 
dade e  vadiagem 713 

XI  —  Projecto  do  Regulamento  da  Secretaria  dos  Negócios 

Indígenas 718 

XII  —  Projecto  da  Instituição  dum  Museu  Etnológico 727 

XIII —        »         sobre  a  emissão  de  loterias.  ...  .  .      ...  .  .  728 

XIV —        »         sobre  o  fundo  de  protecção  e  assistência..  .  729 
XV  —        »         sobre  a  instituição  de  prémios  de  natalidade  a 

indígenas.  .  . 730 

XVI  —  Projecto  de  Tutorias  de  menores  indígenas .  731 

XVII  —         »         sobre  o  Ensino  Profissional  ...      736 

XVIII  —        »         sobre  Colónias  de  Correcção  para  Indígenas  .  739 
XIX  —        »        para  um  Asilo  de  velhos  e  inválidos  em  Loanda.  744 
XX—         »         de  Regulamento  de  Festas  e  cerimónias  gentí- 
licas   .   . .          .  .  746 

XXI  —  Projecto  do  Regulamento  para  a  concentração,  isola- 
mento e  higiene  das  habitações  indígenas 747 

XXII  —  Portaria  sobre  assistência  Médica  aos  Indígenas  ....  750 


DE  ANGOLA  751 

Art.  2.°  Incumbe  à  comissão  de  assistência  indígena: 

a)  Á  assistência  às  mulheres  grávidas,  às  crianças  recemnascidas,  aos 
menores  até  aos  cinco  anos  e  aos  doentes  ; 

b)  Fazer  inspecções  regulares  e  periódicas  às  povoações  indígenas, 
prestando  socorros  da  sciência  médica  aos  necessitados,  distribuindo-lhes 
medicamentos,  desinfectantes  e  artigos  de  penso  e  organizando  o  cadastro 
dos  indígenas  a  quem  seja  necessário  socorrer  em  casos  de  doença  com 
assistência  médica  gratuita; 

c)  Mandar  proceder  à  vacinação  em  larga  escala  e  sobretudo  à  vaci- 
nação ambulante,  e  pôr  em  prática  as  medidas  de  higiene  pública  compa- 
tíveis com  o  meio,  aconselhando  os  indígenas  á  prática  cia  profilaxia 
das  doenças  contagiosas,  endémicas  e  epidémicas,  indicando-lhes  as  suas 
causas  e  origens  e  o  modo  de  evitar  a  sua  propagação. 

d)  Estabelecer  com  o  concurso  das  autoridades  gentílicas,  brigadas 
de  saneamento  local,  às  quais  dará  as  necessárias  instruções,  ensinan- 
do-lhes  a  maneira  de  evitar  o  contágio  das  doenças  ou  a  sua  transmissão, 
convencendo  os  indígenas  a  adoptarem  medidas  de  profilaxia  sesonática 
e  da  tripanosomiase,  mostrando-lhes  por  um  modo  palpável  as  suas  van- 
tagens e  resultados  práticos ; 

e)  Estudar  o  censo  da  população  indígena  e  os  seus  usos  e  costumes 
no  que  disser  respeito  a  doenças  e  seu  tratamento ; 

f)  Providenciar  de  forma  a  tornar  a  assistência  assídua  e  efectiva, 
evitando  que  os  socorros  sejam  tardios  e  deficientes; 

g)  Estabelecer  os  «postos  de  assistência»  que  julgar  convenientes  na 
área  da  sua  jurisdição,  e  fiscalizar  o  seu  funcionamento  por  intermédio 
do  delegado  de  saúde  ou  do  administrador  ou  capitão-mór,  conforme  os 
casos; 

h)  Procurar  convencer  os  indígenas  dos  inconvenientes  e  inanidade 
das  práticas  de  feitiçaria ; 

i )  Tomar  as  providências  necessárias  para  promover  e  estabelecer  a 
assistência  infantil  e  para  diminuir  a  mortalidade  das  crianças,  estabele- 
cendo maternidades,  se  fôr  possível,  ou  instruindo  as  mulheres  nos  de- 
veres e  cuidados  a  ter  com  os  recemnascidos  e  consigo  próprias  antes  e 
depois  dos  partos; 

j )  Apresentar  ao  Governo  Geral,  por  intermédio  do  chefe  dos  serviços 
de  saúde,  e  directamente  aos  municípios  as  propostas  que  julgar  conve- 
nientes para  melhorar  a  situação  dos  indígenas ; 

k)  Enviar  ao  chefe  dos  serviços  de  saúde  relatórios  trimestrais  da 
assistência  prestada  aos  indígenas  no  trimestre  anterior. 

Art.  3.°  O  delegado  de  saúde  é  o  principal  executor  das  deliberações  de 
cada  comissão  de  assistência  indígena  e  como  tal  tem  direito  aos  meios 
de  transporte  para  as  inspecções  sanitárias. 

§  único.  Aos  mesmos  delegados  de  saúde  será  abonada  a  ajuda  de 
custo  a  que  por  lei  tiverem  direito. 

Art.  4.°  Compete  aos  enfermeiros  encarregados  dos  postos  de  assis- 
tência : 

a)  Vacinar; 

b)  Prestar  os  socorros  da  sua  profissão  aos  doentes  que  deles  preci- 
sarem ; 

49 


752  POPULAÇÕES    INDÍGENAS 

c)  Ter  a  ambulância  sempre  fornecida  suficientemente,  nos  termos 
dos  regulamentos  das  ambulâncias; 

d)  Dirigir  e  fiscalizar  os  serviços  de  saneamento  local  executados  pelas 
brigadas  fornecidas  pelas  autoridades  gentílicas ; 

e)  Participar  ao  administrador  ou  ao  capitão-mór  os  nascimentos  e 
óbitos  dos  indígenas  da  região ; 

/)  Cumprir  as  instruções  e  ordens  da  comissão  de  assistência,  que 
lhes  serão  dadas  pelo  delegado  de  saúde  a  quem  são  directamente  subor- 
dinados ; 

g)  Dar  mensalmente  á  comissão  de  assistência,  por  intermédio  do  de- 
legado de  saúde,  em  um  pequeno  relatório,  conta  de  todos  os  serviços 
prestado  no  mês  anterior. 

§  único.  Nas  localidades  onde  não  houver  delegado  de  saúde,  o  enfer- 
meiro estará  directamente  subordinado  ao  administrador  ou  capitão-mór. 

Art.°  5.°  São  destinadas  a  cobrir  as  despesas  a  fazer  com  assistência 
médica  aos  indígenas: 

a)  A  parte  das  verbas  consignadas  na  tabela  da  despesa  ordinária 
para  dieta  e  outras  despesas,  que  possa  ser  aplicada  á  assistência  aos 
indígenas  da  província; 

b)  Pelo  menos  30  por  cento  do  produto  do  adicional  ao  imposto  de 
cubata  autorizado  pelo  art.  145.°  do  regulamento  das  circunscrições 
administrativas ; 

c)  Quaisquer  verbas  que  pelos  municípios  sejam  para  esse  fim  ins- 
critas nos  orçamentos  municipais; 

d)  Quaisquer  verbas  inscritas  para  esse  fim  nas  tabelas  de  despesa 
ordinária  ou  extraordinária ; 

e)  Quaisquer  donativos. 

Art.  6.°  Cumpre  ao  Governador  Geral,  sempre  que  o  julgue  necessário, 
determinar  que  sejam  inspeccionados  por  médicos  do  quadro  de  saúde  os 
trabalhos  das  Comissões  de  Assistência  a  Indígenas  e  os  Postos  de  Assis- 
tência, devendo  estas  inspecções  incidir  principalmente  sobre  os  seguintes 
pontos  : 

a)  Prática  da  profilaxia  e  combate  das  doenças  endémicas  e  infecto- 
contagiosas ; 

b)  Efectividade  da  assistência  indígena  na  gravidez,  na  infância  e  na 
doença ; 

c)  Repressão  das  práticas  de  feitiçaria; 

d)  Vacinação; 

e)  Fornecimento  de  medicamentos,  e  pensos  aos  indígenas  doentes; 

f)  Funcionamento  dos  hospitais,  maternidades  e  estabelecimentos 
congéneres; 

§  1.°  Estas  inspecções  são  extensivas  às  fazendas  agrícolas  e  estabeleci- 
mentos industriais,  conjuntamente  com  o  que  está  determinado  na  portaria 
n.°  1.454,  de  20  de  dezembro  de  1912. 

§  2.°  Os  inspectores  sanitários  apresentarão  ao  chefe  dos  serviços  de 
saúde  relatórios  sobre  as  suas  inspecções. 

§  3.°  Os  inspectores  sanitários  terão  direito  a  transportes  e  a  ajudas  de 
custo,  que  competirem  nos  termos  da  legislação  em  vigor. 

Art.  7.°  O  chefe  dos  serviços  de  saúde  elaborará,  anualmente,  um  re- 


DE  ANGOLA  753 

latório  sobre  a  assistência  indígena  na  província,  que  apresentará  ao  Go- 
vernador Geral,  e  enviará  trimestralmente,  á  Secretaria  dos  Negócios  In- 
dígenas, o  resumo  das  informações  que  lhe  forem  prestadas  nos  termos 
da  alínea  k)  do  artigo  2.°  e  do  §  2.°  do  art.  6.°  desta  portaria. 

Art.  8.°  Todos  os  que  tenham  a  seu  cargo  a  assistência  indígena  de- 
verão dirigir-se  sempre  aos  indígenas  não  como  autoridades  ou  seus 
emissários,  mas  sim  como  elementos  de  socorro  e  auxílio,  procurando 
atraí-los  á  nossa  convivência,  insinuando-se  no  seu  espírito,  e  desfazendo 
por  meio  da  persuação  e  de  um  procedimento  altruísta  e  desinteressado 
quaisquer  desconfianças,  dúvidas  ou  ressentimentos  que  nutram  a  nosso 
respeito. 

Art.  9.°  A  assistência  indígena  começará  a  fazer-se  desde  já,  de  har- 
monia com  os  elementos  e  recursos  actuais,  cumprindo  ao  chefe  de  ser- 
viço de  saúde  organizar  e  montar  sem  demora  os  respectivos  serviços,  e 
apresentar  ao  Governo  Geral  as  medidas  e  regulamentos  que  para  esse 
fim  julgar  necessárias. 

§  1.°  Logo  que  seja  possível,  instalar-se  hão  maternidades,  ou  pelo 
menos  salas  ou  quarto  separados,  para  mulheres  grávidas  e  puérperas, 
em  todas  as  localidades  da  província,  onde  já  haja  hospitais  e  enferma- 
rias, a  principiar  por  Loanda. 

§  2.°  Para  prover  à  falta  de  pessoal  necessário  à  assistência  indígena 
será  desde  já  aumentada  e  remodelada  a  escola  de  enfermeiros  da  pro- 
víncia. 

As  autoridades  e  mais  pessoas  a  quem  o  conhecimento  e  a  execução 
desta  competir  assim  o  tenham  entendido  e  cumpram. 

Residência  do  Governo  Geral,  em  Loanda,  27  de  março  de  1914,  —  O 
Governador  Geral,  José  Mendes  Ribeiro  Norton  de  Matos. 


Dinis,  ^Sgenas  de 


c 


SMITHSONIAN  INSTITUTION  LISRARIES 


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