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Full text of "Recreação filosofica, ou, Dialogo sobre a filosofia natural, para instrucção de pessoas curiosas, que não frequentárão as aulas"

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i^-* 


Presenteei  to  the 

LIBRAR  Y  o/ í/ie 

UNIVERSITY  OF  TORONTO 

by 

Professor 

Ralph  G.  Stanton 


RECREAÇÃO 

FILOSÓFICA 

O  u 
DIALOGO 

Sobre  a  Filofofia  Natural,  para  inf- 

trucçâo  de  peílbas  curiofas  ,  que 

iiâo  frequentarão  as  aulas. 

PELO 

P.  THEODORO    D'ALMEíDA 

da  Conereençáo  do  Oratório  de  S.  Filippe 

Neri  e  da  Academia  das  Scirncias  de 

Lisboa,  Sócio  da  Real  Sociedade 

de  Londres  ,  e  áà  dç  Bilcaia. 

Quinta  imprefsão  muito  rnais  correíla  que 
as  precedentes. 

TOMO    VI. 

Trata  dos  Ceos  e  do  Mundo. 


LISBOA, 

NA  REGIA  OFFICINA  TYPOGRAFICA, 

A  N  K  O    M.  DCC.  XCV. 

Cem  Licença, 


INDEX 

DASMATERIAS,   aUE   SE 
tratão  neíle  Tomo  VI. 


TARDE    XXIX. 

Dos  Ceos  e  Aftros  em  com m um. 

§.  I.      T^  A  cor  e  figura  dos  Ceos     Pag.  i. 

§.  II.    J^  Da  Natureza  dos  Ceos  i<i» 

§.  III.  Dos  Vórtices  ou  Turbilhões  de  Des- 
Cartes  22. 

§.  I\^.  Do  Vácuo  Newtoniano  no  efpa-^o  dos 
Ceos  27. 

§.  V.  Da  Opacidade  dos  Planetas  ,  e  fuás 
Phafes ,  particularmente  das  da  Lua     4^ 

§.  VI.  Dos  Planetas  Primários  e  Secundá- 
rios ,  e  dos  Cometas  e  EJirellas  em  conu 
nwm  49, 

§.  VII.  Do  Inf.uxo  dos  Afiros  nos  corpos  ter- 
refires  60, 

TARDE    XXX. 

Do  Sol  e  da  Lua  em  particular. 

§.  I.      T^  O  Sol  e  da  fua  natureza ,  fyura , 

£~^      grardeza  ,   pezo  ,   denjidadc  , 

manchas  e  atmosfera  71. 

%  II.     Dos  movimentos  do  Sol  ,   e  da  fua  dif- 

tancÍÃ  a  rejpcito  da  1  erra  86. 

§.  III. 


i.  in.     Dos  Eclipfes  do  Scl  ço. 

§.  IV.  Va  Lux ,  [ua  grardeza ,  pezo ,  detift- 
dade ,  e  dos  Jeus  montes  ,  atmoijera  e  t:a- 
bitãdnres  kj(j. 

§.  V.  Dos  movimentos  da  Lua,  e  fua  diltan- 
cia  III. 

§.  VI.     Dos  Eclipfes  da  Lua  ii<^. 

TARDE    XXXI. 

Dos  mais  Planetas  em  particular,  Co- 
meras e  Ellreilas. 

§.  I.      T>  E  Mercúrio  e  Vénus  129. 

§.  lí.    JLJ  Da  Terra  e  Marte  14^^. 

§.  III.     De  Júpiter  c  [eus  Satélites  15^. 

§.  I\^  De  Saturno  e  feu  Annel  e  Satéli- 
tes 16  z^ 

§.  V.     Dos  Cometas  e  fuás  orbitas  i6(j, 

§.  VI.     Da  figura  dos  Cometas ,  e  cffcitos  íjUg 

podem  caujar  lò^ 

§.  VII.     Das  Eftrellas  fixas  1^4*. 

TARDE    XXXII. 

Dos  Movimentos  dos  Aftros  compara- 
dos entre  fi. 

§.  T.      T^^^  círculos  da  Esfera  212. 

§.  II.  JlJ  Do  jyjtuva  Ptolomaico  e  Ticoni- 

CO  217. 

§.  III.     Do  fyílema  Copernicano  222. 

§.  IV. 


§.  IV.     Por  der  ao- fe  os  argumentos  da  EfcritU' 

ra  conra  o  fyjiema  Copemicano  2;^. 

§.  V.     Dos  argiiwctnos  Jyficos  contra  ofyjie- 

ma  Copemicano  z4i. 

§.  VI.    Das  razoes  fy ficas  que  favorecem  os 

Copemicanos  z^i, 

§.  VII.    Dos  JJiros  Retrógrados  ,  e  EftacíO" 

narios  26^. 

TARDE    XXXIII. 

Da  caufa  fyíica  do  movimento  dos 

Aftros ,  e  das  Leis  que  peren- 

nemente  obfervao. 

§.  I.      7~^^  jÍKÍ^^'"^  Newtoniano    em  com* 
-»-^    mum  275. 

§.  11.  Provas  da  Gravidade  geral  e  mutua  de 
todos  os  corpos  281. 

§.  III.  Do  movimento  dos  Jfiros  eín  Eli' 
fes  196, 

§.  IV.  Das  Leis  ,  tjue  inviolavelmente  ob' 
fervao  todos  os  Jjiros  nos  fcus  movimen- 
tos ^5. 

§.  V.  Do  methodo  para  conhecer  o  Pezo  dos 
Planetas  314, 


TAR. 


TARDE    XXXIV. 

Dos  cífeitos  que  nafcern  dã  figura  c 

íiíuaçlo  do  Globo  da  Terra  a 

rerpeito  dos  Aílros, 

§.  I.  T^  yi  figi^^^  c  àivhh  do  Globo  da 
J-^  Terra  ,  e  da  longitude  ,  e  la- 
titude das  Cidades  ,  e  também  das  Ejtrel- 
las  ^:;o. 

§.  IL  Das  horas  ,  dia  ,  e  Anno  :  Ferio  e 
Inverno  247. 

§.  III.  De  alguns  Paradoxos  admiráveis  acer- 
ca dos  dias  e  horas  ;57. 

§.  IV.  Expiica-fe  o  dia  ,  yltuio  ,  e  fuás  Ef- 
ta:Ões  no  íyliema  Copernicano  ^64. 

§.  V.  Do  Anno  grande  feito  pelo  movimento 
periódico  das  Efirellas  no  fyftema  Coper- 
nicano ^6y, 

§.  VI.     Da  caufa  das  Marés  P3. 

§.  VIL  Das^  circumfíancias  particulares  qiit 
fe  ohfervao  nas  Mares  587. 

TARDE    XXXV. 

Do  Globo  da  Tcrrc  confiderado  em  u 
mermo  ,  e  da  fua  Atmosfera. 

§.  I.      T^  A  Terra   firme  e  feus   tnontes  ,   e 

J~^    das  conchas  do  mar  que  r.cllcs  fe 

achão  ^94. 

§.  II. 


§.  II.    Da  crivem  das  Fomes  e  dos  Rios    41^. 

§.  II í.  Dos  Terremotos  ,  [uas  caufas ,  e  efei- 
tos :  onde  fe  trata  da  elajlicidade  dos  va- 
pores 430. 

§.  IV.     Dos  Fapcres ,  e  Nuvens  446, 

§.  V.  Dãs  Chuvas  ,  Fentos  ,  Relampagr^s  ^ 
Trovões^  e  Raios  45 '• 

§.  VI.  Do  Arco  íris  ,  c  da  Aurora  Bo- 
real 464. 


RE- 


.i'r.,f 


RECREAÇÃO 

FILOSÓFICA 

REPARTIDA   POR  VARIAS  TARDES* 

TARDE   XXIX. 

Dos  Ceos,    e  dos  Aftros  em  commum< 


§.  I. 

Da  cor  ,  e  figura  do  Ceo, 


A 


Silv.     /%      Migo  Eugénio  ,    aqui    rne  ten- 
des  depois   de  bem    poucos   dias 
de  demora.    Saudaces   voíTas  ,    e 
da  bella   converfaçáo    em   que   nos   entreti- 
vem.os  5  me  fizerâo  defembaraçar  com  pref- 
teza. 
.Tom,  Vi,  A  £ug. 


1  Recreação  Filofofíca 

Eug.  Igualmente  obrigado  vos  fico  pelo  gof- 
to  da  volTa  companhia ,  e  pelo  intcreíTe  que 
delia  me  rcfulta  na  continuação  da  noíTa  re- 
creação literária. 

Theod.  Não  vos  efperava  tão  cedo  ;  mas  a 
bom  tempo  vieftes ,  porque  temos  á  manha 
hum  eclipfe  da  Lua  ,  que  eu ,  e  mais  Eugé- 
nio fazíamos  tenção  de  obfervar  ;  e  icntia- 
mos  a.  volTa  aufcncia. 
'■■  Silv.  Pois  que  ?  ]á  vós  o  tendes  feito  Aftro- 
nomo  neftes  poucos  dias  que  paíTáráo  depois 
que  me  retiiei ! 

Theod.  Não.  Pofto  que  as  noites  bellas  ,  e 
ferenas  ,  que  nos  convidavão  a  largos  paf- 
feios  pelas  praias  até  depois  da  meia  noi- 
te ,  nos  obrigavão  a  fallar  muitas  vezes  dos 
Ceos  ,  c  dos  feus  Aíhos  ;  com  tudo  por 
attenção  a  vós  ,  não  falíamos  em  coufa  al- 
guma metodicamente  ;  fó  admirávamos  a 
encantadora  formofura  do  Palácio  do  Omni- 
potente vifto  pela  parte  de  fora.  Eu  via 
muitas  vezes  Eugénio  quafi  tranfportado , 
quando  já  com  eípiríto  de  Filofofo  hia  re- 
fledindo  ,  e  ponderando  cada  coufa  iepara- 
damenre. 

Eug.  Na  verdade  que  não  ha  coufa ,  que  af- 
lim  me  arrebate  a  alma  ,  e  recree  fuavc- 
mente  a  vifta  ,  como  huma  noite  alegre  e 
ferena.  Caufa-me  huma  efpecie  de  encanto 
ver  aquella  vaíliflima  abobada  azul  ,  crava- 
da por  toda  aparte  de  formofiííimos  diaman- 
tes j  ver,  que  fem  ordem  ,  mas  com  huma 
graça  inimitável,  cíláo  femead<)s  ,  ora  mais 

jun-, 


Tarde  i:}ge/ima  nona,  ^ 

juntos  5  ora  mais  eíparnados  •■,  ver  que  huns 
mais  pequenos  e  Túmidos  àeixáo  brilhar   os 
outros  ,    que  maiores    e  mais  vivos    eíláo 
fcintillando.    N  alguns  hc  a  luz  clara  e  fere- 
na ,  que  lá  quer  imitar  a  da  Lua  ;    n'ouííOs 
hum  tremor  e  contínuo  deíalTocego  defafia 
mais  a  nolTa  ôttençáo  ,  quando  a  vifta  mais 
fe  firma  para  obfcrvar   a  jua  lormofura.    ]á 
quando   a  Lua  cheia   vai   í^.hindo   do  Hori- 
zonte ,  toda  vermelha  ,  aífogueada  c  de  hu- 
ma  grandeza  cíhanha  ,  que  parece  hum  Sol 
ardendo  ,  náo  fe  pôde  negar  que  he  formo- 
fiflima  !     Levanta-íe  ,   e   como   que   temos 
hum  novo   e  mais  favorável  dia  ,   fem   nos 
vermes  obrigados  a  fugir  do  feu  calor  ,   co- 
mo nos  obriga  o  Sol.    O  que  mais   agrada 
aos  noíTos  olhos  ,   e  mais  recrea   o  juizo , 
he   ver  o  reflexo   da  fua   luz   nas  aguas   do 
Tejo.    Fica  hum  rio   de  líquida  prata  ,   que 
brilha  c  refplandece   como   a  mefmia   Lua ; 
e  cá  pela  praia  ,  onde  náo  he  táo  grande  o 
reflexo,  cerras  ondas  dáo  huma  difperfa  luz 
como   eflrellas    perdidas  ,   que   afsás   imitão 
as  que  refplandccem  no  Ceo.    ConícíTo-vos , 
Silvio  ,  que   horas  ,  e  horas   me  dem.orava 
fenrado  nasjanclias  alta  noite:  humas  vezes 
olhando  para  o  mar  ,   ouvindo  bater  ?s  on- 
das na  manfa  arêa  ,   e  vendo  and:ir  íaitando 
pela  fupcríicie  da  a^ua  os  prateados  peixes  , 
que   fertcjaváo   ao  feu  nodo   a  prefença   da 
Lua  •    outras  vezes  olhava  para  o  Ceo  repa- 
rando ora  numa  ,   ora  n  outra  eftrella  ,   fu- 
mindo-fe  humas  no.  mar  ,  e  apparecendo   a 
A  ii  ca- 


4  Recreação  Tilcfofica 

cada  paíTo  curras  novas  no  oppofto  Hori- 
zonte \  compcnfando-me  cftas  a  pena  que 
ás  vezes  me  deixaváo  as  outras  ,  que  fe  ef- 
condiáo  de  mim.  Rematava  muitas  vezes, 
dizendo  cá  comigo  :  Se  a  terra  ,  que  he  a 
cafa  que  Dcos  ícz  para  os  homens  ,  ás  ve- 
zes eílá  coalhada  de  lindas  flores  ,  e  appa- 
rccem  os  campos  táo  formofos  ,  que  muito 
he  que  feja  bella  c  admirável  a  cafa  que 
Deos  fez  para  íi  ? 
S'ú\!,     E  que   ícrá  vifta   por  dentro  !    quando 

táo  bella  e  mageílofa  he  vifta  por  tora. 
Iheoà.  E  que  direis  vós  fe  á  formofura  que 
podem  perceber  os  olhos  ,  fe  aJuntaíTe  a 
que  fó  o  entendimento  pódc  alcançar  ?  Sc 
vilTeis  o  Ceo  náo  fó  com  os  olhos  de  qual- 
quer homem  ,  mas  com  olhos  de  Aílro- 
nomo  ? 
^ug.  Certamente  que  feria  muito  maior  a 
minha  admiração  ;  porém  iíTo  fica  refer- 
vado  para  depois  de  vos  ouvir  a  vós  ncf- 
ta  matéria  ,  como  o  tendes  feito  nas  ou- 
tras. 
Thcod.  Ora  já  que  á  manhã  temos  obferva- 
çóes  5  vamos  hoje  fallando  neftas  matérias; 
c  primeiramente  tirando  alguns  prcjuizos  , 
ou  prcoccupaçóes  erradas  ,  que  defde  a  in- 
fância fe  nos  mfmuâo  no  entendimento  , 
das  quaes  agora  fui  percebendo  que  tinhcis 
algumas  ,  quando  eítiveftes  difcorrcndo  dos 
Ceos  ,  c  dos  Aíhos.  Primeiramente  julgais 
que  o  Ceo  he  huma  formofiíKma  abobada 
azul  y  e  tal  náo  he ;  que  dizeis  vós ,  Silvio  ? 

Sily. 


Tarde  'vigefima  nona.  ^ 

Silv.  Eu  náo  lhe  chamarei  abobada  ,  mas 
globo.  Já  lá  vai  deftcrrada  a  opinivío  vul- 
gar dos  póvcs  antigos ,  que  imaginaváo  que 
a  terra  era  chata  ,  e  que  fobre  ella  fentava 
huma  abobada  em  redondo ,  que  era  o  Ceo  ; 
tanto  aíhm  que  houve  Monges  tão  íeriamen- 
te  perfuadidos  defte  erro  ,  que  tomarão  os 
feus  bordões  ,  e  começarão  a  peregrinação , 
que  eíperavão  rematar  onde  o  Ceo  abaixal- 
fe  tanto  ,  que  tocalTe  na  terra  ,  e  íc  jun- 
taíTe  com  elía. 

Eug.     Governaváo-re  meramente  pelos  oihos, 
e  náo  difcorriâo  ,   que  lumindo-fe  o  Sol  to- 
dos os  dias   no  Horizonte  ,    e  apparecendo 
da  outra  parte  na  manha  leguince,   era  ma- 
nifefto  indicio  que  rodeava  a  Terra  ;   e  náo 
podia  fer  o  Ceo  huma  abobada  firmada  ío- 
bre  a  terra ,  aíHm  como  nos  relógios  de  al- 
gibeira fe  firma  o  vidro  fobre  o  efpelho  ou 
iTioftrador.    Eu   náo  digo   que  he   abobada 
neííe  Tentido ,  lenáo  hum  globo  azul  ,   que 
á  roda  do  globo  da  Terra  íe  revolve  iodos 
os  dias. 
Jhccd.     Ahi  mefmo  eftá  o  engano ;  porque  o 
Ceo  náo  he  globo,  nem  he  azul.  Súwio  ad- 
mira-fe  :    ora  vamos  difcorrendo.    Primeira- 
mente fe  o  Ceo  folTe  azul  ,   toda  a  luz  que 
nós  vilTemos   a  través  delle    nos   pareceria 
azul  :   e  aííim  como  vendo  o  Sol  por  hum 
vidro  vermelho  ,  o   vemos    avermelhado  ; 
também  vendo-o   a  través  do  Ceo  da  Lua , 
que  fica  muito  mais  abaixo  ,   fe  cíbe  Ceo 
íoíTe  azul,  o  veríamos  azulado i  como  tam- 
bém 


6  Recreação  Filofofica 

bem  os  demais  aftros  ,  que  ficáo  aílima  do 
Sol.  Se  dilTerem  c]ce  fó  o  ultimo  Cco,  on- 
de imrgináo  engci liadas  as  eftrellas  fixas  , 
he  azul,  lomára  que  miC  diílelTem  como  fe 
pôde  ver  elTa  cór  iáo  viva  cm  Icmeihanre 
diílancia  ?  qusndo  nós  fcibemos  que  innu- 
meraveis  eftrellas,  as  quaes  vcrjadeiramen- 
te  sio  como  huns  soes  ,  por  eítarem  táo 
diftantes  ,  abíolutamente  fe  náo  percebem 
íe  náo  com  grandes  Telefcopios.  Se  vós 
na  banda-dalém  náo  pudclTcis  perceber  hu- 
ma  grande  fogueira  ,  por  ja  eftar  mui  dif- 
tanre  ,  como  havíeis  de  perceber  diítincla- 
meme  hum  cobertor  azul  ,  de  forte  que 
náo  entraiTeis  cm  dúvida  que  era  azul  ?  As 
ferras  de  Cintra  ,  e  d'Arrabida  ,  muitas 
vezes  eíráo  todas  revertidas  de  verde  ;  e 
com  tudo  quando  fe  vem  de  grandiflima 
diítancla  náo  fe  lhes  percebe  cor  diftinòla , 
nem  viva  ,  mas  fó  huma  cor  parda  e  ef- 
cura.  Eugénio ,  haveis  de  faber  ,  que  efte 
cfpaço  dos  Ceos  a  refpeito  da  noíTa  vifta  , 
he  im-Tienfo  ,  e  náo  tem  proporção  algu- 
ma ,  de  lorte  ,  que  fe  náo  tolTe  a  luz  áo 
Sol ,  e  dos  maÍ5  aftros  ,  que  fempre  o  allu- 
miáo,  para  nós  feria  totalmente  negro  eííe 
efp  ço ,  aílim  como  o  he  huma  cafa  ás  ef- 
curas  :  como  porém  fempre  efte  cfpaço  cf- 
tá  allurr.iado  com  a  luz  dos  aftros,  que  ou 
giráo  fobre  a  noda  cabeça  ,  ou  andáo  por 
baixo  do  Horizonte  ,  e  |~or  outra  parte  a  luz 
de  fi  he  br.nnca  ;  derrama- fe  efti  luz  fraca 
fobre  o  cháo  negro  ,   e  fica  hum  azul  ce- 

lef- 


Tarde  z^igejlma  nona,  7 

lefte ;  aííim  como  os  Pintores  quando  mif- 
turáo  tinta  branca  com  a  preta  lhes  fica  hu- 
ma  cor  cinzenta.  Daqui  procede  ,  que  de 
noite  quando  o  efpaço  mais  vizinho  aos 
noílos  olhos  eílá  com  hum.a  luz  mais  fraca , 
qual  he  a  das  eftrcUas  ,  parece  a  cor  do 
Ceo  azul  efcuro  ,  e  inclinando  para  azul 
ferrete  ;  porém  á  proporção  que  pela  ma- 
drugada le  vem  allumiando  o  ar  com  maior 
porção  de  luz,  fica  o  azul  mais  cb.ro. 

Bug,  E  porque  razáo  he  o  azul  do  Ceo  de 
inverno  mais  vivo ,  que  de  verão  ,  quando 
os  dias  de  inverno  são  claros  ^  e  os  de  ve- 
rão calmofos  ? 

Theod.  De  inverno ,  quando  temos  hum  dia 
claro  ,  tem  o  Cec  hum^a  cor  muito  linda , 
e  mais  viva  que  nos  dias  de  grande  calma  , 
porque  a  calma  faz  levantar  muitos  vapores 
grolTos  da  terra  ,  os  quaes  nâo  deixando  o 
ar  puro  ,  tem  os  raios  da  luz  mais  partí- 
culas ,  em  que  pofsáo  reflcátir  para  os  ncf- 
fos  olhos  ,  e  fica  o  Ceo  mais  claro  ,  po- 
rém depois  de  largas  chuvas  ,  tem  o  ar 
mui  poucos  vapores  :  porque  de  huns  le 
formou  a  chuva  que  cahio  ,  e  outros  trou- 
xe comfigo  a  chuva  para  baixo  ,  encon- 
trando-os  no  caminho.  Por  quanto  huma 
pinga  de  agua  cahindo  ,  traz  comfigo  os 
vapores  ,  que  eftaváo  no  efpaço  por  onde 
paíTou  j  aíhm  comiO  leva  çomfigo  o  pó , 
que  encontra  ,  quando  corre  por  fim.a  de 
hum  botete  que  tinha  poeira.  E  deíle  mo- 
do como  o  ar  tem  poucos  vapores,  rcfic^íle 

me- 


8  Recreação  Filofofica 

menos  a  luz ,  e  apparccc  mais  o  chão  pre- 
to dos  elpdços  immcnros  ,  que  chamamos 
Ceos. 

Silv.  Pois  duvidais  que  haja  Cco  ?  líTo  hc 
de  Fé. 

Theod,  Accommodai-vos  ,  Silvio  :  ninguém 
duvida  que  haja  Ceo  ^  o  que  digo  hc ,  que 
cíTe  efpaço  immenlo  ,  que  fe  elècnde  para 
toda  a  parte  que  olhamos ,  hc  que  nós  cha- 
mamos Ceos.  Vós  haveis  de  diZcr  ,  que  o 
Cco  he  hum  corpo  folido  ,  e  como  cryftal- 
lino  :  logo  f aliaremos  mlTo.  Mas  indo  ago- 
ra a  concluir  o  que  eu  dizia  :  já  vedes  ,  Eu- 
génio 5  como  o  Ceo ,  Tem  Ter  azul  ,  pódc 
parecer  azul  j  porque  a  luz  ,  que  dá  nas  par- 
tículas do  ar  j  e  vapores  que  ficáo  defronte 
dos  olhos  ,  parte  p-dla  adiante  ,  e  prre  re- 
íleiíic  para  os  olhos  ;  e  fó  efta  ,  que  refle- 
cle  para  nós  ,  he  que  pòdc  (et  fcnfivel  ;  e 
percebe-fe  porque  alTcnta  íobre  hum  iundo 
efcuriffimo  ,  do  qual  náo  vem  luz  nenhu- 
ma :  por  quanto  io  dos  afiros  hc  que  vem 
a  luz  ;  c  do  efpaço  que  medeia  entre  nós 
c  as  eílrellas  ,  nenhuma  luz  pode  vir.  He 
logo  o  Ceo ,  quanto  hc  de  fi ,  invifivel  ,  c 
por  ifíb  náo  tem  cór  nenhuma  ;  ou  a  ter  al- 
guma ,  havia  de  fer  negra  :  afíim  como  fe 
n'uma  parede  branca  eítá  hum  buraco  ,  ou 
janella  aberra  ,  vifto  de  longe  eOc  efpaço 
parece  negro  ,  porque  náo  fe  vc  nada  que 
correiponca  a  cftc  lugar. 

^/7v.  Ahi  tendes  vós  ,  que  o  vcíTo  difcurfo 
he  faifo  manifcílamer.te  :   conforme  a  cllc 

ba- 


Tarde  vigejima  nona.  9 

havia  de  appareccr  azul  eíTe  efpaço  da  janel- 
la,  evos  vedes  que  he  negro :  logo  nós  de- 
víamos de  ver  o  Ceo  negro ,  não  obíiante  a 
luz  C|ue  banna  o  ar  intermédio  ,  le  elle  de 
li  náo  tivcíTe  cor  alguma. 

Thcod.  Argumentais  mui  bem  ;  porém  a  ra- 
zão de  náo  nos  parecer  azul  o  váo  da  janel- 
ia  5  c  parecer  azul  o  Ceo ,  vem  a  fer  ;  por- 
que á  roda  da  janella  ha  corpos  que  refle- 
t\cvn  luz  ;  e  cfta  luz  forte  ,  que  reliecle  de 
toda  a  parte  ,  deixa  totalmente  imperceptí- 
vel o  reflexo ,  que  nas  poucas  partículas  do 
ar  intermédio  pôde  fazer  a  luz ,  que  por  el- 
le fe  derrama  :  o  que  não  luccede  olhando 
para  o  Ceo;  porque  além  de  fer  a  diftancia 
muitO  grande  ,  de  forte  que  no  ar  interm.e- 
dio  pode  refleclir  luz  que  feja  fenílvel  aos 
olhos  5  náo  eftá  eíle  elpaço  invifivel  cerca- 
do de  luz  forte  ;  antes  no  meio  de  efpaços 
immenfos  inviílveis  apparecem  efpalhadas  as 
eftrellas ,  que  íempre  o  illumináo  com  a  fua 
pouca  luz. 

JEug.  Já  advirto  na  differença.  Como  a  luz  , 
que  converte  o  negro  em  azul  ,  he  a  luz 
que  fe  cfpalha  pelo  ar  ,  e  que  delle  refle- 
<^le  para  os  oihos  ,  quando  a  diftancia  he 
pequena  ,  náo  pode  fer  fenfivel  a  reflexão 
feita  nas  parriculas  do  ar  ;  porém  olhando 
para  o  Ceo  ,  dcíTa  immicnfjdade  de  ppríicu- 
las  de  ar  ,  que  os  raios  da  luz  encontrão  , 
grande  parte  reflecliráó  os  raios  para  baixo , 
c  nos  farão  viíivel  efíe  efpaço  ;  e  como  eíTa 
luz  he  clc.ra  y  e  nim  efpalhada  íobrc  hum 

fun- 


IO         Recreação  Fihfofica 

fundo  negro ,  bem  percebo  como  faz  huma 
cor  azul. 
Thcod.  Accreícentai  agora  ,  que  fe  eíTa  luz 
que  nos  vem  do  ar  for  pura  ,  como  fc  mif- 
tura  com  o  fundo  negro  do  Ceo  invifivcl 
faz  hum  azul  •  porém  íe  por  qualquer  re- 
fracçáo  for  corada ,  deíTa  mefma  cor  appare- 
cerá  tinto  o  Cco  :  fempre  porém  fcrá  mui 
fraca ,  e  (  como  fe  explicáo  os  Pintores  )  es- 
fumada ,  porque  náo  he  luz  que  reflióla  de 
hum  corpo  continuado  c  opaco  ,  mas  que 
vem  mui  cfpalh-ada  ,  deixando  pelo  meio 
muiros  váos.  Eis-aqui  tendes  a  razão  de  hu- 
ma obfervaçào  ,  que  cu  tenho  teito  ;  c  al- 
gumas pelToas  a  quem  a  tenho  communica- 
do  me  certificáo  que  náo  he  iliusáo  dos 
meus  olhos.  Nos  dias  claros  ,  citando  o 
Ceo  limpo  ,  depois  de  pofto  o  Sol  ,  obíer- 
vo  no  Cco  as  fete  cores  principaes  pela  fuá 
or.iem.  No  Horizonte  huma  cor  vermelha, 
que  degenera  logo  em  cor  de  ouro  e  ama- 
rella ,  e  eftas  duas  sáo  mui  fcnfiveis ;  ícgue- 
fe  hum  verde  mar  ,  que  ás  vezes  he  mui 
viíivel  ,  e  pcrguntando-o  a  muitas  peiToas  , 
náo  fó  intelligentcs  ,  mas  também  ignoran- 
tes 5  que  como  taes  fc  íiáo  mais  que  as  ou- 
tras nos  fcus  olhos  ,  confefsáo  que  he  ver- 
de; e  fe  percebe  melhor  quando  algum  ou- 
teiro encobre  as  cores  vermelha  e  amarella 
mais  fortes ,  e  próximas  ao  Horizonte.  Pelo 
reftante  do  Ceo  eítá  o  azul ,  e  para  a  parte 
do  Nafcente  ás  vezes  fc  vè  mui  claramen- 
te hum  gredelcim  e  roxo  bem  agradáveis. 

Po- 


Tarde  vige/t  ma  nona,         ii 

Porém  quanto  mais  fracas  são  as  cores  , 
mais  difficultofamence  le  pôde  perceber  a 
fua  reflexão  nas  partículas  do  ar.  Chegue- 
mos .  á  janclla  que  são  horas  opportunas  ,  e 
verei  fe  percebeis  eftas  cores.  Os  Pinto- 
res que  fabem  quantas  entráo  na  compo- 
íição  das  cores  miftas  ,  e  íabcm  diílinguir 
com  os  olhos  nas  pinturas  as  cores  fim- 
plices  que  ahi  mettêráo  ,  e  que  o  vulgo 
contunde  ,  eíles  também  percebem  mais 
facilmente  do  que  os  outros  eftas  cores  no 
Ceo. 

Silv.  Eu  fem  Ter  Pintor  ,  mui  bem  vejo  no 
Horizonte  humas  bellas  faxas ,  vermelha ,  e 
cor  de  ouro ,  e  me  parece  que  diftinguo  ou- 
tra Faxa  verde  muito  mais  larga. 

Eug.  Por  fima  daquelle  monte  ,  a  primeira 
cor  que  fe  vê  no  Ceo  ,  he  efverdeada  ;  e 
agora  reparo  eu  que  corre  horizontalmente 
ella  mefma  cor ,  fendo  cada  vez  mais  fraca. 

Thecd.  Pois  ahi  tendes  o  que  eu  digo.  Vol- 
temos agora  á  varanda  que  defcobre  o  Naf- 
cenrc  a  ver  íe  percebeis  o  roxo .... 

£ug.  Percebo  ,  e  bem  fe  conhece  que  a  cor 
do  Ceo  ahi  náo  he  azul  meramente  ,  mas 
tirando  para  roxo  ^  porém  o  gredeleim  náo 
o  percebo. 

Thecd.  Nem  eu  -,  porém  eíTa  cor  como  tem 
muita  fcmelhança  com  a  roxa  ,  áílim  como 
a  cor  de  ouro  cem  a  amarella  ,  confundc- 
fe  ;  e  digo  eu  que  a  haverá  levado  da  con- 
je(í")ura  ,  fuppofto  verem-fe  todas  as  outras 
íeis  cores  primitivas. 

Silv. 


12  Recreação  Filofofica 

Sth.     E  que  razão    dais  vós  deftas  diverfas 
cores  ? 

Theod,     A  terra  he  hum  globo ,  c  rodeado  de 
ar  até  certa  altura   por  toda   a  parte  ^   e  por 
ilTo  rr.mbem   faz  toda   efta  máquina   de  ter- 
ra   c  ar   cm  redondo   huma   certa  forma  de 
globo  ;  e  como  o  ar  he  hum  líquido  diáfa- 
no ,   faz  á  luz   o  mefmo  eífeito  que  huma 
bóia   de  vidro  cheia    de  agua  j  a  qual  ,   co- 
mo já  vos  expliquei ,  quebra  a  luz  que  ncl- 
la   entra   obliquamente.    Portanro  ,    depois 
que  o  Sol  fe  efcondeo ,  os  raios  que  entráo 
na  região  do  ar  ,  a  que  chamáo  atmosfera  ^ 
começão  a  quebrar  para  baixo,  iftohc,  para 
deniro  do  globo  j  e  quebrando  a  luz ,  já  fa- 
bcis    que   fe  háo   de  feparar   as  cores  que  a 
compõem  ,  pois  como  vos  expliquei   (  i  ), 
faliando  das  cores;  a  cor  verde  quebra  mais 
que  a  amarella  ,   e  eíb  mais  que  a  verme- 
lha, lílo  luppoílo ,  para  me  virem  do  Hori- 
zonte da  parte  do  Poente  vários  raios  de  luz 
corada  ou  feparada  ,   he  precito  que  me  ve- 
nha com  mui  pouca  refracçáo  ,   e  quaíi  di- 
reito  aos  olhos  aquelle  raio  vermelho  ,  que 
compõe   a  luz  ,   que  entra  bem  pelo  Hori- 
zonte i    c  que  venha    o  raio   amarello  da 
luz   que  entra   mais  por  íima  :    porque   co- 
mo   ha   de  quebrar  mais  que   o  vermelho , 
pode  vir   mais  ce  íima.    O  raio  verde   que 
compõe  a  luz  ,   he  o  que  vem  mais  por  íi- 
ma 5  compenfando-fe   com  a  maior   refrac- 
çáo do  raio  verde  a  fua  maior  altura.    Eu 

vos 
(O     Tom.  II.  Tarde  VI.  §.  IH. 


Tarde  "cigeftma  nona,         13 

vos  faço  aqui  hum  defenho  com  o  Ispis 
(^Ejlâ-mp.  ^'fig'  I.)  j  porem  para  evirar  a  eíT.  i. 
confusão,  falio  fò  do  vermelho  ,  e  am.arel-  fig.  i, 
lo  ,  por  quanto  o  que  dilTcr  deílcs  dous , 
digo  de  todos  por  fua  ordem.  Supponha- 
mos  que  do  lugar  onde  efta  a  letra  S  vem 
dous  raios  do  Sol ,  quafi  horizonraes  j  o  irt- 
ferior  a  a  tanto  que  entra  no  globo  da  re- 
gião do  ar  (cuja  porção  aqui  defcrevo  com 
pontinhos  i  e  a  o)  como  entra  obliquamen- 
te ,  deve  quebrar  ;  e  como  o  raio  verme- 
lho ,  que  nelTe  raio  da  luz  fe  encerra  ,  que- 
bra menos  que  o  amarello  ,  vem  para  «,  e 
o  amarello  para  m :  da  mefma  forma  o  raio 
de  luz  fuperior  e  e  ,  tanto  que  chega  ao  ar 
quebra  ,  e  feparáo-ie  os  raios  que  o  com- 
põem j  o  vermelho  quebra  menos  ,  e  vai 
para  / ,  e  o  amarello  quebra  mais  ,  e  vem 
para  u.  Aqui  vedes  que  o  homem  que  re- 
cebe o  raio  amarello  de  íima ,  verá  efía  par- 
te do  Ceo  como  amarella  ;  e  recebendo  o 
raio  de  luz  vermelho  que  vem  mais  debai- 
xo 5  julgará  vermelha  clTa  parte  do  Ceo  ;  c 
pela  mefma  razáo  julgará  verde  a  outra 
mais  fuperior ;  e  aílim  do  reftante.  Advirto 
porém  que  etta  refracçáo  he  mui  torta  ,  (^dei- 
xai-me  explicar  aílim )  porque  o  ar  cada 
vez  he  mais  denfo,  conforme  fe  chega  mais 
á  terra  ;  c  aílim  fcmpre  os  raios  vem  que- 
brando ,  e  fazem  humas  linhas  mui  curvas , 
efpecialmente  os  que  sáo  mais  refrangiveis ; 
e  por  efta  razáo  os  roxos  nos  vem  appare- 
cer  cá  da  parte  oppofta  ao  Occidente  j  e 

aqui 


14  Recreação  Filofofica 

aqui  femprc  ha  fua  reflexão  nas  partículas 
do  ar. 

Silv.  Suppoílo  o  que  nos  diíTcftes  n'ourro 
tempo  ,  tudo  ifTo  que  fe  obferva  he  huma 
confequencia  neceíTaria  da  doutrina  eniáo 
dada. 

Theod.  Falta  agora  dar  a  Eugénio  a  razão 
porque  o  Ceo  parece  redondo  ,  e  como  hu- 
ma abobada  ,  fendo  elle  hum  efpaço  invi- 
fivel.  Quando  nós  voltando  os  olhos  cm 
redondo  vemos  hum  corpo  igualmente  dif- 
tante  de  nós  por  toda  a  parte  ,  devemos 
crer  que  faz  huma  como  abobada  ,  ou  para 
dizer  melhor  meia  esfera  concava  i  e  que 
nós  cftamos  no  centro  delia. 

£úg.     Sem  dúvida. 

Theod,  Ora  como  o  Ceo  ,  fendo  verdadeira- 
mente invifivel,  fe  reveíte  defta  cor  que  fe 
forma  no  ar  ,  fendo  também  efta  cor  igual 
por  toda  a  parte  cm  redondo  ,  não  nos  pô- 
de reprefentar  o  Ceo  mais  dittante  n'umas 
partes  do  que  em  outras  ;  e  aíiim  deve  re- 
prefenral  o  como  m.eia  esl-era  concava  ,  e 
que  nós  lhe  ficamos  no  centro.  Nem  vos 
faça  embaraço  fer  ás  vezes  o  Ceo  mais  cla- 
ro de  huma  parte  que  da  outra  ;  porque  a 
larga  experiência  nos  enfina  que  iíTo  he  ac- 
cidental  por  caufa  da  vizinhança  do  Sol  ,  e 
que  poucas  horas  antes  ou  depois  fica  igual 
na  cor  ;  e  entáo  he  que  nos  confirmamos 
que  elle  he  redondo  ,  como  a  vulgar  obíer- 
vaçáo  nos  perfuade. 

Silv,     Não  he  fó  vulgar  obferyação.   Muitos 

bons 


Tarâe  "cigejima  7iona,         i^ 

bons  Aftronomos  dizem  que  o  Ceo  são  hu- 

mas  esFeras  folidas  ,  e  cryftallinas  ,  humas 
menores  dentro  de  outras  maiores.  Sempre 
aílim  mo  enfináráo  meus  Mefttes  ,  e  cica- 
váo  Alironomos  da  primeira  claíTe, 

§•  n. 

Da  Natureza  dos  Ceos, 

Theod.  A  Gora  difcutircmos  eíTe  ponto  :  eu 
jL  \  conFeíTo  que  muitos  Aftronomos 
aííim  o  diíTeráo  ;  porém  já  hoje  ninguém  tal 
diz  j  porque  fcmpre  cede  á  razáo  e  experiên- 
cia roda  a  humjana  authoridade.  Os  Ceos  , 
Eugénio  5  não  são  íolidos  e  cryftaliinos ,  co- 
mo diziáo  antigamente  muitos  Aftronomos. 
A  razáo  que  os  fez  voltar  defta  opinião  ,  he 
porque  obferváráo  que  os  Aftros  fe  moviáo 
pelo  Ceo  ,  e  Te  hoje  eftaváo  em  hum  lu- 
gar ,  á  manhã  cftavão  em  outro  :  eu  fallo 
dos  Planetas.  Para  o  que  haveis  de  fabcr , 
que  dos  corpos  Celeftes  fazem  os  Aftro- 
nomos duas  claíTes  :  huma  he  a  das  Eftrel- 
las  fixas  ,  outra  a  das  errantes  ou  Planetas ; 
as  Eftrellas  fixas  chamáo-fe  aííim  ,  porque 
não  mudáo  íenfivelmente  o  lugar  do  Ceo 
cm  que  apparecem  ;  as  errantes ,  ou  os  Pla- 
netas, mudáo  do  lugar.  Olhai  para  o  Ceo: 
vedes  aquella  brilhante  Eftrella  que  eftá 
levantada  do  Horizonte  para  a  parte  do 
Poente  ? 

£úg. 


i6  Recre tição  Filofojica 

Eug,  Vejo  ,  e  he  formoflííima  ;  creio  que 
vós  já  me  àiffcúcs  que  fe  chamava  \'cnus5 
que  era  fiei  companheira  do  Sol  :  os  Cam- 
ponczes  chamáo-lhe  a  Eftrella  da  tarde. 

Thcod.  LíTa  he.  Pois  ahi  tendes  hum  Plane- 
ta;  as  demais  que  d'aqui  íe  vem  ncíTa  parte 
do  Ceo ,  que  defcubrimos  pela  jancila  ,  to- 
das sáo  fixas. 

JBug.  Mas  eu  vejo  ,  que  d'aqui  a  pouco  já 
muitas  delias  terão  defapparecido  ,  e  todas 
váo  correndo  para  o  Horizonte  ,  como 
\^enus. 

Theod.  Aííim  he;  porém  obfervareis  que  ca- 
da huma  delias  quando  íc  póc  ,  fempre  fe 
fome  pela  rncíma  parte  co  Horizonte.  A- 
quella  que  vai  junto  da  Torre  de  Belém  a 
buícar  o  mar  ,  fempre  a  vereis  fumir  no 
Horizonte  por  aqueila  mcfma  p^rte  ;  porém 
\''enus  náo  he  aíIim  ,  fe  hoje  fe  mctíe  no 
Horizonte  por  aqueila  parte  ,  á  manha  fe 
efcondcrá  mais  para  cá  ,  e  o  outro  dia  ain- 
da mais  ;  c  tanto  muda  de  lugar ,  que  hu- 
mas  vezes  vai  atrás  do  Sol  ,  corr.o  agora 
vedes ;  outras  porém  vai  adiante  dclle  ,  para 
nafccr  pela  manha  também  antes  do  Sol; 
por  quanto  cfta  mcfma  he  a  que  chamáo 
Eftrella  d  Alva  ;  ora  ifto  nunca  vós  vereis 
nas  Eflrellas  que  chamáo  fixas. 

Eug.     Já  percebo  a  differença :  continuai. 

*Thcod.  Se  os  Ceos  folTcm  lolidos  ,  c  os  Af- 
iros  eftiveíTcm  ncllcs  cns;artados  ,  como  os 
diamantes  nas  jojas  ,  náo  podcrráo  mudar 
de  lugar  ,  nem  movcr-íe.  E  nós  fabemos  de 

cer- 


Tarde  vtgefmia  nona*  \J 

certo  que  todos  os  Planetas  ,  e  Eftrellas  fe 
movem  pelo  Ceo  :  ifto  he  ,  além  do  mo- 
vimento commum  a  todos  os  Aftros  do 
Oriente  para  o  Poente  ,  cada  hum  delles 
vai  andando  lá  pelo  Ceo  ,  mudando  de  lu- 
gar ;  de  forte  que  dentro  de  determinado 
tempo  terão  dado  huma  volta  inteira. 

J/7v.  Como  quando  Dcos  formou  osAftroSj 
e  os  Ceos  ,  já  lhes  tinha  regulado  effe  mo- 
vimento ,  que  difHcutdade  ha  cm  dizer  que 
eftáo  abertos  huns  como  canaes  e  cami- 
nhos, pelos  quaes  fe  váo  movendo  ,  e  co- 
mo os  Ceos  sáo  cryftallinos  ,  deixáo  ver  os 
Planetas ,  que  lá  por  dentro  fe  movem  í 

Theod.  Muitos  fe  quizeráo  livrar  defta  diíH- 
culdade  por  eíFe  caminho  ,  porém  não  pôde 
fer  j  porque  o  movimento  dos  Planetas  he 
mui  irregular,  ainda  que  lempre  guarda  de- 
terminadas leis  ;  porém  como  fe  variáo  as 
circumftancias  ,  também  para  obedecerem 
a  certas  leis  invioláveis ,  variáo  o  movimen- 
to :  humas  vezes  defcem  mais  ,  outras  fo- 
bem.  Marte  ,  que  he  hum  Planeta  ,  hum.as 
vezes  eítá  mais  perto  de  nós  do  que  o  Sol  ^ 
outras  anda  muiro  mais  alto  r,  e  alíim  ^  fe  o 
Sol  tem  feu  próprio  Ceo  folido  ,  e  feu  ca- 
nal por  onde  fe  move  ,  Marte  náo  o  po- 
derá atraveíTaç  e  paíTar  para  baixo  ,  nem 
d'ahi  voltar  para  fima. 

Silv.  Também  no  Ceo  do  Sol  haverá  paíTa- 
gem  para  Marte  alem  da  que  ha  própria  pa- 
ra o  Sol. 

Theod.  Náo  pôde  fer  ;  porque  Mane  quan- 
Tom^VL  B  09 


l8  Recreação  Filofofica 

do  atraveíTa  o  Cco  do  Sol  ,  não  he  ferepre 
no  mcírTiO  lugar  :    anres   talvez   que  depois 
que  O  mundo  hc  mundo  ,    nunca  o  atravef- 
íaíTc  íegunda  vez  por  onde  palíou  a  primei- 
ra ;    fó  Tc  eíte  Cco  eftiveíTe  todo  esburaca- 
do 5    lhe  poderia  dar  prompia  paíTagcm  ^    c 
fempre  fe  arriícava  a  topar  alguma  vez  nas 
partes   Tolidas  :    que   feria   galante   fracaço. 
Demais  que  os  Comeras  (que  sáo  outro  gé- 
nero  àc  Planetas  ,    como  vos  direi    cm  feu 
lugar)  ainda  que  tem  o  feu  movimento  re- 
gular c  periódico  ,    a  refpeito  dos  mais  af- 
tros  he  mui  irregular.  Muitos  vem  de  huma 
altura   incomparavelmente  maior  que   a   do 
mais   alto  Planeta  ,   c  atraveísão  iodos  os 
Ceos  5  e  vem  palTíir  abaixo  do  Sol  ^  e  como 
poderiáo  vir  ,   e  tornar-fe   a  ir  ,    e  depois  a 
certos  tempos  voltar  ,    fendo  os  Ceos   foli- 
do3  ,   por  mais  esburacados  que  cttivefíem  ? 
Além   de  que  ,    a  luz  dos  Planetas  íuperio- 
res    paíTando   através  delTes    Ceos   esburaca- 
dos 5  padeceria  mil  refracçóes  ,   e  molharia 
fuás  cores  ,  o  que  he  fallo. 
JBug.     Náo  concorda  com  a  Sabedoria  de  Deos 
obra  láo  rota  ,    como  me  parece  que  feriáo 
eííes  Ceos  com  tantos  buracos. 
Sih.     Elta   opinião   que    defendo  he  fundada 
na   Efcriíura  ,    que   ciiama    Firmardcmo   ao 
Ceo  ;    e  o  mcfmo  nome  Firmamento  deno- 
ta  natureza   firme  e   conílante  ;    c   demais 
que  cita   he   a  opinião   dos  Santos  Padres; 
e  aílim    hc  prcciío   para  que   o  Firmamento 
íepàíe  as  aguas  ,  que  eítáo  lá  cm  fima  da« 

aguas 


Tarde  'vigefima  nona.         19 

aguas  cá  debaixo  ,  conforme  o  que  diz  a 
Eícricura. 
Theod.  Náo  duvido  que  a  palavra  Firma- 
mento  pareça  denotar  couía  firme  ;  porém 
náo  fó  a  razáo ,  mas  também  a  authoridadc 
nos  perfuadem  ,  que  náo  ufa  deila  a  Efcri- 
tura  Santa  neíTe  lentido.  O  Douto  Natal 
Alexandre  (  i )  adverte  bem  que  a  pala- 
vra Hebrea  ,  que  na  Vulgata  fe  traduz  Fir- 
tnamcnto  ,  íign  fica  na  opinião  de  \'aróes 
peritos  extensão  ;  e  que  bellamcnte  fe  diz 
dos  Ceos  fiuidos.  Além  de  que  ,  o  iníignc 
Petavio  quer  que  ,  conforme  ao  fentido  da 
Divina  Efcritura  ,  o  mefmo  que  fe  diz  Ceo 
e  Firmamento  feja  toda  efta  região  do  ar , 
e  as  fuperiores  j  porque  fó  aiiim  fe  póJe 
dar  fentido  verdadeiro  a  algumas  fraJes  da 
Efcritura  ;  como  quando  diz  as  aves  do 
Ceo  ,  fendo  certiíiimo  que  os  palTaros  náo 
pafsáo  defta  região  do  ar  :  ti  m bem  fe  diz 
que  Deos  ccbrc  o  Ceo  com  as  nuvens  ,  e  ef- 
tns  náo  pafsáo  óa  região  do  ar  :  que  o  Ceo 
efiâ  trijie  ou  rubicundo  ,  e  ifto  não  fe  pôde 
dizer  fcnáo  da  atmosfera  da  Terra  ,  ou  da 
regiáo  do  ar  :  e  ailim  Moyfés  efcrevendo  a 
hiíioria  da  creaçáo  do  miundo  ,  chama  Ceo 
a  todo  cfíe  cípaço  ,  ufando  das  palavras 
no  fentido  comm.um  e  plebeo  ( 2  ).  Cra 
S.  Jeronymo  favorece  efta  opinião  (  :5 ).  E 
B  ii  San- 

CO      Hift.  Eccl.  Tom.  I.    DifTert.  i.  a.   }. 
5k1  prop.  1 , 

(  2  )     Lib.  I.  de  Opif.  fcx.  dier.  cap.  i.  n.  7. 

Ci)     £p.  Sj. 


^0  Recreação  Filofofica 

Santo  Agoftinho  (  i  )  refere  huma  opinião  , 
a  qual  diz  que  cib  regiáo  cio  ar  ,  que  me- 
dea  entre  as  aguas  formadas  em  nuvens  ,  c 
as  aguas  do  mar  e  das  fontes  que  cftáo  na 
face  da  Terra  ,  hc  o  Cco  ou  Firmamento 
que  a  Efcritura  diz  que  fepara  as  aguas  de 
aguas  ;  e  depois  de  a  referir  ,  confeíTa  que 
he  digniííima  de  louvor  ,  que  náo  tem  na- 
da contra  a  Fé  ,  e  que  fc  pôde  feguir.  Ef- 
ta  he  a  opinir^o  que  cu  f^o  ,  e  que  fe  con- 
forma com  a  boa  Filofofia.  Se  lá  em  fima 
eftiveíTem  aguas  ,  em  eftado  de  gravidade 
femelhante  á  do  mar  ,  precifo  era  Ceo  fo- 
lido  para  as  fuftcnrar  ;  porém  as  aguas  fu- 
periores  ,  que  Deos  feparou  delias  inferio- 
res ,  sâo  da  mefm?.  natureza  ,  mas  noutro 
eftado  ;  e  vem  a  íer  as  nuvens  que  nadáo 
ncfta  regiáo  do  ar  ,  á  qual  fe  chama  Ceo  , 
fegundo  o  fentido  das  frafes  da  Efcrirura. 
Náo  nego  que  muitos  Santos  Padres  feguí- 
ráo  a  opinião  dos  Ccos  folidos ;  porém  ou- 
tros sáo  da  opiniáo  dos  Ceos  fluidos  ,  como 
S.  Bafilío  ,  S.  Gregório  XilTeno  ,  Santo 
Anfelmo  ,  o  Venerável  Beda  ,  Ruper- 
to  ,  Procopio  ,  &c.  cujas  palavras  exprcf- 
fas  achareis  juntas  no  Fortunato  de  Bri- 
xia  (  2  ). 

Silv.  Náo  me  poifo  accommodar  com  iffo; 
porque  eu  leio  no  livro  de  Job  ,  fe  me  náo 
engano   (  pois  eu   não  vinha  preparado  para 

.    ifto)  que  os  Ceos  são  folidiilimos,  corro  fc 

fof. 
(  1  )     Lib.  2.  fup.  Genef.  n.  7,  aliás  cap.  4. 
C2)    Tom.  l\\\  n.  32.  48. 


Tarde  'vigefima  ytona,        %\ 

foíTcm  fundidos  de  bronze  (  i  ).   Vede  fe 
pôde  haver  expreísáG  mais  forte. 

7híQà.  E  quem  diile  iíTo  ?  A  cuem  fe  attri- 
buem  eíiãs  palavras  na  hiftoria  de  Job  ? 

SWv,  Não  mé  lembro  \  porém  sáo  palavras 
fancas  todas  inípiradas  pelo  Efpirico  Santo. 

Thcod.  E  também  sáo  inípiradas  pelo  Eipiri- 
to  Santo  aquellas  palavras  do  Pfaimo  Non 
eji  Díus^.  Nâo  ha  Dcos  ? 

Silv.  Elias  não  ;  porque  fe  póem  na  bocca 
dos  ímpios  5  e  diz  o  Pfalm.o  que  o  im.pio 
diiTera  no  fca  coração  :  Aão  ha  Dcos. 

Thcod.  Pois  também  quem  dilTe  que  os  Ceos 
eráo  folidiliim.os  ,  como  fundidos  de  bronze  , 
foi  Eliu  ,  hum  dos  amiigos  de  Job ,  que  não 
confia  que  folie  nem  grande  Aftronom.o  , 
nem  infpirado  por  Deos  :  Nem  fahio  delia 
conferencia  de  Job  com  grandes  iniorma- 
çóes  ;  pois  a  Job  perguntou  Deos  :  Quem 
he  eíie  ,  que  eftá  dizendo  deíaceitos  (2)? 
Portanto  ,  Eugénio  ,  hoje  a  opinião  ccm- 
munillima  entre  todos  os  Afironciros  hc  , 
que  os  Ceos  sáo  fluidos.  A  diíiiculdade  fò 
ne  fe  eftáo  totalmente  cheios  de  matéria , 
que  náo  deixe  alguns  vácuos  ,  ou  totalmen- 
te vaíios.  Mas  cizei-me  fe  eílais  perfuadi- 
CO  de  que  sáo  fluidos  ,  antes  que  paliemos 
adiante. 

§.  IIT. 

(  í  )  C«'  folídijjíml  qtiap  £re  fujl  juni.  Job 
37.    iH. 

(2)  Quis  ejl  ifte  invohcns  Jcr.tcnlias  firmoni' 
ntòuj  t.npcriíii  i  Jub   j8.  2, 


t^         Recreação  Filofofícã. 

§.  III. 

lios  Vórtices ,  ou  Turbilhões  de  Des- 
cartes. 

Eug.  T  A'  vos  difíe  qiic  tenho  percebido 
tJ  cftas  razões ,  e  que  me  convencem : 
proíegui. 

Thcod.  Des- Cartes  ,  aquelle  grande  e  incom- 
parável homem  no  fru  Século  ,  que  com  a 
belleza  de  fuás  idéas  quafi  arraftrou  em  íen 
feguimento  meio  mundo  literário  ^  porque 
os  tempos  o  náo  ajudáráo  ,  nem  teve  a 
abundância  de  Inftrumentos  ,  e  multiplici- 
dade de  obfcrvaçóes  que  depois  Te  fize- 
ráo  ,  náo  pode-  dar-lhes  a  firmeza  e  cíla- 
bilidade  precifa  para  fe  confervarem  na 
mefma  cítimaçáo.  Tem  defcahido  coníide- 
ravelmente  ;  mas  como  nós  náo  guardamos 
refpeito  a  ninguém  ,  mais  que  á  \^crdade, 
onde  quer  que  apparece  ,  fe  a  chegamos  a 
conhecer  ,  a  abraçamos  ,  voltando  as  cof- 
ras  a  tudo  o  mais.  Efte  grande  Filofofo 
julgava  que  os  efpaços  do  Cco  eftaváo 
cheios  de  huma  matena  fubtiliflima  ,  a  qual 
cm  hum  perpetuo  Vórtice  ,  ou  Redemoi- 
nho ,  ou  Turbilhão  (que  tudo  ifto  quer  di- 
zer o  mefmo)  fe  movia  ^^iòt  a  formação 
GO  mundo.  Pimha  que  o  Sol  era  o  cen- 
tro do  noíTo  \^orr:ce  ;  e  que  á  roda  do 
Sol  andaváo  os  Planetas  ,   entre  os  quaes 

con- 


Tarde  vigefima  nona.         23 

contava  também  a  noíTa  Terra  como  hum 
Planeta  íemelhante  aos  outros.  A  cauía. 
do  movi  memo  dos  Planetas  era  o  mermo 
Vorcicc  que  os  arrebatava  comíigo  ^  e  co- 
mo quanto  mais  a  matéria  diíiiva  do  Sol , 
maior  era  o  íeu  giro  ,  rorçofamente  havia 
de  gaftar  mais  tempo  cm  dar  huma  volta  , 
c  efta  era  a  razão  ,  por  que  es  Planetas  quan- 
to mais  diftaváo  do  Sol  ,  tanto  mais  tem- 
po g;^ftavão  em  dar  huma  volta  á  roda  del- 
le.  Mercúrio  que  he  o  primeiro,  gafta  qua- 
fi  três  mezes  \  Vénus  que  he  o  íegundo  , 
oito  mezes  ;  a  Terra  que  hc  o  terceiro  Pla- 
neta no  feu  lyftenia  ,  gafta  doze  mezes , 
ou  hum  anno  cm  dar  huma  volta  á  roda 
do  Sol.  Marte  que  hc  o  quarto  Planeta , 
gaíla  perto  de  dous  annos  \  ]upiter  que  he 
o  quinto  ,  gafta  perto  de  doze  annos  j  c 
Saturno  que  he  o  ultimo ,  náo  dá  a  lua  vol- 
ta lenáo  em  quafi  irin:a  annos.  Efte  fyítc- 
ma  hoje  he  defamparado  dos  melhores  ,  e 
cis-aqui  o  fundamento.  ]á  hoje  eilá  aíTentaco 
como  coufa  certa  ,  que  os  Cometas  sáo  huns 
Planetas  como  os  outros  ,  creados  dcfde  o 
principio  do  mundo  ,  e  que  ora  apparecem  , 
ora  defapparecem  ,  porque  humas  vezes  fi- 
cáo  mais  pert03  de  nós ,  c  podemos  vellos , 
outras  ficáo  tão  longe  que  nos  fogem  da 
vifta  i  e  efta  he  a  diíferença  que  tem  dos 
demais  Planetas ,  os  quaes  nunca  íe  aífaftáo 
tanro  de  nós  que  nos  efcapem  da  viíb. 
Illo  íuppofto  :  íe  no  efpaço  dos  Ceos  tudo 
eftá  cheio   (  conforme   o  íyftcma  de  Des- 

Cartcs ) 


f4  Recreação  Filojojica 

Cartes )  tambcm  os  Comeras  em  qualquer 
parte  da  íua  carreira  háo  de  nadar  em  al- 
gum fluido  ;  e  efta  corrente  que  os  arre- 
bata e  traz  comfigo  ,  deve  ter  a  niefma  di- 
recção que  trazem  os  Cometas.  Ora  Ten- 
do iLto  aííím  ,  quando  os  Comeras  arra- 
velTarem  as  orbitas  dos  Planetas  (^Orbita, 
Eugénio  5  quer  dizer  ,  a  linha  que  o  Pla- 
neta forma  quando  dá  hum  giro  inteir») 
al^umia  grande  deíordem  ha  de  íucceder 
nos  Ceos  ;  porque  os  Cometas  lá  de  nu- 
ma altura  muito  maior  que  a  de  Satur- 
no ,  vem  algumas  vezes  quaíl  direitos  ao 
Sol  i  e  fendo  cada  huma  deitas  torrentes 
de  matéria  em  fi  denfiílima  ,  encontran- 
do-fc  torrente  com  torrente  ,  fc  penurba- 
riáo  j  ou  pelo  menos  a  torrente  ou  Vórti- 
ce que  traz  o  Cometa  encontrando  o  Pla- 
neta íhe  faria  mudar  o  caminho  ,  ou  pe- 
lo contrario  feria  obrigado  o  Cometa  a 
mudar  o  caminho  quando  entraíTe  no  V^or- 
tice  de  Júpiter  ,  como  no  de  outro  qual- 
quer Planeta.  Ponhamos  exemplo  :  Nós 
vem.os  que  hum  barco  quando  vai  levado 
pela  corrente  ,  fe  acontece  que  de  ilharga 
paíTa  pelo  dcfembocadouro  de  algum  no , 
na  de  ter  mudança  na  íua  direcção.  O  mief- 
mo  digo  dos  Aftros  levados  pelas  torren- 
tes de  matéria  fluida  que  admitie  Des- 
Cartes. 
^ug.  Forçofamente  ;  porque  com  a  mcfma 
lazán  com  qnc  o  \^ortice  de  Jnpiter  v.  g. 
arrebata  a  Júpiter  ,   aírebatara  qualquer  Co^ 


Tarde  vigefima  fiona,        15: 

meta  que  ahi  fe  achar  ,  fe  elles  são  como 
dizeis  da  mefma  natureza. 

Thcod.  Por  cila  razáo  fe  defampara  efte  fyf- 
tema,  pofto  que  engenhoro.  Ifto  que  tenho 
dito  pertence  ao  noíTo  Vórtice  ou  Turbi- 
lhão ,  cujo  centro  he  o  Sol  ;  porém  cada 
huma  das  Eílrellas  no  fyftema  de  Des-Car- 
tcs  íe  pôde  reputar  por  outro  Sol ,  que  feja 
centro  de  feu  diíferente  Vórtice  ,  e  á  roda 
delias  andaráó  também  alguns  Planetas,  co- 
mo andâo  cá  no  noíío  Vórtice  á  roda  do 
Sol. 

Eug.  E  porque  fe  não  haviáo  de  ver  eííes  Pla- 
netas 5  no  cafo  que  os  houveíTe ,  e  andaíTem 
á  roda  das  Eftreilas  ? 

Thcod.  Baftava  a  diftancia  para  fe  não  verem. 
Percebeis  vós  a  diíierença  que  vai  na  gran- 
deza 5  e  na  luz  do  nolTo  Sol  aos  noíTos  Pla- 
netas ? 

Bug,  E  como  poílb  deixar  de  percebella ,  feiv 
do  lâo  fenfivel  ? 

Thecd.  E  náo  vos  admirais  de  que  fe  perce- 
ba cá  da  Terra  o  Sol  ,  por  modo  mui  di- 
verfo  do  que  os  feus  Planetas  que  o  rodeáo  ? 
Aflim  deve  fucceder  aos  outros  Sócs  com 
os  feus  Planetas.  A  diftancia  em  que  cítáo 
de  nós  he  táo  grande ,  que  fendo  huns  cor- 
pos luminofos  ,  e  immenfos  ,  talvez  maio- 
res que  o  nolío  Sol ,  de  cá  parecem  táo  pe- 
queninos :  e  como  quereis  vós  ver  os  Pla- 
netas que  as  rodeáo ,  devendo  fer  tanto  mais 
pequenos  do  que  as  Eftreilas  ,  quanto  os 
polTps  Planetas  sáo  menores  que  o  Sol  ? 


26  Recreação  Filofofica 

Eug.  Ao  menos  com  grandes  óculos  não  po^ 
dcriáo  ver-fe? 

Theod.  Os  maiores  Telcfcopios ,  com  que  fc 
conhecem  mui  bem  as  nódoas  e  manchas 
de  Júpiter  ,  as  fombras  de  Saturno  ,  Scc. 
quando  fe  voltáo  para  as  Eftrellas  ,  nada 
augmentáo  da  fua  apparente  grandeza  ;  fò 
apparecem  como  huns  pontinhos  de  luz  mui 
brilhantes  :  em  feu  lugar  vos  darei  a  razáo 
difto. 

Eug,  E  que  me  dizeis  vós  febre  eíTes  Pla- 
netas ?  Havemos  de  dizer  que  os  ha  ,  ou 
náo? 

Theod.  Náo  pôde  haver  fundamento  para  di- 
zer que  íim  ,  nem  para  fe  dizer  que  náo: 
como  lá  náo  chegáo  Telefcopios  ,  tudo 
quanto  it  diz  ,  he  a  adivinhar.  Deixando 
pois  e(Te  ponro  ,  e  confiderando  (como  na 
realidade  aílim  he)  que  cada  Eíhella  he 
como  hum  Sol ,  e  que  fó  pela  diftancia  im- 
m^enfa  em  que  eftáo  he  que  nos  parecem 
ráo  pequenas  ;  e  fendo  tantas  as  Eíhellas 
conhecidas  ,  e  tantas  mais  as  que  náo  che- 
gamos a  ver  fcm  Telefcopios  ;  fendo  a  dif- 
tancia entre  humas  e  outras  táo  grande  que 
fe  percebe  bem  cá  de  tão  longe  ,  quando 
apenas  cada  huma  das  Eftrellas  fe  deixa  per- 
ceber,  vede  quão  grande  lie  e(Te  efpaço  dos 
Ceos  !  que  grande  o  Poder  de  Dcos  !  e  que 
immenfa  eíta  Máquina  maravilhofa  que  ef- 
tamos  admirando  com  os  olhos  !  Cada  vez 
ireis  formando  maior  conceito  da  Grc;ndeza 
de  Deos ,  e  do  feu  Poder ,  quanto  mais  for- 
des 


Tarde  vigefima  nona.         27 

cies  conhecendo  as  maravilhas  que  neíTes 
Ceos  ,  que  vemos  efíào  patfntes  ao  enten- 
dimento ,  pofto  que  cfcondidas  cm  parte 
aos  noíTos  olhos.  Vamos  agora  á  opinião  de 
Nevton  ,  que  he  bem  oppofta  á  de  Rena- 
to ;  porque  Des-Caries  quer  que  tudo  cfteja 
cheio  ,  e  Newton  teima  que  tudo  eftá  vafio : 
c  o  caio  he  que  efte  tem  muita  mais  razão. 

§.  IV. 

jDo  Vácuo  NewtonUno  ao  efpa^o  dos 
Ceos, 

Silv.  T)  Ols  que!  temos  hum  Vácuo  ímmen- 
X  fo  àdác  nós  até  ás  Eftrellas  !  Ora 
iflb  he  tão  grande  impoílivel  como  o  mef- 
mo  efpaço  que  chamais  vafio ,  que  não  pô- 
de fer  maior.  JVIas  eu  para  que  me  altero  ? 
Difcorrei  como  muito  quizcrdes. 

Iheou.  Vós  ,  Silvio ,  como  creado  na  efcola 
Pcripatetica  ,  tendes  hum  tal  horror  a  efta 
palavra  Faciio  ,  ou  Va(io  ,  que  vos  aíTuf- 
rais  em  a  ouvindo.  Não  íejais  tão  aíTufta- 
do:  eu  não  digo,  que  todo  efte  efpaço  que 
vai  de  nós  ate  ás  Eftrellas ,  eftá  vafio ;  mas 
pouco  menos.  Não  poíTo  dizer  que  eftá  to- 
talmente vafio  ,  porque  o  vejo  cheio  de  luz  : 
c  fei  que  a  luz  he  corpo ,  conforme  ao  que 
já  vos  diííe  5  quando  tratei  delia  e  dos  ícus 
effeitos  :  ou  feja  a  matéria  fubtil  de  Des- 
Cartes ,  ou  puro  fogo  ^  como  diz  Nc\rton , 

icm- 


2^  Recreação  FiJofqfica 

fempre  he  corpo  ,  e  tem  as  propriedades 
do  corpo  ,  po:s  reflecte  fegundo  íodas  as 
leis  do  movimento  dos  mais  ccrpos.  Porém 
efta  matéria  he  fabiiliííima ,  e  rariflima  j  de 
íorte  cjue  he  incrivelmente  maior  o  elpaço 
lotaimence  vafio  ,  do  que  o  cípaço  que  oc- 
cupa  a  matéria.  Eu  por  ora  nao  attendo  ao 
Ar,  porque  naturalmente  Te  náo  eltende  fe- 
náo  a  algumas  poucas  léguas  fobre  a  fuper- 
ficie  da  terra  em  redondo  ;  e  comparando 
cíTe  cfpaço  com  o  immenío  ,  que  vai  até 
ás  Eítrellas  ,  he  como  fe  foíle  nada.  Mas 
fe  dilTerem  que  o  ar  fe  eftende  a  muito 
maior  altura  ,  como  nós  fabcmcs  quanto 
pcza  huma  columna  de  ar  inteira  ,  conhe- 
cemos que  neceiTariamente  ha  de  fer  táo  ra- 
ro por  comparação  ao  ar  que  refpiramos  , 
que  poda  dclle  dizer-fe  o  miefmo  que  dize- 
mos da  m.iteria  da  luz. 

Silv.     E  que  fundamento  ha  para  dizer  ilTo  ? 

Thcod.  Táo  fortes  ,  que  fe  eu  pudera  ,  havia 
de  dizer  que  todo  o  efpaço  que  fe  eftendc 
òMt  a  região  do  ar  até  as  Éftrellas  ,  era 
totalmente  vafio.  O  Grande  Des-Cartes  ti- 
nha pcnfamento  totalmente  oppofto  ,  por- 
que cizia  que  eftava  totalmente  cheio  ;  e 
na  fua  doutrina  ,  efp;.ço  vafio  era  huma 
coufa  totalmente  impoíiivel  ,  como  o  fer, 
e  náo  fer. 

Súv.  Dizia  mui  bem.  A  cu  fer  Moderno, 
fó  Carteziano  feria  :  e  porque  náo  o  fcguis 
niíTo  ,  fe  ellc  he  Moderno ,  c  hum  láo  gran- 
de homem  como  todos  dizem? 

ThcGd. 


Tarde  vigefnna  nona,         29 

Thcod.  Porque  cu  náo  figo  o  homem  por 
grande  que  ellc  feja  ,  ílgo  a  razão  do  ho- 
mem. Ora  ouvi  os  fundamentos  ,  pelos 
quaes  os  Filorofos  de  melhor  nota  todos  def- 
amparáráo  a  Des- Cartes.  Suppondo  nós  hum 
efpaço  totalmente  cheio  de  matéria  ,  lem 
que  haja  algum  vafio  ,  por  mini  mo  que  íe- 
ja  ,  parece  totalmente  impoííivel  que  por 
elTe  efpaço  íe  poíTa  mover  livremente  al- 
gum corpo,  por  mais  íubtil  e  fluida  que  le 
confidere  a  matéria  de  que  fe  fuppóe  cheio 
cííe  efpaço  ;  cada  partícula  delTas  mínimas 
deve  ter  fua  figura  determinada  ;  e  como  fe 
fuppóe  minima  ,  iflo  he  ,  que  náo  confta 
de  outras  partes  ,  deve  crer-íe  que  náo  pô- 
de mudar  de  figura  :  pois  a  mudança  da  fi- 
gura parece  que  fuppóe  diverfa  fituação  e 
movimento  das  partes  de  que  fe  compóem 
a  partícula.  Ifto  náo  digo  eu  que  feja  evi- 
dente 5  mas  parece-me  que  fe  cafa  com  a 
razáo. 

Silv.  Sim  ;  até  ahi  não  duvido  eu  conce- 
der. 

Tteod.  Sendo  lego  effas  partículas  mínimas 
duras  e  inflexíveis  ,  pois  tendo  determinada 
íigura ,  como  concedeis  ,  a  náo  podem  mu- 
dar ,  não  podiáo  confentir  que  algum  corpo 
fe  moveíTe  por  entre  ellas  livremente  para 
huma  e  cutra  parte  ,  fm  que  ellas  ,  para 
lhe  darem  lugar  ,  deíxalTem  ás  vezes  entre 
humas  e  outras  feus  pequenos  vafios  ;  e  co- 
mo efpaço  vafio  he  impoflivel  na  opiniáa 
d^  Des-Carces  ^  vem  também  a  fer  impof- 

fif 


30         Recreação  Filofofica 

íivcl    o  rrovimento   de  qualquer  corpo  poí 
meio  dciTe  fluido. 

Sih,  Táo  lizas  podiáo  fer  as  partes  mini- 
mas  5  e  tal  figura  teriáo  ,  que  pudcíTcm  it 
efcorregando  humas  por  entre  as  outras  , 
impdlidas  pelo  corpo  que  fc  movia  ,  e  vin- 
do atrás  delle  immcdiacamente  outras  tantas 
partículas  a  occupar  o  efpaço  que  havia  de 
deixar  pelas  coftas  :  do  mefmo  modo  que 
fuccede  n  uma  bola  ^  quando  fe  move  pela 
agua. 

Thcod.  IlTo  quando  muito  ãi  lugar  ao  mo- 
vimento reóto  j  ou  períeitamentc  circular; 
mas  fe  o  corpo  no  meio  da  linha  quizeííe 
torcer  para  qualquer  parre  ,  ahi  o  rinham.os 
embaraçado.  Eu  vos  ponho  ifto,  Eugénio, 
bem  perceptivel.  ElT.'.s  paniculas  ,  por  pe- 
cuenas  que  fcjáo  ,  íempre  háo  de  ter  algu- 
ma proporção  com  o  corpo ,  que  ic  move  ; 
V.  g.  fupponhamos  que  sáo  oitocentos  mil 
milhões  de  milhões  de  vezes  mais  peque- 
nas 5  ou  fupponde  lá  o  número  que  quizcr- 
des.  Se  nós ,  confervada  a  fua  figura ,  e  in- 
flexibilidade 5  as  fuppuzcrmos  augmeniadas 
á  proporção  ,  tanto  as  particulas  ,  como  o 
corpo  ,  de  fone  que  cada  partícula  tenha 
hum  palmo  de  comprido ,  c  o  corpo  movei 
grandeza  correípondente ,  nefíe  calo  ,  dizei- 
me  5  poderá  o  corpo  mover-fe  livremente 
por  entre  ellas  ,  para  huma  ou  outra  par- 
te ,  e  por  qualquer  linha ,  íem  que  haja  aK 
gum  vão  pequeno  ? 

£u£*    Náo  certamente. 


Tarde  vigeftma  nona,         31 

Theod.     Quero  que  refponda ,  Silvio. 

Silv.  Também  me  parece  que  náo  ;  porém 
iílo  he  mera  Uippofiçáo. 

Thcod.  De  vagar.  Se  eííe  corpo  grande  não 
poderia  mover-fe  por  entre  eilas  partículas 
que  fingimos  ,  íem  que  ellas  movendo-Te 
para  lhe  darem  franca  paíTagem  ,  deixailem 
algum  vão  de  três  ou  quatro  dedos  por 
exemplo  j  também  confiderando  que  elTas 
partículas  ,  e  o  corpo  díminuíáo  na  gran- 
deza á  proporção  ,  até  metade  do  que  tí- 
nhão  ,  Te  confervalTem  a  mefma  figura  c 
dureza  ,  náo  poderiáo  dar  paíTagcm  ao 
corpo  fcm  deixarem  entre  fi  algum  váo 
de  dedo  e  meio  ,  ou  dous  dedos.  Náo  he 
aílim? 

Silv.     Aíhm  parece. 

Thccd.  Ora  vamos  pouco  a  pouco  diminuin- 
do o  tamAnho  deíTas  partículas  e  do  corpo, 
até  chegarmos  ao  tamanho  verdadeiro  que 
agora  tem.  Como  a  figura  lie  a  mefma,  e 
a  mefma  a  infiexibilidade  ,  também  não 
poderão  dar  palTagem  franca  ao  corpo  ,  íem 
que  fique  aqui  hum  váo,  acolá  outro  ,  po- 
rém muito  mais  pequeninos  ,  á  proporção 
da  grandeza  das  partículas. 

S\h.  Tão  pí-quenos  feráo ,  que  abfolutamen- 
te  náo  pofs:.o  confidcrar-fe  ,  nem  de  váo  at- 
tender-<e. 

Theod.  Efperai  :  quanco  falíamos  fe  huma 
coufa  abfolutamente  he  impoíiivel  ,  importa 
bem  pouco  que  fcja  pequena  ;  íe  me  conce- 
deis que  he  pollivel  huma  Quimera  de  hum 

de- 


31  Recreação  Filofofica 

dedo  ,  eu  vos  farei  poííivel  humã  do  tama- 
nho do  mefmo  Sol.  Além  de  que  ,  fe  vós 
julgais  cigna  de  atrençâo  qualquer  mínima 
particula  para  dizerdes  que  todo  o  efpaço 
cítá  abíolutamcntc  cheio  ,  porque  náo  at- 
tendereis  ao  vaíio  minimo  que  deixa  cíTa 
mefma  particula  ,  para  dizer  que  verdadei- 
ramenre  o  efpaço  náo  cita  iodo  cheio? 

Silv,  Pois  direi  que  cada  particula ,  ainda  das 
que  fe  confideráo  minimas,  sáo  flcxiveis,  c 
podem  mudar  de  figura. 

Thcod.  Eu  quero  agora  disfarçar  cÇfe  ponto  , 
e  náo  quero  averiguar  fe  ilTo  pode  ler  ou 
náo.  Supponhamos  que  pôde  fer  ;  náo  po- 
deis negar  que  quanto  mais  pequeno  he 
hum  corpo  ,  mais  duro  he  á  proporção  ,  c 
menos  flexivel  :  elTa  bengala  que  trazeis, 
fe  a  quizerdes  quebrar  aqui  no  joelho  ,  po- 
dereis j  fe  depois  cada  huma  das  metades  a 
quizerdes  quebrar  do  mefmo  modo  ,  muito 
mais  vos  na  de  cuftar  •  e  ultimamente  fen- 
do do  tamanho  de  hum  palmo  ,  certamen- 
te náo  podereis  quebrar  no  joelho  elTa  parte 
que  reftar. 

Silv.     Tudo  aílim  he. 

Thcod.  Logo  fe  para  o  corpo  paffar  por  eíTc 
fluido  neceíliia  de  fazer  mudar  de  figura  as 
particulas  minimas  ,  para  que  náo  fique  va- 
íio  algum  ainda  minimo  ,  forçofamente  , 
fendo  innum.eraveis  as  particulas  que  fe  mo- 
vem ,  e  que  fe  háo  de  amaffar  humas  com 
as  outras  ;  c  por  outra  parte  fendo  a  rijc- 
za  e  inflexibilidade  de  cada  huma  delias  á 

pro- 


Tarde  vige/ima  nona,  53 

proporção  da  fua  pequenhez ,  fegue-fe  que 
para  o  corpo  movei  dar  qualquer  paíTo 
havia  de  padecer  innumeraveis  ,  e  grandif- 
íimas  refiítencias  ,  pois  que  obrigava  a  que 
mudaíTem  de  figura  as  innumeraveis  parei- 
cuias  mínimas  do  efpaço  por  onde  paf- 
fava.  E  como  pôde  ifto  fer  verdade  ,  fe- 
náo  concorda  com  a  experiência  ,  tanco  na 
Terra  ,  como  nos  Ceos  ?  Nós  vem.os  que 
hum  pêndulo  continua  o  íeu  movimento 
por  temipo  mui  longo  ,  e  que  os  Aítros 
perfeveráo  defde  o  principio  do  mundo 
com  o  feu  movimento  ,  ícm  que  fe  extin- 
gua  ,  nem  Icnfivelmente  íe  retarde  ;  e  ifto 
ainda  atravelTando  huns  o  caminho  dos  ou- 
tros 5  como  fazem  os  Cometas.  He  logo 
ablolutamente  impoííivel  efte  cheio  de  Dcs- 
Cartes'i  e  deve-fe  perder  o  horror  ao  vá- 
cuo 5  ou  vafio  de  Newton.  Deixai-me  ufar 
para  Eugénio  de  huma  comparação  ienfivel, 
que  eftes  sáo  os  meliiorcs  cálculos  para 
quem  não  tem  a  inftrucçáo  mathematica , 
que  fe  requer  para  eftudos  fundâmentaes  fo- 
bre  eíla  matéria. 

Silv,  Até  para  efTes  fervem  as  compara- 
ções, que  dão  admirável  luz  a  qualquer  ma- 
téria. 

Theod.  Bem  fácil  de  dividir  he  a  arèa  fina , 
que  nos  ferve  para  feccar  a  efcrita :  ora  en- 
chei huma  caixa  defia  arêa  ,  ecalcai-a  bem, 
de  forte  que  ,  fe  puder  fer  ,  náo  fique  vão 
nenhum,  nem  ainda  minimo:  tapai  a  caixa 
por  fima  ,  e  mui  bem  pregada  ,  para  náo 
Tom»  VI.  C  po- 


34  Recreação  Filofofica 

poder  a  arèa  ficar  fofa.  Dizei-me  :  Poderá 
lá  por  dentro  da  caixa  movcr-fe  com  li- 
berdade algum  corpo  íenfivel  como  v.  g. 
huma  nóz? 

Silv.     Julgo  que  não:  fe  ella  eftá  entalada! 

Theod.  Pois  elTe  o  caio  em  que  eftamos.  Se 
todo  efte  Univerío  eftá  abfolutamente  cheio 
de  matéria  ,  he  como  huma  grande  caixa 
cheia  de  arêa  liniííima  ,  e  táo  calcada,  que 
abfolutamenre  nenhum  minimo  vão  admit- 
tem  as  partículas  da  matéria  entre  fí. 

Silv.     Mas  eíTa  matéria  he  fluida. 

Theod.  Ser  fluida  prova  que  fe  pode  dividir 
mais  facilmente  do  que  a  arèa  ;  alíim  co- 
mo a  arêa  por  fer  fluida  a  refpeito  de  ou- 
tros corpos  groíTos  ,  fe  pôde  leparar  mais 
facilmente  que  fe  foíTe  hum  monte  de  íei- 
xos  ;  mas  fendo  todo  o  efpaço  cheio  ,  he 
impofíivel  que  náohouvelTe  huma  diíHculda- 
de  fumma.  A  razáo  he  j  porque  quando  hum 
corpo  íólido  fe  move  dentro  de  algum  flui- 
do ,  tem  refiftencia  por  vários  princípios  :  o 
primeiro  he  por  haver  de  feparar  partes  de  par- 
tes ,  quebrando  o  tal  ou  qual  vinculo  ,  que 
tem  todas  as  partes  do  fluido  entre  fi  j  mas 
eu  fupponho  que  no  cafo  ,  cm  que  falíamos  , 
as  partes  defTe  fluido  náo  tinháo  uniáo  al- 
guma :  fe  bem  que  ,  ou  figamos  a  Newton  , 
ou  a  De3-Cartes  ,  as  partículas  defta  maté- 
ria neceíTariamente  haviáo  de  ter  mui  forte 
uniáo  entre  fi ;  porque  Newcon  põe ,  e  pro- 
va attracçáo  entre  todas  as  partes  de  maté- 
ria ,  c  maior  quando  fe   tocáo  ,  e  muito 

ma- 


Tarde  vigejíma  nona,         3J 

maior  ,  quando  tem  entre  íi  menos  váos , 
que  as  feparem ;  e  aflim  cfta  matéria ,  que 
náo  adãjirtia  vácuo  nenhum ,  íeria  lumira- 
menre  difRcultola  de  diviíiir  :  e  Des^^Cartes 
aítirma  que  os  corpos  nâo  fc  unem  entre 
11  fenáo  por  fc  tocarem  mutuamente  j  e 
como  as  partes  mínimas  da  matéria  náo 
tem  algum  vácuo  que  medee  ,  havíáo  de 
tocar-fe  mutua,  e  perfeitiiíimamente ,  e  fe 
Dniriáo  com  uniáo  fortilíima  :  mas  deixe- 
mos eftc  principio  de  reílftencia  para  di- 
vidir o  fluido  de  que  falíamos.  O  outro 
principio  de  rcfiftencia  indirpcnfavel  he  o 
de  mover  as  partes  que  o  movd  lança  fora 
do  fcu  lugar ,  e  as  outras  que  eílas  háo  de 
defaccommodar  ,  e  as  terceiras  que  háo  de 
fer  lançadas  fora  pelas  fegundas ,  &c.  A  ul- 
tima raiz  de  refiftencia  ,  também  indifpen- 
favel  5  he  o  roçado  de  humas  partículas  pelas 
outras  5  quando  fe  movem  ;  porque  como 
tem  fua  tal ,  ou  qual  figura ,  forçofamente 
movendo-fe  huma  partícula  por  junto  de 
outra  5  ha  de  a  efquina  de  huma  ora  en- 
trar na  concavidade  que  fórmáo  duas  en- 
tre fi  5  ora  paíTar  pelo  bojo  de  huma  ,  ora 
roçar  pela  efquina  da  outra  :  quanto  maio- 
res sáo  as  partículas  ,  maiores  efquinas  tem 
ou  bojos  ,  e  por  confeguinte  maiores  emba- 
raços ofFerecem  humas  ás  outras ,  quando 
pafsáo  por  junto  delias  ,  efpecialmente  fe 
vem  tão  apertadas  ,  que  náo  podem  deixar 
vão  entre  íi  por  pequeno  que  feja.  Por  ef- 
te  principio  quanto  m.ais  fina  for  a  arèa  , 
C  ii  mais 


36  Recreação  Filofofica 

mais  facilmente  fe  divide  ^  porque  âs  par- 
tículas de  menor  tamanho  tem  menores 
elquinas :  e  também  quanto  mais  fofa  eftá  , 
mais  taciimente  a  cortamos  i  porque  po- 
dendo as  parriculas  ,  ou  gráos  deixar  al- 
guns váos  entre  íi  ,  podem  defembarjçar-le 
hiimas  das  outras :  c  eis-aqui  porque  os  flui- 
dos fe  dividem  táo  facilmente  ,  ainda  a  ref- 
peito  da  arèa  •■,  porque  as  fuás  partículas 
sáo  incomparavelmente  menores  que  os 
gráos  de  arèa  ,  e  também  tem  innumiera- 
veis  poros  entre  íi.  Ora  íupponhamos  hum 
fluido  ,  cujas  partículas  lejáo  incompara- 
velmente pequenas  a  rcfpeito  das  da  agua; 
mas  confideremos  que  cifáo  táo  entaladas 
humas  com  outras  ,  que  he  náo  íó  difficul- 
tofiHimo  ,  nias  abfolutamente  impolíivcl  ha- 
ver o  minimo  vafio  entre  eilas  :  para  hum 
corpo  fe  mover  por  eíTc  fluido  .  forçofamen- 
te  havia  de  confumir  alo;uma  força  em  mo- 
ver as  partes  do  fluido  que  bota  tora  do  feu 
lugar  ,  e  em  obrigar  as  outras  a  que  lhe 
cedellcm  o  feu^  e  ainda  que  da  parte  poífe- 
lior  deixava  o  movei  campo  livre  ,  com 
tudo  para  efte  fluido  próximo  ao  movei 
o  rodear  ,  era  precifo  roçar  por  todas  as 
partículas  òà  fuperficíe  do  corpo  ,  e  por 
todas  as  demais  panes  do  fluido  mais  dif- 
tante  ;  mas  roçando  por  ellas  ,  ou  as  ha- 
via de  mover  ,  e  elTas  ás  outras,  &:c.  ou 
as  havia  de  deixar  quietas  ;  ora  como  era 
impoíiivel  haver  váo  entre  pjirticula  e  par- 
tícula,  aopaOar  humas  ^  e  ficarem  quietas  as 

ou- 


Tarde  vigeftma  nona.         37 

outras  ,  neceíTariamenre  as  erquinas  pegan- 
do humas  nas  outras,  Te  haviáo  de  quebrar, 
e  nifto  fe  confomia  força  j  ou  amaçar  para 
dentro  ,  e  também  nifto  fc  devia  coniumir. 
He  logo  impofíivel  que  ncfte  cheio  corpo 
algum  fe  mova  ícm  incrível  dilpendio  de 
forças. 

Silv.     Não  terão  as  partículas  efquinas. 

The^d.  lílb  íó  pôde  íer  fendo  globofas  ;  c 
então  por  mais  que  fe  apertem ,  femprc  hão 
de  deixar  váos  entre  fi  ;  e  fcmpre  entalan- 
do-fe  hum  globo  entre  dous ,  teria  omefmo 
embaraço  roçando  poreiies,  como  íetíveíle 
efquinas. 

Biig.  Se  apertarmos  muitos  rofarios  de  con- 
tas n"uma  mr.o,  equizermos  por  huma  pon- 
ta tirar  hum  ,  não  poderemos  fem  affroxar 
a  máo  5  porque  pegaráó  contas  em  con- 
tas ,  como  vós  dizeis  deffes  pequenos  glo- 
bos. 

Tkcod.  Dizeis  bem  :  e  quando  as  partículas 
pudefTem  efcorregar  para  huma  parte ,  em  o 
corpo  voltando  para  o  lado  ,  já  lhe  íicava 
a  direcção  contra  a  figura  ,  c  tínhamos  tu- 
do perdido  j  ou  as  partículas  para  volta» 
rem  haviáo  de  virar  a  elquina  para  a  face  , 
e  tínhamos  vão  ou  vácuo ,  poílo  que  peque- 
no,  o  que  íe  diz  que  he  ímpoílivel. 

Silv.  ]á  vejo  que  tendes  razão  ;  porém  feráo 
vácuos  mui  pequenos. 

Theod.  Huma  vez  que  tocamos  nefte  ponto , 
fendo  elle  fubírancíal  do  fyftema  de  Des- 
Cartcs ,  quero  moílrar-vos  como  he  ncccíTa- 

rio , 


38  Recreação  Ftlofofíca 

rio ,  não  qualquer  vaíio  pequeno  ,  mas  co- 
rno eu  diiíe  hum  meio  quafi  de  todo  va- 
íio  ,  para  dar  palLgem  íranca  aos  Plane- 
tas:  digo  que  he  neccíTario,  a  náo  admittir 
que  os  Planetas  fe  movem  arrebatados  pe- 
las torrentes  de  fíuijos  em  que  nadáo  ,  ou 
pelos  turbiihóes  de  Cartefio  ;  o  que  já  mof- 
trci  que  era  impoflivel.  Mas  alTentando , 
como  Te  deve  aíTentar  ,  que  os  Aliros  íe 
movem  fem  lerem  arrebatados  por  fluido 
que  os  leve  ,  deve  eftabelecer-fe  ,  que  o 
meio  por  onde  fe  movem  hc  quafi  vafio , 
para  náo  retardar  os  Planetas  nos  feus  mo- 
vimentos. Eu  vou  a  formar  o  argumento. 

íSV/v.  Mui  difficultofo  fois  de  contentar  ;  va- 
mos a  eíTe  argumenco. 

Theoá.  Sendo  o  meio  por  onde  fe  movem 
os  Planetas  totalmente  cheio  ,  e  o  Planeta 
hum.a  bola  tamibcm  totalmente  cheia  ,  lem 
poros  alguns  por  onde  pudelle  paliar  eíTe 
fluido  ( fupponhamos  ifto)  náo  poderia  o 
Planeta  mover-Jc  ,  fem  que  quando  tiveíTe 
andado  hum  diâmetro  ,  livelTe  já  perdi- 
da metade  da  fua  velocidade.  líto  ie  de- 
monftra  por  calculo  infallivel  (i  )  que  vós 
náo  haveis  de  entender  por  talta  de  princí- 
pios; mas  creio  que  náo  duvidais. 

^ug.  E  como  podemos  duvidar  ,  dizendo 
vós  que  fe  demonílra  mathemaiicamentc  ? 

Hncà.  Coníideremcs  agora  que  ,  fem  fazer 
mudança   cliíuma    no   fluido  .   formávamos 

do 

(  1  )     Gravefand.    Phy.    Elem.    Wat.    num. 
1^74.  «  4126, 


Tarde  zigefnna  nona.         59 

do  Planeta  outra  bóia  muito  maior  ,  po- 
rém cheia  de  grandes  buracos  ,  para  poder 
paííar  o  fluido  francamente :  ncfte  caio ,  íó 
aqueilas  partes  folidas  dos  Planetas ,  ique  in- 
corriáo  no  fluido  ,  Ke  que  podiào  encon- 
trar refíftencia  ,  por  quanto  pelos  váos  paf- 
fava  elle  com  liberdade  ;  porém  como  as 
partes  folidas  ,  computando-as  juntamente, 
valem  tanto  como  o  mefmo  Planeta  na 
fua  antiga  figura  ,  fegue-íe  que  quanto  he 
pela  quantidade  de  matéria  que  ieha  dedel- 
accommodar  para  dar  lugar  ao  Planeta ,  vem 
a  fer  a  mefma  refiílcncia  ,  do  que  no  prii 
meiro  caio  ;  e  aflim  ,  tanto  que  tiver  an- 
dado hum  fó  diâmetro  ,  terá  perdido  meta- 
de da  fua  velocidade.  Ora  accreícentai ,  que 
neíle  fegundo  cafo  o  fluido  que  entrava  pe- 
los buracos ,  ou  poros  do  Planeta  ,  havia  de 
fazer  fua  imprefsáo  nas  partes  folidas  la- 
teraes  ,  e  com  o  roçado  fempre  havia  de  re- 
lardallo  ^  e  por  conícguintc  terá  agora  mui- 
to maior  refiflencia  do  que  no  primeiro 
cafo.  Suppoi^o  ifto  ,  vamos  ao  que  iucce- 
de  na  realidade.  Efte  fluido  ,  de  que  que- 
rem fuppôr  cheio  o  cfpaço  dos  Ceos  ,  ou 
ÇaíTa  pelos  poros  do  Planeta  ,  ou  não  paf- 
ia  ?  fe  náo  paíTa  ,  temos  pelo  calculo  que 
diíTe  5  que  antes  do  Planeta  correr  eípaço 
igual  a  hum  diâmetro  do  feu  volume,  per- 
de  metade  da  velocidade  :  fe  o  fluido  o 
trafpafTa  ,  com  mais  razão  fe  ha  de  retar- 
dar o  movimento  ,  do  que  fe  clTa  matéria 
toda  fe  ajuntaífe  em  volume  foiido  ,  e  por 

if- 


40  Recreação  Filofofica 

iíTo  menor-  c  de  qualqrer  modo,   aos  dous 
paíTos  tínhamos  o  Planeta  quafi  parado. 

Bug.     EíTe  argumcnro  convence  fortemente. 

Theod.  Logo  fe  nós  vemos  que  os  Planetas 
fazendo  os  feus  giros  ha  féis  para  fete  mil 
annos ,  não  fe  rern  fcnfivcimcnte  retardado, 
he  certo  que  o  fluido  que  ha  neíTes  elpaços 
immenfos  por  onde  fe  movem  he  táo  raro , 
que  quafi  fe  podem  reputar  vafios.  O  calcu- 
lo forma-fe  deite  modo.  A  reíiílencia  que 
cxperimeniáo  os  Planetas  he  conforme  a 
dcnfidade  do  meio  ;  a  refiítcncia  he  nenhu- 
ma ou  quafi  nenhuma  ,  porque  nenhum 
Aftronomo  a  percebco  até  aqui  ,  conferin- 
do as  obfervações  anriquiífimas  com  as  mo- 
dernas :  logo  a  denfidade  do  meio  ou  hc 
nenhuma  ,  ou  quafi  nenhuma  ,  e  por  ou- 
tros termos  5  eíTes  cfpaços  eifáo  ou  total- 
mente vafios ,  ou  quafi  vafios.  E  lá  vai  to- 
do o  horror  do  vácuo  com  que  os  Filofo- 
fos  antigos  nos  crcáráo.  A  mim  o  que  m.c 
embaraça  a  pcrfuadir-me  que  os  Ceos  eftáo 
totalmente  vafios  ,  he  o  que  já  vos  dilíe. 
Vemos  todo  o  efpaço  dos  Ceos  cheio  de 
luz  5  e  efta  he  fubíbncia  ,  ainda  na  opinião 
de  Newton  ,  o  qual  d.z  que  he  huma  cham- 
ma  lenuiffima  :  logo  nfo  eftáo  lotalm.ente 
vafios.  Mas  para  conhecerdes  a  incompa- 
rável raridade  defte  fluido  ,  fazei  efte  cal- 
culo. O  ar  ,  conforme  o  que  eu  noutro 
tcrrpo  vos  m.cftrei  (  i  )  he  táo  raro  ,  que, 
fe    Deos   ajuntafi^e  todas    as   paniculas    que 

tio 
(  I  )     Tom.  IIÍ.  png.  232. 


Tarde  vigefima  nona.         41 

no  eftado  natural  occupão  dezoito  mil  pal- 
mes 5  todas  caberiáo  n'um  palmo  de  ef- 
paço  j  e  não  obftante  cíTa  raridade  ,  lar- 
gando hum  pêndulo  a  fazer  as  fuás  ofcila- 
Coes  ou  movimentos  no  ar  livre  ,  dentro 
de  poucas  horas  fc  vê  táo  embaraçado  e  di- 
minuído o  feu  movimento ,  que  pára  de  to- 
do. Pelo  contrario  o  movimento  dos  Pla- 
netas ha  fcis  m.il  annos  que  dura  ,  e  não 
tem  a  minima  dinerença  feníivel:  qual  íerá 
logo  a  raridade  delTe  fluido  ^  que  occupa  os 
eipaços  do  Ceo? 

Eug.  Dizeis  bem ,  que  fe  não  he  nada  ,  he 
quafi  nada. 

Theod.  Examinado  o  im.menfo  cfpaço  dos 
Ccos  ,  vamos  agora  a  cor.fiderar  os  corpos 
Celeftes  que  por  elle  fe  movem  ,  para  for- 
mardes huma  idéa  defta  porteniofa  Máquina. 

§.  V. 

Da  Opacidade  dos  Planetas  e  fuás  Pkâfes , 
particularmente  das  da  Lua. 

'^i^V'  T7  U  admiro  a  bella  docilidade  de 
SUj  Eugénio  ,  e  invcjo-a  ,  porque  lo- 
go fe  accommoda :  tudo  crê ,  tudo  he  claro  , 
nenhuma  fadiga  ,  nem  trabalho  tem  o  feu 
entendimento.  Ora  vamos  a  navegar  por  ef- 
fe  vácuo  imm.enfo ,  Theodofio ,  e  viíitemos 
os  PJanetas. 
Jbeod,     Vós  ,  como  tendes  que  romper  hum 

flui- 


4^         Recreação  FiJofofica 

fluido  denílílimo,  por  não  ter  poros  alguns, 
(náo  me  íbube  explicar)  como  tendes  que 
paíTar  humas  maííaslolidas  ,  como  de  bronze 
fundido  ,  muito  tarde  chegareis  aos  Plane- 
tas :  nós  porém  iremos  mais  depreíTa  ,  tendo 
o  caminho  dcfpejado.  Mas  náo  percamos 
tempo  com  \{\q.  Os  Planetas  ,  Eugénio  ,  sáo 
huns  corpos  folidos  ,  de  figura  íenfivelmen- 
te  globoía  ,  porém  todos  de  fi  sáo  efcu- 
ros ;  mas  como  também  sáo  opacos  ,  refle- 
6lem  a  luz  do  Sol  que  os  alum.eia  :  e  def- 
te  modo  he  que  brilháo  e  refplandccem , 
porque  de  fi  náo  tem  mais  luz  que  huma 
pedra,  ou  parede,  a  qual  dando-lhe  o  Sol, 
reflecle  luz ,  e  tanta ,  que  as  vezes  molefta 
os  olhos. 

Bug,  Se  náo  eftivelTe  coftumado  já  a  conhe- 
cer os  erros  ,  que  deíde  a  infância  tenho 
adorado  ,  crendo  com  firmeza  total  o  que 
depois  vi  que  era  erro  craiTo  ,  muito  me 
havia  de  cuitar  a  crer  que  a  Lua,  e\''"enus, 
e  outros  Planetas  náo  tinháo  luz  própria 
íua. 

Theod.  A  Lua  ,  que  mais  vos  fazia  crer  fe- 
rem os  Planetas  luminofos  de  fi ,  he  a  que 
vos  ha  de  defenganar  para  os  mais.  Nós 
vemos  a  Lua  parte  efcura  e  parte  alumiada , 
que  a  ifto  he  que  chamâo  os  Filoíofos 
Phafes  da  Lua  :  humas  vezes  eftá  cheia, 
outras  desfalcada  ,  outras  quafi  fe  náo  vê. 
Eu  vos  explico  como  ilío  he.  Como  a  Lua 
de  fi  hc  hum  corpo  cfcuro  e  opaco,  fó  po- 
de eftar  clara  onde  lhe  der  o  Sol  j  ora  vós 

bem 


Tarde  vigejíma  nona.         43 

bem  vedes  ,  que  o  Sol  quando  dá  n'uma 
bola  opaca  ,  náo  pôde  alumiar  lenáo  ame- 
tade  5  a  outra  iica  as  elcuras  ^  e  a  diífcren- 
ça  que  nós  conhecemos  na  Lua  fó  proce- 
de do  diverío  modo  com  que  a  olhamos. 
Aqui  vos  polTo  fazer  numa  experiência  cla- 
ra. Supponde  que  aquella  veia  acceza  A 
(^IJiamp.  i*  Jig»  2.^)  he  o  Sol  ,  e  cfta  bo-  Eft.  i. 
la  L  feja  a  Lua  ;  eu  a  fuípendo  defronte  da  fig.  2, 
chamma :  dizei-me ,  efta  bola  náo  tem  fem- 
pre  ameradc  alumiada  ,  c  ametade  efcura , 
por  mais  que  eu  ande  com  ella  á  roda  da 
voíía  cabeça? 

£ug.     Quem  o  duvida  ! 

Theod,  Porém  vós  nunca  podeis  ver  fenío  fó 
ametade  da  bola;  nefta  poRura  em  que  ella 
eílá  ;  L),  fica  a  face  alumiada  voltada  para 
a  vela  •  e  como  vós  eftais  da  parte  oppoíta , 
fó  podeis  ver  a  face  efcura  :  eu  vou  ago- 
ra dando  com  a  bola  hum  giro  a  roda 
de  vós  :  já  ireis  vendo  parte  da  face  alu- 
miada. 

Eug.  Affim  he ;  e  cada  vez  vou  vendo  maior 
porção  delia.  Parai  ahi :  agora  vejo  eu  ame- 
tade Ja  face  efcura  ^  e  ametade  da  face  alu- 
miada. 

Thscd.  Pois  affim  fuccede  na  Lua  quando  he 
quarto  crefcente  :  quando  cftava  entre  nós 
e  o  Sol  ,  voltava  a  face  efcura  para  nósj 
pois  a  que  olha  para  o  Sol  fempre  ha  de 
eílar  alumiada  ,  depois  como  vai  voltando 
á  roda  da  terra  ,  já  vai  dando  lugar  a  que 
fe  veja  parte  da  face  alumiada  3  e  quando 

fe 


44  Recreação  Filofqfica 

fe  vê  amerade  de  huma  ,  c  ametade  de  ou- 
rra  ,  então  dizemos  que  hc  quarto  crcícen- 
te  :  reparai  agora  ,  que  eu  vou  continuando 
o  giro  a  roda  da  voíTa  cabeça. 

£ug.  ja  agora  muito  maior  porção  fc  vê  da 
face  clara ,  que  da  efcura. 

Thecd.  Qu?.ndo  eu  chegar  a  tal  íitio  ,  que  a 
volfa  cabeça  fique  em  d  reitiira  entre  a  bo- 
la,  e  a  veia ,  então  aflim  como  a  face  clara 
fica  voltada  inteiramente  para  a  véla  ,  aflitn 
fica  voltada  inteiramente  para  vós  ;  vede  fe 
he  aflim. 

£ug.  Impoííivel  he  que  não  ícja.  IfTo  agora 
lupponho  que  he  a  Lua  cheia. 

Theod,  Não  vos  enganais.  Na  Lua  cheia  fi- 
camos nós  entre  o  Sol  e  a  Lua  ;  por  iíTo 
quando  he  dia  de  Lua  cheia  ,  fem;pre  nafcc 
ás  Ave  Marias ,  porque  a  cilas  horâs  fe  pez 
o  Sol  5  e  devem  ficar  encontrados  ,  para 
que  a  meima  face  refplandecente  ,  que  a 
Lua  volta  para  o  Sol  ,  fe  nos  dè  a  ver  in- 
teiramente. Eu  vou  agora  continuando  o 
giro.  ]á  agora  harcis  de  ver  parte  da  face 
efcura. 

Eug.  Aflim  he  ....  Já  neíTe  fitio  vejo  outra 
vez  ametade  de  huma  face  efcura  ,  c  ame- 
tade de  outra  alumiada. 

Theod.  Ahi  tendes  o  que  chamão  na  Lua  cjuar- 
to  minguante.  Ultimamente  ha  de  ir  fendo 
cada  vez  menor  a  parte  alumiada  ,  e  maior 
a  efcura  até  haver  Lua  nova  :  aqui  tendes 
o  que  chamáo  Lua  nova  imitada  neíra  bo- 
la j  e  fuccede  quando  fica  a  bola  entre  vós 

e 


Tarde  ingefima  nona.         45' 

e  a  veia  ;  aílim  como  a  Lua  fe  chama  no- 
va ,  quando  fica  entre  nós  e  o  Sol  ,  que 
vOiCanjo  para  ellc  toda  a  face  allumiada , 
volta  para  nós  toda  a  efcura.  Ifío  fó  fuc- 
ctàQ  cm  todo  o  rigor  ,  quando  a  Lua  paf- 
fa  pela  mefma  linha  que  vai  dos  nolTos 
olhos  ao  Sol  j  "o  que  acontece  nos  eclipfes 
do  Sol  :  mas  nem  todas  as  Luas  novas  te- 
mos ecJipks  ,  porque  a  Lua  paíTa  ou  mais 
por  fima  ,  ou  mais  por  baixo  delTa  linha , 
c  aílim  fcmpre  deixa  ver  alguma  oreia  da 
face  allumiada ,  a  qual  vai  crefcendo  á  pro- 
porção que  a  Lua  íe  vai  aíFaftando  do  Sol. 
Eis-aqui  tendes  o  que  são  Phales  da  Lua. 
Creio  que  me  tendes  percebido. 

"Eug.  Nenhuma  coufa  tenho  entendido  mais 
cabalmente.  Que  me  dizeis  ,  Silvio  ? 

Súv.  Que  hei  de  dizer  !  IlTo  he  huma  coufa 
evidente  ,  nem  cá  a  minha  efcola  duvidou 
nunca  dilío.  Mas  agora  ,  Thcodofio  ,  o 
que  eu  náo  fei  conhecer  no  Ceo  he  quan- 
do he  quarto  Oe/re«?e ,  ou  quando  he  Min- 
guante y  ícm  fer  precifo  lembr^r-me  fe 
nos  dias  precedentes  a  Lua  foi  Cheia  ,  ou 
Nova. 

Tkcoà.  Facilmente  o  conhecereis  fe  obfervar- 
des  para  que  parte  volta  a  Lua  o  lombo, 
ou  parte  convexa  j  porque  delTa  parte  he 
que  lhe  fica  o  Sol ,  e  por  ahi  fe  conhece  fe 
nos  dias  antecedentes  íoi  Nova  ,  ou  Cheia: 
fe  volta  o  lombo  para  o  Nafcente ,  he  quar- 
to Minguante  ,  porque  vai  para  Lua  Nova  ; 
fe  o  igmbo  ailumiado  fe  volu  para  o  Poen- 
te, 


46  Recreação  Filofofica 

te  ,  he  quarco  Crefcente  ,  porque  vai  para 
Lua  Cheia. 

Bug.  Também  eftimo  faber  iíTo  para  as  mi- 
nhas fementeiras  ,  fem  me  fer  prccifo  con- 
fulrar  a  folhinha. 

Tbeod.  Nem  para  ilTo  era  prccifo  faber  os 
quartos  da  Lua  ;  a  feu  tempo  tocaremos 
niffo  de  palTagem  ;  deixai-me  concluir  o  que 
hia  dizendo  dos  Planetas.  Todos  eiles  sáo 
como  a  Lua  ,  efcuros  de  fi  totalmente  ,  e 
fó  claros  e  refplandecentes  naquella  face 
onde  dá  o  Sol  :  e  por  ilTo  nenhum  Planeta 
ha,  que  náo  tenha  ametade  ás  efcuras,  por- 
que sáo  opacos  ,  e  náo  os  pôde  a  luz  traf- 
pallar.  A  diíFerença  que  ha  entre  elles  he  , 
qu^  pelas  diverfas  alturas  efituaçó-^s  em  que 
eftáo  ,  huns  deixáo  ver  mais  do  que  outros 
eíTa  face.  Vénus  a  deixa  ver  muiro  clara- 
mente ;  porém  he  precifo  que  a  olhemos 
com  Telefcopio  ;  alias  o  reíplandor  da  par- 
te alumiada  com  os  raios  ,  que  defpedc, 
perturba  a  figura  ;  e  numa  diílancia  gran- 
diílima  náo  lhe  conhecem  os  nolTos  olhos 
differença ,  como  fe  conhece  na  Lua  ,  por- 
que nos  fica  muito  mais  vizinha  incompara- 
velmente. A'  manha  vo-la  moftrarei  pelo 
Telefcopio ,  e  pafmareis  de  ver  a  fua  figura. 

r^ug.  E  os  demais  Planetas  também  tem  en- 
chentes e  minguantes ,  como  a  Lua ,  e  Vé- 
nus ,  fecundo  o  que  dizeis  ? 

''^heod.  Como  todos  sáo  opacos  ,  e  fó  tem  hu- 
ma  face  allumiada  pelo  Sol  ,  também  todos 
tem  fua  tal  ou  qual  mudança  na  figura  ap- 

pa- 


Tarde  vigejima  nona*         47 

parente  ;  porém  fó  he  feníivei  cm  Mercú- 
rio ,  Vénus  e  na  Lua.  Os  dous  Planetas  m- 
feriores  ,  que  sáo  Vénus  e  Mercúrio  (  cha- 
máo-ihes  inferiores,  porque  ás  vezes  paísáo 
por  debaixo  do  Sol  ^  Marte,  Júpiter,  e  Sa- 
turno chamáo-ihes  íuperiores  ,  porque  nunca 
pafsáo  por  entre  nós  e  o  Sol).  Digo  pois, 
que  03  dous  Planetas  inferiores  ,  que  sâo 
Vénus  ,  c  Mercúrio  ,  como  nos  Teus  giros 
podem  paliar  por  entre  nós  e  o  Sol  ,  aííim 
como  a  Lua ,  também  aíIim  como  ella  po- 
dem voltar  para  nós  a  face  efcurecida , 
pois  a  alumiada  fempre  fica  para  o  Sol  ;  e 
já  d'aqui  vedes  que  podem  ter  minguan- 
tes e  enchentes  ,  como  a  Lua  ;  porém  os 
Planetas  fuperiores  ,  Marte  ,  Júpiter ,  e  Sa- 
turno ,  como  pelo  lugar  em  que  andão,  e 
movimento  que  tem ,  nunca  pafsáo  por  en- 
tre nós  e  o  Sol  ,  nunca  podem  voltar  de 
todo  para  nós  a  fua  face  cícurecida.  Fazei 
reflexão  no  que  digo  :  Te  puzermos  aqui 
huma  vela  acceza  ,  c  andar  hum  criado  com 
huma  bola  á  roda  da  vela  em  diftancia  de 
dez  palmos  v.  g. ,  fempre  a  face  alumiada 
da  bola  ha  de  ficar  voltada  para  a  véla , 
pois  a  véla  he  quem  a  alumeia:  até  aqui  he 
bem  manifefto;  paíTemos  adiante.  Nós  ou 
havemos  de  eftar  dentro  defte  circulo  ,  que 
faz  a  bola  á  roda  da  véla  ,  ou  havemos  de 
ficar  de  fora ;  fe  eftivermos  de  fora  do  cir- 
culo ,  humas  vezes  havemos  de  ver  a  face 
efcura  da  bola  ,  outras  a  face  alumiada. 
£ug,     Ug  bem  evidente ,  que  aíIim  deve  fcr, 

Jbsod. 


4S  Recreação  Filofofica 

Theod.  Mas  fe  nos  mettermos  dentro  do  cir« 
culo  j  fempre  havemos  de  ver  a  face  alu- 
miada -  porque  efta  como  Ic  volta  ícmprc 
para  o  centro  do  tal  giro  ,  que  he  a  veia  , 
também  fe  volta  fempre  para  nós  ,  que  ef- 
tamos  centro  do  giro.  Só  haverá  alguma 
diíFerença  em  ver  em  cheio  toda  a  face  alu- 
miada ,  quando  a  véla  ,  nós  ,  c  a  bola  fi- 
carem em  linha  refla  ,  ou  ver  também  al- 
guma borda  da  parte  cfcura  ;  como  quan- 
do nós  5  a  véla  ,63  bola  náo  efti vermos 
em  linha  reòta  ;  porque  emáo  voltando  a 
bola  ou  Planeta  a  tace  alumiada  direita- 
mente para  a  véla,  nós  cá  da  outra  banda, 
alguma  parte  da  face  cfcura  lhe  havemos 
de  defcubrir  ;  mas  ilTo  pouco  fenfivcl  he. 
Ora  o  que  diííe  da  bola  andando  á  roJa  da 
véla  5  digo  dos  Planetas  á  roda  do  Sol.  Se 
falíamos  de  Mercúrio  e  Vénus  ,  tica  a  Ter- 
ra fora  do  giro  que  elles  fórmáo  á  roda 
do  Sol  3  e  vereriios  ás  vezes  a  fua  face 
cfcura-  fe  falíamos  de  Marre,  ]upitcr,  &c. 
ficamos  fempre  dentro  do  giro  que  fazem 
á  roda  òo  Sol  ,  e  fempre  veremos  a  fua 
face  alumiada.  Mas  tempo  he  já  de  vos 
dar  a  conhecer  o  número  dos  Planetas,  e  a 
dilíerença  que  ha  entre  elles.  Perdoai,  Sil- 
vio ,  fe  vos  dcfagrada  náo  guardar  neíla 
inftrucçáo  a  ordem  com  que  fe  tratáo  cf- 
tas  matérias  nos  livros  ;  porque  eu  falío 
com  quem  náo  tem  mais  comprincipios  pa- 
ra a  intelligencia  deitas  matérias  ,  que  os 
que  agora  vou  dando ,  e  he-me  precifo  buf- 

car 


Taf-de  vJgefíma  nona,         49 
car  a  ordem  accommodada  á  mais  fácil  intel- 


ligencia. 


SIW.     o  methodo   que  mais   facilita   a  perce- 
pção das  matérias,  he  o  melhor  methodo. 


§.  VI. 


Í>o%  Planeus  Primários  e  Secundários ,  e  dos 
Cometas  e  EJtrelUs  ati  commum, 

Theod,  /^S  Planetas  ccnRanremente  vifí- 
Viveis,  que  remos  nos  Ceos,  por 
lodos  sáo  dczeíeis  :  alem  deiles  ha  outros, 
que  sáo  vifiveis  n'um  tempo  ,  e  invifiveis 
n  outro  5  a  que  chamáo  Ccmetas  3  e  dcf- 
fes  trataremos  á  parte.  Mas  dos  dezcfeis 
Planetas  huns  fc  ch^mio  primários ,  curros 
Jecutidarios  ,  como  quem  diz  da  primeira 
claíTe  j  ou  da  fegunda.  Os  Planetas  da  pri- 
meira claíTe  sáo  6,  cujos  nomes  sáo:  A/er- 
cuiío  ,  Fenus ,  Terra  ,  Marte  ,  'Júpiter ,  Sd- 
turno  :  alguns  contâo  o  Sol  no  lugar  da 
Terra  i  porém  ,  náo  fazendo  bulha  por  no- 
mes 5  efte  modo  de  contar  ,  de  que  ufo, 
he  mais  cohcrente  á  noçáo,  ou  idéa  que  da- 
mos de  Planeta  ,  fendo  a  de  hum  corpo  cpa- 
CO  ,  que  recebe  luz  de  outro  ,  e  faz  huma  pe» 
Ça  principal  nefte  fyftema  ,  ou  fabrica  do  Uni" 
verfo.  O  Sol  fendo  corpo  luminoío  de  fi , 
mais  deve  pertencer  á  claíTe  das  Eftrellas 
fixas;  mas  contem  como  quizerem ,  e  ráo 
faç.^mos  por  iíTo  quejftáo  j  eu  figo  os  Aftro- 
Tom.  vi,  D  no- 


5*0  Recreação  Filofofica 

■  nomos  de  melhor  nota.  Antes  que  falle  do 
movimento  dos  Planetas  ,  hc  precifo  ad- 
vertir-vos  que  eu  náo  fallo  do  movimen- 
to ,  que  chamáo  commum ,  e  que  todos  vem  , 
com  o  qual  íc  revolve  toda  eíla  máquina 
dos  Ceos  em  24  horas  do  Oriente  para  o 
Poente  :  dcfte  m.ovimento  fallarci  a  feu 
tempo  5  que  por  ?.gora  fó  falio  dos  movi- 
mentos próprios  e  particulares  ,  que  tem  ca- 
da Planeta  de  per  íi  ;  v.  g.  a  Lua  hoje  ve- 
des que  eíiá  junto  daquclla  eftrella  ;  pois  á 
manha  ha  de  eftar  muito  cá  para  o  Nãfceil- 
te  ,  e  notavelmente  deíviada  da  meíma  ef- 
trella ;  e  no  dia  fcguinte  muito  mais  affaf- 
tada  ,  até  que  de  huma  volta  ao  Cco  todo , 
c  torne  a  ajuntar-fe  com  a  tal  eftrella.  Ora 
o  meímo  fazem  os  demais  Planetas  :  Se 
hoje  p.pparecem  ao  pé  d'huma  eftrella  ,  á 
manha  fe  vem  longe  delia  ,  fugindo  fem- 
pre  p^íra  o  Nafcente  ;  e  dcftes  movimentos 
próprios  fallo  a^ora  :  tornai  bem  fentido , 
que  do  movimento  commum  a  todos  osAf- 
tros  fallarei  a  feu  tempo.  Ifto  pofto ,  Mer- 
cúrio he  o  mais  chegado  ao  Sol  ,  e  anda  á 
roda  dclle :  fcgue-fe  Fenus ,  que  em  maior 
diftancía  faz  também  o  feu  giro  á  roda  do 
Sol.  A  Terra  difta  mais;  e  aqui  fe  dividem 
os  Aftronomos  em  duas  claffes  :  huns  com 
Tico-Brafx  dizem  que  ella  eftá  fixa  ,  e  o 
Sol  he  o  qne  á  roda  delia  fe  move  ,  como 
os  noíTos  olhos  nos  perfuadcm  ;  outros  com 
Copérnico  ,  Des-Cartes  ,  Newton,  Scc.  di- 
zem que  ,  cftando  o  Sol  fenfivelmente  pa- 
ia- 


Tarde  "cigefima  nona.  ^t 

taào  no  meio  do  Univerfo,  fe  move  a  Ter- 
ra como  qualquer  outro  Piancta  á  roda  do 
Sol  j  mas  deftc  ponto  taiLuemos  cjuando 
vos  for  m.ais  fácil  a  intelligencia  do  cjue  ha 
fobre  eíTa  matéria.  Segoe-íe  Afarte  ,  que 
também  anda  á  roda  do  Sol ,  e  depois  jTwpi- 
ter  j  e  ainda  em  maior  diftancia  Saturno : 
andando  todos  á  roda  do  Sol  ,  lendo  efte 
luminoío  Aftro  como  o  centro  feníivel  dos 
movimentos  de  todos  eiles  ;  de  force  que, 
ainda  feguindo  que  a  Teira  eftá  quieta  ,  c 
que  o  Sol  gira  á  roda  deiia ,  he  ícm  a  mí- 
nima duvida  5  que  os  giros  que  fazem  os 
Planetas  com  os  feus  movimentos  próprios , 
tem  por  centro  ^  náo  a  Terra  ,  mas  o  Sol. 
Socegai  5  Silvio,  que  eu  fou  Catholico  Ro- 
mano ,  e  havemos  de  concordar  pela  obe- 
diência que  profeíTo  á  Santa  Igreja  ,  e  ain- 
da á  Inquiíiçáo  de  Roma  ^  náo  tenhais 
fuftos  ,  como  quando  foi  dos  Acciden- 
tes. 

Sih.  Eu  náo  digo  nada  ^  o  moftrar  admi- 
ração e  efpanto  ,  ouvindo  algumas  coufas 
que  vos  ouço ,  sáo  movimentos  naiuraes ,  e 
ás  vezes  indeliberados  :  profegui. 

Thcod.  Eftes  PL^neias  fe  podem  no  Ceo  dif- 
tinguir  facilmente  das  Éftreilas  fixas  ,  re- 
parando na  fua  luz.  Cot^uma  fer  clara  ,  po- 
rém quieta  e  como  miorta  ,  c  náo  tremem, 
nem  fcintilláo  como  as  eftreilas  j  excepto 
quando  efláo  perto  do  Horizonte  ,  porque 
então  o  vapor  da  terra  agitado  faz  intcr- 
ronipcr  os  íeus' raios,  e tremem  fcintilíando, 
D  ii  £ug. 


5^2  'Recreação  Filofqfica, 

Eug.  Moftrai-me  vós  agora  no  Ceo  alguns 
Planetas. 

Theod.  Vénus  já  vós  conheceis  ,  e  lá  o  ten- 
des quafi  crcondendo-fe  no  Horizonte,  por- 
que agora  íegoe  o  Sol ,  e  anda  atrás  dcUc ; 
CiTe  bem  conhecido  he.  Voltai  agora  os 
olhos  para  o  Xafccnte,  e  vereis  Júpiter,  já 
bem  levantado  óo  Horizonte  :  acolá  o  tendes. 

Silv.  A  íuz  cjuc  defpede  de  fi  ,  he  bem  dif- 
tinfla  das  dentais  eltrellas. 

Theod.  Diftincia  pela  Tua  força  ,  e  por  não 
tremer ,  nem  ícintillar. 

JEug.     Aiíim  he  :   eftes  dous  conheço  cu  já : 

•    dai -me  a  conhecer  Mercúrio. 

Theod.  Agora  já  náo  pôde  fer  :  náo  vedes 
que  V^enus  fe  eftá  efcondendo  no  Horizon- 
te ?  Mercúrio  como  anda  mais  perto  do 
Sol  ,  neceíTariamcntc  já  muito  tempo  antes 
fe  ha  de  ter  efcondido.  Além  diíTo  náo  hc 
mui  fácil  vello  fem  óculo  ;  porque  andan- 
do mui  perto  do  Sol ,  e  fendo  pequeno ,  a 
luz  do  Sol  o  confunde.  Porém  Marte  tcn- 
des  vós  á  vifta  :  ahi  o  tendes  fobre  a  voíTa 
cabeça  :  a  fua  luz  he  avermelhada. 

Eug.  AíIim  he  ,  porém  muito  menor  que  a 
de  Jupircr. 

Theod.  Também  o  feu  corpo  he  muito  me- 
nor :  deixai-mc  agora  ver  fe  dcfcubro  Sa- 
turno ....  Lá  o  tendes  bem  por  fima  da 
Torre  de  Belém. 

Eug.  Li  o  vejo  ;  como  he  morta  e  pállida 
a  fua  luz  ! 

Theod.     AÍIim  he  fempre  >  e  tem  razão  para 


Tarde  vigefima  71011  a,  5'^ 

fcr  aflim ,  pela  diftancia  cm  que  eftá ,  por- 
que he  o  mais  diftante  de  todos  os  Plane- 
tas :  e  como  não  tem  luz  própria  ,  torçofa- 
mcnte  o  havemos  de  ver  amortecido  ^  pois 
he  precifo  que  os  raios  do  Sol  andem  hum 
cípaço  immenío  até  Saturno  ,  e  d'ahi  reflidao 
para  nós  ,  caminhando  outro  efpaço  ainda 
maior  i  c  nós  bem  vemos  que  a  luz  quanto 
mais  cípaço  anda  ,  mais  fraca  fica  ,  por- 
que fempre  os  raios  váo  íendo  divergentes. 
Quando  iouberdes  a  diftancia  ,  em  que  Sa- 
turno eílá  5  haveis  de  admirar-vos  de  que 
chegue  a  ver-íe  ,  ainda  dcíTe  modo  que  o 
vem.os. 

J.ng.  Reparo  que  vós  náo  contaftes  a  Lua 
no  numero  dos  Planetas  :  talvez  vos  eí- 
queceo  ? 

Thcod.  A  Lua  Planeta  he,  mas  náo  da  claíTc 
dos  Primários  ,  ou  da  primeira  ordem  :  he 
dos  Secundários  ,  ou  Satdites  ,  que  quer 
dizer  o  m.efmo  que  guarda  de  outro  Plane- 
ta. Dos  Planetas  primários  alguns  tem  á 
roda  de  fi  fua  guarda  ,  como  de  archeiros , 
que  nunca  os  largáo.  Saturno  tem  finco  ía- 
telites  á  roda  de  li  ,  que  o  acompanháo, 
aos  quaes  podemos  chamar  finco  Luas  :  Jú- 
piter tem  quatro  ,  e  a  Terra  tem  huma  , 
que  he  eíTa  que  eíiamos  vendo.  Portanto , 
Eugénio,  nso  foi  crquecimenco  o  náo  met- 
ter  a  Lua  entre  os  Planetas  principaes ,  por- 
ciuc  elia  he  dos  da  fegunda  ordem  ,  poíto 
que  aos  olhos  ráo  vifivel  ,  e  lao  grande  co- 
iro o  meínio  Sol. 

£ug. 


5r4  Recreação  Tílofojica 

Eu^^.  Moftrai-mc  as  Luns  ,  ou  Satélites  de 
Júpiter. 

Thecd.  A'  manhã  vo-los  moftrarei  com  o 
Tclefcopio  5  porque  fem  ellc  náo  Te  podem 
ver  ,  por  caufa  da  fua  grande  diftancia  ,  e 
por  ferem  muito  mais  pequenos  que  Júpi- 
ter ;  ainda  que  eu  náo  duvido  cue  Icjáo 
maiores  que  a  noUa  Lua  ,  e  talvez  maiores 
que  a  Terra  :  o  mefmo  digo  dos  Satélites 
de  Saturno  ,  que  muito  tempo  palíou  fem 
fe  Irie  conhecerem  fenáo  quatro.  Porém 
por  agora  prccifo  he  que  íaibais  ,  que  to- 
dos elles  sáo  da  merrr.a  natureza  dos  Pla- 
netas primários  ;  ifto  he  ,  opacos  e  efcuros 
de  fi  ;  c  por  efta  razão  ás  vezes  defappare- 
cem  de  repente  diante  dos  nolTos  olhos ,  ou- 
tras de  repente  apparecem. 

Eug.     E  porque  fucccde  iílb  ? 

Thecd.  Como  Júpiter  he  opaco,  dando-lhe  o 
Sol  por  huma  íace  ,  forçoiamentc  para  a 
outra  ha  de  f  ;zer  fombra  ;  e  como  os  Saté- 
lites andáo  á  roda  de  Júpiter,  ás  vezes  en- 
tráo  pela  fombra  dentro  ,  e  ficáo  ás  efcu- 
ras  5  porque  n:o  podem  receber  a  luz  do 
Sol  ,  que  o  corpo  de  Júpiter  lhes  encobre  ; 
c  ficando  as  eícnras  ,  como  Te  hão  de  ver? 
E  d'aqui  fe  prova  que  elles  sáo  Plane- 
tas 5  e  náo  eítrellinhas  pequenas  ,  porque 
eílas  ,  como  tem  luz  própria  ,  fcmpre  bri- 
Iháo  e  fe  deixáo  ver  ;  porém  os  S.íteli- 
tes  náo  tendo  luz  fcnáo  a  do  Sol  ,  quando 
pafsáo  por  detrás  de  Júpiter  ,  háo  de  fi- 
car á3  efcuras,  c  invifivcis^   c  quando  fahi- 

rem 


Tarde  vigejima  no72a,         5*5' 

rem   da  fombra  ,   de  repente  ficaráó  banha- 
dos da  luz  do  Sol ,  e  íe  háo  de  ver. 

lEug.  E  também  a  fua  luz  hc  clara  e  quieta 
ccmo  a  dos  outros  Planetas ,  ou  icintilla  co- 
mo a  das  eítreilas  ? 

Thcod.  Em  tudo  leguem  a  regra  dos  outros 
Planetas  ;  e  quem  es  vò  pelo  Teleícopio , 
náo  pôde  confunailios  com  as  clirellas , 
porque  he  mamíeíla  a  differença. 

Silv.  Teráo  tan;bem  íuas  phaíes  ,  e  feus 
eclipíes  j  como  vem.os  nos  outros  da  primei- 
ra clalTe? 

Thiod,  Nos  Satélites  de  Júpiter  são  frequen- 
tilíimos  os  eclipíes  ,  porque  os  giros  que 
dáo  á  roda  delie ,  são  mui  frequentes  ;  po- 
rém as  fuás  phafes ,  ou  diverías  apparenci::s 
da  face  alumiada  ,  sáo  totaimenie  imper- 
ccptiveisj  porque  fe  cm  jupiícr  náo  ha  leií- 
fivel  mudança  na  apparencia  peio  ílrio  cm 
que  ePiá  tanto  além  co  Sol  ,  de  forte  que 
comprehende  a  Terra  dentro  nos  feus  giros, 
como  ha  de  fer  fenfivel  nos  Satélites  ,  que 
tem  a  mefma  altura  ?  Mas  no  Satélite  da 
Terra  ,  que  he  a  nollã  Lua  ,  as  faces  sáo 
bem  feníiveis  ,  como  todos  fabem  ^  e  os 
eclipíes  sáo  menos  frequentes  ,  porque  em 
quanto  a  Lua  dá  hum.  giro  á  roda  da  Ter- 
ra 5  os  Si\teiites  de  Júpiter  dáo  muitos ,  pois 
o  primeiro  dá  numa  volta  em  menos  de 
.4^  horas  ,  e  os  outros  á  proporção.  Além 
difío  CS  Satélites  de  Júpiter  ,  como  andáo 
mui  perto  delie ,  nunca  efcapáo  da  fua  fom- 
bra ,  quando  voitáo  pela  parte  detrás  ;  c  a 

Lua 


5^  Recreação  Filofofica 

Lua  muitas  vezes  efcapa  da  fombra  da  Ter- 
ra 5  que  por  iíío  nem  fempre  ha  eclipfe  da 
Lua  nas  Luas  cheias  ;  ainda  cjue  ella  de  fi , 
como  todos  os  demais  Planetas ,  não  tenha 
luz  alguma. 

Silv,  Náo  poíTo  focegar  o  meu  juizo,  quan- 
do vos  ouço  negar  toda  a  luz  própria  á  Lua, 

Tbeod.  Quando  vós  á  manhã  a  virdes  efcura 
por  entrar  na  íombra  da  Terra  ,  cntáo  vos 
defenganarcis 3  que  eJia  de  fi  náo  brilha  ;  e 
que  toda  a  luz  ,  com  que  refplandece  ,  he 
empreitada.  Aliás  ,  fe  cila  tiveíTe  de  fi  al- 
guma luz  ,  como  V.  g.  huma  vela  acccza , 
ficando  cila  mettida  atrás  da  Terra,  lem  que 
lhe  déíTe  o  Sol,  fempre  havia  de  brilhar,  e 
então  mais  ,  aílim  como  huma  vela  acceza 
não  brilha  nada,  íe  eftá  á  vifra  do  Sol  ,  c 
pofta  á  íombra  refplandece. 

Faio^.     Aquella  razão  convence. 

Sih.      A'  manhã  me  defenganarei. 

Thcod.  Por  conclusão  ,  temos  que  são  dez 
os  Satélites,  cu  Planetas  íecundarios :  fmco 
em  Saturno  ,  quatro  em  Júpiter  ,  e  hum 
na  Terra.  Em  Marte  ,  e  Mercúrio  fe  náo 
virão  ainda  :  em  Vcnus,  já  por  quairo  ve- 
zes fe  tem  viflo  hum,  mas  ainda  íenáo  dão 
per  certas ,  e  exactas  as  obfervações ;  c  jun- 
tando os  dez  íecundarios  com  os  féis  primá- 
rios 5  fazem ,  como  eu  vos  dizia  ,  dezefeis 
Planetas  \  c  com  o  Sol  dezeiecc  Aítios, 
que  pertencem  a  eíle  fyfíema  folar.  Além 
íitílcs  ha  outros  Planetas  irregulares  ,  que 
também  pertencem  a  eíla  máí^uina  ,  que 


Tarde  vigejima  nona,         57 

sâo  os  Comeras  :  Chamáo4he  Planetas 
irregulares  ,  náo  porque  o  fejáo  ,  mas  por- 
que r.áo  he  o  fcu  movimento  táo  conheci- 
do como  o  dos  dezeieis  de  que  falíamos. 
Delles  vos  hei  de  f^iliar  mais  largamente 
em  feu  lugar  ;  mas  para  náo  ficar  decepa- 
da 5  ou  truncada  efta  idéa  ,  que  vos  dou  da 
fabrica  do  Univerfo,  vos  darei  também  hu- 
ma  geral  noucia  dos  Cometas.  Hoje  depois 
do  ceiebradillímo  Cometa  de  59  ,  ninguém 
duvida  que  sáo  os  Cometas  huns  Atlros 
creados  no  principio  do  mundo  ,  juntamen- 
te com  os  outros  Planetas  ;  a  diíFerença 
maior  ,  que  os  fepara  para  clalTe  d i veria , 
eftá  em  que  os  Planetas  andáo  á  roda  do 
Sol  em  círculos  perfeitos  ,  ou  elifes  ,  que 
i"e  chegáo  muito  para  círculos.  Náo  fei  íe  já 
vos  expliquei  que  coufa  era  £/(/>  :  dáo 
cfte  nome  ao  que  nós  chamamos  figura 
Oval  3  c  para  que  tique  iíio  logo  eftabeieci- 
do  ,  por  quanto  nos  ha  de  fervir  para  dian- 
te ,  o  modo  fácil  de  defcrever  eíta  figura , 
náo  hc  uíando  do  compallb  ,  mas  de  dous 
pregos  ,  hum  aqui  em  a  (£Ji.  i.  fig.  ^.)  Eí^.  1. 
outro  aiii  em  b  :  atemos  hum  cordão  mui  fig.  3. 
froxo  de  hum  prego  a  outro  ,  e  com  hum 
ponteiro  na  máo  ,  entézo  a  corda  ,  e  vou 
correndo  á  roda  ,  de  huma  e  de  outra  par- 
te,  e  o  rego  que  fica  allígnado  com  o  pon- 
teiro 5  he  huma  Elife ,  e  os  dous  pregos  são 
os  Teus  dous  focos.  Ora  quando  eu  quero 
fazer  huma  elife  muito  comprida  ,  não  ten- 
do ínais  quç  per  os  dous  pregos  mui  diíian- 

tcs  j 


58  Recreação  FiJofoJica 

tes  ;  quando  a  quero  fazer  quafi  circular, 
ponho  os  dous  pregos  quafi  chegados  hum 
ao  outro. 

Eug.     Tenho  percebido  ,  já  fel  o  que  heElifc. 

Tttod.  Os  Cometas  movem-fe  3  roda  do  Sol 
delcrevendo  ciiies  ,  de  forte  porém  que 
lhes  fica  o  Sol  n'um  foco.  Mas  elifcs  sáo 
muito  compridas  ;  e  por  eíía  razáo  os  Co- 
metas náo  fe  vem  fempre  ,  fcnáo  de  tem- 
pos em  tempos  ;  porque  cm  quanto  andáo 
naquella  porção  de  elifc  ,  que  fe  chega  ao 
Sol ,  podemos  alcançallos  com  a  vifta  ;  mas 
quando  váo  fugindo  peia  elife  adiante  ,  pôem- 
íe  em  tamanha  diítancia  ,  que  fe  náo  po- 
dem ver  ,  nem  com  os  melhores  Teleíco- 
pios  ,  até  que  paíTados  os  annos  determina- 
dos para  o  feu  periodo  cu  volta  ,  tornáo 
a  chegar-fe  ao  Sol  ,  e  deixar-fe  ver  dos 
liomens.  Os  Planetas  também  fe  movem 
em  eliícs  ,  mas  sáo  mui  curtas  ,  e  quaíi 
como  circulos  ,  por  iOo  nunca  fogem  da 
noiTa  vifta.  No  demais  havemos  de  julgar 
que  os  Cometas  ,  como  os  Planetas  ,  sáo 
huns  corpos  globofos  ,  opacos  ,  e  inviíiveis 
de  fi  ,  e  fó  vifivcis  pela  luz  que  reflcckm 
do  Sol.  O  mais  que  ha  que  dizer  acerca 
das  luas  caudas  ,  movimicnros  ,  e  periodos , 
fica  para  fcu  lugar  ,  como  também  o  ref- 
ponder  a  varias  dúvidas  ,  que  Silvio  ha  de 
ter  ;  por  quanto  ha  de  feguir  a  opinião  dos 
que   dizem    que  sáo  vapores   levantados   da 

•    Terra. 

SUv.     No  que  náo  ha  dúvida  quaiuo  a  mim , 

e 


Tarde  vigefima  nona.         5' 9 

e  he  expreíío  de  Ariftotcles ,  fe  me  não  en- 
gano. 

Theod.  Em  tudo  iíTo  fallarcmos  de  vagar, 
quando  a  boa  ordem  nos  conduzir  a  tratar 
dcftes  Aftros  em  particular  ,  que  hoje  que- 
ro-vos  dar  huma  idéa  dos  Aftros  em  com- 
mum. 

£ug.  Ahi  temos  já  a  pendência  armada  , 
principalmente  porque  irá  Silvio  para  cafa 
prevenir-fe  para  a  contenda. 

Ihcod.  Ultimamente,  Eugénio,  além  deftes 
corpos  opacos  que  rodeiâo  o  Sol  ,  temos 
muitos  corpos  luminofos,  que  sáo  asEftrel- 
las  ,  que  a  noíTo  modo  de  fallar  náo  tem 
nada  com- o  Sol  ,  nem  andáo  á  roda  delle. 
Chamáo-lhe  Eftreílas  fixas  :  eftas  aíTentáo 
todos  que  tem  luz  própria  ,  porque  cftáo 
numa  tal  diftancia  ,  que  íeria  impollivel 
que  a  luz  do  Sol  lá  chcgalTe  com  força  ca- 
paz de  reílcciir  para  nós  ;  pois  a  diftancia 
das  Eftreílas  he  incomparavelmente  maior 
que  a  de  Saturno.  Eftas  Eftreílas  náo  eftáo 
fixas  e  engaftadas  em  algum  corpo  folido , 
como  imagina  o  vulgo  ,  porque  humas  ef- 
táo em  diftancia  muito  maior  que  as  ou- 
tras :  caca  huma  delias  he  com.o  hum  Sol, 
e  por  caufa  da  diftancia  immenfa  ,  em  que 
eftamos  a  feu  refpeito  ,  parecem  tão  peque- 
ninas. A  v/4  la^ea  ,  que  eftais  vendo  ,  ou 
como  chama  o  vulgo  a  eftrada  de  Sant- 
iago ,  náo  he  outra  coufa  mais  que  huma 
incomprehenfivcl  multidão  de  Eftreílas  miú- 
das e  juntas  ,   que  íe  náo  diftinguem  entre 

íi 


6o        Recreação  FiJofofica 

fi  com  os  olhos  ;  porém  os  Tclefcopios  tios 
dáo  a  conhecer  que  eíTa  luz  continuada  que 
parece  huma  nuvemzinha  branca  e  rara  , 
náo  he  fenáo  collecçáo  de  muitas  Eftrel- 
las  5  que  pela  diftancia  immenfa  quafi  que 
defappareccm  dos  noíTos  olhos. 

Silv.  Continuemos  a  converfaçáo  ;  mas  fe 
vos  náo  incommoda  ,  vamos  para  dentro , 
que  aqui  já  o  Luar  nos  caufa  perjuizo. 

Tbeod,  Vamos  ;  mas  náo  tenhais  receio  que 
o  Luar  vos  pcrjudique  á  faude. 

Silv.  Coula  he  bem  conítante  ,  que  aííim 
como  he  útil  a  m.uitas  plantas  ,  he  nocivo 
aos  homens. 

jEug.     Eu  fcmprc  aílim  o  entendi. 

§•  VII. 

-Do  Infuxo  dos  Aftros  nos  corgos  ter^ 
rcjtres. 

Tkecd.  T~^  Também  eu  mulios  annos  mepcr- 
tL  fuadi  dilTo  ,  mas  ultimamente  vim 
a  conhecer  ,  depois  que  tive  mais  alguma 
liçáo  c  experiência  ,  que  havia  neíTe  parti- 
cular grandes  erros,  e  preoccupações  da  in- 
fância. 

Silv,  He  principio  para  mim  certifíimo ,  que 
todos  os  Aíhos  influem,  nos  corpos  fublutia- 
res  ;  e  que  huns  tem  benigno  influxo  ,  ou- 
tros maligno.  E  lendo  o  influxo  do  Sol 
bom ,  porque  náo  fcrá  máo  o  ásí  Lua  r 

Jbcod. 


Tarde  'vigefinm  nona,        6r 

Theod,  No  influxo  do  Sol  não  tenho  dúvi- 
da ,  porque  he  innegavel  o  calor  que  caufa 
nos  corpos  terreftres  ,  e  efte  calor  hc  que 
dá  vigor  ás  plantas  ,  e  como  alma  c  vida 
a  todo  o  mundo ;  efpecialmcnte  crendo  que 
eííe  calor  náo  confiíle  em  mero  movimen- 
to da  matéria  que  aquece  ,  mas  em  partí- 
culas de  fogo  5  que  fe  inrrometrem  nos 
corpos  ,  e  tem  a  lua  origem  do  Sol  ,  co- 
mo n'outra  occafiáo  dilTemos,  Do  influxo 
da  Lua  duvi  o  em  parte  ,  e  em  parte  náo 
duvido.  Tenho  por  certo  que  as  marés  pro- 
cedem da  Lua  ,  e  muitos  ventos  ,  e  mui- 
tas outras  mudanças  ,  nefta  próxima  região 
do  ar.  Se  concedermos  á  Lua  a  força  de  at- 
tracçáo  ,  que  cftá  quaíi  evidentemente  pro- 
vada entre  todos  os  corpos  Celeftes  ,  com 
efta  pòdc  mover  as  aguas  do  Oceano  ,  a 
maíTa  ténue  do  ar  ;  e  com  ifto  fazer  notá- 
veis mudanças  na  economia  da  natureza. 
Em  quanto  a  eftcs  pontos  náo  duvido  ;  e 
dellcs  1-allaremos  a  íeu  tempo  :  agora  no 
que  toca  ao  influxo  fobre  as  fementciras , 
c  marilcos  ,  e  fobrc  os  noíTos  corpos  ,  te- 
nho minhas  dúvidas ,  e  bem  fundadas  :  ul- 
timamente fobre  o  damno  que  podemos  pa- 
decer ,  eftando  cxpoi!:os  ao  Luar  ,  nilTo  ef- 
tou  certo  que  he  medo  váo  ,  e  fem  funda- 
mento. Eu  difcorro  por  parte-í.  Se  o  Luar 
fizeíTe  damno  aos  humores  de  hum  homem, 
que  com  a  cabeça  defcuberta  fe  expõe  a 
elle  ,  também  o  faria  ao  outro ,  que  com  a 
cabeça  abafada  debaixo   dos  cobertores  eítá 

dor- 


62  Recreei  cã  o  Filofofica 

dormindo  na  fua  camará  mui  fechada.  A 
Lua  íó  pode  obrar  por  força  deíla  atcrac- 
çáo  ,  que  diíTe  ^  e  fe  com  cila  pôde  pertur- 
bar os  humores  do  corpo  humano  ,  o  fará 
igualmente  cm  qualquer  lugar  ,  pois  eu  ve- 
jo que  igualmente  revolve  a  agua  da  fupcr- 
ficic  do  Tejo,  e  a  que  eftá  no  abylmo  do 
mar  ,  e  que  chega  a  fazer  eíFcito  na  por- 
ção de  agua  lá  dos  antípodas  ,  atraveíTan- 
do  a  fua  virtude  por  todo  o  groíTo  da  Ter- 
ra ,  fem  que  ilTo  lhe  eíleriiize  ,  ou  diminua 
a  fua  força  de  obrar  ,  como  veremos  fat- 
iando das  marés  j  náo  que  haja  efpiritos  ou 
cffluvios  ou  alguns  corpos  fubtis  ,  que  atra- 
vefTem  a  Terra  de  parte  a  parte  para  elTe 
effciío  5  mas  porque  a  \ç:\  da  gravidade  ,  ou 
attracçáo  obra  por  outro  modo  ,  como  vos 
difle  íailando  da  gravidade  dos  corpos  ter- 
reílres.  Suppofto  ifto  ,  quem  dilTer  que  a 
Lua  por  força  da  fua  attracçáo  move  os 
humores  de  quem  eftá  expofto  ao  Luar , 
não  deve  dizer  que  feja  tão  fraca  cíTa  at- 
tracçáo 5  que  hum  lenço  ,  ou  chapco  pof- 
to  na  cabeça  zombe  dcUa  ,  nem  ainda  o 
telhado  das  noíTas  cafas  ,  porque  fe  a  grof- 
fura  de  toda  a  Terra  náo  defende  da  arcrac- 
çáo  da  Lua  a  agua  dos  nofTos  antipodas , 
que  fica  da  outra  parte  do  g'obo  da  Terra  , 
que  pôde  fazer  a  mais  grolTa  parede  ?  Ifto 
he  no  que  toca  ao  Luar  fcr  nocivo  ou  não. 
Agora  vamos  á'^  fcmenteiras. 
Silv.  Efpcrai :  pois  fó  por  força  da  attracçáo 
pôde  obrar  a  Lua  1 


Tarde  vígejtma  nona.         6:5 

Thtoà,    Sim. 

Silv.  E  o  Sol  não  cbra  por  outros  modos 
fem  fcr  o  da  artracçáo  ? 

Thcod,  O  Sol  fim  ,  porque  obra  com  o  ca- 
Jor,  c  com  as  partículas  de  fogo  ,  que  fen- 
do da  fua  natureza  delle  ,  fabcmos  que  fe 
introduzem  nos  corpos  terreílres^  c  eíle  ca- 
lor pôde  fazer  grandes  mudanças  ,  e  eíFei- 
tos  nos  corpos  :  pelo  contrario  ,  a  luz  da 
Lua  ,  por  mais  que  fe  tenha  examinado , 
nenhuma  fnudança  feníivel  faz  nos  corpos. 
Os  maiores  e  mais  vigorofos  efpelhos  uf- 
torios  5  que  expoílos  ao  Sol  derretem  os 
metaes  promptamente  ,  e  vitrificáo  muitas 
matérias  ,  fe  por  muito  tempo  fe  expuze- 
rem  aos  raios  da  Lua ,  náo  feráo  capazes  de 
iazer  fubir  meio  ii,ráo  o  mais  fenfivel  Ter- 
mómetro que  fe  lhe  ponha  no  foco.  Tem- 
fc  feito  exaíflas  diligencias  para  perceber 
qualquer  diiícrcnça  no  Termom.etro  com  a 
força  do  Luar ,  mas  fempre  de  balde  ;  pe- 
lo que  ,  por  força  do  calor  ,  náo  pôde  a 
Lua  fazer  mal  ,  nem  bem  aos  corpos  ter- 
reftres. 

Silv.  E  que  me  dizeis  á  conftante  experiên- 
cia dos  enfermos  ,  que  fe  queixáo  unifor- 
memente nas  Luas  ,  ainda  fem  faber  que 
os  dias  são  de  Lua  ? 

Theod,  TíTo  já  he  outro  ponto  ,  em  que  eu 
náo  tenho  toda  a  certeza  ;  mas  fempre  que- 
ro dizer-vos  o  meu  penfamento  ,  e  contar- 
vos  huma  hirtoria.  Eu  tive  cm  minha  ca- 
ía hum  hofpcde  alguns  annos  ,   homem  de 

pou- 


64         Recreação  Filofofica 

poucas  letras  ,  c  mui  tenaz  de  juízo  ;  eftí 
tinha  tomado  huma  tal  aversão  com  o  dia 
de  fefta  feira  ,  que  queria  pcríuadir-nos  que 
nelTe  dia  tudo  fuccedia  mal  ,  e  que  era  dia 
lerrivel  j  e  fazia  hum  largo  catalogo  de  in- 
felicidades fuás  e  alheias ,  todas  acontecidas 
á  íefta  feira  :  quiz  eu  dirperíuadillo  ,  attri- 
buindo  a  acafo  o  que  ellc  julgava  influxo 
do  dia ,  e  não  pude  ;  moftrava  lhe  como  as 
vontades  livres  das  pelToas  ,  de  quem  pen- 
diáo  grande  parte  daquelias  infelicidades  , 
não  poJiáo  Ter  movidas  por  algum  occulto 
influxo  do  dia  da  femana  ,  c  que  o  dia  da 
femana  náo  he  coufa  capaz  de  influir,  pois 
o  Sol ,  que  forma  eiTe  dia  ,  forma  todos  os 
demais ,  &c.  e  nada  bailou  ,  porque  fc  de- 
fendia com  a  fua  experiência.  Calei  me  ,  e 
por  longo  tempo  fui  notanco  tudo  quanto 
fuccedia,  apontando  os  dias:  paliados  dous 
mezes  ,  tornei  a  excitar  a  queftáo  \  e  de-^ 
pois  que  clie  me  tornou  a  rcterir  a  ferie 
de  fuccelíos  infauílos  acontecidos  naquelle 
dia  ,  cu  fahi  com  outra  muito  maior  ferie 
de  fuccefTos  feliciílimos  ,  tanto  pertencentes 
a  elle  ,  como  aos  demais  ,  acontecidos  na 
fefla  feira  ,  e  depois  referi  outra  ferie  de 
íuccelTos  infclices  ,  que  fucccderáo  cm  di- 
verfos  dias  da  femana  ,  erpccialmente  na 
quarta  feira  ,  que  elle  chamava  dia  feliz^ 
Só  comefte  argumento  o  convenci.  O  mef- 
mo  digo  no  prefentc  cafo.  Em  nós  elfando 
prcoccupado>  de  huma  coufa  ,  tudo  quanto 
ferve  a  confirmar  elTa  idéa  ,   fc  lepóe   na 

me- 


Tarde  xigeftma  nona.  6f 

memoria  ,  como  coufa  prcciofa  ,  que  fe 
guarda  nos  gabinetes  ,  porque  iodos  eftimáo 
acercar  ,  e  também  fazem  apreço  daqucllas 
coufas  5  que  nos  perfuadem  que  acertamos: 
pelo  contrario  ,  tudo  o  que  ou  náo  favore- 
ce ,  ou  dcfmente  a  noila  idéa  ,  como  náo 
fe  eítJma  ,  não  fe  repée  na  memoria  ,  e 
eíquece.  Vós  mefmo  haveis  de  ter  huma 
experiência  própria ,  que  perfuade  efte  mxu 
dircurío.  Yòs  5  aílim  como  todos  os  bons 
Médicos  j  curais  muitos  enfermos  ,  mas 
também  muitos  há  o  de  fer  os  c.ue  vos  mor- 
rem nas  mãos  ;  e  ouvireis  nas  juntas  ,  que 
os  Médicos  formão  huma  larga  ferie  dos 
que  tiverão  bom  íuccellb  com  aqueile  re- 
médio ,    e  confcrváo   na  memxria   nomes , 

.  ruas,  oííicios,  &c.  ;  mas  dos  que  morrèráo 
nem  formão  rclsção  ,  nem  ainda  confcrváo 
lembrança  ,  fenáo  de  alguns  mais  nota-: 
veis. 

Silv.  E  para  que  fe  ha  de  confervar  lembran- 
ça triíle  í 

Tbccd.  Aílim  fuccede  em  cafos  innumeraveís. 
^'6  fazeis  memoria  dos  enfermos  ,  que  fe 
queixáo  em  dias  de  Lua  ;  mas  náo  fazei5 
reflexão  nos  que  fe  queixão  nos  outros  dias. 
Se  íizeíTcis  igual  reflexão  em  huns  c  ou- 
tros ,  talvez  que  achalTeis  que  pouco  in- 
flr.ia  a  Lua  nos  enfermos.  Ifio  para  mim 
he  mui  provável  nas  Luas  cheias  c  novas; 
porém  nos  quartos  muito  mais  provável  , 
porque  neíTcs  dias  náo  ha  razáo  nenhuma, 
nem  ainda  apparentc.  Nas  Luas  novas  e 
Tom.  VI.'  E  che- 


(íG  Recrearão  Filofofica 

cheias  ,  como  a  aitracçáo  da  Lua  c  do  Sol 
obráo  pela  mc!ma  iirsha  ,  fazem  effcito  íen- 
fiv-cl  nas  marés  ,  c  poderá  al^^uem  diícorrer 
que  por  elTa  attracçáo  altera  os  humores ; 
mas  nos'  quartos  ,  ainda  que  a  Lua  riveíTe 
influxo ,  e  mandaíTe  cá  effluvios ,  náo  havia 
apparencia  de  razão  para  ferem  nelTe  dia 
mais  do  que  em  qualquer  ourro  ,  entre  a 
Lua  nova  e  cheia.  Neftcs  dous  dias  ,  di- 
zem alguns  que  a  luz  do  Sol  paflrindo  pela 
Lua  ,  ou  dando  nella  ,  e  relleclindo  total- 
mente para  a  terra  ,  tniz  comíigo  grande 
copia  deeffiuvios  malignos,  &c. ;  porém  nos 
quartos  náo  íci  que  apparencia  de  razão 
polTa  haver.  Que  tem  cá  os  humores  do 
corpo  humano  com  que  nós  vejamos  fó  hum 
quarto  de  Lua  claro  ,  c  outro  quarto  fe  ef- 
conda  ? 

Silv.  Theodofio  ,  deixai-vos  de  impugnar 
illo  ,  que  he  huma  hercfia  medica  o  que  di- 
zeis. Pôde  SI  Lua  influir  nos  ventos,  e  chu- 
vas ,  &:c.  ?  Logo  pôde  influir  também  nos 
corpos  enfermos :  aíTcntemos  nifto ,  e  paíTe- 
mos  a  outra  coufa, 

Ifheod.  Nos  ventos  e  chuvas  ,  e  em  toda  a 
atmosfera  ,  ou  resiáo  do  ar  ,  e  vapores  que 
nos  rodeáo  ,  pôde  a  Lua  influir  aflim  co- 
mo nos  mares ,  por  força  da  atrpacçáo  ,  co- 
mo direi  a  feu  tempo  ;  e  baila  fó  efta 
attracçâo  para  motivar  eiTas  mudanças  àc 
tempo  ,  as  quaes  pela  mefma  razão  mais 
fe  governão  pelas  Luas  novas  e  cheias, 
c[ue  pelos  quartos  ;   mas  náo  fú  como  a 

for- 


Tardd  "cigefima  nona,         6y 

força  da  attraoçào  da  Lua  obre  nos  enfer- 
mos i  m^s  por  efía  razáo  he  que  eu  digo 
que  neílc  ponto  tenho  muitas  dúvidas  ,  c 
náo  o  dou  por  certo.  Só  iim  pôde  a  Lua 
verdadeiramente  cauíar  novidade  nos  enter- 
mos  wdireClamente.  liko  quer  dizer  ,  cm 
quanto  faz  mudança  ncs  vapores  e  ventos, 
c  eíles  tem  grande  domínio  fobre  os  doen- 
tes. 

Silv,     Seja  pelo  modo  que  quizcrdes ,  com  tan- 
to que  íeja  como  a  experiência  nos  eníina. 

Theod,  Vamos  agora  ás  femenceiras  ,  que 
ifto  pertence  a  Eugénio  ,  peio  que  ihe  ou- 
vi ha  pouco.  Eugcnio  ,  eu  algum  dia  fui 
mui  contrario  á  opinião  do  vulgo  ,  fun- 
dado nas  authoridades  que  logo  direi  dos 
jardineiros  do  Rei  de  França  ,  mas  hoje 
náo  o  fou  tanto ,  pofto  que  conheço  que  he 
muita  a  preoccupaçáo  do  vulgo  :  aqui  hei 
de  ter  as  authoridades  regiftadas  em  hum  li- 
vro ,  dcfde  que  as  encontrei  (  i  ) .  Aqui 
eftáo  :  a  prim.eira  teilcm.unha  he  Mr.  A^OV' 
mand  ,  Dircclor  dos  pomares  de  fruta  e 
de  eipinho  do  Rei  de  França  ;  e  diz  aHim 
traduzido  do  Franccz  :  Entre  hum  gr.wdijjl- 
vw  numero  de  experiências  feitas  com  a  uU 
tima  exaccjto  cm  differentes  amios  ,  fobre  ca- 
da huma  das  opemcões  da  agriculturji  ,  não 
tenho  achado  alguma  ,  que  favcreça  a  fcr- 
vil  fujeição  dos  nojfos  antigos  aos  diverfos  af- 
peãos  da  Lua.  Á  outra  teftemunha  he  Mr. 
de  la  Qifintinie  feu  antcceííor  ,  o  qual  diz , 
E  ii  que 

.(O  Speaid  de  la  Nat.  Tom.  I.  psg.  S-^^. 


6  o  Recreação  Vilofofica 

que  náo  havia  couía  mais  frívola  que  cW 
larem-Í2  a  oblervar  o  dia  da  Lua  ,  quan- 
do querem  planear  ,  ou  cortar  ,  &c.  Que 
era  preclío  fazer  cada  coufa  na  fua  fazáo 
opporíuna  ,  e  crcoihcr  o  tempo  próprio  ^  c 
actíiDuir  o  íuccelTo  ao  Sol  ,  c  ao  lempera- 
mcnro  do  ar  ,  &c.  Efta  prcoccupaçiio  ge- 
ral tanro  mais  eicá  arr.:i'^ada  ,  quanto  mais 
anu'2;a  he  \  e  quanto  m.ais  a  gente  camponez 
he  aferrada  aos  ícntimentos  de  léus  pais^ 
ciando  muiio  menos   ao  diícurfo   que  á  fua 

.  aurhoridade.  Os  antigos  já  foráo  culpadoè 
nifto  ;  e  creio  eu  que  foi  efta  a  caufa.  Co- 
mo a  genre  do  campo  náo  tinha  folhinhas , 
governaváofe  pelas  Luas  para  diftin^nirem 
as  divenas  partes  do  anno  ,  os  mczss  eráo 
lunares  ;.  e  enrre  cUes  íe  alíentava  como 
coufa  certa  ,  que  era  bom  lemcar  efte  grão 
no  quarto  mez  da  Lua  ,  quando  folTc  no 
meio  ,  ifto  vinha  a  ler  Lua  cheia  :  a  outra 
pianra  era  bom  difpoila  no  fetimo  mez  v.  g. 
já  qua fi  acabando  ,  ifto  vinha  a  ler  quar- 
to miin^uanie  ;  outra  no  oitavo  mez  logo 
no  principio  ,  ifto  vinha  a  íer  Lua  nova. 
Cada  revolução  da  Lua  era  o  fcu  mez  ;^ 
e  a  quarta  parte  defta  revolução  era  a  fua 
femana  :  olhavào  para  a  Lua  para  fa- 
ber  em  que  alturas  hia  o  mez  ,  ou  que 
fcmana  era  do  mez  ;  e  fabcrem  fe  era  o 
tempo  próprio  para  fêmea r  ,  ou  plantar  ;  e 
como  03  íilhos  pequenos  acados  com  feus 
piis  viáo  olhar  para  a  Lua  ,  e  que  fe  gover- 

.  naváo  por  ella  ,  náo  pcrgumaváo  porque  ^ 
.  .   ma* 


Tarde  víge/íma  nciiã,        69- 

mas  cegamente  hião  crendo  que  a  Luá  naí 

.  quelle  quarto  influía  nas  íementes  ,  e  a  fa- 
zia pegar  bem ,  &c.  Pelo  que ,  meu  Eugé- 
nio ,  o  Sol  5  as  chuvas  ,  os  ventos  ,  e  a 
eiiaçáo  cio  anno  he  que  íe  deve  aiccnder ; 
porque  iílo  principalmente  conduz  ao  bom 
efieito  das  remcnteiras.  E  baile  de  conferen- 
cia ,  que  pcja  o  prim.eiro  dia  afias  foi  longa. 

£^w^.  .  Falta  diZerdes  alguma  couía  fobre  o 
influxo  dos  mais  Aíírcs,  porque  fempre  ou- 
vi dizer  ,  nafceo  debaixo  de  boa  eftreila ; 
e  neftes  repertórios  ordinários  leio  muitas 
vezes  que  neíte  m.ez  predomina  Marte ,  na- 
queiloutro  Saturno  ,  &c.  e  attribuem  a  iífo 
ferem  os  que  nafcem  debaixo  do  dominio 
do  Aílro,  m.elancoliccs  ,  ou  coléricos  ,  cu 
de  eftatura  grande  ,  ou  de  nariz  comprido 
V.  g.  e  também  de  coílumes  difToiutos.  Di- 
zei-me  fobre  ilio  o  que  entendeis. 

Thcod.  Entendo  que  os  JMagiífrados  devião 
prohibir  todos  eftcs  papeis,  que  náo  fervem 
lenáo  de  defacreditar  a  Naçáo  Portugueza  , 
e  mjetter  erros  na  cabeça  do  vulgo  ,  que 
os  lè  quafi  com  tanta  fé  ,  como  le  foile  o 
mefmo  Evangelho.  Naicer  debaixo  de  boa 
ou  má  eílrella  ,  não  he  coula  que  íe  poílà 
entender.  As  eftreilas  do  Ceo  nenhum  in- 
fluxo podem  ter  na  terra  pela  fua  immenía 
diítancia, 

Eug.  Lembrado  eftou  que  me  diíTeftes  ,  fat- 
iando da  luz  (  I  )  que  gaílava  muitos  annOs 
a  luz  cm  vir  das  eíireUas  até  nós. 

Tkeod. 
-      CO  Ton^«  II.  Tard.  V.  §.  i. 


70  Kecreciçâo  Filofõfica 

TheOíL  Pois  vede  quanto  gaitaria  a  vir  eíTc 
inHuxo  para  fazer  mal  ou  bem  á  criança 
que  nafcia.  Mas  fupponhamos  quevinháoef- 
fes  influxos  como  quizcrem  :  todas  as  ef- 
irellas  do  Ceo  elláo  n'uma  immenfa  diftan- 
cia  da  terra  ,  que  he  como  hum  pontinho 
nadando  no  meio  de  hum  vaftiílimo  c  im- 
menlb  eipaço  :  fe  huma  eftrella  influir , 
porque  razáo  náo  háo  de  influir  todas  as  que 
cltáo  no  Ceor  e  fe  influirem  ncftc  dia,  por 
que  náo  háo  de  influir  cm  todos ,  fendo  nel- 
les  ícmpre  a  mefma  diftancia  ,  e  paliando 
por  ílma  de  nós  todas  ellas  dentro  de  24  ho- 
ras? Mais  :  Te  influirem  numa  terra,  porque 
náo  háo  de  influir  em  todas  ,  fendo  o  glo- 
bo terráqueo  hum  ponto  cm  comparação 
das  eftrcilas  ?  O  mcfmo  digo  dos  Planetas. 
Tomíra  que  me  cxpIicalTem  ifto  :  fe  para 
nafcer  debaixo  do  dominio  de  Marte  bafta 
eftar  elle  cntáo  do  Horizonte  para  fima ,  co- 
mo em  vinte  e  quatro  horas  dá  huma  volta 
á  roda  da  terra;  dos  homens  que  nafceíTem, 
ametade  o  aIcanç:iriáo  fobre  o  Horizonte  , 
amctade  debaixo  ,  o  meimo  digo  dos  de- 
mais :  ora  que  caíla  de  obferv  içáo  fe  pôde 
fazer  n  uma  coufa  necefrariamcnte  geral  pa- 
ra met:;^  dos  homens  i 

Sih.  Talvez  quererão  dizer  que  eftava  o  tal 
Planeta  a  prumo  fobre  a  terra  na  hora  do 
nafdmenro. 

Theod.  Iffo  náo  pódc  fer,  fenáo  na  Zona  tór- 
rida ,  e  fctc  grãos  e  meio  fora  delia  ,  por- 
que nunca  pôde  Planeta  algum   fahir   fora 

do 


Tãrcle  njigeftma  nona.         71- 

do  Zodíaco  ,  nem  paíTar  cá  a  prumo  pof  fi- 
ma  de  ncs.  Além  de  que  ,  ie  jupice-r  v.  g. 
palTalTc  bem  a  prumo  por- lima  de  nós  no 
tempo  do  nnfcim.etito  do  meíiir.o  ,  táo  en- 
canados viriJo  elíes  influxos  ,  que  fahindo 
do  corpo  todo  de  Jupirer  ,  que  he  muiio 
maior  que  a  terra  ,  ló  cl^g^iicm  ca  ao 
pontinho  da  cala  ,  em  que  nalceo  a  crian- 
ça ,  e  não  fe  diífundilTem  por  todo  o  ^/lo- 
bo  da  terra  ,  ou  ao  menos  por- todo  o  Rei- 
no em  redondo  l  e  fe  a  todos  chega  elTe 
influxo  5  já  a  reípeito  delies  náo  paliou  a 
prumo;  e  fe  ifto  náo  he  precifo  ,  todos,  os 
mais  Planetas  ,  que  íempre  olháo  a  terra  , 
ou  a  prumo  ,  ou  obliquamente  ,  eíl.rio 
influindo  fobre  ella  ,  e  náo  ic  pôde  attri- 
buir  nada  mais  a  cUe  Planeta  que  aos  ou- 
tros. 

SWv,  Eu  náo  {^'\  lá  de  Aftronomias  ,  mas 
fempre  ouvi  dizer  que  a  diverfa  conjunção 
dos  Aftros  tinha  tal,  ou  qual  domínio  fobre 
os  corpos  terrenos.  Ahi  lendes  vós  huma 
couia  conftantemcnre  obfcrvada  pelos  Mé- 
dicos j  que  quando  o  Sol  entra  na  Cani- 
cula  5  náo  he  conveniente  entrar  em  cura, 
nem  fazer  remédio  forte  :  ifto  náo  hàvcis 
vós  de  negar. 

Tí^od.  Náo  o  poíTo  conceder.  Sei  que  cíTe  hc 
o  coílume  dos  Senhores  Médicos ;  mas  n:.o 
dilccrrem  todos  de  hum  modo  :  alguns  por 
Canicula  entendem  calmas  exceflivas  ,  c  en- 
tão concordo  facilmente  que  náo  convém 
entrar  em  cura  ,  porque  as  calmas  granucs 

per- 


72  Recreação  Fihjofica 

perturbáo   a    economia  dos   humores  ;   mas 
outros    por  Canicula   emendem   huma   certa 
■   contlellaçáo   do  CcO  ,   e  rcligiofamente  ob- 
ferváo  os  dias  que  a  folhinha  aponta  de  Ca- 
'  niculares  ,    tcmendo-os  como  dias  infr.uftos, 
quer  taça  grande  calma  ,    quer  pequena  ;   e 
com   eltes    taes    náo   pollo   concordar.    Que 
tem  cá   o  Sol    com  as  cftrellas  ,   que  ficáo 
mais  de  Ictenta   mil  milhões  de  léguas  dif- 
tantes  dcUe  ,    e  que  tem  elLis  cá  comnofco 
~   para    nos  perturbar   os  remédios  ?    Entrar  o 
•'    Sol   na  Canicula  ,   quer  dizer  ,    que  neftes 
-    dias  o  Sol  5  o!hando-o  defde  a  terra  ,   cor- 
refponde   no    Ceo    a  eftas   eílrellas  ;    affim 
como   nós  olhando    para    a   Torre    do  Bu- 
gio  na  barra  ,    eIJa   nos  corrclponde  áqiiel- 
la  brilhante  elirelia  ,   que    fe  vai  eíconden- 
do.    Mas   fe  olharem  para  o  Sol  nellcs  dias 
de  oiirra   parte  ,    fora    do   globo    terreftre , 
correfponderá   a   conlèellaçáo  mui   diftante , 
aflim   como   fe   de  Cafcacs  agora  olhaíTem 
para  a  Torre   do  Bugio  ,  lhe  havia   de  cor- 
refponder    a  alguma    eíirella    do    Nalcente. 
Lx)£P   tanro   parcntefco   tem    o   Sol    com   a 
Canicula  ,   como   com  qualquer   outra  conf- 
tellaçáo  ,   nelíes   dias  dos  Caniculares.    Di- 
zemos   que    eftá    lá   \    náo    porque    efteja  , 
mas   porque   olhando-o   de  cá  ,    corrclpon- 
de a  eíTe  lugar   do  Ceo  ;   mas  eftá  táo  lon- 
ge deíTa   confteljaçáo  ,    como    de   todas    as 
outras.    Pelo  que   deveis  obfervar  ,    náo   a 
folhinha     para   íaber    quando    começáo    os 
Caniculares  ,   mas  íim  as  calmas  c  outras 

dif' 


Tarde  'víge/Ima  nona.         75 

dirpoíiçóes  do  tempo  ,  para  faber  fe  con- 
vém 5  ou  náo  entrar  em  cura.  lílo  he  o 
que  eu  entendo  ;  vós  fegui  o  que  melhor 
vos  parecer  ,  que  fois  Medico  de  profirsão : 
lá  vos  governai. 

Súv.  Como  me  crcei  Medico  Perípatciico  , 
hei  de  morrer  com  todos  clTes  abufos  ;  e  em 
Canicula  fó  por  grande  neceííidade  farei  re- 
médio forte. 

lEug.,     líTo  he  conftancia  Icuvavei. 

Thccd..  Os  homens  náo  háo  de  fer  fáceis  de 
variar.  E  aíTim  infenfivelmente  prolongámos 
a  conferencia  muito  mais  do  que  eu  queria, 
atrendendo  a  que  Silvio  ainda  náo  defcan^ 
çou  da  fua  jornada, 

Silv.  Pequena  foi  ,  e  com  commodo  ;  mas 
he  precifo  rerirar-me  a  cafa  :  á  manha  virei 
ao  Eclipfe.  Deos  queira  que  o  Luar  defta 
noite  me  náo  prejudique. 

Ttcod.  Ide  fem  fufto  ,  que  a  Lua  não  he 
bafilifco  ,  nem  dá  olhado  ;  vinde  fedo  ,  pa- 
ra que  quando  chegar  o  eclipfe  já  tenhamos 

•     acabado  a  conferencia. 

Silv»    Obedecerei  como  devo. 


TAR- 


74         Recreação  Filofofica 

TARDE   XXX. 

Do  Sol ,  e  da  Lua  em  particular. 

§.  I. 

Do  Sol ,  c  da  fua  natureza-,  figura ,  gran- 

dcLa,pezo,  denjidade ,  titancbas y 

e  atntosfera. 


Silv,     ff        Ontra  a  expericncia  náo  ha  ar- 
1  gumento. 

Theod,  ^^--^  Pois  que  I  que  he  iíTo ,  Silvio  ? 
que  vos  aconteceo? 

Silv.  Agora  venho  de  cafa  do  nolTo  amigo  o 
Commendador ,  que  fica  bem  mal  com  hu- 
ma  apoplexia ,  que  lhe  deo  efta  manha :  he 
dia  de  Lua  cheia  ,  e  além  diíio  de  eclipfe, 
que  dizem  íerà  mui  grande  ,  e  ainda  haveis 
de  dizer  que  os  eclipfes ,  e  as  Luas  náo  in- 
fluem nos  corpos ! 

Theod.  Mal  eftamos  nós,  Eugénio,  que  ha- 
vemos de  fupportar  em  pczo  toda  a  mali- 
gna influencia  da  Lua  no  tempo  do  eclipfe: 
defgraçados  dos  Aftronomos  !  Ho)e  cahiráõ 
apopleticos  mais  de  três  mil  por  todo  o 
mundo  !  Dizei-me  ,  Silvio  ,  e  livcftes  cui- 
dado de  perguntar  que  ceou  homem  ciTe  en- 
fermo ?  que  modo  de  vida  tinha  í  que  dif- 
pofiçóes  tinha  tido  nos  dias  antecedentes? 

Silv. 


Tarde  trigejima.  75* 

SiW.  Já  andava  ameaçado  dias  antes  com 
hiimas  verrigens  mui  pezadas  ,  mas  a  pri- 
meira deo-Ihe  dous  dias  depois  da  Lua  no- 
va :  vedes  como  á  Lua  fe  deve  tudo  attri- 
buir  !  e  honrem  teve  huma  grande  indigeí- 
táo  procedida  de  defordem  no  com.er. 

Tbcod.  Ahi  tendes  o  verdadeiro  eclipíc  ,  que 
lhe  fez  ma]. 

Eug.  Sempre  o  eclipfe  he  mais  adivo  que  a 
Lua  nova  ,  porque  eíb  fez-lhe  fó  numa 
vertigem  ,  e  gaftcu  dous  dias  em  a  caufar; 
e  o  eclipfe  ,  muitas  horas  antes  de  chegar, 
lhe  caufou  logo  huma  apoplexia. 

Silv.  Náo  repareis  niíTo  ,  Eugénio  ,  porque 
he  coufa  fabida  que  as  Luas  obráo  até  três 
dias  antes  ,  ou  três  depois:  com  que  ,  bem 
podem.os  fcm  efcrupulo  attribuir  á  Lua  no- 
va a  primeira  vertigem. 

Thcod.  E  por  eíTa  regra  todas  as  mais  verti- 
gens 5  e  quantas  facadas  í^c  dáo  ,  e  furtos 
fe  fazem  ,  e  quantos  males  fuccedem  ,  po- 
deis attribuir  á  Lua  ;  porque  como  de  fete 
em  fete  dias  ha  Lua  ,  em  fe  acabando  os 
ires  dias  depois  da  Lua  nova  ,  em  que  ella 
tem  jurifdicçáo  ,  entráo  os  três  dias  antes 
do  quarto  crefcente  ,  nos  quaes  já  ella  do- 
mina ;  e  temos  todos  os  dias  occupados  com 
a  jurisdicçáo  da  Lua:  terrível  Aftro ! 

Síl.  Deixemos  iíTo  :  que  temos  nós  que  dif- 
corrcr  eíta  tarde  para  a  intelligcncia  do 
eclipfe  ? 

Theod.  Hontem  falíamos  do  Ceos ,  e  dos  AC- 
uos  em  commum  ;  alguns  já  conheceis  pe- 
los 


76  Recreação  Vilofofica 

los  feus  nomes  e  figuras  :  já  fabeis  que  toáos 
os  Planetas  sáo  efcuros  de  fi  ,  e  opacos; 
que  o  Sol  he  quem  reparte  com  elles  a  luz 
com  que  refpiandecem  ;  porém  ainda  nso 
bafta  ifto  ,  muiío  mais  falta  :  vamos  hoje 
confideranio  em  particular  eíTes  mefmosAT- 
tros  ,  para  conhecerdes  a  caufa  dos  eífcitos 
que  vemos.  O  Sol  tem  o  primeiro  lu^ar. 
He  hum  corpo  luzido  e  brilhante  de  fi  mef- 
mo  :  a  fua  natureza  ou  he  fogo  puro  ,  ou 
muito  femelhante  ao  noiTo  fogo  ;  porque 
vemos  que  produz  os  mefmos  efFeitos.  O 
fogo  queima ,  aquece ,  c  dá  luz  ;  e  tudo  if- 
fo  faz  o  Sol  :  c  fe  ajuntamos  com  o  efpe- 
Iho  uítorio  os  feus  raios  ,  achamos  inteira- 
mente os  mefmos  effeitos ,  que  no  fogo  ter- 
reflre  ;  tanto  alíim,  que  alguns  corpos  calci- 
nados á  força  dos  raios  do  Sol  fahem  com 
maior  pezo  ,  ailim  como  calcinados  á  força 
do  fogo  tcrreftre  ,  como  já  vos  dilTe  nou- 
tra  occafiáo  f  i  )  ;  o  que  afsás  períuade  fe- 
rem da  mefma  ,  ou  mui  femelhante  nature- 
za as  particulas  que  causáo  o  calor  do  Sol , 
e  as  que  causáo  o  calor  do  fogo :  por  quan- 
to 5  alíim  como  as  mcfmas  particulas  do 
lume  efpalhando-fe  ,  e  me:tendo-fe  pelos 
corpos  que  encontrão  ,  os  fazem  aquecer; 
aflim  as  mefmas  particulas  do  Sol  efpalha- 
das  pelo  efpaço  que  occupáo  os  feus  raios, 
sáo  as  que  causáo  calor  nos  corpos  que 
aqucntáo  5  introduzindo-fe  ncllcs ,  como  lar^ 

CO     Tom.  ni.  Tard.  X.  §.  j. 


Tarde  trigefima*  77 

gamcntc  dilTc  noutra  occafiáo  (  i  ).  Alguns 
dizem  que  eila  he  a  Região  do  Fogo  j  pois 
lá  onde  alguns  a  punháo  ,  que  era  cm  re- 
dondo fobre  a  região  do  ar  ,  já  nós  dilTe- 
mos  que  era  impoilivel  que  eftiveííe  (  2  ). 
Mas  deixemos  ilTo  ,  vamos  a  coufas  mais 
importantes. 

Silv.  Sim  ,  deixemos  eíTe  ponto  ,  que  ainda 
náo  meditei  neile. 

Jheod,  O  Sol  tem  hum  volume  mui  gran- 
de 5  ainda  comparado  com  todos  os  Plane- 
tas juntos  :  de  íbrte  que  ,  exceptuando  os 
Satélites  (de  cuja  grandeza  íe  náo  Tabe  na- 
da com  exacçáo)  Te  ajuntarmos  todos  os 
Planetas  ,  entrando  também  a  Terra  e  a 
Lua  ,  ficará  hum  volume  571  vezes  mais 
pequeno  que  o  Sol.  Comparando  porém  o 
Sol  com  a  Terra  ,  de  cu|a  grandeza  pode- 
mos ter  mais  clara  idéa  .  achamos  que  o  Sol 
tem  hum  diâmetro  quaíi  11:5  vezes  maior 
que  o  da  Terra.  E  porque  tereis  gofto 
de  que  reduza  eftas  medidas  a  léguas  Por- 
tuguezas  ,  dando  nós  2062  léguas  ao  diâ- 
metro da  terra  (  O  ?  vem  a  ter  o  Sol  de 
diâmetro  (  2^2  .  6no  )  duzentas  e  trinta  e 
duas  mil  ,   íeiscentas  e  íetenta  léguas  Por- 

tu- 

(1  )     TcTm.  III.  Tard.  XI.  §.    I. 

(2)      Tom.  III.  Tard.  XI.   §.   X. 

Ç  j  )  Cada  gráo  de  circulo  máximo  da  Ter- 
ra ,  conforme  o  nofTo  Cofmografo  mór  ,  e  ou- 
tros bons  Authores  ,  tem  iS  léguas  Portugue- 
zas  (das  Hefpanholas  são  lo  J7  e  meia  )  e  por 
hYo  tem  o  diâmetro  ác>02. 


78  Recreação  Filofofica 

tuguezas.  Aqui  tendes  o  diâmetro  ;  vamos 
agora  a  fuperíicie.  Comp;irando-a  com  a  da 
Terra  ,  fica  por  eftc  calculo  12.7^2  vezes 
maior  (  I  )  :  c  reduzindo-a  a  léguas  quadra- 
das ,  sáo  (  1 70  ;  2C2  :  1 88  .  ^-'4  )  cento  e 
íeiema  mil,  duzentas  e  dous  contos,  cento 
c  oitenta  e  oito  mil  ,  trezentos  e  fctenia  e 
quatro  léguas.  Advirto  que  eu  filiando  de 
léguas  5  ufo  das  Porcuguezas  ,  porque  são 
mui  diverfas  no  tamanho  das  de  outrjs  Na- 
ções. Só  rcíla  agora  dizer  o  volume  do 
Sol  ,  por  compançso  ao  da  Terra.  Sabei 
pois  que  he  (  I  :  4^5  .  C25)  hum  conto, 
quatrocentas  e  trinca  e  cinco  mil  ,  e  vin- 
te e  cinco  vezes  maior  que  o  volume  da 
Terra.  Também  advirto  que  nas  diftancias 
dos  Planetas  figo  os  cálculos  de  La  Lande 
C  2  )  depois  das  obícrvaçóes  da  palíagem  de 
Vénus  pelo  difco  do  Sol :  obfervaçóes ,  que 
nos  derâo  bem  a  conhecer  a  theorica  admi- 
rável dos  movimentos  dos  Aftros  ,  e  que 
íèrviráó  de  corrigir  os  antigos  ,  que  feguí- 
ráo  medidas  diverías  (  :5  ). 

(  1  )  Eu  coflumo  nas  contas  grandes  para 
■facilitar  a  leitura  ,  pôr  no  numero  de  núl  hum 
ponto  .  ;  n(.s  conioi  dous  pontos  :  ;  no  milhar  de 
conto  ;  e  no  confo  de  contos  iflo  :  : 

(2)  Conhecimento  dos  tempos  para  o  an- 
no  1774.   1776.  &c. 

(  í  )  Na  primeira  imprefsão  deRe  Tomo  íe- 
gin  os  cálculos  de  Gravelande  ,  que  hoje  não 
tem  mtrecimcnto  depois  das  novas  oblervar 
cóss. 


Tarde  trigefima,  y^ 

Eug.  Não  me  admiro  delia  variedade ,  admi» 
ro-me  de  que  fe  polia  faber  tanto. 

Tbeod.  Pelo  dircurfo  deftas  conferencias  tal- 
vez que  façais  algum  conceito  do  modo 
com  que  eftas  coulas  fe  fabem.  Conheci- 
do o  tamanho  do  Sol  ,  vamos  a  determinar 
o  feu  pezò  e  denfidadc. 

£ug,  líTo  nunca  cfperei  eu  ,  que  os  homens 
tiveíTem  a  felicidade  de  o  confeguir. 

Silv.  Nem  eu  ,  que  tiveíTem  o  atrevimento 
de  o  intentar.  Ora  dizei  ,  Theodofio ,  e  de 
que  balanças  fc  ferviráo  os  homens  para 
pezarem  o  Sol? 

Theod.  Das  da  razão  ,  que  a  quem  as  fabc 
manejar  ,  fervem  de  muito.  N'um  dia  dei- 
tes 5  que  fe  fcguem  ,  vos  direi  o  modo  com 
que  Ic  pôde  averiguar  o  pezo  dos  Aftros : 
agora  náo  o  digo,  por  náo  perturbar  a  ferie 
que  pertendo  icvar  nefta  explicação  :  lem- 
brai-mo  ,  Eugénio.  Continuando  pois  o  que 
dfeia  do  pezo  abfoluto  ,  ou  de  quantidade 
da  matéria  que  ha  no  Sof  ,  dáo-lhe  pelas 
obfervaçóes  e  calculo  hum  pezo  ou  quanti- 
dade de  maceria  (^65  .412)  trezentas  c 
felTenta  e  cinco  mil  ,  quatrocentas  e  doze 
vc2es  maior  que  a  da  Terra  toda  ;  porque 
ainda  que  o  fea  volume  he  i  :  4^5  ,  025 
vezes  maior  que  b  da  Terra  ,  náo  he  tão 
denfo  como  ella  ,  e  he  perto  de  quatro  ve- 
zes efpecincamenre  mais  leve.  Eu  vos  expli- 
carei a  feu  tempo  o  modo  de  examinar  o 
pezo  e  deníídade  dos  Planetas  ( 1  ). 

Eug. 
C  1  )     Tarde  XXXill.  §.  4,  no  fim. 


8o  Recreação  Fílofojica 

Eug.  Náo  me  efquccerá  o  lembrar-vos  4 
maior  explicação  delíe  modo  de  exami- 
nar ,  c  como  íazcr  anatomia  nos  Àftros  da 
Ceo. 

Theod,  Pelo  que  pertence  á  figura  ,  he  de 
globo  ,  ainda  que  á  vitla  parece  hum.  cor- 
po plano  c  claro  j  c  o  fun Jumento,  por  que 
íe  crê  que  tem  a  figura  de  ^lobo  ,  ou  esfe- 
ra ,  vem  a  íer  efte.  Se  o  Sol  íoííe  de  ou- 
tra qualquer  figura  que  náo  folie  .globo  , 
quando  eiie  íe  toííe  voltando  em  redondo  , 
como  le  volta  ,  nem  ícmpre  nos  havia  de 
oíFerecer  huma  face  circular  ,  qual  teftemu- 
nháo  fempre  os  ncfíos  olhos. 

Sih.  E  por  onde  nos  confia  a  nós  que  ellc 
íe  volta  em  redondo  t 

Theod.  Dcfcobrcm-re  no  Sol  algumas  man- 
chas efcuras  ,  as  quaes  vão  ícmpre  paíTan- 
do  de  huma  parte  para  a  outra  ;  e  paliados 
dias  ,  tornáo  a  paílar.  Efte  movimento  ma- 
ni  feita  que  o  Sol  fe  revolve  fobrc  o  fcu  ei- 
xo á  maneira  de  peão.  E  todas  as  circum- 
ftancias  defte  movimento  concordáo  com  o 
movimento  de  hnma  esfera  fobre  fi  j  por- 
que na  face  do  Sol  eftas  manchas  nem  fem- 
pre apparecem  com  a  mefm.a  diftancia  en- 
tre fi  j  quando  eftáo  no  meio  ,  fempre  tem 
maior  diftancia  apparente  ,  que  quando  fe 
chegáo  para   as  bordas  ,    ou  Limbo   do  ^\, 

.    (Tomai  fentido  neífes  nomes,  que  sáo  ter- 

,  mos  próprios  da  matéria  \  Ora  fendo  o  Sol 
huma  bola  ,  que  tiveíTc  varias  manchas  , 
fempre  em  igual  diílancia  ,   as  que  nós  vif- 

fe- 


Tarde  trigefima*  8i 

femos  defronte  ,  havíamos  de  vellas  com 
maior  íeparaçáo  ,  e  maiores  ,  que  3S  que 
vilTemos  de  ilharga  3  porque  haviáo  de  pa- 
recer mais  eftreitas  ,  e  mais  chegadas  entre 
fi ,  como  he  bem  manifefto.  Pois  aílim  fuc- 
cede  no  Sol,  e  peia  meima  razáo ,  as  man- 
chas 3  que  paísáo  pelo  meio  ,  correm  com 
mais  velocidade  ,  que  as  que  paísáo  mais 
aliima  ,  ou  mais  abaixo  do  meio  ;  porque 
como  hâo  de  dar  volta  maior  ,  por  conta 
do  maior  bojo  ,  e  fempre  ha  de  fer  no  mef- 
mo  tempo  ,  em  que  todas  dáo  volta  ,  de- 
vem forçofamente  andar  mais  depreffa. 

Eug.  Tudo  deve  aliim  fer  ,  íuppofto  o  Sol 
ler  esférico  ,  e  mover-fe  á  roca  de  fi  mef- 
mo. 

Silv.  E  eíTas  manchas  nãõ  poderão  fer  enga- 
no da  vifta  ,  ou  alguma  poeira  dos  Te- 
lefcopios  ? 

Theod.  Vinde-vos  certificar  com  os  vofTos 
olhos  antes  que  o  Sol  fe  efconda  no  Hori- 
zonte 5  porque  efta  manha  vi  cu  no  Sol 
fete  manchas  bem  diftinèlas  ,  e  ainda  fe 
hâo  de  ver. 

jEug.     Tantas!  e  são  fempre  as  mefmas? 

Tbcod.  A's  vezes  apparccem  muitas  ,  outras 
menos  ,  outras  vezes  nenhuma  ;  eíte  anno 
cm  10  de  Abril  lhe  contei  eu  fincocnta  c 
huma  ,  e  algumas  eráo  bem  grandes ,  nunca 
o  tinha  vifto  táo  manchado.  Vinde,  Silvio, 

.    defenganar-vos. 

4^/7^^.     Sempre    me   fica    o   efcrupulo    fe    fera 

.  mancha  do  vidro ,  e  que  pareça  que  hc  no 
Tom.  VI,  F  Sol^ 


')2  Kecreaçao  Filofofica 

Sol  ;  c  me  confirmo  mais  com  o  que  di- 
zeis j  que  nem  fempre  sáo  as  mefm^s. 

TfKod.  Aqui  tendes  o  Tclefcopio  apontado, 
c  defendido  com  hum  vidro  verde  e  defu- 
mado ,  que  hc  o  melhor  modo  que  ha  para 
obfervar  o  Sol  ....   vedes  ? 

Sflv.  Vejo-o  clariílimamente  ,  e  lá  percebo 
humas  trcs  nódoas. 

Th^od.  Reparai  bem  que  eíTa  mais  de  íima 
sáo  duas  juntas,  e  a  de  todo  baixo  sáo  qua- 
tro pequeninas ,  que  fe  confundem  . . .  ag;o- 
ra  as  vereis  melhor,  porque  vos  puz  o  Tc- 
lefcopio no  ponto  da  voíía  vifta. 

Silv.  Lá  percebo  que  sáo  dons  montinhos  de 
nódoas  mais  pequenas  ;  mas  náo  diftingo 
quantas  sáo  ;  e  quem  me  diz  que  ifto  náo 
he  do  oculo? 

Ibiod.  Se  forem  do  oculo ,  em  vós  bolindo 
com  o  oculo ,  também  ellas  fe  háo  de  mo- 
ver :  ora  r.^ovei-o  levemente ,  para  náo  per- 
der de  viífa  o  Sol. 

Sílv.     Ellas  náo   fe  bolem  :   já  vejo  que  náo 

-    sáo  do  oculo.  Vede  ,  Eugénio. 

Tkíoi.  Amigo  ,  eftas  coufas  quando  fe  dáo 
por  certas  ,  náo  hc  fobre  conjcóluras.  Ve- 
des, Eugénio? 

Bug.     \''eio  as  muito  bem. 

Thcod.  Bafta  :  vamos  cá  para  dentro.  Sobre 
cilas  manchas  do  Sol  ha  varias  opiniões  en- 
tre os  Aftronomos  ,  tanto  fobre  o  lu^ar, 
como  fobre  a  natureza  :  alguns  fe  lembra- 
rão fe  feriáo  Satélites ,  que  andaíTem  á  roda 
tlclle ,  porém  ifto  náo  hc  verofimil ,  porque 

ás 


Tarde  trigefima,  S3 

ás  vezes  de  repente  apparecem  no  meio  do 
Sol  algumas  manchas  ,  outras  vczcs  de  re- 
pente defapparecem  j  o  que  hoje  aíTentáo 
commummcnre  he  ,  que  sáo  nuvens  groílas 
e  cfpefras  ,  que  fe  levantáo  da  fuperficie  do 
Sol ,  como  as  nolTas  nuvens  da  íuperficie  da 
terra  j  por  iíTo  ás  vezes  de  repente  fe  diíli- 
páo  ;  outras  vezes  íendo  mui  miúdas  e  im- 
perceptíveis 5  fe  ajuntarão  no  meio  da  fua 
face  ,  e  fera  de  repente  vifivel  a  miancha. 
Como  porém  em  quanto  fe  náo  desfazem 
iempre  leguem  o  movimento  commum  de 
huma  parte  para  a  cutra  ,  prováo  iempre  a 
confiante  rotação ,  ou  vertigem  do  Sol.  Ou- 
tra duvida  ha  fobre  o  lugar.  Algutis  que- 
rem que  eftejáo  como  pegadas  na  fuperfi- 
cie do  Sol  5  porque  náo  tem  paralaxe,  (eu 
explico  efta  palavra  )  quero  dizer ,  que  ven- 
do-fc  a  meíma  manch,^  de  diverfos  luga- 
res ,  V.  g.  d'aqui  e  de  Paris  ,  fempre  cor- 
refjx3nde  ao  mefm.o  ponto  do  Sol  j  c  íe  el- 
la  eftivelTe  cá  mui  diílante ,  vendo-a  de  hu- 
ma parte  ,  corresponderia  á  borda  ,  ou  lim- 
bo do  Sol ;  e  vendo-a  ao  mefmo  tempo  de 
outra  terra  ,  corre fponderia  a  outra  parte, 
náo  tão  cheg?:da  á  borda  ,  ou  limbo  ;  aflim 
como  ,  porquie  Silvio  difta  da  parede  frontei- 
ra,  a  fua  cabeça  vifta  daqui  corrcfponde-mc 
á  efquina  daquelle  m.appa  ,  e  a  vós  ,  Eugé- 
nio ,  ha  de  correfpondcr  ao  meio  delle. 

Eu^.  AHim  hc  j  e  iflo  he  que  chamáo  para- 
lixe  ? 

Tfxod.  Sim  i  e  obferyai  que  quanto  mais  fe- 
F  ii  pa- 


84         Recreação  Filofofica 

parado  eítiver  Silvio   da  parede  ,   maior  ha 
de  fcr  a  diftancia    dos  lugares   a  que  a  fua 

.  cabeça  correrponde  ,  vendo-a  nós  dcftes  lu- 
gares ,  em  (]ue  eftamos  fentacos  ;  fe  elía 
diftaííe  ^  palmos  da  parede  ,  pouca  feria  a 
diíFerença  :  pcrdoai-nos,  Silvio,  fentai-vos 
lá  quaíi  cncoftado  d  parede;  e  vós  ,  Eugé- 
nio 5  ficai  quieto. 

Silv.     Com  muito  gofto  vos  firvo. 

Eug,  A  mim  correfpondc  a  volTa  cabeça  á 
moldura  do  mappa,  meio  palmo  diftante  da 
efquina. 

Theod.  E  a  mim  hum  palmo ;  em  pouco  vai 
a  diíFcrençâ  ;  por  iíTo  hc  pequena   a  parala- 

.   xe  5  e  a  diftancia   real   de  Silvio   á   parede. 

.  Eis-aqui  porque  muitos  julgáo  que  as  man- 
chas do  Sol  eftáo  pegadas  nclle.  Porém 
Wolfio  fe  períuade  ,  e  com  fundamento, 
que  náo  pode  iíío  fer  aílim  ,  porque  então  , 
quando  as  manchas  voltalíem  com  o  Sol  á 
roda  tio  fcu  centro  ,  tanto  tempo  feriáo  vi- 
fiveis  ,  andando  na  face  voltada  para  nós, 
como  invifivcis ,  andando  na  face  contraria ; 
e  ifto  náo  fuccede  aíhm,  porque  tardáo  em 
apparecer  perco  de  três  dias  (  i  ) . 

Silv.  Náo  percebo  como  dahi  fe  infere ,  que 
as  manchas  eftcjáo  feparadas  do  Sol. 

Theod.     Defte  modo.    Eu    vos  faço  aqui    com 

.  o  lápis  huma  figura  (^Ejlamp.  i.^^. 4. )feja 
cfte  globo  S  o  Sol  ,  nefte  circulo  de  pon- 
tinhos €  o  a  andem  as  manchas.  Ifto  fup 
pofto ,  he  verdade  que  tanto  tempo  háo  de 

Ijaf- 
(O    Eleixi.  Aftron.  §.  413. 


Tarde  trigeftma,  85'" 

gafiar  na  meia  volta  de  cá  ,  como  na  meia 
volta  oppofta  ;  porém  como  andáo  algum 
tanro  aftaíb.das  ao  corpo  do  Sol  ,  e  náo  fe 
podem  ver  fenáo  corrclpondendo  á  noíTa  vif-» 
ta  fobre  o  Sol  ,  tanto  que  efcaparem  delia  , 
ficáo  invifiveis  ;  c  aííím  em  quanto  a  man- 
cha andou  de  e  até  ci  ,  hia  aquella  nódoa 
negra  encubrindo  o  Sol  ,  e  via-fe  ;  tanto 
que  efcapou  de  cí  ,  ninguém  a  vio  até  tor- 
nar a  apparecer  em  e.  Deíle  modo  fica 
bem  claro  ,  que  muito  mais  tempo  ha  de 
cftar  a  mancha  invifivel ,  do  que  vifivel  j  o 
que  não  feria  aíiim  ,  fe  eftiveííe  pegada 
á  fuperficie  do  Sol  ;  porém  nunca  efta 
diftancia  fera  muita  ,  porque  então  ha- 
veria a  paralaxe  ,  que  já  vos  expliquei. 

S\\\).     Tenho  percebido. 

TI?cGd.  Do  que  tenho  dito  fe  infere  que  o 
Sol  á  roca  de  fi  tem  tal  ou  qual  atmosfera , 
que  correfponde  ao  nofío  ar ;  porque  alias  on- 
de fe  havião  de  fuftentar  elTes  vapores  ,  ou 
nuvens  ,   ou  fumos  que  o  encobrem  ?    Nós 

•  fabemos  que  os  vapores  da  terra  fe  lévantáo 
pelo  pezo  do  ar  ,  e  nclle  fe  fuftentão  ,  náo 
obftante  pezarem  para  a  Terra ,  como  fe  vè 
quando  fe  ajnntão  e  chove;  também  tudo  o 
que  houver  nas  vizinhanças  do  Sol  deve  pe- 
zar  para  elle;  edeve  haver  por  boa  razão  al- 
gum fluido  ,  em  que  nadem  eíTas  nuvens. 
Em  humas  Cartas  fyíicas  ,  que  hei  de  publi- 
car, vos  direi  que  cftas  nuvens  são  da  maté- 
ria cpaca  5  em  que  fe  fuftenta  a  chamma  que 
brilha  no  Sol. 

€.  II. 


26  Recreação  Filofijica 

§.  II. 

Dos  movimentos  do  Sol  ,  e  da  fua  dijíancia 
íi  refpciio  dx  Terra. 

Eug,     "F^  O  movimento    cio    Sol   rodos    os 

JL^  rjuc   tem  olhos   podem   teíiificar; 

porque  he  bem  notório  que  em  vinte  e  qua- 

rro  horas  ie  move  de  Xafcente  para  Poente. 

Theod.  EíTe  he  o  primeiro  movimento  que 
03  Aftronomo>  coníiieráo  no  Sol,  que  tam- 
bém he  commum  r  toios  os  Aílros  ,  os 
quaes  com  os  Ceos  fenfivelmentc  le  revol- 
vem noefpaço  de  hum  dia.  Porém  efte  mo- 
vimento ,  dizem  os  Copernicanos  ,  que  fó 
he  na  apparencia,  porque  na  realidade  o  Sol 
eítá  quiero  ,  e  a  terra  he  a  que  fe  move  á 
roda  do  leu  cixo^  e  aiíim  cono  quando  va- 
mos embarcados  nos  parece  que  os  roche- 
dos nos  váo  íugindo  para  trás  ,  fení  o  ceno 
que  elks  ficáo  immoveis  ,  e  nós  íomos  os 
que  vamos  andando  para  diante  •■,  alfim  di- 
zem Oò  Copernicarios  ,  que  fucceJe  entre  a 
terra  e  o  Sol.  A  terra  dizem  que  he  como 
hum  grande  e  unrverf.il  navio  ,  que  fe  mo- 
ve de  Poente  para  Nafcente  em  24  horas  , 
c  os  hoiBcns  cuidáo  que  os  Ceos  e  Aftros 
todos  fe  movem  de  Narccnie  para  Poen- 
te. Porém  dePe  porro  failarerros  outro 
dia  la^fgamente  (  i  ).  Alem  deiíe  movimen- 
to 
(  I  )     Tarde  XXXII.  §.   IJI. 


Tarde  trigefíma,  87 

to  commum  ,  a  que  fe  chama  diunw  ^ 
porque  fe  compiera  em  hum  dia  ,  tem  o 
Sol  outro  movimento  próprio  ,  que  he  de 
Poente  para  Naícente  ,  correndo  os  12  Si- 
gnos ,  que  sio  doze  Conílcllaçóes  do  Ceo , 
a  que  elle  íucceíli vãmente  vai  corre ( ponJen- 
do  :  de  forte  que  ,  fe  hoje  o  Sol  quando 
nafce  correíponde  no  Ceo  a  huma  determi- 
nada eftrella  v.  g.  da  coníteilaçáo  de  Gemi- 
^íí,  á  manhã  quando  nafcer  já  ha  de  Ter  de- 
pois de  íahir  do  Horizonte  cila  eílrelh ,  por- 
que entre  tanro  andou  o  Sol  para  o  Orien- 
te quaíi  hum  gr.io  ;  daqui  a  ^o  dias  já  o 
Sol  ha  de  correíponder  a  outra  conftella- 
çáo  5  a  que  chanaáo  Coiiccr  ;  c  aflim  pelos 
doze  mczes  vai  corrcrpcncendo  ás  doze 
conftellaçóesj  que  chamáo  Signos.  Etbs  12 
conftellaçóes  juntas  fórmáo  huma  cinta  ,  que 
rodea  todo  o  Ceo  ,  a  que  ch:.mio  Zculix- 
cOj  e  deite  moio  em  ^65  dias,  6  hor^s ,  9 
minutos  5  e  14  íegundos  ,  tem  o  Sol  corri- 
do com  o  feu  movimento  próprio  todo  o 
Ceo  em  redondo.  Se  me  laáo  percebeis  de 
todo  5  pelo  difcurfo  das  conter encias  me 
percebereis  melhor  ,  que  ainda  havemos  de 
tornar  a  faliar  nitto.  Ora  eíle  rrovimento 
lambem  he  apparenic  na  opinião  dos  Co- 
pcrnicanos  ,  porque  dÍ7.cm  que  o  Sol  eRá 
íixo  ,  e  a  terra  (alem  de  fe  revolver  corro 
hum  peão  fobre  o  feu  eixo  em  24  hor^is  ) 
também  dá  hum  pafleio  vagarofo  á  roda 
do  Scl  no  efpaço  de  hum  anno  inteiro. 
Como  iílo  folTa  ícr  ,  vos  explicarei  de  va- 


88  Recreação  Filofofica 

gar  ,  quando  fallar  defte  fyflema  ,  exj?li- 
cando-vos  o  admirável  jogo  dcs  Aftros  en- 
tre fi.  Agora  fó  quero  tratar  de  cada  hum 
em  particular. 

Eu^^.  Como  vós  fabeis  o  que  me  haveis  de 
dizer  ,  rcfervai  lá  as  doutrinas  para  o  lugar 
mais  opportuno. 

7heod.  Além  deftes  dous  movimentos  tem  o 
Soi  o  terceiro  ,  que  chamáo  de  Fertigcin  ou 
rotação  :  e  nefte  concordáo  todos  que  he 
verdadeiro,  e  que  na  realidade  o  Sol  fe  mo- 
ve á  roda  do  feu  próprio  centro.  Eíie  mo- 
vimento que  (como  ha  pouco  dilTe  )  íe  co- 
nhece pelas  manchas  ,  que  vão  fempre  paf- 
fando  de  huma  parte  para  outra  ,  gafta  25 
dias  e  meio.  Advirto  porém  que  o  eixo 
do  Sol  (ifto  he  ,  a  linha  que  íc  confidera 
palTar  pelo  feu  centro ,  e  terminar  nos  dous 
pólos  lebre  que  fe  revolve)  náo  fica  a  pru- 
mo a  relpeiío  do  plano  da  Eclitica.  Eu 
me  explico.  Se  no  mc:o  defta  meza  re- 
donda puzermos  a  terra  ,  e  ccnfiderar- 
mos  pela  borda  da  rr.cza  os  doze  Signos, 
pelos  quaes  o  Sol  fe  move  no  eípaço 
de  hum  anno  ,  para  reprcfcntar  bem  o 
feu  m.ovimento  ,  havemos  com  hum  ara- 
me atravcíTar  huma  laranja,  ou  qualquer  bo- 
la ,  e  ao  pafb  que  formos  andando  com  ci- 
la pela  borda  da  meza  ,  havemos  de  ir  re- 
volvendo o  arame  en're  os  dedos,  para  que 
a  laranja  fe  volva  fobre  o  feu  próprio  eixo. 
Di^o  agora  que  cíle  arrme  náo  deve  an. 
dar  a  prumo  íbbre  a  meza  ,   mas  hum  f>ou- 

CO 


Tarâe  trigeftma.  S^ 

CO  inclinado  ,  de  forte  que  faça  com  a 
meza  (que  correfponde  ao  que  charriáo  os 
Aftronomos  Plano  da  Eclirica)  hum  angulo 
de  88  gráos  e  n^eio.  Ifto  he  o  que  por  ago- 
ra podeis  faber  fobre  o  movimento  do  Sol ; 
agora  vamos  á  fua  diíhncia. 

£ug.  Creio  que  ha  de  fer  disformemente 
grande. 

Theod.  Sobre  a  diftancia  dos  Planftss  não 
pôde  haver  tanta  certeza  ,  como  fobre  os 
léus  movimentos  ;  porém  dir-vos-hei  a  opi- 
nião que  reputo  por  mais  fegura  ,  e  he  a 
que  fegue  Mr.  de  la  Lande  (  i )  depois 
das  obfcrvaçõcs  da  paíTagem  de  Vénus.  Di- 
go pois  ,  leguindo  efíe  calculo  ,  que  o  Sol 
diíta  da  Terra  (25-  :  028  .  409)  vinte  cin- 
co contos  ,  e  vinte  e  oiro  mil  ,  quatrocen- 
tas e  nove  léguas  Portuguczas.  Ifto  he  a 
diftancia  media. 

£ug.  Bem  dizia  eu  que  havia  de  fcr  disfor- 
memente grande. 

Theod.  Adverti  logo ,  que  efta  diftancia  nem 
fcmpre  he  a  mejma  ;  porque  a  Terra  náo 
fica  no  centro  da  elife  por  onde  fe  move  o 
Sol  5  nem  o  Sol  no  centro  da  elife  por  on- 
de fe  move  a  Terra  (fallando  no  fyftema 
dos  Copernicanos ).  Difta  pois  do  meio  óçC- 
ta  elife  (420  .  478)  quatrocentas  e  vinte 
mil ,  c  quatrocentas  e  fetenta  e  oito  léguas. 
Efta  diftancia  ou  do  Sol  ,  ou  da  Terra  "ao 
verdadeiro  centro  da  Orbita  do  Planeta  que 

P- 

(  1  )     Conhecimento  dos  tempos  para  o  an- 
no  177Ó. 


ço  Recrsaçãi)  Filofoflca 

gira  ,  conforme  os  diverfos  fyftemas ,  fe  dis* 
ma  Excentricidade ;  e  tanto  vale  o  que  cref- 
ce  a  diíhncia  do  Sol  á  Terra  ,  quando  hc 
máxima  ,  como  o  que  íe  diminue  da  me- 
dia ,  quando  hemimma.  Porém  lequizcrdes 
comparar  a  diftancia  máxima  com  a  míni- 
ma 5  a  difFcrença  importará  duas  excentri- 
cidades ;  e  aílim  importa  (841  .  9s^^  oi' 
tocenras  e  quarenta  e  hum  mil  ,  novecen- 
tas e  cincoenta  cieis  leg^uas.  E  bafta  de  me- 
didas i  vamos  aos  cclipfes  do  Sol. 
SíW.  Se  vós  o  pudeíTcis  medir  a  palmos  , 
náo  eftarics  com  tantas  miudezas. 

§.  III. 

Dgs  Eclipfcs  do  ScL 

Tkeed.  /^Eclipíe  ,  que  fe  chama  do  Sol, 
V-/ verdadeiramente  he  eclipfe  da 
Terra  ;  porque  fe  eclipfe  he  obfcuraçáo  ,  a 
Terra  verdadeiramenre  he  que  padece  obf- 
curaçáo ,  porque  cahe  nella  a  íombra  que 
lhe  tâz  a  Lua  ,  quando  fe  metre  entre  nós  e 
o  Sol.  Vós  já  íabeis  que  couTa  he  Lua  No- 
va ;  c  que  fucccde  quando  eftá  a  Lua  entre 
nÓ5  c  o  Sol  ,  voltando  para  ellc  a  fua  face 
illuminada  ,  e  para  nós  a  efcura. 

Eu^.  Bem  me  lembro  do  que  hontem  nos 
dilTeftes  ;  c  da  experiência  da  bola,  que  pen- 
durada fizeftes  andar  ároda  caminha  cabeça 
defronte  da  vela  acceza  ,  que  figurava  o  Sol. 

Theod, 


Tarde  trigefíma.  91 

jTheoã.  Supponde  agora  que  ,  eftando  nós 
olhando  para  o  Sol  ,  paliava  a  Lua  por  en- 
tre nós  e  clle  ,  havia-nos  de  tirar  a  vifta  do 
Sol  •  e  iílo  hc  eclipfe  ;  fe  tiraíle  a  vifta  de 
iodo  o  Sol  5  chamariamos  a  ifto  eclipfe  to- 
tal :  fc  Te  demoraíTe  algum  tempo  o  Sol 
todo  efcurecido  ,  era  total  com  mora  ,  ou 
detença  :  Te  tanto  que  a  Lua  chegaíTe  a  en- 
cubrir  a  ultima  borda  do  Sol  logo  defcu- 
brilTe  a  primeira  da  outra  parte  ,  era  total 
fem  mora  :  fe  a  Lua  náo  palTaíTe  bem  pelo 
meio  ,  mias  encubrindo  huma  pane  do  Sol 
deixaiíc  fempre  defcuberra  a  -outra  parte  , 
chamr-riamios  a  eíTe  eclipfe  parcial.  Tudo  if- 
to he  fácil  de  entender. 

Fug.     E  muito  fácil. 

Thcod.  Vamios  agora  explicando  íílo  miuda- 
mente. Em  primeiro  lugar  náo  pôde  haver 
eclipfe  do  Sol  5  fenáo  em  Lua  Nova  ;  por- 
que fó  na  Lua  Nova  ,  quando  ella  volta 
para  nós  a  face  efcura  ,  hc  que  pódc  acon- 
tecer paflar  a  Lua  por  entre  nós  e  o  Sol. 
Eis-aqui  porque  S.  Oionyfio  Areopagira  (fe- 
gundo  fe  diz  )  fendo  ainda  Gentio  ,  fufpei- 
tou  a  mcrre  do  Cre?dor  ,  fem  ter  noticia 
nenhuma  do  que  íe  paflava  em  Jerufalem ; 
pois  quando  Chriílo  Senhor  noíTb  padeceo, 
exclamou  elie :  Ou  o  r,iurido  todo  fe  dejman^ 
ckx ,  ou  o  Ambor  do  Uuivcrfo  padece  ;  por- 
que vio  hgm  eclipfe  total  do  Sol  no  dia  di 
Lua  Cheia  ;  e  a  fer  aílim  ,  ou  fe  tinha  òcí^- 
ordenado  o  Univerfo  ,  ou  era  eclipfe  mila- 
grofo  ;    c  fó  para  demonftraçáo  de  que  pa- 

de- 


92  Recreação  FiJofoJica 

decia  o  Author  da  natureza  fe  faria  fcmc- 
Ihantc  fígnal. 

Bug.  Difcorria  bem  ,  porque  elle  efperava  a 
Lua  de  huma  parte  ,  e  o  Sol  da  outra , 
como  coftuma  fucceder  em  iodas  as  Luas 
cheias  ,  em  que  quando  fe  póe  o  Sol ,  en- 
tão he  que  nafce  a  Lua  ;  e  achava  a  Lua 
efcurecendo  o  Sol  j  tinha  raz?.o  de  íe  admi- 
rar. Mas  por  efte  moio  creio  eu  que  todas 
as  Luas  novas  haverá  eclipfe  do  Sol. 

Theod.  Náo  fuccede  ilTo  aíiim  ;  porque  a  Lua 
humas  vezes  efcapa  por  huma  parte ,  outras 
efcapa  por  outra  j  e  fó  quando  paíTa  bem 
por  entre  nós ,  e  o  Sol ,  he  que  o  encobre , 
e  temos  eclipfe.  Logo  vos  carei  mais  luz 
íbbre  efte  ponto.  \''amos  ás  demais  cir- 
cunftancias.  A  ourra  circunfrancia  ,  que  de- 
veis obfervar  nos  eclipíes  do  Sol  ,  hc  que 
náo  sáo  iguaes  para  todas  as  terras  ,  nem 
ao  mefmo  tempo  ,  nem  gcracs.  A's  vezes 
ternos  eclipíc  do  Sol  em  Heípanha  ,  mas 
náo  na  Africa  ;  outras  vezes  he  total  em 
Galiza,  e  parcial  em  Lisboa;  outras,  quan- 
do o  vemos  aqui ,  ainda  náo  começou  n  ou- 
tras partes. 

Eug.  Qiiero  faber  a  razáo  de  todas  eíTas  cir- 
cunftancia^. 

Theod.  A  Lua  he  hum  corpo  opaco  ,  e  faz 
íombra  ;  ora  como  a  Lua  vai  findando  ,  a 
fombra  vai  pairando  ;  e  quando  eita  fombra 
dá  na  Terra  ,  vai  a  fombra  correndo  fuccef- 
íivamente  as  Cidades  ,  que  encontra  no  feu 
carminho  j  e    primeiramente  ha  de  paíTâf  por 

hu- 


-  Tarde  trigefima.  93 

huma  ,  depois  por  outra  ,  &c.  a  Cidade, 
onde  der  a  fombra  ,  que  faz  a  Lua  ,  cm 
quanto  ahi  der  a  fombra  ,  náo  pôde  ver  o 
Sol  ,  e  para  eíTa  Cidade  eftará  eclipfado  to- 
do eíTe  tempo  ,  mas  ainda  fe  verá  o  Sol  na 
outra  Cidade  mais  adiante  ,  aonde  ainda 
náo  chegou  a  fombra  da  Lua  ^  por  iíTo  ou- 
vireis dizer  ,  começou  o  eclipfe  do  Sol  ás 
8  horas  nefta  Cidade  ,  e  ás  8  e  meia  na 
outra. 

Eug,     IiTo  he  evidente. 

Theod.  Também  d'aqui  fe  infere  ,  que  o  ecli- 
pfe total  do  Sol  fó  por  milagre  pôde  fer 
geral  em  toda  a  Terra  ;  porque  aflim  o 
Sol  ,  como  a  Terra  ,  são  muito  maiores 
que  a  Lua.  Suppofto  ifto  ,  ponha-fe  a  Lua 
onde  quizer ,  nunca  ha  de  prohibir  que  paf- 
íem  raios  do  Sol  para  toda  a  Terra :  fe  náo 
derem  numa  parte  ,  lá  háo  de  dar  noutra  ^ 
porque  fendo  hum  corpo  mui  pequeno  met- 
lido  entre  dous  muito  maiores  que  elle  , 
náo  pôde  embaraçar  que  fe  vejáo  ;  e  em 
a  Terra  podendo  ver  o  Sol ,  já  eftá  alumia- 
da nelTa  parte  que  o  vir.  Também  nunca 
pôde  fer  geral  cm  toda  a  Terra  o  eclipfe 
parcial  do  Sol  ,  pela  pequenhez  da  Lua  a 
refpeito  da  Terra  ,  e  eítar  muito  perto  del- 
ia. Pela  mefma  razáo  ,  os  eclipfes  do  Sol 
náo  sáo  iguaes  para  todas  as  partes  onde  ha 
eclipfe  i  porque  ,  fupponhamos  que  a  Lua 
eftá  de  tal  forte  pofta  entre  nós  e  o  Sol , 
que  o  encobre  todo  ,  e  faz  hum  eclipfe  to- 
tal i   os  que  cftivcrçin  d' aqui  ^o  léguas  par 

ra 


94         Recreação  Filofqfica 

ra  o  Norte  ,  já  poderão  ver  alguma  parte 
do  Sol  da  banda  do  Norte  j  e  os  que  cfti- 
vcrcm  40  léguas  zo  Norre  ,  defcubriráó  já 
muito  maior  porção  do  Sol  i  c  tanto  pode- 
rão diftar  de  nós  ,  que  já  lá  das  fuás  Ter- 
ras defcubráo  todo  o  Sol.  Aqui  vedes  co- 
mo o  eclipíe  do  Sol  não  he  igual  em  todos 
os  lugares  onde  o  ha. 

Eug,  Huma  comparação  me  occorrc  ?gora, 
que  talvez  náo  fcja  imprópria.  Quando  no 
Ceo  andáo  algutrias  nuvens  loltas  ,  aconte- 
ce eftar  para  nós  o  Sol  encuberto  ,  e  ver- 
mos os  montes  da  banda  d  além  cheios  áz 
Sol. 

Silv.  A's  vezes  ainda  em  menor  diftancia  ob- 
íervamos  iíTo.  Vejo  muitas  vezes  as  cam- 
pinas próximas  á  minha  quinta  com  bello 
Sol  ,  e  as  minhas  cafas  á  fombra  da  nu- 
vem 5  que  brevemente  paGV,  e  me  deixa 
ver  o  Sol. 

Theod.  Ahi  tendes  hum  eclipfe  tão  verdadei- 
ro como  o  da  Lua  ,  mas  irregular  ,  e  fem 
período  certo  ;  porque  íó  a  differença  eftá 
em  fer  a  Lua  ,  ou  ler  a  nuvem  quem  en- 
cobre o  Sol  ,  c  eíTa  mefma  comparação  de- 
clara como  náo  luccede  o  ecliple  ao  mcfmo 
tempo  em  todas  as  Terras  ,  porque  vai  cor- 
rendo a  fombra  da  Lua  ,  aíiim  como  vai 
correndo  a  fombra  da  nuvem.  Mas  adverti 
que  ,  aflim  como  onde  da  a  fombra  da  nu- 
vem não  fc  vè  nada  do  Sol  ,  e  todo  fe  en- 
cobre ;  também  onde  dá  a  fombra  da  Lua, 
todo  o  Sol  fe  edipfa. 


Tarde  trigefima,  95r 

Eu<^.     E  como  fuccedc  o  eclipfe  parcial  ? 

Theod.  Forrra-fe  pela  Penimibra  do  Sol.  Náo 
fabeis  que  coufa  he  Penumbra  i  eu  vo-lo  ex- 
plico ;  mas  deixai-me  debuxar  aqui  huma 
íií^ura  ,  para  me  entenderdes  melhor  .... 
Aqui  tendes  efta  figura  (^fig.  5.  EJlamp,  i.)  Eft.  i, 
cm  fima  eftá  o  Sol  S  ,  no  meio  a  Lua  H  j  íi.  $. 
c  como  o  Sol  he  muito  maior  que  a  Lua, 
a  fombra  que  ella  faz  cá  para  baixo,  ha  de 
fer  pyramidal ,  e  quanto  mais  diftar  dâ  Lua  , 
tanto  mais  efíreita  ha  de  ícr.  Supponde  vós 
que  a  linha  f  p  R.  q  hQ  hum  campo  por 
onde  o  homem  vai  paííando  :  em  quanto 
caminhar  de  f  aié  p  ,  ha  de  ver  todo  o 
Sol  5  porque  vê  defde  a  borda  ou  limbo 
g  até  ao  outro  limbo  b  ;  fó  quando  o  ho- 
mem pafTar  de  p  para  dentro  ,  he  que  a 
Lua  lhe  ha  de  encubrir  parte  do  Sol  ;  e 
tanto  mais  lhe  ha  de  encubrir  o  Sol ,  quan- 
do elle  fe  chegar  para  R  :  chegando  a  eíTe 
ponto  ,  náo  vê  nada  do  Sol  ;  e  temos  ecli- 
pfe total  ;  porém  paílãndo  de  R  para  dian- 
te ,  já  ha  de  defcubrir  o  limbo  b  ;  e  cada 
vez  ha  de  ir  vendo  maior  porção  do  Sol , 
até  que  cheirando  a  q  defcubrirá  a  borda  do 
Sol  g.  He  ifto  claro  ? 

Eug.     Como  a  mefma  luz  do  Sol. 

Theod,  Aaui  tendes  agora  onde  podeis  per- 
ceber tuao  o  que  vos  tenho  dito.  A  fombra 
da  Lua  vai  àcCàç  H  até  R ,  tudo  o  que  ahi 
entrar  ficou  em  eclipfe  total  ;  íe  a  Terra  fi- 
car na  linha  a  i  u  e  ,  ha  de  haver  eclipfe 
total  com  detença ;  porque  como  ahi  a  fom« 

bra 


96  Recreação  Filojofica 

bra  tem  fua  groíTura  ,  cm  quanto  eíla  paf» 
far  peio  homem  ,  que  ciliver  quieto  ,  al- 
gum tempo  fe  ha  de  gaftar  ;  e  todo  elTe 
tempo  durou  o  Sol  em  eclipfe  total.  Porém 
fe  a  Terra  eíèiver  mais  longe  da  Lua,  (por 
quanto  haveis  de  faber  que  a  Lua  humas 
vezes  anda  mais  perto  de  nós  ,  ouiras  mais 
longe  )  f e  a  Terra  ,  digo  ,  eftiver  mais  lon- 
ge da  Lua  ,  e  correfpondcr  á  linha,  f  p  q  y 
como  a  pyramide  da  íombra  loca  com  a 
fua  ponta  R  neíTa  linha  ,  fará  na  Terra  hu- 
ma  nódoa  de  íombra  mui  pequena  ;  e  co- 
mo vai  paíTando  ,  tanto  que  o  homem  que 
obfcrva  o  Sol  entrar  na  fombra  por  huma 
parte  ,  logo  íahe  delia  pela  outra  ;  e  temo» 
cclipfe  fem  detença  :  porém  por  todo  o  ef- 
paço  ,  que  vai  de  p  aié  q  ,  ha  de  haver 
eclipfe  do  Sol  parcial ,  porque  todo  ciTe  ef- 
paço  occupa  a  Penumbra  do  Sol.  Portanto 
fombra  do  Sol  be  falta  de  tcda  a  luz  do  Sol ; 
e  fó  dá  naquelies  lugares  ,  donde  fenáo  vê 
nada  do  Sol.  Penumbra  do  Sol  be  falta  fó 
de  alguma  luz  ,  que  f abe  de  algumas  partes 
do  Sol  ,  mas  nao  de  toda  a  luz  ;  c  da  cm 
todos  aquelles  lugares  ,  c'os  quaes  fe  vè  par- 
te do  Sol  5  porém  náo  todo  ■■,  como  v.  g.  de 
p  até  R  ,  ou  de  R  até  ^  ,  porque  de  ne- 
nhuma deíTas  partes  fe  vè  o  Sol  todo  ;  c 
como  fe  náo  vè  todo  o  Sol  ,  náo  pôde  ef- 
tar  táo  claro  eíTe  terreno  ,  como  aquelle , 
aonde  forem  parar  os  raios  que  fahem  de 
qualquer  ponto  do  Sol. 
Eug.  Viíto  iílo ,  fallando  propriamente ,  quan- 
do 


Tarde  trigeflma.  i)j 

do  ha  eclipfe  do  Sol  parcial  não  eftamos  na 
fombra  da  Lua,  mas  na  Tua  Peniméra^. 

Theod.  Dizeis  bem  j  ainda  que  niuiras  vezes 
os  Aftronomos  não  talláo  com  todo  o  ri- 
gor ,  e  chamáo  fomhra  á  meima  Penumbra 
que  caufa  a  Lua.  Falta  explicar  o  cclípfe  do 
Sol  anular  :  iíto  he ,  quando  o  Sol  fica  co- 
mo hum  annel  de  luz,  negro  no  meio. 

Eug.     Nunca  vi  nenhum  alhm. 

Thcod,  São  muito  raros :  e  fuccede  quando  a 
Lua  fica  bem  na  linha  ,  que  vai  de  nós  até 
o  Sol,  e  náo  o  encobre  todo  ,  mas  fomen- 
te o  meio  ,  deixando  as  borjas  cm  redon- 
do deícubertas  ,  como  nefta  figura  ,  que 
aqui  faço  ÇEjlamp.  i.  fig.  6.).  Eft.   7. 

Eug.     Admiro-me  de  que  cftando  a  Lua  cor-  fig.  5. 
refpondendo  bem  ao  centro  do  Sol ,  náo  o  co- 
me todo,  aílim  como  quando  ha  eclipfe  total. 

Theod.  Com  razão  vos  admirais.  Mas  repa- 
rai :  hum  corpo ,  que  fe  vos  póe  diante  dos 
olhos  ,  encobre-vos  os  objeòlos  que  ficáo 
na  direitura  da  mefma  linha  fronteira  aos 
olhos  i  V.  g.  ette  chapeo  ,  pofto  entre  a 
minha  cara  e  a  voíía  ,  faz  que  vós  me  náo 
vejais  o  rotto  ;  fe  o  chegardes  mais  para 
vós  5  encubrir-vos-ha  parte  da  parede  ;  C 
quanto  mais  o  fordes  chegando  ,  m.aior  ha 
de  fer  o  campo  da  parede  ,  que  vos  occulte 
á  vifta  i  e  tanto  o  podereis  chegar  aos  olhos, 
que  vos  náo  deixe  ver  nada  delia  parede,  a 
que  eftou  cncoftado. 
Eug.  Tudo  ilTo  aílim  he. 
7h€od.  O  mefmo  fuccede  com  a  Lua :  quan» 
Tom,  VI.  G  do 


çS         Recreação  Fílofqfica 

do  eftá  entre  nós  c  o  Sol  ,   femprc  nos  en- 
cobre alguma    parte  dCilc  ^    íe  cítá  muito 
perto  de  nós  ,   encobre-nos  todo   o  Sol  ,   c 
grande   parte  do  Ceo  cm   rcdonJo  ;   tanto, 
<]ue  he  neceíTario  palTar  tempo  para  o  prin- 
cipiarmos a  ver ;   ie  eftá  mais  síiàítada ,  fim 
encobre   todo  o  Sol  ,    mas  quafi    ao  juftoj 
qualquer  coufa  que  ella  Te  mova,  ou  o  Sol, 
nos  deixará  ver  alguma  borda  :  mas  fe  eílá 
muito  longe   de  nós  ,    parece   mui  peque- 
na ,   e  náo  pódc  abranger  todo  o  Sol  j   fó 
encobre   o  centro  ,   e  deixa   ver   as  bordas. 
Eft.  1,    Nefta  mefma  figura  {ft^.  5.  £jiamp,   i.), 
fig*  5-    que  vos  moftrei  ,    vos  quero  apontar  o  fi- 
tio  ,   em  que  ha  de  haver  eclipfc  annullar. 
Eftando  a  terra  mui  diftante  da  Lua  ,  v.  g. 
ncíh   linha  n  m  o  ,  quem  eftiver  em  m, 
ha  de  ver  o  Sol  como   hum   annel  ;    por- 
que ha   de  defcubrir  a  borda  ^  ,   c  ao  mef- 
mo  tempo  a  borda  g  do  Sol,  e  náo  o  cen- 
tro.  Mas  eftes  cafos  fó  íuccedem  quando   a 
Lua  vai   láo  alta  ,   que  a  íua  íombra  náo 
chega   á  terra  ,   como  neftes  cafos  cm  que 
vedes  ,   que  pára  em  R.  E  adverti  de  cnmi- 
nho   huma    couía  ,    que   a   fombra   da   Lua 
quanto  mais  diíb  delia  ,   tanto  mais  eftrei- 
la  hc  ;   mas  a  fua  Penumbra  entáo  mais   fc 
alarga  ,  como  vedes  evidentemente.  Ifto  po- 
de  fcrvir   para   defvanccer   alguma   equivo- 
caçáo. 
Fug.     Advertiftes  bem  :  alíim  he. 
Theod.     O  que  falta   por  ora  para  dizer  fobrc 
os  eclipfcs  3   he  o  mgdo  de  fabcr  quantos 

V  -  di- 


Tarde  trigefima.  99 

dígitos  fe  háo  de  efcurecer  do  Sol  nefte ,  ou 
naquellc  determinado  edipre.  Digito  do  Sol 
he  a  parte  duodécima  do  feu  diameiro.  Cof- 
tumáo  os  Aftronomos  dividir  tanto  o  diâ- 
metro do  Sol  ,  como  o  da  Lua  em  doze 
partes  iguaes  ,  e  cada  huma  delias  chamáo 
digito.  Portanto  ,  para  faber  quantos  digi- 
tes do  Sol  fe  háo  de  efcurecer  ,  he  prccifo 
dar  algumas  noticias  primeiro  j  íicaráó  para 
feu  tempo.  Vamos  a  tratar  da  Lua. 

§.  IV. 

Da  Lua ,  fua  grandeza ,  pczo ,  denfidade  ,  e 
dos  feus  montes ,  atmosfera ,  e  habitadores, 

Eug.  A  Lna,  pelo  que  me  tendes  dito,  já 
jr\  fei  que  he  hum  globo  opaco  ,  c 
muito  menor  que  a  Terra  :  fendo  que  os 
olhos  julgariáo  que  era  do  tamanho  do  Sol , 
que  vós  já  diíTcítes  fer  i  :  4^5.  025  vezes 
maior  que  a  noiTa  Terra. 

Theod.  A  grande  diverfidade  da  diftancia  ,  em 
que  eftâo  eíTes  aftros  ,  he  a  caufa  de  que 
pareçáo  do  mefmo  tamanho  ,  fendo  em  íi 
láo  defiguac?. 

Eug.     Aílim  deve  fer  neceíTariamentc. 

Theod.  He  porém  a  grandeza  da  Lua  muito 
inferior  á  do  Sol  ,  e  também  inferior  á  da 
terra.  Comparando  os  diâmetros  da  Terra  e 
da  Lua  5  acha-fe  que  sio  entre  fi  como 
fetemà  e  quatro  a  rcfpeito  de  vinte  j  de 
G  ii  íor- 


ICO        Recreação  Filofofca 

forte  que  vem  a  ter  a  Lua  563  léguas  das 
noiTas  no  leu  diâmetro,  que  he  pouco  mais 
da  quarta  parte  do  diâmetro  da  Terra  :  por 
ccnfcguinte  ,  comparando  as  duas  fuperfi- 
cies  da  Terra  e  da  Lua  ,  tem  a  terra  huma 
íuperficie  treze  para  quatorzc  vezes  maior 
que  a  da  Lua.  L^Itimam.ente  os  volumes, 
íc  os  compararmos  entre  íi  ,  tem  a  Terra 
hum  volume  ,  ou  grandeza  ,  quarenta  e  no- 
ve vezes  maior  que  a  da  Lua.  Porém  o  pe- 
zo  não  he  íó  quarenta  c  nove  vezes  m^aior  , 
porque  a  Terra  he  mais  dcnfa  que  a  Lua. 
Comparando  pois  o  fen  pezo  com  o  da 
Lua  ,  o  pczo  da  Terra  çxcçàc  o  da  Lua  71 
vezes  ,  e  alguma  coufa  mais  ;  e  por  con-^ 
feguinte  comparando  a  gravidade  efpecifi- 
ca  j  ou  deníl.-ade  da  Terra  ,  com  a  da  Lua  , 
tem  a  mefma  proporção  lenfivelmente  que 
71  a  49  i  ifto  he  ,  que  tomando  dous  vo- 
lumes iguaes  da  matéria  da  Lua  ,  e  da  ma- 
téria da  Terra  j  fe  elTe  pedaço  de  terra  pczar 
71  onças  ,  ou  arrobas  ,  o  pedaço  da  Lua 
ha  de  pczp.r  49  onças,  ou  arrobas  com  pou- 
ca dríferença  (  i  ) .  Eu  vos  direi  a  Teu  tem- 
po  como  efias  contas   fe   fazem  j  c  vereis 

que 

(  1  )  Mr,  de  la  I.ande  na  Conhecimento  dos 
tempos  para  o  anno  1774.  pa^.  241.  Veja-f« 
tainbem  a  pae.  28  j.  onde  diz,  que  fe  deve  le» 
formar  a  Taboa  das  dimensões  d(vs  Planeias, 
que  fe  acha  no  fegundo  tomo  da  lua  Aftrono- 
mia  da  edição  de  1771.  na  pag.  158  A  roef- 
ma  Taboa  reformada  fe  acha  no  Conhecimento 
òm  tempos  dos  annos  feguintes. 


Tarde  trigejima,  lor 

que  não  sáo  arbitrarias  ,  mas  por  calculo 
admirável:  aílim  vós  tiveíTeis  inltrucçáo  pa- 
ra me  entenderdes  nos  termos  próprios. 
Paliemos  agora  da  matéria  da  Lua.  ja  vos 
dilTe  que  era  opaca  e  eícura  ,  náo  obftantc 
alguns  dos  antigos  Filofofos  dizerem  que 
era  da  natureza  do  fogo  :  ou  não  repara- 
váo  nos  eciipfes  ,  ou  náo  difcorrião  bem  ; 
poíto  que  aigum  fundam.enio  tinháo  para 
lhe  dar  huma  luz  morta  e  mui  fuíca  :  pois 
quando  a  Lua  entra  tot^Umente  no  eclipíe, 
ou  na  fombra  da  Terra  ,  ainda  Tc  vê  mui 
bem  ,  e  parece  ás  vezes  aos  olhos  algum 
tanto  avermelhada  ;  e  nos  dias  proxim.os  ao 
da  Lua  nova  fe  vè  ,  ao  mencs  com  o  Te- 
lefcopio  5  a  face  efcurecida  banhada  de  hu- 
ma luz  cfcura  e  froxa. 

Silv,  Bem  dizia  eu  que  ella  alguma  luz  ti- 
nha de  fí :  ahi  fe  vê  bem  manifeftamente. 

Theod.  Elperai ,  Silvio  :  efta  luz  efcura  ,  que 
fc  vè  na  Lua  eclipfada  ,  náo  provêm  de 
que  a  Lua  tenha  luz  própria  :  tem  diver- 
íos  principies.  No  que  rcfpeita  a  Lua, 
quando  cfta  próxima  ao  dia  da  Lua  nova, 
a  luz  pállida  ,  que  fe  vê  na  hce  efcureci* 
da  ,  provêm  do  reflexo  dos  raios  do  Sol , 
que  dão  na  noíTa  terra.  Supponde  que  o 
Sol  eftá  aqui  em  fima  de  nós  ,  a  Lua  fen- 
do próxima  ao  dia  ,  em  que  fe  chama  Ao- 
va  ,  náo  pode  diftar  muito  do  Sol  para  oj 
lados  :  eíta  Terra  também  hc  opaca ,  e  to- 
do o  corpo  opaco  reíiede  a  luz  ,  mais  ou 
menos  ,  conforme  elle  he  :   dando   pois   o 

Sol   ^ 


IC2        Recreação  Filofofíca 

Sol  de  chapa  na  terra  ,  os  raios  háo  de  re- 
flectir em  grande  parte  para  fima  i  e  como 
neíla  Jjnha  encontrão  a  Lua  ,  háo  de  banhai- 
la  de  alguma  luz  branda  j  aíHm  como  na 
Lua  cheia  os  raios  de  Sol  ,  dando  de  cha- 
pa na  Lua  ,  reflesflem  para  nós.  Vede  a 
p(^.  1.  mefma  tigura  ( /^.  5.  Eftamp.  i.  )  ,  que 
fig.  5.  fervio  para  vos  explicar  o  eclipfe  do  Sol,  o 
qual  íempre  acontece  em  Lua  nova.  Se  a 
Terra  eítiver  na  linha  n  m  o  ,  os  raios  do 
Sol  Sy  que  vem  de  fima,  dão  na  Terra,  e 
refleéiem  para  íima  ;  e  como  encontrão  a 
face  da  Lua  totalmente  ás  efcuras  ,  porque 
o  Sol  lhe  fica  pela  outra  face  ,  dáo-lhe  hu- 
ma  luz  íeníivel  ;  de  forte  que  então  quem 
eftiveííc  na  Lua  ,  e  olhalTe  cá  piura  a  Ter- 
ra ,  havia  de  vella  Cheia  ,  e  banhada  de 
luz. 
JEug.  Por  cíTe  difcurfo  venho  eu  a  inferir  , 
que  também  a  Terra  vifta  da  Lua  ha  de  ter 
luas  faces  ,  e  quartos  crefcentes  ,  c  min- 
•    guantes. 

Ibeod.  Aíiim  he:  e  ccrrificamo-ros ,  que  ef- 
ra  luz  branda ,  que  Te  defcobrc  neftes  cafos 
na  Lua  ,  procede  da  reflexão  dos  raios  do 
Sol  na  Terra  ,  porque  nos  quartos  da  Lua , 
já  a  parte  efcurecida  fe  não  vè  com  efta 
luz  ,  porque  já  a  terra  lhe  fica  de  ilharga, 
e  não  pôde  a  Lua  receber  tanta  luz  refle- 
xa da  terra.  Falta  agora  dizer  donde  proce- 
de a  luz  ,  com  que  fe  benha  a  Lua  no 
feu  eclipfe  toral  ;  mas  iíTo  procede  de  que 
a  Lua  5  ainda  no  eclipfe  loisl  ,  nunca  en- 
tra 


Tarde  trigefima,  105 

tra  na  fombra  da  Terra  verdadeiramente, 
mas  na  fombra  da  atmosfera  da  Terra ,  fe- 
gundo  o  Graveíande  (  i  ) :  eu  logo  vos  ex- 
plicarei ifto.  Tríttemos  primeiro  da  figu- 
ra da  Lua  ;  e  quero  que  a  vejais  com  os 
voíTos  olhos  j  antes  que  eu  vos  diga  na- 
da delia.  Vamos  a  vella  com  o  Teleico- 
pio. 

Silv.  Bem  he  que  a  vejamos  antes  de  ecli- 
pfada  j  para  que  depois  vendo-a  efcurecida  , 
eonheçam.os  melhor  a  diíFcrença. 

Thsod.  Ahi  tendes  o  Telefcopio  apontado, 
vedc-a  bem ,  e  reparai  na  fua  figura. 

Eug.  Que  coufa  láo  nova  !  Eu  vejo  huma 
grandiflima  bola  ,  que  parece  fcr  de  prata , 
mas  toda  cheia  de  manchas.  Nenhuma  fe- 
melhança  tem  de  olhos ,  nariz  ,  e  boca  ,  co- 
mo le  repreicnta  aos  olhos.  V^ede  ,  Silvio. 
{Eftamp.ufig.j,)  ^      Ert. 

Silv.  Manchas  tem ,  e  muitas  :  náo  fe  pode 
negar.  Eftá  formofillima  :  a  fua  luz  he  lâo 
forte  5  que  me  oíFende  os  olhos. 

Thccd.  Eiperai :  aqui  tendes  eíte  vidro  azula- 
do ,  de  que  me  hei  de  valer  eíta  noite  pa- 
ra obfervar  o  eclipfe  ,  fegundo  a  defcube^- 
ta  do  nolío  grande  Barros  j  que  aílim  como 
felizmente  achou  que  o  vidro  verde  corri 
outro  defumado  eráo  os  melhores  para  oh- 
fcrvar  o  Sol  ,  aíTim  quer  que  o  azul  feja  o 
melhor  para  obiervar  a  Lua.  Com  efta  cau- 
tela náo  molefta  os  olhos. 

Silv.     Aílim  he  ....  Tenho  viílo. 

Tbeod. 
(  1  )  Num.   JS54. 


íi; 


IC4       Recreação  Filofqfica 

Tkeod.  Ainda  lhe  náo  viftcs  bem  os  montes 
e  cavernas  ,  nem  os  podereis  ver  bem  fc- 
nâo   dscjui   a   alguns  dias  ,    quando   fe  for 

■  voltanjo  de  ilharga  a  fua  face  allumiada ; 
porque  aííim  como  na  terra  vemos  bel  la- 
mente os  montes  de  ilharga  ,  mas  le  como 
hum  paliarinho  voalTemos  ao  alto  bem  fo- 
brc  hum  monte  ,  náo  os  ptírceberiamos 
bem  ,  vendo-os  de  fima  e  em  grande  dif- 
nncia  j  aíIim  na  Lua. 

Eug.  Silvio  náo  póje  conter  o  rifo ,  quando 
ouve  fallar  nos  montes  da  Lua. 

Theod.  Náo  importa  ,  que  o  tempo  defcnga- 
na  muito.  Attendei-me:  a  fupcrhcie  da  ter- 
ra bem  labemos  que  náo  he  hza  ,  mas  tem 
monres  altiíHmos ;  porém  eftes  mentes  quan- 
to mais  ao  longe  os  vemos  ,  menores  pa- 
recem:  fupponhamos  que  os  viamos  da  Lua  ^ 
que  pequeninas  burbulhas  pareceriáo  na  vaf- 
ta  bola  da  terra  :  porque  fe  vendo  nós  a 
Lua  cá  debaixo  ,  tendo  ella  de  diarr,etro 
56^  léguas  5  parece  táo  pequena  ,  que  pe- 
quenos pareceriáo  viftos  de  lá  os  montes  da 
terra  ? 

JEug.  Dizeis  bem  ,  que  pareceriáo  burbu- 
inas. 

Theod.  Agora  voltemos  o  cafo  para  a  Lua: 
vós  ha  pouco  a  viftes  quafi  cheia  ;  e  quando 
ella  eftiver  menos  de  quarto  ,  entáo  vos 
convido  para  a  verdes  outra  vez  ,  e  pafma- 
reis  ;  porque  muitas  coufas  haveis  de  ob- 
fervar  ,  que  náo  elpcraveis  ^  eu  as  vou  di- 
zendo ,   porque  pertencem  aqui  :   primeira- 

iTiCn- 


Tarde  trigefnna.  105* 

mente  a  linha ,  que  divide  a  face  efcura  da 
allumiada  ,  e  he  curva  a  modo  de  fouce, 
náo  he  hza  ,  he  mui  tortuola  ,  e  tem  le- 
mclhança  dos  dentes  de  huma  ferra  ,  ou 
fouce  ,  pofto  que  Icm  regularidade  :  além 
dilTo  ,  na  tace  efcura  apparecem  algumas 
manchas  mui  brilhantes ,  como  ilhas  de  ne- 
ve em  mar  de  tinta  ,  e  na  parte  allumiada 
fuás  manchas  negras  ;  e  tudo  ifto  procede 
dos  montes  e  valles  da  Lua.  Vós  haveis 
de  fuppór  que  a  divisão  na  Lua  entre  a 
face  allumiada  e  efcura ,  he  como  a  da  ter- 
ra ,  quando  o  Sol  nafce ,  ou  fe  vai  pondo  ^ 
na  qual  vedes  parte  allumiada  ,  c  parte  ef- 
cura j  mas  como  a  fuperficie  da  terra  náo 
he  liza  ,  também  náo  he  regular  a  linha 
que  divide  o  hemisfério  da  fombra  daquelle 
onde  dá  o  Sol  ;  alli  apparece  o  cabeço  de 
hum  monte  já  dourado  pelo  Sol  ,  quando 
junto  ao  monte  eftá  hum  valie  ainda  fom- 
brio  e  efcuro.  Eis-aqui  o  que  são  aquellas 
manchas  brancas  ,  que  apparecem  junt^  ás 
bordas  da  face  efcura  da  Lua  ;  sáo  montes 
mui  altos  ,  que  nos  íeus  cabeços  ainda  ai- 
canção  os  raios  do  Sol  ;  e  nos  valles  ,  que 
medeiáo  ,  náo.  E  vè-fe  que  ifto  he  aííim ; 
porque  no  dia  feguinte  fe  a  Lua  vai  en- 
chendo ,  como  vai  cada  vez  crefcendo  mais 
a  face  allumiada  ,  a  malha  branca  cada 
vez  he  maior,  c  a  efcuridáo  que  medeava  , 
menor  \  a/lim.  com.o  cá  na  terra  vai  dcf- 
cendo  a  luz  do  Sol  pelo  monte  abaixo, 
quando  o  Sol  nafce  ,   até  pouco  a  pouco 


io6        Recreação  Filofofica 

ir  allumiando  o  valle  todo.  Do  mefmo  mo- 
do algumas  manchas  efcuras  ,  que  fe  viáa 
na  borda  da  face  allumiada ,  vão  diminuin- 
do ,  até  fe  perderem  de  todo ;  e  eráo  a  fom- 
bra  que  faziáo  nos  vallcs  os  altos  montes, 
que  entáo  recebiáo  a  luz  de  ilharga  ;  aflim 
como  fazem  nos  campos  os  montes  ,  que 
ficáo  ao  nakenie  ,  quando  o  Sol  íe  levan- 
ta ,  os  quaes  á  proporção  que  o  Sol  vai  fu- 
bindo ,  váo  encurtando  efta  ibmbra ,  que  fe 
cftendia  pelos  campos  para  a  parte  oppof- 
ta,  até  que  chegando  ás  lO  horas  já  não  ha 
fombra  confideravel.  Vós  náo  me  diíTcftes 
já  que  quem  obfervaíTe  defde  a  Lua  a  nof- 
la  Terra ,  havia  dever  enchentes  e  m.inguan- 
tes  j  &c.  ?  Pois  fendo  a  Terra  cheia  de  mon- 
tes ,  havia  de  ver  de  repente  apparecer  hu- 
ma  cabecinha  do  monte  banhada  da  luz  do 
Sol  ,  e  os  valles  ás  efcuras  :  d'ahi  pouco  a 
pouco  veria  ir  allumiando-fe  os  valles  até 
ficar  tudo  cheio  de  luz  ,  ilto  he  quando 
crefccíTe  ;  e  quando  mingualíe  ,  havia 
primeiramente  de  ver  apparecer  huma  fom- 
bra nos  valles  ,  e  ficarião  fcparadas  do  ref- 
to  as  cabeças  dos  montes  allumiadas  ,  e 
cftas  pouco  a  pouco  iriáo  perdendo  a  luz  , 
até  ficarem  ás  efcuras  de  todo.  Pois  if- 
fo  que  fuccederia  a  quem  obfervaíTe  a  Ter- 
ra defde  a  Lua  ,  nos  fuccede  a  nós  ob- 
fervando  a  Lua  cá  de  baixo ;  c  por  ilTo  ne- 
nhum Aftronomo  duvida  dos  montes  da 
Lua. 
Súv,    Eu  duvidava,  náo  porque  tivcfle  eftu- 

da- 


Tarde  trigefima,  107 

dado  o  contrario  ,  fomente  porque  me  pa- 
recia couía  dita  fem  fundamento  ;  e  que 
iíío  fe  encaminhava  a  dizer  que  a  Lua  era 
habitada  de  viventes ,  que  para  iíTo  tinha  ma- 
res 5  lagoas  ,  e  montes ,  &c. 

Theod,  Eííe  ponto  he  mui  diverfo ;  mas  con- 
cluindo o  que  toca  aos  montes  da  Lua, 
querem  Galiieo  e  Keplero  ,  iníignes  Aftro- 
nomoSj  que  fejáo  mais  altos,  que  os  aliiUi- 
mos  montes  da  terra  ,  náo  fó  á  proporção 
do  feu  corpo,  mas  abfoluramentc  ,  porque 
lhes  dáo  mais  de  huma  légua  de  altura  per- 
pendicular. PaíTando  adiante  ,  já  daqui  fc 
infere ,  que  Vénus  e  os  mais  Planetas  terão 
os  feus  montes. 

Sih.  Tendo-os  a  Lua,  e  fendo  Vénus  hum 
Planeta  opaco  como  ella  ,  que  difficuldadc 
poíTo  eu  ter  cm  que  tenha  montes  altifli- 
mos  ? 

Thcod,     Em  quanto  aos  mares  da  Lua  fua  di- 
vcríídade  ha  entre  os  Altronomos.  Muitos 
com  Wolfio  (  I  )   (  e  nefta  opinião  concor- 
dáo  quafi  todos)  dizem,  que  aquellas  man- 
chas mais  efcuras  que  hontem  viftes  ,  sáo 
mares  ,  ou  lagoas  ;  porque  o  mar  vifto  de 
longe   he  muito   mais  efcuro  que  a  terra ; 
pois  tendo  a  fupcrficie  mais  liza  ,   refleíle, 
como  o  efpclho ,   a  luz  mais  ordenada  para 
huma  parte  fó ,  e  fica  mais  efcuro  vifto  das 
outras  partes  ;  e  aíHm  fuccede  na  Lua.   Po- 
rém Kcil  (2)  leftifica,  que  com  os  melho- 
res 
(  1  )  Eiem.   Aílron.  §.  479. 
(3)  Introd.  ad  veram  Philofoph.  fedi.  9, 


io8         Recreação    Filofofica 

rcs  Teíefcopios  fc  defcobrcm  cavernas  c 
grandes  irregularidades  nelTas  meímas  man- 
chas efcuras  ;  o  que  nâo  'feria  aliim  ,  fc 
foliem  mares.  Fique  elle  ponto  ncíta  dú- 
vicia.  Outro  ponto  ha  aqui  tambcm  duvido- 
fo  fobre  a  atmosfera  da  Lua.  Huns  dizem, 
que  cila  icm  á  roda  de  fi  coufa  que  fe  pa- 
rece com  o  nofTo  ar  a  que  chamamos  at- 
mosfera da  terra  ,  que  a  rodeia  em  circuito. 
Woílio  (  I  )  quer  que  tenha  a  Lua  atmos- 
fera 5  e  que  hajáo  nella  chuvas  ,  orvalho, 
e  relâmpagos  ;  e  dos  Aftronomos  mais  an- 
tigos tem  muitos  pela  fua  parte  ,  como 
sáo  Keplero  ,  Longomontano  ,  Galilco  c 
outros  ,  porém  dos  Modernos  creio  que 
quafi  todos  feguem  a  parte  contraria  ;  e  o 
fundamento  he  mui  grave  ;  porque  fe  a 
Lua  rivelíe  atmosfera  ,  havia  de  fer  diá- 
fana ,  como  he  a  da  terra  ,  e  havia  de 
fer  denfidade  diverfa  do  reftante  dos  efpa- 
<^os  dos  Ceos  ,  o  que  fuppofto  ,  haviáo 
de  quebrar  os  raios  do  Sol  ,  quando  a  pe- 
netraíTcm  de  ilharga  ;  e  quando  a  Lua  nos 
encubriíTe  com  o  feu  corpo  alguma  eftrel- 
la  ,  antes  que  a  occuhalíe  com  o  feu  cor- 
po ,  havia  de  efcurecclla  algum  tanto  com 
a  fua  atmosfera,  eotFufcaria  a  eftrclla,  náo 
deixando  vir  aos  nollos  olhos  a  fua  luz  ,  fe- 
náo  depois  de  trafpaífar  a  atmosfera.  Ora 
efta  luz  da  eítrella  aotrafpalTar  hum  diáfano 
esférico  de  diverla  denfidade  ,  havia  de  tre- 
mer 3  ou  quebrar  ,   ou  corar  ,  ou  fazer  al- 

(i)  Elero.  Aftron.  §.  486, 


Tarde  trigefima,  109 

guma  mudança  feníivel  ,  fegundo  o  que 
dilTe  já  da  luz  e  á?\s  cores  ;  e  nada  difto  fe 
obíerva.  Ainda  quando  \>nus  fe  occulta 
pela  Lua  (como  determinadamente  fe  ob- 
ícrvou  em  ^i  de  Dezembro  de  1720), 
nenhuma  mudança  fe  obfervou  na  luz  de 
Vénus  antes  de  entrar  ,  nem  depois  de  fa- 
hir  do  eclipfe  ,  ou  occultaçáo  da  Lua  ;  e 
náo  he  crivei  que  deixaíTe  de  fazer  alguma 
inudança  na  fua  luz  a  atmosfera  da  Lua , 
fe  a  houveíTe.  Pelo  que  nem  nuvens  ,  nem 
orvalhos  ,  nem  trovoadas  me  parece  que 
temos  lá. 

S\W,  E  para  que  eráo  precifas  eíTas  coufas , 
náo  havendo  lá  habitadores? 

Theod.  Wolíio  quer  que  os  haja ;  c  tem  bons 
votos  por  fi.  Hugens  ,  grande  Aftronomo, 
antes  de  Wolfío  o  diíTe  ,  além  de  alguns 
antigos  ;  e  Keplero  inclina  para  eíTa  opi- 
nião 5  e  o  Cardeal  Cufano  (  i  ).  Efta  mcf- 
ma  razáo  da  analogia  e  femelhança  da  Ter- 
ra com  os  Planetas  ,  em  ordem  a  ter  habi- 
tadores 5  lambem  fe  eftende  a  Júpiter  ,  Sa- 
turno 5  Marte  ,  Scc.  ,  e  as  razoes  que  elles 
dão  ,  náo  sáo  para  ridiculizar  ,  nem  tam- 
bém para  feguir  em  matéria  táo  grave  ,  e 
tão  difficil  de  averiguar  ,  porque  náo  pafsão 
de  conjeól-uras  :  e  por  grandes  Aítronomos 
que  elles  fejáo ,  como  os  habitadores  dosAf- 
tros  nem  foráo  viílos  com  os  Telefcopios , 
nem  os  calcularão  por  demonftraçáo  deduzi- 
da  do  que  com  os  Telefcopios  virão  ,   tem 

a 
(1  )     L.  2.  de  Doãa  Ignorantia  c.  12. 


no       Recreação  Filofofica 

a  fé  de  pura  conjeílura  ;  c  quanto  a  mim  , 
prováo  que  pôde  fer  que  aílim  fcja  :  mas 
nc  eftc  pomo  da  claíTc  daquelles  ,  que  em 
váo  fe  perrendem  laber  j  porque  hc  impof- 
fivel  (íó  dizendo-o  Deos)  que  haja  funda- 
mento convincente  por  huma  ,  nem  por  ou- 
tra parte.  Huma  couía  he  certa  ,  que  fc 
houveíTem  nos  Planetas  alguns  habitadores , 
náo  haviáo  de  fer  filhos  de  Adáo  ,  nem  re- 
midos com  o  Sangue  de  Jefu  Chrifto.  O  que 
cu  digo  nefta  matéria  he  ,  que  os  fins ,  cora 

Í|ue  Deos  formou  toda  a  fabrica  do  Univer- 
o  ,  sáo  taes  ,  que  náo  cabem  na  cuniííi- 
ma  comprehensáo  dos  homens  ,  e  hc  teme-r 
ridade  julgar  que  para  eíles  fins  (que  náo 
fabemos  quaes  foráo)  he  precifo  que  Tejác) 
todos  os  Planetas  habitados.  Digo  mais  ,  que 
quererem  perfuadir  que  cftas  crcaturas  habi- 
tadoras dos  Planetas  háo  de  fer  homens ,  he 
querer  fazer  a  Omnipotência  e  Infinita  Sa- 
bedoria de  Deos  filha  da  noíTa  idéa  ,  ou  pe- 
lo menos  cnccrralla  nos  feus  curtiílimos  li- 
mites :  Deos  pódc  produzir  maior  diverfida- 
de  de  creaturas  ,  do  que  todos  os  homens 
comprehender.  PaíTemos  a  outro  ponto  •■,  e 
náo  queiramos  adivinhar  o  que  náo  fe  pódc 
por  modo  nenhum  pradentemente  faber. 


§.  V. 


Tarde  trigefima.  iix 

§.  V. 

Dos  movimentos  da  Lua ,  e  fua  dijiancla, 

Silv.  np  Ão  louvável  he  nos  homens  a  cu- 
A  rioUdade ,  e  defejo  de  faber  o  que 
fe  pode  faber  naturalmente  ,  como  digno 
de  fc  condemnar  o  temerário  appetite  de 
querer  adivinhar  aquellas  coufas  ,  que  Deos 
quiz  por  totalmente  fora  da  esfera  da  noíTa 
compre  hensáo. 

Theod.  Vamos  aos  movimentos  da  Lua  :  já 
fabeis  que  fe  move  á  roda  da  Terra  ,  como 
os  Satélites  de  Júpiter  á  roda  delle  ;  nefte 
movimento  ou  periodo  gaíla  27  dias ,  7  ho- 
ras,  4^  minutos,  e  cinco  fegundos. 

Silv.  Eu  cuidava  que  eráo  29  dias  emeio; 
fupponho  que  vos  equivocais. 

Theod.  Não  equivoco  :  mas  eu  me  explico, 
porque  já  fei  onde  prende  a  voíía  dúvida. 
O  mez  da  Lua  he  de  dous  modos  ,  e  tem 
dous  nomes  :  hum  he  Mez  fynodico ,  outro 
periódico,  O  mez  periódico  he  o  intervallo 
de  tempo  ,  que  ^afta  em  dar  huma  volta 
perfeita  á  roda  da  Terra ,  de  forte ,  que  tor- 
ne a  correfponder  ao  mefmo  lugar  do  Ceo , 
a  que  tinha  correfpondido  no  principio  deíTa 
voltai  cnifto  confome  a  Lua  27  dias,  7  ho- 
ras e  4^  minutos  :  a  ifto  chama-fe  Mez  pe^ 
riodico.  Porém  o  Mez  fynodico  he  o  inter- 
vallo que  ha  de  Lua  nova  a  Lua  nova ,  ou  de 

Lua 


112        Recreação  Filofofica 

Lua  cheia  á  feguinte  Lua  cheia  ,  e  efte  ín- 
tcrvallo  he  òq  i^  dias  e  meio  ,  como  vós 
dizíeis. 

Eug.  E  OjUal  he  a  razão  áQ{{t  augmemo  e 
difFerença  de  tempo  ? 

Theod.  Eu  a  dou  :  lupponde  que  hoje  he 
Lua  nova,  e  que  eftá  a  Lua  a  prumo  íobrc 
nós  ,  e  debaixo  do  Sol  :  ora  neTe  momen- 
to ,  cm  que  a  Lua  he  verdadeiramente  no- 
va, correfponde  a  hum  cerro  lugar  do  Cco. 
Daqui  a  27  dias  e  tantas  horas  ,  pontual- 
mente torna  a  Lua  a  paíTar  por  eílc  lugar , 
e  acabou  o  fcu  periodo  ou  Mcz  periódico ; 
mas  como  já  ahi  não  acha  o  Sol  ,  porque 
clle  entretanto  foi  andando  ,  he  precilo  que 
a  Lua  gafte  mais  dous  dias  para  o  alcan- 
çar ,  de  forte  que  fique  outra  vez  a  prumo 
debaixo  dclle  ,  e  feia  outra  vez  Lua  nova. 
Eis-aqui  porque  a  Lua  gafta  n  uma  revolu- 
ção 27  dias  ,  e  de  Lua  nova  a  Lua  nova 
gafta  29  dias  e  meio. 

Silv.  Fico  fatisfeito  :  eu  não  fabia  eíías  diffe- 
renças  ,  lembrava-me  de  ter  vifto  efte  nu- 
mero na  folhinha. 

Theod.  Além  deftc  movimento  periódico  , 
tem  a  Lua  ffu  movimento  de  rotação  ,  ou 
vertigem  á  roda  do  feu  centro ;  e  gafta  nefte 
movimento  também  27  dias,  7  horas,  e4; 
minutos  (  I  )  3  e  por  iffo  fcmpre  volta  pa- 
ra 

(  1  )  A  razão  defta  admirável  congruência 
entre  o  movimento  periódico  da  Lua  ,  e  o  feu 
movimento  de  rotação,  diremos  em  huma  daJ 
Cartas  f) ficas,  que  brevemente  daremos. 


Tarde  trlgefima.  t  í  3 

fa  nós  a  meíma  face.  Por  efta  ra2áo  álgúnS 
fe  equivocáo  ,  c  crem  que  a  Lua  náo  tem 
efte  movimento  ^  porque  fempre  lhe  vem  a 
mefma  face ;  mas  náo  advertem ,  que  como 
a  Lua  anda  á  roda  de  nós  ,  para  voltar  pa- 
ra cá  fempre  2  mefma  face,  he  prccifo  que 
dè  huma  volta  á  roda  do  leu  eixo^  Se  eu 
pendurar  de  huma  linha  huma  maça  toca- 
da ,  e  andar  com  ella  á  roda  da  volTa  cabe^ 
ça,  voz  cm  algum  fitio  deita  volta  lhe  ha- 
veis de  ver  o  podre  ;  e  fe  eu  vo-lo  quizec 
occultar ,  devo  ir  torcendo  a  linha  á  propor* 
çáo  que  vou  fazendo  a  volta  ,  para  que  a 
face  sá  fempre  Ic  volte  para  vós  j  e  no  fim 
da  volta  ou  período  ,  terei  feito  dar  á  ma^ 
çá  também  huma  volta  á  roda  do  feu  eixo. 
Pois  aqui  tendes  hum  exemplo  do  movi- 
mento da  Lua.  Porém  devo  advertir  que  ef- 
te movimento  de  rotação  he  equavel  ,  iílo 
he  ,  quafi  igual  a  fi  mefmo  ,  nunca  fe 
apreffa ,  nem  fe  retarda ;  e  daqui  nafce  ou- 
tro movimento  da  Lua  ,  a  que  chamáo  de 
libração.  Ifto  he  dizer  que  a  Lua  ,  ainda 
que  fempre  volta  para  nós  a  mefma  face , 
contudo  ,  humas  vezes  lá  deixa  ver  hum 
tanto  mais  do  lado  direito  ,  outras  do  lado 
cfquerdo. 

Eug.     E  de  que  procede  iíTo  ? 

Thcod,  Procede  de  que  a  Lua  no  feu  mo* 
vimcnto  á  roda  da  terra  náo  anda  fempre 
com  movimento  igual ,  ora  fe  apreffa  ,  ora 
fe  retarda ,  porque  humas  vezes  anda  maia 
perto  da  Terra ,  e  outras  mais  longe  ^  c  hc 
Tom.  YL  H  rc- 


114         Re  cr  en  cão  Filofofica 

regra  geral ,  que  quando  hum  corpo  fe  mo- 
ve á  roda  ae  outro  ,  quando  he  menor  a 
diítancia ,  enráo  mais  veloz  íe  move ;  e  co- 
mo por  outra  parte  o  movimento  de  rota- 
ção hc  fempre  i^ual  ,  legue-fe  que  não  vai 
a  Lua  efcondcncio  a  íua  tiicc  occulia  ,  a  pro- 
porção c,\\^  fe  move  á  roda  de  nósj  e  ailim 
como  não  guarda  exa^liíiimamenie  efta  pro- 
porção 5  lá  lhe  delcubrimos  hum  pouco  da 
parte  eíquerda  ,  outras  da  direita.  Numa  Me- 
moria fobrc  ilTo  me  explicarei  melhor. 

jEí.'^.  Admiro-nDC  de  ver  a  miudeza  ,  com 
que  fc  examináo  os  movimentos  dos  Af- 
tros. 

Thíod.  A  Lua  como  nos  íica  muito  perto, 
conienie  mais  cxaclas  obíervaçòcs. 

Eug^     E  qae  diftancia  tem  a  Lua  de  nós  ? 

Theod.  Dffta  6o  1'emidiamérros  da  Terra  com 
pouca  diiíèrença  ;  ou  (6'2.  15:5)  feíTenta  e 
duas  mil  ,  cento  e  cincoenta  e  trcs  léguas 
Portugiczas.  Mas  nem.  fem;  re  ha  a  melma 
diíkncia  entre  nós  c  a  Lua;  ora  crefcc ,  ora 
dimJnue ;  porque  a  linha  ,  por  onde  fe  miO- 
vc ,  he  eliie ,  e  a  Terra  não  fica  no  meio , 
mas  dcfviada  cclle  algum  tanto. 

Sug,  E  quanto  fe  dclVia  a  terra  do  meio 
dcíTa  elife? 

Thcod,  O  valor  de  ;  fcmidiamcrros  da  ter-- 
ra  e  hum  terço  ,  que  valem  ^•4^"'  Icguag. 
Poriuguczas,  e  tanto  hc  o  que  fe  augmenta 
a  dii^ancia  da  Lua  quando  hc  a  maior,  che- 
gando a  6:»  femidiametros  c  hum  terço;  co- 
mo também  fe  dimmuc  ilio  mefmo  quando 

hc 


Tarde  trigefjrna  tt^ 

lie  a  minimaj  porque  cntáo  nso  pafTa  à(^  ^6 
ícmiJiamcrros  e  dous  terços.  Forem  quan- 
do abloiíiramenre  Te  talia  da  diiíancia  da 
Lua  ,  cntendc-ic  da  media  ,  iilo  he ,  da  cue 
fica  entre  a  maior  de  codas  ,  e  a  minima,  e 
efta  vale  6o  femidiamcíros  da  terra. 

Eu:^.     Qiie  mais  reíta  fabeY  da  Luar 

Thcod.  A  fua  orbita  ou  caminho  não  coin- 
cide com  a  do  Sol ,  a  que  chamáo  Eclitica; 
mas  faz  com  elía  hum  angulo  de  5  gráos ; 
mas  ífto  lego  o  explicarei  melhor.  Rcita 
iòmentc  dizer  que  o  eixo  da  Lua  ,  iobrc  o 
qual  elJa  íe  revolve  em  27,  dias*  e  mCiO, 
não  fica  a  prumo  e  perpencicuiar  fobre  o 
plano  da  faa  orbita  ,  mas  tem  fua  inclina- 
ção. Quero  dizer  :  íe  a  tetra  cílivcííe  r.o 
meio  delia  meza  em  que  tomarr.os  o  cha , 
e  cu  atravclfalTe  numa  laranja  v.  g.  com 
hum  arame  ,  para  reprefeniar  a  Lua  ,  quan- 
do quizelíe  ancilar  com  ella  peia  borda  da 
meza  ,  em  ordem  a  imitar  o  feu  movimen- 
to cá  roda  da  Terra,  não  havia  cc  pôr  o  ara- 
me a  prumo  fubre  a  meza ,  m.as  com  hum 
angulo  de  Si  gráo?  c  m.eio. 

SHv.     E   para    que   ferve    tanta  impertinência 
neílàs  contas  ? 

Theod.  Para  faber  a^  razão  do  que  obferva- 
mos  na  Lua.  Nós  hum  as  vezes  defcubri- 
mos  mais  do  pólo  fuperior ,  e  rr.enos  do  in- 
ferior ,  outras  vezes  hc  pelo  contrario  ,  e 
procede  efta  diffcrcnça  da  inclincçéo  do  ei- 
xo da  Lua  ,  ou  do  arame  àn  laranja  :  quan- 
do o  eixo  fe  inclinar  para  nós,  havemos  de 
H  ii  ver 


it6         Recreação  FUofqfica 

ver  o  pólo  de  fima  mais  do  que  o  debaixo; 
e  quando  o  eixo  fe  inclinar  para  lá  ,  ha- 
vemos de  ver  mais  o  pólo  debaixo  do  que 
o  de  fima.  Agora  fó  falta  explicar  os  ccli- 
pfcs  da  Lua. 

§.  VI. 


Dos  JEclipfes  da  Lua. 

mos  a  faber  o  que  s 

pfes  ,  antes   que  elle  chegue  na 


Silv.     T  7  Amos  a  faber  o  que  sáo  eíTes  ccli 


realidade. 

Theod,  O  eclipie  da  Lua  nunca  pôde  aconte- 
cer ,  fenáo  na  Lua  cheia  ;  porque  Tó  ic 
cclipfa  quando  fe  mctte  nafombra  da  Terra, 
ficando  nós  entre  ella  e  o  Sol;  v.  g.  a  Lua 
no  Naicente  ,  c  o  Sol  no  Poente  ;  ou  a 
Lua  no  meio  do  Ceo  em  fima ,  e  o  Sol  no 
meio  do  Ceo  em  baixo.  Só  neftes  cafos 
pódc  a  Lua  ficar  mettida  na  íombra  da  Ter- 
ra ,  a  qual  lhe  impede  a  vifta  do  Sol ; 
porém  antes  e  def>ois  de  chegar  a  Lua 
á  fombra  da  Terra  ,  bem  vedes  que  a 
meíma  íàcc  ,  que  fica  allumiada  pelo  Sol , 
he  a  que  fe  volra  para  nós  ;  e  iíto  he  íer 
a  Lua  cheia  ,  como  agora  eftá  :  e  fuccedc 
o  eclipfe  bem  na  perfeição  da  enchente  da 
Lua. 

£ug.  E  parque  náo  temos  eclipfe  da  Lua  em 
todas  as  Luas  cheias  i 

Thcod,     Porque  nem  fcmprc  a  Lua  paíTa  bern 

po£ 


Tarde  trigeftma,  117 

por  detrás  da  terra  cm  direitura  do  Sol; 
humas  vezes  palTa  mais  por  hum  lado ,  ou. 
iras  por  outro  ;  mas  outras  vezes  entra  di- 
reitamente pela  fombra  dentro  a  bufcar  cen- 
tro com  centro  ,  e  entáo  he  ecliple  total, 
porque  toda  a  Lua  fe  efconde  do  Sol; 
n*outras  occafióes  porém  roça  a  íombra 
por  hum  lado ,  e  conforme  a  parte  da  Lua , 
que  entra  pela  fombra  dentro  ,  aílim  he  o 
eclipfe  5  ou  maior  ou  menor.  Tambcm  hc 
precifo  faber  que  a  Terra  ,  fendo  muito 
mais  pequena  que  o  Sol ,  faz  huma  fombra 
pyramidal.  \'ede  efta  figura  (_/f^.  i.  Ejt  2.  )  E(^.  2. 
que  com  a  penna  vos  faço  :  Aqui  temos  o  fig.  i. 
Sol  S ,  e  a  terra  T ,  como  agora  c ftá  ;  ifto 
he  ,  allumiada  pela  parte  ou  hemisfério  in- 
ferior ,  onie  he  dia  ,  e  efcura  na  parte  fu- 
perior  que  abitamos  ,  onde  agora  he  noi- 
te. A  Lua  L  no  feu  circulo  m  n  r  fe  mo- 
ve á  roda  da  Terra  ,  voltando  para  nós  â 
face  allumiada  ,  e  a  efcura  lá  para  íima, 
porque  he  Lua  cheia  :  tanto  que  chegar 
á  íombra  n  ,  ha  de  eclipfar-fe.  Se  entrar  pe- 
la fombra ,  onde  ella  he  mais  larga  ,  met- 
tendo-fe  pelo  centro ,  terá  no  eclipfe  demo- 
ra ;  porque  lendo  a  fombra  mais  grolía  que 
a  Lua,  gaitará  tempo  em  fahir  delia;  porém 
fe  a  Lua  andar  mais  alta  ,  e  atravdíar  a 
fombra,  onde  ella  he  mais  delgada,  menos 
tempo  durará  o  eclipfe  ,  porque  fahirá  mais 
dcpreíTa. 
Eu^.  No  que  reparo  aqui  neíta  figura  he , 
que  a  fombra  fe  acabe  em  deteiíninada  al- 
ai- 


ri8  Recreação  Filcfofica 

tura  ;  c  eu  cuidava  ,  çue  a  íombra  da  ter- 
ra ,  quando  o  Soi  andava  Já  de  baixo  , 
fe    elíjndia    por    touo    elle    tlpaço    até    o 

.    Ceo. 

'J'head.  Já  vos  ciiTe,  fallando  dos  eclipfcs  do 
5o!  ,  Cjue  a  fombra  da  Lua  era  pyramid?.! , 
porque  o  Sol  he  muico  niaior  que  a  Lua. 
Ord  o  Sol  também  he  muito  maior  que  a 
terra  j  c  por  iilo  também  he  pyramidal  a 
íombra  que  a  terra  faz  j  e  cada  vez  ha  de 
ler  mais  eítreita.  Ponharí.os  hum  exemiplo: 
a  fombra  que  tazem  as  jelozias  da  jancl- 
la  5  quando  o  Sol  entra  pela  caía  dentro , 
fe  a  receberdes  junto  a  j^neiia  num  papei , 
vereis  que  a  íombra  de  cada  páo  he  quafi 
ráo  grolía  como  o  meímo  pao  ,  e  íe  vos 
aíraitardes  alguns  palTos  para  dentro  ,  acha- 
reis que  a  íombra  das  grades  vai  ícndo 
mais  delgada  ,  c  tanto  vos  aftaftareis  ,  que 
náo  percebereis  bem  diftinciarrente  as  lem- 
bras das  grades  j  mas  vereis  huma  luz  con- 
fufa. 

£ug.  líTb  tenho  obícrvado  muitas  vezes  no 
meímo    pavimenio  da  caía.  Quando   o  Sol 

.  aada  baixo  e  entra  mui  dentro  ,  a  fombra 
dos  caixilhos  das  vidraças  vai  lendo  nlais 
eftreica ,  quanio  ma:s  diíta  da  vidraça. 

Thecd.  Deve  iVr  aílim  ,  porque  o  Sol  he 
maior  que  a  grolTura  dos  paos  do  caixilho, 
A  luz  da  vela  porém  náo  faZ  íombra  dcffe 
modo,  mas  ás  ?véíTas.  V.  g.  a  íombra  que 
fazeis  agora  ,  que  cíbiís  defronte  da  ve- 
la ,   quanto   a  íumbra  mais  diltar  de  vós , 

ma- 


Tarde  trigejima.  119 

maior  fera  \  vede  que  alto  foís  na  parede, 
onde  vai  dar  a  lembra  que  hzeis  j  e  a  mi- 
nha ,  que. logo  bare  na  parede  que  perco 
me  liça  ,  náo  he  táo  grande  como  a  voila. 
Porém  tudo  aliim  deve  íer  :  a  luz  à^.  veia 
he  muiio  menor  que  o  voiío  corpo  j  e  quan- 
do o  corpo  opaco  Kc  maior  que  o  lumino- 
fo  5  a  íombra  cada  vez  he  mais  grolTa  ,  por- 
que os  raios  ,  que  a  tcrmináo  ,  ll:hindo  do 
luminofo  5  e  roçando  o  corpo  opaco  por 
ambos  os  iddos  ,  íicáo  necellariamente  di- 
vergentes 5  e  cada  vez  alargáo  mais  :  pelo 
contrario  ,  quando  o  iuminoío  he  maior  que 
o  corpo  opaco  ^  a  ibmbra  he  pyramidtíl ,  por- 
que os  raios  ,  -que  vem  das  bordas  do  iumi- 
noío, e  parsáo  pelos  lados  do  corpo  opaco 
mais  pequeno  ,  vem  por  iílo  melmo  a  fer 
convergentes  ,  e  cada  vez  fe  cheg:.o  mais , 
até  íe  ajuntarem..  Para  aqui  íerve  o  que  vos 
dilíe  taiiando  da  Óptica. 

Bug.  òerve  tanto ,  que  agora  já  percebo  iíio 
muito  melhor.  Ivlas  quem  eíiiveííc  no  Ceo , 
bem  em  direitura  da  íbmbra  da  Terra ,  e  táo 
longe,  que  c4ia  náo  chega íTe  lá  ,  havia  de 
ver  o  Sol ,  ou  náo  ? 

Thcod.  Havia  ác  veilo  com  eclipfe  annuílar, 
aííim  como  nós  o  vemos ,  quando  a  Lua  íe 
arravtíTa  entre  nós  e  elic ,  mas  vai  táo  alta 
que  náo  chega  a  nós  a  fua  íombra.  Tornai 
a  ver  a  figura  do  eciipfc  do  Sol ,  pois  ainda 
p.qi)i  ha  de  eíliir  o  p?pel  ,  que  a  tinha  de- 
bujíada.  Aqui  eítá  Çfig,  5.  £jiamp.  i.  ):ift.  1. 
cucm   efliivcr   em  m  náo   verá  o  centro  do  J^ij-   S- 

;Sol , 


I20        Recreação  Filofoficá 

Sol  ,  mas  todas  as  bordas  em  redondo  ;  o 
mcfmo  fuccederia    a  quem  eftivelTe  cá  ncf- 
2.      toutra  figura  (Jig.  i.  Êfiamp,  2.)  em  /?,  táo 
I.       longe  da  Terra  ,    que  nâo  lhe  chegalTe  lá  a 
fombra  que  ella  faz. 
Sih.     Vifto   iíTo  ,   fc  a  Lua   agora  paííar  táo 
alta ,  que  efcapc  da  fombra  da  Terra  ,  nâo 
terá  eclipfe  nenhum. 
Thcod,     Nunca    pode  ir   táo    alta     como    di- 
zeis :   a  náo  elcapar  da  fombra  da  terra  pe- 
las ilhargas  ,  por  fima  náo  fe  pódc  livrar  do 
eclipfe.  Ifto  he  faliando  da  fombra  da  terra 
no  fentido  commum  dos  Aftronomos  ,    to- 
mando por  terra  (  para  efíe  eifeito  ;  eíle  glo- 
bo cm  que  eftamos ,  juntamente  com  a  fua 
atm.osíera  ;  por  quanto  fe  tomarmos  por  Ter- 
ra íó  efte  globo  folido  ,  cntáo  da  fua  fom- 
bra  fempre  efcapa   a  Lua  ;  porque  a  fom- 
bra  da  Terra   nunca  lá  chega   (  i  ) .   Faça- 
mos   huma    figura  ,    para    me    entenderdes 
2.       bem.    Aqui  tendes   (^Éjiamp.   2,  fig.  :.)  o 
2.       globo  da  Terra  T  ,    cingido  da  lua  atmos- 
fera/,  o,  Cy  :  o  Sol  o  iilumina  pelo  hemis- 
fério inferior  ;    e  le  a  Terra   náo  tiveífe  at- 
mosfera ,   a  fua  fombra  pyramidal  chegaria 
fomente  a  r.  Também  he  certo  que  ,    fe  a 
atmosfera  folTe  totalmente  opaca  ,   faria  hu- 
ma  fombra   cfcura  ,    que   chegaria   em  fór* 
ma    pyramidal   até  yí  j    porem   como  a  at- 
mosfera   he   tranfparente  ,    pofto    que    mais 
denfa  que   o  rcílante   do  efpaço    dos  Ceos , 
cíía  fombra  que  faz   a  atmosfera  he   milfu* 

(  j  )  Gravcf,  num,   J854. 


Tarde  trigefima.  121 

rada  com  muitos  raios  de  luz  ,  e  fica  huma 
fombra  mui  branda.  Adverti  agora  que  cf- 
ta  atmosfera  náo  íó  he  traníparente  ,  mas 
além  dilTo  tem  a  forma  de  esfera  ;  e  os 
raios  g  t  ,  que  vem  do  Sol  parallelos  ,  tan- 
to que  eniráo  na  atmosfera  f  ,  começáo  a 
quebrar  para  dentro  ,  e  háo  de  efpalhar-fe 
entre  íi  j  porquanto  o  raio  g  ,  que  palTa 
peJo  íim  da  atmosfera  ,  onde  ella  hc  rarif- 
iima  ,  mui  pouco  ou  nada  íenfivelmente 
ha  de  quebrar  ,  e  aílim  vai  até  A  ;  porém 
como  o  ar  ,  quanto  mais  vizinho  á  Terra  , 
mais  denfo  he  ,  também  os  raios  do  Sol , 
que  atravefsáo  a  atmosfera  ,  quanto  mais 
perto  váo  da  Terra  ,  mais  háo  de  quebrar ; 
e  devem  efpalhar-fe  entre  fi  ,  por  rodo  o 
elpaço  que  vai  de  A  até  «  ,  ficando  eíTc 
eípaço  illuminado  com  a  luz  do  Sol  que- 
brada na  atmosfera  ,  que  he  luz  muito  in- 
ferior na  claridade  á  que  paíTa  livremente 
por  fora  da  atmosfera.  Pelo  mefmo  moti- 
vo ,  o  raio  /  da  outra  parte  paíTa  fenfivel- 
mentc  direito  até  A ;  porém  o  raio  u  ,  co- 
mo arraveíTa  a  atmosfera  já  mui  denfa  ,  de- 
ve quebrar  muito  para  dentro  ,  e  vai  dar  a 
m  5  ficando  com  os  raios  entremedios  ,  que 
váo  quebrando  á  proporção  ,  cada  vez  me- 
nos illuminado  com  clTa  luz  fraca  todo  o 
cfpaço  de  m  até  A.  Por  confeguinte  a  fom- 
bra do  globo  puramente  da  Terra  ,  de  fi 
capaz  de  chegar  até  r  ,  náo  chega  lá  ,  por- 
que a  cortáo  de  huma  ,  e  outra  parte  ;  o 
fó  chega  até  i  ,   ficando   muito   mais  cgrt^ 

do 


I  :2        Recreação  FUofofica 

do  que  devia  ier.  Eis-aqui  porque  a  Lua 
no  eclipíe  total  náo  fica  inviíivci  ,  e  appa- 
rece  avermelhada  ,  porque  fica  banhada  da 
luz  do  Sol ,  quebrada  na  atmostera  ,  a  qual 

-    bem  labeis  que  tira   para  vermelha  :    e  por 

.  illb  a  Lua  no  Horizonte  nos  parece  aiío- 
gueada  ;  porque  os  vapores  da  atmoslcra 
qucbráo  ,  e  córáo  os  raios  ce  luz  ,  confor- 
me a  doutrina  ,  que  ficou  eílabelecida  tra- 
tando das  cores. 

SUv.  Suppoita  efta  doutrina  ,  admiro-mc  de 
que  a  Lua  no  eclipfe  total  fique  táo  efcu- 
ra  ,  e  que  a  acmosfera  faça  íombra  táo  ien- 
fivei. 

Iheod.  He  táo.fcnfivcl  ,  porque  a  atmosfera 
fe  atravciía  de  parte  a  parte  ,  e  a  luz  Ic 
compara  com  a  que  a  Lua  cottuma  rece- 
ber fora  do  eclipíe  ,  a  qual  he  mui  forte, 
porque  recebe  os  raios  do  Sol  puros  e  em 
chc-io  ;  o  que  tudo  faz  grande  dincrença. 
Advirto  porcrm  ,  que  eífa  que  vcrdcdeira- 
mence  he  lembra  da  aimostera  ,  e  mais 
commumraente  fe  chama  íombra  da  Terra  , 
he  rodeada  ce  outra  meia  Íombra  ,  a  que 
chamáo  Penumbra.  Eira  penumbra  cftende- 
fe  em  roda  da  íombra  ,  per  todo  aquelle 
eípaço  ,  onde  chegáo  alguns  raios  do  Sol 
dtícmbaraçados  ,  porem  náo  rodes  j  e  a 
íombra  íó  a  ha  ,  onde  náo  chet;áo  raios  ne- 
nhuns do  Sol  defem.baraçacos.  Por  iiío  an- 
tes que  a  Lua  enirc  na  íbm{>ra  verd?.deira  , 
conr.eça  a  eícurecer-íe  hum  pouco  coín  a 
penumbra  da  Terra   ,    que  canio   he  mais 

ef- 


Tarde  trtgefima.  125 

cfcúra  ,  quanto  mais  vizinha  he  á  verdades 
ra  íombra.  Aqui  fe  appiica  o  que  ha  pouco 
diíTcmos  da  íombra  e  penumbra  da  Lua  nos 
cdipics  do  Sol  (  1  ).  Falta  agora  cnilnar- 
vos ,  Eugénio  ,  de  que  modo  fc  conhece  fe 
o  eciipíc  da  Lua  ha  de  íer  tocai  ,  ou  par- 
cial ;  e  o  m-elmo  íe  pôde  dppiicar  aos  ecli- 
pfes  do  Sol. 

Hi^g.     Queira  Dcos  que  eu  o  perceba. 

TkiCd.  Haveis  de  perceber ,  e  com  facilidade. 
O  Sol  faz  hum  ^,iro  d  roda  de  nós  dentro 
de  hum  anno  ,  correndo  os  Signos  ,  como 
vos  expliquei  em  fcu  lugar  ;  a  Lua  cam.bem 
forma  hum  çiiro  á  roda  de  nós  ,  dentro  de 
hum  mcz  ,  porém  eítes  dous  circules  nem 
sáo  parallelos  hum  ao  ourro  ,  nem  coinci- 
dem :  cruzão-fe  em  dous  pontos.  Succedc 
julkmcnie  o  mcfmo  ,  que  fe  tcmaflemos 
dous  arcos  de  pipa  ,  e  mcttendo  hum  pelo 
outro  5  os  abrifiernos  algum  tanto  ,  de  iortc 
que  não  coincidifiem.  Ncfte  caio  os  dous 
arcos  5  ou  circules  ,  em  dous  pontos  fe  ha- 
vi:o  de  cruzar. 

^iig.     He  fcm  dúvida. 

Tl.ecd.  Pois  aíiim  mcfmo  haveis  de  íuppôr, 
que  Te  cruzáo  os  circulos  ,  que  deícrevem 
o  Sol  e  a  Lua  á  roda  da  Terra  ;  e  eíTes 
dous  pomos  ,  em  que  fe  cruzáo  ,  íe  cha- 
máo  Nos. 

£ug.  Agora  confeíTo  que  não  entendo.  Pois 
náo  dilfetles  que  o  Sol  andava  fcmpte  muito 

mais 

(i)     §.  in.  pag.  92. 


124       Recreação  Filofofica 

mais  alto  que  a  Lua  ?  Como  fe  ha  de  cru- 
zar hum  caminho  com  o  outro? 
7lKcd.  Cruza-fe  a  reípcito  da  noíTa  vifta  ; 
aííim  como  efta  bengala  pofta  no  ar  hori- 
zontalmente ,  vos  ha  de  coincidir  com  a 
moldura  daquelie  quadro  ;  mas  fe  eu  a  pu- 
zer  allim  inclinada  ,  já  a  reípeito  do«:  voíTos 
olhos  ,  fc  ha  de  cruzar  com  a  rr.oldura  ,  c 
n'uma  extremidade  ficará  fuperior  ,  noutra 
inferior  a  eila. 
Eug.     Já  entendo. 

Thecd.  Ficará  a  comparação  dos  arcos  de  pi- 
pa bem  própria  ,  fe  pondo  aíTentado  no 
cháo  hum  arco  grande  ,  que  reprefenre  o 
circulo  do  Sol ,  e  no  meio  alTencar  hum  ar- 
co pequeno  ,  que  reprcfente  o  circulo  da 
Lua  ,  puzermos  no  centro  de  ambos  huma 
laranja  que  reprcfente  a  Terra.  Mas  para 
fazer  que  hum  circulo  náo  coincida  com  o 
outro  ,  atraveííai  hum  arame  por  ambos  os 
Fft.  2.  arcos  de  parte  a  parte  (^Ejtamp.  2.  fig,  ^.) 
fig.  j.  e  também  pela  laranja  ;  e  depois  levantai- 
os  do  cháo  ,  e  defencontrai-os  hum  pouco  , 
de  forte  que  façáo  hum  angulo  de  5  ^ráos; 
eniáo  tendes  bem  fenfivelmente  reprclenra- 
do  a  Orbita  da  Lua  cruzada  com  a  Orbita 
do  Sol.  Orbita  ,  Eugénio  ,  quer  dizer  o  ca- 
minho que  trrma  o  Planeta  ,  quando  dá 
hum  çiro.  Neífe  cafo  ,  quem  defdc  a  laran- 
ja olhaffe  para  os  circulos  na  ra^ie  em  que 
eftáo  furados  pelo  arame  ,  os  veria  jun- 
tos ,  e  hum  íobrepollo  ao  outro  ,  ainda 
que   verdadeiramente   difta  muito  hum  do 

ou- 


Tarde  t rigefinia,  ii^ 

outro  j  porém  fora  delTcs  dous  Nós  ou  en- 
cruzamcntos  ,  os  veria  abertos  c  leparados 
entre  íi. 

Eug,     Percebo  bcUamentf. 

Thcod,     Façamos  agora  huma  figura  (^fig,  4» 

Efiamp.  2.).  Eftas  duas  linhas,  que  le  cru- Eíl.  2. 
zao  em  N  ,  reprcfentáo  os  dous  caminhos  fig.  4. 
por  onde  vão  o  Sol  e  a  Lua  ,  junto  dos 
Nós,  P  Qfupponhamos  que  he  o  caminha 
do  Sol  Si  e  M  R  o  caminho  da  Lua  L : 
como  a  Lua  anda  muito  mais  depreíTa  do 
que  o  Sol  ,  porque  dá  doze  ou  treze  vol- 
tas ,  cm  quanto  o  Sol  dá  huma  ,  repetidas 
vezes  emparelha  com  elle  ,  e  o  paíTa  adian- 
te ;  mas  he  precifo  faber  qual  he  o  lugar  da 
fua  orbita  em  que  a  Lua  paíTa  pelo  Sol ; 
porque  fe  paíTar  em  correfpondencia  delie 
em  N  ,  forçofamente  ha  de  pafiar  toda  por 
diante  do  Sol  ,  c  haverá  eclipfe  total  do 
Sol  ,  ou  annullar  ;  porém  fe  a  Lua  paííar 
pelo  Sol  mais  diftance  do  Nó  ,  como  v.  g. 
aqui  em  /j  e,  já  o  eclipfe  ha  de  fer  parcial, 
porque  a  Lua  a  Tó  pôde  encubrír  huma  bor- 
da do  Sol  e.  Iftj  fuppofto  ,  para  eu  fabft 
fe  ha  de  haver  eclipfe  do  Sol  numa  deter- 
minada Lua  nova,  ou  fe  ha  de  fer  grande, 
ou  pequeno  ,  he  precifo  averiguar  qual  he 
no  ponto  da  Lua  nova  o  fitio  da  orbita  da 
Lua  ,  em  que  ella  fe  acha  ,  correfpondentc 
ao  Sol  na  fua  orbita  :  depois  dcve-fe  tam- 
bém eximinar  quanto  diíia  apparentementc 
clTe  ponto  da  orb'ta  da  Lua  ,  do  ponto  da 
orbita  do  Sol:   fupponhamos  que  sáo  5  pol- 

le- 


120        Recreação  Filofofica 

legadas  de  díftancia.    Tarrbem   fc  deve   ía- 
ber  quanto  he  o  diâmetro  à^  Lua  apparente 
neíTc  dia  ^   porouc   como  humas  vezes  anda 
mais  peno  de  nós ,  ouiras  maisJongc  ,  o  Teu 
diâmetro  apparente   humaj  vezes  he  maior , 
outras  menor  ;    e  tambcm   le  deve   tazer   o 
mcfmo   exame    no  diâmetro    do   Sol   neíTe 
^\?^.    Exrminadas  pois  eítas  trcs  couías  ,    íc 
virmos    que    o  diâmetro   apparente    do   Sol 
sáo  V.  g.    8   polkgrdas  ,    c  o  da  Lua   leis, 
neccllariamenre  ha   de  haver   ecl  pie  equiva- 
lente a  duas   poUegiadas.    Olhai  par.t   a  figu- 
ra :    fuppomos  que   do  centro   do  Sol  e   ao 
centro  da  Lua  a   ló  váo  cinco  poUegadas  de 
diftancia  ;    mas  como   a   Lua   tem    leis    de 
diâmetro  ,  três  ficáo  da  linha  M  R  para  fo- 
ra ,  e  ires  para  denrro  j    e  aíhm  ja  eftáo  to- 
madas   com  o  corpo    da   Lua    ^  pollegadas 
do   efpaço   enrre  ella  e  o  Sol  :    ora   o  Sol 
tem    neiTe   dia    diâmetro   apparente    de  oito 
polleeadas  ,    d?s   qnaes    4    devem  tambcm 
ficar    da    linha    P   Q  para   dentro  ,    porque 
o  centro    do  Sol  náo  deix:a   a  lua  linha  i    e 
como  já  náo   ha    íenáo  duas  poHegadas  de 
efpaço  livre  ,    as  outras  duas  ticáo  cncuber- 
las  com  a  Lua.  Aqui  tendes   fumn  ariamente 
como  fe  conhece  a  grand<  Z3  do  eclipfe.  De- 
vo ajuntar   meio  diâmetro   do  Sol  ,    c  meio 
diâmetro  da  Lua  ;    e  fe  a  fom.ma  for  ma  or 
co   que   a  diftancia    que   ha    entre    os  dous 
pontos  da  orbita    em  que  eftes  aífros   fe  en- 
contrão ,  todo  o  excefo  da  fomma  dos  fe- 
midiametros  fobre  a  diftancia ;,  vem   a  fer  a 

gran- 


Tarde  trigefima.  127 

grandeza  do  eclipfe  ;  mas  fe  a  diftanci?.  for 
igual  ou  maior  que  a  fomma  dos  dous  fe- 
mirliamctros  ,  já  náo  ha  eclipfe  nenhum  ; 
p;i<Ta  a  Lua  pelo  Sol ,  fem  o  cncubrir.  Tcn- 
des-me  entendido  ? 

Eug.     E  facilmenre. 

'Theod.  En-aqui  porque  ío  junco  dos  Nós  he 
que  pôde  haver  echpfe  ;  porque  fá  ahi ,  co- 
mo eftáo  as  duas  orbitas  mais  juntas  ,  e  he 
o  caminho  apertado ,  he  que  pôde  hum  cor- 
po encubrir  o  outro,  quando  paíTa  por  elle, 
e  lhe  çorrefponde. 

£ug.  Enrendo  já  os  eclipfes  do  Sol  ;  mas  os 
da  Lua  como  hei  de  íaber  cu  quando ,  e  de 
que  grandeza  fuccederáó  ? 

Theod.  Do  mefmo  modo.  Qnando  o  Sol  vai 
pela  fua  orbita,?,  roia  da  Terra  por  huma 
parte  ,  a  fombra  da  Terra  vai  andando  pela 
outr^í  oppofta  ,  ma?  pela  mefma  orbita  :  fi- 
cando fempre  em  direitura  eftas  três  coufas, 
Sol ,  Terra ,  e  íbmbra  da  Terra.  Efta  fom- 
bra  da  Terra  ,  fe  a  receberem  em  qualquer 
plano  ,  faz  huma  noioa  redonda  3  e  também 
eíta  nódoa  ou  mancha  he  maior  ,  quando 
fe  recebe  cm  corpo  mais  próximo  á  Terra  , 
e  mais  pequena  ,  quando  fe  recebe  mais 
longe.  Supponde  agora  que  junto  ao  Nó  N 
da  figura  que  viftcs  Çfi^.  4.  Efimnp.  2. )  fe  Eíí.  2. 
encontrão  a  Lua  L,  e  a  fom.bra  da  Terra S;  fig.  4. 
fe  couberem  á  vontade ,  e  puder  huma  paf- 
íar  pela  outra  ,  fem  que  entre  a  Lua  pela 
nódoa  da  fombra  ,  náo  ha  eclipfe  ;  mas  fe- 
náo  couberem ,  por  fer  a  diftancia  dos  dous 

pon- 


T28       Recreação  Filofofica 

pontos,  em  que  emparclháQ,  menor  do  que 
importa  meia  Lua  ,  e  meia  fombra  da  Ter- 
ra ,  entáo  necelTariamente  ha  de  haver  ecli- 
pfe  ,  entrando  a  Lua  pela  fombra  j  e  o  ex- 
ceflb  que  vai  do  meio  diâmetro  apparentc  da 
Lua  ,  junta  com  o  meio  diâmetro  da  fom- 
bra j  fobre  a  diílancia  das  orbitas  neíTes  pon- 
tos,  he  a  quantidade  da  parte  ediplada. 

Eug.  Percebo  :  o  que  fe  diz  do  diâmetro  ap- 
parente  do  Sol ,  nos  eclipfcs  do  Sol ,  fe  de- 
ve dizer  do  diâmetro  da  fombra  da  Terra 
na  diftancia  cm  que  eftá  a  Lua  ,  quando  fe 
falia  dos  feus  eclipfes. 

SiW,  Se  tudo  o  mais  for  táo  certo  ,  como  if- 
to  me  parece,  e  táo  fácil  de  perceber,  pou- 
cas contendas  terei  com  Tneodofio  neftas 
matérias. 

Theod,  As  contendas  ás  vezes  sáo  úteis  para 
a  maior  intelligencia.  Voamos  a  ver  com  os 
olhos  o  que  expliquei  até  agora  ,  porque 
nào  tardáo  as  horas  do  eclipfc  j  e  como  du- 
rando a  fua  obfervaçáo  não  fc  pôde  levar 
direito  o  fio  dodifcurfo,  á  manhã  continua- 
remos com  os  Aftros  que  nos  reftáo. 

Silv,  Dai-me  para  mim  hum  óculo,  que  cila 
noite  quero  fahir  AftronomiO. 

Theod.  Ahi  tendes  cite ,  que  he  o  maior ;  ef- 
toutro  he  para  Eugénio  ,  c  eu  me  valerei 
deftc. 


TAR. 


Tarde  trigefima  prima,      129 


TARDE  XXXI. 

Dos  mais  Planetas  em  particular.  Co- 
metas, e  Eílrellas. 

§.  I. 

Z)e  Aícrciirio  e  Fcnus, 

Silv,  "Tj  St  imo  que  o  trabalho  da  obfeN 
i~Í  vaçáo  vos  não  prejudicaíTe  ,  que 
-^ — ^^  ifto  he  o  que  unicamente  vos 
podia  fazer  damno  ,  porque  fois  Modernos. 
Eu  porem  que  fou  anti^^o  ,  e  an-igo  hei  de 
morrer  ,  ainda  eílou  fujc  to  a  todos  os  da- 
mnos  ,  que  podem  caufr-.r  os  eclipfes  ncs 
corpos  fublunares:  c  para  me  confirmar  nef- 
ta  doutrina  (que  vós  chamais  íabulofa)  tra- 
go huma  dor  de  cabeça ,  que  afsás  me  mor- 
tifica. 

Theod.  Sinto  a  voíTa  molcftia  ;  mas  admiro- 
me ,  que  íendo  vós  táo  grande  Medico  ,  c 
vendo  que  he  bom  remedio  para  nos  livrar 
dos  damnos  do  eclipfe  ,  c  da  iurirdicçáo  da 
Lua  o  fcr  A^odemo  ,  náo  queirais  applicar 
eíTe  remeJio.  Eu  ló  por  iíTo  íor.í  Aioderno , 
quando  a  r^^záo  me  náo  tiveUe  muito  antes 
obriá:?do  a  fello. 

SilV'  Náo  (igo  i;!b  ;  na  cabeça  quero  antes 
ter  dores  ,  co  que  erros.  Vamos  aos  Planc- 
Tom.  VI.  I  tas 


130         Recreação  Filofofica 

tas  que  homem  deixámos  ,  pois  Eugénio 
náo  gofta  de  que  fe  gafte  efte  tempo  íenáo 
em  coufas  utcis. 

Eug.  A  verJ:J.e  he  que  fufplro  com  alvoro- 
ço fempre  por  cíIa  hora  ;  porque  Thcodo- 
fio  na  volTa  aufencia  náo  coftuma  f<sllar-me 
nefta  matéria. 

Thecd.  Vamos.  Mercúrio  he  o  primeiro  Pla- 
neta ,  principÍ2ndo  defde  o  Sol  ,  porque  ef- 
tá  mais  vizinho  a  ellc.  Eíle  Planeta  he  hum 
globo  opaco  ,  como  todos  os  mais  Plane- 
tas ,  e  brilha  íó  com  a  luz  do  Sol  ,  mas 
como  anda  mui  perto  dclle  ,  a  mcíma  luz 
do  Sol  o  confunde  de  forre  ,  que  cufta  a 
ver.  Eu  já  o  vi  bem  ,  quando  paíTou  por 
baixo  do  Difco  do  Sol ,  iílo  he  ,  entre  nós, 
e  o  Sol  j  c  vifto  pelo  Tclefcopio  parecfa 
como  huma  avela  efcura.  Move-fe  pois  á 
roda  do  Sol  no  efpaço  de  87  dias  ,  ii,  ho- 
ras ,  15  minutos  ,  e  25  fegundos  ,  a  fua 
grandeza  verdadeira  ,  conforme  o  calculo 
que  figo  C  T  )  ,  he  efta.  De  diâmetro  tem 
menos  alguma  coufa   da  terça  parte   do  dia- 

mc- 


(  1  )  No  que  pertence  á  grandera  do5  Pla- 
netas ,  ha  grande  variedade  nns  Aílronomos, 
como  também  no  Que  toca  ás  diftancias :  huma 
coufa  depende  da  outra  ;  porque  do  feu  diâme- 
tro apparente  ,  fupporta  a  diftancia  ,  fe  calcula 
a  grandeza  verdadeira  Eu  nas  diftancias  llgo^ 
como  já  diííe  ,  a  Aftronomia  de  Mr.  de  Ia 
Land*"  reformada  por  cíle  no  conhecimento  dos 
tempos  para  o  anno  1774,  c  íeguintes. 


Tarde  trlgefima  prima,      131 

metro  da  Terra  ;  e  reduzindo-o  a  léguas 
Portuguezas  ,  tem  íó  848  de  diâmetro.  A 
fua  fuperticie  he  quaíi  íeis  vezes  mais  pe- 
quena que  a  fuperíicie  da  Terra  \  e  reduzin- 
do-a  a  léguas  quadradas  ,  importa  em  (  2  : 
260.  888)  dous  contos  ,  duzentas  e  fclTcnca 
mil,  oitocentas  e  oitenta  eoito  léguas.  Ulti- 
mamente o  feu  volume ,  comparando-o  com 
o  da  Terra  ,  he  pouco  mais  de  14  vezes  e 
meia  menor  que  ella.  Do  feu  pczo  ,  c  den- 
fidaJe  náo  fe  íabe  nada  \  nem  me  parece 
que  fe  poderá  íabcr  :  cu  a  feu  tempo  vos 
direi  o  porque. 

Eug.  Sempre  me  admiro  que  fcja  maior  que 
a  Lua  ,  fendo  ella  táo  grande  ;  porque  dif- 
feftes  ler  a  Lua  49  vezes  menor  que  a  Ter- 
ra;  e  Mercúrio  hc  14  vezes  menor. 

Theud.  Aílim  he  ;  porém  deve  a  Lua  parecer 
muito  maior  ,  porque  nos  fica  muito  mais 
perto  ,  do  que  Àlcrcnrio. 

Eu^.     É  quanto  difta  Mercúrio  do  Sol  ? 

Theod.  Diíb  (9.  \(jy)  nove  mil  trezentos  e 
noventa  e  iete  fcmidiametros  da  Terra.  Ef- 
ta  he  a  medida  ,  de  que  coftumáo  ufar  os 
Aftronomos  ;  porque  reduzindo  cftas  dif- 
tancias  a  léguas  ,  ficáo  huns  numeios  mui 
compridos  ;  e  além  dilTo  ,  como  as  léguas 
de  diverfos  Reinos  sáo  defiguaes  ,  haveria 
confusão.  Porém  reduzida  eíía  diftancia  , 
por  vos  dar  gofk)  ,  ás  noíías  léguas  Portu- 
guezas ,  sáo  (  9  :  688  .  466  )  nove  contos  ^ 
ou  milhões,  feiscentas  c  oitcnra  e  cito  mil, 
quatrocentas  e  ícíTcnta  c  fcis.  Daqui  fe  in- 
1  ii  fc- 


iqi         Recreação  Filòfofica 

fere  que   Mercúrio  náo   fc  pode  nunca  ver 
aftaítado  do  Sol  mais  lo  que  28  gráos  e  20 
minuros  do  circulo  celcíle.     Mas  cfquecia- 
me   advertir-vos  ,    que  Mercúrio  nem   íem- 
pre  tem  a  meím-a  diítancia  do  Sol  :    ás  ve- 
zes he  maior ,  outras  vezes  he  menor ,  por- 
que náo   fe  move   em  circulo  ,    cujo  ccnrro 
feja   o  Sol  ,    mas  em  elife  ,    ficando   o  Sol 
num  de  íeus  focos.    Porém  náo  sáo  as  eli- 
fes   dos  Planeras  táo  corripridas   c  eftreitas , 
como  as  dos  Cometas  :    rcnfivelm.entc  pare- 
cem   círculos.     Mas     para    evitar    contusão 
com  as  diverfas  ciftancias  do  mefmo  Plane- 
la  ,  lanço  conta  á  mnior  ciftancia  ,  €  á  me- 
nor ,    c    entre   as   duas    formo   hum  núm.e- 
•    TO  médio  ,    a  que   chamáo  diftancia   media. 
Quando  o  Planeta  eftá   na  maior  diftancia  , 
dizem  que  efta  no  Aphdio  :    tomai   de  me- 
moria  eftes   termos  ,    para    me   entenderdes 
no  dircurfo  deftas  conferencias  ,    porque  sáo 
lermos  próprios. 
£uj^.     Farei  porque  me  náo  crqueção;  e  quan- 
do cftiwr  o  Planeta  na  menor  diftancia,  co- 
mo fe  diz  cntáo  ? 
Tbed,     Que  cfta  no  Pcribclio  :  e  ifto  he  regra 
°çtA   para   todos  os    Comeras    e   Planeras  , 
porque   iodos  tem  diveríidadcs    nas  fuás  ref- 
&'ipechvas   diftancias  ao  Sol.    Se  ouvindo   fal- 
ç    lar   na  orbita  ,   ou  linha  ,    que  defcreve  al- 
-Lcgum  Planeta  ,   me  ouvirdes  dizer  ,   que  he 
ç?  inclinada  ,    e  excêntrica,  náo  me  haveis  de 
t  i' entender.    Eu    quero  a^ora  prevenir   o  voíTo 
-    embaraço.   Excentricidade   da  orbita  ,   qnct 

di- 


Tarde  trlgefima  prima,      1^3 

dizer  que  o  Sol  não  fica  no  ccnrro  delia  j 
e  tanto  le  diz  que  tem  a  orbita  de  excentri- 
cidade ,  quanto  o  Sol  eltá  alfaftado  do  ver- 
dadeiro centro  da  tal  orbita.  Ponnamos  cx^ 
enr.plo :  Sc  o  Sol  eitivciíe  bem  no  centro  da 
orbita  de  Mercúrio  ,  tanto  diftaria  Mercúrio 
do  Sol  ,  eftando  n'uma  parte  da  elife  ,  co- 
mo na  oppoíta ,  porém  como  o  Sol  eíiá  af- 
faihdo  do  centro  para  numa  parte ,  ja  Mer- 
cúrio ahi  fica  mais  perto  do  Sol  ,  e  na  ou- 
tra parte  oppofta ,  mais  longe. 

IBu^.  Percebo  já  :  e  quanto  he  a  excentrici- 
dade do  Sol  a  reipcito  de  Mercúrio  ? 

Theod.  Sáo  1.7^8  iemidiametros  da  Terra  , 
eftes  tantos  femidiamctros  faitáo  na  ditlan- 
cia  media  ,  quando  Mercúrio  eftá  no  Feri- 
hélio  ,  ou  parte  mais  chegada  ao  Sol  ■  c 
quando  eftá  no  Aphelio  ,  ou  parte  mais  re- 
mota 5  devem-fe  accrefcentar  á  diftancia  me- 
dia j  e  por  boas  contas  vem  a  diftancia  má- 
xima de  Mercúrio  a  exceder  a  minima  em 
^.4~6  femidiamctros ,  que  he  a  dobrada  ex- 
centricidade. 

^ug.     ilío  tenho  entendido  ;  vamcs  ao  mais. 

Theod.  Falta  explicar  a  inclinação  da  crbita  : 
talvez  vos  pareça  impertinente  neftas  miu- 
dezas :  crede-me  que  o  náo  faço  iem  rro- 
tivo  jufto  j  porque  fabendo  vós  iíto  pi  ra 
Mercúrio  ,  fica  explicado  para  to.^.os  os 
mais  Planetas  ,  e  o  entenderdes  eítas  miu- 
dezas ,  ferve  depois  para  muito.  Já  vos 
moílrei  como  a  .orbita  da  Lua  corra va  a 
orbita  do  Sol  ,  a  que  chamáo  Eçlhkx  ,  to- 
mai 


134        Recreação  Filofofica 
mai   fentido  nefte   nome  ,    que  ufarei  dclle 
a  cada  palio.    Para  ilTo   ufci  da  comparação 
Efí.  2.       de  dous  arcos  de  pipa  (^EJiamp.  2..  fig.  :5.), 
fig.   j.        que    eftando   airaveíTados   por   hum   arame, 
podiáo   reprcfentar   as  duas  orbitas    do  Sol , 
e  da  Lua  á  roda  da  Terra   reprefentada   na 
bola  T. 
Eug.     Bem  me  lembro  ,    e  aqui  eítá  outra  fi- 
Fft.  2.       gura  (fig.  4.  Efiamp.  2.),  que  rcprtfenta  a 
fig.  4.       inclinação  do  caminho   da  Lua  ao  caminho 
do  Sol. 
Thecd.     Ora  o  mefrro  digo  do  cncruzamento 
da  orbita  de  Mercúrio  com  a  Eclitica  :    tam- 
bém faz  Teus  Nós  ;    porém  a  fua  inclinação 
ou  abertura   he  de  6    2;ráo3  ,    ^()  minutos  e 
20  fecundos.  Minuto  chamamos  aqui  á  par- 
te fcxagefima  de  hum  ^ráo  ;  e  fcgwido  cha- 
marrros  á  parte  fexagcTima  de  hum  minuto. 
Eug,     Bem  entendo.  Já  íei  adiftancia  de  Mer- 
cúrio, fci  o  fcu  caminho  j  quero  íaber  ago- 
ra o  feu  movimento. 
Theod.     Já  fabeis   que  não  falíamos  agora   do 
movimento  diurno  ,    com  que  em  24  horas 
os  Ceos  fe  revolvem  com  os  Planeras  e  Ef- 
irellas  de  Nafcente  para  Poente  :   eíTe  movi- 
menio  commum   a  todos  os  Aftros  não  per- 
tence aqui.  Só  falíamos  do  movimento  par- 
ticular que  tetn   os  Planetas   á  roda  do  Sol ; 
porque  em  todos  os  fyftemas ,  os  movimen- 
tos  próprios  de  todos   os  Planetas   he  á  ro- 
da  do  Sol    e  ráo   da  Trrra.    Suppofto  ifto, 
o  movinjenio   próprio   de  Mercúrio  ,    he  de 
Poente  para  Nafcente  ,   contrario  ao  movi- 

men- 


Tarde  trigefima  prima,      155' 

mento  commum  dos  Ceos  de  Nafcentc  pa- 
ra Poente  ;  e  aílim  hc  o  movimento  pró- 
prio de  cada  hum  dos  outros  Planetas  ,  e 
Cometas  ,  como  ireis  Tabendo  pouco  a  pou- 
co. Nefte  movimento  gafta  Mercúrio  quaíi 
88  dias  em  form.ar  hum  giro  (  i  ).  Alguns 
querem ,  que  além  defte  movimemo ,  tenha 
outro  que  chamáo  de  Vertigem  ,  ou  como 
peáo  á  roda  do  íeu  eixo  ,  porque  deve  nif- 
10  concordar  com  os  mais  Planetas  que  af- 
íim  fe  movem  :  razáo  tem  para  o  fufpei- 
tar  ,  mas  ainda  fe  náo  fabe  de  certo.  Ora 
fuppofto  Mercúrio  mover- fc  á  roda  do  Sol , 
já  fe  vê  que  humes  vezes  ha  de  eftar  mui 
longe  de  nós  ,  quando  for  na  volta  dalém 
do  Sol  }  porém  quando  vier  na  volta  d'a- 
quem  ,  ficará  muito  noHo  vizinho.  Creio 
que  fareis  goílo  de  faber  as  luas  diverlas 
diftancias  á  Terra. 

Bug,  Para  a  minha  curiofidade  iir.porcáo- 
me  mais  do  que  a  diitancia  de  Mercúrio 
ao  Sol. 

Thccd.  Deíprezando  a  pequena  differença  que 
podem  dar  as  inclinações  das  orbitas  a  ref- 
peito  da  Eclitica  ,  podem-íe  faber  as  diftan- 
cias dos  Planetas  á  Terra ,  ora  ajuntando-a  , 
ora  defcontando-a  da  diftancia  da  Terra  ao 
Sol  ;  e  aílim  Mercúrio  na  conjunção  fupe- 
rior  com  o  Sol  ,  difta  da  Terra  (  i^^iyió, 
875)  trinta  e quatro  contos  5  ou  milhões, 
íetecentas  e  dezefeis  mil  ,   oitocentas  e  fc- 

ten- 

(  I )     São  S7  dias  ,   2}  horas  ,  14  noinut.  e 
25   fegundos. 


136         Recreação  Filofofica 

tenra  e  cinco  léguas  ;  e  na  conjunção  infe- 
rior 5  quando  fica  entre  nós  e  o  Sol  ,  difta 
da  Terra  (15:3^9.943)  ouinze  milhões, 
trezentas  e  trinta  e  nove  mil  ,  novecentas 
e  quarenta  e  três  léguas.  Bem  vedes  a  àú- 
fcrença. 

Eiig.  He  muito  grande  j  mas  tendo  elle  por 
centro  fenfivcl  do  leu  movimento  o  Sol , 
necelTariamente  devia  de  fer  aílim. 

Theod.  Dizeis  bem.  Vamos  a  \^enus.  Já  fa- 
beis  que  he  hum  corpo  opaco  ,  íemelhanie 
aos  mais  Planetas  :  tem  feus  minguantes  e 
enchentes  bem  como  a  Lua. 

£ug.  Nunca  tal  vi  :  íempre  que  tenho  olha- 
do para  ella  ,  ou  pela  manha  ,  quando  naf- 
ce  antes  do  Sol  ,  ou  de  tarde  ,  quando  fe 
põe  atrás  àclle  ,  fcmpre  me  parecto  iem 
minguante. 

Theod.  Agora  anda  ella  bem  desfalcada ;  juf- 
tamenie  como  a  Lua  eftá  deus  ou  três  dias , 
depois  de  fer  nova. 

£u^.  E  como  pôde  fer  iíTo ,  fe  honrem  a  vi- 
n.os  iormoíiílima  j  c  cheia  de  huma  luz  mui 
forte  I 

Theod.  Quando  ella  vos  parecer  maior  e  mais 
brilhante  ,  cntáo  eíla  como  a  Lua  nova; 
náo  me  crcais  a  mim  ,  vamos  a  vella  ,  que 
já  fe  poz  o  Sol  ;  e  o  Teleícopio  nos  mof- 
trara  a  íua  figura. 

Sih.  Pi.ra  mim  também  iíTo  he  myfterio  que 
náo  entendo. 

Theod.  E  também  o  foi  para  mim  cm  quan- 
to os  oihos  me  náo  deíenganáráo  ,  e  de- 
pois 


Tarde  trigefiyna  prima.        1:57 

pois  a  razão  ,  que  cu  logo  vos  darei.  Aqui 
tendes  o  Teleicopio ,  eu  o  aponto ,  que  ci- 
tou mais  dcftro Vede. 

I.iig,     Eu  vejo  a  Lua  {EJtamp.  z.  fg,  5.)       Eft.  2. 

Thiod,     A  Lua  ainda  não  naíceo.    Vede  que  fig*  5» 
vos  enganais  :   não  he  a  Lua  ,  he  Vénus. 
Olhai  por  fora  do  Teleicopio. 

Eug.  No  tamanho,  e  na  figura,  e  na  clari- 
dade parecia  a  Lua  ,  poucos  dias  depois  de 
fer  nova.  Eu  eltou  palmado  :  vede  ,  Sil- 
vio. 

Silv.  Lua  parece  na  verdade  ;  eftá  bem  def- 
falcada.  Nunca  tal  eíperei  ver. 

Ttíod.  Logo  vos  darei  a  razão,  porque  ago- 
ra viíla  com  os  olhos  parece  mais  brilhan- 
te que  nunca.  Deixai-me  tirar  daqui  huma 
coníequencia  ;  e  vem  a  fer,  que  fe  \^enus 
tem  quartos  e  minguantes  como  a  Lua ,  he 
opaca  como  ella.  Adverti  que  ella  em  fi  hc 
hum  globo  ,  pofto  que  a  parte  efcura  pela 
grande  diftancia  fe  não  veja,  como  fucccde 
na  Lua. 

£ug.     Quem  o  pôde  duvidar? 

Theod.  A  razáo,  porque  Vénus  apparece  com 
cites  quartos  e  minguantes  ,  vem  a  fer,  por- 
que Vénus  anda  á  roda  do  Sol  ,  e  quando 
eftá  do  Sol  para  cá  ,  volta  para  nós  a  face 
efcura  ,  c  para  o  Sol  a  allumiada  ;  e  quando 
eftá  do  Sol  para  lá ,  a  mefma  lace  allumia- 
da ,  que  volta  para  o  Sol ,  liça  também  vol- 
tada para  nós  :  entáo  parece  como  a  Lua 
cheia  ;  c  agora  ,  que  eftá  do  Sol  para  cá  , 
aflemeiha-fc  á  Lua  nova.   Porém  como  náo 

fe 


138         Recreação  Tilofofica 

fe  mcttc  bem  entre  nós  e  o  Sol ,  femprc  de 

ilharga  lhe  vemos  alguma  parte  da  tacc  cla- 
ra j  bem  como  fuccede  á  Lua  depois  de  fer 
nova  ;  e  á  proporção  que  vai  voltando  V'c- 
nus  á  roda  do  Sol  ,  vai  deixando  ver  cada 
vez  mais  a  fua  face  illuminada,  até  que  na 
Oppoficão ,  ou  Conjunção  fupenor  a  deixa  ver 
toda. 

Etig,  Que  quer  dizer  Oppoficão  ,  c  Conjuti' 
^ão  ?  Já  quando  fallaftes  cm  Mercúrio  ufaf- 
tcs  deite  termo  ;  e  náo  fei  íe  o  entendo 
bem. 

Thecd.  Conjunção  quer  dizer  que  o  Planeta 
eftá  a  refpeito  de  nós  junto  com  o  Sol ;  if- 
to  he,  o  mais  chegado  apparentemente  que 
lhe  permitte  eftar  a  inclinaçáo  ou  abeitura 
da  fua  orbita.  Ora  Vénus  e  Mercúrio  duas 
vezes  íc  ajuntáo  com  o  Sol  j  huma  quando 
pafsáo  ia  por  detrás  delle  ,  outra  quando 
paísáo  cá  por  diante  dclle  ;  por  ilTo  tem 
duas  Conjunções  ;  quancio  paísáo  além  do 
Sol  j  he  Conjunção  Juperior ,  c  quando  paf- 
sáo entre  nós  e  o  Sol  ,  chama-fe  Conjun- 
ção inferior.  Vamos  a^ora  á  Oppoficão.  Di- 
zer que  hum  Planeta  eftá  em  oppoliçào ,  he 
dizer  que  a  refpeito  de  nós  fica  o  mais  op- 
poílo  ao  Sol  que  pode  fer  ;  v.  g.  o  Sol  no 
Poente  ,  c  o  Planeta  no  Nafccnte  ;  ou  o 
Sol  bem  em  baixo  no  Meridiano  inferior, 
e  o  Planeta  bem  em  fima  no  luperiori  dif- 
tando  hum  do  outro  ,  a  refpeito  de  nós , 
meio  circulo  do  Ceo.  Marte  ,  Júpiter  ,  e 
Saturno  tem  huma  Conjunção ,  quando  paf- 
sáo 


Tarde  trigefima  -prima,      139 

são  lá  por  detrás  do  Sol  ,  ou  quafi  por 
detrás  j  e  huma  Oppofíç^no  quando  nós  fi- 
camos enrre  o  Sol  e  elles.  Advirto  que 
quando  chamamos  á  Conjunção  fuperior  de 
Vénus  e  Mercúrio  Oppofiçáo  ,  o  fazemos 
aíhm ,  porque  neíTe  caio  fica  o  Sol  no  meio , 
Vénus  de  huma  parte  ,  c  a  Terra  da  outra 
oppofta  diametralmente.  Supponho  que  en- 
tendeis. 

£ug.     Perfeitamente :  continuai. 

Silv,  Náo  vos  efqueça  a  razáo  de  agora  bri- 
lhar Vénus  mais  ,  quando  parece  que  devia 
brilhar  menos, 

Theod,  Agora  cftá  Vénus  muito  mais  chega- 
da a  nós ,  do  que  quando  eftá  cheia ;  e  fup- 
pre  a  maior  vizinhança  o  defeito  da  luz.  Eu 
me  explico  mais.  Vénus  também  gira  á  ro- 
da do  Sol  em  huma  elifc  quafi  circular  5 
por  ilTo  ora  difta  mais ,  ora  menos  :  porém 
a  dittancia  media  ,  contando-a  cm  femidia- 
metros  da  terra  ,  sáo  17.559  femidiame- 
tros ;  e  reduzida  eíTa  diftancia  a  léguas  Por- 
tuguezas  ,  creio  que  sáo  mais  de  18  mi- 
lhões: eu  aqui  a  hei  deter  n'um  papel,  pois 
de  memoria  náo  poíTo  confervar  ienáo  os 
números  mais  grofTos  :  são  (  18  :  10^ .  860  ) 
dezoito  contos  ,  ou  milhões  ,  cento  e  três 
mil  ,  oitocentas  e  ícíTenta  léguas  Portugue- 
zas.  Também  vos  diffe  já  (  i  )  que  a  dif- 
tancia media  do  Sol  á  Terra  eráo  mais  âc  2^ 
miihóes  ,  ou  contos  de  léguas.  Suppofto 
ifto  ,    quando  Vénus  eftá   no   ponto   mais 

dií- 
(1)  Pag.  «9. 


140        Recreação  Filofofica, 

diftante  de  nós  ,  para  lá  do  Sol  ,  enráo 
volta  para  nós  todo  o  hemisfcrio  ,  ou  face 
allumiada,  e  eftá  cheia;  e  quando  fc  pare- 
ce com  a  Lua  nova  ,  eftá  entre  nós  e  o 
Sol  ■■,   e  vem   a  ficar    muito   perto    de   nós. 

•  Comparai  agora  as  duas  diílancias  entre  fi , 
e  vereis  huma  incrível  diíFercnça.  Quan- 
do eftá  cheia  ,  difta  de  nós  tudo  quanto 
vai  de  nós  até  o  Sol  ,  que  sáo  25  milhões 
de  léguas  ;  c  quanto  vai  do  Sol  até  Vé- 
nus 5  que  sáo  mais  de  18  miinóes  de  lé- 
guas ,  íomma  toda  a  Ciftancia  mais  de  4-? 
milhões  de  léguas  ,  ifto  he  ,  delprezando 
os  quebrados  (  i  )  ;  e  quando  Vénus  eftá 
como  Lua  nova  ,  náo  chega  a  diftar  7  mi- 
lhões de  léguas  ,  por  quanto  daqui  até  o 
Sol  vão  25  milhões  de  léguas  ;  \'enus  fica 
para  cá  do  Sol  mais  de  18  milhões.  Lo- 
SO  de  Vénus  para  cá  náo  chegáo  a  7  mi- 
lhões de  léguas  ,  quando  cftancJo  cheia  sáo 
mais  de  4:;  (  2  ).  Bem  vedes  que  defprézo 
os  quebrados  ,  por  náo  vos  enfaftiar. 

Eug.  He  bem  grande  a  difFerença  :  eftan- 
do  cheia  ,  tem  huma  diftancia  quafi  7  ve- 
zes maior  do  que  agora  ,  que  parece  Lua 
nova. 

Jhcod. 

(  I  )  Fallando  rigorofjmer.te  ,  Vénus  na  Cori' 
junção  fupcricr  dirta  da  terra  43  :  1^2.  2Ò()  lé- 
guas. 

(  2  )  A  diííancia  do  Sol  a  rerra  são  25  :  03S  . 
409  ;  e  defconrandf»  delia  a  diftancia  do  Sol  até 
Vénus  ,  que  são  10:  10 i  .  06c,  lo  líílío  de 
Vénus  a  nós  6-f)i\,   519  léguas. 


Tarde  trigefima  prima.      141 

Thcoà.  Logo  feguindo  a  doutrina  que  vos 
dei  ,  fallando  da  Op:ica  ,  quando  vos  dilTe 
que  os  corpos  á  proporção  da  fua  diítancia 
appareciáo  mais  pequenos  ,  fegue-íe  que  o 
corpo  de  Vénus  agora  ha  de  apparecer  qua- 
fi  7  vezes  maior  ,  que  quando  eílá  como 
Lua  cheia  :  e  aíTim  pofto  que  agora  veja- 
mos mui  pequena  parte  do  Teu  hemisfério ,  ou 
tace  illuminada,  ha  de  pareccr-nos  mais  bri- 
lhante, que  quando  parecer  Lua  cheia.  Eíta 
diftancia  que  dou  de  Vénus  ao  Sol  ,  he  a 
media  \  porque  humas  vezes  diíla  mais  do 
Sol,  €  outras  menos;  e  a  diíFerença  fe  me- 
de pela  excentricidade  da  fua  orbita  ;  ifto  he  , 
pela  diltancia  que  tem  o  Sol  do  verdadeiro 
centro  da  elife.  A  excentricidade  pois  de 
Vénus  vale  quaíl  124  femidiamctros  da  ter- 
ra ;  .e  aííim  comparando  a  fua  máxima  dif- 
tancia  do  Sol  com  a  mínima  ,  a  differença 
que  importa  dobr?ida  excentricidade ,  fomma 
quafi  248  femídiamerros  da  terra. 

Defta  diftancia  de  Vénus  a  refpcito  do 
Sol  fe  fegue  ,  que  nunca  a  poderemos  ver 
feparada  delle  mais  de  4"^  gráos  e  48  minu- 
tos. Senremo-nos ,  e  profigamos  com  o  dif- 
curfo  fobre  Vénus,  O  Grande  Bianchini  (  i  ) 
que  nos  dá  mui  exaóla  imagem  deOe  Pla- 
neta ,  lhe  defcobre  varias  manchas.  Conta 
fete  no  íeu  Equador  ,  c  duas  nos  pólos  ;  e 
cm  obfequio  do  ncíto  Grande  Rei  ,  c  de 
fcmpre  faudofa  lembrança  o  Senhor  D.  João 

o 


ri 


(  1  )    Hefperi  &  Phofphori  nova  phaenoinen»     .^• 
cap.  4. 


í^z        Rea'eação  Filofnfica 

o  V.  ,  lhe  poz  o  feu  nome  na  primeira, 
chamando-lhe  Aíir  Reg:o  de  joáo  o  V. ; 
á  íegunda  chama  Aíar  do  ínfafv.e  D.  Henri- 
que ,  á  terceira  Mar  do  Kci  D.  Manoel  y 
cm  fim  dá  outras  a  vários  Portuguczes  fa- 
mofos,  cu  que  defcubnráo  as  conquiftas  de 
Portugal.  Mas  depois  que  viftes  as  man- 
chas da  Lua  ,  fupponho  que  náo  me  du- 
vidareis difto  ,  ainda  que  o  meu  Telefco- 
pio  as  náo  defcubra  ,  porque  o  de  Bianchi- 
ni  era  de  150  palmos  de  comprido,  e  mui- 
to melhor. 

Eug.  E  também  ha  de  ter  feus  montes  c  val- 
les  como  a  Lua. 

Thcod.  Vós  dizeis  ilTo  por  conjectura  ;  por- 
que fendo  hum  corpo  grande  c  opaco  ,  na- 
turalmente fera  efcabrofoj  e  as  cfcâbrofida- 
des  proporcionadas  ao  feu  volume  ,  feráo 
montes  altifíimos  ,  porém  o  caio  he  ,  que 
na  realidade  os  tem  ,  como  lhe  obíervou 
Mr.  De  la  Hire  (  i  )  i  e  por  ilTo  quando  fc 
vè  desfalcada ,  a  linha  com  que  a  fombra  fe 
divide  da  luz ,  também  he  tortuofa  ,  como 
na  Lua 

£ug.  Ahi  fallaftes  no  volume  de  Vénus ,  mas 
náo  me  diííeftí-s  ainda  que  tamanho  tinha  á 
proporção  da  Terra. 

Thecd.  Vénus  tem  hum  volume  fenfivelmen- 
le  Igual  ao  da  Terra  (  2  ) .  Ifto  he  quanto  á 

íua 

(1  )  ^^e^roir.  de  T  Academ.  an.   1700. 

(2)0  \nlurre  de  Vcnus  ,  fegundo  o  cal- 
culo de  Mr  àt  la  Lande  ,  he  a  rclpeito  da  Ter- 
ra como  tji.Z22  para  ico.  coo. 


Tarde  trige finta  prhna,      14; 

fua  natureza  e  tamanho  de  Vénus  ;  vamos 
agora  aos  Teus  movimentos. 

Eug,  Já  íei  que  anda  á  roda  do  Sol  ,  como 
Mercúrio  ;  mas  náo  fci  o  tempo  que  gaita 
no  Teu  giro. 

Thecd.  Gafta  no  feu  giro ,  a  que  chamamos 
também  fer/Wo  ,  224  dias,  16  horas  ,  41 
minutos,  e  ]i  fegundos. 

Silv,  líTo  vai  com  bem  miudeza  ;  fc  ella  an- 
daíTe  cá  pela  terra ,  náo  lhe  poderiáo  comat 
os  paíTos  miais  miudamente. 

Theod.  Aqui  vereis  como  os  Aílronomos  são 
feguros  e  efcrupulofos  nas  fuás  medidas  ;  e 
quando  elles  concordáo  todos  n'uma  coufa  , 
por  ceriiííima  a  devemos  dar  j  pois  bem  ve- 
des que  em  muiías  náo  concordáo  ,  como 
já  vos  diíTe.  E  de  caminho  ide  obfervando  , 
Eugénio  ,  que  ifto  a  feu  tempo  ha  de  fer- 
vir  ;  que  quanto  os  Planetas  mais  váo  dif- 
tando  do  Sol  ,  mais  tempo  gaftáo  no  feu 
período  ou  volta.  Mercúrio  gafta  87  dias , 
que  sáo  quaíi  ^  mezes  j  e  Vénus  confo- 
me  224  dias  ,  que  sáo  8  mezes  pouco 
mais  ou  menos.  Falta  dizer-vos  quanta 
he  a  inclinação  da  orbita  de  Vénus  a  ref- 
peito  da  Ecliiica  ou  caminho  do  Sol  ,  pa- 
ra faber  o  que  efte  Planeta  fe  pôde  def- 
viar  do  Sol  na  íua  conjunção  ,  ou  oppoíi- 
çáo.  A  inch'naçáo  pois  da  orbita  de  Vénus 
sáo  fomente  ;  ^raos ,  22,  minutos  e  20  fe- 
^un-dos.  Ainda  rcfta  outro  movimento  de 
Vénus,  a  que  chamáo  de  verti g ctn ,  ou  ro- 
ta^ão  ,   que  he  andar  Vénus  á  roda  de  íi 

mcf- 


144        Recreação  Filofofica 

mefma  como  peáo  ,  affim  como  diíTe  que 
andava  o  Sc'. 

Eug,  E  também  Vénus  anda  á  roda  de  íí 
mcfma  ? 

Theod.  Como  rem  manchas,  por  cibs  fe  pe- 
de conhecer  fe  tem  cfte  movimento  ,  c 
cjuanto  tempo  gaita  nclle.  Seguindo  o  B  an- 
chini ,  que  he  texto  nas  obfervaçóes  de  \'e- 
nus  (  I  )  j  §^^^  ^^  huma  revolução  24 
dias  ,  e  quafi  8  horas.  Ultimamente  o  que 
agora  me  cccorre  dizer- vos  acerca  de  Vé- 
nus, hc  huma  grande  dúvida,  cm  que  hoje 
cftáo  os  Aftronomos  ,  fobre  fe  tem  algum 
Satélite  ,  como  a  Terra  ,  Júpiter  ,  e  Satur- 
no. Caííino  ,  grande  Aiironomo  ,  no  Tra- 
tado da  luz  Zodiacal  ,  d'Z  que  em  lóyz 
obfervára  huma  como  nuvemfinha  clara  jun- 
to de  Vénus  ,  que  teria  qu.ífi  a  quarra  par- 
te do  feu  diâmetro  :  14  annos  depôs  teve 
occafiáo  de  tentar  nova  obícrvaçáo  ,  e  com 
mais  clareza  vio  que  a  tal  nuvem  clara  te- 
ria ,  k  reípeito  de  Vénus  ,  a  mcfma  pro- 
porção ,  que  tem  2  Lua  com  a  Terra.  -Di- 
vid  Gregório  ,  também  grande  Aítronon.o 
(2)  ,  fail.i  mais  refoluto  nefte  ponto.  Po- 
rém na  Hiftoria  da  Academia  Rcí^I  de  Pa- 
ris (  ^  ")  acho  que  hum  célebre  Inglez 
Short  Scoto  no  anno  de   1740   com  hum 

Te- 

(  I  )  Hefperi  &  Phofphori  nova  phacnom. 
cap.  5. 

(2)  Aílron.  Phyf.  lib.  í.  pag.  710.  da  Ediç. 
de  Geneb. 

(i)  An.  1741.  pag.  124.  da  Ediç.   de  Par. 


Ta^de  trtgeflma  prima,      14^ 

Telefcopio  de  reflexão  de  16  pollegadas^ 
diftinítamente  obfcrvára  em  \^enus  hum  Sa- 
télite ,  que  ditbva  delia  lO  minutos  e  20 
fegundos.  Alguns  tempos  depois  repetio  a 
oblcrvaçáo  y  mas  de  balJe,  Ultimamente 
M,  Baudouin  aprefcntou  á  Academia  de 
Paris  em  176 1  huma  obfervaçáo  ícita  em 
Limoges  no  mefmo  anno  por  M.  Montai- 
gne com  bartante  exacçáo  ,  mas  iiáo  he  ain- 
da de  modo  que  fe  pcÍTa  dar  por  certo  o  Sa- 
télite. VamiOs  aos  demais  Planetas. 

Silv.  E  náo  dizeis  nada  dos  habitadores  de 
Vénus  5  que  paíTecm  lá  pelos  feus  montes 
e  valles? 

Theod.  O  que  diíTe  dos  habitadores  da  Lua , 
íe  pode  applicar  aos  de  Vénus  ,  poílo  que 
aqui  ihe  acho  outra  difficuldade  ,  e  muito 
maior  em  Mercúrio  j  e  he  o  2;ranr!e  calor 
do  Sol  ,  que  padeceriáo  os  hab-tadores  em 
táo  pouca  diftancia  do  Sol  ;  e  também  por- 
que em  Vénus  ,  como  fe  revolve  em  24 
dias  ,  dura  o  Sol  em  qualquer  lugar  da  fua 
fuperficie  12  dias  coniinuos  ,  fem  haver  o 
intervallo  das  noíTas  noites  ,  cm  que  fe  re- 
frigerem j  e  hum  táo  grande  calor  ,  e  táo 
continuado  ,  náo  me  parece  que  deixará 
fer  habitável  o  paiz  j  eu  peio  menos  náo  o 
invejo. 

Silv.     Nem  eu  também* 


Tom.  VI.  K  S.  IL 


146       Recreação  Filofofica 

§.  n. 


Da  Terra  c  Marte, 


Theod.     "VjOs  cftamos  em  Planeta  mais  ac- 

1^  commoJado :  fallopcla  frafe  dos 

Copcmicanos  ,  que   chamáo   á   noíía   Terra 

•  hum  Planeta.  Eftes  dizem  que  a  Terra  fe 
move  á  roda  do  Sol ,  como  Vénus  j  mas  em 
diftancia  maior.  Nós  havemos  de  fallar  hu- 
ma  tarde  de  vagar  fobre  efte  fyftcma ,  e  en- 
tão vos  direi  a  minha  opiniáo:  por  ora,  pa- 
ra não  interromper  a  ferie  que  levo  ,  toca- 
rei no  que  elles  dizem  de  palTagem.  Dizem 
pois  que  a  Terra  he  hum  Piancía ,  que  dif- 
ta  do  Sol  (24.  275)  vinte  e  quatro  mil, 
duzentos  e  feienta  e  cinco  femidiametros  da 

•  Terra  ,  que  reduzidos  a  léguas  Portuguczas  , 
sáo  (25:028.  4.C9)  vinte  cinco  con'Os  ,  e 
Vinte  oito  mil ,  quatrocentas  e  nove  léguas  i 
íic   a  mefma  diftancia  ,    que  eu  dei    ao  Sol 

'  hontem.  EíIh  Terra  neíla  opiniáo  he  hum 
Planeta  redondo ,  opaco  ,  e  cícuro  ,  pouco 
maior  que  Vénus.  Quando  huma  tarde  tal- 
larmôs  da  Terra  com  miudeza  ,  vos  darei 
bem  exaóía  idca  da  fua  figura  ,  e  grande- 
za. Efta  Terra  pois  ,  dizem  os  Copernica* 
nos  ,  que  eira  á  roda  do  Sol  em  ^65  dias, 
5  hor.HS,  48  minutos,  c  45  íegundos  j  ou 
cm  menos  palavras  ,  que  faz  o  giro  á  ro- 
òâ  do  Sol  ein  hum  anno  completo.  Aléra 
'      '  '  •  dif- 


Tarde  trigefima  prima.     147 

diílb  ,  também  dizem  que  tem  feu  movi- 
mento Je  rotdçro  á  roda  do  feu  eixo  \ 
e  defte  moJo  i'e  forma  o  dia  e  a  noite; 
fendo  dia  ,  em  quanto  nós  andamos  á  vif- 
la  do  Sol  ;  e  fendo  noiíe  ,  quando  volta- 
mos pela  parte  que  o  nâo  vê.  Efta  rota- 
ção ,  a  que  c!les  chamáo  movimento  diur- 
no, fe  faz  no  efpaço  de  2^  horas,  5^  mi- 
nutos, e4.  fecundos.  Não  sáo  24  horas  com- 
pletas ,  pela  razdo  que  eu  vos  ditei  em  feu 
lugar.  Também  a  Terra  tem  a  fua  orbi- 
ta excêntrica  ,  ifto  he  ,  nâo  lhe  fica  o  Sol 
bem  no  centro  delia  ,  fica  mais  para  hum 
lado  ,  e  por  ilTo  nem  fempre  a  Terra  guar- 
da a  mefma  diftancia  do  Sol.  A  fua  ex- 
centricidade vale  quafi  408  femidiametros 
da  Terra  ^  e  por  confeguinte  comparando 
a  máxima  diftancia  do  Sol  á  Terra  com 
a  diltancia  que  rem  quando  eftá  m.ais  per- 
to ,  vem  a  fer  a  diiierença  quafi  816  fe- 
midiametros 5  que  imponáo  (  84C.  ^t^6  ) 
oitocentos  e  quarenta  mil  ,  novecentos  e 
cincoenre  e  féis  léguas.  E  tan:o  fica  o  Sol 
mais  perto  de  nós  de  inverno  ,  do  que  de 
veráo  ,  por  quanto  de  inverno  he  a  me- 
nor diltancia  ,  ou  periheiio  da  orbita  da 
Terra  ,  ou  da  do  Sol.  Efta  orbita  náo  tem 
inclinação  alguma  á  Eclitica  ,  pnis  na  opi- 
nião deftes  Aftronomos  ,  ella  he  a  m-ef- 
ma  Eclirica  j  e  no  m.efmo  ckcuIo,  em  que 
%  o  Sol  fe  move  á  roda  da  Terra  ,  dizem 
cUes  que  a  Terra  fe  move  á  roda  do  Sol. 
As  miudezas  dclle  íyftema  ,  que  he  admi- 
K  ii  ra* 


148         Recreação  Filofofica 

ravelmentc  cngcnhofo  ,  pedem  outra  occa- 
íiáo.  Ifto  bafta  por  ora. 

Silv,  Yós  chamais-lhe  engenhofo,  eu  não  vi 
maior  derpropofito  ,  nem  coula  mais  clara- 
mente falfa. 

^heod.  Devagar ,  Silvio :  digo  que  he  enge- 
nhofo  5  porque  eu  vos  moftrarei  o  motivo 
que  tem  hoje  toios  para  confclTar  o  que  cu 
conFelTo.  \^amos  a  Marte,  que  he  o  quarto 
Planeta  nefte  fyftema. 

Bug.  E  creio  que  no  que  pertence  a  Mar- 
te já  todos  os  Aftronomos  concordáo  ,  c 
que  fó  a  diíFerença  entre  elles  he  acerca  da 
Terra. 

Thcod.  AÍHm  he.  Marte  he  hum  globo  opa- 
co como  os  outros  Planetas,  e  refleíte  a  luz 
do  Sol  ,  e  com  elTa  he  que  brilha  ;  porém 
he  mais  amortecida  que  a  de  Vénus,  e  mais 
avermelhada.  Vejamo-lo  com  o  Telefcopio, 
que  lá  o  temos  defronte  de  nós. 

£.ug.  Ate  com  os  olhos  fe  vê  a  fua  luz  al- 
gum tanto  vermelha  ,  fe  a  imaginação  me 
não  engana. 

Theod,  Ahi  eftá  o  Telefcopio  apontado,  ve- 
de-o. 

^ug.  Cá  o  vejo :  he  muito  mais  pequeno  que 
Vénus. 

Silv.         Bafía  eftar  muito  mais  diftante. 

Theod.  Por  eíTa  razáo  certamente  havia  de 
parecer  muito  menor;  porém  além  diíTo  ellc 
na  verdade  he  muito  mais  pequeno.  Vede, 
Silvio. 

Silv.  E  muito  embaçada  he  a  fua  luz ,  e  al- 
gum 


Tarde  trigejima  prima,      149 

gum  tanto  tira  para  vermelha  :  eftá  bem 
pofto  o  nome  de  Marte  peio  que  tem  de 
languíneo. 

*Ihecd.     Reparai ,  que  talvez  lhe  vejais  huma 

mancha  eícura  nomQio  (^^ftamp.  i.fg.  C.),  £Ç\,  2. 
Dizem  que  foi  Francilco  Fontana  o  primeiro  íig.  ó, 
que  lha  obfervou. 

Silv,  Lá  me  parece  que  a  vejo.  Com-O  já  vi 
as  da  Lua,  não  duvido  que  Marcc  também 
as  tenha. 

Eug,  Eu  quero  vella  ....  lá  eílá  ....  quanto 
mais  appiico  a  viíla ,  e  vou  reparando,  me- 
lhor a  vejo. 

Theod,  He  neceííario  huma  peílba  acoftumar- 
fc  a  ver  pelo  Tclefcopio ,  para  ver  bem  por 
elle ;  porque  o  cryftallino  dos  olhos  vai  pcu- 
co  a  pouco  tomando  a  figura  conveniente , 
e  a  alm.a  vai-fe  cíquecendo  das  imagens  ef- 
tranhas  ,  que  antes  immediatamiente  tinha  per- 
cebido pela  vifta  ,  e  pode  reparar  m.ais  nefta 
que  agora  percebe.  Advirto  que  o  grande 
Aíaraidi  teítifica  que  lhe  tem  obfervado  va- 
rias manchas  e  íaxas  efcuras  ,  mas  mudá- 
veis j  o  que  dá  fundamento  a  crer  que  Mar- 
te tem  alguma  atmosfera  i  roda  de  fi  ,  e 
que  eíTas  manchas  mudáveis  feráo  nuvens, 
E  Icmbro-me  que  já  li  huma  obíervaçáo 
( não  me  lembra  de  quem  era  )  que  confir- 
mava efte  penílimento;  porque  quando  Mar- 
te hia  encubrindo  alguma  Eftrella  á  nolía 
vifta  ,  hum  pouco  antes  que  a  occultaíTe ,  e 
bum  pouco  depois  de  íe  manifettar ,  muda^. 
va  algum  tanto  de  cor  a  Eltrelia  ,   ficando 

per- 


j^D         Recreação  Filojojica 

perturbada  a  fua  luz  ,  fignal  de  que  come- 
çava a  occultar-fe  primeiro  pela  atm^sjera 
irf^.nfparente  que  rodeava  o  Planeta.  Porém 
a  atmosfera  de  Mane  não  haveis  dc\Ó5  ver, 
Eugénio. 

£ug.  Não  í  porém  tenho  vifto  a  fua  figura , 
e  cor  ;  e  fei  que  he  muito  mais  pequeno 
que  Vénus  :  mas  quanto  fcrá  mais  pcqueoo 
que  a  Terra? 

^beod.  Os  cálculos  que  ílgo  ,  dáo-lhe  m^ais 
de  metade  do  diâmetro  da  Terra  ,  o  que 
reduzido  a  léguas  Portuguezas  ,  sáo  i.  ^85 
léguas  das  nolTas  j  e  de  fuperficie  tem 
(6;ci^.  561)  féis  miihóes  ,  e  treze  mil, 
quinhentas  c  feíTenta  e  huma  léguas  quadra- 
das 3  o  que  vem  a  ícr  menos  da  amctade 
da  fuperficie  da  Terra.  Ultimamente  o  feu 
volume  he  quafi  três  vezes  menor  que  o 
vQlumc  da  Terra. 

fug      E  que  diftancia  tem  do  Sol? 

'7'he  4.  A  diftancia  reduzida  a  fcmidíamctros 
da  Terra  dá  Ç'^6,  5/8^)  trinta  e  fcis  n.il, 
novecentos  e  oitenta  e  nove  femidibn.ctros : 
em  ic^uas  Portuguezas  vale  efta  diíhncia 
(  ^8:  135.  (Toy)  trinta  e  oito  contos  ,  cen- 
to c  trinta  e  cinco  miJ  ,  feisccnias  e  feie  lé- 
guas. Efta  he  a  diftancia  media  de  Marte  ao 
'  Sol. 

JEug.  E  quanta  he  a  excentricidade  da  fua  or- 
bita ?  Eu  imac^ino  que  daqui  depende  íaber 
quanta  diÔeccnça  vai  da  diftancia  m.cdia  á 
máxima  ,  ou  minima. 

Ttcod.     Dizeis  bem  j  porque  accrefccntandp  a 

ex- 


Tarde  trlgefima  prima,      i^i 

excentricidade  á  diítancia  iTiCdia  ,  temos  ^ 
máxima  ,  e  ceicontando-a  ,  terros  a  míni- 
ma. A  excentricidade  pois  de  Mane  vale 
^.  451  lemidiameircs  e  meio,  i^ue  importa 
tudo  em  (  ^  :  558.  SY^^  ^^^^  contos  ,  cjui- 
nhentas  e  cincoenta  e  oito  mil ,  quinhentas 
c  trinta  e  nove  léguas.  Voamos  ao  temjio 
que  gafta  no  íeu  período  á  roda  do  Sol: 
são  ^^^^  dias,  22  horas  ,  18  minutos,  e  27 
fegundos  ,  ou  quafi  dous  annos  :  falta-lhe 
mez  e  mieio. 

JE«^.  Pois  Marre  não  gaíla  vinte  e  quatro 
noras  em  correr  o  Ceo  todo ,  como  Lzcm  as 
Eftrellas? 

Ihcoà,  Valha-vos  Deo? ,  Eugefíio  :  ilTo  he  o 
movimento  á  roda  da  Terra  ;  porém  nós 
ainda  náo  tallámiOS  íenáo  do  movin  enio  cos 
Planetas  á  roda  do  Sol  \  o  movin  ento  dos 
Aftros  tocos  em  24  horas  á  roda  da  Terra 
pede  difcuríb  á  parte. 

Eug,  Tenho  percebido.  Dizei -me  agora  : 
E  Marte  também  tem  movimenio  de 
vertigem  ,  ou  rotação  á  roda  do  ícu  cen- 
tro? 

Theod.  Também  ,  e  gafta  em  huma  rotação 
24  horas  e  4c  minutos. 

Eug.  Anda  muito  mais  ligeiro  que  Vénus , 
que  gaita  vinte  e  quatro  dias. 

Sílv.  Vénus  he  Dama  e  Senhora  ,  e  Marte 
he  Soldado  ,  deve  dar  voltas  com  mais  pref- 
teza  ,  e  Vcnus  com  maio  gravidade. 

Thcod.  Gaíbis  bom  humor:  os  Aíhonomos 
tem  peniamentos  mais  íerios. 

Silv. 


lyi        Recreação  Filofof.ca 

Silv.  Sim  5  c  mais  melancólicos:  ide.profc- 
guindo  ,  e  vede  lá  náo  vos  cfcnpe  hum  mi- 
nuto j  ou  huma  poliegada  mais  nelTa  dif- 
tancia  -  que  he  caio  para  pel-der  muitas  noi- 
tes ao  lereno.  Eu  náo  era  para  elTa  vida. 
Mas  continuemos. 

Theod.  Advirto-vos  agora  ,  que  fe  fallarmos 
da  diftancia  de  Marte  a  nós  ,  he  muiio  di- 
verfa  j  porque  Marte  náo  anda  á  roda  da 
Terra,  ma?;  á  roda  do  Sol;  poí^o  que  cam- 
bem comprehcnda  a  Terra  no  am.biro  do  leu 
giro  :  e  por  eíèe  difcurío  iá  vedes  que  hu- 
mas  vezes  Marte  ha  de  ficar  muito  perto  de 
nós  3  outras  muito  Jon^e.  Agora  fupponha- 
mos  nós  que  eftá  Marte  em  Oppoficao  com 
o  Sol  ,  iíio  he  quanco  nos  fica  o  Sol  de 
huma  parte  ,  e  Marte  da  oppofta  em  corref- 
pcndencia  :  nefíe  eafo,  temos  Marte  muito 
perro  ce  nós  j  porque  toda  a  diftancia  do  Sol 
a  Marte  sáo  pouco  mais  de  ^8  milhões  de 
leguds ;  porem  nós  ficam.os  no  caminho  que 
vai  do  Sol  a  Marte  ,  e  diílamos  do  Sol  25 
milhões  e  pouco  mais  ,  reftáo  i  ^  milhões 
de  If  guas  de  nós  até  Marte ;  c  por  ilTo  clle 
ás  vezes  apparece  muito  mais  perto  de  nós 
do  que  o  Sol  ;  porém  quando  Marte  arda 
na  volta  além  do  Sol  ,  e  chega  á  Conjun- 
ção ,  fica  mui  longe  de  nós  ;  porque 
d'aqui  até  ao  Sol  são  25  milhões  de  lé- 
guas, do  Sol  até  Marte  sáo  ^8;  fomma  tu- 
do n  ais  de  6^  milhões  de  Icguas  ,  e  cá 
na  Opp^fic^o  eráo  fomente  1 5.  \'edc  que 
diifcrenfc, 


Tarde  trigefnna  prima,      15*3 

Eu^.     He  maior  do  que  eu  imaginava. 

Tkcod.  Falta  ainda  dizer  a  inclinação  da  or- 
bita de  Marte  a  refpeito  da  Eclitica  ,  ou  or- 
bita do  Sol  i  pcrque  nenhum  Planeta  con- 
corda com  elle  ,  todos  cruzáo  os  caminhos 
cm  duas  partes  ou  Nós  •■,  porém  a  orbita 
de  Marte  diíFere  mui  pouco  ,  e  fó  tem  de 
inclinação  i  gráo  ,  e  52  minutos  j  vem  a 
fer  quaíi  dous  gráos.  No  que  toca  a  if- 
to  ,  vós  ,  Silvio  ,  concordais  maravilhofa- 
mente. 

Silv.  E  porque  não  ?  fe  iíTo  são  coufas  de- 
monftradas  ,  e  também  os  nolTos  Filofofos 
concordáo  nilTo. 

§.  IIT. 

Be  Júpiter ,  e  [eus  Satélites. 
£ug,     /^  Ue  mais  tenho  que  faber  de  Mar- 


Q 


teí 


Thçrd.  Não  me  occorrc  mais  nada  ,   que 

haja  de  dizer  agora  ;  por  quanto  o  que  fal- 
ta ,  fó  o  podereis  perceber  bem  ,  quando 
fallarmos  do  jogo  admirável  de  todos  os 
Planetas  entre  fi.  Entremos  a  fallar  de  Jú- 
piter ;  e  vamos  vifirallo  com  o  Telefco- 
pio  ,  porque  goftareis  de  o  ver ... .  Ahi  o 
tendes. 

Eug.  Vénus  me  parecia  huma  Lua  quafi  no- 
va ,  e  Júpiter  viíto  pelo  Telefcopio  parece 
huma  Lua  cheia  :   he  íormoío  3  e  a  íua  luz 

mui 


I5'4        Recreação  Filofofica 

mui  brilhante  e  clara  ,   bem  femclhante  á 
de  Venu?.   Chegai ,  Silvio. 
Sil.     Ifto  agora   hc  outra   coufa   mui  divcrfa 
de  Morte  :  hc  clariííimo  ,  c  mui  grande . . .  • 
Tenho  vifto. 
Theod.     Ainda  que   a  diftancia   em  que  Júpi- 
ter cftá  ?.  refpeito  do  Sol  ,   he  mui  grande , 
o  feu   disforme   volume  ,   e  a  claridade   da 
fua   luz  compcnsáo  afsas   a  ciftancia.    Entre 
todos   os  corpos  Céleres  do  fytlema   folar, 
he   o    maior   abaixo  do   Sol.    Se  o  compa- 
rarmos com  a  Terra,  he  1.479  vezes  maior 
que  ella.    E  já  vedes   que  hc   globofo  :    po- 
rém quero  advertir-vos  ,   que  Júpiter  na  rea- 
lidade   náo   he    globo    perfeitamente    esféri- 
co ;    he   como    huma   laranja   algum  tanto 
chata   ,     que   náo   tem    tanto   comiprimento 
no  diâmetro   que  vai   de  alto  a  baixo  ,    co- 
mo   no  que  vai   de  hum   lado   ao  outro.    A 
efta   figura   chamáo    os   Geómetras    esferói- 
de :    tomai  de  memoria  eite  nome  ;  porque 
eíta  he  a  figura  da  Terra  ,    como   vos  direi 
^  feu  tempo. 
£i{^.     Eu    pelo   Telefcoplo    náo    lhe   conheci 

defigualjade  nos  diâmetros  ,  como  dizeis. 
Thcod.     Bafta   que    lha   tenháo   conhecido    os 
Aíironomos ,  que  usáo  de  melhores  Telefco- 
pios  ,   c  outros  inftrumenios  exaòtos  ,   que 
^áo  para  ilTo  precifos. 
Eu^.      Náo  duvido. 

Theqd.  Vamos  ao  pezo  de  Júpiter  ,  c  á  fi;a 
dcnfidade  ,  porque  ha  modo  para  fe  poder 
calcular ,  o  que  náo  fuccede  a  Marte ,  nem 

Ve- 


Tarde  trigefitna  prkna.      15' 5: 

\^enus  5  nem  Mercúrio  :  a  Teu  tempo  ea 
vos  direi  a  razáo.  Sendo  Júpiter  1.47^  vezes 
maior  que  a  Terra  ,  no  íeu  pezo  náo  a  ex- 
cede tanro  como  no  volume  ,  porque  náo 
he  láo  denfo  com.o  cila.  Tomando  abfolu- 
tamente  as  quant  dadts  de  mareria  ,  que  ha 
em  Júpiter  e  na  Trrra  ,  ou  os  pezos  abfo- 
lutamente  ,  he  Júpiter  miais  pezado  que  a 
Terra  :54o  vezes  j  e  por  efte  calculo  vem  a 
ficar  a  Terra  mais  denfa  que  Júpiter  quatro 
vezes,  e  alguma  coufa  mais. 

JEwç'.  Por  ciTc  voíTo  diícurlb  he  Júpiter  da 
micíma  deníidade  que  tem  o  Sol  ,  o  qual 
me  diíTeftes  homem  que  era  4  vezes  menos 
denío  que  a  Terra. 

Ttcod.  Àilim  dilTe  ;  porém  o  Sol  ainda  hc 
alí^uma  coufa  mais  denío  que  Júpiter  ;  por 
ilTo  a  Terra  excede  na  dcnfidade  a  Júpiter 
mais  alguma  coufa  ,  além  das  4  vezes  ,  e 
náo  chega  a  exceder  ao  Sol  quatro  vezes 
perfeitamente  5  como  hontem  vos  diffe  (1  ). 

«5";7v.  Sc  vós  tiveííeis  balanças  para  pezar  ef- 
fes  imm.enfos  volumes,  e  ostivcíTeis  ámáo, 
náo  podíeis  failar  neíTa  matéria  com  mais 
miudeza,  e  fegurança. 

Theod,  Tudo  iíTo  vence  a  paciência ,  e  o  dif- 
curfo  ,  e  o  eíludo  dos  Aítronomos  ,  que 
ajuntáo  a  obrervaçáo  com  a  Mecânica  Cc- 
lefte.  Segue-fe  agora  a  diftancia  de  Júpiter 
ao  Sol  ;  como  e!le  fe  move  em  Elife  á  ro- 
da CO  Sol  ,  ora  difta  mais  ,  e  ora  menos; 
porém  a  diftancia  media  vale   (126.258) 

cen- 
(i)     Pag.  79. 


1^6        Recreação  FiJofoJjca 

cento  e  vinte  e  fcis  mil  ,  duzentos  c  cin- 
coenta  c  oito  fcmidiametros  da  Terra  ;  po- 
rém reduzindo  tudo  a  léguas  Portuguezas , 
sáo  (  MO  :  172  .  249)  cento  e  trinta  mi- 
lhões j  e  cento  e  fetenta  e  duas  mil  ,  du- 
zentas c  quarenta  e  nove  léguas.  A  excentri- 
cidade vale  6.1^6  femidiametros,  que  sáo , 
rcduzindo-os  a  léguas  ,  (6:;26.4^o)  feis 
contos  5  trezentas  e  vinte  e  íeis  m^il  ,  qua- 
trocentas e  trinta  léguas.  Ifto  qccrefcentado 
á  diílancia  media  ,  f:iz  a  máxima  dithncia 
de  Júpiter  ao  Sol. 

Eug.  Bem  fei ;  e  tirada  elTa  conta  da  diftan- 
cia  media  ,  fica  a  diítancia  minima.  Porém 
ifto  he  fallando  de  Júpiter  a  refpeito  do 
Sol  ;  mas  a  refpeito  da  Terra  ,  que  diftan- 
cia  tem? 

Theod.  Qiiando  eftá  em  conjunção  com  o 
Sol  ,  nalcendo  junto  com  elle  ,  c  pondo- fe 
ao  mefmo  tempo  i  como  anda  na  volta  de 
além  do  Sol  ,  fica  mui  longe  de  nós  ;  e 
importa  eíTa  diftancia  em  (155:200.658) 
cento  e  cincoenta  e  cinco  milhões  ,  e  du- 
zentas mil  5  feiscentas  e  cincoenta  e  oito 
léguas.  Porém  quando  anda  em  oppofiçáo 
do  Sol  ,  fó  difta  de  nós  (105:14^.840). 
cento  c  cinco  milhões  ,  cento  e  quarenta  e 
ires  mil  ,  oitocentas  e  quarenta  léguas. 

Silv.  Ouço  fallar  em  milhões  de  léguas  co- 
mo quem  falia  em  varas  ,  ou  braças. 

Theod.  A  noíTa  imaginação  coítumada  á  pc- 
quenhez  dcftas  coufas  terrenas  ,  eftranha 
quando  fe  icyanca  á  admirável  fabrica  do 


Tarde  trigefima  prima,      15-7 

Palácio  do  Omniprente  :  profigamos.  Sen- 
do pois  tanra  a  diílancia  de  Jupi:er  20  Sol , 
também  crefcc  o  tempo  que  elle  gafta  em 
dar  hum  giro  á  roda  dellc  j  porque  fe  Mar- 
te gafta  quall  dous  annos  ,  para  Júpiter  sáo 
precilos  quaíi  doze  ,  porque  gafta  4-?^0 
dias  5  8  horas  ,  58  minutos  e  27  fegundos , 
que  sáo  11  annos  ,  ^12  dias  ,  17  horas  ,  2 
minutos  e  12  íegundos  ,  dando  a  cada  an- 
uo 7^6^  dias  5  5  horas  ,  48  minutos  ,  e  45 
fegunc^os ,  ifto  he,  quafi  doze  annos. 

£wg".     Vai  grande  diíTerenç^i. 

Theod.  Porém  o  movimento  de  rotação  á  ro- 
da do  íeu  eixo  he  velociflimo  ,  porque 
fó  gaft:a  9  horas  e  56  minutos  ;  e  d'aqui , 
qianto  a  mim  ,  pôde  proceder  ter  Júpiter 
táo  pequena  denHdade  ;  pois  ,  como  diíTe, 
he  menos  denfo  que  o  Sol ;  porque  a  gran- 
de força  centrífuga  adquirida  com  a  veiocif- 
fima  rotação  impede  muiro  a  gravidade  mu- 
tua das  pjrtes  ,  e  náo  as  deixa  chegar  tan- 
to para  fi  ,  e  fica  o  corpo  menos  denfo ; 
pelo  menos  he  certo  que  defte  movimento 
e  força  centrífuga  nafce  o  fer  mais  alto  no 
íeu  Equador  ,  e  ter  figura  esferóide.  A  in- 
clinação da  fua  orbita  a  refpeito  da  Edifica 
he  mui  pequena  ,  vale  fó  hum  gráo  ,  19 
minutos  e  10  fegundos. 

Síh.  Sentemo-nos  ,  que  infenfivelmente  ficá- 
mos ao  pé  do  Telefcopio  ,  fcm  neceílida- 
de  alguma  ,  recebendo  o  luar. 

^hcod.  Ora  tende  mais  hum  pouco  de  in- 
comraodo  ,   e  tornai  a  ver  Júpiter  ,   porque 

ain- 


IjS         Recreação  Filofofica 

ainda  não  rcparaftes  n'umas  cintas  negras 
Gue  tem  :  eu  vos  accommoJo  o  Telefcopio 
a  vofía  vifta  ,  que  ,  como  he  diverla  da  mi- 
nha ,  poderá  náo  eftar  no  ponto  precifo.... 
Vede  ;  pof-ém  efperai  hum  pouco  que  os 
olhos  fc  coílumem  ao  Telefcopio  ,  e  entáo 
me  direis  o  que  vedes. 

Silv.  Cá  vou  vendo  {^Ejlavip.  i.  fig.  7.)  hu- 
mas  cintas  efcuras  ,  que  o  attaveísâo  de 
parte  a  parte  ^  c  creio  que  o  cini^iraó  em 
redondo. 

JEug.     Deixai-mas  ver. 

Silv.     \'ede .... 

£ug.  Náo  ha  dúvida  ;  eu  vejo-as  clariílima- 
mente. 

Theod.  Pois  fabei  que  ás  vezes  tem  duas*  ás 
vezes  três  cintas  ,  e  humas  vezes  sáo  mais 
chegadas  entre  fi  ,  outras  mais  affiítadas. 
O  grande  Caílino  obfervou-lhe  ,  além  das 
faxas  efcuras  ,  huma  nodo.i  ,  que  lhe  durou 
três  annos  continuados  ;  depois  defappare- 
ceo  5  e  tomou  a  apparecer  alternativamen- 
te ,  de  forte  que  dcfie  o  anno  de  1665  até 
1708  tem  appafecido  8  vezes.  Mas  antes 
que  deixemos  o  Telefcopio  ,  vede  os  Saté- 
lites de  Júpiter  ,  ou  as  luas  Luas  ,  que  lhe 
fazem  corte  e  acompanhamento  :  sáo  4,... 
lá  os  tendes  (EJÍamp.  1.  fig  8.). 

Eug.  Eu  vejo  dous  de  cada  parte.  Vede  9 
Silvio.  Todos  eftáo  n*uma  carreira  direi- 
ta. 

Silv,  Sáo  humas  eftrellinhas  mui  claras  ,  c 
roui  vivas  :   a  iíto  chamais  vós  Satélites  de 

]u- 


Tarde  trige finta  prima.      \^^ 

Júpiter  ;  eu  creio  que  são  Eftrcllas  èsò  Cêo, 
c  dcftas  achareis  quantas  quizerdes. 
Theod,     Silvio  não  crè  nada  fenâo   á  fõfça  : 
náo  sáo  Eílrellas  ,  cu  vos  moítro  huma  Ef- 
trella  pelo  Telefcopio  ,    e  vereis  a  diíferen- 
ça  , . . .  Vede. 
Silv.     Tendes  razão  ;   eftoutra  luz  dos  Satéli- 
tes he  muito  mais  viva  e  clara  ,  e  náo  fcin- 
tiila. 
Thcod.     Ora  fentemo-nos ...  Já  vos  difle ,  que 
á  roJa  de  Júpiter  andio  quatro  Satélites  ou 
Luas  ,  que  são  huns  globos  opacos  ,    como 
os  demais  Planetas  ,  e  por  ido  padecem  fre- 
quentes eclipíes  j    porque  como  giráo   á  ro- 
da de  Júpiter  ,   e  efte   faz  Tua  fombra  para 
a  parte   oppofta  ao  Sol  ,   muitas  vezes   en- 
tráo   nella  ;    e  em  quanto   a  náo  atravefsáo 
íicáo  ás  efcuras  ;  aílim  como  fuccede  á  nof- 
fa  Lua  ,   quando  entra   na  fombra  da  Ter- 
ra ,  de  quem  he  Satélite.    Além  diíTo  ,    por 
mais  rres  motivos   fe  podem  occultar  os  Sa- 
télites ;    hum   he  quando   pàfsáo   por  diante 
de  Júpiter  ,    porque    a   fua  luz   confunde-fe 
com  a  de  Júpiter.    Também   quando  pafsáo 
por  detrás  dellc ,  fe  náo  podem  ver:  adver- 
ti ,   que  muitas  vezes  eftâo  efcondidos  atrás 
de  Júpiter  ,    e  náo  eftáo  eclipfados  ;    porque 
o  Sol   ficando  de   ilharga   lá   os  pôde   allu- 
miar  ;    e   outras    vezes   ficando    defembara- 
çados  de  Júpiter,    e  bem  para  a  ilharga,    fe 
cclipsáo    de   repente  ;   porque    fe   para    cíTe 
lado    cahe   a   fombra    de   ]upiter  ,    fícando- 
Ihe  o  Sol  da  parte  oppofta  ,  íorfofamente 

fc 


i6o        Recreação  Filofofica 

fc  hão  de  eclipfar.  Além  dcftes  motivos, 
ainda  ás  vezes  Te  náo  ceixlo  ver  bem  i  e  if- 
fo  fucccde ,  quando  hum  Satélite  cá  na  vol- 
ta de  diante  ccrrerponJe  ao  outro  que  vem 
na  volta  detrás  ,  de  forte  que  a  viíia  os 
confunde  j  e  já  me  tenho  viíto  bem  em- 
baraçado com  ifto  i  porque  fabendo  pela« 
Efemérides  ,  que  náo  podiáo  eft.:r  eclipfa- 
dos  5  me  faltava  hum  Satélite  j  porem  pou- 
co a  pouco  defencontrando-íe  entre  fi  ,  via 
que  de  hum  fe  me  faziáo  dous  i  e  conhe- 
cia o  engano. 

Siiv.     Para  tudo  fe  requer  experiência. 

Theod.  Também  outra  couía  embaraça  os 
que  náo  a  tem  ;  porque  acháo  nos  livros 
que  os  Satélites  fempre  andáo  cm  giro  á  ro- 
da de  Júpiter  ,  c  nunca  os  vem  ícnáo  n'u- 
ma  linha  recla  com  o  mcfmo  Júpiter,  e  ad- 
miráo-fe  ;  mas  he  porque  náo  advertem  que 
os  circulos  ,  que  f^zem  os  Satélites  á  roda 
do  feu  Planeta  ,  eftáo  cirpoCos  de  rrodo  , 
que  fó  os  poderroj  ver  cc  topo  ;  e  alíim 
parecem  huma  linha  recla  ;  do  m.efmo  mo- 
do que  fc  eu  pegar  n'um  arco  de  pipa  ,  e 
o  puzcr  horizontalmente  dianie  dos  voíTos 
olhos  ,  vós  fabereis  que  he  circulo  ,  por- 
que o  viftes  já  noutra  poftura  \  porem  nef- 
ta  ,  que  digo  ,  haveis  de  coníeflar  que  pa- 
rece huma  linha  reáia. 

£ug.     Aflim  he. 

Theod.  Logo  o  mefmo  ha  de  fucceder  ás  or- 
bitas dos  Satélites.  Nós  na  íitua^áo  em  que 
eílamos  3  íó  podemos  ver  que  eiles  fe  cne- 


Tarde  trtgefima  prima,      léi 

gáo  para  Júpiter,  e  que  paisáo  p'.ra  a  cutra 
parte  ,  e  que  fe  vão  aítaltando  djlie  até  cer- 
to ponto  5  e  d'ahi  tornáo  a  bulcailo  ,  e  paf- 
sáo  por  ei!e  para  a  outra  parte  :  porém  o 
difcurfo  fuppre  a  falta  ca  vilta  ,  e  conhece- 
mos que  paisáo  para  huma  parte  por  dii-.nte, 
e  tornáo  a  repalTar  por  detrás  ,  e  allim  aa- 
dáo  n'um  giro  continuado. 

T.ug,  Percebo  :  porém  ainda  falta  faber  as 
diftancias  dos  Satélites  a  refpeito  de  Júpiter, 
e  os  feus  tamanhos ,  e  movirp.cntos. 

Theod.  Parece  que  defcjais  laber  muito  :  as 
diíhncias  e  movimentos  vos  direi  eu  ;  mas 
as  fuás  grandezas  náo.  Bem  creio  cu  que 
são  maiores  que  a  Lua  ,  e  talvez  ainda 
maiores  que  a  Terra  ,  porque  a  diUancia , 
em  que  fe  vem  ,  he  exceííiva  ;  porém  náo 
ha  ainda  obfervaçóes  fobre  que  fc  poíTa  for- 
mar calculo  que  mereça  credito.  Nas  diílan- 
cias,  e  movimentos  ha  certeza.  O  primeiro  e 
mais  chegado  a  Júpiter  difta  do  centro  do 
Planeta  5  femidiametros  de  Júpiter  e  deus 
terços;  faz  o  feu  giro  em  i  dia,  18  horas, 
27  minutos  ,  e  ^^  fegundos.  O  fegundo 
Satélite  difta  do  centro  de  Júpiter  <^  femi- 
diametros ;  e  no  giro  gafta  7,  dias  ,  i  :^  ho- 
ras ,  i^  minutos  e  42  fegundos.  O  tercei- 
ro difta  14  femidiametros  ,  e  dous  quintos; 
gira  no  cfpaço  de  7  dias,  ^  horas,  42  mi- 
nutos, e  ^^  fegundos  j  ultimamente  o  quar- 
to Satélite  difta  25  femidiametros  e  hura 
terço,  e  revolve- fe  á  roda  de  Júpiter  em  16 
dias,  16  horas,  ^2  minutos,  e  8  fegundos. 
Tom.  VI.  L  £ 


i6i        Recreação  Filofofíca 

E  antes  que  vós  ,  Eugénio  ,  me  pergun- 
teis lia  íua  rotação  á  rcda  dos  próprios 
eixos  5  e  das  fuás  manchas  ,  c  outras  cou- 
fas  mais  ,  que  íe  não  fabem  ,  vamos  a  Sa- 
turno. 

SUv.  Os  criados  de  Júpiter  não  merecem 
aos  Aítronomos  tanta  attençáo  como  leu 
amo. 

7keod,  Muita  attençáo  devem  aos  All:rono- 
mos  ,  e  com  razão  ,  porque  íervem  os  ieus 
cclipícs  de  dar  grandiílima  iuz  á  Geografia; 
porem  náo  podem  alcançar  os  noíTos  Telef-' 
copios  cíTas  miudezas. 

Eug.     Que  boas  diligencias  lhe  teráo  feito! 

§.  IV. 

De  Saturno ,  e  fcu  Annel ,  c  Satélites. 

Tkeod.  Ty  Efta-nos  Saturno  ,  o  ultim.o  dos 
Jl\  Planetas  Primários.  A  fua  ligura 
hc  bem  fora  do  ordinário ,  porque  he  hum 
globo  mettl-io  dentro  de  hum  annel  chato , 
c  largo  ;  náo  cucro  que  vós  me  creais ;  dai 
credito    ros    volTos    olhos.    Fu    vo-lo    mof- 

3.         iro Vede-o  (  Ejlamp.  2.  jig.  9.  ) . 

9.  Eug.  Náo  ha  figura  mais  eltra vagante  :  he 
huma  bola  de  prata  dentro  de  huma  bacia 
de  prara. 
Theod.  Náo  tendes  razáo  ;  porque  náo  tem 
fundo  elTa  que  chamais  bacia  :  he  hum  an- 
nel foito  i  c  o  que  vedes  por  baixo  do  arniel 

hc 


Tarde  trigejlma  prima.      i6^ 

hc  o  reíiante  do  globo  ,  ou  corpo  de  Sa- 
turno. 

Silv.  Deixai-me  ver  ilTo  ....  A  mim  parece- 
me  hum  chrípéo  de  dous  ventos ....  accom- 
modai-me,  Theodofio,  o  Tclefcopio  á  minha 
vifta  ....  Agora  vejo  bem  :  ten ies  razão  , 
Theodofio ;  he  hum  annel ,  e  mui  largo  por 
comparação  da  bola  ;  porque  das  ilhargas 
ficáo  dons  váos  enire  a  bola  e  o  annel. 

Thcod.  Ora  já  que  o  tendes  á  vifta  ,  reparai 
em  varias  coulas  ,  que  fervem  para  o  noíTo 
ponto.  Primeiramente  no  annel  não  fe  lhe 
percebe  grolTura  ■  e  bem  fe  vè  que  he  cha- 
to,  e  lar^o.  Além  dilTo,  por  baixo  do  an- 
nel fe  ha  de  ver  no  corpo  âo  Planeta  numa 
como  franja  efcura  ,  que  pende  co  annel : 
reparai  bem  ,  Silvio  ;  e  depois  Eugénio  ie 
certincará. 

Silv,  AlKm  hcj  também  tem  fua  cinta  efcu- 
ra.  Vede,  Eugénio. 

£ug.     Náo  ha  dúvida. 

Theoí.  Náo  he  cinta  de  Saturno  iíTo  que  ve- 
des; he  íbmbra  ,  que  faz  o  annel,  e  cahc 
no  corpo  de  Saturno.  Reparai  :  o  annel  re- 
cebe luz  do  Sol  pela  parte  de  fima  ;  e  por 
ilfo  o  vedes  claro  como  prata  ;  e  aflim  deve 
fazer  fombra  para  baixo  ;  e  eila  parte  de 
Saturno  ,  que  fica  encubcrta  com  o  annel  , 
havemos  de  vella  efcura ,  porque  lhe  náo  dá 
a  luz  do  Sol.  Quando  porém  o  annel  rece- 
be a  luz  do  Sol  pela  face  debaixo  ,  entáo 
fica  Saturno   do  annel  para  b?.ixo  totalmen- 

.  te  claro  i  mas  fobre  o  annel  immediatamente 
L  ii  ap- 


164        Recreação  Filosófica 

apparccc  huma  como  fi  ta  efcura  ,  que  he 
a  fombra  que  laz  o  meíir.o  c-nnel  \).\X2l  fima 
(  I  ) .  Neíte  caio  fica  invifivel  o  annci  cá 
para  nós  ,  porque  nos  volta  a  face  efcura , 
e  não  fe  pó^e  perceber  ;  c  apparecc  Sa- 
turno como  huma  bola  atraveíTada  com  nu- 
ma faxa  negra  (EJtamp.  2.Jig.  10.  )•  Ou- 
tras vezes  apparece  Saturno  ícm  annel ,  não 
porque  o  pcrdeííe  ,  mas  porque  eftá  voltado 
de  modo  ,  que  o  vemos  de  topo  j  e  cntáo 
fó  poderiamios  perceber  a  fua  grolTura  ,  Ic 
ella  folTc  feníivel  ;  mas  náo  podemos  ver 
nenhuma  das  Tuas  faces  (  2  ) .  E  quando  o 
annel  vai  mudando  de  poítura  ,  que  come- 
çamos a  ver  huma  face  delle  ,  parece  que 
nafcèráo  a  Saturno  duas  azas  pequeninas,  c 
faz  efta  figura  ,  que  aqui  vos  defcnho  com 
o  l^pis  {Lftamp.  2.  fg.  11.);  e  quanto 
mais  fe  vai  voltando  o  annel  ,  mais  vifivcl 
fica  ,  como  agora  o  viftes  no  Ceo.  Advirto 
porem  que  nunca  fe  volta  de  todo  ,  para  o 
vrrmos  de  chapa. 

Eug.  DelTe  difcurfo  fe  colhe  que  o  annel  hc 
da  mcfma  matéria  ,  e  nr.tureza  que  os  ou- 
tros Planetas  ,  porque  hc  cpaco  como  cUes. 
E  que  vem  a  fer  eífe  annel  ? 

Thcod,     A  melhor  opinião  diz  que  hc  huma 

mul- 

^  1  )  Ifto  fucccde  todas  a?  veres  que  o  plâ- 
ro  do  annel  continuado  paliaria  por  entre  a 
Terra  e  o  Sol. 

(2)  Ffte  fecundo  cafo  de  ficar  o  annel  in- 
vifivel ,  fuccede  quando  o  plano  do  annel  íe  • 
continuaíTem  vifia  a  dâr  na  Terra. 


Tarde  trtgefmia  prima,      16^ 

multidão  de  Satélites ,  que  em  determinada 
diftancia  de  Saturno  fe  revolvem  em  luas 
orbitas  ;  os  q-aaes  ainda  que  na  realidade 
náo  eftejáo  juntos ,  e  tocando  huns  nos  ou- 
tros 5  contudo  5  como  os  vemos  de  muito 
longe  ,  confunde-fe  a  luz  de  huns  com  a 
dos  outros  ,  e  parece  huma  chapa  de  prata 
continuada. 

£ug.  Por  liTo  o  annel  náo  ajufta  com  o  cor- 
po de  Saturno  ;  porque  os  Satélites  ,  ainda 
os  mais  V  zinhos  ,  náo  háo  de  roçar  pela 
fua  lupcríicie  ,  mas  fcmpre  conlervaráó  fua 
tal  ou  qual  diftancia  delia.  Porém  devem 
fer  innumeraveis  ,  para  occuparcm  todo  o 
eípaço  que  occupa  o  annel. 

Theod,  O  Omnipotente  quando  os  crecu , 
táo  pouca  diiiiculdade  tinha  cm  fozer  hum 
íó  ,  como  em  produzir  milhões  de  milhões 
de  Satélites.  Logo  trataremos  dos  cinco  Sa- 
télites d.ftintos  5  que  o  aconipanhio  cm 
maior  diftancia ;  vamos  acabar  de  tazer  exa- 
me fobre  o  corpo  de  Saturno.  O  leu  diâ- 
metro he  pouco  mais  de  dez  vezes  maior- 
que  o  da  Terra  ,  e  tem  dsiS  nolTas  léguas 
(20.8^^)  vinte  mil  ,  oitocentas  e  trinta  c 
ires.  A  fuperficie  he  quafi  10:;  vezes  maior 
que  a  da  Terra  ,  e  contém  (  i  •,  ^64 :  554. 
586)  mil,  trezentos  e  íeiTenta  e  quatro  mi- 
lhões, quinhentas  e  cincoenta  e  quatro  mil, 
quinhentas  e  oitenta  e  íeis  léguas  quadradas. 
Ultimamente  comparando  o  ícu  volume 
com  oda  Terra,  he  1.050  vezes  maior  que 
o  delia.  Falta  agora  dizer  o  feu  pczo.  Co- 
mo 


i6ó  Recreação  Filofofica 

mo  tem  Satélites  ,  que  giráo  á  roda  delíe, 
temos  meiliodo  para  ilTo ,  e  íahe  o  pezo  de 
Saturno  quaíi  107  vezes  maior  que  o  da 
Terra.  Ora  fendo  Saturno  1.  c^c  vezes 
maior  que  a  Terra  no  volume  ,  e  cxceden- 
do-a  fó  ÍO7  vezes  no  pezo,  bem  ie  ve  que 
hc  muito  menos  denlo  que  a  Terra  ,  e  af- 
fim  comparando  as  duas  dcnfidades  enirc  fi, 
vem  a  íer  a  Terra  quafi  lO  vezes  mais  deri- 
ía  que  Saturno.  Ifto  he  no  que  toca  ao  cor- 
po de  Sâiurno  ,  que  o  annci  náo  íc  pódc 
pezar. 

Eiig.  E  icm  algumas  manchas  fora  a  líbmbra 
do  anncl? 

Theod.  Eu  náo  lhas  vi  ainda ;  porém ,  com.o 
já  vos  óiiTc  ,  náo  me  admiro  ,  porque  náo 
hc  dos  melhores  o  meu  Tekícopio  ,  pofto 
que  grande.  CaíHno  lhe  vio  três  taxas;  po- 
rém a  do  m.eio  era  láo  dcbil  ,  que  íó  com 
hum  Tclcfcopio  de  171  palmos  a  podia 
ver. 

Silv.     He  enorme  grandeza  de  Telefcopio. 

Theod.  Tudo  he  preciío  para  as  nofíps  cbfer- 
vaçóes  i  e  ainca  r.ll  m  quando  nfo  chega- 
mos a  ver,  acccmacdamo-nos  i  enáo  aven- 
turamos o  noíTo  difcurlo  meramente  fobre 
a  imaginação  ,  como  í  ziáo  os  FjJolofos  al- 
gum dia  5  que  alTentaváo  que  o  m.eímo  era 
reprcfentar-íe-lhes  huma  couia  na  íua  idéa , 
que  lo^o  fer  aílim  na  realidade.  Ifto  digo 
eu,  até  contra  muitos  Moderros  j  náo  he  fó 
contra  os  voíTos  Peripc^teticos. 

Silv,     Vamos  a  fabcr  que  djíiancia  tem  Sa- 

lur- 


Tarde  trtgefima  prima,      167 

turno  do  Sol ,  que  he  o  que  agora  nos  im- 
porta. 
Theod.  A  fua  diílancia  media  sáo  (2^1.  57^^  ) 
duzentos  e  trinta  e  hum  mil  ,  quinhentos  e 
íerenta  e  féis  iemidiameiros  da  Terra  ;  e 
reduzindo  eíta  dii^ancia  toda  a  léguas  r.of- 
ías  5  sáo  (  2  ^8  :  75c.  242  )  duzentos  e  trinta 
e  oito  milhões  ,  íetecentas  e  cincoenta  e 
cinco  mil  5  duzentas  e  quarenta  e  duas  lé- 
guas. Ifto  he  íallando  da  diirancia  media. 
Agora  p2ra  fr. herdes  quanto  elia  creíce  ou 
dirrinue  ,  he  prcciío  faber  a  excentricidade. 
Vale  pois  a  excentricidade  12.  917  íemi- 
diametros  ,  que  reduzidos  a  ieguss  ,  sâo 
(  i^  :  ^17.  (316)  treze  milhccs  ,  trezentas  e 
dezefete  mil  ,  íeiscentas  e  viezeíeis  leguí-.s ; 
c  por  confeguinre  Saturno  difta  do  Sol  na 
menor  diílancia  (22^:4:57.  626)  duzentos 
e   vinte   e   cinco  milhões   ,    quaiiocenias   e 

-  trinta  e  iere  mil  ,  Íeiscentas  e  vinte  e  féis 
léguas  j  ena  maior  diftancia  (  252  :  C72.  858) 
duzentos  e  cincoenta  e  deus  milKóes  ,  e 
íeienra  e  duas  mil  ,  oitocentas  e  cincoenta 
e  oito  léguas.  Eíla  he  a  diihncia  de  Satur- 
no ao  Sc!. 

£ug.     E  quanto  difta  da  Terra  ? 

Thecd.     Já  fabeis  que   havemos  de  coníiderar 

-  Saturno  em  dous  pontos.  No  ponto  m^ais 
difíanie  lá  além  òo  Sol,  que  he  na  corjur- 
çáo  com  elle  ,  e  íuccede  quando  Saiurno 
naíce  com  o  Sol  ,  e  com  o  Sol  le  póc , 
2qui  ditta  mu  to  de  nós  ;  porque  sáo 
(263:783.  651  )  duzentos  e  felTenra  e  três 

mi- 


i68         Recreação  Filofofca 

milhões  ,  fetecentas  e  oitenta  e  três  mil, 
fciscentas  e  cincornta  e  huma  léguas.  Po- 
rém no  ponto  da  fua  oppofiçáo  fónnente  dif- 
ta  de  nós  (  2 1  ^  ;  626.  8 ^  O  duzentos  e  treze 
miihóes  ,  íeiscentas  e  vinte  e  íeis  mil  ,  oi- 
io:entas  e  trinta  c  três  léguas.  Tendes  to- 
mado ícntido  no  modo  de  contar? 

Eu^.  He  accrefcentar  5  ou  tirar  da  fua  diftan- 
cia  med  a  a  diLkncia  de  nós  ao  So!. 

Theod.  Ilío  hc.  Vamos  agora  ao  tempo  do 
íeu  período.  Gafta  pois  Saturno  10.  749 
dias,  7  horas,  21  minutos,  e  50  fegundos , 
que  reduzidos  a  annos  ,  fazem  29  annos, 
157  dias,  6  horas,  48  minutes  e  5  Icgun- 
dos.  A  femelhíinça  e  analogia  com  os  outros 
Planetas  dá  fundamento  para  fe  íufpeitar, 
que  elle  tambcm  fc  m.overá  á  roda  do  ícu 
eixo  j  mas  náo  ha  obfervaçáo  que  o  prove. 
A  fua  orhira  tem  a  rcfpeito  da  Eclitica  2 
^raos  de  inclinação  ;o  minutos  e  20  legun- 
dos. 

Eu^      Faltáo-nos  os  5  Satélites. 

Theod.  Todos  tem  fuás  particulares  diftan- 
cias  j  e  á  proporção  ,  diverfos  temipos  de 
período  ou  giro.  O  primeiro  e  mais  chega- 
do a  Saturno  difta  dclle  ,  ou  ,  para  fallar 
em  rigor  ,  dilla  do  centro  de  S^^turno  qua- 
íi  dous  íemidiameíros  do  annel  (  i  )•  Faz 
o  fcu  giro  em  I  dia  ,  21  horas  ,  18  mi- 
nutos  e   27   fcgundos.    O   fegundo   Satélite 

dif- 

(1)0  primeiro  Sare^te  diRa  do  centro  de 
Saturno  fcmidiamstros  '  fj 


Tarde  trJgefima  prima,      169 

diíla  2  femidiamctros  e  rr.ero  ,  gaita  em 
^irar  2  dias  ,  17  horas  ,  44  miiTutos  e  22 
ícgundos.  O  terceiro  difta  ^  íemidiametros 
c  meio  ;  o  leu  per.oJo  he  de  4  dias  ,  12 
horas  ,  i^  minutos  e  12  fecundos.  Repa- 
rai que  os  mais  diftantes  ícmpre  gaftáo 
mais  tempo  ,  íemelhantcmcnte  ao  que  fa- 
zem os  Planetas  grandes  á  roda  do  Sol.  O 
quarto  Saielue  diíía  8  femidiametros  ;  e  re- 
volve-fe  á  rcda  de  Saturno  em  15  dias  , 
22  horas  ,  ^4  minutos  q  '\^  fegundos.  A 
diítancia  do  quinto  he  de  2^  femidiame- 
tros ;  e  a  fua  volta  confome  79  dias  ,  7 
horas  e  47  minutos.  Segucm-íe  agora  os 
Cometas  :  aqui  havemos  de  ter  pendência, 
amigo  Silvio. 

§.  V. 

Dos  Cometas ,  e  Juas  orbitas, 

Silv.  C  E  a  voíTa  doutrina  for  oppofta  á 
O  qae  eu  eíludei  ,  forçofamente  hei 
de  duvidar  delia  ,  até  que  a  razão  me  con- 
vença. Já  eu  vejo  que  vós  nso  fois  da  opi- 
nião de  Ariftoteies  íobre  os  Cometas.  Elle 
diz  ,  que  náo  sáo  outra  coufa  m.ais  que  ex- 
halaçôes  fulfureas  ,  as  quaes  ,  fubincio  da 
Terra  ,  fe  accendem  ,  e  accezas  duráo  em 
quanto  fe  náo  confomem.  Até  aqui  eu  cita- 
va nefta  opinião  ;  e  náo  me  apartarei  del- 
ia y  fenáo  por  força  da  razáo  ,  pela  venera- 
ção 


170        Recreação  Filofofica 

çáo  cjoe  fc  deve  a  hum  táo  grande  homem , 
e  Meítre  do  mundo  toio. 

Thcod.  De  opinião  femelhanre  ,  pofto  que 
com  algum.a  diverfidade,  foráo  outros  gran- 
des homens  ,  ainda  que  nào  lograrão  cíTe 
honoritico  e  tingido  tirulo  ,  que  dais  a  A- 
riftotele?.  Hcvdio  e  Argolo  querem  que  os 
Cometas  Jcjáo  vapores  e  exhalaçóes  dos  Pla- 
netas ;  outros  dizem  que  sso  procucções  da 
região  etérea  ;  e  o  grande  Keplero  he  dei- 
ta opinião  ;  e  me  admiro  de  que  hum  táo 
grande  Aílronomo  como  Keplero  ,  feja  tão 
pouco  digno  de  artcnçáo  em  difcur'©  pura- 
mente ívíico.    Oiirros  dizem  que  o  Cometa 

.  he  huma  nuvem  mui  alta  c  iíiuminada  pe- 
lo Sol  ;  outros  feguem  opiniões  divcrias  : 
porém  hoje  ,  creio  eu  ,  que  nenhum  Fiio- 
fofo  ,  que  tenha  nome  ,  tal  feguirá  ;  por 
quanto  aos  antigos  faltarão-ihes  as  obler- 
vaçccs  que  nós  hoje  temos  ;  particularmen- 
te as  do  anno  de  §(^  para  cá  ,  que  tirarão  , 
quanto   a   mim  ,    toda   a  dúvida   nefta   m.a- 

*  teria. 

Sílv.  Pois  porque  não  feguiremos  algum  òc[- 
fes  grandes  Homens  í 

Theod.  Prim.eir.imente  os  Cometas  não  po- 
dem Ter  exialaçócs  da  Terra  ;  porque  eftas 

-  exh  dações  não  fobem  fenão  pelo  sr  ,  obri- 
gadas òo  maior  pezo  delle;  e  ainda  que  vós 
as  vejais  lá  no  Ceo  correr  a  modo  de  hu- 
ma Eftrella   que  c-ihe  ,    tudo   ilTo    fe  fórtna 

'    mui  perto   de  nó?.    Aflim  como  o  arco  íris 

•  parece   pintado   no  Ceo  ,   e  fe  forma    nns 

pix-^- 


l 


Tarãe  trigefnna  prima.      171 

ingás  da  chuva  ,  que  ás  vezes  cahem  de 
iuma  nuvem  bem  baixa.  Portanto  náo  po- 
dem os  vapores  da  Terra  íubir  ,  nem  á 
íiliura  da  Lua  ,  (Quanto  mais  á  altura  dos 
Cometas  ,  que  ás  vezes  he  muito  maior 
que  a  do  Sol.  Além  de  que  ,  quando  os 
Cometas  palTaíTem  por  junto  do  Sol  ,  co- 
mo v.  g,  o  Cometa  do  anno  de  1680  ,  que 
chegou  ao  Sol  tanto  ,  cue  diftava  àtWt  a 
iexta  parte  do  diâmetro  do  Sol  ,  que  calor 
ráo  h;ivia  de  experiment:;r  ahi  r  e  con^.o  íe 
náo  haviáo  de  dillípar  eíTes  vapores  ?  Ne\{'- 
ton  calculando  peio  calor  ,  que  nós  expe- 
rimentamos na  força  do  veráo  ,  eftamlo 
cá  láo  longe  do  Sol  ,  o  calor  que  eiTe  Co- 
meta experimentaria  ,  táo  peito  delie  ,  jul- 
ga que  iciia  2  .  cco  vezes  maior  qce  o  de 
hcm  faro  em  braza :  e  corro  He  crivei  que 
táo  aòlivo  cílor  náo  diiiipp-ffe  efíes  vapores  , 
no  cafo  que  (como  dizeis)  os  Cometas  fof- 
íem  meros  vrpnres  da  Terra?  O  mefmo  di- 
go contra  a  opinião  dos  que  querem  que 
íejáo  vapores  dos  outros  Planetas  ,  ou  nu- 
vens ailurr.ic:da9  pelo  SoL  Nós  obíervamos  , 
que  os  Com.etas  ciuráo  muitos  tem.pos. 
O  célebre  Com.eta  de  59  durou  6  miezcs, 
e  ainda  m.ais  :  e  como  he  crivei  que  du- 
raíTcm  tanto  tempo  as  exhaiaçóes  accezas  ? 
Pcrém  ainda  hr  muito  mais  forte  razáo 
para  dffprcZcir  íodas  eilas  opiniões  velhas, 
confiderar  que  todos  cftes  corpos  cafual- 
mente  accezcs  ,  e  iiluminados  náo  pode- 
riáo    íeguir    carreira   regular     e    confiante  , 

CO- 


lyz         Recreação  Filoj^jfica 

como  hoje  fabemos  que  fegucm  os  Come- 
tas. A  razáo  ,  por  que  táo  ^rnndes  Homens 
errarão  nelb  matcria  ,  era  porque  íe  pcr- 
íuadiáo  que  os  Cometas  tinháo  rr.ovimen- 
to  irregular  e  vagabundo  :  appareciáo-lhes 
de  repente  ,  c  paliado  tempo  deíappareciáo  ; 
corriáo  muito  depreíTa  huns  ,  muito  de  va- 
gar outros  ;  e  ainda  os  m.efmos  ,  ora  de- 
preíTa ,  ora  de  vagar  ,  não  íeguião  a  vizi- 
nhança de  eciiiica  ,  como  os  Planetas  ,  e 
por  ilío  todos  bufcaváo  cauía  tcmbem  er- 
rante ,  contingente  ,  e  dcfordcnada  ;  como 
são  vapores  ,  nuvens  ,  conjunção  de  rftrel- 
Jas  ,  Scc.  Porém  depois  que  o  Gran.-^c  Caf- 
fino  5  Halco  ,  VÀjihon  ,  c  outros  Aftrono- 
mos  lhes  foráo  feguindo  os  pálios  ,  e  co- 
mo riícando  no  Ceo  o  caminho  ,  que  ellcs 
feguiáo  ,  e  haviào  de  fe^uir  para  o  futu- 
ro ,  concordarão  os  Filofofos ,  que  clles  são 
Planetas  como  os  outros  ,  mas  que  fe  mo- 
vem cm  elifes  muito  mais  excêntricas  (  i  ). 
Já  defta  opinião  tinháo  fido  alguns  dos  an- 
tigos Pythagoricos ,  como  lem^os  cm  Plutar- 
co ,  Apollomo  Mindto  ,  a  quem  na  Altro- 
nomia  louva  muito  Séneca.    O  mefmo  Sc- 

ne- 

(i)  Alsjuns  querem  que  a  linha  que  def- 
crevem  os  Cometas  ,  fíja  não  ellle  ,  iras  pa' 
rafifilj  :  pnrcin  affim  como  a  elife  pouco  ex- 
cêntrica Te  confunde  com  o  circulo,  alTim  a  eli- 
fe fummsmente  excêntrica  le  equivoca  cojn  a 
parahflla  '■  e  fesiinHo  a<?  le  s  da.  attraccão  ,  diz  o 
GraveUnde  num.  p^f..  que  não  podem  os  Pla- 
netas leguir  outra  linha  lenão  a  eiipiica. 


Tarde  trigerima  prima,      173 

neca  (  i  )  claramente  a  feguc  ,  c  fe  atre- 
veo  a  profeiizar  o  qne  hoje  vemos  ;  dizen- 
do que  algum  tempo  h:\veria  quem  pudelTc 
feguir  os  pdlTos  aos  Cometas  ,  e  obícrvar- 
Ihes  os  caminhos.  AL.s  qu?m  pez  cm  toda 
a  íua  luz  cíl.^  opinião  foráo  Cajjino  ,  New- 
ton ,  Bernouille  ,  Haleo  ,  c  outros  infignes 
Aftro  lomos  e  Fyíicos. 

Silv,     E  que  fundamento  tem  eíTa  opinião? 

Theod.  São  de  duas  efpecies  ,  huns  negati- 
vos ,  outros  poHtivos  :  porque  ,  não  fendo 
os  Cometas  cxhalaçórs  da  Terra ,  nem  dos 
Planetas  ,  nem  colíecçáo  de  Eftrellas  ,  ou 
outra  coufa  deite  género  ,  que  ora  fe  for- 
ma ,  ora  fe  dcfmancha  ,  como  já  provei  que 
não  podia  fer  ,  fegue-fe  neceiTariamente , 
que  são  corpos  perpétuos  ,  que  durão  e  fo- 
ráo creados  com  os  demais  Aftros  no  prin- 
cipio do  mundo  ;  e  ora  fe  fazem  vifiveis  , 
ora  invifiveis  pela  diverfa  diftancia  em  que 
nos  apparecem.  Eftc  he  o  que  eu  chamo 
argumento  negativo.  Além  defte  ha  argu- 
mentos pofitivos  que  nos  perfuadem.  Os 
Cometas  ,  fegundo  as  obfervaçóes  dos  Mo- 
dernos ,  feguem  humas  linhas  em  quanto 
fe  vem  ,  que  sáo  porções  de  elifes  ;  e  fó 
diííerem  dos  Planetas  ,  em  que  sáo  muito 
eftrcitas  e  compridas  :  também  fe  obferva  , 
Gue  quando  começáo  a  appareccr ,  cada  vez 
ie  tazem  mais  vifiveis  ;  e  que  pelo  contra- 
rio ,  quando  delapparecem  ,    náo  he  de  re- 

pen- 
CO     Lib.  7.   das  qucílóes  naturaes  tap,   <. 
«  17. 


174         Recreação  Filofojíca 

pente  ,  mas  pouco  a  pouco  Tc  fazem  me- 
nos vifiveis  ;  de  forte  que  quando  já  com  a 
fimplcs  viíb.  íe  não  vem  ,  ainda  alguns  dias 
fe  obferváo  com  os  Teiefcopios  ,  como  nos 
aconteceo    nefte  celebrndiílimo   Cometa    de 

Sih.  O  Cometa  ,  que  apparcceo  no  íinno 
de  ij6q  ,  appareceo  logo  de  repente  mui 
c;r?.nde. 

Theod.  A  primeira  vez  que  o  vio  quem  pu- 
delTe  dar  razão  delle  ,  íim  era  já  mui  gran- 
de e  vifivel  j  porém  muitas  outras  noites 
antes  fe  havia  de  poder  ver  ;  e  ou  o  tem.- 
po  nublado  ,  ou  a  inadvertência  fez  que 
o  não  vilTe  Filofofo  algum  ,  que  pudeíTe 
dar  razáo  delle.  \^ós  bem  fabeis  que  o  vul- 
go ,  quando  os  Cometas  náo  sáo  mui  gran- 
des ,  nem  fórmáo  cauda  ,  reputáo-nos  por 
EftreUas  efcuras  :  e  manifeílamcme  fe  pro- 
va iífo  nefie  mcfmo  Cometa  de  6o  ,  porque 
em  toda  a  França  ,  Inglaterra  ,  HoUanda 
náo  houve  quem  o  viíTe  Icnáo  de  8  ,  e  9 
de  Janeiro  por  diante  ;  c  já  cá  cm  Lisboa 
o  Padre  Chevalier  do  Oratório  ,  Sócio  de 
Londres  ,  c  Correfpondentc  da  Academia 
de  Paris  ,  o  tinha  obfcrvado  no  CoHegio 
das  Necelíidades ;  porque  a  7  delTc  mcz  me 
convidou  a  vello  ,  e  o  cttive  obfervando. 
ElTe  dia  foi  o  primeiro  ,  cm  que  foi  obfcr- 
vado ;  nem  até  ao  prefente  me  confta  que 
foffe  em  alguma  outra  paitc  antecedente- 
mente obfcrvado.  Appareceo  na  conftella- 
çáo  da  Nao  Argos  ,   e  parecia  maior  que 

hw- 


Tarde  trige/lma  prima.      i'^f 

huma   Eftrella  da  primeira  grandeza  :   náo 
tinha  cauda  ;    nem  cntáo  a  podia  ter  ,    por- 
que eítava  em  opporiçáo  com  o  Sol  ,   ifto 
hc  5   por  linha  reíia   ficávamos  nós  entre  o 
Sol   c  o  Cometa.    NeiTe  dia  a  cauda   íe  ha- 
via  de  eíkndcr  lá   para  fmia   do  Cometa , 
cncubrindo-a    o   feu   mefmo   corpo  ,    como 
logo   vos  direi  ,   fallando    das  fuás  caudas. 
Durou  16   dias   a  íua  obfervaçáo   aqui   cm 
Lisboa  ;    e  o  que  a  mim  me  admirou  gran- 
demente foi  a  velocidade  inexplicável  do  leu 
movimento  próprio  :    era  retrogrado  ,    e  na 
primeira  noiíe  corria  mais  de  hum  gráo  em 
cada  hora  ;  nos  dias  feguintes  foi  abrandan- 
do a  fúria  da  fua  carreira  ;  mas  fem.pre  cor- 
reo  neftes  dias  em  longitude  9:,  2,rios  pelos 
fignos  de  Leão  ,  Cancro  ,  Gémeos ,  e  Touro  , 
que   he  mais   da  quarta   parte   do  Ceo.    Di- 
zci-m.e  agora :   Aííim  como  eftando  nós  ob- 
fervando-o  em  Lisboa  ,    e  elle  muiro  paten- 
te no  miCio   do  Ceo  ,   ninguém  o  obfervou 
noutra  parte,  que  muito  he  que  alguns  dias 
antes  eile  cítiv  iTe   no  Ceo   mui  vifiveí  ,    e 
náo   o   viíTe   ninguém.  ,    que   pudeíTe   diftin- 
guillo  das  outras  Eftrellas  ? 
£ug.     Eu   tenho  vifto    alguns    Com.eras  fem 
cauda  ,   que   antes    de  mo  dizerem   peíToas 
entendidas  ,    eu    reputava    por    eftrellas  ;    e 
vendo  o  Cometa  ,    o  andava  bufcando  por 
todo  o  Ceo  ,  e  dizia  que  o  náo  achava. 
Thecd.     líTo   fuccede  commummente    a  quem 
náo   tem   experiência    da  obfervaçáo   dcfíes 
Aftros.    Mas   continuando    os   fundamentos 

que 


176         Recreação  Filofofica 

que  prováo  a  noíTa  opiniáo ,  o  que  a  deixou 
firmiííimamenre  eíèiíbelccida  ,  he  cíle.  Se 
os  Cometas  sáo  Aftros  creados  no  principio 
do  mundo  juntamente  com  os  PLinetAs  , 
e  fó  fe  fazem  vifiveis  pela  menor  dillan- 
cia  da  Terra  ,  devem  ter  fua  orbita  cer- 
ca ,  pela  cjual  fe  mováo  ,  e  por  iiTo  háo  de 
gaftar  tempo  determin.iJ.o  em  cada  volta; 
e  d'aqui  feguia  fe  que  com  determinado 
intervalo  de  tempo  ,  o  meímo  Cometa  de- 
via apparecer  varias  vezes.  Se  íílo  fucceder 
aílim  ,  quem  poderá  duvidar  que  sáo  os 
Cometas  liuns  Planetas  como  os  outros  , 
pois  fazem  as  fuás  revoluções  em  tempos 
certos  ? 

Súv*  Porém  náo  he  aíTim  ,  porque  os  Come- 
tas apparecem  quando  fe  náo  efperáo  j  nem 
ha  cálculos  para  elles  ,  aílim  como  os  ha 
para  o  movimenio  dos  Plane[a<:. 

Theod.  Socegai  hum  pouco.  Como  as  revo- 
luções dos  Cometas  sáo  mui  vagarofas  , 
por  comparação  dos  Pianetas  ,  náo  podem 
os  fcus  movimentos  fer  láo  exaólamente 
obfervados  :  porém  illo  náo  obftante  ,  al- 
guns períodos  fe  tem  conhecido  ;  e  do  mef- 
mo  Cometa  fe  contáo  varias  apparições  com 
iniervnllos  iguacs.  O  Grande  H.tleo  já  no 
feu  tempo  lem  a  minima  dúvida  artirma- 
va  ,  que  o  Cometa  do  anno  de  15^1  ,  ob- 
íervado  por  Jpiano  ,  era  o  mefmo  que  76 
annos  depois  appareceo  em  \6cj  ,  e  obfer- 
váráo  Keplero  e  Lougo^wnrano  ,  e  que  tor- 
nou outra  vez  a  ler  viífo  em  1682  ,   com 

in- 


Tarde  trigejlma  primei,      -inj 

imervallo  de  75  annos  (  i  ) '  ^  P°^  ^^^  <^^'^^- 
culo  íe  efperava  no  aiino  de  1757  ,  o.j  no 
feguinte  de  58  ,  porqae  dos  dous  períodos, 
que  fe  cinhão  oDlcrvado  ,  hum  era  de  76 , 
ouiro  de  75  annos  ,  fendo  a  dilferença  mui 
pouca  ,  e  podendo  nafcer  de  alguma  cau- 
ía  acci dental.  Ella  cíperança  tinha  alvoro- 
çado a  todos  os  Aíèronomos  \  e  os  melho- 
res ,  com  NcNxton  e  os  mais  entendidos 
Filofofos  ,  nada  duvidarão  deíla  Aftrono- 
mica  profecia  :  chegou  o  anno  de  57  ,  e 
náo  appareceo  o  Comera.  Mr.  Qai^ant^ 
infigne  Geometra  e  Membro  da  Accdcmia 
de  Paris  ,  por  efte  tempo  publicou  huma 
Memoria  ,  pela  qual  dilatava  hum  pouco 
inais  a  apparição  do  Cometa  ,  formando  o 
calculo  com  infinito  trabalho  ,  attenJcndo 
á  retardaçáo  ,  que  na  paíTagem  lhe  podiáo 
caufar  Jupirer  e  Saturno ,  por  caufa  da  mu- 
tua attracção  ,  que  fe  conhece  entre  todos 
os  corpos  Celeftes.  Eíla  attracçáo  nem  cm 
todos  os  períodos  pôde  fer  a  mefma  ,  por- 
que nem  fempre  o  Cometa  paila  na  rrjef- 
ma  diíbncia,  nem  na  mefma  poíiçáo  a  ref- 
peito  deíles  Planetas  ;  e  eíla  talvez  folTe 
a  caufa  da  pequena  diíFerença  ,  que  fe  acha 
entre  os  outros  dous  períodos.  Conforme 
o  calculo  à^^Kç.  Grande  Homem  ,  o  Co- 
meta náo  devia  apparecer  antes  de  59  ,  ha- 
vendo de  fer  o  feu  perihclio  ,  ou  maict 
proximidade  do  Sol  em  Abril  defte  anno. 
Tom.  VI.  M  Com 

(  1  )  Cometoçraphia  ,    que  vem    nas  Tcansac- 
■  çCes  Filofoíicas  do  anno  1705. 


178        Recreação  Filofofica 

Com  efFeito  paíTou  todo  o  anno  de  58  fem 
que    os  AftronorriCs  tivcíTem  noticia   do  Co- 
meta efperddo  :   e  já  alguns,   (]uc  ignoraváo 
os  folidos    fundamentos    delía  profecia  ,   ti- 
tubeaváo   na  fua  fé.   Appareceo   em  lim   no 
Janeiro   de  ^9   a  2 1    do  mez  ;   e  foi   defcu- 
berto  por  Mr.  AíaJJíer  Aftronomo  ,  e  diíci- 
pulo  de  Mr.   De  Lisle  ,    que  conforme  os 
cálculos    de    feu  Meílre  ,    o    bufcíiva    cada 
noite   naquella   parte  do  Ceo  ,  em  que   de- 
via apparccer.    Depois  conftou   que    na  Sa- 
xonia  o  tinha  já  vifto  hum  homem  do  cam- 
po em  25  de  Dezembro  do  anno  preceden- 
te j   pí^ra  mais  completo  creiito   da  profecia 
dos  y^íhonomos  ,  que  o  daváo  em  58.  Mr. 
Mãjfícr   o  continuou   a   obfervar   até  o  dia 
14  de  Fevereiro  ,   e  deíTe  dia   por  diante  fe 
náo  pode  ver  ,   porque  apparecia  ,   fegundo 
a  noiía   vifta  ,   muito   perto   do  Sol  ,  e   os 
feus   raios   o  con fundi áo.    Mas    como   efpc- 
raváo  ,  que  aíFaílando-fe  mais  delle  com  o 
movimento  que  levava  ,   fe  deixaria  ver   de 
madrugada   dalli   a   alguns   dias  ,    Mr.    De 
JLisle  ,   fuppondo  fer  o  mcfmo  Cometa  pro- 
fetizado j    fez  o  fcu    calculo  ,  e  foi  como 
rifcando  no  Ceo  o  caminho  que  devia   fe- 
guir  5  quando  rornafTe   a  fer  viílo.    Appare- 
ceo  em  fim  outra  vez  no  primeiro  de  Abril, 
e  já   nós  o  tinhamos  cá   vifto   em   Lisboa 
no   fim   de  Março  :    era    de   grandeza   tal , 
que    ie  deixava  perceber   por  qualquer.    En- 
tão Mr.    De  Lide   publicou    o   feu   calcu- 
lo ,  c  táo  íeguro  eíiava  deile  ,  que  o  foi 

prc- 


Tarde  trtgeCima  prima,      179 

'  prefentar  a  ElRei  C':iriftianiíIimo  em  Verfa- 
Ihes ,  moftrando  depois  as  obfervaçóes ,  ^uc 
o  Comera  hia  obedecendo  ás  Leis  dos  Af- 
tronomos.  Nós  em  Lisboa  tivemos  o  goílo 
de  o  obfervar  até  o  dia  22  de  Abrrl ,  quan- 
do em  Paris  ,  por  ficar  mais  ao  Norte  ,  o 
náo  puderáo  ver  fenào  até  o  dia  17.  A  cau- 
fa  por  que  àz  11  por  diante  o  náo  pudemos 
ver  5  foi  o  caminhar  m.ui:o  para  o  pólo  do 
Sul  ,  de  forte  que  náo  fahia  aflima  do  Ho- 
rizonte ;  allim  como  náo  fahem  as  Ellrel* 
las ,  que  ficáo  junto  deííe  pólo.  Porém  com 
o  feu  movimento  próprio  veio  outra  vez 
caminhando  cá  para  o  noíTo  pólo,  e  o  tor- 
námos a  ver  á  noite  em  Lisboa  a  28  de 
Abril  ,  e  em  Paris  a  29.  Lá  continuou  a 
fer  vifto  até  9  de  Junho  ;  porém  em  Lis- 
boa o  Padre  Chevilier  do  Oratório  ,  com 
outros  Padres  no  Coilegio  das  Neceílidades , 
o  obfcrváráo  exaclamente  até  o  dia  22  do 
meímo  mez  ;  e  ultimamente  defappareceo, 
fendo  nos  últimos  dias  quafi  imperceptível. 
Não  me  confia  que  ouiro  algum  Aftrono- 
mo  tive'Te  a  felicidade  de  prolorgar  ranta 
a  fua  obfervação  ,  nem  que  depois  deíle 
dia  foíTe  vifto  em  parte  alguma.  O  feu 
movimento  era  retrogrado  ,  e  conreo  os 
Signos  de  Pijcis  ,  Aquário  ,  Capricórnio  y 
Sagittario ,  Scorpio ,  Libra ,  e  Firgo,  O  feu 
perihelio ,  ou  maior  vizinhança  do  Sol  ,  foi 
em  Março  ,  antes  que  fegunda  vez  íoíTe 
viílo. 

Silv*    Se  neíTe  tempo  níngucm  o  obfervou, 
M  ii  CO- 


i8o        Recreação  FtJcfrJica 

COTIO  dizeis  que  criáj  he  cjue  clle  fc  cKc- 
gon  iT.dis  ao  Sol '. 
Theod.  Náo  vC'Jcs  que  pelas  oblervaçóes , 
antes  c  depois  deíTe  tempo  ,  fe  \ò1q  ir  rif- 
candtJ  -peio  Ceo  o  caminho  que  cile  fez  1 
Ella  linha  era  curva  ,  e  porção  de  eliíc  ,  e 
aliim  ie  conhece  o  caminho  aue  ievou  a^n- 
da  nos  intervallos  ,  cm  que  íc  não  deixava 
ver  ;  porqLie  nio  havia  de  anJar  faltando 
de  numa  parte  para  a  outra  ,  mas  havia  de 
levar  a  fua  carreira  fcguida,  Combmando 
agora  os  Aítronomos  a  orbita  dcfte  Come- 
ta com  as  dos  que  apparecèráo  em  1682, 
16C7,  e  15^1,  acharão  que  era  o  meímoj 
c  aííim  concordaváo  os  feus  movimentos; 
como  também  a  inclinação  a  rclpcito  da 
cciicica  5  lendo  os  meímos  Nos  ou  cncru- 
famentos  com  ella  ;  e  que  emtim  era  a 
meima  velocidade.  Tudo  ifto  com  a  igual- 
dade dos  pcriodos  ,  prova  inncgavelmente 
que  he  o  mefmo  Cometa  ,  c  que  varias 
vezes  nos  tem  vifjtado.  E  daqui  ie  intc- 
le  ,  que  cambem  cíle  foi  o  Comera  ,  que 
anieccdc-nrcmcnte  tinha  apparecido  em  1456, 
fendo  eíia  agora  já  a  quinta  appDriçáo  ob- 
fervada.  Aqui  trndes  o  fundamento  ,  que 
tirou  os  efcTupulos  ,  que  até  aqui  podíáo 
embíra^^r  a  al^rns  ,  para  crer  que  os  Co- 
metas sáo  Attros  creados  no  principio  do 
mundo  i  pois  já  fe  podem  calcular  os  feus 
movimentos  ,  como  o  dos  outros  Aftros. 
Só  tem  hum  a  grande  d;ííiculdade  ,  e  vem 
a   fer   ,    que   como   sáo  mui  vagarofcs   os 

íeus 


Tarde  trígefima  prima,      iSi 

feus  períodos  ,  sáo  preciTos  fecuios  ,  para 
que  as  repetidas  obícrvaçóes  de  xhum  mef- 
mo  Cometa  ros  dem  luz  para  lhe  progncf- 
licar  as  fuás  futuras  appariçces.  Forem  já 
agora  com  outra  luz  le  báo  de  intentar  ei- 
ras emprezas.  Suppoíro  ilto ,  prudenterren- 
le  Te  pôde  crer  que  (  conrcrme  o  ceixou 
dito  Caííino  )  o  Ccmcta  do  anno  de  1680, 
tan  bem  célebre  pela  íua  incrível  vizinhan- 
ça do  Sol  ,  foi  o  mefmo  que  fe  vio  no 
anno  de  I577  ,  tendo  de  periodo  10:5  ?n- 
nos.  Semelhantemente  o  do  anno  c.e  i6<;,8 
fe  crê  fer  o  meimo  òo  anno  1652  ;  com.o 
também  ,  que  o  do  anno  de  17C2  feria  o 
mcfmo  que  foi  \ú\o  em  1(^68  com  periodo 
de  ^4  annos.  E  \Y  iíthon  íe  atreve  a  aiiir- 
mar  que  todos  os  Cometas  ,  que  apparecè- 
ráo  deície  o  anno  de  n^7  até  i^í^B,  tinháo 
outra  vez  voltado  ,  depois  de  correrem  as 
fuás  orbitas. 

Silv.  Depois  deíTas  obíervaçóes  ,  confelTo 
que  bom  fundí.mjento  ha  para  crer  que  os 
Comeras  sáo  ARros  crca  los  no  principio  do 
mundo  j  porém  como  os  Amigos  nâo  as  ti- 
nháo, não  he  de  admirar  que  Icguiííem  ou- 
tras opiniões. 

Theod.  Os  Modernos  fe  tem  adiantado  ãc 
tal  forma  pelas  fuás  obfervaçôes ,  que  Caf- 
fino  fe  atreveo  a  deícrever  pelo  Cco  outro 
Zodíaco  para  os  Cometas;  aílim.  como  para 
o  movimenío  de  todos  os  Planetas  ha  o  Zo- 
díaco dos  doze  íignos  ■■,  porque  ajuntando 
todas  as  obfervaçôes  que  pude  ,   conhcceo 

que 


181         Recreação  Filofofica 

Íjue  todos  os  Cometas  nos  fcus  movimenros 
e  continháo  dentro  dos  limites  defta  Zona, 
que  comprehende  as  fe^u'n  es  conltellaçóes  : 
Antinoo  ,  Pegazo  ,  yítidromeda  ,  Touro, 
Orion  ,  Porcioti ,  Hldron  ,  Centauro  ,  Lfcor- 
pio ,  ^rco  ^e  Sãgittario.  E  p^ra  que  em  tu- 
úo  le  allemelhem  aos  Planetas  ,  fabei  que 
também  nas  luas  orbitas  correm  eípaços 
i^uacs  em  tempos  iguacs ;  e  por  ilío  no  pe- 
rihtlio  hc  fumma  a  lua  velocidade ;  proprie- 
dade commua  a  todos  os  Pianctas  ,  como 
vos  explicarei  a  feu  tempo. 

£ug.  Suppofto  ifto  ,  também  havemos  de 
crer  que  os  Cometas  sáo  corpos  opacos  ,  e 
que  toda  a  luz  que  tem  ,  he  do  Sol  ,  que 
nelles  refleòk  ,  como  dilTcítcs  dos  Planetas. 

Theod.  Inferis  bem  ,  nfo  obftante  a  grande 
diíFerença  que  tem  a  fua  luz  ,  a  qual  hc 
mais  embaciada  òo  que  a  dos  Planetas  ;  o 
que  eu  atcribuo  á  grande  copia  de  fumo 
que  fe  exhala  do  Cometa  por  toda  a  parte, 
como  lo2;o  vos  direi. 

JEug.  Daqui  por  diante  já  nos  não  andarão 
alfuftando  com  os  Cometas.  Se  elles  sáo 
Aíhos  ,  que  feguem  as  fuás  carreiras  conf- 
tantcmenre  ,  que  tem  cites  cá  comnofco  j 
ou  como  podem  fcr  finaes  de  calamidades 
futuras  ? 


§.  VI. 


Tarde  trigefima  prima,       183 

§.  VI. 

Da  fgura  dos  Cometas  ,  e  efeitos  que  po- 
dem caufar, 

Theod,  /^  Vulgo  ,  que  he  quem  fe  adufta 
\J  com  os  Cometas  ,  náo  he  Filofo- 
fo  ,  nem  efpera  as  appariçóes  deftes  Af- 
tros  :  a  novidade  que  trazem  comfi^o ,  e  o 
iníolito  das  fuás  figuras  por  cauía  das  cau- 
das, juntando-fe  com  a  preoccupaçâo  geral 
e  antiquiílima  de  que  os  aílros  influem  nos 
acontecimentos,  ainda  naquelles  que  depen- 
dem da  noíTa  vontade  livre,  sáo  cauía  dcíle 
terror  no  povo  ,  o  qual  fempre  eftá  prom- 
pto  a  temer  tudo  quanto  dizem  que  he  para 
ilTo. 

Sílv.  Vós  não  podeis  negar  que  os  Come- 
tas appareccndo  humas  vezes  com  feme- 
Ihança  de  cfpadas  de  fogo  ,  outras  vezes 
com  cor  fanguinolenta  ,  dão  indicies  de  fu- 
turas guerras  e  defgraças. 

Thecd.  Náo  ha  coufa  mais  enganadora  ,  Sil- 
vio ,  que  os  olhos  do  povo  atemorizado; 
vè  tudo  quanto  fe  lhe  repreíenta  na  imagi- 
nação ,  c  cm  hum  levantando  a  voz ,  todos 
os  mais  dizem  logo  que  vem.  Não  ha  figu- 
ras de  efpadas  ,  nem  batalhas ,  e  pen.kncias 
no  Ceoj  os  Cometas  todos  sáo  fcnfivclmen- 
le  redondos  como  os  Planetas  ,  pofío  que 
as  caudas  tomem  diverfas  figuras.  As  cau- 
das 


í84         Recreação  Tilofojica 

das  dos  Cometas  náo  sáo  ouira  coufa  {ç^^ 
náo  hum  fumo  ou  vapor  ,  aue  íahc  do 
corpo  do  meín.o  Cometa  ,  por  caufa  do 
calor  do  Sol.  Efta  he  a  opniào  de  Newion  , 
e  a  mais  veroílmiil  :  vede  efta  eílampa 
ÇEjl.imp.  2.  fig.  12.)  ,  em  que  eftáo  deli- 
neadas as  orbitas  do^  Planetas  ,  e  também 
de  ai^uns  Cornetps.  Dos  Planetas  fallarei  a 
feu  tempo  ,  vamos  a^ora  aos  Conterás.  ]á 
vedes  como  as  luas  crbitns  sáo  com.pridas  , 
nafccndo  daqui  o  perdellos  de  vifla  ,  quan- 
do andáo  la  por  íima'  ,  c  apparecerem , 
quando  le  chegáo  mais  a  nós.  Vamos  ago- 
ra ás  caudís.  Primeiram.enie  em  quanto  o 
Cometa  eltá  mui  ciíhnte  do  Sol  ,  náo 
fe  lhe  vè  cauda  ,  porque  náo  ha  calor  baf- 
tan:e  para  h.zer  exhalar  o  fumo  ;  porém  á 
proporção  que  o  Cometa  fe  vem  chegan- 
do ao  Sol  ,  lhe  vai  crefcendo  a  cauda  ,  co- 
nio  vedes  cm  a  c  b  ;  ce  ícrre  que  ncs  dias 
prcximios  depois  do  feu  perihclio  ,  então 
coíluma  fer  maior  que  nunca  ,  com.o  ye- 
dçs  em  c  ,  pelo  grande  ca'or  do  Cometa  , 
Crfuf^.do  pela  vizinhança  do  Sol  ,  cahindo 
ja  1<  bre  o  calor  ,  que  no  periheho  tinha 
recebido.  Pela  mcfma  razáo  vai  diminuin- 
do a  cauJa  ,  á  proporção  que  o  Conjcta 
fe  vai  retirando  do  Sol  ,  porque  vai  fen- 
do m:nor  o  calor.  Eu  bem  fei  que  ha  ou- 
tras cUHs  cpinices  patrocinadas  por  bons 
Auihores  :  huma  diz,  que  a  cauiia  do  Co- 
meta he  ic  fracção  da  luz  do  Sol  paíTan- 
do  peio  Ccmieta  ,  cu  fua  atmosíera  ;  ou- 
tra 


Tarde  trigefima  prima,      185' 

tra  fegue  que  he  refracçáo  da  luz  do  Co- 
mera airaveiíando  o  efpaço  do  Ceo  ,  e  vin- 
do para  os  noíTcs  olhos  ;  porém  quanco  a 
mim  nenhuma  fe  pôde  luilcntar.  A  primei- 
ra 5  que  he  de  Apiano  ,  náo  me  parece  ver- 
dadeira ,  porque  nada  importa  que  a  luz  do 
Sol  quebre  na  atmosfera  do  Cometa  ,  íe 
depois  de  afíim  quebrada  náo  achaíTe  cor- 
po donde  refieòiilTe  para  nós  :  fem  iílo , 
iicava  inv  íjvel  ,  nem  nós  veríamos  as  cau- 
das Jos  Cometam  A  fegunda  opinião  ,  que 
he  de  De^-CartvS  ,  também  náo  fe  pôde 
defender  j  porque  nem  a  cauda  fe  m.ud  jria 
de  huma  parte  para  a  outra  ,  nem  a  luz 
das  eftrellas  ,  que  paíía  pelo  mcímo  meio 
que  a  dos  Cometas  ,  poderia  chegar  a  nós 
íem  a  mefma  refracçáo  ,  e  cada  cftrella 
formiaria  a  íua  cauda  :  pelo  que  a  opinião 
miais  ícguida  he  a  que  já  dilíe. 

Súv.  Tenho  contra  iíTo  ,  que  he  impoflivel 
lançar  o  Cometa  tanta  quantidade  de  fu- 
mo ,  que  poíTa  occupar  todo  eíTe  efpaço 
dos  Ceos  ,  por  onde  vemos  que  le  eftende 
a  íua  cauda. 

Theod.  Eu  náo  eftou  bem  lembrado  fe  já 
vos  expliquei  a  quaíi  infinita  divifibilidade 
da  matéria  j  e  com.o  pode  huma  mui  pe- 
quena porção  de  matéria  folida  ,  quando 
fe  refoivc  em  vapor  ,  occupar  hum  elpaço 
immenfo.  Huma  gota  de  agua  ,  quando  íe 
refolve  em  vapor  quente  ,  occupa  hum  ef- 
paço quaiorze  mil  vezes  maior  do  que  cc- 
cupava  d'antes  ;   e  todo  o  mundo  obferva 

que 


i86        Recreação  Filofofica 

que  Iiuma  pequena  cortiça  lançada  nas  bra- 
2as  enche  de  turno  huma  cafa  ,  padecendo 
pouca  diminuição  no  feu  pezo. 

Eug.  Quando  tallaftes  do  cheiro  ,  que  os 
corpos  exhaiaváo  de  fi ,  e  logo  no  principio 
quando  fallaíles  da  divifibilidade  da  maté- 
ria ,  então  nos  explicaftes  ilTo. 

TIxod,  Suppoíto  illo ,  náo  deveis  admirar-vos 
de  que  o  Cometa  com  a  força  do  calor 
exhale  de  fi  fumo  baftante  para  formar  a 
cauda  que  nelle  vemos.  X^^crdadc  he  que 
alguns  a  eftendem  tanto  ,  que  occupâo  hu- 
ma grande  parte  do  Ceo.  A  cauda  do  Co- 
meta de  1680  occupava  a  terça  ,  ou  quar- 
ta parte  do  Ceo  ,  mas  caufa  tinha  baftante 
para  cfta  prodigiofa  extensão  no  cr.Ior  in- 
teníiflimo  ,  que  experimentou  no  pcrihcliOy 
porque  fó  diftou  do  Sol  a  fexta  parte  do 
diâmetro  folar  :  vede  que  calor  feria  efte, 
e  quanto  fumo  fahiria  do  Cometa  todo  ar- 
dendo ,  e  pofto  cm  viva  braza  ,  como  he 
força  que  fuccedeíTe  então ! 

Silv.  Sendo  elle  tão  grande  como  a  Terra, 
e  talvez  ainda  maior  ,  muito  havia  de  cuf- 
tar  a  por  em  braza. 

Theod,  Se  o  calor  do  Sol  ,  juntando -o  pelo 
efpelho  uftorio  ,  he  capaz  de  pôr  em  braza 
hum  terro  ;  lá  tão  perto  ,  como  não  derre- 
teria e  reduziria  a  matéria  vitrificada  todo 
o  Cometa.  Ne\(ton  dá-lhe  hum  calor  duas 
mil  vezes  maior  que  o  de  hum  ferro  cm 
braza  ;  e  que  gaftaria  muitos  annos  para  fe 
estriar  ,  formando  o  calculo  febre  o  tem- 
po 


Tarde  trjgefima  prima.      187 

po  Gue  gafta  para  perder  o  calor  huma  ba- 
la de  ferro  pcfta  cm  braza. 

íí/Vv.  Sendo  ilTo  alíim  ,  o  Cometa  havia  de 
ficar  confideravelmenie  menor  ,  perdendo 
tão  grande  porção  da  fua  fubfíancia. 

Tbeod.  He  certo  que  toda  a  miateria  ,  que  fe 
evapora  ,  fahe  fora  do  Cometa  ;  mas  tal- 
vez que  com  a  força  da  gravidade  ou  at- 
iracçáo  ,  ttrne  a  cahir  fobre  o  mefmo  Co- 
meta ,  quando  estridr :  aíiim  como  o  fumo, 
e  vapores  que  fahem  da  Terra  ,  pi^íTado 
tempo  por  força  da  gravidade  ou  attracçáo , 
tornão  a  vir  para  a  meíma  Terra.  Além 
de  que  ,  como  os  Cometas  fazem  as  luas 
vificas  ao  Sol  de  muitos  em  muitos  annos ; 
depois  que  foráo  produzidos  náo  terão  fei- 
to muitas  deftas  vifiias  ,  e  náo  feráo  mui 
frequentes  as  perdas  da  fua  fubftancip.  Por 
outra  parte  a  oiftancia  em  que  andáo  ,  c 
a  luz  tufca  e  confufa  que  coílumáo  ter, 
os  livra  de  que  fe  obfervem  bem  os  feus 
diâmetros  verdadeiros  ,  fem  efcrupulo  de 
que  parte  da  atmosfera  ,  que  os  rocea , 
que  também  he  allumiada  pelo  Sol  ,  feja 
reputada  por  corpo  do  Cometa  ;  e  aflim 
náo  podemos  certificar-nos  da  fua  diminui- 
ção. Accrefcc  que  raras  vezes  terá  aconteci- 
do que  o  mefmo  obfervador  obferve  o  mief- 
mo  Cometa  cm  dous  periodos  ou  voltas; 
o  que  feria  mui  conducente  para  fe  certi- 
ficar da  fua  diminuição.  Mas  eu  nenhu- 
ma dúvida  tenho  que  alguma  fera  ,  fe  pe- 
la lei  da  gravidade  náo  tornarem  os  vapo- 
res 


l88         Recreação  Tilofofica 

res  frios  para  o  Cometa  ,  como  fuccede  na 
Terra. 

Eug.     Se  eilcs  fe  chej^afTcm   de   mais   perto  , 

'  oa  fe  viíTem  mais  a  miúdo,  os  Artrono- 
rr.os  nos  certifi.ariáo  fe  elles  diminuiáo  no 
ícu  volume  ,  ou  náo.  Mas  elTa  cauda  al- 
gumas vezes  a  ha,  c  náo  a  vemos,  fegun- 
do  vós  dilTeites  ha  pouco  à<ò  Comeia  do 
anno  de  6o  (  i  ).  Tomara  fabe.r  porque  luc- 

,     cede  ilío. 

Theod.  A  cauda  dos  Com^r-tas  fem.pre  fe  di- 
rige para  a  parte  contraria  do  Sol  :  de  for- 
te ,  cue  fe  o  Sol  fica  de  hum  lado  ,  a  ciu- 
da  do  Comera  vai  para  o  ovuro.  Elta  di- 
recção dà  caudii  do  Comera  tem  dado  mui- 
to que  cuidar  aos  Fiiofobs.  Ne>oc'ton  fe- 
guindo  a  opiniáo  que  he  fumo,  exphca  ef- 
ta  direcção  por  clle  miodo  (2).  ÂJJim  co- 
mo tio  nrffo  ar  o  fumo  de  qualquer  corpo , 
que  arde  ,  Ço^e  pa''a  (ima  ,  ou  perpendicular- 
7}:cme ,  fe  o  corpo  eflâ  quieto ,  ou  obliquamen- 
te ,  fe  o  corpo  Je  iwve  para  a  ilharga  ;  af- 
fvni  Juccede  tws  Ceos  ,  onde  os  corpos  pczao 
p  ira  o  Sol  ,  e  por  elfa  razão  o  fumo  e  vapo- 
res devem  fuoir  do  Sul  pa'a  fima  ;  e  iffo  ou 
perpendicularmente  ,  fe  o  corpo  que  jumegx 
cjtã  qreo  ;  (u  cbliquamente  ,  fe  efe  corpo 
vai  anda  ido  para  a  ilharga  ,  e  deixando 
fempre  o  lus^ar  donde  tinbão  fubido  as  partes 
do  vapor  que  jÁ  ejião  mais  alias.   Ejta  obli- 

qui- 

(  O     Paíí.    17  5- 

(-;     Lib.  5.   ó?.  Aftronom.  Phyílc.  Se<íl.   i. 
Prop.  4. 


Tarde  trigeftma  prima.       1S9 

quidf.de  (  accrefcenta  Newton  ^  fera  menor , 
quando  a  fubida  dos  vapores  for  mais  r.ípi- 
da  ,  como  v.  g.  em  mencr  dijtancia  do  Sol , 
€  junto  ao  corpo  que  fumegi,  EGiã  explica- 
ção tem  grande  nobreza  ,  e  concorda  com 
o  ^ue  todos  vemos  cá  na  Terra  ■■,  porqae 
hum  archote  ,  por  exerrplo  j  eítando  para- 
do lança  o  fumo  direi*o  para  fima  ,  que  he 
a  parte  oppofta  á  Terra  ,  para  a  qual  todos 
os  corpos  terreítrcs  pezáo  j  e  fe  vai  an- 
dando 5  lança  o  fumo  para  íima  ,  mas  íam- 
bcm  para  a  ilharga  ,  formando  huma  linha 
obliqua  :  concorda  também  com  o  que  ve- 
mos nas  caud-s  dos  Com.eras,  as  quaes  não 
váo  pela  linha  rcdla  ,  que  defde  o  Sol  paf- 
fe  pelo  Cometa  ,  e  atraveíTe  todo  o  com- 
primento da  cauda  ;  mas  para  o  fim  lá  fe 
entortáo  hum  pouco  para  a  parte  que  o  Co- 
meta vai  deixando  com  o  leu  movimen- 
to ;  e  também  no  fim  fe  efpalháo  m^ais; 
que  iíTo  he  propriedade  do  fumo  ,  o  qual 
íobe  ás  aveíTas  da  chamma  ,  a  cham.ma  ca- 
da vez  fe  faz  mais  aguda  ,  porque  quanto 
mais  fobc,  mais  veloz  vai ,  e  o  fumo  quan- 
to mais  fobe  ,  mais  fe  efpalha ,  porque  vai 
mais  fraco  ;  e  aílím  fuccede  á  cauda  dos 
Cometas. 

Eug,  Náo  fe  pôde  negar  que  he  huma  ex- 
plicação admirável. 

Theod.  Eu ,  que  reípciro  a  verdade  mais  que 
tudo  ,  lá  tenho  m.eu  efcrrpulo  ,  que  direi 
com  o  devido  refpeiío  a  Hom.cm  táo  gran- 
de.   O  iumo  lobc  para  fima  no  nolTo  ar, 

por- 


190         Recreação  Filofofica 

porqne  o  ar  péza  mais  do  que  elle  ;  c  af- 
lim  não  poderá  fubir  o  famo  dos  Come- 
tas ,  por  modo  Icmelhanie  ao  diio  fumo 
terrcllre  ,  Icm  que  fc  admiitJ  nos  elpa- 
ços  dos  Ceos  algum  meio  pezado  ,  e  mais 
pezado  do  que  o  fumo  dos  Cometas  ,  pa- 
ra que  vencendo-o  na  gravidade  ,  o  hiça 
fabir  para  fima  :  c  vós  já  fabeis  que 
Ke>oi  ton  quer  que  os  efpaços  dos  Ceos  ef- 
tej^o  ou  vafios  totalmente  ,  ou  quafi  va- 
fios.  Mas  nem  por  ilTo  conjemno  a  opi- 
nião. Vejo  que  Mr.  Hombcrj;  obf;rvou 
que  huns  fios  lenuiHimos  de  feda  íufpenfos 
na  p.rte  vazia  do  barómetro  fe  moviáo  , 
quando  fobre  ellcs  lançaváo  o  foco  de  hu- 
ma  lente  ;  e  que  vifivelmcnte  cráo  impel- 
lidos  pelos  raios  do  Sol.  Sendo  ifto  af- 
fim  5  c  concedendo  (como  Ne\v/ion  qurr) 
que  os  raios  do  Sol  sáo  impelliios  e  vi- 
brados defde  o  corpo  luminofo  para  fora  j 
bailará  o  leu  ímpulio  ,  para  que  encontran- 
do os  vapores  do  Cometa  ,  os  mováo  na 
fua  mefma  direcção  ,  e  os  levem  ( como 
faz  o  vento  ao  noíTo  fumo)  para  a  mef- 
ma parte  para  onde  caminhão  os  raios  do 
Sol  ,  que  de  hiima  e  outra  parte  paísâo 
pelos  lados  do  Cometa.  £fta  explicação 
p,2rece-me  muito  b^a  ,  porque  taco  refle- 
xão ,  que  lá  em  fima  não  ha  meio  que 
emb'^.race  ciualquer  direcção  ,  que  fe  quei- 
ra dar  ao  fumo  ;  porqiie  ou  não  ba  meio 
algum  ,  ou  he  de  raridade  quaíi  infini- 
to para  náo  retardar  os  Planetas  ,    como 

dif- 


Tarde  trigefima  prima.      191 

diíTe  (  I  )  ;  e  fe  no  foco  da  lente  baftáo 
os  raios  do  Sol  para  impedir  os  fios  de  fe- 
da ,  fó  por  não  haver  ahi  ar  que  refifta  , 
onde  náo  houver  nenhuma  refiftencia ,  qual- 
quer força  5  por  mim  ma  que  feja  ,  fera 
baltante  a  communicar  movimento.  Que 
vos  parece  ,  Silvio  ? 

S\\v.  Con^o  náo  fiz  eíTas  experiências  ,  nem 
fei  eíTds  leis  de  refiítencias  dos  meios  ,  náo 
tenho  voto  neíTa  matéria.  Só  fim  direi  que, 
conforme  eíTa  explicação  ,  náo  poderemos- 
condemnar  o  vulgo  ,  quando  diz  que  vê  no 
Ceo  efpadas  de  togo  ;  pois  hum  Cometa  a 
arder  pelo  Ceo  como  hum  archote  e  fume- 
gando ,  enchendo  a  terça  ,  ou  quarta  parte 
do  Ceo  de  fumo  ,  alguma  femelhança  tem 
com  huma  efpada  de  fogo. 

Theod.  AHim  feria  ,  fe  nós  de  cá  percebeíTc- 
mos  com  os  olhos  que  elle  ardia  ;  porém 
nós  com  os  olhos  fó  vemos  huma  Eftrella 
morta  ,  e  huma  cauda  branca  ;  o  que  não 
tem  femelhança  de  efpadas  de  fogo. 

Silv.  Tenho  ouvido  dizer  que  nem  femprc  a 
cauda  he  branca. 

Thcod,  Os  raios  do  Sol  atraveíTàndo  a  atmos- 
fera do  Cometa  poderão  na  refracção  to- 
mar algumas  cores  ;  e  como  de  todas  ellas 
a  vermelha  he  a  mais  forte  e  perceptivel 
cm  tanta  diftancia  ,  fuccede  que  ás  vezes  a 
cauda  he  avermelhada  ;  aílim  como  por  fe- 
melhante  motivo  avermelhadas  apparecem 
as  nuvens  junto  do  Horizonte  j   porém  ad- 

vií- 
(  1 )    Tarde  XXIX.  §.  IV, 


192-        Recreação  Filofofíca 

virto  que  nós  fó  podemos  perceber  efta 
cor  ,  Ic  os  raios  qucbraJoà  ,  e  corados , 
dando  nas  partículas  do  turno  ,  refleòtirem 
para  nós  ;  o  que  he  precilo  para  entrarem 
pelos  noíTos  olhos  ,  e  termos  JenLçào  de 
côr  verrrielha. 

Eug.  Sendo  a  cauda  do  Cometa  grande  e 
avermelhada  ,  dcfculpa  dou  ao  povo  para 
temer  íucceíTos  inf.uítos  ,  porque  he  huma 
coufa  nova  c  medonha. 

Silv.  Além  diíTo  ,  íempre  eftes  Cometas  fc 
ajuntáo  ,  ou  precedem  grandes  deígraças, 
como  sáo  n  ones  de  Príncipes  ,  ou  guer- 
ras j  ou  coufas  femelhantes  ^  e  cfta  expe- 
riência he  generalííhma  ,  c  quafi  tradição 
confiante  ;  pelo  que  diRorrei  ccmo  quizer- 
des  5  que  eu  nilTo  também  fou  povo  ,  e 
náo  góíio  que  os  Cometas  nos  vcnháo  cá 
fazer  eftas  viíitas. 

Theod,  Antes  que  vos  refponda  ,  vos  farei 
huma  pergunta  ;  E  os  Cometas  apparecen- 
do  sáo  prefagio  de  calarr  idades  para  todas 
as  partes  do  mundo  ,  que  tiverem  a  infelici- 
dade de  os  ver  ,  ou  lo  para  alguma  deitas 
partes  ? 

Silv.  Para  todas  náo  ;  mas  para  alguma  dei- 
las  ,  iíTo  fim  j  e  corro  a  regiáo  ,  em  que 
cada  hum  habita  ,  pôde  fcr  huma  deíTas , 
todos  temos  razão  para  temer. 

Theod.  Ora  bem  :  logo  a  experiência  (confor- 
me dizeis )  fó  nos  cnfina  que  apparecendo 
hum  Comera ,  alguma  defgraça  ha  de  fuc- 
cede  numa  deíídS  partes  onde  elie  apparece ; 

ora 


Tarde  trigejtma  prima,     195 

ora  nifto  tendes  razão  ,  porque  apparecen- 
áo  o  Comeu  em  todo  o  mundo  ,  e  duran- 
do as  vezes  muitos  mezcs  ,  não  he  crivei 
que  neiTe  tempo  deixe  de  haver  ai^uma 
delgraça  grande  nalji^uma  parcc.  E  fc  ilio 
he  motivo  para  temer  ,  deveis  igualmente 
aíTuliar-vos  com  as  Luas  cheias  v.  g.  ,   por- 

-  <]ue  náo  lerá  fa:il  que  ,  apparecenuO  a  Lua 
cheia  em  todo  o  mundo  ,  lendo  tão  dlata- 
do,  deixe  de  fucccder  n"alguma  parte  dclle 
fucceíTo  infeliz.  O  mefmo  digo  de  qualquer 
Eftrella.  Portanto  baila  fó  rcfleiHr  ,  que  o 
Cometa  quando  cá  apparece  ,  he  vifto  de 
lodo  o  mundo  ;  e  que  fe  eile  folíe  pref  gio 
de  infelicidade  ,  o  havia  de  fcr  igualmente 
para  todas  as  regiões  donde  hc  vitto  ;  pois 
náo  tem  mais  comnofco  ,  do  que  com  An- 
gola ,  China  ,  e  México ,  &c. 

Silv,  Os  que  fegnem  que  os  Cometas  são 
procedidos  de  caufas  accidentaes,  eiles  razáo 
tem  para  fuppor  que  lo  n'uma  ou  outra  ter- 
ra são  viftos  j  e  por  i^o  poderão  annunciar 
particularmente  as  fuás  calamidades.  Mas 
fendo  Aftros  do  Ceo,  c  vifiveis  geralmente 
a  todos ,  como  sáo  os  Planetas ,  menos  ra- 
záo ha  para  o  fufto. 

Bug,  Vós  dizeis  mmos  razão  ?  Eu  já  daqui 
o  perdi  totalmente ,  venháo  quantos  Come- 
ras quizerem  vir. 

Th£od,     Concluindo  pois  eíla   matéria  ,  deve- 
mos reputar  os  Cometas  como  hun^  Plane- 
las  5  cujas  orbitas   sáo   mais  comipridas  ;  e 
náo  diffcrem  fubftancialmcnte  em  outra  cou- 
Tora.  VL  N  ia* 


194       Recreação  Filofofica 

fa.  S6  nos  reftão  as  Eftrellas  fixas  ,  para 
vos  dar  noticia  particular  de  todos  os  Af- 
tros  '-,  e  depois  entraremos  a  ver  os  admirá- 
veis movimentos  de  huns  a  rei  peito  dos  ou- 
tros i  porv^ue  depois  de  confidcrar  todas  as 
peças  de  que  fe  compõem  hum  relógio ,  he 
que  fe  pôde  entender  bem  como  jo.áo  aj 
fuás  rodas  ,  e  a  fabrica  dos  feus  movimen- 
tos. 

§.  VII. 

Dãs  Ejlrdlas  fixas. 

Silv,  QE  os  i6  Planetas  vos  tem  levada 
O  tanto  tempo ,  muito  mais  vos  leva- 
ráõ  as  E^^lrellas,  que  sáo  innumeraveis. 

Thcod.  Como  pela  fua  diftancia  fc  furtáo  a 
muitas  obiervaçóes  dos  Atlronomos  ,  pou- 
co ha  que  dizer  òcllas.  E  principiando  pelo 
feu  número  ,  náo  he  táo  grande  como  pa- 
rece ,  fe  falíamos  daquellas  Eftrellas  que 
podemos  ver  com  os  noíTos  olhos  defarma- 
dos  ,  ifto  he  ,  fem  nos  valermos  de  algum 
inftrumcnto  ;  porém  fe  aitendemos  a  todas 
as  que  com  os  Telefcopios  fe  defcobrem, 
c  pelas  ol)fervaçóes  fe  conhecem ,  sâo  quafi 
innumeraveis  :  por  iiTo  o  Senhor  diíTe  z 
Abraháo  que  contaíTe  as  Eftrejlas  ,  fc  po- 
dia. Hiparcho  foi  o  primeiro  qac  intentou 
contar  as  Eftrellas  ,  que  sâo  vifiveis  fcm 
Tclcfcopio  (que  ainda  no  fcu  tempo  os  náo 

ha-. 


Tarde  trigefima  prima,      195* 

havia)  •■,  e  contou  fomente  2022  ,  de  que 
tez  catalogo  ;  outros  Altrononios  toráo  ac- 
crefcentando  algumas  ,  mas  o  fiimftídio 
forma  catalogo  maior  que  os  outros  ,  e  af- 
fina  ;ooo. 

Silv.  Mais  de  trezentas  mil  vejo  eu  com  os 
meus  olhos  numa  noite  ferena. 

Theod,  CreJe-me  ,  que  não  vedes  tantas  co- 
mo fe  vos  reprefenta  j  e  para  vos  deíen- 
ganar  ,  bafta  numa  experiência  groííeira  e  fá- 
cil. Vós  quando  eftais  cm  hum  lugar  def- 
cuberto  e  dcíembaraçado  vedes  meio  Ceo; 
ora  reparci-o  em  varias  partes  ,  e  tomai  hu- 
ma  pequena  porção  para  examinar  quantas 
Eftrcllas  vedes  neíTa  parte  ,  e  á  proporção 
«delTa  ,  julgareis  com  pouco  erro  o  número 
de  todas  as  Eftrellas  que  vedes  ;  mas  ifto 
fareis  vós  ,  quando  tiveries  commodidade. 
Vamos  ao  que  dizem  os  Aftronomos.  Def- 
tas  Ethellas  conhecidas  formão  elles  humas 
figuras  imaginarias  ,  a  que  dão  nomes  de- 
terminados 5  e  são  as  que  fe  pintâo  nos 
globos  Celeftes  ,  como  varias  vezes  tereis 
viilo  naqucllcs  que  alli  tenho  na  livra- 
ria. 

Eug.  ]á  tenho  muitas  vezes  vifto  hum  dcl- 
les  com  varias  figuras  de  animaes  p'ntadas, 
c  femeadas  multas  cítrellas  por  elfas  mef- 
mas  figuras  ,  porém  eu  julguei  que  efta  pin- 
tura era  fruto  de  algum  animo  ociofo ,  e  ef- 
travagante ,  e  como  brinco  de  crianças. 

Theod.     Náo  he  fcnáo  fruto   de  immen fo  tra- 
balho dos  Aftronomos  ,  que  neíTas  figuras , 
N  ii  pof- 


196        Re  cr  e  tição  Filofojica 

pofto  que  livremente  inventadas  ,  pu7erlo 
as  Eftrellas  com  a  mefma  ordem  e  diftri- 
buiçáo  com  que  as  vemos  no  Cco.  De  for- 
te ,  que  quando  hum  Aftronomo  taila  do  Olho 
do  Touro  V.  2;.  5  já  todos  fabem  qual  he  a 
EítreJla  do  Cco  de  que  eile  falia  ,  o  mcf- 
mo  he  de  todas  as  mais  Eítrelías  e  conftcl- 
laçóes. 

£ug.     Que  chamais  vós  Co^í/?e//^:ab  ? 

Theod.  Cotijhlla^ão  chamáo  os  Aftronomos  a 
cerra  collecçáo  de  Eftrellas ,  ás  quaes  juntas 
dão  hum  nome  ,  como  v.  g.  Urfa  maior, 
ou  Pé  gafo  ,  &c.  e  nos  globos  pintáo  as  figu- 
ras deites  animaes ,  que  nenhuma  femelhan- 
ça  tem  com  a  collecçáo  das  taes  Eftrellas ; 
porém  já  tem  o  fcu  rK>me  eftabelecido  :  c 
certo  Aftronomo  que  lhos  quiz  mudar  para 
nomes  de  Santos  ,  foi  louvado  pela  Tua  Re- 
ligião, mas  náo  foi  leguido,  porque  caufa- 
va  grande  confusão  ,  tendo  todos  os  Aftro- 
nomos até  enráo  ufado  dos  nomes  antigos, 
Náo  fe  íabe  quem  foi  o  primeiro  que  lhos 
poz  ;  porém  já  no  livro  de  Job  fe  faz 
mençáo  das  conftellaçócs  de  Arãuro  e 
Orion  ;  e  também  no  Profeta  Amos  ,  e 
em  Homero  Poeta  antiquiílimo  fe  acháo 
os  nomes  deftas ,  e  de  outras  conftellaçóes. 
Folie  quem  folTe  o  feu  Author,  hoje  o  no- 
me 5  que  tem  cada  Eftrella  ,  he  o  que  lhe 
pertence  pela  parte  da  conftellaçáo  em  que 
cftá  ,  &c. 

Eug,  E  quantas  conftellaçõcs  contáo  os  Aí' 
tronomos  t 

Theodr 


Tarde  trige/lma  prima,      197 

Thcod.  Hoje  contáo-fe  -7:  convém  a  faber, 
12  no  Zcdiaco  ^  ifto  he  na  cinta  que  fecon- 
íidera  no  Cco  ,  pela  qual  fe  move  o  Sol  e 
todos  os  Pianeras  em  redondo  ;  e  são  ef- 
tas  12  conílellaçôcs  as  oue  chamáo  doze 
Signos ,  Aries ,  ou  Carraro ,  Touro  ,  Gé- 
meos ^  Cancro^  Leão ^  Virgem^  Libra,  ou 
Balança ,  Scorpfão ,  Sagittano  ^  Capriccrnio , 
Jquario ,  e  Peixes. 

£ug.  Lembro-me  de  ver  eíTes  nomes  na  fo- 
lhinha ,  fcm  cjue  eu  percebeíle  o  que  que- 
riáo  dizer. 

Theod.  Vem  a  hl  para  dizer  o  lugar  em  que 
fe  acha  nelTe  mez  o  Sol  ,  ou  a  Lua.  Mas 
cfta  tal  cinta  ou  Zodíaco  ,  pelo  meio  da 
qual  vai  a  Ecliíica  ,  divide  o  Ceo  em  dous 
hemisférios  iguacs  ,  hum  que  olha  psra  o 
Norte  ,  outro  para  o  Sul.  No  hemisfério 
do  Norte  fe  contáo  ^4  conftcllaçôes ,  cujos 
nomes  aqui  tendes  neítc  livro  ,  que  de 
memoria  não  os  fei  todos.  Ide  contando. 
XJrfa  maior  ,  Urfa  meror  ,  Dragão ,  Ccpheo , 
Cães  venaticos  ,  ou  Cães  de  cai^a  ,  JBoótes  ^ 
Coroa  feptentrional  y  Hercules  ,  a  Lyra  ,  o 
Cifne ,  a  Lagarta,  Cajfwpeia  ,  Camelo -par- 
do ,  Perfeo ,  Andromcda ,  o  Triangulo  ,  ou- 
tro Triangulo  menor  ,  a  Mo/ca  ,  o  Cochei- 
ro ,  o  Pégazo  5  o  Cavallo  menor ,  o  Delfim , 
a  Rapofa  pequena ,  o  Pa' o  ,  a  Setta ,  a  Águia  , 
Aminoo ,  o  Efcudo  fobiejchiano ,  o  Serpentá- 
rio ,  a  Serpente  ,  o  Monte  Adenelao  ,  a  Cabcl" 
letra  de  Berenice,  o  Leão  menor,  e  o  Lin- 
C€.  Da  parte  do  Zodíaco  para  o  Sul  con- 
táo 


198        Recreação  Tilofofica 

táo  ;i  conftellaçóes;  e  aqui  tendes  os  feus 
nomes :  A  Balça  ,  o  Eridano ,  a  Lehre ,  o 
Orion  ,  o  Cão  grande  ,  o  Aloncaromc  ,  o 
Cão  pcquetw  ,  a  Náo  ,  a  Idra ,  o  Sextante , 
o  Craítr  y  o  Corvo,  o  Centauro ,  o  Lobo  ^  o 
^/í/zr  j  a  Co/í?^  aujtral ,  o  Pe/xí"  auftral ,  a 
/"(fw/í ,  o  C/ow ,  o  ///^o  ,  o  /tívío  5  a  y^k- 
//;^,  o  Triangulo  aujtral,  a  (^;ziz,  a  Mofca 
auJtral  ^  o  Camcleão  ,  o  i^cíwr  carclino  ,  o 
Pf /.xf  volante ,  o  P/íío  americano  ,  o  /íiro  ou 
Hydrus ,  e  Xiphias.  Além  das  Lftreilas  que 
fórrráo  eftas  conítellaçces  ,  as  que  eíláo 
djíperfas  pelo  Ceo  fe  chan-.áo  informes  j  c 
não  sáo  as  mais  confitieravcis. 

JEug.  i>uppofto  o  terem  os  Aftronomos  repar- 
tidas as  EfírelJas  neíias  ccníkllaçóes  que 
dizeis,  facillimo  me  parece  íabcr-lhes  o  nú- 
mero ,  pois  cem  tanta  miudeza  íe  fãbe  o  lu- 
^ar  de  cada  huma. 

Theod,  Três  diííiculdades  reftão  ainda  que 
vencer  ,  e  sáo  totalmente  infupcravcis  :  a 
primiCira  achamos  na  Fia  Laãea  ,  a  fegun- 
da  nas  meímas  EftreJlas  grandes  e  conhe- 
cidas ,  a  terceira  nas  Efírellas  que  appare- 
cem  e  defapparecem  de  repente.  Quarto  á 
p^ia  L.iClea  ,  a  ote  o  vuJgo  coftumia  chamar 
caminho  de  Sant-Jago ,  e  confidcrada  com  os 
olhos  5  náo  parece  outra  ccuía  fenáo  huma 
cinta  branca  ,  esfumada  ,  c  tm  partes  como 
íoia ,  e  dcfcontiruada  ;  cila  em  íi  he  huma 
colíecção  de  infinitas  Eíhellas  miiudiílimas, 
que  lo  com  os  Telclcopios  fe  diftinguem; 
mas  oihando-as  ÍJmplcsmcnte  com  os  olhos , 

de 


Tarde  trigefima  prima.      199 

de  tal  forte  fe  confundem  os  raio?  que  de 
lá  vem ,  que  fazem  huma  cor  branca ,  mas 
fraca  :  o  mefmo  fuccede  a  duas  collecçóes 
de  Eítrellas  miúdas  ,  que  parecem  cuas  nu- 
vczinhas  brancas  ,  que  perpetuamente  fc 
vem ,  próximas  ao  Sul.  Porém  eftas  Eílrel- 
las  que  com  os  Telefcopios  ít  diftinguem 
nunca  he  com  tanta  ciareza  ,  que  as  polía- 
mos contar  ;  c  aííim  ficáo  por  eíla  parte 
as  Eftrellas  ifentas  do  noíTo  calculo.  Tam- 
bém fe  náo  podem  contar  muitas  outras 
fora  da  Via  L^ãca  ,  que  por  m.ui  peque- 
nas ,  ou  mui  diftantes  ,  fó  com  os  Telef- 
copios fe  dcfcobrem  :  80  defcubrio  Gali- 
leo  no  cinto  e  efpada  de  Orion  (  i )  ;  e 
Rheita  em  toda  a  conftellaçáo  de  Orion  al- 
gumas 2000  (  2  ) .  Quantas  outras  haverá 
difperfas  pelas  outras  conftellaçóes ,  que  ef- 
capáo  aos  nolTos  olhos  ;  e  quantas  efcaparáo 
ainda  aos  melhores  Telefcopios  ?  Além  dif- 
ío  das  mefmas  Eftrellas  conhecidas  ,  c  que 
nós  reputamos  por  huma  fó  ,  algumas  sá3 
huma  coilecçâo  de  muitas  outras  ,  que  pela 
apparente  vizinhança  fe  confundem  ,  e  sáo 
reputadas  por  huma  fó  Eftrella  (  O  •  Po- 
nhamos exemplo  :  na  efpada  de  Orion  ha  5 
Eftrellas  grandes  ;  e  a  do  meio  obfervada 
por  Hugens  fe  vio  que  era  huma  collecçáo 
de  12,  (4).  Pelo  que,  hc  impoíKvel  fabec 

o 

(  I  )  In  Núncio  fidereo, 

(2)  In  óculo  Enochi  I.  4.  cap.  I.  memb.  7. 

(  O  Gravefand.  Elem.  Phyf.  num.  40,  41» 

(4)  Wolí".  Elem.  Aílron.  §.  iiij.  ' 


2CO         Recreação  Filofofica 

o  niírricro  verdadeiro  das  Eftrcllas.  Mas 
quanco  todas  eftas  ,  qiie  por  d-itanies  cfca- 
pÁo  dos  nolTos  olhos  ,  íe  dcixalTcm  ver, 
aindd  rcílavd  outro  embaraço  nas  que  ora 
apparccem  ,  ora  deíapp^recrm  ,  e  guardáo 
certos  períodos.  Outras  Eftrdlas  ha  tjuc  hu- 
mas  vezes  appdre.em  mais  rcfplandecenres , 
outras  menos  ;  e  ilío  também  em  tttrpos 
cenos  :  em  fim  algumas  Eftrellas  rem  iubi- 
tamente  apparecido  mui  refplanàecentes  ,  e 
pouco  a  pouco  váo  perdendo  a  fua  luz ,  are 
que  dtfappancem  de  todo.  Tudo  itto  faz 
huma  impoílibilidadc  para  fe  poder  conhe- 
cer o  feu  número. 

Silv.  Com  razão  ,  mas  a  que  attribuis  vós 
e;Ta  alrerrativa  appariçáo  díis  Eftrelías  ? 

Theod.  Quanto  a  mim  deve  attnbuir-fe  ao 
Ica  movimento  de  vertigem  ,  ou  rotação  á 
roda  do  feu  centro.  Efte  movimiento  dá 
mais  forrrofura  ao  Univerfo  ,  por  aus^mcn- 
tar  a  analogia  e  ferre. hança  entre  os  cor- 
pos Celefíes,  que  giráo  lobre  íi ,  á  roda  de 
feus  centros.  E  alem  diíTo  com  eíle  movi- 
mento facilmente  fe  explica  o  apparccer^m 
e  defapparecerem.  Supponde  vós  que  a  Ef- 
irclla  tem  hum  hemisfério  ou  metade  cícu- 
ro  5  e  o  outro  luminoío  ,  cu  pelo  menos 
que  por  huma  face  he  mais  lumiinofa  que 
pela  outra  ;  ncífe  caio  quando  a  tacc  mais 
luminofa  cílivcr  voltada  para  nós  ,  veremos 
a  Eíhella;  porém  quando  para  nós  fe  vol- 
tar a  face  efe  ura  ,  ou  abfolutamcntc  a  não 
veremos  ^  por  náo  ferem  el7es  raios  po- 
de- 


Tarde  trigefima  prima.      201 

derofos  para  vencer  tanta  diítancia  ,  ou 
pc'o  n  enos  apparecerá  a  Eftrella  menos 
brnh^nte  ;  o  que  tudo  concorda  cem  a  ex- 
periência. Demais  :  a  melma  Elhella  de- 
pois de  ppparecer  mui  clara  ,  quando  for 
voltundo  para  fima  a  face  mais  lummofa , 
fiós  pouco  a  pouco  a  iremos  vendo  mais 
efcura  ,  como  fuccede  á  Lua  minguante, 
a:c  que  de  todo  a  percamos  de  vii-ta  :  o 
que  5  como  acabo  de  dizer  ,  também  lò 
com  a  experiência  fe  confirma.  Também 
fe  pôde  dizer  ,  que  eíTas  Eftrellas  tem  mo- 
vimento como  os  Cometas  ,  pelo  qual  ora 
fe  cheguem  mais  para  nós  ,  ora  íe  aítaf- 
tem*.  Porém  náo  figo  efta  opiniáo  ;  porque 
cntáo  haviáo  de  mover-fe  algum  tanto  pa- 
ra os  lados  em  quanto  Te  viáo  ,  e  mudar 
de  fituaçáo  ;  o  que  náo  Te  obferva  ;  e 
além  diíTo  ,  havia  huma  grande  differen- 
ça  entre  eíTas  Eftrcllas  ,  e  as  outras  que  ef- 
táo  íempre  quietas  •,  e  tirava-le  a  Analogia 
ou  femelhança  ,  que  hc  huma  grande  par- 
te da  formofura  do  Univcrfo.  Eu  figo  a 
prinieira  opiniáo  do  movimento  de  verti- 
gem. 

Silv.  O  que  dá  grande  força  á  voíTa  opi- 
niáo 5  he  o  que  também  me  parece  que 
agora  dilTeftes  ,  que  elTas  appariçóes  eráo 
dentro  de  periodos  iguaes.  lílo  perfuade 
que  náo  he  caufa  accidental  ,  mas  fim  mo- 
vimento regular  o  que  ora  as  deixa  ver, 
ora  as  efconde. 

Eug,    E  poreje  náo   vemos   eíTas  mudanças 

em 


201         Recreação  Filofofica 

era  todas  as  demais  ,   fe  todas  as  demais  fc 
movem  á  roda  de  fi  mefmns  \ 

Tbecd.  Porque  náo  teráo  confideravel  diffe- 
rcrnça  de  luz  nas  di verias  partes  da  fua  fu- 
pcrHcie  ;  que  por  efta  mcíma  razáo  os  nof- 
íos  olhos  náo  percebem  diverfidade  no  Sol, 
pol^o  que  ellc  gira  á  roda  de  fi  mefmo  em 
25  dias  e  meio. 

Eu^,     Tendes  razáo :  náo  advertia  niíTo. 

Theod.  Alguns  também  querem  por  cíle  mo- 
vimento de  rotação  explicar  a  fcintillaçâo 
das  Eftrellas.  Dizem  que  o  tremor  que  íen- 
timos  na  fua  luz  procede  de  que  ora  vol- 
láo  para  nós  humas  partes  mais  brilhantes, 
ora  outras  mais  efcuras  i  porém  cu  ,  fallan- 
do  ingenuamente  ,  venero  a  todos  ,  mas  Tó 
dÍ2;o  o  que  me  parece  conforme  á  razáo. 
líto  náo  pôde  fer  aílim  ,  Tem  que  o  movi- 
mento de  rotaçáo  ícja  táo  rápido  ,  que  em 
hum  minuto  fegunco  dem  4  ou  5  voltas 
completas  ,  porque  nós  fempre  vemos  meia 
íuperficie  das  Eltrellas  ;  e  em  quanto  eíTa 
parte  mais  luminoía  for  pelo  hemisfério  vi- 
fível  5  a  veremos  ,  e  fó  faltará  em  quanto 
voltar  lá  por  fima  ,  tornando  a  apparecer , 
quando  chegar  outra  vez  ao  hemisfério  vi-* 
fivel  :  e  como  a  fcintillnçáo  ou  tremor  da 
luz  he  miudiflimo  ,  e  como  que  falta  c  fe 
accende  com  alternativa  mui  amiudada  ,  fc 
ifto  procedelTe  da  rotaçáo  da  Eftrella ,  devia 
de  fer  mais  veloz  do  que  fe  pode  imaginar. 

SUv.  E  como  explicais  vós  a  fcintillaçáo?  já 
que  cíTa  opinião  vos  náo  agrada. 

Theod. 


Tarde  trtgef.ma  prima,      203 

Ukeod,  He  irais  natural  o  dizer-fe  que  pro- 
cede CO  movirrento  dos  vapores  ,  que  cor- 
táo  os  raios  de  luz  das  Elirellas  para  nós. 
Obfervd-fe  que  os  Planetas  riáo  Icintilláo 
íenáo  quando  fe  váo  chegando  para  o  Ho- 
rizonte ,  onde  ha  muitos  mais  vapores  que 
fe  levantáo  da  Terra  ,  e  atravefsáo  os  raios 
de  luz  que  vem  dos  Planetas  ;  quando  po- 
rém o  Planeta  fe  levanta  ,  como  ja  os  raios 
da  luz  não  sáo  atravelTados  por  láo  gran- 
de copia  de  vapores  ,  não  tremem.  Ora  as 
Eftrellas  len  pre  icintilláo  ;  humas  vezes 
mais  5  outras  menos  ,  porque  os  feus  raios 
de  luz  sáo  muito  mais  fracos  que  o  dos 
Planetas  ,  pois  eíláo  n'uma  diftancia  incom- 
paravelmente maior  ;  e  allim  os  vapores, 
que  não  per  urbáo  a  luz  do  Planeta  ,  po- 
dem perturbar  a  das  Elirellas. 

£ug.  Eu  creio  que  quando  faz  vento  ,  trc- 
m.em  as  Lftrellas  mais  que  no  tempo  fe- 
reno. 

Tbecd.  líío  confirma  o  que  eu  digo  ;  pois  os 
vapores  agitados  c  dcíinquietos  raais  háo 
de  perturbar  a  luz  das  Eftrclías. 

Eu^<^.  Ainda  vós  me  náo  fallaftes  da  luz  das 
Èftrellas  ,  nem  diíTeítcs  Tc  era  própria  ou 
alheia. 

Ikccd.  A's  vezes  a  converfaçáo  vai  levando 
hum  fio  ,  que  náo  concorda  muito  com  o 
methodo  mais  regular  ;  porém  agora  vos 
fatisfarei.  A  luz  das  Eftrellas  hc  própria  de 
cada  huma  dfllas  ;  e  eu  as  reputo  como 
outros  tantos  fóes  ,  porque  a  diílancia  ,  em 

que 


2C4        Recreação  FiJofofica 

que  ellas  eftáo  a  reípcito  do  Sol  ,  c  de  not 
he   tâo  erance  ,    que  feria  imj  oílivel  que  a 
luz  do  Sol  folie   e  vieíTc  cem  força  baftan- 
te    para   fazer   fenfivcl  imprefiáo  nos  noííos 
olhos. 
Silv.     Pois  táo  grande  he   a  diftancia  das  Ef- 
rrellâs  !    Bem  longe  do  Sol  ,  e  de  nós  eftá 
Saturno  ,  e  a  fua  luz  não  he  própria. 
Tkeod.     Sendo  mui  grande   a  diitancia  de  Sa- 
turno ,    he  incomparavelmente  maior  a  das 
Eftrcllas.    Diz  \Y  olfio  ,  que  nem  princípios 
ha    na  Aftronomia    para   Te  medir   cem   fe- 
gurança  :    daqui    procede   que   sáo   diverfif- 
fimas    as    opiniões    nelle    pariicuJir.     Tico- 
Brahe    lhe  dá   fò    14   milhões    de    femidia- 
metros   rerreftres  j     porém   efte  Aftronomo 
leve   o  leu    compaffo   mui   curto   em   todas 
as  medidas   que  tomou  :   os  mais   o  defam- 
paráo  todos  ,    e  íe  aíiàftáo  delle  com  gran- 
diftima  differença  ;    e  huns  lhe  dão  42  mi- 
lhões  de  íemidiametros  ,    outros  60 ,  &c. : 
não  pôde    haver   nos   inílrumentos  cxacçáo 
que  baile  a  medir   os  angules  extremamen- 
te pequenos.  Porém  concordáo  todos  ,    que 
he  incrivelmente  grande  eita  diíèancia  ;  por- 
que  os  Telelcopios  ,    que  augmentáo  tanto 
o  Sol  ,    que  fica   com  hum  diam.etro   igual 
ao  da  orbita  que  faz  á  roda  da  Terra  (  i  )  , 
cíles  Telefccpios  voltados  para  qualquer  Ef- 
trella  ,  por  nenhum  modo  a  au'^mentáo  ,  e 
fó  appnrece  como  hum  ponto  brilhante  .*    c 
aíTentáo  todos  que   o  âmbito  do  circulo  que 

faz 
(  I  )     Gravefaiid.  Phxlic.  Elem.  Mat.  n.  4017. 


Téirde  trigeftma  prima.      lO^T 

faz  o  Sol  á  roda  da  Terra ,  comparado  com 
a  diftancia  das  Eftrellas  ,  hc  como  hum 
ponto.  Ifto  he  fallando  das  Eftrellas  que  íi- 
cáo  mais  vizinhas  a  nós  j  porque  a  diftan- 
cia das  outras  he  muito  maior  incompara- 
velmente. 

Silv,  E  que  fundamento  ha  para  as  náo  pôr 
iodas  eftendidas  pelo  Ceo  ,  e  na  mefma 
diftancia? 

Theod,  O  fundamento  he  a  diverfidade  de 
fua  apparente  grandeza  ,  e  da  força  da  Tua 
luz.  Os  Aftronomos  repartem  as  Eftrellas 
cm  féis  clalTes  ,  conforme  o  fcu  tamanho. 
Na  primeira  clalTe  ,  ou  da  primeira  Grande- 
za, (como  coftumáo  dizer)  eftáo  as  mais 
vivas  e  brilhantes  que  conhecemos.  Na  fe- 
gunda  claíTe  eftáo  as  outras  menores  ,  e 
aílim  até  á  ultima  claffe  ,  em  que  póem  as 
minimas  que  com  os  olhos  diftinguimos. 
Eftas  Eftrellas  menores  ,  com.o  ao  mcfmo 
tempo  a  fua  luz  hc  muito  mais  débil ,  pru- 
dentemente Te  crê  que  parecem  menores  pe- 
la fua  maior  diftancia  da  Terra  :  o  que  dá 
huma  bem.  grande  idéa  da  immenfa  vafti- 
dáo  dos  efpaços  Celeftes  ;  fendo  táo  gran- 
de a  diftancia  de  nós  a  Saturno  ,  de  Satur- 
no ás,  Eftrellas  da  primeira  grandeza  ,.  e 
deíTas  ás  outras  fucceílivamentc.  Hum  gran- 
de Filofofo  creo  que  as  Eftrellas  da  P'ia 
Laãea  ficaváo  muito  mais  vizinhas  a  nós, 
do  que  as  outras  ,  porque  fe  perfuadio  que 
os  Telefcopios  lhes  augmenravào  a  grande- 
za ',  mas  engançu-fe  ,  por(^ue  ainda  que 

com 


2c6        Recreação  Filofofica 

com  os  Teleícopios  fe  diftinguem  de  algu- 
ma forte  ,  nso  he  porque  apparcçáo  maio- 
res,  mas  porque  riráo  ioda  a  luz  f.^lfa  ,  que 
confunde  humas  com  outras  ,  quando  fc 
vem  ílmplesmente  com  os  olhos. 

Eug.     Q_ie  coufa  he  luz  falfa? 

2keod.  Charráo  luz  falf^  aos  raios  que  vem 
das  Eftrellas  ,  e  por  íe  ajuntarem  e  cruza- 
rem nos  nolTos  olhos  antes  da  retina  ,  quan- 
do chegáo  a  cIIj  váo  já  cfpalhados  ,  e  pin- 
táo  hum;^  imagem  muito  maior  do  que  de- 
verão ,  íegundo  o  angulo  com  que  cnirão 
na  pupilla  ;  e  como  efta  imagem  he  maior 
do  que  devia  fer  ,  por  ilTo  lhe  chamáo  en- 
ganadora c  feira  pela  luz  ^Aí?,  Hum  ex- 
emplo temos  bem  prcprio.  Quando  vedes 
hum  archote  ou  fogacho  de  perto  ,  vedes 
o  fcu  tamanho  verdadeiro  ;  porém  fe  o  ve- 
des de  longe  ,  vai  crefcendo  ,  e  formando 
huma  como  roda  luminofa  ,  perdendo  a  fi- 
gura pyramidal  ^  e  de  tal  forte  crcfce  ,  que 
quando  nas  luminárias  (  corro  as  que  ve- 
mos lá  da  parte  d  além  do  Tejo  v.  g.  cm 
Almada  )  fe  põem  muitos  fogachos  acce- 
zos  com  breve  intervallo  ,  de  cá  nos  pa- 
rece huma  fitta  luminofa  continuada.  A 
mim  ,  que  tenho  pouca  viíl^  ,  e  ao  longe 
pão  vejo  njida  ,  me  íuccedf-  -io  ate  com 
as  luzes  que  eftáo  nos  throno^  dosTemplos; 
e  de  tal  m>odo  fc  continuáo  humas  com 
outras  ,  que  as  náo  f  o^^o  contar.  E  a  razáo 
diífo  fe  tira  do  que  vos  diíTe  tratando  da 
Óptica :  com.o  o  objeélo  quanto  mais  difían- 

tc 


Tarde  trigefima  -prima,     107 

te  cftá  5   mais  perto  da  pnpilla  forma  a  fua 
imagem  ,   mais  efpalhados  chegáo  os  raios 
á  retina ,  e  maior  hc  a  imagem  confufa  que 
nclía  pintáo.    Ora  o  que  fucjedc  aos  Mio- 
pes  com  as  luzes  ,   fuccede  a  todos  com  as 
Eftrellas  ,    que   são  luminofas   per  íi   mef- 
mas  5    e   fummamente   diftances.    Por  efta 
razão  os  Telefcopics  mais  exqu i fitos  ,  eaug- 
mentando  a  grandeza  dos  Planetas  ,   dimi- 
nuem a  das  Éftrellas  ;    porque  aperfeiçoan- 
do a  vifta ,  e  fazendo  cahir  na  retina  a  ima- 
gem da  Eftrella  ,    tirão  a  luz  falfa  e  efpa- 
Ihada    que    cnganofamente    augmentava    a 
imagem  ;    e  quanto  melhor   for  o  Telcfco- 
plo  ,   mais  ha  de  aperfeiçoar  a  vifta  ,   e  ti- 
rar mais  da  luz   falfa  ;   e  por  ifTo  apparcce 
a  Eftrella  menor  ,   porém  viviilima.    Sup- 
pofto   ifto  ,   já   fc  vê   que   os  Telefcopios 
quando  diftinguem  as  Eftrellas  de  Fia  La- 
ãea  não  augmentão  a  lua  grandeza  ,  mas  , 
fomente  tirando  a  fua  luz  falfa  ,   que  mu- 
tuamente confunde  humas  com  outras  ,  faz 
que  as  diftingamos  :    aílim  como  eu  quan- 
do ponho  óculos  vejo   as  luminárias  ao  lon- 
ge diftindas  entre  íi  ,    e  então  cada  luz  de 
per  fi   fe  me  rcprefenta  menor.    Advirto  if- 
to ,    para  que  vós  ,  Silvio  ,  vejais  que  nós 
os  Modernos  não  vamos  como  carneiros  , 
huns  atrás  dos  outros  ;   mas  que  cada  qual 
não   fe  contenta    com  o  que   diz   efte   ou 
aquelle  Filofofo   de  nome  ,   mas  averigua 
fe  he  ou  n5o  conforme  á  razão. 
Silv,    Eu  bem  fel  que  entre  vós  também  ha 


20 8      .  Recreação  Filofqfica 

divcrfidadc  de  opiniões  ;   c  por  iíTo  femprç 
alguns  háo  de  errar. 

Theod.     Quem  o  duvida  ? 

£ux.  Mas  Gízei-me  vós  ,  fcnáo  obftante  cíTa 
immcnra  diítancia  ,  temos  .J^uma  loéj  pru- 
dente da  grandeza  das  EltrclU?. 

Tkeod.  A  grandeza  das  Eltrcllas  para  le  cal- 
cular de  alguma  fone  ,  deve  ler  alfenian- 
do  primeiro  na  fua  diltani. ia.  Sabemos  q-je 
he  granje  ,  tanto  porque  os  melhores  Te- 
lefcopios  abfolutamiente  nada  augmentáo  a 
fua  grandeza  ,  como  porque  a  relpeiío  dei- 
ta diftancia  he  hum  pomo  iníenfivel  a  or- 
bita anua  do  Sol  ;  o  que  pede  huma  diftan- 
cia immenía.  Se  tor  fómcnre  27.  664  vezes 
maior  que  a  diftancia  co  Sol  ,  deve  cada 
huma  delias  íer  do  tamanho  do  Sol.  O  dif- 
curío  he  cftc:  fe  huma  Eftrclla  da  primeira 
grandeza  (v.  g.  huma  que  ch?.n~á>  Sírio  ^  e 
he  a  mais  brilhante  de  tod  ^.s )  f  jíTe  do  ta- 
manho do  Sol  ,  eftando  junio  dcUe  ,  nos 
pareceria  igual  a  ellc  ;  mas  ie  toíTe  fjbindo, 
á  proporção  da  diftancia  fc  iria  diminuindo 
para  nós  a  íua  grandeza  (prcfcmJamos  do 
augmento  engancío  que  da  a  luz  taifa  )  ,  e 
iria  enfraquecendo  a  fua  luz  ;  c  fe  chegaíTc 
a  ter   de  nós  fómenre  tfta  cift^incii  ,   já  a 

,  fua  luz  ficaria  feme  hante  á  que  nó?  agora 
recebemos  defta  Eftrelia  ,  conforme  o  cal- 
culo que  fez  o  gran  Je  Hugetis  (  '  )  i  e  re- 
duzindo cíTa,  diftancia  a  Icmidiamerros  ter- 
reftres,  coniorme  o  calculo  que  figo,  fom- 

ma 
C  o     Lib.  2.  Cofmetheoros  pag.  IJ5. 


Tarde  trlgefima  prhna,      ■209 

ma  (37O :  44 ^ ,  ^"00  feiscentos  e  fetenta  mi- 
lhões, qjatroccncos  e  quarenta  c  trcs  n-il, 
c  feiscencos  remidi.imetros.  Mas  ainda  \\  ol- 
fio  (  I  )  da  ái  Elhellas  de  primeira  gran- 
deza diltancia  qa.ifi  dez  vezes  maior  ,  por- 
que che^a  a  6 ;  c86  ;  c8c.  eco  íe;s  rriii  e  oi- 
tenta c  íeis  contos  ,  e  oiienta  mil  fcmidia- 
metros  ;  nciíe  calculo  devem  fer  mujto 
maiores  que  o  Sol  ,  porqae  he  preciío  que 
o  excedáo  para  terem  a  luz  que  tem  cm 
huma  táo  enorme  diftancia.  De  lorte  que, 
íe  puzelTem  hum  Sol,  igual  ao  nodo  ,  na 
diftancia  que  A5^'olno  dá  a  Sino  ,  apparecc- 
íia  muito  mais  pequeno  ,  e  fraco  na  luz  ,  do 
que  apparece  etta  Eílrella.  Porém  ,  como 
já  dilFe  ,  íobre  a  grandeza  das  Eílrelias  ,  af- 
fim  como  também  febre  a  fua  diihncia  , 
faltáo  princípios  para  calcular  com  fcguran- 
ça,  Sò  fc  fabe  que  são  mui  grandes  ,  por- 
que são  vifiveis  numa  dill^ncia  quafi  im- 
menfa  ;  c  também  niícO  todos  delamparáo 
a  Tico-Brahe  ,  que  foi  mui  acanhado  em 
todas  as  fuás  medidas.  Falta  fallar  do  mo- 
vimento deftas  Eflrellas. 

JEwo-.     Do  movimenro  de  V^ertigem  ou  rotação 
ia  ddTeftes:  agora  reíh  faber  dos  outfo?. 

Tbeod.  No  fyftema  de  Tico-Brahe  tem  hum 
movimento  no  efpaço  de  24  heras  de  Xaf- 
cente  a  Poente ,  como  teflemunháo  os  nof- 
íos  olhos  i  porém  no  fyftema  de  Copérnico 
c  outros  ,  efte  movimento  he  fomente  ap- 
parenre  ;  porém  diíto  á  manha  fallaremos 
Tom.  VI.  O  de 

•C^)    Êlem.  Aílron.  §•  1116. 


:mo        Recreação  Tilofqfica 

de  va^ar.  Além  defte  movimento,  que  cha- 
máo  coi-nmum  ,  tem  as  Elireilas  outro  mo- 
vimento próprio  á  roda  do  eixo  da  Eclitica , 
como  os  Planetas  ;  porém  hc  muito  mais 
vagarofo  ;  porque  para  completar  huma  Ef- 
trella  o  íeu  giro,  sáo  preciíos  25.(^20  vin- 
te cinco  mil,  novecentos  e  vinte  annos.  Ef- 
te  movimento  he  do  Poente  para  Nafcenie, 
como  o  dos  Planetas ,  mas  he  igual  em  to- 
das as  Eftrcllasi  de  forre,  que  lempre  guar- 
dáo  entre  íi  a  mefma  ordem.  No  íyftema 
Copernicano  ,  de  Dcs-Cartes ,  de  Newton , 
Scc.  efte  movimento  náo  hc  real  ,  mas  ap- 
parente  ,  e  procede  do  movimento  do  eixo 
da  Terra  ,  como  noutra  occafiáo  vos  expli- 
carei 5  que  agora  náo  me  podeis  entender; 
c  fe  chama  eftc  periodo  Anno  grande  ,  ou 
Platónico.  Amanha  vos  explicarei  os  mo- 
vimentos de  todos  os  Aftros  comparados 
entre  fi  ;  que  agora  ,  depois  de  ter  exami- 
nado cada  peça  de  per  fi  defte  grande  Reló- 
gio ,  podereis  entender  mais  fcientificamcn- 
le  a  harmonia  dos  feus  movimentos.  Por 
hoje  baftc  ;  vamos  agora  a  cntrcter-nos  cm 
outras  materi?.?. 

£ug.  Em  nenhuma  poíTo  achar  maior  diver- 
timento; mas  conheço  que  convém  náo  tra- 
tar de  tudo  junto ,  porque  me  confundiria. 

SHv.  E  também  porque  Theodoíio  já  ha  de 
eftar  fatigado.  Vamos  divertir-nos  com  o 
jogo. 


TAR* 


Tayde  trtgefima  fegtmda,    211 


TARDE   XXXir. 

Dos  movimentos  dos  Aítros  compara- 
dos entre  fi. 

§.  L 

Dos  Círculos  da  Esfera, 


Thcod.    f^^  Hegou  o  tempo ,  Eugénio ,  de 
fi  vos  moílrcíF   o  admirável  jogo 

^^ — ^  dos   movimentos    dos  Aftros, 
comparí^ndo-os   entre   fi  ,    e   com   a  Terra. 
Porquanto   até  aqui   fó   bailei   de  cada  hum 
em  particular  ;  e  quando   muiro    a  refpeito 
do  Sol  :    a^ora  he  precifo  explicar-vos  a  di- 
visão  do  Ceo  ,   que  tem  feito   os  Aftrono- 
mos    em  vários  círculos  :   vinde  primeiro  a  ^■^'  ?• 
efta  Esfera  Celelfe  (^  Eftamp,   z.  fg.   i.)  e%  ^' 
depois     entendereis    melhor    a   Lstera    que 
chamáo    annilar.     Eftc     efpaço    dos    Ceos 
confideráo   os  Aítronomos   como    numa   ef- 
fera    concava  ,   que    fe  revolve   fobre    dous 
pontos  ou  pólos ,  o  do  Norte ,  e  o  do  Sul : 
elfe  de  íima  N  reprefenta  o    do  Norte  ,   c 
cftoutro  debaixo    S   o   do   Sul  j    c   a   linha 
que  lá  por  denrro    vai   de  hum   pólo  a  ou- 
iro  ,  cujas  extremidades  fahem  cá  fora  ,  cha- 
máo-lhe  eixo  do  Univerfo.    Efte  eixo  atra- 
^  yeUa  cinca  círculos   parallelos   que  os  Af- 
O  ii  "O- 


arx        Recreação  Filofòjica 

tronomos  defcrevem  no  Cco  •-,  aqui  os  tcn^ 
des  4  j  e  5  / ,  o ,  w  ,  c  to Jos  tem  feus  no- 
mes :  os  dous  círculos  pequenos  junto  aos 
pólos  ,  chamáo-fe  Círculos  Polares  ;  o  do 
meio  £  E  ,  chama-fe  Eqw^àor  ;  os  doas, 
que  ficáo  aos  lados  do  Equ.xdor  ,  chumáo* 
fe  Trópicos, 

Bug.  Ecomo  haverxios  nós  dcdiílinguir  hum 
Trópico  do  outro  ^  fe  ambos  tem  o  mcfmo 
nome  ? 

Tb^oJ.  D;ftinguem-fe  pelos  pólos  onde  per- 
tencem j  o  de  fima  chama-fe  Trópico  do 
•  Norte  ,  o  debaixo  chamaTe  do  Sul  ;  pçy- 
rém  faílando  em  termos  mais  próprios  ,  o 
Trópico  do  Norte  chama-íe  de  Cancro  ,  o 
do  Sul  de  Capricórnio  :  logo  direi  a  razáo. 
Do  meímo  moio  os  dous  círculos  Polares 
fe  dirr':n:^uem  pelos  pólos  vizinhos,  hum  he 
o  do  Norte  ou  Boreal  ,  outro  chamâo-llic 
do  SjI  ou  Aujlral. 

Eug.  Tenho  percebido.  Que  circulo  he  eftc 
atraveíTido  Z  Z  ,  que  vai  do  Trópico  de 
Cjncro  até  ao  de  Capricórnio?  Vamos  mof- 
irando  ,  Silvio  ,  que  já  fomos  Aftrono- 
mo3. 

Silv.  Km  todo  o  cafo  :  faltemos  como  os 
ProfeTore?. 

Theod.  O  circulo  ,  que  vai  de  hum  Trópico 
ao  outro,  atraveííando  o  Equador,  chamáo- 
Ihc  Zodíaco  •■,  he  largo ,  mas  pelo  meio  dcl- 
le  vai  huma  rifca  ou  circulo  que  chamáo 
£clitica :  cila  Eclítica  he  o  caminho  ou  or- 
bita do  Sol  i  c  o  Zodíaco  hc  láo  largo ,  pa- 
rai 


Tarde  trtgefima  fegunda.     2 1 5 

ra  abranger  rodas  as  orbita<?  dos  Planetas, 
Já  aqui  tendes  explicados  féis  círculos  da 
Esfera,  que  sáo  os  5  parallclos ,  e  o  Zodií- 
CO  ou  Editíct  5  que  fe  cont^o  por  hum  cir- 
culo fó.  Faltáo  ainda  outros  circules  ;  pa- 
ra ilTo  vamos  agora  á  Esfera  armilar  ,  que 
já  vos  náo  ha  de  fazer  tanta  confusão 
(^Efiri)Vp.  ^.  fg.  2.).  Aqui  tendes  o  Equa-  Eí^.  5. 
dor  E  É  ,  tendes  as  ilhargas  os  deus  Tro-  hz,  2. 
picos  ;  eíle  de  fima  Z  C  he  o  de  Cincro , 
eítoutro  debaixo  T  Z  he  o  de  Capricór- 
nio :  alli  tendes  tambenn  os  dous  círculos 
polares  j  o  boreal  b  b  ,  c  o  auftral  a  a: 
tendes  o  Zodíaco  Z  Z.  Vannos  aos  que 
rcftáo.  Reftáo  dous  círculos  ,  que  chamáo 
Coíuros  5  e  sáo  dous  circules  perfeitamen- 
te cruzados  entre  fi  em  angulo  re^o  ,  e  de 
forte  ,  que  os  pólos  fiovicm  nos  lugares 
em  que  fe  cruzao  :  am.bcs  elles  corcáo 
perpendicularmente  ,  e  atravefsáo  tocos  os 
5  parallelos  j  porém  hum  Coluro  s  s  s  s 
corta  a  Eclitica  nos  ponros  Z  Z  ,  cm  que 
ella  fe  ajunta  com  os  Trópicos  ,  o  outro 
Coluro  c  c  c  c  corta  a  Eclitica  nos  ponros 
em  que  ella  fe  ajunta  com  o  Equador.  Ef- 
te  Coluro  chama-fe  dos  Equinoccios  ,  e  o 
outro  s  s  s  s  chama-fe  dos  Soljíidos,  Lo- 
go vos  direi  a  razáo  de  todos  efles  no- 
mes. 

Eug,     Eftá  bem  :   e  faltáo  ainda  alguns  círcu- 
los ? 

1\:cod.     Faltáo  ainda  dous  ;   porém   eífcs  sáo 
cá  feparados  da  Esfera  ,   ainda  que  lhe  per- 

tea- 


214         'Recreação  FHofqfica 

tenccm  a  cila  :  '  hum  he  cfia  taboa  hori- 
zontal H  H  ,  que  le  chama  Hoiizcntc  ,  e 
divide  o  Ceo  em  duas  ametddcs  ,  huii-a  fa- 
per^or ,  outra  interior;  o  oiuro  circulo  he  o 
Aícridi.iihj  N  ES  E  ,  que  p.-.fa  de  hum 
poio  a  o'itro  por  fima  das  nolTas  cabcça«. 
Ora  como  a  Terra  he  redonda ,  o  circulo  , 
que  paTa  por  lima  das  cabeças  cm  Luboa  , 
náo  hc  o  q':e  paTa  ^or  finia  de  Ptrnar.  bu- 
ço V.  «;.  :  por  iiío  os  Mcruianos  sáo  divcr- 
fos ,  e  pertence  a  cada  luí;dr  ca  Terra  o  íeu 
Meridiano.  Como  também  os  Horizontes; 
porque  fe  o  noíTo  Horizonte  nos  náo  deixa 
dcTcubrir  o  Ceo  íenáo  até  hum  certo  lu- 
gar,  os  que  cft  verem  em  Pernambuco  ve- 
ráo  outra  porção  do  Cco ,  que  nós  náo  ve- 
mos ,  e  ficar-lhcs-hti  occulta  outra  que  nós 
vemos. 

Eug.  Com  que  temo?  dez  circulos  na  Esfera. 
O  Meridiano  ,  e  Horizonte  ,  que  sáo  mu- 
davers  ,  mas  os  dous  Coluros  ,  c  a  Ecliti- 
ca  ,  como  também  Equador,  Tropcos  ,  e 
Circulos  polares  ,  sáo  Circulos  anncxos  ao 
Ceo  ,  ifto  he  ,  sáo  os  mefn  os  a  relpcito  de 
todos  os  lugares  Òá  Terra. 

Theod,  Aííim  he :  luppoílo  ifto,  adiantemo- 
nos  hum  pouco.  Ja  dilTe  ,  que  o  Ecliiica  era 
o  caminho  do  Sol.  Quando  ellc  chega  ao 
Trópico  de  Cancro  ,  eftá  o  mais  levantado 
que  pode  ícr  íobre  o  nofo  Horizonte,  e  if- 
to [u:cc'-e  ras  xeíperr-s  co  S.  Joáo  ;  e  co- 
mo a  Ecliiica  náo  paíTa  dcffç  Trópico  para 
íóra  ,    quando  o  Sol  che^a  ahi  ,  vai  logo 

voi- 


Tarde  trigeftma  fegundã,    215' 

voltando  para  bufcar  o  Equador  ;  por  ilTo 
íe  chama  a^uelle  ponto  ,  cm  que  a  Ecliti- 
ca  toc^  no  Trópico ,  Soljiicw ,  ifto  he ,  pa- 
rada ou  eltaçáo  do  Sol  ,  porque  vai  lubin- 
do  p^ra  o  pólo  do  Norte  ,  até  chegar  ahi  j 
e  voJta  lo^o  para  baixo  ,  caminhando  para 
o  Equador.  Da  meíma  ícrie ,  quando  che- 
ga ao  outro  Trópico  ,  lá  pelas  vefperas  do 
Natal  j  av.zinha-fe  o  mais  que  pôde  a  cíTe 
pólo  ;  mas  chegando  ao  Trópico  de  Ca- 
pricórnio 3  pára  5  c  volta  cá  para  o  Nor- 
te outra  vez  ,  e  allim  continiia  fempre 
á  roda  da  Esfera  Celeíte.  ]á  labeis  que 
coufa  são  os  Solfíicios  ,  o  de  inverno  he 
no  Trópico  de  Capricórnio  ,  e  o  de  ve- 
rão no  de  Cancro  ;  e  por  iíTo  o  Coluro , 
que  paíTa  por  ellcs  dous  pontos  ,  fe  chama 
dos  Solfticios.  Agora  os  outros  dous  pon- 
tos, que  chamáo  dos  Equinoccios  ^  são  tam- 
bém na  Eclitica  ;  porém  naquelles  lugares 
onde  cila  corta  o  Equ^dcr.  A  razão  deite 
nome  he ,  porque  qucndo  o  Sol  chega  a  eí- 
fcs  pontos,  que  he  em  vinte  de  Março,  c 
cm  22  de  Setembro  ,  sáo  os  dias  iguaes  ás 
noites. 

Eug,  Agora  já  fei  porque  o  outro  Coluro , 
que  corra  a  Eclitica  neftes  pontos  ,  Te  cha- 
ma Coluro  dos  Equinocàos, 

Sih.  Eftes  circulos  todos  fupponho  que  tem 
d  ftancins  certas  de  huns  a  outros? 

Thecd.  Dizeis  bem.  O  Equador  he  hum  cir- 
culo ,  ao  qual  perpendicularmente  airavclTa 
o  eixo  do  Mundo  ,  que  vai  de  pólo  a  pó- 
lo, 


zi6        Recreação  Filofofica 

lo,  e  difta  igualmente  de  ambos.  Os  Tró- 
picos diltáo  do  Equador  cada  hum  para  leu 
lado  2^  grãos  e  meio.  Já  íuppcnho  que  Ta- 
beis  que  qualquer  circulo  íe  divide  cm  ^(To 
grãos.  Os  dous  círculos  Polares  diftáo  dos 
pólos  ourro  tanto  ,  iito  he  ,  2^  grãos  e 
meio  ;  e  d'aqui  fe  infere  ,  que  aliim  como 
o  eixo  do  F^quador  vai  dar  nos  pólos  do 
mundo  ;  o  eixo  da  Eclitica  ha  de  ter  tan- 
ta inclinação  ao  eixo  do  Equador  ,  como 
a  meíma  Kclitica  fe  inclina  a  refpeito  do 
Equador.  Ora  como  a  Eclitica  fe  affaita  do 
EquaJor  2^  grãos  e  meio  ,  porque  vai 
abrindo  até  toc:r  nos  Trópicos  ,  também 
o  eixo  da  Eclitica  íe  vai  íeparando  dos 
pólos  ,  até  tocar  nos  circulos  polares  ,  que 
diíláo  OLuros  2^  grãos  e  meio  j  e  vem  a 
ficar  entre  os  circulos  polares  e  os  Trópi- 
cos 4^  grãos  ;  porque  do  pólo  até  ao 
Equador  vão  90  grãos  ,  que  he  a  quarta 
parte  j  tirando  23  e  meio  do  Equador  ao 
Trópico  ,  e  2;  e  meio  do  pólo  até  o 
circulo  polar  ,  reftáo  43.  Entendeíles  ifto 
bem  í 

Eug,     Não  tem  muito  que  entender. 

Theod.  Ultimamente  haveis  de  faber  que  na 
Terra  fe  diftingucm  e  allínaláo  outros  tan* 
tos  circulos  correfpondentes  aos  do  Ceo , 
c  com  os  mcírros  nomes.  O  Equador  hc 
o  que  os  Na\eg:'ntes  chamáo  Lml:a  ,  e 
reparte  a  Terra  em  dous  hcmislcrios  iguaes  , 
hum  que  fica  para  o  Norte  ,  outro  para  o 
Sul  3  os  dous  Trópicos  sáo  outros  dous  cir- 


Tarde  trigefima  fegunda,    217 

culos  ,  que  de  huma  e  ourra  p^rte  ftmpre 
igualmence  sáo  diftdntes  áà  Linha  o  valor 
de  z^  grãos  e  meio.  Os  círculos  imolares  sáo 
outros  dous  círculos  pecjuenos  ,  cjue  fe  ti- 
rão á  roda  dos  Pólcs  ,  na  ditbncia  de  25 
gráos  e  meio.  Adverti  ,  que  toco  o  efpa- 
ço  da  Terra  emrc  oâ  Trópicos  chama- íe 
Zona  Tórrida  ;  o  eípaço  entre  os  Trópi- 
cos e  círculos  Polares  Zonas  temperadas  ; 
o  efpaço  dos  círculos  Polaies  aie  aos  Pó- 
los Zonas  frigidas.  \^amos  agora  a  tal  lar 
do  jogo  dos  movimentos  dos  Aftros  en- 
tre íi. 

§.  n. 

Bo  fyftcma  Ftolcma'.co  e  Ticonlco. 


Silv,  ^T"^  Enho  ouvido  dizer  que  neíTc  pon- 
A  to  ha  grande  bulha  e  diverfidade 
entre  os  Alhonomos. 

Ttcod.  Hoje  lò  dous  lyftemas  fe  podem  con- 
cordar com  as  obíervaçóes  ,  porque  o  de 
Ptolomeu  já  ninguém  o  feguc.  LUc  dizia 
que  todos  os  Aíiros  Te  moviáo  em  círcu- 
los concêntricos  á  Terra  :  punha  a  região 
do  Fogo  aílima  da  do  Ar  ,  depois  a  orbi- 
ta da  Lua  ,  feguia-fe  Mercúrio  ,  depois  Vé- 
nus ,  d'ahi  o  Sol  ,  Marte  ,  Júpiter  ,  e  Sa- 
turno ;  tudo  em  círculos  ,  cujo  commum 
centro  era  a  Terra.  L050  fe  manifettou  a 
íuifidade  defte  fyftema  pelos  íígypcios ,  que 

ob- 


2i8         Recreação  FUofofica 

obfcrvando  o  movimento  de  Mercúrio  ,  c 
Vénus  ,  conhecerão  que  íc  revolviáo  á  ro- 
da do  Sol  ,  e  nóo  á  roda  da  Terra  :  o  mcf- 
mo  íe  conheceo  depois  do  movimento  de 
Marte  ,  Júpiter  e  Sarurno  ,  os  quaes  nas 
fuás  revoluções  náo  tem  por  feníivel  cen- 
tro a  noiTa  Terra  ,  mas  o  Sol  ;  e  irto  he 
hoje  alTencado    entre  todos    os  Aftronomos. 

Ff!.  2.       Aqui  tendes  vós   huma  Eftampa  (^LJtamp. 

fig.  ij.  2..  fi^.  i^.)  do  fyftema  ,  que  chamáo  Ti- 
conico  ,  porque  o  ideou  Tko-Brahe.  Põe  o 
Sol  como  centro  do  movimento  de  todos 
os  Planetas  (náo  fallando  na  Terra  ,  nem 
na  Lua)  :  á  roda  delle  fe  revolvem  Mer- 
cúrio 5  Vénus  5  Marte  ,  Júpiter  ,  e  Satur- 
no 5  cada  qual  na  diftancia  proporcionada, 
c  gaftando  nas  fuás  revoluções»  o  tempo 
que  eu  diíTe.  Além  difto  fõe  a  Terra  im- 
movel  e  firme  no  centro  do  Firmamento, 
ou  Ceo  eftrellado  ;  á  roda  da  Terra  fe  re- 
volve a  Lua  na  fua  diítancia  ;  e  depois  da 
Lua  cm  diftancia  competente  fe  revolve  o 
Sol  ,  trazendo  ao  redor  de  fi  como  Satéli- 
tes os  5  Planetas  que  ]i  difíe. 
£u^.  Já  percebo  :  aílim  como  á  roda  do  Sol 
ic  m^ovc  Júpiter  ,  trazendo  fempre  ao  re- 
dor de  fi  os  quatro  Satélites  ;  aflim  ncíTe 
fyftema  ,  eftando  a  Terra  firme  ,  á  roda 
delia  fc  move  o  Sol  ,  levando  ao  redor  de 
fi  5  Sarciites  ou  Planetas  ,  que  o  acompa- 
nháo  em  proporcionadas  diftancias  ,  Mer- 
cúrio ,  Vénus  5  Marte  ,  Júpiter  ,  e  Satur- 
no.  Mas  dizei-me  que  caraderes  são  eftes 

que 


Tnrde  trlgefima  fegunda.     219 

que  cftáo  aqui  na  figura   {ji^,  i  ^  que  me 
moílrais  ? 

7h.0(i,  São  os  fymbolos  deputados  pelos  Af- 
tronorros  para  f^niíicar  es  Phnetas.  \'ede 
os  cara(flerr8  com  os  feiís  nomes  á  mar- 
gem ,  ao  pé  da  melma  figura  ,  c  depois 
por  elles  conhecereis  na  figura  o  lugar,  em 
que  fe  deve  por  qualquer  Flanera. 

Eug.  Percebo  :  e  a^ora  faço  reflexão  ,  que 
andando  todos  a  roda  do  Sol  ,  a  orbita  de 
Mercúrio  e  \^enus  náo  alcançâo  a  Terra ; 
mas  fó  a  de  Marte  ,  Júpiter  ,  e  Saturno  a 
abrc;ngem. 

Jhccd.  Náo  vedes  que  2S  diftancias  ,  que  ef- 
fes  três  tem  do  Sol  ,  he  maior  que  a  da 
Terra  ao  Sol  ?  forçoínmen:e  ha  de  ficar  a 
Terra  deniro  dos  ícus  giros. 

Sílv.     E  das  Efírellas  náo  tezeis  cafo? 

Ihíod,  A  íeu  ten-po.  tftcs  miOvimenros  dos 
Planetas  á  roda  do  St  l  (  que  chamamos 
movimentos  próprios  ce  cada  hum  delles  ) 
fcmpre  sáo  de  Poente  para  Naícenre  i  co- 
mo também  o  movimento  dos  Satélites  á 
roda  do  ku  Planeta  primário  ,  tudo  fe 
move  de  Poente  para  Xafcente  :  e  o  que 
mais  he  ,  a  mefma  Lua  no  leu  pericdo  á 
roda  da  Terra  em  27  dias  e  meio  ,  tam- 
bém he  de  Poente  para  Nafcente  ;  de  for- 
te ,  que  fe  hoje  a  Lua  nafceo  junto  de  hu- 
ma  Eítrella  ,  a  manhã  quando  naícer  a  Ef- 
treila  ,  ainda  náo  ha  ce  nafcer  a  Lua  ,  fenáo 
rruito  depois  ;  e  cada  vez  fe  ha  de  ir  atra- 
zando  ,   de  modo  que  ,   paílados  27  dias  e 

meio. 


120        Recreação  TiloJoQca 

incio  5  torne  outra  vez  a  nafccr  com  a  dita 
Ellrella  ,  por  ter  corrido  todo  o  Ceo  nclíc 
tempo. 
Euçr.  Ainda  não  tinha  reparado  niíTo. 
Thcod.  Pois  cblcrvai-o  ,  e  achnrcis  ifto  mef- 
mo  ,  que  Icmpre  a  Lua  fe  aífalta  das  Ef- 
trellas  ,  a  que  correíponde  ,  fuginJo  para  o 
Nafcente.  Ao  Soi  fuccede  ido  mefmo ,  dan- 
do huma  inteira  volta  á  Terra  no  cfpaço  de 
hum  anno  :  fe  hoje  nafceo  correfpondendo 
a  huma  Eftrella ,  á  manhã  já  não  pôde  cor- 
rerponder  a  ella  ,  mas  ha  de  nafcer  depois 
da  Eílrella^  recuando  fempre  para  o  Na íc en- 
te 5  aflim  como  a  Lua  ]  porém  com  dijTeren- 
ça  j  porque  a  Lua  anda  para  trás  muito  mais 
do  que  o  Sol  :  a  Lua  em  hum  mez  dá  hu- 
ma volta  ao  Ceo  ,  correndo  todas  as  Eílrel- 
las,  que  lhe  ficáo  na  fua  orbita  j  c  o  Sol  ^af- 
ta em  correr  as  Eftrellas  ,  que  lhe  fic?.o  na 
fua  carreira  ,  hum  anno  inteiro.  Eftes  são 
os  movimenros  próprios  dos  Planetas,  e  tu- 
do fe  move  aílim  de  Poente  para  Nafcen- 
te.  Ora  fuppofto  ifto  ,  toda  efta  máquina 
dos  Ccos  das  Eftrellas  ,  c  dos  Ce3s  dos 
Planetas  ,  e  tudo  quanto  ha  d'aqui  para  fi- 
ma  ,  o  Omnipotente  revolve  em  24  horas 
de  Nafccntc  para  Pccntc  á  roda  da  Terra, 
c  efte  he  movimento  diurno  e  commum 
dos  Aftros  ,  o  qual  todos  percebem.  Para 
poderdes  formar  idca  deft^s  dous  movimen- 
tos 5  que  parecem  encontrados  ,  vinde  outra 

Efl.   ],      vez   ao  pé  defte  globo  Celcftc  ÇE(ía*}ip.  3. 

H-  í  •      fig'  I  •  )•  J^  íabcis  que  cUe  circulo  Z  Z  atra- 

vcf- 


Tarde  trígefima  fegunda.     221- 

VeiTado  he  o  caminho  do  Sol  :  íupponde 
agora  cjue  elle  eftá  aqui  em  p  ;  e  que  ,  co- 
mo huma  formiga  ,  fe  move  por  eúc  cami- 
nho a  g  %  ^  e  ifio  fempre  para  lá  ,  porém 
cntretanco  eu  com  a  mio  vou  voltando  o 
globo  para  mim  ,  muito  depreíTa  :  depois 
de  dar  60  voltas  por  exemplo ,  já  o  Sol  oa 
a  formiga  terá  chegado  a  efte  Titio  a  ,  que 
he  Aries  ,  e  correfponde  ao  principio  da 
Primavera  ;  depois  paíTadas  outras  60  vol- 
tas ,  que  sáo  outros  t/intos  dias  ,  terá  che- 
gado a  eík  lugar  g  ^  que  he  Gemlni  ,  e 
correfponde  ao  mcz  de  Maio  j  2^0  voltas 
mais  que  dè  tem  chegado  ao  Trópico  :  e  d' 
ahi  continuará  pela  outra  banda  ;  de  forte,; 
que  a  formiga  ou  g  Sol  ,  que  ande  como 
eiln  por  etíe  globo  ,  correrá  a  linha  da  E- 
clitica  ,  andando  para  lá  ou  para  o  Naf- 
cente  ,  em  quanto  o  globo  todo  com  as 
Eftrellas ,  que  eftáo  nelie  ,  em  24  horas  íe 
revolvem  mui  depreda  para  cá  ,  ou  para  o 
Pocnre.  Eis-aqui  como  fuccedc  nos  Ceos : 
andáo  tocos  os  Ccos  ,  e  tudo  quanto  em 
fi  tem  no  efpaço  de  ^4  horas,  do  Nafcente 
para  o  Poente  ;  porém  o  Sol  ,  a  Lua  ,  os 
Planetas  ,  todos  ,  cada  qual  pelo  feu  cami- 
nho ,  vão  andando  de  vagar  ,  e  caminhan- 
do pelo  Ceo  como  formigas  ,  mas  fempre 
do  Poente  para  Nafcente  j  por  iiTo  ,  fe  hoje 
obfcrvardes  a  Lua  ,  achalla-heis  2.0  pé  de 
huma  EíhcUa  ,  Júpiter  ?o  pé  de  outra  , 
Alarie  ,  Scc.  cada  qual  em  feu  lugar  ;  fc  a 
manha  qs  fordes  obfcrvat  ,  nenhum  acha- 
.'  reis 


121        Recreação  Filofofica 

reis  no  lu^ar  de  hoje  ,  rocios  afFaíhdos  def- 
ícs  fuios  ft-mpre  para  o  Naícente  ;  aré  <^ue, 
correndo  rodo  o  Cco  ,  rornáo  ao  mefmo  lu- 
gar, a  Lua  em  27  dias  e  meio,  Júpiter  em 
1 1  annos  perto  de  doze  ,  Saturno  em  quaíi 
:5o  i  e  allim  os  demais. 

Eug.  A^ora  acabo  de  entender  iíTo  bem  : 
pois  fe^uro-vos  que  me  cuftou  i  e  fenáo 
he  a  comparação  da  formiga  ,  não  o  en- 
tendia. 

Silv.  Eu  também  confelTo  que  me  confun- 
dia com  os  ('ous  movimentos  encontrados, 
hum  do  Nafcenie  pira  Poente  ,  outro  ás 
avéíTas. 

^heod,  O  fyftema  Copernicano  he  muito 
mais  deícmbara^ado ,  ^e  facil  de  perceber. 


§.  III. 

Do  fyfiema  Ccpernican<K 

Silv.  /^  Ue  importa  fc  he  herético  f 
£ug.  kJ  E  além  diiTo  ,  diz  que  a  Terra 
anda  aos  tombos  la  peio  Ceo  co- 
mo os  outros  PJanctas  ;  cu  não  (ci  como 
ifto  lembrou  a  homem  que  tivelTe  o  juizo 
cm  fcu  lugar.  E  dizei-me  ,  Theodofio  ,  e 
náo  via  eíTe  homem  que  nós  haviamos  de 
cahir  precipitados  como  ícaro  ,  em  fe  vol- 
tando para  baixo  a  fuperficic  da  Terra ,  era 
que  viveíTemos^ 

Theod. 


Tarde  trigefima  fegunda,     223 

Theod.  O  pobre  Copérnico  acha-fe  aqui  fem 
patrono  que  o  defenda  ,  e  com  dous  inimi- 
gos em  campo  ;  vós  o  impugnais  peio  que 
toca  á  boa  razáo  ,  e  Silvio  pelo  que  toca 
á  Efcritura.  E  muitos  tem  outro  embaraço 
para  o  Teguir  ,  que  he  a  authondade  e  pre- 
ceito da  Inquifiçáo  de  Roma  ,  que  por  mo- 
tivos mui  juftos  prohibio  que  íe  feguiíTc 
com.o  thefe  ;  e  fó  deo  licença  para  fc  fe- 
^uir  como  hypotbefe. 

£ug.  Não  entendo  eíTas  duâs  palavras  thefe  ^ 
e  hypothefc, 

Theod.  Eu  vo-ías  explico  cm  todo  o  feu 
fentido  rigorofo.  Seguir  huma  opinião  co- 
mo thefe  ,  he  dizer  que  aíTim  fuccede  na 
realidade  ;  feguir  como  hypotbefe  he  fazer 
fó  huma  fuppoílçáo  que  a  coufa  fuccede  af- 
fim  ,  fem  dizer  fe  na  realidade  he ,  ou  não 
he.  Qiicm  dilTer  que  a  Terra  fe  move  como 
Plineta  h  roda.  do  Sol  ,  e  que  ijio  certamen- 
te he  ajfvn  na  rcalidide  ,  falia  como  thefe  , 
para  o  que  he  precifo  argumento  evidente , 
que  o  prove  ;  rodos  os  eíFeitos  Aftronomi- 
cos ,  e  FyGcos  abfolutamente  podem  aconte- 
cer eílando  ella  quieta  ;  porque  o  Poder  e 
Sabedoria  de  Deos  são  infinitos  ,  e  muito 
grande  a  nolTa  ignorância  ,  e  equivocaçáo  ; 
ainda  nas  coufas  palpáveis,  quanto  mais  nas 
remotiííimas  ,  como  s?o  os  Aftros.  Porém 
quem  diíTer  ,  que  na  fuppoftçao  que  a  Terrt 
fe  jmva  ,  c  o  Sol  elicja.  quieto  ,  fe  explicA^ 
belUIJmiameme  tudo  quanto  fe  tem  até  aqui 
defçuberto  na  Fyfíça  ê   AftronomU  concer- 

i 


234         Recreação  FUofoficci 

mnte  a  ejit  rr.a'ena  ,  diz  bem  ,  ç  difcor- 
re  prudcntiHim.:;mcnie  j  e  ifto  permiite  a 
Inquillçáo  Romana  ,  i^ue  lo  prohibia  o 
dizer  que  'ú\o  allim  era  ,  em  quanto  náo 
houveUe  razáo  mathematica  clara  que  o 
provaile  :  muitos  dizem  que  já  temos  ef- 
ías  razões  ,  c  em  Roma  todos  fegucm  ef- 
fe  íyílema.    Eu  explico    hum   e  outro   fyf- 

•  tema  ;  porquanto  cm  ambos  elles  fe  expli- 
cáo  03  eífciíos  ,  que  obfervamos  nos  Ceos. 
Socegai-vos  hum  pouco  ambos  vós  ,  que 
tudo  íe  faz  com  vagar.  Ouvi  o  fyftema  , 
e  depois  iremos  a  ver   o  que  c\lc  tem   de. 

'  bom  ,  e  de  mão. 

Fu^,     Ifto,  Silvio,  parece  pofto  na  razão. 

Silv.     Depois  mo  direis. 

Ttcod.  Coprrnico  ,  e  toios  os  demais  Filo- 
iotos  que  o  fcguem  ,  como  Des-Cartes  , 
Ne>\''ton  5  Scc.  cáo  á  Terra  o  movimento 
que  os  noíTos  fentidos  attribuem  ao  Sol. 
Huma  coufa  he  certa  hoje  entre  todos  ,  e 
ninguém  dilto  duvida  ,  que  no  cafo  que  a 
Terra  fe  moveíTe  ,  como  dizia  Copérnico , 
nós  nenhuma  diffcrença  pcrceberiamos.  Dif- 
to  ha  mil  exemplos  :  quando  paíTeamos  pe- 
lo rio  no  efcalcr  ,  náo  vos  parece  que  os 
navios  ancorados  e  fem  velas  vem  vindo 
para  nós  ?  e  que  os  montes  da  banda  d  a- 
lém  ,  e  as  arvores  das  quintas  ,  por  onde 
paíTarros ,  fe  movem  ? 

JEug.  Aflim  parece  ^  e  das  primeiras  vezes 
que  errbarouei  ,  me  parecia  que  o  meu 
navio  eíUva  quieto  ,   c  que  os  rochedos  c 

cof? 


Tarde  tri^efinia  fecunda,    22s 


õ 


> 


coftas  5  e  tudo  o  mais  por  onde  paiTava ,   fe 
moviáo   para    mim.   Agora   que  já   a  expe- 
riência me  fez  conhecer  eíTe  engano  ,   nem 
ilTo  me  lembra. 
Theod,     Pois  o  mefmo  havia  de  fucceder  mo- 
vendo-fe  a  Terra.    Como  nós  nos  haviamos 
de  mover  com  cila  ,   não  perceberiamos   o 
feu   movimento  ,  e  cuidaríamos   que  o  Sol 
e  as  Elhellas  ,    cíTas  eráo  as  que  Te  moviáo 
para  a  parte  oppofta.    Copérnico  diz  que   a 
Terra  fc  revolve  cm  24  horas  de  Poenre  pa- 
ra Nafcenre.   Se  ilTo    for   aíhm  ,   eftando  o 
Sol  fixo   ,  quando  nós   formos  caHiinhando 
para  ellc  nos  ha   de  parecer  que  o  Sol  vem 
de   lá   para  nós  ,   e  caminha   para   o  Poen- 
te.   O   mefmo   digo  das   Eíheilas   ;    e   co- 
mo  nós    náo   advertim.os    ,    nem    fabemos 
(leite    movimento  ,   atr.ribuimos    aos    Aftros 
o  movimento   qje    he   nolTo  ,   aíiím    como 
os  que  vão  embarcados  attribuem  ás  arvores 
o  movimento  que  ellcs  leváo.    Por  efte  mo- 
do  todos  vão  crendo  àcíde  o  berço   que   os 
Ceos   fe  movem   em  24  horas  òc  Nafcente 
para  Poente  ;   quando   na  verdade  (diz  Co- 
pérnico )  nós  fomos  os  que   nos  movemos 
de  Poente  para  Nafcente.    Nem  vos  pareça 
que  havíeis    de   perceber    o   balanço    deita 
grande  náo. 
Bug.     IfTo  náo  ;  porque  fe  eu  náo  percebo  o 
de  hum  navio   quando  vai  íeguido  ,  porque 
me   parece  que   náo  anda   nada  ;  o  movi- 
mento  da  Terra  ,  que   havia   de  fer   muito 
mais  igual ,  menos  o  havia  cu  de  perceber. 
Tom.  VI.  P  Thcod. 


2  26        Kecreaçdo  Filofofica 

Theod.  Aqui  tendes  vós  já  explicado  o  Di.i 
c  Noite :  porque  em  quanto  andamos  volta- 
dos para  o  Sol ,  hc  Dia  j  em  quanto  anda- 
mos da  ouira  parte ,  he  Noite ;  c  vemos  as 
Eltreilas. 

JBug,  E  porque  não  cahimos  para  baixo, 
volrando-fe  a  Terra  comnolco ,  aííim  como 
nos  affogamos  quando  fe  volta  a  embarca- 
ção í 

Theod.  Quem  he  que  nos  havia  de  fazer  ca- 
hir? 

Eug.     O  noíTo  pezo. 

Theod,  E  para  onde  nos  faz  caminhar  o  nof- 
fo  pezo  ou  gravidade? 

JEug.  Para  o  centro  da  Terra.  Já  advirto  no 
encano. 

Theod.  Vós  percebeis  como  os  antípodas,  if- 
to  he  5  os  povos  5  que  vivem  na  Aíia  ,  lá  por 
baixo  de  nós  ,  e  com  os  pés  voltados  con- 
tra os  noíTos  5  percebeis  ,  digo  ,  como  clles 
não  cahcm  por  efías  regiões  do  ar  ;  porque 
o  mefmo  pezo  ,  que  nos  faz  carregar  con- 
tra a  fupeiíicie  da  Terra  aqui  onde  eífamos, 
faz  que  em  redondo  do  globo  da  Terra  to- 
dos os  corpos  pczem  contra  a  mcfma  fuper- 
ficie.  Cahir  para  baixo  quer  dizer  cahir  para 
o  centro  da  Terra.  Náo  he  ifto  aíEm  ? 

£ug.     Alíim  he;  confeíTo  o  erro. 

Theod.  Logo  cahircm  para  baixo  os  homens, 
que  vivem  na  índia  ,  he  movercm-fe  para 
a  Terra  ;  e  por  mais  que  o  mundo  ande 
á   roda    comnofco    ,    o  mefmo    pezo    que 

•  aqui  nos  une  fcmprc  cgm  a  Terra  ,  ftos 


Tarde  trlgefima  fegunda.     227 

não  deixaria  nunca   feparar  da  fua  fiipcrfi- 
cie. 
Silv.     Mas  ao  menos  a    força  ,   com  que   a 
Terra  gira   em  24  horas  ,  náo  atiraria  com- 
nofco  por  elTes  ares?  Quando  os  r:: pazes  jo- 
gão   o  piáo  ,  fe  ihe  bocamos   alguns  grãos 
de  arêa  fobre  o  piáo  ,   cíle  com  o  leu  mo- 
vimento rápido  atira  com  eiies  mui  longe  ; 
o  mefmo  íuccederia  comnofco. 
Thcod,     Eftimo  a  dúvida  ,  e  a  comparação, 
que  me  ha  de  fervir  de  muito.   A  ifio  cha- 
ma-fe  força  centrijuga  ;   e  he  certo  que  to- 
do o  corpo  5  que  fe  move  em  giro,  faz  for- 
ça para  fugir  do  centro  do  fcu  movim.cnto : 
e  fem    dúvida   que  ,    movendo-fe   a  Terra 
em  volta  ,  a  náo  termos  a   força  da  Gra- 
vidade que  fempre  fem  ceíTar   nos  puxa  pa- 
ra o  centro  da  Terra  ,    ella  atiraria  comnof- 
co  por  eíTes  ares  :   mas  bem  vedes  que  te- 
mos  huma  força  ,   que  puxa  por  nós  para 
a  Terra ,  que  he  a  gravidade ,   feja  quâl  for 
a  fua   cauía  ,   de  que   falíamos  algum   dia. 
Eíta   força   poz   o  Omnipotente   para   con- 
trabalançar   e   vencer    a    torça   centrifu^^^ 
com  que  a  Terra  nos  facoJiria  de  íi  ,  aliím 
como  a  funda  facode  a  pedra.  Advirto,  que 
a  efta   força   da   gravidade  ,   que  nos   puxa 
para  o  centro   da  Terra  ,  chamáo  os  Filo- 
fofos   força  centrípeta  ,   ou  attiao^ão  :   po- 
dem.os  fem  efcrupulo  uOr  deites  nomes   no 
fentido ,  que  expliquei  algum  dia.   Quando 
falia rmos  da  figura  da  Terra  emendereis  ifto 
melhor* 

P  ii  Silv^ 


228        Recreação  Filofofíca 

Sih,     Eftou  fatisfeíto  :  profcguí. 

Thcod.     Além  dcfte  movin-.cnío  dwmo  ,  com 
que  a  Terra  gira  á  roda  do  ícu  eixo,  allim 
corr.o  fabemo?  i^ue  gira   o  Sol  ,  e  \^enus, 
c  Marte  ,   c  Júpiter  ,   e  a  Lua  ,   que  todos 
Ic  movem  á  roda  de  fi  mel  mus  ,  coma   o 
pião  :   além  deite  movimento,   que  faz  dia 
e  noite  ,   diz  Copérnico   que   a  Terra    lera 
outro  á  roda  do  Sol   em  hum  anno  ,   com 
o  qual  faz  o  Veráo  e  Inverno  j   e  ciic  mo- 
vimento  he  pela    Eciitica    ou    orLita  ,    qce 
nós     chamamos   do  Sol  i   porque    indo  nós 
por  huma  parre  do  circulo  ,   citando  o  Sol 
no  ceniro   delle  ,    parccc-nos  que   clle    vâi 
andando    lá    pela    outra    p<-.r[e.     Exemplo: 
quando    nós  andamos    pc!o    ).  rdmi    á   roda 
do   lago   de   Netuno  ,    que  fica    no   meio, 
parece-nos  que  a  Eftatua  vai  andando    pela 
outra  borda  oppoíta  ,  poroue  como  nós  nos 
movem.os  ,   ora    nos  correfpondc   a  Eítatua 
a  huma  parte  da  borda  do  la^^o  ,   ora  a  ou- 
tra.   Aííim   hc    o  Sol  5   diz  Copérnico  ,   Te 
agora    correíponde    a    huma    coní^ellncâo , 
que  chamáo  Aries  ^  como  nos  mudamos  pa- 
ra outro  lugar ,  pcrque  a  Terra  vai  fazendo 
o  feu  circulo  ,  náo  pôde  o  Sol  correfpon- 
der  lempre  a  Aries  ,   ha  de  correfpondcr  a 
Tauro  ,  depois  a  Geynini ,  &c.  E  deíle  mo- 
do andando  a  Terra  pela  Eciitica  ,   cuidare- 
mos que  o  Sol  hc  quem  anda    por  ella  ,    e 
que  nós  eílamos  parado?.    Paliado  hum  an- 
no ,    como   torna   a    Terra   a   vir   ao   mef- 
mo  lugar  ,  torna  outra  vez  a  corre íponder- 

lhe 


Tarde  trigejima  fegunda,    229 

lhe  o  Sol  a  Arks,   líto  creio   que  he  cla- 
ro. 

Ei(^.     Cariííimo. 

Tteod.  Suppoílo  ifto  ,  vou  a  dar-vos  huma 
breve  idéa  de  todo  o  íyftema  de  Copérni- 
co ,  c  refervo  para  depois  o  explicar-vos 
nelie  miudamente  tudo  quanto  fe  obferva 
no  movimento  dos  Alhos.  Vede  cita  Eí- 
tampa  ÇEJiamp.  ^.  fig>  12.)  que  o  tem  de- Eft.  3. 
lineado  i  o  Sol  eíla  no  centro  do  Univer- fig-  1^ 
fo  j  c  íó  gira  á  roda  de  fi :  as  Eftrellas  tam- 
bém todas  eH:.o  quietas.  Quem  fe  move 
cm  círculos  nefta  máquina  são  fó  os  cor- 
pos opacos  5  os  quaes  aílim  como  fe  affaítáo 
áo  Sol  ,  mais  ou  menos,  aílim  gaftáo  mais 
ou  menos  terr.po  em  fazer  as  luas  volta*?. 
Mercúrio  hc  o  mais  vizinho  ao  Sol  ,  difta 
pouco  mais  ou  menos  9  para  lO  milhões 
de  léguas  ;  por  iiío  gafta  no  feu  giro  quafi 
7f  mezcs.  Vcnus  já  difta  mais ,  porque  che- 
ga a  18  milhões  de  léguas;  c  confome  per- 
to de  8  mczes  no  feu  circulo  á  roda  do 
Sol  ;  mas  também  fe  revolve  á  roda  do 
feu  centro.  Sfgue-fe  a  Terra  ,  que  neíle 
fyftema  hc  hum  Planeta  como  os  outros, 
redondo ,  opaco  ,  e  revolve  fe  á  roda  de  fi 
mefma  como  elies  ;  p/orém  como  difta  mais 
do  Sol  ,  ha  de  gaftar  mais  tempo  na  volra 
que  taz  á  roda  delle  ;  a  diftancia  he  de  25 
milhões  de  léguas,  e  o  tempo  sáo  12  me- 
zes  5  ou  hum  anno.  Depois  da  Terra  eítá 
Mane  já  em  diftancia  maior  ,  difta  ào  Sol 
38  milhórs  de  Icguaa  ,   e  o  tempo  do  feu 

pe. 


230         Recreação  Filofofica 

jrcriodo  ou  volta  s  o  (^uafi  27,  rnezçs  ou 
dous  annos  ^  e  iVmelhantcmente  como  a 
Tcra  e  Vc  nas ,  aiém  do  movimento  á  roda 
cio  Sol  ,  rem  o  leu  movimento  de  rotação 
lobre  o  Teu  centro  cm  24  horas  com  pouca 
diifeiença.  V.mos  a  Júpiter  :  cite  Planeta 
cita  em  diLtancii  muito  maior;  porque, 
conforme  diiTemos  ,  são  1  ^o  milhões  de 
le^Ucis ;  porém  o  tempo  ,  cjuc  u^aí-ta  em  fa- 
zer o  leu  circulo  ,  he  muno  maior  ,  sáo 
quafi  doze  annos  ;  e  também  como  os  ou- 
tros Planetas  le  revolve  íobre  o  feu  eixo : 
Saturno,  que  he  o  uitimo  ,  fim  difta  do  Sol 
238  m.ihóes  de  léguas  ,  mas  tambcm  he 
o  mais  vagarofo  de  todos  clJes  em*  acabar 
a  fua  revolução  ,  porc]ue  confome  quaíi  ^o 
annos.  Voamos  aos  Satélites  :  o  àà  Terra  , 
que  chamamos  Lua  ,  elèá  mui  vizinho  a  el- 
la  5  íó  dilla  62.  15^  léguas  ,  mas  por  ilTo 
no  feu  giro  á  roda  da  Terra  gafta  íó  ij  dias 
c  quafi  meio.  Júpiter  tem  4  Luas  em  di- 
verfas  dift.incias  ;  e  por  ilío  creice  o  tem- 
po das  fuás  revoluções  entre  fi  ,  compa- 
rando'OS  com  as  fuás  diftancias  a  reípcito 
de  Jiipiter,  aílim  como  crefce  o  tempo  das 
revoluções  dos  Planetas  grandes  ,  quando 
crclcem  as  fuás  rcípce^livas  diítancias  do 
Sol  ,  â  roda  de  quem  girao.  O  melmo  le 
obierva  exaclifíimamentc  nos  de  Saturno. 
VeJe  agora  a  beileza  defte  fyftema.  Primei- 
rr.rr.cntc  a  fua  uniformai  :ade  c  perleita  ana- 
logia em  todas  as  fuás  p3rtC5.  Os  corpos 
luminoíos ,   como  Sol   c  EíhcHas ,    todos 


Tarde  trigefima  feguuàa.     131 

eftáo  quietos  ,  fó  tem  algum  movimento 
de  rotação  ,  mas  náo  mudáo  íenfivelmentc 
de  lugar  ,  e  os  corpos  opacos  todos  giráo. 
Além  difto  os  corpos  mais  pequenos  giráo 
á  roda  dos  corpos  maiores  :  v.  g.  a  Lua 
á  roda  da  Terra  ,  que  hc  49  vezes  maior; 
os  Satélites  de  Jupicer  á  roda  delle  ,  e  os 
de  Saturno  do  meímo  modo  ;  e  todos  ef- 
les  Planetas  ,  forque  sáo  m.enorcs  que  o 
Sol  ,  giráo  á  roda  delle  ,  como  feus  Saté- 
lites e  criados.  Demais  entre  os  corpos , 
que  giráo  á  roda  de  outro  ,  os  mais  próxi- 
mos bzem  a  volta  mais  de  preíla ;  os  mais 
remotos,  como  fazem  circulo  maior,  o  aca- 
báo  mais  de  vagar.  Ainda  ha  outra  feme- 
Ihança  e  corrclpondencia :  os  Planetas ,  que 
giráo  á  roda  do  Sol ,  além  deíTe  movimento 
íe  revolvem  fobre  o  fcu  eixo  ;  porque  ain- 
da que  de  Saturno ,  c  Mercúrio  náo  coníla  , 
he  porque  Te  náo  podem  obfervar  bem  ,  hum 
por  mui  chegado  ao  Sol ,  outro  por  mui  re- 
moto. Ultimameme  todos  os  corpos  opacos 
girando  á  roda  do  Sol ,  ora  fe  chegáo  mais , 
ora  menos  ;  e  ifto  fe  eftende  a  toda  eíTa 
claíTe  de  Cometas  ,  eftando  fó  a  diíTeren- 
ça  em  ferem  mais  compridas  as  íuas  Eli- 
fcs.  Náo  vos  parece  engenho fo  efte  fyfte- 
ma? 

T.ng.  Confefib  que  eílou  admirado  :  que  di- 
zeis, Silvio  \ 

^hcod.  E  que  direis  vós  ,  fe  já  foubeíTeis  a 
bclliílima  concordância  ,  que  clle  faz  com 
as  leis  do  movimento  ,   conítantcmentc  ob- 

íer. 


2 


2       Recreação  FiIo!lofica 


fervadas  nos  corpos  terreftres  ?  Ifto  admira- 
velmente defcubrio  Nc^xion  ,  e  á  manhã 
vos  moílrarei  ,  explicando-vos  a  cauía  fyíi- 
ca  dos  movimenios  dos  Aftros.  De  forte 
que  cu  ,  fallando-vos  com  a  fmceridade 
Chriliá  ,  e  de  amigos  ,  náo  fei  verdadeira- 
mente os  fcgrcdos  de  Deos ,  nem  o  fumma- 
mente  cngenholo  maquinilmo  íobrc  que 
Deos  ideou  o  movimento  dos  Aftros  ;  po- 
rém fe  cile  ideou  o  movim.cnio  dos  corpos 
Celeftes  ,  que  obfervamos  ,  fobre  eítas 
mefmas  leis  de  movimento  ,  que  cá  efta- 
beleceo  nos  terreftrcs  ,  pcrfuado-me  que  fe 
háo  de  mover  como  fe  fuppóe  nefte  fyfte- 
ma.  Porém  como  os  Ceos  diftáo  tanto  da 
Terra  ,  também  os  princípios  e  leis  de  mo- 
vimento lá  podem  fer  mui  diverías  das 
de  cá.  Mas  ifto  pertence  a  conferencia  de 
á  manha.  Agora  quero  que  olh?ndo  fum- 
mariamente  para  hum  e  ouiro  fyftema ,  co- 
nheçais a  difftrença  c"e  hum  a  outro.  No 
fyllema  Ticonico  n:o  ha  cfía  bellcza ,  nem 
uniformidade  ,  nem  formcfura  ,  como  fe 
vè.  Além  dilío  ,  os  Planetas  no  fyftema 
Copernicano  tem  hum  fó  movimento  á  ro- 
da do  Sol  j  do  Poente  para  Nafccnte,  e  ef- 
fe  náo  he  dcmaziadamcnte  rápido  como  fe 
vê  ,  porém  no  Ticonico  ,  além  dcíTe  mefmo 
movimento  ,  he*  prccifo  outro  encontrado, 
que  he  o  de  cada  dia,  e  eíTe  he  velociílimo, 
por  fer  cm  24  horas.  No  fyftema  Coperni- 
cano ,  para  formar  o  dia  c  noite ,  bpfta  dar 
a  Terra  huma  vclia  fobrc  o  eixo  ein  24  ho- 

r.;s , 


Tarde  trigefima  fegunda,     235 

ras  ;  e  no  outro  fyítema  ,  he  prccifo  que  toda 
eíTa  immenfa  maquina  dos  Ceos  ,  com  io- 
das as  Eftrellas,  Sol,  c  Planetas,  e  lambem 
os  Cometas  lá  elcondidos  nas  aliiiiimas  re- 
giões invifiveis  ,  he  precifo  ,  digo  ,  que  tu- 
do dê  huma  volta  á  roda  da  Terra  em  24 
horas  ,  que  he  huma  velocidade  tal  ,  que 
parece  incrivel.  No  fyftema  Copernicano  le 
explica  fem  trabalho  nenhum  o  que  vemos 
nos  Planetas  todos ,  que  ora  nos  parece  que 
com  o  feu  movimento  particular  váo  para  o 
Nafcentc  ,  como  he  coílume  entre  todos  \ 
ora  que  recuáo  para  trás  c  váo  para  o  Poen- 
te ;  ora  que  ficáo  parados,  Ames  lem  hum.a 
grande  perturbação  na  fabrica  dos  Ceos  , 
não  podia  deixar  de  nos  parecer  aííim  ,  ain- 
da que  na  realidade  elles  fempre  marchem 
com  hum  paíTo  feguido  ,  dando  os  léus  gi- 
ros de  Poente  para  Naíccntc.  líio  vos  ex- 
plicarei eu  de  vagar.  Pelo  contrario  no  fyf- 
tema  Ticonico  ,  para  fe  explicarem  eftes 
movimentos  ,  he  precifo  dizer  que  os  Pla- 
netas andando  pelo  Ceo  fazem  hun^a  linha 
toda  enrofcada  com.o  efta  {EJiamp.  ^.  fig.  Ff^.  j. 
^.);  ora  andando  para  diante  ,  como  delde  fig.  5. 
/Z  até  c  j  ora  para  trás  ,  como  defdc  /  até 
o  j  ora  nem  para  trás  ,  nem  para  diante , 
fubindo  hum  pouco  para  fima ,  como  deídQ 
o  até  e  ,  ou  de  e  até  i.  Ifto  bem  pôde  fer ; 
porém  náo  he  mui  narural.  No  fyilema 
Copernicano  vai  o  Planeta  fempre  Icguido 
para  diante  ,  como  vereis  á  manhã  ,  ou  no 
dia  feguinte.  Ultimamente  no  f\  ficma  Co- 
pei- 


2  34        Recreação  Filofofica 

pernicano  ,  como  dilTe ,  acha  hum  Filofofo 
que  tudo  quanto  Deos  creou  ,  íe  governa 
por  humas  meímas  leis  ;  que  o  que  vemos 
praticado  no  movimento  dos  corpos  ,  que 
tocamos  com  as  máos  ,  he  o  mcímo  que  fc 
obferva  com  os  olhos  lá  nas  regiões  dos 
Ccos  :  pelo  contrario  ,  no  fyftema  Ticonico 
não  fe  guardáo  ,  nem  podem  confcrvar  as 
leis  de  movimento  eftabelecidas  cá  na  Ter- 
ra \  tudo  fe  inverte.  Eis-aqui  o  que  faz  pa- 
recer táo  bello  efte  Tyftema  ,  que  hoje  hc 
fcguido  por  muitos ,  ainda  que  lhe  chamem 
politicamente  mera  hypothefe. 

Silv,  Tudo  ilTo  eu  concedo  que  fcja  aííim  : 
mas  fe  eíle  fyftema  he  herético  ,  que  im- 
porta que  feja  bcUo  ,  natural  ,  c  fácil  ?  A 
Efcritura  eftá  dizendo  que  o  Sol  nafce  e  fc 
põe  ;  que  gira  pelo  meio  do  Ceo  ,  e  vol- 
ta outra  vez  ao  feu  lugar  ;  que  a  Terra  ef- 
tá firme  ,  &c.  logo  he  herefia  dizer  que  a 
Terra  hc  a  que  fe  move  ,  e  o  Sol  hc  que 
eftá  parado. 

Tbeod.  DelTa  mefma  frafe ,  de  que  ufa  a  Ef- 
critura Sagrada  ,  usáo  ainda  os  mefmos  Co- 
pcrnicanos  5  dizendo,  que  quando  o  Sol  tem 
íubido  tantos  grãos  do  Horizonte  ,  cntáo 
apparece  mais  pequeno  que  no  Horizonte, 
Scc.  Mas  eu  tenho  ainda  muito  que  dizer 
fobre  efte  fyftema  ;  vamos  por  partes. 

Eug.     Mas  tirai-nos  primeiro  efte  efcrupulo. 


§.  IV, 


Tarde  trigefima  fecunda.     235' 

§.  IV. 

PonderãO'fc  os  ar^ç^umcntos  da  Efcritura  contra 
o  fyjlcma  Copernicaiw. 

Theod,  C  Eja  embora  ,  e  averiguemos  an- 
O  tes  de  tudo  eíTes  argumencos ,  pe- 
los quaes  vós,  Silvio,  julgais  que  efte  lyf- 
lema  he  herético.  Mas  primeiro  he  preciío 
fazer  reflexão  ,  que  aquella  doutrina  ,  que 
a  Igreja  Romana  dá  huma  vez  por  herética 
ou  falfa  ,  ou  errónea  ,  aííim  o  he  na  reali- 
dade j  pois  a  Igreja  náo  pôde  errar  ;  e  por 
confeguinte  ,  ainda  que  paíTem  muitos  Sé- 
culos 5  náo  pôde  a  tal  doutrina  deixar  de 
fer  hlfa  ,  ou  herética  ,  ou  errónea. 

Silv.  IlTo  aííim  he  necelTariamente :  mas  que 
faz  ilTo  ao  ponto  ? 

Theod.  Eu  o  digo  :  Hoje  fe  os  Aftronomos 
acharem  razão  evidente  ,  que  prove  o  mo- 
vimento da  Terra  ,  eftava  a  Igreja  prom- 
pta  para  coníentír  eJa  opinião  ,  como  pro- 
teélora  que  he  da  verdade  ,  e  náo  da  men- 
tira. Ifto  conhecereis  vós  defta  refpofta  que 
deo  o  Padre  Fabri  Penitenciário  do  Summo 
Pontifice  a  certo  Copernicano  ,  que  lhe  fal- 
lava  fobre  efte  ponto.  Eu  aqui  tenho  refií- 
tado  o  lugar  nas  Tranfacçóes  de  Inglater- 
ra ( i )  ;    Lede-o  vós   em  Latim  ,   e  tradu- 

zi-o 
(1)     Anno  de   1665   no  mez    de  Junho  diz 
afíim  :  P,  Fabrj  e  Societaíe  Jefu  ,  Pvoíhíç  apud 


236         Recreação  Filosófica 

zi-3  em  Porcu^ucz  ,  para  que  Eugcnío  en- 
tenda a  rcfpoita  que  dá  o  Penitenciário  do 
P.ipa  ao  Copernicano. 

Silv.  Traduzido  ri^orolamentc  ,  quer  dizer: 
Nh  humi  fo  vez  je  tem  perguntado  aos  vof- 
fos  Corilé;s  ,  /t'  teyn  alguma  demofiftra^ãu  ^ 
que  prove  o  movimento  âa  Terra  :  e  nunca 
je  a' reverão  a  âizer  que  fim.  Logo  não  ha 
1  upedim^no  ,  par.í  que  a  Igreja  entenda  ,  e 
declare  que  fe  devem  entender  os  lug.íres  da. 
I[fcntu>:í  no  fenido  liter.íl  ,  em  quinto  fc 
nxi  mh'ira  o  contrario  por  demonjirncRo  ;  a 
qual  je  algu  n  dia  por  vjís  outros  for  excogi- 
inda  (o  que  dífjicultcf.ur.ente  crerei),  neffe 
cafo  di  nji''wn  modo  duvidirâ  a.  Igreja  de- 
clarar que  aquellts  luga^-es  da  Efcritura  fe 
devem  en^enJc  no  fentido  fi,^urado  e  impró- 
prio ,  como  aquillo  do  Poeta  :  Terrjjque  ,  ur- 
besque  recediiuí.  líto  He  o  que  diz  o  livro 
iielinente  traduzido. 

Thcod.     E  parece -me  que  bem  claramente   fe 

diz 

S  Petrum  Poenitentiarius  ,  refcribens  cuidam 
Copernicano  in -,uit  :  Ex  ve/hii  Cory;)hjei)  non 
íemcl  (j'tje/iium  cjl  ,  turutn  habcrent  aliçatim  pro 
Tairje  motti  ligmon/irationeai  ?  Nuiirjuani  aufi  junt 
id  ajcrcrc.  Sihil  igittir  ohjlat  ,  qun  toea  ilia  in 
fcnjn  incrali  EccUfla  intelli^ai  ,  iS"  Inielil^enJa  cl- 
fe  declatet  ,  quanda  nu' Li  demonjlruitonc  contra ^ 
rlum  e-jnciíur  :  qnjs  fi  fone  aliquando  a  vobis  ex- 
coghsnir  (^q'tod  v'x  credidírim  ")  la  hoc  cafu  nul- 
lo  mudo  diblubit  EcclifiJ  dechrare  loca  il/a  in 
len''t  /iiJ  irjio  ,  CT  impróprio  intclUgenda  effc  ,  ut 
iUuJ  Poeix  :  Tcrr^]:4e ,  arbísnae  rccedunt. 


Tarde  trigefima  fegunda,     237 

diz  ò  que  ca  dizia  ;  que  a  qualquer  hora 
que  apparecer  razáo  convincente  ,  que  pro- 
ve o  movimenro  da  Terra  ,  a  Igreja  decla- 
rará que  os  lufares  àà  Efcriíura  fobre  o 
movimento  do  Sol  íc  devem  entender  no 
ícnrido  ,  que  lhes  dáo  a^ora  os  Copemica- 
nos.  E  illo  náo  dilTe  a  Igreja  nunca  aos  he- 
reges ;  que  le  elles  molhalTem  razáo  con- 
vincente a  leu  favor  ,  entenderia  os  lufa- 
res da  Efcritura  no  íent"do  ,  que  elles  lhes 
daváo, 

Sllv.  Pois  que  fentido  Tc  pôde  dar  aos  lu- 
g-ires  da  Efcritura  ,  que  dizem  que  a  Ter- 
ra cftá  quieta  (  i  )  e  firme  ;  e  que  o  Sol 
nafce  e  fe  põe  ,  e  volta  ao  feu  lugar  ,  e 
gira  pelo  meio  dia  ( 2  )  )  e  que  íe  revol- 
ve nos  feus  círculos  ,  lenio  o  fentido  que 
lhe  damos? 

TheOíL  A  refpofta  que  dáo  os  Copernicanos 
a  eiTes  ,  e  outros  muitos  lufares  ,  que  ha 
femelhantes  ,  da  Sagrada  Efcritura  ,  he  , 
que  fe  devem  entenjer  no  fentido  natural  c 
commum  á  intelligencia  das  genrcs ,  iílo  he 
óo  movimento  apparente ,  e  quiece  apparcn- 
le.  Deos  (dizem  elles J  náo  nos  quiz  enfi- 
nar  Aftronomia  na  Sagrada  Efcritura  ,  quiz 
que  os  ^Sagrados  Efcritores  failaíTem  accom- 

mo- 

(  I  )  Tgrra  autcm  In  detcrnum  jlat.  EccleC 
I.   V.  4. 

(  2  )  Orltur  Sol ,  er  occidít  ,  èT  ad  Iccum  fuum 
revcnítar  . .  ,  ^Irat  per  metidiem  ,  U  fíeãitur  ad 
A(}(iilonetn  ....  er  in  circutffs  fuos  r<v€iiitur.  Ec» 
clçf.  c.   I.  V.  5.  6, 


238         Recreação  FiJofofica 

modandofe  á  commua  opinião  ,  c  intelli* 
gencia  dos  povos  ,  como  nos  declara  S.  ]e- 
ronymo  (  i  ).  Por  itlo  diíTc  a  Efcritura  que 
Dcos  produiiio  dous  luminares  grandes  (2), 
que  são  o  Sol  e  a  Lna  ,  e  que  fizera  além 
diíío  as  Eftrellas  :  e  hoje  he  certiílimo  que 
a  Lua  nem  de  fi  he  luminar  ,  aflim  como 
o  Sol  ,  pois  náo  tem  luz  própria  ;  nem  he 
grande  ,  pois  íe  fabe  que  he  a  mais  peque- 
na couía  que  Deos  fez  em  toda  eíTa  im- 
menfa  clalTc  de  Attros  que  conhecemos  no 
Ceo.  Pelo  que ,  aílim  como  a  Efcritura  lhe- 
cham.a  grande  ,  fendo  mininio  aftro  ,  e  lu- 
minar ,  fem  o  fer ,  fomente  porque  na  com- 
mua opinião  das  gentes  a  Lua  hc  luminar 
grande  ,  pois  delia  recebemos  luz  grande : 
c  feria  ]:iuma  coufa  que  fe  náo  entenderia 
facilm>ente  então  ,  e  perturbaria  os  povos , 
fe  diíTeíTe  Moylés  que  produzira  Dcos  hum 
Aftro  minimo  de  íi  efcuro  ,  c  efte  era  a 
Lua :  aflim  também  dilíe  que  o  Sol  fe  mo- 
via 5  e  a  Terra  eftava  quieta  ;  porque  efta 
era  a  opinião  e  frafe  de  todos.  Accrefccn- 
tai  que  os  melmos  Copemicanos  nos  fcus 
livros  ,  para  os  entenderem  facilmente  , 
usâo  defta  m^fma  U?.{e  vulgar  ;  e  dizem 
gue  quando  o  Sol  fobe  tantos  grãos  do  HorU 

zon^ 

(O  S.  Jeronymo  in  Jerem.  28.  v.  10.: 
i^uafí  non  niulia  in  Scripturis  /anãii  dhantur ,  ft'X' 
ia  opiíiiontm  illhis  temporh  ,  (juo  f^e/la  referuní  ^ 
9f  non  juxta  quod  rei  vcritss  continebul, 

(  2  )  Tech  cjuoíjut  Deus  duo  luminária  ma^n^-, 
Gcn.   I.  16. 


Tarde  trigefima  fegunda,     239 

2ontc  fuccede  ifto  ;  quando  chega  ao  Zenith 
fiiccede  ejioutro ;  que  anda  cada  dia  hum  grão 
para  o  Oriente ;  que  tem  movimento  dejigual , 
ora  mais  depreja  ,  era  mais  de  vagar  ,  ó^c. 
Todas  eftas  propofiçóes  achareis  em  Co-. 
pernicanos  ;  porque  ,  tirada  efta  queftáo  , 
accommodáo-re  ao  femido  commum  de  fal- 
lar  conforme  aos  noíTos  fentidos ,  e  le  fizef- 
íem  o  contrario  ,  era  pedanteria.  Se  hum 
Copernicano  armando  algum  relógio  do  Sol 
fe  náo  explicaíTe  com  o  commum  da  gen- 
te vulgar  5  ninguém  o  entendia  ,  e  todos 
fariáo  efcarneo  delle,  e  com  razáo.  Por  ef- 
tc  motivo  Deos  naquellas  coufas  ,  que  náo 
são  myfterios  da  Religião  ,  nem  conduzem 
aos  coftumes ,  accommoda-fe  á  opinião  com- 
mua  das  gentes  j  e  por  iíTo  até  ufa  das  mef- 
mas  frafes ,  e  idiotifmos  da  lingua  que  eráo 
coftumados  nos  povos  a  quem  fallava.  Ef- 
ta he  a  razão  de  tantas  parábolas  ,  e  feme- 
Ihanças  ,  c  figuras  ,  de  que  ufavão  os  Pro- 
fetas ,  porque  cfte  era  o  coílume  daqucl- 
les  tempos.  Também  por  iíTo  fe  diz  ,  que 
Deos  inclina  os  feus  ouvidos  ás  nofTas  ora- 
ções :  que  penetrado  no  íntimo  do  coração 
tivera  pena  (  i  )  :  que  esforçara  o  poder  do 
feu  braço  ( 2  )  :  que  Deos  tem  entranhas 
de  mifericordia  (  O  5   ^^*  fendo  certo  que 

Deos 

(  1  )  Taâus  dolore  ccréU  intrinfecus,  Gen,  6. 
V.  6. 

(  2  )     Fccit  potentiam  ín  hrachtofuo,  I  uc.  1.  5  I. 

(O  í*<r  "^ij^cctit  niijti  ietidiéS  Díi  mftri,  Luc. 
1,  1%, 


24D         Recreação  Filofofica 

Deos  nem  coração  ,  nem  entranhas  ,  nem 
braços  ,  nem  ouvidos  tem  ,  tallando  pro- 
priamencc  ;  mas  porque  ,  íe  algum  Theo- 
íogo  pregando  ao  povo  commutaíTe  eftas 
cxprefsóes  nas  fuás  liceraes  e  genuínas  in- 
teiligen^icis  ,  ninguém  o  entenderia  ,  ou 
mui  poucos  ;  por  ilTo  fe  deve  ui~ar  deftas 
frales  accommodadas  á  intelligencia  dos  po- 
vos. Ora  íe  na  Efcritura  Te  dilTclTe  ;  and^ 
a  Terra  pelos  feus  cir:ulos  :  e  firme  eftâ  o 
Sol  no  (eu  lugar  immovel  ,  &c.  os  povos 
que  lelTem  ,  ou  ouviilem  ler  os  livros  Tan- 
tos, como  os  havi^.o  de  entender?  fcm  que 
primeiro  le  canlalTem  o>  Doutores  da  Lei 
cm  lhes  dar  lições  de  Aftronomiâ  ?  B:ni 
vedes  que  íicariáo  todos  eípantados  ;  e  co- 
mo Dcos  náo  rem  empenho  em  que  nós  fe- 
jamos  Aítronomos  ,  accommoda-fe  á  nolTa 
intelligencia  ,  e  falia  no  fentido  commum , 
e  commua  opiniáo.  Eis-aqui  a  refpofta  dos 
Copernicanos  aos  lugares  da  Efcritura. 

Eug,     Náo  me  parece  fora  da  razão. 

Theod.  Hoje  todos  os  homens  doutos  fe  per- 
íuadem  que  cila  refpofta  fe  náo  deve  deí- 
prezar  ,  principalmente  depois  que  fe  medi- 
rão os  grãos  do  Meridiano  ,  e  fe  conhcceo 
com  certeza  que  a  Terra  tinha  a  forma  de 
huma  laranja  mais  chata  da  parte  dos  pó- 
los :  ficando  a  agua  do  mar  no  Equador  6 
léguas  mais  alta  que  nos  pólos  ,  o  que  pe- 
de neceíTariamente  a  rotação  da  Terra.  Os 
que  fe  firmáo  na  literal  intelligencia  ,  hc 
porque  llies  náo  coníla  do  motivo  urgen* 

tií- 


Tarde  trigefima  fegunda,  241 
tiflimo  que  obriga  ao  contrario  :  e  ifto 
não  fe  pódc  negar  que  he  mui  conforme 
á  razáo.  Nem  difto  ninguém  fe  pôde  quei- 
xar ;  porque  em  quanto  eftcve  o  cafo  cm 
dúvida  ,  quanto  he  pela  Aílronomia  e  pe- 
las leis  da  Fyfica  ,  devíamos  com  refpeito 
accommodar-nos  á  literal  intelligcncia  dos 
lugares  da  Efcritura  ,  que  eftáo  neíTa  pof- 
fe.  Mas  como  depois  appareceo  razáo  qua- 
íi  convincente  ,  cntáo  fazemos  neftes  luga- 
res o  mefmo  ,  que  fe  faz  em  outros  ,  que 
fe  entendem  no  fentido  vulgar  e  apparentc. 
Alguns  de  parte  a  parte  adiantáo-fc  demazia- 
damente  j  huns  dizendo  que  o  fyílcma  Co* 
pernicano  já  eílá  demonftrado  ;  outros  dizen- 
do ,  que  com  razoes  naturaes  fe  convence 
de  falfo.  Huns  e  outros  fe  adiantáo  muiio: 
averigucmos  as  razões  ,  que  ha  a  favor ,  ou 
contra  eíte  fyftema. 

§.  V. 

Dcs  argumentos  fyficos  contra  o  Jyjlema 
Copçvnicano. 

Silv*     T>  Azoes  contra  efíc  fyftcma  nao  fal* 
JLv táo  :   nem  eu  fei   como   hum   ho- 
mem de  juizo  deixará  de  fe  convencer  com 
cilas  5  por  mais  beilo  que  elle  pareça  ,  pin- 
tado como  os  Copernicanos  o  pmtáo, 
n^od»     E  que  razoes  sáo  eíías  ?   cxaminèmo^ 
las. 
Tom.  VI.  Q.  Sily. 


2/\.i        Recreação  F/Iofofica 

Silv.  Efta  m.inhá  cftive  lendo  tantas  em  hum 
grande  jModcrno  (  i  )  ,  que  não  íci  le  hu- 
mas  me  confundirão  as  outras.  Primeira- 
mente ie  a  Terra  íe  movelTe  ,  os  paíTaios 
Tiho  achariáo  os  feus  ninhos  ;  porque  como 
depois  que  Tahiráo  dcllcs  ,  a  l^erra  le  mo- 
veo  ,  náo  poderiáo  depois  atinar  com  eiles. 
Demais,  as  nuvens  náo  poderiàc  nunca  eftar 
a  prumo  íobre  nós;  porque  revolvendo-k  a 
Terra  para  o  Nalcenie,  as  mefmas  nuvens, 
que  correfpondçm  açoca  á  íioiTa  cabeça,  da- 
qui a  hum  minuto  já  licariáo  para  a  parte 
do  Pcente. 

Ihecd.  E  fe  eu  vos  dilTer  que  com  a  Terra 
íe  revolve  também  a  atmosfera  do  Ar  ,  já 
náo  tem  difficuldade  nenhuma  os  paflaros 
em  achar  os  feus  ninhos  ,  nem  as  nuvens 
em  ficarem  a  prumo  lobre  nós.  AHim  co- 
mo ,  fe  no  convés  de.  hum  nc.vio  tor  huma 
cclha  com  agua  c  peixes  ,  ou  capoeira  com 
gallinhas;  ainda  que  a  náo  fe  mova  rnui  ra- 
pidamente ,  e  o  puleiro  ,  que  agora  eitava 
nqui  5  na  noirc  Icguinte  efteja  muitas  léguas 
lati^<,  as  g^tíinhas  Içmprc  acharão  os  feus 
pulcJros  coíiunwGOs  ,  e  os  peixes  nenhu- 
ma diiicrcnça  fcntiráó  de  quando  a  náo  ef- 
livoí  pawda.  DcíTe  meíroo  modo  acoruccc 
ncfte  fyftema  nôs  paíT;irGS  que  \oáo  ,  c  ás 
nuv^^s.  Tudo  fe  move  com  a  Terra;  e  ne- 
nliiín»a  diferença  haverá  a  refpeito  ócs  feus 
parric&kres  movimentos  ,  quer  a  Terra  cf- 
Ceja   fíime  ,    quer    como    hum   grande    na-» 

vio 
(O    Fortunato  dé  Btixia  defde  o  num.  3  j«>J. 


Tdrde  trigefima  fegiinda,     243 

"vio  fe  mova  perennementc  junto  com  a  re- 
gião do  Ar ,  e  tudo  o  que  nella  habita, 
Súv,     Tem  iíTo  mais  que  dizer  ,  do  que  pa- 
rece.  Quem  ha   de  communicar  eíTe  movi- 
mento ao  Ar  í  O  globo  da  Terra  náo  ;  por- 
i^ue,  quando  muito,  lhe  poderia  communi- 
car algum  movimento  por  eftar  rodeada  def- 
fe  fluido  i   mas  nunca  Teria  táo  rápido  ,  co- 
mo  o  da  mefma  Terra  :   alhm  como  hum 
pcáo  andando  á  roda ,  náo  communica  igual 
movimento  ao  ar  que  o  rodeia  ,  pofto  que 
fempre  o  ponha  em  movimento  ;    e  creio 
ter    lido   que  o  vofio  Newton   demonftrava 
que  hum   corpo  mcttido   n"um  fluido  infini- 
to 5  dava  ás  diverfas  partes  do  fluido  diveria 
velocidade ,  attendendo  á  diítancia. 
ThQoà,     Eftamos   em  cafo  diftercnte  ;   porque 
o  Ar  náo   fe  deve  confiderar   fluido   infini- 
to ,   c   muito   menos  a   reípeito  da  Terra  * 
antes  juftamente   le  pode  reputar   por  hum.a 
ligeira  cafca   do  globo  Terráqueo.   Mas  náo 
vos  quero  interromper. 
Súw     Além  diíto  :   fe  a  Terra  fe  moveíTe  pa- 
ra o  Oriente  em  24  horas ,  haviamos  de  ex- 
perimentar fempre  hum  vento  perenne  para 
o  Poente  ;  por  quanto  o  ar  ,   náo  podendo 
acompanhar  a  Terra  ,   que   fe   movia   para 
Nafcente  ,    iria   correfpondendo    fuccefiiva- 
mente  a  todos  os  lugares  ,   que  firáo  para  o 
Ocafo  5   até  que  ,  acabando  a  Terra  de  dar 
huma  perfeita  volta  ,   tornailc   a  correfpon- 
der  a   Lisboa  o  mefmo   ar  que    antes    lhe 
correfpondia  ,  tendo  pafíado  entretanto  poí 
Qii  to- 


244         RecreaÇíío  Tilofofica 

todas   as  terras   que  formão   eíTe  circulo   do 
globo   Terráqueo  :   e   nada   difto   he  allim. 
Com  que  5  Thcodofío ,  não  deis  por  cerro  c 
alTentado  que  ainda  no  caio  de  le  mover  a 
Terra  j  também  o  Ar  ie  havia  de  mover. 
Eug.     Na  verdade,  Theodofio  ,  que  ]a  Silvio 
me  parece  Moderno   no  modo  ,   c    nos  ter- 
mos com  que  difcorre. 
Theod.     Gófto  òc  o  ver  difcorrer  afíim  ,   ain- 
da que  não  concorde  com.i^o.   Mc^,s  vós  per- 
guntais quem  ha  de  dar  eíle  movimento   ao 
Az  1   Relpondo,  que  quem   o  dco  á  Terra. 
Sc    eu   folie   Copernicano    ,    náo   diria    que 
Dcos  deo  o  movimento  á  Terra  ,   e  que   a 
Terra  levava  comfigo  o  ar;  fen:-0  que  Dcos 
deo  eífe  movimento  á  Terra  ,  e  ao  Ar  que 
a  rodeia.    Dado  eíle  movimento  ,   períeve- 
rariáo  nclle  o  Ar  e  a  Terra  :   efpecialmentc 
porque   eihndo  o   clpâço   dos  Ceos   aflima 
do  ar,  ou  vafio  ,   ou  quaíi  Vc.fio  ,  náo  tem 
quem    retarde  ,    ou   impida   o    movimento 
do  ar  para  o  ^íafccn^e  ,    acompanhando   a 
Terra.   Nem   cu   me  valeria   do  que   íe  va- 
lem   alguns     Copernicanos   ,    dizendo    que 
por   cite    motivo    na    Zon.i  Tórrida   (  ifto 
nc  ,  nas  terras   que   de  huma   e  cutra   par- 
le   acompanháo   alinha    até   aos  Trópicos ) 
ícmpre   ha  vento   para  o  Poente  ,  procedi- 
do de   que   o  ar    náo  acompanha    a   Terra 
com  tanta    velocidade  ,   e    por   iíTo    parece 
correr  para    a  parte  oppofl.3  :    digo  que  aáo 
rcfpondo  afiim  ,   porque  náo  hs  necelTario. 
Elte  modo  he  mais   expedito.   Deos  aííim 

CO-t 


Tarde  trigefima  fegunãa,     245' 

como  deo  cíTe  movimenio  a  Júpiter  ^  a  Vé- 
nus ,  e  á  Terra  neíle  fyfíema  ,  podia  dar 
o  movimento  ao  Ar  ,  que  a  rodeia.  Po- 
rém vós  5  Siívio  ,  he  precilo  que  eftejais 
perfuadido  que  nem  tudo  o  que  dizem  os 
Modernos  he  certo  ,  ainda  que  Icjáo  gran- 
des homens.  Entre  nós  ha  miuita  variedade 
de  opiniões  ,  e  delias  fó  huma  pede  Ter  a 
verdadeira  ;  digo  ifto  para  que  vos  não  ef- 
panteis  de  eu  náo  concordar  com  o  Brixia  , 
nem  com  o  P.  Ricciolo  ,  a  quem  nilTo  el- 
le  fegue  com  demaziada  veneração.  Digo 
que  he  demaziada  ;  porque  ainda  que  Deos 
fó  délTe  movimento  á  Terra,  efta  communí- 
caria  algum  ao  ar  próximo  ,  e  efte  ao  ou- 
tro ;  aííim  como  fuccede  ,  quando  n'uma 
bacia  de  agua  ,  com  a  máo  pouco  diftante 
do  centro ,  fazemos  mover  em  roda  toda  a 
agua  da  bacia.  Ora  ainda  que  efte  movi- 
mento folTe  lento  ao  principio  ,  he  certiííi- 
mo  pelas  leis  do  Movimiento  (as  quaes  eí- 
fe  Author  trata  admiravelmente  )  que  em 
quanto  a  Terra  excedeíTe  na  velocidade  o 
Ar  ,  lhe  iria  communicando  algum  movi- 
mento :  pela  parte  de  fora  da  região  do  Ar 
náo  ha  nenhum  embaraço  fcnfivcl  :  logo 
pelo  difcurfo  de  tantos  milhões  devoltas, 
quantos  dias  tem  havido  depois  da  crcaçáo 
do  Mundo  ,  au^mentando-fe  todos  os  dias 
o  movimento  do  Ar  ,  chegaria  algum  dia  a 
igualar  o  da  Terra  ;  e  como  náo  ha  caufa 
que  o  retarde  ,  depois  de  huma  vez  poílo 
cm  movimento  .  nelie  ficaria, 

SWv. 


1^6         Recreação  Filofofica 

Silv.  Náo  bafta  que  o  Ar  iguale  o  movimen- 
to da  Terra ,  he  precifo  que  o  exceda ;  por- 
que como  cftá  mais  alto  ,  e  difta  mais  do 
centro  da  Terra  ,  em  24  horas  fana  maior 
volta  que  a  fuperíicie  da  Terra  ,  e  íorçofa- 
mente  para  acompanhar  a  Terra  necefluava 
de  maior  velocidade :  ifto  hc  lá  pelas  volTas 
leis. 

^Jbíod,  Que  vos  parece ,  Eugénio  !  Silvio  ef- 
tudou  bem  o  ponto.  Ora  aííim  deve  fer; 
mas  pergunto  :  E  quanto  maior  deve  ler  a 
velocidade  do  Ar  ,  do  que  a  iuperficie  da 
Terra  ? 

Sih-     líTo  agora  vós  lá  o  fabcreis. 

Theod,  Paliemos  do  Ar  até  á  altura  das  nu« 
vens  ;  porque  do  que  vai  d  ahi  para  fima, 
náo  podemos  ter  prova  da  experiência  para 
dizer  que  acompanha  ou  náo  o  movimento 
da  Terra:  eíla  altura  quando  muito  lera  hu- 
ma  le^ua ,  porque ,  conforme  aos  mais  exa- 
ctos .Geógrafos  ,  os  montes  mais  altos  da 
Terra  náo  vencem  cila  altura  ,  e  fabemos 
que  vencem  as  nuvens.  Sendo  pois  eila  a 
altura  do  Ar  que  tratamos,  era  precilb  ao  Ar 
ahi  ter  velocidade  maior  que  a  da  iuperficie 
da  Terra  i  porém  cfte  excelTo  era  táo  peque- 
no ,  que  ficava  iníeníjvel :  devia  em  24  horas 
andar  teis  léguas  mais  ,  pois  íó  niílo  vence 
o  circulo  das  nuvens  ao  circulo  que  faria  a 
iuperficie  da  Terra.  E  que  velocidade  he  ef- 
ta  para  Ter  fenfivel  no  Ar  ?  Correr  6  léguas 
em  í4  ^'Oras  ,  ou  hum  quarto  de  le^ua  cm 
hums  horaí 


Tarde  trige/ima  fegunda.     247 

Eug.  Hum  coxo  com  duas  moletas  anda  mais 
ligeiro,  e  pofto  huma  hora  continuada  a  an- 
ddr,  faria  mais  de  hum  quarto  de  legua. 

Tteod.  Oizcis  bem:  ora  fupponhamos  que  o 
Ar  com  eiieito  nem  nelle  pouco  excede  á 
Ttrra  na  velocidade  ,  mas  que  ló  a  igua- 
la ;  fcguia-fe  dahi  que  as  nuvens  ,  íe  ti- 
velTem  ue  altura  huma  légua  ,  a  náo  haver 
vento  do  Poente  ,  correriáo  para  la  ;  mas 
táo  de  vagar ,  que  gaftaílem  4  horas  em  an- 
dar lá  em  fima  huma  légua.  Ora  dai  para 
ca  experiência ,  peia  qual  coníte  que  ,  náo 
havendo  vento  nenhum  extraordinário  que 
as  perturbe  ,  náo  ha  lá  em  fim  a  eíta  iníen- 
fivel  viração.  Supponhamos  que  eu  dizia 
iíio  ;  que  preicindindo  de  alguma  virciçáo 
do  Poente  5  que  contradiílefle  efta  contínua 
viração  do  Nafcente  ,  nunca  as  nuvens  po- 
dem ficar  a  prumo  febre  nós  ,  iem  que  lá 
tenháo  eíte  lentiílimo  movimento  psra  o 
Pcente.  Quem  poderia  allegar  experiência, 
que  me  convencclTe  í  Sendo-ihe  precifo  pro- 
var,  primeiramente  que  lá  em  fima  náo  ha- 
via nem  cíTe  movim.cnío  infeniivel  ;  e  além 
dilTo  ,  que  náo  havia  viração  nenhuma  do 
Poente.  Sem  provar  eftas  duas  ccufas ,  nin- 
guém diria  que  a  experiência  provava  con- 
tra mim.  Mas  náo  gaftemos  tempo  com  ii- 
fo.  A  Terra  com  a  continuação  podia  dar 
ao  Ar  movimento  maior  que  o  íeu  ,  ;:H;m 
como  a  máo  ,  movendc-fe  dentro  da  í'gua 
da  bacia  por  baftante  tempo  ,  pôde  dar  á 
agua,  que  mais  dilta  dg  centro ^  maior  ve- 
lo- 


24S        Recreação  Filofofica 

locidade  ,  que  a  da  máo.  Mas  a  refpofta 
verdadeira  he  :  que  efte  movimento  da 
Atmosfera  he  immediaramente  recebido  de 
Deos  5  como  o  mcimo  movimento  da  Ter- 
ra. 

Silv.  Mas  que  dizeis  vós  á  agua  das  lagoas 
e  tanques  que  fempre  fe  devido  mover  para 
a  parte  ão  Poente  ,  porque  nunca  podiáo 
pela  fua  natureza  acompanhar  o  movimento 
da  Terra  ,  que  velociJlimamente  fe  volve 
para  o  Nafcente  ? 

Ihécd.  Refpondo  que  huma  celha  de  agut 
num  navio ,  que  corre  á  vela  ,  correfponde 
ás  lagoas  da  Terra  no  lyftema  que  ella  fe 
mova  j  e  aflim  como  a  agua  da  celha  acom- 
panha a  celha  e  navio  ,  aííim  a  das  lagoas 
acompanha  a  Terra. 

Síh.  Ainda  tenho  mais  diíRculdades  ;  huma 
he  que  a  chuva  náo  podia  cahir  a  prumo 
fobre  a  Terra  ■■,  porque  cm  quanto  vinha  pe- 
lo ar,  fugia  a  Terra  para  o  Nafcenie;  e  fe 
gaftar  em  cahir  da  nuvem  até  á  Terra  2 
minutos  5  já  neííe  tem-po  a  Terra  tem  fugi- 
do muitas  léguas. 

Itecd.  Quem  vos  diíTe  a  vós  que  as  pingas 
dagua  podiáo  gaftar  dous  miinutos  em  ca- 
hir r  Em  dous  minuios  huma  gota  de  agua, 
prefcindindo  da  rcfiftencia  do  ar,  cahiria  por 
huma  altura  de  21^  mil  pés  :  e  quem  deo 
tanta  altura  ás  nuvens  ?  Porém  gafte  a  chu- 
va huma  hora  em  cahir  ,  fe  as  nuvens  fc 
rrovcm  com  a  Terra  ,  aflim  corro  os  cef- 
ios  das  g^vias   com   os    navios  3    fegue-le 

que 


Tarde  trigefima  fegunda,     249 

que  aííim  como  huma  pedra  lançada  de  fí- 
ma  do  maílro  ,  onde  chamáo  fe/?o  àa  ga- 
via  ,  cahe  na  ra:z  do  maftro  ,  por  mais  li- 
geira que  vá  a  náo  ,  como  vos  expliquei 
noutro  tempo  (  i  ),  porque  motivo  náo  ha 
de  cahir  a  chuva  a  prumo  ,  por  mais  ligei- 
ra que  corra  a  Terra  í  Qual  he  a  outra  dif- 
ficuldade  que  dizeis? 

Silv.  Vós  agora  m.e  lembraftes  huma  que 
tenho  ouvido  náo  fei  a  quem  :  eu  a  expli- 
co. Se  do  alto  dhum  miaílro  cahir  huma 
pedra  ,  indo  a  náo  defpedida  ,  fará  cá  em 
baixo  n'uma  caixa  de  barro  m,olle  fua  co- 
va 5  não  totalmente  a  prumo  ;  e  cahindo 
do  alto  de  huma  torre  ,  enterra-ie  bem  a 
prumiO  )  e  fe  a  Terra  fe  moveíTe  ,  a  torre 
faria  o  mefmo  que  faz  o  maílro. 

Thccd.  A  mim  me  lembra  de  o  ter  lido  no 
Pacre  Lanis  ,  ainda  que  a  outro  propoíi- 
to  5  mas  náo  lhe  dou  muito  credito  j  por- 
que quem  o  certificou  a  elle  ,  de  que  quan- 
do a  pedra  tocou  no  barro  ,  náo  tinha  o 
balanço  da  náo  tirado  a  caixa  do  barro  do 
Nivel  mathematico  ;  e  que  a  cova  ,  que 
quando  fe  formou  era  mathematicamentc  a 
prumo  5  mudando  de  nivel  a  caixa  ,  ficou 
hum  pouco  obliqua  ?  Mais :  Como  conhe- 
ceo  elle  ,  em  táo  pequena  altura  ,  e  em 
matéria  moUe  ,  huma  obliquidade ,  que  náo 
podia  fer  fenáo  muito  ,  e  iruito  pequena? 
Mas  diga  elle  o  que  difTcr.  O  cafo  he  que 
cm   rigor    mathematico   deve  fer  aflim    no 

na- 
co    Tom,  I.  Tarde  III.  §.  II. 


250        Recreação  Filofofica 

navio  5  e  na  torre  não.  A  razáo  hc  ;  por- 
que no  navio  ,  como  o  ar  nao  tem  a  mef- 
ma  direcção  ,  e  velocidade  hor.zontal  que 
fe  communicou  á  pedra,  deve  rigoroíamen- 
te  quando  chegar  ao  barro  ter  menos  velo- 
cidade horizontal  que  o  bano  ,  e  eíla  dinii- 
r.uiçáo  ha  de  íazer  inclinação  para  trás  na 
cova.  Porem  em  terra ,  conio  no  caio  ,  que 
ella  le  moveíTe  ,  o  ar  levava  o  mcfmo  mo- 
vimento horizontal  para  Nafccnte  ,  que  le- 
vava a  pedra  cahindo,  náo  havia  caufa  pa- 
ra fazer  a  cova  obliqua  no  chão  :  iíto  hc 
fallando  em  iodo  o  rigor  roathcmarico,  que 
ívficamence  he  impoíhvel  que  le  polia  co- 
nhecer obliquidadc  ienfivel  na  cova.  V^amos 
a  ou:ra  difhculdade. 

Silv.  Eu  a  digo  :  huma  peça  de  artilheria 
voltada  para  o  Nafcente  havia  de  curfar 
muito  mais  do  que  voltada  para  o  Poen- 
te ,  pcrque  no  primeiro  caio  náo  íó  a  força 
da  pólvora  ,  mas  o  impcto  da  Terra  ,  leva- 
va a  bala  ;  c  no  ícgundo  era  o  Ímpeto  da 
pólvora  contrario  ao  da  Terra.  Eftas  cou- 
í.is,  Theodofio,  sáo  tiradas  dos  vcíTos  racf- 
mos  principios  ;  por  líTo  eu  me  admiro  que 
homens  ,  a  quem  vós  reputais  por  grandes 
Filolofos ,  tal  digáo. 

7'hecd.  Tendes  muita  razáo  :  mas  reparai  , 
que  cíTa  mcfma  milita  contra  aquclles  , 
que  dizem  que  na  camará  de  hum  navio, 
quando  ellc  vai  cem  o  venio  feguido  ,  fe 
jog^íTem  o  truque  de  taco  ,  náo  íentiriáG 
diíTerença   nos  movimentos  das  bobs  ,   de 

cuan- 


Tarde  trigef.ma  fegunda.     25:1 

cjuando  jogaflcm  eftando  o  navio  parado; 
e  niílo   hoie  todo  o  mundo   concorda.    Sil- 
vio 5    vós  náo  reparais  que  ,    indo   a  bala 
para  o  Oriente,  tambcm  a  Terra  lhe  foge; 
c  vindo  a  bala  para  o  Poente  ,   cm  quan- 
to vem   pelo  ar  ,    o  cháo  Te  lhe  vai  met- 
tendo  por  baixo  \  Supponde  vós  que  a  pól- 
vora  fó   pode   fazer  correr  a  bala   50  bra- 
ças ,   c  que  elta  he  a  diftancia  que  tem  o 
alvo  da  peça  ;    e  que   a  Terra  nelTe  tempo 
correrá    ^o  braças  ,   por  exemplo.    Qiiando 
o  canháo  ou  peça  de  artilheria  fe  volta  pa- 
ra o  Nafcente  ,    vai  a  bala  com  80  gráos 
de  velocidade  ,    :5o  que  lhe  deo   o  impero 
da  Terra  ,    e   50   da  pólvora  ;   mas  entre- 
tanto  o   alvo   fugio    cem   a  Terra   ^o  bra- 
ças  mais  para    o  Nafcente  :  já   por  eftas 
contas  precifa  hc  á  bala   toda  eíía  velocida- 
de  para  chegar  ao  alvo  ;   porque   50  gráos 
são   para  vencer  a  diftancia  da  peça   ao  al- 
vo ,    e  30  são  para  fupprir  o  que  elle  fugio 
entretanto    com  a  Terra.    Ora   voltemos   a 
peça   para   o  Poente.    Como  o  impeio    da 
Terra   faz  correr   a  bala    ^o  braças   para   O 
Kafcente  ,    ainda  que  a  pólvora  lhe  dè  Ím- 
peto para  correr   50  para  o  Poente  ,   náo 
lhe  communicará  toda  eíía  velocidade  :    ha 
de  defcontar-fe  o  impeto  da  Terra   em  con- 
trario ;    e  fò   irá   a  bala   com  10  gráos  ,    e 
íó  poderá  correr   20  braças  para  o  Poente : 
porém  entretanto  o  alvo  ,  movendo- fe  com 
a  Terra  ,    fe   veio   chegando  para   a  bala ; 
e  aílim  andando  o  alvo  para  cá  ^c  braças , 


2)2        Recreação  Filofofica 

a  bala  para  lá  20  ,  acaba-fc  a  diftancia  de 
50  braças  ,  que  entre  hum  e  outro  havia, 
e  deo  a  bala  no  alvo.  Crede-me  ,  amigo 
Silvio  5  que  fe  efte  fyftcma  tivelTc  qual- 
quer embaraço  com  a  F}Tica  ,  náo  o  pro- 
tegeriáo  aquelles  que  tem  chegado  a  huma, 
em  certo  modo  efcrupulofa  ,  e  dcmaziada 
obfervaçáo  das  mínimas  leis  de  movimento 
para  qualquer  effeito.  Agora  os  fundamen- 
tos ,  que  tem  a  feu  favor  cfte  ívífema ,  mais 
alguma  força  leváo  j  os  defapaixonados  ve- 
rão fe  he  tanta  como  he  prccifa  ,  para  que 
íe  permitia  francamente  que  fe  figa  como 
tkcfc, 

§.  VI. 

Das  razões  fy ficas ,  que  favorecem  os  Co- 
permcanos. 

Silv»  X  T  Ao  me  parece  qúe  ferão  muitos  0$ 
X^      feus  fundamentos. 

Jheod.  O  Grande  Cardeal  Polignac  ,  fen- 
do mui  bom  Chriftáo  ,  e  mui  douto  ,  co- 
mo gloria  que  foi  da  purpura  Cardinalí- 
cia ,  julgava  o  contrario  do  que  vós  jul- 
gais. No  feu  admirável  livro  do  Anti-Lu- 
credo  ,  depois  de  referir  alguns  fyífemas 
do  Ceo  ,  querendo  referir  o  Corpernicano, 
lhe  faz  cfta  Iniroducçáo  :  Mas  porque  nte 
obriga  o  amor  da  verdade  ,  aquella  fen- 
tenca  me  arrelata  de  todo  ,   que  affirma  ,- 

Scc. 


Tarde  trlgefima  fegunda,     25'^ 

&c.  (  I  )  Ifto  dizia  efte  grande  Cardeal : 
muÍLOs  Te  náo  atrevem  a  dizer  tanto ,  ainda 
que  depois  da  fua  morte  fe  tem  defcuber- 
to  muitas  razó?s  mui  dignas  de  attençáo : 
e  além  diíTo  o  Summo  Poncifice  Paulo  III. 
recebeo  benignamente  o  fyítema  Coperni- 
cano  que  feu  Author  lhe  dedicou  ;  e  Urba- 
no VIII.  quando  era  Cardeal  Barberino  , 
cm  huma  Ode  fcguio  efte  fyftema  ,  pofto 
que  depois  o  reprovou.  Donde  fe  infere 
que  náo  he  tâo  íóra  da  razão  como  vós 
dizeis.  Mas  para  mim  as  mais  fortes  ra- 
zoes sáo  eftas  duas.  A  primeira  he  tirada 
da  figura  da  Terra  ,  a  iegunda  do  movi- 
mento dos  Pêndulos.  Quanto  á  figura  da 
Terra  ,  hoje  dá  íe  por  demonílrado  ,  que 
ella  náo  he  perfeitamente  esférica  ,  nem 
Oval  ,  como  alguns  noutro  tempo  affirmá- 
ráo  ,  m.as  de  figura  esjeroíde. 

£ug.     Náo  entendo  eííe  nome. 

Thecd.  Eu  vo-lo  explico  :  esferóide  corref- 
ponde  á  figura  de  huma  laranja  ;  he  humia 
eslera  ,    hum  pouco  mais  abatida  cm  deus 

pon- 

(i)     Anel  Lucretio  liv.  3.   ó^Cde  o  ^.  160. 
5tfí/  (juia  cogit  avicr  veri  ,  ferdítiúa  íotum, 
X\iíe  rítptt  íHj  tair.en  ,  q'i£  per  fe  chra  refulget, 
Ac  mibi  Divinam  pr^ftatitius  explicai  Artem* 

E  pouco  depois  diz  aíTim  : 
At  ticct  íià  Terram  ,  quod  perilnet ,   illa  diferte  • 
Eccpcdícit  ,  í}'àa  nempe  eadcm  je  prteheí  imago  , 
Vel  (l  ípeãmor  ,  vel  fi  \peiici\a  moveniar  , 
Tlura   tamen  Ccpern':cio    Cijjhtvate  clarent  ^ 
g«<f  nun^uam  evclvet  Pulenisus ,  &c. 


2)4        Recreação  Filofojica 

pontos  oppoftos  (  I  )  ;  aflim  a  Terra  não 
hc  perfeitamente  redonda  ;  porque  nos  pó- 
los hc  mais  abatida  ,  c  na  Lmha  ou  Equa- 
dor ,  mais  aira  e  levantada.  Ora  eíla  d;íFe- 
rcnça  de  akura  defde  a  fuperficie  da  Terra 
até  ao  fca  centro  ,  ainda  que  a  refpeiro  do 
volume  da  Terra  he  pequena  ,  em  fi  ver- 
dadeiramente he  mui  grande  ;  porque  redu- 
zida a  léguas  Portuguezas  ,  vale  quafi  féis 
léguas  ;  de  forte  ,  que  o  diâmetro  da  Ter- 
ra tirado  d  hum  ponto  do  Equador  ao  ou- 
tro conrrario  ,  tem  quaíi  1 2  léguas  mais 
do  que  o  diâmetro  tirado  de  pólo  a  pólo. 
Já  dous  grandes  Filofoío?  fuppondo  o  mo- 
vimento diurno  da  Terra  ,  tinháo  conje- 
élurado  ,  e  feito  os  ícus  cálculos  ,  e  prova- 
Váo  ,  que  a  Terra  náo  era  ,  nem  podia  fer 
perfeitamente  redonda  ,  e  que  havia  de  fer 
mais  levantada  no  Equador.  O  primeiro 
foi  Hugens  (2)  ,  o  fegundo  foi  Newton. 
(  ; ).  Eftcs  homens  levados  do  calculo  ,  c 
dos  principios  da  Fyfica  ,  diziáo  que  ,  fc  a 
Terra  fe  revolvia  á  roda  do  fcu  eixo  ,  03 
corpos  todos  ,  efpecialmenie  os  fluidos,  ha- 
viáo  de  fazer  força  para  fugir  do  eixo  pa- 
ra fora  i  porque  ifto  he  lei  conftante  (co- 
mo 

(  1  )  Fa!!ando-fe  geometricamente  he  huma 
tUfc  ,  revelvenJcle  ichre  o  Jeu  eixo  menor;  aííim 
como  a  effera  he  hum  circulo  ,  revolvendo-fs 
febre  o  feu  diamptro. 

(a)  Difcours  fur  Ia  caufe  de  la  Pefanteur 
pag.   iij. 

(  i  )     Búiidp.  Phil,  Nau  Math.  iib.  j.  prop,  lO, 


Tarde  trigeftma  fegunàa.     15' 5" 

mo  vos  moftrei  quando  fallei  da  furrda  ) 
que  todo  o  corpo  ,  que  íe  move  em  circu- 
lo ,  forceja  a  fugir  do  centro  \  e  (fto  fe 
chama  ter  força  centrífuga  ,  a  qual  he  fem- 
pre  maior,  quando  he  maior  o  circulo  (i), 
ou  quando  crefce  a  velocidade  ( 2 )  ;  co- 
mo algum  dia  vos  moftrarei  ^  le  houver 
tempo  para  tratar  eftas  leis  de  movimen- 
to fundamentalmente.  Supponde  pois  ,  que 
fe  revolve  a  Terra  fobre  o  eixo  que  vai 
de  poio  a  pólo  ,  e  que  os  corpos  fluidos 
fazem  força  para  tugir  dcfte  eixo  ;  não 
obftante  a  gravidade  que  os  faz  carregar 
para  o  centro,  necelTariamente  ha  de  a  agua 
no  Equador  eftar  mais  alta  que  nos  pólos 
e  lugares  circumvizinhos.  Façamos  aqui 
huma  figura  (fi>^,  4.  Eiiamp,  %.),  A  agua  F li.  ^, 
de  N  ,  ou  S  (no  calo  que  efta  bola  ande  n.^.  4, 
fobre  o  íeu  eixo)  fugirá  para  o  o  ;  nem 
a  gravidade  embaraçará  que  cila  fuj^a  ;  por- 
que a  gravidade  não  he  para  o  eixo  N , 
mas  íó  para  o  centro  ;  e  afíim  retirando -fc 
hum  pouco  a  agua  do  eixo  para  fó:a  ,  náo 
vai  contra  a  gravidade  ,  porque  náo  fica 
mais  diftante  do  centro.  No  Equador  po- 
rém e  lugares  vizinhos  ,  a  agua  náo  pôde 
fugir  do  eixo  ,  fem  fugir  também  do  cen- 
tro ;  temos  logo  ahi  duas  forças  encontra- 
das j 

C  I ')  Çempre  crefce  na  razão  da  dilhncía 
do  centro. 

(  2  )  Também  crefce  na  razão  do  quadrado 
da  velocidade:  ou  na  razão  inverfa  dos.  quadra- 
dos dos  tempos  periódicos^ 


2 5  6        Recreação  FiJofoJica 

das  ;  huma  que  he  a  gravidade  que  a  puxa 
para  o  ccr^tro  ,  outra  que  he  a  força  ccniri- 
fuga  5  que  a  Lz  fugir  do  centro  para  fora 
e  levantar  para  fima  ;  e  quando  ha  duas 
forças  encontradas  ,  a  mais  pequena  fica 
vencida  ,  mas  fcmpre  diminue  algum  tan- 
to o  cífeito  da  outra  ,  que  a  vence  ,  porque 
a  canfa  e  debilita.  Aqui  a  gravidade  ven- 
ce ,  mas  fica  mais  debilitada  ;  de  forre , 
que  ainda  que  a  agua  náo  foge  de  todo , 
nem  falta  para  o  ar,  ferrpre  íi:a  mais  leve 
que  a  dos  pólos ;  e  por  ido  ,  para  fe  equili- 
brar no  pezo  com  ella  ,  lhe  he  precifa  maior 
altura.  Eis-aqui  o  fundamento  defles  Filofo- 
fos  ,  p?.ra  conjeclurarcm  que  a  Terra  havia 
de  fer  no  Equador  mais  levantada  i  porque 
ahi  os  corpos  náo  havi?.o  de  pezar  tanto , 
diminuindo  a  força  centrifuga  algum  tanto 
a  força  da  gravidade  :  c  por  efta  mcfma  ra- 
zão dizem  elles  que  Júpiter  (  cujo  m-ovi- 
mcnto  de  rotação  he  velociílimo  ,  porque 
he  em  9  horas  )  tambcm  náo  he  perfeita- 
mente redondo  ,  he  mais  alto  íenfivelmen- 
te  no  fcu  Equador,  do  que  nos  pólos,  con- 
forme as  mais  exacfas  obfervaçóes. 

Sth.  Mas  tudo  ilTo  he  na  fuppofição  ,  que 
fe  mova  a  Terra  :  negando-fe  clía  fuppoíi- 
çáo  ,  cahe  todo  eíTe  difcurfo, 

Theod.  Ora  cfperaí.  Feito  efie  calculo ,  man- 
darão-fe  alguns  annos  depois  homiens  peri- 
tiífimiCs  a  medir  a  figura  da  Terra.  Huns 
fcráo  mandados  a  medir  a  volta  ou  conve- 
xidade da  Terra  junto  á  Linha  j  outros  jun- 

m 


Tarde  trlgefirda  fegunàa.     1^7 

to  aos  pólos.  AoPení  ^  que  fica  na  America 
perto  aa  Linha  ,  torâo  mandados  Mr.  Go- 
din  ,  Condamine  y  e  Bougucr  ,  Academiccs  da 
Academia  dasScicncias  de  Paris,  e  os  acom- 
panharão dous  Mathemaiicos  Hefpanhoes  , 
D.  Jorge  joáo ,  Commendador  de  Malta ,  e 
D.  António  de  Ulloa ,  que  efcrevêráo  a  híf- 
toria  deftas  obfervaçócs  ;  e  a  Ttrneao  na 
Laponia  foráo  enviados  Mr,  M^aupeituis  ^ 
Clairaut ,  e  Caf^ms ,  todos  horricns  dignos  de 
huma  tal  emjpreza  :  c  acharão  com  eiibiro 
a  Terra  mais  levantada  no  Equíidor  quaíi 
6  léguas  das  nolT>is  ,  com  alguma  differen- 
ça  do  que  tinha  calculado  Newton  :  e  nif- 
to  hoje  alTentáo  todos.  Vai  agora  o  argu- 
mento. Se  a  Terra  cfíá  quieta  ,  e  íe  náo 
revolve  á  roda  do  feu  eixo  ,  efta  agua  em 
toda  a  parte  ha  de  pezar  o  mefmo  :  logo  a 
agua  do  mar  no  Equador  ,  que  eftá  6  lé- 
guas mais  alra  que  a  dos  pólos ,  por  que  ra- 
zão fe  não  ha  de  entornar  para  as  ilhargas, 
ifto  he  5  para  os  pólos  ?  Aíiim  fe  íuíhntão 
em  pezo  6  léguas  de  altura  de  ?.gua  !  O 
equilíbrio  dos  líquidos  pede  que  Te  con fer- 
vem as  Tuas  fuperficies  na  mefma  altura ; 
e  por  efte  modo  àcve  a  fuperíicie  do  mar 
fempre  eítar  na  mefma  diftancia  do  centro ; 
porém  a  experiência  moílra  o  contrario. 
Efte  argumento  rcm  muira  força  ,  quanto 
a  n  im  ;  e  eftou  perfuadido  que  fe  cftas 
medidas  da  figura  da  Terra  fe  foubeíTem 
no  rempo  do  Padre  Fabri  náo  reputaria  ef- 
Tom,  VI.  R  te 


2 5* 8        Recreação  Filofofica 

te  fyftema  ráo  longe  da  dcmonftraçáo  co* 
mo  elle  dizia. 

Sily.  Eu  lá  delTas  demonftrações  náo  fei  >  e 
fcmpre  duvido  delias  medidas  :  nem  fei  co- 
mo ellas  fe  podem  tomar. 

Theod.  Também  eu  o  náo  íabia  antes  de  o 
cítudar:  náo  me  poíTo  demorar  nifto  muito, 
aliás  cu  vos  diria  como  fe  rcmáráo. 

£ug.     Venha  o  outro  fundamento  que  dizíeis. 

Theod.  Algum  parcnterco  tem  com  eíle. 
Suppoílo  o  que  íica  dito  ,  no  cafo  que  a 
Terra  fe  moveíTe  á  roda  de  fi  mefma  ,  to- 
dos os  corpos  no  Equador  e  lugares  vizinhos 
haviáo  de  pczar  menos  j  c  por  confeguinte 
cahir  com  menos  velocidade  para  a  Terra , 
por  fe  debilitar  o  impeto  ou  força  que  os 
trazia.  D'aqui  feguia-fe  que  os  Pêndulos  dos 
relógios  fe  haviáo  de  mover  mais  de  vagar ; 
porque  clles  movem-fe  porque  cahem  ,  e 
com  elTa  força,  que  ganharão  cahindo,  tor- 
náo  a  fubir  ;  fendo  logo  macnor  a  velocida- 
de dos  corpos  em  cahir ,  também  ha  de  fer 
menor  em  fubir  com  o  impeto  ganhado  na 
defciJa  ;  e  temos  em  fim  que  os  pêndulos 
fariáo  os  (cus  movimentos  mais  de  vagar 
no  Equador  ,  do  que  nos  lugares  próximos 
aos  pólos.  Ifto  he  o  que  dá  a  razão  ,  e  as 
leis  do  movimento  ,  que  fucccderia  no  cafo 
que  a  Terra  fe  movcffe. 

*r/7v.     Mas  náo  fuccede  aílim. 

Theod.     Também    hoje   hc    coufa   confiante- 
mente alTcntada,  que  no  Equador  sáo  as  vi- 
bra- 


Tarde  trigefima  fegunãa,     25'9 

brações  dos  pêndulos  muico  mais  vagarofas, 

Íue  nas  regiões  próximas  aos  pólos  :  de 
orce  ,  que  o  mclmo  Pêndulo  ,  que  no 
Equador  em  determinado  intervalio  de  tem- 
po fazia  humas  tantas  Vibrações,  já  em  Pa- 
ris, que  ciiíta  muito  cia  Lin.^a,  taz:a  muitas 
mais  vibrações  j  e  na  Laponia  ,  que  diíèa 
muito  mais  para  o  Norte,  fazia  ainJa  mais, 
como  exiót  ííimamente  obferváráo  os  Aca- 
démicos 5  que  foráo  medir  a  figura  da  Ter- 
ra ,  tanto  os  que  foráo  ao  Períi  ,  como  os 
que  foráo  á  Laponia.  Mas  além  deftcs  Aca- 
démicos ,  já  outros  muiios  antes  delles  ti- 
nháo  achado  cnTa  diferença;  e  advertido  em 
que  os  Pêndulos  ,  quanto  mais  perto  do 
Equador,  tanto  mais  de  vagar  caminhaváo. 
E  como  hc  coufa  conftante,  que  hum  Pên- 
dulo quanto  mais  curto  he ,  mais  ligeiro  an- 
da ,  fem  que  niíro  fc  attcnda  nem  á  matéria 
da  vara  ,  nem  ao  pezo  ,  mas  fó  ao  com- 
primento ;  he  hoje  coufa  alTentada  entre  to- 
dos os  Aítronomos ,  que  quando  os  lugares 
mais  fe  avizinháo  ao  Equador  ,  he  precifo 
encurtar  mais  os  Pêndulos  ,  para  concorda- 
rem nas  vibrações  com  os  outros  que  fazem 
feus  movimentos  em  regiões  diftantes  da 
Linha. 

I.ug,  E  que  refpondem  a  eíTe  argumento  os 
que  náo  sáo  Copernicanos  ? 

Theod.     Huns  refpondem  que  ifto  procede  de 

que    na    Linha    e    hii^ares  circumvizinhos , 

com  o  nimio  calor  que  ahi  ha  ,  fe  eífendem 

as  v^ras  dos  Pêndulos  ,   e  ficáo  algum  tan- 

R  ii  to 


26o        Recreação  Filofofica 

to  mais  compridos  ;  e  de  ferem  mais  com- 
pridos ,  por  leis  iníalliveis  fe  fcgue  ,  que 
hão  de  caminhnr  mais  de  vagar. 

Súv.     ElTa  relpofta  desfaz  tudo. 

Theod.  Não  he  láo  boa  como  parece  ,  por- 
que em  Quito,  ao  mefmo  lempo  que  cahia 
neve,  andava  o  pêndulo  táo  de  vagar,  que 
foi  precifo  encurrallo  ,  para  que  as  fuás  vi- 
brações concordalTem  com  as  de  Paris.  Além 
de  que  eíle  calor  infoffrivel  da  Zona  Tór- 
rida, com  que  nos  mettiáo  meio,  já  Eugé- 
nio fabe  por  experiência  que  he  hbulofo. 
Se  a  calma  fe  deve  medir  pela  proximida- 
de do  Sol  ,  pelo  S.  Joáo  muito  mais  perto 
cftá  o  Sol  de  Lisboa  do  que  da  Linha. 
Mas  para  que  vós  vejais ,  Silvio  ,  como  ef- 
tas  coufas  le  examináo  miudamente  ,  huma 
vara  de  metal  de  trinta  pés  de  comprimen- 
to expofta  ao  calor  ardentiíhmo  do  Sol ,  cf- 
lendeo-fe  huma  linha  mais  j  e  cá  os  Pêndu- 
los no  Equador  fc  tem  ^  pés  ,  c  8  linhas 
de  comprimento ,  he  precifo  cncurtallos  duas 
linhas-,  por  onde ,  fe  cfte  cíicito  procedclTe 
do  calor,  era  precifo  que  ahi  ,  onde  le  acha 
neve  frequentemente  ,  houvcíTe  hum  calor 
20  vezes  maior  ,  que  cá  no  pino  do  abraza- 
diílimo  Eftio. 

Silv.     Como  fazeis  vós  cíTas  contas? 

Theod.  O  calor  da  linha  ,  ainda  quando  ha 
muita  neve  ,  eflende  pela  voffa  conta  o 
Pêndulo  de  :^  pés  ,  e  8  linhas  ,  de  forte 
que  crefce  duas  linhas  :  logo  fe  tiveffe  :5o 
pés  de  comprimento  ,  havia  de  crefcer  20 


Tarde  trígejima  fegunda,     iGi 

linhas,  para  caberem  2  linhas  a  cada  ^  pés; 
mas  nós  vemos  que  cá  o  calor  do  mais  íor- 
te  Eftio  fó  faz  crefccr  huma  linha  na  vara 
de  ^o  pés  :  logo  lá  na  Linha  quando  gela  , 
ha  hum  calor  20  vezes  maior  que  cá  na  for- 
ça do  Eftío. 

Eug.  Eu  náo  fei  deíTas  contas  i  fci  que  ha 
calma  grande,  e  ás  vezes  mui  pequena,  c 
que  íe  acha  muita  neve  pelos  montes. 

Súv,  A  mim  parece-m.e  que  efta  manha  li 
neftc  m^Tmo  livro  ,  que  iíTo  dos  Pêndulos 
náo  era  fempre  aflim. 

Thcod.  Algumas  obfervações  ha  ,  que  náo 
concordáo  lotalmiente  ;  mas  de  forre  ,  que 
cm  alguns  lugares  pouco  diftantes  do  Equa- 
dor os  Pêndulos  náo  amiudáo  mais  as  vi- 
brações á  proporção  dos  gráos  de  latitude  , 
ou  diítancia  da  Linha  ;  porém  creio  que  são 
duas  ou  três  experiências  (1)5  as  quaes  po- 
diáo  náo  fer  feitas  com  toda  a  delicadeza , 
e  exacçáo  que  eftas  matérias  pedem ;  e  fen- 
do lugares  mui  próximos  á  Linha,  não  po- 
dia fer  mui  fenfivel  a  differença  ;  mas  o 
commum  delias  hc  ,  que  quanto  mais  diftáo 
os  Pêndulos  do  Equador  ,  mais  amiudadas 
sáo  as  vibrações  j  efpecialmente  comparan- 
do os  lugares  próximos  á  Linha  com  outros 
notavelmente  diftantes  v.  g.  Lisboa  ,  ou 
também  comparando  Lisboa  com  Paris  e 
Londres  ,  ou  Paris  com  a  Laponia  ,  &c. 
fendo  fcrr.prc  prccifo  encurtar  os  Pêndulos , 
quando  fc  faziáo  as  obfervações  em  lugares 

no- 
(1)     ^v''o-f.  Elem.  AOr.  §.  582. 


^G^  Recreação  Filofofica 

notavelmente  mais  chegados  ao  Equador. 
Mas  elía  ,  e  outras  caulaò,  que  pelo  tempo 
aci,anrc  poJeráo  lieícubrir-lt- ,  ralvcz  poderão 
moítrar  que  náo  procede  elTe  cfieito  do  mo- 
viaiento  da  Terr.i. 

í"íyo-.  Para  nos  náo  convencerem  os  Copcr- 
nicanos  ,  bafta  que  os  feus  argumentos  náo 
fejp.o  totalmente  evidentes :  náo  he  ailim '". 

^heod,  AÍIim  he  ;  porque  argumento  total- 
mente evidente  pede  outra  cafta  de  de? 
monftraçáo  ;  mas  fempre  efta  tem  muita 
força.  Outros  argumentos  allegáo  elles  que 
pouca  força  tem.  Hum  he  a  demora  que 
lem  a  luz  em  fe  propagar  defdc  Júpiter  até 
nós  j  quando  o  Sol  fica  no  meio  ;  porque 
fazendo  a  conta  ao  tcn-po  dos  eclipfes  dos 
Satélites  de  Júpiter  ,  quando  paliando  por 
detrás  delle  fe  mettem  na  fua  íombra,  fem- 
pre tardáo  hum  quarto  de  hora  ,  porém 
quando  a  Terra  fica  entre  o  Sol  e  Júpiter, 
fuccedcm  hum  quarto  de  hora  mais  íedo. 
Atribuem  elles  iíto  a  que  como  a  Terra  an- 
da á  roda  do  Sol  com  o  movimento  annuo, 
fica  neíTa  volta  humas  vezes  mais  perto  de 
Júpiter ,  e  outras  mais  longe.  Para  os  Tico- 
nicos  nenhum  valor  rem  efte  argumento ; 
porque  no  ícu  fyílema ,  pofta  a  Terra  fixa  , 
como  Júpiter  faz  a  fua  orbita  á  roda  do  Sol, 
c  coníerva  delle  a  mefma  fenfivel  diftancia, 
eíbndo  o  Sol  e  Júpiter  em*  conjunção  ,  tem 
cfte  Planeta  de  nós  diíf^ncia  muito  maior 
do  que  eílando  em  ffpofiçaOf  como  vos  dif- 
fe.    Vendo   as  Eílampas  de  hum  ,  e  outro 


Tarde  trigefima  fegunàa.     26 j 

fyftema  facilmente  fe conhece,  que  em  am- 
bos a  diftancia  de  Jupirera  nós  varia  nota- 
velmente, e  pôde  caular  eíTa  mcTrna  tardan- 
ça na  propagação  da  luz.  Também  alguns 
querem  tazer  argumento  do  vento  Leite , 
que  fempre  reina  na  Linha ;  porém  não  taz 
força ;  porque  fe  clle  procedeíTe  da  rotação 
da  Terra  do  Poente  para  Nafcentc  ,  tam- 
bém fe  havia  de  fentir  efta  viração  por  to- 
da a  outra  parte  ,  pofto  que  mais  branda  , 
porque  todas  as  regiões  fe  moviáo  com  a 
iuperficie  da  Terra  de  Poente  a  Nafcen- 
te. 

Outros  argumentos  deduzem  da  caufa 
fyfica  dos  movimentos  dos  corpos  Celeftcr. 
Ora  quanto  a  mim  íe  he  certo  que  Deos 
os  governa  pclns  leis  de  Gravidade  e  impul- 
fo  ,  que  ccnhecem.os  cá  nos  corpos  terre- 
nos, razão  tem  e  muita  razáo;  porem  quan- 
do fallarm.os  da  caufa  fyfica  defte  movimen- 
to ,  verem.os  ifto  mais  claramente  ,  c  en- 
tão veremos  a  admirável  íimplicidade  ,  e 
Analogia  dcfte  fyftem.a.  Ultimamente  po- 
dem deduzir  o  movimiento  da  Terra  da 
Theorica  dos  Ccmietas  ,  que  ficou  entre  to- 
dos os  Aftronomos  aíTentada  depois  da  ap- 
pariçáo  defte  profetizado  Comieta  do  an- 
no  è.t  ^^  '^  e  a  eíte  argumento  fe  refpcn- 
de  tam.bem  no  fyftema  Ticonico  ;  porque 
com.o  o  íoco  das  Llifcs  dcs  Cometas  hc 
o  Sol  ,  movendo- fe  o  Sol  ,  e  ficando  a 
Terra  fixa  ,  temos  o  Cometa  corre fpon- 
dcndo  ás  mefm.as  Eftreilas  que  corrcfponde- 

ria 


264        Recreação  FiJofqfica 

ria  vifto  da  Terra,  andando  cila,  c  cftando 
o  Sol  parado. 

Eug.  Uitimamente  vós  a  que  fyftema  vos 
inclinais? 

Tkeod,  Eu  como  thefc  fufpcndo  o  meu  juí- 
zo ,  pelo  que  já  fica  d;to.  Ho)e  até  na  Cor- 
te de  Roma  fe  defprcza  publicamente  o 
fyíbma  de  Tico-Brahe  ,  porque  nada  con- 
corda com  as  leis  de  movimento  que  co- 
nhecemos cá  na  Terra  ;  nem  eu  íei  que 
ninguém  tomaíTe  a  empreza  de  explicallo 
com  q{\'?s  leis.  Agora  fallando  como  mera 
hjpothcfc ,  iílo  he  ,  como  mera  íuppofiçáo , 
que  cada  hum  eftabelece,  p?ra  d'ahi  expli- 
car os  cfFeitos  todos  ,  í]go  fó  a  Copérni- 
co ,  ufindo  da  licença  que  me  concede  a 
Igreja  por  hum  Decreto  dos  Carde.. es  De- 
putados da  Suprema  Inquifiçáo  no  anno 
de  16:0.  E  inciino-me  mc^i^  a  efte  que  ao 
ci:rro  ,  parando  em  mera  hjpotixfc  ;  por- 
que fe  fxpli^áo  os  fenómenos  5  c  movimen- 
to dos  Aftros  nelle  melhor  que  no  outro. 
T.mto  allim  ,  que  até  o  Padre  Ricciolo  Jc- 
iuita  ,  excellente  Aftronomo  ,  tendo  bem 
grande  ódio  a  efte  Ivftcma  ,  como  fe  co- 
nhece dos  argumentos  c  modo  com  que 
o  in  pugna  ,  quando  vai  a  explicar  os  fe- 
rnmcncs  ,  c  formar  os  cálculos  dos  movi- 
mentos dos  Aílros  ,  accommoda-fe  ao  fyfte- 
ma Copernicano.  Floje  rodos  os  Aftrono- 
mo^  fe  n^commcdão  a  elle ,  pela  mais  fácil 
explicação  dos  efieitos  que  fc  obfervío  ,  e 
nicihor  caicu^ajáo  cos  movimentos  3   mas  a 

ver- 


Tarde  trigefinia  fegunda.     2Ó5' 

verdade  Dcos  a  fabe  ;  porque  ,  como  dif- 
fe  5  dcftcs  dous  fyítemas  nenhum  eíU  de- 
monftrado  mathematicamcnte  ,  nem  defini- 
do pela  Igreja.  Vamos  a  explicar  os  movi- 
mentos dos  Aftros. 
Eug*    Nefte  ponto  temo-nos  demorado  muito. 

§•  VII. 

Do%  AJiros  Retrógrados ,  e  Ejlacwnarios, 

Theod,  (^  Onvem  explicar-vos  agora  como 
\^>'os  Aítros  humas  vezes  caminhão 
direitos  ,  outras  para  irás  ,  outras  parece 
(]ue  nem  para  trás  andáo  ,  nem  para  dian- 
te :  quando  caminhão  para  trás ,  chamáo-fc 
retrogradas  ;  e  quando  parecem  parados  , 
chamamos-ihes  eflacioriarios. 

Sth.  Pois  os  Planetas  ora  andáo  para  trás, 
ora  para  diante? 

Thecd.  Quanto  he  pelo  que  nos  dizem  os 
olhos,  íim;  porém  na  realidade,  náo.  Po- 
nhamos exemplo  em  Júpiter.  O  leu  mo- 
vimento próprio  em  todos  os  fyOemas  já 
fe  fabe  que  he  do  Poente  para  Nafccnte : 
fe  Júpiter  hoje  appareceo  junto  de  huma 
Fíhella,  e  á  manha  apparece  atTaíhdo  del- 
ia para  o  Nafcenre  ,  dizemos  que  Júpiter 
vai  direito  ;  pcrém  fe  Júpiter  hoje  ,  á  ma- 
nhã ,  c  o  outro  dia  apparecer  fempre  junto 
da  mcfma  Eftrella  ,  dizemos  que  então  eltá 


266        Recreação  Filofqfíca 

eflacionario.  Acontece  porém  muitas  vezes , 
que  depois  de  ter  hoje  apparecido  junto  com 
a  Eftrella  ,  á  manha  apparece  atfaftado  del- 
ia 5  mas  para  o  Poente  ,  e  o  outro  dia  ain- 
<la  mais  aífaftado ;  neíles  cafos  dizemos  que 
Júpiter  anda   retrogrado   ou  para  trás.    To- 
dos  os  Planetas   tem  iílo  :    convém   agora 
faber  ,    de  que   procede   efte  effeito  ;    e  fc 
efta  irregularidade   de  movimentos   he  real, 
ou  fó  apparente.    Havem.os  de  fazer  fepara- 
çáo  entre  es  Planetas  que  chamâo  ivjerio- 
res  5    que  sáo  Mercúrio  e  Vénus  ,   e  os  /w- 
periores  ,    que  sáo  Marte  ,    Júpiter  c  Satur- 
no.   O  que  dilTermos   de  \^enus  ,    também 
quadra  a  Mercúrio  ;    e  o  que  diíTermos  de 
Warte  ,    convém  a  Júpiter   e  Saturno  :    va- 
mos   a   Vénus.    Mas   antes  que   comece   a 
explicar-vos    efte    ponto  ,    quero   ítdvertir- 
vos  que  aqui    náo   fazemos   cafo   do  movi- 
mcmto    commum  cm  24   horas    do  Oriente 
para  o  Occidente  ;    porque  procedo  no  fyf- 
tema  Ne\xtoniano   ,   que  reputa  cíTes  movi- 
mentos  por  apparentes  :    fó  fallo  dos  mo- 
vimentos  próprios   de  cada  Aftro  ,    que  to- 
dos sáo  de  Poente  para  Nafcente.    Ifto  fup- 
pofto  ;  já  fabcis  que  \>nus  anda  á  roda  do 
Sol  perpetuamente   neíle    circulo  ,   que  eu 
aqui  debuxo  ,    para   mais   fácil  intelhgencia 
Fft.  3.      (  Eliamp.  ^.  fig,  -ç.  )•  Ponho  o  Sol  no  meio  , 
fig.  5.      e  á  roda  delic  Vcnus  v  ;    mais  abaixo   faço 
huma  porção    do  circulo  ,    que  defcreve   a 
Terra   no   lyftcma    Copcrnicano  ,    e  lá   em 
íima   faço  efta  linha  curva  N  P  ,   que  fup- 

póe- 


Tarde  trigefima  fegmiãd,     267 

põe  fe  fer  huma  porção  do  Ceo  cfírellado. 
N  quer  dizer  Naícente  ,  P  Poente  ,  por- 
que movendo-le  a  Terra  T  de  «  rara  m, 
parece  aos  Teus  habitadores  ,  que  o  Sol  íc 
move  lá  pelo  Ceo  de  P  para  N  ,  que  he 
o  me  imo  que  de  Poente  para  Naícente. 
Em  quanto  Vénus  vai  de  v  para  e  ,  a  Ter- 
ra náo  pôde  andar  tão  deprelTa  na  Tua  or- 
bita j  e  alHm  ,  fe  primeiramente  lhe  cor- 
rcrpondia  a  R  ,  depois  lhe  correfponde  a 
G  ;  e  efte  movimento  he  retrogrado  ,  por- 
que he  de  Nafcente  para  Poente.  Suppo- 
nham^os  porém  que  Vénus  chegou  a  e  :  co- 
mo ahi  a  orbita  já  fe  inclina  muito  a  ref- 
peito  da  orbita  da  Terra  ,  ha  de  acontecer, 
que  tirando  duas  parallelas  ,  o  efpaço  a  e 
da  orbita  de  Vénus  feja  tanto  maior  que 
o  da  orbita  da  Terra  ,  por  caufa  da  maior 
inclinação  ,  quanto  a  velocidade  de  Vénus 
he  maior  que  a  da  Terra  :  neftes  termos , 
\^enus  ,  olhando-a  da  Terra  ,  fem^pre  corref- 
ponderá  ao  meímo  lugar  fenfível  do  Ceo, 
e  parece-nos  eftacionarid.  Porém  pa fiando 
Vénus  de  a  ,  como  já  a  orbita  inclina  mui- 
to ,  fempre  a  Terra  ,  ainda  que  mais  va- 
garofa  ,  fe  affaíta  miais  da  linha  T  R  do 
que  Vénus  ;  e  já  Vénus ,  que  viíla  da  Ter- 
ra apparecia  em  G  ,  agora  ha  de  corref- 
ponder  alguma  coufa  de  G  para  R  ;  e  con- 
tinuando a  Terra  em  andar  para  m  ,  e  Vé- 
nus já  na  volta  inferior  de  a  para  / ,  e  de 
/para  i  ,  aquém  eftiver  na  Terra  ,  pare- 
cerá que  Vénus  fe  move  de  G  para  R  ,   e 

de 


268         Recreação  Filojofica 

de  R  para  N  ;  e  efte  movimento  fe  cha- 
ma direiro ,  porque  he  de  Poente  para  Naf- 
cente.  Continuando  porém  \'enus  e  a  Ter- 
ra em  andar  ,  chegarão  a  correfponcler  en- 
tre fi  5  como  fe  \^enus  eftiveíTe  em  í  ,  e  a 
Terra  em  T  :  já  então  ,  quando  a  maior 
velocidade  de  Vénus  a  relpcito  da  Terra 
liveíTe  a  melma  proporção  que  o  efpaço 
da  fua  orbita  entre  as  duas  parallelas  a  ref- 
peito  do  elpaço  da  orbita  da  Terra  ,  neíTe 
cafo  Vénus  tornaria  a  parecer  ejlacionaria  j 
e  continuando  de  i  para  V  ,  como  anda 
mais  deprclTa  que  a  Terra  ,  palTaria  por  el- 
la  ,  e  jna  correfpondcndo  no  Ceo  lucceUi- 
vamente  de  N  para  R  ,  que  he  movimento 
retrogrado.  Pelo  que  ,  em  hum  giro  intei- 
ro ,  Vénus  feria  retrograda  de  i  até  c,  de 
e  até  a  eftacionaria  j  de  /?  até  5  ,  e  de  í  até 
/  caminharia  direito  ;  em  i  feria  outra  vez 
eftacionaria  ,  e  dahi  outra  vez  retrograda: 
e  ifto  he  o  que  acontece  na  realidade. 

Eug,  Pelo  que  me  dizeis  a  irregularidade 
deíTe  movimento  he  fó  apparente  ;  porque 
n.i  realidade  Vénus  fempre  anda  na  fua  li- 
nha continuada  de  Poente  para  Nafccnte. 

Sílv.  JVI:.s  por  ilTo  mefmo  que  anda  n  uma 
linha  continuada  ,  íe  quando  anda  além  do 
Sol  fe  move  para  huma  parte  ,  quando  dá 
a  volta  por  cá ,  ha  c'e  mover-fe  para  a  par- 
te oppofta  ,  para  vir  a  completar  o  feu  cir- 
culo :  ifto  he  bem  claro. 

£ug.  Temos  logo  ,  que  quando  \^enus  paf- 
lâ   por  entre  nós   e  o  Sol  ,    vai  retrograda ; 

mas 


Tarde  trigefima  fegunda.     269 

mas  no  principio  c  fim  do  movimento  re- 
trogrado fica  algum  tempo  eítacionaria  , 
e  em  todo  o  mais  tempo  vai  com  movi- 
mento direito. 

Tkod.  IlTo  he  :  e  o  mefmo  fe  diz  de  Mer- 
cúrio á  proporção.  Vamos  agora  aos  Pla- 
netas fuperiores. 

JEug,  Que  são  Marte  ,  Júpiter  e  Saturno  : 
não  he  aíiim  ? 

Theod.  Aílim  he.  Expliquemos  o  movimen- 
to retrogrado  de  Marte  ,  e  fica  explicado  o 
dos  outros  dous.  Façamos  logo  outra  figu- 
ra para  mais  facll  intelligencia  (^Eftamp.  ^,  Eíí.  j,' 
Jig.  6, ).  O  Sol  eílá  no  meio  do  circulo  que  fig.  6. 
deTcreve  a  Terra  T  ,  (já  rcnho  dito  que 
explico  eftes  eíFeicos  no  fyíiema  Coper* 
nicano)  a  Terra  miOve-fe  de  r  para  e  ,  da- 
hi  para  O  ,  para  s  ,  e  para  r  :  Temelhante- 
mente  Marte  na  fiia  orbita  move-le  mais 
de  vagar  ,  mas  também  de  m  para  n  ,  iílo 
he  ,  de  Poente  para  Nalcente  ;  porém  co- 
mo a  Terra  vai  mais  ligeira  do  que  Mar- 
te ,  defde  que  chega  a  r  ,  vai  paliando  poc 
baixo  ,  e  vai-o  como  deixando  atrás  ,  de 
forte  que  olhando  da  Terra  T  ,  fe  Marte 
então  correfpondia  a  R  ,  d'ahi  a  pouco  ha 
de  apparccer  em  ^  ;  e  aqui  temos  movi- 
mento retrogrado  ,  que  he  de  R  para  g , 
ou  de  Nafcente  para  Poenre.  Supponhamos 
agora  que  a  Terra  chega  a  e  ;  como  já  co- 
meça a  fua  linha  a  inclinar  muito  ,  pôde  , 
não  obítante  a  fua  maior  velocidade  a  rjípei- 
10  de  Marte  ,   náo  fahir  das  duas  paruUíílas 


270         Recreação  Filofofica 

que  aqui  fupponho  formadas,  fenão  aomef- 
mo  tempo  que  fahe  Mane  ,  por  ficar  a  li- 
nha ca  Terra  mais  inclinada.  Nefte  íafo 
olhando  da  Terra  parecerá  Marte  no  mef- 
mo  lugar  feníivel  do  Cco  ;  porque  a  diftan- 
cia  das  parallelas  lá  no  Ceo  não  pôde  per- 
ceber-fe  ;  julgará  logo  o  obferv^idor  ,  que 
Marre  eítá  parado  ou  eílacionario.  Mas 
quando  a  Terra  palTar  de  o  ,  como  a  linha 
da  orbira  inclina  muito  pira  bííixo  ,  Marte 
fe  vai  affaítando  da  linha  T  R  muito  mais 
que  a  Terra  ,  e  parecerá  a  quem  dcfde  a 
Terra  olhar  para  elle  ,  que  Marte  fe  move 
de  g  para  R  ,  que  he  o  meímo  que  de 
Poente  para  Nafcente  ,  ou  com  movimen- 
to direito  ;  e  alíim  continuará  em  quanto 
a  Terra  volta  por  s  até  chegar  a  r.  Porém 
ranto  que  a  Terra  ficar  a  refpeito  de  Mar- 
te neíTa  poftura  ,  torna  a  parecer-lhe  efta- 
cionario  pela  mefma  razão  ;  e  de  r  até  e 
outra  vez  retrogrado.  Não  íei  íe  me  expli- 
co baftantem.ente. 
£tig.  Eu  bem  entendo.  Quanto  ao  que  per- 
cebo infiro  d'ahi  ,  que  todas  as  vezes  que 
a  Terra  p?íía  por  entre  o  Sol  ,  e  qualquer 
Planeta  lupcrior  v.  g.  Mane  ,  como  vai 
mais  ligeira  do  que  clles  ,  parece  nos  que 
elles  recuso  para  trás  :  aílim  como  quando 
nós  pelo  rio  vamos  com  a  força  de  velas 
c  remos  mui  ligeiros  ,  todas  as  demais  em- 
barcnçôes  que  váo  mais  vagarofas  ,  ao  paf- 
far  por  cllr.s  nos  parece  que  recuáo  ;  aílim 
a  quem  vai  na  Terra  ao  emparelhar  com 

Majr- 


Târãe  trigefima  fegunda.     271 

Marte  ou  Júpiter  ,  cjue  sáo  mais  ronceiros  , 
lhe  ha  de  parecer  que  eiTes  Planetas  recuáo 
para  trás  ,  com  movimento  retrogrado ;  po- 
rem quando  nós  principiamos  a  voltar  ,  já 
a  noíla  velocidade  ,  ainda  que  feja  abíolu- 
tamente  maior  que  a  lua  ,  como  voltamos , 
faz  que  elles  nos  correfpondáo  de  outra 
foríe  ;  e  no  reítante  da  jornaJa  ,  nós  an- 
dando na  volta  debaixo  para  huma  parte  , 
c  eiies  na  fua  orbita  de  fima  para  a  parte 
contraria  ,  nos  parecerá  que  caminhão  li- 
geiriHimos  com  o  feu  movimento  de  P  pa- 
ra N  ,  ou  de  Poente  para  Nafcente  ,  que 
he  o  direito. 

Tbeod.     Já  vejo  que  perceberes, 

£ug.  Suppoilo  o  que  me  tendes  dito  ,  infi- 
ro que  hum  Planeta  pôde  na  íua  orbita  kt 
muitas  vezes  retrogrado. 

Thcod,  Inferis  bem  ;  porque  todas  as  vezes 
que  a  Terra  paíTa  por  entre  elle  e  o  Sol , 
como  vai  mais  ligeira  ,  já  o  Planeta  lhe 
fica  retrogrado  :  aliim  Júpiter  em  cada  re- 
volução fera  mais  vezes  retrogrado  que 
Marre  ;  e  Saturno  ^ainda  mais  vezes  que 
Júpiter. 

Eug.     Eftou   fatisfeito. 

Theod.  Sendo  aííim ,  bafte  por  hoje;  porque 
o  que  agora  fe  feguia  era  dar-vos  a  caufa 
dos  movimentos  dos  Aftrcs  ,  e  as  leis  que 
infalliveimenie  obferváo  ;  porém  he  muito 
para  hoje  ;  fera  efta  a  matéria  da  confe- 
rencia   feguinte. 

Sily,    Seja  embora  ,  porque  a  cabeça  pouco 

cof- 


272         Recreação  Filojofica 

coftumada   a   eftas   matérias  ,    canfa   fe  as 
conferencias  são  largas.    Vamos  entrcter-nos 
com  o  jogo   o  reftante  da  noite  ,   ^ue  hoje 
náo  citou  para  mais  eíludo, 
ThoL    Vamos. 


TAR- 


Tarde  trigeãma  terceira.     273 


TARDE  XXXIII. 

Da  caufa  fyficíi  do  inovlinento  dos  Af* 

tros;  e  das  Leis  que  perennemente 

obíervão* 

§•  I. 

jDo  fyflema  Newtoniano  em  commim. 

Theod»  Y_nr  Oj^  >  amigos  ,  Havemos  dê 
I  I  diícorrer  mais  conforme  á 
-*-  -^  noíTa  profiísáo  ,  do  que  nos 
dias  precedentes  i  porque  até  aqui  m.ais  nos 
governaváo  os  óculos  dos  Aftronomos  ,  do 
que  a  razão  de  FilofoFo  :  hoje  entra  o  dif- 
curfo  cá  mais  por  noíTa  cafa  >  e  àdmiVareís 
como  pòdc  a  razáo  defcubrir  25  caufas  fyfi- 
cas  ,  ou  principies  dos  movimentos  de  toda 
elTa  maravilhofíi  fabrica.  Sobre  efte  ponto 
tem  haviJo  muitas  opiniões  ,  e  Silvio  po- 
derá fer  que  Te  incline  a  algumas  diverfaâ 
da  que  eu  hei  de  feguir. 

óilv.  Eu  bem  fel  que  foi  opinião  de  Pla- 
tão ,  e  Origenes  ,  e  Ciccro  e  outros  mui- 
tos ,  que  03  Aftros  cráo  animados  ,  e  ti- 
nháo  fua  alma  racional  e  intelligenre  ,  a 
qual  dirigia  c  governava  os  Teus  movimen- 
tos ;  porém  nunca  efta  opinião  me  agra- 
dou. A  que  eu  figo  ,  hc  a  que  fcguem 
Tom.  VI-  S  qua- 


274        Recreação  Filofofica 

quafi  todos  os  Santos  Padres  ;  diz  qCie  oí 
Áftros  sáo  governados  pelas  inulligcncias , 
ifto  he  ,  peios  Anjos  deftinados  por  Dcos 
para  a  fua  conducçáo  :  e  o  fundamento  pa- 
recc-me  concludente.  Porque  os  Ailros  não 
fe  podem  mover  por  íi  mcímos  ,  aliás  di- 
rcmiOS  que  tem  alma  ,  o  que  fe  náo  pôde 
dizer  ;  logo  sáo  movidos  por  outrem.  Ef- 
toutra  caufa  que  os  move  deve  fer  po- 
derofa  ,  e  íábia  ,  e  ifío  fó  convém  ou 
a  Deos  immediatamentc  ,  ou  aos  Teus  Mi- 
niftros  5  que  são  os  Anjos  :  porque  admiitir 
outro  corpo  que  os  mova  ,  hc  ridicularia  ; 
pois  cíTe  corpo  náo  poderia  governallcs 
bem  5  náo  tendo  intclligencia  :  além  dií- 
ío  ,  neceííirava  de  quem  o  moveíTe  a  elle ; 
porque  nenhum  corpo  fc  move  a  fi  mcf- 
mo  ,  com.o  vós  nos  tendes  diio  muitas  ve- 
zes. 
^Theod.  Os  Cartezianos  querem  que  os  Áf- 
tros fejáo  movidos  pelos  Vórtices  de  ma- 
téria cteria  ,  que  continuamente  giráo  á 
roda  do  Sol.  Keplero  ,  homem  pafmofo 
por  algumas  defcubertas  que  fez  no  movi- 
mento dos  Aíhos  ,  náo  foi  rriui  feliz  na 
caufa  do  feu  movimento  :  dizia  que  o  Sol 
lançava  de  fi  certas  efpecies  náo  materiaes , 
que  movidas  á  roda  do  Sol  levava  comíi- 
go  os  Planetas.  Eítas  fentpnças  já  eu  vos 
moftrei  quáo  pouco  ieguidas  deviáo  fer, 
quando  falíamos  dos  Vórtices  de  Dcs-Car- 
tes.  Agora  no  que  toca  á  opinião  dos  An- 
jos j  aílim  como  algum  dia  foi  feguida  dos 

San- 


Tarâe  trigefima  terceira.     275' 

Santos  Padres  ,  aílim  hoje  he  rejeitaca  dos 
Filoíbfos  Chrifláos  ;  porque  acháo  que  na- 
da conduz  para  o  credito  da  fabedcria  do 
Supremo  Arquiteilo  ,  o  neceíiírarem  as  pe- 
ças deita  Ma'^uina  de  quem  as  eíteja  fem- 
pre  movendo.  Q.ie  habilidade  moltraria  hum 
homem  em  bzer  qualquer  maquina  ,  íe  a 
cada  roda  delia  tivelTe  hum  moço  ,  que  a 
moveíTe  continuamente  ?  Os  homen^  tem 
ideado  máquinas  ,  que  imicáo  bem  propria- 
mente os  movimentos  dos  Aítros  ,  e  com 
huma  mola  ,  ou  com  hum  pczo  fe  podem 
rrover  :  e  a  Sabedoria  de  Deos  n^o  faria 
na  realidade  ao  menos  huma  coufa,  que  os 
homens  le  atrevem  a  imitar  \  A  veneração 
devida  aos  Santos  Padres  he  naquellns  cou- 
las  5  em  que  elles  falláráo  como  illumina- 
dos,  bebendo  a  doutrina  das  Eícrituras  Tan- 
tas, ou  Sagrados  Concílios,  ou  da  Tradição 
dos  Maiores  ;  porém  cm  meterias  de  Filo- 
fofia  ,  fó  merecem  a  vcneraçío  que  por  fí 
tem  a  fua  opinião  ,  e  o  fundamento  delia, 
que  he  mui  fraco,  pois  no  íeu  rempo  nem 
inftrumenios  havia ,  nem  obicrvaçócs  a  pro- 
pofiro. 

SWv,     Pois  aonde  ides  vós  dar  comvofco? 

i-^g.  Eu  tambcm  eil:ou  efperando  o  difcur- 
lo  de  Theodofio  3  porque  os  Aftros  não  fe 
inovem  por  fi  meimos ,  nem  por  outro  cor- 
po ,  porque  já  impugnaftes  os  Vórtices ; 
nem  pelos  Anjos :  fó  refta  Deos  3  mas  pelo 
que  fufpeito ,  não  feguircis  iíTo, 

*Xhioà,  Sigo  que  hc  Deos ;  mas  por  hum  mo- 
iS  u  do 


276         Recreação  Filofofica 

do  que  acredita  bem  a  fua  fupremíi  Sabe- 
doria. Ifto  que  digo  vai  como  mera  hy- 
pothefe ,  e  he  explicar  o  bcllo  fyftema  New- 
toniano  ,  que  quanto  a  mim  he  a  couia 
mais  engenhoía  ,  que  fe  tem  dito  em  to- 
da a  Fyiica.  Dai-me  attençáo  ;  c  em  náo 
entendendo  alguma  coufa,  replicai,  para  lo- 
go vo-la  explicar. 
£ug.  Defcançai,  que  cm  quanto  eu  não  re- 
plicar he  fignal  que  tudo  vou  entendendo. 
Thecd.  Supponhamos  que  no  cume  de  hum 
Fft.  V  altiiíimo  monte  Ç  Ejiarnp.  ].  fig.  "". )  íe  col- 
fi^.  "".  locava  hum  canháo  de  artilhcna  horizontal- 
mente i  c  que  deípedia  huma  bala  ;  Te  foííc 
com  mui  pouca  ou  quafi  nenhuma  força, 
logo  a  bala  cahia  á  raiz  do  monte  o  ;  le  a 
força  foíTc  maior,  a  bala  iria  mais  longe  i ', 
e  a  linha  ,  que  defcreveria  ,  náo  fe  encur- 
varia tanto.  Supponhamos  que  nos  tiros 
que  fucccíli vãmente  dava,  cada  vez  hia  fen- 
do maior  a  força  ,  cada  vez  feria  a  linha 
menos  curva.  Ora  fupponhamos  que  a  for- 
ça era  infinita  ;  neífc  cafo  a  bala  iria  por 
linha  recfa  a  e  ,  e  nunca  declinaria  delia 
para  baixo  ,  porque  força  infinita  nunca 
fraquea.  Mas  náo  fendo  efta  força  infini- 
ta ,  alguma  coufa  havia  de  fraquear  ,  e  a 
bala  havia  de  defviar-fe  da  linha  reéfa  ,  e 
bavia  de  defcrcver  huma  curva  :  efta  curva 
o  feria  mais  ou  menos  ,  conforme  a  for- 
ça j  de  forte  que  tanto  menos  abateria  e 
ie  encurvaria  ,  quanto  maior  foffc  a  força 
da  projecção.  Ora  fupponhamos  que  a  força 

era 


Tarde  trigefima  terceira,    277 

era  em  tal  medida ,  que  a  linha ,  que  a  ba- 
la defcrevia,  fe  dcfviava  da  rcda  (ou  Tan- 
gente)  a  e  tanto  ,  quanto  deíb  rcda  ou 
Tangente  le  defvia  a  circular  dcfcrita  á  ro- 
da da  Terra  O,  m  n.  Neíle  calo  (  prefcin- 
dindo  da  refiftencia  do  Ar  ,  que  continua- 
mente iria  refiftindo  á  bala  ,  e  dsbilitando- 
Ihe  a  força)  a  bala  daria  huma  volta  á  ro- 
da da  Terra  ;  porque  le  nâo  fode  o  pezo , 
e  a  gravidade  que  a  faz  iempre  propender 
para  o  centro  da  Terra  ,  iria  por  huma  li- 
nha reófa  a  e  ,  t  fugiria  da  Terra  \  mas 
a  gravidade  que  iempre  a  opprime ,  fempre 
puxa  por  ella  ,  e  a  faz  encurvar  e  voltar 
em  circulo  :  aílim  como  a  guia  na  máo 
do  Picador  tem  máo  no  cavalio  que  anda 
em  roda,  e  ella  he  que  o  faz  ir  dobrando 
fempre  em  giro  a  fua  furiofa  carreira; 
mas  no  ponto,  que  a  guia  eftalalTe  ,  o  ca- 
valio, fendo  o  campo  livre,  feguiria  alinha 
reda,  e  não  voltaria  cm  circulo. 

£w^.  Mas  agora  por  mais  força  com  que 
íe  atire  a  bala  ,  fempre  ella  vem  dar  no 
chão. 

7hcod.  Aííim  he  ;  porque  a  gravidade  pode 
mais  que  a  força  da  projecção.  Nâo  fe 
contenta  com  a  curva  circular  ;  mas  faz 
dobrar  a  bala  muito  mais  pela  linha  a  o: 
afíim  como  quando  o  Picador  náo  fe  con- 
tenta com  fazer  que  o  cavalio  ande  em 
circulo  ,  igualmente  diftantc  delle  em  to- 
cas as  partes ,  o  puxa  com  mais  força  ,  de 
forte  que  o  faz  vir  á  máo.   Mas  para  mim 

baí- 


2-/ o         Recreação  Filofof.ca 

bafta-me  que  vós  entendais  ,  como  podia 
a  força  da  projecção  fer  tanta  ,  que  a  gra- 
vidade ,  ou  pczo  ,  apenas  pudcíTe  encurvar 
a  linha  da  projecçáo  a  s^  até  a  fazer  circu- 
lar como  a  m  n. 

Eu^,     Bem  percebo  como  iíTo  pode  fer. 

Thfod.  Xette  caio  duas  íc^ças  deveis  confi- 
derar  :  huma  que  chamáo  centrífuga  ,  ou 
forçà  para  fugir  da  Terra  c  feu  centro  ,  a 
qual  fe  involve  na  força  da  projecção  ,  a 
outra  força  ,  que  chamáo  centrípeta  ,  ca 
attraci^ão  ;  e  efta  hc  a  força  que  rctem  a  ba- 
la 5  c  prohibe  que  náo  fuja  peia  linha  rcda 
a  e  5  como  ella  queria. 

Eug.  Applicando  elTes  nomes  á  comparação  , 
de  que  uíaftes  ,  a  força  ,  que  faz  o  Picador 
para  confervar  o  cavallo  no  circulo  ,  he  cen- 
trípeta ou  aitracçáo ;  mas  a  torça  ,  que  faz 
o  cavallo  para  íeguir  a  linha  reòla,  chamar- 
Ihe-hemos  força  centrífuga, 

*Iher.d^  Dizeis  bem.  Agora  accrefcento  algu- 
mas propofiçóes  ,  que  pertencem  ás  Leis 
geracs  de  movimento  ,  e  vós  náo  fabeis  j 
porque  qunndo  falíamos  neftas  matérias  era 
muito  no  principio  ,  e  náo  cílavcis  fcnáo 
para  coufas  mui  perccptiveis.  (  Propofiçáo 
primeira)  :  Tidas  as  vezes  que  hum  corpo  fe 
inove  em  circulo  ã  roda  de  outro  ,  nece (faria' 
niente  devem  haver  ejtas  duas  forças  ;  huma 
ceniripeia  ,  que  o  faca  encurvar  a  linha  do 
movimento  (aliás  feguiria  a  linha  rcéia);  ou- 
tra centrifujia  ,  com  a  qual  forceja  o  cor^ 
f>o  porfeguir  a  recta,  e  affafiavfe  do  centro. 

Por- 


Tarde  trlgefnna  terceira,     279- 

Forque  ncceííariamente  todo  o  corpo  ,  que 
fe  move  cm  giro  ,  forceja  por  ir  peia  li- 
nha reòia  ;  e  fe  cfcapa  da  força  que  o  pu- 
xa para  o  centro ,  vai  por  linha  recta  ,  co- 
mo a  pedra  efcapando  da  funda  ,00  ca- 
vallo  quebrando  a  guia.  Aliás  o  corpo ,  fe- 
náo  tivelTe  efta  força  com  que  quer  fugir 
do  centro  ,  obedeceria  á  força  centrípeta  ,  e 
viria  direito  ter  ao  centro,  e  náo  continua- 
ria a  mover-le  cm  circulo. 

'Eug.     IlTo  he  claro. 

Thcod.  Accrefcento  m.ais  outra.  (Propofiçáo 
fegunda):  Mcvendo-fe  hum  ccrpo  cm  circulo 
ã  roda  de  outro ,  7Kce[f.irLimmte  as  duas  for- 
cas centrípeta  e  centrífuga  devem  Jcr  iguaes. 
E  he  manitefto  ;  porque  inao  o  corpo  em 
circulo,  nem  fe  chega,  nem  fe  aítafta  mais 
do  que  eftava  ,  a  refpeito  do  corpo  que  fi- 
ca no  centro.  Ora  fica  bem  claro  ,  que 
fe  a  força  centrífuga  folie  maior  ,  havia  de 
vencer  a  outra  ,  e  o  corpo  fe  affaftaria 
mais  CO  centro  ,  e  f e  a  força  centrípeta  ou 
attracçao  fofie  maior,  também  havia  de  ven- 
cer a  outra,  e  o  corpo  fe  chegaria  mais  pa- 
ra o  centro. 

Eug,     IlTo  era  infallivel. 

Theod.  Suppoftaseftas  Leis,  diz  Newton.  To- 
dos os  Planetas  pezáo  para  o  Sol  ;  aííim 
como  todos  os  corpos  terreftres  pez? o  pa- 
ra a  Terra  :  além  diíTo  ,  Deos  quando  os 
crcou  ,  os  impcllio  por  linhas  reélas  ,  e 
Tangentes ;  porém  a  attracçao  do  Sol  ,  ou 
gravidade   dos  Planetas  para  cUe  he  huma 

CO- 


28o        Recreação  Filofqfica 

como  corda ,  que  os  obriga  a  dobrar  a  car- 
reira ,  náo  confentindo  cjue  fc  affàftem , 
nem  tujáo  delle  pelas  linhas  re(51as  ,  co- 
mo elles  pediáo  pelo  impcto  com  que  ft 
movem  :  e  alíim  cfta  attracçao  os  obri- 
ga a  voltar  em  circulo  a  roda  co  Sol. 
Dcos  ,  que  fabia  quanto  era  o  pezo  de 
cada  Planeta  ,  ou  a  torça  de  inclinação  pa- 
ra o  Sol  5  os  impellio  com  força  propor- 
cionada ao  <eu  pezo  ,  de  force  que  nem  a 
força  centrífuga  venceííe  a  attraccão  ,  nem 
folie  delia  vencida  ,  mas  em  círculos  per- 
pétuos giralTem  a  roda  do  Sol  ;  porque  co- 
mo la  náo  ha  matéria  que  retarde  os  Pla- 
nera> ,  com  a  mcfma  velocidade ,  com  que 
deráo  a  primeira  volta  á  roda  do  Sol, 
continuáo  a  ^irar  fcmpre.  Que  me  dizeis 
a  eíle  penfamcntoí  nâo  he  ao  mcfmo  tem- 
po íimples,  natural  ,  e  fummamente  enge- 
nho íb  ? 
JEug.  Qjcm  pôde  duvidallo  ?  Eu  lembro-mc 
Ja  funda  que  retém  a  pedra  em  giro  ,  for- 
cejando ella  a  ir  pela  linha  reda.  Lembro- 
me  deiTc  cxcmpio  da  Picaria  ,  iuftentando 
o  pica  jOr  com  a  guia  a  fúria  do  cavallo , 
c  obrigando-o  a  voltar  á  roda  delle  •  e  náo 
vejo  porque  náo  polTa  o  pezo  dos  Plane- 
tas para  o  Sol ,  fer  huma  como  corda ,  que 
os  faça  dobrar  a  carreira  i  forcejando  por 
huma  parte  elles  femprc  a  afíaífar-le  do  Sol, 
c  puxando  por  ourra  fempre  o  Sol  por  el- 
les com  a  força  cO  pezo  ou  da  attracçáo, 
obrizandQ-03  a  n^o  dilUr  dclie  mais  do  que 

dií- 


Tarde  trigejtma  terceira,     281 

diftaváo  ,  ou  ,  que  he  o  mefmo  ,  fazendo- 
os  girar  em  redondo. 
Thcod,  Ora  o  que  fe  diz  dos  Planetas  pri- 
mários a  refpeito  do  Sol  ,  fe  diz  dos  Sate- 
lires  ou  Planetas  fecundarios  a  refpeito  dos 
primários  ;  e  o  mcfmo  fe  diz  da  Lua  a  ref- 
peito da  Terra.  Tendes  formado  conceito 
do  fyílema  ?  Vamos  agora  a  ver  as  provas 
delle.  ConfcíTo-vos  ,  que  quando  cu  vi  que 
a  Lua  5  fó  por  eftas  leis  da  gravidade  ,  que 
nós  aqui  conhecemos  na  face  da  Terra  ,  he 
obrigada  a  girar  á  roda  delia  ,  e  que  cxa- 
élillimamente  fe  ajuftavao  ás  leis  de  movi- 
mento 5  e  á  obícrvaçáo ,  pafmci. 

§.  n. 

Provas  da  Gravidade  geral  e  mutua  de 
iodos  os  corpos, 

Silv,  /^  Ra  vamos  a  ver  os  fundamentos 
V-/defra  idéa  ,  que  na  verdade  he  en- 
genhofa. 

Thcod,  Primeiramente  eftabelece  Newton  , 
que  em  todos  os  corpos  ha  huma  geral  e 
mutua  gravidade  ,  a  qual  ,  fe  a  confidera- 
mos  da  parte  do  corpo  que  fe  move  ,  cha- 
ma fe  Pezo  ,  ou  Gravidade  ;  fe  a  coníí déra- 
mos da  parte  do  corpo  para  onde  fe  move, 
chama-fe  Attr^cç^ão  :  feja  ifto  o  que  for  na 
realidade  ,  porque  Newton  por  eíh  pala- 
vra ló  quct  figniíicar  a  eíFeito  j  iíb  he  ,   o 

mo- 


2§i         Recreação  Filofofica 

mover-fc  ou  propender  hum  corpo  para  o 
curro.  Todos  os  corpos  terrcftres  pezáo  pa- 
ra a  Terra  ,  e  huns  pezáo  para  os  oucros 
mutuamente  i  porem  como  na  vizinhança 
da  Terra  nenhum  corpo  ,  por  grande  que 
feja  ,  faz  figura  á  viita  do  globo  da  Ter- 
ra ;  aílim  também  não  pôde  íer  feníivel  a 
força  com  que  hum  corpo  puxa  pelo  ou- 
tro ,  á  vifta  da  força  ,  com  que  puxa  por 
ambos  todo  o  Orbe  Terráqueo  j  porém  he 
mui  fenfivel  o  pezo  da  Lua  para  a  Terra. 
Efte  pezo  prova-fe  mnnifeftamente  pelo 
que  ha  pouco  vos  dilTe  (Propofiçáo  primei- 
ra ).  Todas  as  vezes  que  hum  corpo  fe  mo- 
ve em  giro  á  roda  de  outro  ,  tem  força 
centrípeta  ,  ifto  he  ,  força  que  o  puxa  para 
o  centro  ;  aliás  feguiria  a  linha  reda  ,  que 
he  a  mais  natural  c  fimples :  e  bem  eviden- 
te he  que  hum  corpo  ,  que  íempre  vai  tor- 
cendo o  caminho  para  huma  parte  ,  tem 
caufa  que  o  faz  torcer  ,  e  inclinar  para  eíTa 
parte.  Ora  eíta  caufa  ,  que  faz  á  Lua  fcm- 
pre  torcer  o  caminho  inclinando  para  a  Ter- 
ra ,  e  girando  fcmpre  á  roda  delia  (como 
a  pedra  na  funda  á  roda  da  máo  ,  e  o  câ- 
Vcillo  com  guia  á  roda  do  picador)  eíla  for- 
ça de  inclinação  para  a  Terra  ,  fe  pódc 
chamar  Pezo  ou  Gravidade  :  nem  nós  quan- 
ío  dizemos  que  a  Lua  pcza  para  a  Terra , 
queremos  outra  coufa  ,  fenáo  que  haja  hu- 
ma força  ,  que  fcmpre  a  puxe  para  a  Ter- 
ra. Pelo  mefmo  difcurfo  fe  vê  ,  que  pezáo 
para  Júpiter  os  feus  Satélites  ,   e  os  de  Sa- 

tur- 


Tarde  trigefima  terceira,     203 

turno  para  o  feu  Planeta  ;  alias  não  pode- 
riáo  girar  á  roda  delles  ;  pois  pela  Propoíi- 
çáo  primeira  eftabelecida ,  quando  hum  cor- 
po gira  á  roda  de  outro  ,  íempre  fia  força 
que  o  puxa  para  o  centro  ,  e  faz  voltar 
o  caminho  a  cada  pafío ,  de  outro  modo  fe- 
guiria  com  oimpulfo  o  feu  caminho  direito. 

^ug,     NiíTo  já  eftou  ;  continuai. 

Thcod.  E  como  todos  os  Planetas  girão  á  ro- 
da do  Sol  ,  por  efte  methodo  fe  prova  que 
rodos  tem  força  ,  que  os  puxe  para  elle  ,  e 
os  não  deixe  ícguir  as  linhas  redas  das  fuás 
projecções  :  a  eífa  força  fe  chama  pezo  pa- 
ra o  Sol.  Falta  agora  provar  o  ^ezo  mutuo 
dos  Planetas  huns  para  os  outros  ;  porém 
efte  fó  fe  faz  fenfivel  em  Júpiter  e  Satur- 
no ;  porque  quando  Júpiter  paíTa  o  mais 
perto  de  Saturno  que  lhe  permittem  as  íuas 
orbitas  ,  fe  obferva  que  Saturno  fe  defvia 
hum  pouco,  obedecendo  á  attracçáo  de  Jú- 
piter •,  e  os  Satélites  de  Júpiter  fe  perturbáo 
nas  fuás  orbitas  ,  por  obedecerem  á  attrac- 
çáo íuperior  de  Saturno. 

Eug.  He  admirável  obfcrvação  eíTa  na  ver- 
dade ! 

Theoã.  Convém  agora  faber  as  Leis  defta  gra- 
vidade mutua.  Vós  eftareis  lembrados  de 
que  quando  falíamos  da  Gravidade  eu  vos 
diíTe  5  que  por  mui  diverfos  que  fofíem  os 
pezos  dos  corpos  ,  prefcindindo  da  refiftcn- 
cia  do  Ar  ,  todos  cahiáo  para  a  Terra  com 
igual  velocidade  (  i  ). 

Eug, 
(i)     Tom.  I.  Tarde  I.  §.  VHI. 


2^4        Recreação  Filofofica 

£ug,     Lembro-me. 

Theod.  D'ahi  tiremos  huma  regra  geral. 
(  Propofiçáo  terceira ) :  Para  jul^^ar  da  ve/o- 
cidade  com  que  hum  corpo  cabina  para  hum 
centro  ,  nÁo  fe  deve  attender  Á  quantidade  de 
mater  ia  dejf:  corpo  que  cabe.  Pois  vemos  que 
tanto  o  chumbo  como  a  pluma  ,  como  a 
corriça  ,  tudo  com  igual  velocidade  cahc 
para  a  Terra  (  prefcindindo  da  refiítencia  do 
Ar):  Ficai  bem  nifto, 

Eug.  Concordo  comvofco  ,  porque  me  lem- 
bráo  as  experiências  ,  e  as  razões  que  ncf- 
ía  occafiáo  me  ponderaftes. 

Theod,  Agora  em  eftoutra  Lei  ,  que  vou  a 
dizer  ,  podereis  ter  alguma  dúvida.  Digo 
eu  ,  que  (Propofiçáo  quarta)  conforme  he 
a  maffji  ou  quantidade  de  nxateria  do  corpo 
attríihentc  ,  ou  que  elid  no  centro  ,  ajftm  he 
a  for(^a  com  que  vem  para  cila  o  corpo  attra- 
hido  que  gira  ã  rodi.  V.  g.  hum  corpo  pen- 
durado em  igual  diíbncia  febre  a  Terra  ou 
íobre  a  Lua  ,  com  mais  velocidade  cabi- 
na f»ra  a  Terra  do  que  para  a  Lua.  A 
razão  he  ;  porque  fendo  efta  Lei  da  gravi- 
dade geral  e  mutua  ,  todas  as  partículas  de 
rnateria  attrahcm  e  puxão  por  todas  as  ou- 
tras :  logo  as  partículas  de  matéria  ,  que  ha 
na  Terra  ,  como  são  muitas  mais  do  que 
as  da  Lua  ,  hzem  todas  juntas  huma  força 
de  attracçáo  muito  maior  na  Terra  do  que 
na  Lua  i  e  aílim  puxando  hunra  e  outra 
força  por  hum  corpo  pofto  em  igual  dif- 
tancia  de  ambos  ,   mais  velozmente  ha  de 

cl- 


Tarde  trigefima  terceira,     185' 

clíe  obedecer  á  attracçáo  da  Terra  ,  que  á 
da  Lua.  Ponhamos  algum  exemplo  pratico. 
Huma  magnete  quanto  maior  he  ,  cem  maior 
força  puxa  pelo  ferro  ,  porque  sáo  mais  as 
partículas  attrahcnrcs  ,  c  maior  força  attra- 
(^liva*  Outro  exemplo :  ponhamos  em  duas 
barquinhas  ligeiras  duas  magnetes  defiguacs, 
cm  diífancia  e  poftura  que  mutuamente  íe 
attraiáo  ;  ambas  fe  movem  até  ajuntar-fe; 
mas  a  mais  pequena  fe  move  mais  ligei- 
ra 5  e  obedece  mais  promptamenie  ,  por- 
que a  força  artrahente  da  outra  he  m.aior. 
Logo  (  Propofiçáo  quinta  )  cjlabekcida  ef- 
ta  mutua  attraccão  ou  gravid.idc  entre  dous 
Planetas  ,  fe  es  deixa[fem  livremente  chedc' 
cer  a  ejla  mutua  attraccão  ,  o  mais  pecjueno 
fe  moveria  mais  ligeiro  ;  fendo  tanto  maior 
a  vílocidade  nelle  ,  íjuanto  o  outro  o  vence 
em  majfa  ,  ou  na  forca  attrahente  proporcio' 
nada  a  ma[fa. 

Zug,  Também  concordo  neiía  propofiçáo  fa- 
cilmente ,  e  fe  deduz  dos  princípios  cfta- 
belccidos  y  e  até  Silvio  com  o  leu  ulencio 
as  approva. 

Silv.  Suppoftos  os  princípios  ,  fobre  que 
Theodofio  difcorre  ,  as  propofiçóes  ,  que 
vai  cítabelecendo  ,  sáo  confequencías  neccf- 
farias. 

Theod.  Falta  ainda  outra  Lei  :  e  vrm  a  fer 
(  Propofiçáo  fcxta  )  que  cfta  gravidade  de^ 
crefce  e  diminue  ã  prcporçao  que  crefce  o  qua- 
drado da  diftancia  em  que  ejtã  o  corpo. 

Bug.     Náo  enisndo. 

rkcoL 


2^6        Recreação  Filofofíca 

Tkcod.  Náo  fei  fe  já  vos  expliquei  que  cou- 
fa  era  número  quadrado.  Número  quadra- 
do he  o  produvRo  de  qualquer  número  mul- 
tiplicado por  11  mefmo.  V.  g.  4  Ke  quadra- 
do ,  porque  he  o  proiudio  de  i  multipli- 
cado por  2  :  remelhancemiente  9  he  numero 
quadrado  ;  porque  3  mukiplicado  por  íi 
mefmo  ,  dá  9.  O  número ,  que  le  multipli- 
ca 5  chama-fe  raiz  quadrada  ;  e  o  produdo 
he  número  quadrado.  Para  ver  fe  me  en- 
tendeis ,  aílignai-mc  alguns  números  qua- 
drados. 

Eug,  Creio  que  todos  cftes  são  quadrados 
4,  95   ^<^5  255  ^^5  49?  ^4,  81  ,  ICO. 

Theod.  Acertaftes  ,  porque  z  multiplicado 
per  fi  ,  dá  4  ;  ^  multiplicado  por  fi ,  àà  (^ -y 
4  multiplicado  por  íi,  dá  i6j  5  mukiplica- 
do por  íi  5  dá  25,  &c.  Ora  já  que  tocámos 
nifto  ,  digamos  logo  agora  ,  o  que  d'aqui 
a  pouco  fera  precifo.  ]á  fabcis  que  número 
quadrado  he  o  produdo  de  hum  número 
multiplicado  por  fi  mefmo  :  e  fabcis  vós 
que  quer  dizer  número  cubico  í 

Eug.     Náo. 

Theod.  Número  cubico  he  o  produflo  do  nú- 
mero quadrado  multiplicado  pela  fua  raiz: 
V.  g.  9  he  número  quadrado  ,  a  fua  raiz 
he  ^  ;  multiplicai  9  por  ^  ,  e  fica  número 
cubico. 

Eug.  Por  clTc  m.odo  27  he  número  cubico , 
porque  -";  vezes  9  dá  27. 

Theod.  Aflim  he.  Portanto  em  vós  querendo 
fazer  hum  número  cubico,  nâo  tendes  mais 


Tarde  trigenvia  terceira,     287 

que  pc^ar  em  qualquer  número  v.  g.  2  ,  e 
multiplicalio  por  fi  mefmo  ,  fica  4 ,  que  hc 
número  quadrado  :  tornai  a  mAikipIicar  elTe 
4  ou  número  quadrado  pelo  primeiro  nú- 
mero 2  ,  a  qne  chamamos  raiz  ,  e  fica  8  , 
porque  4  por  2  dá  8. 

Eug,  Por  cíTas  contas  o  número  cubico  for- 
mado da  raiz  2  he  8  ,  como  dizeis  ;  o  nú- 
mero cubico  formado  da  raiz  7^  ^  he  27; 
porque  :;  por  ^  sáo  9  ,  e  9  por  7^  são  27 ; 
o  número  cubico  de  4  sáo  64  ;  porque  4 
por  4  sáo  1(3  ,  e  16  outra  vez  multiplica- 
do por  4  5  sáo  64.  Já  vejo  que  os  núrheros 
cúbicos  crcfcem  muito  depreíla. 

Theod,  AiVim  he  j  e  como  entendeis  iílb ,  fá- 
cil vos  fica  o  entender  o  que  vou  a  dizer- 
vos.  Hum  corpo  pofto  fobre  a  Terra  em 
diverías  alturas  ,  nem  fempre  tem  o  mef- 
mo pezo  5  ou  força  para  vir  para  a  Terra. 
Junto  dcUa  ,  a  força  he  maior  ,  mas  lá  em 
grande  diftancía  efta  força  he  menor  ;  e  fe 
quizerdes  íaber  ao  juífo  quanto  he  menor 
efta  força  lá  em  fima  ,  reduzi  cfTas  diftan- 
cias  a  número  de  braças  ,  ou  léguas  ,  e 
fazei  de  cada  huma  o  fcu  número  quadra- 
do ;  e  a  diíTerença  dos  dous  números  vos 
fará  conhecer  a  differença  da  gravidade  nef- 
fas  diftancias.  Ponhamos  hum  exemplo  : 
Hum  globo  de  qualquer  matéria  pofto  na 
vizinhança  da  Terra  ,  difta  do  centro  delia 
hum  femidiametro  ;  e  largado  livremente, 
correria  cm  hum  minuto  fegun.^o  15  pés 
e  meio  ;  fe  o  levantarmos  ao  alto ,  de  forte 


288         Recreação  Filofofica 

que  diftc  do  centro  da  Terra  dous  femidía* 
metros,  já  a  Tua  gravidade  diminue  a  cjuar- 
ta  parte,  e  no  mefmo  tempo  cahiria  a  quer- 
ia parte  do  efpaço. 

Eu^.     E  porque  ? 

Theod.  Eu  vos  ajufto  a  conta  :  efíe  corpo 
pofto  na  vizinhança  da  Terra  d  fta  l'o  cen- 
tro delia  hum  femidiamctro  ;  e  levantado  á 
outra  altura,  diíta  dous  íemidiamctros  :  ora 
façamos  os  quadrados  delTes  dous  núm.eros 
I  ,  e  2.  O  quadrado  de  i  fempre  he  i  ; 
porque  i  muItiph"cado  por  i  ,  nunca  pâíTa 
de  I  ;  o  quadrado  òe  z  he  4  :  logo  as 
gravidades  daquelle  corpo  nas  diverías  al- 
turas sáo  como  I  c  4  ,  ifto  he  ,  lá  em  fi- 
ma  hc  quatro  vezes  menor  ;  e  íe  diftar  do 
centro  da  Terra  ^  femidiairicrros  ,  a  gravi- 
dade ahi  ha  de  fer  9  vezes  menor  ,  porque 
o  quadrado  de  ]  he  9. 

JEug,     Já  entendo. 

Theod.  Supponhamos  ?,gora  que  fe  levanta- 
va o  corpo  tão  alto  como  eftá  a  Lua  ,  c 
que  diftava  do  centro  da  Terra  60  femi- 
diametros  ,  a  gravidade  então  feria  ^.  6co 
vezes  rrenor  do  que  na  vizinhança  da  Ter- 
ra j  porque  o  quadrado  de  Co  sáo  ],Cco: 
e  por  confcguintc  o  efpaço  ,  que  corre- 
ria cahindo  num  minuto  ,  feria  ^.(Tco  ve- 
zes menor  do  que  cá  na  vizinhança  da 
Terra.  V.  g.  cá  na  vizinhança  da  Terra 
hum  corpo  cahindo  livremente  (  ícm  at- 
tendcr  á  rcfiftcncia  do  meio  )  n  um  mi- 
nuto   inteiro  ,    por    caufa    da    acceleraçáo 

cor- 


Tarde  trige Tinia  terceira,     289 

(l)  correria  54. coo  pés  (defprézo  alguns 
quebrados  para  fazer  a  conca  mais  perce- 
ptível). Ora  eíte  meímo  corpo  levantado 
á  altura  de  60  iemidiameiros  correria  num 
minuto  inte.ro  hum  efpaço  3,6'co  vezes  me- 
nor ,  que  vem  a  fer  15  pés  ;  táo  fraca  he 
nelTa  altura  a  gravidade  para  a  Terra.  Per- 
cebeis iífoí 

E\tg.  Percebo  ;  c  já  vejo  como  a  graviíLide 
diminuc  ã  propondo  que  cref.c  o  quadr..do 
ácL  dijlanci.í  do  co'po  a  rcfpJiO  do  ceturo  da^ 
quclíe ,  para  qusm  inclina  e  peza. 

Thcod.     Entendida  a  lei  ,  falta  provar  que  na 

realidade  he  aííim  como  cu  tenho  dito.    El- 

la    póde-fe   provar    geometricamente   (  2  )  ; 

mas  como  vós  náo  entendereis   efta  prova , 

Tom.  VI.  T  fera 

(  I  )  Suppofta  a  lei  conftantemente  obfer- 
vada  e  demonftrada  ,  da  acceieração  dos  Gra- 
ves ,  quando  cahem  feguindo  a  razão  dos  nu- 
meros  i  ,  j  ,  J  ,  &c.  no  fim  de  qualquer  tem- 
po ,  os  efpaços  corridos  pelos  graves  cahindo  , 
sáo  como  os  quadrados  dos  tempos  ;  o  quadra- 
do de  óo  fegundos  he  j.  600  ;  e  multiplicado 
pelos  15  pés  e  -5  ,  que  o  corpo  correo  r.o  pri- 
meiro fegundo,  são  jj.Sccpés.  I\las  para  faci- 
litar o  calculo  ,  delpreza-fe  o  meio  pé  ,  e  fa- 
zendo fó  conta  dos  i  $  ,  que  correo  o  grave 
no  primeiro  fegundo  ,  em  todo  o  minuto  cor- 
rerá os  54. 000  pés. 

(  2 )  Todo  o  corpo  ,  que  dififunde  a  Tua 
acção  ou  virtude  até  alguma  diQancia  ,  a  dif- 
funde  em  redondo  :  fendo  o  efpaço  c^uq  occu- 
pa  eíla  virtude ,  huma  como  esfera  ,  cujo  cen- 


1^0        Recreação  Filofofica 

fera  a  da  experiência.  ]á  fica  eftabeiccido , 
que  toda  a  vez  que  hum  corpo  gira  á  roda 
do  outro  ,  tem  alguma  força  que  o  puxa 
para  elle  j  aliás  náo  iria  fempre  torcendo  o 
leu  caminho  ,  antes  marcharia  direito  para 
diante  :  e  como  os  Satélites  de  Júpiter  gi- 
ráo  á  roda  delle  ,  náo  podeis  negar  ,  que 
pezáo  para  elle.  Mas  nem  todos  pezáo  igual- 
mente ;  porque  nem  todos  lem  a  mefma 
diftancia  de  Júpiter  :  examinando  pois  eftas 

gra- 


tro  he  o  corpo  :  quando  he  inaior  a  diílancia  , 
a  que  fe  eficnde  a  virtude  (ou  feja  de  cheiro, 
ou  de  calor  ,  ou  de  attracção  ,  ou  qualquer  ou* 
tra  )  também  eda  esfcrj  daadividade  he  maior. 
Ora  he  certo  ,  que  quanto  maior  for  o  efpaço  , 
peio  qual  fe  efpaihão  a?  partículas  ou  raios 
que  obráo  ,  menor  ha  de  fer  a  virtude  deíía 
acção  :  e  como  oç  raios  fe  efpaihão  por  toda 
a  luperficie  da  esfera  da  adividade  ;  quanto 
maior  for  efla  fuperficie  ,  mais  diminuta  ha  de 
fer  a  virtude  defla  acção.  Logo  fendo  certo 
pela  Geometria  ,  que  crefcem  as  fuperficies 
das  esferas  na  razão  duplicada  dos  raios  ,  ou 
dirtancias  do  centro  ,  que  he  o  mefmo  que  na 
razão  dos  quadrados  defía  diftancia  ;  fcgue-fe 
que  neíTa  mefma  razão  dos  quadrados  das  dif» 
tancias  diminue  a  virtude  do  corpo  ,  que  eílá 
obrando  ,  ou  a  forca  da  fua  acção  ;  e  aíTun 
tanto  a  luz  ,  como  o  calor  ,  como  o  cheiro, 
e  também  a  attracção  ,  tudo  deve  diminuir  á 
proporção  que  crefcem  os  quadrados  das  diftan* 
cias  ,  que  he  o  mefmo  que  diminuir  na  razão 
inverfa  deftes  quadrados. 


Ta7*de  trigeíima  terceira,     291 

gravidadcs  ,  e  confcrindo-as  entre  fi  ,  acha-* 
mos  que  diminuem  á  proporção  que  cref- 
cem  os  quadrados  das  diftancias.  O  mefmo 
fc  obíerva  conftantemence  nos  Satélites  de 
Saturno.  Ora  conferindo  também  entre  íi 
as  forças  ,  com  que  cada  hum  dos  Planetas 
peza  para  o  Sol  ,  achamos  que  também 
diminuem-  nefta  proporção.  Ultimamente 
comparamos  o  pezo  da  Lua  para  a  Terra 
com  o  pezo  do^  corpos  terrcftres  para  a 
mefma  Terra  ,  e  achamos  que  fe  obfcrva 
a  mefma  lei.  O  calo  ,  que  ha  pouco  eu 
fuppuz  ,  de  hum  corpo  que  levantaíTemos 
até  á  altura  da  Lua  ,  que  havia  de  cahif 
num  minuto  inteiro  fó  i s  P^s  para  a  Ter- 
ra 5  não  he  cafo  fingido  ,  he  verdadeiro  , 
porque  tanto  cahe  a  Lua  para  a  Terra  em 
cada  minuto. 

Silv.    Como  he  iíío  !    pois  a  Lua  cahe  para 
nós  ? 

Theod.  Nâo  vos  aíTuílcis  ,  que  vos  náo  ha 
de  cahir  fobre  a  cabeç.\  Vós  já  náo  podeis 
negar  que  a  Lua  peza  para  a  Terra  ;  por-- 
que  fe  ella  gira  á  roda  da  Terra  ,  cem  , 
conforme  o  concedido  ( Propofiçáo  primei- 
ra )  huma  força  que  a  puxa  para  a  Terra  , 
e  que  faz  que  fempre  vá  torcendo  o  cami- 
nho inclinando  para  a  parte  da  Terra  ,  co- 
mo o  cavallo  inclina  para  o  Picador.  Fal- 
ta agora  examinar  quanto  peza.  Mas  o  rro- 
do  com  que  fe  examina  quanto  hum  cor- 
po ,  quando  fe  revolve  cm  giro  á  roda  do 
outro  ,  cahe  ou  peza  para  clle  cm  dctermi^ 
T  ii  na- 


292        Recreação  Filofofíca 

nado  tempo  ,  he  efte.  Façamos  hum  defe- 
Efí.  j.  nho  ligeiro  (  Efiamp.  5.  fy.  8.)  para  me 
fig.  S.  cnrenJcrdes  melhor.  Aqui  fupponho  a  Ter- 
ra em  T  ,  e  a  Lua  em  0.  Se  a  Lua  náo  ti- 
veíTe  cm  o  outro  impulfo  a  que  obedecer, 
fcnáo  o  da  Tua  projecção  ,  ou  da  força  do 
movimento  concebido  ,  iria  pela  linha  o  n  , 
e  fugiria  da  Terra  ;  do  mefmo  modo  ,  fe 
pofta  em  o  ,  náo  tiveíTe  outro  impulfo 
mais  que  o  da  gravidade  para  a  Terra , 
cahiria  direita  para  baixo  pela  linha  o  m 
T  ;  mas  como  a  hum  tempo  fe  acha  com 
eftas  duas  determinações  de  movimento  , 
huma  do  impero  concebido  ,  que  a  impelle 
pela  linha  o  rt  ,  outra  da  gravidade  ,  que 
a  puxa  pela  linha  o  m  ^  ha  de  obedecer  a 
ambps  as  acções  ,  c  move-fe  pela  diago- 
nal o  a. 
£ug.  Tudo  ifTo  he  conforme  ao  que  algum 
dia  me  enfinaftes  fobre  a  compoíiçáo  do 
movimento. 
Thcod.  Defle  modo  tenho  eu  a  linha  que 
dekreve  a  Lua  á  roda  da  Terra  ;  c  fei  a 
proporção  que  tem  a  força  com  que  pcza 
para  a  Terra  ,  que  corrcfponde  á  linha  o 
fu  ,  a  refpeito  da  força  da  projecçáo  ,  que 
corre fponde  á  linha  O  n.  Além  diílb  fa- 
bendo  cu  qual  he  o  arco  ,  que  h.2  a  Lua  no 
efpaço  de  hum  minuto  ,  poíTo  confidcrar 
elTe  arco  como  huma  linha  leÓâ  ;  no  que. 
náo  ha  erro  fenfivcl  ,  fendo  a  porção  mui 
pequena  ;  c  fuppondo  que  he  diaconal  de 
hum  parallelogramo  rccio  ,   conheço  quaes 

sáo 


Tarde  trigefima  terceira,     293 

sáo  os  lados.  No  lado  ,  que  coincide  com 
a  linha  o  n  r  ^  conheço  quanto  fe  moveo 
por  força  do  impulío  da  projecção  ,  duran- 
do elTe  minuto  ,  e  no  lado  que  he  perpen- 
dicular á  Terra  ,  conheço  quanto  i"c  moveo 
por  força  da  gravidade  ,  e  o  efpdço  que 
ncíTe  tempo  cahio  ,  ou  inchnou  a  Lua  para 
a  Terra.  Dividindo  pois  a  orbita  da  Lua 
em  dias  ,  e  horas  ,  e  minutos,  acha-fc  que 
em  cada  minuto  cahe  a  Lua  para  a  Terra 
15  pés  e  meio,  que  he  o  mcimo  que  cahi- 
ria  hum  corpo  nas  vizinhanças  da  Terra  , 
"  fó  em  hum  minuto  fegundo  :  e  deite  mo- 
do vem  a  ler  a  gravidade  da  Lua  nelTa  dif- 
tancia  ^.é^co  vezes  menor  do  que  a  dos  cor- 
pos que  eftáo  vizinhos  á  Terra  ;  que  he 
juftamcnte  a  diminuição  conforme  crcfce  o 
quadrado  da  diftancia  da  Lua  ,  a  rcrpeito 
da  dos  corpos  vizinhos  á  Terra.  Que  me 
dizeis  a  ifto  ,  Silvio  ? 

Silv.  De  mathematicas  não  entendo  nada  ; 
mas  vós  armais  elTas  contas  de  modo  ,  que 
me  parece  que  tendes  razão. 

Tbeod,  Eítas  coiitas  quando  apparecem  tão 
juíèas,  que  o  mefmo ,  que  dava  o  calculo  cá 
pela  eipeculaçáo  ,  he  juíliílimamente  o  que 
achamos  na  praxe  do  movimento  da  Lua  , 
digo-vos  na  verdade  que  fazem  ficar  hum 
homem  fufpenib.  Qje  dizeis,  Eugénio? 

Eug.  Tudo  tenho  entendido  j  fó  não  me  ac- 
ccmmodo  muito  com  dizer  que  a  Lua  c^- 
he  para  nós  os  15  pés  e  meio,  ficando  eila 
tão  longe  como  eftava  de  ames. 

Jheod, 


2  94        Recreação  Filofofica 

Theod,  Náo  vos  embaraceis  no  modo  de  fal- 
lar.  Vós  percebeis  como  n'um  minuto  cor- 
re a  Lua  a  diagonal  do  parallelogramo  , 
que  vos  moftrei  ;  e  náo  pôde  correr  eíta 
diagonal  íem  abaixar  da  linha  o  n  para  bai- 
xo canto  ,  quanto  vale  o  }n ,  ou  n  a  i  pof- 
to  que  a  Lua  náo  fique  mais  perto  da  Ter- 
ra 5  porque  a  força  ccntrituga  o  náo  con- 
fente.  Portanto  a  força  da  gravidade  da 
Lua  mede-fe  na  linha  o  m  ;  porque  fe  náo 
houvelle  eíla  graviJade  ,  a  Lua  iria  direita 
por  o  n  :  logo  a  gravidade  he  quem  a  pu- 
xou para  baixo  ,  e  fez  encurvar  ,  e  como 
delviou  a  Lua  do  caminho  ,  que  ella  que- 
ria feguir  ,  tanto  quanro  vale  o  efpaço  de 
cm,  o'ã  n  a  ,  por  iíTo  ahi  íe  mede  a  ac- 
ção da  gravidade.  De  forte  ,  que  a  gravi- 
dade fempre  p-uxa  a  Lua  para  a  Terra  ,  c 
pertende  fazella  chegar  mais  para  ella  o 
valor  da  linha  o  m  ;  porém  iíto  coníeguiria 
a  gravidade  ,  fe  fe  achaíTe  fó  fem  contra- 
rio ;  mas  achou-fe  com  força  centrífuga 
igual  ;  porque  fe  a  Lua  por  caufa  do  mo- 
vimento concebido  folTe  pela  linha  reCla  O 
Tl  ,  no  fim  do  minuto  já  dií^ava  mais  da 
Terra  do  que  diftava  antes  ,  o  valor  da  li- 
nha a  n  j  igual  a  o  m.  Neíles  termos  con- 
tendem as  duas  forças  iguaes  entre  fi  ,  e  o 
mais  ,  que  pôde  fazer  a  gravidade  ,  hc  que 
a  Lua  náo  fe  affafle  mais  da  Terra  do  que 
efhava  ;  c  a  força  ccntrifuga  o  qnc  pode 
con feguir  ,  foi  que  a  Lua  náo  fe  chegaffc 
m:'i3  pira  a  Terra  do  que  çílava  j   porém 

na 


Tarde  trigeftma  terceira,     295' 

na  linha  o  m  vemos  quanto  a  Lua  fe  que- 
ria chegar  •  e  na  linha  n  a  vemos  quanto 
elia  queria  fugir.  Eis-aqui  o  que  luccede  na 
realidade  ;  e  bem  vedes  o  que  queremos 
dizer,  quando  dizemos  que  a  Lua  cahio  nef- 
fe  lempo  pela  linha  o  m  ,  pois  he  o  que 
abateo  da  linha  o  n  para  baixo.  ^ 

Eug,    Agora  emendo  bem. 

Thecd.  Suppofto  ifto,  por  cfte  mefmo  modo 
fe  conhece  a  força  da  gravidade  de  qual- 
quer Planeta  para  o  Sol  ,  e  de  qualquer 
Satélite  para  o  feu  Planeta.  Primeiro  ••  por- 
que  conhecida  a  linha  circular  ,  e  o  tempo 
em  que  a  defcreveni  ,  logo  fe  conhece  a 
força  que  obriga  a  elTes  Planetas  a  deixar 
a  linha  reéla  ,  e  voltar  em  giro  ;  e  efta  for- 
ça he  a  da  Gravidade. 

Silv.  Em  todos  elles  he  a  mefma  razão,  que 
tendes  dado  para  a  Lua.  Pergunto  agora , 
fe  fe  obfcrva  nelles  conftantemente  eíía  di- 
minuição da  Gravidade  ,  á  proporção  que 
crcfce  a  diftancia  ? 

Thecd.  A'  proporção  que  crefce  a  diftancia, 
não  ;  mas  á  proporção  que  crefce  o  qua- 
drado das  diftancias  ,  iíTo  fim.  Ponhamos 
exemplo  nos  Satélites  de  Júpiter  :  tomào- 
fe  as  diftancias  de  todos  quatro  ;  fazemos 
os  números  quadrados  de  cada  diftancia  ,  e 
obferva-fe  fielmente  ,  que  neíTa  proporção 
fe  diminue  a  gravidade  ,  e  o  feu  eífeito , 
que  por  i(To  ,  quanto  m.ais  longe  eftáo  de 
]upiter  ,  mais  de  vasar  andão  ;  porque  em 
cada  minuto  cahem  menos ,  ou  torcem  me- 
nos 


ip6        Recreação  Filofofica 

nos  o  caminho  inclinando  para  Júpiter  ;  c 
torcendo  menos  o  caminho ,  he  precifo  mais 
tempo  c  efpaço  ,  para  fecharem  o  circulo  ^ 
c  voltarem  ao  principio.  O  mefmo  fucce- 
de  em  Saturno  ,  e  o  micfmo  em  iodos  os 
Planetas  a  reípeito  do  Sol.  Donde  le  tira 
huma  pjova  convincente  da  re^ra  que  vos 
dei  :  que  nos  Planetas  a  gravidade  diminue 
na  v:efnia  propnrcao ,  em  que  crejce  o  quãdrOr' 
do  das  fuás  dijúmia'.  \'amos  agora  expli- 
car os  eífeitds  defta  Gravidade  geral. 

§.  III. 

Dos  fwvimentos  dos  Aftros  em  Elifes. 

! 

Sih.  "17  Os  eftais  examinando  os  movi- 
V  men:os  dos  Planetas  ,  como  po- 
deríeis n  uma  maquina  de  bronze  examinar 
o«  rr.ovimentos  das  rodas. 

Tkeod.  Vereis  que  náo  dou  hum  único  paf- 
ío ,  fenáo  encoftado  de  huma  parte  nas  leis 
de  movimento  ,  que  a  experiência  ,  e  a  ra- 
zão tem  dcmonftrado  ;  e  da  outra  nas  ob- 
fervaçóes  conftantcs  dos  Aftros.  Tenho  íup- 
pofto  aié  aqui  ,  que  os  Planetas  fe  m.ovcm 
em  círculos  á  roda  do  Sol  ,  porque  me 
foi  aílim  precifo  para  a  mais  fácil  explica- 
ção ,  porem  na  realidcde  os  Planetas  náo 
íe  movem  cm  circules  ,  mas  em  elifes  , 
que  quaíi  parecem  circules.  Como  porém 
cUas  coufas  fe  devem  levar  em  todo  o  ri- 
gor > 


Tarde  trigefima  terceira,     z()j 

gor  ,  e  por  outra  parte  os  Cometas  náo  ef- 
táo  ifcnros  defta  geral  lei  da  Gravidade, 
e  devemos  rambem  dar  caufa  fyfica  do 
ícu  movimento  em  elifes  ,  convém  appli- 
car  ás  elifes  a  doutrina  dada  para  os  cír- 
culos ,  e  apontar  as  diíiérenças.  Já  vos  dilTc 
como  íe  formava  a  elifc  ,  e  que  tinha  dous 
focos:  o  corpo  attrahente,  v.  g.  o  Sol,  fem- 
pre  eftá  n'iim  foco  deíTas  elifes  ;  de  for- 
te ,  que  tanto  os  Planetas  ,  como  ainda 
os  Cometas  fe  revolvem  á  roda  do  Sol  i 
c  de  modo  fe  háo  de  mover ,  que ,  acabada 
a  orbita  que  defcrevem  ,  ha  de  ficar  o  Sol 
num  foco  delTas  elifes  :  e  de  fadlo  aílím 
fuccede. 

Eiig.  Niíío  náo  tenho  eu  diWida  ;  mas  ef- 
rá-me  fazendo  bulha  na  cabeça  ,  como  pô- 
de o  Sol  com  a  attracçáo  ,  ora  deixar  que 
o  Planeta  fe  affafte  mais,  ora  attrahillo  para 
mais  perto.  No  circulo  percebo  eu  bem 
como  a  attracçáo  prende,  c  iubjuga  o  Pla- 
neta de  forte  ,  que  náo  o  deixa  fugir  nem 
hum  fó  palio. 

Theod.  Eu  vos  explico  iíTo  pelo  modo  que 
me  parece  mais  fácil.  Mas  primeiro  have- 
m.os  de  fuppor  certas  propofiçóes  ,  que  fe 
demonílráo  na  Mecânica  acerca  dos  cor- 
pos que  fe  movem  huns  á  roda  de  outros , 
as  quaes  sáo  precifas  para  o  caio  prefen- 
re.  já  dilTemos  que  rodo  o  corpo  ,  que  gi- 
ra á  roda  de  outro  ,  tem  força  centrífuga, 
jíb  he  ,  que  forceja  a  ir  peia  tangente  ,  e 
fu^ir  do  centro  (Propofiçáo  primeira  ^\ 

£ug. 


29 S         Recreação  Filojofica 

Fug.     Que  quer  dizer  Tangente  ? 

Theod.  He  huma  linha  recia  ,  que  toca  no 
circulo  pela  parce  de  fora  ,  fazendo  com  o 
raio  angulo  reclo. 

£ug.     Já  entendo. 

7heod.  Accrcfcento  a^ora  (Propofiçáo  fetima) 
que  ejia  fon^a  centrífuga  cr  efe  e  ,  (juando 
crefce  a  velocidade  do  corpo  que  fe  move.  De 
force  ,  que  indo  pelo  mefmo  circulo  ,  fc 
o  corpo  vai  de  vagar  ,  tem  pequena  força 
centrífuga  ;  fe  vai  deprclTa  ,  tem  muito 
maior  força  ,  e  he  precifo  que  a  caufa 
que  o  puxa  para  o  centro  ,  tenha  maior 
força  para  o  reter  no  circulo  ,  aliás  lhe 
fugirá  para  fora ,  affaftando-íe  mais  do  cen- 
tro do  que  eftava. 

Eug.  Bem  como  quando  o  cavallo  anda  á 
guia,  fe  vai  de  vagar,  facilmente  fe  fuftenta 
a  corda ;  mns  fe  galopea ,  hc  necefTario  pu- 
xar com  ambas  as  máos  para  o  fazer  girat 
cm  circulo. 

Thcod.  (Propofiçáo  oitava):  EJle  augmento 
de  forct  centrífuga  ,  fuppojlt  a  mefmo,  dífian- 
ci.tn  mede-fe  pelo  quadrado  da  velocidade  (i); 
de  ibrte  ,  que  ,  fe  a  velocidade  he  3  ve- 
zes maior  ,  a  força  centrífuga  crefce  nove 

ve- 

(  I  )  EHa  regre  coílumao  dalla  por  outros 
termos  ,  dizendo  que  ,  porta  a  mefma  diflan- 
c!a  ,  crefce  a  força  centrifuga  na  razão  inver- 
fa  dos  quadrados  dos  tempos  periódicos.  Eu 
acho  mais  perceptivel  dizer  ,  que  crefce  coino 
o  quadrado  da  velocidade  ,  a  qual  fempre  anda 
na  razão  inverfa  do  tempo  periódico. 


Tarde  trigefima  terceira,     299 

vfzes.  Também  aqui  ha  outra  regra  ,  que 
(Prcpofiçáo  nona)  fuppcndo  determinada 
velocidade  no  corpo  que  fe  move ,  quanto  mais 
pequeno  he  o  circulo  e  difiancia ,  maior  he  a 
forca  cenuifuga  (  i  ).  A  râzáo  he  ^  porque 
quanto  mais  pequeno  he  o  circulo  ,  mais 
he  preciío  quebrar  ,  e  entortar  a  linha  de 

mo- 

(  1  )  Erta  regra  ainda  que  pareça  contraria 
i  commua  ,  que  diz  que  ai  forçai  centrifu^as 
crcfcem  na  razão  da  diftanclu  ,  na  verdade  o  não 
l;e  ;  porque  quando  fe  diz  que  a  força  centrí- 
fuga crefce  na  razão  da  di(íancÍ3  ,  fuppõe-fe  o 
jnefmo  tempo  periódico  ;  mas  na  regra  aíTima 
dada  fupponho  não  o  mefino  tempo  ,  mas  a 
mefma  velocidade ;  e  polia  determinada  veloci- 
dade,  quanto  menor  he  o  circulo,  menor  he  o 
tempo  periódico  :  e  então  he  maior  a  força 
centrífuga.  Digo  pois  que  ,  pcflã  a  me/ma  velo' 
Cidade ,  erejce  a  força  centrífuga  na  razão  inverfa 
dof  diâmetros  ,  ou  dijiancias '.  não  fó  porque  aíílm 
o  moílra  a  experiência  confiante  nas  máquinas 
das  forças  centraes  ,  mas  porque  aííitn  fe  de- 
monflra  (^Eflamp.  4^  fíg.  !.)•  PoRos  dons  cir-  Eíl.  4. 
culos  com  huma  tangente  commua  R  /  ,  fazen-  fig.  l. 
do  o  corpo  em  R  força  para  feguir  a  linha  re- 
da,  maior  força  he  precifa  no  centro  a,  para 
o  fazer  curvar  de  :  ate  m  .  do  que  no  corpo  a 
para  o  fazer  curvar  de  t  até  n;  e  quanto  menor 
for  o  circulo ,  maior  he  a  feparação  da  tangen* 
te  ,  e  maior  deve  ler  a  força  da  attracção  ,  pa- 
ra obrigar  o  movei  a  andar  neíTe  circulo:  logo 
maior  he  também  então  a  força  centrífuga : 
porque,  movendo-fe  o  corpo  em  circulo,  lem* 
pre  são  iguaes  ellas  duas  forcas. 


300        Recreação  Filofofica 

movimento  ,  em  ordem  a  accommodalla  a 
ellc  ;  e  por  confeguince  maior  he  a  força 
centrífuga,  Tempre  igual  á  força  attrahente , 
que  obriga  o  corpo  a  mover-fc  em  circulo; 
pois  como  já  vos  diíTe  (  Propofição  fcgun- 
da )  lempre  eftas  duas  forças  fe  equilibráo 
quando  hum  corpo  fe  move  em  circulo. 
Suppoítas  eftas  leis  ,  vamos  a  ver  como 
hum  Pianeta  ou  Cometa  fe  pôde  mover  em 
elife  ,  por  caula  defta  gravidade  geral  para 
o  Sol.  Nós  náo  podemos  ifentar  deita  uni- 
verfal  lei  da  gravidade  os  Comeras  ,  ven- 
do-o3  todos  dobrar  ,  e  encurvar  as  fuás  li- 
nhas de  movimentos  á  roda  do  Sol  ,  pois 
fe  movendo-fe  rapidamente  ,  fcmpre  váo 
entortando  a  linha  de  movimento  para  a 
parce  do  Sol ,  he  certo  que  alguma  força  ha 
que  05  puxa  para  cTa  parte  ;  e  a  eíb  for- 
ça ,  íeja  qual  for  ,  chamamos  gravidade  do 
Cometa  ,  ou  attracçáo  do  Sol  ,  que  tudo 
he  o  mefmo  :  ufai  das  palavras  que  quizer- 
des. 
Eug.  Náo  tenho  dúvida ;  fe  elles  entortáo  o 
caminbo  ,  ílgnal  he  que  tem  caufa  que  os 
puxa  e  faz  entortar. 
Theod.  Defcrevamos  com  a  pena  a  elife  de 
hum  Cometa ;  c  o  que  diffcrmos  delia ,  di- 
remos de  todas  as  clifes  dos  Cometas  c 
Efl.  4.  Planetas  (^Ejiamp.  A- fig-  2.)*  Supponha- 
fig*  2'  rnos  o  Soi  S  no  foco  Inferior  da  elife  ;  e  o 
Cometa  R  no  ponto  mais  alto  delia.  Se 
quando  Deos  impeUio  eíte  Cometa  pela  tan- 

gen- 


Tarde  trigefima  terceira.     301 

gente  R  a ,  levafTe  força  centrífuga  igual  á 
íorça  da  gravidade  para  o  Soi  ,  havia  de 
defcrever  huma  linha  circular  ,  cujo  ceniro 
foíTc  o  Sol  ;  porém  fe  efta  força  centrífuga 
folTe  menor  ,  havia  de  defcrever  huma  cur- 
va i  mas  dentro  da  circular  ;  e  havia  de 
obedecer  mais  á  attracção  ou  Gravidade, 
Ora  fupponhamos  que  ailim  foi  ,  veio  por 
tanto  o  Cometa  pela  curva  R  í»  :  e  fe  ahi 
não  houveíTe  attracçáo  do  Sol,  fempre  efca- 
paria  pela  tangente  m  n  ;  mas  como  o  Sol 
neíTe  lugar  m  o  puxa  para  fi ,  ha  de  obede- 
cer de  algum  modo  a  eíTa  attracçáo ,  e  dcf- 
viar-fe  deíía  tangente,  entortando  alinha  pa- 
ra o  Sol.  Advirto  de  caminho  ,  que  aqui  a 
attracçáo  do  Sol  faz  dous  eíFeitos ;  hum  he 
encurvar  a  linha  do  movimento  ,  e  prohibir 
que  o  Cometa  figa  a  tangente  vi  ti  ;  outro 
he  augmentar  a  velocidade  do  Cometa  '^i); 
porque  ellc  quer  vir  pela  linha  m  H  ,  que 
defcc  para  baixo  ;  e  a  attracçáo  tambcm  o 
puxa  para  baixo  ;  c  deite  modo  o  Cometa 
íe  vem  accelerando  ,  por  modo  fcmelhante 
a  hum  fino  ou  pêndulo  que  vem  cahindo. 
Advirto  mais  ,  que  defde  R  até  e  tudo 
concorre  para  que  o  Cometa  fe  avizinhe 
ao  Sol  ;  porque  ainda  que  o  deixaíTem  ,  e 
clle  fe   movelTe   pelas   tangentes  ,   como  o 

Sol 

C  I  )  Porque  a  linha  S  m  ,  que  he  a  direc- 
ção ,  em  m  forma  hum  angulo  agudo  cotn  a 
linha  do  impeio  concebido  m  ri  :  e  augmenta 
fieccirariamcnte  a  fua  velocidade  ,  legundo  U 
leis  da  compufiçáo  do  uiovimenio. 


302        Recreação  Filofofica 

Sol  não  fica  perpendicular  ás  Tangentes 
(que  iRo  fó  acontece  nos  círculos  )  lem- 
pre  o  Cometa  fc  aproximaria  ao  Sot  ,  co- 
mo íe  conhece  na  mefma  figura.  PcJo  que  , 
ncíta  defcidd  do  Cometa  ,  a  attracçáo  não 
he  contraria  á  linha  do  Ímpeto  ,  mas  antes 
concorda  em  parte  com  ellaj  e  aflim  accele- 
ra  o  movimento  ,  e  encurva  a  linha  :  c 
pondo  o  Cometa  cada  vez  em  menor  dií- 
lancia  ,  he  cauía  de  fer  cada  vez  muito 
maior  a  attracçáo  (Propofiçáo  fexta  ) .  Af- 
fim  vai  fempre  triunfando  a  força  da  attrac- 
çáo até  chegar  o  Cometa  ao  ponto  e  ,  que 
he  operibdío  ,  ou  a  maior  proximidade.  Ago- 
ra Hjuitos  náo  percebem  como  o  Cometa 
daqui  por  diante  fe  pôde  ir  aíFaílando, 
fendo  a  força  da  attracçr.o  aqui  m.aior,  que 
cm  toda  a  outra  parte  ;  porém  náo  adver- 
tem que  nefte  ponto  já  a  linha  S  ^  da 
attracçáo  náo  concorda  com.  a  linha  do 
Ímpeto  ,  com  que  o  Cometa  quer  ir  pela 
tangente  e  i  (  i  )  ,  antes  defte  ponto  por 
diante  começa  a  linha  do  Ímpeto  ,  que  he 
a  tangente  ,  a  fer  contraria  á  linha  da  at- 
tracçáo ,  e  a  obrar  contra  ella  (  ^  )  ^  F^^ 
conieguinte  a  diminuilla.  Também  náo  ad- 

ver- 

(  1  )  Neíle  lucrar  a  linha  da  attracçáo  faz 
angulo  re£lo  com  a  tani^ente  <  /  :  e  aíTim  nem 
ajuda  ,  nem  retarda  o  movimento  ,  conforme 
as  leis  da  compofiçáo  do  movimento. 

(3)  IMovendo-fe  o  Cometa  de  €  para  tt , 
já  a  linlia  da  aitracção  /  u  faz  hum  angulo  ob- 
lufo  com  a  Jinha  do  impeta  ou  tangente  u  c , 


Tarde  trigefima  terceira,     303 

vertem  ,   que  aqui    a   força   centrífuga   he 
maior  que  em  toda   a  outra  parte  :   primei- 
ramente por  fer  Tumma  a  velocidade ,  e  el- 
la  crefcer  conformiC  o  quadrado  da  velocida- 
de (Propoíiçâo  oitava)  j  e  cm  íegundo  lu- 
gar ,  porque  aqui  a  volta  da  linha  he  mui- 
to apertada,  e  a  linha  he  fummamente  cur- 
va \  o  que  ,    conforme  eftá  provado  (Pro- 
poíiçâo nona)  augmenia  a  força  centr.tugá. 
Sendo  logo  aqui  por  dous  principies  muito 
grande  a  força  centriíuga  ,   e  começando  a 
obrar  contra  a  força  da  attracçáo  ,   vai  efta 
ficando  vencida  ,   e  o  Cometa   vai-fe  aftaí- 
tando  do  Sol  daqui   por  diante.   Ora  obran- 
do iempre   a  attracçáo  contra  as  linhas  do 
Ímpeto   ou  tangentes  ,  he  certo  que  o  Co- 
meta  fe   ha  de   ir   retardando    na   carreira  \ 
mas  fempre  ,   pofto  que  de  vagar  ,   vai  fu- 
gindo,  e  augmentando-fe  a  diílancia  do  Co- 
meta ,    e  diminuindo   a  força  da  attracçáo; 
e  por  ilTo    fempre    a    força    centrifuga    vai 
vencendo  ,    e  o   Cometa   aíralfando-le   do 
Sol  \  até  que  chegando  a  t  ,   inço  já  o  Co- 
meta mui  fraco  ,  e  tendo  a  linha  da  attrac- 
çáo maior  inclinaçáo  íobre  a  tangente  t  g  , 
começa  a  cntorralia   mais  ,    e   tanto   a   en- 
torta   até   que   o  Cometa    vem  dar    a   R, 
onde   acaba   a   orbita  ;    e   fica    outra   vez   a 
linha  da  attracçáo   em  angulo  reòto   com  a 
tangente  o  a  ,  que  he  a  poílura  mais  pró- 
pria 

e  a  retarda  e  embaraça  tanto,  quanto  cangulo 
obtufo  -excede  o  redlo  ,  conforme  o  que  fe  de- 
monftra  nas  leis  da  compollção  do  movimento. 


go4        Recreação  FiJofofica 

pria  para  que  a  acção  da  gravidade  toda  fc 
empregue  cm  curvar  a  linha  ,  lem  ajudar  o 
movimcRro ,  nem  rctarddiio.  Djzei-me,  per- 
ccbeft-es  iíl:o  bem  i' 

Eu^.  Creio  que  fim  :  a  comparação  do  íino 
ou  do  pêndulo  ,  que  tocaftes ,  deo-me  baf- 
tanre  luz  ;  porque  aííim  como  o  pêndulo 
cahindo  ,  lempre  fe  accelera  ,  e  fubindo  lem- 
pre  Te  retarda  ;  c  quando  chega  a  paílar  por 
baixo  então  he  que  leva  a  maior  força  ;  af- 
íim  creio  que  fuccede  ao  Cometa:  cahinc.o 
para  o  Sol ,  accelera-íe  ;  paliando  por  baixo, 
vai  vclociíiimo  ;  e  voltando  outra  vez  para 
ílma  ,  vai-fe  retardando. 

Thcod.  Se  reflectirdes  bem  ,  haveis  de  achar 
huma  mui  grande  femelhança  no  pêndulo 
cahindo.  A  attracçáo  da  Terra,  ou  gravida- 
de, obra  por  linhas  que  concordáo  em  par- 
te com  a  do  impcto  do  pêndulo  cahindo; 
porque  ainda  que  elle  náo  íc  moveíTe  circu- 
larmente ,  mas  pelas  tangentes  ,  lempre  fc 
chegava  para  a  Terra ;  e  ifto  he  o  que  per- 
tende  a  attracçáo  :  o  mefmo  fuccede  ao 
Cometa  cahindo  para  o  Sol  pela  maior  eli- 
fe.  Pelo  contrario  ao  voltar  para  fima  as 
linhas  do  im.peto  no  pêndulo  todas  sáo  con- 
trarias á  acção  da  Gravidade  ;  e  aííim  ven- 
cem a  gravidade  ,  fazendo  que  o  pêndulo 
fubá  i  mas  a  gravidade  fe  vinga  dilTo  ,  de- 
bilitando-lhe  pouco  a  pouco  as  forças  do 
impero  até  as  extinguir  de  rodo  :  e  o 
rncfmo  acontece  ao  Cometa  fubindo  ;  por- 
que   as  linhas    do   movimento    todas    sáo 

con- 


Tarde  trigefnna  terceira,     jof 

contraftâs  á  attracçio  do  Sol  ,  e  vao  zorri* 
bando  delia ,  fazendo  que  cada  vez  mais  fe 
aíFafte  o  Cometa  do  Sol ;  mas  cara  lhe  cuf- 
ta  elTa  vitoria  que  alcançáo  da  atcracçáo  da 
Sol ;  porque  efta  attracçáo  fempre  vai  retar- 
dando o  ímpeto  do  Cometa  ,  aic  o  extin- 
guir, c  náo  deixar  fubir  mais,  e  entáo  co- 
meça a  obri^allo  a  dar  volta,  e  defcer  outra 
vez  para  o  Soí. 
Eug.  Tenho  entendido  perfeitamente  ;  náo 
vos  canfeis  mais :  e  fuppofto  o  que  eftá  di- 
to dos  Cometas  ,  já  iei  o  que  fe  deve  di- 
zer dos  Planetas,  á  proporção  ;  porque  tu* 
do  são  elifes,  ou  mais  circulares  ,  ou  mais 
compridas. 

§.  IV. 

Das  Leis ,  qne  inwdavèhnente  ohfervao  todos 
05  Afiros  nos  feus  movimentos. 

Theod.       A   Gora  já  podeis  perceber  as  Leis , 
JLJLque  inviolavelmente  todos  osAf- 
tros  obfcrváo.  São  duas  que  defcubrio  o  in- 
figne  Keplero  ,   pofto  que  náo  atinaUe  com 
a  fua  razão.  Perdoai ,  Silvio ,  que  eftas  ma- 
térias   são   hum   pouco    mais   efpeculativas ; 
mas  como  Eugénio  já  eftá  capaz  de  as  per- 
ceber ,  náo  poíto  conter  me ,  nem  quero  pri- 
vallo  do  gofto  5  que  lente  a  alma  ,  vendo 
a   admirável   belleza   defte  Mecanifmo   cc« 
leílc. 
Tom.VL  V  SiW. 


3c6        Recreação  Filofojica 

Silv.  Náo  vos  reprimais  por  meu  refpeito  ^ 
porque  tarabcm  eu  gófto  de  íaber  o  que 
náo  fabia.  Que  Leis  sáo  eíTas  <de  Keplcro  ? 

Theod.  A  primeira  he  ,  que  Tcdos  os  Ajhos 
em  icwpos  iguaes  andão  áreas  iguaes,  A  mef- 
ma  figura  ,  que  nos  fervio  para  o  movi- 
mento do  -Cometa  ,  nos  pócie  fervir  agora 
ER.  d.  (^EJlamp.  A.  fg.  2.).  ylrea  chamamos  nós 
fis*  ^'  ao  efpaço  ou  campo  ,  que  Te  comprchcnde  , 
e  fecha  entre  varias  linhas.  V.  g.  o  que  fe 
comprehende  entre  a  linha  S  R ,  «S  w ,  e  a 
curva  R  m, 

Eitg.  Percebo  que  coufa  he  ^rca :  que  dizeis 
agora  dos  Planetas? 

Theod,  Todos  os  Aftros  andáo  de  maneira, 
que  em  tempos  iguaes  fazem  áreas  iguaes; 
ifto  he :  íupponhamos  que  num  mez  andou 
o  Cometa  de  R  até  m  ;  no  fegundo  mez 
andou  de  m  até  r  ,  tirem-fe  linhas  de  todos 
elTes  trcs  pontos  R  m  r  até  o  Sol.  Di^o  ago- 
ra que  a  área  do  primeiro  mez  ,  R  S  m , 
fera  igual  á  área  do  fegundo  mez  m  S  r. 
Ifto  mefmo  fe  conhece  pela  obíervaçáo, 
^ue  confiantemente  fe  acha  nos  movimen- 
tos de  todos  os  Aftros  ,  ou  as  eli fes  fejáo 
mais  compridas  ,  ou  mais  cifculares.  Mas 
cfta  lei  ,  que  primeiro  defcubrio  Keplcro, 
depois  veio  a  conhecer  Ne>xron  ,  que  era 
huma  confequencia  neccíTaria  da  \ç'\  da  Gra- 
vidade geral  ,  que  faz  volver  es  Planetas  á 
roda  do    Sol   (1).   Ora   defta  \çi  íe  tiráo 

va- 
(  1  )  Todo  o  corpo,  ciie  gira  á  roda  de  ou- 
tro ,    porque  he  attrahido,  ou  peza  para  elle» 


Tarde  t  vige  fim  a  terceira,     ^^07 

Varias  confequenclas :  huma  he  que :  TcAo% 
as  Aflros  dcjcrevim  áreas  proporcionadas  aos 
tempos  :  iíto  he ,  <^ue  em  dous  dias  defcre- 
vem  huma  área  dupla  ,  ou  dobrada  da  que 
V  ií  def- 

receíTariamente    ha    de    defcrever    áreas    iguaes 
em  tempos    igiiaes.    Demonftra-ie    (  E/lamp.   4.    Efl.  4. 
y^&'    JO  ^^j^  C  ^  corpo  attrahente   ,    poílo  no  fíg.    3, 
centro    do  circulo  ,    ou    no  foco    da    elite  :    o 
corpo  A   ,    que   n'um  determinado  tfmpo  cor- 
reo    A     B  ,    no    fegundo    tempo    correria     por 
força    do  Ímpeto   concebido    out-^a    linha    igual 
B  L  ;    mas  nefle  fegundo  tempo  também  obra 
a    acção    da    *ra^ idade.    Supponhamos    que    to- 
dos   os  impuUos  continuados    peio   difcurlo    do 
fegundo    tempo    obráo    l(-»go    no  principio    de!- 
Je  :    e  que  valem    a   linha   B  /  ,    ou  a  fua  pa- 
rallela    e    igual    I,    D.    Neí!e    cafo     o    Planeta 
achando-fe    em  B  com  huma  determinação  pa- 
ra B  L ,    por  caufa  do  Ímpeto  concebido,    ou- 
tra  para  t  ,    por  caufa   da  gravidade   ,    feguiria 
a  diagonal  B  D.   Do  mefmo  modo    em    D  con- 
fervari3    o  Ímpeto    para  outra    linha  igual  D  e; 
mas    pela    nova    e    maior    acção    da    gravidade 
que    obrava    de   mais    perto  ,    e  o  puxava    pa- 
ra   r  ,    feguiria    outra    dia2:onal    D    o   ;    e    no 
quarto  tempo  ,    confervando  o  Ímpeto  para  ou- 
tra   igual    o  m   ,    e    achando-fe    attrahido    para 
í  ,    iria    pela    diagonal  o  n.    Digo    agora  ,    que 
todas    eftas  áreas    sãr»  iguaes  :    o  çue    aífim    fe 
demonflra.    O  triangulo  ABC    he  isual    a   B 
L  C  ,    tendo  ambos  elles  as  bafes  AP,    B  L 
iguaes  ,     e  o  vértice    commum      Também     he 
certo  que    o  triansulo  B  L  C    he  igual    a    B  D 
C,    porque  a  bcTfe   B  C   he  conui  ua    ,    os  vér- 
tices L  ,   e  D  cílão    na  mefma  linha  parallela 


3cS        Recreação  Filofofica 

defcrevêráo  n*um  dia ;  e  em  fete  dias  huma 
área  feic  vezes  maior  ,  do  t]ue  em  hum  fó 
dia. 

^ug.  Se  elles  cm  tempos  iguaes  fazem  áreas 
igaaes ,  em  tempos  defiguaes  claro  fica  que 
feráo  as  arcas  defiguacs. 

Silv.     E  de  que  ferve  faber  ilTo  ? 

Theod,  De  muito  :  ferve  para  faber  a  razáo , 
porque  Todos  os  Alhos  ,  quanto  mais  fc 
avizinhão  ao  Scl ,  mais  dcprc{[ji  andao  ,  como 
moftráo  vifivelmente  os  Começas  i  e  quando 
fe  ajfajlão  dclle  ,  quanto  mais  longe  cftÃo , 
mais  vagarjfos  vão.  Ifto  fe  deduz  da  regra 
dada  ;  porque  como  a  área  ,  que  hoje  qc[' 
creve  o  Cometa  ,  deve  fer  igual  á  de  hon- 
rem ,  fe  hoje  for  mais  curta  ,  forçofamcnte 
ha  de  fer  mais  larga  ,  para  compcnfar  na 
largura  o  que  lhe  falta  no  comprimento :  ora 
citando  hoje  o  Cometa  mais  perto  do  Sol  do 
que  citava  hontcm  ,  fica  a  área  mais  curta  ; 
porque  ,  como  vedes  na  figura  ,  o  compri- 
mento das  áreas  triangulares  R  S  m  ,  m  s  r 
he  a  diftancia  do  Cometa  até  o  Sol  S. 

£ug, 

á  hafe  :  loso  são  i^uaes  ;  e  por  confeguinte 
larr  bem  ficão  iouaes  os  trian2;ulo«  ou  áreas  A 
BC,  e  B  O  C.  Oo  mcfmo  modo  fe  prova 
que  erte  triangulo  B  D  C  deve  fer  igual  a  D 
«  C  ,  e  depois  a  D  o  C  ;  e  finalmente  que 
cfte  ultimo  he  icrual  z  o  m  C  ;  e  depoi«?  fe  vê 
igual  a  •  n  C  :  e  aíriín  tórios  os  triangules  e 
áreas  deferiras  em  tempos  iguaes  ,  ferão  tam- 
bém entre  fi  iguaes  ,  que  iie  o  que  fe  perten- 
dia  démonítrar. 


Tarde  trigefima  terceira,     309 

'Eug.  D'ahi  infiro  cu  ,  que ,  andando  o  Co- 
meta ou  Planeta  ca  perto  do  Sol  na  parte 
inferior  da  elite  ,  levara  huma  velocidade 
incrível  j  porque  como  ahi  a  diftancia  do 
Sol  he  mui  pequena  ,  a  área  fica  mui  cur- 
ta :  he  preciio  logo  ,  para  fer  igual  ás  ou- 
tras que  ellc  defcrevco  em  tempos  iguaes , 
que  corra  huma  linha  muito  grande  ,  para 
que  fc  compenie  na  dilatação  do  campo  por 
elTa  parte  o  que  lhe  falta  pela  pouca  altura 
àt^z  triangulo. 

SWv.  Ainda  torno  a  perguntar  :  E  para  que 
íerve  faber  iilo? 

Tkeod»  Serve  para  poder  dar  a  razão  de  nós 
termos  do  Equinoccio  de  Setembro  ao  de 
Março  menos  9  dias,  do  que  contamos  def- 
dc  o  Equinoccio  de  Março  até  o  de  Setem- 
bro. 

Silv.     Como  sáo  eíTas  contas  ? 

Theod,  Eu  as  ajufto.  A  Primavera ,  ou  Equi- 
noccio no  anno  de  61  foi  aio  de  Março  ás 
8  horas  da  manha;  o  Equinoccio  de  Setem- 
bro, ou  principio  do  Outono,  foi  aos  22  de 
Setembro  ás  8  da  noite:  contai  os  dias,  e 
achareis  que  gafta  o  Sol  em  correr  os  féis 
Signos  de  Inverno  9  dias  menos  ,  do  que 
nos  féis  Signos  de  Veráo  ;  e  a  razáo  he, 
porque  de  Inverno  eflá  mais  peno  da  Ter- 
ra :  e  aílim  ,  no  fyftema  Copernicano  de- 
ve a  Terra  andar  mais  ligeira  ,  para  fazer 
áreas  iguaes  em  tempos  iguaes.  Daqui  naf- 
ce  que  os  relógios  ,  por  melhores  que  fe- 
jão  ,  náo  podem   andar  juítos   com  o   Soi 

cm 


-3  IO         Recreação  Filoíoficáí. 

cm  todo  o  anno  ,  fem  ihes  bulirmos  na 
penJula  ;  porque  como  o  movimento  appa- 
renre  do  Sol  Jie  irregular  ,  não  pôde  ajuf- 
tar-le  com  huma  maquina  fcmpre  conftante. 
E  fe  com  tudo  ifto  achais  ,  Silvio ,  que  náo 
ha  utiJiddde  em  íaber  ertas  regras,  Eugénio 
lha  acha  grande  j  e  vou  a  cxplicar-ihc  a  fe- 
gunJa  lei. 

Silv  Eu  náo  as  confidero  inúteis  j  fó  digo 
que  náo  me  eílaria  matando  para  as  fuás 
averiguações. 

Thcod.  A  legunda  Lei  de  Keplcro  he  cfta: 
Gò  quadrados  dos  tempos  periódicos  sao  en- 
tre ft   como    os  cubos    das  dijiancias   (  i  ) . 

Po- 

(  I  )  Efia  Lei  ,  fuppoHa  a  diminuição  da 
gravidade  na  razão  inverfa  dos  qundradbs  das 
diíiaricias  ,  pode  demonflrar-re  aíTim  ,  para  os 
que  fabem  os  termos.  Suppomos  em  primeiro 
lugar  que  ([conforme  o  demonl^rado  na  Aleca- 
nica)  as  forças  centrífugas  crefcem  na  razão 
da  djRancia  (  fuppollu  o  mefino  tempo  peiio- 
dico)  ;  também  crefcem  na  razão  inverfa  do 
quadrado  dos  tempos  (fuppofta  a  rnelma  dif* 
tancia).  Logo  abfblutamente  para  fe  conhecer 
todo  o  valor  da  força  centrífuga  ,  deve  com- 
por-fc  3  razão  direda  da  diflancia  com  a  in- 
verfa dos  tempus  periódicos  ,  que  he  o  mef- 
mo  que  repartir  as  díflancias  pelos  quadrados 
dos  tempos  ;  e  o  quociente  ,  que  fahe  na  di- 
visão ,  dará  o  valor  da  forca  centrífuga:  e  co- 
mo quando  o  corpo  fe  move  em  circulo,  fem- 
prc  ha  de  fer  iiiual  a  torça  centrípeta  ,  fegue-lií 
que  a  medida  das  forças  centraes  he  a  diflan- 
cia repartida  pelo  quadrado   do  tempo  ;    o  que 


Tarde  trigefima  terceira,     31  r 

Ponhamos  exemplo  para  me  entenderdes. 
A  diíhncia  de  Vénus  a  rerpeito   do  Sol  hc 

qua- 
fe  exprime  deRe  modo.  -2  Suppomos  em  le- 
gundo  lugar ,  que  o  mefmo  he  repartir  toda  a 
raiz  pelo  cubo  ,  <^ue  repartir  a  unidade  pelo 
quadrado.  V.  g.  ~  he  o  mefmo  que  -  ;  como 
também  7  he  o  mefmo  que  -.  Suppomos  em 

terceiro  lugar  ,  que  quando  hunia  força  cref- 
ce  n'alguma  razão  inverfa  ,  para  fe  conhecer  o 
feu  valor  deve  repartir-fe  por  ella  ;  aíTim  como 
quando  crefce  n'alguma  razão  direda  ,  fe  deve 
multiplicar  por  ella.  Suppoftas  eRas  coufas , 
combinemos  Júpiter  com  Mercúrio  a  refpeito  do 
Sol  ;  e  como  as  fuás  elifes  são  quafi  círculos  , 
podemos  reputallas  por  círculos  para  a  demonf- 
tração  ;  a  qual,  para  fe  fazer  ao  mefmo  tempo 
perceptível  e  breve  ,  fe  põe  nos  termos  de  Ál- 
gebra :  chamemos  á  força  central  de  Vénus 
F,  a  deMercurioy:  o  tempo  periódico  de  Vé- 
nus T  ,  o  de  Mercúrio  t  :  a  diflancia  de  Vé- 
nus D  ,  a  de  Mercúrio  d.  IRo  pofto  (Suppoíl- 
ção  terceiro)  pela  lei  da  diminuição  da  gravidade 

r  r 

Ic  :/'.'.    Y\^i    j:j    ou  (  Suppofição    fegunda  ) 

também  como  — 5*3'»  poi'em  conforme 
o  que  diíTçmos  (  Suppofição  primeira)  F:  f:: 
íjr^  :    ~:j  ;  logo  temos  que  F :  f :  :  ~-,  :     J  2  ; 

e  como  -  -  ;  :  2?  j  por  confeguinte  T^' :  t  •  • 
d' r  d    ,   que  be  o  que  fe  queria  demonílrar; 


3 12        Recreação  Filofofica 

quafi  dobrada  da  diftancia  ,  que  delle  tem 
Mercúrio  :  fe  foíTe  perfeitamente  dupla ,  fa- 
zendo os  cubos  das  diftancias  como  vos 
enfinei  ,  feria  o  de  Vénus  8  vezes  maior, 
que  o  iJe  Mercúrio  ;  e  também  medindo 
os  tempos  ,  em  que  ^iráo  ,  Lhiria  o  qua- 
drado do  tempo  de  \''enus  8  vezes  maior, 
que  o  quadrado  do  tempo  de  Mercúrio  (  l  ). 
Como  vós  5  Eugénio  ,  não  tendes  outros 
coT^principios  alem  dos  que  eu  vos  tenho 
da^o  5  nao  podeis  perceber  iíto  cabalmen- 
te. 

convém  a  faber  ,  que  os  quadrados  do"5  tem- 
pos entre  fi  erâo  como  os  cubos  das  diftancias, 
(  1  )  A  dinancia  de  Mercúrio  confiderada 
em  pnrre«!  millelniias  da  diftancia  do  Sol  á  Ter- 
ra vale  3 5^7  :  o  cubo  deíla  diftancia  he  S7:<>60. 
toi  :  o  feu  tempo  periódico  são  a.iii  horas:  o 
quadrada  defte  remno  he  4:4.50.  J2i.  Em  Vé- 
nus a  diftancia  do  Sol  vale  725,  o  cubo  377: 
9JJ.067;  o  feu  tempo  periódico  são  5  390  ho- 
ras; o  quadrado  sáo  29:052.  100.  Se  comparar* 
mos  os  dous  quadrados  dos  tempos  entre  C\  , 
acharemos  que  o  de  Vénus  he  maior  quafi  6 
vezes  e  meia  ;  e  comparando  entre  ii  os  dous 
cubos  das  diftancias  ,  o  de  Vénus  lambem  he 
maior  quaíi  6  vezes  e  ineia  ,  que  a  de  Alercu- 
rio.  Adverte-fe  que  nas  diftancias  qualquer  que- 
brado ,  que  fe  defpreze  ,  quando  fe  forma  o 
cubo.  fâ7  hama  confideravel  differença  ;  ao  que 
fe  deve  attribuir  toda  a  pequena  defi«:ualdade  , 
cue  fe  achar  no^  cálculos  :  por  iíTo  quem  qui^ 
zer  fazer  o  calculo  exaéto  ,  deve  reduzir  os  nú- 
meros iiííeifcs  a  quebrados  ,  tanto  nas  d;ftan* 
(ias,  como  nos  tempos. 


Tarde  trigefwia  terceira.     313 

te.    Mas  fempre  admirareis  ver   os  Aftros 

do  Ceo  fujeiros  ás  leis  do  movimento  dos 
corpos  terrenos.  He  coufa  paímofa  ver  que 
]upiter,  Saturno  c  os  Satélites  década  hum, 
lá  nelTa  immcnfa  liberdade  das  regiões  eté- 
reas 5  nem  fe  apreísáo  hum  paíTo ,  nem  de- 
moráo  o  feu  movimento  ;  mas  que  exaòia- 
mente  correfpondem  ao  calculo  ,  que  o  Fi- 
lólogo rechado  no  feu  Gabinete  com  a  pen- 
na  na  mão  eftá  determinando  para  hum  e 
outro  Aftro.  Dadas  as  diftancias  dos  Plane- 
tas ao  Sol  5  e  dos  diverfos  Satélites  a  cada 
hum  dos  feus  Planetas  ,  entra  o  Filofofo 
a  calcular  ,  e  diz  ;  Vénus  fc  moverá  em 
tantos  mezes  ,  Júpiter  em  tantos  annos  e 
tantos  dias  ,  o  feu  primeiro  Satélite  gaftará 
tantas  horas  ,  o  ultimo  tantas  ;  e  pontual- 
mente náo  difcrepáo  hum  dia  ,  nem  huma 
hora  no  feu  movimento.  Verdadeiramente 
grande  he  Deos  na  producçáo  defta  pafmo- 
la  fabrica  \  mas  brilha  muito  mais  a  fua 
infinita  Sabedoria  em  fazer  que  toda  efta 
prodigiofa  Máquina  dos  Ceos  ,  e  todos 
feus  Aftros  ,  tendo  movimentos  tão  diver- 
fos entre  fi  ,  fe  governem  por  humas  leis 
láo  fimplices  ,  como  as  que  temos  ponde- 
rado. 

I.\ig.  Eis-ahi  onde  reluz  a  fabedoria  de  hum 
Relojoeiro  011  Maquinifta  ;  fazer  debaixo 
de  poucas  rodas  movimentos  pafmoíos,  en- 
contrados, e  admiráveis. 

Súv.  Na  verdac'e  que  em  qualquer  Máqui- 
na tanto   admiramos   a  multiplicidade    ik<i% 

mo- 


514        Recreação  FiJofoflca 

movimentos  ,  como  a  fímplicidadc  da  fua 
fabrica.  Fazer  muitos  movimentos  com 
muitas  roJdS  ,  náo  admira  tanto  ;  mas 
fázer  muitos  e  encontrados  movimentos 
com  poucas  ,  iíTo  caufa  mais  jufta  admira- 
ção. 
Thcod.  Por  iíTo  eu  dizia  que ,  admittindo  cf- 
te  lyítema  da  cauíá  do  movimento  dos  cor- 
pos Celeítes  ,  apparecia  muito  mais  admi- 
rável a  Omnipotência,  e Sabedoria  de  Deos, 
Mas  he  tempo  de  cumprir  huma  palavra, 
que  vos  dei  os  dias  paííados. 

§.  V. 

Do  Afetbodo  p.íva  conhecer  o  Pezo  dos  Planetas» 

Eu^,      "^r  Ao  me  lembro. 

Thcod,  L\  Era  uizer-vos  o  modo  ,  com  que 
fe  pezaváo  os  Planetas :  aqui  tem  o  íea  lu- 
gar. Já  Tâbeis  que  eíh  gravidade  geral  ,  e 
mutua  entre  os  Planetas  ,  he  propriedade 
que  pertence  á  matéria ;  por  conleguinte  da 
força  ,  com  que  hum  Planeta  puxa  pelos 
outros,  e  03  faz  girat  á  roda  de  fi ,  coUigi- 
mos  a  quantidade  de  matéria  que  elle  tem  ; 
pois  hc  coufa  bem  clara  que  aquelle  ,  que 
ri^cr  mais  matéria  attrahcnte  ( disfarçai-mc 
cfta  palavra)  com  mais  força  ha  de  puxar 
pelos  outros  ,  e  fazellos  dobrar  os  ieus  ca- 
minhos. Combinando  pois  a  força  ,  com 
que  Júpiter  puxa  pelos  ieus  Satélites  ,  cotn 

a 


Tarde  trigefima  terceira,     315' 

a  força  do  Sol  puxando  por  \'enus  v.  g. ; 
e  atendendo  ás  diftancias  c  revoluções  dos 
Satélites  ,  c  á  de  Vénus  ,  conhecemos  a 
quantidade  de  matéria  attrahente  que  ha  no 
Sol  ,  e  a  quantidade  de  matéria  que  ha  em 
Júpiter.  Por  i(To  nós  nem  de  todos  os  Pla- 
netas podemos  fabcr  as  quantidades  de  ma- 
téria que  tem.  Conhecemos  a  do  Sol ,  a  de 
Saturno,  a  de  Júpiter,  e  a  da  Terra  j  por- 
que tocos  eftes  fazem  girar  algum,  ou  alguns 
corpos  á  roda  de  fi.  O  Sol  faz  girar  os  Pla- 
netas ,  Saturno  e  Júpiter  os  feus  Satélites  , 
e  a  Terra  faz  girar  a  Lua ,  e  alKm ,  haven- 
do em  todos  eltes  corpos  effeito  fenfivel  da 
fua  attracçáo  ,  pela  diverfidade  das  attrac- 
çóes  medimos  a  diverfidade  da  matéria  que 
nelles  ha  j  pois  fendo  geral  a  toda  a  matéria 
efta  propriedade  de  attrahir ,  á  proporção  da 
força  attrahente  que  houver  n  um  Planeta  , 
fe  conhece  a  quantidade  de  matéria  que 
tem  (  I  ) . 

s:iv. 

(  1  )  o  modo  prático  de  calcular  efles  pe- 
20S  ,  he  efte.  Pelo  que  a  experiência  iiioílra , 
na  Máquina  das  forças  centraes ,  e  fe  demonf- 
tra  na  iMecanica ,  movendo-fc  dous  corpos  cm  gi- 
ro à  roda  de  outro  ,  na  mefma  diflancia  ,  mas  cm 
diverffls  tempos  periódicos  ,  fabemos  que  as  forçai 
eentri fugas  são  como  es  grjoiiraJot  das  vetocidiides  , 
cu  inverte  como  os  quadradas  doi  tempos  periódicos ; 
(  que  tudo  he  o  mefino  )  ;  e  como  nenhum  cor- 
po ie  move  em  circulo  ,  fem  que  a  forca  cen- 
trípeta attracliva  feja  perfeitamenre  igual  á 
cencrifuga  ,   feg^'^"^'^  1^®  >   movcndo-Jc  dous  cor* 


3i6        Recreação  Filorofíca 

Silv.  Porém  vós  também  fallaftcs  no  pez» 
da  Lua  ;  e  náo  íabemos  que  cfte  Planeta 
faça  gir^r  algum  Satélite  á  roda  de  fi. 

Theod, 


pos  ,  na  mefma  diflancla  ,  mas  em  diverfos  tempoi 
á  roda  de  outro  ,  fi  força  attrahente  ácflc  hc  a 
rejpeito  de  cada  hum  inverfe  ,  cowo  os  <juadradoi 
dos  jeus  tempos.  E  como  ,  efíando  duas  quanti- 
dades n'unaa  determinada  razão  ,  fe  dividimos 
por  ellas  huma  terceira  quantidade  ,  os  quo- 
cientes ficáo  nelTa  melma  rayão  ;  fe2ue-le  que, 
fe  dividumos  por  eíles  dous  quadrados  dos 
tempos  periódicos  o  cubo  da  diílancia  do  cor- 
po central  ,  ficaráo  os  quocientes  das  divisões 
entre  li  como  erão  os  dous  quadrados  dos 
tempos ;  e  por  confeguinte  ,  ficarão  os  quocien- 
tes da  divisão  do  cubo  dét  di/Ltncia  peles  quadra- 
dos  dos  tempos  ,  jendo  a  medida  da  força  aitraãi' 
va  do  corpo  central  a  refpeiío  de  cada  corpo  que 
f^ira.  Logo  nos  Planetas  ,  que  girão  á  roda  do 
Sol  .  conhecemos  a  força  attraâiva  que  os  fe- 
gura  nas  orbitas  ,  repartindo  o  cubo  da  diftan- 
cia  de  cada  hum  pelo  quadrado  do  feu  tempo 
periódico;  e  como  elb  força  attradliva  he  pro- 
porcional á  maíTa  do  Sol  ,  temos  que  o  quo- 
ciente defta  divisão  he  a  medida  da  maíTa  ào 
Sol.  Advirto  que  ,  fe  dividindo  o  cubo  da  dif- 
tancia  de  Vénus  pelo  quadrado  do  feu  tem- 
po ,  fahe  V.  g.  10.  oco  ,  cfte  mefmo  fera  o 
quociente  feita  a  operação  em  Marte  ,  ou  Jú- 
piter ,  &c.  A  razão  he  ;  porque  ,  como  fica 
provado  ,  quando  crefcem  os  cubos  das  diftan- 
cias  ,  nefTa  mefma  raíáo  crefcem  os  quadrados 
dos  tempos  periódicos  :  ora  quando  augmenta- 
mos  o  dividendo  ,   e  tambení    o  divifir  nu  ma 


Tarde  trigeftma  terceira,     i^iy 

Tbeod.  Argumentais  bem  ;  mas  fabei  que  a 
Lua  ,  não  obftante  ilTo  que  dizeis  ,  nos  dá 
hum  fignal  bem  lenfivel  dà  íua  attracçáo 
fobre  a  Terra.  >sos  princípios  de  Xewtoa 
toda  a  maceria  atcrahe,  e  toda  he  attrahida; 

c 

mefma  razão ,  fempre  fica  o  mefino  quociente. 
V.  g.  fe  dividirmos  12  por  }  ,  dá  4  no  quo- 
ciente; ora  trefdobrejnos  o  dividendo  12  ,  e 
o  divifor  j  ;  repartamf»s  j6  por  9  ,  veremo» 
c;ue  fempre  fahe  o  inefmo  quociente  4  :  por 
confeguinte  fe  dividirmos  o  cubo  da  dirtancia 
de  qualquer  Planeta  pelo  quadrado  do  feu  tem- 
po periódico  ,  fempre  fahirá  iium  niefmo  quo- 
ciente ,  para  fignihcar  a  virtude  attradiva  do 
Sol  ,  ou  a  quatitidade  de  matéria  attrahente 
que  nelle  ha.  Pela  mefma  razão  feito  o  calcu- 
Jo  nos  Satélites  de  Júpiter  a  refpeito  defte 
Planeta  ,  e  nos  de  Saturno  a  refpeito  delle  , 
e  na  Lua  a  refpeito  da  Terra  ,  dividindo  os 
cubos  da  dillancia  de  qualquer  Satélite  pelo 
quadrado  do  feu  tempo;  o  número,  que  fahir 
no  quociente  ,  dará  a  maíTa  de  Júpiter  ,  ou 
Saturno  ,  ou  da  Terra.  Ad^^irto  que  ,  ainda 
que    a    dillancia    uieJia    da  Lua    á    Terra    são 

60  -7-  feniidiametros  :    como  a  Lua  não  gira  á 

roda  do  centro  da  Terra  ,  mas  á  roda  do  cen- 
tro commum  ,  o  qual  fica  hum  pouco  diftan- 
te  do  centro  da  Terra  ;  deve  tomar-fe  o  cubo 
da  diftancia  fó  de  60  femidiamelros.  Ifto  fup- 
poflo.  A  diftancia  de  Vénus  ao  Sol  são  72} 
partes  rrillefimas  da  diftancii  do  Sol  a  nós;  o 
leu  tempo  periódico  são  19:414.1150  fegun- 
dos.  O  quarto  Satélite  de  Júpiter  diíla  I- ,  477$. 


3i8         Recreação  Filofojica 

e  aííim  Terra  c  Lua  mutuamente  fe  attra- 

hcm  ,  como  já  vos  diíle.  O  cífeito  da  attrac- 

çáo  da  Terra  conhece-fe  no  giro   da  Lua   á 

roda  delia  ;  e   o  eífeito  da  attracçáo  da  Lua 

.        íc  conhece  no  giro  da  Terra  á  roda  da  Lua. 

Sllv.     IlTo  he  cquivocaçâo. 

Thecd.     Náo  he  :   eu  me  explico.    ( fallo   no 

fyíèema   Newtoniano  )   Supponde  vós    que 

nas  duas  extremidades  de  huma  régua  L  T 

^í^.  4.      (EJiamp,  4.  fg.  4.)   temos    dous   globos, 

^c-  4.       hum  grande  ,  que  rcprefenta  a  Terra  ,  outro 

pequeno  ,  que  reprcfenta  a  Lua  L  :  fupponie 

mais  que  ,  furpcndendo  efta  régua  horizon- 

tal- 

das  dita?  pnrtes  millefimas  da  dií^nncia  en- 
tre nós  e  o  Sol  .-  o  feu  tempo  periódico  são 
1:441.929  fegundos.  O  quarto  isateiíte  de  Sa- 
turno diíla  0,5107  das  ditas  partes  i-nillcfimas , 
e  o  feu  tempo  periódico  são  1:^77.674  fe- 
gundos.  Finalmente  a  diRancia  da  Lua  á  Ter- 
ra são  3' ^5-^  ^^^  partes  milleílnias  já  ditas; 
e  o  feu  tempo  periódico  são  2  :  j5o.  5S0  (fal- 
lo do  Tempo  médio),  Dividindo  agora  os  cu- 
bos deQas  diflancias  pelos  quadrados  dos  feus 
tempos  ,  fahe  nos  quocientes  para  fignificar  a 
maíTa  dos  Planetas  os  núfr,eros  que  ficâo  na 
mefma  razão     que       eíles  :     Sol    10 :  000, 

Saturno  3i  2SO  .  Júpiter  9'  íoç  Terra     O, 

0512:  Lua  O.coij.  Mas  adverte  Gravezande 
( nutn.  4162  )  cue  como  o  Sol  diminue  a 
gravidade    da    Lua    para    a    Terra    o    que    vale 

r 

TiõTTí  *    deve  augmentar-fe  iíTo   na  maíTa   da 

Terra ;  ao  que  fe  attende  ,  quando  fe  lhe  da  o 
pczo  referido. 


Tarde  trigefima  terceira,     319 

talmentc  fobre  hum  páo  perpendicular  C, 
formando  ahi  hum  eixo  ,  fazemos  girar  á 
roda  deilc  a  régua  com  os  dous  globos  fi- 
xos. Neífe  cafo  ,  tanto  a  Lua ,  como  a  Ter- 
ra andáo  em  giro  ;  huma  á  roda  da  outra , 
e  ambas  á  roda  do  centro  commum  C.  Se 
o  tal  centro  ou  eixo  eftiver  igualmente  dif- 
tante  das  duas  bolas ,  os  dous  círculos  feráo 
iguaes  \  porém  fe  eftiver  mais  chegado  á 
bola  grande  ,  efta  fará  o  leu  circulo  muito 
mais  pequeno  que  a  outra.  Supponde  ago- 
ra ultimamente  que  hum  homem  tendo  na 
máo  efta  régua  alHm  montada  ,  lhe  dava 
huma  pancada  de  forte  ,  que  folie  girando 
fobre  o  eixo  ;  e  ao  mefmo  tempo  com  el- 
la  na  máo  hia  dando  hum  paffeio  em  cir- 
culo á  roda  de  huma  fogueira  :  fendo  iílo 
aflim  ,  teríeis  huma  imagem  dos  movimen- 
tos da  Terra  e  Lua  á  roda  do  Sol  ,  neftc 
fyftcma  ,  reprefentando  na  fogueira  o  Sol , 
e  nas  duas  bolas  os  dous  Planetas  Terra  e 
Lua  \  porque  com  cfíeito  ,  aíhm  como  os 
Satélites  ,  fazendo  circulos  á  roda  de  Júpi- 
ter ,  também  rodeiáo  o  Sol  ,  a  Lua  ,  fa- 
zendo circulos  á  roda  da  Terra  como  feu 
Satélite  ,  vai  rodeando  o  Sol ;  aíhm  a  Ter- 
ra fazendo  feus  circulos  pequeninos  á  roda 
do  centro  commum,  em  oppoíiçáo  á  Lua, 
xodca  o  Sol,  De  forte  que  ( façamos  ou- 
tra figura  Eftamp.  4.  fig.  5.  )  efta  bola  Ef^.  ^^ 
pequena  L  náo  tem  por  centro  dos  feus  fig.  j, 
giros  a  bola  grande  T  ,  mas  o  ponto  C  , 
gue   também   ferve    de  centro    ao   giro    da 

bo- 


320        Recreação  Filofojica 

bola  grande  ;  e  do  mefmo  modo  fuccede 
no  Ceo  :  a  Lua  náo  tem  por  centro  dt)s 
íeus  círculos  a  Terra  ,  mas  hum  ponto 
que  fica  abaixo  da  ruperficie  da  Terra  ,  o 
qual  tambcm  ferve  de  centro  aos  gi- 
ros pequenos  da  Terra  ;  e  por  iíTo  íe 
chama  efte  ponto  centro  commum  (i). 
Supponho  que  me  tendes  entendido. 

Eug.     Com  facihdade. 

Thecd,  Acere íccnro  agora  que  ,  fe  na  Lua 
houveíTe  tanta  matéria  como  na  Terra  ,  ci- 
te centro  commum  havia  de  diftar  ii^ual- 
mente  de  ambas  ;  e  fe  a  Terra  tiver  por- 
ção de  matéria  70  vezes  maior  que  a 
Lua  ,  efte  centro  commum  C  deve  citar 
70  vezes  mais  perto  da  Terra  ,  do  que  da 
Lua. 

Eug,  Supponho  que  hc  do  mefmo  modo, 
que  me  diíTeíles  ,  quando  fallaftcs  da  Ba- 
lança ,  cm  que  fe  punháo  pezos  dcfiguaes; 
na  qual  para  haver  equilíbrio  ,  deve  o  pezo 
maior  eftar  tanto  mais  perto  do  eixo, 
quanto  vence  o  outro  na  quantidade  de  ma- 
téria. 

Theod.  Aííím  he  neftc  cafo  :  deve  o  centro 
commum  deites  movimentos  eftar  tanto 
mais  perto  da  Terra  ,  quanto  o  pezo  delia  , 
ou  a  quantidade  de  matéria  que  tem  ,  exce- 
cie  o  da  Lua  :  c  por  iílo  ,  allim  como  n>e- 
dindo  na  Balança  as  diftancias  que  tem  os 
dous  corpos  do  eixo  commum ,  le  conhece 
a  proporção  dos  pezos ,  que  clles  em  íi  tem 

na 
(O  Gravezand.  Phyf.  Elem.  Mat.  n.  4210. 


Tarde  trtgefima  terceira,     321 

na  realidade,  ainda  que  nós  antecedentemen- 
te não  ibubeilemos  o  que  cada  hum  peza- 
vai  ailim  também  medindo  asdiftancías  que 
cem  a  Lua  e  Terra  do  centro  commum  C  , 
fe  conhece  a  proporção  que  ha  entre  o  pe- 
20  da  Terra ,  e  o  da  Lua. 

S'i\v.  E  como  podemos  nós  faber  quanto  dif- 
ta  da  Terra  elíe  centro  commum  dos  movi- 
mentos? 

Thcod.  Medindo  primeiramente  toda  a  dif- 
tancia  da  Terra  á  Lua  j  e  obfcrvando  de- 
pois o  movimenio  da  Lua  ,  ie  conhe- 
ce que  ella  náo  tem  nos  íeus  giros  ,  cc- 
mo  raio  dos  circulos  ,  toda  tfta  diiiancia ; 
ifto  he  j  que  o  centro  dos  giros  da  Lua , 
cm  rigor  náo  he  a  Terra  ,  mas  hum  pon- 
to fora  da  Terra  ^  e  náo  he  mui  diííicuUo- 
ío  que  ,  obícrvando  muitos  giros  da  Lua  , 
conheçamos  qual  he  o  feu  verdadeiro  cen- 
tro. 

Siív.     Já  entendo  :  continuai. 

Thcod.  Eis-aqui  o  m.odo  com  que  fe  pode 
pezar  a  Lua ,  ou  íaber  a  quantidade  de  mn- 
tcria  que  ella  tem  :  iílo  he  quanto  aos 
pezos  dos  Planetas.  No  que  toca  á  fua  den- 
íldade  he  tacil  difcorrer  ,  fuppofto  conhe- 
cermos o  pezo  ,  e  o  volume.  Porque  re- 
partindo o  pezo  de  qualquer  corpo  pelo  ícu 
volume  ,  o  que  fahe  na  conta  he  a  fua 
Denfidade  ,  pois  mui  bem  íabem  todos, 
que  ie  hum  corpo  tem  grande  pezo  ,  e  pe- 
queno volume  ,  he  mui  denfo  ;  e  que  fe 
tem  menos  pezo  ^  ou  maior  volume  ,  he 
Tom.  VI.  X  mais 


3-2  i         Recreação  Filofofica 

mais  raro.  Por  efte  modo  conhecemos  a 
dcnfidadc  do  Sol  ,  de  S:.tumo  ,  Júpiter , 
Terra  ,  e  Lua.  Dos  mais  Planetas  ja  vos 
dille  que  náo  fe  Tabia  a  denfidade  ,  nem  o 
pezo  ,  por  faltarem  para  iiTo  comprinci- 
pios  b.iftantes.  Alas  Nc>x  ton  a  conjedura 
pelo  calor  ,  que  elles  foffrcm  proporcionado 
á  vizinhança  do  Sol,  juiji.indo  que  são  mais 
denfos  os  que  folirem  maior  calor  :  c  aíHm 
Marte  he  menos  dcníb  que  a  Terra,  V^cnus 
miais,  e  muito  mais  Mercúrio  ;  porém  ifto 
he  pura  conjeclura.  Aí;ora  reila  f aliar  da 
Terra  com  m.ais  efpeciaiiJade  ,  porque  nos 
reftáo  muitas  couías  que  iaber  acerca  deila  \ 
pcrém  refervemos  ifto  para  á  maanhá.  Aqui 
tendes  efte  papel,  que  he  como  hum  Map- 
pa  geral  ,  em  que  com  huma  vifta  òc 
olhos  achareis  tudo  o  que  vos  tenho  di- 
to dos  Aílros  ;  e  podereis  facilmente  com- 
binar os  feus  diâmetros  ,  ou  volumes  ,  ou 
pczos  ;  como  também*  as  Tuas  diftancias, 
movimentos ,  &c.  Káo  vos  admireis ,  fc  vir- 
des que  não  concordáo  eílas  taboas  com  al- 
gum^as  5  que  achareis  impreíTas  em  bons  li- 
vros. Eu  náo  condemno  as  outras  ■■,  mas  de 
varias  opiniões  ,  particularmente  lobre  as 
diíhncias  ,  no  que  ha  baftante  dúvida  ,  cf- 
colho  a  que  me  parece  melhor  ,  que  he  a 
proporção  que  acho  em  Mr.  de  la  Lande, 
o  mais  lamofo  ,  e  mais  cftimado  Aurhor 
que  temos  hoje  cm  matérias  de  Aftronomia, 
c  as  reduzi  a  léguas  Portuguezas ,  para  vos 
dar  mais  gofto  ^  ainda  que  louvo  a  prudên- 
cia 


Tarde  tngeftma  terceira,     323 

cia  Je  Gravefande  ,  que  fe  abílcm  de  dar 
as  diftancias  dos  Aftros  em  rr.edidas  certas , 
e  conhecidas  ,  como  são  femidiametros  da 
Terra ,  ou  legu3s ;  mas  (  i  )  para  comparar 
encre  íi  as  diverías  diíbncias  dos  Planetas 
ao  Sol  ,  divide  a  diítancia  da  Terra  ao  Sol 
cm  mil  partes  iguaes,  e  deftas  partes  mille- 
fimas  he  que  uTi  como  medida  commua, 
para  determinar  as  diverfas  diítancias  do5 
Planetas  primários  ao  Sol.  Efta  proporção 
concorda  admiravelmente  náo  fó  com  as 
obfcrvaçóes  mais  exadas  ,  mas  (  o  que  he 
mais)  com  a  Theorica  dos  movimentos:  c 
o  calculo  fundado  fobrc  a  Theorica  dos  mo- 
vimentos náo  eftcá  fujeiío  a  muitos  erros  ; 
porque  fendo  huma  vez  certo  o  Principio , 
pelo  calculo  fe  tirão  confequencias  int^ega- 
veis  i  e  podemos  defcer  a  muito  maior  miu- 
deza ,  do  que  fomente  com  as  obferv.içóes 
dos  Telefcopios.  Além  de  que,  admittindo 
hoje  os  Aftronomos  ,  e  Fyfkos  a  regra  de 
Keplero  ,  e  confelTando  que  os  quadrados 
dos  tempos  são  entre  íi  como  os  cubos  das 
diílancias ,  fendo  admittido  por  todos  o  mef- 
mo  quadrado  dos  tempos  periódicos ,  devem 
também  concordar  na  proporção  dos  cubos 
das  diftancias. 


X  ii  TA- 

(  I  )     Num.   5724. 


324        Recreação  Filofofica 
T    A   B   O    A 
Da  Grande:::a. 


Nem. 

Diâmetro 

Suy.^jiclc 

boi. 

Tem    qiiafi     i  1  \  liian  e 

He  potcn  mai>  de  1  2.7  ?  j 

tios  da  Terra  ,    que  va 

vezes  maior  que  a  fuper- 

leni  2  ?  2.  670  Iei;uas  Por- 

r.tie  da  Terra  ,    e  vale 

:::^i:ez;;;. 

17c;   1  {9:   í-1 .\íz  k- 

'íwas  quadradas. 

A'.erc. 

Tem  n-.enos  c':t  terça  par- 

Q-afi í  ve.es  menor  q.re  1 

te  CO   diâmetro  da  Ter- 

a f.perhcie  daTeira,  e  j 

ra  ,    c  vale    S4ÍÍ    léguas 

vai     2  :  25;.  <):o  léguas 

Po;ti.-ue/as. 

quadradas. 

Ven. 

'Jem    pouco    menos    do 

Pouco  n;enor  que    a  fj« 

diâmetro    da  Terra    ,    e 

pe-fície  da  Terra  ,  e  tem 

vale    1.  997  léguas  Por- 

12:    5 }  }•  '  I  7  ICi^uas  qua- 

t-.^uczas. 

Jradas.                                   1 

Ter. 

Tfm  de  òiamctro  i.qíz 

A  luperf-cie    tem 

léguas    Portuguezas  :     0 

I  ?  :  ?íi.7(io  léguas  qua- 

ciiculo      inaximo      tem 

diadas. 

i.   4  3c  leo;uas. 

Lua. 

Tea)  pouco  mais  daquar- 

Pouco  mais  dei,-  vezes 

ta  parte  dodiamcDo  da 

menor  qi:e  afupeit^cie  da 

Terra  ,  e  vale  5  í  j  leg.iaí 

1  erra  ,  e   tem    <?  j  5.  547 

Po-rugiiezas. 

leo^uas  quacradas. 

iMart. 

Jcm    rrai?    da    ametade 

Poi.co  menos  que  ame;a- 

do  diametio    da  Terra  , 

de  da  fiiperhcie  da  Ter- 

e vale    i.  j  i>  j  léguas  Por 

ra  ,  e  vale  6  :  c  1  c.5 1  S  le- 

ti.-^iiezís. 

gjas  quadiadas. 

J.i-k. 

lem  pouco  m^iis  de  1 1 

(^uafi    I  K   vezes    maííjr 

diamcctos  da  Tetra   ,    c 

que  3  fuperíicie  da  Ter- 

vale 2}.  50;  léguas  Por- 

ra  .  e  vale   1  :  7  ;í.  C72 

t.i»ue/as. 

leoiias  quadradas. 

Sat. 

J  em   po;ico   mais  de  i  c 

t^uaii     1  w2  vezes    maior 

diametio.-   d.-^  Tt;:  a   ,    e 

\  e  a  íiípcrf cie  .'.a  l^er- 

vale  ic.  S  >'  ,•  leiras  Poi- 

■a  ,  e  vale  j:;64:    -ací?. 

f  ei:e/>«. 

le<íii?s  ai'sdtada>.- 

PRI- 


Tarde  trigefima  terceira,     325' 
PRIMEIRA. 
TeZQ  e  Denfidade  dos  Planetas. 


Volume 

Fc^, 

De  n/idade 

He  1:4  í  5-0  =  5  ve- 
zes maior   que    o 
volume  da  Terra. 

he  ,'65.41  2  vezes 
mais  peiado    que 
a  Terra. 

He  quafi    4  yoe.N 
menos  denfo    qi:e 
a  Terra. 

Poiícomaií  lie  14 
vezes  e  ir.eis  n:e 
nor  que  0  volume 
da  Terra. 

Ignora -fe. 

Ignora-fe. 

Pouco  menor  que 
0  voiLiine  da  Ter- 
ra, 

Ignora-fe. 

IgnOra-fe. 

0     volume     lem 
-1;  5S;  :  cSj.  6Sc 
'e^íías  cubicas. 

0 

0 

49    ve^es    menor 
que  0  volume  da 
Teir.<. 

!'oiico  mais  de  7  i 
vezes  menos  peza- 
d.i  qiic  a  Terra. 

1  jVTeHOS  denfa  que 
a  'l'erra  como  4  ■^ 
1  e  menor  que  7X. 

Oíiaií  j  vezes  me- 
nor que  0  vol-.ime 
da  'J'err.T. 

Ignora  fe. 

Ignora-fe. 

1.479  vezes  maior 
qi:e  0  volume    da 
'ierra. 

440     vezes    trais 
pezado  que  a  Ter- 
ra. 

1  Pouco  mais  de  4 
vezes  m.enos  den- 
fo que  ã  Terra. 

i.o  jc  v«zesn-aior 
qne  0  volun.e  da 

Terra. 

107  mais    pezado 
que  a  Teria. 

Pouco  mais  de  ic 
vezes  mepcs  den- 
ío  que  a  '/'erta. 

TA' 


31Ó        Recreação  Filofqfica 
T  A  B  O  A 

Da  d'iftancln  dos  Planetas  prlmur.cs  do  Sol. 


PLKCtas 

Diji.  rnâdia 
f-OT  SetniJia- 
metros     íla 
Terra. 

Dijiar.cia  mcJin 
em  ]efu,is  Por- 
tu^utz^s. 

Fxcertric.  ãns 
oríitiis  íhfi  P!'.n:. 
em  Seviulrawet. 
ãii  Terrd  ,  e  em 
lefuas  P.riug. 

Sol 

0 

0       1        0       1 

Alercurio 

?.  ?97 

9  :  í£S.4ií 

Semiu.     1 .  7  {  S 
I.eg.  j:-92.çíi 

Vénus 

17.   539 

1  S  ;  ic;.  Sío 

^en;:.1.    124 
Leg.    127.  6i4 

Tcrrí       1      2i.  :;  5 

2;  :  c:v.4C9 

Seir.io'.  4cS 
Lcg.  42C.  47  7 

Aliite 

:í.  989          jS:x  Js.  (To; 

Seinid.  J.  4  ;i 

Júpiter 

I2<:.  C58     !   1  ;c:  I  72.  245 

bcmid.  6.1  {  £ 
Le?.  -  ;  :6.4  10 

Saturno 

2^-57^    i  2iS  :  755.  C42 

Serr.iJ.   1  2.9  1  7 

T  A  B  0  A 

"Da  di flanela  dcs  Sateliti^  ,  cu  Planetas. 

Lua   din.-i 
da   Teria 

íc  5en,idÍ2mctrOi      J        Í2.  15;  Icjjas 

Satélites     líe 
Júpiter  diiV-o 
\ji>  (.enlio  ut 
Júpiter 

3.0          9     ( 

3  Z'  Se:r.idi.iraetioj  de  Jupitcr. 

4.°      25j3 

SE- 


Tarde  trigefima  terceira»     327 
SEGUNDA, 

£  da  excentricidade  das  fuás  Orbitas. 


D':jla>:ciíi  niaisr   e  v:er.ov  em 
têniÃS  Portiííueias. 


0 

maior 
menor 

I  I  : 

7:S 

96.C 

maior 
(T;enor 

[S; 

3>'I. 
97á. 

50Í 

maior 
menor 

-4 

44  i>'. 
ÍC7 

Oi2 

maior 
menor 

41. 

C94. 
•5  77 

14  ó 

.  C6S 

maior 
menor 

li6 
12 

.•4-;S 

?.-S4 

.679 
5-SI9 

maior  2  5  2;07  2.   S5S 
menor   2  2  5.-4?  ?.  ící 


Diferer.ça  e^tn  c  mai^r  e 
yyievtvr  JUlarcia  dos  Planetas 
ao  Scl  em  léguas   Foi-fugui 


0 

i  ■■ 

^  ii- 

5  22 

2 

3  )'■  - 

88 

s 

4.C.  9 

)4 

7  •' 

XI7. 

C7S 

:2 

65: 

Sío 

^  , 

-.  ■  -. 

TERCEIRA 

Secundários  aos  /'eus  Pritnarics. 


l'.xceiicncu'ade 
Scu) 
Leg.    ;.4;7 


ncu^ade    I         .       ,  „  .         I  j-  - 

j      I    maior  diílsnc.   (í5.;9oIeg.       dinerer.c 

\":     j-     I    menor  J;f:HiJC.  jS. 71c  leg.       á.874k; 


Satélites  de  Sa- 
t.>inodiiláo  do 
cs;icio   de   ti- 

cj:uo 


4   ■' 


S emí diâmetros  do  fer. 
ariDCl. 


TA- 


Da 


Recreação  Tilofojica 

TA  BOA   OUARTA 

di[i.incii  de  todos  os  Pl.vic^as  d  Teira 
reduzida  â.  Icguas  Portuguezas, 


?:..  I 


Vci. 


difta   di    1  err.i  na  di/tanci:*  rrtjn 


diíla  da  Tcrr?Y  "' ^^■''"'-^"/"''''' 


jíla  Ji  Teria 


/na  CGjunçiO  interior 
\n3  ccjuncJo  fupeiior 


Lâftirts    Por 
tuíuerãfj 


M:?J9.$4? 
}4:7i  <  S75 


6:514.549 
4  •:  I  ^  2.2Í9 


Terr-1   na   dii 


C5:cC.>..'C9 


,.-     ,    _         /na  orpoticío  có  o  >oI 
J-,ftad.Terra(^,,^  J4^^.,^.    ^  ,^, 


I  ? :  I  -  7 . 1  5  X 
6  ;.-I  6  4. Cl  6 


.p  /n^  oppofiçáo  có  o  Sol 

"^^     Vna  cóuincJo  có  o  Sol 


10^:1  4  í.*40 

1  s  j:2:c.nç  i 


Te 


/na  (i;  1  oficio  cõ  o  ^< 
'^^    \r.s  cr,\Ktuc^o  côo  ^o 


21  ri2t.8{  f 
26<:7  Si  ,.í  5 


TABOA    Q^UINTA 

JDo  tnovimemo  dos  Satélites  â  roda  dos 
Primários. 


^arc- 

i .  c     1  dia  .  É  8  hur.  27 

.N  í  r  - 

.= 

1  dia  ,   2:  hor.  i  S 

lite- 

min.   j  \  feg. 

l-t. 

mi:i.   27    fe^. 

dc 

2.e    1  dias,  I  ?  h  ?.  1  ; 

i'e 

:.o 

2  dias  ,  I  7  hor.  44 

fur'!- 

min.   4  2  *'eg. 

Sa 

min.  23  <C9. 

ter. 

:.c    7  d  as  ,   ]  hor.  7  : 

tur 

;.  0 

4diaç,  12  \^or.  25 

rrin.   n  ''c?- 

no 

mn.  I  2  icç. 

-    X  ^  dias  ,    j  6  hor. 

l.  ^ 

X  5  dias.  22  hora'  , 

]2  niJD.  8  leg. 

..  0 

}4  'nin.   ?  8  fc^. 
7  9  dia»  ,    '  ^ora^  , 
4^  mip.utos. 

TA- 


Tarde  trigefima  terceira,     329 
TABOA    SEXTA 

^vhmnto   dos  Vlamtas    r.o    [sflcma   Copernlcano. 


Pia .'. 

S:!. 

Ir.c.ir.açâo  da 
■rf^ire  a  ref- 
'e:í:  >U  Edi- 

tiCJ. 

>ol 

-o   lyftemi    Tijo- 
.lico  fe  levol  ■  e  ;t 
oâi  ú?.  Terra  era 
íój   dias   ,    5    ho- 
ras, 4S  rr.in.  45  fe?- 

25-  dias. 

0 

Tvleic. 

òj  dias ,  2  j  hoíits, 
14  rnin.   2  5  itgun- 
dos. 

Núo   coníla. 

6  gr.,()s  ,  j9 
minutos  e  2o 
re-'.:ndos 

Ven. 

224   dias  ,    1  ^  ho- 
ras ,  4.J  minutos  e 
ç2  regundos. 

24   dias,    S 
ho:as. 

?  gr.tOí ,  2  5 
iri:\i.tos  ,  20 
le^und-  s 

Ter. 

)  6  5  dias  ,    5  horas, 
4S  mimitos  ,  4  j  íe- 
J.ind.x:. 

2  ;  horas,  5  :i 
ir.inut,  4  íe^:. 

0 

IWait. 

ó%6  di.ts.  2:  h..rd*. 
I  8  min-uos ,  27  fe« 
Imundos. 

24  horas ,  4c 
minucos. 

i_^r.in  .  52 
miiKítos. 

JJP- 

4.)  )C  dia<:,    s   ho- 
ras ,    53  nin.  27  fe- 
guudos,  iilohc  qua- 
fi    12  annns. 

9  horas  ,    5Í 
minutos. 

I     g!i.O    ,      i  9 

min.iros  ,  10 
fe^undoí. 

tíar. 

j  C.749  dias  ,  7  ho- 
r.'s,  21  min.  5cfeg. 
;flo  he  quaP.  jo  an. 

ísão  conda. 

2  .<íi.i03,  ;o 
mir.jios,  20 
re'^uidos. 

Lua. 

moví-<'e  á  roda   dj 
Terra  em  27  dias  , 
7   ho;  as  ,   4  }   niin. 
í    íeg.     De    huina 
Lua  nova  até  á  011 
r-a  2a:la   29  dias  , 
I  :  horas. 

2'    dias  ,    7 
horas,  4  )  mi- 
nuto. ,    5  fe. 

gundos. 

4  ir:.os    5S- 

min.  nas  I  nas 

cheias  e  nov. 

mas     5    %rko$ 

I 
I  7  ~  min. nos 

w-)  iart.d.i  Lua 

TAR- 


330       Recreação  Filofofica 


TARDE  XXXIV. 

Dos  effeitos  que  nafcem  da  figura  e 

Hcuacão  do  Globo  da  Terra  a 

refpeito  dos  Aítros. 

§.  I. 

D/l  figura  e  divisão  do  Globo  da  Tetra  ,  e 
da  Longitude  e  Latitude  das  Cidades  y  e 
também  das  Ejtrellas, 


Theod.     g^  Omo  fe  vão  acabando  os  gof- 
8  tofos  dias  5   em  que  poíTo  go- 

^^^  zar  da  voíTa  companhia ,  para 
que  fique  completa  (  quanto  o  permiccem 
as  circumftancias)  efta  inftrucçáo  que  vos 
dou  ,  precifo  he  ir  refumindo  o  que  nos 
refta.  Hoje  fallaremos  dos  eíFeitos  que  naf- 
cem da  figura  ,  e  fituaçáo  do  Globo  da 
Terra  a  refpeito  dos  Aftros  ;  c  fera  com 
mais  miudeza  ,  do  que  quando  o  confide- 
ramos  como  Planeta  no  fyftcma  dos  Co- 
pemicanos.  A  Terra  fenfivcl mente  hc  glo- 
bofa.  Alguns  antigos  cuidaváo  que  era  hum 
plano  circular  ,  que  nas  extremidades  fc 
juntava  com  os  Ceos  ,  á  maneira  que  o 
vidro  de  hum  relógio  de  algibeira  fc  ajun- 
ta com  o  efpelho  ou  moftrador  ;  mas  de- 
pois que  as  Navegações  moftráráo  que  fc 

po- 


Tarde  trtgefima  quarta.     331 

pedia  rodear  o  Globo  da  Terra  ^  ninguera 
duvi  iou  da  fua  figura  globola  ,  c  que  ha- 
via úntipodas  ;  iíto  he  homens  ,  cujos  pés 
ficaváo  volcados  contra  os  pés  dos  outros 
na  ourra  parte  do  globo. 

Silv.  Algum  dia  era  iíTo  para  mim  hum 
ir.yftcrio  inexplicável ,  cuidando  que  os  que 
ficaváo  da  outra  parte  cahiriáo  pelos  ares; 
porém  já  hoje  conlieço  que  a  força  da  gra- 
vidade faz  que  todos  propendamos  para  o 
centro  da  Terra  ;  e  Tendo  a  Terra  em  re- 
dondo habitada  por  homens ,  o  pezo  de  ca- 
da hum  o  faz  carregar  na  fuperficie  delia 
para  o  centro  ;  e  aflim  efte  pezo  náo  pôde 
nur.ca  fazer  que  fe  aíRiílcm  delle  para  o 
ar  :  por  quanto  iuò  que  nós  chamamos  ca- 
hir  pelos  ares  abaixo  ,  lá  da  outra  parte  «do 
mundo  feria  verdadeiramente  fubir  pelo  ar 
aííima  ;  pois  a  refpeito  deíTes  homens  lhes 
fica  para  baixo  a  Terra  ,  em  que  tem  os 
pés,  e  por  fima  o  ar 3  aííim  como  nos  íu:- 
z^úç.  a  nós. 

Thcod.  Difcorreis  muito  bem :  fuppofto  pois 
fer  a  Terra  da  figura  de  huma  bola  ,  con- 
vém ir  tocando  ligeiramente  as  confequcn- 
cias  defta  figura  ,  as  quaes  ao  mefmo  tem- 
po sáo  confirmações  innegaveis  de  que  a 
Terra  hc  globofa.  Segue-fe  primeiramente 
que  ,  eftando  nós  na  bcrda  do  mar  largo , 
quando  os  navios  fe  váo  alongando  mui- 
to ,  também  fe  háo  de  ir  efcondenJo  para 
baixo  5  de  forre  ,  que  fó  veremos  as  ve- 
las 5  as  quaes  pouco   a  pouco  também   fc 

irão 


3  3  2.        Rccredcno  Filofofica 

irão  fumindo  ;  mas  os  que  eftão  no  mais 
alto  das  torres  ,  ainda  os  defcubriráô  quan- 
do das  praias  já  fe  náo  puderem  ver.  Tu- 
do iíto  luccede  aííim,  e  procede  da  convc- 
xidde  da  Terra  ,  a  qual  fe  faz  mui  ítw 
Tivel  na  agua  do  mar  ;  porque  ainda  que 
a  ap^ua  dos  tanques  tenha  a  fuperficie  ao 
nivcl  3  e  por  huma  linha  reéla  \  iíto  fó  he 
íenfivelmente  :  porém  no  mar  ,  fendo  a 
íua  extensão  tal ,  que  rodeia  toda  a  Terra  , 
a  íua  fuperíicie  deve  fer  tambcm  esférica. 
E  a  meíma  natureza  dos  fluidos  pede  ifto ; 
porque  os  líquidos  devem  ter  as  columnas 
de  igual  altura  entre  fi  para  fe  equilibra- 
rem ;  e  como  a  altura  fe  mede  dcide  o 
centro  da  Terra  ,  devem  as  linhas  ,  que 
íahem  deite  ponto  até  á  fuperficie  do  mar, 
ter  a  mefma  altura  :  o  que  náo  pôde  fer, 
fem  que  a  fua  fuperficie  vá  voltando  co- 
mo em  circulo.  lífo  poíto  ,  havendo  dif- 
tancia  tírande  entre  nós  e  os  navios  que 
citamos  obfcrvando ,  a  linha  da  vifta  ,  que 
fempre  hc  re^la  ,  toca  na  fuperficie  da 
agua  ,  que  faz  convexidade  ou  lombo  pa- 
ra fima  ,  c  nos  impede  ver  ora  o  cafco , 
ora  as  velas  ,  conforme  o  navio  fe  vai  alon- 
gando. 
Eu^,  já  i.To  paffou  por  mim  ,  quando  vi- 
niia  da  America  ;  porque  a  fahida  do  porto 
via  a  praia  ,  depois  a  fui  perdendo  de  vif- 
ta  ,  e  fó  via  os  campanários  das  torres, 
até  que  perdemos  de  todo  a  vifta  de  Ter- 
ra j  mas  peio  contrario  me  fuccedeo  quan- 
do 


Tarde  trigefima  quarta.     333 

do  aviftámos  Terra  :  primeiramente  a  vio 
o  Gageiro  ,  que  vinlia  lá  no  cefto  da  Ga- 
via  5  depois  também  nós  no  convés  da 
náo  ;  porém  lo  viamos  a  ferra  de  Cintra , 
depois  o  zimbório  de  S.  Vicente  ,  até  que 
fomos  vendo  com  incrível  alegria  a  Cida- 
de toda. 

Theod.  A  razão  de  tudo  illb  he  a  convexida- 
de da  fuperíicie  do  mar  ;  porque  a  linha 
da  vifta  ,  que  defde  o  navio  vai  roçando 
pela  fuperíicie  da  agua  ,  apenas  alcança 
as  partes  mais  altas  ,  ficando-lhe  as  inte- 
liores  efcondidas  com  a  agua  ;  quando  po- 
rém o  navio  fe  vai  chegando  ,  e  hc  menor 
a  diftancia  ,  já  pódc  a  vifta  defcubrir  por 
linha  reòla  de  huma  parte  á  outra,  fcm  to- 
par na  agua. 

£ug.  Também  nos  íuccedia  ,  que  á  propor- 
ção que  hiamos  caminhando  para  o  Sul  , 
fe  nos  hia  abaixando  a  Eítrelia  do  Norte , 
c  fumindo  para  baixo  ;  até  que  finalmente 
perto  da  Linha  a  perdemos  de  vifta  :  mas 
rambcm  fomos  vendo  Eíhelías  que  nunca 
tínhamos  vifto  3  porque  as  da  parte  do  Sul 
cada  vez  nos  apparcciJo  mais  altas. 

Theod.  Eis-ahi  outra  prova  da  figura  globofa 
do  mundo  ,  confiderado  de  Norre  a  Sul: 
de  forte  ,  que  em  quanto  caminháveis  de 
Nafcente  a  Poente  ,  hiáo-fe  fumindo  para 
baixo  os  portos  que  deixáveis  ,  c  também 
pouco  a  pouco  fnrgindo  para  ílma  os  por- 
tos que  íeis  demandando  j  e  ilTo  prova 
que  o  mar  he  convexo  de  Nafcente  a  Poen- 
te; 


334         Recreação  Filofofica 

te  :  e  o  que  a^ora  me  dizeis  das  Eítrellas, 
prova  que  cambem  o  he  de  Xcrte  a  Sul  \ 
e  a  razÀo  he  a  meíma,  que  das  grimpas  cas 
torres.  Se  vós  folieis  navegando  até  o  pó- 
lo do  Sul  5  as  EítrcIJas  do  Ceo  delTe  pólo 
vos  ficiriáo  fobre  a  cabeça  j  e  pelo  con- 
trario vos  ficaria  bem  debaixo  dos  rés  a 
noíÍA  Eílrelía  do  Noríe.  O  contrario  vos 
havia  de  lizcceder  voltando  para  o  polo  do 
Norte. 

Eug,     Aílim  he. 

Thtod.  Aqui  tendes  já  explicado  o  que  quer 
dizer  Ahura  do  Polo  ;  porque  como  a  Ter- 
ra he  redonda ,  caminhando  v.  g.  de  Lisboa 
para  Galiza,  que  nos  fica  ao  Norte  ,  cada 
vez  vamos  tendo  maior  altura  do  Pêlo  ,  if- 
lo  he  ,  cada  vez  ncs  fica  o  pólo  do  Norte 
mais  alto  a  relpeito  de  nós  :  ranto  aílim  , 
que  ,  Te  foliemos  fempre  andando  por  eíTa 
linha  adiante  ,  algum  dia  teríamos  a  pru- 
mo fobre  a  cabeça  elTa  Eftreihi.  Pelo  con- 
trario 5  vindo  do  Nor:e  para  Lisboa  ,  ca- 
da vez  fe  havia  de  ir  abaixando  a  Eítrella 
do  Norte.  Agora  já  ficais  entendendo  o 
porque  fe  diz  ,  que  Lisboa  tem  ^H  grrios 
de  altura  do  Norte  ,  e  4^  minutos  j  o  Por- 
to 41  ,  e  10  minutos ,  Scc. 

£ug.  Já  percebo  :  m.as  clTcs  gráos  que  di- 
zeis 5  chamaváo  os  Pilotos  da  minha  em- 
barcação gráos  de  Latitude  :  cxplicai-me 
iilo  o  que  quer  dizer. 

Ihiod.  O  Giobo  da  Terra  dividem  os  Geó- 
grafos com  vários  círculos  ,  íemelhantes  e 

pro- 


Eli. 


Tarde  trlgefima  quarta,     335' 

proporcionados  aos  que  defcrevem  os  Af- 
ironomos  no  Ceo.  Chegai  comigo  a  cfte 
globo  tcrrefoe  (^EJiamp.  4.  fg-  8.)-  Tam-  ^^^-  ^• 
bem  na  Terra  defignáo  deus  pólos  ,  o  do  "S'  ^• 
Norte  N  5  c  o  do  Sul  S  ,  que  correrpon- 
dcm  e  ficão  a  prumo  debaixo  dos  ponros 
immoveis  do  Ceo  ,  a  que  chamáo  pólos : 
junto  de  caca  hum  deites  pólos  ,  com  dií- 
tancia  de  2:5  gráos  e  meio,  aííínáo  hum  cir- 
culo Polar  p  p  ,  e  entre  cftes  dous  círcu- 
los Folares  defcrevem  outros  três  ,  paral- 
lelos  todos  entre  fi.  O  do  meio  E  E  ,  e 
que  igualmente  difta  de  hum  c  outro  pó- 
lo 5  chama-fe  Equador ,  ou  Linha ;  os  dous 
T  T  5  que  dos  lados  acom.panháo  a  Li- 
nha em  diftancia  de  2^  gráos  e  meio  ,  cha- 
máo Trópicos  ;  e  já  vedes  que  eftes  círcu- 
los, afiim  como  tem  os  mefmos  nomes  dos 
círculos  do  Ceo  ,  também  lhes  correípon- 
dem  a  cUes  ,  pois  guardáo  entre  fi  a  mef- 
ma  diftancia.  Eftes  círculos  fórmáo  cinco 
zonas  ou  cintas  na  fuperficie  da  Terra.  A 
que  fica  entre  os  dous  Trópicos  e  com- 
prchende  47  gráos  ^  chamáo-lhe  Zona  Tor- 
ridx  y  porque  como  o  Sol  fempre  anda  lá 
por  fima  ,  corrcípondente  a  eíla  Zona , 
julgaváo  algum  dia  que  pelo  nimio  calor 
feria  abrazada  e  inh;íbitavcl  ;  porém  vós, 
Eugénio  5  viftes  por  experiência  própria 
que  coínprehende  os  mais  deliciofos  climas. 
Oi  dous  círculos  polares  dentro  do  fcu 
circuito  comprehendem  dous  lerrenos  ,  que 
fc  chamáo  Zonas  frigidas  ,   e   o  eí^^aço, 

que 


336       Recreação  Filofofica 

que  refta  entre  caca  hum  dos  Trópicos  c 
o  circulo  polar  próximo  ,  cjue  imporra  cni 
4^  gr^os  j  chamáo-lhe  Zona  icmpcvãda. 
Além  diíTo  ,  também  le  dcícrcvem  vanos 
Meridianos  na  Terra  Temelhanies  :.os  do 
Ceo  i  e  chamáo  ailim  a  todo  o  circulo ,  que 
paíTa  de  pólo  a  pólo  por  fima  dcíle  ,  ou 
daqueiie  lugar  determinado:  v.  g.  o  circulo, 
que  comprehcnde  a  Terra  ,  e  palTa  do  .Ver- 
te a  Sul  por  fima  de  Lisboa  ,  he  o  xMeri- 
diano  de  Lisboa  \  como  o  circulo  que  do 
Norte  a  Sul  paíTa  por  Paris ,  he  o  Meridia- 
no de  Paris  i  e  aílim  das  mais  terras. 

£u^.  \^fto  iíTo  ,  cada  Terra  tem  o  feu  Me- 
ridiano particular. 

Thcod.  AÍIim  he,  fallando  daquellas  ,  que  íi- 
cáo  humas  mais  ao  Xafccnre  do  que  ourras , 
porque  as  que  difíáo  entre  fi  fomente  de 
Norte  a  Sul  ,  tem  o  meímo  Meridiano, 
pois  palTa  por  fima  de  ambas. 

Eug.     Percebo. 

Thíod,  Suppofto  ifto ,  creio  que  vos  lembrais 
do  que  ja  diíTcj  que  todo  o  circulo  le  divi- 
dia em  7^60  partes  ,  a  que  chamáo  gráos , 
c  ajlim  hum  meio  circulo  tem  180,  c  hum 
quarto  tem  90.  D'aqui  fegue-íe  que  do 
Equador  ou  Linha  E  E  ,  até  qualquer  dos 
pólos  N  S  ,  vão  {o  90  grãos  ;  e  que  to- 
da a  Linha  cm  redondo  rem  2,60.  Agora 
já  podeis  fabcr  que  coufa  hc  Longitude  ,  c 
Latitude  de  qualquer  CíÓáÓç  ou  Villa.  in- 
ventarão os  Geógrafos  eíle  modo  de  ía- 
ber  que   lugar  occupava   na  fuperficie    da 

Ter- 


Tarde  trigefima  quarta,     357 

Terra  efta  ou  aquella  Cidade  :  e  determi- 
narão hum  circulo  ,  que  paiTa  de  Norte  a 
Sul  ,  por  fima  da  Ilha  do  Ferro  ,  que  he 
huma  das  Can^ri.ís  ,  para  ler  o  primeiro 
Meridiano.  líto  he  o  Mer  diano  certo  ,  do 
qual  fe  principia  a  cornar  a  Longitude  dás 
terras.  Aqui  o  tendes  ;  porém  eiia  Longitu- 
de fó  fe  conta  no  Equador. 

£ug.  E  quando  a  Cid-^de  ,  de  que  tratamos, 
náo  eftiver  no  Equador  ,  mas  para  as  ilhar- 
gas ,  como  po'To  eu  faber  a  Longitude  ? 

Theod.  Nos  Mappas  ,  em  que  eftáo  pintados 
os  lufares  das  terras  ,  também  eftáo  defi- 
gnadas  varias  linhas  ,  que  vem  de  pólo  a 
pólo  ,  e  atravefsáo  o  Equador  :  aqui  fe 
vem.  Eítas  linhas  são  outros  tantos  Meri- 
dianos  :  vede  vós  qual  dcftas  linhas  palTa 
roais  pcr:o  de  Lisboa  ,  e  ide  ver  o  Ijg.r 
ou  grão  do  Equador  ,  onde  cila  o  corta  , 
achareis  que  he  no  ^rao  lO,  e  ficais  fabcn- 
tío  qual  he  a  Longitude  de  Lisboa  ,  defcon- 
tando  aquelles  gráos  que  valem  a  diftancia  , 
que  Lisboa  tinha  deíTe  circulo  ,  de  que  vos 
valeíles. 

Eug.  E  vendo  fu  o  lugar  ,  em  que  eíTa  li- 
nha ou  Meridiano  corta  o  Equador  ,  co- 
mo polTo  faber  que  gráo  de  Equador  he 
cfle? 

Theod.  No  Mappa  eftá  efcrito  o  número  del- 
les  de  10  em  10  ,  e  eftáo  entre  fi  todos 
diftin<flos  ,  como  vedes  ;  mas  no  caio  cuc 
o  náo  eftivcíTem  ,  havíeis  de  ir  bufcar  a 
Ilha  do  Ferro  ;  e  o  primeiro  Meridiano , 
Tom.  VI.  Y  que 


338         Recreação  Filofojica 

que  paíTa  por  cila  ,  e  começando  a  contar 
(jerdc  o  ponto  em  que  clle  corta  o  Equa- 
dor ,  caminhando  com  a  conta  para  o  Naf- 
ccnte  5  ou  para  a  parte  ce  Helpanha  ,  acha» 
reis  o  numero  dos  grãos  do  Equador  em 
qualquer  lugar  que  o  cortem. 

Eu^.  ]i  fei  bufcar  a  Loiíj^itude  ,  mas  náo  fei 
ainda  conhecer  a  Latitude. 

Theod.  Achando  qualquer  terra  no  Mappa , 
ou  Gíobo  Terrcíhe  ,  haveis  também  de 
ach^r  vários  círculos  paralielos  ao  Equador, 
que  váo  cortar  o  primeiro  Meridiano  :  to- 
mai o  circulo  mais  chegado  a  cila  terra , 
de  que  fallais  ;  e  leguindo-o  para  o  Poen- 
te ,  ireis  ver  que  grão  corta  no  primeiro 
Meridiano  y  e  elTa  he  a  Latitude  buicada. 
Advirto  que  haveis  de  accrefcentar ,  cu  dcf- 
conrar  o  que  diftava  da  Terra  eHe  circulo 
vizinho  ,  de  que  vos  valcftes.  Diflo  fe  in- 
fere que  nunca  haveis  de  ouvir  dizfer  que 
alguma  terra  rem  mais  de  f/O  gráos  de  La- 
titude ;  porque  como  do  Equador  até  o  pó- 
lo vai  hum  quarto  de  circulo  ,  em  contan- 
do 90  gráos  ,  eftamos  debaixo  do  pólo ; 
porém  de  Longitude  podemos  contar  até 
7^6o  gráos  ,  porque  fe  contáo  em  hum  cir- 
culo inteiro  e  continuado.  A  Latitude  hu- 
mas  vez^s  hc  p.na  o  Sul  ,  outras  para  o 
Norte  ;  porem  a  Longitude  lempre  he  huma. 

Eug.     ]a  emendo. 

Theod,  De  paíTagr-m  vos  direi  a  Longitude, 
c  Latitude  das  Elhell?.s  ,  pois  o  náo  dilíc 
em  feu  lugar  ,    porque  aqui  melhor  o  en- 

icn- 


Tarde  trigefima  quarta,     339 

.  tendereis.  ]á  vos  dilTe  que  no  Gco  Te  deíi- 
gnava  ham  circulo  ,  que  chamáo  Eciitica  , 
e  he  o  caminho  do  ^•ò\,  A  refpeiro  deiíe 
circulo  tsmbem  fe  deiTignáo  dous  pólos  , 
diverfos  dos  pólos  do  mundo  ,  e  diítáo  dei- 
les  2;  grãos  e  meio.  Eíles  pólos  i'e  cha- 
máo pólos  da  Eciitica  \  e  são  dous  pontos 
do  Ceo  5  que  dilláo  igualmente  de  todos 
os  pontos  da  Eciitica  cm  redondo  ,  allim 
como  os  pólos  do  Norte  e  Sul  diftáo  igual- 
mente de  todos  os  pontos  do  Equador  Ce- 
lefte.  Ora  nefta  Eciitica  he  que  í"e  mede  a 
Longitude  de  qualquer  Eftrclla  ,  afíim  co- 
mo no  Equador  fe  m^^dem  as  Longíiudes 
dâs  terras  ;  e  a  Latitude  mcde-íe  nos  cir- 
cules oii  linhas  ,  que  tiramos  por  íima  def- 
fa  Eílreíia  dcfJe  a  Eciitica  ao  pólo  delia  ; 
alllm  como  na  Terra  medimos  as  Latitudes 
nas  linhas  ,  que  vão  por  ílma  das  Cidades 
até  o  pólo  do  Norte  ou  Sul. 

Eug.  ]á  percebo  :  he  o  meimo  que  na  Ter- 
ra 5  com  a  diíFerença  ,  que  lá  nas  Eí^rdlas 
fe  attende  á  Eciitica  e  feus  póio>  ,  e  cá  na 
Terra  arrendemos  ao  Eq-aador.  Profe^ui. 

Th^od,  Efquecia-me  dizer- vos  que  na  Ecii- 
tica fe  comcçâo  a  numerar  os  gráos  deide 
o  primeiro  ponto  de  Aries  ,  iílo  he  ,  do 
pomo  cm  que  a  Eciitica  corta  o  Equador 
fubindo  para  o  Norre.  E  defte  modo  po- 
deis bufcíT  no  Mappa  do  C?o  qualquer  Ef- 
trclla ,  fabendo  a  fua  Longitude  e  Latitu- 
de ,  alíim  como  fuccede  no  Mappa  Terrcf- 
ire  com  as  Cidades  e  Vilias  ,  que  por  eftc 
Y  ii  mo- 


340        Recreação  Tilofofica 

modo  achamos.  \^2mos  agora  a  determinar 
mais  individualmente  a  figura  do  Globo  da 
Terra. 

SiW,  Já  vós  diíTeftes  que  ella  era  hum  pou- 
co abatida  nos  pólos  (  i  ). 

Tkeod.  Chamáo-lhe  a  cíTa  figura  Esferóide: 
c  agora  pouco  tenho  que  accrefcentar  •,  fó 
farei  por  dar  mais  luz  ao  que  entáo  diíTe. 
He  verdade  que  muitos  Aítronomos  ,  como 
os  dous  Caííinos  ,  Maraldi  ,  Bruncto  ,  e 
outros  feguíráo  que  a  Terra  era  da  figu- 
ra de  hum  ovo.  Porém  Hugens  ,  e  Ne>5r- 
ton  ,  e  ,  quanto  a  mim  ,  todos  os  Aího- 
nomos  que  prcícntemente  ha  ,  feguem  que 
he  mais  abatida  nos  pólos  ,  e  femelhanie 
a  huma  laranja.  Três  fundamentos  allegáo 
para  iíTo  :  o  primeiro  hc  levado  meramen- 
te pelo  calculo  ,  aiTentando  que  a  Terra  fe 
move  5  como  vos  expliquei  (2).  Os  cor- 
pos á  proporção  que  fe  chegáo  para  o  t- 
quador,  diminuem  do  pezo  ,  e  por  iíTo  de- 
ve fer  ahi  mais  alto  o  mar  ,  e  por  confc- 
guinic  também  a  fuperficic  da  Terra  ,  que 
ícmpre  lhe  fica  em  partes  fuperior.  Confor- 
me a  efte  calculo  deve  fer  o  diâmetro  da 
Terra  no  Equador  maior  ,  que  o  diâmetro 
nos  pólos  ,  na  proporção  de  2^0  a  inj. 
O  fcgundo  argumento  he  tirado  das  obfer- 
vaçóes  que  ,  como  já  vos  difTe  ,  foráo  fa- 
zer os  Académicos  Francezes  com  alguns 
Hefpanhoes  ,   tanto  ao  Peru  ,   como  á  La- 

po- 
(  1  )     Tarde  XXXII.    §.  VI. 
(2)      Tarde  XXXII.  §.  VI. 


Tarde  trlgefima  quarta,     341 

pònia  ;  e  medindo  exaóliííimamente  òs 
gráos  dos  Meridianos  ,  e  confcrindo-os  com 
as  medidas  do  Meridiano  em  Paris  ,  conhe- 
cerão que  os  gráos  quanto  mais  perto  elta- 
váo  do  Equador  ,  mais  pequenos  eráo  \  de 
forte  5  que  calculando  lobre  a  fua  expe- 
riência 5  fahe  o  gráo  chegado  ao  pólo  tan- 
to maior ,  que  o  do  Equador  ,  como  60  he 
maior  que  5V  (  O  *  ^  como  fabenco  a 
defigualdade  de  cada  gráo  fe  conhece  geo- 
metricamente a  curvatura  da  linha  ,  e  quanro 
diíFere  do  circulo  em  que  fempre  he  igual , 
facilmente  fe  conhece  que  a  figura  da  Terra 
he  como  a  da  laranja.  Vós  bem  vedes  que 
a  fuperficie  de  hum  ovo  he  mais  curva  pa- 
ra as  extremidades  ou  pólos  ,  do  que  no 
meio  ;  pelo  contrario  a  laranja  he  mais  cha- 
ta e  menos  curva  nos  pólos  ,  que  no  meio: 
ora  com.o  hum  gráo  do  circulo  he  huma 
parte  da  fua  curvatura  \  quando  huma  li- 
nha he  mais  curva  que  outra  ,  mais  de- 
preda chega  a  ter  hum  gráo  de  curvatura : 
e  aflim  menos  comprimento  de  linha  baf- 
ta  para  haver  hum  gráo.  Deíle  modo  iuc- 
ztào.  na  Terra.  Junto  aos  pólos  como  a  fua 
fuperficie  he  mais  chata  ,  para  achar  curva- 
tura que  faça  hum  ^ráo  ,  he  preciío  tomar 
grande  porção  de  fuperficie  \  e  comprchen- 
de  o  gráo  ^57.996  pés  (2)  ;  mas  junto 
ao  Equador  ,  como  a  fuperficie  da  Terra 
ahi  volta  mais  depreíTa  ,   e  náp  he  táo  pla- 


na 


9 

(1)     Gravef.  Ph\r  E!em.  Mat.  n.  4Ji2. 
^2)     Gravef.  num.  43^0. 


34-         Recreâçuo  Fllofofica 

na  5  para  ter  hum  gráo  de  curvatura  ,  bafta 
menos  ,  c  aílim  o  grão  do  Equador  tem  fó 
í;52.  cc8  5  defprczanc^.o  em  an  bas  as  partes 
huns  pequenos  qucbraios.  Efte  ar^un^enro 
rira  iodas  as  dúvidas  ,  porque  he  demonl- 
rraíivo.  Suppoíhs  eftas  medidas  ,  íahe  pe- 
lo caltulo  o  diâmetro  do  Equador  maior, 
que  o  dos  pólos  ,  na  razão  de  178  a  177. 
V.imos  ao  terceiro  argumento  ,  que  tam- 
bém hc  mui  forte  ,  e  já  o  toquei  os  dias 
paliados  ,  e  he  tirado  do  diverfo  movimen- 
to dos  pêndulo?.  Obfervou-fe  que  o  mef- 
mo  pêndulo  cm  Paris  faz-a  as  vibrações 
muito  mais  de  vagar  ,  que  na  Laponia  \  e 
tanro  tempo  g.ilavâo  cm  Paris  86.  150  vi- 
br,^çóes  ,  como  na  L.iponia  86.  217  ( tam- 
bém dtíprézo  alguns  pequenos  quebrados), 
mas  sáo  ^r^  vibrações  de  mais  ,  qusfi  cm 
24  horas.  Do  mcfmo  modo  fe  achou  que 
jun'o  ao  Equador  ainda  os  pêndulos  anda- 
váo  mais  de  vagar  ,  que  cm  Paris.  Donde 
íe  conhcceo  que  a  gravidade  deíTcs  pezos 
diminuía  í  proporção  que  fe  chegaváo  pa- 
ra o  Equador.  Alguns  attribuir?o  líto  ao 
calor  delias  regiões  ,  dizendo  que  fazia  cí- 
tender  as  varas  dos  pêndulos  ,  o  que  cer- 
tamente faria  as  vibrações  mííis  vagarofas  ; 
porém  pelo  que  já  vos  diííe  fe  conhece 
que  c{h  refpofta  he  frívola  ;  por  quanto  o 
calor  deíTas  regiões  ,  como  vós  fabeis  ,  he 
mr-derado  ;  e  cm  Quito  no  tempo  ,  em 
qnj  gelava  ,  era  preciío  encurtar  a  vara  do 
pêndulo    20  vezes   mais  ,   do  que  a  podia 

cf- 


Tarde  trigerima  quarta,     343 

eftendcr  hum  calor  inteníiílimo  ,  para  con- 
cordarem as  vibrações  com  as  que  fe  fa- 
ziáo  em  Paris  :  e  náo  he  crivei  que  ,  ge- 
lando 5  houveffe  em  Quito  muito  calor  : 
por  onde  íe  infere  que  náo  podia  -a  dilata- 
ção dos  pêndulos  íer  a  caula  de  íe  retar- 
darem as  luas  vibrações  ,  mas  íómente  o 
diminuir-fe  ahi  a  f^ravidade  ou  pezo  de  ca- 
da partícula  ,  cahindo  por  iilo  os  graves  com 
menor  velocidade. 

Súv,  Facilmente  fe  pôde  conhecer  fe  t\^.^ 
efieito  procede  da  diminuição  da  gravida- 
de ,  pondo  outro  pêndulo  em  Paris  v.  g. 
de  pezo  algum  tanto  menor  ,  e  vendo  fe 
faz  as  vibrações  tâo  vagarofas  como  eíle  na 
America. 

Theod.  Já  diíTe  que  náo  pôde  fer  ifío  aflim  , 
porque  haveis  de  faber  que  ,  tendo  os  pên- 
dulos o  meímo  comprimento  de  vara  ,  fa- 
zem as  vibrações  no  meimo  tempo  ,  feja 
qual  for  o  Teu  pezo  :  ifto  he  certo.  E  a  ra- 
zão já  vós  a  labeis  ,  porém  náo  a  appli- 
cais.  Eu  já  vos  dilTe  (  i  )  que  deus  pczos 
mui  diverfos  ,  largando-os  pelo  vácuo  ,  ca- 
hiáo  a  hum  tempo  ;  e  que  quando  cahem 
pelo  ar  ,  fó  ha  a  diíFerença  na  velocic^^adc 
que  lhes  caufa  a  rcfiílencia  do  ar.  Ora  co- 
mo os  pêndulos  fazem  as  fuás  vibrações 
cahindo  e  fubinio  ,  importa  pouco  que  le- 
nháo  mais  ou  menos  matéria  ,  em  ordem 
a  gaftirem  miais  ou  menos  tempo  no  c?hir 
e  fubir.    E  aflim  ,    fe  nós   quizcrm^os    frzcr 

que 
(O     Torr.   I.  Tarde  I.  §.  VIII. 


^44  Recreação  Filofojica 
que  hum  pêndulo  tendo  a  vara  tão  compri- 
da como  o  curro  (  porque  fó  ifto  he  que 
governa  as  vibrações  ,  como  ie  dcmoníha 
na  Mecânica  )  le  quizermos  que  faça  as 
vibrações  mais  vagarofas  ,  náo  bafta  dimi- 
nuir a  mareria  do  pezo  ,  porque  huma  fó 
partícula  de  mareria  de  huma  pluma  cahi- 
ria  com  tanta  velocidade  como  cem  arro- 
bas de  chumbo  (prefcindo  da  refiftencia  do 
ar)  :  he  logo  preciío  para  retardar  eítas  vi- 
brações que  cada  particula  de  matéria  fc- 
ja  attrahicia  ou  impcUida  para  a  Terra  com 
menos  força  ,  e  caia  cem  menos  velocida- 
de i  e  ifto  fó  fe  confe^ue  pondo  o  tal  pên- 
dulo ma:s  perto  do  Equador  ;  porque  ahi 
cm  cada  particula  de  matéria  he  menor  a 
gravidade. 

Silv  Já  entendo  ;  mas  que  tem  iflo  com  a 
fií^ura  da  Terra  ? 

Theod.  Tu  o  digo.  No  fyftema  Ne>j(toniano 
a  gravidade  mutua  c  geral  ,  que  fe  conhe- 
ce em  tudo  o  que  tem  mataria  ,  ou  feja 
Tcrreíire  ou  Cckfte  j  fe  obferva  que  dimi- 
nue  na  razáo  inverfa  do  quadrado  da  diíian- 
cia  àc{^t  corpo  até  ao  centro  da  attracçáo 
(proceda  a  gravidade  do  que  proceder):  if- 
to he  huma  \t\  conílantcmcnic  oblcrvada 
em  Ccos  e  Terra  :  logo  pr.ra  fcr  micncr  a 
força  ,  com  que  no  Equador  os  pêndulos 
pezáo  ou  S20  aitrahidos  para  a  Terra  ,  he 
precifo  que  ahi  diftem  mais  do  centro.  Por 
iíío  dcfte  argumento  dos  pêndulos  fe  colhe 
que  a  Terra  no  Equador  he  mais  levantada. 


Tarde  trigefima  quarta.      345' 

SWv.  E  o  calculo  fundado  no  movimento  dos 
pêndulos  concorda  com  os  outros  que  dif- 
ícíires  ? 

Theod.  Concorda  na  fubftancia ,  mas  com  al- 
guma diíièrcnça.  Pelo  calculo  de  Newton , 
fundado  fobre  o  movimento  da  Terra  ,  de- 
ve ler  mais  alta  no  Equador  4  léguas  e 
meia  das  nolTas  j  pela  medição  dos  Acadé- 
micos deve  fer  mais  levantada  quafi  6  lé- 
guas das  noíTas.  O  calculo  dos  pêndulos 
mais  fe  accommoda  ao  de  Newton  ,  pofto 
que  não  con.orda  de  todo.  Porém  fe  New- 
ton o  forma  íò  fobre  o  miOvimenro  da 
Terra  ,  corno  além  da  força  centrifu^^a  no 
Equador  ,  ha  a  maior  diftancia  do  centro, 
e  m.enor  attracçáo  da  Gravidade  ,  devem 
fubir  as  aguas  ainda  miiiiio  mais  das  4  lé- 
guas c  meia  ,  que  fubiriáo  ,  fenáo  houvcf- 
le  diminuição  na  gravidade  por  caufa  da 
maior  diílancía  do  centre.  O  iníigne  Ben- 
to de  Moura  Portugal  ,  homem  de  grande 
engenho  ,  conjeclurou  que  a  maior  eleva- 
ção do  G'obo  Terráqueo  não  fera  no  Equa- 
dor ,  mas  alguns  gráos  diítanrc  dellc.  O 
feu  fundamento  he  ;  porque  a  força  centrí- 
fuga faz  fugir  a  agua  do  eixo  para  fora 
por  linhas  perpendiculares  ao  eixo  ;  e  no 
Equador  a  força  da  gravidade  obra  por 
cita  mefma  linha  ]  mas  nos  lados  a  força 
da  ^rax  idade  ,  como  fò  puxa  para  o  cen- 
tro ,  não  cbra  por  linhas  perpendiculares  ao 
eixo  j  donde  fe  fegue  que  a  força  centrí- 
fuga acha  maior  contrariedade  no  Equa- 
dor, 


34 6        Recreação  Filofofica 

dor,  que  na  Latitude  de  alguns  gráos;  por- 
que acha  huma  força  ,  que  obra  pela  mef- 
ma  linha  em  contrario  \  e  talvez  que  d'a- 
qui  proceda  que  nas  vizinhanças  da  linha 
náo  he  perfeitamente  conífante  nas  expe- 
riências dos  pêndulos  o  atrazarem-fe  á  p-o- 
porção  de  fe  aproximarem  á  Linha.  Mas 
o  tempo  moftrará  fe  efta  conjectura  he  foli- 
da.  Sempre  concluímos  que  he  effa  a  fi- 
gura da  Terra  ,  a  qual  nem  por  iíTo  deixa 
de  ícr  fenfivelmente  globofa  j  porque  féis 
léguas  de  maior  altura  no  Equador  he  cou- 
iá  mui  pequena  c  infenílvel  a  rcfpeito 
do  Diâmetro  medío  da  Terra  ,  que  tem 
2.062  léguas  Portuguezas.  Advirto  que  eu, 
fegaindo  a  Arte  de  Navegar  do  noíTo  Coí- 
rrografo  Mór  ,  dou  a  cada  gráo  do  cir- 
culo máximo  18  léguas  (  os  Efpanhoes 
lem  léguas  hum  pouco  maiores  ,  e  dáo  ao 
gráo  17  léguas  e  meia)  :  e  por  eftas  con- 
tas vem  a  ter  o  circulo  Máximo  6.  480  lé- 
guas Portuguezas.  Agora  fe  quereis  fabcr 
quantas  léguas  quadradas  contém  a  fuper- 
fície  da  Terra  ,  haveis  de  multiplicar  o  feu 
circulo  máximo  por  todo  o  diâmetro  ,  e 
fahem  1^:^61.760.  E  para  dizer  tudo  de 
huma  vez  ,  rcm  toda  a  terra  de  volume 
(4;  591:991.  520)  quatro  mil  ,  quinhentos 
e  no¥cnta  e  hum  contos  ,  novecentas  e  no- 
venta e  huma  mil  ,  quinhentas  e  vinte  lé- 
guas cubicas.  Tambcm  advirto  que  nas  Ta- 
boas  do  PaJre  Eufebio  da  Veiga  ha  grande 
equivocaçáo    no   que   toca    á   grandeza    da 

Ter- 


Tarde  trtgefima  quarta,     347 

Terra.  Talvez  os  ImpreíTores  trocariáo  as 
letras  de  conta,  o  que  hc  mui  facil. 
"Eiig.  Quem  tem  ufo  à^:  contai  he  ciue  iabe 
quão  tacií  he  o  haver  nellas  grande  equivo- 
cp.çáo  ;  ainda  fazendo-as  com  cuidado  ,  quan* 
to  mais  paliando  por  máos  alheias  ,  como 
fuccede  nas  imprcrsócs. 

§.  II- 

X>45  horai ,  àia  ,  c  Anno ,  V^yÃo  ,  t 
Inverno, 

Theçd,  Q  Egue-fe  agora  explicar  os  admira- 
O  veis  eífeitosj  que  naícem  da  figu- 
ra globofa  da  Terra  ^  e  alguns  ou:ros  ,  que 
tem  com  ellcs  parentefco  ,  pofto  que  pro- 
cfdáo  de  caufa  diverfa.  Primeirameme  que- 
ro explicar  os  Dias  ,  Annos  e  Eftaçôes  do 
anno.  O  Dia  humas  vezes  ie  toma  pelo 
cípaço  de  vinte  e  quatro  horas  ,  e  então  íe 
chama  Dia  Natural  ;  e  ncíte  fenrido  dize- 
mos que  o  mcz  confta  de  :5o  dias  conti- 
nuados, começando  hum  no  mefmo  pomo 
da  meia  noite  ,  onde  acaba  o  precedente. 
Outras  ve2es  o  Dia  fófignifica  o  cfpaço, 
em  que  gozamos  da  luz  do  Sol  ;  e  neíte 
fentido  exclue  a  noite  ,  e  fe  chama  Dix 
artificial.  O  Dia  natural  ,  que  confta  de 
vinte  e  quatro  horas,  he  o  cfpaço ,  que  gaf- 
ta  o  Sol  em  girar  á  roda  de  nós ,  formando 
hum  circulo  inteiro  :  de  forte  ,  que  conta- 
mos 


34^         Recreação  Filofofica 

mos  meio  dia  da  quinta  feira  v.  g.  quan- 
do o  Sol  eltá  no  Meridiano  que  palia  pe- 
la noíTa  cabeça  ;  e  quando  tornar  a  paíTar* 
por  fima  de  nós  ,  tocando  neíle  mefmo 
Meridiano ,  tem  paliado  24  horas ,  ou  hum 
dia  completo  ,  que  fe  lórma  da  tatde  da 
quinta  ,  e  da  manhã  da  feita  feira.  Porém 
haveis  de  notar  que  o  dia  das  EítrcUas  he 
mais  pequeno  ,  que  o  dia  do  Sol.  Eu  me 
explico.  O  interva'lo  de  tempo  ,  que  gafta 
o  Sol  em  dar  huma  volta  áMc  que  lar- 
gou o  noíTo  Meridiano  até  tomar  a  tocar 
nelle  ,  chamamos  o  dia  do  Sol  ;  porém  o 
efpaço  ,  que  gafta  qualquer  Eftrella  fixa  , 
depois  que  paíTou  pelo  nolTo  Meridiano,  até 

-  tornar  a  tocar  neile  ,  chamamos  o  dia  das 
EJirellas. 

Eug,  Percebo  \  mas  porque  dizeis  que  cííe 
dia  he  menor,  que  o  do  Sol? 

Thcod.  Supponhamos  que  o  Sol  hoje,  quan- 
do paliou  pelo  noíTo  Meridiano ,  citava  jun- 
to d'uma  Eftrella  ;  fe  o  Sol  íenáo  movefíc 
com  o  feu  movimento  próprio  para  o 
Oriente ,  quando  á  manhã  chegalTe  a  paílar 
.  por  íjma  de  nós  cila  Eftrella,  viria  também 
o  Sol  ;  mas  como  entretanto  o  Sol  tinha 
andado  p?.ra  trás  ,  ifto  he  para  o  Xafcente , 
depois  de  chegar  a  Eftrella  ao  Meridiano, 
ainda  he  preciio  efperar  algum  tempo  ,  até 
que  o  Sol  chegue.  Quando  o  Sol  andou 
mais  ,  efpera-ie  mais  tempo  para  chegar 
ao  Meridiano  ;  e  quando  andou  menos , 
menos  tempo  fe  cfpera  por  elle,  depois  de 

chc- 


Tarde  trigefima  quarta,     349 

chegar  a  EftrcUa.  Mas  huns  dias  por  ou- 
tros tarda  o  Sol  em  chegar  ao  Meridia- 
no 5  depois  de  ter  chegado  a  EftreUa  ,  3 
minutos  e  56  fegundos  ;  porém  na  reali- 
dade 5  huns  dias  tarda  mais  ,  e  outros  me- 
nos. 

Silv.  E  porque  náo  tarda  o  Sol  íempre  o 
mcfmo  tempo  ? 

Theod.  Vós  ambos  já  me  ouviftcs  dizer  que 
CS  Planetas  náo  andaváo  nas  fuás  orbitas 
Íempre  a  paíTo  igual  ;  que  humas  vezes  ic 
apreíTaváo  ,  outras  íe  atrazaváo  (  i  ) .  Ora 
o  Sol  fegue  efta  meima  regra  (  os  Co- 
pernicanos  cizem  Ter  efte  miCvimento  appa- 
rente  no  Sol  ,  mas  verdadeiro  na  Terra , 
e  netlc  fyftema  a  Terra  rambcm  ,  como  os 
outros  Planetas  ,  ora  Te  apreíTa  ,  ora  ie 
atraza).  Daqui  fe  fegue  que  nem  em  to- 
dos os  dias  ha  de  ler  igual  o  eipaço  que 
2nda  o  Sol  com  o  feu  movimento  próprio ; 
e  allim  nem  fempre  ha  de  fer  o  mefOiO 
intervallo  de  tempo  ,  que  vai  àc^âç  que 
chega  a  Eftrelia  ao  Meridiano  até  que  che- 
gue o  Sol.  Por  iflb  os  dias  verdadeiramen- 
te náo  sáo  iguaes  j  e  como  cada  dia  fc 
reparte  em  24  horas  ,  também  eftas  náo 
íicáo  i^uaes  :  eis-aqui  porque  os  relógios 
náo  podem  acompaniiar  o  Sol  ;  e  he  preci- 
fo  ora  atrazallos  ,  ora  adíantallos  ;  pois  o 
feu  movimento  ,  fempre  confiante  ,  náo 
pôde  concordar  com  o  do  Sol  ,  que  va- 
lia. 

Eug. 
(  1 )    Tarde  XXXIII.  §.  III. 


^jo         Recreação  Filofofica 

£ug,  Aré  aqui  attribuia  iíTo  á  imperfeição 
dos  rciogics  ;  mas  agora  vejo  que  hc  in.lif- 
pcnfavcl  clTci  diligencia  para  os  trazer  cer- 
tos com  o  Sol. 
Ikecd.  Vamos  a  explicar  o  Dia  artijicial , 
ido  he  ,  o  dia  que  fe  oppóe  á  Noite.  Co- 
meça o  dia  com  hum  crcpufculo  ,  e  acaba 
com  Outro.  Ciiamamcs  crepufculo  áqucUa 
luz  5  que  pouco  a  pouco  creíce  aré  apparc- 
ccr  o  Sol  ,  e  que  pouco  a  pouco  dimmuc 
depois  delie  d.íapparecer.  Elle  crepaículo , 
como  cambem  o  cfpaço  que  gozamos  do 
Sol  ,  fcbem  toj.os  que  he  deíigual  ,  con- 
forme os  tempos  do  anno  ,  e  conforme  os 
lugares  da  Terra.  F.u  vos  explico  ifío  co- 
mo m.ais  facilmente  puder.  Xòs  fabemos 
que  o  Sol  gira  cm  24  horas  á  roda  de  nós  j 
em  quanto  anda  do  Horizonte  para  fima , 
hc  dia;  em  quanto  anda  debaixo  do  Horizon- 
te he  noite.  Se  nós  eítiveíTcmos  na  Linha, 
ou  Equador  ,  todos  os  dias  do  anno  ícriáo 
iguaes  ás  noites.  Eu  debuxo  aqui  huma  fi- 
^^'  4-  gura  ÇEjlamp.  A- fig-  <^.  )•  M^^  tendes  hu- 
^S-  ^'  ma  lemclh^nça  da  Esfera  :  N  S  são  os 
dous  Pólos,  e  a  linha,  que  vai  de  huma  le- 
tra á  outra  ,  íígnifica  o  eixo  do  mundo , 
ou  a  linha  que  fc  confidera  de  Norte  a 
Sul  ,  fobre  a  qual  fe  revolvem  os  Ceos 
cm  24  horas  (lo^^o  vos  explicarei  ifto  no 
íyftema  Copernicnno )  .  E  E  funifica  o 
Equador ,  T  T  o  Trcpico  de  Cancro ,  que 
he  o  do  \^cr3.o ,  e  C  C  o  Trópico  de  Capri- 
córnio,  que  he  o  do  Inverno.  Suppofto  lílo, 

í"c 


Tarde  trtgefima  quarta*     35'! 

•  fe  nós  cftiveíTemos  na  Linha ,  ficava-nos  o 
Equador  Gelcfte  fobre  a  cabeça  i  e  por 
confeguinte  o  Horizonte  o  o  (ou  o  circulo 
que  corre  por  todas  as  extremidades  do 
Ceo  que  os  olhos  podem  ver  )  apanharia 
ambos  os  Pólos  N  S.  Neíle  caio  ponde 
vós  o  Sol  em  qualquer  ponto  co  Ceo , 
ou  feja  T  5  ou  C  ,  ou  E  ;  como  tWç.  fe 
revolve  cm  24  horas  fobre  o  eixo  N  S, 
tanto  tempo  gafta  em  andar  o  efpaço  do 
circulo  que  eltá  do  Horizonie  para  fima  , 
como  do  Horizonte  para  baixo  ;  por  quan- 
to o  Horizonte  parte  elTes  circulos  todos  em 
duas  metades  iguacs.  Logo  tanto  tempo 
ha  de  o  Sol  andar  do  noflo  Horizonte  para 
fima ,  e  fera  dia  ,  como  do  Horizonte  para 
baixo ,  c  fera  noite. 

lEug,  Com  eíFfito  vindo  eu  da  America  vin- 
te dias  que  eftivemos  parados  na  Linha  por 
caufa  de  huma  terrível  calmaria  ,  obfervei 
cu  que  fempre  o  Sol  nafcia  ás  6  horas  da 
manhã  ,  e  fe  punha  ás  6  da  tarde  ;  e  ifto 
era  no  mez  do  S,  João  j  e  quando  fui  para 
lá  ,  que  era  em  Novembro  ,  também  nos 
demorámos  5  dias  na  Linha,  e  me  aconte- 
ce© o  melmo. 

Silv.     Pois  ahi  náo  ha  inverno ,  nem  verão ! 

Thcod.  Nas  terras,  que  ficáo  na  Linha  ,  ou 
perto  deli;.!  ,  fempre  os  dias  são  iguACS  ás 
noires,  mas  attendendo  ao  calor,  e  ao  frio  > 
ha  dous  verões  cada  anno ,  e  doas  invernos. 
Reparai  na  figura  :  o  Sol  cada  dia  anda 
hum  grão  pela  Eçlítica  >  «jue  aqui  íe  pinta 

com 


^yZ        Recreação  Filofqfica 

com  eíle  circulo  de  pontinhos  T  C  ;  m23 
ferrprc  vai  girando  ctm  os  Ccos  á  roda 
da  Terra  cm  24  horas  :  em  quanto  anda 
perto  dos  Trópicos ,  ha  menos  calor  na  Li- 
nha 5  e  pódc  chamar-Te  inverno  ;  porém 
quando  anda  peno  do  circulo  E  E  ,  palia 
por  ílma  da  cabeça  dos  que  ahi  vivem  ,  c 
o>  Teus  raios  cahindo  perpendiculares  fobre 
a  Terra  ,  fazem  grande  calma  ;  e  como  o 
Sol  denrro  de  hum  anno  corre  toda  a  Ecli- 
tica  ,  duas  vezes  pafía  pelo  circulo  E  E , 
huma  para  lá  ,  outra  para  cá  ,  e  taz  dous 
verões  ;  e  chega  huma  vez  a  C,  ou:ra  aT, 
e  faz  dous  invernos.  Vamos  agora  a  expli- 
car a  esfera  obliqua. 
JEu^.  Qj:e  quer  dizer  esfera  obliqua  r 
Thíod.  Quando  o  Horizonte  coincide  com  o 
eixo  do  rrundo  ,  que  vai  de  pólo  a  pólo  , 
chama-fc  c^jera  rccla  ;  e  quando  o  eixo, 
que  fe  confidera  de  hum  pólo  ao  outro,  cor- 
ta obliquamente  o  Horizonte,  chama-fe  es- 
fera   chUqua.    Aqui   a  debuxo  com   o  lápis 

Ef^'  4.      ÇEjiíimp.  'X.  fg'  7.  )   ^    ponho  os   mefmos 

^g'  7-       circulos ,  e  as  melmas  letras. 

£ug.     Pelo  que    me  dizeis  nós   citamos   em 

esfera  obliqua. 
Iheod.  Sim  ,  porque  o  pólo  do  Norte  fe  le- 
vanta do  Horizonte  ^8  gráos^  e  outros  tan- 
tos fe  abaixa  o  do  Sul, 
Eug.  E  fe  eftiveíTemos  lá  no  Porto  v.  g. 
ou  em  Galiza  ,  ainda  o  Norte  nos  ficaria 
mais  alto;  porque,  como  já  diíTeftcs,  a  al- 
tura do  pólo  ibbrc   o  Horizonte  hc  igual 

á 


Tarde  trigefnna  quarta,     35-3 

á  latitude  deíTa  terra  :  e  aííim  quanto  ríiais 
formos  cam'nhanJo  para  o  Xorre  ,  maior 
Latitude  temos ,  c  maior  altura  de  pólo. 

Thcod.     Aííim  he. 

Silv.  D'dhi  infrre-fe  que  oz  Horizontes  das 
terras  SãO  diveríos  j  e  cada  ttrra  tem  íeu 
Hor.zonte. 

Thcod.  InFeris  bem  ;  porque  como  a  Terra 
he  redonda  ,  fe  d^aqui  caminharmos  para 
qualquer  parte  ,  havemos  de  dcfcubrir  par- 
te do  Ceo  que  náo  viamos  ,  e  tam.bem  íe 
nos  ha  de  occuhar  alguma  parte  áo  que 
viamos  ;  e  como  o  Horizonte  he  o  circulo , 
que  palia  em  redondo  por  todas  as  extre- 
midades do  Cco  que  nos  fica  vifivel  ,  fe- 
gue-fe  que  ,  mudando  de  Terra  ,  mudamos 
também  de  Horizonte.  Ifto  fuppofto  ,  va- 
IDOS  a  explicar  a  deíigualdaJc  dos  dias  a 
refpeito  das  noites.  Os  circuios  ,  que  o  Sol 
faz  cada  dia  ,  náo  cortáo  perpendicularmen- 
te o  nolTo  Horizonte  ;  porque  como  gira  á 
ioda  do  eixo  que  palTa  de  Norte  a  Sul , 
citando  efte  eixo  inclinado  a  refpeito  do 
Horizonte  ,  náo  podem  os  giros  quotidia- 
nos do  Sol  cortar  perpendicularmente  o 
Horizonte  :  e  aínm  o  giro  de  hum  dia  tem 
com  pouca  diíiLrcnça  a  meíma  inclinação 
que  tem  os  Trópicos  ,  ou  o  Equador  ;  por- 
Gu°  quando  o  Sol  eftá  no  Trópico  ,  pouco 
fe  aíFafla  delle  no  ei^aço  de  hum  dia.  Sup- 
ponhamos  a2;ord  que  he  chei;ado  o  S.  Joáo  j 
cftará  o  Sol  em  T  ,  que  he  o  Trop-co  de 
Cancro ,  neile  dia  quaíi  que  f;^  náo  aifafta  o 
Tom.  VL  Z  féu 


35'4        Recreação  Filofofíca 

feu  giro  do  Trópico.  Vedes  que  he  muito 
maior  a  parte  dcííe  circulo  ,  que  íica  do 
Horizonte  para  fima ,  do  que  a  que  fica  do 
Horizonte  para  baixo  ? 

líiig,     Náo  ha  cou fa  mais  clara. 

Theod.  Eis-ahi  [-orque  pelo  verão  temos  os 
cias  maiores  que  ?.3  noites.  Pelo  contrario 
de  inverno  são  maiores  as  noites  que  os 
dias  j  porque  (como  vedes)  o  circulo  do 
Trópico  de  Capricórnio  ,  que  hc  ette  C  C, 
por  onde  o  Sol  anda  peio  Natal ,  tem  mui- 
to maior  porção  debaixo  do  Horizonte  ,  do 
que  por  fima.  Porém  quando  o  Sol  fe  che- 
^a  perto  do  Equidor  ,  que  hc  no  fim  de 
Março  c  de  Setembro  ,  sáo  os  dias  i^uaes 
ás  noites  j  porque  (como  eílais  vendo)  o 
Equador  fempre  tem  metade  de  baixo  do 
Horizonte  ,  e  metade  de  Cima  ;  e  de  qual- 
quer forma  que  imagineis  o  Horizonte,  co- 
mo íempre  ha  de  paífar  rcriíivclmente  pelo 
centro  da  Terra  ,  íempre  ha  de  cortar  o 
Equador  em  duas  partes  iguacs.  Por  iíTo 
quando  o  Sol  chega  a  efte  circulo  ,  cm  to- 
da a  parte  do  mundo  ,  cm  que  houver  dia 
e  noirc ,  feráo  iguaes  as  noites  aos  dii^s, 

£ug.  Em  toda  a  parte  ,  onde  houver  dia  c 
noite  !  efte  moJo  de  fallar  fuppóe  qne  n'al- 
^uma  p;irie  náo  ha  dia  ou  noite. 

Theod.  Aflim  he  ;  porque  nss  regiões  jun- 
to aos  pólos  do  mundo  ,  em  cada  anno  ha 
hum  fó  dia  ,  e  huma  noite  fó.  Olhr.i,  Eu- 
génio 5  o  Sol  nunca  fe  aíFafta  do  Equador 
mais  dò  que  difti^o  os  Trópicos  ,   que  sáo 

25 


-Tarde  trigefima  quarta.     35-5^ 

2:5  gráos  e  meio,  os  habitadores  dos  pólos 
como  tem  o  pólo  íobre  a  cabeça  ,  fica-lhes 
o  EquaJor  íerv  ndo  ce  Horizonte  ;  logo 
dcfde  que  o  Sol  paíTa  dO'Equr=dor  para  o 
Trópico  do  Norte  ,  os  habitadores  delTc  pó- 
lo vem  o  Sol  levantado  do  feu  Horizonte , 
e  que  vai  an  iando  cin  redondo  \  mas  Icm- 
pre  fubindo  ,  até  fe  levantar  íobre  o  Hori- 
zonte (  que  ahi  he  o  mefmo  que  o  Equa- 
dor )  2^  gráos  e  meio  :  tanto  que  chega  a 
cíTa  altura  ,  que  he  a  ào  Trópico  ,  coniinúa 
em  girar  a  roda  ,  porem  \\  dcf.endo  para 
baixo  ,  acé  fe  fumir  debaixo  do  Horizonte  , 
que  he  a  25  de  Setembro  ,  quando  paíía 
do  Equador  para  o  Sul  •,  e  então  começa  a 
apparfcer  aos  habitadores  do  pólo  contra- 
rio ,  ficando  entretanto  noite  para  os  do  pó- 
lo do  Norte. 

Eug.     Vifto  ilTo,  tem  elTes  habitadores  6  me- 
zes  de  dia ,  e  íeis  de  noite. 

Thcod.  Sim  ;  m.as  como  em  qnsnto  o  Sol 
anda  18  gráo5  debaixo  do  Horizonte  ,  ha 
crepufculo  ,  vem  a  fi;nr  o  dia  maior  que 
de  féis  mezcs  j  porque  alguns  mezes  antes 
do  Sol  chegar  ao  feu  Horizonte  ,  e  alguns 
depois  de  fe  efconder  cebaixo  delle  ,  dura 
a  luz  do  crepurculo.  Or^  ifto  que  tenho 
dito  fe  entende  dos  que  íiJo  brm  debaixo 
dos  pólo^^  (  fe  acafo  são  habftadas  eíTas  re- 
giões) ;  mas  dos  que  ficáo  entre  nós  ,  e 
os  pólos  fe  diz  o  mefmo  á  proporção  ,  fen- 
do maiores  os  dias  no  ver- o  á  proporçr.o 
que  elles  eftiverem  mais  vizinhos  ao  póloj 
Z  ii  c 


3)0        Recreação  Filofofica 

e  também  pdo  contrario  mais  pequenos  os 
de  inverno.  Do  que  fica  dito  fe  tira  a  dou- 
trina para  toJas  ,  e  quaefquer  regiões  do 
mundo. 

Bug.  Em  fabendo  a  latitude  ou  diftancia  , 
que  qualquer  terra  tem  da  Linha  ,  já  me 
polTo  governar. 

Theod.  Agora  já  n^^bcis  em  que  coníifte  o 
\''cráo  5  e  o  Inverno  ,  a  Primavera  ,  e  o 
Outono.  Em  quanto  o  Sol  com  o  íeu  mo- 
vimento próprio  vai  do  Equador  até  o  Tró- 
pico do  Norte  ,  que  chamáo  de  Cancro 
(  porque  ahi  eftá  a  confteilaçáo  Câncer  ) 
dizemos  que  he  a  Primavera  :  com^eça  a 
20  de  Março  pouco  mais  ou  menos ,  e  aca- 
ba cm  21  de  junho.  Quando  o  Sol  eftá 
no  Equador  faz  o  Equinoccio  ,  como  me 
parece  que  já  vos  diífc  i  e  quando  chega 
ao  Trópico ,  faz  o  Soljticio,  Chama-fe  Sol- 
Jlicio  ou  parada  do  Sol  j  porque  como  nef- 
fc  dia  o  Sol  náo  fe  chega  mais  para  o  pó- 
lo, nem  fenfivelmente  íe  affafta  delle  ,  pa- 
rece que  pára.  O  Equinoccio  hc  no  pri- 
meiro gráo  de  Aries  ;  e  o  Soifticio  ro  pri- 
meiro óc  Cancro:  ahi  começa  o  Veráo,  que 
dura  até  22  de  Setembro  com  ponca  dif- 
ferença  ;  c  ahi  fe  forma  o  ícgundo  Equi- 
noccio 5  que  cham.áo  do  Outono  ,  porque 
ahi  começa  eíTa  cíhçáo  do  anno  ;  e  rveíTe 
dia  toca  o  Sol  no  Equador  no  prirreiro  pon- 
to de  Scorpião  ,  e  dura  o  Outono  ate  2r 
de  Dezembro  ,  que  he  o  Solllicio  de  In- 
verno j  c  chega  emáo  o  Sol  ao  Trópico  do 

Sul 


Tarde  trigefima  quarta.     35:7 

Sul  ou  de  Capricórnio.  ]á  vos  dilTe  a  razão , 
por  que  contando  os  dias  ,  e  horas  que  váo 
do  Equinoccio  da  Primavera  ao  do  Outo- 
no 5  fe  âcháo  mais  nove  dias  ,  do  que  en- 
tre o  do  Outono  5  c  o  feguinte  da  futura 
Primavera  (  i  ). 

£ug.  Difíeítes  que  de  inverno  era  menor  a 
diftancia  entre  o  Sol  e  a  Terra  ;  e  que  pe- 
la regra  geral  dos  Planetas  íe  movia  mais 
deprelTa  ,  para  fazer  áreas  igcaes  em  tem- 
pos iguaes. 

TheOií.  IlTo  he  :  agora  quero  explicar-vos  al- 
guns Paradoxos  admiráveis ,  que  fe  demonf- 
iráo  pelo  que  íica  dito. 

§.  111. 

De  alguns  Paradoxos  admiráveis  acerca 
dos  dias ,  e  koras, 

Silv.        T7  Que  Paradoxos  sáo  çiTcs  ? 

Thecd,  E>  Eu  os  vou  dizendo.  O  primeiro 
hc  :  Em  qualquer  hora  são  todas  as  horas. 
Agora  sáo  7  horas  da  tarde  aqui  onde  eiia- 
mos  ,  como  teftifica  o  relógio  que  temos 
defronte  :  pois  iabei  que  agora  melmo  sáo 
8  da  tarde  ,  meia  noite  ,  meio  dia  ,  ^  da 
manha ,  &c. 

Eug.  líTo  fera  em  relógios  que  andem  dou- 
do?. 

Thecd.     Náo  :    fallo  fó  dos  relógios  que  an- 
dem 
(O     Tarde  XXXIII.  §.  IV. 


55?         Recreação  tilofojica 

dem  certos  ,  e  pelo  Sol.  Olnai  :  o  Sol  hc 
que  faz  as  hor.is  com  o  icu  movimcnro ; 
quando  eílá  a  prurro  fobre  nós  ,  he  meio 
dia  aqui  ',  c  quando  eftivcr  a  prumo  fobrc 
Parij  V.  z.  he  meio  dia  lá  ;  porém  ccrr.o 
nòs  cílamos  mui  longe  de  Paris  ,  c  temos 
diíterence  longitude  ,  quando  o  Sol  eíliver 
a  prumo  Tobre  nós  ,  náo  pode  citar  a  pru- 
mo íobre  Paris  ;  e  defte  modo  quando  for 
meio  dia  numa  parte  ,  náo  pôde  fcr  meio 
dia  noutra.  E  como  o  Sol  vem  com  o  fcu 
■  movimento  diurno  de  Oí"iente  para  Poen- 
te ,  primeiro  palTà  pelas  terras  ,  que  ficáo 
mais  ao  Xafcente  ;  e  quando  palia  por  nós, 
já  rem  paíTaJo  por  Paris  ;  e  quando  cá  for 
meio  dia  ,  já  lá  ha  de  fer  huma  hora  da 
tarde. 

Eug.  E  remos  nós  algum  miodo  para  faber 
ao  cerco  que  horas  sao  lá  ,  quanco  ca  ioi 
meio  cia  '". 

Tteod.  Eu  vos  deu  o  m.odo  de  faber  iíTo  a 
rcípcito  de  qualquer  parte  do  mundo.  Co- 
mo o  So!  corre  toda  a  Terra  em  redondo 
em  2  V  bors  ,  vem  a  correr  15  gr,  os  cm 
cada  hora.  SuppoAo  ifío  ,  ide  ao  M^ppa, 
e  vede  quanta  dilfcrença  vai  de  Li^boa  a 
Pans  na  Longitude  (  que  he  fó  o  que  fc 
deve  aitendcr  para  ilfo  ,  porque  he  o  que 
barta  para  (ah  r  quanto  huma  itrra  fica  mais 
^o  N^fcenre  do  que  outra  )  ;  e  le  achardes 
que  d.fferem  15  gráos  ,  a  diíierença  he  de 
huma  hora;  fc  a  diírcrença  for  de  ^o  gráos, 
importa    a  diíFcrcnça   em  duas  horas  ,    &c, 

•■'■•-■■  M- 


Tarde  trigefima  quarta.     359 

Adverti  ,  que  fe  a  terra  de  que  fallais  ficar 
para  o  Naíccnte  ce  Lisboa  ,  ifto  he  ,  tiver 
maior  longitude ,  nefia  terra  a  differença  co 
tempo  a  rçípeito  de  nós  lie  para  mais  \  e 
alíim  quando  cá  for  meio  dia  cir.  ponto  ,  lá 
fera  ou  huma  ,  ou  duas  da  tarde  ,  ou  mais 
conforme  a  differença  j  porém  fe  a  terra 
nos  ficar  ao  Poeme  ,  e  a  longitude  for  miC- 
nor  5  a  differença  do  tempo  He  para'  me- 
nos j  e  quando  cá  for  meio  dia  ,  ia  ferio 
II  horas  da  manhã  ,  ou  menos  ,  ccníoimc 
a  differença  da  Longitude.  Ifto  fuppofío, 
já  vedes  que  tenho  rr^zâo  em  dizer-vos  : 
AgOYã  são  todas  as  koras  :  nas  terras  ,  que 
diftarem  de  nós  para  Nafcente  15  gracs  , 
fendo  agora  aqui  7  da  tarde  ,  feráo  8  j  fe 
difiarem  Co  gráos  ,  feráo  1 1  da  noite  ^  fe 
diftarem  5,0  grdos  ,  fera  hum,a  depois  da 
meia  noite,  &c. 

Silv.     Não  he  precifo  mais ,  iíTo  he  manifefro. 

Tkecd.  Paliemos  a  outro  Paradoxo  :  Deus 
homens  nafccndo  juntaineme ,  e  monemio  jun- 
tamente 5  pode  hum  fcr  mais  velho  do  que  o 
outro. 

Silv.     líTo  he  impcííivcl :  ahi  ha  equivocaç^iO. 

Theod.  Náo  duvido  que  a  haja  ,  ou  da  mi- 
nha parte  ,  ou  da  voíTa.  Dcixaí-m.e  expli- 
car o  pon[o.  Ser  hum  homem  mais  velho  , 
he  ter  maior  número  de  dias  no  c[\y?.ço  da 
vida.  Tambcm  he  cerro  que  hum  dia  he  o 
intervallo  de  temipo  ,  que  vai  de  m.eia  noite 
a  meia  noirc  ,  ou  de  meio  dia  a  meie  dia: 
r.enhum  de  vós  duvidais  diílg. 

Silv. 


;^6o        Recreação  TUofoHca 

Silv.     Nenhum. 

Thcod.  Supponde  que  aqui  nafciáo  dous  ir- 
mãos gémeos  ,  e  que  hum  lempre  ficava 
na  cafd  de  léus  pais  ;  porem  o  outro  ,  paf- 
fado  tempo  ,  fc  punha  a  fazer  jornada  para 
o  Naícente.  Já  diíTe  que  as  terras  ,  que  fi- 
cí:rem  15  grãos  mais  ao  Nafcente  do  que 
Lisboa  5  ciíTcrem  no  tempo  huma  hora  de 
nós;  e  que  fendo  cá  7  horas,  lá  sáo  8  ;  por 
coníeguinte  fe  a  terra  fò  tiver  hum  gráo  de 
mais  que  a  nojTa  para  o  Nafcenre  ,  differe 
no  tempo  4  minutos,  Supponhamos  pois 
qu?  o  noffo  caminhante  vence  hum  gráo 
cada  dia  ,  que  s'o  18  léguas  Portuguezas; 
quando  aqui  for  m,eia  noite ,  lá  na  terra  on- 
de e!le  pernoitar  no  fim  do  primeiro  dia  de 
jornada  lerão  4  minutos  fobre  a  meia  noi- 
te ,  e  no  fei^undo  dia  pernoitará  em  terra  , 
onde  a  meia  noire  de  Lisboa  correfponde 
a  8  minutos  fobre  ella  lá  nclTa  terra.  Defte 
moio  tendo  o  homem  andado  15  gráos ,  já 
quando  ca  foíTe  meia  noite  ,  nefTa  terra  fe- 
ria huma  hora  fobre  a  meia  noite  ;  e  tendo 
o  homem  corrido  roda  â  Terra  cm  redondo , 
c  tornando  a  Lisboa  ,  como  cm  cada  15 
grãos  contava  mais  huma  hora  ,  em  ;6o 
grãos  ha  de  contar  mais  24  horas,  ou  hum 
dia  i  e  ja  o  temos  mais  velho  que  íeu  ir- 
mão í^emeo  ,  que  ficou  em  cafa. 

JEug.  líTo  n£0  tem  rcfpofta  j  e  fe  elle  fizef- 
íe  jornada  p;.ra  o  Poente  ,  e  vieíTe  cá  fahir 
pc-o  Naf.ente  ? 

Thccd.    Havia  de  fucceder  o  mefmo  j  mas  com 


Tarde  trígeftma  quarta.     561 

a  difFcrcnça  de  que  as  horas  erão  para  me- 
nos 5  e  havia  de  contar  menos  24  em  toda 
a  jornada  ;  pois  no  primeiro  dia  ,  quando 
cá  folTe  meia  noite ,  lá  ainda  haviáo  de  fal- 
tar 4  minutos. 

Silv.  Suppofta  l:uma  coufa  ,  a  outra  feguc- 
íe  ;  e  íe  acafo  os  dous  irmãos  fizeíTem  jor- 
nada 5  partindo  hum  para  o  Nafcenic  ,  e 
outro  para  o  Poente  i  e  depois  de  rodea- 
rem a  Terra  ,  fe  tomaíTem  a  ajuntar  em 
Lisboa  3  hum  levaria  ao  outro  dous  dias  de- 
mais. 

Ihecd.  Dizeis  bem  ;  porque  o  que  foíTe  para 
o  Oriente  chegando  a  Lisboa  contava  hum 
dia  mais  do  que  nós  que  cá  ficáramos  ;  o 
outro  ,  que  tinha  ido  para  o  Poente  ,  vol- 
tando contava  hum  dia  menos  do  que  nós ; 
e  por  boas  contas  dous  dias  micnos  que  fcu 
irmão.  K  temos  que  morrendo  ambos  a 
hum  tempo  ,  leria  hum  dous  dias  mais  ve- 
lho do  que  o  outro. 

Eu^.  Culh  a  crer  j  mas  não  ha  remédio, 
ílnáo  confeíTallo. 

Theod.  Outro  Paradoxo  fe  forma  ,  que  vos 
ha  de  parecer  ainda  mais  im.poflivel ,  e  vem 
a  íer :  Pode  hum  homem  andar  mui  devagar 
bum  cento  de  Icgu.is  ,  fem  que  no  fim  da  jor- 
nid<i  come  maú  twna  hora  do  que  110  princi- 
pio, 

Silv.     Como  hc  iíTo?  explicai-vos. 

Jl.cod.  Eu  o  faço.  Sc  o  homem  fahir  aqui 
ce  Lisboa  ,  quando  he  meio  dia  cm  ponto , 
e  correr  para  o  Poente  táo  deprclTa  que  ven- 
ça 


362       Recreação  Filofofica 

ça  15  gráos  em  huma  hora  ,  lá  achará  que 
entáo  he  meio  dia  nelTa  terra  ,  porque  en- 
tão o  Sol  fica  fobrc  o  feu  Meridiano.  He 
ifto  aílim  : 

Silv.  Nio  tem  dúvida  ,  fuppofto  o  que  fica 
dito. 

Theod.  E  íe  der  ourra  carreira  como  a  pri- 
meira 5  quando  cá  forem  duas  da  tarde , 
elle  terá  corrido  ^O  grãos  ,  e  lá  ícrá  entáo 
meio  dia.  Como  corre  táo  deprelTa  que 
vai  acompanhando  o  Sol  ,  fempre  o  leva- 
rá fobre  íii  e  por  onde  lor  paíTando  o  Sol, 
e  o  hon.em ,  que  cá  por  baixo  o  vai  acom- 
panhando ,  iempre  ira  fendo  m.eio  dia ,  ain- 
da que  cá  em  Lisboa  vamos  contando  horas 
íucceílivamente.  Deite  miodo  correria  o  ho- 
mcm  a  Terra  em  24  horas  ,  e  tornaria  a 
Lisboa  contando  fempre  meio  dia  ,  por  on- 
de quer  que  vielíe  ,  porque  fempre  trazia  o 
Sol  fobre  a  fua  cabeça  a  prumo  j  e  dcfte 
n.odo  não  podia  contar  nem.  mais  humia 
hora  no  feu  próprio  tempo  em  todo  o  efpa- 
ço  que  durou  a  jornada. 

Silv,  Co-no  iiTo  he  hum  cafo  metafyfico ,  e 
o  homem  náo  pôde  correr  toda  a  Terra 
em  24  heras  ,  náo  me  canço  cm  averiguar 
ilTo. 

Tl^eod.  E  fc  eu  vos  fizer  o  cafo  poflivel  ,  e 
tacil ,  que  me  direis  ? 

Silv.     Fácil  í  e  como  ? 

Jhioi,  A  Terra  he  fenfivelmente  redonda , 
e  todos  os  Meridu.nos  fe  tiráo  de  hum  pó- 
lo ao  outro  ,  como  vedes   nos  Globos  Ter- 

nf 


Tarde  trigejlma  quarta,     365 

rc^tQi  ;  e  quanío  mais  dirráo  dos  fòlos, 
mais  íe  abrem  cíTes  círculos ,  ou  jMeriaianos 
enire  íi.  Se  efiando  no  Equador  quizerdes 
cm  24  horas  atravclT^r  todos  os  Meridianos 
que  ha  ,  he  precifo  correr  eíle  circulo ,  que 
he  muiro  grande ;  mas  fe  eílando  hurr.a  lé- 
gua diítante  de  qualquer  dos  pólos,  tormar- 
des  hum  circulo  á  roda  do  pólo ,  efte  circu- 
lo terá  de  diâmetro  duas  léguas  ,  e  de  cir- 
cum'erencia  6,  e  atraveíTará  todos  os  Meri- 
dianos da  Terra ,  que  lá  licáo  mui  juntinncs 
entre  fí ,  quando  cá  no  Equador  diíláo  mui- 
to. Sendo  iíto  aílim  ,  o  homem  que  correíTc 
em  24  horas  as  6  léguas  delTe  circulo  ,  já 
podia  ir  acompanhancío  o  movimento  diur- 
no do  Sol  i  de  maneira  ,  que  íempre  foííe 
cortando  com  os  pés  o  mefmo  Meridiano  a 
que  o  Sol  hia  correfpondendo  \  e  leria  para 
o  homem  fempre  meio  dia  :  c  como  podia 
continuar  ncfte  giro  muitos  dias ,  nunca  po- 
dia contar  huma  hora  mais  do  que  contou 
quando  começou  a  jornada.  Eis-aqui  como 
fe  verifica  aquelle  Paradoxo  que  parecia  im- 
pollivel.  Porém  vamos  a  coufas  mais  ferias : 
iíio  bafta  para  poderdes  relblver  outras  fe- 
melhan:es  queftóes  .  curiolas.  Agora  quero 
explicar-vos  o  d)^  ,  e  anno  ,  e  Eilaçóes  do 
tempo  no  íyíkma  Copernicano, 


S.  IV, 


364        Recreação  FiJofofica 

§.  ív. 

Explica-fe  o  dia ,  Juno ,  e  fuás  E fiações 
no  fyfiema  Copernicano, 

Silv.  T  A'  vós  diíTeftes  ,  que  eílando  o  Sol 
tf  rixo  5  revolvendo-fe  a  Terra  fobre  o 
Teu  eixo  em  2.4.  horas,  quando  principiáva- 
mos a  ver  o  Sol  ,  era  o  principio  da  ma- 
nha ;  quando  paliávamos  por  defronte  del- 
le ,  era  meio  dia  ,  e  quando  nos  iamos  re- 
volvendo, de  force  que  o  perdíamos  de  vif- 
ra ,  era  o  que  chamamos  Sol-pofio ,  e  come- 
çava cnt2o  a  noite  ,  que  durava  aré  que, 
acabando  de  dar  a  Terra  huma  volta  ,  tor- 
návamos a  ver  o  Sol. 
Eug.  Ilío  bem  fe  percebe ,  vamos  ao  mais. 
Theod.  O  que  tem  mais  que  explicar  he  o 
^^erâo  e  Inverno.  Para  me  entenderdes  ha- 
P-^.  >.  vcis  de  fuppor  (  Efiamp.  5.  fig.  i.  )  que  ef- 
fig-  1-  ta  meza  redonda  ,  a  qual  nos  ferve  para  o 
chá  ,  he  o  circulo  da  Eclitica  ,  ifto  he  ,  a 
orbita  que  defcreve  a  Terra  á  roda  do  Sol ; 
confiderai  o  Sol  quaíi  no  centro  da  meza, 
e  que  a  Terra  anda  pela  borda  em  redondo, 
com  o  feu  movimento  annuo,  além  do  que 
tem  em  24.  horas  fobre  o  próprio  eixo, 
Efte  eixo  f  n  ,  que  fe  confidera  paliando 
de  pólo  a  pólo  no  Globo  da  Terra  ,  he 
hr.nia  linha  ,  que  pôde  ter  varias  inclina- 
ções a  refpeiío  do  plano  da  Eclitica.   Sup<. 

pon- 


Tarde  trigefima  quarta,     3Í5' 

ponde  que  efta  maça  he  o  Globo  da  Terra, 
que  eíte  palito  /  n  ,  com  que  a  atravelTo 
de  parce  a  parce,  he  o  eixo  do  mundo  que 
vai  de  Norte  a  Sul  ;  quero  para  maior  fe- 
melhança  dar  na  maçã  três  golpes  cm  re- 
dondo 5  que  fendo  perpendiculares  ao  eixo 
reprefentem  o  Equador  ,  e  os  dous  Trópi- 
cos ,  e  íe  aíTemelhem  á  Terra.  Eu  pollb 
pôr  a  maça  de  forte,  que  fique  o  paliio  ou 
eixo  f  n  a  prumo  fobre  a  meza  j  porém 
entáo  náo  imito  bem  a  poftura  da  Terra 
a  relpeito  do  circulo  da  Eclitica  ;  para  iíTo 
deve  íer  aílim  ,  Norte  n  para  íima  ,  e  Sul 
/  para  baixo  ,  porém  obliquamente  com 
inclinação  de  2^  gráos  e  meio.  Neíla  pof- 
rura  fe  conferva  a  Terra  em  toda  a  volta 
que  dá  ,  de  forte  que  fempre  a  ponta  do 
palito  ou  eixo  ,  que  reprefenra  o  Norte  n 
ha  de  olhar  para  aquella  janclh  ,  ou  a  Ter- 
ra efteja  em  M  ,  ou  aqui  em  D  ,  ou  nefte 
lugar  S  ,  ou  neftoutro  l.  Eis-aqui  o  que 
€hamáo  Paralelifmo  do  eixo  d.t  Tara.  Q^^- 
lem  dizer  por  cita  palavra  ,  que  o  eixo  da 
Terra  em  qualquer  parte  do  anno ,  que  ella 
efteja  ,  fempre  fe  conferva  em  poftura  pa- 
rallela  á  que  tem  nos  mais  tempos  do  an- 
no. Daqui  nafce  o  Verão  e  Inverno.  Por- 
que quando  a  Terra  eftiver  aqui  cm  I ,  que 
correlponde  a  Junho,  o  pólo  do  Norcc  n  fi- 
ca volrado  mais  para  o  Sol  do  que  o  pólo 
contrario  ,  c  parecc-nos  a  nós  que  o  Sol 
fe  chegou  mais  para  o  Norte  ,  e  por  iíTo  , 
no  circulo  que  a  Terra  faz  cm  24  horas, 

as 


366         Recreação  Filofofica 

ns  Cidades,  que  ficáo  da  Linha  para  O  Nor- 
te 5  mais  tempo  andáo  á  vilta  do  Sol  ,  do 
çae  ás  cíconcidriS  cc.'le  ;  c  cis-^hi  porque  o 
dia  he  maior  que  a  noite.  Pc'0  comraria 
quando  puzer  a  Terra  ac^ui  cm  D ,  que  cor- 
rcfponje  a  Dezcm.bro  ,  o  polo  do  Sul/  f:C 
que  íica  mais  voltado  para  o  Sol  ,  e  o  do 
Norte  n  mais  aíiaftado  j  e  os  h  bitadores 
deíTe  hemisfério  do  Norte  ,  quando  derem 
com  a  Terra  volta  á  roda  do  eixo  ,  mais^ 
tempo  hco  de  eftar  ás  eícuras  do  q^ic  á  vif- 
ra  do  Sol  ,  e  terão  as  noites  maiores  que  o 
dia  ,  e  lerá  Inverno. 

Fiig.  E  como  formais  a  Primavera  ,  c  Ou- 
tono ? 

Thcod.  Suppondc  vós  que  a  Terra  cílá  aqui 
cm  S  ,  onde  correfponde  a  Setembro  ,  o 
plano  do  feu  Equador  continuado  vai  dar 
ao  Sol ,  ifío  he ,  o  Sol  fica-lhe  bem  defron- 
te do  Equador  ,  de  forte  que  tanto  allumca 
hum,  pólo ,  com.o  ao  outro  :  nefta  fiiuaçío  , 
o  habitador  da  Terra  olhando  para  o  Sol  , 
cuidará  que  elle  fe  move  por  fima  do  Equa- 
dor ;  e  o  habitador  ,  que  íe  move  com  a 
Terra  ,  fó  doze  horas-  andará  á  vifta  do  Sol , 
c  outras  doze  cfcondido  dellej  e  então  he  o 
dia  i^ual  a  noite. 

Silv.  Já  percebo.  A  difPerença  entre  o  fyfte- 
ma  Copcrnicano  ,  e  Ticonico  fó  eíhá  cm 
que  hum  diz  que  o  movim-ento  do  Sol  de 
Trop^o  para  Trópico  he  vcr.^adciro  c  real  ^ 
e  fcgundo  elte  movimento  fe  explica  bem 
o  Verão  c  Inverno  ,   e  igualdade  ou  dcíi-- 

]^ual' 


Tarde  trigeJJmã  quarta.     367 

gualdadc  dos  dias  ;  porém  no  outro  fvíte- 
ma  ou  hypothcfe  ,  cite  movimenio  do  Sol 
he  fó  apparcnte  no  Sol  ,  e  real  na  Terra ; 
porém  como  a  reípeito  de  nós  he  como  fe 
fora  verdadeiro  no  Sol ,  devem  acontecer  os 
mefmos  clFeitos  ,  quer  feja  íó  apparente , 
quer  verdadeiro. 

Theod.  Dizeis  bem  :  fempre  o  Sol  a  reípeito 
de  nós  correfponde  ora  a  hum  Trópico  ,  ora 
a  outro  ,  ora  ao  Equador  ;  ou  feja  porque 
verdadeiramente  ie  move  pela  Editica, 
que  vai  de  Trópico  a  Trópico  ;  ou  ,  como 
fuppóem  os  Copernicanos  ,  porque  a  Terra 
com  o  m.ovimento  annuo ,  humas  vezes  vol- 
ta o  Equador  para  o  Sol ,  outras  hum  Tró- 
pico ,  outras  o  outro. 

Eug,     Tenho  percebido. 


§.  V, 


Do  Ãnno  grande  ,  feito  pelo  twvimenw  perio' 
áico  das  EJtrcllas  no  fyfiema  Co- 
penúcano.' 

Theod.  TJ  Eíta  explicar  o  An  no  grande  ou 
-t\  Píaronico  ,  ifto  he  ,  o  pcriodo 
próprio  do  movimento  das  Eftrellas.  Já  dif- 
fe  que  as  Eftrellas  fixas  fe  chamáo  aílim, 
porque  náo  tem  o  movimento  próprio  ,  e 
fcnfivel  por  diífcrcntcs  lugares  do  Ceo , 
alíim  como  tem  os  Planetas  e  Com.eias , 
apparecendo  hoje  n'um  lugar  do  Ceo  ,  e  á 

ma- 


3 68         Recreação  Filofofica 

manha  em  outro  diírercntc  :  e  por  eíla  ra- 
zão fe  chamáo  fixas.  Porém  os  Agróno- 
mos obferváo ,  como  já  dilTc  (  i  )  que  tam- 
bém tem  o  fcu  movimento  próprio  á  ro- 
da do  eixo  da  Eclitica  ,  e  que  galUo  nelle 
25.5^20  annos  ,  e  que  hc  de  Poente  para 
Nafccnte.  Por  caufa  delle  movimento  fe 
obíerva  huma  coufa  digna  de  reparo.  No 
tempo  de  Hiparcho  ,  o  ponto  do  cruza- 
mento ,  que  havia  entre  a  ÉcLtica  e  o  Equa- 
dor ,  correfpondia  ao  ponto  ,  que  i^al- 
mente  diftava  da  confteIlaç:o  de  Aries  ,  e 
da  de  Pifeis  :  de  forte  ,  que  o  ultimo  pon- 
to de  Pifeis  5  ou  o  primeiro  de  Aries  ,  era 
o  cruzamento  da  Èclitica  com  o  Equa- 
dor: obferva-fe  agora,  que  muitas  Eftrellas 
de  Pifeis  já  arravclTaráo  o  Equador  ;  e  to- 
das as  mais  Eítrellas  de  Pifis  ,  e  as  dè 
ylquario  ,  c  depois  as  de  Caprieortiio  irão 
paliando  pelo  Equador  ;  e  alíim  todas  as 
demais  que  fórmío  o  Zodíaco  ,  até  que, 
paliados  25.  920  annos  ,  tornará  a  cortar  o 
Equador  o  primeiro  ponto  de  Aries.  Ora 
eftc  movirren:o  no  íyttema  Ticonico  he 
verdadeiro  j  mas  no  fyíkma  c  hypotheíe 
Copernicana  he  fó  apparente  :  e  o  modo 
de  o  explicar  eu  o  di^o  ,  deixai-me  defe- 
nhar  huma  figura.  Efta  meza  ( Eftamp  5. 
Eí^.  $•  /^'  ?•)  fupponhamos  que  he  o  plano  da  E- 
fi^.  3.  clitica,  por  onde  anda  a  Terra  a  roda  do  Sol, 
que  eílá  no  meio  :  levantemos  hum  arame 
alto  El,  que  reprefenta  o  eixo  da  Ecli- 

tl- 

(  I  )     Tarde  XXXÍ.  §.  VII. 


Tarde  trigefnna  quarta.     369 

tica  5  levantado  perpendicularmente  fobre 
dia  ,  e  o  pólo  E  igualmente  diítante  de 
todas  as  íuas  partes.  Ponhamos  a  Terra 
aqui  em  M  com  o  eixo  de  Norte  N  a 
Sul  S  inclinado  ao  plano  da  Eclitica  ,  co- 
mo dilTe.  ConíideremOa  huma  linha  p  q 
parallela  ao  eixo  da  Eclitica  ,  que  airaveí- 
íe  a  Terra  peio  centro.  Ifto  pofto  ,  haveis 
de  faber  que  ,  ainda  que  eu  diiíe  ha  pou- 
co que  o  eixo  da  Terra  N  S  ,  em  qualquer 
parte  que  a  Terra  eftiveíTe  ,  íempre  ficava 
parallelo  a  fi  mefmo  ;  com  tudo  ,  iíTo  não 
hc  aííim ,  fallando  com  todo  o  rigor  mathe- 
matico  ,  alguma  diíFerença  tem  ,  pofto  que 
mui  pequena :  de  ibrte  que  Te  neftc  anno , 
quando  foi  o  Solíticio  de  Veráo  ,  e  efta- 
va  a  Terra  em  M  ,  a  ponta  do  eixo  N  ef- 
tava  em  a  ,  para  o  anno  que  vem  já  cíTa 
ponta  N  ha  de  ter  andado  hum  pouco  pa- 
ra a  ilharga  ,  e  eftará  em  c  ,  e  no  outro 
anno  em  i ,  depois  em  o  ,  &c. ;  ao  mefmo 
tempo  ,  a  outra  extremidade  do  eixo  S  fa- 
rá o  mefmo  movimento  ,  mas  encontrado , 
feguindo  os  números  que  aqui  efcrevo  i  , 
2  ,  ^  ,  4  5  &c.  Efte  movimento  porém  hc 
táo  vagarofo  ,  que  as  extremidades  do  eixo 
náo  farão  hum  circulo  á  roda  da  linha  de 
pontinhos  p  q  ,  fenáo  paliados  2^.920  an- 
nos.  Efte  movimento  das  extremidades  òo 
eixo  da  Terra  he  contra  a  ordem  dos  Si- 
gnos,  ifto  hc,  de  Oriente  a  Poente.  Adver- 
ti também  que  ,  fuppofta  a  inclinação  do 
€Íxo  da  Terra  ,  a  refpcito  do  plano  ida  EcU- 
Tom.  VI.  Aa  líca. 


370         Recreação  Filofofica 

lica,  que  como  diíTe  he  de  66  gráos  emc?o, 
cfte  mclmo  eixo  N  S  faz  com  a  linha  de 
pontinhos  p  q  hum  angulo  de  2^  gráos  e 
ineio  ,  que  hc  juftamente  o  que  vai  dcfde 
o  pólo  do  Norte  no  Ceo  até  o  circulo  Po- 
lar j  c  ncfte  Circulo  polar  he  que  íe  termi- 
náo ,  como  já  diiíe,  os  pólos  da  Ecliiica ;  e 
por  confeguinte  temos  que  elte  circulo  de 
pontinhos  a  e  i  u  u  ^  que  dcfcreve  o  eixo 
da  Terra ,  correfponde  lá  no  Ceo  a  hum  cir- 
culo femelhante  ao  circulo  Polar.  Ora  dei- 
te movimento  do  eixo  da  Terra  ,  que  nef- 
te  fyftema  hc  real  ,  nafce  hum  movimento 
nas  Eftrellas  enganofo  e  apparentc  ;  por- 
que como  a  linha  p  q  he  parallela  a  E  I , 
as  fuás  extremidades  lá  no  Ceo  diftáo  tan- 
to entre  fi  ,  como  cá  no  plano  da  Eclitica; 
ora  efta  diííancia  (que  he  a  do  Sol  á  Ter- 
ra) pofta  lá  cm  huma  tal  altura  ,  defap- 
parece  ,  e  he  como  hum  ponto  ;  por  efta 
razáo  fe  a  extremidade  da  linha  E  I  corref- 
ponde lá  no  Ceo  ao  pólo  da  Eclitica ,  tam- 
bém a  extremidade  da  linha  p  q  correfpon- 
de fcnfivelmente  ao  mefmo  ponto.  Suppof- 
to  tudo  ifto  ,  quando  o  eixo  da  Terra  N 
S  fe  move  á  roda  da  linha  p  q  ,  c  a  extre- 
midade N  faz  hum  circulo ,  que  lá  no  Ceo 
correfponde  a  ourro  formado  á  roda  de  p 
pólo  da  Edifica ;  os  homens  ,  que  fe  mo- 
vem com  a  Terra  ,  erradamente  julgáo  que 
c(Te  pólo  da  Eclitica  p  hc  quem  dcfcreve 
Jium  circulo  em  contrario  á  roda  do  ponto 
N  ,   a  que  no  Ceo  correfponde  o  pólo  da 

Ter- 


Tarde  trígefima  quarta,     ^yt 

Terra.  Por  iíTo  diZcm  que  os  pólos  da  E** 
clitica  j)  q  em  25.  9:0  annos  correm  todo  q 
circulo  polar  á  roda  dos  pólos  ;  porém  he 
engano  (  dizem  os  Copernicanos  )  porque 
o  pólo  da  Eclitica  he  fixo  ,  e  o  pólo  do 
Norre  N  he  quem  fe  move  á  roda  delle. 
Também  nafce  daqui  outro  engano  ^  por- 
que indo  a  extremidade  do  eixo  da  Terra 
N  correndo  fucceílivamente  iodas  as  Eftrel- 
las  que  na  diltancia  át  2  7^  gráos  e  meio 
cercão  o  pólo  da  Eclitica  ,  nós  cuidamos 
que  as  Eftrellas  sáo  as  que  íe  movem  á 
roda  do  fcu  póío  p  ,  para  fe  virem  che- 
gando ao  pólo  do  Norte  N  ;  porém  he  en- 
gano ;  por  quanto  o  pólo  do  Norte  he 
quem  vai  vifirando  c  correndo  lod.^s  cfías 
Eftrellas ,  que  na  realidade  eftáo  immoveis. 
Já  daqui  vedes  como  ás  Eftrellas  ,  que  dif- 
táo  do  pólo  da  Eclitica  2^  gráos  e  meio, 
damos  erradamente,  movimento  á  roda  dcf- 
íe  pólo  j  e  como  todas  as  mais  Eftrellas 
conferváo  com  eftas  a  mefma  ordem  ,  dif- 
pofiçáo  ,  e  diftancia  ,  a  todas  attribuimos 
o  mefmo  movimento  á  roda  dos  Teus  pó- 
los ;  porém  he  errado  o  difcurfo.  Do  mef- 
mo modo  5  parece -nos  que  as  Eftrellas  da 
Eclirica  com  o  feu  próprio  movimento  á 
roda  do  feu  eixo  vão  fucceííivamcnte  paf^ 
fando  pelo  Equador  que  lhe  fica  inclinado: 
lambem  he  engano  ,  porque  movendo-fc  o 
eixo  da  Terra  ,  também  o  Equador  ,  que 
fempre  faz  aneulo  reólo  com  elle  ,  fe  ha 
(de  mover  i  e  o  Equador  com  o  feu  moVi- 
Aa  ii  men- 


37^         Recreação  Filofofica 

roenro  he  quem  vai  cortando  a  Eclítica  em 
diíferentes  pontos.  Ultimnmenre  defte  mo- 
vimento do  Equador  nafce  outro  eíieito  , 
a  que  chamáo  Ànticipação  dos  Equínoccíos, 
De  forte  ,  que  íe  ,  cílando  a  Terra  num 
determinado  ponto  da  Tua  orbita  ,  fez  ahi 
o  feu  Equinoccio  verno  ,  em  rigor  náo  ha- 
via de  tornar  a  fazer  eíTe  Equinoccio  fc- 
náo  depois  de  dar  huma  revolução  inteira, 
quando  tornaíle  a  chegar  a  efie  mefmo  pon- 
to •,  porém  na  realidade  acontece  o  Equi- 
noccio algijm  tempo  antes  de  chegar  a  Ter- 
ra a  cíTe  lugar. 

£ug,     E  porque  motivo  he  iíTo? 

Theod,  O  Equinoccio  fucccde  quando  huma 
linha  tirada  do  Equador  ce  parte  a  parte 
vai  parar  20  Sol  ;  fe  o  eixo  da  Terra  con- 
íervalTe  fcmprc  o  parallelifmo  a  fi  mefmo 
nelTc  cafo ,  lómente  quando  chegaííe  a  aca- 
bar de  todo  a  orbita  annua  he  que  o  pla- 
no do  Equador  olharia  direito  para  O  Sol , 
mas  como  elle  fe  torceo  entretanto  para  o 
lado  ,    também  deo  inclinação  ao  Equador, 

.  e  por  ilTo  ,  al^um  tempo  antes  de  chegar 
ao  fim  da  orbita  ,  já  o  Equador  olha  direi- 
to para  o  Sol ,  c  temos  Equinoccio  na  Ter- 
ra antes  do  tempo  ;  porém  efta  aniicipa- 
çáo  vale  o  que  importa  hum  anno  reparti- 
do por  25.920  ,  que  ferão  pouco  mais  de 
^  minutos  e  2;  fegundos  ,  fe  me  náo  en- 
gano. Eu  bem  fei  que  o  tratar  difto  per- 
tencia a  outra  parte  ,  quando  vos  expliquei 
p  movimento  da  Terra  ;  porém  agora  fi- 
cou- 


Tarde  trigefima  qtiarta,     ^73 

cou-me  mais  fácil  a  fua  explicação  depois 
de  \^i  explicar  o  pãralldi[ino  do  eixo  da 
Terra. 
Eug.  Já  vos  tenho  recommendado  que  guar- 
deis aquella  ordem ,  que  virdes  que  he  mais 
condiicerite  á  minha  maior  inceiiigencia. 

§.  VI. 

Dx  caufa  das  Marés. 

Theod,  /^  Omo  nefta  tarde  determinei  tra- 
V_>  rar  dos  efFeitos  ,  que  nafcem  da 
poftura  que  ha  na  Terra  a  refpeiío  dos  Af- 
tros  5  devo  necedariamente  tratar  dos  effei- 
tos  que  nelía  causáo  o  Sol  e  a  Lua  :  e  aqui 
cntráo  as  Marés.  Marés  chamo  eu  á  alter- 
nativa intumefcencia  ,  e  dctumeíccncia  da 
agua  do  mar.  A  experiência  enfina  a  todos 
que  no  cfpaço  quafi  de  25  horas  a  agua  do 
mar  duas  vezes  fóbe  a  determinada  altura , 
e  duas  vezes  defce:  chamáo-lhe  marc' cheia , 
ou  prc:ímar  ,  quando  eílá  na  maior  altura  ; 
e  quando  defce  ao  ultimo  pon-o  ,  chímáo- 
Ihe  maré  vafia  ,  ou  baixa  mar.  Todos  con- 
cordáo  que  eíh  efíeico  procede  da  Lua  , 
porque  fegue  o  fea  movimento  :  a  diiíi- 
culdade  he  dizer  o  modo  ,  com  que  a' Lua 
pode  fazer  fubir  ,  ou  dcfcer  as  aguas  do 
mar.  Alguns  diUeráo  que  era  por  huma  cl- 
pccie  de  fermentação  ou  fervura  ,  que  cau- 
fava  a  Lua  nas  asuas  do  mar  ,   por^^uc  iaa- 

ça. 


374        Recreação  Filofofica 

cava  de  fi  certos  effluvios  ,  que  achando  a 
agua  mifturada  com  fal  e  betume  ,  a  fazia 
fermentar,  e  neíh  fermentação  forçofamcn» 
te  havi  1  de  crefcer  o  volume  j  e  nifto  he 
que  confiftiáo  as  mares. 
Eug.  ElTa  explicação  náo  parece  má. 
Thcod.  Muitos  Filoíofos  a  feguem  ;  porém 
eu  náo  me  poíTo  pcrfuadir  que  feia  verda- 
deira. Primeiramente  perque  ,  como  já  vos 
dilTe  5  náo  ha  íundamcnio  balbnte  para  ad- 
mittir  cita  copia  quafi  infinita  de  effluvios 
da  Lua  (  i  ).  Além  dilío  ,  a  Lua  náo  pôde 
mandat  eftcs  effluvios  pira  os  dous  hemis- 
férios de  agua  ,  que  ficáo  a  prumo  debaixo 
delia.    Deixai-me  formar  huma  fií^ura   com 

Efl.  ç.      o  Lápis  5  que  ha  de  fer  precifa  (^Eftamp.  5. 

^o*  ^'  fiS-  ^')'  Éfta  bola  fuperior  L  lepreíí  nta  a 
Lua  ,  e  a  inferior  T  rcprefenta  a  Terra. 
Haveis  de  faber  que  neíles  dous  lugares  P 
p  ha  maré  cheia ,  porque  ficáo  a  prumo  de- 
baixo da  Lua  i  a  maré  ,  que  fica  voltada 
para  a  Lua  ,  chama-fe  primaria  i  a  que  fica 
na  face  oppofla  ,  chama-fe  fecundaria  ,  po- 
rém nos  pontos  B  b  \\2l  maré  valia  ■  e  co- 
mo a  Lua  vai  voltando  á  roda  da  Terra , 
pontualmente  vai  a  maré  cheia  correndo  á 
fuperficie  da  Terra  ,  e  fe  agora  aqui  no  Te- 
jo he  maré  cheia  ,  porque  temos  a  Lua  fo- 
orc  nós  ,  quando  a  Lua  eítíver  no  Hori- 
zonte b  ,  entáo  feri  miaré  cheia  em  B  /;, 
c  naré  yaf^a  em  P  p.  Tornaremos  porem 
a  ter  maré  cheia  ,    quando   a  Lua  eílivcr  a 

pru- 
O)     Tarde  XXiX.  §.  VH. 


Tarde  trigefima  quarta,     575' 

prumo  debaixo  de  nós  ;  e  tornaremos  a 
ter  maré  valia  ,  quando  vier  naícendo  no 
outro  Horizonte  B.  Suppofto  itto  ,  que  a 
experiência  enfina  ,  bem  fe  vè  que  náo  po- 
dem as  marés  proceder  de  eífluvios  da  Lua  , 
que  caufem  alguma  fermentação  nas  aguas 
do  mar  ;  porque  como  nos  podem  perlua- 
dir  ,  que  eíles  cffluvios  atraveísáo  toda  a 
Terra  pelo  ieu  meio  ,  para  virem  fazer  a 
fermentação  ,  ou  maré  cá  no  hemisterio  in- 
ferior ?  Por  certo  que  a  agua ,  que  fica  aos 
lados  ,  V.  g.  em  ^  /?  ,  com  mais  razáo  re- 
ceberia eftes  effluvios  ,  do  que  a  agua  infe- 
rior que  temos  cm  ;?  i  c  nós  vemos  que  em 
B  b  ha  maré  vaíia  ,  e  cá  no  hemisfério  in- 
ferior e  oppofto  á  Lua  ha  maré  chei^.  Don- 
de  5  quanto  a  mim  ,  evidentemente  le  co- 
lhe que  a  caufa  das  marés  náo  he  algum.a 
effcrvefcencia ,  que  os  eftiuvios  da  Lua  cau- 
fem nas  aguas  do  mar. 

Silv,  Pois  procedendo  as  marés  do  influxo 
da  Lua  ,  como  ninguém  nega  ,  pois  a  fe- 
gucm  ,  que  outra  coufa  fe  pode  dizer  fo- 
bre  a  caula  das  marés  ?  Eu  bem  vejo  que 
e(Ta  difliculdade  he  grande  ;  porém  a  expe- 
riência convence. 

Theod.  A  experiência  fò  moftra  que  a  Lua  he 
caufa  das  marés ;  porém  n?.o  ha  experiência 
que  prove  elTes  influxos ,  nem  effluvioF. 

«5*í7v.  Se  a  Lua  caufa  as  marés  ,  como  náo 
influe  ?  Eu  não  fel  como  fem  elTes  influxos 
poíía  fízer  cá  nas  aguas  algum  cff-éito. 

Ihecd,     Dcs-Cartcs  o  explicou  por  hum  m.o- 

do 


37^         Recreação  Filofofica 

Ao  bem  cngenhofo  ,    pofto  que  ,   quanto  a 
mim  ,    falfo.    Diz   que   á   roda   da  Terra  , 
num  perpétuo  voriice  ,   gira  hurria  rápida  e 
immenfd    torrente    de    matéria    fubtil  :    cfta 
matéria   quando  achar   a  paflagem   mais  el- 
treita  ,    he  forçoío  que  opprima  os  oblhcu- 
los  que   de  huma   e  outra  parte   lhe  apertão 
o  caminho.    Ertando  a  Lua  a  prumo  em  fi- 
ma  de  nós  ,    com  o  feu  volume   occupa  ef- 
paço  grande  ;    e  já    a  torrente    de  mareria  , 
que  quer  paíTar  por  entre  a  Terra  e  a  Lua  , 
acha    o  caminho   mais  eftreito  ,    e  opprime 
as  aguas   do  mar  ;    porém    ellas  opprimidas 
no  mar   largo  ,    que  fica    a  prumo   debaixo 
da  Lua  ,   necefTariamenie  háo  de  creker  pa- 
ra as  bordas  da  praia  ,  e  a  ifío  chamáo  ma- 
ré   cheia.    Ao  mefmo    tempo   com  a  força  , 
que  faz  efta  torrente  de  mareria  ,  ha  de  af- 
fpílar  hum  pouco   do  feu  lugar  a  Terra  ,    e 
ficará  menor  a  diftancia  entre  ella   e  a  orbi- 
ta da  Lua  pela  parte  inferior  j  e  por  ilTo  ao 
paíTcir    por  baixo   a  torrente  de  matéria  íub^ 
til ,  achard  também  o  caminho  apertado  ,  e 
as    aguas  opprimidas    também  crelceráó  ,    e 
tra  boriaráó  para  as  ilhargas,  form^ando  nef- 
fcs  Titios   outra   maré  cheia  ,    corrcfpondente 
á  marf  cheia ,  que  fica  da  parte  da  Lua.  Pe» 
lo    contrario  ,    paííando   a  Lua   delTe   lugar, 
que  tinha  fobrc  nós  ,  e  óckcnao  até  o  Ho- 
rizonte ,    j.í  as  aguas  do  mar  ficáo  livres  da 
fua    opprefsáo  ,    e  as  que   tinháo    fubido  ás 
praias ,   defcahcm  a  occupar  o  feu  lugar  an- 
tigo ,  fendo  então  maré  vafia. 


Tarde  trígefima  quarta,     377 

Eug.  Ora  alli  tendes  ,  Silvio ,  huma  explica- 
ção bem  admirável  ,  com  que  fe  encende 
como  a  Lua  cauía  as  marés  ,  í"em  haver  in- 
fluxo nenhum. 

Súv,  Eu  não  admitro  t{{ç%  turbilhões ,  e  vór- 
tices de  matéria  fubtil. 

Theod,  Nem  cu  também  ;  por  iíío  náo  figo 
eíèc  fyiiema  ,  poílo  que  o  confeílo  enge- 
nhofo.  Além  de  que,  ainda  admittidos  elíes 
rurbilhóes  ,  me  parece  que  não  podião  cau- 
far  as  marés  ;  primeiramente  ,  porque  el- 
íes turbilhões  leváo  comíigo  a  Lua  ,  fazen- 
do-a  girar  á  roda  da  Terra  ,  aíHm  como 
as  aguas  de  huma  torrente  leváo  comíigo 
hum  barco  :  e  fendo  ifto  allim  ,  náo  po- 
de a  Lua  apertar  o  caminho  ,  por  onde  ha- 
ja de  paíTar  elTa  matéria.  Demais  ,  que  fe  a 
orbita  da  Lua  folTe  huma  abobada  folida ,  e 
impenetrável  ,  entáo  como  a  matéria  fubtil 
náo  podia  paliar  por  fima  da  Lua  ,  forço- 
famenre  havia  de  encontrar  mais  eílreito  o 
caminho  entre  ella  e  a  Terra  ,  porém  ifto 
bem  vedes  que  he  falíb.  Mais :  ainda  nelTe 
calb  mais  fácil  era  á  matéria  fubtil  traípaf- 
far  as  aguas  ,  do  que  opprimillas  de  tòrma 
que  as  fizelTe  fubir  para  as  praias  ,  e  aba- 
lar do  feu  lugar  toda  a  Terra  em  pezo , 
para  ficar  mais  eíireito  o  caminho  entre  el- 
la e  a  orbita  da  Lua  pela  parte  inferior.  Em 
fim  moftra-ic  evidentemente  que  he  fal- 
ío  o  abatercm-fe  as  aguas  ;  porque  paíTan- 
do  a  Lua  a  prumo  fobrc  muitas  praias,  que 
íe  cncontr.io  na  Zona  Tórrida  ,   nunca  até 

aqui 


37 S         Recreação  Filofofica 

aqui  fe  obfcrvoa  ,  que  ahi  abaixaíTem  as 
aguas ,  antes  fe  conhece  que  confiantemente 
fobem  ao  paíTàr  da  Lua  por  fima. 
Silv.  Eu  não  fou  Carteziano  ,  náo  me  im- 
porta o  foitar  eíTas  diliiculdades.  Mas  dizci- 
me  vós  o  que  íeguis  nefte  particular. 
Theod.  Eu  como  thefe  náo  figo  nada  ;  ifto 
he  ,  náo  digo  que  as  coufas  sáo  defte  ou 
daqucUe  modo  ;  porém  como  hjpothejc ,  ou 
fuppofiçáo ,  agrada-me  a  fentença  dos  New- 
tonianos.  O  leu  íyftema  he  eítc.  Já  íabeis 
que  admittem  mutua  c  geral  gravidade ,  ou 
attracção  entre  a  Terra  c  os  Planetas:  tam- 
bém fabcis  ,  que  efta  attracção  he  maior 
quando  os  corpos  ertáo  mais  chegados  ,  de 
íorte  que  crefce ,  conforme  já  vos  dilTe  ,  na 
razáo  inverfa  dos  quadrados  da  diftancía. 
Eft.  ç.  Vamos  agora  á  mefma  Eftampa  ÇEftamp, 
^Z'  2'  5.  jig,  2.  ),  que  vos  moílrei  ha  pouco.  Nef- 
la  linha  ,  que  defde  a  Lua  atravefía  a  Ter- 
ra ,  notai  três  pontos  P  ,  T ,  p  ;  ifto  he  o 
centro  da  Terra  ,  e  o  ponto  da  fuperficic 
fupcrior  mais  chegado  á  Lua  ,  e  o  pon- 
to do  hemisfério  inferior  mais  diftante  del- 
ia. Como  eftes  trcs  pontos  tem  mui  divcr- 
fa  diftancia  da  Lua  ,  também  ha  de  fer 
mui  diverfa  a  força  ,  com  que  a  Lua  os 
attrahe  ,  pois  creíce  .>  Força  da  attracçáo  á 
proporção  que  diminuem  os  quadrados  das 
diftancias;  e  allim  fabc-fe  ,  que  fe  no  ponto 
P  mais  próximo  á  Lua  a  attracçáo  vale 
^.711  ,  no  centro  T  vale  ^5.  600  ,  e  no  ponto 
ultimo  p  vale  fomente  :5.48i  ;  porque  efta 

he 


Tarde  trigefima  quarta,     i^j^ 

hc  a  razão ,  que  ha  entre  os  quadrados  das 
diftancias  da  Lua  6i  ,  6o,  ^9.  Nifto  concor- 
dareis facilmente  ,  fuppofto  o  que  íica  dito 
noutros  dias.  Ora  atirahindo  a  Lua  eíles 
três  pontos  ,  poítos  em  huma  linlia  rcfla, 
porém  o  primeiro  mais  fortemente  que  o 
íègundo ,  e  o  fcgundo  mais  fortemente  que 
o  terceiro ,  necefíariamente  os  ha  de  feparac 
entre  fi  ,  ienão  eíliverem  prezos  mutua- 
mente. Mas  as  aguas  não  eítáo  ligadas  ;  e 
por  iílb  as  que  íicáo  mais  próximas  á  Lua 
lóbcm  mais  ,  afFaítando-fe  do  centro  da 
Terra  ,  e  ilTo  hc  maré  cheia  ,  e  como  pela 
meíma  razão  aitrahe  o  centro  da  Terra 
mais  5  do  que  as  aguas  inferiores ,  que  ficáo 
em  p  ,  também  fepara  mais  o  centro  da 
Terra  delias  aguas  ,  ou  eíTas  aguas  do  cen- 
tro da  Terra  ,  e  ficando  ahi  mais  diílantes 
do  centro  da  Terra  ,  íicão  mais  altas ;  e  hc 
outra  maré  cheia,  Eis-aqui  como  fcmpre 
ha  preamar  ,  não  fó  na  fuperficie  fuperior, 
mas  na  inferior  ,  naquelles  lugares  que  cor- 
refpondcm  á  Lua  por  linha  recfa.  Nos  ou- 
tros lugares  porem  ,  como  não  ha  caafa 
que  faça  fubir  as  aguas  ,  be  maré  vafia, 
Dizei-me,  que  vos  parece  defte  fyiècma? 

^ug.  Não  polTo  deixar  de  dizer  que  o  acho 
mui  engenhofo. 

Theod,  Mas  huma  difRcaldade  tem  contra  d 
na  maré  inferior  ,  que  hc  a  que  em  todos 
os  fyltemas  cufta  mais  a  explicar  ;  porque 
as  aguas  inferiores  fe  acháo  ,  conforme  a 
eííe  íyftcma  ,   attrahidas    por  duas  caufas; 

hu- 


380        Recreação  Filofofica 

huma  hc  a  Lu3  ,  outra  o  centro  da  Terra, 
com  a  atrracçáo  a  que  chamamos  pezo  das 
aguas.  De  forte  que  ,  ainda  no  caio  que  a 
Lua  pur  nenhum  modo  attrahiíTe  as  aguas 
inferiores  ,  fempre  eftas  feguirláo  o  centro 
da  Terra  para  qualquer  parte  que  elle  foíTe 
arrebat.ido  ou  attrahiJo  ,  do  mefmo  modo 
que  quem  puxar  por  hum  navio  trazendo-o 
a  reboque  ,  o  efcaler  ou  bote  que  vem 
prezo  ao  Tiavio  pelo  cabo  ,  fcguirá  por 
toda  a  parte  ao  navio  ,  ainda  que  imm.edia- 
tamente  náo  puxem  por  eile.  Deite  mefmo 
modo  5  como  o  centro  da  Terra  attrahc  as 
aguas  todds  ,  que  banháo  a  fua  fuperficie 
em  redondo  ,  ainda  que  a  Lua  náo  attrahilTe 
por  nenhum  modo  as  aguas  inferiores  p, 
huma  vez  que  arrrahilTe  o  centro  da  Terra , 
as  aguas  interiores  o  feguiriáo  táo  de  per- 
to ,  como  fe  e!Ie  eliivelTe  immovel  ;  affim 
como  o  bote  fcguç  o  navio  na  mefma  dif- 
tancia ,  quer  clle  feja  attrahido  ,  quer  o  dei- 
xem cm  focego.  Da  parte  fuperior  a  at- 
iracçáo  da  Lua  milita  contra  a  attracçáo  do 
centro  da  Terra  ;  a  attracçáo  da  Terra  pu- 
xa as  aguas  para  baixo  ,  a  da  Lua  para 
fima  :  c  daqui  refulta  ficar  a  gravidade 
das  aguas  menor  ,  c  fubirem  para  íima , 
feparando-fe  algum  tanto  do  centro  da  Ter- 
ra. Porém  no  hemisfério  oppoffo  á  Lua 
concorrem  a  attracçáo  do  centro  da  Terra, 
e  da  Lua  a  puxar  as  aguas  para  a  mefma 
parte  ,  e  parece  que  devia  entáo  íer  ahi  a 
maré  vafia.  Se  a  Lua  não  attrahiííc  eíTas  aguas 

in- 


Tãrâe  trígejima  quarta,     381 

inferiores  p  ,  cllns  por  virtude  da  attracçáo 
lerrt  ftre  ,  ou  pezo  próprio  ,  fe  confervariáa 
na  mcrma  diílancia  do  centro  ,  que  terião  , 
fe  náo  houvelle  Lua  ,  que  feria  a  mefma 
que  nos  lados  ,  por  força  do  equilíbrio  dos 
líquidos  ;  mas  como  na  realidade  também 
chega  ás  aguas  inferiores  a  attracçáo  da  Lua, 
ainda  que  menor  do  que  do  centro  ,  fcm- 
prc  deve  obrar  algum  eífeito  ,  c  mover  as 
aguas  para  eíTa  parte  j  ficaráó  lo2;o  as  aguas 
mais  baixas  do  que  nos  lados  Í  /?,  c  te- 
remos hum  grande  haixx  mar.  Ainda  quero 
pôr  ifto  em  termos  mais  claros.  xSupponha- 
mos  que  a  attracçáo  da  Terra  a  refpeito 
das  aguas  da  fua  fuperficie  em  redondo 
vale  ICO  ;  fe  náo  houveíTe  Lua,  fendo  em 
toda  a  redondeza  da  Terra  igual  efta  attrac- 
çáo ,  em  toda  a  fuperficie  ficariáo  as  aguas 
equilibradas,  ifto  he  na  mefma  diltancia  do 
centro  ( prefcin damos  do  movimento  diur- 
no da  Terra  ,  que  os  Newtonianos  admit- 
tem  ) .  Ponhamos  agora  a  Lua  a  prumo  fo- 
bre  P  ;  e  imaginemos  que  a  attracçáo  da 
Lua  no  centro  T  vale  10  ,  no  ponto  fupe- 
rior  P  valerá  ir,  e  no  ponto  inferior  p  va- 
lerá 9.  Ifto  pofto  ,  em  P  as  aguas  experi- 
meniáo  a  attracçáo  como  100  ,  que  as  pu- 
xa para  o  centro ,  a  attracçáo  como  1 1  que 
as  puxa  para  fima  ;  fegue-íe  que  ficaráó 
mais  fcparadas  do  centro  ,  como  fe  fó  va- 
lelTe  o  feu  pezo  cu  attracçáo  89  gráos ;  pois 
he  coufa  fabida  que  quando  hum  mefmo 
corpo    experimenta    attracçáo    para    partes 

op- 


3 cl         Recreação  FiIo'ofica 

oppoftas  ,  a  menor  fe  dcfconta  da  maior; 
e  dcfcontando  1 1  ,  que  ranro  vale  a  attrac- 
çáo  ádí  Lua  ,  de  ico ,  que  he  a  actracçáo  da 
Terra ,  ficáo  8$;.  Vamos  a^ora  ao  hemisfc- 
rro  oppofto.  Em  p  tem  as  aguas  força  co- 
mo 100,  com  que  são  acirahiu.is  para  o  cen- 
tro da  Terra  j  tem  além  dilfo  artracçáo  co- 
mo 9  ,  com  que  sáo  puxadas  para  a  Lua  j 
c  como  a  Lua  ,  e  o  centro  da  Terra  Ifies 
ficáo  da  melma  parte ,  huma  força  íc  ajun- 
ra  á  outra ,  e  devcm-fe  mover  as  aguas ,  co- 
mo fe  por  huma  fó  caufa  foíTem  attrahidas 
com  força  109.  Dcfte  modo  ficáo  as  aguas 
em  fima  attrahidas  para  o  centro  da  Terra 
com  força  89 ,  nos  lados  B  b  attrahidas  com 
força  100  ,  em  baixo  attrahidas  com  força 
IO;;  j  e  d'aqui  feeuc-fe  ,  que  em  P  haverá 
maré  cheia  ,  cm  £  b  maré  vafia  ,  e  cm  p 
huma  maré  muito  mais  vafia  ;  pois  aqui 
com  muita  maior  força  fe  chegarão  as  aguas 
para  o  centro  da  Terra. 

SHv.  Suppofto  ilTo  5  como  dizeis  vós  que 
achais  eíTc  fyftema  engenhofoí 

Theod.  Summamicntc  engenhofo  :  c  a  cíb  dif- 
iculdade fe  refpondc  maravilhofamentc  ,  e 
fica  o  fyftema  em  pc  :  à^vc-ic  a  relpofta 
ao  nolío  Grande  Bento  de  Moura  PortugaL 
Já  íabeis  que  a  Terra  ,  e  Lua  giráo  em  27 
dias  e  meio  á  roda  do  centro  commum,  que 
fica  entre  ambos  ,  como  já  vos  dilTe  (  i ) 
fallando  do  modo  de  pczar  a  Lua. 

£ug.     Bem  me    lembro.    Eis-aqui   as   figuras 

{Ef. 
C  I  )     Tícde  XXXIII.  §.  V. 


Tarde  trigefima  quarta,     383 

CEfl^mp.  4'fig'  4.)  que   vós   fizeftes  para  ^^-  4« 
me  explicar  clíe  ponto.  ^s-   4- 

Thccd.  Delias  mefinas  me  fervirei  agora.  Va- 
mos aefta  figura  (^Ejiamp.  4'fig'  5.)*  Aqui  Eft.  4. 
vedes  que  no  mefmo  tempo,  em  que  a  Lua  fíg.  5. 
L  faz  hum  giro  grande  á  roda  do  centro  com- 
mum  C,  a  Terra  T  faz  hum  giro  pequeno 
á  roda  do  mefmo  centro  commum.  Ifto  he 
certo  (  I  ).  Ora  também  he  certo,  que  todo 
o  corpo  ,  que  íe  move   em  giro   á  roda  de 

al- 

(  I  )  Nas  imprefsões  precedentes  fazia  eu  o 
calculo,  dando  á  Lua  hum  pezo  39  vezes  me- 
nor que  a  Terra  .  o  que  obrigava  a  pór  o  cen- 
tro commum  meio  raio  fora  da  Terra  ,  con- 
forme o  calculo  de  Gravefande.  Como  porém 
depois  da  paflsgem  de  Vénus  fe  dá  á  Lua  hum 
pezo  71  vez^s  menor  cue  o  da  Terra,  fe  pode 
fazer  o  calculo  defle  effeito  do  modo  feguinte. 

1."  Quando  as  for.;as  da  Attracçáo  da  Lua 
e  Centrifuoja  a  refpeito  do  centro  commum  fo- 
rem para  a  inefina  parte  o  movimento  das 
aguas  no  mar  ,  deve  fer  igual  a  fomma  de  am» 
bas  ;  e  quando  forem  para  partes  oppnflas  ,  de- 
ve feguir  á  maior ,  depois  de  defcontar  a  menor. 

2.0  A  força  da  Attracção  he  na  razão  in- 
verfa  dos  quadrados  das  diftancias  da  Lua  a  vá- 
rios pontos  dj  Terra  :  as  diftancias  são  59  , 
60  ,  61  fcmidiametros  da  Terra  ,  cujos  qua- 
drado<?  são  ^.4X1,  5.60O,  3.  7  21  ,  medida  das 
5  forças  da  Attracção  ,  as  quaes  redu7Ída$  a 
números  menores  ,  são  com  pouca  differença 
como  3 6  no  centro,  37  na  face  próxima  ,  e 
3$    na  face  remota. 

$.0    Como  o  centro  da  Terra  não  iè  chega  j 


3^4  Recreação  Filojofica 

algum  centro  ,  tem  força  centrífuga  ;  e  to- 
das as  panes  deííe  corpo  torcejào  a  fugir 
do  ceríiro  á  roda  de  que  fe  revolvem.  Da- 
qui fe  íegue  que  as  aguas  ,  que  rodeiáo  a 
Terra  ,  hão  de  fugir  do  centro  commum  , 
mais  ou  menos  ,  conforme  di liarem  delle. 
No  centro  da  Terra  ,  comparando  a  força 
ccntrituga  a  refpeito  do  centro  commum  C 
com  a  força  da  attracçáo  p^ra  a  Lua  L ,  fi- 
cáo  em  equilíbrio  j  e  por  ilTo  nem  o  centro 
da  Terra  foge  mais  da  Lua ,  nem  fe  chega 
mais  para  ella.  Porém  no  ponto  i ,  que  he 
a  íuperficie  do  Mar  mais  vizinha  á  Lua ,  he 
maior  a  attracção  do  que  no  centro,  c  puxa 
as  aguas  para  a  Lua  ,  fazendo  maré  cheia : 
pelo  contrario  no  ponto  a  do  hemisfério  op- 

pof- 

nem  fe  aíTaíla  mais  da  Lua  ,  são  iguaes  ahi  is 
forças  com  que  a  Lua  o  attrahe  ,  e  con  cue  elle 
quer  fu2;ir  do  ceiUro  con)mum  ;  e  fe  a  turca  de 
Attracção  he   ^0  ,  aCentrifuga  também  Terá  jò. 

4.Q  Dando  a  Lua  hum  pezo  71  veres  me- 
nor, repartamos  60  raios  por  72,  e  fica  o  cen- 
tro commum  para  dentro  da  fuperficie  d.i  Ter- 
ra na  face  próxima  á  Lua  ,  dirtante  delia  172 
léguas  portuguezas  ;  e  longe  do  centro  (ia  Ter- 
ra S  59  ;  e  dillante  da  face  da  Terra  oppoíía  á 
I,U3  1.89C  ,  e  por  eí^as  diftancias  fe  devem 
medir  as  forcas  Centrífugas  nefles  três  pontos  , 
irto  he  ,  no  centro  da  Terra  ,  na  face  vizinha 
á  i  ua  ,  e  na  face  remota  ,  os  quaes  números 
com  pouca  diíferença  fe  reduzem  a  efles  ire- 
nores  7  ,   3^».  79* 

5.0  Combinando  agora  o  effeito  deftas  for- 
ças t   temos   no  centro  duas   íurças   contrarias 


Tardi'   tí^ige^r.ia  quarta.     385' 

oppofto  á  Lua  5  a  força  centrífuga  das  aguas 
he  maior  que  no  centro  ,  por  iVr  mais  dif- 
tanie  ;  e  ha  de  ler  menor  a  attracçáo  da 
Lua  que  já  fica  mais  Io:>ge  ;  c  por  efte  mo- 
do fuçiráó  as  aguas  do  centro  commum  ,  e 
iíTo  he  fugir  também  do  centro  da  Ttrra, 
que  lhes  fica  da  me  ima  parte  ;  e  haverá 
outra  maré  chei.i.  Suppofto  tudo  ifto  ,  fe 
desfaz  a  difriculdade  :  fe  no  hemJsferio  op- 
poíto  á  Lua  nÁo  houvelTe  alguma  attracc:o 
da  Lua  ,  a  força  centrífuga  das  aguas  a  ref- 
peito  do  centro  commum  as  faria  fugir  mui- 
to do  centro  da  Terra  ,  e  tormaria  huma 
maré  muito  grande  ;  porém  coir.o  lá  chega 
a  attracçáo  da  Lua  ,  detém  a  agua  ,  c  faz 
huma  maré  m.ais  pequena. 

Eiig.     Tenho  entendido  perfeitamente. 

Theod.  Agora  quero  accrefccntar  outra  cir- 
cumftancia  m.ui  digna  de  advertir-fe.  A  ma- 
ré cheia  ,  que  fe  faz  no  hemisfério  voltado 
Tom.VL  Bb  pa- 

igiiaes  ,  eoeffeico  he  nada:  na  face  prosiiiia  á 
Lua  temos  dua<;  forças  que  concordão  ,  e  o  ef- 
feito  dev-e  fer  i^ual  á  fomina  dambas  :  e  as 
aguas  devem  ir  para  a  Lua  com  ambas  as  for- 
ças :  na  face  remota  deve  a  força  centrífuga 
maior  ,  dellontada  a  fo-ç^  da  attrafção  me- 
nor ,  dar  movimento  a-^  aeuos  ,  affjRando-as 
do  centro  da  Terra  ,  e  da  Lua.  A  medida  def- 
tes  effeJtos  he  a  fe^uinte, 
jittr.  Face  prox.  jy  Centr.  jó  Fac.  rem.  ^5. 
Forç.  centrif.  Fac.  pr.  7   Centr.  3Ó  Fac.  rem,  79. 

Efcl'os. 
Face  prox    57  ,  mais  7  ,  dá  44.  de  maré  primeira. 
Centro  -    36  ,  menos  ^ò  ,  dá  nada. 
Face  rem.  79.  menos  35,  dá  44  de  marc  fegunda. 


3  86         Recreação  Filofofica 

para  a  Lua  ,  não  fó  he  eíicito  da  atrracção 
da  Lua  íobrc  elTe  lugar  /  ,  mas  tambcm  hc 
principalmente  da  attracçáo  da  Lua  nas  ilhar- 
Eft.  4.  gas  da  Terra  b  b  {  Eftamp.  4.  fig.  5.  )  ;  ad- 
fig.  5.  vertcncia  do  noíTo  Bento  de  Moura.  He  bciri 
verdade  que  a  attracçáo  da  Lua  he  mais  for- 
te no  lugar  /  ,  que  lhe  fica  a  prumo  ;  po- 
rém n?.o  pódc  mover  tanto  as  aguas  ,  por- 
que milita  diametralmente  contra  a  íua  gra- 
vidade ;  porém  nos  lados  b  b  ^.  attracçáo  da 
Lua  náo  he  contraria  á  direcção  da  gravida- 
•  de  das  aguas.  O  pezo  das  aguas  impelle-as 
para  o  centro  da  Terra  pela  linha  /?  T  ,  a 
attracçáo  da  Lua  he  pela  linha  b  L  ;  ç  co- 
mo a  attracçáo  da  Lua  náo  fica  embaraçada 
pela  gravidade  das  aguas  ,  movc-as  muito, 
fazcndo-as  rolar  pela  fuperficie  da  Terra. 
Ora  puj^ando  as  aguas  de  hum  lado  ,  e  do 
outro ,  vem  de  huma  e  outra  parte  ajunran- 
do-fe  para  o  meio  ,  e  fórmáo  hum  montão 
de  aguas  muito  grande,  e  huma  maré  mui- 
to maior  do  que  faria  fó  a  attracçáo  da  Lua 
fobre  eíTa  agua  /'. 
JEug.     Mis  na  parte  oppoíta  como  fe  forma  a 

maré  ? 
Thcod.  Também  deve  attribuir-fe  náo  fó  á 
força  cenrrfuga  delias  aguas  em  a  ,  mas 
também  concorrem  para  cíTa  maré  as  aguas 
dos  lados  b  b  ,  que  por  caufa  da  força  cen- 
trífuga pcrtcndem  fugir  do  centro  commum 
C  pelas  linhas  b  m ,  b  ti  ^  mas  como  o  cen- 
tro da  Terra  as  piLxa  pela  linha  b  T  ,  obe- 
decem as  aguas  a  ambas  as  forças  ,  rolan- 
do pela  fuperficie  da  Terra  -,  e  concorrcndq 

de 


Ta7'de  trigefima  quarta.     387 

de  huma  e  outra  parte  ,  íe  váo  ajuntar  no 
ponto  4  ,  formando  fegundo  preamar.  Aqui 
rendes  a  cauía  das  marés  cheias  :  e  daqui 
mefmo  fe  colhe  que  em  b  b  ha  de  haver 
grande  baixa-mar  ,  ou  maré  vaíia  j  pois  fu- 
gindo as  aguas  óe  b  b  ,  humas  para  a  par- 
te da  Lua  por  cauía  da  actracçáo  ,  outras 
para  a  parte  oppoíta  por  caufa  da  força  cen- 
trífuga 5  em  ordem  a  formar  as  marés  cheias , 
cm  a  ,  e  em  i  ,  naturalmente  ha  de  haver 
huma  grande  falta  de  aguas  ou  batxa-mar 
em  b  b  :  ifto  he  nos  dous  lugares  que  íicáo 
cm  quadratura  com  a  Lua. 

i'/7v.  Eu  náopoíTo  car  voto  nefte  ponto,  por- 
que joga  com  leis  de  movimento  ,  cm  que 
náo  íou  profeflbr  j  porém  ,  conforme  o  que 
temos  tratado ,  acho-o  muitas  vezes  bom. 

Theod,  Eu  confelTo  que  no  fyítema  Newtonia- 
no  náo  acho  explicação  que  mais  me  agra- 
de ;  c  fora  deíle  Tyíf  ema  nada  me  parece  vc- 
fofimil  ,  quanto  a  eile  ponto.  Que  dizeis, 
Eugénio  ? 

§.  VIL 

Das  circumfi anciãs  particulares  y  qus  fe  ob- 
fervão  nas  marés, 

JEug.     /"^  Uando  vos  agrada  a  vóí ,  que  po^ 

V^  deis  defcubrir  difficuldades  ,  que  ca 
nâo  vejo  ,  que  íerá  a  mim  ,  que 
tenho  menos  luz ,  e  mais  facilmente  mie  le- 
vo da  primeira  apparente  belleza  das  coufas* 
IVIas  dcfejo  íaber  ,  fe  nette  mefmo  fyftema 
me  podeis  dar  a  razão  de  algutnas  diverfida- 
Bb  ii  des^ 


388         Recreação  Vilofofica 

des ,  que  fe  obferváo  nas  marés ,  porque  hu- 
mas  vezes  sáo  muito  grandes  ,  outras  náo. 

Thecd.  Nas  Luas  novas  ,  e  Luas  cheias  sáo 
marés  maiores ,  e  lhe  chamáo  /Jguas  vivas ; 
quando  ióbe  a  agua  a  muito  maior  altura 
no  preamar  ,  c  delce  muito  mais  no  baixa- 
mar  ;  e  alíim  deve  fcr ,  porque  aílim  como 
a  Lua  atirahe  as  aguas  ,  aHim  as  attrahc 
também  o  Sol ;  porem  a  maré  que  fe  attri- 
bue  ao  Sol  he  mui  pequena  ,  por  caufa  da 
grande  diftancia  deite  Aftro  :  ora  nas  Luas 
novas  ,  como  o  Sol  ,  e  a  Lua  ficáo  pela 
mcfma  linha  a  rcfpcito  da  Terra  ,  concorre 
a  attracçáo  do  Sol  com  a  da  Lua  j  e  1  e  o 
Sol  havia  de  levantar  as  aguas  por  ^  pal- 
mos ,  e  a  Lua  por  10  ou  11  ,  concorrendo 
ambas  as  attracçócs ,  íobcm  as  aguas  i  ^^  ou 
14  palmos  j  e  havendo  nas  marés  cheias 
maior  volumxC  de  aguas  ,  forçofam.entc  nos 
lugares  ,  donde  vem  elTa  agua  e  fica  vafia 
a  maré  ,  ha  de  haver  maior  falta  de  agua , 
c  mais  fenfivel  baixa-mar. 

Silv.  Porém  nas  Luas  novas  náo  fó  he  mui 
grande  a  maré  no  hemisfério  correfpon den- 
te á  Lua  e  Sol  ,  mas  também  no  hemisfé- 
rio oppofto  ;  e  ahi  náo  ha  attracçso  do  Sol 
que  augmente  a  maré. 

Thcod.  Todas  as  vezes  que  hum  corpo  fe 
miOve  á  roda  de  algum  ponto  ,  fcmprc  tem 
força  centriíuga  i  e  no  fyftema  Ncwtonia- 
no  ,  movendo-íe  a  Terra  á  roda  do  Sol  na 
orbita  annua  ,  também  tem  fua  força  cen- 
trífuga ,  que  pouco  mais  ou  menos  he  igual 
á  força  da  attracçáo    do  Sol.   Peio  que  ,   o 

Sol 


Tarde  trigefiv.ia    quarta.     3C9 

Sol  fó  por  fi  mcfmo  ,  náo  havendo  Lua , 
fempre  faria  duas  marés  ,  huma  ao  meio 
dia  na  face  voltada  para  o  Sol  ,  outra  á 
meia  noite  na  face  oppoíia:  a  maré  do  meio 
dia  feria  caufada  peia  attracçáo  do  Sol  ;  e 
a  maré  da  m.cia  noire  feria  caufada  pela  for- 
ça centrífuga  das  aguas  a  reipeito  do  Sol. 
Vamos  agora  á  conjunção  do  Sol  com  a 
Lua  niís  Luas  novas  :  ajunta-fe  a  attracçáo 
do  Sol  com  a  da  Lua ,  e  fazem  huma  maré 
mui  grande  na  face  que  fica  para  o  Sol  j  e 
ajunra-fe  a  força  centrífuga  das  aguas  a  ref- 
peito  do  Sol  com  a  força  centrífuga  a  ref- 
peito  do  centro  commum  ,  e  fazem  huma 
maré  grande  na  face  oppoíta  á  Lua  e  ao  Sol. 

SWv.     Tenho  entendido. 

Eug.     E  na  Lua  cheia  como  {MQztàt  iíTo? 

'Iheod.  Como  então  o  Sol,  a  Lua,  e  a  Ter- 
ra ficáo  na  mefma  linha  ,  o  Sol  v.  g.  no 
Poente  ,  e  a  Lua  no  N.ifcente  ,  concorre  a 
attracçáo  do  Sol  com  a  força  cenirifuga  da 
Lua  ;  e  a  força  centrífuga  do  Sol  concorre 
com  a  attracçáo  da  Lua  :  de  forte  ,  que  a 
maré  cheia  primaria  do  Sol  fempre  concor- 
re com.  a  maré  cheia  fecundaria  da  Lua ; 
c  a  primaria  da  Lua  concorre  com  a  fecun- 
daria áo  Sol  ,  e  por  iílb  s?.o  táo  grandes. 
Ora  nos  quartos  da  Lua  são  as  marés  mui 
pequenas  ,  porque  concorre  a  maré  vaíía  do 
Sol  com  a  maré  cheia  da  Lua  ;  e  fe  a  Lua 
hav.a  de  levpnrnr  a  agua  por  i  i  palmos  , 
devemos  dcfcontar  os  ^  palmos  de  març 
vafia  do  Sol  ,   e  licío  fó  8'palri,os  :    e  pela 

mef- 


390        Recreação  Filofofica 

mefma  raz5.o   as  mares  vafias  são  mais  pc* 
quenas  ;    porque  havendo   de  defcer   a  agua 
por  caufa  da   Lua   ii    palmos  ,   como   ahi 
concorre   a  maré  cheia  do  Sol  ,    que  sáo  7^ 
palmos ,  io  deícc  a  agua  por  8. 
jE"w^.     Já  entendo  ;    e  vejo   que  tudo   concor- 
da   admiravelmente.     Pcrém    os   marítimos 
obferváo  no  anno  dons  tempos  ,  em  que  as 
marés   sáo   extraordinariamente  grandes  ;    c 
chamáo-lhc  cabeças  d  aguas  ,  fe  me  não  en* 
^ano. 
7heod.     Sáo  em  Março  c  Setembro  ;   e  pro*» 
cedem  de  que  os  dous  Aftros  Sol  e  Lua  íe 
encontrão  perto  do  Equndor.    Nós  fc  puzef- 
femos  o  Sol  c  a  Lua  nos  pólos  ,  nenhuma 
maré    haveria  3    porque   em  todas  as  partes 
de  qualquer   parallelo   ao  Equador  eftaria   a 
agua  na  mefma  altura  ,  e  com  a  revolução 
diurna   da  Terra   23   praias   fempre   olhariáo 
a  Lua  ou  Sol   do  meímo  modo  ,    e  fempre 
reriáo  a  mefma  altura  de  agua.  Logo  quan- 
to mais  formos  trazendo  os  Aílros  até  o  E- 
quador  ,   maiores   feráo   as  marés.    Eis-aqui 
porque  nas  conjunções  ,  que  fuccedem  per- 
to dos  EqUinoccios  ,    sáo  maiores  que  nun- 
ca as  marés  ;    porque  cada  hum   dos  Aítros 
obra    por   linha   mais   proporcionada    a   eíTe 
c  fiei  to. 
Eíi7.     Náo  fci  que  tem  iílo   de  levar  as  cou- 
ías  òMt   os  íeus  principios  ,   que  todas   as 
circumflancias  ,  ainda  as  mais  miúdas  ,  vão 
nafcendo  naiuralmente. 
Tl-fod,     Ativirto  agora  duas  coufas  ,  que  me- 

rç- 


Tarde  trlgefima  quarta.     391 

recém  attençáo  :  huma  he  ,  que  a  maior 
força  das  marés  não  he  rij^oroiamencc  no 
dia  da  Lux  nova,  ou  Lui  cl\ia ,  mas  dous 
dias  depois  :  e  a  rrzáo  he  ,  porque  o  ba- 
lanço das  a^uas  g  nh:;do  n'umas  marés  vai 
facilitando  o  movimento  dos  outros  que  fe 
feguem  ,  ainda  que  nellas  já  feja  menor  a 
força  da  attracçáo  ;  como  com  eífeito  já  hc 
menor  nos  dias  que  vão  da  Lua  nova  para 
diante.  A  outra  coula  he  ;  que  também  a 
maior  altura  da  maré  náo  he  no  ponto  , 
em  que  a  Lua  toca  no  Meridiano  detle  iu» 
gar  5  mas  duas  ou  7,  horas  depois.  A  razão 
que  dáo  os  Newtonianos  he  efta.  A  Lua 
fupponhamos  que  eítá  agora  no  Meridiano 
de  Lisboa  ;  attrahe  e  puxa  para  efte  Meri- 
diano ,  náo  íó  as  aguas  que  ficáo  para  o 
Poente  ,  mas  as  que  nos  licáo  ao  Naícen- 
te  :  eftas  rguas  ,  que  ficáo  ao  Nafcenre  , 
vem  vindo  para  nós  por  força  da  attracçáo 
da  Lua;  mas  ao  meímo  tempo  ,  como  neí- 
te  fyítema  a  Terra  fc  revoive  de  Poente 
para  Nafccntc  ,  as  aguas  leváo  movimento 
para  o  NafTcnte:  fuppoí^o  ifto,  fendo  eílas 
aguas  do  Meridiano  Ifvadas  }?ela  Terra  com 
Ímpeto  para  o  Nafcenre  ,  c  puxando  a  Lua 
as  de  lá  para  cá  ,  mutuamente  fe  háo  de 
encontrar  ;  e  fazenJo  hum  grande  mon- 
tão de  aguas  ,  farAo  huma  maré  mui  cheia 
no  lugar  que  difte  algum  tanto  do  noflo 
Meridiano  para  o  Nafcente  ,  pelo  qual  já 
a  Lua  tinha  pafiado  duas  ou  três  horas  an- 
tes. 

SHv. 


-^í)!       Recreação  Filofofica 

Sth.     EíTa  explicação  he  engenhofa. 

Eug.     E  fuppoôos  os  princípios  ,   hc  natura- 

liílima. 
Silv.     M2S  eu   tenho  ouvido  dizer  que  junto 
de  Brirtol  fobem   as  marés   a  45  pcs   de  al- 
tura ;    c]ue  noutras  partes  he  quafi   infcnfi- 
vel  i  e  n  outras  he  mediana.  De  que  podem 
nafcer  eftas  defigualdades  í 
Thccd.     Sc  a  Terra  toda  folTe  igual  ,  não  ha- 
veria eíTa  divcrfidade   nas  marés  ;   porém   a 
deíigualdade   dos  fiiios   faz  grande  deíii,ual- 
dade   no  movimento    das  aguas.    As  rrarés, 
que    nós   aqui    expcrirr-.entamiOS    no   Tejo  , 
náo   são    tanio   procedidas   immediatamcnte 
da  ariracçáo    da  Lua  aqui  ,    como   da  com- 
municaçáo  do  Tejo  com  o  Oceano  :  do  mcf- 
mo   modo   no  Aíediccrraneo  ,    que   he  hum 
grandiíRmo   tanque   de   agua  ,    náo   podem 
haver  marés  fenáo  parricipandolhcs  o  Ocea- 
no o  aut;mento  da»;  aguas  no  tcmjo  ào  prea- 
mar ;    porém    fendo   o    Mediterrâneo    hum 
tanque  immenfo  ,    cuja  bocca  he  o  Eítreito 
de  Gibraltar  ,    por  muita  agua  que  por  eíTe 
eítrcito    entre   no  tempo   de  6   horas  ,    náo 
pôde  íér    mui  fcníivel  repartida   por  todo   o 
Meditcr^neo  :    acabadas  as  fcis  horas  ,    co- 
mo no  Oceano  ha  baixa  mar  ,  ccmcça  a  fa- 
hir  do  Aíeuitcrrar.eo  a  agua  que  tinha  entra- 
do j    e  deite  modo  fó   nos  lu;^ares  vizinhos 
ao  Eftreito  fcrá  a  maré  mais  Icnfivel.  Tam- 
bém náo    pôde   ler  fenfivel   cnde  náo  hou- 
ver   pomo    fiXO    para    ie   conhecer    a  altura 
da  a^ua   j    eis -aqui    porque    no  mar  largo 

íc 


Tarde  trigefima  quarta.     39^ 

fe  não  podem  perceber.  Também  quando 
for  tal  a  agitação  das  ondas,  que  íe  náo  co- 
nheça bem  o  n.vcl  das  aguas,  náo  le  pódc 
perceber  a  maré  \  mas  ce  ordinário  fobem  a 
maior  altura  ,  do  que  pedia  o  nivel  com  o 
Oceano ,  porque  correm  com  impeio ,  e  fo- 
bem muito  além  do  que  deviáo  Tubir  pelas 
leis  à.\  aícracçáo,  ou  torça  centrífuga.  Ulti- 
mam.ente  como  nuns  lugares  rem  comm.uni- 
caçáo  fubterranea  com  muitos  outros,  natu- 
ralmente crefcendo  lá  a  a8;ua  a  maior  altu- 
ra ,  pelas  leis  do  Equilíbrio  ,  devem  crefcer 
lambem  naquelles  com  quem  occultamente 
fe  ccmmunicáo  \  e  deite  modo  podem  haver 
muicas  marés  dentro  em  24  horas.  N  outras 
partes  ha  varias  enleiadas  ou  eílreitcs  ,  va- 
rias ferranias  de  rochedos  debaixo  da  agua  , 
vários  ventos  ,  que  fopráo  com  cfta  ou  aqucl- 
la  direcção,  e  fazem  grande  perturbação  na 
corrente  das  aguas  ,  e  por  confeguinte  nas 
marés. 

Bug,  Só  me  fica  que  perguntar  ,  porque  fe 
demoráo  as  marés  três  quartos  de  hora  de 
hum  para  outro  àx-^, 

Theod.  Como  leguem  o  movimento  da  Lua  , 
e  efta  anda  para  o  Nafccnre  mais  Lgeira  que 
o  Sol  ,  quando  o  Sol  torna  ao  Meridiano , 
ainda  laltáo  50  minutos  para  chegar  á  Lua  , 
e  fò  então  torna  a  fcr  a  maré  cheia,  que  fe- 
gue  a  Lua.  E  por  ora  baíh  de  Filofona, 
que  aífás  tem  ourado  a  conferencia.  A'  ma- 
nha trataremos  do  que  refta. 

TAR- 


394        Recreação  Filofofica 


TARDE  XXXV. 

Do  Globo  da  Terra  confiderado  cm  íi 
mefmo  ,  e  da  fua  Atmosfera. 

§.  I. 

Da  Terra  firme  e  feus  montes  ,  e  das  con- 
chas do  mar  que  nelles  fe  achão. 


Theod,  I  j  Oje  temos  que  òar  hum  vaf- 
I  I  o  paíTeio  pelo  mundo  todo; 
■^  A  e  havemos  de  correr  a  Terra 
para  hum  e  uacro  l?.u0,  cruzar  todcs  os  ma- 
res ,  defcer  aos  mais  profundos  auyímos,  e 
fubir  ás  mais  altas  m.ontanhas  :  vifitaremos 
a  região  dos  ventos  ,  e  Tobre  as  nuvens  ca- 
minharemos com  o  difcurfo. 

Sih.  Grande  pníTeio  he  para  huma  tarde ; 
prcciib  he  levar  paíTo  mais  ligeiro ;  natural- 
mente ficareis  mui  cançado. 

Theod.  Tempo  baftanre  me  refta  para  dcf- 
cançar  ,  pois  he  a  ultima  vez  que  o  mica 
difcurfo  caminha  fobre  eftas  regiões. 

Eug.  Náo  me  ufci?  delia  palavra  ultima,  que 
acho  ncUa  hum  náo  fei  que  ,  que  me  fere 
vivamente  a  alma.  Rogo-vos  que  fem  mais 
exórdio  entremos  na  converfaçáo. 

Theod,  ]á  conúderárros  a  figura  esferóide  da 
Terra  ,  como   cfieito   da  fua   revolução  no 

¥- 


Tarde  trigefima  quinta.     395' 

fyftema  Copernicano  :  já  falíamos  da  rega- 
lar defigualdade  dns  marés ,  como  elfeito^da 
diverfa  poítura  do  Sol  e  da  Lua  ;  convém 
agora  examinar  mais  miudamente  as  partes 
mais  notáveis  da  Tuperíicie  á?i  Terra.  Por 
toda  ella  achamos  Montes  e  Valíes  :  eftes 
montes ,  quando  por  roda  a  parte  eftáo  cer- 
cados de  agua,  chamáo-re //^<I5;  e  os  valles 
quando  eííáo  cheios  de  agua  ,  e  por  roda 
a  pirte  cercados  de  terra  ,  chamáo-fe  La- 
gos, Se  os  montes  ,  que  nafcem  do  fundo 
do  m.ar,  náo  chegáo  a  botar  fora  das  aguas 
os  feus  cabeços  ,  sáo  os  baixos  que  en- 
contrão os  defácautelados  Pilotos.  Náo  vos 
farei  huma  defcripçáo  Geográfica  dos  ma- 
res e  ilhas  ,  como  nem  dos  montes  e  la- 
$;6as  5  que  para  iíTo  ahi  eftâo  os  Mappas, 
Vou  ao  oíticio  de  Filofofo  ,  que  hc  dar  a 
raz^o  dos  eífeitos,  que  neílas  coufas  fe  ob- 
ferváo.  Haveis  de  defejar  faber  o  meu  pen^ 
famento  íobre  a  divisão  primitiva  entre  a 
Terra  firme  e  o  Mar  ,  e  fobre  a  origem 
dos  montes.  Algum  dia  imaginava  que  a 
Terra  no  fcu  principio  fora  fenfivelmen- 
te  Ufa  ,  e  toda  cercada  de  agua  ,  como 
o  fuppóe  a  Efcritura  (  i  )  ;  e  quando  a  pa- 
lavra de  Dsos  mar.dou  juntar  as  aguas  em 
hum  lugar  ,  então  com  hum  Terremoto 
univerfal  Dcos  abalara  toda  a  Terra  ,  e 
fizera  fobre  fahir  os  miOntes  ;  aíHm  como 
tem  molhado  a  experiência  que  Terremo- 
tos 

(i)      G^n.    I.    9      Congreçcnijr     acjují  ,    qu£ 
fub  C^lo  Junt  in  lúcam  unum  ,  €?*  appareat  ariia. 


39^         Recreação  FiJofofica 

tos  mui  grandes  íizeráo  nafccr  do  fundo  do 
m?.r  alguns  montes  ,  cujos  cabeços  levan- 
tados l^óra  das  aguas  sáo  hoje  ilhas  mui 
grandes.  Sendo  ilío  aflim  ,  as  aguas  obri- 
gadas pela  íua  fluidez  ,  corrcriáo  para  os 
vailes  ,  ficando  dcífc  modo  ícpar.ida  a  Ter- 
M  firme  do  que  hoje  chamamos  Mãr  (  i  )  • 
O  tunJa:r,cnto  dcfta  conjeclura  era  bem 
patenre  j  porque  náo  era  crivei  que  Dcos 
até  alli,  com  huma  acção  milagrola ,  tivcf- 
íe  as  aguas  fem  equilíbrio  ,  cubrindo  a 
mefma  dcfigjaldade  dos  monics  ,  e  vailes 
com  huma  íuperficie  fluida  e  defigual :  tam- 
bém nAo  he  crivei  que  a  agua  pudeíTe  cu- 
brir  os  mais  airos  montes  ,  ficando  ao  ní- 
vel cora  a  cae  cubrilTe  os  vailes  j  porque 
iíTo  peJia  huma  quantidade  de  agua  incri- 
velmente maior  ,  que  a  que  agora  temos; 
c  náo  apparece  motivo  para  crer  que  Deos 
a  anniouilou  ,  pois  era  hum  modo  de  obrar 
rr.ui  pouco  decente  á  Sabedoria  de  Deos. 
Já  houve  quem  diíTc  que  a  Terra  tinha  den- 
tro em  íi  grandiíiimas  concavidades  ,  c  que 
Dcos  com  efta  palavra  arrombara  as  por- 
tas dcifas  immenras  ciílernas  ,  até  cntáo  va- 
fias  ;  e  que  ,  entrando  as  aguas  a  occupar 
eíTe  lugar  ,  foráo  abaixando  cm  toda  a  fu- 
pf-rficie  da  Terra  \  e  d -ixando  arp^rccer  a 
qu?  era  mais  alta  ,  que  hoje  chamamos  Ter- 
ra firme ,  depois  de  occupar  todas  cíTas  con- 
cavidades, fó  apparecèra  íobre  os  vailes  mais 
profundos,  que  hoje  chamamiOS  A^fãr.  Ain- 
da 
(  I  )     Lâfaro  Moro  lib.  2.  de  Cvcjhcclt  ca/.  29. 


Tarde  trtgefima  quinta,     397 

da  fe  pôde  dizer  outra  coiifa  ,  que  me  nao 
parece  digna  de  dcíprezo.  Bons  Authores 
áquellas  palavras  da  Sagrada  Efcrirara:  P07, 
T>eoi  o  Firmamcwo  no  meio  das  agu.ís ,  pa- 
ra dividir  as  agu.ts  ,  que  ejião  em  fima  das 
que  ficarão  em  baixo  ^  dAo  a  explicação  que 
vos  diíTe  poucos  uias  ha  :  e  entendem  por 
Firmamento  a  regiáo  do  Ar  ,  que  na  írafe 
das  Efcrituras  fe  chama  Ceo  •  e  por  aguas 
fupeviores  entendem  as  nuvens  ,  as  quaes, 
como  hoje  vos  direi  ,  não  são  outra  cou- 
fa  fenáo  agua.  AlTentando  niíto  ,  pòde-fe 
dizer  que  as  ^guas  inferiores  ,  nelTe  dia 
lambem  náo  tínhiào  a  tórma  de  agua  co- 
mo agora  ,  mas  fomente  a  forma  de  va- 
por grolTo  ,  ou  nuvem  mui  efpeíTa.  Nós 
hoje,  quando  a  Névoa  he  mui  grolTa  e  pe- 
zada  ,  a  vemos  como  aíT^ntada  fobre  03 
valles  j  pois  aiiim  cubriáo  as  aguas  então 
toda  a  fuperíicie  da  Terra  ,  montes  e  val- 
les. Mandoj  o  Senhor  Deos  que  fe  jun- 
talTem  as  aguas  inferiores  n  um  lugar  ,  e 
deixaiTem  apparecer  a  Terra  firme  ,  e  logo 
fe  rcduzio  a  névoa  a  agua  fluida  :  correo 
"'para  os  valles,  nelles  feaccommodou  ,  e  dei- 
xou ver  os  montes  ,  e  a  Terra  firme  ,  que 
ficava  mais  altí^.  Porém  julguem  deite  pon- 
to os  Entendidos  ,  que  eu  quero  cxpôr-vos 
brevemente  a  fcntença  de  Mr.  Buíícn  na 
íua  admirável  obra  àd  Theorica  da  Terra 
(  I  ).  Ellc  fegue  que  a  maior  parte  desmon- 
tes , 
(  1  )  HiRoir.  Natur.  Tom.  I.  pag.  97.  quar» 
ta  Edição  in   12.  aii.  175 1. 


39^         Recreação  Filojofica 

tes  5  que  hoje  conhecemos  ,  tiveráo  a  Tua 
formação  pelo  difcurfo  de  tempo  mui  dila- 
tado. Preciío  rr.e  he  por  cm  ponto  mui  pe- 
c|ueno  o  leu  íyítema  j  o  que  he  impolhvel 
fazer,  icm  lhe  tirar  muita  parte  da  íua  bel- 
leza :  mas  allim  he  preciío. 

Evg.  Xáo  fabeis  quanto  me  affligcm  os  aper- 
tos do  tempo  ,  cm  que  as  circumílancias  nos 
tem  pofto.  Mas  eu  vos  nâo  interromperei 
ícm  caufa  mui  grave ,  para  o  poupar. 

Theod,  Em  todos  es  montes ,  como  também 
nos  valles  e  planícies  ,  íe  obícrváo  diver- 
ias  camad^.s  ou  bancos  de  barro  ,  de  ter- 
ra 5  de  área  ,  de  faibro  ,  de  cré  ,  de  pe- 
dra ,  Scc.  c  eítcs  bancos  ou  camas  diver- 
fas  ,  conferváo  cada  huma  delias  a  meíma 
groíTura  por  todo  o  Teu  comprimento  ,  o 
qual  ás  vezes  chega  a  muitas  léguas.  Tam- 
bém fe  obferva  ,  que  etfes  divcrfos  ban- 
cos tem  huma  poftura  parallela  entre  fi :  de 
forte  5  que  fe  o  primeiro  eftá  horizontal  , 
horizontaes  vâo  todos  os  outros  que  íobre 
elle  alTeniáo  ,  íe  o  primeiro  vai  inclinado , 
inclinados  váo  todos  os  outros  ,  e  com 
igual  inclinação.  Até  nos  mefmos  montes 
de  rocha  viva  fe  obferváo  divcrfos  bancos 
entre  fi  parallelos.  E  já  daqui  [c  infere  que 
a  formação  deites  montes  ,  como  nós  hoje 
os  vemos  ,  náo  foi  por  caufa  tumultuaria  , 
como  V.  g.  Terrem.oto  ;  porque  náo  era 
poHivel  entáo  guardar-fc  efta  ordem  e  pro- 
porção entre  todas  as  diverfas  camas  ou 
bancos  de  que  fe  compõem.  O  que  fe  con- 

iit- 


Tarde  trtgejinia  quinta,     399 

firma  pela  conRiiáo  ,  que  achamos  no  in- 
terior cios  montes  ,  que  nafcèráo  de  leme- 
Ihante  caufa.  Também  fe  obferva  conf- 
tantemencc  que  cm  toda  a  parte  ,  não  fó 
r.03  vallcs ,  mas  ainda  no  coração  dos  mon- 
tes e  nos  íeas  cumes  ,  fe  encontrão  muitas 
conchas  e  producções  do  mar  :  alguns  pei- 
xes inteiros  ,  e  muitos  cfqueletos  léus  con- 
vertidos em  pedras  ;  mas  que  no  leu  fei- 
tio nenhum  cfcrupulo  deixáo  a  quem  fe 
perfuadc  que  foráo  algum  dia  habitadores 
das  aguas.  Eu  tenho  viíto  innumeraveis 
am.ejoas  ,  brebigóes  ,  e  outros  marifcoa 
convertidos  em  pedra  ,  e  em  lugares  de 
certáo  ,  e  altos.  Sei  que  também  nelles  fc 
acháo  muitas  arvores  de  coral  petrificadas ; 
e  ifto  que  digo  ,  he  conftante  por  toda  a 
parte  em  que  fe  tem  cavado  ,  e  feito  ob- 
fervaçóes  (  i  )  ?  ^  ^^^s  marifcos  fe  acháo 
ás  vezes  dentro  dos  mefmos  rochedos  i  e 
eiles  por  dentro  cheios  da  mefma  matéria 
que  os  cerca.  As  vezes  fe  acháo  em  pro- 
fundeza de  i.Bgo  palmos  (2):  outras  ve- 
zes hc  huma  quantidade  táo  proúigiofa ,  que 
merece  toda  a  attençáo  ,  ainda  do  homem 
menos  reíiexivel :  porque  Mr.  de  BufFon  (  ^  ) 
affirma  que  eftes  bancos  femeados  de  ma- 
rifcos fe  eítcndem  muitas  vezes  por  cem , 
c  por  duzentas  léguas  de  comprido  ,  que 
ás  vezes  tem  de  grolTura  50  ,   ou  60  pés. 


O 


(  1  )  O  mefmo  pag.  109. 
(  2  )  O  me  (mo  pag.  112. 
(  j  )     O  xTiefmo  Tom.  I.  pag,   389. 


400       Recreação  Tilofofica 

O  que  de  huma  fó  vez  vos  obrigará  a  for- 
mar a  idca  juíla ,  he  o  que  le  refere  naHif- 
toria  da  Academia  (  anno  de  172c.  pdg.  5.  ). 
Em  Turena  ^6  Kguas  diftante  do  mar  fc 
acha  huma  mina  prodigioía  deftas  conchas, 
íem  miftura  de  outra  mareria  ,  que  íe  ef- 
tcnde  por  nove  léguas  quaJradas  ,  e  de  al- 
tura íe  lhe  conhecem  mais  de  27  palmos ; 
c  talvez  tenha  muito  maior  aliura :  que  me 
dizeis  ? 

SWv.  Eu  eftou  tão  admirado  ,  que  ainda  me 
he  precilo  forçar  o  cntendimcnio  a  crer  if- 
lo  5  náo  obíiante  fer  huma  coula  teíl  íicâda 
na  face  de  todo  o  munJo  por  hum  corpo  de 
fabios  táo  Icrio ,  e  láo  grave  como  a  Acade- 
mia Real  r!e  Paris. 

Bug.  E  quem  levou  ahi  táo  prodigiofa  multi- 
dão de  conchas í 

Tbeod.  A  conlequcncia  im^mediata  e  neceíTa- 
ria  j  que  daqui  fe  tira,  hc  que  por  clTcs  lu- 
l^ares  andárío  as  aguas  do  Mar. 

Siiv.  IlTo  foi  fem  cúvida  obra  do  Diluvio 
univerlau 

Tbeod,  F-fía  he  a  commua  opinião  ;  porém 
he  daquelles,  que  ncíle  ponto  náo  tem  me- 
d'V.do  com  va^ar  :  eu  Icgui  illo  al^um  dia. 
Mas  com  evidencia  íe  moíhi  que  o  Dilu- 
vio n:o  podia  metter  as  conchas  ,  e  pei- 
xes lá  pelo  coraçfo  dos  montes  ,  muitas 
vezes  de  mil  e  oitocentos  palmos  abaixo 
da  fuprrficic  da  Terra  ;  e  muito  menos  in- 
troiuzillas  dentro  dos  m.efmo^  ro.he.'os. 
Alem  de  que  ,  náo  he  crivei  que  viveíTem 

em 


Tarde  trigeTima  quinta,     401 

em  hum  mefmo  tempo  todos  cíTes  marif- 
cos  5  cujos  defpojos  ,  ou  conchas  fe  acháo 
juaíos  ,  c  formão  1  :?0  contos  ,  ou  miihóes 
de  braças  cubicas  ,  dando  a  cada  braça  9 
palmos  ,  que  tanto  e  muito  mais  impotca  a 
mina  de  Turena  (  i  )  ;  c  como  as  aguas  do 
Diluvio  fó  duraráo  ibbre  a  face  da  Terra 
pouco  mais  de  hum  anno,  náo  Tc  lhe  pôde 
attribuir  eífe  eífeiío. 

Silv,     Pois  como  dílcorreis  vós  ? 

Theod.  Difcorre  Mr.  de  BuíFon  de  outro  mo- 
do ;  e  quer  que  tenha  havido  «^randiílima 
mudança  no  Globo  da  Terra  ,  de  forte  que 
grande  parte  do  que  hoje  he  Terra  firme , 
muitos  annos  Folie  Mar  ;  e  pelo  conrrano  , 
muita  parte  do  que  hoje  he  habitação  de  pei- 
xes,  folie  algum  dia  região  de  homens.  Já 
em  outro  tempo  eíle  foi  o  diícurío  de 
muitos  antigos  (  2  )  ,  como  bem  nota  o 
Buffon  ,  e  docemente  o  cantou  Ovidio 
(  :;  ) .  E  fallando  particularmente  do  Mar 
Tom.  VI.  Ce  Me- 

(  I  )     Hiftor.  da  Academ.  an.    1720.  pag.  ó. 

(  2 )  Conchulas ,  arenas  ,  buccinas  ,  cálculos 
varie  infcâos  freíjttenli  folo  ,  (juihujdam  etiani  in 
momthui  rcperiri  ,  certum  /ignum  maris  alluvionc 
tos  coapcrtos  locos  volunt  Herodotus ,  Flato  ,  Sira- 
lo  ,  Séneca  ,  Tcrtollianus  ,  Plntarchiis  ,  Ovidíus  ^ 
aUí.   Daufsui  de  Terra  S<   Aqua   pag.  7. 

CO      ^'"^^  *?''  9"^*^  fiierat  (juonáam  Jolidií/írna 
te! tus. 

lEjfc  fretum  :   vidi  fatias  ex  éSquore  terras , 

£<  procul  a  ptlago  concha  jacuere  tnarinte. 

Ovid.    Metamorph.  I.  if. 


402         Recreação  Filofofica 

Medirerranco  ,  teftificáo  Strabao  e  Dicdoro 
de  Sici  ia,  t]ue  antigamcnce  náo  o  havia,  e 
era  Terra  Hrme.  Prudentemente  le  crè,  que 
alguma  cauía  accidental ,  como  v.  g.  algum 
violento  terremoto  ,  abrio  no  Eítreito  de 
Gibraltar  alguma  pequena  palTagem  á  agua 
do  Oceano  ,  muito  mais  alta  que  iodo  o 
vafto  campo  que  hoje  faz  o  Mediterrâneo; 
c  tanto  que  as  aguas  tivelTem  huma  peque- 
na entrada  ,  continuando  a  correr  com  ím- 
peto ,  era  n?.tural  ir  eícavando  ,  e  levando 
comfigo  tudo  o  que  pudeiíem  arrebatar , 
crefcenJo  a  força  á  proporção  da  maior 
entrada  ;  até  que  nos  rochedos  ,  que  de 
huma  e  outra  parte  fórmcio  eftc  elheito, 
achou  embaraço  invencível  para  alargar  a 
porta.  Com  elieito  de  huma  e  ojtra  pane 
deite  Mar  le  acha  huma  iemelhança  e 
uniformidade  nos  leitos,  ou  bancos  de  terra  , 
e  faibro  ,  e  pedra  ,  &c.  e  a  corrente  das 
aguas  no  Eftrcito  he  de  Poente  para  Nai- 
cente  ,  totalmente  contra  a  commua  corren- 
te das  aguas  ,  que  náo  fó  entre  os  Trópi- 
cos ,  mas  nas  outras  regiões  ,  coftuma  fer 
de  Njfcente  a  Poente  (  i  ) ;  o  que  baftante- 
mcnre  perfuade  que  foi  mais  huma  nova  ir- 
rupção das  aguas  neíTe  quafi  immenfo  lago, 
do  que  Mar  antigo. 
Silv.  Eftá  feito  ;  do  Mediterrâneo  alguma 
probabilidade  lhe  acho  ,  porque  todo  el- 
le  he  muito  mais  baixo  que  o  Oceano, 
pois   a  agua   com   impeto  corre  para  elici 

mas 
(i)     Varen.  Geograf.  ger.  pag.  119. 


^larde  trigefima  quinta.     403 

mas  a  mudança  ,  de  que  fallais  ,  he  mais 
geral. 
Thecd.  Suppofto  o  formar-fe  de  novo  o  Mar 
Mediterrâneo  ,  era  torçoio  que  roda  eíTa 
immenfa  quantidade  de  agua,  faltando  n'ou- 
tras  partes  ,  deixaiTe  deícubcna  muita  terra 
que  antecedentemente  cubria  ;  e  já  temos 
que  hoje  fera  terra  firme  o  que  muitos  an- 
nos  foi  mar.  Também  fe  pôde  conjev^turar 
que  algum  dia  foííe  terra  firme  mu  ta  parte 
do  terreno ,  que  ho)e  eftá  cuberto  de  agua  i 
epelo  conífririo  eftaria  cuberta  de  agua  mui- 
ta parte  da  Terra  que  hoje  pizamos :  e  mui- 
tas caufas  naturalmente  podiáo  concorrer  pa- 
ra eila  m.udança.  Prime  ramente  os  ventos 
eftáo  continuamente  mudan;:o  a  corrente  ás 
aguas  em  muitas  partes  :  os  que  fazem  nif- 
to  reflexão  acháo  que  em  24  horas  muda  o 
vento  hum  grande  m.on;e  de  arèa  de  huma 
parte  para  outra  ^  mudado  o  obftaculo ,  que 
retém  as  aguas  ,  que  admiração  he  muda- 
rem ellas  a  corrente?  mudando  fe  a  corren- 
te ,  e  fazendo  impeio  contra  os  obítaculos , 
que  ancccedentemente  não  fofíráo  força  con- 
íideravel ,  que  muito  he  que  os  vençáo  ,  e 
arrombem  r  Ora  quem  fabe  qual  he  a  im- 
menfa força  das  agu^s  ,  que  tomáo  corrente 
para  huma  parte ,  náo  fe  admira  que  ,  con- 
cebendo cada  vez  maior  movimento  á  pro- 
porção da  maior  fahida  ,  arrombem  diques , 
que  eráo  capaciUimos  de  a  fuftcntar  ,  em 
quanto  eftaváo  inteiros  e  unidos  ,  e  a  agua 
náo  tinha  ganhado  impcto. 

Ce  ii  £ug. 


404        Recreação  Filofofica 

Evg,  Nas  grandes  invernadas  ás  vfzes  admi- 
ro barrocas  gran^iilimas  ,  e  eílragos  que  fa- 
zem as  cheias  ^  talvez  procedicias  ce  huma 
pequena  fenda  ,  que  começou  a  dar  fahida 
ás  agur.s  ,  e  tomar  movimento  pc.ra  huma 
parte  determinada. 

Tbeod.  Além  úç{\.2  modo  ha  outro  emui  po- 
derofo  ,  com  que  os  ventos  podiáo  Ter 
cauia  dcftas  miUdanças.  Vós,  Eugénio  ,  já 
íabeis  por  experiência  a  força  ,  que  trazem 
as  ondas  agiíadas  ,  capazes  de  arruinar  as 
meímas  penhas  de  rocha  viva.  No  célebre 
Terremoto  de  ^^  me  contou  peíToa  fide- 
digna que  fora  táo  enormemente  furiofo 
o  impero  das  aguas  quando  o  mar  cref- 
ceo  ,  que  num.a  deitas  nolTas  torres  pe- 
gara em  toda  a  bateria  de  baixo  ,  e  enfei- 
xara as  peças  de  artilheria  ,  arrumando-as 
á  parede  da  fortaleza  ,  comiO  íc  foíTe  hum 
feixe  de  canas.  Quem  attender  á  pequena 
fuperficie  de  cada  peça  ,  c  ao  feu  enormiííi- 
mo  pezo  ,  poderá  formar  por  aqui  o  cal- 
culo do  Ímpeto  das  ondas.  Demais  :  conf- 
ta  que  as  mefmas  montanhas  de  rocha  vi- 
va tem  por  baixo  leitos  ou  bancos  de  maté- 
rias de  arèa  ,  e  outras  matérias  mais  leves 
(  I  )  :  que  muito  he  logo  que  as  aguas 
com  o  leu  continuo  fluxo  c  refíuxo  ,  com 
a  fua  correnre  conífante  de  Nafcente  a 
Poente  ,  com  o  movimento  que  lhe  dá  o 
vento,  c  tcmpcftades,  foliem  efcavando  as 

rai- 
(  1  )     Hifloir.  Natur.  de  BufFon  Tom.  I.  pa». 
115. 


Tarde  trige/ima  quinta.     405' 

raízes  deitas  montanhas  ,  e  com  o  tempo 
furtando-lhe  os  aliccrfes  ,  ultimamente  agi- 
tadas com  icmpeíhdes  furiofas  ,  as  arrui- 
naííem ,  e  num  momemo  íe  achaíTem  com 
liberdade  para  lomarem  novo  curfo  ,  arre- 
batando os  fragmentos  dos  arruinados  mon- 
tes até  terem  palTagem  franca  ? 

Bug.  No  meio  uo  mar  fe  encontrc^o  roche- 
dos dirperfos ,  e  em  pequena  diftancia  huns 
dos  outro5  5  que  bem  podiáo  ícr  fragmentos 
de  alguma  arruinada  montanha. 

Thcod.  Náo  me  falíeis  na  força  das  ondas , 
e  por  tempo  continuado.  Quem  obferva  a 
mudança  ,  que  nòs  experimentamos  aqui 
em  Lisboa  ,  vendo  onde  chega  hoje  o  Te- 
jo,  quando  pelas  Hiítorias  fabem.os  que  che- 
gava algum  dia  a  S.  Domingos ,  ao  meín^^o 
tempo  ven.o  os  montes  da  Batida  a  rd  Cm 
talhados  quaíi  a  pique  ,  porque  as  aguas 
foráo  comendo  de  lá  o  campo  que  de  ca 
d-ix'iváo  :  quem  obferva  as  coitas  do  mar, 
c  ve  os  rochedos  carcom.idos  ,  e  gaitados , 
e  roídos  ,  vè  o  que  podem  tczer  as  aguas 
com  o  tempo.  Accreice  que  os  grandes  ter- 
remiOtos  ,  que  tem  havido  ,  humas  vezes 
abatem  huma  grande  província  ,  e  já  as 
aguas  tomáo  para  eíTa  parte  hum  curío  ,  tal- 
vez contrario  ao  que  tinháo  ,  por  ficar  mais 
baixo  eíTc  terreno  j  ou:ras  fazem  furgir  do 
fundo  do  mar  huma  nova  montanha  ,  cujo 
cabeço  fuperior  ás  ondas  íe  chama  Ilha; 
a  arèa  ,  que  as  ond-s  arraítráo  ,  c  toda  a 
demais  matéria  que  tiazem  ,  vai  encalhan- 
do , 


4c6         Recreação  Filofofica 

do  5  c  de  dia  em  dia  vão  crcfccndo ,  como 
nos  enfina  a  Hilloria  ,  cm  vários  lugares. 
Talvez  huma  dcftas  montanhas  ,  naiccndo 
na  fóz  de  hum  cauJaloío  rio  ,  o  deixa  fem 
barra  ;  aiimtáo-fc  as  aguas  ,  e  convertem 
em  grandilhmas  lagoas  as  planicies.  EíTas 
aguas  crcfcendo  a  huma  maior  altura  ,  tal- 
vez achaváo  mais  fraco  outro  fiiio  bem  op- 
poiio  ;  e  arrombando-o  ,  fc  formaria  nova 
corrente  ao  eíbgnado  rio  j  e  defte  moco  ve- 
remos alagados  campos  ate  alli  íeccos.  N'u- 
ma  palavra ,  quem  fizer  obfcrvaçjo  lobre  o 
que  fazem  os  terremotos  ,  ora  formando 
Ilhas  de  novo  ,  ora  abatendo  CiJãdcs  3  o 
que  fdZem  os  ventos  ,  mudando  em  poucas 
horas  montanhas  de  arèa  ,  que  lá  onde  ca- 
bem 5  ainda  que  ícja  no  meio  do  rr  ar ,  fòr- 
ináo  hum  novo  monte ,  e  embaraçj.o  a  an- 
tiga corrente  j  e  onde  faháo  ,  faciliiáo  nova 
entrada  ás  aguas  ;  quem  cbíervar  o  que  po- 
dem as  ondas  agitadas  com  o  vento  ,  e  ul- 
timamente o  que  pôde  a  continuação  do 
tempo  ,  náo  lerá  por  impoílivcl  efta  gran» 
diílima  mudança  de  Terra  cm  Mar  ,  e  de 
Mar  em  T^rra  ,  prcciíilíima  para  explicar 
as  ínnumeravcis  conchas ,  e  peixes  ,  e  pro- 
ducçócs  do  Mar  ,  que  por  toda  a  pane  fe 
acháo  ?té  nas  entranhas  da  Terra. 

Súv.     Tudo  sáo  conjciluras. 

Theod.  Mas  conjcdluras  jbbre  hum  faílo  conf- 
rante  ,  e  inncgavel ,  c  que  náo  pôde  ter  ou- 
tra cp.ufa,  fenáo  as  aguas  do  mar.  A  maior 
parLe   dcíhs  conchas  sáo  produc^ões  ,  que 

náo 


Tarde  trigefima  quinta,     407 

não  ha    pelos  rios  ,   e  fe  conhecem    Ter   do 
Mar    lar^o.    Porem    vamos    a   conjecluras , 
que    mais    inaividualmente    prováo    ,    c|ue 
aa dicas  conchas  toráo  ac.imadas  peias  aguas; 
e  de  caminho  vereis  como  as  p.guas   do  mar 
podiáo  ir  formando  as   montanhas   com   as 
camadas   ou   bancos   paralielos   ,    que    conf- 
tantemenre    le   acháo   em   iodas.    He  couia 
maravilhofa  que  ,   excepto  nos  fiiios  em  que 
houve    alguma   perturbação   ,    fe   acháo    as 
conchas  de.tadas  todas  de  face  ,    c  nlo  pof- 
tas  ao  alto  ,   nem   em  qualquer  outra    pof- 
lura  ;    o   que   bem   da    a   entender   que   fo- 
ráo  trazidas  pelas  aguas  ;   e  como  sáo  mais 
pezadas  que  eMas,  íc  accommodáráo  no  íun- 
do  5   como  fedimento  que  deixa  qualquer  li- 
cor no  do  \á[o  cm  que  eftava  ;   e  accom- 
modando-le  as  conchas  ,  livremente   dcviáo 
tomas  a  poílura  que  hoje  lhe  acharros,  aca- 
mando-fe  de  face.    Mais  :    fe  o  terreno ,    fo- 
bre  que  as  aguas  depuzeráo  eftc  íedinieno, 
era  horizontal  ,   também  a  camada  ou  b..n- 
co  de  conchas  havia  de  ficar  horizontal ,  po- 
rém fe  era  inclinado,  havia  de  ficar  eiTa  c^- 
ma    de   conchas   inclinada  :    fempre   porém 
com  amefma  groflura  ;  pois  não  havia  razão 
para  que   n'uma  parte    houvclTc  n  ais  qu,  nii- 
dade  de  conchas,  que  na  outra.  Concinuan- 
do   as  aguas    a  roer   nos  rochedos  ,   a  ca  vir 
nas  concavidades ,  e  a  trazer  ora  huma  caíla 
de  maicria  ,  ora  outra  ,   fielmente  hovia  de 
ir    depcfitando   pc!o   fundo   de  rodo   aqucUe 
terreno  o  fedimano  que  uzzno  ;  e  allim  fe 

íor- 


4cB         Recreação  Filofofica 

formava  hum  banco  de  Taibro  fobre  o  ban- 
co ,  ou  cama  de  conchas ;  e  pela  mefma  ra- 
zão devia  nc.:r  parailelo  a  cllc,  e  por  todo 
o  terreno  da  nicfma  grolTura.  Eis-acjui  co- 
mo ,  principiando  por  pouco  ,  íe  formava 
huma  grande  altura,  que  vinha  quafi  a  lahir 
fobre  as  a^uas.  Entretanto  o  immenfo  pezo 
fazia  que  numas  matérias  toííem  opprim  ndo 
as  outras  ;  e  as  que  eráo  partes  mui  m.iu- 
das  de  rochedos  moidos  e  desfeitos  ,  tor- 
nando a  coniblidar-fe  ,  ou  por  qualquer 
outro  modo  que  a  Natureza  o  foube  fa- 
zer ,  íf  íoráo  petrificando  muitos  deíTcs 
bancos  cu  camas.  Se  juntamente  com  clTa 
materna  ,  própria  para  fer  petrihcada  ,  ou 
convcr:ida  em  pedra  ,  vinháo  conchas  ou 
pcix.^s  ,  ou  os  feus  elqueletos  ,  hcaváo  en- 
tranhados nos  rochedos  ,  que  pelo  decurfo 
do  tempo  cndureciáo ,  e  também  ficaváo  pe- 
ir-flcados.  Muitc^s  vezes  as  aguas  invcftindo 
contra  huma  coifa ,  hiáo  roendo  toda  a  área 
primeiro  ,  e  lá  orce  hiáo  depofitar  o  fedi- 
mento  ^  fe  forrrrva  hum  leito  de  arèa ;  aca- 
bada a  arêd  ,  hão  as  ondas  roendo  íaibro, 
e  de  íaibro  íe  ícrrrava  a  fegunda  can  nda  lá 
meímo  ,  onde  fe  hia  depcíiiando  a  mí^tcria 
que  le  furtava  nas  coifas  do  mar  ;  uitima- 
mentc  ?.s  cnd?s  aihando  já  as  penhas  def- 
carnadas  ,  a?  hiio  galfando  ;  e  eífa  poeira 
infcnfivel  formava  com  o  feu  fedim.ento  ter- 
ceiro leito  de  pedra  fobre  o  outro  de  Íai- 
bro ,  e  de  arca.  Dcífe  modo  ficaváo  as 
matérias  m»ais  pczadas  fobre  leitos  de  ma- 
te- 


Tarde  trigeftma  quinta.     409 

teria  mais  leve.  Também  d  aqui  fe  tira  a 
razáo  do  que  acho  oblervado  pelo  VúlWÇm- 
rio  nos  monres  de  Tofcana ,  Pifa ,  Génova , 
Líorne  ,  Scc.  que  os  marifcos  de  varias  ef- 
pecies  eftaváo  encarnados  Teparados  ,  fendo 
huma  cama  de  huma  cafta  ,  e  outra  de  di- 
verfa  :  o  que  naturalmente  íuccederia  nefte 
fydema  ,  porque  ,  dando  as  ondas  cm  al- 
guma como  mina  de  huns  certos  marifcos  , 
os  iriáo  levando  ;  e  como  cada  onda  faz  o 
feu  ledimento  ,  devia  deixar  huma  camada 
toda  dcíía  efpecie  de  conchas. 

Eug.  Náo  fe  pôde  negar  que  eftc  fyftcma 
he  de  maravilhofa  invenção. 

Theod.  Formada  aííim  cfta  eminência  ,  quaíi 
fobrefahindo  ás  aguas  ,  como  lhes  embara- 
çava o  curfo  ,  por  alguma  parte  poderia 
paíTar  mais  que  pelas  outras  ;  e  tomando 
por  aqui  o  feu  curfo  ,  iriáo  talhando  ,  e 
abrindo  aquella  elevação  ,  e  formariáo  as 
aguas  muitos  regos  ptravés  deffa  montanha  , 
e  com  o  tempo  profundando  as  aguas  cíTes 
regos  ,  podião  defaftbgar  por  ahi.  Feito  if- 
10  ,  \i  defciáo  as  a^uas  ,  e  fobrefahíráo  os 
cabeços  de  outros  tantos  montes  ,  ou  t  liba- 
das (  deixai-rne  explicar  deite  modo  )  de 
huma  m.clma  montanha.  E  temos  huma  fi- 
leira continuada  de  montes  ,  divididos  en- 
tre fi  com  os  regos  ;  porém  eft-s  com  o 
contínuo  curfo  das  aguas  neccífariamente  fe 
havião  de  ir  abrindo  cm  profundiílimos  val- 
les  j  e  quanto  mais  fe  profundaváo  eftes , 
quanto  mais  defcia  a  agua  ,   e  fazia  íobre- 

fa- 


4 IO        Recreação  Filofofica 

fahir  mais  os  cabeços  dos  montes.  Eis-aqui 
porque  neftis  fileiras  dos  montes  ,  que  fc 
enconfráo  trcquentcmente  em  vários  pai- 
zes  j  03  que  eitáo  vizinhos  tem  quafi  a  mef- 
ma  altura  ,  c  conftáo  de  fcmclhantcs  cama- 
das em  alturas  corrcfponGentes  :  o  que  he 
coufa  bem  admirável  ,  e  períuadc  baftante- 
mente  ,  que  fendo  tudo  huma  fó  monta- 
nha ,  cada  rego  ,  qae  por  cila  fe  abrio  ,  c 
depois  fe  converteo  em  vallc  ,  repartindo 
cada  icito  cm  dous ,  neceíTariamcntc  de  hu- 
ma e  outra  parte  havia  de  deixar  leitos  fc- 
melhantes  nas  mcfmas  alturas.  Seguc-fe  tam- 
bém aaqui  ,  que  fe  eftes  regos  foráo  tor- 
tos ,  como  coíiumáo  fer  as  correntes  de  al- 
guns rios,  hiviáo  de  formar  os  ângulos  dos 
montes  contrapoiloi  ,  quero  dizer  ,  que  fe 
da  parte  direita  eftá  hum  monte  ,  que  cá 
cm  baixo  faz  bojo  ,  ou  angulo  para  fora  ,  da 
parte  efquerda  ha  de  haver  concavidade  ,  ou 
angulo  ,  que  entre  para  dentro.  E  ifto  hc 
huma  coufa  admirável  ;  porque  conftante- 
mente  fe  obferva  por  toda  a  parte  ,  onde 
quer  que  ha  muitos  montes  juntos  ,  que  os 
feus  angules  sáo  contrapoftos  ,  correfpon- 
dendo  o  bojo  de  hum  á  concavida^.e  de  ou- 
tro :  o  que  perfuade  afsás  que  alguma  tor- 
rente torciiofa  toi  dividindo  hum  do  outro  , 
e  formando  dous  do  que  era  fomente  hum. 
Accrefce  a  cfta  conjectura  huma  notável  ob- 
fervaçáo.  A  Geografia  nos  enfina  que  os 
mais  altos  montes  que  ha  ,  sáo  nas  vizi- 
nhanças  do  Equador  :    e  a  Fyfica   nos  diz 

que 


Taràe  trigefima  quhita,     411 

que  neíías  vizinhanças  sáo  mais  vehementes 
os  movimentos  das  aguas ,  tanto  pelo  maior 
fluxo  e  refluxo  do  mar  (  o  que  honrem  vos 
diíTe  )  como  pelo  continuado  movimento 
das  ondas  de  Nafcenre  a  Poente. 

SiW.     Eu  confeíTo  t]ue  acho  neíTe  íyftema  hu- 
ma  tal  belleza  ,  que  encanta. 

Theod.  Não  polTò  conter-me  que  náo  accref- 
ccntc  huma  circumllancia  que  furprende. 
Obfcrva  De  Bujfon  que  por  toda  a  parte 
fe  encontrão  (  i  ) ,  ainda  nas  pedreiras  ,  hu- 
mas  fendas  a  prumo  ,  que  ora  paráo  n'al- 
gum  leito  ,  ora  atravefsáo  todos  até  baixo. 
Qaando  as  montanhas  sáo  de  matérias  mais 
molles ,  sáo  as  fendas  m.ais  diftantcs  :  ás  ve- 
zes diftáo  poucos  pés  ,  outras  vezes  diftáo 
algumas  braçds  (2).  Humas  fendas  tem 
meia  pollegada ,  outras  sáo  mais  largas ;  al- 
gumas tem  palmo  e  meio  ,  e  outras  com 
elíeiío  sáo  maiores.  Vede  agora  o  difcurfo 
dcífe  grande  obfervador  da  Natureza.  Co- 
mo eftas  montanhas  ,  e  eíta  fuperficie  da 
Terra  foi  fedimento  das  aguas  ,  necelTaria- 
mcnte  havia  de  fer  mui  molle ;  e  feccando- 
fe  com  o  ar  ,  quando  ficaíTem  livres  do  do- 
minio  das  aguas  ,  era  forçofo  que  occupaf- 
fem  menor  campo  ,  e  abriíTem  gretas  ;  af- 
íim  como  vemos  nas  terras  ,  quando  aper- 
ta o  Sol  ,  que  abrem  gretas  mui  grandrs  j 
e  nas  madeiras  verdes  ,  que  todas  racháo  , 
quando  feccáo  :  eftas  rachas  porém ,  ou  fen- 
das^ 
CO  BuF.  Hif}.  Nat.  Tom.  I.  po-.  i\í, 
(2)     iluifon.   Hili.  *Vac.    Tom.  1.  yag.   155. 


4X2         Recreação  Filofofica 

das  j    náo  podiáo  fcr  fenáo   a  prumo  ;    por- 
que   outra   qualquer   direcção   que  tivelTem , 
ficava  hum  grande  pezo  furpenfo;  ou  total- 
mente  em  váo  ,    fe  as  fendas   foliem  hori- 
zonraes  ;  ou  em  parte  ,  fe  foííem  obliquas , 
fò   fendo    a  prumo  ,    ie  confervariáo  ,    fcm 
que   o  pezo  contínuo   dos  corpos  fuperiores 
lobrc  os  iní-eriorcs  as  fizelTc  unir.    Também 
fe  coliige  que  eílis  fendas  tivcráo  cfte  prin- 
cipio 5    porque  as  fuás  paredes  intimas  nun- 
ca sáo  lifas  5  mas  afperas  ,  e  de  forte  ,  que 
ás   promincncias    de   huma   face    correfpon- 
dem    concavidades    fcmelhantes   na    outra  , 
bem    como  fuccede   nas  rachas   da  madeira ; 
o  que  alisas  perfu^dt'  que  aquellas   duas  par- 
tes  efUverao    antccedcnrcmente    unidas   ;     e 
que  a  fenda  náo  procedeo  ce  materna  ,  que 
fe  furcalTe   daquelle  lu^ar  ,    mas   de  que   fe 
feparáráo    as  partes  unidas.    Eis-aqui   em  re- 
fumo    o   bello    difcurfo    deftc    grande    Ho- 
mem fobre  a  Theorica  da  Terra  ,  e  origem 
dos  montes  ,    do  modo   que  eu   o  percebo. 
Lido  nas  íuas  obras  tem  outra  força  e  ener- 
gia ,    além  do  fcu  bello  e  inimitável  eítilo. 
Porém  náo  deixa   de  ter  efte  fyílcma   difi- 
culdades mui  dignas  de  ponderação.  \òs  fo- 
bre elk'  dikorrereis  de  vagar  ,  que  eu  com 
paiTo   ligeiro  vou  a  defcubnr-vos   a  origem 
das  fontes. 


§.  II. 


Tarde  trigejlma  quinta,    413 

§.  ir. 

l)a  origem  das  fomes ,  e  dos  Rios, 


Silv.  1~*  Sce  fyílema  tanto  tem  de  novo  c 
-í— >  erpanioío  ao  principio  ,  como  de 
bello  e  admirável  ao  depois  ;  e  fe  a  expe- 
riência me  náo  tivelTe  enfinado  que  fe  deve 
fuípender  o  juizo  nas  primeiras  imprefsóes, 
p.ira  dar  ao  depois  íencença  miais  m.adura , 
prompram.eme  fabfcrevèra.  Vamos  embora 
á  origem  das  Fontes,  Eu  creio  que  vós  fc- 
guireis  que  ellas  procedam  toJas  do  Mar: 
em  minha  cafa  rcnho  hum  livro  moderno, 
que  explica  ilTo  m.uiio  bem. 

Tkcod.  Alguns  Modernos  feguem  ilTo  ;  po- 
rém tem  contra  fi  ciiiri.uldades  iníupcraveis. 
Primeiramente  como  pôde  vir  a  agua  do 
mar  para  as  fontes  ,  fe  o  feu  nafcimento 
fica  muito  mais  alto  que  o  mar  í  Todo  o 
mundo  vê  que  a  agua  das  fontes  vai  fem- 
pre  correndo  para  o  mar  ,  e  náo  íóbe  nun- 
ca 5  íemprc  defce  :  logo  ficando-lhe  o  mar 
muito  mais  baixo  ,  quem  a  ha  de  levar  até 
o  nafcimento  das  fontes? 

Silv.  A  i(To  refponde-fe  bellamente.  Olhai , 
Theodofio ,  ainda  que  os  montes  donde  re- 
benta a  agua  fiquem  mais  altos  que  a  lu- 
perficie  do  mar  próxima  ,  com  tudo  fem- 
pre  ficáo  ao  nivel  com  a  fuperficic  do  mar 
lá  ao  longe.  Admiro-me  de  que  náo  tenhais 

ad- 


414         Recreação  Filosófica 

advertido  nifto.  Quando  os  navios  fe  vão 
âiTàííando  muito  ,  ainda  quem  eítiver  no 
cume  dos  montes  os  perderá  de  viíta  ,  por 
fe  lhe  cmbar.íçar  (  como  vós  ciil. Ttcs  hon- 
rem )  c\  linha  àà  viíb  com  a  fuperií^ie  do 
mar.  Logo  íc  fe  tiralle  huma  iinha  rcóta 
ao  nivel  por  eíTa  fuperficie  Co  mar  ,  iria  ter 
ao  cume  dos  montes  de  huma  pane  ,  e  íiOs 
maílros  do  navio  da  outr?.,  B^fm  íc  vê  logo 
que  o  cume  dos  montes  pódc  iia:r  na  mcf- 
ma  altura  c  nivcl  com  a  fuperficie  do  m.ar 
lá  ao  longe. 
Tkeod.  Ilío  fó  prova  que  podem  ficar  na 
mefma  linha  rciía  a  fuperficie  do  mar  ,  o 
cume  dos  montes ,  e  os  maíhos  dos  navios ; 
porém  náo  baít.i  iíTo  para  ficar  ao  nivel. 
Para  itlo  hc  precifo  que  todas  elTas  coufas 
fiquem  na  mefma  lenfivel  diftancia  do  cen- 
tro da  Terra  (que  por  efta  diftancia  he  que 
fe  mede  a  altura  ,  para  julgarmos  fc  he 
maior  ou  m.cnor).  Vós  agora  me  direis 
como  pôde  huma  linha  mui  coT.prida ,  len- 
do recb  ,  ter  em  todas  as  fuás  partes  a  mef- 
ma fenfivel  diftancia  do  centro  da  Terra. 
Ninguém  ignora  que  para  huma  linha  con- 
fervâr  a  mefma  diftancia  de  certo  ponto  , 
deve  fer  curva  ,  e  fazer  huma  porçáo  de 
circulo  á  roda  delle  :  logo  para  huma  linha 
mui  comprida  ficar  bem  ao  nivel,  e  conier- 
var  cm  todas  as  fuás  partes  a  mefma  altu- 
ra ,  deve  fer  curva  ,  como  he  a  fuperficie 
do  mar  ,  a  qual  rodeia  a  Terra  ;  que  náo 
obftantc  fer  liquido  ,   como  deve  ter  a  fua 

fu- 


Tarde  trigefima  quinta,     415' 

fupcrficic  ao  nivel  ,  e  na  mefma  altura  , 
vai  voltariuo  para  confervar  fempre  a  mef- 
ma diítancia  do  centro  da  Terra.  Em  pe- 
quenas porções  ,  como  v.  g.  na  fuperficíe 
de  hum  tanque  ,  a  linha  do  nivel  he  feníi- 
velmcnte  reéia  ;  porque  a  curvidade  fica 
totalmente  imperccptivel  ;  mas  em  diftan- 
cias  grandes  ,  com  os  olhos  fe  conhece  a 
convexidade.  Donde  ,  amigo  Silvio  ,  não 
provais  que  licáo  os  montes  na  mefma  altu- 
ra com  a  íuperíicie  do  mar.  Por  elTe  difcur- 
fo  vos  provaria  eu  que  as  Eftrellas  não  íi- 
caváo  mais  altas  que  o  mar  ,  nem  diftaváo 
mais  do  centro  da  Terra  ;  porque  eíTa  linha 
reda  tirada  ao  nivel  também  vai  dar  ás  Ef- 
Tiellas. 

S'úv,  Eftá  bem  :  já  vejo  que  por  eíTe  modo 
não  podem  fubír  as  aguas  do  mar  ^  mas 
ainda  podem  vir  para  os  cabeços  dos  mon- 
tes por  outro  modo.  Eu  li  nefte  mefmo  li- 
vro que  a  agua  falgada  ,  por  fcr  mais  peza- 
da  que  a  doce  ,  a  podia  fazer  fubir  pelas 
entranhas  da  terra  a  muito  maior  altura  que 
a  das  praias. 

*Theod.  EíTa  refpofta  he  do  grande  Filoíofo 
jfoib  BernouiUe  ;  mas  ahi  vereis  que  nem 
tudo  o  que  dizem  os  homens  grandes  íe  de- 
ve crer  cegamente.  Ninguém  duvida  ,  que 
quando  fe  equilibráo  liquidos  diverfos  ,  o 
mais  pezado  fica  em  menor  altura  ,  e  iffco 
he  na  razão  inverfa  do  fcu  pezo  efpecifico. 
Mas  como  o  pezo  da  agua  do  mar  compa- 
rado com  o  da  doce  hc  como  10^   a  ico, 

pa- 


4i6         Recreação  Filojofica 

para  que  a  a^ua  do  mar  fizeíTc  íubir  a  agua 
doce  por  huma  milha  de  akura  ,  era  preci- 
fo  que  houvelle  peias  entranhas  do  monte 
huma  columna  de  agua  doce  de  :54  milhas, 
e  ou:ra  corrcípondenie  de  agua  íalgada  de 
7^2^  ,  para  fe  equilibr.irem.  Ora  lendo  mui 
frequentes  as  fontes  que  tem  naicimcnto 
liuma  milha  mais  alta  do  que  o  m^r ,  nin- 
guém dá  ao  mar  a  profundeza  de  :54  mi- 
lhas ;  porque  com  o  Verenio  ni  fua  Geo- 
grafia 5  o  mais  que  lhe  àio  sáo  4  milhas 
(  i  ).  Mas  além  defta  difiicuidade  ha  outra, 
também  iniuperavei  i  e  vem  a  fcr  a  diíFe- 
rença  que  achamos  entre  a  agua  doce  e  íal- 
gada.  Tem-fe  tentado  com  baílmte  fadiga 
e  empenho  o  modo  de  filtrar  a  agua  íalga- 
da  ,  e  fazella  doce  ;  c  muitos  perderão  as 
efperanças.  O  VMfnerio  (  2  )  depois  de  a 
filtrar  cem  vezes  por  área  e  terra  de  varias 
cailas  5  fempre  a  achava  falgada  :  ainda  fil- 
trando-a  por  vafos  de  barro  ,  náo  lhe  pode 
tirar  todo  o  fal  :  e  hoje  fó  com  muito  dif- 
pcndio  fe  confegue.  Algum  dia  me  deixei 
enganar  de  algumas  experiências  ,  que  me 
conráráo  ;  e  por  iíTo  ha  annos  vos  dilTe  que 
era  couia  facil  (  O* 
Silv.  Eu  náo  íei  dciías  experiências :  fei  que 
as  fontes  muitas  vezes  tem  agua  falgada , 
fei  que  nas  vizinhanças   do  mar   ha  muitas 

fon- 

(  1  )     Lib.  I.  Geo2:r.  cap    i  j.  prop.  6. 
(2)     Tom.  III.  Anot.  14.  fobre  a  lição  ácer, 
ca  da  origem  das  fontes, 

Ci)    Tom.UI.  Tarde  XII.  §.  II. 


Tarde  trigefima  quinta.     417 

fontes ,  e  ifto  bem  prova  que  a  agua  de  lá 
vem  ,  íeja  como  for. 

Thiod.  As  fontes  ,  que  trazem  agua  falgada  , 
uáo  a  trazt-m  do  mar:  paisâo  por  minas  de 
fal  ,  e  fica  lalgada  a  íua  agua.  Vos  como 
Medico  bem  labeis  cjue  ícrem  humas  toites 
mais  falutiteras  ,  ou  nocivas  do  que  outras, 
procede  dos  niincraes  por  cnde  paf^áo  ,  e 
cujas  partículas  as  aguas  trazem  c-omfigo. 
Logo  paliando  por  minas  de  fal  ,  fi.araó 
bem  falgadas.  EíToutrcis ,  que  rebeniáo  jun- 
to do  m^r,  poJem  cer  a  Tua  origem  em  lu- 
gar bem  d.ifance.  ]á  eu  vcs  hillei  de  algu- 
mas íontes  de  agua  cioce  ,  que  rebentaváo 
no  mcfmo  fundo  do  mar,  rodeadas  de  agua 
faigada  ;  e  ninguém  dirá  ,  que  eíTas  bn- 
tes  deixáo  de  ter  origem  mui  longe  j  o 
mefmo  digo  eu  delias  ,  que  rebentão  na 
praia. 

Silv.  E  que  me  dizeis  aos  poço?  ,  que  tem 
a  mefma  alternn;va  nas  sguas  que  ven  os 
nas  marés  ,  baixando  nas  marés  v^fias  ,  e 
lubindo  nas  cheias? 

7heod.  Já  vejo  que  eíluciaftes  o  ponto  ,  c 
me  agrada  vcr-vos  ler  por  elTes  livios.  Mas 
adverti  ,  que  eu  íalio  ce  fcntcs  ,  e  náo  de 
poços.  As  fontes  fen.pre  coftumáo  ler  leu 
nafcimento  fobre  o  nivel  do  mar  ,  e  os 
poços  nem  fempre  :  porém  fallanco  agora 
dos  poços  ,  ou  eiles  sáo  de  agua  doce  ,  ou 
de  agua  íalgada  ;  fe  sáo  de  agua  íalgada  , 
c  tem  a  aeua  no  nível  co  mar  ,  n^o  du- 
vidarei que  delle  lhe  venhro  as  aguas  ,  e 
Tom.  VI.  Dá  te- 


41  o         Recre.-ição  Filofofica 

tenha  as  mcrmcs  alceraçóes  ,  fiibindo  e 
dcfccnJo  em  airibas  as  parres  a  hxiva  tem- 
po. Porém  fe  os  poços  forem  de  agua  do- 
ce ,  he  cerro  ,  pelo  que  diiíe ,  que  nào  pôde 
cila  agua  vir  do  mar  :  com  tudo  poderá 
fubir  mais  alta  nas  marés  cheias  ,  e  baixar 
nas  vaíias.  Nós  vemos  que  a  agua  do  Te- 
jo ,  ainda  onde  he  doce  ,  tem  enchentes 
c  vafanres  j  não  porque  a  maré  cheia  do 
mar  augmente  a  agua  doce  ,  mas  porque 
fubindo  na  boca  do  Tejo  a  agua  laigada 
a  maior  altura  ,  já  a  agua  doce  que  vem, 
de  fíma  não  pôde  fahir,  c  vai  recuando  pa- 
ra trás  ;  e  como  a  agua  que  de  íima  vem  , 
vem  vindo  continuamente  (  pcís  o  rio  não 
pára  )  íe  vai  enchendo  o  rio  ,  e  íubindo  a 
íupcrricie  da  agua  doce  :  baixando  porém 
a  agua  faigada  na  boca  do  Tejo  ,  começa 
a  valar-fe  o  rio  com  maior  im.peto  ,  e  vai 
baixando  a  agua  doce  nas  praias.  Succede 
juftamentc  como  num  tanque  ,  fobre  que 
corre  huma  bica  pcrenne,  que  também  ncl- 
le  fóbe  a  agua  e  déíce,  íe  humas  vezes  lhe 
dcík  parem  o  buraco  per  onde  dei  peja  ,  e 
outras  iho  taparem.  O  meímo  pois  digo 
delTes  poços  ,  que  forçoíamente  tcráo  al- 
gum defaguadouro  para  o  mar.  Quando 
for  maré  cheia  ,  cííando  de  fora  a  agua 
mais  alta  ,  náo  deve  correr  para  lá  ,  ou 
pelo  menos  Terá  com  menos  força  ,  e  crcf- 
cerá  a  .jgua  no  poço  ,  o  qual  d  outra  par- 
le fe  luppõe  ter  o  nafcimenro  da  agua  j 
baixando  porém  o  mar  ,    ficará   dcíemba- 

ra- 


Tarde  trigefima  quinta.     419 

raçado  o  caminho   por  oi>dc   o  poço  vafa , 
e  irá  abaixando   a  agua.    E  fabei   de  cami- 
nho que  ,   íe  ha  poços  de  agua  doce  ,  que 
tcnháo  eiTas  alternativas  das  marés  ,  são  ra- 
riílimos  (  I  )  . 
S'úv.     Eu  vejo    cilas  diíHculdades.    Mas    náo 
íci  como  Ic  pôde  verificar  o  que  diz   a  Ef- 
critura  ,  que  todos  os  rios  entráo   no  mar, 
e  rcrnáo  ao  lugar  onde  nalcèráo  (2). 
Ihecd.     Alguns  querem  que  as  aguas  do  mar 
nas  concavidades  da  Terra   fe  diítiUem   co- 
mo  em  naturaes  lambiques  ,  e  percáo  dcf- 
fe  modo  todo  o  fal,   Ai2;um  dia   fcgui  eíla 
opinião  ;  porque  como  havia  nas  entranhas 
da  Terra    grandes   concavidades    cheias    de 
agua  ,   c  havia  fogos  fubtcrrancos  que  a  fi- 
zelTcm  evaporar ,  os  vapores  ajuntando-le  na 
parte  fuperior   das  cavernas  ,    íe   conv;  rtião 
em  agua,    e  podia  por  quíilquer  lenda  lahic 
cá  fora  onde  rebenta  a  fonte.    Mas  hoje  ef- 
tou  perfuadido  que  ifto  he  mui  difKcil ;  por- 
que   os    Inglezes   ,    bem    enger hofos    ,    e 
muito    mais    nas  coufas    que   pertencem     á 
Marinha  ,    onde   a  utilidade  accende  muito 
o   defejo   de  dcfcubrir   meios  ,    que    a   fa- 
cão m.enos  incomimoda  ,    tem  tentado  mui- 
tos modos   de  purificar  a  agua  do  mar  cm 
lambiques  ,   e  fnzella  doce  ;    e  cem  effcito 
confeguíráo  que  ao  paladar  ficafle  boa  ;  po- 
Dd  ii  rem 

(i)     ValIiCnerio  Tom.  IIÍ.  Anot.    58. 

(^  2  )  Omnia  fiumina  inmint  in  maré  ,  iS"  viavc 
tion  rediindat  •  ad  Iccam  ,  unde  exeuni  finnúna  ,  rc 
yertimiur  ut  iteruw  fuant.  Ecclef,  cap.   i.  v.  7» 


4^0        Recreação  Filofofica 

rém  moftrava  a  experiência  que  nunca  fc 
delpia  totalmente  do  fal ,  porque  Kizia  gran- 
des ardores  na  orina  ,  até  fazer  íahir  mil- 
turado  também  o  Tangue  (  i  )  i  coufa  que 
não  íazcm  as  aguas  das  fontes  :  donde  fc 
colhe  que  a  agua  ,  que  nós  bebemos  das 
fontes ,  náo  he  a  agua  do  mar  diíbllada.  Eu 
bem  íei  que  a  agua  das  chuvas  he  doce  e 
falutifera  ,  c  procede  do  mar  ,  cvaporan- 
do-fe  pelo  calor  do  Sol  ,  e  deixando  todo 
o  Tal  cá  em  baixo  :  ferve  a  regiáo  do  Ar 
de  hum  vaftiíhmo  lambique,  em  que  fc  pu- 
rifica ;  náo  podem  fazer  outro  tanto  os 
lambiques  de  fogo  ,  ou  por  fer  mais  pe- 
quenos ,  ou  mais  violentos  :  e  como  nas 
cavernas  íubterraneas  a  caufa  que  fizeíTe 
diílillar  a  cgua  ,  mais  havia  de  fer  feme- 
Ihantes  aos  lambiques  terrenos  ,  do  que  á 
regiáo  do  Ar  ;  bem  fe  infere  que  náo  po* 
diáo  purificar  a  agua  do  mar  do  moio 
que  nós  achamos  as  das  fontes,  ifto  he ,  do- 
ce ao  paladar  ,  e  falutifera  ao  meitno  tem- 
po. Silvio,  defenganai-vos ,  que  a  verdadei- 
ra ,  e  única  origem  das  fontes  cftá  nas  aguas 
das  chuvas  ,  c  neves  derretidas.  Logo  vos 
direi  como  ilío  póJe  fer.  Primeiro  convém 
dizer  os  fundamentos  ,  que  quaíi  obrigáo 
a  crer  que  aílim  he.  Nós  vemos  que  com 
a  longa  fecca  todas  as  fontes  váo  diminuin- 
do ,  e  muitas  feccáo  de  todo  ,  pelo  con- 
trario  com    chuvas   copiofas    coftumáo   ou 

rc- 

(i)     Vallifnerio  Anot.  14.  fobre  a  lição  da 
origem  das  fontes. 


Tarde  trigeflrdã  quinta.     421 

rebentar  de  novo  as  que  feccáráo  ,  ou  en- 
groíTar  as  que  ja  eftaváo  mui  pobres.  Efte 
lo  argumento  convence  o  pomo.  Porque 
fc  do  mar  le  íultentâo  as  fontes  immediata- 
mente ,  que  tem  cilas  com  as  chuvas ;  por- 
que váo  enfraquecendo  ,  fe  lhes  faI:áo  r  € 
porque  acabáo  de  todo  ,  fe  continua  a  fec- 
ca  í  porque  cfperâo  novas  chuvas  para  re- 
bentarem de  novo? 

Silv»  Eu  náo  duvido  que  as  chuvas  engrof- 
íem  as  fontes  ;  mas  não  poflo  periuadir-mc 
que  toda  a  íua  agua  proceda  das  chuvas. 

Theod.  E  porque  náo  ?  As  fontes  com  a  falta 
de  chuva  ,  ou  de  neves  derretidas  ,  mui- 
tas vezes  íeccáo  de  todo  ;  e  ainda  as  que 
náo  feccáo  totalmente  ,  com  tudo  na  dimi- 
nuição das  luas  a^uas  ,  que  cada  vez  sáo 
menos ,  dáo  manitcíuos  indícios ,  que  total- 
mente íeccanão ,  íe  continualle  a  lecca.  Lo- 
go náo  fò  aquelias  fontes ,  que  de  todo  pe- 
recem com  a  falta  de  chuvas  ,  delias  titáo 
toda  a  agua  que  trazem  ,  mas  eíla  íb  fe 
deve  dizer  que  he  a  crií^em  de  todas  as  de- 
mais. 

Silv.  Qjando  muito  ilTo  fera  das  fontes  pe- 
quenas j  porém  as  fontes  caud.^^loías ,  de  que 
procedem  famoios  rios  ,  he  impoííivei  que 
procedáo  das  chuvas. 

7hcod.  Se  fizemos  conta  á  agua  das  chuvas, 
que  coftuma  cahir  iobre  a  Terra  ,  acha-lc 
agua  de  fobejo  para  fuftentar  os  rios  cau- 
daíofos  5  e  as  fontes  onJe  clies  tem  princi- 
pio.  O  que   vos  digo   náo   he   conjetlura, 

he 


4^2.        Rfcrcjção  Filofofica 

he  cálculo  cxaólo  ,  que  náo  pôde  mentir' 
O  modo  de  calcular  a  quantidade  de  agua  ? 
que  chove  em  cada  paiz ,  he  mui  fácil.  To- 
ma-fe  hum  vafo  ou  quadrado  ou  cyiindri- 
co  5  mas  igualmente  largo  em  baixo  c  em 
íima  :  Ic  tor  de  vidro  ,  com  hum  di::man- 
te  fe  lhe  fazem  rifcos  horízontacs  ,  ou  di- 
visões de  pollegadas  e  linhas.  Expóc-fe  o 
Vaio  cm  campo  livre  á  chuva  no  princi- 
pio do  inverno  ;  e  tanto  que  acaba  de  cho- 
ver ,  obíerva-íe  até  que  altura  chegou  a 
agua  ;  o  que  he  fácil  ác  ver  ,  fendo  o  va- 
io de  vidro  :  fendo  de  metal  ,  mcitendo-fe 
huma  vara  graduada  ,  fe  vè  quantos  gráos 
fahem  molhados,  e  fe  conhece  a  altura  da 
agua.  Faz-íc  aíTcnro  difto  ,  e  defpejd  fc  o 
vafo  ;  e  continuanco-íe  a  mefma  diligen- 
cia todos  os  dias  que  chove  ,  e  aíTentan- 
do-fe  os  grãos  ,  fe  conhece  depois  quanta 
he  a  altura  a  que  chegaria  a  agua  no  vaio , 
fe  toda  fe  foflè  ajuntando  ,  km  fe  evapo- 
rar. Advirta  fe  que  a  beca  do  vafo  pa- 
tente á  chuva  feja  da  mefma  largura  e  fei- 
tio que  a  íua  b^fe  ,  e  que  o  rcltante  do 
vafo.  Muitos  acautcLio  ,  e  impedem  de  al- 
gum modo  a  evr.poraçáo  da  agua  ,  antes 
que  a  váo  medir  ,  pondo  dentro  do  vafo 
hum  repartimcnto  qu:.fi  horizontal ,  com  al- 
guma inclinação  para  hum  boraquinho  pe- 
queno. Suppofto  irto  ,  com.o  no  vafo  náo 
entra  fcnáo  a  agua  da  chuva  que  corref- 
pondc  á  boca  ,  tem.os  fundamento  para 
crcf  que  por   toJa  a  rcgiáo  ,    em   que    fe 

faz 


Títrde  trigefima  quinta.     42^ 

faz  a  obfervaçáo  ,  fubiria  a  agua  da  chuva 
á  me  ima  aluíra  ,  íe  íe  confervarc  íobre  a 
terra.  Ora  como  nuns  paizes  chove  mais 
que  nos  outros  ,  por  iiTo  são  diverfas  as 
alturas ,  a  que  fóbe  a  chuva.  Em  P//^  huns 
annos  por  ouiros ,  lóbe  a  altura  da  agua  da 
chuva  a  30  poilegadas  j  em  Liorne  a  ^5  ; 
em  Mcdcn.i  a  47  ,  cm  Paris  a  18  ou  19  , 
e  noutras  partes  a  diverícis  alturas  ;  c  mul- 
tiplicando as  léguas  quadradas  de  qualquer 
terreno  pelas  poilegadas  de  altura  a  que 
lóbe  a  agua  da  chuva  nos  vafos  em  que 
le  faz  a  obiervação ,  ie  conhece  lacilmentc 
a  quantidade  ic  agua  ,  que  cada  anno  cof- 
tuma  chover  Tobre  cííe  paiz.  Rcíh  agora 
medir  a  quantidade  de  agua  que  no  cfpa- 
ço  de  todo  hum  anno  cone  pelos  rios  prin- 
cipaes  delTe  mefmo  terreno  ;  e  depois  com- 
binando a  agua  dos  rios  com  a  das  chu- 
vas 5  íe  acha  que  he  muiro  mais  a  das  chu- 
vas. 

Silv.  E  como  podem  calcular  a  quantidade 
de  ngaa  de  hum  rio  caudaloío  ,  como  v.  g. 
o  Tejo? 

Theod.  Eu  o  digo :  fc  o  rio  tem  ponte ,  me- 
àí-'(c  nos  arcos ,  por  onde  paíTa  a  agua ,  íò 
o  vão  que  occupa  a  agua  :  depois  mede-íe 
a  velocidade  com  que  ahi  corre  ^  e  tendo 
conhecida  a  velo-jdadc  ,  e  o  efpaço  do  ar- 
co 5  tem-fe  conhecido  a  qnantidade  que 
corre  num  minuto  ;  e  dahi  íe  calcula  para 
todo  o  anno.  AdA/irto  pcréni  oue  a  veloci- 
dade da  agna  ua    íupciíicie   he   maior   que 

no 


424        Recreação  Filosófica 

no  melo,  c  no  meio  maior  que  ro  funJo; 
e  aílim  devc-fc  icmijr  huma  vtiocidiíde  me- 
dia ,  \>ATd  le  conhecer  a  do  no. 

Eug.  Terro  fer  imporruno-  j'Orém  dizei-me: 
Como  podemos  conhecer  a  velocidade  da 
a^ua? 

,TbeO'L  Deixai  cahir  hum  bafláo  ou  qualquer 
co'po  ligeiro  ;  e  vendo  quanio  eiTe  coryo 
coire  em  hum  minuto  ,  le  conhece  quania 
hc  a  velocidade  da  <"gua  que  corrfij^o  o  le- 
va. Supporto  ludo  ilio ,  Viimos  as  cxpcr.en- 
cias.  \Í.A']ar.ote  emprehendeo  medir  c:  a&ua 
que  leva  o  Sitia  em  Paus  ,  c  corrpí;ralla 
com  a  agua  que  ahi  coíbma  chcvtr  •  e 
achou  que  a  a^ua  da  chuva  excedia  cito  ve- 
2 es  a  agua  do  Seua. 

Silv.  Com  tudo  ,  náo  he  poílivel  que  cm 
Pcrrug^il  chova  maior  quani-idade  de  agua  , 
do  que  Irva  lómenie  o  Tejo  ,  quanto  mais 
aiien^enjo  ao  Uouro  ,  c  aos  cutios  rios  que 
temos. 

Tlicd.  Nem  he  poílivel  ,  nem  he  precifo 
p»;rn  o  caio  preícntc  ,  porque  a  agua  delles 
lios  vem  de  muito  .'onge  :  a  querer  fazer  o 
cí  kulo  juílo  ,  havcn  es  de  medir  o  terreno 
todo  por  onde  fe  elj  aiháo  eíTes  rios ,  c  don- 
de recebem  ^s  aguas  ,  e  ver  (c  podem  íor- 
nccer  aos  rios  tanto  cabedal  corro  aqui 
tr;:2em,  T-mbem  deveis  no  Tejo  fazer  a 
conta  ló  a  agua  doce  ,  que  efta  he  a  Tua  , 
e  ráo  á  falgnda  qix  he  alheia  c  do  mar. 
Feuo  c.líim  o  calculo  ,  havamcs  de  ter  o 
trabalho  que  todos  tem  ,  iíto  he  ^  explicar 

que 


Tarde  trigefiyria  quinta.     425* 

que  fe  faz  de  ranta  agua  que  chove  ;  porém 
parte  fe  evapora  oucra  vez  ,  e  fóbe  para  íi- 
ma  ,  parte  ferve  para  nutrir  as  plantas  e  ani- 
m.ies,  parte  para  confc-rvar  a  Terra  húmida; 
parre  emhm  vai-fe  infinuando  pelas  ícndas 
dos  rochedos,  e  entrando-fe  pelo  interior  da 
Terra  ;  e  depois  de  paliar  algum  tempo, 
ora  maior,  ora  menor,  lá  vai  lahir  por  hu- 
ma  fenda  viíivel  :  le  he  fobre  a  face  da  Ter- 
ra ,  choma-fe  Fonte  ;  le  he  em  concavidade 
profunda,  chama  fe  Poço. 

Silv.  E  como  me  levais  elTa  agua  aos  cabe- 
ços dos  montes  ,  donde  vemos  rebentar  mui- 
tas fontes  ? 

Tkcod.  Primeiramente  as  fontes  de  ordinário 
náo  rebentão  nos  cumes  dos  montes  ,  mas 
ou  nos  valles  ,  ou  na  defcida  dos  montes  ; 
porém  muitas  ha  ,  que  rebentão  no  mais 
alro  delles  :  obferva-fe  porém  que  quando 
iíto  fuccede  aflim  ,  al^um  monte  mais  ele- 
vado fic-i  á  ilharga.  Montes  de  arêa  ,  ou 
rerra  folta  ,  náo  tem  fontes  ;  fó  contém  ef- 
ta  aj;ua  os  que  são  formados  no  interior  de 
diverfos  rochedos  ,  que  podem  ter  concavi- 
dades ,  e  como  ciítcrnas  jmmenfas  ;  e  com 
eífcco  ,  nós  temos  nas  hiílorias  alguns  fa- 
óios ,  que  confirmáo  com  evidencia  elte  dif- 
curio  ,  e  dáo  a  entender  que  as  altas  mon- 
tanh  ts  são  muitas  vezes  numas  grandes  n)áis 
de  agua  ,  em  cujas  entranhas  fe  ajuntào  , 
para  continuamente  fahirem  pelas  fendas  , 
ao  que  chciman^.os  fonte*?.  Lemos  que  em 
iòyij    houve   huma  grande    inundação    em 

Gaf- 


4^6         Recreação  Filofofica 

Gafcunlia  ,  porque  fe  desfizeráo  huns  peda- 
ços dos  montes  nos  Pireneos  ;  e  as  aguas , 
cjuc  ahi  fe  guardaváo  ,  fe  entornarão  ala- 
gando e  inundando  os  lugares  para  onde  o 
leu  curio  as  cncarr.inhou.  Outra  inunda- 
ção ainda  muito  maior  aconieceo  em  Irlan- 
da no  anno  de  1600  ,  porque  fe  desfez 
h'-ima  montanha  ,  cujas  entranhas  eftavào 
prenhes  de  a^ua  (  i  ). 

Súv,  Eííes  íaclos  são  convincentes  j  c  bem 
òio  a  entender  que  aj  fonter. ,  que  perenne- 
mente  vemos  rebentr.r  das  Lidas  dos  mon- 
tes 5  luppóem  grandes  c:fternas  de  agua  no 
feu  interior  delies. 

*Tbçod,  Ora  as  aguas  dcftas  cifternas  ,  depois 
de  vários  giros  que  os  aquccucios  naturaes 
leváo  ,  ás  v^zcs  vão  por  baixo  dos  valles 
íahir  no  cume  do  outro  monte  diílante  ,  po- 
rém mais  baixo  que  o  primeiro  ,  em  cujas 
entranhas  le  ai  unto  j  a  agua.  OutiiS  vezes 
váo  as  aguas  da  chuva  la  por  baixo  do  mar 
fahir  n  uma  ilha  ;  e  apparecc  lá  huma  bcUa 
fonre  de  aç^ua  doce  ,  que  talvez  tem  a  ori- 
gem muif  is  léguas  diíhr-ite. 

Eug.  E  ourra-í  vcrzts  rcbenrara  junto  da  praií  , 
enganat-ído-fc  todos  os  que  imagiriào  ,  que 
a  fua  origem  He  do  mar  vizinho. 

Thcad.  Bem  íe  infíre  do  que  tenho  dito  , 
que  ÍCTvdo  a  agua  do  rr^ar  Talgada  ,  e  falo- 
bia ,  e  intcfrior  á  de;Tas  fontes ,  não  pôde  íer 
a  mcíxT.a  que  depois  aptir.rcce  nas  fcr.rcs. 

Silv. 
(  i  )     Biíífun  riiftoir.  Natural,  Toin.  11.  pa^'. 


Tarâe  trigefima  quinta,     427 

SWv,  EíTa  opinião  he  para  mim  bem  dura; 
porem  confeíTo  que  o  argumento  de  ver  as 
fontes  feguir  ora  a  abundância  ,  ora  a  pe- 
núria das  chuvas  ,  me  obriga  a  concordar 
comvoico. 

Theod.  Daqui  procede  que  humas  fontes  lo- 
go oepois  ddS  chuvas  rebcntáo ,  outras  pou- 
cos dias  depois  j  porque  he  prccilb  que  fe 
encha  a  cifíerna  naiural  na  concavidade  dos 
íT^onies  ,  ate  á  altura  da  fenda  que  dá  com- 
municaçáo  para  as  fontes  ;  e  como  com  as 
íeccas  eftáo  ou  mais  ou  menos  vafias ,  e  te- 
rão abaixado  deíTas  fendas  maior  ou  menor 
altura  ,  por  iíTo  le  efperáo  mais  oa  menos 
dias  de  chuva. 

Silv.  Occorre-me  contra  iiTo  ,  que  me  pare- 
ce que  as  chuvas  em  mui  pequena  parte 
pcnetraráó  a  Terra  j  porque  depois  de  lar- 
gas chuvas  5  cavando  na  terra  ,  a  poucos 
palTos  fe  encontra  com  terra  fecca. 

'ThcGíl.  Mr.  de  la  Hire  metieo  hum  vafo  de 
chumbo  12  palmos  debaixo  da  terra;  e  paí- 
fado  tempo  baftame  ,  conheceo  que  não  ti- 
nha lá  penetrado  a  agua  d;'i  chuva.  \^edes  , 
Silvio  5  que  eu  fortifico  o  volTo  argumento  ? 
Porém  iíío  aííim  he  ,  quando  o  terreno  náo 
tem  fendas  ,  e  efti  a  terra  mai  unida  ;  e 
também  quando  tcsn  a  agua  da  chuva  fá- 
cil caminho  para  outra  parte  ;  porém  pref- 
cindindo  deitas  circumftancias  ,  a  agua  mais 
aqui  ,  mais  alli  ,  vai  calando  a  huma  pro- 
iundeza  incrível.  Nós  fabemos  iíto  pelo 
tcilcmunho  dos  que  trabalhão  nas  vlvò\s  pro- 

fuii- 


428        Recreação  Filofoflca 

fundas  minas  ,  que  lá  embaixo  vem  que 
penetra  a  agua  da  chuva  (  i  )  .  Vemos 
tamhem  que  alguns  poços  ,  fó  profundan- 
do-os  muiio  he  que  podem  receber  a  veia 
das  aguas  da  chuva  ,  que  dos  terrenos  vi- 
zinhos fe  conduzem  a  elTa  profundeza  in- 
crivel.  E  d'aqui  procede  que  no  principio 
cio  Inverno  de  ordinário  primeiro  fe  rei- 
rauráo  os  poços  que  tem  pouca  altura  ;  c 
muitos  dias  depois  he  que  apparecc  agua 
nos  mais  profundos  ;  porque  a  agua  gaf- 
ta  mais  tempo  a  pí^netrar  a  elTa  altura 
maior. 

Sih,  Mas  que  dizeis  vós  á  Efcritura  ,  onde 
fe  diz  que  no  principio  ào  mundo  Dcos  náo 
tinha  mandado  a  chuva  fobrc  a  Terra,  mas 
que  huma  fonte  a  regava  :  ahi  temos  ronte 
fem  chuva. 

Theod.  Refpondo  que  antes  que  Dcos  ajun- 
taíTe  as  aguas  nas  concavidades  ,  a  que  hoje 
chamamos  Aíar  ,  toda  a  fuperticic  da  Ter- 
ra eftava  cuberta  de  agua  ;  c  fó  depois  deita 
fcparaçáo  he  que  appareceo  a  Terra  firme , 
ou  o  que  chamamos  Continente.  Eíii  agua 
era  doce,  pois  fc  fez  falgada  pelas  minas  de 
fal  e  bitumç  que  ha  no  tundo  do  mar  ,  co- 
mo noutro  tempo  dilíe.  Entáo  ncccíTaria- 
mentc  havia  de  ter  penetrado  a  agua  ás  con- 
cavidades interiores  nas  entranhas  dos  miOn- 
tes  5  e  dahi  proccciáo  as  fontes  como  ago- 
ra ,  nào  obftantc  náo  ter  chovido. 

Silv. 
(  I  )     VaHifner.    Anot.   24.    fobre    a  origem 
das  fontes. 


Tarde  trígefima  quinta,     429 

S\\v.  Eftá  bem  ;  mas  que  dizeis  aos  lugares 
da  Eícritura  ,  que  dizem  que  os  rios  íahcm 
do  mar ,  e  entráo  nelle  ? 

TbQoà.  k^  chuvas  vem  ào  mar  3  e  tendo  as 
fontes  origem  nas  chuvas  ,  do  mar  he  que 
procedem  ,  pofto  que  náo  immcdiatamcntc. 
O  Sol  levanta  os  vapores  ,  náo  fó  da  ter- 
ra 5  mas  dos  lagos ,  e  do  mar  ;  os  vapores 
levantados  fórmáo  as  nuvens,  que  pelo  ven- 
to sáo  levadas  fobre  diiíerentes  fitios  ,  e  fc 
desfazem  cm  agua  ,  quando  os  vapores  fc 
ajuntâo  :  c  cis-aqui  como  as  fontes  ,  e  os 
rios  procedem  do  mar.  Nem  vos  pareça  dif- 
íicil  que  fe  levante  do  mar  tanta  copia  de 
vapores  ,  quanta  he  precifa  para  lormar  os 
rios  que  nclle  defembocáo  ;  porque  Halco 
teve  a  paciência  de  calcular  a  quantidade 
de  agua  que  o  Sol  fazia  fubir  em  vapores 
de  todo  o  Mediterrâneo  ,  e  achou  que  ex- 
cedia rrez  vezes  a  agua  de  todos  os  cau- 
dalofos    rios    que    defembocáo    nefte    mar 

JEug,  Eu  fó  tenho  hum  efcrupulo ,  e  vem  a 
fer  ,  que  algumas  fontes  ha  ,  que  rebentáo 
de  Verão  ,  e  fcccão  de  Inverno. 

Theod,  EiTas  náo  procedem  tanto  das  chuvas, 
como  das  neves  derretidas  j  porque  com  o 
calor  fe  derretem  ,  e  fazem  o  mefmo  que 
as  chuvas  ;  e  com.  o  frio  a  neve  fe  confo- 
lida  5  e  náo  penetra  ao  interior  dos  montes  , 
nem  pódc  fornecer  as  fontes. 

Eug.^ 
(O     Epift.  deJoféGeorg.  àe  la  vera  cduni-^ 
9a  êriginc  dclU  fontanc. 


430        Recreação  Vilofofica 
Eug.     Agora  nenhum  efcrupulo  tenho. 

§.  líl. 

Dos  Terretmtos  ,  fuás  caufas  ,  e  ejfcitos , 

onde  fc  trata  da  eUjticidade  dos 

vapores, 

Theod,  T7  Ntremos  agora  com  o  difcurfo  ás 
X2í entranhas  da  Terra,  para  exami- 
nar a  caufa  dos  Tcrremoros ,  que  tanto  nos 
tem  perturbado  eítes  annos  próximos,  e  ain- 
da cada  dia  nos  alTuftfo. 

Silv,  Eu  náo  fei  como  o  fufto  ,  que  acom- 
panha os  Terremotos  ,  deixa  lugar  para  as 
obfervaçóes  que  alguns  aliegáo. 

Theod,  Períuâdo-me  que  muitas  coufas ,  que 
íe  teftificáo  ,  sáo  imaginações  de  ânimos 
aterrados  ,  e  quafi  tora  de  fi  ,  e  depois  fe 
publicáo  por  experiências  confiantes.  Em 
tudo  he  precifo  que  entre  exame  prudente. 
E  na  verdade  que  por  efte  principio  nun- 
ca defte  terrivel  effcito  natural  pódc  haver 
toda  a  obfervaçáo  que  ha  dos  outros.  Mas 
poupando  o  tempo  ,  e  deixando  o  que  nef- 
la  matéria  pertence  aos  Hiftoriadores  Natu- 
raes  ,  fó  tratarei  do  que  pertence  ao  Filo- 
foto  ,  e  indagaremos  que  cauía  pode  fazer 
fcmelhante  abalo.  Deixadas  as  opiniões  de 
muitos  antigos ,  que  náo  merecem  fer  nem 
feguidas ,  nem  impugnadas ,  tenho  por  cer- 
to  que   OS  Terremotos   procedem    de   fer- 

incn- 


T/irde  trigefi}7ia  quinta,     431 

menraçáo  dos  rr.in?rae3  ,  paniGuIarmence 
enxofre.  Bem  fabida  hc  a  experiência  do 
grande  Chirriico  LimQÚ  ^  que  Torrr.ou  huma 
maça  de  limalna  de  terro  ,  e  enxoFre  ,  e 
agua  commua ,  que  pezava  50  libras ,  e  en- 
tcrrando-a  debaixo  da  terra  ,  paíTado  rcm- 
po  5  fermentou  de  modo  aquella  rniílura , 
que  o  terreno  faperior  iremeo  ,  inchou  ,  c 
iahio  Tua  chamma.  Pelo  menos  não  íe  pode 
negar  o  que  por  caítigo  de  noiTos  peccados 
temos  cxpcrimcniado  ha  féis  annos  ,  depois 
de  o  termos  lido  n:is  Hifiorias  ,  que  quan- 
do acontecem  03  Terremoto?  ,  fe  percebe 
hum  fartum  de  enxofre  fortiííimo.  No  céle- 
bre terremoto  de  55  rebentou  cm  varias  par- 
tes a  Terra  ,  Lmçar.co  grande  copia  de  hu- 
ma ma:eria  negra  e  bccuminofa ,  que  moílra- 
va  ter  grande  porção  de  enxofre  ,  tanto  na 
chamma  que  lançava  de  íi  ,  accendendo-a  , 
como  no  cheiro  :  eu  tive  hum  pedaço  nas 
minha?  máos  ,  e  me  certifiquei  diílo.  Aqui 
perto  da  minha  cafa  fe  abrirão  na  eftrada 
trcs  gretas  da  largura  de  hum  palmo  cada 
huma  ,  que  de  p.:rte  a  parte  em  linhas  pa- 
rallelas  atravciTaváo  a  eíirada  :  e  me  conta- 
rão que  no  tempo  do  tremor  fahira  gran- 
de porção  de  agua  ,  que  efpalhava  o  far- 
tum de  enxofre :  nos  outros ,  que  depois  de 
vários  tempos  tem  repetido  ,  algumas  pef- 
foas  me  Icguráo  que  pouco  antes  tinháo 
percebido  grande  fedor  de  enxofre.  Quem 
quizer  ler  o  Baglivio  na  Hiftoria  do  Terre- 
moto de  Roma  de  1703  ^  achará  que  an- 
tes 


432.         Recreação  Filcfofica 

tes  dellc  fc  Antia  hum  fortiflirriO  fedor  de 
enxotrc  j  c  i^cralmcntc  os  paiz  s  mais  lu- 
jeicos  a  eftc  fligcilo,  abundáo  Je  ijguas  ou 
minas  cheias  de  cnxoíre  ,  e  bccumcs  ,  taciili- 
mos  de  íe  mtlamniarcm.  Nos  no  no.:o  Por- 
tugal temos  muitas  Caldas  i  c  o  paiz  oá(- 
tantemcnte  abunJa  deftes  mineraes  ,  que 
dáo  ás  aguas  o  calor  ,  e  á  Terra  a  terrível 
condição  de  Ter  iu.eita  aos  tremores. 

Eug.  Lembro-me  que  quanco  vos  me  fallaf- 
tes  das  aguas  miner^es  ,  ou  Ccildas  ,  e  ira- 
laftcs  dos  fogos  fubierrancos  (  i  ),  em  que 
me  contattes  Vt:rios  Terremotos ,  me  diíTwi- 
tes  que  fcmpre  ahi  havia  granuc  porção  de 
enxofre. 

Theod.  Aíum  he  :  v:.mos  vigora  ver  pratica- 
mente como  fe  pôde  formar  o  Terramoto. 
Toda  a  vez  que  alguma  caula  accictntal 
fez  ajuntar  os  mineracs  inimigos  ,  hão  de 
fermentar  ;  aílim  como  v.  g.  termentío  a 
cal  com  a  agua  iria  ;  e  fcrmentando-le  a 
matéria  cí^paz  diíTo  nas  cavernas  da  Terra  , 
varias  coufas  nccelTariamente  devem  acon- 
tecer. Primeira  :  íe  a  capacidade  das  ca- 
vernas náo  puder  conter  a  matéria  ,  que  fe 
dilatou  5  deve  tremer  ,  em  quanro  náo  def- 
afíbga  por  a'guma  parte  ,  ou  fe  apaga  a 
matéria.  Segun  'a  :  huma  vez  acccza  a  ma- 
téria numa  caverna  ,  pcg^irá  lo^o  pelas 
caverna<:  vizinhas  ,  onde  quer  que  achar 
matcria  caprz  de  fe  inflammiar  ,  ou  diL-tar; 
c  para  iíTo   baíta  qualquer  fenda   ou  racha  i 

e 
(  1  )     Tom.  III.  Tarde  XI.  §.  VI. 


Tarde  trigefnna  quinta,     433 

c  temos  já  que  fe  d:ve  communicar  o  ter- 
remoto a  muiLâs  léguas  ,  em  hum  mclmo 
tempo  fcnllvel  i  como  fuccedc  na  inflam- 
maçáo  da  pólvora,  que  por  bem  ténues  raf- 
tilhos  arde  ao  meímo  tempo  lenfivel  em 
lugares  mui  diftantcs.  Terceira  :  legue-fc 
que  náo  íò  ha  de  tremer  o  lug  r  íuperior 
is  cavernas  que  ardem  ,  mas  loJos  Cj  cir- 
cum vizinhos  em  redondo.  Nós  vimos  cm 
Lisboa  poucos  annos  ha  ,  quando  pegou  o 
fogo  na  ribeira  em  hum  ou  dous  b,^.rris  de 
pólvora  que  eítaváo  enterr.ídos  ,  que  fize- 
ráo  imprclsío  ainda  em  lugares  bem  remo- 
tos 5  arrombando  as  portas  ,  c  abrindo  as 
janellas  que  nunca  fe  tinháo  aberto.  Hum 
homem  ,  que  dormia  fobre  huma  das  bancas 
da  ribeira  ,  aílim  meímo  foi  p^rar  ao  meio 
do  Tejo  i  e  perto  da  Sé  ,  me  contarão , 
que  fe  cravarão  na  parede  huns  ferros  ati- 
rados pela  vehemencia  da  pólvora.  Se  ii\o 
fez  hum  barril  de  polvor.i  ,  ievemenre  en- 
terrado no  cháo  ,  que  taráo  cavidades  gran- 
diílimas  cheias  deftas  matérias  ,  quando  por 
defgraça  ie  lhe  atea  fogo  lá  dentro  ?  \'e- 
mos  que  huma  pancad.í  forte  dada  no  grof- 
fo  de  huma  parede  a  faz  iremer  toda  •■,  c 
quanto  mais  firmes  e  dyros  séo  o^  cO'pos, 
mais  fe  communica  porelles  o  trcm^or  até 
diílanciasconíideraveis  :  e  com.o  lenáo  ccm- 
jnunicará  o  tremer  por  efta  grande  cilada 
da  Terra  ,  quero  dizcr  ,  os  rocnedo?  ,  que 
travados  entre  fi  ,  íazem  como  o  fiquele- 
to  do  mundo  material  ?  Eu  periuado-mc 
Tom.  VL  Ec  que 


434        Recreação  Filofofica 

que  quando  o  tremor  he  de  balanço  ,  c 
com  hum  compaiío  igual  ,  o  devemos  at- 
iribuir  ,  náo  lanto  á  inflam.maçáo  que  fique 
interior  a  nós  ,  como  á  inflammaçáo  que 
houve  n  ourro  lugar  diítante  ,  que  tremeo 
com  maior  violência ,  e  communicou  o  tre- 
mor até  o  fitio  em  que  eftamos.  Pelo  con- 
trario 3  quando  o  tremor  he  de  baixo  para 
fima,  è  com.o  aos  HUtos ,  devemos  crer  que 
de  baixo  de  nós  ha  a  infiammaçào  que  o 
caula.  A  razáo  difto  he  ,  porque  ateando- 
íc  fogo  nalguma  caverna  ,  ha  de  fucceder 
O  melmo  que  numa  peça  de  artilheria  ,  em 
que  o  fogo  (  como  já  vos  expliquei  )  taz 
força  para  fe  dilatar  para  toàas  as  partes  \ 
por  iíTo  a  parte  fupcrior  da  caverna  ha  de 
fubir  para  fima  por  caufa  do  impulfo  ,  e 
por  força  do  pczo  tornar  a  defcer  para  bai- 
xo ;  e  como  continua  a  iniiammaçáo  ,  tor- 
na a  íer  im.pellida  para  fima  ,  e  aíhm  vai 
ircmen.^o  em  quanto  dura  a  infíammaçáo  , 
a  qual  á  proporção  que  abranda  ou  crefce 
mais  ,  atira  com  o  tccfo  delia  caverna  com 
mais  ou  menos  força.  Ao  mefmo  tem.po  as 
paredes  da  caverna  feráo  impcUidas  para  os 
lados  i  e  como  náo  fe  podem  mover  fem 
impeli  ir  iodo  o  terreno  ,  que  em  redondo 
as  fuftcnta  da  parte  de  fora  ,  todo  eííe  ter- 
reno tremerá  ;  mas  ha  de  fer  movendo*fc 
para  as  ilhargas  ,  porque  nelTa  direcção  hc 
que  recebem  o  primeiro  impulfo. 
Eu^.  Eu  acho  que  elTe  tremor  para  as  ilhar- 
gas náo  he  táo  perigofo. 


Tarde  trigefima  quinta.     435* 

Theod.  E  dilcorreis  bem  j  íò  tem  o  perigo 
da  ruina  das  paredes  i  porém  he  moralmen- 
te impofíivel  a  íubversdO  ,  pois  he  fi^nal 
que  a  inflammaçáj  Ir.c  fica  á  ilharga. 

Silv.  Só  tenho  contra  iiTo  que  no  célebre 
Terremoto  de  55  o  tremor  foi  de  todos 
os  modos  j  e  temos  icftemunhas  authenticas 
de  que  humas  vezes  o  balanço  era  de  Nor- 
te a  Sul  :  e  eu  vi  hum  fogacho  da  Torre 
das  Neceílidades  ,  que  ficou  inclin:do  nelTa 
direcção.  '  Mas  também  era  de  Nakente  a 
Poente,  c  hum  meu  amigo,  que  ficou  pen- 
dente n"uma  ahillima  parede  ,   já   de  todos 

•  os  lados  deJamparada  ,  via  que  com  elle 
violentiliimamente  fe  movia  para  os  lados  j 
e  obfervei  a  parede  que  quafi  vai  de  Norte 
a  Sul. 

Thcod.  Neílê  terrem.oto  ,  que  cm»  Lisboa  foi 
violentifiimo  ,  creio  eu  que  a  inflammaçáo 
náo  foi  em  huma  caverna  fomente ,  mas  que 
o  fogo  fe  ateou  ,  e  communicou  de  hurrias 
a  outras  no  mefmo  tempo  íenfivcl  •  por 
iíTo  havia  de  haver  tremor  debaixo  para  fi- 
ma  ,  e  de  balanço  :  quando  folTe  o  balan- 
ço nafcido  de  caverna  que  ficaíTe  ao  Norte 
ou  Sul  5  havia  de  ler  o  balanço  neíTa  direc- 
ção j  e  quando  foíTc  procedido  de  caverna 
que  ficaffe  ou  a  Nafcente  ou  a  Poente,  ha* 
via  de  ter  direcção  contraria. 

£ug.     Em   Mafra    vi   eu    num   jardim    varias 
Eftaiuas   de  mármore   ,    que   fobre   ^s   pró- 
prias bafes   fe  tinháo  virado  para  os  lados  j 
c  no   frontefpicio    da  Ij;reja  de  Matofinhos 
Ec  ii  vi 


43<^       Recreação  Yílofofica 

vi  que  o  braço  da  Cruz  fendo  de  pedra  fc 
linha  vokado  no  Terremoto  do  ultimo  de 
.Março  de  6\  ,  de  force,  que  náo  ficava  co- 
mo ames  á  face  da  Igreja.  Tenho  medicado 
nifto  ,  e  náo  fel  como  podia  fcr  o  balanço 
para  fe  fazer  efte  movimento. 

Thcod.  Quanro  a  mim  náo  podia  haver  cíTe 
movimento  fem  haver  juntamente  inflamma- 
çáo  em  duas  par:es  ,'  huma  que  ficalTe  a3 
Norte  v.  g.  outra  ao  Poente  j  com  o  balan- 
ço da  primeira  a  Eftaiua  levantava  parte  da 
bafe  que  olhava  para  o  Norte  ,  c  tomava 
eíTe  balanço;  entretanto  vinha  o  impulfo  da 
parre  do  Poente  :  e  como  alguma  parte  di 
bafe  havia  de  andar  no  ar ,  tomava  fe£,undo 
balanço  para  o  Nafcente,  Mas  como  a  Ef- 
latua  balanceand:>  nunca  pojia  ter  levantada 
no  ar  rola  a  bafe,  pois  fempre  fe  havia  de 
firmar  n'alguma  efquina  delia,  por  ilTo  o  ba- 
lanço para  Nafcente  fó  fe  podia  communicar 
a  huma  parte  da  bafe,  e  náo  a  toda:  bem 
vedes  agora  que,  movenJo-íe  para  X.ifcen- 
te  fó  parte  da  bafe  das  Eíb.ruas  ,  íicaváo 
voltadas  psra  eíTa  parte  ou  mais  ou  menos, 
conforme  dur.-^fíem  mais  tempo  os  dous  ba- 
lanços   diverfos.     Dcfte    mefmo    modo    as 

.  aiampadas  dos  Templos  podem  tomar  hum 
balanço  em  linha  circular ,  como  muitas  ve- 
zes acontece. 

Silv.  t^iTe  he  hum  indicio  bem  manifcfto  Ja 
direcção  que  tinha  o  balanço  ;  porque  con- 
tinur.o  a  mover-fe  muito  tempo  ,  ainda  de- 
pois de  acabar  o  ircmor. 


Tarde  trigefimâ  quinta,     437 

T.ng,  E  de  que  proceJe  aquellc  horrorofo 
bramido  lubierraneo  ,  que  icníirros  ou  ames 
immcdiatanicnre  ,  ou  no  me  imo  temi-o  do 
tremor? 

TlKod.  Em  toda  ainflammaçáo  deve  de  haver 
calor  grande  ,  e  grande  dilatação  das  rrate- 
rids  5  que  forem  Ccíp.zes  cillc.  O  ar  já  ía- 
beis  que  admitrc  ^r^ndiílima  rarelacçáo  ;  a 
agua  também  ie  dilata  incrivelmente  ,  quan- 
do íe  refolve  cm  vapor  \  e  fendo  grande  a 
força,  com  que  íe  dilata  o  ar,  muito  maior 
he  o  impeo  com  que  pertende  dilatar- íe  o 
vapor  quente.  Erqueceo-me  ,  quando  tratei 
da  Agua  ,  o  irarar  da  enorme  lorça  do  va- 
por:  mas  agora,  que  he  precilb,  vo  la  di- 
rei de  patlagem.  Huma  pmga  de  agua ,  re- 
folvendo-fc  cm  vapor  ,  occupa  hum  efpaço 
pelo  menos  14  mil  vezes  maior  que  occu- 
pava  (  I  )  ames. 

Súv.  Impacientome  quanJooiíço  humas  cer- 
tas medidas,  que  fe  nío  podem  examinar. 

Theid.  Eu  vos  digo  ct.ir.o  as  tomo  :  não  fi- 
queis com  cíTe  eícrupulo.  Sabendo  cu  gco- 
mctricamenre  ,  ou  pr:.ticamicnte  quant^i  agua 
me  cabe  numa  boteiha  de  vidro  delga»Ja, 
lhe  lanço  dentro  humas  poucas  gotas  ,  po- 
nho-a  fobre  o  lume  até  leccar  a  agua  ;  co- 
mo a  giirrafa  he  deftas  de  vinho  de  Floren- 
ça 3  foíFre  o  fogo  ,  c  ao  ponto  ce  (c  feccar 
a  agua  ,  volro  a  de  repen  e  ,  e  mergulho  a 
boca  da  boteiha  em  agua  :  ibbc  logo  com 
ímpeto  a  encher  a  botelha  ,   cuja  boca  cftá 

a 
(1)     Gra' efand.  num.  2127. 


4^8         Recreação  Filofofica 

?  prumo  para  baixo  :  tapo-a  então  com  o 
dedo  ;  e  as  vezes  lá  fica  huma  pequena  bo- 
lha de  ar  ,  on:ras  vezes  nâo.  O  Ímpeto , 
com  que  fòbe  a  agua  he  tal  ,  que  já  me 
aconreceo  quebrar  a  garrafa.  Vamos  á  ex- 
plicação :  a  pin^a  de  agua  reíolvcndo-re 
em  vapor  occi:pou  toda  a  garrcfa  ;  e  fe  a 
náo  occupou  toda  ,  íó  o  ar  poderia  occupar 
o  reílo  ;  como  porém  eu  voltei  a  bocca  da 
garrota  dentro  da  agua,  a  porção  de  ar  que 
dentro  delia  houvcíTe  havia  de  vir  para  fi- 
ma  ,  procurando  o  fundo  da  garrafa  emáo 
voltado  para  íima  ;  defte  m.odo  ficamos 
bem  certos  que  fó  a  bolha  de  ar  ,  que  ahi 
?.pparece  ,  he  a  quantidade  de  ar  que  havia 
dentro  da  garrafa  quando  cu  a  voltei :  todo 
o  mais  efpaço  occupou  o  vapor  da  agua  , 
o  qual  esfriando  perde  a  elafticidade  ,  e  dei- 
xa entrar  a  agua  ,  e  unindo-fe  com  ella  ,  fi- 
ca em  forma  de  agua  outra  vez.  Wedimos 
agora  o  efpaço  que  occupaváo  efTas  poucas 
goras ,  e  o  eipaço  que  occupava  o  vapor  da 
agua  ,  c  achamos  que  he  14  mil  vezes 
maior. 

Silv.  Eftou  fatisfeito  :  continuai  o  que  di- 
zíeis. 

Thccd.  Accrefcememos  agora  ,  que  o  impero 
que  frz  o  vspor  quente  para  le  dilftpr, 
he  muito  maior  que  o  da  pólvora.  Muf- 
ckembrock  (  i  )  traz  experiências  fobre  ef- 
te  ponto  dccifivas.   Eu  já  fiz   hum   foguete 

car- 

(  ?  )     Comrrenrar.    r<^bre    as  experiências    d^ 
Academia  dei  Ciiucnte  Fart.  li.  pag.  íi. 


Tarde  trigejlma  quinta,     439 

carregado  com  a2;ua  ,  que  pofto  numa  ro- 
da como  as  de  fogo ,  a  tazia  girar  com  in- 
crível rapidez:  e  toda  a  força  naicia  co  va- 
por da  agua. 
Biíg.     Di7ei-me  como  he  clTe  foguete. 
Thecd.     Tomai   hum  canudo   de  metal  forte, 
e  bem   foldado   por  toda   a  parte  ,   que    fò 
tenha  num  dos  topos  hum  buraquinho,  que 
lhe  caiba  hum  grão  de  trigo  ,   ponde   a  ro- 
da horizontal,  e  ligeira  no  eixo,   atai-ihe  o 
canudo  na  circumterencia   em  poftura   hori- 
zontal ,   lançai-lhe  dentro  a  quarta  parte    de 
agua  ,   tapai-lhe    o  buraco    com  huma   ro- 
lha  de  pão   n?o  muito   apertada  ,   e  ponde 
debaixo   CO  foguete  huma  vela  acceza    para 
fazer    ferver    a    agua   dentro  ,    e    retitai-vos 
hum    pouco.    PaíTado    tempo  ,  o    vapor   da 
agua  atirará  fora  com  a  rolha,   e  á  maneira 
dos  foguetes    de  pólvora  ,   fará  girar  a  roda 
com  grande  força  para  a  parte  concraria ,  fa- 
zendo bulha  o  vapor  que  vai  fahindo  do  fo- 
guete.  Alguns  póem  o  foguete  n  uma  car- 
reta  de  metal  mui  ligeira  ,   e  ao  botar   íó- 
ra  a   rolha  ,    corre    com    grande   violência. 
Eu  já  não  ufo  defte  modo  de  experiência  ; 
porque  era  tal  o  ímpeto  ,  com  que  me  cor- 
ria  a  carreta  ,   que  marrava  pelas  paredes , 
e  tudo   fe  amaflava  com  rifco  de   fe   fazer 
em  pedaços.   Advirto   que  o   fogueie  póce 
ter  o  feitio   que  quizerem  ;   eu  tenho  hum 
de  cobre  do  feitio   de  huma  pêra  :   advrrto 
também  que  ,  fe  paliado  muito  tempo  ,   a 
rolha  nâo  fahir  ,  cntáo  a  podeis  tirar  ,   n^o 

fc- 


44^        Recreação  Filofofica 

fegurando  nunca  no  foguete  ,  que  partirá 
nclle  momento  coíBO  huma  feita  ;  uirima- 
mcnte  que  devei»  atar  bem  o  to£;uete  á 
roda.  Perdoe-fe  a  digrefsáo  i  mas  era  pre- 
cifa, 

Sih.  Sendo  precifa  5  náo  fe  deve  chamar  di- 
grefsâo. 

Ilxod,  Eis-aqui  pois  huma  das  caufas  do  fu- 
fuiro  lub.eff.neo  5  que  ha  nos  Terremotos  j 
e  talvez  que  Icja  também  efta  a  cauía  do 
tremor.  Nós  nus  cavernas  da  Terra  temos 
agua  ,  temos  fermentação  dos  mineraes  ca- 
paz de  a  refolvcr  em  vapor  j  e  efíe  va|  or 
quente  hz  huma  horrenda  força  adilatar-le, 
e  por  todas  quantas  fendas  tiverem  cíTas 
cavernas,  fahirá  o  ar ,  c  vapor  quente  com 
grandlílima  bulha  ,  aflim  como  iahe  com 
grande  bulha  do  foguete  que  dilíe.  O  ven- 
to entrando  pelas  gretas  de  huma  porra , 
tem  vedes  a  bulha  que  faz:  confiderai  ago- 
ra nas  cavernas  da  terra  o  ar  ,  e  o  vapor, 
por  caufa  das  próximas  inflamm^çóes  for- 
cejando a  dilatar-fe  ,  e  vede  que  bulha  nAo 
far£o  ao  fahir  pelas  gretas  das  rochas.  No 
Terremoto  de  Roma  de  yc^  conta  B^gli- 
vio  (  I  )  que  24  horas  antes  fe  feccáráo  al- 
gum.as  lontes  ,  e  que  em  lugar  de  agua 
íahia  o  ar  aíTubiando.  Ifío  mcfmo  ,  íendo 
debaixo  da  Terra  ,  he  o  fufurro  que  nós 
fcntimos.  E  náo  duvido  que  ,  a  náo  ter  o 
vapor  fahida  prompta  ,  feja  capacillimo  de 
fuzcr  tremer  todo  o  terreno  ,  até  fe  deiaífo- 

gar 

(O     P^S-  Í5  2. 


Tarde  trigefima  quinta.      441 

gar  por  alguma  parte  ;  pois  ,  como  dilTe, 
lem  muito  maior  íorça  que  a  mefma  pól- 
vora. 

^ng.  E  como  explicais  vós  o  feccarem  al- 
gumas fontes  5  ou  o  re-bentarem  outras  de 
novo  \ 

Theod.  Com  o  violento  tremor  da  Terra , 
allim  como  racháo  as  paredes  c  rochedos , 
também  podem  rach?.r  os  aqueJudos  íub- 
terrari^ros  e  naturaes ,  por  onde  pafla  a  agua 
antes  de  íahir  á  face  da  terra  para  formar 
as  fontes.  ]á  vos  diíTe  que  a  agua  ,  que 
aqui  fahe  numa  fonte  ,  pôde  ter  corrido 
muitas  léguas  por  baixo  da  Terra  ,  até  cá 
apparecer.  Supponhamos  agora  que  racharão 
eftes  aqueduótos  naturaes,  e  eis-ahi  a  fonte 
perdida  ,  eftravafando-re  a  agua  antes  de 
chegí.r  cá  fora.  Mas  fe  aqui  faltar  a  agua , 
lá  ha  de  ir  íahir  noutra  parte ;  e  ahi  tendes 
huma  fonte  nafcida  de  novo.  Poderá  tam- 
bém acontecer  que  a  fenda  ,  que  abrio  o 
aquedudo  ,  dè  paffagem  para  algum  váo  , 
que  náo  tenha  outra  lahida  ;  e  fendo  aílim  , 
tnnto  que  eííe  váo  fe  encher  de  agua  ,  tor- 
nará a  correr  pelo  antigo  aqucduóio ,  e  dei- 
te modo  faltando  a  fonte  alguns  dias  ,  tor- 
nará a  apparecer  ;  e  difto  podiamos  allegar 
exemplos  baffantes  no  Terremoto  de  55". 
Do  mefmo  modo  fc  pôde  explicar  correr  a 
agua  turva;  porque  náo  he  de  admirar  que, 
perturbados  os  aqueduófos  naturaes  ,  fe  cn- 
cheíTem  de  terra  ,  ou  enxofre  ,  ou  outra 
qualquer  matéria. 

Silv. 


l 


442'        Recreação  Ftlofqfica 

Silv.  O  que  cu  dcfejára  faber  ,  era  o  modo 
com  q'je  o  Terremoto  perturbou  o  mar 
muito  tempo  depois  de  ter  paliado  o  tre- 
mor. Nós  vimos  em  Lisboa  naqucile  terti- 
veL  ,  e  fempre  memorável  dia  de  Todos  os 
Santos  ,  que  a  três  tremores  mui  grandes 
que  houve  íe  feguíráo  três  inundações  do 
mar.  Vimos  que  no  Terremoto  do  ultimo 
de  Março  de  6i  também  íe  Icguio  íua  alte- 
ração do  mar.  Dizei-me  o  volíb  p^famen- 
to  lobre  ctti  matéria. 

Theod.  Dil-lo-hei  ,  ficando  nos  limites  de  pu- 
ra conjcdura.  H.ivcndo  grande  inflammaçáo 
nas  cavernas  fubterraneas  ,  ou  grande  ter- 
mentaçáo  dos  mineracs ,  ainda  que  náo  che- 
guem a  inflammar-fe  ,  ja  fe  vè  que  ha  de  ha- 
ver huma  grande  dilatação  de  matéria,  feja 
o  ar  5  feja  o  vapor ,  feja  o  fogo ,  fcja  o  que 
for  ;  c  aquella  mefma  torça ,  que  faZ  faltar 
a  terra  ,  e  tão  enormes  eftragos  como  ve- 
mos ,  naturalmente  ha  de  levantar  todo  o 
terreno  ,  que  Icrve  como  de  tamjpa  a  efTas 
cavernas  :  efte  movimento ,  com  que  todo 
o  terreno  fuperior  fc  levanta  para  fima , 
náo  pôde  fcr  percebido  de  nós  ;  aliim  co- 
mo o  náo  he  dos  que  eftáo  n'um  navio  o 
movimento  com  que  clle  fóbe  ,  e  deice  ef- 
t?.ndo  o  m.ar  cavado.  Em  quanto  durar  a  in- 
flammaçáo ,  c  dilatação  da  matéria  acceza, 
eftá  a  terra  como  inchada  ,  intumcfcida  ,  e 
foufa  i  mas  fcrcnando  a  inflammaçáo  ,  vai 
outra  vez  aíTcntando  no  íeu  antigo  lugar. 
Ifto  j   quanto  a  mim ,   nada  tem  de  invero- 

fi- 


Tarde  trige finta  quinta.     4r4f7, 

ílmíf.  Ifto  fuppofto ,   neceíTariameníe  ha  de 
haver  o  balanço  nas  aguas  do  mar.    íie   o 
terreno  no  tempo  do  tremor  íe  levantar  20 
palmos ,  o  mar  fugira  tanto ,  quanto  he  pré- 
dio para  dcfcer  vinte  palmos  ;   e  onde  tor 
mui   eípraiado  ,    eíta   altura    imporca   muito 
grande  Jiftancia  :   além  dilTo ,   as  aguas  em 
concebendo   hum  movimenro  ,    váo   m.uíro 
além  áo  que  devem  ir  por  conta   do  equi- 
líbrio 5   e  ainda  fugiráó  muito  mais  do  que 
era   precifo  fjgir  ,   para   fe   confer varem   a 
nivel  j    porém  defccndo   o   terreno   para   o 
Teu   ailenco  ,   tornarão   as  aguas   a  bufcar  o 
íeu  antigo  lugar  ;  e  com  legundo    balanço 
não  lò  occuparaó   o  lugar  antigo  ,   mas  (  á 
maneira  de  pêndulo  que  cahe  ,   e  por  caufa 
do  impulfo  fóbe   a  outra    tanta   altura)  de- 
vem fubir  outro  tanto ,  quanto  defcèráo  ,  e 
entrar  pela  terra  dentro  tanto  ,    quanto   re- 
cuarão  e  fugirão   das  praias  ;   e   pela   mef- 
ma   caufa   dos  pêndulos  ,   devem   continuar 
ncíhs   inundações   e  balanços  ,   fendo   cada 
vez   menores  ,    até  fe  aquietarem.    Temos 
huma  comparação  bem  ordinária :   fe  eftan- 
do  hum  alguidar  com  agua,  o  levantarmos 
alguns  dedos  por  hum  lado,   a  agua  ganha- 
ra balanço,  e  fugirá  da  borda  que  fe  levan» 
tou  ;   mas  em  fe  aíTentando  o  alguidar  ,   no 
iegundo  balanço  a  agua  não  fó  chegará    ao 
lugar  amigo  ,  mas  palTará  muito  avante  ,   c 
trasborjara   por  fora.    AHím  confidero  cu   o 
Tvlar ,  como  hum  tanque  immenfo  de  agua; 
que  mui:o  hc   logo  que  ,   levantando-fe   o 

ter- 


444         Recreação  Filofojica 

terreno  fobre  as  cavernas  que  ardem  ,  c  tor- 
nan  Jo  no  feu  alTenio  ,  as  aguas  ganhem  ba- 
lanço ,  ora  fugindo ,  ora  inundv^ndo  ,  aié  fc 
acconimodarem  ? 

Silv.  E  que  me  dizeis  ao  intervallo  entre  o 
tremor,  e  a  inundação? 

Thecd.  Tanto  maior  ha  de  fer  o  intervallo , 
quanto  maior  for  a  inundação ,  porque  o  in- 
tervallo hc  o  tempo  prccifo  para  as  aguas 
irem  e  virem  :  quando  o  tremor  foi  miui 
grande  ,  e  fe  levaniou  o  teireno  a  grande 
altura  ,  as  aguas  dcviáo  recuar  muito,  e  to- 
mar hum  movimento  mui  forte  para  a  par- 
te contraria  ;  e  em.  quanto  cíl-e  movimento 
fe  não  exiingue,  não  principia  o  balanço  pa- 
ra cá  ;  e  neíte  devem  gaitar  as  aguas  outro 
tanto  tempo. 

Silv.  E  que  direcção  devem  tomar  as  aguas 
no  balanço  í 

Tkeod,  Devem  ir  da  parte  que  mais  fubir  pa- 
ra a  que  fubir  m.cnos  ;  c  ncíh  mefma  di- 
recção ,  mas  encontrada  ,  deve  vir  a  inun- 
dação ;  porém  quanco  a  agua  enrra  por  al- 
gum porto  ,  deve  tomar  a  direcçco  que  o 
porto  lhe  der.  Por  iíTo  no  Terrcmoro  de  55: 
fe  vio  vir  lá  fora  da  barra  huma  Montanha 
de  agua  ,  que  podia  aíTuft.ir  ao  animo  mais 
conltante  ,  e  n  um  momento  ?s  pr-.ias  fe 
virão  todas  alagadas  ;  porque  fubio  o  noíTo 
trrreno  m;íis  que  o  fronteiro  da  p^.rtc  do 
Poen'c  :  mas  cá  dentro  do  rio  tomou  a 
inunJaçáo  da  agua  a  direcção  que  lhe  de- 
ráo  as  praias  ,  c  enfcadas.  Mas  obíervou-fc 

que 


Tarde  trigeftnia  quinta,     445' 

^ue  em  rodas  o  mar  fugio  ,  e  em  todas  crefceo ; 
c  que  onde  era  mais  efpraiado  ,  foi  maior  a 
retirada,  c  mais  avante  chegou  a  inundação 
das  aguas  (  i  ).  lílo  hc  o  que  entendo  nef- 
la  matéria.  Qticm  fe  náo  agradar  deite  dif- 
curfo ,  náo  o  abrace,  que  me  náo  faz  injú- 
ria: cada  qual  í]'^a  o  que  melhor  lhe  parecer. 

Eug.  A  mim  p.ire:e-me  mui  natural  ;  porém 
S  Ivio  ha  de  dizer  que  iflo  he  paixão.  Di- 
zei-me :  Fl  poderemos  ter  alguns  indicies  an- 
tes dos  Terremotos  ,  ou  no  ar ,  ou  nas  nu- 
vens,  pelos  qn^.es  no3  acautelemos; 

Theod.  Nenhum  acho  ,  que  m.ercça  iéria  at- 
tençáo  ;  e  o  que  me  defenganoa  de  tolo  a 
perder  o  credito  de  alguns  Authores  ,  que 
03  dáo  ,  foi  conheõr  por  experiência  que 
temos  tido  terremotos  com  toda  a  cafta  de 
tempos.  O  Terrem.oro  do  ultim.o  de  Março 
de  61  foi  geral  em  tojo  Portugal  j  e  numas 
partes  eftava  o  tempo  fereno  ,  noutras  hou- 
ve vento  grande  ,  noutras  chuva  ,  noutras 
trovoada.  Peio  que  aííento ,  que  náo  mere- 
cem 

(^  1  )  Coníirma  iflo  o  que  me  diíTe  em  Baio- 
na de  França  Mr.  Colontf  Capitã.-)  de  Navios, 
que  eftando  na  7\1ci  tinica  ,  ou  alguma  das  .f/i- 
ttlÍJt  ,  obfervára  neíFe  dia  que  a  a^íua  fubíra  em 
todas  as  ilhas  fó  nas  faces  que  olhavão  para  a 
Europa  ,  e  por  modo  nenlium  na  face  occiden- 
tal  :  ainda  quê  a  face  occidental  de  humas  fi- 
catre  mais  perro  que  a  oriental  de  outras  :  e  a 
razão  era  o  balanço  da  asua  ,  que  hia  da  Euro- 
pa .  e  fó  achava  reíjllencia  na  face  das  ilhas 
que  olhavão  para  a  Europa. 


44<^         Recreação  Filufofica 

cem  atcençáo  nenhuma  as  efcrupulofas  ob- 
íervaçõcs  de  muitos.  Mas  ceixeir.os  já  efta 
matéria  ,  que  para  nós  hc  meiancoiica.  Su- 
bamos hum  pouco  para  fima. 

§.  IV. 

Dos  Fapcrcs ,  c  Nuvens, 

Silv.         í~^  Aonde  quereis  ir  dar  comnofco? 

Theod,  X2í  Vifitar  a  região  dasNíuvens,  fem 
perigo  de  fermos  precipitados.  Toco  cfte 
globo  da  Terra  (que  he  huma  coliccçáo  de 
lólidos  c  fluidos  de  innumcraveis  efpecies  ) 
elLi  conrinuamente  exhaldndo  de  fi  vapores; 
não  fó  por  cauia  da  fcrmeníaçào  ,  que  huns 
fc:zem  com  outros  ,  mas  também  por  caufa 
do  Sol,  por  caula  da  corrupção  ,  Scc.  Don- 
de íe  pôde  inferir  que  os  vapores  ,  que  fo- 
bcm  da  Terra  e  Te  difFundem  pelo  ar  ,  são 
de  diverfiíhmas  efpecies  ,  porém  todos  el- 
les  íobem  para  fima  ;  c  ilto  náo  pôde  fer 
íenáo  por  ferem  mais  leves  que  o  ar. 
Quando  tratei  do  pezo  dos  liquidos  ,  e  do 
ar  ,  vos  difTe  o  que  baila  para  faberdes  co- 
mo fobem  os  vapores  ,  fendo  em  íi  peza- 
dos.  Alguns  lembraváo  fe  que  podiáo  fubir 
attrahidos  pelo  Sol  j  porém  náo  adveníráo 
que  ao  Sol  pofto  ,  eftanóo  o  Sol  no  Hori- 
zonte 5  os  vapores  fobem  a  prumo  para  íi- 
ma  5  devendo  ir  então  para  a  ilhargi  ,  fe 
a  attracçáo  do  Sol  íoíle  a  cauia  delles  fu' 
bircm. 

Silv, 


Tarde  trlgefima  quinta,     447 

SWv,  Suppofto  o  que  diíTeftes  ,  não  fe  pôde 
duvidar  que  fubáo  por  ferem  mais  leves 
que  o  ar  ;  e  creio  que  por  iíTo  vão  lubin- 
tío  aré  certa  altura  ,  parando  huns  mais 
abaixo  ,  e  outros  mais  allima  ,  porque  háo 
de  íubir  até  fe  equilibrarem  com  o  ar  ;  e 
como  o  ar  quanto  mais  para  íim.a  ,  mais 
leve  he  ;  tambcm  os  vapores  ,  que  forem 
mais  leves  ,  háo  de  fubir  mais  alíima  ,  e 
os  mais  rezados  ficaráó  miais  em  baixo. 

^hecd.  A  diííiculdade  5  amigo  Silvio,  eftá  em 
explicar  como  fendo  os  vapores  partes  de 
agua  c  matérias  pezadas  ,  íe  podem  tazer 
mais  leves  que  o  ar.  Direi  em  poucas  pa- 
lavras o  que  tenho  lido  ,  que  mais  verifi- 
milhança  renha.  Dizem  que  os  vapores  da 
agua  sáo  humas  bolhas  minimas  ,  ocas  por 
deni.ro ,  como  as  bolhas  da  efpuma  :  aííim 
o  nioftra  a  experiência  ;  le  mettermos  hum 
raio  do  Sol  numa  caía  efcura  ,  e  pondo 
debaixo  hum  valo  de  agua  quente  ,  obfer- 
varmos  com  o  Microfcopio  o  vapor  que  atra- 
veíTa  o  raio  do  Sol  ,  porque  claramente  fc 
vem  as  bolhas  de  agua  ir  voando  pelo  at 
(1).  Além  diíTo,  fe  tilas  partículas  da  agua 
náo  tiverem  eíla  figura  ,  he  impolTivel  que 
pofsí.o  ficar  mais  leves  que  o  ar ,  e  do  mef- 
mo  modo  que  as  bolhas  de  fabão  sáo  partí- 
culas de  agua  ,  que  leváo  comfigo  partículas 
de  outras  matérias ,  que  lhes  dão  a  vifcofida- 
de  que  ellas  tem ;  aflim  devemos  julgar  das 

par- 
(  T  )     Derhani  Dem.  da  ElTenc.  c  attributos 
de  Deos  lib.  2.  cap.  4.  Anot.  3. 


44^        Recreação  Filofofica 

partículas  do  vapor:  e  já  temos  como  ,  ain- 
da das  matcrias  mais  pezadas  ,  j^o  "cm  mui- 
tas partículas  íer  levanta.:as  até  ás  nuvens. 

Eug.  E  clTas  bolhas  de  agua  ,  que  tórmáo  os 
vapores  ,  elUo  vafias  ,  ou  de  que  matéria 
ertío  chcrias  ? 

Thcod.  Efte  he  o  trabalho  :  dizer  que  eftáo 
vaíias  ,  não  pôde  íer  ;  porc)i:e  en:áo  a  tor- 
ça da  comprcrjáo  do  ar  externo  as  opprimi- 
ria  ,  e  desfaria  :  logo  cftáo  chcií^s.  Mas  de 
cjiie  matcria  ?  ar  náo  pôde  fer  ,  porque  en- 
tão náo  ficava  elTa  bolha  mais  leve  que  o 
ar  :  pois  huma  bolha  formada  de  í  gua  c 
ar  5  náo  pôde  fer  mais  leve  que  outra 
igual  16  de  ar  ;  e  nôs  vemos  que  as  partí- 
culas de  vapor   são  mais  leves  que  as  do  ar, 

Sih.     Será  o  ar  mais  rarefeito. 

Tkcod.  E  quem  o  prohibe  a  que  torne  á  fua 
condenlaçáo  natural ,  eltando  de  toda  a  par- 
te rodeado  de  ar,  que  pézaí 

Silv.     Eítaráo  cheias  de  matéria  fubtil. 

Jbcod.  Sc  he  a  que  admittem  todos  ,  e  que 
traípaíía  todos  os  corpos  ,  como  pôde  con- 
fervar  cheia  eíTa  bolha  ce  vapor  ,  e  rcfjí- 
tir  a  que  com  a  torça  ex'crior  do  ar  que 
a  comprime  fe  nlo  desfaça  ?  Nôs  vemos 
que  huma  bexiga  furada  náo  fuftenta  o  ac 
dentro  ,  fe  com  a  mão  a  opprimimos  :  lo- 
go caiído  todo?  os  corpos  paíTa^em  franca 
a  eíTa  m.iteria  fubtil  ,  con.o  podem  confer- 
var-fe  as  bolhcdS  ce  vapor  ,  náo  tendo  den- 
tro de  fi  outra  couía  ,  e  elfando  em  re- 
dondo opprimidas  do  pezo  do  ar  ? 

Silv. 


Tnrde  irtgejlma  quinta.     44;^ 

ãúv.  O  cafo  he  mais  diíticil  do  que  cu  cui- 
dava. 

Tbecd,  Pouco  ha  que  vos  diUe  (  i  )  ^  incrí- 
vel força  eiaftica  da  vapor  quente  ,  muito 
maior  que  a  do  ar  ,  e  que  a  da  pc'vcra. 
Daqui  fe  infere  que  ha  hum  fuido  fuíuma- 
viente  eíaftico ,  que  não  he  ar  ,  nem  a  maté- 
ria fubtil  dos  GafaidianGS  ,  a  qual  penet}\z 
todos  os  corpos.  Eira  conTequencia  he  inntga- 
vel ,  íuppoito  o  que  fica  dito :  e  como  eíla 
matéria  claíi:ica  náo  tem  ainda  nome  pró- 
prio ,  nós  a  nomeamos  com  o  nome  gerai 
de  Fluido  elafiico.  Muitas  experiências  ,  que 
traz  o  Gravefande  (  2  )  convencem  a  cxif- 
icncia  á^íÍQ  fluido  •  e  eís-aqai  a  matéria 
que  ,  quanto  a  mim  ,  pôde  encher  as  bolhas 
do  vapor ,  e  de  tal  íórma  dilatailas ,  que  fi- 
que eíTe  volume  mais  kve ,  que  i^ual  volu- 
me de  agua. 

Silv.  Muito  mais  leve  ha  de  íer  que  o  ar 
elíe  Fluido  elafiico  ;  porém  ilTo  náo  admira 
tanto  ,  como  a  lua  grande  elafticiJace. 

Thcod.  Quando  failarmos  dos  vento5  ,  vereis 
o  para  que  Deos  lhes  deo  elTa  virtude.  Pal- 
iemos agora  das  Nuvens  ;  pcrém  já  vedes 
que  as  nuvens  náo  s?.o  outra  coufa  mais 
que  os  vapores.  O  mcfmo  vapor  ,  em 
quanto  he  táo  grolTo  que  apenas  fe  pôde 
levantar  da  Terra ,  chama-fe  névoa  ,  e  nos 
náo  deixa  ver  os  objeélos  que  cílio  mui 
pouco  diftames  ;  chega  porém  o  Sol  ,  e 
Tom.VL  Ff  vâi-o 

(i  )     Pag.    4^8. 
(2)     Elcm.  Aut.  num,  2iíS. 


4)" o        Recreação  Filofcfica 

vai-o  fazendo  mais  leve  ,  porque  rarefaz 
as  particula"?  de  vapor  ,  e  íóbe  mais  ;  fe  o 
vento  o  diílipa  ,  fica  invifivel  j  mas  fe  fe 
vai  ajuntando  ,  he  huma  nuvem  ,  que  nos 
tira  a  vifta  do  Sol. 

Eug.  Já  eu  fazendo  jornada  por  montes  mui 
altos  5  ás  vezes  via  cá  debaixo  que  as  nu- 
vens embaraçava©  os  cumes  dos  montes ; 
mas  caminhando  para  íima  me  achava  com 
huma  névoa  ,  femelhante  a  eíta  que  acha- 
mos ás  vezes  pela  manha  nos  vallcs. 

Théod.  Nós  dentro  da  nuvem  ou  névoa  ain- 
da vemos  alguns  objedos  mui  próximos ; 
mas  fora  delia  ,  náo  podemos  ver  os  obje- 
ólos  que  nos  ficáo  da  outra  parte  ;  por  ilío 
levanr:idas  no  ar  nos  parecem  mais  efpe- 
ças  .  do  que  a  névoa  ,  fendo  na  realidade 
mais  raras.  No  que  toca  ás  fuás  cores  ,  ha- 
veis de  faber  que  nafcem  da  diverfa  pofiçáo 
cm  que  recebem  ,  e  reflcclcm  os  raios  do 
Sol ;  c  também  procedem  das  particulas  que 
leváo  comfigo  os  vapores  ;  que  por  ilTo  hu- 
mas  nuvens  dáo  de  fi  chuvas  ,  outras  ven- 
tos ,  outras  trovoadas :  expliquemos  cada  hu- 
ma dcftas  coufas  leparada mente. 


§.  V.' 


Tarde  trigefnna  quinta.     451 

§.  V. 

Da^  Chuvas  ,  Fctitos  ,  Relâmpagos^ 
Trovões  5   e  Raios. 

Éug,  T)  Ogo  vós  nr.o  vos  aprclTcis ;  porque 
í\  náo  ic  me  dá  que  fe  prolongue  ef- 
ta  ultima  conferencia  até  mui  tarde. 

Theod.  Náo  faltarei  ao  precilb.  A  chuva  n:'o 
he  outra  coula  ,  ienáo  as  partículas  do  va- 
por desfeitas  ,  e  juntas  humas  com  outras. 
\''cdcs  vós  como  a  efpurna  de  fabáo  óci' 
fazendo-fc  faz  hum  fluido  ,  ao  mefmo  tem- 
po  que  a  èfpuma  tinha  fua  coníiílencíá  ? 
pois  aílim  sáo  as  partículas  de  vapor  ;  em 
quanto  fe  confervào  na  forma  de  bolhas , 
tem  fua  tal  ou  qual  ccnfiílencia  ;  rras  fe 
fe  ajuntáo  hum.as  com  outras  e  dcsflizem , 
fórmáo  huma  pinga  de  agua  fíuida  ,  e  cahc 
para  baixo  ;  e  muitis  deíhs  pingas  cahindo 
a  hum  tempo  ,  he  que  tem  o  nome  ce  chu- 
va. Cada  huma  deftas  pingas  cahindo  pelo 
ar  ,  traz  comfigo  as  partículas  de  vapor  que 
encontra  ;  c  daqui  fcguem-fc  du?s  coufas 
bem  dignas  de  fe  auvertircm.  A  primcir,i 
he  ,  que  de  verão  ,  como  as  nuvens  andáo 
mais  altas  ,  quando  a  pinga  de  agua  vem 
cahindo  encontra  mais  partículas  de  vapor, 
e  chega  abaixo  mais  encorpada  ;  por  ifTo 
sáo  as  pingas  muito  maiores  regularmente 
fallando  ,  que  de  inverno.  A  fegunda  hc , 
Ff  ii  que , 


'45'^  Recreação  Filofofica 
qu?  ,  depois  de  chover  ,  fe  levanta  o  tem- 
po ,  fica  o  ar  muico  m.Jis  claro  ,  porque  fi- 
cou lavado  e  fem  tantos  vapores;  e  |.or  líTo 
os  dias  claros  de  inverno  são  muitj  mais 
alegres  q'Je  os  de  vcráo. 

Eu^.^  Eu  creio  que  os  vapores  fubindo  fe 
convertem  cm  chuva  ,  do  mcfrr.o  modo 
que  na  tampa  de  huma  tigela  ,  o  vapor  do 
caldo  que  vem  fubindo  ,  le  forma  em 
pequenas  gottas  ,  as  quacs  fe  vem  na  par- 
te interior  da  tampa  ,  quando  a  dcfcubri- 
mos. 

Theod.  Dizeis  bem  ;  e  he  e*Jc  exemplo  bem 
vulgar  ,  e  bem  claro.  Vamos  a^ora  a  ex- 
plicar a  chuva  de  pedra  e  de  neve.  Se  o 
frio  he  tão  forre  ,  que  quando  as  pingas  de 
agua  vem  cahindo  as  congela,  chove  pedra, 
que  náo  hc  outra  couía  fcnáo  agua  conge- 
lada ;  porém  íc  o  frio  congela  os  vapores 
antes  de  fe  formarem  em  gottas  grandes  de 
agua  5  temos  flocos  de  neve  ,  que  náo  he 
outra  coufa  íenáo  o  vapor  congelado.  Xem 
he  precifo  que  o  frio  feja  cá  junto  á  Ter- 
ra ,  baila  que  feja  naquella  altura  cm  que 
cftá  o  vapor  ,  ou  em  que  vem  as  pingas 
de  agua  ,  que  fe  hão  de  congelar.  Aqui 
pouco  mais  ha  que  fe  í^iiba  ;  vamos  agora 
aos  ventos ,  que  merecem  mais  aitençáo.  A 
fua  multiplíjidade ,  e  nomes  pertencem  aos 
Pilotos.  Bafta-nos  a  nós  o  faber  que  fe  con- 
.láo  ;2.  Os  principaes  são  4  ,  Norte  ,  c 
Sul ,  Efie^  a  que  também  fe  chama  Léftc  ^ 
c  Ouéjie,  O  intcrvallo  ,  que  ha  entre  eíbs 

qua- 


Tarde  trigefivia  quinta,     45' 3 

quatro  pontos  do  Horizonte,  fe  divide  pelo 
meio  ,  c  dá  outros  4  pontos  ,  lu^ar  de  ou- 
tros tantos  ventos  ,  que  são  xicrdéjie  ,  ^m- 
déjie  ,  Suíiouéjie  ,  c  Norouéjie  ,  formando 
os  nomes  dos  dous  ventos  principaes  entre 
que  ficáo  ;  V.  g.  Ncrd-E  jie  he  o  que  íica 
CTitre  o  Norte,  e  E^ftc.  Allim  mcTmo  divi- 
dendo cftcs  8  inicrvallos  ao  m.eio  ,  fe  for- 
ma o  lugar  para  outros  8  ventos  ,  que 
tomáo  o  nome  dos  dous  ,  entre  que  íic^o; 
fendo  primeiro  no  nome  o  m.ais  principal  j 
V.  g.  Ncrd-nordfjie  he  o  que  fica  entre  o 
Ncne  ,  e  o  Kordéjle.  Deíie  m.efmo  medo 
dividem  cftes  16  intervallos  ,  c  fórm.áo  ou- 
tros 16  ventos  ;  c  chamác-Jhes  cuãttos.  E 
aííim.  o  que  fica  entre  o  Norte  ,  e  o  Ncrd- 
■fíordejic  cham.áo-lhe  Novt-quaito  ao  Nord- 
iwrdcjle  ;  e  aílim  dos  mais.  líio  pouco  vos 
impottíí.  Agora  o  que  mais  vos  interefía 
he  dar  a  caufa  dos  ventos.  Já  fabeis  que 
vento  he  huma  agitação  do  ar ;  e  dsqui  fe 
infere  que  ,  tudo  o  que  pôde  agitar  o  ar 
e  polio  em  movimento  ,  pôde  cauíar  os  ven- 
tos. 

i:ug.  Sendo  afíim  muitas  caufas  tem  os  ven- 
tos. 

Iheod.  Dizeis  bem  ;  eu  as  vou  apontando. 
Primeirair.ente  o  Sol  he  a  caufa  daquelle 
vento  Lcfte ,  que  fempre  ha  na  Zona  Tórri- 
da. A  razáo  he  ;  porque  o  Sol  rarefaz  com 
o  calor  o  ar  que  lhe  fica  a  prumo  ;  e  co- 
rro continuamente  fe  move  para  Poente, 
eííe  micfmo  ar  ,  que  ha  pouco  eftava  mui 

ra- 


45^4        Recreação  Filofofica 

rarefeito ,  agora  fe  acha  mais  frio ,  c  occu- 
pa  menos  campo  :  por  tanto  deve  vir  do 
Naíccntc  o  ar  vizinho  a  cítender-fe  pelo 
efpaço  qae  eíte  deixa  condenfando-fe  ;  c 
como  o  Sol  continua  a  mover-le  ícmpre 
para  Poente  ,  também  o  ar  o  vai  acompa- 
nhando. Oi  Copcrnicanos  dizem  cjue  pro- 
cede ertc  vento  da  Terra  í-  revolver  cm 
24  horas  íobrc  o  leu  eixo  para  o  Naíccn- 
tc j  c  por  iíTo  a  mefma  porção  de  ar  deve 
fucccílivamcntc  ir  paliando  por  varias  re- 
giões ;  allim  como  ,  quando  hum  barco  vai 
para  o  Nafcente ,  a  agua  corre  ao  lon^^o  da 
embarcação  para  o  Poente. 

Súv,  Se  tolTe  verdadeiro  o  fundamento  ,  cu 
de  boa  voniade  admittiria  o  diícurlo. 

Thccd.  Também  pôde  o  Sol  excitar  os  ven- 
tos derretendo  as  neves  ,  ou  fazendo  re- 
íoiver  os  vapores.  Ja  labeis  (  i  )  a  gr.ín- 
de  torça  dos  vapores  quando  fc  refolvcm : 
logo  íe  o  Sol  rei oi ver  os  vapores  ,  ou  íc- 
ja  derretendo  as  neves  ,  ou  fazendo  eva- 
porar a  agua  ,  ou  aquecendo  os  mclmos 
vapores  que  nadáo  no  ar  ,  já  remos  vcnro. 
tis-aqui  porque  de  veráo  reináo  os  ven- 
tos Nortcs  ,  porque,  chcgando-fe  o  Sol  pa- 
ra elTe  pólo  5  pôde  rclolver  muitas  neves 
cm  vapores  c  excitar  ventos  ;  daqui  nafcc 
<]ue  de  ordinário  pela  madrugada  ha  huma 
viração  ireica  do  Nafcente  ,  e  á  tarde  do 
Pocnce  ;  porque  o  Sol  avizinhando  fe  mais 
a  hamc;   parte  qac    á  outra  ,   excita   os  va- 

po- 
ço    f^Z'  4)S. 


Tarde  tri^efrma  quinta.     45:5' 

pores  que  nella  eíláo ,   c  os  reíolve ,  e  agi- 
ta o  ar. 

Silv*  A  Lua  lenho  eu  obfervado  c]ue  tem 
particular  connexáo  com  os  vemos  ;  porque 
muirss  vezes  paráo  ?o  por  da  Lua  ,  outras 
vezes  então  começáo. 

Thícd,  líío  meímo  íe  cbfcrva  ro  Sol  ;  c  ha 
grande  diverfidade  niíTo  em  diveríos  pai- 
zes  5  que  tenho  andaço.  Porém  dir-vos-hei  o 
como  iíTo  pôde  fer.  ]á  vos  tenho  dito 
como  o  Sol  c  a  Lua  causáo  movimentos 
nas  a^uas  ,  fazendo  as  marés  ;  e  parece- 
me  que  quem  pôde  mover  as  a^uas  ,  pôde 
mover  o  ar  ,  pela  mefma  razão.  Advirto 
porém  que  a  mefma  attracçáo  do  Sol  ou 
Lua  ,  que  ,  eftando  o  ar  quieto  ,  o  faria 
mover  para  o  Poente  v.  g.  ,  fe  elle  eftiver 
movido  para  o  Naícente  ,  o  retardará  hum 
pouco  ,  e  íervirá  a  atiracçáo  do  Aftro  para 
fcrenar  o  vento  que  havia  psra  a  parte  con- 
uaria  j  quando  porém  fe  ajuntar  a  attrac- 
çáo  de  qualquer  deftes  Aílros  com  outra 
caufa  de  vento,  hxío  hum  vento  forte.  Po- 
fénrs  os  ventos  rijos  ,  e  como  de  tempefta- 
des  ,  havemos  de  crer  que  procedem  da  di- 
latação dos  vapores  ou  nas  concavidades 
da  terra  ,  ou  nas  nuvens.  Quanto  as  ca- 
vernas da  Terra  ,  refere  Wufckcmbrock 
c  outros  ,  que  de  algumas  fahe  vento  tão 
forre  ,  que  ,  Innçando-Ihe  os  veílidos  ,  ou 
corpos  femelhantes  ,  não  podem  defcer ; 
anres  o  venro  os  impelle  para  fora  :  c  com 
efièito   havendo    nas  concavidades   da    terrt 

agua, 


j{^6         Recreação  íilofofica 

agua  ,  que  com  o  fogo  fubterranco  ,  ois 
Cjualquer  fcrrr.entaÇc^.o  le  rcfolva  cm  vapo- 
res ,  fahindo  cftes  com  violência  pelas  grc^ 
tas  da  Tcrr.'.  ,  torçoiamcnrc  devem  excitar 
ven:o.  NÓ5  remos  huma  Maquina  ,  que  cha- 
máo  Eolípila  ,  que  imita  bem  hum  fcrtiili- 
mo  vento  ,  c  prova  eíte  difcurfo.  Eu  vo- 
ia  moílro ,  e  ;âço  experiência  diante  devòs, 
que  de  induítria  a  linha  mandado  prep.i- 
rar  c  por  prompta  (Ejiamp.  5.  fig.  4.).  Ahi 
tendes  numa  Eilipiía  íobre  o  leu  fogareiro 
de  braz35  ;  logo  vereis  hum  vento  fortiiíi- 
mo  5  como  de  muitos  foles  de  ferreiro  ,  le 
juntos  fopraíTcm  a  hum  tempo.  Entretanto 
vos  direi  a  fabrica  que  tem  ,  que  náo  hc 
mais  que  a  que  fe  ve.  A  bocca  ,  que  fica 
no  bico  5  deve  fer  mui  cftreira  i  e  o  mo- 
do  de  fe  lhe  lançar  agua  dentro  he  digno 
de  fe  l7,bcr.  M.mdei  por  a  Eoliptla  vaíla 
lebre  o  lume  ,  o  ar  interior  rarefeito  havia 
xle  fahir  cm  grande  parte  :  mandei  que  íu- 
bitamente  a  mettclíem  toda  dentro  da  agua 
Iria  :  condenfado  com  o  frio  o  ar  interior , 
fe  devia  reduzir  a  muito  mencr  efpaço , 
e  por  caufa  do  przo  do  ar  exccrro  ,  que 
opprimia  a  agua  ,  havia  de  ver-fe  obri£;ada  a 
enirar  pela  hocca  da  Eolip:la  ,  occupanJo 
deite  modo  o  campo  que  deixara  o  ar  in- 
rcrno  ,  quando  fe  reduza  á  dcnfidade  ordi- 
nária. 

Eu^.     Fjs-ahi  fopra  já  o  vento. 

Silv.     E  cada  vez   he  mais  forte. 

Thecd,     Eu  digo  a  razáo»  Aquecendo  a  agu:i 


Tarde  trtgef.ma  quÍ7:td,     45*7 

interior  ,  rcfolve-fe  em  vapor  j  o  vapot 
quente  íahe  com  força  ;  e  como  o  bico  hc 
recurvaJo  ,  cahe  o  fcpro  nas  brazas  ,  e  faz 
o  micímo  que  os  folies  de  ferreiro.  Aparai 
na  máo  o  lopro  ,  e  vereis  que  fica  orvalha- 
da com  borrifos  ce  agua. 

JEug.  Aílirn  hc :  quem  havia  de  dizer  que  ef- 
ta  agua  havia  de  accender  as  brazas  com 
tanta  adividade ! 

Jhtod.  Logo  fc  numa  caverna  da  Terra  hou- 
vcfTc  agua  ,  e  fofie  obrigada  a  refolver-fe 
em  vapor  ,  e  fahir  pelas  fendas  com  impe- 
ro 5  ahi  tínhamos  vento  fortiíIimiO. 

Siiv*  Náo  o  podemos  negar.  Lífou  pafma- 
do  vendo  a  fúria  do  vento  ,  que  fahe  da 
Eolipila. 

Ihcod.  Vamos  agora  ao  vento  ,  qoe  fe  gera 
nas  nuvens  ,  c  hc  mui  ordinário.  Duas  ex- 
halaçóes  ,  que  ícpuradamiente  sáo  mui  quie- 
tas (  deixai-me  fallar  alhm  )  fe  chegáo  a 
iTiiíturar-le  ,  muitas  vezes  são  de  tal  natu- 
reza,  que  fermenráo,  fazem  grande  bulha, 
e  as  partículas  proporcionadas  fe  refolvem 
cm  vapor  :  cite  vapor  reíolvendo-fe  cora 
força  j  perturba  o  equilíbrio  do  ar  ,  e  m.c- 
ve-le  com  impeto  todo  o  ar  ;  aíJim  como 
n"um  tanque  de  agua  ,  fe  a  perturbamos 
n'uma  parce,  começa  a  uefinquictar-fe  cem 
ondas  ,  e  fica  mui  perturbada  :  alhm  fuc- 
cedc  no  ar.  Eis-aqui  de  que  procedem  pela 
maior  parte  os  ventos  de  raiadas  ,  que  náo 
tem  conífancia  ,  porque  depende  das  fer- 
mentações  que    nas  nuvens    fe   eftáo    fpr- 

man- 


45"^         Recreação  FilofoUca 

manJo  a  cada   paíTo.    E  aqai    tendes    a  ori- 
gem tamSem  das  trovoadas»   Eu  nas  trovoa- 
das diftingo  três  coafas,  que  qjero  explicar 
feparadanierire  i    qae  vem  a  fcr ,   Relâmpa- 
go ,  Trovão  5  c  Raio :  tudo  procede  de  fer- 
men:açáo  ,    que   tazem    as  exhalaçôes    hu- 
mas  com  outra;.   Vós  náo  podeis  negar  que 
crta   terra  ,    e   toios    qaantos    corpos    nclla 
ha  5    eílÍD   continuimente   exhalando   parti- 
culas  da  própria  lubílmcia  ,  as  quaes  íe  ef- 
palháo  pelo  ar  ;    áz  forte  ,  que  não  haverá 
em  toda   a  Terra   corpo  algum  ,    cujas  par- 
tículas ,    em  miior   ou   menor    quantidade, 
as  nío  tenhamos  no  ar.    E  quando    fe  ajun- 
tarem   cxhalaçóes    inimigas  ,     quem    pòJe 
prohibir   a   qaz   fermenrem    e   Te   accendáo  ? 
Por  ilTo  de  Veráo    ha  miis  trovoadas  ,    que 
de  Inverno  ;    porque  com  o  maior  calor  os 
corpo;   folidos  fe  feccáo    mais  ,    c    cxhaláo 
mais  partícula?  :    cis-aqui    porque    as  nuvens 
mui   efcuras  ,    e   particularmente    fe  he    de- 
pois   de  grandes  calmas  ,    dáo   de  fi  trovoa- 
das,  líto  pofto :   o  Relam.p.igo  ,  que  he  hu- 
ma  luz  fubita  ,  que  fe  accenJe  nas  nuvens , 
como  a  que  cá  embaixo    fe  acccnde  na  pól- 
vora foltâ  ,   fórmp.-fe  de  vapores  pela  maior 
p\rrc  de  enxofre.   O  cheiro  de  enxofre,  que 
fe  diíFunie    pelo    ar    no  tempo    das   trovoa- 
das ,  afsás  o  prova  j  e  tam.bcm  o  Cabermos 
que  náo  hi  matéria   de  mais  fácil  inflamma- 
çáo  ,  do  qu3  o  enxofre  :    nem  a  pólvora  fe 
in^ímma    fciíío    por  caufa    do  enxofre   que 
leva.    A^ora   o  eftampido    procede    do  (A\-  % 


Tarde  trigcfnna  quinta.     45' 9 

tre  ;  e  cis-aqui  porque  náo  haverão  Tro- 
vões 5  Te  as  nuvens  tntre  cutras  exhalaçórs 
náo  tivfrem  algumas  cie  falitre  ,  ou  matéria 
icmelhante  ,  que  peíTa  mui  prompta  dilata- 
ção, quando  Te  iniiaminar. 

Silv.  Mas  a  polvcra  ainda  que  leve  falitre, 
ícnáo  eíiá  apertada  ,  náo  dá  eílouro  ;  e  eu 
náo  vejo  como  nas  nuvens  pcfsáo  cfíar  op^ 
primidas  eíTas  partículas  de  lalitre. 

Ttecd.  He  verdade  o  que  dizeis  ^  porém 
muitas  coufas  ha  que  infiam.mandc-íc  ,  ainda 
que  náo  cílejáo  apertadas  ,  dão  hum  g^ran- 
de  cftouro.  Mukkem.brock  (  i  )  traz  hum 
catalogo  dcftes  corpos.  Tal  he  o  ouro  ful- 
minante ;  o  ouro  pimenta  com  falitre  e  fal 
tártaro  :  também  o  antimonio  diaforético 
com  fabáo  negro ;  o  pó  fulminante :  o  fer- 
ro dilToIvido  em  agua  regia  ,  c  mifturado 
com  fal  tártaro  ^  e  o  chumbo  diíTolvido  no 
cípirito  de  nitro.  Toda  a  vez  que  houver 
huma  mui  fubita  e  prompta  dilatação  de 
alguma  matéria  ,  o  ar  fubitam.cnte  ha  de 
fer  commovido  ,  e  com  im^peto  ;  e  ahi  te- 
mos o  cflrondo  do  Trovão.  Nem  o  eílouro 
da  pólvora  atacada  he  tro  grande  ,  fenáo 
porque  fe  faz  repentina  a  dilatação  da  ma- 
téria 5  a  qual,  fcnáo  efiiNCÍTc  apertada  ,  fe- 
ria mais  fucceííiva.  Também  concorre  para 
o  eftrondo  do  Trováo  a  rcficxáo  do  lom 
nos  m^^ontes  ,  e  talvez  nas  meímas  nuvens  : 
por  iílo  as  trovoadas  nos  vallcs  sáo  hcrroro- 
fas  3    porque   cualqucr  Trováo   rcfleòle  nos 

mon- 
(  1  )     Elem.  Phyf.  §.  1541. 


4^0         Recreação  Filo^rfica 

montes  de  huma  e  outra  parte  ,    e  faz  hum 
cftrondo  mui  comprido  e  continuado. 

Bug,  Mds  le  o  cftrondo  do  Trováo  procede 
delTa  matéria  acccza  ,  porque  tarda  tanto  o 
Trováo  depois  do  relampcjgoí 

Thcod.  Ja  vos  dilTe  faliando  do  Tom  (  i  )  que 
iíTo  procedia  de  que  a  luz  efpalha-rc  n'uni 
momento  ,  e  o  fom  mais  de  vacar  ;  c  que 
por  efta  razáo  ,  quando  difparáo  huma  peça 
na  torre  do  Bugio  ,  muito  depois  de  ver- 
mos fuzilar ,  he  que  ouvimos  o  tiro. 

Eug.  Tendes  razáo  ;  e  agora  advirto  que  por 
cila  demora  fe  pôde  faber  quanto  difta  de 
nós  a  nuvem  da  trovoada  ;  porque  me  dif- 
feftes  que  em  cada  minuto  feguníjo  corria  o 
fom  ^24  varas. 

Sílv.  Louvo  a  memoria  ,  e  vos  dou  licençi 
para  eftar  com  elTas  obíervaçóes  no  tem.po 
de  trovoadas  :  eu  náo  me  oifereço  para  ci- 
las ,  porqje  me  póic  hum  raio  atalhar  a 
ohfervaçáo. 

Thcod.  Eu  também  a  náo  farei  :  pofto  que 
conFeíTo  que  quando  chega  o  Trováo  já  náo 
ha  perigo  de  raio  ,  porque  cfte  he  mais 
prompro  em  caminhar  do  qne  o  eftrondo. 

JEiíg.  È  de  que  íe  forma  a  pedra  do  raio  , 
0'.i  como  pôde  lá  gcrar-fe  nas  nuvens? 

Th^od,  Que  pedra  de  raio  !  também  credes 
em  velhas? 

Siív,  Sempre  ouvi  dizer  ,  e  o  traz  Avlcena  , 
que  os  raios  traziáo  pedra  ;  e  me  tem  mof- 
tiado  algumas  ,  que  cu  vi  com  meus  olhos. 

Thcod, 
CO     Tom.  II.  Tarde  Vil.  §.  I. 


TTjrde  trigefima  quinta,     401 

Theod.  E  viftes  vós  com  voíTos  olhos  certi* 
dão  authentica  appcnfa  a  cilas  pedras  ,  por 
onde  conftaíTe  que  tinháo  cahido  das  nuvens 
em  forma  de  raio  í 

Sih,  Náo  ;  mas  diziáo  todos  que  fe  achavâo 
nos  lugares  ,  em  que  tinháo  cahido  raios. 

Thcod.  E  também  diziáo  ,  que  íc  enterravão 
íece  braças  ;  e  que  cada  anno  lubiáo  para 
fmia  huma  braça  1  Tomara  laber  quem  teve 
a  curioildade  ,  quando  cahia  o  raio  ,  de  ir 
notar  o  lugar  certo  em  que  elle  cahio ,  fem 
lhe  errar  hum  palmo  :  quem  lhe  poz  fignal 
nciTe  lugar  ,  para  náo  perder  a  memoria 
deile  em  fere  annos  ?  quem  médio  a  pro- 
fundeza ,  aonde  penetrava  elTa  fingida  pe- 
dra ?  quem  confervou  cíTe  terreno  que  náo 
bullilTem  nelle  ,  para  náo  virem  para  ahi 
pedras  de  outra  parte  ?  c  quem  tinha  tirado 
inquirição  deiíe  mcírno  lugar  ,  para  ter  cer- 
teza que  antes  de  cahir  o  raio  náo  havia  lá 
clFa  pedra  ?  ultimamente  quem  no  fim  dos 
íete  annos  a  efperou  tanto  que  acabalTc  de 
íahir  da  terra  ,  para  que  náo  ruccedeíTe  ca- 
fualmente  mover-fe  para  outro  lugar  ,  on* 
de  náo  liveíTe  cahido  raio  ?  Qualquer  deftas 
circumftancias  que  falte,  já  náo  podiáo  paf- 
far  em  boa  conicicncia  a  certidão  ,  que  eíTa 
pedra  era  pedra  de  raio.  Accrcfce  ,  que  pa- 
ra fe  crer  efta  fabula  ,  era  preciio  que  le 
oblcrvafTe  ifto  náo  huma  fó  vez,  mas  mui- 
tas para  fazer  legra  geral.  Amigo  Silvio  ^ 
náo  deis  credito  a  contes  de  velhas. 

Sily.     Pois  entáo  que  vem  a  fcr  o  raio  ? 

Theod. 


401        Recreação  Filofofica 

Theod.  O  raio  náo  hc  outra  coufa  ,  ferlãd 
huma  chamma  fummamente  adiva  ,  que  íe 
accende  pela  inflammaçáo  dos  vapores  de 
enxofre  ,  falitrs  ,  e  outras  matérias  feme- 
Ihantes  ,  e  difcorrc  pelo  ar  com  velocidade 
incrivel.  O  caminho  ,  que  fegue  o  raio  , 
nem  fempre  he  direito  ,  quebra  no  meio 
da  carreira  ,  troce  ,  volta  atras  ,  torna  a 
profeguir  ,  e  faz  mil  giros  num  momento: 
c  daqui  mefmo  fe  infere  com  evidencia 
que  náo  he  pedra  abrazada ,  pois  vindo  dcf- 
pedida  com  tanto  impcto  ,  era  impoUivel 
que  fem  dar  em  obftaculo ,  que  a  fizelTe  re- 
troceder ,  voltalTe  o  caminho  ,  e  no  ar  livre 
tomalTe  mil  direcções  diíferentes. 

£u^.  Pois  quem  dá  a  determinação  ao  raio  - 
para  feguir  mais  cfta  linha,  do  que  outra? 

Tbcoà.  A  exhalaçáo  betuminofa  ,  que  fe  Ie° 
vanta  da  terra  ,  em  cuja  matéria  prende  a 
chamma  do  raio  ,  ás  vezes  deixa  hum  co- 
mo  raftilha,  que  vai  pelo  ar  fazendo  vários 
giros  ;  c  aííim  como  num  raftilho  de  pól- 
vora 5  a  chamma  fegue  a  mefma  direcção 
do  raftilho,  dcftc  mefmo  modo  faz  a  cham- 
ma do  raio.  Já  vós  tereis  vifto  que  ,  fume- 
gando o  pavio  de  huma  vela  ,  fe  chegar- 
mos huma  chamma  ao  fumo  que  vai  fu- 
bindo  ,  dcfce  n  um  momento  a  chamma 
atcando-fe  pelo  fumo  abaixo  ,  e  vem  pren- 
der no  pavio  que  fumegava  ,  c  torna  a  ac« 
cender-fe  a  vela  :  pois  náo  de  outro  modo 
o  fogo ,  qiic  fe  ateou  nas  nuvens ,  pela  fer- 
mentação que  houve  nas  exhalaçóes  da  ter-*' 

ra. 


Tarde  trlgeftmâ  quinta.     463 

ia,  fe  acha  algum  raftilho  dcfta  cxhalaçáo, 
pega  por  clle  adiante  ,  e  vai  dando  tantas 
voltas  ,  quantas  o  raftilho  dava.  Eis-ac^ui 
porque  huns  raios  fobem  para  firra  ,  cutrcs 
vem  para  baixo  ,  huns  correm  horizontal- 
mente ,  outros  váo  em  voltas.  O  Marquez 
Scipiáo  Maftei  quer  que  todos  os  raios  fe 
formem  perro  da  fuperíicie  da  Terra,  e  que 
náo  caiáo  das  nuvens.  Mas  ha  de  nos  dar 
licença  para  o  deixarmos  íó  ,  que  nio  fal- 
láo  teften;unhas  de  vifta  do  contrario  ;  pois 
em  trovoadas  grandes  ,  fe  de  lugar  eminen- 
te olharros  para  os  Horizontes  ,  veiros  a 
cada  paíTo  cahir  os  raios  do  modo  que  te- 
nho diio.  Náo  duvido  que  ás  vezes  íe  atec 
a  matéria  cá  em  baixo ,  e  pegue  para  f  ma  ^ 
ou  para  onde  tiver  direcção  ;  porem  de  or- 
dinário he  o  raio  filho  do  relâmpago  ,  que 
claramente  vemos  fe  atca  nas  nuvens  ,  tcf- 
lificando  também  os  ouvidos  pela  demora 
do  Trovão  ,  a  diftancia  da  infiamimaçio  da 
matéria.  Suppofto  iíto  ,  bem  fe  vè  que 
com  o  vento  fe  affugentáo  os  raios  ;  por- 
que o  vento  hc  baftante  para  mover  o  raf- 
tilho da  cxhalaçáo  betuminofa  ,  em  que  a 
chamma  fe  atea  ,  e  náo  convém  fugir  dos 
raios  5  erpccialmente  tendo  veftidos  gran- 
des i  pois  o  miovimento  íaz  que  o  ar  venha 
a  -occupar  o  lugar  que  deixamos,  e  ifto  baf- 
ta  a  trazer  comílgo  o  laio  ,  aílim  ccm.o 
baíta  para  levar  os  foguetes  accczos  atrás 
dos  que  dcllcs  fogem  \  que  por  iíTo  lhe 
chamáo  bufcapés. 


4^4         Recreação  Filofqfica 

£ug.  Eu  já  tinha  ouvido  dizer  que  era 
melhor  abanallos  ,  do  que  fugir-lhes.  E 
que  me  dizeis  aos  eífcitos  admiráveis  dos 
raios  ? 

Theod.  Contão-fe  tanros  ,  e  tão  pafmofos, 
que  podemos  duvidar  de  muitos  :  eu  acho 
em  alguns  Authores  effeitos  encontrados. 
Quando  tratar  da  Electricidade  ,  darei  oatra 
cxpiicaçáo  melhor  deites  eííeitos  (  i  ). 


§.  VI, 


Do  Arco  íris ,  e  da  Aurora  Boreal 

^uy.        T^  Que  matéria  he? 

Theod.  í^  O  Arco  íris :  com  effeito  fabe-fe 
dclle  tudo  o  que  fe  póJe  defejar  ,  que  não 
íuccede  ifto  em  muitas  coufas.  No  Arco 
íris  fete  cores  íc  podem  diflinguir ,  que  sáo 
as  fete  cores  principaes  e  fingelas  ,  de  que 
falíamos  ,  quando  tratámos  das  cores  (2); 
e  sáo  pela  fua  ordem  vermelho  ,  cor  de 
ouro  5  amarcUo  ,  verde  ,  azul  ,  gredeleim , 
c  roxo  i  porém  as  mais  perceptíveis  naquel- 
la  diíbncia  sáo  vermelho  ,  amarello  ,  ver- 
de 5  e  azul  ,  confundindo-fe  a  cor  de  ou- 
ro com  o  amarello  ,  e  o  gredeleim  com  o 
azulj  o  roxo  he  mui  débil.  Quando  fe  vem 
dous  arcos  celcítcs ,  as  cores  do  arco  inferior 

SâO 

C  1  )     Tom.  III.  de  Cartsç. 

(2)     Tom.  II.  Tarde  VI.  §,  III. 


Tarde  trigefuna  quinta,     465' 

são  mais  vivas  j  e  por  iíTo  fe  chAma  íris 
'primário  •■,  o  arco  íupcnor  he  íris  fecun- 
dar io  ,  ou  mais  fraco.  Também  o bíei vareis 
que  no  arco  inferior  as  cores  de  tal  mOvio 
eítáo  cliípoftas  ,  qnc  o  vermelho  fica  em 
fima  ,  o  azul  em  baixo ,  e  no  arco  fuperior 
ás  aveilas  :  logo  darei  a  razáo  difto.  Va- 
mos agora  a  huma  experiência.  Mas  deixiíi- 
me  com  o  lápis  deícrever  huma  figura  (  £/-  ^í^-  S' 
tamp.  5.  fig.  -/.).  Tomemos  dous  globos  de  *^S-  7» 
vidro  como  eftes  A  ,  i)  ,  elhndo  cheios  de 
agua  5  de  tal  modo  os  poço  pendurar  ao 
Sol  5  que  nelles  vejamos  as  cores  do  arco 
íris.  Se  pendurar  cfte  globo  B  de  cal  íor- 
te ,  que  o  raio  ,  que  do  Sol  vai  até  o  glo- 
bo ,  e  o  raio  vifual  que  dos  meus  olhos  vai 
ao  mefmo  globo  (  náo  attendendo  ás  reírac- 
çóes  )  façáo  hum  angulo  de  40  grãos  c 
17  minutos  até  4;  gráos  e  2  minutos  ,  ve- 
reis as  cores  do  íris  primário  ;  e  fe  pu- 
zermos  mais  alto  o  globo  A  ,  de  forte  que 
façáo  o  raio  do  Sol ,  e  o  vifual  hum  angu- 
lo de  50  gráos  e  58  minutos  até  54  e  7 
minutos  ,  íe  tornáo  a  ver  as  mcfmas  cores 
já  mais  remilTas.  Aqui  na  ettampa  he  fácil 
de  dar  a  raz?;0  deíle  effeito.  Vamos  ao  glo- 
bo inferior  B.  O  raio  do^ol  g  r  entran- 
do no  globo  cheio  de  agua  ,  quebra  para 
dentro-  e  batendo  na  fuperficic  interior,  re- 
íiecfe ;  e  quando  vai  a  fahir  para  fora  ,  tor- 
na a  quebrar  ,  e  vem  ter  ?o<;  olhos  m.  . 
Efta  fegunda  refracçáo  náo  defmancha  o 
que  fez  a  primeira  ,  porque  ijv  p^ra  ^  ^^^^ 
Tom,  VI.  Gg  ^^ 


4^6         Recreação  Filosófica 

ma  pp.rre  ;  c  por  cila  razáo  o  raio  do  Sol 
fe  deve  repartir  cm  7  raies  corados  ,  como 
já  vos  dilTc  (1)5  e  fc  devem  cipalhar  en- 
tre fi  ;  ficando  mais  para  lima  o  raio  roxo 
ou  azul  n  u  ,  porque  quebra  mais  ;  c  em 
baixo  o  raio  vermelho  c  t  ,  (]ue  quebra 
menos.  Mas  como  os  raios  fe  elpalh^o, 
náo  podem  toJo^  entrar  a  hum  tempo  nos 
olhos  yn  ,  e  aíiim  he  prccifo  mover  a  cabe- 
ça deba  xo  p^ra  fim.a  ,  por  pequeno  eípa- 
ço  5  para  receber  nos  oihos  rucccllivamcnte 
as  cores  ,  cm  que  Tc  divide  o  raio  do  Sol. 
Eis-aqui  porque  náo  determinei  ao  julro  o 
angulo,  que  devia  flizer  o  raio  do  Sol  com 
o  raio  vifual  ;  porque  os  raios  de  cores  di- 
verfas  fazem  diverfos  ângulos  ,  mas  ro- 
dos  fe  comprehendcm  nos  liniites  que  diíTe, 

Sih.  O  mcfmo  fupponho  eu  que  fuccede  no 
^'obo  fuperior  A. 

Theod.  Succede  o  m-ermo  ,  mas  com  fua  ól-» 
veríidadc  ;  porque  como  vQÓcs  ,  o  raío  r  e 
entra  por  baixo  ,  e  quebra  ^  d"ahi  reflecte 
duas  vezes  dentro  do  gíobo  ,  e  fabe  pela 
parre  de  íimia  ,  tombem  quebrando  na  iahi- 
da  ,  e  como  quebra  duas  vezes  ,  lambcm  íe 
renar  c  em  raios  de  cor  ,  que  vem  ter  aos 
oJhos  711  ;  c  já  dVqui  coníta  que  cfte  an- 
gu'o  /,  que  í<z  o  raio  Jo  Sol  com  o  raio 
vifuaí  ,  he  muito  maior  que  ca  cm  baixo  o 
angulo  0.  Também  fe  vè  a  caufa  de  íc- 
rcm  eftas  cores  mais  fracas  ,  porque  os 
raios   tivcráo    duas    reflexões  i    e   no  glob(j 

(O     Tom.  II.  Tarde  VI.  §.in. 


Tarde  trlgejlma  quinta.     467 

B  fó  tivcrío  huma.  Pela  meíina  razáo  de 
diverfa  refrangibiiidadc  dos  raios  ,  o  roxo 
ha  de  vir  mais  para  baixo  ,  e  o  vermelho 
menos.  A^jui  tendes  ja  a  razão  de  appurecc- 
lem  as  cores  com  a  ordem  invertida  num , 
c  noutro  globo  ;  pois  no  globo  B  ,  como 
os  raios  quebráo  para  fima  ,  o  ra.o  roxo 
t\  u  vai  ter  mais  aílima  do  que  o  verme- 
lho c  t  ;  pelo  contrario  no  globo  A  ,  co- 
mo os  raios  quebráo  para  baixo  ^  vem  ter 
o  roxo  e   u   mais   abaixo   que   o  vermelho 

^  //.  lílo  que  temos  dito  dos  globos  de  vi- 
dro cheios  de  agua  ,  fe  applica  as  pingas  de 
agua  que  vem  cahindo  pelo  ar  j  pois  cada 
huma  delias  he  hum  globofmho  de  agua  \  e 
os  raios  do  Sol  entráo  ,  quebráo  ,  e  refle- 
élem  do  meímo  mofo  que  nos  globos  de 
vidro ;  e  aqui  vos  apparece  de  repente  a  ra- 
Záo  de  todas  as  circumft.incias  do  íris.  \^ede 
cftoutra  eftampa  (^EJiamp.  5.  Jig.  8.  )  em  Eft.  5. 
que  fe  pintáo  as  pingas  de  agua  muito  mais  fi^.  S. 
grolTas  ,  que  as  outras  ,  para  íe  poder  deli- 
near o  caminho  dos  raios  dentro  de  cada 
huma  delias.  Ja  agora  fabeis  porque  ha  deus 
arcos  íris  ;  porque  também  íb  em  duas  al- 
turas cercas  moílráo  os  globos  de  vidro  as 
cores  :  vedes  também  porque  as  cores  do 
arco  fuperior  háo  de  fer  mais  fracas  ;  e  ul- 
timamente porque  as  ceres  háo  de  apparecer 
com  a  ordem  trocada  num  ,  c  n  ourro  Irií?. 

Silv,     Tenho   contra   iíTo  ,    que   quando   cho- 
ve 5   por  iodo  aquelle  efpaço   Ic  deviáo  ver 
as  cores  em  humas  cintas  direitas,  corando- 
Gg  ii  íc 


468         Recreação  VilofoHca 

fe  os  raios  em  todas  as  pingas  que  ficavão 
na  mcíma  alrura  ;  e  nós  vemos  que  as  cores 
lempre  apparccem  em.  arco. 

Tkeod.  Aiíim  deve  Ter  •  e  rcparcírcis  que  o 
centro  do  tal  arco  ,  fe  o  conlidcrardes  fe- 
chado em  perfeito  circulo ,  tanto  deve  andar 
inais  baixo  ,  quanto  o  Sol  cfta  mais  alto ; 
porque  devem  íicar  na  mclma  linha  o  cen- 
tro do  íris,  o  centro  do  Sol  ,  e  no  meio  a 
pupila  dos  olhos  de  quem  obfcrva  o  íris. 
De  forte,  que,  fe  o  Sol  eftiver  quafi  pon- 
do-fe  no  Horizonte,  o  arco  apparecerá  mui 
levantado  ,  e  veremos  meio  circulo  perfeito , 
ficando  tambcm  no  Horizonte  o  centro  de 
todo  o  íris  ,  fe  o  confijcrarmos  completo; 
e  advirto  que  náo  pôde  apparecer  então  o 
íris ,  fenáo  para  o  Nafcente.  Eis-aqui  por- 
que nunca  fe  vè  íris  ,  fenáo  para  a  parte 
oppofb  ao  Sol  ;  de  manha  ha  de  apparecc: 
para  o  Poente,  de  tarde  pari  o  Nafceme  , 
ao  meio  dia  para  o  Norte  ,  porque  entáo 
nos  fica  fempre  o  Sol  para  o  Sul ;  e  neíTas 
horas  ha  de  fer  o  arco  mui  baixinho  ;  por- 
que tanto  deve  ficar  o  feu  centro  abaixo  do 
Horizonte  ,  quanto  o  centro  do  Sol  fica  af- 
íima  delle. 

JEug.  E  qual  he  n  razão  de  fer  preciío  que 
fique  o  centro  do  Sol ,  o  centro  do  arco ,  e 
os  olho?  na  mclma  linha? 

Theod.  He  prccifo  para  que  os  raios  do  Sol 
façáo  com  os  rc^-ios  vifuaes  o  mcfmo  an- 
gulo. Como  o  SoJ  he  redondo  ,  redondo 
deve   fer   o  íris  j  porque  fó   podemos   per- 

cc- 


Tarde  trigefima  quinta,     469 

ceber  as  cores  naqueil^.s  pingas  ,  onde  os 
raios  da  viíla  ,  e  os  do  Sol  tizerem  o  de- 
terminado angulo  que  dilie.  Deixai-me  for- 
mar hum  dei\nho  (^EJiamp.  5»  fig.  6.)-  Eí- Çfi.  5 
te  circulo  em  lima  ABC,  lupponhamos  ^^S-  ^* 
<]ue  he  o  Sol,  e  que  as  linhas  de  pontinhos 
sáo  os  Icus  raios.  Supponhamos  que  ^  he  o 
íitio ,  em  que  eftáo  os  olhos ,  e  que  os  rif- 
cos  que  de  a  vão  ter  z  m  n  o  p  q  f  r 
sáo  os  raios  vifuaes.  Ficando  os  olhos  a 
bem  a  prumo  fobre  o  centro  do  circulo  in- 
ferior m  o  q  ^  necelTariamcnte  os  raios  vi- 
fuaes  háo  de  fazer  em  toda  a  circumferen- 
cia  o  meimo  angulo  com  os  raios  do  Sol 
(  I )  ;  e  por  boa  coniequencia  fe  infere  , 
que  cm  nenhuma  outra  parte  fora  defte 
circulo  m  o  q  podem  os  raios  do  Sol  fa- 
zer com  os  vifuaes  eíte  determinado  an- 
gulo ;    porque  íe   fe   ajuntarem  do   circulo 

pa- 


(  1  )  Demonftra-fe  :  porque  fendo  a  pyramí- 
de  cónica  a  m  n  p  q  huma  cónica  recla  ,  de 
qualquer  modo  que  te  corte  centralmente  ,  ti- 
ção trian2;U!os  iirolceles  lemelhantes :  logo  os  la- 
dos farão  com  as  bafes  ângulos  iguaes  :  logo 
os  complementos  externos  defles  ângulos  ,  pa- 
ra igualarem  os  ângulos  redos  ,  feráo  iguaes  : 
e  como  os  raios  do  Sol  cahindo  a  prumo  fobre 
3  bafe  da  pyramide  fazem  ângulos  redos  ,  11:- 
gue^fe  que  em  rednnd»>  são  iguaes  os  ângulos 
da  fuperficie  da  pyramide  com  a  luperficie  do 
cylindro;  ou,  que  he  o  mefmo  ,  são  iguaes  os 
ângulos  dos  raios  vifira^s  com  os  Jo  Sol. 


470         Recreação  Filofofica 

para  dentro  ,  fcrá  o  angulo  mais  agudo  ;  c 
íe  for  do  circulo  para  fora  ,  lerá  mais  ob- 
lufo.  Ora  ponde,  ^i.vio,  huma  rcgoa  dirci- 
tó  nocháo,  c  vereis  que  fó  dous  pontos  dei- 
la  cocarão  ncíte  circulo  ,  o  rrítante  ficará 
deniro  ou  fora  :  logo  fó  em  dous  ponros 
deíTa  regoa  podereis  confeguir  que  os  raios 
viíuaes  fcão  com  os  do  Sol  o  dcíeirido 
angulo.  Voltai  agora  a  figura  ,  de  forte 
que  os  raios  do  Sol  váo  hor  zontaes  ,  e  fa- 
zei que  chova  por  codo  o  firio  que  o:cu- 
pa  o  circulo  m  O  q  :  conferv^íi  os  olhos  no 
ítu  lugar  /t  ,  por  linha  i€<t\a  entre  o  cen- 
tro do  Sol  ,  e  do  circulo  oppofto  ;  c  co- 
nhecereis claramente  como  fó  na  circumle- 
rencia  do  dito  circulo  fe  acha  o  angulo 
defcj<ido  cnire  os  raios  do  Sol  ,  c  os  vi- 
fudCi.  Nss  pingas  ,  que  cahcm  por  dentro 
do  circuJo  ,  he  o  angulo  menor  ,  nas  que 
ficáo  fora  do  circulo  he  maior  do  que  de- 
via fcr.  E  agora  conhecereis  o  motivo, 
por  ouc  ,  eftando  o  Sol  m.ais  alio  ,  abai- 
xa o  íris  ,  c  ícmpre  apparcce  para  a  parte 
uppofta. 

^í>^.  Agora  adv"río  eu  na  razáo  de  huma 
cxpfriencia  ,  que  ha  ímncs  me  fizcftrs , 
quando  ,  j:ondo-nos  com  ís  coítns  para  o 
Sol  ,  borri'aífes  com  agua  ;  c  vimes  nos 
boiritos  ,  que  vinháo  cahindo  pelo  ar  ,  as 
cores  do  IrÍF. 

Thccd.  He  a  mcfma  :  e  aqui  tendes  a  razáo 
cie  alguns  circuMs  Iuminofo3  cue  c-ppare- 
cem  ás  vezes  a  roda    da  Lua  ^  ou  também 

do 


Tarde  trtgCjfíma  quinta,     471 

do  Sol  5  quando  o  ar  eftá  cheio  de  vapores : 
ás  vezes  05  taes  círculos  tem  íuas  cores  do 
íris  ,  pofto  que  nos  à\  Lua  são  as  ceres 
mui  fracas.  Como  05  raios  atraveílando  as 
go:tas  de  agua,  011  vapor,  podem  quebrar 
de  modo  que  Te  corem  ,  hão  de  fazer  ahi  o 
meimo  que  no  íris. 

SÚv,  Já  tenho  viílo  niuicas  vezes  clTcs  cír- 
culos á  roda  àdi  Lua  ;  e  como  a  lua  luz 
he  mais  tiaca,  :icceíí..riamcnte  háo  de  icr  as 
cores  mais  remiiías. 

Thcod,  Por  ulLímo  rematarei  a  conferencia 
com  explicar  a  Aurora  B0re.1l  ,  que  jui^o 
fer  preciío  ,  náo  i'6  para  complcmerío  da 
voíía  Inítrucçáo  ,  mas  para  iotegar  lut:os 
cm  tempos  calamitoías.  Pois  os  lerrcrr.o- 
tos  ,  que  remos  p:.decido  ,  fazem  ter  por 
fur.etlos  todos  os  meteoros  ,  ainda  os 
mais  innoccnccs.  Aurora  Bore.il  (  i  )  iie  hu- 
ira  luz  ,  que  apparece  íempre  para  a  p.irce 
do  Norte ,  e  algumas  vezes  hc  huma  nuvem 
branca,  que  aigum  lanio  luz  i  oi^tras  vezes 

'  sáo  avermelhadas  ,  outras  vezes  são  negras , 
mas  da  borda  íuperior  de  quando  em  quan- 
do lançáo  nuns  raios  luminolos ,  aos  quaes 
V20  fuccedendo  oucrc?  de  funio  ,  e  fe  lhes 
feguem  ouiros  iuminofos  :  ás  vezes  fahem 
humas  columnas  lúcidas  ;  porém  náo  coltii- 
máo  ter  movimento  cio  rápido  como  03 
raios  luminolbs  que  ditTe,  Q^aando  íuccedc 
enccncrarem-le  no  Ceo  duas  deíbs  colu- 
nas ,  no  en:ruzamento  íòrmío  huma  nu- 
vem 
(  i  )     MufcI:einb.ock.  Elem.  PlixT.  §.   1  j  1  )'• 


47'2'         Recreação  Fi/o/òfica 

vem  efpelTa  ,  que  ,  paíTado  pouco  tempo  , 
começa  a  brilhar.  Efta  luz,  tanto  dss  colu- 
mnas ,  como  dos  raios ,  ás  vezes  he  branca , 
outras  vermelha  ,  outras  azul  j  o  que  caufa 
grande  terror  nos  ignorantes  ,  e  grande  ói' 
vertijnento  nos  que  fabcm  de  que  illo  pro- 
cede. De  ordinário-  eftas  nuvens  ,  depois  de 
terem  ardido,  fe  hzem  brancas,  por  terem 
confumido  a  matéria  betuminoia  ,  que  as  fa- 
zia elcuras.  As  vezes  no  Horizonte  debaixo 
ileftas  nuvens  ,  que  brilháo  ,  foráo  viftos 
huns  s;lobos  de  fogo  ,  como  obfcrvou  huma 
vez  Zanoíi  ,  e  outros.  P^-.ra  o  None  sáo 
muito  m.ais  frequentes  as  Auroras  Boieaes, 
do  que  em  Portugal.  Maupertuis  quando  foi 
a  Laponia  para  medir  os  gráos  do  Meridia- 
no ,  teftifica  que  as  noites  eráo  fumimamen- 
re  alegres  pelas  frequentes  auroras  boreaes. 
Pareciáo  fogos  de  artificio. 

Siív.  Eu  náo  miC  havia  de  recrear  muito  cem 
cffà  vifta  ,  porque  fempre  m.e  parece  que  i[' 
{o  náo  he  bom. 

Tke^d.  Sáo  hnmas  ferrrent^çôcs  mais  man- 
ias,  que  as  dos  rclamipagos ,  que  fe  iórmío 
n^s  nuvens.  Aííim  como  nós  pela  arte  faze- 
mos hun.as  mifluras  ,  que  ardem  prcmpta- 
mente  como  os  foguetes  ;  c  outras  que  ar- 
dem mais  pacificamente,  como  v.  g.  os  fós- 
foros que  eíláo  luzini'o  e  ardendo  mui  man- 
íam.ente ,  aflim  fucccde  nas  nuvens;  por  ifò 
nem  na  côr  ,  nem  na  direcçí.o  ,  nem  nas 
muti ancas  ha  regra  certa  ,  m.ais  que  aqucllas 
que  póce  admittir  a  tcrnKntaçáo. 


Tard^  trige^.ma  quvata,     473 

Eug.  A  diverlldaje  das  cores  creio  eu  que 
prnrcdem  dos  diverfos  materiaes  ,  que  fe 
acháo  nelTas  exhabçôes  ^  aílim  como  as  di- 
verfas  cores  nos  to^os  de  artiticio  procedem 
dos  diverfos  materjaes ,  que  lhes  miituráo. 

Thcod.     Dizeis  bem. 

Eu^.  E  de  que  procedem  humas  como  ef- 
trell,]s  5  que  eu  vejo  cahir  ás  vezes  pelo 
Ceo  ,  e  perderem-fe  de  viíta  de  repenrc? 

Thcod.  Muita  ^enre  do  vulgo  cuida  que  eráo 
algumas  das  Eftrellas  quicras  3  que  eftaváo 
luzindo  ,  e  que  depois  cahíráo  e  fe  apaga- 
rão. Porém  na  realidade  náo  são  mais  que 
porções  de  matéria  betum.inoía  ,  que  fer- 
mentou 5  e  ardeo  ,  e  pegou  pelo  raftilho 
adiante  ,  c  foi  ardendo  ,  acabou  cc  arder  , 
acabou  de  luzir  ,  e  delapparecío  a  chamma 
da  Eí^irella.  Numa  palavra,  todas  cftas  lu- 
zes 5  que  apparecem  no  ar  ,  são  fermenta- 
ções de  matéria  ,  que  fe  levanta  com  os  va- 
pores da  terra ,  e  arde  ;  e  conforme  os  mo- 
vimentos e  íiguras  que  tem  ,  mcrecêráo  aos 
Filofo^os  nom.es  diverfos.  Aqui  pouco  ha 
que  dizer.  E  parece-me  que  fufpendamos 
por  ^^Igum  tempo  as  noíías  conferencias  Fi- 
lofoficas. 

Eug.  Sou  contente  ;  e  vos  agradeço  o  traba- 
Ino  que  a  meu  refpeito  tomaftcs  ,  dando- 
me  com  as  voiTas  inftrucções  luz  para  re- 
flectir nas  admiráveis  obras  da  natureza  ;  c 
a  minha  curiofidade  me  fará  inquirir  no  que 
náo  fouber. 

Thevd,     Eíle  he  o  principal  fruto  dos  eíludosj 

CO- 


474        Recreação  Filofofica 

conhecer  a  noíía  ignorjncia  ,  e  procurar  rc* 
mediílla  ,  por-]ue  nunca  Tc  cuia  o  mal  , 
quando  íe  ignora.  Náo  he  tanta  a  utilida- 
de 3  tjue  fcnho  tirado  dcíla  .  pplicaçáo  ,  no 
que  íei  ,  como  no  que  conr.cço  que  náo 
íei  ,  que  he  muito  mais  fem  comp^raçio. 
Por  eíie  motivo  náo  vos  traiei  da  Magne- 
te  5  nem  na  Máquina  tlcdlrica  ,  hoje  tão 
célebre  entre  os  FiloioFos  :  eu  tenho  huma 
c  outra  ,  e  vários  amigos  fe  tem  recreado 
comvõreo  em  minha  cafa  ,  vendo  os  íeus 
admiráveis  eífeitos  ;  mas  eu  náo  tenho  gé- 
nio de  en;;anar.  Difto  (  quanto  a  mim  ) 
pouco  Te  í  ibe  ;  conhecem  fe  certas  leis  ou 
regras  que  obicrváo  os  ícus  eíieitos  ;  mas  a 
querermos  dar  a  razão  dwiles  ,  topa  logo  o 
juízo  com  diíticuldades  ir.ruperavei?.  Eu 
conÉJero  eílas  máquinas  com.o  hum  tor- 
mento dos  entendimentos  ,  quóndo  outros 
as  olháo  como  divertimento  dos  ienticos. 
Mas  a  emprcza  que  tomei  ,  foi  o  iníiruir- 
vos  fuavcmenre  ,  e  náo  foi  meramente  o 
divercir-vos  :  para  iíío  náo  f?.ltariáo  amigos ; 
c  taivez  que  náo  rivcíTeis  occafiáo  táo  com- 
moda  para  vos  inftruir  fem  maiores  eftu- 
dos  ,  do  que  aqui  tiveftes  em  minlia  cafa. 
Kuma  utilidade  fei  que  tendes  ja  coníegui- 
do  ;  c  he  a  que  eu  tenho  tirado  ,  o  conhe- 
cer muiro  mais  a  Grandeza  de  Deos  ,  re- 
parando mais  miudamente  ro  fcu  retrato 
que  cá  rtos  deixou  ,  que  são  as  creaturr.s  ;  c 
por  outra  parte  o  f?zcr  mais  vivo  conceito 
àá  noéía  miíeria  ,   fraqueza  ,    e  ignctancia. 


Tarde  trigeuma  quinta,     475: 

Eftes  dous  paizes  o  da  Grandeza  de  Dcos 
cm  Poder  ,  Sabedoria  ,  Providencia  ;  c  em 
contrapofiçáo  o  da  nolTa  vileza  ,  i^noraa- 
cia  5  e  fraqueza  ,  são  incomprchenfiveis  ,  e 
já  mais  fe  lhe  conhecerão  lijiircs.  Rogo-vos 
a  hum  e  outro  que  forcejeis  femprc  a  reik- 
xionar  fobre  tudo  o  que  fe  vos  oiferecer 
nefte  caminho  da  vida  ,  que  Deos  alargue 
por  muitos  annos ;  porque  quem  com  olhos 
de  FdofoFo  o.ha  para  tudo  ,  fempre  eftuda , 
fempre  aprende  ,  fempre  recrea  o  leu  en- 
tendimento,  e  fempre  vai  formando  melhor 
conceito  de  Deos  ,  qu3  he  o  fim  ,  para  que 
nos  foi  dado  o  entendimento,  Bafte  :  e  va- 
mos a  fallar  em  ourras  matérias  ,  que  sáo 
precifas ,  antes  que  daqui  vos  aparteis ;  mas 
em  lendo  tempo  cpportuno  ,  eu  vos  porei 
em  algumas  Cartas  o  que  pertence  á  Ma- 
2,nete  ,  e  Eleòlricidade  ,  e  matérias  novas  , 
que  ha  pouco  fe  tratarão  ,  e  eu  vo-las  re- 
mettcrei  peio  correio  5  quando  houver  tempo. 


FIM  DO  TOMO  VI. 


IN- 


470 

INDEX 

DAS  COUSAS  MAIS  NOTÁVEIS, 
que  le  coníém  nefte  Tom.  VI. 

A 


A  Gaas  ,   que  eftáo   fobre  o  Cco  ,   o  que 
-/i     sáo  Pag.  20. 

•  As  do  Mar  tem  caufado   grandes  mudanças 
na  fuperficic  da  Terra  40(3. 

A  velocidade   das  de  qualquer  rio   como  Ic 
pôde  conhecer  424» 

Modo   de   calcular    a   que   chove   em   cada 
Paiz  422. 

Altura  do  Pó!o  o  que  he  ,  e  como  fe  conhe- 
ce 5^4. 
Anncl  de  Saturno  162, 
Cafos  em  que  he  inviítvel                       ií^4. 
De  que  Te  compõe                                     1^4» 
Anno  grande  ou  Platónico                          210. 
Como  o  explica  Copérnico                      367. 
O  do  Sol  87. 
Amicipacão    dos   Eíjuinoccios    de   donde   naf- 

rp  ''-7  7 

cc  -,7^. 

Antípodas  ^^i, 

Annullar  Eclipfe  do  Sol  97. 

Aphclio  o  que  fcja  1^2. 

Ar .  porque  he  mais  puro  de  inverno        4^í. 

A[. 


Das  CO  ufas  nota^veis.       477 

íris  y  fabe-fe  delle  o  que  (c  pòdc  fa- 
bcr  :  as  Tuas  cores  :  cjuando  sáo  dous , 
as  do  inferior  sáo  mais  vivas  ,  e  ás  avef- 
fas.  Modo  de  o  fingir  em  bolas  de  vi- 
dro 464. 

A  razão  diílo ,  e  das  cores  465.  4(^7. 

Porque  he  redondo  468. 

Nunca  íe  vè  fenáo  da  parte  oppofta  ao 
Sol  468. 

Porque  anda  mais  baixo  ,  ou  mais  al- 
to 4(58. 

Finge-Cc  com  huma  bochecha  de  agua  4"'0. 

[Arca  o  que  feja  7,06, 

Afiros  sáo  de  duas  caftas  ,   ou  Planetas  ,   ou 

Eftrellas  i^r. 

Como  íe  movem  em  eliíes  pela  gravida- 
de 1^6, 

Retrógrados  e  eftacionarios  265-. 

A  ordem  dos  feus  movimentos  no  íyftema 
de  Ptolomeo  ii^. 

No  Ticonico  218. 

No  Copernicano  222. 

A  caufa  dos  feus  movimentos  não  hc  a  fua 
alma  27^. 

Nem  os  vórtices  de  Oes-Cartes        22.  274. 

Nem  também  os  Anjos  274. 

Qpal  feja  no  fyítema  Newtoniano         vi6. 

Em  rcmpos  iguacs  andáo  áreas  iguaes     ^0(5. 

Defcrevem    áreas    proporcionaes    aos   tem- 


pos 


O' 


Quanto  mais  fc  avizinhão  ao  Sol  ,  niais 
depreíTa  andáo;  c quanto  mais  feaffaftáo, 
mais  de  vagar  fe  movem  ^o3. 

At' 


47  S  Index 

Attraccxo  da  Terra  contrapóe-fe  á  força  ccn- 
trlFuga  dos  corpos  que  ncila  giráo       227. 

Sempre  Tc  dá  ,  quando  hum  corpo  iz  volve 
á  roda  d  outro  278. 

No  circulo  he  igual  á  força  centrífu- 
ga ^  27:;. 

Faz  ^irar  os  Planetas  á  roda  do  Sol       279. 

He  mutua  entre  todos  os  corpos  281. 

Crefce  na  razão  da  maiTa  do  corpo  attra- 
heue  284. 

Diminue  na  razão  ínverfa  dos  quadrados 
das  diftancias  285. 

A  da  Terra  a  rcfpeíto  da  Lua  291. 

Aurora  B0re.1l   o  que   Teja  :    íua  diverfidide; 

globos  de  fogo  que  nellas  ic  vem  :   onde 

sáo  mais  frequentes  471.  472. 

As  Tuas  cores  de  que  procedem  47^« 


B 


"O  Ala  à'artilheria  curfará  do  mermo  modo , 
X/     ou  a  Terra  fe  mova  ,   ou   cíteja  quie- 
ta 25c. 
Bmto  de  Moura  Por ^u^ ai  ,   feu  pcnfamento 
fobre  a  figura  da  Terra  ^45» 
Seu  fyftema  das  mares  382, 


C^ 


Das  cõufas  7wtaveis,      47^ 


/^  Jheças  d' águas  em  que  tempo  são     ^90. 

' -^  Cancro  o  ieu  Trópico  212. 

Capriccrnio  o  íeu  Trópico  212. 

Caudas  dos  Cometas  184. 

As  vezes  sío  iiivifiveis  188. 

Dingcm-íe  para   a  parte  contraria  do  Sol, 
e  porque  188. 

Cores  com  que  apparccem  19 1. 

Caufa  dos  Terremotos  qual  íeja  4^0Í 

Qi]:',ntas  pof^áo  fer  as  dos  ventos  45^. 

Centrífuga  força  dos  corpos  ,  que  ^irão  com 
a  Terra  ,  porque  náo  os  impeile  pelos 
ares  227. 

He  cauTa  da  figura  da  Terra  254, 

A  dos  Planetas  a  refpeiro  do  Sol  279, 

A  das  partes   de  Júpiter  he  caufa   da  fua  fi- 
gura 255. 
Nos   cir:uIos    he    igual    á  força    da  arme- 
çáo  279. 
Centrípeta  forcx  ou  attracçáo  ,  veja-fe  Atírac- 

ç.w  e  Gravidade, 

Centro  conimurn  o  que  feja  ^19.' 

Modo   de   íaber  quanto   dial  da  Terra  oa 

da  L'ja  :52l. 

Ceos  fua  belleza  pela  parte  de  fora  2. 

Náo    sáo    abobada    firmada    fobre    a  Ter* 

ra  5". 

Cheio  de  Oes-Cartcs  he  impofíivel  28. 

Chevalier  ( joáo  )  Padre  do  Oratório ,  fuás  ob- 

ícr. 


480  hidex 

fervaçõcs    acerca  do   Cometa    de  1759. 

E  do  Cometa  de  i-;6o,  I74. 

Ckuva  que  coufa  ícja  45 1. 

Como  fe  forma  a  chuva  de  pedra  ,  e  a  de 
neve  45-. 

Modo  de  calcular  a  que  chove  em  cada 
Paiz  422. 

Cintas  de  Júpiter  158. 

Círculos  corados  á  roda  da  Lua  4-0. 

Clairaut  fua  Profecia  Aftronomica  fobre  o  Co- 
mera de  1759.  177. 
Coluros                                                       21:5. 

Cometa  do  anno  de  1680.  181.   186". 

O  do  anno  de  1755^.  177. 

Seu  período  17^. 

Sua  orbita  e  inclinação  delia  180. 

O  do  anno  de  1760.  174. 

Cometas  sáo  Planeias  como  os  outros  56.  172. 

Náo  podem  íer  vapores  170. 

Tem  movimento  regular  171. 

Suas  orbitas  são  eiiles  mui  compridas     17^. 

O  como  fe  movem  ncllas  300. 

O  Teu  Zodíaco  181. 

S.^0  opacos  182. 

Sua  figura  iB^* 

Suas  caudas  184. 

"Náo  sáo  prefácios  de  calamidades  182. 

Conchas    as  que  le  achâo   nos  montes    que  de- 

notáo  5  e  de  que  procedem  ^99. 

Conjunc^Ri  dos  Planetas  com  o  Sol,  o  que  he , 

e  a  fua  diverfidade  i  ^8. 

ÇonJkllacÕes  o  que  sáo  ^  e  quantas  ^^6. 

Con- 


Las  coufas  notáveis,  4C1 

Convexidade  da  fupcríicic  do  mar  7^1^^^ 
Copérnico  Teu  fyftema  222. 
Cor  do  Cco  5* 
Corpos  terreílres  cftão  exHalando  continua- 
mente partículas  da  própria  íubft-m« 
cia  458. 
Crepufculo  o  que  feja,  55O, 


D 


D 


Enfídade  dos  Planetas  como  fe  conhc- 
ce  ^lU 

A  do  Sol  79' 

A  áà  Lua  ICO. 

A  de  Júpiter  ic^» 

A  de  Saturno  lC6, 

A  dos  mais  riâo  fe  fnbc  ;  e  porque  ^4« 

Dia  e  Noite  no  íyírema  de  Copérnico      226. 
J)/Vz  artificial  o  que  fc-já  ^50. 

Porque  sáo   no  tquador  fempre  igiiaes   en- 
tre fi ,  e  as  ncircs  :55o. 
Porque  sáo  defiguaes  fora  da  Linha        ^5v 
Dia  natural  o  que  feja                               ^47» 
Porque   conílando  de    24   horas  ,    não   são 
iguaes  entre  fi                                         :549. 
O  dia    das  Eíltellas   he   menor   que    o  do 
Sol                                                   ^4B. 
Dia  de  fris  mczes  nos  Pólos                    354- 
Di-vnetro  do  Sol  77. 
De  Mercúrio                                            i^o. 
De  Vénus,  veja-fe  a  Tabca  ^,              ?2^. 
Da  Terra                                254.   ^40,   ^V^' 
Joir,  VI                 Hh                    De 


482                     Index 

De  Marte 

150. 

De  Júpiter 

154. 

De  Saturno 

165. 

Dígitos  CO  Sol  5  c  da  Lu:i 

P9- 

Diitaricias  de  Mercúrio  ao  Sol 

I?l, 

De  \'enus  ao  Sol 

159. 

Da  Terra  ao  Sol 

146. 

De  Marte  ao  Sol 

150. 

De  Júpiter  ao  Sol 

155. 

De  Saturno  ao  Sol 

167. 

Dos  Conetas 

173- 

Das  Eftrellas  fixMS 

20;. 

2)i limei  ís  de  Mercúrio  á  Terra 

M5^- 

De  Vénus 

140. 

Do  Sol 

8p.  14^. 

De  Marte 

152. 

De  Jupirer 

15Í. 

De  Saturno 

167. 

E 


rj»  CUpfe  do  Sol  po. 
—i  Só  o  pode  haver  na  Lua  nova  pi- 
Nem  em  todas  as  Luas  novas  o  ha  (ji, 
Náo  o  ha  em  todas  as  panes  a  hum  tem- 
po (J2. 

Eclipfe  total  ou  parcial  ,  fó  milagrofamente 
pôde  ícr  geral  p^. 

"Náo  podem  os  Eclipfes  fer  iguacs  para  to- 
da a  parte  p^. 

Quando  he  total  ou  parcial  P5. 

Quando  hc  annuliar  yv. 

Co- 


Das  cotífas  notareis,       485 

Como  fe  conhece  c  calcula  â  íua  qúantida* 
de  i2;5r. 

BcUpfe  da  Lua  i\6, 

Sà  acontece  nas  Luas  cheias  ,   mas  não  em 
todas  i\6. 

Quando  ieja  total  ou  parcial  12^, 

Modo  de  calcular  a  fua  quantidade         1 27, 
Eclipfe  dos  Satélites  de  Júpiter  54.   159, 

Eclitica  211  o 

Ele^ricidnde  ^  ignora -fe  a  fua  caufa  474, 

£lifes ,  como  fe  defcrevem  ~^  57. 

Os  Cometas  fe  movem  por  elifes  58a 

Os  Planetas    também   fe   movem    por   eli- 
fes 29(>. 
Como  a  gravidade  faz  girar  os  Planetas  em 
Elifes                                                    297. 
Eolipiía  que  cíFcitos  produz  ,   e  para  que  fer- 
ve                                                        45^. 
Equador  ou  Linha                              212.  216, 
Lá  são  os  dias  ,   e  as  noites  iguaes  entre 
fi               ^                                          :55o. 
Ha  dous  verões  ,  e  dous  invernos  c.-vda  an- 
no                                                           :55f. 
A  Terra  he  ahi  mais  aha  e  quanto       254, 
J40. 
Eqúinoccíos                                              215. 
Sua  antecipação                                       572, 
Esfera,  armilar                                             211. 
Celcfte  ,  os  feus  circules                        21  !• 
Esfera  reda                                              Í552. 
Esfera  obliqua                                          t^sz. 
Esferóide  o  que  feja                                    253, 
He  a  figura  de  Júpiter                           I54. 
Hh  í]  £; 


4S4  Ifiãex 

E  também  he  a  figura  da  Terra    25^.  ;4o; 
Ejlacíonarios  Ajiroi  ,   quando  os  ha  ,   e  por- 
que 265. 
Efia;o:S  do  anno  356. 
EjirJiia  de  Sant-lJgo,  ou  via  laclea  59. 

198.   205. 

Ejt-elirs  fixas  o  que  são  59. 

O  leu  numero  ip4. 

Movimento  diurno  2Cy. 

PerioLlo  próprio  210. 

He  verdcideiro  no  fyftcma  Ticonico  ,    c  ap- 

pirenre  no  Copernicano  368. 

Roraçáo  íobre  es  íeus  eixos  icc. 

Porque  apparcccm  de  novo  ás  vezes ,  c  def- 

apparecem  200. 

Sua  diftancia  205. 

Sua  grandeza  208. 

Porque   fc   não  augmenta  com  os  maiores 

Telcfcopios  IO". 

Sua  luz  202. 

Scintillaçáo  202. 

Conftcllaçócs  que  formão  195. 

As  que   o  vulgo  cuida   que  cahem  ,   o  que 

S20  _  47S. 

EJf rondo  do  Trovão  porque  fe  faz  ,  c  as  furs 

caufas  45<5. 

Porque  tar.la  depois  do  relâmpago         ^èc. 

Excentricidade  das  orbitas  dos  Pianctas ,  o  que 

be  1^2. 

A  de  Mercúrio  1^^. 

A  de  Wnus  141. 

A  da  Terra  I47* 

A  de  Marre  15 1. 

A 


Das  covjas  jwtareis.       485* 

A  de  Júpiter  15^. 

A  de  Saturno  167. 


T^  Abri  (^P.)   refpofia   que   dco  sos  Coper- 
JP      nicanos  ,    lendo  Penitenciário    do   Pa- 
pa 2^5. 
Faixis  ou  cínras  de  Júpiter  158. 
//í;///-^  da  Terra                        255.   ^^c.   ^40. 
Dá  Lua                                                    103. 
De  Mercurio                                            i^c. 
De  Vénus  142. 
De  jMarte  148, 
De  Júpiter  15^. 
De  Saturno  162. 
Firmamento  não  he  folii^o  18. 
Fluido  cLiJiico    hc   a  caufa  de  fubircm   os  va- 
pores                                                    449. 
Fcfiícs  náo  tem  v.  fua  origem  ro  mar       45^. 
A  verdadeira  erigem  são   as  aguas   das  chu- 
vas ,  e  neves  derretidas                          42  i. 
Refponde-fe  aos  lugares  da  Efcrirura      428. 
As  que  rebentão  de  Verão   c  ícccáo  Je  In- 
verno de  que  procedem                       420. 
Porque   íeccco   humas  ,    c   rebentão   outras 
com  os  Terremotos                              441. 
Forças  cen^racs  são  as  que  movem  os  corpos 
em  giro                                                  278. 
Nos  circPios  são  entre  fi  iguaes               279. 
A  ce}in-'fu<^!i  crcfce  fegundo  o  quadrado  da 
velocidade                                             298. 

Sup- 


4§6  Lidex 

Suppoíla  a  velocidade 

verf^  dos  diâmetros  299, 

A   centiípe'a  crclce  na   razão   da  maíTa   do 

corpo  attraheníe  284, 

E  diminue   na  razáo  invcrfa   dos  quadrados 

das  diíUnciarS  285. 

Ambas  junras  movem  os  Cometas  e  Plane- 
tas pelas  cliícs  :;oo. 


G 


Gl^áo   do  circulo  máximo   da  Terra  quan- 
tas leguc^.s  Porcu^uczas  tem  77. 
AlcdiJa  exacta  dos  grãos  próximos   ao  Pó- 
lo e  ao  Equador                                     ^41. 
Gravidade  a  das  aguas  he  menor  no  Equador, 
e  porque                                                255. 
He   mutua    e  geral   entre    todos   os  corpos 
Ccleltes  e  Tcrrcftres                            281. 
A  gravidade  de  caJa  particula  crcfce  na  ra- 
záo da  malTa  do  ccrpo  atirahente       284. 
E  na  razáo  invería   do  quadrado  da  fua  dií- 
tancia                                                       285. 
A  gravidade  da  Lua  fobre  a  Terra         291. 


H 


HJhít aderes  do^  Planetas  lop. 

HovAS  náo  sáo  todas  iguaes  ^49. 

Modo  de  faber  que  horas  sáo  cn;  qualquer 

par- 


Das  coufas  not orceis,       407 

parte  do  mundo  ,^fabendo  que  horas  são 

no  lugar  onde  eftamos  ^58. 

Paradoxo  acerca  das  horas  ^57. 

Horizonte  o  que  he  214, 

São  diverfos  em  diverfos  lugares  95^. 


I 


JDade  a  de  dous  homens  ,  que  nafceíTem 
juntos  ,  e  mcrreíTem  juntos  ,  pôde  fer 
defi^ual  ^59, 

Inclinação  das  orhius ^  explica-fc      12^.  1;:?. 
A  da  Lua  124. 

A  de  Mercúrio  134^ 

A  de  Marte  15:5. 

A  de  lupirer  157, 

A  de  Saturno  168, 

Inverno^  na  Linha  ha  dous  cada  anno       ^51. 
Como    íe  explica    no   íyftema    Copernica- 
no  ^64. 

íris  arco  as  fuás  cores  ,    e  o  modo  de  as  re- 
preffníar  nos  vidros  4^4. 

Prinurio  ,  e  fecundtrio  465. 

Júpiter  a  íua  iu/i  15]. 

Grandeza  154. 

Figura  154. 

Pezo  1 54. 

Dcníidadc  .  155:. 

Diftancia  do  Sol  156. 

Excentrici.^ade  156. 

Diílancia  da  Terra  j^6. 

Movimento  periódico  ou  anuo  157. 

Mo- 


4o  o  Indeyí 

Movimento  de  roia^'-o  T57, 

Inclinação  àá  fua  orbiia   a  refpcito  Ja  Ecli-» 

tica  157. 


I- 


i 


y^  Eplcro  ^  lei?  que  defcubrio  no  movimento 
^     uos  Áítfos  :j05.   :^io. 


L    Atitude  d?!S  terras  como  fc  conhece     ;;(^. 
A  da3  Eítrejias  como  fe  í?be  ^  ^o. 

Zc/5  do  movimento  de  hum  corpo  em  giro  á 
roJa  de  outro  zrS. 

•    Da  arrracçáo  geral  doi  corpos  278. 

Leis  de  Keplero  ,  que  cbíerváo  03  Planetas, 
movendo- íe  á  roda  do  Sol  ,  e  os  Saicii- 
tes  á  rona  dos  primarioi  ijo^.   :^I0. 

Limbo  ou  borda  do  Sol  80. 

Ln')A  ou  Equador  212.  216. 

Lá  S20  o;  dias  iguacs  ás  noites  ^51. 

Ha  dous  Wrócs    e  dous  Invernos   cada  an- 
no  ^71. 

A  Terra   he   mais   aha   na   Linha  ,    e    por- 
que 25^.  ^^c. 
Longitude  das  Terras  como  fe  conhece  e  me- 
de r.^- 

A  dr.s  Eílrellas  onde  fe  n',ede  ^VJ' 

Lu%    he   hum   cor^-o    de   fi   cícuro  ,    e   Tem 

iuz  42.  \cu 

He 


Das  coufâs  votai  eis.  489 

He  menor  que  a  Terra  99, 

Tem   ph^ifes  ou  quarics  Crefcentes   e  Min- 
guantes 42, 

Con  o  fe  conhece   fe  o  quarto  he  Crefcente 

ou  .Minguante  45. 

Como  influe  nos  ccrpos  humanos  61.  74. 

Ou  nas  rem.entciras  67. 

Só    indircciamcnte    pôde   influir  nas  doen- 
ças 67. 

Como   a  fua   attracçáo    he   caufa  das  ma- 
rés ^-8. 

Tam'cem  he  caufa  dcs  ventos  455. 

O  feu  diâmetro  <;9. 

Superfície  JCO, 

\''olume  ICO. 

O  íbu  pezo  e  denfidade  JCO. 

Sua  figura  103. 

Os  feus  mentes  IC4, 

Os  fcus  mares  10-7. 

Não  tem  atmosfera  icP. 

Os  léus  habitadores  lOi;. 

A  fua  diílancia  da  Terra  114. 

Sua  excentricidade  114, 

inclinação  do  íeu  eixo  no  plano  da  fua  or- 
bita 115. 

O  feu  m-ovim.ento  periódico  iii, 

O  íeu  rrcz  íynodico  iii. 

Movimento  de  rotação  112. 

ívíovimienio  de  Jibr^çáo  ii^. 

A  íua  fom.bra  hc  pyrrmjdal  117. 

He  a  caufa  dcs  cclipfcs  do  Scl  5.0. 

A  fua   orbita   cruza  cem  a  do  Sol  cem  i-r- 

gulo  de  5  gracs  124, 

Os 


49^  hidex 

Os  feus  Eclipres  fuccedem  fó  na  Lua  cheia , 
mas  náo  cm  todas  iiíi, 

Qaando  hc  total  ou  parcial  12^. 

CalcaLif  a  laa  quantidade  127. 

Porque  fendo  eícura  fe  pôde  ver  na  total 
obfcuraçáo  122. 

Nunca  entra  na  fombra  da  Terra  rigorofí- 
mentc  fallando  12c. 

Entra  na  íbmbra  da  atmosfera  terrcílre   120. 

Mf^vicnenro  reciproco  da  Terra  e  da  Lua  á 
roda  de  íi  meimos ,  e  cm  giro  á  roda  do 
Sol  ;i7. 

Centro  commum  do  movimento  entre  a  Lua 
c  a  Terra  içip. 

Modo  de  pezir  a  Lua  ^20. 

Círculos  corados  que    fe  vem   á  roda   del- 
ia       ^  47c. 
XuJr  náo  pode  fer  nocivo  a  coufa  nenhuma  61. 
Luzfalji   das  Eíhellas   o  que   feja  ,    c  como 
au;5menta  a  faa  appircnte  grandeza    206. 

A  dos  Satélites   de  Júpiter    gaita   mais   hum 

quarto   de  hora   em  checar   a  nós   na  op- 

pofiçáo  ,  que  na  conjunção  262. 

Luzes  que  fe  vem  no  Ceo  o  que  fejáo     47^. 


M 


M 


Âmhis  do  Sol  80. 

O  que  sáo  H2. 

Da  Lua  10^. 

De  Vénus  141. 

De  Marte  149. 

De 


Das  coufãs  íiotaveis,       491 

De  Júpiter  1^8. 

De  Saturno  166, 

Marés   fua  caufa   não  he  a  fermentação  das 

aguas  ^7^, 

Nem  os  turbilhões  de  Des-Cartes  ^-5'. 

Admitre-íe  como  hypothefe  aatiracçãoNew- 
toniana  ^yR, 

DifRcuIdade  contra  efíe  fyftema  ^"'9. 

A  fua  reípofta  ^82, 

Círcumftancias  particul^es,  que  fe  obfcrváo 
nas  marés  t^^j^ 

Porque  fe  demorão  as  marés  três  quarcos  de 

hora  de  hum  para  outro  dia  ^Jí^^. 

MdrU  a  fua  luz  148, 

Manchas  149. 

Nuvens  e  atmosfera  149. 

Grandeza  I50. 

Diftancia  do  Sol  i50« 

Excentricidade  I5O. 

Movimento  periódico  151. 

Movimento  de  rotação  151, 

Diftancia  da  Terra  152. 

Inclinação  da  fua  orbita  15^. 

J\'í^:ifn  ou  pezo  do  Sol  79, 

Da  Lua  ICO. 

De  Júpiter  155. 

De  Saturno  165. 

jlíetbodo   para  conhecer    o  pczo   dos  Plane- 
ias :5I4. 
JWcrcurio  1:50. 

A  fua  grandeza  1^0. 

Náo  fe  Icibe  o  feu  pezo ,  nem  a  denfidade  i  ;  i . 

Os  feus  habitadores  145^ 

Dilr 


j^c)z  Index 

D;ílanc'a  do  Sol  i^r, 

ExcentricidaJe  i^;» 

Inclinação  d.i  orbita  i^^. 

Jíímuío  o  que  {(^\a  1:54. 

Meridiano  da  Esf^^ra  o  que  hs  214. 

Jidendianos  da  Terra  sáo  divcrfos  ^^5. 

Qjal  h:?  o  primeiro  meridiano  ^^7. 

Medição  dos  ^ráos  do  Meridiano  na  Linha , 

e  nos  Pólos   feica  pelos  Académicos    de 

Paris  ^40. 

Mcz  347. 

Synodico  da  Lua  iii* 

Periódico  III. 

Mendes  da  Lua  104. 

De  Vénus  142- 

QjA  foi  a  origem   do»  que  ha   na  fuperíicie 

da  Terra  Te^ando  Mr,  Bjffo:i  :597. 

Movimento  diurno  dos  Aftros     'ò6.  220.  224. 

Sempre  he  para  Poente  220. 

O  próprio  c  periódico  de  todos  os  Aftros  he 

para  o  Maícente  219. 

Re.rojrado  dos  Aftroi  o  que  íeja  265-, 

D:  vertigem  oa  rotacxo  i4v 

O  particular  de  caJa  Planeta  ,   veja-fe  o  feu 

nome, 
A  fua   caufi   n5o  sáo   os 

Garres 
Nem  03  Anjos 
He   a  força  centripeta   e 

niana 
Leis  do  movimento  em  giro 
Leis   do  movimenro  dos  Planetas  defcuber- 

ías  por  Kcpiero  305.   uo. 


vórtices 

de 

Dcs- 

2<Í4. 

centrífuga 

ro 

N 

c^  to- 

2-6, 

2-T8. 

Das  coufas  notáveis.  493 

N 

^7  Emcn  o  feu  fyftema  Tobre  a  caufa  áô 
X^  movimento  dos  Aitros  281- 
Aev?  de  que  provém  452. 
Névoas  de  que  procedem  449* 
Noite  e  dia  o  que  íeja  no  fyfíema  de  Copér- 
nico 22^» 

Que  dura  6  mezes  nos  Pólos  ^54- 

Nós  da  orbita  dá  Lua  123, 

Número  quadrado  o  que  feja  286. 

Cubico  o  que  fcja  28^» 

Nuvens  que  coufa  íejáo  449* 

As  da  trovoada  como   fe  pôde  faber  quanto 

diltáo  de  nós  4^o», 


o 


Pprficão  dos  Planetas  o  que  feja        i^8« 

Orbita  dos  Planetas,  o  que  feja         124* 

A  da  Lua  cruza  com  a  do  Sol  124. 

As  de  qualquer  Planeta   cruzáo  com  a  Fcli- 

tica  ,    e  íe  comprchendcm  dentro  do  Zo- 

diaco  212. 

Origem  das  fontes  qual  feja  41^.- 

Outono  o  que  he  fyficamente  ^^6, 

Como   fc  explica    no   fyftema    Copemica- 


Psi 


494  Index 

[3 


r 


PAralkUfmo  do  eixo  da  Terra  'i^G^i 

Pedra  de  que  fe  forma  a  íua  chuva    452* 
A  pedra  do  raio  he  coufa  fabulofa  46c* 

Pêndulos  dos  relo;^ios  andâo  mais  de  vagar  nas 
Terras  mais  chegadas  á  Linha    258.   342. 
Penumbra  áo  Sol  o  que  he  p5* 

Nella    confiltem    os    Eclipfes    parciaes    do 
Sol  5)6. 

Dá  Terra  nos  Eclipfes  da  Lua  122. 

Períodos  de  Mercúrio  134* 

De  Vénus  i43- 

Da  Terra  229. 

De  Marte  I51. 

De  Júpiter  157, 

De  Saturno  168. 

O  de  Sol  87. 

O  da  Lua  iH. 

O  das  Eílrellas  209. 

P bafes  da  Lua  42» 

Pingas  de  agua  porque  são  mais  groíTas  de  ve- 
rão que  de  inverno  45'* 
Perihelio  M^- 
Periódico  mez  iii* 
Planetas  o  que  são  42» 
Sáo  opacos                                                  42» 
Tem  fuás  phafes                                       4^*» 
O  fcu  número                                           4y» 
Dividem-fe    em  Primários  ,    e   Secunda- 
nos                                                       49» 

Não 


Das  coiifas  notareis,      49^ 

Nso  fcintilláo  fenáo  junto  ao  Horizonte  20;* 

Os  Teus  movinicmos  no  íyítema  de  Ptolo- 
meo  216^. 

No  de  Tico  218. 

No  de  Copérnico  222, 

Modo  de  conhecer  o  feu  pezo  c  denfida- 
de         ^  514.  221. 

O  feu  irovimento  retrogrado  265-, 

Quando  parecem  eílacionarios  265» 

Todos  pczáo  huns  para  os  outros  281. 

Movem- fe  em  Eliícs  2(;6'. 

Náo  sáo  arrebatados  pelos  vórtices  de  Des- 
Cartes  22. 

Nem  governados  pelos  Anjos  274. 

Movem-fe   pelas  íorças  de  attracção   e  cen- 
irifuga  275, 

Polignac   Cardeal   feguio  o  fyfíema  Coperni- 
cano  252. 

Pólos   da  Eclitica   guanto  diílão  dos  do  mun- 
do r^P* 
Pólos  do  mundo  ,   movem-fe  á  roda  dos  Pó- 
los da  Eclitica  371; 

Do  Norte  ,  ou  £onal  j  do  Sul  ,  ou  Juf- 

trai  212: 

Primavera,  o  que  he  355. 

Como  a  cxplicào  os  Copernicanos         '(66^, 


Q 


Q 


Vadrndos  números  o  quê  fejão         2 9 li 

De  diítancia  nos  Planetas  faz  diminuií 

â  attracçá©  28^^ 


496  líjdex 

Os  dos  Tempos  periódicos  sao  como  o?  cu« 

bos  das  diitancias  510, 

Quartos  da  Lua  44. 

Como  fe  conhece  qual  he  o  Crefcente  ,   c 

qual  o  Minguante  4^, 

Não  devem  governar  as  fementeiras        C7, 


R 


Í'^A'aiiís  ãe  vento  de  que  fe  originão     45""o 
'<.  Ríiia  q'Jal  hs  a  íua  caufa  458. 

A  íua  peira  hc  coufa  fingida  460. 

O  que  he  46^1, 

Não  fe  acccnde  junto  á  rerra  46"^, 

Com   o  vento   íe  aífugentâo  :    não  convém 
tugir  dcUcíí  46&0 

Póde-íe   duvidar  de  muitos  dos  fcus   eíFcU 
tos  4^4» 

Rniz  quadrada  o  que  he  lh6, 

Eelampago  que  coufa  fcja  A5^^ 

Relógios   porque  náo  podem  feguir  fempre  o 
'Sol  349. 

Retrógrados  Aftros  26^, 

Jiio  caudalcjo  ,   como  fe  pódc  calcular  a  agua 
(]uc  leva  4^i« 


"^  Atclites  ou  Planetas  fecundaríos  sV* 

f    Seu  número  55« 

Sáo  opacos  54^ 

Tem- 


Das  coufas  notáveis,        497 

Tem  eclipfes  '^^^ 

Tem  phaks  ,   mas  infeníiveis  ,    excepto  na 
Lua  55. 

Os  de  Júpiter  são  quatro  159. 

Tem  eclipfes  mais  frequentes  que  a  Lua  55, 

159. 
As  fuás  orbitas  xto, 

Diftancia  e  períodos  i6r. 

O  de  Vcnus  5^.   144. 

Os  de  Saturno  são  cinco  efuas  diftancias  56, 

168. 


Saturno  fua  figura 

162. 

Sua  grandeza 

i6s. 

Seu  pezo 

165. 

Dcnfidade 

166. 

Manchas 

166. 

Diftancia  do  Sol  e  excentricidade 

167. 

Diftancia  da  Terra 

i6t. 

PerioJo 

168. 

Rotação  he  inco2;nita 

iC8. 

Inclinação  da  orbita 

168. 

ScimilLí^ao  das  Eftrellas 

202. 

Dos  Planetas 

20^. 

Scipião  Maffei  rejeitado 

4^^ 

Segundos  0  que  fej^o 
Sol  a  fua  natureza 

M4. 

76. 

Grandeza 

77- 

Diftancia   da  Terra 

89. 

0  feu  pezo 

79. 

Fi£;ura  e  manchas 

80. 

Movimento  de  rotação 

80.  88. 

MoviíTienio  commum  ou  diurno 

S6. 

Ferio io  próprio 

S6. 

Tom.  VI.                  li 

Seus 

49^  Index 

Seus  cclipfes  90. 

He  caufa  do  vento  Léftc  que  ha  r.a  Zona 

Tórrida  453. 

Sol  (ii  cios  215. 

Symdico  mez  iii. 

Sjftem^  de  Ptolomeo  217. 

De  Tico  218. 

De  Copérnico  222. 

Sua  bel  la  analogia  229. 

Comparação  com  o  de  Tico  2^2. 

Argumentos  da  Efcritura  contra  elle  255. 

Lugar  not.-vel  do  Penitenciário  do  Papa  a 

erte  rcípeito  235. 

Rcípofta  acs  lugares  da  Efcritura  i:,-^. 

Argumentos  fyíicos  contra  cllc  ;  e  fuás  re- 

ípoftas  241. 

Razoes  a  favor  dos  Copernicanos  252. 

O  Cardeal  Polignac  09  favorece  252. 
Syftema  Ne^x  toniano  fobre  a  caufa  do  movi- 
mento dos  Aftros  275. 


TFna  he  contada  corro  Planeta  49. 

Tem  fuás  phafes  viíta  da  Lua  102. 

He  globofa  3^0. 

Tem  a  figura  de  esferóide     255.   :53o.   340. 
He  mais  alra  no  Equador  254.   340. 

Efeitos  defta  redondeza  331. 

Tem  os  meímos  circulos  que  o  Ceo       ^:,4. 
Diftancia  delia  ao  Sol  146, 

Gira    á  roda   deile   no  fyftcma   Copernica- 
no  14<^.  229. 

Ro. 


Das  coiifas  notáveis         499 

Rotação,  ou  movimento  diurno   147.  225-, 
Excentricidade  147. 

Eftá  mais  perto   do  Sol  de  inverno  :   o  feu 
diâmetro  medio  qu:.nto  vaie  w€. 

O     íeu    circulo    máximo    quantas    léguas 
tem  :ç  \6, 

A  Tua  fuperficie  c  volume  ^46. 

O  diâmetro  dos  Pólos  he  mais  curto     ^40, 
A  íua  fombra  he  pyramidal  117. 

Nunca  chega  á  Lua  120. 

Efteitos  da  lua  penumbra  122. 

Modo    de   faber  onde   íica   o   centro  com- 
mum  320. 

Terra  firme  como  fe  dividio  do  Mar  ^05. 

Sua   íuperncie    tem   padecido    grandes  mu- 
danças 40  í. 
Terremotos  procedem   de  fermentação  dos  mi- 
neraes  ,  principalmente  enxofre           4^0. 
Como  podem  caufar  inundações  42. 
De  que  procede  o  brami  Jo  íubcerraneo  ^  que 
os  acompanha                                        4)7- 
Se  poderá  haver  algum  íignal  para  conhecer 
que  os  ha  de  haver                               4^5, 
Ticonuo  fyítema                                        218. 
Trópicos                                                       212. 
Trovão  porque  faz  tanto  eflrondo  ,   c  as  cau- 
fas  que  para  iiTo  concorrem                 459. 
Porque  tarda  depois  do  relâmpago          4(;o. 
Quando  fe  houve  já  nso  ha  perigo  de  raio  400. 
Trovoadas  sáo  cífeitos  da  fermentação  das  cx- 
halaçóes                                                 458. 
Porque   ha   mais  de   vcráo   que   de   inver- 
no                                                       45H. 

Co- 


'no  Index 

Como  fe  pòcíc  faber  ijuanto  difta  de  nós  a 
nuvem  que  a  cauía  46c. 


V 


T/^^í^í/oXe^x•toniano  no  efpaço  dos  Ceos  27. 

r      /-^^por  quente  de  agua   he   íummamcnte 

raro  4:58. 

Sua  incrível  força  elaflica  4^8. 

Vapores  eitÁo  fubindo  continuamente  dos  cor- 

píTS  terrefíres  44  <^. 

R^,záo  porque  fendo  partes  dagua  ,    podem 

fazer-íe  mais  leves  que  o  ar  447. 

Po^em  fer  caufa  dos  ventos  45'. 

Vdocidrule  ,    com  que  cahem    os  corpos   huns 

pjra  03  outros  ,    náo  fe^ue   a  quantidade 

da  n::;'teria  do  corpo  que  cahe  284. 

S^gue  a  razáo  da  malTa  actrahcnte  284. 

Qjando  os  corpos  muruamcnie  le  attrahem  , 

os  cfpaços  ,  que  correm  ,  eftáo  na  razáo 

reciproca  dt^s  rr.aílas  285. 

Sempre  ric  maior  a  velocidade  dos  Planetas, 

e  dos  Cometas  ,  quando  diftáo  menos  do 

Sd  5c8. 

VeHtcs   quantos    fejáo  ,    e  quacs    Teus   nomes 

princip  es  452. 

Qjc  cauías  os  pofsáo  produzir  45^. 

Os  ventos  rijos  de  que  procedem  455» 

AMb^enfp.o  os  rjios  463. 

Vénus  rem  fui^s  phafcs  27^6,   137. 

He  opa:a,  e  globofa  1^7. 

BfiJHa  mais  quando  liC  como  Lu?,  nova  1  ^7. 

lyj.  Dií- 


Das  coufas  notáveis,       5*01 

Diftancia  que  icm  do  Sol  1^9 

Excentricidade  141 

Diftancia  que  tem  da  Terra  1^9 

Suas  manchas  141 

Seus  montes  14- 

Seu  Satélite  56.  144 

Sua  grandeza  142 

Periodo  14? 

Rotação  14^ 

Inclinação  da  fua  orbita  14? 

Habitadores  145 

Verão  hadous  em  cada  anno  no  Equador  ^51 
CoTiO  o  explicáo  os  Copernicanos         ^64 

Via  la'ha  Ip8.  20f 

Vórtices  de  Des-Cartes  zz 


Z'  Odiaco  o  que  feja  212. 

-'  Zona  Tórrida  217.  ^^5. 

O  leu  calor  náo  he  infupportavel  260. 

O  demais  veja-fe  Equador 
Frigi  Jas  217. 

Temperadas  217.  ]^6, 


IN- 


INDEX 

DOS  LUGARES  ,    EM   QJJE 

fe  expiicão  as  figuras  das  Eílampas 
Ceguintes. 


EJl^tmpa  primara. 

T7  Igara     i. 
J-    Figura  2. 

Pag.  i^ 

45- 

Figura     V 

^■7- 

Figura     4. 

84. 

Figura     5. 

95.  98. 

102.   119- 

Figura     6. 

Fftampa  fegunda. 

97- 

T^Tgura     i 
J     Figura  2 

Pag. 

• 

117.  120, 
120. 

Figura     3. 

124.  1^4. 

Figura     4. 

125. 

127.  154. 

Figura     ^. 

M7. 

Figura     6, 

149. 

Fii^ura     7- 

15H. 

Fií^ura     8. 

158. 

Fii;ura     9. 

162. 

Figura     IO. 

164. 

Fiiiura     1 1. 

164. 

3 

Fi- 

Inde^y:  das  eftampas.        503 


Figura     12. 
Figura     13. 

184.  229. 
218. 

EJlampa 

terceira. 

T7lgura     I. 
X    Figura  2. 

Pag. 

211.  220. 
213. 

Figura     ?. 

Figura     4. 
Figura     5. 
Figura     6. 
Figura     7. 
Figura     8. 

' 

266. 

269. 
276. 
292. 

EJiampa 

quarta. 

T^I^ura     I. 
X     Figura  2. 

Pag.  uj^, 
300.  306. 

Figura     3. 
Figura     4. 
Figura     5. 
Figura     6, 
Figura     7. 
Figura     8. 

3ip. 

318.  3R^ 
^83.  385. 

352. 
335. 

EJiampa  quinta. 

T7  leura     I. 

r     Figura  2. 
Figura     3. 

Pag.  3^4. 

374.   378. 
3^8, 
Fi- 

5*04         Index  das  ejlampas. 

Figura  4.  45^. 

Figura  5.  4?9. 

Figura  6.  ^^9- 

Figura  7.  4<^5* 

Figura  8.  467- 


i 


Tem  Tl. 


Ejt  i: 


Fu,i 


F,^ 


„    1 

^Kcpícnis.S.&afieniius.ftj  {a  i  íj      V      "^ 

■.<J(cir/}a/ii.!.c.J(cfacãè  {              —^  .jis-    *^~" 

.lamhciuiiLs  .lOfJycinnU  ^^            ssaff              ^—^ 

ílCoiKniUlus.lZsJltlum  ~    ^     ^P^—      ^ 

l!>£rahstcne^l6S,nocfc,ru      g-      ^  M  —^ 

l^Sn.n,la.n,o,.uncÒH.  ^ 

l%Eiuíoxm.X?>Jn^tohUs      Ç*  

l(\Jítrmc>.2'7.Sof^iiom         fe.    .^  4^'^  ^* 

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