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i^-*
Presenteei to the
LIBRAR Y o/ í/ie
UNIVERSITY OF TORONTO
by
Professor
Ralph G. Stanton
RECREAÇÃO
FILOSÓFICA
O u
DIALOGO
Sobre a Filofofia Natural, para inf-
trucçâo de peílbas curiofas , que
iiâo frequentarão as aulas.
PELO
P. THEODORO D'ALMEíDA
da Conereençáo do Oratório de S. Filippe
Neri e da Academia das Scirncias de
Lisboa, Sócio da Real Sociedade
de Londres , e áà dç Bilcaia.
Quinta imprefsão muito rnais correíla que
as precedentes.
TOMO VI.
Trata dos Ceos e do Mundo.
LISBOA,
NA REGIA OFFICINA TYPOGRAFICA,
A N K O M. DCC. XCV.
Cem Licença,
INDEX
DASMATERIAS, aUE SE
tratão neíle Tomo VI.
TARDE XXIX.
Dos Ceos e Aftros em com m um.
§. I. T^ A cor e figura dos Ceos Pag. i.
§. II. J^ Da Natureza dos Ceos i<i»
§. III. Dos Vórtices ou Turbilhões de Des-
Cartes 22.
§. I\^. Do Vácuo Newtoniano no efpa-^o dos
Ceos 27.
§. V. Da Opacidade dos Planetas , e fuás
Phafes , particularmente das da Lua 4^
§. VI. Dos Planetas Primários e Secundá-
rios , e dos Cometas e EJirellas em conu
nwm 49,
§. VII. Do Inf.uxo dos Afiros nos corpos ter-
refires 60,
TARDE XXX.
Do Sol e da Lua em particular.
§. I. T^ O Sol e da fua natureza , fyura ,
£~^ grardeza , pezo , denjidadc ,
manchas e atmosfera 71.
% II. Dos movimentos do Sol , e da fua dif-
tancÍÃ a rejpcito da 1 erra 86.
§. III.
i. in. Dos Eclipfes do Scl ço.
§. IV. Va Lux , [ua grardeza , pezo , detift-
dade , e dos Jeus montes , atmoijera e t:a-
bitãdnres kj(j.
§. V. Dos movimentos da Lua, e fua diltan-
cia III.
§. VI. Dos Eclipfes da Lua ii<^.
TARDE XXXI.
Dos mais Planetas em particular, Co-
meras e Ellreilas.
§. I. T> E Mercúrio e Vénus 129.
§. lí. JLJ Da Terra e Marte 14^^.
§. III. De Júpiter c [eus Satélites 15^.
§. I\^ De Saturno e feu Annel e Satéli-
tes 16 z^
§. V. Dos Cometas e fuás orbitas i6(j,
§. VI. Da figura dos Cometas , e cffcitos íjUg
podem caujar lò^
§. VII. Das Eftrellas fixas 1^4*.
TARDE XXXII.
Dos Movimentos dos Aftros compara-
dos entre fi.
§. T. T^^^ círculos da Esfera 212.
§. II. JlJ Do jyjtuva Ptolomaico e Ticoni-
CO 217.
§. III. Do fyílema Copernicano 222.
§. IV.
§. IV. Por der ao- fe os argumentos da EfcritU'
ra conra o fyjiema Copemicano 2;^.
§. V. Dos argiiwctnos Jyficos contra ofyjie-
ma Copemicano z4i.
§. VI. Das razoes fy ficas que favorecem os
Copemicanos z^i,
§. VII. Dos JJiros Retrógrados , e EftacíO"
narios 26^.
TARDE XXXIII.
Da caufa fyíica do movimento dos
Aftros , e das Leis que peren-
nemente obfervao.
§. I. 7~^^ jÍKÍ^^'"^ Newtoniano em com*
-»-^ mum 275.
§. 11. Provas da Gravidade geral e mutua de
todos os corpos 281.
§. III. Do movimento dos Jfiros eín Eli'
fes 196,
§. IV. Das Leis , tjue inviolavelmente ob'
fervao todos os Jjiros nos fcus movimen-
tos ^5.
§. V. Do methodo para conhecer o Pezo dos
Planetas 314,
TAR.
TARDE XXXIV.
Dos cífeitos que nafcern dã figura c
íiíuaçlo do Globo da Terra a
rerpeito dos Aílros,
§. I. T^ yi figi^^^ c àivhh do Globo da
J-^ Terra , e da longitude , e la-
titude das Cidades , e também das Ejtrel-
las ^:;o.
§. IL Das horas , dia , e Anno : Ferio e
Inverno 247.
§. III. De alguns Paradoxos admiráveis acer-
ca dos dias e horas ;57.
§. IV. Expiica-fe o dia , yltuio , e fuás Ef-
ta:Ões no íyliema Copernicano ^64.
§. V. Do Anno grande feito pelo movimento
periódico das Efirellas no fyftema Coper-
nicano ^6y,
§. VI. Da caufa das Marés P3.
§. VIL Das^ circumfíancias particulares qiit
fe ohfervao nas Mares 587.
TARDE XXXV.
Do Globo da Tcrrc confiderado em u
mermo , e da fua Atmosfera.
§. I. T^ A Terra firme e feus tnontes , e
J~^ das conchas do mar que r.cllcs fe
achão ^94.
§. II.
§. II. Da crivem das Fomes e dos Rios 41^.
§. II í. Dos Terremotos , [uas caufas , e efei-
tos : onde fe trata da elajlicidade dos va-
pores 430.
§. IV. Dos Fapcres , e Nuvens 446,
§. V. Dãs Chuvas , Fentos , Relampagr^s ^
Trovões^ e Raios 45 '•
§. VI. Do Arco íris , c da Aurora Bo-
real 464.
RE-
.i'r.,f
RECREAÇÃO
FILOSÓFICA
REPARTIDA POR VARIAS TARDES*
TARDE XXIX.
Dos Ceos, e dos Aftros em commum<
§. I.
Da cor , e figura do Ceo,
A
Silv. /% Migo Eugénio , aqui rne ten-
des depois de bem poucos dias
de demora. Saudaces voíTas , e
da bella converfaçáo em que nos entreti-
vem.os 5 me fizerâo defembaraçar com pref-
teza.
.Tom, Vi, A £ug.
1 Recreação Filofofíca
Eug. Igualmente obrigado vos fico pelo gof-
to da volTa companhia , e pelo intcreíTe que
delia me rcfulta na continuação da noíTa re-
creação literária.
Theod. Não vos efperava tão cedo ; mas a
bom tempo vieftes , porque temos á manha
hum eclipfe da Lua , que eu , e mais Eugé-
nio fazíamos tenção de obfervar ; e icntia-
mos a. volTa aufcncia.
'■■ Silv. Pois que ? ]á vós o tendes feito Aftro-
nomo neftes poucos dias que paíTáráo depois
que me retiiei !
Theod. Não. Pofto que as noites bellas , e
ferenas , que nos convidavão a largos paf-
feios pelas praias até depois da meia noi-
te , nos obrigavão a fallar muitas vezes dos
Ceos , c dos feus Aíhos ; com tudo por
attenção a vós , não falíamos em coufa al-
guma metodicamente ; fó admirávamos a
encantadora formofura do Palácio do Omni-
potente vifto pela parte de fora. Eu via
muitas vezes Eugénio quafi tranfportado ,
quando já com eípiríto de Filofofo hia re-
fledindo , e ponderando cada coufa iepara-
damenre.
Eug. Na verdade que não ha coufa , que af-
lim me arrebate a alma , e recree fuavc-
mente a vifta , como huma noite alegre e
ferena. Caufa-me huma efpecie de encanto
ver aquella vaíliflima abobada azul , crava-
da por toda aparte de formofiííimos diaman-
tes j ver, que fem ordem , mas com huma
graça inimitável, cíláo femead<)s , ora mais
jun-,
Tarde i:}ge/ima nona, ^
juntos 5 ora mais eíparnados •■, ver que huns
mais pequenos e Túmidos àeixáo brilhar os
outros , que maiores e mais vivos eíláo
fcintillando. N alguns hc a luz clara e fere-
na , que lá quer imitar a da Lua ; n'ouííOs
hum tremor e contínuo deíalTocego defafia
mais a nolTa ôttençáo , quando a vifta mais
fe firma para obfcrvar a jua lormofura. ]á
quando a Lua cheia vai í^.hindo do Hori-
zonte , toda vermelha , aífogueada c de hu-
ma grandeza cíhanha , que parece hum Sol
ardendo , náo fe pôde negar que he formo-
fiflima ! Levanta-íe , e como que temos
hum novo e mais favorável dia , fem nos
vermes obrigados a fugir do feu calor , co-
mo nos obriga o Sol. O que mais agrada
aos noíTos olhos , e mais recrea o juizo ,
he ver o reflexo da fua luz nas aguas do
Tejo. Fica hum rio de líquida prata , que
brilha c refplandece como a mefmia Lua ;
e cá pela praia , onde náo he táo grande o
reflexo, cerras ondas dáo huma difperfa luz
como eflrellas perdidas , que afsás imitão
as que refplandccem no Ceo. ConícíTo-vos ,
Silvio , que horas , e horas me dem.orava
fenrado nasjanclias alta noite: humas vezes
olhando para o mar , ouvindo bater ?s on-
das na manfa arêa , e vendo and:ir íaitando
pela fupcríicie da a^ua os prateados peixes ,
que fertcjaváo ao feu nodo a prefença da
Lua • outras vezes olhava para o Ceo repa-
rando ora numa , ora n outra eftrella , fu-
mindo-fe humas no. mar , e apparecendo a
A ii ca-
4 Recreação Tilcfofica
cada paíTo curras novas no oppofto Hori-
zonte \ compcnfando-me cftas a pena que
ás vezes me deixaváo as outras , que fe ef-
condiáo de mim. Rematava muitas vezes,
dizendo cá comigo : Se a terra , que he a
cafa que Dcos ícz para os homens , ás ve-
zes eílá coalhada de lindas flores , e appa-
rccem os campos táo formofos , que muito
he que feja bella c admirável a cafa que
Deos fez para íi ?
S'ú\!, E que ícrá vifta por dentro ! quando
táo bella e mageílofa he vifta por tora.
Iheoà. E que direis vós fe á formofura que
podem perceber os olhos , fe aJuntaíTe a
que fó o entendimento pódc alcançar ? Sc
vilTeis o Ceo náo fó com os olhos de qual-
quer homem , mas com olhos de Aílro-
nomo ?
^ug. Certamente que feria muito maior a
minha admiração ; porém iíTo fica refer-
vado para depois de vos ouvir a vós ncf-
ta matéria , como o tendes feito nas ou-
tras.
Thcod. Ora já que á manhã temos obferva-
çóes 5 vamos hoje fallando neftas matérias;
c primeiramente tirando alguns prcjuizos ,
ou prcoccupaçóes erradas , que defde a in-
fância fe nos mfmuâo no entendimento ,
das quaes agora fui percebendo que tinhcis
algumas , quando eítiveftes difcorrcndo dos
Ceos , c dos Aíhos. Primeiramente julgais
que o Ceo he huma formofiíKma abobada
azul y e tal náo he ; que dizeis vós , Silvio ?
Sily.
Tarde 'vigefima nona. ^
Silv. Eu náo lhe chamarei abobada , mas
globo. Já lá vai deftcrrada a opinivío vul-
gar dos póvcs antigos , que imaginaváo que
a terra era chata , e que fobre ella fentava
huma abobada em redondo , que era o Ceo ;
tanto aíhm que houve Monges tão íeriamen-
te perfuadidos defte erro , que tomarão os
feus bordões , e começarão a peregrinação ,
que eíperavão rematar onde o Ceo abaixal-
fe tanto , que tocalTe na terra , e íc jun-
taíTe com elía.
Eug. Governaváo-re meramente pelos oihos,
e náo difcorriâo , que lumindo-fe o Sol to-
dos os dias no Horizonte , e apparecendo
da outra parte na manha leguince, era ma-
nifefto indicio que rodeava a Terra ; e náo
podia fer o Ceo huma abobada firmada ío-
bre a terra , aíHm como nos relógios de al-
gibeira fe firma o vidro fobre o efpelho ou
iTioftrador. Eu náo digo que he abobada
neííe Tentido , lenáo hum globo azul , que
á roda do globo da Terra íe revolve iodos
os dias.
Jhccd. Ahi mefmo eftá o engano ; porque o
Ceo náo he globo, nem he azul. Súwio ad-
mira-fe : ora vamos difcorrendo. Primeira-
mente fe o Ceo folTe azul , toda a luz que
nós vilTemos a través delle nos pareceria
azul : e aííim como vendo o Sol por hum
vidro vermelho , o vemos avermelhado ;
também vendo-o a través do Ceo da Lua ,
que fica muito mais abaixo , fe cíbe Ceo
íoíTe azul, o veríamos azulado i como tam-
bém
6 Recreação Filofofica
bem os demais aftros , que ficáo aílima do
Sol. Se dilTerem c]ce fó o ultimo Cco, on-
de imrgináo engci liadas as eftrellas fixas ,
he azul, lomára que miC diílelTem como fe
pôde ver elTa cór iáo viva cm Icmeihanre
diílancia ? qusndo nós fcibemos que innu-
meraveis eftrellas, as quaes vcrjadeiramen-
te sio como huns soes , por eítarem táo
diftantes , abíolutamente fe náo percebem
íe náo com grandes Telefcopios. Se vós
na banda-dalém náo pudclTcis perceber hu-
ma grande fogueira , por ja eftar mui dif-
tanre , como havíeis de perceber diítincla-
meme hum cobertor azul , de forte que
náo entraiTeis cm dúvida que era azul ? As
ferras de Cintra , e d'Arrabida , muitas
vezes eíráo todas revertidas de verde ; e
com tudo quando fe vem de grandiflima
diítancla náo fe lhes percebe cor diftinòla ,
nem viva , mas fó huma cor parda e ef-
cura. Eugénio , haveis de faber , que efte
cfpaço dos Ceos a refpeito da noíTa vifta ,
he im-Tienfo , e náo tem proporção algu-
ma , de lorte , que fe náo tolTe a luz áo
Sol , e dos maÍ5 aftros , que fempre o allu-
miáo, para nós feria totalmente negro eííe
efp ço , aílim como o he huma cafa ás ef-
curas : como porém fempre efte cfpaço cf-
tá allurr.iado com a luz dos aftros, que ou
giráo fobre a noda cabeça , ou andáo por
baixo do Horizonte , e |~or outra parte a luz
de fi he br.nnca ; derrama- fe efti luz fraca
fobre o cháo negro , e fica hum azul ce-
lef-
Tarde z^igejlma nona, 7
lefte ; aííim como os Pintores quando mif-
turáo tinta branca com a preta lhes fica hu-
ma cor cinzenta. Daqui procede , que de
noite quando o efpaço mais vizinho aos
noílos olhos eílá com hum.a luz mais fraca ,
qual he a das eftrcUas , parece a cor do
Ceo azul efcuro , e inclinando para azul
ferrete ; porém á proporção que pela ma-
drugada le vem allumiando o ar com maior
porção de luz, fica o azul mais cb.ro.
Bug, E porque razáo he o azul do Ceo de
inverno mais vivo , que de verão , quando
os dias de inverno são claros ^ e os de ve-
rão calmofos ?
Theod. De inverno , quando temos hum dia
claro , tem o Cec hum^a cor muito linda ,
e mais viva que nos dias de grande calma ,
porque a calma faz levantar muitos vapores
grolTos da terra , os quaes nâo deixando o
ar puro , tem os raios da luz mais partí-
culas , em que pofsáo reflcátir para os ncf-
fos olhos , e fica o Ceo mais claro , po-
rém depois de largas chuvas , tem o ar
mui poucos vapores : porque de huns le
formou a chuva que cahio , e outros trou-
xe comfigo a chuva para baixo , encon-
trando-os no caminho. Por quanto huma
pinga de agua cahindo , traz comfigo os
vapores , que eftaváo no efpaço por onde
paíTou j aíhm comiO leva çomfigo o pó ,
que encontra , quando corre por fim.a de
hum botete que tinha poeira. E deíle mo-
do como o ar tem poucos vapores, rcfic^íle
me-
8 Recreação Filofofica
menos a luz , e apparccc mais o chão pre-
to dos elpdços immcnros , que chamamos
Ceos.
Silv. Pois duvidais que haja Cco ? líTo hc
de Fé.
Theod, Accommodai-vos , Silvio : ninguém
duvida que haja Ceo ^ o que digo hc , que
cíTe efpaço immenlo , que fe elècnde para
toda a parte que olhamos , hc que nós cha-
mamos Ceos. Vós haveis de diZcr , que o
Cco he hum corpo folido , e como cryftal-
lino : logo f aliaremos mlTo. Mas indo ago-
ra a concluir o que eu dizia : já vedes , Eu-
génio 5 como o Ceo , Tem Ter azul , pódc
parecer azul j porque a luz , que dá nas par-
tículas do ar j e vapores que ficáo defronte
dos olhos , parte p-dla adiante , e prre re-
íleiíic para os olhos ; e fó efta , que refle-
cle para nós , he que pòdc (et fcnfivel ; e
percebe-fe porque alTcnta íobre hum iundo
efcuriffimo , do qual náo vem luz nenhu-
ma : por quanto io dos afiros hc que vem
a luz ; c do efpaço que medeia entre nós
c as eílrellas , nenhuma luz pode vir. He
logo o Ceo , quanto hc de fi , invifivel , c
por ifíb náo tem cór nenhuma ; ou a ter al-
guma , havia de fer negra : afíim como fe
n'uma parede branca eítá hum buraco , ou
janella aberra , vifto de longe eOc efpaço
parece negro , porque náo fe vc nada que
correiponca a cftc lugar.
^/7v. Ahi tendes vós , que o vcíTo difcurfo
he faifo manifcílamer.te : conforme a cllc
ba-
Tarde vigejima nona. 9
havia de appareccr azul eíTe efpaço da janel-
la, evos vedes que he negro : logo nós de-
víamos de ver o Ceo negro , não obíiante a
luz C|ue banna o ar intermédio , le elle de
li náo tivcíTe cor alguma.
Thcod. Argumentais mui bem ; porém a ra-
zão de náo nos parecer azul o váo da janel-
ia 5 c parecer azul o Ceo , vem a fer ; por-
que á roda da janella ha corpos que refle-
t\cvn luz ; e cfta luz forte , que reliecle de
toda a parte , deixa totalmente imperceptí-
vel o reflexo , que nas poucas partículas do
ar intermédio pôde fazer a luz , que por el-
le fe derrama : o que não luccede olhando
para o Ceo; porque além de fer a diftancia
muitO grande , de forte que no ar interm.e-
dio pode refleclir luz que feja fenílvel aos
olhos 5 náo eftá eíle elpaço invifivel cerca-
do de luz forte ; antes no meio de efpaços
immenfos inviílveis apparecem efpalhadas as
eftrellas , que íempre o illumináo com a fua
pouca luz.
JEug. Já advirto na differença. Como a luz ,
que converte o negro em azul , he a luz
que fe cfpalha pelo ar , e que delle refle-
<^le para os oihos , quando a diftancia he
pequena , náo pode fer fenfivel a reflexão
feita nas parriculas do ar ; porém olhando
para o Ceo , dcíTa immicnfjdade de ppríicu-
las de ar , que os raios da luz encontrão ,
grande parte reflecliráó os raios para baixo ,
c nos farão viíivel efíe efpaço ; e como eíTa
luz he clc.ra y e nim efpalhada íobrc hum
fun-
IO Recreação Fihfofica
fundo negro , bem percebo como faz huma
cor azul.
Thcod. Accreícentai agora , que fe eíTa luz
que nos vem do ar for pura , como fc mif-
tura com o fundo negro do Ceo invifivcl
faz hum azul • porém íe por qualquer re-
fracçáo for corada , deíTa mefma cor appare-
cerá tinto o Cco : fempre porém fcrá mui
fraca , e ( como fe explicáo os Pintores ) es-
fumada , porque náo he luz que reflióla de
hum corpo continuado c opaco , mas que
vem mui cfpalh-ada , deixando pelo meio
muiros váos. Eis-aqui tendes a razão de hu-
ma obfervaçào , que cu tenho teito ; c al-
gumas pelToas a quem a tenho communica-
do me certificáo que náo he iliusáo dos
meus olhos. Nos dias claros , citando o
Ceo limpo , depois de pofto o Sol , obíer-
vo no Cco as fete cores principaes pela fuá
or.iem. No Horizonte huma cor vermelha,
que degenera logo em cor de ouro e ama-
rella , e eftas duas sáo mui fcnfiveis ; ícgue-
fe hum verde mar , que ás vezes he mui
viíivel , e pcrguntando-o a muitas peiToas ,
náo fó intelligentcs , mas também ignoran-
tes 5 que como taes fc íiáo mais que as ou-
tras nos fcus olhos , confefsáo que he ver-
de; e fe percebe melhor quando algum ou-
teiro encobre as cores vermelha e amarella
mais fortes , e próximas ao Horizonte. Pelo
reftante do Ceo eítá o azul , e para a parte
do Nafcente ás vezes fc vè mui claramen-
te hum gredelcim e roxo bem agradáveis.
Po-
Tarde vige/t ma nona, ii
Porém quanto mais fracas são as cores ,
mais difficultofamence le pôde perceber a
fua reflexão nas partículas do ar. Chegue-
mos . á janclla que são horas opportunas , e
verei fe percebeis eftas cores. Os Pinto-
res que fabem quantas entráo na compo-
íição das cores miftas , e íabcm diílinguir
com os olhos nas pinturas as cores fim-
plices que ahi mettêráo , e que o vulgo
contunde , eíles também percebem mais
facilmente do que os outros eftas cores no
Ceo.
Silv. Eu fem Ter Pintor , mui bem vejo no
Horizonte humas bellas faxas , vermelha , e
cor de ouro , e me parece que diftinguo ou-
tra Faxa verde muito mais larga.
Eug. Por fima daquelle monte , a primeira
cor que fe vê no Ceo , he efverdeada ; e
agora reparo eu que corre horizontalmente
ella mefma cor , fendo cada vez mais fraca.
Thecd. Pois ahi tendes o que eu digo. Vol-
temos agora á varanda que defcobre o Naf-
cenrc a ver íe percebeis o roxo ....
£ug. Percebo , e bem fe conhece que a cor
do Ceo ahi náo he azul meramente , mas
tirando para roxo ^ porém o gredeleim náo
o percebo.
Thecd. Nem eu -, porém eíTa cor como tem
muita fcmelhança com a roxa , áílim como
a cor de ouro cem a amarella , confundc-
fe ; e digo eu que a haverá levado da con-
je(í")ura , fuppofto verem-fe todas as outras
íeis cores primitivas.
Silv.
12 Recreação Filofofica
Sth. E que razão dais vós deftas diverfas
cores ?
Theod, A terra he hum globo , c rodeado de
ar até certa altura por toda a parte ^ e por
ilTo rr.mbem faz toda efta máquina de ter-
ra c ar cm redondo huma certa forma de
globo ; e como o ar he hum líquido diáfa-
no , faz á luz o mefmo eífeito que huma
bóia de vidro cheia de agua j a qual , co-
mo já vos expliquei , quebra a luz que ncl-
la entra obliquamente. Portanro , depois
que o Sol fe efcondeo , os raios que entráo
na região do ar , a que chamáo atmosfera ^
começão a quebrar para baixo, iftohc, para
deniro do globo j e quebrando a luz , já fa-
bcis que fe háo de feparar as cores que a
compõem , pois como vos expliquei ( i ),
faliando das cores; a cor verde quebra mais
que a amarella , e eíb mais que a verme-
lha, lílo luppoílo , para me virem do Hori-
zonte da parte do Poente vários raios de luz
corada ou feparada , he precito que me ve-
nha com mui pouca refracçáo , e quaíi di-
reito aos olhos aquelle raio vermelho , que
compõe a luz , que entra bem pelo Hori-
zonte i c que venha o raio amarello da
luz que entra mais por íima : porque co-
mo ha de quebrar mais que o vermelho ,
pode vir mais ce íima. O raio verde que
compõe a luz , he o que vem mais por íi-
ma 5 compenfando-fe com a maior refrac-
çáo do raio verde a fua maior altura. Eu
vos
(O Tom. II. Tarde VI. §. IH.
Tarde "cigeftma nona, 13
vos faço aqui hum defenho com o Ispis
(^Ejlâ-mp. ^'fig' I.) j porem para evirar a eíT. i.
confusão, falio fò do vermelho , e am.arel- fig. i,
lo , por quanto o que dilTcr deílcs dous ,
digo de todos por fua ordem. Supponha-
mos que do lugar onde efta a letra S vem
dous raios do Sol , quafi horizonraes j o irt-
ferior a a tanto que entra no globo da re-
gião do ar (cuja porção aqui defcrevo com
pontinhos i e a o) como entra obliquamen-
te , deve quebrar ; e como o raio verme-
lho , que nelTe raio da luz fe encerra , que-
bra menos que o amarello , vem para «, e
o amarello para m : da mefma forma o raio
de luz fuperior e e , tanto que chega ao ar
quebra , e feparáo-ie os raios que o com-
põem j o vermelho quebra menos , e vai
para / , e o amarello quebra mais , e vem
para u. Aqui vedes que o homem que re-
cebe o raio amarello de íima , verá efía par-
te do Ceo como amarella ; e recebendo o
raio de luz vermelho que vem mais debai-
xo 5 julgará vermelha clTa parte do Ceo ; c
pela mefma razáo julgará verde a outra
mais fuperior ; e aílim do reftante. Advirto
porém que etta refracçáo he mui torta , (^dei-
xai-me explicar aílim ) porque o ar cada
vez he mais denfo, conforme fe chega mais
á terra ; c aílim fcmpre os raios vem que-
brando , e fazem humas linhas mui curvas ,
efpecialmente os que sáo mais refrangiveis ;
e por efta razáo os roxos nos vem appare-
cer cá da parte oppofta ao Occidente j e
aqui
14 Recreação Filofofica
aqui femprc ha fua reflexão nas partículas
do ar.
Silv. Suppoílo o que nos diíTcftes n'ourro
tempo , tudo ifTo que fe obferva he huma
confequencia neceíTaria da doutrina eniáo
dada.
Theod. Falta agora dar a Eugénio a razão
porque o Ceo parece redondo , e como hu-
ma abobada , fendo elle hum efpaço invi-
fivel. Quando nós voltando os olhos cm
redondo vemos hum corpo igualmente dif-
tante de nós por toda a parte , devemos
crer que faz huma como abobada , ou para
dizer melhor meia esfera concava i e que
nós cftamos no centro delia.
£úg. Sem dúvida.
Theod, Ora como o Ceo , fendo verdadeira-
mente invifivel, fe reveíte defta cor que fe
forma no ar , fendo também efta cor igual
por toda a parte cm redondo , não nos pô-
de reprefentar o Ceo mais dittante n'umas
partes do que em outras ; e aíiim deve re-
prefenral o como m.eia esl-era concava , e
que nós lhe ficamos no centro. Nem vos
faça embaraço fer ás vezes o Ceo mais cla-
ro de huma parte que da outra ; porque a
larga experiência nos enfina que iíTo he ac-
cidental por caufa da vizinhança do Sol , e
que poucas horas antes ou depois fica igual
na cor ; e entáo he que nos confirmamos
que elle he redondo , como a vulgar obíer-
vaçáo nos perfuade.
Silv, Não he fó vulgar obferyação. Muitos
bons
Tarâe "cigejima 7iona, i^
bons Aftronomos dizem que o Ceo são hu-
mas esFeras folidas , e cryftallinas , humas
menores dentro de outras maiores. Sempre
aílim mo enfináráo meus Mefttes , e cica-
váo Alironomos da primeira claíTe,
§• n.
Da Natureza dos Ceos,
Theod. A Gora difcutircmos eíTe ponto : eu
jL \ conFeíTo que muitos Aftronomos
aííim o diíTeráo ; porém já hoje ninguém tal
diz j porque fcmpre cede á razáo e experiên-
cia roda a humjana authoridade. Os Ceos ,
Eugénio 5 não são íolidos e cryftaliinos , co-
mo diziáo antigamente muitos Aftronomos.
A razáo que os fez voltar defta opinião , he
porque obferváráo que os Aftros fe moviáo
pelo Ceo , e Te hoje eftaváo em hum lu-
gar , á manhã cftavão em outro : eu fallo
dos Planetas. Para o que haveis de fabcr ,
que dos corpos Celeftes fazem os Aftro-
nomos duas claíTes : huma he a das Eftrel-
las fixas , outra a das errantes ou Planetas ;
as Eftrellas fixas chamáo-fe aííim , porque
não mudáo íenfivelmente o lugar do Ceo
cm que apparecem ; as errantes , ou os Pla-
netas, mudáo do lugar. Olhai para o Ceo:
vedes aquella brilhante Eftrella que eftá
levantada do Horizonte para a parte do
Poente ?
£úg.
i6 Recre tição Filofojica
Eug, Vejo , e he formoflííima ; creio que
vós já me àiffcúcs que fe chamava \'cnus5
que era fiei companheira do Sol : os Cam-
ponczes chamáo-lhe a Eftrella da tarde.
Thcod. LíTa he. Pois ahi tendes hum Plane-
ta; as demais que d'aqui íe vem ncíTa parte
do Ceo , que defcubrimos pela jancila , to-
das sáo fixas.
JBug. Mas eu vejo , que d'aqui a pouco já
muitas delias terão defapparecido , e todas
váo correndo para o Horizonte , como
\^enus.
Theod. Aííim he; porém obfervareis que ca-
da huma delias quando íc póc , fempre fe
fome pela rncíma parte co Horizonte. A-
quella que vai junto da Torre de Belém a
buícar o mar , fempre a vereis fumir no
Horizonte por aqueila mcfma p^rte ; porém
\''enus náo he aíIim , fe hoje fe mctíe no
Horizonte por aqueila parte , á manha fe
efcondcrá mais para cá , e o outro dia ain-
da mais ; c tanto muda de lugar , que hu-
mas vezes vai atrás do Sol , corr.o agora
vedes ; outras porém vai adiante dclle , para
nafccr pela manha também antes do Sol;
por quanto cfta mcfma he a que chamáo
Eftrella d Alva ; ora ifto nunca vós vereis
nas Eflrellas que chamáo fixas.
Eug. Já percebo a differença : continuai.
*Thcod. Se os Ceos folTcm lolidos , c os Af-
iros eftiveíTcm ncllcs cns;artados , como os
diamantes nas jojas , náo podcrráo mudar
de lugar , nem movcr-íe. E nós fabemos de
cer-
Tarde vtgefmia nona* \J
certo que todos os Planetas , e Eftrellas fe
movem pelo Ceo : ifto he , além do mo-
vimento commum a todos os Aftros do
Oriente para o Poente , cada hum delles
vai andando lá pelo Ceo , mudando de lu-
gar ; de forte que dentro de determinado
tempo terão dado huma volta inteira.
J/7v. Como quando Dcos formou osAftroSj
e os Ceos , já lhes tinha regulado effe mo-
vimento , que difHcutdade ha cm dizer que
eftáo abertos huns como canaes e cami-
nhos, pelos quaes fe váo movendo , e co-
mo os Ceos sáo cryftallinos , deixáo ver os
Planetas , que lá por dentro fe movem í
Theod. Muitos fe quizeráo livrar defta diíH-
culdade por eíFe caminho , porém não pôde
fer j porque o movimento dos Planetas he
mui irregular, ainda que lempre guarda de-
terminadas leis ; porém como fe variáo as
circumftancias , também para obedecerem
a certas leis invioláveis , variáo o movimen-
to : humas vezes defcem mais , outras fo-
bem. Marte , que he hum Planeta , hum.as
vezes eítá mais perto de nós do que o Sol ^
outras anda muiro mais alto r, e alíim ^ fe o
Sol tem feu próprio Ceo folido , e feu ca-
nal por onde fe move , Marte náo o po-
derá atraveíTaç e paíTar para baixo , nem
d'ahi voltar para fima.
Silv. Também no Ceo do Sol haverá paíTa-
gem para Marte alem da que ha própria pa-
ra o Sol.
Theod. Náo pôde fer ; porque Mane quan-
Tom^VL B 09
l8 Recreação Filofofica
do atraveíTa o Cco do Sol , não he ferepre
no mcírTiO lugar : anres talvez que depois
que O mundo hc mundo , nunca o atravef-
íaíTc íegunda vez por onde palíou a primei-
ra ; fó Tc eíte Cco eftiveíTe todo esburaca-
do 5 lhe poderia dar prompia paíTagcm ^ c
fempre fe arriícava a topar alguma vez nas
partes Tolidas : que feria galante fracaço.
Demais que os Comeras (que sáo outro gé-
nero àc Planetas , como vos direi cm feu
lugar) ainda que tem o feu movimento re-
gular c periódico , a refpeito dos mais af-
tros he mui irregular. Muitos vem de huma
altura incomparavelmente maior que a do
mais alto Planeta , c atraveísão iodos os
Ceos 5 e vem palTíir abaixo do Sol ^ e como
poderiáo vir , e tornar-fe a ir , e depois a
certos tempos voltar , fendo os Ceos foli-
do3 , por mais esburacados que cttivefíem ?
Além de que , a luz dos Planetas íuperio-
res paíTando através delTes Ceos esburaca-
dos 5 padeceria mil refracçóes , e molharia
fuás cores , o que he fallo.
JBug. Náo concorda com a Sabedoria de Deos
obra láo rota , como me parece que feriáo
eííes Ceos com tantos buracos.
Sih. Elta opinião que defendo he fundada
na Efcriíura , que ciiama Firmardcmo ao
Ceo ; e o mcfmo nome Firmamento deno-
ta natureza firme e conílante ; c demais
que cita he a opinião dos Santos Padres;
e aílim hc prcciío para que o Firmamento
íepàíe as aguas , que eítáo lá cm fima da«
aguas
Tarde 'vigefima nona. 19
aguas cá debaixo , conforme o que diz a
Eícricura.
Theod. Náo duvido que a palavra Firma-
mento pareça denotar couía firme ; porém
náo fó a razáo , mas também a authoridadc
nos perfuadem , que náo ufa deila a Efcri-
tura Santa neíTe lentido. O Douto Natal
Alexandre ( i ) adverte bem que a pala-
vra Hebrea , que na Vulgata fe traduz Fir-
tnamcnto , íign fica na opinião de \'aróes
peritos extensão ; e que bellamcnte fe diz
dos Ceos fiuidos. Além de que , o iníignc
Petavio quer que , conforme ao fentido da
Divina Efcritura , o mefmo que fe diz Ceo
e Firmamento feja toda efta região do ar ,
e as fuperiores j porque fó aiiim fe póJe
dar fentido verdadeiro a algumas fraJes da
Efcritura ; como quando diz as aves do
Ceo , fendo certiíiimo que os palTaros náo
pafsáo defta região do ar : ti m bem fe diz
que Deos ccbrc o Ceo com as nuvens , e ef-
tns náo pafsáo óa região do ar : que o Ceo
efiâ trijie ou rubicundo , e ifto não fe pôde
dizer fcnáo da atmosfera da Terra , ou da
regiáo do ar : e ailim Moyfés efcrevendo a
hiíioria da creaçáo do miundo , chama Ceo
a todo cfíe cípaço , ufando das palavras
no fentido comm.um e plebeo ( 2 ). Cra
S. Jeronymo favorece efta opinião ( :5 ). E
B ii San-
CO Hift. Eccl. Tom. I. DifTert. i. a. }.
5k1 prop. 1 ,
( 2 ) Lib. I. de Opif. fcx. dier. cap. i. n. 7.
Ci) £p. Sj.
^0 Recreação Filofofica
Santo Agoftinho ( i ) refere huma opinião ,
a qual diz que cib regiáo cio ar , que me-
dea entre as aguas formadas em nuvens , c
as aguas do mar e das fontes que cftáo na
face da Terra , hc o Cco ou Firmamento
que a Efcritura diz que fepara as aguas de
aguas ; e depois de a referir , confeíTa que
he digniííima de louvor , que náo tem na-
da contra a Fé , e que fc pôde feguir. Ef-
ta he a opinir^o que cu f^o , e que fe con-
forma com a boa Filofofia. Se lá em fima
eftiveíTem aguas , em eftado de gravidade
femelhante á do mar , precifo era Ceo fo-
lido para as fuftcnrar ; porém as aguas fu-
periores , que Deos feparou delias inferio-
res , sâo da mefm?. natureza , mas noutro
eftado ; e vem a íer as nuvens que nadáo
ncfta regiáo do ar , á qual fe chama Ceo ,
fegundo o fentido das frafes da Efcrirura.
Náo nego que muitos Santos Padres feguí-
ráo a opinião dos Ccos folidos ; porém ou-
tros sáo da opiniáo dos Ceos fluidos , como
S. Bafilío , S. Gregório XilTeno , Santo
Anfelmo , o Venerável Beda , Ruper-
to , Procopio , &c. cujas palavras exprcf-
fas achareis juntas no Fortunato de Bri-
xia ( 2 ).
Silv. Náo me poifo accommodar com iffo;
porque eu leio no livro de Job , fe me náo
engano ( pois eu não vinha preparado para
. ifto) que os Ceos são folidiilimos, corro fc
fof.
( 1 ) Lib. 2. fup. Genef. n. 7, aliás cap. 4.
C2) Tom. l\\\ n. 32. 48.
Tarde 'vigefima ytona, %\
foíTcm fundidos de bronze ( i ). Vede fe
pôde haver expreísáG mais forte.
7híQà. E quem diile iíTo ? A cuem fe attri-
buem eíiãs palavras na hiftoria de Job ?
SWv, Não mé lembro \ porém sáo palavras
fancas todas inípiradas pelo Efpirico Santo.
Thcod. E também sáo inípiradas pelo Eipiri-
to Santo aquellas palavras do Pfaimo Non
eji Díus^. Nâo ha Dcos ?
Silv. Elias não ; porque fe póem na bocca
dos ímpios 5 e diz o Pfalm.o que o im.pio
diiTera no fca coração : Aão ha Dcos.
Thcod. Pois também quem dilTe que os Ceos
eráo folidiliim.os , como fundidos de bronze ,
foi Eliu , hum dos amiigos de Job , que não
confia que folie nem grande Aftronom.o ,
nem infpirado por Deos : Nem fahio delia
conferencia de Job com grandes iniorma-
çóes ; pois a Job perguntou Deos : Quem
he eíie , que eftá dizendo deíaceitos (2)?
Portanto , Eugénio , hoje a opinião ccm-
munillima entre todos os Afironciros hc ,
que os Ceos sáo fluidos. A diíiiculdade fò
ne fe eftáo totalmente cheios de matéria ,
que náo deixe alguns vácuos , ou totalmen-
te vaíios. Mas cizei-me fe eílais perfuadi-
CO de que sáo fluidos , antes que paliemos
adiante.
§. IIT.
( í ) C«' folídijjíml qtiap £re fujl juni. Job
37. iH.
(2) Quis ejl ifte invohcns Jcr.tcnlias firmoni'
ntòuj t.npcriíii i Jub j8. 2,
t^ Recreação Filofofícã.
§. III.
lios Vórtices , ou Turbilhões de Des-
cartes.
Eug. T A' vos difíe qiic tenho percebido
tJ cftas razões , e que me convencem :
proíegui.
Thcod. Des- Cartes , aquelle grande e incom-
parável homem no fru Século , que com a
belleza de fuás idéas quafi arraftrou em íen
feguimento meio mundo literário ^ porque
os tempos o náo ajudáráo , nem teve a
abundância de Inftrumentos , e multiplici-
dade de obfcrvaçóes que depois Te fize-
ráo , náo pode- dar-lhes a firmeza e cíla-
bilidade precifa para fe confervarem na
mefma cítimaçáo. Tem defcahido coníide-
ravelmente ; mas como nós náo guardamos
refpeito a ninguém , mais que á \^crdade,
onde quer que apparece , fe a chegamos a
conhecer , a abraçamos , voltando as cof-
ras a tudo o mais. Efte grande Filofofo
julgava que os efpaços do Cco eftaváo
cheios de huma matena fubtiliflima , a qual
cm hum perpetuo Vórtice , ou Redemoi-
nho , ou Turbilhão (que tudo ifto quer di-
zer o mefmo) fe movia ^^iòt a formação
GO mundo. Pimha que o Sol era o cen-
tro do noíTo \^orr:ce ; e que á roda do
Sol andaváo os Planetas , entre os quaes
con-
Tarde vigefima nona. 23
contava também a noíTa Terra como hum
Planeta íemelhante aos outros. A cauía.
do movi memo dos Planetas era o mermo
Vorcicc que os arrebatava comíigo ^ e co-
mo quanto mais a matéria diíiiva do Sol ,
maior era o íeu giro , rorçofamente havia
de gaftar mais tempo cm dar huma volta ,
c efta era a razão , por que es Planetas quan-
to mais diftaváo do Sol , tanto mais tem-
po g;^ftavão em dar huma volta á roda del-
le. Mercúrio que he o primeiro, gafta qua-
fi três mezes \ Vénus que he o íegundo ,
oito mezes ; a Terra que hc o terceiro Pla-
neta no feu lyftenia , gafta doze mezes ,
ou hum anno cm dar huma volta á roda
do Sol. Marte que hc o quarto Planeta ,
gaíla perto de dous annos \ ]upiter que he
o quinto , gafta perto de doze annos j c
Saturno que he o ultimo , náo dá a lua vol-
ta lenáo em quafi irin:a annos. Efte fyítc-
ma hoje he defamparado dos melhores , e
cis-aqui o fundamento. ]á hoje eilá aíTentaco
como coufa certa , que os Cometas sáo huns
Planetas como os outros , creados dcfde o
principio do mundo , e que ora apparecem ,
ora defapparecem , porque humas vezes fi-
cáo mais pert03 de nós , c podemos vellos ,
outras ficáo tão longe que nos fogem da
vifta i e efta he a diíferença que tem dos
demais Planetas , os quaes nunca íe aífaftáo
tanro de nós que nos efcapem da viíb.
Illo íuppofto : íe no efpaço dos Ceos tudo
eftá cheio ( conforme o íyftcma de Des-
Cartcs )
f4 Recreação Filojojica
Cartes ) tambcm os Comeras em qualquer
parte da íua carreira háo de nadar em al-
gum fluido ; e efta corrente que os arre-
bata e traz comfigo , deve ter a niefma di-
recção que trazem os Cometas. Ora Ten-
do iLto aííím , quando os Comeras arra-
velTarem as orbitas dos Planetas (^Orbita,
Eugénio 5 quer dizer , a linha que o Pla-
neta forma quando dá hum giro inteir»)
al^umia grande deíordem ha de íucceder
nos Ceos ; porque os Cometas lá de nu-
ma altura muito maior que a de Satur-
no , vem algumas vezes quaíl direitos ao
Sol i e fendo cada huma deitas torrentes
de matéria em fi denfiílima , encontran-
do-fc torrente com torrente , fc penurba-
riáo j ou pelo menos a torrente ou Vórti-
ce que traz o Cometa encontrando o Pla-
neta íhe faria mudar o caminho , ou pe-
lo contrario feria obrigado o Cometa a
mudar o caminho quando entraíTe no V^or-
tice de Júpiter , como no de outro qual-
quer Planeta. Ponhamos exemplo : Nós
vem.os que hum barco quando vai levado
pela corrente , fe acontece que de ilharga
paíTa pelo dcfembocadouro de algum no ,
na de ter mudança na íua direcção. O mief-
mo digo dos Aftros levados pelas torren-
tes de matéria fluida que admitie Des-
Cartes.
^ug. Forçofamente ; porque com a mcfma
lazán com qnc o \^ortice de Jnpiter v. g.
arrebata a Júpiter , aírebatara qualquer Co^
Tarde vigefima fiona, 15:
meta que ahi fe achar , fe elles são como
dizeis da mefma natureza.
Thcod. Por cila razáo fe defampara efte fyf-
tema, pofto que engenhoro. Ifto que tenho
dito pertence ao noíTo Vórtice ou Turbi-
lhão , cujo centro he o Sol ; porém cada
huma das Eílrellas no fyftema de Des-Car-
tcs íe pôde reputar por outro Sol , que feja
centro de feu diíferente Vórtice , e á roda
delias andaráó também alguns Planetas, co-
mo andâo cá no noíío Vórtice á roda do
Sol.
Eug. E porque fe não haviáo de ver eííes Pla-
netas 5 no cafo que os houveíTe , e andaíTem
á roda das Eftreilas ?
Thcod. Baftava a diftancia para fe não verem.
Percebeis vós a diíierença que vai na gran-
deza 5 e na luz do nolTo Sol aos noíTos Pla-
netas ?
Bug, E como poílb deixar de percebella , feiv
do lâo fenfivel ?
Thecd. E náo vos admirais de que fe perce-
ba cá da Terra o Sol , por modo mui di-
verfo do que os feus Planetas que o rodeáo ?
Aflim deve fucceder aos outros Sócs com
os feus Planetas. A diftancia em que cítáo
de nós he táo grande , que fendo huns cor-
pos luminofos , e immenfos , talvez maio-
res que o nolío Sol , de cá parecem táo pe-
queninos : e como quereis vós ver os Pla-
netas que as rodeáo , devendo fer tanto mais
pequenos do que as Eftreilas , quanto os
polTps Planetas sáo menores que o Sol ?
26 Recreação Filofofica
Eug. Ao menos com grandes óculos não po^
dcriáo ver-fe?
Theod. Os maiores Telcfcopios , com que fc
conhecem mui bem as nódoas e manchas
de Júpiter , as fombras de Saturno , Scc.
quando fe voltáo para as Eftrellas , nada
augmentáo da fua apparente grandeza ; fò
apparecem como huns pontinhos de luz mui
brilhantes : em feu lugar vos darei a razáo
difto.
Eug, E que me dizeis vós febre eíTes Pla-
netas ? Havemos de dizer que os ha , ou
náo?
Theod. Náo pôde haver fundamento para di-
zer que íim , nem para fe dizer que náo:
como lá náo chegáo Telefcopios , tudo
quanto it diz , he a adivinhar. Deixando
pois e(Te ponro , e confiderando (como na
realidade aílim he) que cada Eíhella he
como hum Sol , e que fó pela diftancia im-
m^enfa em que eftáo he que nos parecem
ráo pequenas ; e fendo tantas as Eíhellas
conhecidas , e tantas mais as que náo che-
gamos a ver fcm Telefcopios ; fendo a dif-
tancia entre humas e outras táo grande que
fe percebe bem cá de tão longe , quando
apenas cada huma das Eftrellas fe deixa per-
ceber, vede quão grande lie e(Te efpaço dos
Ceos ! que grande o Poder de Dcos ! e que
immenfa eíta Máquina maravilhofa que ef-
tamos admirando com os olhos ! Cada vez
ireis formando maior conceito da Grc;ndeza
de Deos , e do feu Poder , quanto mais for-
des
Tarde vigefima nona. 27
cies conhecendo as maravilhas que neíTes
Ceos , que vemos efíào patfntes ao enten-
dimento , pofto que cfcondidas cm parte
aos noíTos olhos. Vamos agora á opinião de
Nevton , que he bem oppofta á de Rena-
to ; porque Des-Caries quer que tudo cfteja
cheio , e Newton teima que tudo eftá vafio :
c o caio he que efte tem muita mais razão.
§. IV.
jDo Vácuo NewtonUno ao efpa^o dos
Ceos,
Silv. T) Ols que! temos hum Vácuo ímmen-
X fo àdác nós até ás Eftrellas ! Ora
iflb he tão grande impoílivel como o mef-
mo efpaço que chamais vafio , que não pô-
de fer maior. JVIas eu para que me altero ?
Difcorrei como muito quizcrdes.
Iheou. Vós , Silvio , como creado na efcola
Pcripatetica , tendes hum tal horror a efta
palavra Faciio , ou Va(io , que vos aíTuf-
rais em a ouvindo. Não íejais tão aíTufta-
do: eu não digo, que todo efte efpaço que
vai de nós ate ás Eftrellas , eftá vafio ; mas
pouco menos. Não poíTo dizer que eftá to-
talmente vafio , porque o vejo cheio de luz :
c fei que a luz he corpo , conforme ao que
já vos diííe 5 quando tratei delia e dos ícus
effeitos : ou feja a matéria fubtil de Des-
Cartes , ou puro fogo ^ como diz Nc\rton ,
icm-
2^ Recreação FiJofqfica
fempre he corpo , e tem as propriedades
do corpo , po:s reflecte fegundo íodas as
leis do movimento dos mais ccrpos. Porém
efta matéria he fabiiliííima , e rariflima j de
íorte cjue he incrivelmente maior o elpaço
lotaimence vafio , do que o cípaço que oc-
cupa a matéria. Eu por ora nao attendo ao
Ar, porque naturalmente Te náo eltende fe-
náo a algumas poucas léguas fobre a fuper-
ficie da terra em redondo ; e comparando
cíTe cfpaço com o immenío , que vai até
ás Eítrellas , he como fe foíle nada. Mas
fe dilTerem que o ar fe eftende a muito
maior altura , como nós fabcmcs quanto
pcza huma columna de ar inteira , conhe-
cemos que neceiTariamente ha de fer táo ra-
ro por comparação ao ar que refpiramos ,
que poda dclle dizer-fe o miefmo que dize-
mos da m.iteria da luz.
Silv. E que fundamento ha para dizer ilTo ?
Thcod. Táo fortes , que fe eu pudera , havia
de dizer que todo o efpaço que fe eftendc
òMt a região do ar até as Éftrellas , era
totalmente vafio. O Grande Des-Cartes ti-
nha pcnfamento totalmente oppofto , por-
que cizia que eftava totalmente cheio ; e
na fua doutrina , efp;.ço vafio era huma
coufa totalmente impoíiivel , como o fer,
e náo fer.
Súv. Dizia mui bem. A cu fer Moderno,
fó Carteziano feria : e porque náo o fcguis
niíTo , fe ellc he Moderno , c hum láo gran-
de homem como todos dizem?
ThcGd.
Tarde vigefnna nona, 29
Thcod. Porque cu náo figo o homem por
grande que ellc feja , ílgo a razão do ho-
mem. Ora ouvi os fundamentos , pelos
quaes os Filorofos de melhor nota todos def-
amparáráo a Des- Cartes. Suppondo nós hum
efpaço totalmente cheio de matéria , lem
que haja algum vafio , por mini mo que íe-
ja , parece totalmente impoííivel que por
elTe efpaço íe poíTa mover livremente al-
gum corpo, por mais íubtil e fluida que le
confidere a matéria de que fe fuppóe cheio
cííe efpaço ; cada partícula delTas mínimas
deve ter fua figura determinada ; e como fe
fuppóe minima , iflo he , que náo confta
de outras partes , deve crer-íe que náo pô-
de mudar de figura : pois a mudança da fi-
gura parece que fuppóe diverfa fituação e
movimento das partes de que fe compóem
a partícula. Ifto náo digo eu que feja evi-
dente 5 mas parece-me que fe cafa com a
razáo.
Silv. Sim ; até ahi não duvido eu conce-
der.
Tteod. Sendo lego effas partículas mínimas
duras e inflexíveis , pois tendo determinada
íigura , como concedeis , a náo podem mu-
dar , não podiáo confentir que algum corpo
fe moveíTe por entre ellas livremente para
huma e cutra parte , fm que ellas , para
lhe darem lugar , deíxalTem ás vezes entre
humas e outras feus pequenos vafios ; e co-
mo efpaço vafio he impoflivel na opiniáa
d^ Des-Carces ^ vem também a fer impof-
fif
30 Recreação Filofofica
íivcl o rrovimento de qualquer corpo poí
meio dciTe fluido.
Sih, Táo lizas podiáo fer as partes mini-
mas 5 e tal figura teriáo , que pudcíTcm it
efcorregando humas por entre as outras ,
impdlidas pelo corpo que fc movia , e vin-
do atrás delle immcdiacamente outras tantas
partículas a occupar o efpaço que havia de
deixar pelas coftas : do mefmo modo que
fuccede n uma bola ^ quando fe move pela
agua.
Thcod. IlTo quando muito ãi lugar ao mo-
vimento reóto j ou períeitamentc circular;
mas fe o corpo no meio da linha quizeííe
torcer para qualquer parre , ahi o rinham.os
embaraçado. Eu vos ponho ifto, Eugénio,
bem perceptivel. ElT.'.s paniculas , por pe-
cuenas que fcjáo , íempre háo de ter algu-
ma proporção com o corpo , que ic move ;
V. g. fupponhamos que sáo oitocentos mil
milhões de milhões de vezes mais peque-
nas 5 ou fupponde lá o número que quizcr-
des. Se nós , confervada a fua figura , e in-
flexibilidade 5 as fuppuzcrmos augmeniadas
á proporção , tanto as particulas , como o
corpo , de fone que cada partícula tenha
hum palmo de comprido , c o corpo movei
grandeza correípondente , nefíe calo , dizei-
me 5 poderá o corpo mover-fe livremente
por entre ellas , para huma ou outra par-
te , e por qualquer linha , íem que haja aK
gum vão pequeno ?
£u£* Náo certamente.
Tarde vigeftma nona, 31
Theod. Quero que refponda , Silvio.
Silv. Também me parece que náo ; porém
iílo he mera Uippofiçáo.
Thcod. De vagar. Se eííe corpo grande não
poderia mover-fe por entre eilas partículas
que fingimos , íem que ellas movendo-Te
para lhe darem franca paíTagem , deixailem
algum vão de três ou quatro dedos por
exemplo j também confiderando que elTas
partículas , e o corpo díminuíáo na gran-
deza á proporção , até metade do que tí-
nhão , Te confervalTem a mefma figura c
dureza , náo poderiáo dar paíTagcm ao
corpo fcm deixarem entre fi algum váo
de dedo e meio , ou dous dedos. Náo he
aílim?
Silv. Aíhm parece.
Thccd. Ora vamos pouco a pouco diminuin-
do o tamAnho deíTas partículas e do corpo,
até chegarmos ao tamanho verdadeiro que
agora tem. Como a figura lie a mefma, e
a mefma a infiexibilidade , também não
poderão dar palTagem franca ao corpo , íem
que fique aqui hum váo, acolá outro , po-
rém muito mais pequeninos , á proporção
da grandeza das partículas.
S\h. Tão pí-quenos feráo , que abfolutamen-
te náo pofs:.o confidcrar-fe , nem de váo at-
tender-<e.
Theod. Efperai : quanco falíamos fe huma
coufa abfolutamente he impoíiivel , importa
bem pouco que fcja pequena ; íe me conce-
deis que he pollivel huma Quimera de hum
de-
31 Recreação Filofofica
dedo , eu vos farei poííivel humã do tama-
nho do mefmo Sol. Além de que , fe vós
julgais cigna de atrençâo qualquer mínima
particula para dizerdes que todo o efpaço
cítá abíolutamcntc cheio , porque náo at-
tendereis ao vaíio minimo que deixa cíTa
mefma particula , para dizer que verdadei-
ramenre o efpaço náo cita iodo cheio?
Silv, Pois direi que cada particula , ainda das
que fe confideráo minimas, sáo flcxiveis, c
podem mudar de figura.
Thcod. Eu quero agora disfarçar cÇfe ponto ,
e náo quero averiguar fe ilTo pode ler ou
náo. Supponhamos que pôde fer ; náo po-
deis negar que quanto mais pequeno he
hum corpo , mais duro he á proporção , c
menos flexivel : elTa bengala que trazeis,
fe a quizerdes quebrar aqui no joelho , po-
dereis j fe depois cada huma das metades a
quizerdes quebrar do mefmo modo , muito
mais vos na de cuftar • e ultimamente fen-
do do tamanho de hum palmo , certamen-
te náo podereis quebrar no joelho elTa parte
que reftar.
Silv. Tudo aílim he.
Thcod. Logo fe para o corpo paffar por eíTc
fluido neceíliia de fazer mudar de figura as
particulas minimas , para que náo fique va-
íio algum ainda minimo , forçofamente ,
fendo innum.eraveis as particulas que fe mo-
vem , e que fe háo de amaffar humas com
as outras ; c por outra parte fendo a rijc-
za e inflexibilidade de cada huma delias á
pro-
Tarde vige/ima nona, 53
proporção da fua pequenhez , fegue-fe que
para o corpo movei dar qualquer paíTo
havia de padecer innumeraveis , e grandif-
íimas refiítencias , pois que obrigava a que
mudaíTem de figura as innumeraveis parei-
cuias mínimas do efpaço por onde paf-
fava. E como pôde ifto fer verdade , fe-
náo concorda com a experiência , tanco na
Terra , como nos Ceos ? Nós vem.os que
hum pêndulo continua o íeu movimento
por temipo mui longo , e que os Aítros
perfeveráo defde o principio do mundo
com o feu movimento , ícm que fe extin-
gua , nem Icnfivelmente íe retarde ; e ifto
ainda atravelTando huns o caminho dos ou-
tros 5 como fazem os Cometas. He logo
ablolutamente impoííivel efte cheio de Dcs-
Cartes'i e deve-fe perder o horror ao vá-
cuo 5 ou vafio de Newton. Deixai-me ufar
para Eugénio de huma comparação ienfivel,
que eftes sáo os meliiorcs cálculos para
quem não tem a inftrucçáo mathematica ,
que fe requer para eftudos fundâmentaes fo-
bre eíla matéria.
Silv, Até para efTes fervem as compara-
ções, que dão admirável luz a qualquer ma-
téria.
Theod. Bem fácil de dividir he a arèa fina ,
que nos ferve para feccar a efcrita : ora en-
chei huma caixa defia arêa , ecalcai-a bem,
de forte que , fe puder fer , náo fique vão
nenhum, nem ainda minimo: tapai a caixa
por fima , e mui bem pregada , para náo
Tom» VI. C po-
34 Recreação Filofofica
poder a arèa ficar fofa. Dizei-me : Poderá
lá por dentro da caixa movcr-fe com li-
berdade algum corpo íenfivel como v. g.
huma nóz?
Silv. Julgo que não: fe ella eftá entalada!
Theod. Pois elTe o caio em que eftamos. Se
todo efte Univerío eftá abfolutamente cheio
de matéria , he como huma grande caixa
cheia de arêa liniííima , e táo calcada, que
abfolutamenre nenhum minimo vão admit-
tem as partículas da matéria entre fí.
Silv. Mas eíTa matéria he fluida.
Theod. Ser fluida prova que fe pode dividir
mais facilmente do que a arèa ; alíim co-
mo a arêa por fer fluida a refpeito de ou-
tros corpos groíTos , fe pôde leparar mais
facilmente que fe foíTe hum monte de íei-
xos ; mas fendo todo o efpaço cheio , he
impofíivel que náohouvelTe huma diíHculda-
de fumma. A razáo he j porque quando hum
corpo íólido fe move dentro de algum flui-
do , tem refiftencia por vários princípios : o
primeiro he por haver de feparar partes de par-
tes , quebrando o tal ou qual vinculo , que
tem todas as partes do fluido entre fi j mas
eu fupponho que no cafo , cm que falíamos ,
as partes defTe fluido náo tinháo uniáo al-
guma : fe bem que , ou figamos a Newton ,
ou a De3-Cartes , as partículas defta maté-
ria neceíTariamente haviáo de ter mui forte
uniáo entre fi ; porque Newcon põe , e pro-
va attracçáo entre todas as partes de maté-
ria , c maior quando fe tocáo , e muito
ma-
Tarde vigejíma nona, 3J
maior , quando tem entre íi menos váos ,
que as feparem ; e aflim cfta matéria , que
náo adãjirtia vácuo nenhum , íeria lumira-
menre difRcultola de diviíiir : e Des^^Cartes
aítirma que os corpos nâo fc unem entre
11 fenáo por fc tocarem mutuamente j e
como as partes mínimas da matéria náo
tem algum vácuo que medee , havíáo de
tocar-fe mutua, e perfeitiiíimamente , e fe
Dniriáo com uniáo fortilíima : mas deixe-
mos eftc principio de reílftencia para di-
vidir o fluido de que falíamos. O outro
principio de rcfiftencia indirpcnfavel he o
de mover as partes que o movd lança fora
do fcu lugar , e as outras que eílas háo de
defaccommodar , e as terceiras que háo de
fer lançadas fora pelas fegundas , &c. A ul-
tima raiz de refiftencia , também indifpen-
favel 5 he o roçado de humas partículas pelas
outras 5 quando fe movem ; porque como
tem fua tal , ou qual figura , forçofamente
movendo-fe huma partícula por junto de
outra 5 ha de a efquina de huma ora en-
trar na concavidade que fórmáo duas en-
tre fi 5 ora paíTar pelo bojo de huma , ora
roçar pela efquina da outra : quanto maio-
res sáo as partículas , maiores efquinas tem
ou bojos , e por confeguinte maiores emba-
raços ofFerecem humas ás outras , quando
pafsáo por junto delias , efpecialmente fe
vem tão apertadas , que náo podem deixar
vão entre íi por pequeno que feja. Por ef-
te principio quanto m.ais fina for a arèa ,
C ii mais
36 Recreação Filofofica
mais facilmente fe divide ^ porque âs par-
tículas de menor tamanho tem menores
elquinas : e também quanto mais fofa eftá ,
mais taciimente a cortamos i porque po-
dendo as parriculas , ou gráos deixar al-
guns váos entre íi , podem defembarjçar-le
hiimas das outras : c eis-aqui porque os flui-
dos fe dividem táo facilmente , ainda a ref-
peito da arèa •■, porque as fuás partículas
sáo incomparavelmente menores que os
gráos de arèa , e também tem innumiera-
veis poros entre íi. Ora íupponhamos hum
fluido , cujas partículas lejáo incompara-
velmente pequenas a rcfpeito das da agua;
mas confideremos que cifáo táo entaladas
humas com outras , que he náo íó difficul-
tofiHimo , nias abfolutamente impolíivcl ha-
ver o minimo vafio entre eilas : para hum
corpo fe mover por eíTc fluido . forçofamen-
te havia de confumir alo;uma força em mo-
ver as partes do fluido que bota tora do feu
lugar , e em obrigar as outras a que lhe
cedellcm o feu^ e ainda que da parte poífe-
lior deixava o movei campo livre , com
tudo para efte fluido próximo ao movei
o rodear , era precifo roçar por todas as
partículas òà fuperficíe do corpo , e por
todas as demais panes do fluido mais dif-
tante ; mas roçando por ellas , ou as ha-
via de mover , e elTas ás outras, &:c. ou
as havia de deixar quietas ; ora como era
impoíiivel haver váo entre pjirticula e par-
tícula, aopaOar humas ^ e ficarem quietas as
ou-
Tarde vigeftma nona. 37
outras , neceíTariamenre as erquinas pegan-
do humas nas outras, Te haviáo de quebrar,
e nifto fe confomia força j ou amaçar para
dentro , e também nifto fc devia coniumir.
He logo impofíivel que ncfte cheio corpo
algum fe mova ícm incrível dilpendio de
forças.
Silv. Não terão as partículas efquinas.
The^d. lílb íó pôde íer fendo globofas ; c
então por mais que fe apertem , femprc hão
de deixar váos entre fi ; e fcmpre entalan-
do-fe hum globo entre dous , teria omefmo
embaraço roçando poreiies, como íetíveíle
efquinas.
Biig. Se apertarmos muitos rofarios de con-
tas n"uma mr.o, equizermos por huma pon-
ta tirar hum , não poderemos fem affroxar
a máo 5 porque pegaráó contas em con-
tas , como vós dizeis deffes pequenos glo-
bos.
Tkcod. Dizeis bem : e quando as partículas
pudefTem efcorregar para huma parte , em o
corpo voltando para o lado , já lhe íicava
a direcção contra a figura , c tínhamos tu-
do perdido j ou as partículas para volta»
rem haviáo de virar a elquina para a face ,
e tínhamos vão ou vácuo , poílo que peque-
no, o que íe diz que he ímpoílivel.
Silv. ]á vejo que tendes razão ; porém feráo
vácuos mui pequenos.
Theod. Huma vez que tocamos nefte ponto ,
fendo elle fubírancíal do fyftema de Des-
Cartcs , quero moílrar-vos como he ncccíTa-
rio ,
38 Recreação Ftlofofíca
rio , não qualquer vaíio pequeno , mas co-
rno eu diiíe hum meio quafi de todo va-
íio , para dar palLgem íranca aos Plane-
tas: digo que he neccíTario, a náo admittir
que os Planetas fe movem arrebatados pe-
las torrentes de fíuijos em que nadáo , ou
pelos turbiihóes de Cartefio ; o que já mof-
trci que era impoflivel. Mas alTentando ,
como Te deve aíTentar , que os Aliros íe
movem fem lerem arrebatados por fluido
que os leve , deve eftabelecer-fe , que o
meio por onde fe movem hc quafi vafio ,
para náo retardar os Planetas nos feus mo-
vimentos. Eu vou a formar o argumento.
íSV/v. Mui difficultofo fois de contentar ; va-
mos a eíTe argumenco.
Theoá. Sendo o meio por onde fe movem
os Planetas totalmente cheio , e o Planeta
hum.a bola tamibcm totalmente cheia , lem
poros alguns por onde pudelle paliar eíTe
fluido ( fupponhamos ifto) náo poderia o
Planeta mover-Jc , fem que quando tiveíTe
andado hum diâmetro , livelTe já perdi-
da metade da fua velocidade. líto ie de-
monftra por calculo infallivel (i ) que vós
náo haveis de entender por talta de princí-
pios; mas creio que náo duvidais.
^ug. E como podemos duvidar , dizendo
vós que fe demonílra mathemaiicamentc ?
Hncà. Coníideremcs agora que , fem fazer
mudança cliíuma no fluido . formávamos
do
( 1 ) Gravefand. Phy. Elem. Wat. num.
1^74. « 4126,
Tarde zigefnna nona. 59
do Planeta outra bóia muito maior , po-
rém cheia de grandes buracos , para poder
paííar o fluido francamente : ncfte caio , íó
aqueilas partes folidas dos Planetas , ique in-
corriáo no fluido , Ke que podiào encon-
trar refíftencia , por quanto pelos váos paf-
fava elle com liberdade ; porém como as
partes folidas , computando-as juntamente,
valem tanto como o mefmo Planeta na
fua antiga figura , fegue-íe que quanto he
pela quantidade de matéria que ieha dedel-
accommodar para dar lugar ao Planeta , vem
a fer a mefma refiílcncia , do que no prii
meiro caio ; e aflim , tanto que tiver an-
dado hum fó diâmetro , terá perdido meta-
de da fua velocidade. Ora accreícentai , que
neíle fegundo cafo o fluido que entrava pe-
los buracos , ou poros do Planeta , havia de
fazer fua imprefsáo nas partes folidas la-
teraes , e com o roçado fempre havia de re-
lardallo ^ e por conícguintc terá agora mui-
to maior refiflencia do que no primeiro
cafo. Suppoi^o ifto , vamos ao que iucce-
de na realidade. Efte fluido , de que que-
rem fuppôr cheio o cfpaço dos Ceos , ou
ÇaíTa pelos poros do Planeta , ou não paf-
ia ? fe náo paíTa , temos pelo calculo que
diíTe 5 que antes do Planeta correr eípaço
igual a hum diâmetro do feu volume, per-
de metade da velocidade : fe o fluido o
trafpafTa , com mais razão fe ha de retar-
dar o movimento , do que fe clTa matéria
toda fe ajuntaífe em volume foiido , e por
if-
40 Recreação Filofofica
iíTo menor- c de qualqrer modo, aos dous
paíTos tínhamos o Planeta quafi parado.
Bug. EíTe argumcnro convence fortemente.
Theod. Logo fe nós vemos que os Planetas
fazendo os feus giros ha féis para fete mil
annos , não fe rern fcnfivcimcnte retardado,
he certo que o fluido que ha neíTes elpaços
immenfos por onde fe movem he táo raro ,
que quafi fe podem reputar vafios. O calcu-
lo forma-fe deite modo. A reíiílencia que
cxperimeniáo os Planetas he conforme a
dcnfidade do meio ; a refiítcncia he nenhu-
ma ou quafi nenhuma , porque nenhum
Aftronomo a percebco até aqui , conferin-
do as obfervações anriquiífimas com as mo-
dernas : logo a denfidade do meio ou hc
nenhuma , ou quafi nenhuma , e por ou-
tros termos 5 eíTes cfpaços eifáo ou total-
mente vafios , ou quafi vafios. E lá vai to-
do o horror do vácuo com que os Filofo-
fos antigos nos crcáráo. A mim o que m.c
embaraça a pcrfuadir-me que os Ceos eftáo
totalmente vafios , he o que já vos dilíe.
Vemos todo o efpaço dos Ceos cheio de
luz 5 e efta he fubíbncia , ainda na opinião
de Newton , o qual d.z que he huma cham-
ma lenuiffima : logo nfo eftáo lotalm.ente
vafios. Mas para conhecerdes a incompa-
rável raridade defte fluido , fazei efte cal-
culo. O ar , conforme o que eu noutro
tcrrpo vos m.cftrei ( i ) he táo raro , que,
fe Deos ajuntafi^e todas as paniculas que
tio
( I ) Tom. IIÍ. png. 232.
Tarde vigefima nona. 41
no eftado natural occupão dezoito mil pal-
mes 5 todas caberiáo n'um palmo de ef-
paço j e não obftante cíTa raridade , lar-
gando hum pêndulo a fazer as fuás ofcila-
Coes ou movimentos no ar livre , dentro
de poucas horas fc vê táo embaraçado e di-
minuído o feu movimento , que pára de to-
do. Pelo contrario o movimento dos Pla-
netas ha fcis m.il annos que dura , e não
tem a minima dinerença feníivel: qual íerá
logo a raridade delTe fluido ^ que occupa os
eipaços do Ceo?
Eug. Dizeis bem , que fe não he nada , he
quafi nada.
Theod. Examinado o im.menfo cfpaço dos
Ccos , vamos agora a cor.fiderar os corpos
Celeftes que por elle fe movem , para for-
mardes huma idéa defta porteniofa Máquina.
§. V.
Da Opacidade dos Planetas e fuás Pkâfes ,
particularmente das da Lua.
'^i^V' T7 U admiro a bella docilidade de
SUj Eugénio , e invcjo-a , porque lo-
go fe accommoda : tudo crê , tudo he claro ,
nenhuma fadiga , nem trabalho tem o feu
entendimento. Ora vamos a navegar por ef-
fe vácuo imm.enfo , Theodofio , e viíitemos
os PJanetas.
Jbeod, Vós , como tendes que romper hum
flui-
4^ Recreação FiJofofica
fluido denílílimo, por não ter poros alguns,
(náo me íbube explicar) como tendes que
paíTar humas maííaslolidas , como de bronze
fundido , muito tarde chegareis aos Plane-
tas : nós porém iremos mais depreíTa , tendo
o caminho dcfpejado. Mas náo percamos
tempo com \{\q. Os Planetas , Eugénio , sáo
huns corpos folidos , de figura íenfivelmen-
te globoía , porém todos de fi sáo efcu-
ros ; mas como também sáo opacos , refle-
6lem a luz do Sol que os alum.eia : e def-
te modo he que brilháo e refplandccem ,
porque de fi náo tem mais luz que huma
pedra, ou parede, a qual dando-lhe o Sol,
reflecle luz , e tanta , que as vezes molefta
os olhos.
Bug, Se náo eftivelTe coftumado já a conhe-
cer os erros , que deíde a infância tenho
adorado , crendo com firmeza total o que
depois vi que era erro craiTo , muito me
havia de cuitar a crer que a Lua, e\''"enus,
e outros Planetas náo tinháo luz própria
íua.
Theod. A Lua , que mais vos fazia crer fe-
rem os Planetas luminofos de fi , he a que
vos ha de defenganar para os mais. Nós
vemos a Lua parte efcura e parte alumiada ,
que a ifto he que chamâo os Filoíofos
Phafes da Lua : humas vezes eftá cheia,
outras desfalcada , outras quafi fe náo vê.
Eu vos explico como ilío he. Como a Lua
de fi hc hum corpo cfcuro e opaco, fó po-
de eftar clara onde lhe der o Sol j ora vós
bem
Tarde vigejíma nona. 43
bem vedes , que o Sol quando dá n'uma
bola opaca , náo pôde alumiar lenáo ame-
tade 5 a outra iica as elcuras ^ e a diífcren-
ça que nós conhecemos na Lua fó proce-
de do diverío modo com que a olhamos.
Aqui vos polTo fazer numa experiência cla-
ra. Supponde que aquella veia acceza A
(^IJiamp. i* Jig» 2.^) he o Sol , e cfta bo- Eft. i.
la L feja a Lua ; eu a fuípendo defronte da fig. 2,
chamma : dizei-me , efta bola náo tem fem-
pre ameradc alumiada , c ametade efcura ,
por mais que eu ande com ella á roda da
voíía cabeça?
£ug. Quem o duvida !
Theod, Porém vós nunca podeis ver fenío fó
ametade da bola; nefta poRura em que ella
eílá ; L), fica a face alumiada voltada para
a vela • e como vós eftais da parte oppoíta ,
fó podeis ver a face efcura : eu vou ago-
ra dando com a bola hum giro a roda
de vós : já ireis vendo parte da face alu-
miada.
Eug. Affim he ; e cada vez vou vendo maior
porção delia. Parai ahi : agora vejo eu ame-
tade Ja face efcura ^ e ametade da face alu-
miada.
Thscd. Pois affim fuccede na Lua quando he
quarto crefcente : quando cftava entre nós
e o Sol , voltava a face efcura para nósj
pois a que olha para o Sol fempre ha de
eílar alumiada , depois como vai voltando
á roda da terra , já vai dando lugar a que
fe veja parte da face alumiada 3 e quando
fe
44 Recreação Filofqfica
fe vê amerade de huma , c ametade de ou-
rra , então dizemos que hc quarto crcícen-
te : reparai agora , que eu vou continuando
o giro a roda da voíTa cabeça.
£ug. ja agora muito maior porção fc vê da
face clara , que da efcura.
Thecd. Qu?.ndo eu chegar a tal íitio , que a
volfa cabeça fique em d reitiira entre a bo-
la, e a veia , então aflim como a face clara
fica voltada inteiramente para a véla , aflitn
fica voltada inteiramente para vós ; vede fe
he aflim.
£ug. Impoííivel he que não ícja. IfTo agora
lupponho que he a Lua cheia.
Theod, Não vos enganais. Na Lua cheia fi-
camos nós entre o Sol e a Lua ; por iíTo
quando he dia de Lua cheia , fem;pre nafcc
ás Ave Marias , porque a cilas horâs fe pez
o Sol 5 e devem ficar encontrados , para
que a meima face refplandecente , que a
Lua volta para o Sol , fe nos dè a ver in-
teiramente. Eu vou agora continuando o
giro. ]á agora harcis de ver parte da face
efcura.
Eug. Aflim he .... Já neíTe fitio vejo outra
vez ametade de huma face efcura , c ame-
tade de outra alumiada.
Theod. Ahi tendes o que chamão na Lua cjuar-
to minguante. Ultimamente ha de ir fendo
cada vez menor a parte alumiada , e maior
a efcura até haver Lua nova : aqui tendes
o que chamáo Lua nova imitada neíra bo-
la j e fuccede quando fica a bola entre vós
e
Tarde ingefima nona. 45'
e a veia ; aílim como a Lua fe chama no-
va , quando fica entre nós e o Sol , que
vOiCanjo para ellc toda a face allumiada ,
volta para nós toda a efcura. Ifío fó fuc-
ctàQ cm todo o rigor , quando a Lua paf-
fa pela mefma linha que vai dos nolTos
olhos ao Sol j "o que acontece nos eclipfes
do Sol : mas nem todas as Luas novas te-
mos ecJipks , porque a Lua paíTa ou mais
por fima , ou mais por baixo delTa linha ,
c aílim fcmpre deixa ver alguma oreia da
face allumiada , a qual vai crefcendo á pro-
porção que a Lua íe vai aíFaftando do Sol.
Eis-aqui tendes o que são Phales da Lua.
Creio que me tendes percebido.
"Eug. Nenhuma coufa tenho entendido mais
cabalmente. Que me dizeis , Silvio ?
Súv. Que hei de dizer ! IlTo he huma coufa
evidente , nem cá a minha efcola duvidou
nunca dilío. Mas agora , Thcodofio , o
que eu náo fei conhecer no Ceo he quan-
do he quarto Oe/re«?e , ou quando he Min-
guante y ícm fer precifo lembr^r-me fe
nos dias precedentes a Lua foi Cheia , ou
Nova.
Tkcoà. Facilmente o conhecereis fe obfervar-
des para que parte volta a Lua o lombo,
ou parte convexa j porque delTa parte he
que lhe fica o Sol , e por ahi fe conhece fe
nos dias antecedentes íoi Nova , ou Cheia:
fe volta o lombo para o Nafcente , he quar-
to Minguante , porque vai para Lua Nova ;
fe o igmbo ailumiado fe volu para o Poen-
te,
46 Recreação Filofofica
te , he quarco Crefcente , porque vai para
Lua Cheia.
Bug. Também eftimo faber iíTo para as mi-
nhas fementeiras , fem me fer prccifo con-
fulrar a folhinha.
Tbeod. Nem para ilTo era prccifo faber os
quartos da Lua ; a feu tempo tocaremos
niffo de palTagem ; deixai-me concluir o que
hia dizendo dos Planetas. Todos eiles sáo
como a Lua , efcuros de fi totalmente , e
fó claros e refplandecentes naquella face
onde dá o Sol : e por ilTo nenhum Planeta
ha, que náo tenha ametade ás efcuras, por-
que sáo opacos , e náo os pôde a luz traf-
pallar. A diíFerença que ha entre elles he ,
qu^ pelas diverfas alturas efituaçó-^s em que
eftáo , huns deixáo ver mais do que outros
eíTa face. Vénus a deixa ver muiro clara-
mente ; porém he precifo que a olhemos
com Telefcopio ; alias o reíplandor da par-
te alumiada com os raios , que defpedc,
perturba a figura ; e numa diílancia gran-
diílima náo lhe conhecem os nolTos olhos
differença , como fe conhece na Lua , por-
que nos fica muito mais vizinha incompara-
velmente. A' manha vo-la moftrarei pelo
Telefcopio , e pafmareis de ver a fua figura.
r^ug. E os demais Planetas também tem en-
chentes e minguantes , como a Lua , e Vé-
nus , fecundo o que dizeis ?
''^heod. Como todos sáo opacos , e fó tem hu-
ma face allumiada pelo Sol , também todos
tem fua tal ou qual mudança na figura ap-
pa-
Tarde vigejima nona* 47
parente ; porém fó he feníivei cm Mercú-
rio , Vénus e na Lua. Os dous Planetas m-
feriores , que sáo Vénus e Mercúrio ( cha-
máo-ihes inferiores, porque ás vezes paísáo
por debaixo do Sol ^ Marte, Júpiter, e Sa-
turno chamáo-ihes íuperiores , porque nunca
pafsáo por entre nós e o Sol). Digo pois,
que 03 dous Planetas inferiores , que sâo
Vénus , c Mercúrio , como nos Teus giros
podem paliar por entre nós e o Sol , aííim
como a Lua , também aíIim como ella po-
dem voltar para nós a face efcurecida ,
pois a alumiada fempre fica para o Sol ; e
já d'aqui vedes que podem ter minguan-
tes e enchentes , como a Lua ; porém os
Planetas fuperiores , Marte , Júpiter , e Sa-
turno , como pelo lugar em que andão, e
movimento que tem , nunca pafsáo por en-
tre nós e o Sol , nunca podem voltar de
todo para nós a fua face cícurecida. Fazei
reflexão no que digo : Te puzermos aqui
huma vela acceza , c andar hum criado com
huma bola á roda da vela em diftancia de
dez palmos v. g. , fempre a face alumiada
da bola ha de ficar voltada para a véla ,
pois a véla he quem a alumeia: até aqui he
bem manifefto; paíTemos adiante. Nós ou
havemos de eftar dentro defte circulo , que
faz a bola á roda da véla , ou havemos de
ficar de fora ; fe eftivermos de fora do cir-
culo , humas vezes havemos de ver a face
efcura da bola , outras a face alumiada.
£ug, Ug bem evidente , que aíIim deve fcr,
Jbsod.
4S Recreação Filofofica
Theod. Mas fe nos mettermos dentro do cir«
culo j fempre havemos de ver a face alu-
miada - porque efta como Ic volta ícmprc
para o centro do tal giro , que he a veia ,
também fe volta fempre para nós , que ef-
tamos centro do giro. Só haverá alguma
diíFerença em ver em cheio toda a face alu-
miada , quando a véla , nós , c a bola fi-
carem em linha refla , ou ver também al-
guma borda da parte cfcura ; como quan-
do nós 5 a véla ,63 bola náo efti vermos
em linha reòta ; porque emáo voltando a
bola ou Planeta a tace alumiada direita-
mente para a véla, nós cá da outra banda,
alguma parte da face cfcura lhe havemos
de defcubrir ; mas ilTo pouco fenfivcl he.
Ora o que diííe da bola andando á roJa da
véla 5 digo dos Planetas á roda do Sol. Se
falíamos de Mercúrio e Vénus , tica a Ter-
ra fora do giro que elles fórmáo á roda
do Sol 3 e vereriios ás vezes a fua face
cfcura- fe falíamos de Marre, ]upitcr, &c.
ficamos fempre dentro do giro que fazem
á roda òo Sol , e fempre veremos a fua
face alumiada. Mas tempo he já de vos
dar a conhecer o número dos Planetas, e a
dilíerença que ha entre elles. Perdoai, Sil-
vio , fe vos dcfagrada náo guardar neíla
inftrucçáo a ordem com que fe tratáo cf-
tas matérias nos livros ; porque eu falío
com quem náo tem mais comprincipios pa-
ra a intelligencia deitas matérias , que os
que agora vou dando , e he-me precifo buf-
car
Taf-de vJgefíma nona, 49
car a ordem accommodada á mais fácil intel-
ligencia.
SIW. o methodo que mais facilita a perce-
pção das matérias, he o melhor methodo.
§. VI.
Í>o% Planeus Primários e Secundários , e dos
Cometas e EJtrelUs ati commum,
Theod, /^S Planetas ccnRanremente vifí-
Viveis, que remos nos Ceos, por
lodos sáo dczeíeis : alem deiles ha outros,
que sáo vifiveis n'um tempo , e invifiveis
n outro 5 a que chamáo Ccmetas 3 e dcf-
fes trataremos á parte. Mas dos dezcfeis
Planetas huns fc ch^mio primários , curros
Jecutidarios , como quem diz da primeira
claíTe j ou da fegunda. Os Planetas da pri-
meira claíTe sáo 6, cujos nomes sáo: A/er-
cuiío , Fenus , Terra , Marte , 'Júpiter , Sd-
turno : alguns contâo o Sol no lugar da
Terra i porém , náo fazendo bulha por no-
mes 5 efte modo de contar , de que ufo,
he mais cohcrente á noçáo, ou idéa que da-
mos de Planeta , fendo a de hum corpo cpa-
CO , que recebe luz de outro , e faz huma pe»
Ça principal nefte fyftema , ou fabrica do Uni"
verfo. O Sol fendo corpo luminoío de fi ,
mais deve pertencer á claíTe das Eftrellas
fixas; mas contem como quizerem , e ráo
faç.^mos por iíTo quejftáo j eu figo os Aftro-
Tom. vi, D no-
5*0 Recreação Filofofica
■ nomos de melhor nota. Antes que falle do
movimento dos Planetas , hc precifo ad-
vertir-vos que eu náo fallo do movimen-
to , que chamáo commum , e que todos vem ,
com o qual íc revolve toda eíla máquina
dos Ceos em 24 horas do Oriente para o
Poente : dcfte m.ovimento fallarci a feu
tempo 5 que por ?.gora fó falio dos movi-
mentos próprios e particulares , que tem ca-
da Planeta de per íi ; v. g. a Lua hoje ve-
des que eíiá junto daquclla eftrella ; pois á
manha ha de eftar muito cá para o Nãfceil-
te , e notavelmente deíviada da meíma ef-
trella ; e no dia fcguinte muito mais affaf-
tada , até que de huma volta ao Cco todo ,
c torne a ajuntar-fe com a tal eftrella. Ora
o meímo fazem os demais Planetas : Se
hoje p.pparecem ao pé d'huma eftrella , á
manha fe vem longe delia , fugindo fem-
pre p^íra o Nafcente ; e dcftes movimentos
próprios fallo a^ora : tornai bem fentido ,
que do movimento commum a todos osAf-
tros fallarei a feu tempo. Ifto pofto , Mer-
cúrio he o mais chegado ao Sol , e anda á
roda dclle : fcgue-fe Fenus , que em maior
diftancía faz também o feu giro á roda do
Sol. A Terra difta mais; e aqui fe dividem
os Aftronomos em duas claffes : huns com
Tico-Brafx dizem que ella eftá fixa , e o
Sol he o qne á roda delia fe move , como
os noíTos olhos nos perfuadcm ; outros com
Copérnico , Des-Cartes , Newton, Scc. di-
zem que , cftando o Sol fenfivelmente pa-
ia-
Tarde "cigefima nona. ^t
taào no meio do Univerfo, fe move a Ter-
ra como qualquer outro Piancta á roda do
Sol j mas deftc ponto taiLuemos cjuando
vos for m.ais fácil a intelligencia do cjue ha
fobre eíTa matéria. Segoe-íe Afarte , que
também anda á roda do Sol , e depois jTwpi-
ter j e ainda em maior diftancia Saturno :
andando todos á roda do Sol , lendo efte
luminoío Aftro como o centro feníivel dos
movimentos de todos eiles ; de force que,
ainda feguindo que a Teira eftá quieta , c
que o Sol gira á roda deiia , he ícm a mí-
nima duvida 5 que os giros que fazem os
Planetas com os feus movimentos próprios ,
tem por centro ^ náo a Terra , mas o Sol.
Socegai 5 Silvio, que eu fou Catholico Ro-
mano , e havemos de concordar pela obe-
diência que profeíTo á Santa Igreja , e ain-
da á Inquiíiçáo de Roma ^ náo tenhais
fuftos , como quando foi dos Acciden-
tes.
Sih. Eu náo digo nada ^ o moftrar admi-
ração e efpanto , ouvindo algumas coufas
que vos ouço , sáo movimentos naiuraes , e
ás vezes indeliberados : profegui.
Thcod. Eftes PL^neias fe podem no Ceo dif-
tinguir facilmente das Éftreilas fixas , re-
parando na fua luz. Cot^uma fer clara , po-
rém quieta e como miorta , c náo tremem,
nem fcintilláo como as eftreilas j excepto
quando efláo perto do Horizonte , porque
então o vapor da terra agitado faz intcr-
ronipcr os íeus' raios, e tremem fcintilíando,
D ii £ug.
5^2 'Recreação Filofqfica,
Eug. Moftrai-me vós agora no Ceo alguns
Planetas.
Theod. Vénus já vós conheceis , e lá o ten-
des quafi crcondendo-fe no Horizonte, por-
que agora íegoe o Sol , e anda atrás dcUc ;
CiTe bem conhecido he. Voltai agora os
olhos para o Xafccnte, e vereis Júpiter, já
bem levantado óo Horizonte : acolá o tendes.
Silv. A íuz cjuc defpede de fi , he bem dif-
tinfla das dentais eltrellas.
Theod. Diftincia pela Tua força , e por não
tremer , nem ícintillar.
JEug. Aiíim he : eftes dous conheço cu já :
• dai -me a conhecer Mercúrio.
Theod. Agora já náo pôde fer : náo vedes
que V^enus fe eftá efcondendo no Horizon-
te ? Mercúrio como anda mais perto do
Sol , neceíTariamcntc já muito tempo antes
fe ha de ter efcondido. Além diíTo náo hc
mui fácil vello fem óculo ; porque andan-
do mui perto do Sol , e fendo pequeno , a
luz do Sol o confunde. Porém Marte tcn-
des vós á vifta : ahi o tendes fobre a voíTa
cabeça : a fua luz he avermelhada.
Eug. AíIim he , porém muito menor que a
de Jupircr.
Theod. Também o feu corpo he muito me-
nor : deixai-mc agora ver fe dcfcubro Sa-
turno .... Lá o tendes bem por fima da
Torre de Belém.
Eug. Li o vejo ; como he morta e pállida
a fua luz !
Theod. AÍIim he fempre > e tem razão para
Tarde vigefima 71011 a, 5'^
fcr aflim , pela diftancia cm que eftá , por-
que he o mais diftante de todos os Plane-
tas : e como não tem luz própria , torçofa-
mcnte o havemos de ver amortecido ^ pois
he precifo que os raios do Sol andem hum
cípaço immenío até Saturno , e d'ahi reflidao
para nós , caminhando outro efpaço ainda
maior i c nós bem vemos que a luz quanto
mais cípaço anda , mais fraca fica , por-
que fempre os raios váo íendo divergentes.
Quando iouberdes a diftancia , em que Sa-
turno eílá 5 haveis de admirar-vos de que
chegue a ver-íe , ainda dcíTe modo que o
vem.os.
J.ng. Reparo que vós náo contaftes a Lua
no numero dos Planetas : talvez vos eí-
queceo ?
Thcod. A Lua Planeta he, mas náo da claíTc
dos Primários , ou da primeira ordem : he
dos Secundários , ou Satdites , que quer
dizer o m.efmo que guarda de outro Plane-
ta. Dos Planetas primários alguns tem á
roda de fi fua guarda , como de archeiros ,
que nunca os largáo. Saturno tem finco ía-
telites á roda de li , que o acompanháo,
aos quaes podemos chamar finco Luas : Jú-
piter tem quatro , e a Terra tem huma ,
que he eíTa que eíiamos vendo. Portanto ,
Eugénio, nso foi crquecimenco o náo met-
ter a Lua entre os Planetas principaes , por-
ciuc elia he dos da fegunda ordem , poíto
que aos olhos ráo vifivel , e lao grande co-
iro o meínio Sol.
£ug.
5r4 Recreação Tílofojica
Eu^^. Moftrai-mc as Luns , ou Satélites de
Júpiter.
Thecd. A' manhã vo-los moftrarei com o
Tclefcopio 5 porque fem ellc náo Te podem
ver , por caufa da fua grande diftancia , e
por ferem muito mais pequenos que Júpi-
ter ; ainda que eu náo duvido cue Icjáo
maiores que a noUa Lua , e talvez maiores
que a Terra : o mefmo digo dos Satélites
de Saturno , que muito tempo palíou fem
fe Irie conhecerem fenáo quatro. Porém
por agora prccifo he que íaibais , que to-
dos elles sáo da merrr.a natureza dos Pla-
netas primários ; ifto he , opacos e efcuros
de fi ; c por efta razão ás vezes defappare-
cem de repente diante dos nolTos olhos , ou-
tras de repente apparecem.
Eug. E porque fucccde iílb ?
Thecd. Como Júpiter he opaco, dando-lhe o
Sol por huma íace , forçoiamentc para a
outra ha de f ;zer fombra ; e como os Saté-
lites andáo á roda de Júpiter, ás vezes en-
tráo pela fombra dentro , e ficáo ás efcu-
ras 5 porque n:o podem receber a luz do
Sol , que o corpo de Júpiter lhes encobre ;
c ficando as eícnras , como Te hão de ver?
E d'aqui fe prova que elles sáo Plane-
tas 5 e náo eítrellinhas pequenas , porque
eílas , como tem luz própria , fcmpre bri-
Iháo e fe deixáo ver ; porém os S.íteli-
tes náo tendo luz fcnáo a do Sol , quando
pafsáo por detrás de Júpiter , háo de fi-
car á3 efcuras, c invifivcis^ c quando fahi-
rem
Tarde vigejima no72a, 5*5'
rem da fombra , de repente ficaráó banha-
dos da luz do Sol , e íe háo de ver.
lEug. E também a fua luz hc clara e quieta
ccmo a dos outros Planetas , ou icintilla co-
mo a das eítreilas ?
Thcod. Em tudo leguem a regra dos outros
Planetas ; e quem es vò pelo Teleícopio ,
náo pôde confunailios com as clirellas ,
porque he mamíeíla a differença.
Silv. Teráo tan;bem íuas phaíes , e feus
eclipíes j como vem.os nos outros da primei-
ra clalTe?
Thiod, Nos Satélites de Júpiter são frequen-
tilíimos os eclipíes , porque os giros que
dáo á roda delie , são mui frequentes ; po-
rém as fuás phafes , ou diverías apparenci::s
da face alumiada , sáo totaimenie imper-
ccptiveisj porque fe cm jupiícr náo ha leií-
fivel mudança na apparencia peio ílrio cm
que ePiá tanto além co Sol , de forte que
comprehende a Terra dentro nos feus giros,
como ha de fer fenfivel nos Satélites , que
tem a mefma altura ? Mas no Satélite da
Terra , que he a nollã Lua , as faces sáo
bem feníiveis , como todos fabem ^ e os
eclipíes sáo menos frequentes , porque em
quanto a Lua dá hum. giro á roda da Ter-
ra 5 os Si\teiites de Júpiter dáo muitos , pois
o primeiro dá numa volta em menos de
.4^ horas , e os outros á proporção. Além
difío CS Satélites de Júpiter , como andáo
mui perto delie , nunca efcapáo da fua fom-
bra , quando voitáo pela parte detrás ; c a
Lua
5^ Recreação Filofofica
Lua muitas vezes efcapa da fombra da Ter-
ra 5 que por iíío nem fempre ha eclipfe da
Lua nas Luas cheias ; ainda cjue ella de fi ,
como todos os demais Planetas , não tenha
luz alguma.
Silv, Náo poíTo focegar o meu juizo, quan-
do vos ouço negar toda a luz própria á Lua,
Tbeod. Quando vós á manhã a virdes efcura
por entrar na íombra da Terra , cntáo vos
defenganarcis 3 que eJia de fi náo brilha ; e
que toda a luz , com que refplandece , he
empreitada. Aliás , fe cila tiveíTe de fi al-
guma luz , como V. g. huma vela acccza ,
ficando cila mettida atrás da Terra, lem que
lhe déíTe o Sol, fempre havia de brilhar, e
então mais , aílim como huma vela acceza
não brilha nada, íe eftá á vifra do Sol , c
pofta á íombra refplandece.
Faio^. Aquella razão convence.
Sih. A' manhã me defenganarei.
Thcod. Por conclusão , temos que são dez
os Satélites, cu Planetas íecundarios : fmco
em Saturno , quatro em Júpiter , e hum
na Terra. Em Marte , e Mercúrio fe náo
virão ainda : em Vcnus, já por quairo ve-
zes fe tem viflo hum, mas ainda íenáo dão
per certas , e exactas as obfervações ; c jun-
tando os dez íecundarios com os féis primá-
rios 5 fazem , como eu vos dizia , dezefeis
Planetas \ c com o Sol dezeiecc Aítios,
que pertencem a eíle fyfíema folar. Além
íitílcs ha outros Planetas irregulares , que
também pertencem a eíla máí^uina , que
Tarde vigejima nona, 57
sâo os Comeras : Chamáo4he Planetas
irregulares , náo porque o fejáo , mas por-
que r.áo he o fcu movimento táo conheci-
do como o dos dezeieis de que falíamos.
Delles vos hei de f^iliar mais largamente
em feu lugar ; mas para náo ficar decepa-
da 5 ou truncada efta idéa , que vos dou da
fabrica do Univerfo, vos darei também hu-
ma geral noucia dos Cometas. Hoje depois
do ceiebradillímo Cometa de 59 , ninguém
duvida que sáo os Cometas huns Atlros
creados no principio do mundo , juntamen-
te com os outros Planetas ; a diíFerença
maior , que os fepara para clalTe d i veria ,
eftá em que os Planetas andáo á roda do
Sol em círculos perfeitos , ou elifes , que
i"e chegáo muito para círculos. Náo fei íe já
vos expliquei que coufa era £/(/> : dáo
cfte nome ao que nós chamamos figura
Oval 3 c para que tique iíio logo eftabeieci-
do , por quanto nos ha de fervir para dian-
te , o modo fácil de defcrever eíta figura ,
náo hc uíando do compallb , mas de dous
pregos , hum aqui em a (£Ji. i. fig. ^.) Eí^. 1.
outro aiii em b : atemos hum cordão mui fig. 3.
froxo de hum prego a outro , e com hum
ponteiro na máo , entézo a corda , e vou
correndo á roda , de huma e de outra par-
te, e o rego que fica allígnado com o pon-
teiro 5 he huma Elife , e os dous pregos são
os Teus dous focos. Ora quando eu quero
fazer huma elife muito comprida , não ten-
do ínais quç per os dous pregos mui diíian-
tcs j
58 Recreação FiJofoJica
tes ; quando a quero fazer quafi circular,
ponho os dous pregos quafi chegados hum
ao outro.
Eug. Tenho percebido , já fel o que heElifc.
Tttod. Os Cometas movem-fe 3 roda do Sol
delcrevendo ciiies , de forte porém que
lhes fica o Sol n'um foco. Mas elifcs sáo
muito compridas ; e por eíía razáo os Co-
metas náo fe vem fempre , fcnáo de tem-
pos em tempos ; porque cm quanto andáo
naquella porção de elifc , que fe chega ao
Sol , podemos alcançallos com a vifta ; mas
quando váo fugindo peia elife adiante , pôem-
íe em tamanha diítancia , que fe náo po-
dem ver , nem com os melhores Teleíco-
pios , até que paíTados os annos determina-
dos para o feu periodo cu volta , tornáo
a chegar-fe ao Sol , e deixar-fe ver dos
liomens. Os Planetas também fe movem
em eliícs , mas sáo mui curtas , e quaíi
como circulos , por iOo nunca fogem da
noiTa vifta. No demais havemos de julgar
que os Cometas , como os Planetas , sáo
huns corpos globofos , opacos , e inviíiveis
de fi , e fó vifivcis pela luz que reflcckm
do Sol. O mais que ha que dizer acerca
das luas caudas , movimicnros , e periodos ,
fica para fcu lugar , como também o ref-
ponder a varias dúvidas , que Silvio ha de
ter ; por quanto ha de feguir a opinião dos
que dizem que sáo vapores levantados da
• Terra.
SUv. No que náo ha dúvida quaiuo a mim ,
e
Tarde vigefima nona. 5' 9
e he expreíío de Ariftotcles , fe me não en-
gano.
Theod. Em tudo iíTo fallarcmos de vagar,
quando a boa ordem nos conduzir a tratar
dcftes Aftros em particular , que hoje que-
ro-vos dar huma idéa dos Aftros em com-
mum.
£ug. Ahi temos já a pendência armada ,
principalmente porque irá Silvio para cafa
prevenir-fe para a contenda.
Ihcod. Ultimamente, Eugénio, além deftes
corpos opacos que rodeiâo o Sol , temos
muitos corpos luminofos, que sáo asEftrel-
las , que a noíTo modo de fallar náo tem
nada com- o Sol , nem andáo á roda delle.
Chamáo-lhe Eftreílas fixas : eftas aíTentáo
todos que tem luz própria , porque cftáo
numa tal diftancia , que íeria impollivel
que a luz do Sol lá chcgalTe com força ca-
paz de reílcciir para nós ; pois a diftancia
das Eftreílas he incomparavelmente maior
que a de Saturno. Eftas Eftreílas náo eftáo
fixas e engaftadas em algum corpo folido ,
como imagina o vulgo , porque humas ef-
táo em diftancia muito maior que as ou-
tras : caca huma delias he com.o hum Sol,
e por caufa da diftancia immenfa , em que
eftamos a feu refpeito , parecem tão peque-
ninas. A v/4 la^ea , que eftais vendo , ou
como chama o vulgo a eftrada de Sant-
iago , náo he outra coufa mais que huma
incomprehenfivcl multidão de Eftreílas miú-
das e juntas , que íe náo diftinguem entre
íi
6o Recreação FiJofofica
fi com os olhos ; porém os Tclefcopios tios
dáo a conhecer que eíTa luz continuada que
parece huma nuvemzinha branca e rara ,
náo he fenáo collecçáo de muitas Eftrel-
las 5 que pela diftancia immenfa quafi que
defappareccm dos noíTos olhos.
Silv. Continuemos a converfaçáo ; mas fe
vos náo incommoda , vamos para dentro ,
que aqui já o Luar nos caufa perjuizo.
Tbeod, Vamos ; mas náo tenhais receio que
o Luar vos pcrjudique á faude.
Silv. Coula he bem conítante , que aííim
como he útil a m.uitas plantas , he nocivo
aos homens.
jEug. Eu fcmprc aílim o entendi.
§• VII.
-Do Infuxo dos Aftros nos corgos ter^
rcjtres.
Tkecd. T~^ Também eu mulios annos mepcr-
tL fuadi dilTo , mas ultimamente vim
a conhecer , depois que tive mais alguma
liçáo c experiência , que havia neíTe parti-
cular grandes erros, e preoccupações da in-
fância.
Silv, He principio para mim certifíimo , que
todos os Aíhos influem, nos corpos fublutia-
res ; e que huns tem benigno influxo , ou-
tros maligno. E lendo o influxo do Sol
bom , porque náo fcrá máo o ásí Lua r
Jbcod.
Tarde 'vigefinm nona, 6r
Theod, No influxo do Sol não tenho dúvi-
da , porque he innegavel o calor que caufa
nos corpos terreftres , e efte calor hc que
dá vigor ás plantas , e como alma c vida
a todo o mundo ; efpecialmcnte crendo que
eííe calor náo confiíle em mero movimen-
to da matéria que aquece , mas em partí-
culas de fogo 5 que fe inrrometrem nos
corpos , e tem a lua origem do Sol , co-
mo n'outra occafiáo dilTemos, Do influxo
da Lua duvi o em parte , e em parte náo
duvido. Tenho por certo que as marés pro-
cedem da Lua , e muitos ventos , e mui-
tas outras mudanças , nefta próxima região
do ar. Se concedermos á Lua a força de at-
tracçáo , que cftá quaíi evidentemente pro-
vada entre todos os corpos Celeftes , com
efta pòdc mover as aguas do Oceano , a
maíTa ténue do ar ; e com ifto fazer notá-
veis mudanças na economia da natureza.
Em quanto a eftcs pontos náo duvido ; e
dellcs 1-allaremos a íeu tempo : agora no
que toca ao influxo fobre as fementciras ,
c marilcos , e fobrc os noíTos corpos , te-
nho minhas dúvidas , e bem fundadas : ul-
timamente fobre o damno que podemos pa-
decer , eftando cxpoi!:os ao Luar , nilTo ef-
tou certo que he medo váo , e fem funda-
mento. Eu difcorro por parte-í. Se o Luar
fizeíTe damno aos humores de hum homem,
que com a cabeça defcuberta fe expõe a
elle , também o faria ao outro , que com a
cabeça abafada debaixo dos cobertores eítá
dor-
62 Recreei cã o Filofofica
dormindo na fua camará mui fechada. A
Lua íó pode obrar por força deíla atcrac-
çáo , que diíTe ^ e fe com cila pôde pertur-
bar os humores do corpo humano , o fará
igualmente cm qualquer lugar , pois eu ve-
jo que igualmente revolve a agua da fupcr-
ficic do Tejo, e a que eftá no abylmo do
mar , e que chega a fazer eíFcito na por-
ção de agua lá dos antípodas , atraveíTan-
do a fua virtude por todo o groíTo da Ter-
ra , fem que ilTo lhe eíleriiize , ou diminua
a fua força de obrar , como veremos fat-
iando das marés j náo que haja efpiritos ou
cffluvios ou alguns corpos fubtis , que atra-
vefTem a Terra de parte a parte para elTe
effciío 5 mas porque a \ç:\ da gravidade , ou
attracçáo obra por outro modo , como vos
difle íailando da gravidade dos corpos ter-
reílres. Suppofto ifto , quem dilTer que a
Lua por força da fua attracçáo move os
humores de quem eftá expofto ao Luar ,
não deve dizer que feja tão fraca cíTa at-
tracçáo 5 que hum lenço , ou chapco pof-
to na cabeça zombe dcUa , nem ainda o
telhado das noíTas cafas , porque fe a grof-
fura de toda a Terra náo defende da arcrac-
çáo da Lua a agua dos nofTos antipodas ,
que fica da outra parte do g'obo da Terra ,
que pôde fazer a mais grolTa parede ? Ifto
he no que toca ao Luar fcr nocivo ou não.
Agora vamos á'^ fcmenteiras.
Silv. Efpcrai : pois fó por força da attracçáo
pôde obrar a Lua 1
Tarde vígejtma nona. 6:5
Thtoà, Sim.
Silv. E o Sol não cbra por outros modos
fem fcr o da artracçáo ?
Thcod, O Sol fim , porque obra com o ca-
Jor, c com as partículas de fogo , que fen-
do da fua natureza delle , fabcmos que fe
introduzem nos corpos terreílres^ c eíle ca-
lor pôde fazer grandes mudanças , e eíFei-
tos nos corpos : pelo contrario , a luz da
Lua , por mais que fe tenha examinado ,
nenhuma fnudança feníivel faz nos corpos.
Os maiores e mais vigorofos efpelhos uf-
torios 5 que expoílos ao Sol derretem os
metaes promptamente , e vitrificáo muitas
matérias , fe por muito tempo fe expuze-
rem aos raios da Lua , náo feráo capazes de
iazer fubir meio ii,ráo o mais fenfivel Ter-
mómetro que fe lhe ponha no foco. Tem-
fc feito exaíflas diligencias para perceber
qualquer diiícrcnça no Termom.etro com a
força do Luar , mas fempre de balde ; pe-
lo que , por força do calor , náo pôde a
Lua fazer mal , nem bem aos corpos ter-
reftres.
Silv. E que me dizeis á conftante experiên-
cia dos enfermos , que fe queixáo unifor-
memente nas Luas , ainda fem faber que
os dias são de Lua ?
Theod, TíTo já he outro ponto , em que eu
náo tenho toda a certeza ; mas fempre que-
ro dizer-vos o meu penfamento , e contar-
vos huma hirtoria. Eu tive cm minha ca-
ía hum hofpcde alguns annos , homem de
pou-
64 Recreação Filofofica
poucas letras , c mui tenaz de juízo ; eftí
tinha tomado huma tal aversão com o dia
de fefta feira , que queria pcríuadir-nos que
nelTe dia tudo fuccedia mal , e que era dia
lerrivel j e fazia hum largo catalogo de in-
felicidades fuás e alheias , todas acontecidas
á íefta feira : quiz eu dirperíuadillo , attri-
buindo a acafo o que ellc julgava influxo
do dia , e não pude ; moftrava lhe como as
vontades livres das pelToas , de quem pen-
diáo grande parte daquelias infelicidades ,
não poJiáo Ter movidas por algum occulto
influxo do dia da femana , c que o dia da
femana náo he coufa capaz de influir, pois
o Sol , que forma eiTe dia , forma todos os
demais , &c. e nada bailou , porque fc de-
fendia com a fua experiência. Calei me , e
por longo tempo fui notanco tudo quanto
fuccedia, apontando os dias: paliados dous
mezes , tornei a excitar a queftáo \ e de-^
pois que clie me tornou a rcterir a ferie
de fuccelíos infauílos acontecidos naquelle
dia , cu fahi com outra muito maior ferie
de fuccefTos feliciílimos , tanto pertencentes
a elle , como aos demais , acontecidos na
fefla feira , e depois referi outra ferie de
íuccelTos infclices , que fucccderáo cm di-
verfos dias da femana , erpccialmente na
quarta feira , que elle chamava dia feliz^
Só comefte argumento o convenci. O mef-
mo digo no prefentc cafo. Em nós elfando
prcoccupado> de huma coufa , tudo quanto
ferve a confirmar elTa idéa , fc lepóe na
me-
Tarde xigeftma nona. 6f
memoria , como coufa prcciofa , que fe
guarda nos gabinetes , porque iodos eftimáo
acercar , e também fazem apreço daqucllas
coufas 5 que nos perfuadem que acertamos:
pelo contrario , tudo o que ou náo favore-
ce , ou dcfmente a noila idéa , como náo
fe eítJma , não fe repée na memoria , e
eíquece. Vós mefmo haveis de ter huma
experiência própria , que perfuade efte mxu
dircurío. Yòs 5 aílim como todos os bons
Médicos j curais muitos enfermos , mas
também muitos há o de fer os c.ue vos mor-
rem nas mãos ; e ouvireis nas juntas , que
os Médicos formão huma larga ferie dos
que tiverão bom íuccellb com aqueile re-
médio , e confcrváo na memxria nomes ,
. ruas, oííicios, &c. ; mas dos que morrèráo
nem formão rclsção , nem ainda confcrváo
lembrança , fenáo de alguns mais nota-:
veis.
Silv. E para que fe ha de confervar lembran-
ça triíle í
Tbccd. Aílim fuccede em cafos innumeraveís.
^'6 fazeis memoria dos enfermos , que fe
queixáo em dias de Lua ; mas náo fazei5
reflexão nos que fe queixão nos outros dias.
Se íizeíTcis igual reflexão em huns c ou-
tros , talvez que achalTeis que pouco in-
flr.ia a Lua nos enfermos. Ifio para mim
he mui provável nas Luas cheias c novas;
porém nos quartos muito mais provável ,
porque neíTcs dias náo ha razáo nenhuma,
nem ainda apparentc. Nas Luas novas e
Tom. VI.' E che-
(íG Recrearão Filofofica
cheias , como a aitracçáo da Lua c do Sol
obráo pela mc!ma iirsha , fazem effcito íen-
fiv-cl nas marés , c poderá al^^uem diícorrer
que por elTa attracçáo altera os humores ;
mas nos' quartos , ainda que a Lua riveíTe
influxo , e mandaíTe cá effluvios , náo havia
apparencia de razão para ferem nelTe dia
mais do que em qualquer ourro , entre a
Lua nova e cheia. Neftcs dous dias , di-
zem alguns que a luz do Sol paflrindo pela
Lua , ou dando nella , e relleclindo total-
mente para a terra , tniz comíigo grande
copia deeffiuvios malignos, &c. ; porém nos
quartos náo íci que apparencia de razão
polTa haver. Que tem cá os humores do
corpo humano com que nós vejamos fó hum
quarto de Lua claro , c outro quarto fe ef-
conda ?
Silv. Theodofio , deixai-vos de impugnar
illo , que he huma hercfia medica o que di-
zeis. Pôde SI Lua influir nos ventos, e chu-
vas , &:c. ? Logo pôde influir também nos
corpos enfermos : aíTcntemos nifto , e paíTe-
mos a outra coufa,
Ifheod. Nos ventos e chuvas , e em toda a
atmosfera , ou resiáo do ar , e vapores que
nos rodeáo , pôde a Lua influir aflim co-
mo nos mares , por força da atrpacçáo , co-
mo direi a feu tempo ; e baila fó efta
attracçâo para motivar eiTas mudanças àc
tempo , as quaes pela mefma razão mais
fe governão pelas Luas novas e cheias,
c[ue pelos quartos ; mas náo fú como a
for-
Tardd "cigefima nona, 6y
força da attraoçào da Lua obre nos enfer-
mos i m^s por efía razáo he que eu digo
que neílc ponto tenho muitas dúvidas , c
náo o dou por certo. Só iim pôde a Lua
verdadeiramente cauíar novidade nos enter-
mos wdireClamente. liko quer dizer , cm
quanto faz mudança ncs vapores e ventos,
c eíles tem grande domínio fobre os doen-
tes.
Silv, Seja pelo modo que quizcrdes , com tan-
to que íeja como a experiência nos eníina.
Theod, Vamos agora ás femenceiras , que
ifto pertence a Eugénio , peio que ihe ou-
vi ha pouco. Eugcnio , eu algum dia fui
mui contrario á opinião do vulgo , fun-
dado nas authoridades que logo direi dos
jardineiros do Rei de França , mas hoje
náo o fou tanto , pofto que conheço que he
muita a preoccupaçáo do vulgo : aqui hei
de ter as authoridades regiftadas em hum li-
vro , dcfde que as encontrei ( i ) . Aqui
eftáo : a prim.eira teilcm.unha he Mr. A^OV'
mand , Dircclor dos pomares de fruta e
de eipinho do Rei de França ; e diz aHim
traduzido do Franccz : Entre hum gr.wdijjl-
vw numero de experiências feitas com a uU
tima exaccjto cm differentes amios , fobre ca-
da huma das opemcões da agriculturji , não
tenho achado alguma , que favcreça a fcr-
vil fujeição dos nojfos antigos aos diverfos af-
peãos da Lua. Á outra teftemunha he Mr.
de la Qifintinie feu antcceííor , o qual diz ,
E ii que
.(O Speaid de la Nat. Tom. I. psg. S-^^.
6 o Recreação Vilofofica
que náo havia couía mais frívola que cW
larem-Í2 a oblervar o dia da Lua , quan-
do querem planear , ou cortar , &c. Que
era preclío fazer cada coufa na fua fazáo
opporíuna , e crcoihcr o tempo próprio ^ c
actíiDuir o íuccelTo ao Sol , c ao lempera-
mcnro do ar , &c. Efta prcoccupaçiio ge-
ral tanro mais eicá arr.:i'^ada , quanto mais
anu'2;a he \ e quanto m.ais a gente camponez
he aferrada aos ícntimentos de léus pais^
ciando muiio menos ao diícurfo que á fua
. aurhoridade. Os antigos já foráo culpadoè
nifto ; e creio eu que foi efta a caufa. Co-
mo a genre do campo náo tinha folhinhas ,
governaváofe pelas Luas para diftin^nirem
as divenas partes do anno , os mczss eráo
lunares ;. e enrre cUes íe alíentava como
coufa certa , que era bom lemcar efte grão
no quarto mez da Lua , quando folTc no
meio , ifto vinha a ler Lua cheia : a outra
pianra era bom difpoila no fetimo mez v. g.
já qua fi acabando , ifto vinha a ler quar-
to miin^uanie ; outra no oitavo mez logo
no principio , ifto vinha a íer Lua nova.
Cada revolução da Lua era o fcu mez ;^
e a quarta parte defta revolução era a fua
femana : olhavào para a Lua para fa-
ber em que alturas hia o mez , ou que
fcmana era do mez ; e fabcrem fe era o
tempo próprio para fêmea r , ou plantar ; e
como 03 íilhos pequenos acados com feus
piis viáo olhar para a Lua , e que fe gover-
. naváo por ella , náo pcrgumaváo porque ^
. . ma*
Tarde víge/íma nciiã, 69-
mas cegamente hião crendo que a Luá naí
. quelle quarto influía nas íementes , e a fa-
zia pegar bem , &c. Pelo que , meu Eugé-
nio , o Sol 5 as chuvas , os ventos , e a
eiiaçáo cio anno he que íe deve aiccnder ;
porque iílo principalmente conduz ao bom
efieito das remcnteiras. E baile de conferen-
cia , que pcja o prim.eiro dia afias foi longa.
£^w^. . Falta diZerdes alguma couía fobre o
influxo dos mais Aíírcs, porque fempre ou-
vi dizer , nafceo debaixo de boa eftreila ;
e neftes repertórios ordinários leio muitas
vezes que neíte m.ez predomina Marte , na-
queiloutro Saturno , &c. e attribuem a iífo
ferem os que nafcem debaixo do dominio
do Aílro, m.elancoliccs , ou coléricos , cu
de eftatura grande , ou de nariz comprido
V. g. e também de coílumes difToiutos. Di-
zei-me fobre ilio o que entendeis.
Thcod. Entendo que os JMagiífrados devião
prohibir todos eftcs papeis, que náo fervem
lenáo de defacreditar a Naçáo Portugueza ,
e mjetter erros na cabeça do vulgo , que
os lè quafi com tanta fé , como le foile o
mefmo Evangelho. Naicer debaixo de boa
ou má eílrella , não he coula que íe poílà
entender. As eftreilas do Ceo nenhum in-
fluxo podem ter na terra pela fua immenía
diítancia,
Eug. Lembrado eftou que me diíTeftes , fat-
iando da luz ( I ) que gaílava muitos annOs
a luz cm vir das eíireUas até nós.
Tkeod.
- CO Ton^« II. Tard. V. §. i.
70 Kecreciçâo Filofõfica
TheOíL Pois vede quanto gaitaria a vir eíTc
inHuxo para fazer mal ou bem á criança
que nafcia. Mas fupponhamos quevinháoef-
fes influxos como quizcrem : todas as ef-
irellas do Ceo elláo n'uma immenfa diftan-
cia da terra , que he como hum pontinho
nadando no meio de hum vaftiílimo c im-
menlb eipaço : fe huma eftrella influir ,
porque razáo náo háo de influir todas as que
cltáo no Ceor e fe influirem ncftc dia, por
que náo háo de influir cm todos , fendo nel-
les ícmpre a mefma diftancia , e paliando
por ílma de nós todas ellas dentro de 24 ho-
ras? Mais : Te influirem numa terra, porque
náo háo de influir em todas , fendo o glo-
bo terráqueo hum ponto cm comparação
das eftrcilas ? O mcfmo digo dos Planetas.
Tomíra que me cxpIicalTem ifto : fe para
nafcer debaixo do dominio de Marte bafta
eftar elle cntáo do Horizonte para fima , co-
mo em vinte e quatro horas dá huma volta
á roda da terra; dos homens que nafceíTem,
ametade o aIcanç:iriáo fobre o Horizonte ,
amctade debaixo , o meimo digo dos de-
mais : ora que caíla de obferv içáo fe pôde
fazer n uma coufa necefrariamcnte geral pa-
ra met:;^ dos homens i
Sih. Talvez quererão dizer que eftava o tal
Planeta a prumo fobre a terra na hora do
nafdmenro.
Theod. Iffo náo pódc fer, fenáo na Zona tór-
rida , e fctc grãos e meio fora delia , por-
que nunca pôde Planeta algum fahir fora
do
Tãrcle njigeftma nona. 71-
do Zodíaco , nem paíTar cá a prumo pof fi-
ma de ncs. Além de que , ie jupice-r v. g.
palTalTc bem a prumo por- lima de nós no
tempo do nnfcim.etito do meíiir.o , táo en-
canados viriJo elíes influxos , que fahindo
do corpo todo de Jupirer , que he muiio
maior que a terra , ló cl^g^iicm ca ao
pontinho da cala , em que nalceo a crian-
ça , e não fe diífundilTem por todo o ^/lo-
bo da terra , ou ao menos por- todo o Rei-
no em redondo l e fe a todos chega elTe
influxo 5 já a reípeito delies náo paliou a
prumo; e fe ifto náo he precifo , todos, os
mais Planetas , que íempre olháo a terra ,
ou a prumo , ou obliquamente , eíl.rio
influindo fobre ella , e náo ic pôde attri-
buir nada mais a cUe Planeta que aos ou-
tros.
SWv, Eu náo {^'\ lá de Aftronomias , mas
fempre ouvi dizer que a diverfa conjunção
dos Aftros tinha tal, ou qual domínio fobre
os corpos terrenos. Ahi lendes vós huma
couia conftantemcnre obfcrvada pelos Mé-
dicos j que quando o Sol entra na Cani-
cula 5 náo he conveniente entrar em cura,
nem fazer remédio forte : ifto náo hàvcis
vós de negar.
Tí^od. Náo o poíTo conceder. Sei que cíTe hc
o coílume dos Senhores Médicos ; mas n:.o
dilccrrem todos de hum modo : alguns por
Canicula entendem calmas exceflivas , c en-
tão concordo facilmente que náo convém
entrar em cura , porque as calmas granucs
per-
72 Recreação Fihjofica
perturbáo a economia dos humores ; mas
outros por Canicula emendem huma certa
■ contlellaçáo do CcO , e rcligiofamente ob-
ferváo os dias que a folhinha aponta de Ca-
' niculares , tcmendo-os como dias infr.uftos,
quer taça grande calma , quer pequena ; e
com eltes taes náo pollo concordar. Que
tem cá o Sol com as cftrellas , que ficáo
mais de Ictenta mil milhões de léguas dif-
tantes dcUe , e que tem elLis cá comnofco
~ para nos perturbar os remédios ? Entrar o
•' Sol na Canicula , quer dizer , que neftes
- dias o Sol 5 o!hando-o defde a terra , cor-
refponde no Ceo a eftas eílrellas ; affim
como nós olhando para a Torre do Bu-
gio na barra , eIJa nos corrclponde áqiiel-
la brilhante elirelia , que fe vai eíconden-
do. Mas fe olharem para o Sol nellcs dias
de oiirra parte , fora do globo terreftre ,
correfponderá a conlèellaçáo mui diftante ,
aflim como fe de Cafcacs agora olhaíTem
para a Torre do Bugio , lhe havia de cor-
refponder a alguma eíirella do Nalcente.
Lx)£P tanro parcntefco tem o Sol com a
Canicula , como com qualquer outra conf-
tellaçáo , nelíes dias dos Caniculares. Di-
zemos que eftá lá \ náo porque efteja ,
mas porque olhando-o de cá , corrclpon-
de a eíTe lugar do Ceo ; mas eftá táo lon-
ge deíTa confteljaçáo , como de todas as
outras. Pelo que deveis obfervar , náo a
folhinha para íaber quando começáo os
Caniculares , mas íim as calmas c outras
dif'
Tarde 'víge/Ima nona. 75
dirpoíiçóes do tempo , para faber fe con-
vém 5 ou náo entrar em cura. lílo he o
que eu entendo ; vós fegui o que melhor
vos parecer , que fois Medico de profirsão :
lá vos governai.
Súv. Como me crcei Medico Perípatciico ,
hei de morrer com todos clTes abufos ; e em
Canicula fó por grande neceííidade farei re-
médio forte.
lEug., líTo he conftancia Icuvavei.
Thccd.. Os homens náo háo de fer fáceis de
variar. E aíTim infenfivelmente prolongámos
a conferencia muito mais do que eu queria,
atrendendo a que Silvio ainda náo defcan^
çou da fua jornada,
Silv. Pequena foi , e com commodo ; mas
he precifo rerirar-me a cafa : á manha virei
ao Eclipfe. Deos queira que o Luar defta
noite me náo prejudique.
Ttcod. Ide fem fufto , que a Lua não he
bafilifco , nem dá olhado ; vinde fedo , pa-
ra que quando chegar o eclipfe já tenhamos
• acabado a conferencia.
Silv» Obedecerei como devo.
TAR-
74 Recreação Filofofica
TARDE XXX.
Do Sol , e da Lua em particular.
§. I.
Do Sol , c da fua natureza-, figura , gran-
dcLa,pezo, denjidade , titancbas y
e atntosfera.
Silv, ff Ontra a expericncia náo ha ar-
1 gumento.
Theod, ^^--^ Pois que I que he iíTo , Silvio ?
que vos aconteceo?
Silv. Agora venho de cafa do nolTo amigo o
Commendador , que fica bem mal com hu-
ma apoplexia , que lhe deo efta manha : he
dia de Lua cheia , e além diíio de eclipfe,
que dizem íerà mui grande , e ainda haveis
de dizer que os eclipfes , e as Luas náo in-
fluem nos corpos !
Theod. Mal eftamos nós, Eugénio, que ha-
vemos de fupportar em pczo toda a mali-
gna influencia da Lua no tempo do eclipfe:
defgraçados dos Aftronomos ! Ho)e cahiráõ
apopleticos mais de três mil por todo o
mundo ! Dizei-me , Silvio , e livcftes cui-
dado de perguntar que ceou homem ciTe en-
fermo ? que modo de vida tinha í que dif-
pofiçóes tinha tido nos dias antecedentes?
Silv.
Tarde trigejima. 75*
SiW. Já andava ameaçado dias antes com
hiimas verrigens mui pezadas , mas a pri-
meira deo-Ihe dous dias depois da Lua no-
va : vedes como á Lua fe deve tudo attri-
buir ! e honrem teve huma grande indigeí-
táo procedida de defordem no com.er.
Tbcod. Ahi tendes o verdadeiro eclipíc , que
lhe fez ma].
Eug. Sempre o eclipfe he mais adivo que a
Lua nova , porque eíb fez-lhe fó numa
vertigem , e gaftcu dous dias em a caufar;
e o eclipfe , muitas horas antes de chegar,
lhe caufou logo huma apoplexia.
Silv. Náo repareis niíTo , Eugénio , porque
he coufa fabida que as Luas obráo até três
dias antes , ou três depois: com que , bem
podem.os fcm efcrupulo attribuir á Lua no-
va a primeira vertigem.
Thcod. E por eíTa regra todas as mais verti-
gens 5 e quantas facadas í^c dáo , e furtos
fe fazem , e quantos males fuccedem , po-
deis attribuir á Lua ; porque como de fete
em fete dias ha Lua , em fe acabando os
ires dias depois da Lua nova , em que ella
tem jurifdicçáo , entráo os três dias antes
do quarto crefcente , nos quaes já ella do-
mina ; e temos todos os dias occupados com
a jurisdicçáo da Lua: terrível Aftro !
Síl. Deixemos iíTo : que temos nós que dif-
corrcr eíta tarde para a intelligcncia do
eclipfe ?
Theod. Hontem falíamos do Ceos , e dos AC-
uos em commum ; alguns já conheceis pe-
los
76 Recreação Vilofofica
los feus nomes e figuras : já fabeis que toáos
os Planetas sáo efcuros de fi , e opacos;
que o Sol he quem reparte com elles a luz
com que refpiandecem ; porém ainda nso
bafta ifto , muiío mais falta : vamos hoje
confideranio em particular eíTes mefmosAT-
tros , para conhecerdes a caufa dos eífcitos
que vemos. O Sol tem o primeiro lu^ar.
He hum corpo luzido e brilhante de fi mef-
mo : a fua natureza ou he fogo puro , ou
muito femelhante ao noiTo fogo ; porque
vemos que produz os mefmos efFeitos. O
fogo queima , aquece , c dá luz ; e tudo if-
fo faz o Sol : c fe ajuntamos com o efpe-
Iho uítorio os feus raios , achamos inteira-
mente os mefmos effeitos , que no fogo ter-
reflre ; tanto alíim, que alguns corpos calci-
nados á força dos raios do Sol fahem com
maior pezo , ailim como calcinados á força
do fogo tcrreftre , como já vos dilTe nou-
tra occafiáo f i ) ; o que afsás períuade fe-
rem da mefma , ou mui femelhante nature-
za as particulas que causáo o calor do Sol ,
e as que causáo o calor do fogo : por quan-
to 5 alíim como as mcfmas particulas do
lume efpalhando-fe , e me:tendo-fe pelos
corpos que encontrão , os fazem aquecer;
aflim as mefmas particulas do Sol efpalha-
das pelo efpaço que occupáo os feus raios,
sáo as que causáo calor nos corpos que
aqucntáo 5 introduzindo-fe ncllcs , como lar^
CO Tom. ni. Tard. X. §. j.
Tarde trigefima* 77
gamcntc dilTc noutra occafiáo ( i ). Alguns
dizem que eila he a Região do Fogo j pois
lá onde alguns a punháo , que era cm re-
dondo fobre a região do ar , já nós dilTe-
mos que era impoilivel que eftiveííe ( 2 ).
Mas deixemos ilTo , vamos a coufas mais
importantes.
Silv. Sim , deixemos eíTe ponto , que ainda
náo meditei neile.
Jheod, O Sol tem hum volume mui gran-
de 5 ainda comparado com todos os Plane-
tas juntos : de íbrte que , exceptuando os
Satélites (de cuja grandeza íe náo Tabe na-
da com exacçáo) Te ajuntarmos todos os
Planetas , entrando também a Terra e a
Lua , ficará hum volume 571 vezes mais
pequeno que o Sol. Comparando porém o
Sol com a Terra , de cu|a grandeza pode-
mos ter mais clara idéa . achamos que o Sol
tem hum diâmetro quaíi 11:5 vezes maior
que o da Terra. E porque tereis gofto
de que reduza eftas medidas a léguas Por-
tuguezas , dando nós 2062 léguas ao diâ-
metro da terra ( O ? vem a ter o Sol de
diâmetro ( 2^2 . 6no ) duzentas e trinta e
duas mil , íeiscentas e íetenta léguas Por-
tu-
(1 ) TcTm. III. Tard. XI. §. I.
(2) Tom. III. Tard. XI. §. X.
Ç j ) Cada gráo de circulo máximo da Ter-
ra , conforme o nofTo Cofmografo mór , e ou-
tros bons Authores , tem iS léguas Portugue-
zas (das Hefpanholas são lo J7 e meia ) e por
hYo tem o diâmetro ác>02.
78 Recreação Filofofica
tuguezas. Aqui tendes o diâmetro ; vamos
agora a fuperíicie. Comp;irando-a com a da
Terra , fica por eftc calculo 12.7^2 vezes
maior ( I ) : c reduzindo-a a léguas quadra-
das , sáo ( 1 70 ; 2C2 : 1 88 . ^-'4 ) cento e
íeiema mil, duzentas e dous contos, cento
c oitenta e oito mil , trezentos e fctenia e
quatro léguas. Advirto que eu filiando de
léguas 5 ufo das Porcuguezas , porque são
mui diverfas no tamanho das de outrjs Na-
ções. Só rcíla agora dizer o volume do
Sol , por compançso ao da Terra. Sabei
pois que he ( I : 4^5 . C25) hum conto,
quatrocentas e trinca e cinco mil , e vin-
te e cinco vezes maior que o volume da
Terra. Também advirto que nas diftancias
dos Planetas figo os cálculos de La Lande
C 2 ) depois das obícrvaçóes da palíagem de
Vénus pelo difco do Sol : obfervaçóes , que
nos derâo bem a conhecer a theorica admi-
rável dos movimentos dos Aftros , e que
íèrviráó de corrigir os antigos , que feguí-
ráo medidas diverías ( :5 ).
( 1 ) Eu coflumo nas contas grandes para
■facilitar a leitura , pôr no numero de núl hum
ponto . ; n(.s conioi dous pontos : ; no milhar de
conto ; e no confo de contos iflo : :
(2) Conhecimento dos tempos para o an-
no 1774. 1776. &c.
( í ) Na primeira imprefsão deRe Tomo íe-
gin os cálculos de Gravelande , que hoje não
tem mtrecimcnto depois das novas oblervar
cóss.
Tarde trigefima, y^
Eug. Não me admiro delia variedade , admi»
ro-me de que fe polia faber tanto.
Tbeod. Pelo dircurfo deftas conferencias tal-
vez que façais algum conceito do modo
com que eftas coulas fe fabem. Conheci-
do o tamanho do Sol , vamos a determinar
o feu pezò e denfidadc.
£ug, líTo nunca cfperei eu , que os homens
tiveíTem a felicidade de o confeguir.
Silv. Nem eu , que tiveíTem o atrevimento
de o intentar. Ora dizei , Theodofio , e de
que balanças fc ferviráo os homens para
pezarem o Sol?
Theod. Das da razão , que a quem as fabc
manejar , fervem de muito. N'um dia dei-
tes 5 que fe fcguem , vos direi o modo com
que Ic pôde averiguar o pezo dos Aftros :
agora náo o digo, por náo perturbar a ferie
que pertendo icvar nefta explicação : lem-
brai-mo , Eugénio. Continuando pois o que
dfeia do pezo abfoluto , ou de quantidade
da matéria que ha no Sof , dáo-lhe pelas
obfervaçóes e calculo hum pezo ou quanti-
dade de maceria (^65 .412) trezentas c
felTenta e cinco mil , quatrocentas e doze
vc2es maior que a da Terra toda ; porque
ainda que o fea volume he i : 4^5 , 025
vezes maior que b da Terra , náo he tão
denfo como ella , e he perto de quatro ve-
zes efpecincamenre mais leve. Eu vos expli-
carei a feu tempo o modo de examinar o
pezo e deníídade dos Planetas ( 1 ).
Eug.
C 1 ) Tarde XXXill. §. 4, no fim.
8o Recreação Fílofojica
Eug. Náo me efquccerá o lembrar-vos 4
maior explicação delíe modo de exami-
nar , c como íazcr anatomia nos Àftros da
Ceo.
Theod, Pelo que pertence á figura , he de
globo , ainda que á vitla parece hum. cor-
po plano c claro j c o fun Jumento, por que
íe crê que tem a figura de ^lobo , ou esfe-
ra , vem a íer efte. Se o Sol íoííe de ou-
tra qualquer figura que náo folie .globo ,
quando eiie íe toííe voltando em redondo ,
como le volta , nem ícmpre nos havia de
oíFerecer huma face circular , qual teftemu-
nháo fempre os ncfíos olhos.
Sih. E por onde nos confia a nós que ellc
íe volta em redondo t
Theod. Dcfcobrcm-re no Sol algumas man-
chas efcuras , as quaes vão ícmpre paíTan-
do de huma parte para a outra ; e paliados
dias , tornáo a paílar. Efte movimento ma-
ni feita que o Sol fe revolve fobrc o fcu ei-
xo á maneira de peão. E todas as circum-
ftancias defte movimento concordáo com o
movimento de hnma esfera fobre fi j por-
que na face do Sol eftas manchas nem fem-
pre apparecem com a mefm.a diftancia en-
tre fi j quando eftáo no meio , fempre tem
maior diftancia apparente , que quando fe
chegáo para as bordas , ou Limbo do ^\,
. (Tomai fentido neífes nomes, que sáo ter-
, mos próprios da matéria \ Ora fendo o Sol
huma bola , que tiveíTc varias manchas ,
fempre em igual diílancia , as que nós vif-
fe-
Tarde trigefima* 8i
femos defronte , havíamos de vellas com
maior íeparaçáo , e maiores , que 3S que
vilTemos de ilharga 3 porque haviáo de pa-
recer mais eftreitas , e mais chegadas entre
fi , como he bem manifefto. Pois aílim fuc-
cede no Sol, e peia meima razáo , as man-
chas 3 que paísáo pelo meio , correm com
mais velocidade , que as que paísáo mais
aliima , ou mais abaixo do meio ; porque
como hâo de dar volta maior , por conta
do maior bojo , e fempre ha de fer no mef-
mo tempo , em que todas dáo volta , de-
vem forçofamente andar mais depreffa.
Eug. Tudo deve aliim fer , íuppofto o Sol
ler esférico , e mover-fe á roca de fi mef-
mo.
Silv. E eíTas manchas nãõ poderão fer enga-
no da vifta , ou alguma poeira dos Te-
lefcopios ?
Theod. Vinde-vos certificar com os vofTos
olhos antes que o Sol fe efconda no Hori-
zonte 5 porque efta manha vi cu no Sol
fete manchas bem diftinèlas , e ainda fe
hâo de ver.
jEug. Tantas! e são fempre as mefmas?
Tbcod. A's vezes apparccem muitas , outras
menos , outras vezes nenhuma ; eíte anno
cm 10 de Abril lhe contei eu fincocnta c
huma , e algumas eráo bem grandes , nunca
o tinha vifto táo manchado. Vinde, Silvio,
. defenganar-vos.
4^/7^^. Sempre me fica o efcrupulo fe fera
. mancha do vidro , e que pareça que hc no
Tom. VI, F Sol^
')2 Kecreaçao Filofofica
Sol ; c me confirmo mais com o que di-
zeis j que nem fempre sáo as mefm^s.
TfKod. Aqui tendes o Tclefcopio apontado,
c defendido com hum vidro verde e defu-
mado , que hc o melhor modo que ha para
obfervar o Sol .... vedes ?
Sflv. Vejo-o clariílimamente , e lá percebo
humas trcs nódoas.
Th^od. Reparai bem que eíTa mais de íima
sáo duas juntas, e a de todo baixo sáo qua-
tro pequeninas , que fe confundem . . . ag;o-
ra as vereis melhor, porque vos puz o Tc-
lefcopio no ponto da voíía vifta.
Silv. Lá percebo que sáo dons montinhos de
nódoas mais pequenas ; mas náo diftingo
quantas sáo ; e quem me diz que ifto náo
he do oculo?
Ibiod. Se forem do oculo , em vós bolindo
com o oculo , também ellas fe háo de mo-
ver : ora r.^ovei-o levemente , para náo per-
der de viífa o Sol.
Sílv. Ellas náo fe bolem : já vejo que náo
- sáo do oculo. Vede , Eugénio.
Tkíoi. Amigo , eftas coufas quando fe dáo
por certas , náo hc fobre conjcóluras. Ve-
des, Eugénio?
Bug. \''eio as muito bem.
Thcod. Bafta : vamos cá para dentro. Sobre
cilas manchas do Sol ha varias opiniões en-
tre os Aftronomos , tanto fobre o lu^ar,
como fobre a natureza : alguns fe lembra-
rão fe feriáo Satélites , que andaíTem á roda
tlclle , porém ifto náo hc verofimil , porque
ás
Tarde trigefima, S3
ás vezes de repente apparecem no meio do
Sol algumas manchas , outras vczcs de re-
pente defapparecem j o que hoje aíTentáo
commummcnre he , que sáo nuvens groílas
e cfpefras , que fe levantáo da fuperficie do
Sol , como as nolTas nuvens da íuperficie da
terra j por iíTo ás vezes de repente fe diíli-
páo ; outras vezes íendo mui miúdas e im-
perceptíveis 5 fe ajuntarão no meio da fua
face , e fera de repente vifivel a miancha.
Como porém em quanto fe náo desfazem
iempre leguem o movimento commum de
huma parte para a cutra , prováo iempre a
confiante rotação , ou vertigem do Sol. Ou-
tra duvida ha fobre o lugar. Algutis que-
rem que eftejáo como pegadas na fuperfi-
cie do Sol 5 porque náo tem paralaxe, (eu
explico efta palavra ) quero dizer , que ven-
do-fc a meíma manch,^ de diverfos luga-
res , V. g. d'aqui e de Paris , fempre cor-
refjx3nde ao mefm.o ponto do Sol j c íe el-
la eftivelTe cá mui diílante , vendo-a de hu-
ma parte , corresponderia á borda , ou lim-
bo do Sol ; e vendo-a ao mefmo tempo de
outra terra , corre fponderia a outra parte,
náo tão cheg?:da á borda , ou limbo ; aflim
como , porquie Silvio difta da parede frontei-
ra, a fua cabeça vifta daqui corrcfponde-mc
á efquina daquelle m.appa , e a vós , Eugé-
nio , ha de correfpondcr ao meio delle.
Eu^. AHim hc j e iflo he que chamáo para-
lixe ?
Tfxod. Sim i e obferyai que quanto mais fe-
F ii pa-
84 Recreação Filofofica
parado eítiver Silvio da parede , maior ha
de fcr a diftancia dos lugares a que a fua
. cabeça correrponde , vendo-a nós dcftes lu-
gares , em (]ue eftamos fentacos ; fe elía
diftaííe ^ palmos da parede , pouca feria a
diíFerença : pcrdoai-nos, Silvio, fentai-vos
lá quaíi cncoftado d parede; e vós , Eugé-
nio 5 ficai quieto.
Silv. Com muito gofto vos firvo.
Eug, A mim correfpondc a volTa cabeça á
moldura do mappa, meio palmo diftante da
efquina.
Theod. E a mim hum palmo ; em pouco vai
a diíFcrençâ ; por iíTo hc pequena a parala-
. xe 5 e a diftancia real de Silvio á parede.
. Eis-aqui porque muitos julgáo que as man-
chas do Sol eftáo pegadas nclle. Porém
Wolfio fe períuade , e com fundamento,
que náo pode iíío fer aílim , porque então ,
quando as manchas voltalíem com o Sol á
roda tio fcu centro , tanto tempo feriáo vi-
fiveis , andando na face voltada para nós,
como invifivcis , andando na face contraria ;
e ifto náo fuccede aíhm, porque tardáo em
apparecer perco de três dias ( i ) .
Silv. Náo percebo como dahi fe infere , que
as manchas eftcjáo feparadas do Sol.
Theod. Defte modo. Eu vos faço aqui com
. o lápis huma figura (^Ejlamp. i.^^. 4. )feja
cfte globo S o Sol , nefte circulo de pon-
tinhos € o a andem as manchas. Ifto fup
pofto , he verdade que tanto tempo háo de
Ijaf-
(O Eleixi. Aftron. §. 413.
Tarde trigeftma, 85'"
gafiar na meia volta de cá , como na meia
volta oppofta ; porém como andáo algum
tanro aftaíb.das ao corpo do Sol , e náo fe
podem ver fenáo corrclpondendo á noíTa vif-»
ta fobre o Sol , tanto que efcaparem delia ,
ficáo invifiveis ; c aííím em quanto a man-
cha andou de e até ci , hia aquella nódoa
negra encubrindo o Sol , e via-fe ; tanto
que efcapou de cí , ninguém a vio até tor-
nar a apparecer em e. Deíle modo fica
bem claro , que muito mais tempo ha de
cftar a mancha invifivel , do que vifivel j o
que não feria aíiim , fe eftiveííe pegada
á fuperficie do Sol ; porém nunca efta
diftancia fera muita , porque então ha-
veria a paralaxe , que já vos expliquei.
S\\\). Tenho percebido.
TI?cGd. Do que tenho dito fe infere que o
Sol á roca de fi tem tal ou qual atmosfera ,
que correfponde ao nofío ar ; porque alias on-
de fe havião de fuftentar elTes vapores , ou
nuvens , ou fumos que o encobrem ? Nós
• fabemos que os vapores da terra fe lévantáo
pelo pezo do ar , e nclle fe fuftentão , náo
obftante pezarem para a Terra , como fe vè
quando fe ajnntão e chove; também tudo o
que houver nas vizinhanças do Sol deve pe-
zar para elle; edeve haver por boa razão al-
gum fluido , em que nadem eíTas nuvens.
Em humas Cartas fyíicas , que hei de publi-
car, vos direi que cftas nuvens são da maté-
ria cpaca 5 em que fe fuftenta a chamma que
brilha no Sol.
€. II.
26 Recreação Filofijica
§. II.
Dos movimentos do Sol , e da fua dijíancia
íi refpciio dx Terra.
Eug, "F^ O movimento cio Sol rodos os
JL^ rjuc tem olhos podem teíiificar;
porque he bem notório que em vinte e qua-
rro horas ie move de Xafcente para Poente.
Theod. EíTe he o primeiro movimento que
03 Aftronomo> coníiieráo no Sol, que tam-
bém he commum r toios os Aílros , os
quaes com os Ceos fenfivelmentc le revol-
vem noefpaço de hum dia. Porém efte mo-
vimento , dizem os Copernicanos , que fó
he na apparencia, porque na realidade o Sol
eítá quiero , e a terra he a que fe move á
roda do leu cixo^ e aiíim cono quando va-
mos embarcados nos parece que os roche-
dos nos váo íugindo para trás , fení o ceno
que elks ficáo immoveis , e nós íomos os
que vamos andando para diante •■, alfim di-
zem Oò Copernicarios , que fucceJe entre a
terra e o Sol. A terra dizem que he como
hum grande e unrverf.il navio , que fe mo-
ve de Poente para Nafcente em 24 horas ,
c os hoiBcns cuidáo que os Ceos e Aftros
todos fe movem de Narccnie para Poen-
te. Porém dePe porro failarerros outro
dia la^fgamente ( i ). Alem deiíe movimen-
to
( I ) Tarde XXXII. §. IJI.
Tarde trigefíma, 87
to commum , a que fe chama diunw ^
porque fe compiera em hum dia , tem o
Sol outro movimento próprio , que he de
Poente para Naícente , correndo os 12 Si-
gnos , que sio doze Conílcllaçóes do Ceo ,
a que elle íucceíli vãmente vai corre ( ponJen-
do : de forte que , fe hoje o Sol quando
nafce correíponde no Ceo a huma determi-
nada eftrella v. g. da coníteilaçáo de Gemi-
^íí, á manhã quando nafcer já ha de Ter de-
pois de íahir do Horizonte cila eílrelh , por-
que entre tanro andou o Sol para o Orien-
te quaíi hum gr.io ; daqui a ^o dias já o
Sol ha de correíponder a outra conftella-
çáo 5 a que chanaáo Coiiccr ; c aflim pelos
doze mczes vai corrcrpcncendo ás doze
conftellaçóesj que chamáo Signos. Etbs 12
conftellaçóes juntas fórmáo huma cinta , que
rodea todo o Ceo , a que ch:.mio Zculix-
cOj e deite moio em ^65 dias, 6 hor^s , 9
minutos 5 e 14 íegundos , tem o Sol corri-
do com o feu movimento próprio todo o
Ceo em redondo. Se me laáo percebeis de
todo 5 pelo difcurfo das conter encias me
percebereis melhor , que ainda havemos de
tornar a faliar nitto. Ora eíle rrovimento
lambem he apparenic na opinião dos Co-
pcrnicanos , porque dÍ7.cm que o Sol eRá
íixo , e a terra (alem de fe revolver corro
hum peão fobre o feu eixo em 24 hor^is )
também dá hum pafleio vagarofo á roda
do Scl no efpaço de hum anno inteiro.
Como iílo folTa ícr , vos explicarei de va-
88 Recreação Filofofica
gar , quando fallar defte fyflema , exj?li-
cando-vos o admirável jogo dcs Aftros en-
tre fi. Agora fó quero tratar de cada hum
em particular.
Eu^^. Como vós fabeis o que me haveis de
dizer , rcfervai lá as doutrinas para o lugar
mais opportuno.
7heod. Além deftes dous movimentos tem o
Soi o terceiro , que chamáo de Fertigcin ou
rotação : e nefte concordáo todos que he
verdadeiro, e que na realidade o Sol fe mo-
ve á roda do feu próprio centro. Eíie mo-
vimento que (como ha pouco dilTe ) íe co-
nhece pelas manchas , que vão fempre paf-
fando de huma parte para outra , gafta 25
dias e meio. Advirto porém que o eixo
do Sol (ifto he , a linha que íc confidera
palTar pelo feu centro , e terminar nos dous
pólos lebre que fe revolve) náo fica a pru-
mo a relpeiío do plano da Eclitica. Eu
me explico. Se no mc:o defta meza re-
donda puzermos a terra , e ccnfiderar-
mos pela borda da rr.cza os doze Signos,
pelos quaes o Sol fe move no eípaço
de hum anno , para reprcfcntar bem o
feu m.ovimento , havemos com hum ara-
me atravcíTar huma laranja, ou qualquer bo-
la , e ao pafb que formos andando com ci-
la pela borda da meza , havemos de ir re-
volvendo o arame en're os dedos, para que
a laranja fe volva fobre o feu próprio eixo.
Di^o agora que cíle arrme náo deve an.
dar a prumo íbbre a meza , mas hum f>ou-
CO
Tarâe trigeftma. S^
CO inclinado , de forte que faça com a
meza (que correfponde ao que charriáo os
Aftronomos Plano da Eclirica) hum angulo
de 88 gráos e n^eio. Ifto he o que por ago-
ra podeis faber fobre o movimento do Sol ;
agora vamos á fua diíhncia.
£ug. Creio que ha de fer disformemente
grande.
Theod. Sobre a diftancia dos Planftss não
pôde haver tanta certeza , como fobre os
léus movimentos ; porém dir-vos-hei a opi-
nião que reputo por mais fegura , e he a
que fegue Mr. de la Lande ( i ) depois
das obfcrvaçõcs da paíTagem de Vénus. Di-
go pois , leguindo efíe calculo , que o Sol
diíta da Terra (25- : 028 . 409) vinte cin-
co contos , e vinte e oiro mil , quatrocen-
tas e nove léguas Portuguczas. Ifto he a
diftancia media.
£ug. Bem dizia eu que havia de fcr disfor-
memente grande.
Theod. Adverti logo , que efta diftancia nem
fcmpre he a mejma ; porque a Terra náo
fica no centro da elife por onde fe move o
Sol 5 nem o Sol no centro da elife por on-
de fe move a Terra (fallando no fyftema
dos Copernicanos ). Difta pois do meio óçC-
ta elife (420 . 478) quatrocentas e vinte
mil , c quatrocentas e fetenta e oito léguas.
Efta diftancia ou do Sol , ou da Terra "ao
verdadeiro centro da Orbita do Planeta que
P-
( 1 ) Conhecimento dos tempos para o an-
no 177Ó.
ço Recrsaçãi) Filofoflca
gira , conforme os diverfos fyftemas , fe dis*
ma Excentricidade ; e tanto vale o que cref-
ce a diíhncia do Sol á Terra , quando hc
máxima , como o que íe diminue da me-
dia , quando hemimma. Porém lequizcrdes
comparar a diftancia máxima com a míni-
ma 5 a difFcrença importará duas excentri-
cidades ; e aílim importa (841 . 9s^^ oi'
tocenras e quarenta e hum mil , novecen-
tas e cincoenta cieis leg^uas. E bafta de me-
didas i vamos aos cclipfes do Sol.
SíW. Se vós o pudeíTcis medir a palmos ,
náo eftarics com tantas miudezas.
§. III.
Dgs Eclipfcs do ScL
Tkeed. /^Eclipíe , que fe chama do Sol,
V-/ verdadeiramente he eclipfe da
Terra ; porque fe eclipfe he obfcuraçáo , a
Terra verdadeiramenre he que padece obf-
curaçáo , porque cahe nella a íombra que
lhe tâz a Lua , quando fe metre entre nós e
o Sol. Vós já íabeis que couTa he Lua No-
va ; c que fucccde quando eftá a Lua entre
nÓ5 c o Sol , voltando para ellc a fua face
illuminada , e para nós a efcura.
Eu^. Bem me lembro do que hontem nos
dilTeftes ; c da experiência da bola, que pen-
durada fizeftes andar ároda caminha cabeça
defronte da vela acceza , que figurava o Sol.
Theod,
Tarde trigefíma. 91
jTheoã. Supponde agora que , eftando nós
olhando para o Sol , paliava a Lua por en-
tre nós e clle , havia-nos de tirar a vifta do
Sol • e iílo hc eclipfe ; fe tiraíle a vifta de
iodo o Sol 5 chamariamos a ifto eclipfe to-
tal : fc Te demoraíTe algum tempo o Sol
todo efcurecido , era total com mora , ou
detença : Te tanto que a Lua chegaíTe a en-
cubrir a ultima borda do Sol logo defcu-
brilTe a primeira da outra parte , era total
fem mora : fe a Lua náo palTaíTe bem pelo
meio , mias encubrindo huma pane do Sol
deixaiíc fempre defcuberra a -outra parte ,
chamr-riamios a eíTe eclipfe parcial. Tudo if-
to he fácil de entender.
Fug. E muito fácil.
Thcod. Vamios agora explicando íílo miuda-
mente. Em primeiro lugar náo pôde haver
eclipfe do Sol 5 fenáo em Lua Nova ; por-
que fó na Lua Nova , quando ella volta
para nós a face efcura , hc que pódc acon-
tecer paflar a Lua por entre nós e o Sol.
Eis-aqui porque S. Oionyfio Areopagira (fe-
gundo fe diz ) fendo ainda Gentio , fufpei-
tou a mcrre do Cre?dor , fem ter noticia
nenhuma do que íe paflava em Jerufalem ;
pois quando Chriílo Senhor noíTb padeceo,
exclamou elie : Ou o r,iurido todo fe dejman^
ckx , ou o Ambor do Uuivcrfo padece ; por-
que vio hgm eclipfe total do Sol no dia di
Lua Cheia ; e a fer aílim , ou fe tinha òcí^-
ordenado o Univerfo , ou era eclipfe mila-
grofo ; c fó para demonftraçáo de que pa-
de-
92 Recreação FiJofoJica
decia o Author da natureza fe faria fcmc-
Ihantc fígnal.
Bug. Difcorria bem , porque elle efperava a
Lua de huma parte , e o Sol da outra ,
como coftuma fucceder em iodas as Luas
cheias , em que quando fe póe o Sol , en-
tão he que nafce a Lua ; e achava a Lua
efcurecendo o Sol j tinha raz?.o de íe admi-
rar. Mas por efte moio creio eu que todas
as Luas novas haverá eclipfe do Sol.
Theod. Náo fuccede ilTo aíiim ; porque a Lua
humas vezes efcapa por huma parte , outras
efcapa por outra j e fó quando paíTa bem
por entre nós , e o Sol , he que o encobre ,
e temos eclipfe. Logo vos carei mais luz
íbbre efte ponto. \''amos ás demais cir-
cunftancias. A ourra circunfrancia , que de-
veis obfervar nos eclipíes do Sol , hc que
náo sáo iguaes para todas as terras , nem
ao mefmo tempo , nem gcracs. A's vezes
ternos eclipíc do Sol em Heípanha , mas
náo na Africa ; outras vezes he total em
Galiza, e parcial em Lisboa; outras, quan-
do o vemos aqui , ainda náo começou n ou-
tras partes.
Eug. Qiiero faber a razáo de todas eíTas cir-
cunftancia^.
Theod. A Lua he hum corpo opaco , e faz
íombra ; ora como a Lua vai findando , a
fombra vai pairando ; e quando eita fombra
dá na Terra , vai a fombra correndo fuccef-
íivamente as Cidades , que encontra no feu
carminho j e primeiramente ha de paíTâf por
hu-
- Tarde trigefima. 93
huma , depois por outra , &c. a Cidade,
onde der a fombra , que faz a Lua , cm
quanto ahi der a fombra , náo pôde ver o
Sol , e para eíTa Cidade eftará eclipfado to-
do eíTe tempo , mas ainda fe verá o Sol na
outra Cidade mais adiante , aonde ainda
náo chegou a fombra da Lua ^ por iíTo ou-
vireis dizer , começou o eclipfe do Sol ás
8 horas nefta Cidade , e ás 8 e meia na
outra.
Eug, IiTo he evidente.
Theod. Também d'aqui fe infere , que o ecli-
pfe total do Sol fó por milagre pôde fer
geral em toda a Terra ; porque aflim o
Sol , como a Terra , são muito maiores
que a Lua. Suppofto ifto , ponha-fe a Lua
onde quizer , nunca ha de prohibir que paf-
íem raios do Sol para toda a Terra : fe náo
derem numa parte , lá háo de dar noutra ^
porque fendo hum corpo mui pequeno met-
lido entre dous muito maiores que elle ,
náo pôde embaraçar que fe vejáo ; e em
a Terra podendo ver o Sol , já eftá alumia-
da nelTa parte que o vir. Também nunca
pôde fer geral cm toda a Terra o eclipfe
parcial do Sol , pela pequenhez da Lua a
refpeito da Terra , e eítar muito perto del-
ia. Pela mefma razáo , os eclipfes do Sol
náo sáo iguaes para todas as partes onde ha
eclipfe i porque , fupponhamos que a Lua
eftá de tal forte pofta entre nós e o Sol ,
que o encobre todo , e faz hum eclipfe to-
tal i os que cftivcrçin d' aqui ^o léguas par
ra
94 Recreação Filofqfica
ra o Norte , já poderão ver alguma parte
do Sol da banda do Norte j e os que cfti-
vcrcm 40 léguas zo Norre , defcubriráó já
muito maior porção do Sol i c tanto pode-
rão diftar de nós , que já lá das fuás Ter-
ras defcubráo todo o Sol. Aqui vedes co-
mo o eclipíe do Sol não he igual em todos
os lugares onde o ha.
Eug, Huma comparação me occorrc ?gora,
que talvez náo fcja imprópria. Quando no
Ceo andáo algutrias nuvens loltas , aconte-
ce eftar para nós o Sol encuberto , e ver-
mos os montes da banda d além cheios áz
Sol.
Silv. A's vezes ainda em menor diftancia ob-
íervamos iíTo. Vejo muitas vezes as cam-
pinas próximas á minha quinta com bello
Sol , e as minhas cafas á fombra da nu-
vem 5 que brevemente paGV, e me deixa
ver o Sol.
Theod. Ahi tendes hum eclipfe tão verdadei-
ro como o da Lua , mas irregular , e fem
período certo ; porque íó a differença eftá
em fer a Lua , ou ler a nuvem quem en-
cobre o Sol , c eíTa mefma comparação de-
clara como náo luccede o ecliple ao mcfmo
tempo em todas as Terras , porque vai cor-
rendo a fombra da Lua , aíiim como vai
correndo a fombra da nuvem. Mas adverti
que , aflim como onde da a fombra da nu-
vem não fc vè nada do Sol , e todo fe en-
cobre ; também onde dá a fombra da Lua,
todo o Sol fe edipfa.
Tarde trigefima, 95r
Eu<^. E como fuccedc o eclipfe parcial ?
Theod. Forrra-fe pela Penimibra do Sol. Náo
fabeis que coufa he Penumbra i eu vo-lo ex-
plico ; mas deixai-me debuxar aqui huma
íií^ura , para me entenderdes melhor ....
Aqui tendes efta figura (^fig. 5. EJlamp, i.) Eft. i,
cm fima eftá o Sol S , no meio a Lua H j íi. $.
c como o Sol he muito maior que a Lua,
a fombra que ella faz cá para baixo, ha de
fer pyramidal , e quanto mais diftar dâ Lua ,
tanto mais efíreita ha de ícr. Supponde vós
que a linha f p R. q hQ hum campo por
onde o homem vai paííando : em quanto
caminhar de f aié p , ha de ver todo o
Sol 5 porque vê defde a borda ou limbo
g até ao outro limbo b ; fó quando o ho-
mem pafTar de p para dentro , he que a
Lua lhe ha de encubrir parte do Sol ; e
tanto mais lhe ha de encubrir o Sol , quan-
do elle fe chegar para R : chegando a eíTe
ponto , náo vê nada do Sol ; e temos ecli-
pfe total ; porém paílãndo de R para dian-
te , já ha de defcubrir o limbo b ; e cada
vez ha de ir vendo maior porção do Sol ,
até que cheirando a q defcubrirá a borda do
Sol g. He ifto claro ?
Eug. Como a mefma luz do Sol.
Theod, Aaui tendes agora onde podeis per-
ceber tuao o que vos tenho dito. A fombra
da Lua vai àcCàç H até R , tudo o que ahi
entrar ficou em eclipfe total ; íe a Terra fi-
car na linha a i u e , ha de haver eclipfe
total com detença ; porque como ahi a fom«
bra
96 Recreação Filojofica
bra tem fua groíTura , cm quanto eíla paf»
far peio homem , que ciliver quieto , al-
gum tempo fe ha de gaftar ; e todo elTe
tempo durou o Sol em eclipfe total. Porém
fe a Terra eíèiver mais longe da Lua, (por
quanto haveis de faber que a Lua humas
vezes anda mais perto de nós , ouiras mais
longe ) f e a Terra , digo , eftiver mais lon-
ge da Lua , e correfpondcr á linha, f p q y
como a pyramide da íombra loca com a
fua ponta R neíTa linha , fará na Terra hu-
ma nódoa de íombra mui pequena ; e co-
mo vai paíTando , tanto que o homem que
obfcrva o Sol entrar na fombra por huma
parte , logo íahe delia pela outra ; e temo»
cclipfe fem detença : porém por todo o ef-
paço , que vai de p aié q , ha de haver
eclipfe do Sol parcial , porque todo ciTe ef-
paço occupa a Penumbra do Sol. Portanto
fombra do Sol be falta de tcda a luz do Sol ;
e fó dá naquelies lugares , donde fenáo vê
nada do Sol. Penumbra do Sol be falta fó
de alguma luz , que f abe de algumas partes
do Sol , mas nao de toda a luz ; c da cm
todos aquelles lugares , c'os quaes fe vè par-
te do Sol 5 porém náo todo ■■, como v. g. de
p até R , ou de R até ^ , porque de ne-
nhuma deíTas partes fe vè o Sol todo ; c
como fe náo vè todo o Sol , náo pôde ef-
tar táo claro eíTe terreno , como aquelle ,
aonde forem parar os raios que fahem de
qualquer ponto do Sol.
Eug. Viíto iílo , fallando propriamente , quan-
do
Tarde trigeflma. i)j
do ha eclipfe do Sol parcial não eftamos na
fombra da Lua, mas na Tua Peniméra^.
Theod. Dizeis bem j ainda que niuiras vezes
os Aftronomos não talláo com todo o ri-
gor , e chamáo fomhra á meima Penumbra
que caufa a Lua. Falta explicar o cclípfe do
Sol anular : iíto he , quando o Sol fica co-
mo hum annel de luz, negro no meio.
Eug. Nunca vi nenhum alhm.
Thcod, São muito raros : e fuccede quando a
Lua fica bem na linha , que vai de nós até
o Sol, e náo o encobre todo , mas fomen-
te o meio , deixando as borjas cm redon-
do deícubertas , como nefta figura , que
aqui faço ÇEjlamp. i. fig. 6.). Eft. 7.
Eug. Admiro-me de que cftando a Lua cor- fig. 5.
refpondendo bem ao centro do Sol , náo o co-
me todo, aílim como quando ha eclipfe total.
Theod. Com razão vos admirais. Mas repa-
rai : hum corpo , que fe vos póe diante dos
olhos , encobre-vos os objeòlos que ficáo
na direitura da mefma linha fronteira aos
olhos i V. g. ette chapeo , pofto entre a
minha cara e a voíía , faz que vós me náo
vejais o rotto ; fe o chegardes mais para
vós 5 encubrir-vos-ha parte da parede ; C
quanto mais o fordes chegando , m.aior ha
de fer o campo da parede , que vos occulte
á vifta i e tanto o podereis chegar aos olhos,
que vos náo deixe ver nada delia parede, a
que eftou cncoftado.
Eug. Tudo ilTo aílim he.
7h€od. O mefmo fuccede com a Lua : quan»
Tom, VI. G do
çS Recreação Fílofqfica
do eftá entre nós c o Sol , femprc nos en-
cobre alguma parte dCilc ^ íe cítá muito
perto de nós , encobre-nos todo o Sol , c
grande parte do Ceo cm rcdonJo ; tanto,
<]ue he neceíTario palTar tempo para o prin-
cipiarmos a ver ; ie eftá mais síiàítada , fim
encobre todo o Sol , mas quafi ao juftoj
qualquer coufa que ella Te mova, ou o Sol,
nos deixará ver alguma borda : mas fe eílá
muito longe de nós , parece mui peque-
na , e náo pódc abranger todo o Sol j fó
encobre o centro , e deixa ver as bordas.
Eft. 1, Nefta mefma figura {ft^. 5. £jiamp, i.),
fig* 5- que vos moftrei , vos quero apontar o fi-
tio , em que ha de haver eclipfc annullar.
Eftando a terra mui diftante da Lua , v. g.
ncíh linha n m o , quem eftiver em m,
ha de ver o Sol como hum annel ; por-
que ha de defcubrir a borda ^ , c ao mef-
mo tempo a borda g do Sol, e náo o cen-
tro. Mas eftes cafos fó íuccedem quando a
Lua vai láo alta , que a íua íombra náo
chega á terra , como neftes cafos cm que
vedes , que pára em R. E adverti de cnmi-
nho huma couía , que a fombra da Lua
quanto mais diíb delia , tanto mais eftrei-
la hc ; mas a fua Penumbra entáo mais fc
alarga , como vedes evidentemente. Ifto po-
de fcrvir para defvanccer alguma equivo-
caçáo.
Fug. Advertiftes bem : alíim he.
Theod. O que falta por ora para dizer fobrc
os eclipfcs 3 he o mgdo de fabcr quantos
V - di-
Tarde trigefima. 99
dígitos fe háo de efcurecer do Sol nefte , ou
naquellc determinado edipre. Digito do Sol
he a parte duodécima do feu diameiro. Cof-
tumáo os Aftronomos dividir tanto o diâ-
metro do Sol , como o da Lua em doze
partes iguaes , e cada huma delias chamáo
digito. Portanto , para faber quantos digi-
tes do Sol fe háo de efcurecer , he prccifo
dar algumas noticias primeiro j íicaráó para
feu tempo. Vamos a tratar da Lua.
§. IV.
Da Lua , fua grandeza , pczo , denfidade , e
dos feus montes , atmosfera , e habitadores,
Eug. A Lna, pelo que me tendes dito, já
jr\ fei que he hum globo opaco , c
muito menor que a Terra : fendo que os
olhos julgariáo que era do tamanho do Sol ,
que vós já diíTcítes fer i : 4^5. 025 vezes
maior que a noiTa Terra.
Theod. A grande diverfidade da diftancia , em
que eftâo eíTes aftros , he a caufa de que
pareçáo do mefmo tamanho , fendo em íi
láo defiguac?.
Eug. Aílim deve fer neceíTariamentc.
Theod. He porém a grandeza da Lua muito
inferior á do Sol , e também inferior á da
terra. Comparando os diâmetros da Terra e
da Lua 5 acha-fe que sio entre fi como
fetemà e quatro a rcfpeito de vinte j de
G ii íor-
ICO Recreação Filofofca
forte que vem a ter a Lua 563 léguas das
noiTas no leu diâmetro, que he pouco mais
da quarta parte do diâmetro da Terra : por
ccnfcguinte , comparando as duas fuperfi-
cies da Terra e da Lua , tem a terra huma
íuperficie treze para quatorzc vezes maior
que a da Lua. L^Itimam.ente os volumes,
íc os compararmos entre íi , tem a Terra
hum volume , ou grandeza , quarenta e no-
ve vezes maior que a da Lua. Porém o pe-
zo não he íó quarenta c nove vezes m^aior ,
porque a Terra he mais dcnfa que a Lua.
Comparando pois o fen pezo com o da
Lua , o pczo da Terra çxcçàc o da Lua 71
vezes , e alguma coufa mais ; e por con-^
feguinte comparando a gravidade efpecifi-
ca j ou deníl.-ade da Terra , com a da Lua ,
tem a mefma proporção lenfivelmente que
71 a 49 i ifto he , que tomando dous vo-
lumes iguaes da matéria da Lua , e da ma-
téria da Terra j fe elTe pedaço de terra pczar
71 onças , ou arrobas , o pedaço da Lua
ha de pczp.r 49 onças, ou arrobas com pou-
ca dríferença ( i ) . Eu vos direi a Teu tem-
po como efias contas fe fazem j c vereis
que
( 1 ) Mr, de la I.ande na Conhecimento dos
tempos para o anno 1774. pa^. 241. Veja-f«
tainbem a pae. 28 j. onde diz, que fe deve le»
formar a Taboa das dimensões d(vs Planeias,
que fe acha no fegundo tomo da lua Aftrono-
mia da edição de 1771. na pag. 158 A roef-
ma Taboa reformada fe acha no Conhecimento
òm tempos dos annos feguintes.
Tarde trigejima, lor
que não sáo arbitrarias , mas por calculo
admirável: aílim vós tiveíTeis inltrucçáo pa-
ra me entenderdes nos termos próprios.
Paliemos agora da matéria da Lua. ja vos
dilTe que era opaca e eícura , náo obftantc
alguns dos antigos Filofofos dizerem que
era da natureza do fogo : ou não repara-
váo nos eciipfes , ou náo difcorrião bem ;
poíto que aigum fundam.enio tinháo para
lhe dar huma luz morta e mui fuíca : pois
quando a Lua entra tot^Umente no eclipíe,
ou na fombra da Terra , ainda Tc vê mui
bem , e parece ás vezes aos olhos algum
tanto avermelhada ; e nos dias proxim.os ao
da Lua nova fe vè , ao mencs com o Te-
lefcopio 5 a face efcurecida banhada de hu-
ma luz cfcura e froxa.
Silv, Bem dizia eu que ella alguma luz ti-
nha de fí : ahi fe vê bem manifeftamente.
Theod. Elperai , Silvio : efta luz efcura , que
fc vè na Lua eclipfada , náo provêm de
que a Lua tenha luz própria : tem diver-
íos principies. No que rcfpeita a Lua,
quando cfta próxima ao dia da Lua nova,
a luz pállida , que fe vê na hce efcureci*
da , provêm do reflexo dos raios do Sol ,
que dão na noíTa terra. Supponde que o
Sol eftá aqui em fima de nós , a Lua fen-
do próxima ao dia , em que fe chama Ao-
va , náo pode diftar muito do Sol para oj
lados : eíta Terra também hc opaca , e to-
do o corpo opaco reíiede a luz , mais ou
menos , conforme elle he : dando pois o
Sol ^
IC2 Recreação Filofofíca
Sol de chapa na terra , os raios háo de re-
flectir em grande parte para fima i e como
neíla Jjnha encontrão a Lua , háo de banhai-
la de alguma luz branda j aíHm como na
Lua cheia os raios de Sol , dando de cha-
pa na Lua , reflesflem para nós. Vede a
p(^. 1. mefma tigura ( /^. 5. Eftamp. i. ) , que
fig. 5. fervio para vos explicar o eclipfe do Sol, o
qual íempre acontece em Lua nova. Se a
Terra eítiver na linha n m o , os raios do
Sol Sy que vem de fima, dão na Terra, e
refleéiem para íima ; e como encontrão a
face da Lua totalmente ás efcuras , porque
o Sol lhe fica pela outra face , dáo-lhe hu-
ma luz íeníivel ; de forte que então quem
eftiveííc na Lua , e olhalTe cá piura a Ter-
ra , havia de vella Cheia , e banhada de
luz.
JEug. Por cíTe difcurfo venho eu a inferir ,
que também a Terra vifta da Lua ha de ter
luas faces , e quartos crefcentes , c min-
• guantes.
Ibeod. Aíiim he: e ccrrificamo-ros , que ef-
ra luz branda , que Te defcobrc neftes cafos
na Lua , procede da reflexão dos raios do
Sol na Terra , porque nos quartos da Lua ,
já a parte efcurecida fe não vè com efta
luz , porque já a terra lhe fica de ilharga,
e não pôde a Lua receber tanta luz refle-
xa da terra. Falta agora dizer donde proce-
de a luz , com que fe benha a Lua no
feu eclipfe toral ; mas iíTo procede de que
a Lua 5 ainda no eclipfe loisl , nunca en-
tra
Tarde trigefima, 105
tra na fombra da Terra verdadeiramente,
mas na fombra da atmosfera da Terra , fe-
gundo o Graveíande ( i ) : eu logo vos ex-
plicarei ifto. Tríttemos primeiro da figu-
ra da Lua ; e quero que a vejais com os
voíTos olhos j antes que eu vos diga na-
da delia. Vamos a vella com o Teleico-
pio.
Silv. Bem he que a vejamos antes de ecli-
pfada j para que depois vendo-a efcurecida ,
eonheçam.os melhor a diíFcrença.
Thsod. Ahi tendes o Telefcopio apontado,
vedc-a bem , e reparai na fua figura.
Eug. Que coufa láo nova ! Eu vejo huma
grandiflima bola , que parece fcr de prata ,
mas toda cheia de manchas. Nenhuma fe-
melhança tem de olhos , nariz , e boca , co-
mo le repreicnta aos olhos. V^ede , Silvio.
{Eftamp.ufig.j,) ^ Ert.
Silv. Manchas tem , e muitas : náo fe pode
negar. Eftá formofillima : a fua luz he lâo
forte 5 que me oíFende os olhos.
Thccd. Eiperai : aqui tendes eíte vidro azula-
do , de que me hei de valer eíta noite pa-
ra obfervar o eclipfe , fegundo a defcube^-
ta do nolío grande Barros j que aílim como
felizmente achou que o vidro verde corri
outro defumado eráo os melhores para oh-
fcrvar o Sol , aíTim quer que o azul feja o
melhor para obiervar a Lua. Com efta cau-
tela náo molefta os olhos.
Silv. Aílim he .... Tenho viílo.
Tbeod.
( 1 ) Num. JS54.
íi;
IC4 Recreação Filofqfica
Tkeod. Ainda lhe náo viftcs bem os montes
e cavernas , nem os podereis ver bem fc-
nâo dscjui a alguns dias , quando fe for
■ voltanjo de ilharga a fua face allumiada ;
porque aííim como na terra vemos bel la-
mente os montes de ilharga , mas le como
hum paliarinho voalTemos ao alto bem fo-
brc hum monte , náo os ptírceberiamos
bem , vendo-os de fima e em grande dif-
nncia j aíIim na Lua.
Eug. Silvio náo póje conter o rifo , quando
ouve fallar nos montes da Lua.
Theod. Náo importa , que o tempo defcnga-
na muito. Attendei-me: a fupcrhcie da ter-
ra bem labemos que náo he hza , mas tem
monres altiíHmos ; porém eftes mentes quan-
to mais ao longe os vemos , menores pa-
recem: fupponhamos que os viamos da Lua ^
que pequeninas burbulhas pareceriáo na vaf-
ta bola da terra : porque fe vendo nós a
Lua cá debaixo , tendo ella de diarr,etro
56^ léguas 5 parece táo pequena , que pe-
quenos pareceriáo viftos de lá os montes da
terra ?
JEug. Dizeis bem , que pareceriáo burbu-
inas.
Theod. Agora voltemos o cafo para a Lua:
vós ha pouco a viftes quafi cheia ; e quando
ella eftiver menos de quarto , entáo vos
convido para a verdes outra vez , e pafma-
reis ; porque muitas coufas haveis de ob-
fervar , que náo elpcraveis ^ eu as vou di-
zendo , porque pertencem aqui : primeira-
iTiCn-
Tarde trigefnna. 105*
mente a linha , que divide a face efcura da
allumiada , e he curva a modo de fouce,
náo he hza , he mui tortuola , e tem le-
mclhança dos dentes de huma ferra , ou
fouce , pofto que Icm regularidade : além
dilTo , na tace efcura apparecem algumas
manchas mui brilhantes , como ilhas de ne-
ve em mar de tinta , e na parte allumiada
fuás manchas negras ; e tudo ifto procede
dos montes e valles da Lua. Vós haveis
de fuppór que a divisão na Lua entre a
face allumiada e efcura , he como a da ter-
ra , quando o Sol nafce , ou fe vai pondo ^
na qual vedes parte allumiada , c parte ef-
cura j mas como a fuperficie da terra náo
he liza , também náo he regular a linha
que divide o hemisfério da fombra daquelle
onde dá o Sol ; alli apparece o cabeço de
hum monte já dourado pelo Sol , quando
junto ao monte eftá hum valie ainda fom-
brio e efcuro. Eis-aqui o que são aquellas
manchas brancas , que apparecem junt^ ás
bordas da face efcura da Lua ; sáo montes
mui altos , que nos íeus cabeços ainda ai-
canção os raios do Sol ; e nos valles , que
medeiáo , náo. E vè-fe que ifto he aííim ;
porque no dia feguinte fe a Lua vai en-
chendo , como vai cada vez crefcendo mais
a face allumiada , a malha branca cada
vez he maior, c a efcuridáo que medeava ,
menor \ a/lim. com.o cá na terra vai dcf-
cendo a luz do Sol pelo monte abaixo,
quando o Sol nafce , até pouco a pouco
io6 Recreação Filofofica
ir allumiando o valle todo. Do mefmo mo-
do algumas manchas efcuras , que fe viáa
na borda da face allumiada , vão diminuin-
do , até fe perderem de todo ; e eráo a fom-
bra que faziáo nos vallcs os altos montes,
que entáo recebiáo a luz de ilharga ; aflim
como fazem nos campos os montes , que
ficáo ao nakenie , quando o Sol íe levan-
ta , os quaes á proporção que o Sol vai fu-
bindo , váo encurtando efta ibmbra , que fe
cftendia pelos campos para a parte oppof-
ta, até que chegando ás lO horas já não ha
fombra confideravel. Vós náo me diíTcftes
já que quem obfervaíTe defde a Lua a nof-
la Terra , havia dever enchentes e m.inguan-
tes j &c. ? Pois fendo a Terra cheia de mon-
tes , havia de ver de repente apparecer hu-
ma cabecinha do monte banhada da luz do
Sol , e os valles ás efcuras : d'ahi pouco a
pouco veria ir allumiando-fe os valles até
ficar tudo cheio de luz , ilto he quando
crefccíTe ; e quando mingualíe , havia
primeiramente de ver apparecer huma fom-
bra nos valles , e ficarião fcparadas do ref-
to as cabeças dos montes allumiadas , e
cftas pouco a pouco iriáo perdendo a luz ,
até ficarem ás efcuras de todo. Pois if-
fo que fuccederia a quem obfervaíTe a Ter-
ra defde a Lua , nos fuccede a nós ob-
fervando a Lua cá de baixo ; c por ilTo ne-
nhum Aftronomo duvida dos montes da
Lua.
Súv, Eu duvidava, náo porque tivcfle eftu-
da-
Tarde trigefima, 107
dado o contrario , fomente porque me pa-
recia couía dita fem fundamento ; e que
iíío fe encaminhava a dizer que a Lua era
habitada de viventes , que para iíTo tinha ma-
res 5 lagoas , e montes , &c.
Theod, Eííe ponto he mui diverfo ; mas con-
cluindo o que toca aos montes da Lua,
querem Galiieo e Keplero , iníignes Aftro-
nomoSj que fejáo mais altos, que os aliiUi-
mos montes da terra , náo fó á proporção
do feu corpo, mas abfoluramentc , porque
lhes dáo mais de huma légua de altura per-
pendicular. PaíTando adiante , já daqui fc
infere , que Vénus e os mais Planetas terão
os feus montes.
Sih. Tendo-os a Lua, e fendo Vénus hum
Planeta opaco como ella , que difficuldadc
poíTo eu ter cm que tenha montes altifli-
mos ?
Thcod, Em quanto aos mares da Lua fua di-
vcríídade ha entre os Altronomos. Muitos
com Wolfio ( I ) ( e nefta opinião concor-
dáo quafi todos) dizem, que aquellas man-
chas mais efcuras que hontem viftes , sáo
mares , ou lagoas ; porque o mar vifto de
longe he muito mais efcuro que a terra ;
pois tendo a fupcrficie mais liza , refleíle,
como o efpclho , a luz mais ordenada para
huma parte fó , e fica mais efcuro vifto das
outras partes ; e aíHm fuccede na Lua. Po-
rém Kcil (2) leftifica, que com os melho-
res
( 1 ) Eiem. Aílron. §. 479.
(3) Introd. ad veram Philofoph. fedi. 9,
io8 Recreação Filofofica
rcs Teíefcopios fc defcobrcm cavernas c
grandes irregularidades nelTas meímas man-
chas efcuras ; o que nâo 'feria aliim , fc
foliem mares. Fique elle ponto ncíta dú-
vicia. Outro ponto ha aqui tambcm duvido-
fo fobre a atmosfera da Lua. Huns dizem,
que cila icm á roda de fi coufa que fe pa-
rece com o nofTo ar a que chamamos at-
mosfera da terra , que a rodeia em circuito.
Woílio ( I ) quer que tenha a Lua atmos-
fera 5 e que hajáo nella chuvas , orvalho,
e relâmpagos ; e dos Aftronomos mais an-
tigos tem muitos pela fua parte , como
sáo Keplero , Longomontano , Galilco c
outros , porém dos Modernos creio que
quafi todos feguem a parte contraria ; e o
fundamento he mui grave ; porque fe a
Lua rivelíe atmosfera , havia de fer diá-
fana , como he a da terra , e havia de
fer denfidade diverfa do reftante dos efpa-
<^os dos Ceos , o que fuppofto , haviáo
de quebrar os raios do Sol , quando a pe-
netraíTcm de ilharga ; e quando a Lua nos
encubriíTe com o feu corpo alguma eftrel-
la , antes que a occuhalíe com o feu cor-
po , havia de efcurecclla algum tanto com
a fua atmosfera, eotFufcaria a eftrclla, náo
deixando vir aos nollos olhos a fua luz , fe-
náo depois de trafpaífar a atmosfera. Ora
efta luz da eítrella aotrafpalTar hum diáfano
esférico de diverla denfidade , havia de tre-
mer 3 ou quebrar , ou corar , ou fazer al-
(i) Elero. Aftron. §. 486,
Tarde trigefima, 109
guma mudança feníivel , fegundo o que
dilTe já da luz e á?\s cores ; e nada difto fe
obíerva. Ainda quando \>nus fe occulta
pela Lua (como determinadamente fe ob-
ícrvou em ^i de Dezembro de 1720),
nenhuma mudança fe obfervou na luz de
Vénus antes de entrar , nem depois de fa-
hir do eclipfe , ou occultaçáo da Lua ; e
náo he crivei que deixaíTe de fazer alguma
inudança na fua luz a atmosfera da Lua ,
fe a houveíTe. Pelo que nem nuvens , nem
orvalhos , nem trovoadas me parece que
temos lá.
S\W, E para que eráo precifas eíTas coufas ,
náo havendo lá habitadores?
Theod. Wolíio quer que os haja ; c tem bons
votos por fi. Hugens , grande Aftronomo,
antes de Wolfío o diíTe , além de alguns
antigos ; e Keplero inclina para eíTa opi-
nião 5 e o Cardeal Cufano ( i ). Efta mcf-
ma razáo da analogia e femelhança da Ter-
ra com os Planetas , em ordem a ter habi-
tadores 5 lambem fe eftende a Júpiter , Sa-
turno 5 Marte , Scc. , e as razoes que elles
dão , náo sáo para ridiculizar , nem tam-
bém para feguir em matéria táo grave , e
tão difficil de averiguar , porque náo pafsão
de conjeól-uras : e por grandes Aítronomos
que elles fejáo , como os habitadores dosAf-
tros nem foráo viílos com os Telefcopios ,
nem os calcularão por demonftraçáo deduzi-
da do que com os Telefcopios virão , tem
a
(1 ) L. 2. de Doãa Ignorantia c. 12.
no Recreação Filofofica
a fé de pura conjeílura ; c quanto a mim ,
prováo que pôde fer que aílim fcja : mas
nc eftc pomo da claíTc daquelles , que em
váo fe perrendem laber j porque hc impof-
fivel (íó dizendo-o Deos) que haja funda-
mento convincente por huma , nem por ou-
tra parte. Huma couía he certa , que fc
houveíTem nos Planetas alguns habitadores ,
náo haviáo de fer filhos de Adáo , nem re-
midos com o Sangue de Jefu Chrifto. O que
cu digo nefta matéria he , que os fins , cora
Í|ue Deos formou toda a fabrica do Univer-
o , sáo taes , que náo cabem na cuniííi-
ma comprehensáo dos homens , e hc teme-r
ridade julgar que para eíles fins (que náo
fabemos quaes foráo) he precifo que Tejác)
todos os Planetas habitados. Digo mais , que
quererem perfuadir que cftas crcaturas habi-
tadoras dos Planetas háo de fer homens , he
querer fazer a Omnipotência e Infinita Sa-
bedoria de Deos filha da noíTa idéa , ou pe-
lo menos cnccrralla nos feus curtiílimos li-
mites : Deos pódc produzir maior diverfida-
de de creaturas , do que todos os homens
comprehender. PaíTemos a outro ponto •■, e
náo queiramos adivinhar o que náo fe pódc
por modo nenhum pradentemente faber.
§. V.
Tarde trigefima. iix
§. V.
Dos movimentos da Lua , e fua dijiancla,
Silv. np Ão louvável he nos homens a cu-
A rioUdade , e defejo de faber o que
fe pode faber naturalmente , como digno
de fc condemnar o temerário appetite de
querer adivinhar aquellas coufas , que Deos
quiz por totalmente fora da esfera da noíTa
compre hensáo.
Theod. Vamos aos movimentos da Lua : já
fabeis que fe move á roda da Terra , como
os Satélites de Júpiter á roda delle ; nefte
movimento ou periodo gaíla 27 dias , 7 ho-
ras, 4^ minutos, e cinco fegundos.
Silv. Eu cuidava que eráo 29 dias emeio;
fupponho que vos equivocais.
Theod. Não equivoco : mas eu me explico,
porque já fei onde prende a voíía dúvida.
O mez da Lua he de dous modos , e tem
dous nomes : hum he Mez fynodico , outro
periódico, O mez periódico he o intervallo
de tempo , que ^afta em dar huma volta
perfeita á roda da Terra , de forte , que tor-
ne a correfponder ao mefmo lugar do Ceo ,
a que tinha correfpondido no principio deíTa
voltai cnifto confome a Lua 27 dias, 7 ho-
ras e 4^ minutos : a ifto chama-fe Mez pe^
riodico. Porém o Mez fynodico he o inter-
vallo que ha de Lua nova a Lua nova , ou de
Lua
112 Recreação Filofofica
Lua cheia á feguinte Lua cheia , e efte ín-
tcrvallo he òq i^ dias e meio , como vós
dizíeis.
Eug. E OjUal he a razão áQ{{t augmemo e
difFerença de tempo ?
Theod. Eu a dou : lupponde que hoje he
Lua nova, e que eftá a Lua a prumo íobrc
nós , e debaixo do Sol : ora neTe momen-
to , cm que a Lua he verdadeiramente no-
va, correfponde a hum cerro lugar do Cco.
Daqui a 27 dias e tantas horas , pontual-
mente torna a Lua a paíTar por eílc lugar ,
e acabou o fcu periodo ou Mcz periódico ;
mas como já ahi não acha o Sol , porque
clle entretanto foi andando , he precilo que
a Lua gafte mais dous dias para o alcan-
çar , de forte que fique outra vez a prumo
debaixo dclle , e feia outra vez Lua nova.
Eis-aqui porque a Lua gafta n uma revolu-
ção 27 dias , e de Lua nova a Lua nova
gafta 29 dias e meio.
Silv. Fico fatisfeito : eu não fabia eíías diffe-
renças , lembrava-me de ter vifto efte nu-
mero na folhinha.
Theod. Além deftc movimento periódico ,
tem a Lua ffu movimento de rotação , ou
vertigem á roda do feu centro ; e gafta nefte
movimento também 27 dias, 7 horas, e4;
minutos ( I ) 3 e por iffo fcmpre volta pa-
ra
( 1 ) A razão defta admirável congruência
entre o movimento periódico da Lua , e o feu
movimento de rotação, diremos em huma daJ
Cartas f) ficas, que brevemente daremos.
Tarde trlgefima. t í 3
fa nós a meíma face. Por efta ra2áo álgúnS
fe equivocáo , c crem que a Lua náo tem
efte movimento ^ porque fempre lhe vem a
mefma face ; mas náo advertem , que como
a Lua anda á roda de nós , para voltar pa-
ra cá fempre 2 mefma face, he prccifo que
dè huma volta á roda do leu eixo^ Se eu
pendurar de huma linha huma maça toca-
da , e andar com ella á roda da volTa cabe^
ça, voz cm algum fitio deita volta lhe ha-
veis de ver o podre ; e fe eu vo-lo quizec
occultar , devo ir torcendo a linha á propor*
çáo que vou fazendo a volta , para que a
face sá fempre Ic volte para vós j e no fim
da volta ou período , terei feito dar á ma^
çá também huma volta á roda do feu eixo.
Pois aqui tendes hum exemplo do movi-
mento da Lua. Porém devo advertir que ef-
te movimento de rotação he equavel , iílo
he , quafi igual a fi mefmo , nunca fe
apreffa , nem fe retarda ; e daqui nafce ou-
tro movimento da Lua , a que chamáo de
libração. Ifto he dizer que a Lua , ainda
que fempre volta para nós a mefma face ,
contudo , humas vezes lá deixa ver hum
tanto mais do lado direito , outras do lado
cfquerdo.
Eug. E de que procede iíTo ?
Thcod, Procede de que a Lua no feu mo*
vimcnto á roda da terra náo anda fempre
com movimento igual , ora fe apreffa , ora
fe retarda , porque humas vezes anda maia
perto da Terra , e outras mais longe ^ c hc
Tom. YL H rc-
114 Re cr en cão Filofofica
regra geral , que quando hum corpo fe mo-
ve á roda ae outro , quando he menor a
diítancia , enráo mais veloz íe move ; e co-
mo por outra parte o movimento de rota-
ção hc fempre i^ual , legue-fe que não vai
a Lua efcondcncio a íua tiicc occulia , a pro-
porção c,\\^ fe move á roda de nósj e ailim
como não guarda exa^liíiimamenie efta pro-
porção 5 lá lhe delcubrimos hum pouco da
parte eíquerda , outras da direita. Numa Me-
moria fobrc ilTo me explicarei melhor.
jEí.'^. Admiro-nDC de ver a miudeza , com
que fc examináo os movimentos dos Af-
tros.
Thíod. A Lua como nos íica muito perto,
conienie mais cxaclas obíervaçòcs.
Eug^ E qae diftancia tem a Lua de nós ?
Theod. Dffta 6o 1'emidiamérros da Terra com
pouca diiíèrença ; ou (6'2. 15:5) feíTenta e
duas mil , cento e cincoenta e trcs léguas
Portugiczas. Mas nem. fem; re ha a melma
diíkncia entre nós c a Lua; ora crefcc , ora
dimJnue ; porque a linha , por onde fe miO-
vc , he eliie , e a Terra não fica no meio ,
mas dcfviada cclle algum tanto.
Sug, E quanto fe dclVia a terra do meio
dcíTa elife?
Thcod, O valor de ; fcmidiamcrros da ter--
ra e hum terço , que valem ^•4^"' Icguag.
Poriuguczas, e tanto hc o que fe augmenta
a dii^ancia da Lua quando hc a maior, che-
gando a 6:» femidiametros c hum terço; co-
mo também fe dimmuc ilio mefmo quando
hc
Tarde trigefjrna tt^
lie a minimaj porque cntáo nso pafTa à(^ ^6
ícmiJiamcrros e dous terços. Forem quan-
do abloiíiramenre Te talia da diiíancia da
Lua , cntendc-ic da media , iilo he , da cue
fica entre a maior de codas , e a minima, e
efta vale 6o femidiamcíros da terra.
Eu:^. Qiie mais reíta fabeY da Luar
Thcod. A fua orbita ou caminho não coin-
cide com a do Sol , a que chamáo Eclitica;
mas faz com elía hum angulo de 5 gráos ;
mas ífto lego o explicarei melhor. Rcita
iòmentc dizer que o eixo da Lua , iobrc o
qual elJa íe revolve em 27, dias* e mCiO,
não fica a prumo e perpencicuiar fobre o
plano da faa orbita , mas tem fua inclina-
ção. Quero dizer : íe a tetra cílivcííe r.o
meio delia meza em que tomarr.os o cha ,
e cu atravclfalTe numa laranja v. g. com
hum arame , para reprefeniar a Lua , quan-
do quizelíe ancilar com ella peia borda da
meza , em ordem a imitar o feu movimen-
to cá roda da Terra, não havia cc pôr o ara-
me a prumo fubre a meza , m.as com hum
angulo de Si gráo? c m.eio.
SHv. E para que ferve tanta impertinência
neílàs contas ?
Theod. Para faber a^ razão do que obferva-
mos na Lua. Nós hum as vezes defcubri-
mos mais do pólo fuperior , e rr.enos do in-
ferior , outras vezes hc pelo contrario , e
procede efta diffcrcnça da inclincçéo do ei-
xo da Lua , ou do arame àn laranja : quan-
do o eixo fe inclinar para nós, havemos de
H ii ver
it6 Recreação FUofqfica
ver o pólo de fima mais do que o debaixo;
e quando o eixo fe inclinar para lá , ha-
vemos de ver mais o pólo debaixo do que
o de fima. Agora fó falta explicar os ccli-
pfcs da Lua.
§. VI.
Dos JEclipfes da Lua.
mos a faber o que s
pfes , antes que elle chegue na
Silv. T 7 Amos a faber o que sáo eíTes ccli
realidade.
Theod, O eclipie da Lua nunca pôde aconte-
cer , fenáo na Lua cheia ; porque Tó ic
cclipfa quando fe mctte nafombra da Terra,
ficando nós entre ella e o Sol; v. g. a Lua
no Naicente , c o Sol no Poente ; ou a
Lua no meio do Ceo em fima , e o Sol no
meio do Ceo em baixo. Só neftes cafos
pódc a Lua ficar mettida na íombra da Ter-
ra , a qual lhe impede a vifta do Sol ;
porém antes e def>ois de chegar a Lua
á fombra da Terra , bem vedes que a
meíma íàcc , que fica allumiada pelo Sol ,
he a que fe volra para nós ; e iíto he íer
a Lua cheia , como agora eftá : e fuccedc
o eclipfe bem na perfeição da enchente da
Lua.
£ug. E parque náo temos eclipfe da Lua em
todas as Luas cheias i
Thcod, Porque nem fcmprc a Lua paíTa bern
po£
Tarde trigeftma, 117
por detrás da terra cm direitura do Sol;
humas vezes palTa mais por hum lado , ou.
iras por outro ; mas outras vezes entra di-
reitamente pela fombra dentro a bufcar cen-
tro com centro , e entáo he ecliple total,
porque toda a Lua fe efconde do Sol;
n*outras occafióes porém roça a íombra
por hum lado , e conforme a parte da Lua ,
que entra pela fombra dentro , aílim he o
eclipfe 5 ou maior ou menor. Tambcm hc
precifo faber que a Terra , fendo muito
mais pequena que o Sol , faz huma fombra
pyramidal. \'ede efta figura (_/f^. i. Ejt 2. ) E(^. 2.
que com a penna vos faço : Aqui temos o fig. i.
Sol S , e a terra T , como agora c ftá ; ifto
he , allumiada pela parte ou hemisfério in-
ferior , onie he dia , e efcura na parte fu-
perior que abitamos , onde agora he noi-
te. A Lua L no feu circulo m n r fe mo-
ve á roda da Terra , voltando para nós â
face allumiada , e a efcura lá para íima,
porque he Lua cheia : tanto que chegar
á íombra n , ha de eclipfar-fe. Se entrar pe-
la fombra , onde ella he mais larga , met-
tendo-fe pelo centro , terá no eclipfe demo-
ra ; porque lendo a fombra mais grolía que
a Lua, gaitará tempo em fahir delia; porém
fe a Lua andar mais alta , e atravdíar a
fombra, onde ella he mais delgada, menos
tempo durará o eclipfe , porque fahirá mais
dcpreíTa.
Eu^. No que reparo aqui neíta figura he ,
que a fombra fe acabe em deteiíninada al-
ai-
ri8 Recreação Filcfofica
tura ; c eu cuidava , çue a íombra da ter-
ra , quando o Soi andava Já de baixo ,
fe elíjndia por touo elle tlpaço até o
. Ceo.
'J'head. Já vos ciiTe, fallando dos eclipfcs do
5o! , Cjue a fombra da Lua era pyramid?.! ,
porque o Sol he muico niaior que a Lua.
Ord o Sol também he muito maior que a
terra j c por iilo também he pyramidal a
íombra que a terra faz j e cada vez ha de
ler mais eítreita. Ponharí.os hum exemiplo:
a fombra que tazem as jelozias da jancl-
la 5 quando o Sol entra pela caía dentro ,
fe a receberdes junto a j^neiia num papei ,
vereis que a íombra de cada páo he quafi
ráo grolía como o meímo pao , e íe vos
aíraitardes alguns palTos para dentro , acha-
reis que a íombra das grades vai ícndo
mais delgada , c tanto vos aftaftareis , que
náo percebereis bem diftinciarrente as lem-
bras das grades j mas vereis huma luz con-
fufa.
£ug. líTb tenho obícrvado muitas vezes no
meímo pavimenio da caía. Quando o Sol
. aada baixo e entra mui dentro , a fombra
dos caixilhos das vidraças vai lendo nlais
eftreica , quanio ma:s diíta da vidraça.
Thecd. Deve iVr aílim , porque o Sol he
maior que a grolTura dos paos do caixilho,
A luz da vela porém náo faZ íombra dcffe
modo, mas ás ?véíTas. V. g. a íombra que
fazeis agora , que cíbiís defronte da ve-
la , quanto a íumbra mais diltar de vós ,
ma-
Tarde trigejima. 119
maior fera \ vede que alto foís na parede,
onde vai dar a lembra que hzeis j e a mi-
nha , que. logo bare na parede que perco
me liça , náo he táo grande como a voila.
Porém tudo aliim deve íer : a luz à^. veia
he muiio menor que o voiío corpo j e quan-
do o corpo opaco Kc maior que o lumino-
fo 5 a íombra cada vez he mais grolTa , por-
que os raios , que a tcrmináo , ll:hindo do
luminofo 5 e roçando o corpo opaco por
ambos os iddos , íicáo necellariamente di-
vergentes 5 e cada vez alargáo mais : pelo
contrario , quando o iuminoío he maior que
o corpo opaco ^ a ibmbra he pyramidtíl , por-
que os raios , -que vem das bordas do iumi-
noío, e parsáo pelos lados do corpo opaco
mais pequeno , vem por iílo melmo a fer
convergentes , e cada vez fe cheg:.o mais ,
até íe ajuntarem.. Para aqui íerve o que vos
dilíe taiiando da Óptica.
Bug. òerve tanto , que agora já percebo iíio
muito melhor. Ivlas quem eíiiveííc no Ceo ,
bem em direitura da íbmbra da Terra , e táo
longe, que c4ia náo chega íTe lá , havia de
ver o Sol , ou náo ?
Thcod. Havia ác veilo com eclipfe annuílar,
aííim como nós o vemos , quando a Lua íe
arravtíTa entre nós e elic , mas vai táo alta
que náo chega a nós a fua íombra. Tornai
a ver a figura do eciipfc do Sol , pois ainda
p.qi)i ha de eíliir o p?pel , que a tinha de-
bujíada. Aqui eítá Çfig, 5. £jiamp. i. ):ift. 1.
cucm efliivcr em m náo verá o centro do J^ij- S-
;Sol ,
I20 Recreação Filofoficá
Sol , mas todas as bordas em redondo ; o
mcfmo fuccederia a quem eftivelTe cá ncf-
2. toutra figura (Jig. i. Êfiamp, 2.) em /?, táo
I. longe da Terra , que nâo lhe chegalTe lá a
fombra que ella faz.
Sih. Vifto iíTo , fc a Lua agora paííar táo
alta , que efcapc da fombra da Terra , nâo
terá eclipfe nenhum.
Thcod, Nunca pode ir táo alta como di-
zeis : a náo elcapar da fombra da terra pe-
las ilhargas , por fima náo fe pódc livrar do
eclipfe. Ifto he faliando da fombra da terra
no fentido commum dos Aftronomos , to-
mando por terra ( para efíe eifeito ; eíle glo-
bo cm que eftamos , juntamente com a fua
atm.osíera ; por quanto fe tomarmos por Ter-
ra íó efte globo folido , cntáo da fua fom-
bra fempre efcapa a Lua ; porque a fom-
bra da Terra nunca lá chega ( i ) . Faça-
mos huma figura , para me entenderdes
2. bem. Aqui tendes (^Éjiamp. 2, fig. :.) o
2. globo da Terra T , cingido da lua atmos-
fera/, o, Cy : o Sol o iilumina pelo hemis-
fério inferior ; e le a Terra náo tiveífe at-
mosfera , a fua fombra pyramidal chegaria
fomente a r. Também he certo que , fe a
atmosfera folTe totalmente opaca , faria hu-
ma fombra cfcura , que chegaria em fór*
ma pyramidal até yí j porem como a at-
mosfera he tranfparente , pofto que mais
denfa que o rcílante do efpaço dos Ceos ,
cíía fombra que faz a atmosfera he milfu*
( j ) Gravcf, num, J854.
Tarde trigefima. 121
rada com muitos raios de luz , e fica huma
fombra mui branda. Adverti agora que cf-
ta atmosfera náo íó he traníparente , mas
além dilTo tem a forma de esfera ; e os
raios g t , que vem do Sol parallelos , tan-
to que eniráo na atmosfera f , começáo a
quebrar para dentro , e háo de efpalhar-fe
entre íi j porquanto o raio g , que palTa
peJo íim da atmosfera , onde ella hc rarif-
iima , mui pouco ou nada íenfivelmente
ha de quebrar , e aílim vai até A ; porém
como o ar , quanto mais vizinho á Terra ,
mais denfo he , também os raios do Sol ,
que atravefsáo a atmosfera , quanto mais
perto váo da Terra , mais háo de quebrar ;
e devem efpalhar-fe entre fi , por rodo o
elpaço que vai de A até « , ficando eíTc
eípaço illuminado com a luz do Sol que-
brada na atmosfera , que he luz muito in-
ferior na claridade á que paíTa livremente
por fora da atmosfera. Pelo mefmo moti-
vo , o raio / da outra parte paíTa fenfivel-
mentc direito até A ; porém o raio u , co-
mo arraveíTa a atmosfera já mui denfa , de-
ve quebrar muito para dentro , e vai dar a
m 5 ficando com os raios entremedios , que
váo quebrando á proporção , cada vez me-
nos illuminado com clTa luz fraca todo o
cfpaço de m até A. Por confeguinte a fom-
bra do globo puramente da Terra , de fi
capaz de chegar até r , náo chega lá , por-
que a cortáo de huma , e outra parte ; o
fó chega até i , ficando muito mais cgrt^
do
I :2 Recreação FUofofica
do que devia ier. Eis-aqui porque a Lua
no eclipíe total náo fica inviíivci , e appa-
rece avermelhada , porque fica banhada da
luz do Sol , quebrada na atmostera , a qual
- bem labeis que tira para vermelha : e por
. illb a Lua no Horizonte nos parece aiío-
gueada ; porque os vapores da atmoslcra
qucbráo , e córáo os raios ce luz , confor-
me a doutrina , que ficou eílabelecida tra-
tando das cores.
SUv. Suppoita efta doutrina , admiro-mc de
que a Lua no eclipfe total fique táo efcu-
ra , e que a acmosfera faça íombra táo ien-
fivei.
Iheod. He táo.fcnfivcl , porque a atmosfera
fe atravciía de parte a parte , e a luz Ic
compara com a que a Lua cottuma rece-
ber fora do eclipíe , a qual he mui forte,
porque recebe os raios do Sol puros e em
chc-io ; o que tudo faz grande dincrença.
Advirto porcrm , que eífa que vcrdcdeira-
mence he lembra da aimostera , e mais
commumraente fe chama íombra da Terra ,
he rodeada ce outra meia Íombra , a que
chamáo Penumbra. Eira penumbra cftende-
fe em roda da íombra , per todo aquelle
eípaço , onde chegáo alguns raios do Sol
dtícmbaraçados , porem náo rodes j e a
íombra íó a ha , onde náo chet;áo raios ne-
nhuns do Sol defem.baraçacos. Por iiío an-
tes que a Lua enirc na íbm{>ra verd?.deira ,
conr.eça a eícurecer-íe hum pouco coín a
penumbra da Terra , que canio he mais
ef-
Tarde trtgefima. 125
cfcúra , quanto mais vizinha he á verdades
ra íombra. Aqui fe appiica o que ha pouco
diíTcmos da íombra e penumbra da Lua nos
cdipics do Sol ( 1 ). Falta agora cnilnar-
vos , Eugénio , de que modo fc conhece fe
o eciipíc da Lua ha de íer tocai , ou par-
cial ; e o m-elmo íe pôde dppiicar aos ecli-
pfes do Sol.
Hi^g. Queira Dcos que eu o perceba.
TkiCd. Haveis de perceber , e com facilidade.
O Sol faz hum ^,iro d roda de nós dentro
de hum anno , correndo os Signos , como
vos expliquei em fcu lugar ; a Lua cam.bem
forma hum çiiro á roda de nós , dentro de
hum mcz , porém eítes dous circules nem
sáo parallelos hum ao ourro , nem coinci-
dem : cruzão-fe em dous pontos. Succedc
julkmcnie o mcfmo , que fe tcmaflemos
dous arcos de pipa , e mcttendo hum pelo
outro 5 os abrifiernos algum tanto , de iortc
que não coincidifiem. Ncfte caio os dous
arcos 5 ou circules , em dous pontos fe ha-
vi:o de cruzar.
^iig. He fcm dúvida.
Tl.ecd. Pois aíiim mcfmo haveis de íuppôr,
que Te cruzáo os circulos , que deícrevem
o Sol e a Lua á roda da Terra ; e eíTes
dous pomos , em que fe cruzáo , íe cha-
máo Nos.
£ug. Agora confeíTo que não entendo. Pois
náo dilfetles que o Sol andava fcmpte muito
mais
(i) §. in. pag. 92.
124 Recreação Filofofica
mais alto que a Lua ? Como fe ha de cru-
zar hum caminho com o outro?
7lKcd. Cruza-fe a reípcito da noíTa vifta ;
aííim como efta bengala pofta no ar hori-
zontalmente , vos ha de coincidir com a
moldura daquelie quadro ; mas fe eu a pu-
zer allim inclinada , já a reípeito do«: voíTos
olhos , fc ha de cruzar com a rr.oldura , c
n'uma extremidade ficará fuperior , noutra
inferior a eila.
Eug. Já entendo.
Thecd. Ficará a comparação dos arcos de pi-
pa bem própria , fe pondo aíTentado no
cháo hum arco grande , que reprefenre o
circulo do Sol , e no meio alTencar hum ar-
co pequeno , que reprcfente o circulo da
Lua , puzermos no centro de ambos huma
laranja que reprcfente a Terra. Mas para
fazer que hum circulo náo coincida com o
outro , atraveííai hum arame por ambos os
Fft. 2. arcos de parte a parte (^Ejtamp. 2. fig, ^.)
fig. j. e também pela laranja ; e depois levantai-
os do cháo , e defencontrai-os hum pouco ,
de forte que façáo hum angulo de 5 ^ráos;
eniáo tendes bem fenfivelmente reprclenra-
do a Orbita da Lua cruzada com a Orbita
do Sol. Orbita , Eugénio , quer dizer o ca-
minho que trrma o Planeta , quando dá
hum çiro. Neífe cafo , quem defdc a laran-
ja olhaffe para os circulos na ra^ie em que
eftáo furados pelo arame , os veria jun-
tos , e hum íobrepollo ao outro , ainda
que verdadeiramente difta muito hum do
ou-
Tarde t rigefinia, ii^
outro j porém fora delTcs dous Nós ou en-
cruzamcntos , os veria abertos c leparados
entre íi.
Eug, Percebo bcUamentf.
Thcod, Façamos agora huma figura (^fig, 4»
Efiamp. 2.). Eftas duas linhas, que le cru- Eíl. 2.
zao em N , reprcfentáo os dous caminhos fig. 4.
por onde vão o Sol e a Lua , junto dos
Nós, P Qfupponhamos que he o caminha
do Sol Si e M R o caminho da Lua L :
como a Lua anda muito mais depreíTa do
que o Sol , porque dá doze ou treze vol-
tas , cm quanto o Sol dá huma , repetidas
vezes emparelha com elle , e o paíTa adian-
te ; mas he precifo faber qual he o lugar da
fua orbita em que a Lua paíTa pelo Sol ;
porque fe paíTar em correfpondencia delie
em N , forçofamente ha de pafiar toda por
diante do Sol , c haverá eclipfe total do
Sol , ou annullar ; porém fe a Lua paííar
pelo Sol mais diftance do Nó , como v. g.
aqui em /j e, já o eclipfe ha de fer parcial,
porque a Lua a Tó pôde encubrír huma bor-
da do Sol e. Iftj fuppofto , para eu fabft
fe ha de haver eclipfe do Sol numa deter-
minada Lua nova, ou fe ha de fer grande,
ou pequeno , he precifo averiguar qual he
no ponto da Lua nova o fitio da orbita da
Lua , em que ella fe acha , correfpondentc
ao Sol na fua orbita : depois dcve-fe tam-
bém eximinar quanto diíia apparentementc
clTe ponto da orb'ta da Lua , do ponto da
orbita do Sol: fupponhamos que sáo 5 pol-
le-
120 Recreação Filofofica
legadas de díftancia. Tarrbem fc deve ía-
ber quanto he o diâmetro à^ Lua apparente
neíTc dia ^ porouc como humas vezes anda
mais peno de nós , ouiras maisJongc , o Teu
diâmetro apparente humaj vezes he maior ,
outras menor ; e tambcm le deve tazer o
mcfmo exame no diâmetro do Sol neíTe
^\?^. Exrminadas pois eítas trcs couías , íc
virmos que o diâmetro apparente do Sol
sáo V. g. 8 polkgrdas , c o da Lua leis,
neccllariamenre ha de haver ecl pie equiva-
lente a duas poUegiadas. Olhai par.t a figu-
ra : fuppomos que do centro do Sol e ao
centro da Lua a ló váo cinco poUegadas de
diftancia ; mas como a Lua tem leis de
diâmetro , três ficáo da linha M R para fo-
ra , e ires para denrro j e aíhm ja eftáo to-
madas com o corpo da Lua ^ pollegadas
do efpaço enrre ella e o Sol : ora o Sol
tem neiTe dia diâmetro apparente de oito
polleeadas , d?s qnaes 4 devem tambcm
ficar da linha P Q para dentro , porque
o centro do Sol náo deix:a a lua linha i e
como já náo ha íenáo duas poHegadas de
efpaço livre , as outras duas ticáo cncuber-
las com a Lua. Aqui tendes fumn ariamente
como fe conhece a grand< Z3 do eclipfe. De-
vo ajuntar meio diâmetro do Sol , c meio
diâmetro da Lua ; e fe a fom.ma for ma or
co que a diftancia que ha entre os dous
pontos da orbita em que eftes aífros fe en-
contrão , todo o excefo da fomma dos fe-
midiametros fobre a diftancia ;, vem a fer a
gran-
Tarde trigefima. 127
grandeza do eclipfe ; mas fe a diftanci?. for
igual ou maior que a fomma dos dous fe-
mirliamctros , já náo ha eclipfe nenhum ;
p;i<Ta a Lua pelo Sol , fem o cncubrir. Tcn-
des-me entendido ?
Eug. E facilmenre.
'Theod. En-aqui porque ío junco dos Nós he
que pôde haver echpfe ; porque fá ahi , co-
mo eftáo as duas orbitas mais juntas , e he
o caminho apertado , he que pôde hum cor-
po encubrir o outro, quando paíTa por elle,
e lhe çorrefponde.
£ug. Enrendo já os eclipfes do Sol ; mas os
da Lua como hei de íaber cu quando , e de
que grandeza fuccederáó ?
Theod. Do mefmo modo. Qnando o Sol vai
pela fua orbita,?, roia da Terra por huma
parte , a fombra da Terra vai andando pela
outr^í oppofta , ma? pela mefma orbita : fi-
cando fempre em direitura eftas três coufas,
Sol , Terra , e íbmbra da Terra. Efta fom-
bra da Terra , fe a receberem em qualquer
plano , faz huma noioa redonda 3 e também
eíta nódoa ou mancha he maior , quando
fe recebe cm corpo mais próximo á Terra ,
e mais pequena , quando fe recebe mais
longe. Supponde agora que junto ao Nó N
da figura que viftcs Çfi^. 4. Efimnp. 2. ) fe Eíí. 2.
encontrão a Lua L, e a fom.bra da Terra S; fig. 4.
fe couberem á vontade , e puder huma paf-
íar pela outra , fem que entre a Lua pela
nódoa da fombra , náo ha eclipfe ; mas fe-
náo couberem , por fer a diftancia dos dous
pon-
T28 Recreação Filofofica
pontos, em que emparclháQ, menor do que
importa meia Lua , e meia fombra da Ter-
ra , entáo necelTariamente ha de haver ecli-
pfe , entrando a Lua pela fombra j e o ex-
ceflb que vai do meio diâmetro apparentc da
Lua , junta com o meio diâmetro da fom-
bra j fobre a diílancia das orbitas neíTes pon-
tos, he a quantidade da parte ediplada.
Eug. Percebo : o que fe diz do diâmetro ap-
parente do Sol , nos eclipfcs do Sol , fe de-
ve dizer do diâmetro da fombra da Terra
na diftancia cm que eftá a Lua , quando fe
falia dos feus eclipfes.
SiW, Se tudo o mais for táo certo , como if-
to me parece, e táo fácil de perceber, pou-
cas contendas terei com Tneodofio neftas
matérias.
Theod, As contendas ás vezes sáo úteis para
a maior intelligencia. Voamos a ver com os
olhos o que expliquei até agora , porque
nào tardáo as horas do eclipfc j e como du-
rando a fua obfervaçáo não fc pôde levar
direito o fio dodifcurfo, á manhã continua-
remos com os Aftros que nos reftáo.
Silv, Dai-me para mim hum óculo, que cila
noite quero fahir AftronomiO.
Theod. Ahi tendes cite , que he o maior ; ef-
toutro he para Eugénio , c eu me valerei
deftc.
TAR.
Tarde trigefima prima, 129
TARDE XXXI.
Dos mais Planetas em particular. Co-
metas, e Eílrellas.
§. I.
Z)e Aícrciirio e Fcnus,
Silv, "Tj St imo que o trabalho da obfeN
i~Í vaçáo vos não prejudicaíTe , que
-^ — ^^ ifto he o que unicamente vos
podia fazer damno , porque fois Modernos.
Eu porem que fou anti^^o , e an-igo hei de
morrer , ainda eílou fujc to a todos os da-
mnos , que podem caufr-.r os eclipfes ncs
corpos fublunares: c para me confirmar nef-
ta doutrina (que vós chamais íabulofa) tra-
go huma dor de cabeça , que afsás me mor-
tifica.
Theod. Sinto a voíTa molcftia ; mas admiro-
me , que íendo vós táo grande Medico , c
vendo que he bom remedio para nos livrar
dos damnos do eclipfe , c da iurirdicçáo da
Lua o fcr A^odemo , náo queirais applicar
eíTe remeJio. Eu ló por iíTo íor.í Aioderno ,
quando a r^^záo me náo tiveUe muito antes
obriá:?do a fello.
SilV' Náo (igo i;!b ; na cabeça quero antes
ter dores , co que erros. Vamos aos Planc-
Tom. VI. I tas
130 Recreação Filofofica
tas que homem deixámos , pois Eugénio
náo gofta de que fe gafte efte tempo íenáo
em coufas utcis.
Eug. A verJ:J.e he que fufplro com alvoro-
ço fempre por cíIa hora ; porque Thcodo-
fio na volTa aufencia náo coftuma f<sllar-me
nefta matéria.
Thecd. Vamos. Mercúrio he o primeiro Pla-
neta , principÍ2ndo defde o Sol , porque ef-
tá mais vizinho a ellc. Eíle Planeta he hum
globo opaco , como todos os mais Plane-
tas , e brilha íó com a luz do Sol , mas
como anda mui perto dclle , a mcíma luz
do Sol o confunde de forre , que cufta a
ver. Eu já o vi bem , quando paíTou por
baixo do Difco do Sol , iílo he , entre nós,
e o Sol j c vifto pelo Tclefcopio parecfa
como huma avela efcura. Move-fe pois á
roda do Sol no efpaço de 87 dias , ii, ho-
ras , 15 minutos , e 25 fegundos , a fua
grandeza verdadeira , conforme o calculo
que figo C T ) , he efta. De diâmetro tem
menos alguma coufa da terça parte do dia-
mc-
( 1 ) No que pertence á grandera do5 Pla-
netas , ha grande variedade nns Aílronomos,
como também no Que toca ás diftancias : huma
coufa depende da outra ; porque do feu diâme-
tro apparente , fupporta a diftancia , fe calcula
a grandeza verdadeira Eu nas diftancias llgo^
como já diííe , a Aftronomia de Mr. de Ia
Land*" reformada por cíle no conhecimento dos
tempos para o anno 1774, c íeguintes.
Tarde trlgefima prima, 131
metro da Terra ; e reduzindo-o a léguas
Portuguezas , tem íó 848 de diâmetro. A
fua fuperticie he quaíi íeis vezes mais pe-
quena que a fuperíicie da Terra \ e reduzin-
do-a a léguas quadradas , importa em ( 2 :
260. 888) dous contos , duzentas e fclTcnca
mil, oitocentas e oitenta eoito léguas. Ulti-
mamente o feu volume , comparando-o com
o da Terra , he pouco mais de 14 vezes e
meia menor que ella. Do feu pczo , c den-
fidaJe náo fe íabe nada \ nem me parece
que fe poderá íabcr : cu a feu tempo vos
direi o porque.
Eug. Sempre me admiro que fcja maior que
a Lua , fendo ella táo grande ; porque dif-
feftes ler a Lua 49 vezes menor que a Ter-
ra; e Mercúrio hc 14 vezes menor.
Theud. Aílim he ; porém deve a Lua parecer
muito maior , porque nos fica muito mais
perto , do que Àlcrcnrio.
Eu^. É quanto difta Mercúrio do Sol ?
Theod. Diíb (9. \(jy) nove mil trezentos e
noventa e iete fcmidiametros da Terra. Ef-
ta he a medida , de que coftumáo ufar os
Aftronomos ; porque reduzindo cftas dif-
tancias a léguas , ficáo huns numeios mui
compridos ; e além dilTo , como as léguas
de diverfos Reinos sáo defiguaes , haveria
confusão. Porém reduzida eíía diftancia ,
por vos dar gofk) , ás noíías léguas Portu-
guezas , sáo ( 9 : 688 . 466 ) nove contos ^
ou milhões, feiscentas c oitcnra e cito mil,
quatrocentas e ícíTcnta c fcis. Daqui fe in-
1 ii fc-
iqi Recreação Filòfofica
fere que Mercúrio náo fc pode nunca ver
aftaítado do Sol mais lo que 28 gráos e 20
minuros do circulo celcíle. Mas cfquecia-
me advertir-vos , que Mercúrio nem íem-
pre tem a meím-a diítancia do Sol : ás ve-
zes he maior , outras vezes he menor , por-
que náo fe move em circulo , cujo ccnrro
feja o Sol , mas em elife , ficando o Sol
num de íeus focos. Porém náo sáo as eli-
fes dos Planeras táo corripridas c eftreitas ,
como as dos Cometas : rcnfivelm.entc pare-
cem círculos. Mas para evitar contusão
com as diverfas ciftancias do mefmo Plane-
la , lanço conta á mnior ciftancia , € á me-
nor , c entre as duas formo hum núm.e-
• TO médio , a que chamáo diftancia media.
Quando o Planeta eftá na maior diftancia ,
dizem que efta no Aphdio : tomai de me-
moria eftes termos , para me entenderdes
no dircurfo deftas conferencias , porque sáo
lermos próprios.
£uj^. Farei porque me náo crqueção; e quan-
do cftiwr o Planeta na menor diftancia, co-
mo fe diz cntáo ?
Tbed, Que cfta no Pcribclio : e ifto he regra
°çtA para todos os Comeras e Planeras ,
porque iodos tem diveríidadcs nas fuás ref-
&'ipechvas diftancias ao Sol. Se ouvindo fal-
ç lar na orbita , ou linha , que defcreve al-
-Lcgum Planeta , me ouvirdes dizer , que he
ç? inclinada , e excêntrica, náo me haveis de
t i' entender. Eu quero a^ora prevenir o voíTo
- embaraço. Excentricidade da orbita , qnct
di-
Tarde trlgefima prima, 1^3
dizer que o Sol não fica no ccnrro delia j
e tanto le diz que tem a orbita de excentri-
cidade , quanto o Sol eltá alfaftado do ver-
dadeiro centro da tal orbita. Ponnamos cx^
enr.plo : Sc o Sol eitivciíe bem no centro da
orbita de Mercúrio , tanto diftaria Mercúrio
do Sol , eftando n'uma parte da elife , co-
mo na oppoíta , porém como o Sol eíiá af-
faihdo do centro para numa parte , ja Mer-
cúrio ahi fica mais perto do Sol , e na ou-
tra parte oppofta , mais longe.
IBu^. Percebo já : e quanto he a excentrici-
dade do Sol a reipcito de Mercúrio ?
Theod. Sáo 1.7^8 iemidiametros da Terra ,
eftes tantos femidiamctros faitáo na ditlan-
cia media , quando Mercúrio eftá no Feri-
hélio , ou parte mais chegada ao Sol ■ c
quando eftá no Aphelio , ou parte mais re-
mota 5 devem-fe accrefcentar á diftancia me-
dia j e por boas contas vem a diftancia má-
xima de Mercúrio a exceder a minima em
^.4~6 femidiamctros , que he a dobrada ex-
centricidade.
^ug. ilío tenho entendido ; vamcs ao mais.
Theod. Falta explicar a inclinação da crbita :
talvez vos pareça impertinente neftas miu-
dezas : crede-me que o náo faço iem rro-
tivo jufto j porque fabendo vós iíto pi ra
Mercúrio , fica explicado para to.^.os os
mais Planetas , e o entenderdes eítas miu-
dezas , ferve depois para muito. Já vos
moílrei como a .orbita da Lua corra va a
orbita do Sol , a que chamáo Eçlhkx , to-
mai
134 Recreação Filofofica
mai fentido nefte nome , que ufarei dclle
a cada palio. Para ilTo ufci da comparação
Efí. 2. de dous arcos de pipa (^EJiamp. 2.. fig. :5.),
fig. j. que eftando airaveíTados por hum arame,
podiáo reprcfentar as duas orbitas do Sol ,
e da Lua á roda da Terra reprefentada na
bola T.
Eug. Bem me lembro , e aqui eítá outra fi-
Fft. 2. gura (fig. 4. Efiamp. 2.), que rcprtfenta a
fig. 4. inclinação do caminho da Lua ao caminho
do Sol.
Thecd. Ora o mefrro digo do cncruzamento
da orbita de Mercúrio com a Eclitica : tam-
bém faz Teus Nós ; porém a fua inclinação
ou abertura he de 6 2;ráo3 , ^() minutos e
20 fecundos. Minuto chamamos aqui á par-
te fcxagefima de hum ^ráo ; e fcgwido cha-
marrros á parte fexagcTima de hum minuto.
Eug, Bem entendo. Já íei adiftancia de Mer-
cúrio, fci o fcu caminho j quero íaber ago-
ra o feu movimento.
Theod. Já fabeis que não falíamos agora do
movimento diurno , com que em 24 horas
os Ceos fe revolvem com os Planeras e Ef-
irellas de Nafcente para Poente : eíTe movi-
menio commum a todos os Aftros não per-
tence aqui. Só falíamos do movimento par-
ticular que tetn os Planetas á roda do Sol ;
porque em todos os fyftemas , os movimen-
tos próprios de todos os Planetas he á ro-
da do Sol e ráo da Trrra. Suppofto ifto,
o movinjenio próprio de Mercúrio , he de
Poente para Nafcente , contrario ao movi-
men-
Tarde trigefima prima, 155'
mento commum dos Ceos de Nafcentc pa-
ra Poente ; e aílim hc o movimento pró-
prio de cada hum dos outros Planetas , e
Cometas , como ireis Tabendo pouco a pou-
co. Nefte movimento gafta Mercúrio quaíi
88 dias em form.ar hum giro ( i ). Alguns
querem , que além defte movimemo , tenha
outro que chamáo de Vertigem , ou como
peáo á roda do íeu eixo , porque deve nif-
10 concordar com os mais Planetas que af-
íim fe movem : razáo tem para o fufpei-
tar , mas ainda fe náo fabe de certo. Ora
fuppofto Mercúrio mover- fc á roda do Sol ,
já fe vê que humes vezes ha de eftar mui
longe de nós , quando for na volta dalém
do Sol } porém quando vier na volta d'a-
quem , ficará muito noHo vizinho. Creio
que fareis goílo de faber as luas diverlas
diftancias á Terra.
Bug, Para a minha curiofidade iir.porcáo-
me mais do que a diitancia de Mercúrio
ao Sol.
Thccd. Deíprezando a pequena differença que
podem dar as inclinações das orbitas a ref-
peito da Eclitica , podem-íe faber as diftan-
cias dos Planetas á Terra , ora ajuntando-a ,
ora defcontando-a da diftancia da Terra ao
Sol ; e aílim Mercúrio na conjunção fupe-
rior com o Sol , difta da Terra ( i^^iyió,
875) trinta e quatro contos 5 ou milhões,
íetecentas e dezefeis mil , oitocentas e fc-
ten-
( I ) São S7 dias , 2} horas , 14 noinut. e
25 fegundos.
136 Recreação Filofofica
tenra e cinco léguas ; e na conjunção infe-
rior 5 quando fica entre nós e o Sol , difta
da Terra (15:3^9.943) ouinze milhões,
trezentas e trinta e nove mil , novecentas
e quarenta e três léguas. Bem vedes a àú-
fcrença.
Eiig. He muito grande j mas tendo elle por
centro fenfivcl do leu movimento o Sol ,
necelTariamente devia de fer aílim.
Theod. Dizeis bem. Vamos a \^enus. Já fa-
beis que he hum corpo opaco , íemelhanie
aos mais Planetas : tem feus minguantes e
enchentes bem como a Lua.
£ug. Nunca tal vi : íempre que tenho olha-
do para ella , ou pela manha , quando naf-
ce antes do Sol , ou de tarde , quando fe
põe atrás àclle , fcmpre me parecto iem
minguante.
Theod. Agora anda ella bem desfalcada ; juf-
tamenie como a Lua eftá deus ou três dias ,
depois de fer nova.
£u^. E como pôde fer iíTo , fe honrem a vi-
n.os iormoíiílima j c cheia de huma luz mui
forte I
Theod. Quando ella vos parecer maior e mais
brilhante , cntáo eíla como a Lua nova;
náo me crcais a mim , vamos a vella , que
já fe poz o Sol ; e o Teleícopio nos mof-
trara a íua figura.
Sih. Pi.ra mim também iíTo he myfterio que
náo entendo.
Theod. E também o foi para mim cm quan-
to os oihos me náo deíenganáráo , e de-
pois
Tarde trigefiyna prima. 1:57
pois a razão , que cu logo vos darei. Aqui
tendes o Teleicopio , eu o aponto , que ci-
tou mais dcftro Vede.
I.iig, Eu vejo a Lua {EJtamp. z. fg, 5.) Eft. 2.
Thiod, A Lua ainda não naíceo. Vede que fig* 5»
vos enganais : não he a Lua , he Vénus.
Olhai por fora do Teleicopio.
Eug. No tamanho, e na figura, e na clari-
dade parecia a Lua , poucos dias depois de
fer nova. Eu eltou palmado : vede , Sil-
vio.
Silv. Lua parece na verdade ; eftá bem def-
falcada. Nunca tal eíperei ver.
Ttíod. Logo vos darei a razão, porque ago-
ra viíla com os olhos parece mais brilhan-
te que nunca. Deixai-me tirar daqui huma
coníequencia ; e vem a fer, que fe \^enus
tem quartos e minguantes como a Lua , he
opaca como ella. Adverti que ella em fi hc
hum globo , pofto que a parte efcura pela
grande diftancia fe não veja, como fucccde
na Lua.
£ug. Quem o pôde duvidar?
Theod. A razáo, porque Vénus apparece com
cites quartos e minguantes , vem a fer, por-
que Vénus anda á roda do Sol , e quando
eftá do Sol para cá , volta para nós a face
efcura , c para o Sol a allumiada ; e quando
eftá do Sol para lá , a mefma lace allumia-
da , que volta para o Sol , liça também vol-
tada para nós : entáo parece como a Lua
cheia ; c agora , que eftá do Sol para cá ,
aflemeiha-fc á Lua nova. Porém como náo
fe
138 Recreação Tilofofica
fe mcttc bem entre nós e o Sol , femprc de
ilharga lhe vemos alguma parte da tacc cla-
ra j bem como fuccede á Lua depois de fer
nova ; e á proporção que vai voltando V'c-
nus á roda do Sol , vai deixando ver cada
vez mais a fua face illuminada, até que na
Oppoficão , ou Conjunção fupenor a deixa ver
toda.
Etig, Que quer dizer Oppoficão , c Conjuti'
^ão ? Já quando fallaftes cm Mercúrio ufaf-
tcs deite termo ; e náo fei íe o entendo
bem.
Thecd. Conjunção quer dizer que o Planeta
eftá a refpeito de nós junto com o Sol ; if-
to he, o mais chegado apparentemente que
lhe permitte eftar a inclinaçáo ou abeitura
da fua orbita. Ora Vénus e Mercúrio duas
vezes íc ajuntáo com o Sol j huma quando
pafsáo ia por detrás delle , outra quando
paísáo cá por diante dclle ; por ilTo tem
duas Conjunções ; quancio paísáo além do
Sol j he Conjunção Juperior , c quando paf-
sáo entre nós e o Sol , chama-fe Conjun-
ção inferior. Vamos a^ora á Oppoficão. Di-
zer que hum Planeta eftá em oppoliçào , he
dizer que a refpeito de nós fica o mais op-
poílo ao Sol que pode fer ; v. g. o Sol no
Poente , c o Planeta no Nafccnte ; ou o
Sol bem em baixo no Meridiano inferior,
e o Planeta bem em fima no luperiori dif-
tando hum do outro , a refpeito de nós ,
meio circulo do Ceo. Marte , Júpiter , e
Saturno tem huma Conjunção , quando paf-
sáo
Tarde trigefima -prima, 139
são lá por detrás do Sol , ou quafi por
detrás j e huma Oppofíç^no quando nós fi-
camos enrre o Sol e elles. Advirto que
quando chamamos á Conjunção fuperior de
Vénus e Mercúrio Oppofiçáo , o fazemos
aíhm , porque neíTe caio fica o Sol no meio ,
Vénus de huma parte , c a Terra da outra
oppofta diametralmente. Supponho que en-
tendeis.
£ug. Perfeitamente : continuai.
Silv, Náo vos efqueça a razáo de agora bri-
lhar Vénus mais , quando parece que devia
brilhar menos,
Theod, Agora cftá Vénus muito mais chega-
da a nós , do que quando eftá cheia ; e fup-
pre a maior vizinhança o defeito da luz. Eu
me explico mais. Vénus também gira á ro-
da do Sol em huma elifc quafi circular 5
por ilTo ora difta mais , ora menos : porém
a dittancia media , contando-a cm femidia-
metros da terra , sáo 17.559 femidiame-
tros ; e reduzida eíTa diftancia a léguas Por-
tuguezas , creio que sáo mais de 18 mi-
lhões: eu aqui a hei deter n'um papel, pois
de memoria náo poíTo confervar ienáo os
números mais grofTos : são ( 18 : 10^ . 860 )
dezoito contos , ou milhões , cento e três
mil , oitocentas e ícíTenta léguas Portugue-
zas. Também vos diffe já ( i ) que a dif-
tancia media do Sol á Terra eráo mais âc 2^
miihóes , ou contos de léguas. Suppofto
ifto , quando Vénus eftá no ponto mais
dií-
(1) Pag. «9.
140 Recreação Filofofica,
diftante de nós , para lá do Sol , enráo
volta para nós todo o hemisfcrio , ou face
allumiada, e eftá cheia; e quando fc pare-
ce com a Lua nova , eftá entre nós e o
Sol ■■, e vem a ficar muito perto de nós.
• Comparai agora as duas diílancias entre fi ,
e vereis huma incrível diíFercnça. Quan-
do eftá cheia , difta de nós tudo quanto
vai de nós até o Sol , que sáo 25 milhões
de léguas ; c quanto vai do Sol até Vé-
nus 5 que sáo mais de 18 miinóes de lé-
guas , íomma toda a Ciftancia mais de 4-?
milhões de léguas , ifto he , delprezando
os quebrados ( i ) ; e quando Vénus eftá
como Lua nova , náo chega a diftar 7 mi-
lhões de léguas , por quanto daqui até o
Sol vão 25 milhões de léguas ; \'enus fica
para cá do Sol mais de 18 milhões. Lo-
SO de Vénus para cá náo chegáo a 7 mi-
lhões de léguas , quando cftancJo cheia sáo
mais de 4:; ( 2 ). Bem vedes que defprézo
os quebrados , por náo vos enfaftiar.
Eug. He bem grande a difFerença : eftan-
do cheia , tem huma diftancia quafi 7 ve-
zes maior do que agora , que parece Lua
nova.
Jhcod.
( I ) Fallando rigorofjmer.te , Vénus na Cori'
junção fupcricr dirta da terra 43 : 1^2. 2Ò() lé-
guas.
( 2 ) A diííancia do Sol a rerra são 25 : 03S .
409 ; e defconrandf» delia a diftancia do Sol até
Vénus , que são 10: 10 i . 06c, lo líílío de
Vénus a nós 6-f)i\, 519 léguas.
Tarde trigefima prima. 141
Thcoà. Logo feguindo a doutrina que vos
dei , fallando da Op:ica , quando vos dilTe
que os corpos á proporção da fua diítancia
appareciáo mais pequenos , fegue-íe que o
corpo de Vénus agora ha de apparecer qua-
fi 7 vezes maior , que quando eílá como
Lua cheia : e aíTim pofto que agora veja-
mos mui pequena parte do Teu hemisfério , ou
tace illuminada, ha de pareccr-nos mais bri-
lhante, que quando parecer Lua cheia. Eíta
diftancia que dou de Vénus ao Sol , he a
media \ porque humas vezes diíla mais do
Sol, € outras menos; e a diíFerença fe me-
de pela excentricidade da fua orbita ; ifto he ,
pela diltancia que tem o Sol do verdadeiro
centro da elife. A excentricidade pois de
Vénus vale quaíl 124 femidiamctros da ter-
ra ; .e aííim comparando a fua máxima dif-
tancia do Sol com a mínima , a differença
que importa dobr?ida excentricidade , fomma
quafi 248 femídiamerros da terra.
Defta diftancia de Vénus a refpcito do
Sol fe fegue , que nunca a poderemos ver
feparada delle mais de 4"^ gráos e 48 minu-
tos. Senremo-nos , e profigamos com o dif-
curfo fobre Vénus, O Grande Bianchini ( i )
que nos dá mui exaóla imagem deOe Pla-
neta , lhe defcobre varias manchas. Conta
fete no íeu Equador , c duas nos pólos ; e
cm obfequio do ncíto Grande Rei , c de
fcmpre faudofa lembrança o Senhor D. João
o
ri
( 1 ) Hefperi & Phofphori nova phaenoinen» .^•
cap. 4.
í^z Rea'eação Filofnfica
o V. , lhe poz o feu nome na primeira,
chamando-lhe Aíir Reg:o de joáo o V. ;
á íegunda chama Aíar do ínfafv.e D. Henri-
que , á terceira Mar do Kci D. Manoel y
cm fim dá outras a vários Portuguczes fa-
mofos, cu que defcubnráo as conquiftas de
Portugal. Mas depois que viftes as man-
chas da Lua , fupponho que náo me du-
vidareis difto , ainda que o meu Telefco-
pio as náo defcubra , porque o de Bianchi-
ni era de 150 palmos de comprido, e mui-
to melhor.
Eug. E também ha de ter feus montes c val-
les como a Lua.
Thcod. Vós dizeis ilTo por conjectura ; por-
que fendo hum corpo grande c opaco , na-
turalmente fera efcabrofoj e as cfcâbrofida-
des proporcionadas ao feu volume , feráo
montes altifíimos , porém o caio he , que
na realidade os tem , como lhe obíervou
Mr. De la Hire ( i ) i e por ilTo quando fc
vè desfalcada , a linha com que a fombra fe
divide da luz , também he tortuofa , como
na Lua
£ug. Ahi fallaftes no volume de Vénus , mas
náo me diííeftí-s ainda que tamanho tinha á
proporção da Terra.
Thecd. Vénus tem hum volume fenfivelmen-
le Igual ao da Terra ( 2 ) . Ifto he quanto á
íua
(1 ) ^^e^roir. de T Academ. an. 1700.
(2)0 \nlurre de Vcnus , fegundo o cal-
culo de Mr àt la Lande , he a rclpeito da Ter-
ra como tji.Z22 para ico. coo.
Tarde trige finta prhna, 14;
fua natureza e tamanho de Vénus ; vamos
agora aos Teus movimentos.
Eug, Já íei que anda á roda do Sol , como
Mercúrio ; mas náo fci o tempo que gaita
no Teu giro.
Thecd. Gafta no feu giro , a que chamamos
também fer/Wo , 224 dias, 16 horas , 41
minutos, e ]i fegundos.
Silv, líTo vai com bem miudeza ; fc ella an-
daíTe cá pela terra , náo lhe poderiáo comat
os paíTos miais miudamente.
Theod. Aqui vereis como os Aílronomos são
feguros e efcrupulofos nas fuás medidas ; e
quando elles concordáo todos n'uma coufa ,
por ceriiííima a devemos dar j pois bem ve-
des que em muiías náo concordáo , como
já vos diíTe. E de caminho ide obfervando ,
Eugénio , que ifto a feu tempo ha de fer-
vir ; que quanto os Planetas mais váo dif-
tando do Sol , mais tempo gaftáo no feu
período ou volta. Mercúrio gafta 87 dias ,
que sáo quaíi ^ mezes j e Vénus confo-
me 224 dias , que sáo 8 mezes pouco
mais ou menos. Falta dizer-vos quanta
he a inclinação da orbita de Vénus a ref-
peito da Ecliiica ou caminho do Sol , pa-
ra faber o que efte Planeta fe pôde def-
viar do Sol na íua conjunção , ou oppoíi-
çáo. A inch'naçáo pois da orbita de Vénus
sáo fomente ; ^raos , 22, minutos e 20 fe-
^un-dos. Ainda rcfta outro movimento de
Vénus, a que chamáo de verti g ctn , ou ro-
ta^ão , que he andar Vénus á roda de íi
mcf-
144 Recreação Filofofica
mefma como peáo , affim como diíTe que
andava o Sc'.
Eug, E também Vénus anda á roda de íí
mcfma ?
Theod. Como rem manchas, por cibs fe pe-
de conhecer fe tem cfte movimento , c
cjuanto tempo gaita nclle. Seguindo o B an-
chini , que he texto nas obfervaçóes de \'e-
nus ( I ) j §^^^ ^^ huma revolução 24
dias , e quafi 8 horas. Ultimamente o que
agora me cccorre dizer- vos acerca de Vé-
nus, hc huma grande dúvida, cm que hoje
cftáo os Aftronomos , fobre fe tem algum
Satélite , como a Terra , Júpiter , e Satur-
no. Caííino , grande Aiironomo , no Tra-
tado da luz Zodiacal , d'Z que em lóyz
obfervára huma como nuvemfinha clara jun-
to de Vénus , que teria qu.ífi a quarra par-
te do feu diâmetro : 14 annos depôs teve
occafiáo de tentar nova obícrvaçáo , e com
mais clareza vio que a tal nuvem clara te-
ria , k reípeito de Vénus , a mcfma pro-
porção , que tem 2 Lua com a Terra. -Di-
vid Gregório , também grande Aítronon.o
(2) , fail.i mais refoluto nefte ponto. Po-
rém na Hiftoria da Academia Rcí^I de Pa-
ris ( ^ ") acho que hum célebre Inglez
Short Scoto no anno de 1740 com hum
Te-
( I ) Hefperi & Phofphori nova phacnom.
cap. 5.
(2) Aílron. Phyf. lib. í. pag. 710. da Ediç.
de Geneb.
(i) An. 1741. pag. 124. da Ediç. de Par.
Ta^de trtgeflma prima, 14^
Telefcopio de reflexão de 16 pollegadas^
diftinítamente obfcrvára em \^enus hum Sa-
télite , que ditbva delia lO minutos e 20
fegundos. Alguns tempos depois repetio a
oblcrvaçáo y mas de balJe, Ultimamente
M, Baudouin aprefcntou á Academia de
Paris em 176 1 huma obfervaçáo ícita em
Limoges no mefmo anno por M. Montai-
gne com bartante exacçáo , mas iiáo he ain-
da de modo que fe pcÍTa dar por certo o Sa-
télite. VamiOs aos demais Planetas.
Silv. E náo dizeis nada dos habitadores de
Vénus 5 que paíTecm lá pelos feus montes
e valles?
Theod. O que diíTe dos habitadores da Lua ,
íe pode applicar aos de Vénus , poílo que
aqui ihe acho outra difficuldade , e muito
maior em Mercúrio j e he o 2;ranr!e calor
do Sol , que padeceriáo os hab-tadores em
táo pouca diftancia do Sol ; e também por-
que em Vénus , como fe revolve em 24
dias , dura o Sol em qualquer lugar da fua
fuperficie 12 dias coniinuos , fem haver o
intervallo das noíTas noites , cm que fe re-
frigerem j e hum táo grande calor , e táo
continuado , náo me parece que deixará
fer habitável o paiz j eu peio menos náo o
invejo.
Silv. Nem eu também*
Tom. VI. K S. IL
146 Recreação Filofofica
§. n.
Da Terra c Marte,
Theod. "VjOs cftamos em Planeta mais ac-
1^ commoJado : fallopcla frafe dos
Copcmicanos , que chamáo á noíía Terra
• hum Planeta. Eftes dizem que a Terra fe
move á roda do Sol , como Vénus j mas em
diftancia maior. Nós havemos de fallar hu-
ma tarde de vagar fobre efte fyftcma , e en-
tão vos direi a minha opiniáo: por ora, pa-
ra não interromper a ferie que levo , toca-
rei no que elles dizem de palTagem. Dizem
pois que a Terra he hum Piancía , que dif-
ta do Sol (24. 275) vinte e quatro mil,
duzentos e feienta e cinco femidiametros da
• Terra , que reduzidos a léguas Portuguczas ,
sáo (25:028. 4.C9) vinte cinco con'Os , e
Vinte oito mil , quatrocentas e nove léguas i
íic a mefma diftancia , que eu dei ao Sol
' hontem. EíIh Terra neíla opiniáo he hum
Planeta redondo , opaco , e cícuro , pouco
maior que Vénus. Quando huma tarde tal-
larmôs da Terra com miudeza , vos darei
bem exaóía idca da fua figura , e grande-
za. Efta Terra pois , dizem os Copernica*
nos , que eira á roda do Sol em ^65 dias,
5 hor.HS, 48 minutos, c 45 íegundos j ou
cm menos palavras , que faz o giro á ro-
òâ do Sol ein hum anno completo. Aléra
' ' ' • dif-
Tarde trigefima prima. 147
diílb , também dizem que tem feu movi-
mento Je rotdçro á roda do feu eixo \
e defte moJo i'e forma o dia e a noite;
fendo dia , em quanto nós andamos á vif-
la do Sol ; e fendo noiíe , quando volta-
mos pela parte que o nâo vê. Efta rota-
ção , a que c!les chamáo movimento diur-
no, fe faz no efpaço de 2^ horas, 5^ mi-
nutos, e4. fecundos. Não sáo 24 horas com-
pletas , pela razdo que eu vos ditei em feu
lugar. Também a Terra tem a fua orbi-
ta excêntrica , ifto he , nâo lhe fica o Sol
bem no centro delia , fica mais para hum
lado , e por ilTo nem fempre a Terra guar-
da a mefma diftancia do Sol. A fua ex-
centricidade vale quafi 408 femidiametros
da Terra ^ e por confeguinte comparando
a máxima diftancia do Sol á Terra com
a diltancia que rem quando eftá m.ais per-
to , vem a fer a diiierença quafi 816 fe-
midiametros 5 que imponáo ( 84C. ^t^6 )
oitocentos e quarenta mil , novecentos e
cincoenre e féis léguas. E tan:o fica o Sol
mais perto de nós de inverno , do que de
veráo , por quanto de inverno he a me-
nor diltancia , ou periheiio da orbita da
Terra , ou da do Sol. Efta orbita náo tem
inclinação alguma á Eclitica , pnis na opi-
nião deftes Aftronomos , ella he a m-ef-
ma Eclirica j e no m.efmo ckcuIo, em que
% o Sol fe move á roda da Terra , dizem
cUes que a Terra fe move á roda do Sol.
As miudezas dclle íyftema , que he admi-
K ii ra*
148 Recreação Filofofica
ravelmentc cngcnhofo , pedem outra occa-
íiáo. Ifto bafta por ora.
Silv, Yós chamais-lhe engenhofo, eu não vi
maior derpropofito , nem coula mais clara-
mente falfa.
^heod. Devagar , Silvio : digo que he enge-
nhofo 5 porque eu vos moftrarei o motivo
que tem hoje toios para confclTar o que cu
conFelTo. \^amos a Marte, que he o quarto
Planeta nefte fyftema.
Bug. E creio que no que pertence a Mar-
te já todos os Aftronomos concordáo , c
que fó a diíFerença entre elles he acerca da
Terra.
Thcod. AÍHm he. Marte he hum globo opa-
co como os outros Planetas, e refleíte a luz
do Sol , e com elTa he que brilha ; porém
he mais amortecida que a de Vénus, e mais
avermelhada. Vejamo-lo com o Telefcopio,
que lá o temos defronte de nós.
£.ug. Ate com os olhos fe vê a fua luz al-
gum tanto vermelha , fe a imaginação me
não engana.
Theod, Ahi eftá o Telefcopio apontado, ve-
de-o.
^ug. Cá o vejo : he muito mais pequeno que
Vénus.
Silv. Bafía eftar muito mais diftante.
Theod. Por eíTa razáo certamente havia de
parecer muito menor; porém além diíTo ellc
na verdade he muito mais pequeno. Vede,
Silvio.
Silv. E muito embaçada he a fua luz , e al-
gum
Tarde trigejima prima, 149
gum tanto tira para vermelha : eftá bem
pofto o nome de Marte peio que tem de
languíneo.
*Ihecd. Reparai , que talvez lhe vejais huma
mancha eícura nomQio (^^ftamp. i.fg. C.), £Ç\, 2.
Dizem que foi Francilco Fontana o primeiro íig. ó,
que lha obfervou.
Silv, Lá me parece que a vejo. Com-O já vi
as da Lua, não duvido que Marcc também
as tenha.
Eug, Eu quero vella .... lá eílá .... quanto
mais appiico a viíla , e vou reparando, me-
lhor a vejo.
Theod, He neceííario huma peílba acoftumar-
fc a ver pelo Tclefcopio , para ver bem por
elle ; porque o cryftallino dos olhos vai pcu-
co a pouco tomando a figura conveniente ,
e a alm.a vai-fe cíquecendo das imagens ef-
tranhas , que antes immediatamiente tinha per-
cebido pela vifta , e pode reparar m.ais nefta
que agora percebe. Advirto que o grande
Aíaraidi teítifica que lhe tem obfervado va-
rias manchas e íaxas efcuras , mas mudá-
veis j o que dá fundamento a crer que Mar-
te tem alguma atmosfera i roda de fi , e
que eíTas manchas mudáveis feráo nuvens,
E Icmbro-me que já li huma obíervaçáo
( não me lembra de quem era ) que confir-
mava efte penílimento; porque quando Mar-
te hia encubrindo alguma Eftrella á nolía
vifta , hum pouco antes que a occultaíTe , e
bum pouco depois de íe manifettar , muda^.
va algum tanto de cor a Eltrelia , ficando
per-
j^D Recreação Filojojica
perturbada a fua luz , fignal de que come-
çava a occultar-fe primeiro pela atm^sjera
irf^.nfparente que rodeava o Planeta. Porém
a atmosfera de Mane não haveis dc\Ó5 ver,
Eugénio.
£ug. Não í porém tenho vifto a fua figura ,
e cor ; e fei que he muito mais pequeno
que Vénus : mas quanto fcrá mais pcqueoo
que a Terra?
^beod. Os cálculos que ílgo , dáo-lhe m^ais
de metade do diâmetro da Terra , o que
reduzido a léguas Portuguezas , sáo i. ^85
léguas das nolTas j e de fuperficie tem
(6;ci^. 561) féis miihóes , e treze mil,
quinhentas c feíTenta e huma léguas quadra-
das 3 o que vem a ícr menos da amctade
da fuperficie da Terra. Ultimamente o feu
volume he quafi três vezes menor que o
vQlumc da Terra.
fug E que diftancia tem do Sol?
'7'he 4. A diftancia reduzida a fcmidíamctros
da Terra dá Ç'^6, 5/8^) trinta e fcis n.il,
novecentos e oitenta e nove femidibn.ctros :
em ic^uas Portuguezas vale efta diíhncia
( ^8: 135. (Toy) trinta e oito contos , cen-
to c trinta e cinco miJ , feisccnias e feie lé-
guas. Efta he a diftancia media de Marte ao
' Sol.
JEug. E quanta he a excentricidade da fua or-
bita ? Eu imac^ino que daqui depende íaber
quanta diÔeccnça vai da diftancia m.cdia á
máxima , ou minima.
Ttcod. Dizeis bem j porque accrefccntandp a
ex-
Tarde trlgefima prima, i^i
excentricidade á diítancia iTiCdia , temos ^
máxima , e ceicontando-a , terros a míni-
ma. A excentricidade pois de Mane vale
^. 451 lemidiameircs e meio, i^ue importa
tudo em ( ^ : 558. SY^^ ^^^^ contos , cjui-
nhentas e cincoenta e oito mil , quinhentas
c trinta e nove léguas. Voamos ao temjio
que gafta no íeu período á roda do Sol:
são ^^^^ dias, 22 horas , 18 minutos, e 27
fegundos , ou quafi dous annos : falta-lhe
mez e mieio.
JE«^. Pois Marre não gaíla vinte e quatro
noras em correr o Ceo todo , como Lzcm as
Eftrellas?
Ihcoà, Valha-vos Deo? , Eugefíio : ilTo he o
movimento á roda da Terra ; porém nós
ainda náo tallámiOS íenáo do movin enio cos
Planetas á roda do Sol \ o movin ento dos
Aftros tocos em 24 horas á roda da Terra
pede difcuríb á parte.
Eug, Tenho percebido. Dizei -me agora :
E Marte também tem movimenio de
vertigem , ou rotação á roda do ícu cen-
tro?
Theod. Também , e gafta em huma rotação
24 horas e 4c minutos.
Eug. Anda muito mais ligeiro que Vénus ,
que gaita vinte e quatro dias.
Sílv. Vénus he Dama e Senhora , e Marte
he Soldado , deve dar voltas com mais pref-
teza , e Vcnus com maio gravidade.
Thcod. Gaíbis bom humor: os Aíhonomos
tem peniamentos mais íerios.
Silv.
lyi Recreação Filofof.ca
Silv. Sim 5 c mais melancólicos: ide.profc-
guindo , e vede lá náo vos cfcnpe hum mi-
nuto j ou huma poliegada mais nelTa dif-
tancia - que he caio para pel-der muitas noi-
tes ao lereno. Eu náo era para elTa vida.
Mas continuemos.
Theod. Advirto-vos agora , que fe fallarmos
da diftancia de Marte a nós , he muiio di-
verfa j porque Marte náo anda á roda da
Terra, ma?; á roda do Sol; poí^o que cam-
bem comprehcnda a Terra no am.biro do leu
giro : e por eíèe difcurío iá vedes que hu-
mas vezes Marte ha de ficar muito perto de
nós 3 outras muito Jon^e. Agora fupponha-
mos nós que eftá Marte em Oppoficao com
o Sol , iíio he quanco nos fica o Sol de
huma parte , e Marte da oppofta em corref-
pcndencia : nefíe eafo, temos Marte muito
perro ce nós j porque toda a diftancia do Sol
a Marte sáo pouco mais de ^8 milhões de
leguds ; porem nós ficam.os no caminho que
vai do Sol a Marte , e diílamos do Sol 25
milhões e pouco mais , reftáo i ^ milhões
de If guas de nós até Marte ; c por ilTo clle
ás vezes apparece muito mais perto de nós
do que o Sol ; porém quando Marte arda
na volta além do Sol , e chega á Conjun-
ção , fica mui longe de nós ; porque
d'aqui até ao Sol são 25 milhões de lé-
guas, do Sol até Marte sáo ^8; fomma tu-
do n ais de 6^ milhões de Icguas , e cá
na Opp^fic^o eráo fomente 1 5. \'edc que
diifcrenfc,
Tarde trigefnna prima, 15*3
Eu^. He maior do que eu imaginava.
Tkcod. Falta ainda dizer a inclinação da or-
bita de Marte a refpeito da Eclitica , ou or-
bita do Sol i pcrque nenhum Planeta con-
corda com elle , todos cruzáo os caminhos
cm duas partes ou Nós •■, porém a orbita
de Marte diíFere mui pouco , e fó tem de
inclinação i gráo , e 52 minutos j vem a
fer quaíi dous gráos. No que toca a if-
to , vós , Silvio , concordais maravilhofa-
mente.
Silv. E porque não ? fe iíTo são coufas de-
monftradas , e também os nolTos Filofofos
concordáo nilTo.
§. IIT.
Be Júpiter , e [eus Satélites.
£ug, /^ Ue mais tenho que faber de Mar-
Q
teí
Thçrd. Não me occorrc mais nada , que
haja de dizer agora ; por quanto o que fal-
ta , fó o podereis perceber bem , quando
fallarmos do jogo admirável de todos os
Planetas entre fi. Entremos a fallar de Jú-
piter ; e vamos vifirallo com o Telefco-
pio , porque goftareis de o ver ... . Ahi o
tendes.
Eug. Vénus me parecia huma Lua quafi no-
va , e Júpiter viíto pelo Telefcopio parece
huma Lua cheia : he íormoío 3 e a íua luz
mui
I5'4 Recreação Filofofica
mui brilhante e clara , bem femclhante á
de Venu?. Chegai , Silvio.
Sil. Ifto agora hc outra coufa mui divcrfa
de Morte : hc clariííimo , c mui grande . . . •
Tenho vifto.
Theod. Ainda que a diftancia em que Júpi-
ter cftá ?. refpeito do Sol , he mui grande ,
o feu disforme volume , e a claridade da
fua luz compcnsáo afsas a ciftancia. Entre
todos os corpos Céleres do fytlema folar,
he o maior abaixo do Sol. Se o compa-
rarmos com a Terra, he 1.479 vezes maior
que ella. E já vedes que hc globofo : po-
rém quero advertir-vos , que Júpiter na rea-
lidade náo he globo perfeitamente esféri-
co ; he como huma laranja algum tanto
chata , que náo tem tanto comiprimento
no diâmetro que vai de alto a baixo , co-
mo no que vai de hum lado ao outro. A
efta figura chamáo os Geómetras esferói-
de : tomai de memoria eite nome ; porque
eíta he a figura da Terra , como vos direi
^ feu tempo.
£i{^. Eu pelo Telefcoplo náo lhe conheci
defigualjade nos diâmetros , como dizeis.
Thcod. Bafta que lha tenháo conhecido os
Aíironomos , que usáo de melhores Telefco-
pios , c outros inftrumenios exaòtos , que
^áo para ilTo precifos.
Eu^. Náo duvido.
Theqd. Vamos ao pezo de Júpiter , c á fi;a
dcnfidade , porque ha modo para fe poder
calcular , o que náo fuccede a Marte , nem
Ve-
Tarde trigefitna prkna. 15' 5:
\^enus 5 nem Mercúrio : a Teu tempo ea
vos direi a razáo. Sendo Júpiter 1.47^ vezes
maior que a Terra , no íeu pezo náo a ex-
cede tanro como no volume , porque náo
he láo denfo com.o cila. Tomando abfolu-
tamente as quant dadts de mareria , que ha
em Júpiter e na Trrra , ou os pezos abfo-
lutamente , he Júpiter miais pezado que a
Terra :54o vezes j e por efte calculo vem a
ficar a Terra mais denfa que Júpiter quatro
vezes, e alguma coufa mais.
JEwç'. Por ciTc voíTo diícurlb he Júpiter da
micíma deníidade que tem o Sol , o qual
me diíTeftes homem que era 4 vezes menos
denío que a Terra.
Ttcod. Àilim dilTe ; porém o Sol ainda hc
alí^uma coufa mais denío que Júpiter ; por
ilTo a Terra excede na dcnfidade a Júpiter
mais alguma coufa , além das 4 vezes , e
náo chega a exceder ao Sol quatro vezes
perfeitamente 5 como hontem vos diffe (1 ).
«5";7v. Sc vós tiveííeis balanças para pezar ef-
fes imm.enfos volumes, e ostivcíTeis ámáo,
náo podíeis failar neíTa matéria com mais
miudeza, e fegurança.
Theod, Tudo iíTo vence a paciência , e o dif-
curfo , e o eíludo dos Aítronomos , que
ajuntáo a obrervaçáo com a Mecânica Cc-
lefte. Segue-fe agora a diftancia de Júpiter
ao Sol ; como e!le fe move em Elife á ro-
da CO Sol , ora difta mais , e ora menos;
porém a diftancia media vale (126.258)
cen-
(i) Pag. 79.
1^6 Recreação FiJofoJjca
cento e vinte e fcis mil , duzentos c cin-
coenta c oito fcmidiametros da Terra ; po-
rém reduzindo tudo a léguas Portuguezas ,
sáo ( MO : 172 . 249) cento e trinta mi-
lhões j e cento e fetenta e duas mil , du-
zentas c quarenta e nove léguas. A excentri-
cidade vale 6.1^6 femidiametros, que sáo ,
rcduzindo-os a léguas , (6:;26.4^o) feis
contos 5 trezentas e vinte e íeis m^il , qua-
trocentas e trinta léguas. Ifto qccrefcentado
á diílancia media , f:iz a máxima dithncia
de Júpiter ao Sol.
Eug. Bem fei ; e tirada elTa conta da diftan-
cia media , fica a diítancia minima. Porém
ifto he fallando de Júpiter a refpeito do
Sol ; mas a refpeito da Terra , que diftan-
cia tem?
Theod. Qiiando eftá em conjunção com o
Sol , nalcendo junto com elle , c pondo- fe
ao mefmo tempo i como anda na volta de
além do Sol , fica mui longe de nós ; e
importa eíTa diftancia em (155:200.658)
cento e cincoenta e cinco milhões , e du-
zentas mil 5 feiscentas e cincoenta e oito
léguas. Porém quando anda em oppofiçáo
do Sol , fó difta de nós (105:14^.840).
cento c cinco milhões , cento e quarenta e
ires mil , oitocentas e quarenta léguas.
Silv. Ouço fallar em milhões de léguas co-
mo quem falia em varas , ou braças.
Theod. A noíTa imaginação coítumada á pc-
quenhez dcftas coufas terrenas , eftranha
quando fe icyanca á admirável fabrica do
Tarde trigefima prima, 15-7
Palácio do Omniprente : profigamos. Sen-
do pois tanra a diílancia de Jupi:er 20 Sol ,
também crefcc o tempo que elle gafta em
dar hum giro á roda dellc j porque fe Mar-
te gafta quall dous annos , para Júpiter sáo
precilos quaíi doze , porque gafta 4-?^0
dias 5 8 horas , 58 minutos e 27 fegundos ,
que sáo 11 annos , ^12 dias , 17 horas , 2
minutos e 12 íegundos , dando a cada an-
uo 7^6^ dias 5 5 horas , 48 minutos , e 45
fegunc^os , ifto he, quafi doze annos.
£wg". Vai grande diíTerenç^i.
Theod. Porém o movimento de rotação á ro-
da do íeu eixo he velociflimo , porque
fó gaft:a 9 horas e 56 minutos ; e d'aqui ,
qianto a mim , pôde proceder ter Júpiter
táo pequena denHdade ; pois , como diíTe,
he menos denfo que o Sol ; porque a gran-
de força centrífuga adquirida com a veiocif-
fima rotação impede muiro a gravidade mu-
tua das pjrtes , e náo as deixa chegar tan-
to para fi , e fica o corpo menos denfo ;
pelo menos he certo que defte movimento
e força centrífuga nafce o fer mais alto no
íeu Equador , e ter figura esferóide. A in-
clinação da fua orbita a refpeito da Edifica
he mui pequena , vale fó hum gráo , 19
minutos e 10 fegundos.
Síh. Sentemo-nos , que infenfivelmente ficá-
mos ao pé do Telefcopio , fcm neceílida-
de alguma , recebendo o luar.
^hcod. Ora tende mais hum pouco de in-
comraodo , e tornai a ver Júpiter , porque
ain-
IjS Recreação Filofofica
ainda não rcparaftes n'umas cintas negras
Gue tem : eu vos accommoJo o Telefcopio
a vofía vifta , que , como he diverla da mi-
nha , poderá náo eftar no ponto precifo....
Vede ; pof-ém efperai hum pouco que os
olhos fc coílumem ao Telefcopio , e entáo
me direis o que vedes.
Silv. Cá vou vendo {^Ejlavip. i. fig. 7.) hu-
mas cintas efcuras , que o attaveísâo de
parte a parte ^ c creio que o cini^iraó em
redondo.
JEug. Deixai-mas ver.
Silv. \'ede ....
£ug. Náo ha dúvida ; eu vejo-as clariílima-
mente.
Theod. Pois fabei que ás vezes tem duas* ás
vezes três cintas , e humas vezes sáo mais
chegadas entre fi , outras mais affiítadas.
O grande Caílino obfervou-lhe , além das
faxas efcuras , huma nodo.i , que lhe durou
três annos continuados ; depois defappare-
ceo 5 e tomou a apparecer alternativamen-
te , de forte que dcfie o anno de 1665 até
1708 tem appafecido 8 vezes. Mas antes
que deixemos o Telefcopio , vede os Saté-
lites de Júpiter , ou as luas Luas , que lhe
fazem corte e acompanhamento : sáo 4,...
lá os tendes (EJÍamp. 1. fig 8.).
Eug. Eu vejo dous de cada parte. Vede 9
Silvio. Todos eftáo n*uma carreira direi-
ta.
Silv, Sáo humas eftrellinhas mui claras , c
roui vivas : a iíto chamais vós Satélites de
]u-
Tarde trige finta prima. \^^
Júpiter ; eu creio que são Eftrcllas èsò Cêo,
c dcftas achareis quantas quizerdes.
Theod, Silvio não crè nada fenâo á fõfça :
náo sáo Eílrellas , cu vos moítro huma Ef-
trella pelo Telefcopio , e vereis a diíferen-
ça , . . . Vede.
Silv. Tendes razão ; eftoutra luz dos Satéli-
tes he muito mais viva e clara , e náo fcin-
tiila.
Thcod. Ora fentemo-nos ... Já vos difle , que
á roJa de Júpiter andio quatro Satélites ou
Luas , que são huns globos opacos , como
os demais Planetas , e por ido padecem fre-
quentes eclipíes j porque como giráo á ro-
da de Júpiter , e efte faz Tua fombra para
a parte oppofta ao Sol , muitas vezes en-
tráo nella ; e em quanto a náo atravefsáo
íicáo ás efcuras ; aílim como fuccede á nof-
fa Lua , quando entra na fombra da Ter-
ra , de quem he Satélite. Além diíTo , por
mais rres motivos fe podem occultar os Sa-
télites ; hum he quando pàfsáo por diante
de Júpiter , porque a fua luz confunde-fe
com a de Júpiter. Também quando pafsáo
por detrás dellc , fe náo podem ver: adver-
ti , que muitas vezes eftâo efcondidos atrás
de Júpiter , e náo eftáo eclipfados ; porque
o Sol ficando de ilharga lá os pôde allu-
miar ; e outras vezes ficando defembara-
çados de Júpiter, e bem para a ilharga, fe
cclipsáo de repente ; porque fe para cíTe
lado cahe a fombra de ]upiter , fícando-
Ihe o Sol da parte oppofta , íorfofamente
fc
i6o Recreação Filofofica
fc hão de eclipfar. Além dcftes motivos,
ainda ás vezes Te náo ceixlo ver bem i e if-
fo fucccde , quando hum Satélite cá na vol-
ta de diante ccrrerponJe ao outro que vem
na volta detrás , de forte que a viíia os
confunde j e já me tenho viíto bem em-
baraçado com ifto i porque fabendo pela«
Efemérides , que náo podiáo eft.:r eclipfa-
dos 5 me faltava hum Satélite j porem pou-
co a pouco defencontrando-íe entre fi , via
que de hum fe me faziáo dous i e conhe-
cia o engano.
Siiv. Para tudo fe requer experiência.
Theod. Também outra couía embaraça os
que náo a tem ; porque acháo nos livros
que os Satélites fempre andáo cm giro á ro-
da de Júpiter , c nunca os vem ícnáo n'u-
ma linha recla com o mcfmo Júpiter, e ad-
miráo-fe ; mas he porque náo advertem que
os circulos , que f^zem os Satélites á roda
do feu Planeta , eftáo cirpoCos de rrodo ,
que fó os poderroj ver cc topo ; e alíim
parecem huma linha recla ; do m.efmo mo-
do que fc eu pegar n'um arco de pipa , e
o puzcr horizontalmente dianie dos voíTos
olhos , vós fabereis que he circulo , por-
que o viftes já noutra poftura \ porem nef-
ta , que digo , haveis de coníeflar que pa-
rece huma linha reáia.
£ug. Aflim he.
Theod. Logo o mefmo ha de fucceder ás or-
bitas dos Satélites. Nós na íitua^áo em que
eílamos 3 íó podemos ver que eiles fe cne-
Tarde trtgefima prima, léi
gáo para Júpiter, e que paisáo p'.ra a cutra
parte , e que fe vão aítaltando djlie até cer-
to ponto 5 e d'ahi tornáo a bulcailo , e paf-
sáo por ei!e para a outra parte : porém o
difcurfo fuppre a falta ca vilta , e conhece-
mos que paisáo para huma parte por dii-.nte,
e tornáo a repalTar por detrás , e allim aa-
dáo n'um giro continuado.
T.ug, Percebo : porém ainda falta faber as
diftancias dos Satélites a refpeito de Júpiter,
e os feus tamanhos , e movirp.cntos.
Theod. Parece que defcjais laber muito : as
diíhncias e movimentos vos direi eu ; mas
as fuás grandezas náo. Bem creio cu que
são maiores que a Lua , e talvez ainda
maiores que a Terra , porque a diUancia ,
em que fe vem , he exceííiva ; porém náo
ha ainda obfervaçóes fobre que fc poíTa for-
mar calculo que mereça credito. Nas diílan-
cias, e movimentos ha certeza. O primeiro e
mais chegado a Júpiter difta do centro do
Planeta 5 femidiametros de Júpiter e deus
terços; faz o feu giro em i dia, 18 horas,
27 minutos , e ^^ fegundos. O fegundo
Satélite difta do centro de Júpiter <^ femi-
diametros ; e no giro gafta 7, dias , i :^ ho-
ras , i^ minutos e 42 fegundos. O tercei-
ro difta 14 femidiametros , e dous quintos;
gira no cfpaço de 7 dias, ^ horas, 42 mi-
nutos, e ^^ fegundos j ultimamente o quar-
to Satélite difta 25 femidiametros e hura
terço, e revolve- fe á roda de Júpiter em 16
dias, 16 horas, ^2 minutos, e 8 fegundos.
Tom. VI. L £
i6i Recreação Filofofíca
E antes que vós , Eugénio , me pergun-
teis lia íua rotação á rcda dos próprios
eixos 5 e das fuás manchas , c outras cou-
fas mais , que íe não fabem , vamos a Sa-
turno.
SUv. Os criados de Júpiter não merecem
aos Aítronomos tanta attençáo como leu
amo.
7keod, Muita attençáo devem aos All:rono-
mos , e com razão , porque íervem os ieus
cclipícs de dar grandiílima iuz á Geografia;
porem náo podem alcançar os noíTos Telef-'
copios cíTas miudezas.
Eug. Que boas diligencias lhe teráo feito!
§. IV.
De Saturno , e fcu Annel , c Satélites.
Tkeod. Ty Efta-nos Saturno , o ultim.o dos
Jl\ Planetas Primários. A fua ligura
hc bem fora do ordinário , porque he hum
globo mettl-io dentro de hum annel chato ,
c largo ; náo cucro que vós me creais ; dai
credito ros volTos olhos. Fu vo-lo mof-
3. iro Vede-o ( Ejlamp. 2. jig. 9. ) .
9. Eug. Náo ha figura mais eltra vagante : he
huma bola de prata dentro de huma bacia
de prara.
Theod. Náo tendes razáo ; porque náo tem
fundo elTa que chamais bacia : he hum an-
nel foito i c o que vedes por baixo do arniel
hc
Tarde trigejlma prima. i6^
hc o reíiante do globo , ou corpo de Sa-
turno.
Silv. Deixai-me ver ilTo .... A mim parece-
me hum chrípéo de dous ventos .... accom-
modai-me, Theodofio, o Tclefcopio á minha
vifta .... Agora vejo bem : ten ies razão ,
Theodofio ; he hum annel , e mui largo por
comparação da bola ; porque das ilhargas
ficáo dons váos enire a bola e o annel.
Thcod. Ora já que o tendes á vifta , reparai
em varias coulas , que fervem para o noíTo
ponto. Primeiramente no annel não fe lhe
percebe grolTura ■ e bem fe vè que he cha-
to, e lar^o. Além dilTo, por baixo do an-
nel fe ha de ver no corpo âo Planeta numa
como franja efcura , que pende co annel :
reparai bem , Silvio ; e depois Eugénio ie
certincará.
Silv, AlKm hcj também tem fua cinta efcu-
ra. Vede, Eugénio.
£ug. Náo ha dúvida.
Theoí. Náo he cinta de Saturno iíTo que ve-
des; he íbmbra , que faz o annel, e cahc
no corpo de Saturno. Reparai : o annel re-
cebe luz do Sol pela parte de fima ; e por
ilfo o vedes claro como prata ; e aflim deve
fazer fombra para baixo ; e eila parte de
Saturno , que fica encubcrta com o annel ,
havemos de vella efcura , porque lhe náo dá
a luz do Sol. Quando porém o annel rece-
be a luz do Sol pela face debaixo , entáo
fica Saturno do annel para b?.ixo totalmen-
. te claro i mas fobre o annel immediatamente
L ii ap-
164 Recreação Filosófica
apparccc huma como fi ta efcura , que he
a fombra que laz o meíir.o c-nnel \).\X2l fima
( I ) . Neíte caio fica invifivel o annci cá
para nós , porque nos volta a face efcura ,
e não fe pó^e perceber ; c apparecc Sa-
turno como huma bola atraveíTada com nu-
ma faxa negra (EJtamp. 2.Jig. 10. )• Ou-
tras vezes apparece Saturno ícm annel , não
porque o pcrdeííe , mas porque eftá voltado
de modo , que o vemos de topo j e cntáo
fó poderiamios perceber a fua grolTura , Ic
ella folTc feníivel ; mas náo podemos ver
nenhuma das Tuas faces ( 2 ) . E quando o
annel vai mudando de poítura , que come-
çamos a ver huma face delle , parece que
nafcèráo a Saturno duas azas pequeninas, c
faz efta figura , que aqui vos defcnho com
o l^pis {Lftamp. 2. fg. 11.); e quanto
mais fe vai voltando o annel , mais vifivcl
fica , como agora o viftes no Ceo. Advirto
porem que nunca fe volta de todo , para o
vrrmos de chapa.
Eug. DelTe difcurfo fe colhe que o annel hc
da mcfma matéria , e nr.tureza que os ou-
tros Planetas , porque hc cpaco como cUes.
E que vem a fer eífe annel ?
Thcod, A melhor opinião diz que hc huma
mul-
^ 1 ) Ifto fucccde todas a? veres que o plâ-
ro do annel continuado paliaria por entre a
Terra e o Sol.
(2) Ffte fecundo cafo de ficar o annel in-
vifivel , fuccede quando o plano do annel íe •
continuaíTem vifia a dâr na Terra.
Tarde trtgefmia prima, 16^
multidão de Satélites , que em determinada
diftancia de Saturno fe revolvem em luas
orbitas ; os q-aaes ainda que na realidade
náo eftejáo juntos , e tocando huns nos ou-
tros 5 contudo 5 como os vemos de muito
longe , confunde-fe a luz de huns com a
dos outros , e parece huma chapa de prata
continuada.
£ug. Por liTo o annel náo ajufta com o cor-
po de Saturno ; porque os Satélites , ainda
os mais V zinhos , náo háo de roçar pela
fua lupcríicie , mas fcmpre conlervaráó fua
tal ou qual diftancia delia. Porém devem
fer innumeraveis , para occuparcm todo o
eípaço que occupa o annel.
Theod, O Omnipotente quando os crecu ,
táo pouca diiiiculdade tinha cm fozer hum
íó , como em produzir milhões de milhões
de Satélites. Logo trataremos dos cinco Sa-
télites d.ftintos 5 que o aconipanhio cm
maior diftancia ; vamos acabar de tazer exa-
me fobre o corpo de Saturno. O leu diâ-
metro he pouco mais de dez vezes maior-
que o da Terra , e tem dsiS nolTas léguas
(20.8^^) vinte mil , oitocentas e trinta c
ires. A fuperficie he quafi 10:; vezes maior
que a da Terra , e contém ( i •, ^64 : 554.
586) mil, trezentos e íeiTenta e quatro mi-
lhões, quinhentas e cincoenta e quatro mil,
quinhentas e oitenta e íeis léguas quadradas.
Ultimamente comparando o ícu volume
com oda Terra, he 1.050 vezes maior que
o delia. Falta agora dizer o feu pczo. Co-
mo
i6ó Recreação Filofofica
mo tem Satélites , que giráo á roda delíe,
temos meiliodo para ilTo , e íahe o pezo de
Saturno quaíi 107 vezes maior que o da
Terra. Ora fendo Saturno 1. c^c vezes
maior que a Terra no volume , e cxceden-
do-a fó ÍO7 vezes no pezo, bem ie ve que
hc muito menos denlo que a Terra , e af-
fim comparando as duas dcnfidades enirc fi,
vem a íer a Terra quafi lO vezes mais deri-
ía que Saturno. Ifto he no que toca ao cor-
po de Sâiurno , que o annci náo íc pódc
pezar.
Eiig. E icm algumas manchas fora a líbmbra
do anncl?
Theod. Eu náo lhas vi ainda ; porém , com.o
já vos óiiTc , náo me admiro , porque náo
hc dos melhores o meu Tekícopio , pofto
que grande. CaíHno lhe vio três taxas; po-
rém a do m.eio era láo dcbil , que íó com
hum Tclcfcopio de 171 palmos a podia
ver.
Silv. He enorme grandeza de Telefcopio.
Theod. Tudo he preciío para as nofíps cbfer-
vaçóes i e ainca r.ll m quando nfo chega-
mos a ver, acccmacdamo-nos i enáo aven-
turamos o noíTo difcurlo meramente fobre
a imaginação , como í ziáo os FjJolofos al-
gum dia 5 que alTentaváo que o m.eímo era
reprcfentar-íe-lhes huma couia na íua idéa ,
que lo^o fer aílim na realidade. Ifto digo
eu, até contra muitos Moderros j náo he fó
contra os voíTos Peripc^teticos.
Silv, Vamos a fabcr que djíiancia tem Sa-
lur-
Tarde trtgefima prima, 167
turno do Sol , que he o que agora nos im-
porta.
Theod. A fua diílancia media sáo (2^1. 57^^ )
duzentos e trinta e hum mil , quinhentos e
íerenta e féis iemidiameiros da Terra ; e
reduzindo eíta dii^ancia toda a léguas r.of-
ías 5 sáo ( 2 ^8 : 75c. 242 ) duzentos e trinta
e oito milhões , íetecentas e cincoenta e
cinco mil 5 duzentas e quarenta e duas lé-
guas. Ifto he íallando da diirancia media.
Agora p2ra fr. herdes quanto elia creíce ou
dirrinue , he prcciío faber a excentricidade.
Vale pois a excentricidade 12. 917 íemi-
diametros , que reduzidos a ieguss , sâo
( i^ : ^17. (316) treze milhccs , trezentas e
dezefete mil , íeiscentas e viezeíeis leguí-.s ;
c por confeguinre Saturno difta do Sol na
menor diílancia (22^:4:57. 626) duzentos
e vinte e cinco milhões , quaiiocenias e
- trinta e iere mil , Íeiscentas e vinte e féis
léguas j ena maior diftancia ( 252 : C72. 858)
duzentos e cincoenta e deus milKóes , e
íeienra e duas mil , oitocentas e cincoenta
e oito léguas. Eíla he a diihncia de Satur-
no ao Sc!.
£ug. E quanto difta da Terra ?
Thecd. Já fabeis que havemos de coníiderar
- Saturno em dous pontos. No ponto m^ais
difíanie lá além òo Sol, que he na corjur-
çáo com elle , e íuccede quando Saiurno
naíce com o Sol , e com o Sol le póc ,
2qui ditta mu to de nós ; porque sáo
(263:783. 651 ) duzentos e felTenra e três
mi-
i68 Recreação Filofofca
milhões , fetecentas e oitenta e três mil,
fciscentas e cincornta e huma léguas. Po-
rém no ponto da fua oppofiçáo fónnente dif-
ta de nós ( 2 1 ^ ; 626. 8 ^ O duzentos e treze
miihóes , íeiscentas e vinte e íeis mil , oi-
io:entas e trinta c três léguas. Tendes to-
mado ícntido no modo de contar?
Eu^. He accrefcentar 5 ou tirar da fua diftan-
cia med a a diLkncia de nós ao So!.
Theod. Ilío hc. Vamos agora ao tempo do
íeu período. Gafta pois Saturno 10. 749
dias, 7 horas, 21 minutos, e 50 fegundos ,
que reduzidos a annos , fazem 29 annos,
157 dias, 6 horas, 48 minutes e 5 Icgun-
dos. A femelhíinça e analogia com os outros
Planetas dá fundamento para fe íufpeitar,
que elle tambcm fc m.overá á roda do ícu
eixo j mas náo ha obfervaçáo que o prove.
A fua orhira tem a rcfpeito da Eclitica 2
^raos de inclinação ;o minutos e 20 legun-
dos.
Eu^ Faltáo-nos os 5 Satélites.
Theod. Todos tem fuás particulares diftan-
cias j e á proporção , diverfos temipos de
período ou giro. O primeiro e mais chega-
do a Saturno difta dclle , ou , para fallar
em rigor , dilla do centro de S^^turno qua-
íi dous íemidiameíros do annel ( i )• Faz
o fcu giro em I dia , 21 horas , 18 mi-
nutos e 27 fcgundos. O fegundo Satélite
dif-
(1)0 primeiro Sare^te diRa do centro de
Saturno fcmidiamstros ' fj
Tarde trJgefima prima, 169
diíla 2 femidiamctros e rr.ero , gaita em
^irar 2 dias , 17 horas , 44 miiTutos e 22
ícgundos. O terceiro difta ^ íemidiametros
c meio ; o leu per.oJo he de 4 dias , 12
horas , i^ minutos e 12 fecundos. Repa-
rai que os mais diftantes ícmpre gaftáo
mais tempo , íemelhantcmcnte ao que fa-
zem os Planetas grandes á roda do Sol. O
quarto Saielue diíía 8 femidiametros ; e re-
volve-fe á rcda de Saturno em 15 dias ,
22 horas , ^4 minutos q '\^ fegundos. A
diítancia do quinto he de 2^ femidiame-
tros ; e a fua volta confome 79 dias , 7
horas e 47 minutos. Segucm-íe agora os
Cometas : aqui havemos de ter pendência,
amigo Silvio.
§. V.
Dos Cometas , e Juas orbitas,
Silv. C E a voíTa doutrina for oppofta á
O qae eu eíludei , forçofamente hei
de duvidar delia , até que a razão me con-
vença. Já eu vejo que vós nso fois da opi-
nião de Ariftoteies íobre os Cometas. Elle
diz , que náo sáo outra coufa m.ais que ex-
halaçôes fulfureas , as quaes , fubincio da
Terra , fe accendem , e accezas duráo em
quanto fe náo confomem. Até aqui eu cita-
va nefta opinião ; e náo me apartarei del-
ia y fenáo por força da razáo , pela venera-
ção
170 Recreação Filofofica
çáo cjoe fc deve a hum táo grande homem ,
e Meítre do mundo toio.
Thcod. De opinião femelhanre , pofto que
com algum.a diverfidade, foráo outros gran-
des homens , ainda que nào lograrão cíTe
honoritico e tingido tirulo , que dais a A-
riftotele?. Hcvdio e Argolo querem que os
Cometas Jcjáo vapores e exhalaçóes dos Pla-
netas ; outros dizem que sso procucções da
região etérea ; e o grande Keplero he dei-
ta opinião ; e me admiro de que hum táo
grande Aílronomo como Keplero , feja tão
pouco digno de artcnçáo em difcur'© pura-
mente ívíico. Oiirros dizem que o Cometa
. he huma nuvem mui alta c iíiuminada pe-
lo Sol ; outros feguem opiniões divcrias :
porém hoje , creio eu , que nenhum Fiio-
fofo , que tenha nome , tal feguirá ; por
quanto aos antigos faltarão-ihes as obler-
vaçccs que nós hoje temos ; particularmen-
te as do anno de §(^ para cá , que tirarão ,
quanto a mim , toda a dúvida nefta m.a-
* teria.
Sílv. Pois porque não feguiremos algum òc[-
fes grandes Homens í
Theod. Prim.eir.imente os Cometas não po-
dem Ter exialaçócs da Terra ; porque eftas
- exh dações não fobem fenão pelo sr , obri-
gadas òo maior pezo delle; e ainda que vós
as vejais lá no Ceo correr a modo de hu-
ma Eftrella que c-ihe , tudo ilTo fe fórtna
' mui perto de nó?. Aflim como o arco íris
• parece pintado no Ceo , e fe forma nns
pix-^-
l
Tarãe trigefnna prima. 171
ingás da chuva , que ás vezes cahem de
iuma nuvem bem baixa. Portanto náo po-
dem os vapores da Terra íubir , nem á
íiliura da Lua , (Quanto mais á altura dos
Cometas , que ás vezes he muito maior
que a do Sol. Além de que , quando os
Cometas palTaíTem por junto do Sol , co-
mo v. g, o Cometa do anno de 1680 , que
chegou ao Sol tanto , cue diftava àtWt a
iexta parte do diâmetro do Sol , que calor
ráo h;ivia de experiment:;r ahi r e con^.o íe
náo haviáo de dillípar eíTes vapores ? Ne\{'-
ton calculando peio calor , que nós expe-
rimentamos na força do veráo , eftamlo
cá láo longe do Sol , o calor que eiTe Co-
meta experimentaria , táo peito delie , jul-
ga que iciia 2 . cco vezes maior qce o de
hcm faro em braza : e corro He crivei que
táo aòlivo cílor náo diiiipp-ffe efíes vapores ,
no cafo que (como dizeis) os Cometas fof-
íem meros vrpnres da Terra? O mefmo di-
go contra a opinião dos que querem que
íejáo vapores dos outros Planetas , ou nu-
vens ailurr.ic:da9 pelo SoL Nós obíervamos ,
que os Com.etas ciuráo muitos tem.pos.
O célebre Com.eta de 59 durou 6 miezcs,
e ainda m.ais : e como he crivei que du-
raíTcm tanto tempo as exhaiaçóes accezas ?
Pcrém ainda hr muito mais forte razáo
para dffprcZcir íodas eilas opiniões velhas,
confiderar que todos cftes corpos cafual-
mente accezcs , e iiluminados náo pode-
riáo íeguir carreira regular e confiante ,
CO-
lyz Recreação Filoj^jfica
como hoje fabemos que fegucm os Come-
tas. A razáo , por que táo ^rnndes Homens
errarão nelb matcria , era porque íe pcr-
íuadiáo que os Cometas tinháo rr.ovimen-
to irregular e vagabundo : appareciáo-lhes
de repente , c paliado tempo deíappareciáo ;
corriáo muito depreíTa huns , muito de va-
gar outros ; e ainda os m.efmos , ora de-
preíTa , ora de vagar , não íeguião a vizi-
nhança de eciiiica , como os Planetas , e
por ilío todos bufcaváo cauía tcmbem er-
rante , contingente , e dcfordcnada ; como
são vapores , nuvens , conjunção de rftrel-
Jas , Scc. Porém depois que o Gran.-^c Caf-
fino 5 Halco , VÀjihon , c outros Aftrono-
mos lhes foráo feguindo os pálios , e co-
mo riícando no Ceo o caminho , que ellcs
feguiáo , e haviào de fe^uir para o futu-
ro , concordarão os Filofofos , que clles são
Planetas como os outros , mas que fe mo-
vem cm elifes muito mais excêntricas ( i ).
Já defta opinião tinháo fido alguns dos an-
tigos Pythagoricos , como lem^os cm Plutar-
co , Apollomo Mindto , a quem na Altro-
nomia louva muito Séneca. O mefmo Sc-
ne-
(i) Alsjuns querem que a linha que def-
crevem os Cometas , fíja não ellle , iras pa'
rafifilj : pnrcin affim como a elife pouco ex-
cêntrica Te confunde com o circulo, alTim a eli-
fe fummsmente excêntrica le equivoca cojn a
parahflla '■ e fesiinHo a<? le s da. attraccão , diz o
GraveUnde num. p^f.. que não podem os Pla-
netas leguir outra linha lenão a eiipiica.
Tarde trigerima prima, 173
neca ( i ) claramente a feguc , c fe atre-
veo a profeiizar o qne hoje vemos ; dizen-
do que algum tempo h:\veria quem pudelTc
feguir os pdlTos aos Cometas , e obícrvar-
Ihes os caminhos. AL.s qu?m pez cm toda
a íua luz cíl.^ opinião foráo Cajjino , New-
ton , Bernouille , Haleo , c outros infignes
Aftro lomos e Fyíicos.
Silv, E que fundamento tem eíTa opinião?
Theod. São de duas efpecies , huns negati-
vos , outros poHtivos : porque , não fendo
os Cometas cxhalaçórs da Terra , nem dos
Planetas , nem colíecçáo de Eftrellas , ou
outra coufa deite género , que ora fe for-
ma , ora fe dcfmancha , como já provei que
não podia fer , fegue-fe neceiTariamente ,
que são corpos perpétuos , que durão e fo-
ráo creados com os demais Aftros no prin-
cipio do mundo ; e ora fe fazem vifiveis ,
ora invifiveis pela diverfa diftancia em que
nos apparecem. Eftc he o que eu chamo
argumento negativo. Além defte ha argu-
mentos pofitivos que nos perfuadem. Os
Cometas , fegundo as obfervaçóes dos Mo-
dernos , feguem humas linhas em quanto
fe vem , que sáo porções de elifes ; e fó
diííerem dos Planetas , em que sáo muito
eftrcitas e compridas : também fe obferva ,
Gue quando começáo a appareccr , cada vez
ie tazem mais vifiveis ; e que pelo contra-
rio , quando delapparecem , náo he de re-
pen-
CO Lib. 7. das qucílóes naturaes tap, <.
« 17.
174 Recreação Filofojíca
pente , mas pouco a pouco Tc fazem me-
nos vifiveis ; de forte que quando já com a
fimplcs viíb. íe não vem , ainda alguns dias
fe obferváo com os Teiefcopios , como nos
aconteceo nefte celebrndiílimo Cometa de
Sih. O Cometa , que apparcceo no íinno
de ij6q , appareceo logo de repente mui
c;r?.nde.
Theod. A primeira vez que o vio quem pu-
delTe dar razão delle , íim era já mui gran-
de e vifivel j porém muitas outras noites
antes fe havia de poder ver ; e ou o tem.-
po nublado , ou a inadvertência fez que
o não vilTe Filofofo algum , que pudeíTe
dar razáo delle. \^ós bem fabeis que o vul-
go , quando os Cometas náo sáo mui gran-
des , nem fórmáo cauda , reputáo-nos por
EftreUas efcuras : e manifeílamcme fe pro-
va iífo nefie mcfmo Cometa de 6o , porque
em toda a França , Inglaterra , HoUanda
náo houve quem o viíTe Icnáo de 8 , e 9
de Janeiro por diante ; c já cá cm Lisboa
o Padre Chevalier do Oratório , Sócio de
Londres , c Correfpondentc da Academia
de Paris , o tinha obfcrvado no CoHegio
das Necelíidades ; porque a 7 delTc mcz me
convidou a vello , e o cttive obfervando.
ElTe dia foi o primeiro , cm que foi obfcr-
vado ; nem até ao prefente me confta que
foffe em alguma outra paitc antecedente-
mente obfcrvado. Appareceo na conftella-
çáo da Nao Argos , e parecia maior que
hw-
Tarde trige/lma prima. i'^f
huma Eftrella da primeira grandeza : náo
tinha cauda ; nem cntáo a podia ter , por-
que eítava em opporiçáo com o Sol , ifto
hc 5 por linha reíia ficávamos nós entre o
Sol c o Cometa. NeiTe dia a cauda íe ha-
via de eíkndcr lá para fmia do Cometa ,
cncubrindo-a o feu mefmo corpo , como
logo vos direi , fallando das fuás caudas.
Durou 16 dias a íua obfervaçáo aqui cm
Lisboa ; e o que a mim me admirou gran-
demente foi a velocidade inexplicável do leu
movimento próprio : era retrogrado , e na
primeira noiíe corria mais de hum gráo em
cada hora ; nos dias feguintes foi abrandan-
do a fúria da fua carreira ; mas fem.pre cor-
reo neftes dias em longitude 9:, 2,rios pelos
fignos de Leão , Cancro , Gémeos , e Touro ,
que he mais da quarta parte do Ceo. Di-
zci-m.e agora : Aííim como eftando nós ob-
fervando-o em Lisboa , e elle muiro paten-
te no miCio do Ceo , ninguém o obfervou
noutra parte, que muito he que alguns dias
antes eile cítiv iTe no Ceo mui vifiveí , e
náo o viíTe ninguém. , que pudeíTe diftin-
guillo das outras Eftrellas ?
£ug. Eu tenho vifto alguns Com.eras fem
cauda , que antes de mo dizerem peíToas
entendidas , eu reputava por eftrellas ; e
vendo o Cometa , o andava bufcando por
todo o Ceo , e dizia que o náo achava.
Thecd. líTo fuccede commummente a quem
náo tem experiência da obfervaçáo dcfíes
Aftros. Mas continuando os fundamentos
que
176 Recreação Filofofica
que prováo a noíTa opiniáo , o que a deixou
firmiííimamenre eíèiíbelccida , he cíle. Se
os Cometas sáo Aftros creados no principio
do mundo juntamente com os PLinetAs ,
e fó fe fazem vifiveis pela menor dillan-
cia da Terra , devem ter fua orbita cer-
ca , pela cjual fe mováo , e por iiTo háo de
gaftar tempo determin.iJ.o em cada volta;
e d'aqui feguia fe que com determinado
intervalo de tempo , o meímo Cometa de-
via apparecer varias vezes. Se íílo fucceder
aílim , quem poderá duvidar que sáo os
Cometas liuns Planetas como os outros ,
pois fazem as fuás revoluções em tempos
certos ?
Súv* Porém náo he aíTim , porque os Come-
tas apparecem quando fe náo efperáo j nem
ha cálculos para elles , aílim como os ha
para o movimenio dos Plane[a<:.
Theod. Socegai hum pouco. Como as revo-
luções dos Cometas sáo mui vagarofas ,
por comparação dos Pianetas , náo podem
os fcus movimentos fer láo exaólamente
obfervados : porém illo náo obftante , al-
guns períodos fe tem conhecido ; e do mef-
mo Cometa fe contáo varias apparições com
iniervnllos iguacs. O Grande H.tleo já no
feu tempo lem a minima dúvida artirma-
va , que o Cometa do anno de 15^1 , ob-
íervado por Jpiano , era o mefmo que 76
annos depois appareceo em \6cj , e obfer-
váráo Keplero e Lougo^wnrano , e que tor-
nou outra vez a ler viífo em 1682 , com
in-
Tarde trigejlma primei, -inj
imervallo de 75 annos ( i ) ' ^ P°^ ^^^ <^^'^^-
culo íe efperava no aiino de 1757 , o.j no
feguinte de 58 , porqae dos dous períodos,
que fe cinhão oDlcrvado , hum era de 76 ,
ouiro de 75 annos , fendo a dilferença mui
pouca , e podendo nafcer de alguma cau-
ía acci dental. Ella cíperança tinha alvoro-
çado a todos os Aíèronomos \ e os melho-
res , com NcNxton e os mais entendidos
Filofofos , nada duvidarão deíla Aftrono-
mica profecia : chegou o anno de 57 , e
náo appareceo o Comera. Mr. Qai^ant^
infigne Geometra e Membro da Accdcmia
de Paris , por efte tempo publicou huma
Memoria , pela qual dilatava hum pouco
inais a apparição do Cometa , formando o
calculo com infinito trabalho , attenJcndo
á retardaçáo , que na paíTagem lhe podiáo
caufar Jupirer e Saturno , por caufa da mu-
tua attracção , que fe conhece entre todos
os corpos Celeftes. Eíla attracçáo nem cm
todos os períodos pôde fer a mefma , por-
que nem fempre o Cometa paila na rrjef-
ma diíbncia, nem na mefma poíiçáo a ref-
peito deíles Planetas ; e eíla talvez folTe
a caufa da pequena diíFerença , que fe acha
entre os outros dous períodos. Conforme
o calculo à^^Kç. Grande Homem , o Co-
meta náo devia apparecer antes de 59 , ha-
vendo de fer o feu perihclio , ou maict
proximidade do Sol em Abril defte anno.
Tom. VI. M Com
( 1 ) Cometoçraphia , que vem nas Tcansac-
■ çCes Filofoíicas do anno 1705.
178 Recreação Filofofica
Com efFeito paíTou todo o anno de 58 fem
que os AftronorriCs tivcíTem noticia do Co-
meta efperddo : e já alguns, (]uc ignoraváo
os folidos fundamentos delía profecia , ti-
tubeaváo na fua fé. Appareceo em lim no
Janeiro de ^9 a 2 1 do mez ; e foi defcu-
berto por Mr. AíaJJíer Aftronomo , e diíci-
pulo de Mr. De Lisle , que conforme os
cálculos de feu Meílre , o bufcíiva cada
noite naquella parte do Ceo , em que de-
via apparccer. Depois conftou que na Sa-
xonia o tinha já vifto hum homem do cam-
po em 25 de Dezembro do anno preceden-
te j pí^ra mais completo creiito da profecia
dos y^íhonomos , que o daváo em 58. Mr.
Mãjfícr o continuou a obfervar até o dia
14 de Fevereiro , e deíTe dia por diante fe
náo pode ver , porque apparecia , fegundo
a noiía vifta , muito perto do Sol , e os
feus raios o con fundi áo. Mas como efpc-
raváo , que aíFaílando-fe mais delle com o
movimento que levava , fe deixaria ver de
madrugada dalli a alguns dias , Mr. De
JLisle , fuppondo fer o mcfmo Cometa pro-
fetizado j fez o fcu calculo , e foi como
rifcando no Ceo o caminho que devia fe-
guir 5 quando rornafTe a fer viílo. Appare-
ceo em fim outra vez no primeiro de Abril,
e já nós o tinhamos cá vifto em Lisboa
no fim de Março : era de grandeza tal ,
que ie deixava perceber por qualquer. En-
tão Mr. De Lide publicou o feu calcu-
lo , c táo íeguro eíiava deile , que o foi
prc-
Tarde trtgeCima prima, 179
' prefentar a ElRei C':iriftianiíIimo em Verfa-
Ihes , moftrando depois as obfervaçóes , ^uc
o Comera hia obedecendo ás Leis dos Af-
tronomos. Nós em Lisboa tivemos o goílo
de o obfervar até o dia 22 de Abrrl , quan-
do em Paris , por ficar mais ao Norte , o
náo puderáo ver fenào até o dia 17. A cau-
fa por que àz 11 por diante o náo pudemos
ver 5 foi o caminhar m.ui:o para o pólo do
Sul , de forte que náo fahia aflima do Ho-
rizonte ; allim como náo fahem as Ellrel*
las , que ficáo junto deííe pólo. Porém com
o feu movimento próprio veio outra vez
caminhando cá para o noíTo pólo, e o tor-
námos a ver á noite em Lisboa a 28 de
Abril , e em Paris a 29. Lá continuou a
fer vifto até 9 de Junho ; porém em Lis-
boa o Padre Chevilier do Oratório , com
outros Padres no Coilegio das Neceílidades ,
o obfcrváráo exaclamente até o dia 22 do
meímo mez ; e ultimamente defappareceo,
fendo nos últimos dias quafi imperceptível.
Não me confia que ouiro algum Aftrono-
mo tive'Te a felicidade de prolorgar ranta
a fua obfervação , nem que depois deíle
dia foíTe vifto em parte alguma. O feu
movimento era retrogrado , e conreo os
Signos de Pijcis , Aquário , Capricórnio y
Sagittario , Scorpio , Libra , e Firgo, O feu
perihelio , ou maior vizinhança do Sol , foi
em Março , antes que fegunda vez íoíTe
viílo.
Silv* Se neíTe tempo níngucm o obfervou,
M ii CO-
i8o Recreação FtJcfrJica
COTIO dizeis que criáj he cjue clle fc cKc-
gon iT.dis ao Sol '.
Theod. Náo vC'Jcs que pelas oblervaçóes ,
antes c depois deíTe tempo , fe \ò1q ir rif-
candtJ -peio Ceo o caminho que cile fez 1
Ella linha era curva , e porção de eliíc , e
aliim ie conhece o caminho aue ievou a^n-
da nos intervallos , cm que íc não deixava
ver ; porqLie nio havia de anJar faltando
de numa parte para a outra , mas havia de
levar a fua carreira fcguida, Combmando
agora os Aítronomos a orbita dcfte Come-
ta com as dos que apparecèráo em 1682,
16C7, e 15^1, acharão que era o meímoj
c aííim concordaváo os feus movimentos;
como também a inclinação a rclpcito da
cciicica 5 lendo os meímos Nos ou cncru-
famentos com ella ; e que emtim era a
meima velocidade. Tudo ifto com a igual-
dade dos pcriodos , prova inncgavelmente
que he o mefmo Cometa , c que varias
vezes nos tem vifjtado. E daqui ie intc-
le , que cambem cíle foi o Comera , que
anieccdc-nrcmcnte tinha apparecido em 1456,
fendo eíia agora já a quinta appDriçáo ob-
fervada. Aqui trndes o fundamento , que
tirou os efcTupulos , que até aqui podíáo
embíra^^r a al^rns , para crer que os Co-
metas sáo Attros creados no principio do
mundo i pois já fe podem calcular os feus
movimentos , como o dos outros Aftros.
Só tem hum a grande d;ííiculdade , e vem
a fer , que como sáo mui vagarofcs os
íeus
Tarde trígefima prima, iSi
feus períodos , sáo preciTos fecuios , para
que as repetidas obícrvaçóes de xhum mef-
mo Cometa ros dem luz para lhe progncf-
licar as fuás futuras appariçces. Forem já
agora com outra luz le báo de intentar ei-
ras emprezas. Suppoíro ilto , prudenterren-
le Te pôde crer que ( conrcrme o ceixou
dito Caííino ) o Ccmcta do anno de 1680,
tan bem célebre pela íua incrível vizinhan-
ça do Sol , foi o mefmo que fe vio no
anno de I577 , tendo de periodo 10:5 ?n-
nos. Semelhantemente o do anno c.e i6<;,8
fe crê fer o meimo òo anno 1652 ; com.o
também , que o do anno de 17C2 feria o
mcfmo que foi \ú\o em 1(^68 com periodo
de ^4 annos. E \Y iíthon íe atreve a aiiir-
mar que todos os Cometas , que apparecè-
ráo deície o anno de n^7 até i^í^B, tinháo
outra vez voltado , depois de correrem as
fuás orbitas.
Silv. Depois deíTas obíervaçóes , confelTo
que bom fundí.mjento ha para crer que os
Comeras sáo ARros crca los no principio do
mundo j porém como os Amigos nâo as ti-
nháo, não he de admirar que Icguiííem ou-
tras opiniões.
Theod. Os Modernos fe tem adiantado ãc
tal forma pelas fuás obfervaçôes , que Caf-
fino fe atreveo a deícrever pelo Cco outro
Zodíaco para os Cometas; aílim. como para
o movimenío de todos os Planetas ha o Zo-
díaco dos doze íignos ■■, porque ajuntando
todas as obfervaçôes que pude , conhcceo
que
181 Recreação Filofofica
Íjue todos os Cometas nos fcus movimenros
e continháo dentro dos limites defta Zona,
que comprehende as fe^u'n es conltellaçóes :
Antinoo , Pegazo , yítidromeda , Touro,
Orion , Porcioti , Hldron , Centauro , Lfcor-
pio , ^rco ^e Sãgittario. E p^ra que em tu-
úo le allemelhem aos Planetas , fabei que
também nas luas orbitas correm eípaços
i^uacs em tempos iguacs ; e por ilío no pe-
rihtlio hc fumma a lua velocidade ; proprie-
dade commua a todos os Pianctas , como
vos explicarei a feu tempo.
£ug. Suppofto ifto , também havemos de
crer que os Cometas sáo corpos opacos , e
que toda a luz que tem , he do Sol , que
nelles refleòk , como dilTcítcs dos Planetas.
Theod. Inferis bem , nfo obftante a grande
diíFerença que tem a fua luz , a qual hc
mais embaciada òo que a dos Planetas ; o
que eu atcribuo á grande copia de fumo
que fe exhala do Cometa por toda a parte,
como lo2;o vos direi.
JEug. Daqui por diante já nos não andarão
alfuftando com os Cometas. Se elles sáo
Aíhos , que feguem as fuás carreiras conf-
tantcmenre , que tem cites cá comnofco j
ou como podem fcr finaes de calamidades
futuras ?
§. VI.
Tarde trigefima prima, 183
§. VI.
Da fgura dos Cometas , e efeitos que po-
dem caufar,
Theod, /^ Vulgo , que he quem fe adufta
\J com os Cometas , náo he Filofo-
fo , nem efpera as appariçóes deftes Af-
tros : a novidade que trazem comfi^o , e o
iníolito das fuás figuras por cauía das cau-
das, juntando-fe com a preoccupaçâo geral
e antiquiílima de que os aílros influem nos
acontecimentos, ainda naquelles que depen-
dem da noíTa vontade livre, sáo cauía dcíle
terror no povo , o qual fempre eftá prom-
pto a temer tudo quanto dizem que he para
ilTo.
Sílv. Vós não podeis negar que os Come-
tas appareccndo humas vezes com feme-
Ihança de cfpadas de fogo , outras vezes
com cor fanguinolenta , dão indicies de fu-
turas guerras e defgraças.
Thecd. Náo ha coufa mais enganadora , Sil-
vio , que os olhos do povo atemorizado;
vè tudo quanto fe lhe repreíenta na imagi-
nação , c cm hum levantando a voz , todos
os mais dizem logo que vem. Não ha figu-
ras de efpadas , nem batalhas , e pen.kncias
no Ceoj os Cometas todos sáo fcnfivclmen-
le redondos como os Planetas , pofío que
as caudas tomem diverfas figuras. As cau-
das
í84 Recreação Tilofojica
das dos Cometas náo sáo ouira coufa {ç^^
náo hum fumo ou vapor , aue íahc do
corpo do meín.o Cometa , por caufa do
calor do Sol. Efta he a opniào de Newion ,
e a mais veroílmiil : vede efta eílampa
ÇEjl.imp. 2. fig. 12.) , em que eftáo deli-
neadas as orbitas do^ Planetas , e também
de ai^uns Cornetps. Dos Planetas fallarei a
feu tempo , vamos a^ora aos Conterás. ]á
vedes como as luas crbitns sáo com.pridas ,
nafccndo daqui o perdellos de vifla , quan-
do andáo la por íima' , c apparecerem ,
quando le chegáo mais a nós. Vamos ago-
ra ás caudís. Primeiram.enie em quanto o
Cometa eltá mui ciíhnte do Sol , náo
fe lhe vè cauda , porque náo ha calor baf-
tan:e para h.zer exhalar o fumo ; porém á
proporção que o Cometa fe vem chegan-
do ao Sol , lhe vai crefcendo a cauda , co-
nio vedes cm a c b ; ce ícrre que ncs dias
prcximios depois do feu perihclio , então
coíluma fer maior que nunca , com.o ye-
dçs em c , pelo grande ca'or do Cometa ,
Crfuf^.do pela vizinhança do Sol , cahindo
ja 1< bre o calor , que no periheho tinha
recebido. Pela mcfma razáo vai diminuin-
do a cauJa , á proporção que o Conjcta
fe vai retirando do Sol , porque vai fen-
do m:nor o calor. Eu bem fei que ha ou-
tras cUHs cpinices patrocinadas por bons
Auihores : huma diz, que a cauiia do Co-
meta he ic fracção da luz do Sol paíTan-
do peio Ccmieta , cu fua atmosíera ; ou-
tra
Tarde trigefima prima, 185'
tra fegue que he refracçáo da luz do Co-
mera airaveiíando o efpaço do Ceo , e vin-
do para os noíTcs olhos ; porém quanco a
mim nenhuma fe pôde luilcntar. A primei-
ra 5 que he de Apiano , náo me parece ver-
dadeira , porque nada importa que a luz do
Sol quebre na atmosfera do Cometa , íe
depois de afíim quebrada náo achaíTe cor-
po donde refieòiilTe para nós : fem iílo ,
iicava inv íjvel , nem nós veríamos as cau-
das Jos Cometam A fegunda opinião , que
he de De^-CartvS , também náo fe pôde
defender j porque nem a cauda fe m.ud jria
de huma parte para a outra , nem a luz
das eftrellas , que paíía pelo mcímo meio
que a dos Cometas , poderia chegar a nós
íem a mefma refracçáo , e cada cftrella
formiaria a íua cauda : pelo que a opinião
miais ícguida he a que já dilíe.
Súv. Tenho contra iíTo , que he impoflivel
lançar o Cometa tanta quantidade de fu-
mo , que poíTa occupar todo eíTe efpaço
dos Ceos , por onde vemos que le eftende
a íua cauda.
Theod. Eu náo eftou bem lembrado fe já
vos expliquei a quaíi infinita divifibilidade
da matéria j e com.o pode huma mui pe-
quena porção de matéria folida , quando
fe refoivc em vapor , occupar hum elpaço
immenfo. Huma gota de agua , quando íe
refolve em vapor quente , occupa hum ef-
paço quaiorze mil vezes maior do que cc-
cupava d'antes ; e todo o mundo obferva
que
i86 Recreação Filofofica
que Iiuma pequena cortiça lançada nas bra-
2as enche de turno huma cafa , padecendo
pouca diminuição no feu pezo.
Eug. Quando tallaftes do cheiro , que os
corpos exhaiaváo de fi , e logo no principio
quando fallaíles da divifibilidade da maté-
ria , então nos explicaftes ilTo.
TIxod, Suppoíto illo , náo deveis admirar-vos
de que o Cometa com a força do calor
exhale de fi fumo baftante para formar a
cauda que nelle vemos. X^^crdadc he que
alguns a eftendem tanto , que occupâo hu-
ma grande parte do Ceo. A cauda do Co-
meta de 1680 occupava a terça , ou quar-
ta parte do Ceo , mas caufa tinha baftante
para cfta prodigiofa extensão no cr.Ior in-
teníiflimo , que experimentou no pcrihcliOy
porque fó diftou do Sol a fexta parte do
diâmetro folar : vede que calor feria efte,
e quanto fumo fahiria do Cometa todo ar-
dendo , e pofto cm viva braza , como he
força que fuccedeíTe então !
Silv. Sendo elle tão grande como a Terra,
e talvez ainda maior , muito havia de cuf-
tar a por em braza.
Theod, Se o calor do Sol , juntando -o pelo
efpelho uftorio , he capaz de pôr em braza
hum terro ; lá tão perto , como não derre-
teria e reduziria a matéria vitrificada todo
o Cometa. Ne\(ton dá-lhe hum calor duas
mil vezes maior que o de hum ferro cm
braza ; e que gaftaria muitos annos para fe
estriar , formando o calculo febre o tem-
po
Tarde trjgefima prima. 187
po Gue gafta para perder o calor huma ba-
la de ferro pcfta cm braza.
íí/Vv. Sendo ilTo alíim , o Cometa havia de
ficar confideravelmenie menor , perdendo
tão grande porção da fua fubfíancia.
Tbeod. He certo que toda a miateria , que fe
evapora , fahe fora do Cometa ; mas tal-
vez que com a força da gravidade ou at-
iracçáo , ttrne a cahir fobre o mefmo Co-
meta , quando estridr : aíiim como o fumo,
e vapores que fahem da Terra , pi^íTado
tempo por força da gravidade ou attracçáo ,
tornão a vir para a meíma Terra. Além
de que , como os Cometas fazem as luas
vificas ao Sol de muitos em muitos annos ;
depois que foráo produzidos náo terão fei-
to muitas deftas vifiias , e náo feráo mui
frequentes as perdas da fua fubftancip. Por
outra parte a oiftancia em que andáo , c
a luz tufca e confufa que coílumáo ter,
os livra de que fe obfervem bem os feus
diâmetros verdadeiros , fem efcrupulo de
que parte da atmosfera , que os rocea ,
que também he allumiada pelo Sol , feja
reputada por corpo do Cometa ; e aflim
náo podemos certificar-nos da fua diminui-
ção. Accrefcc que raras vezes terá aconteci-
do que o mefmo obfervador obferve o mief-
mo Cometa cm dous periodos ou voltas;
o que feria mui conducente para fe certi-
ficar da fua diminuição. Mas eu nenhu-
ma dúvida tenho que alguma fera , fe pe-
la lei da gravidade náo tornarem os vapo-
res
l88 Recreação Tilofofica
res frios para o Cometa , como fuccede na
Terra.
Eug. Se eilcs fe chej^afTcm de mais perto ,
' oa fe viíTem mais a miúdo, os Artrono-
rr.os nos certifi.ariáo fe elles diminuiáo no
ícu volume , ou náo. Mas elTa cauda al-
gumas vezes a ha, c náo a vemos, fegun-
do vós dilTeites ha pouco à<ò Comeia do
anno de 6o ( i ). Tomara fabe.r porque luc-
, cede ilío.
Theod. A cauda dos Com^r-tas fem.pre fe di-
rige para a parte contraria do Sol : de for-
te , cue fe o Sol fica de hum lado , a ciu-
da do Comera vai para o ovuro. Elta di-
recção dà caudii do Comera tem dado mui-
to que cuidar aos Fiiofobs. Ne>oc'ton fe-
guindo a opiniáo que he fumo, exphca ef-
ta direcção por clle miodo (2). ÂJJim co-
mo tio nrffo ar o fumo de qualquer corpo ,
que arde , Ço^e pa''a (ima , ou perpendicular-
7}:cme , fe o corpo eflâ quieto , ou obliquamen-
te , fe o corpo Je iwve para a ilharga ; af-
fvni Juccede tws Ceos , onde os corpos pczao
p ira o Sol , e por elfa razão o fumo e vapo-
res devem fuoir do Sul pa'a fima ; e iffo ou
perpendicularmente , fe o corpo que jumegx
cjtã qreo ; (u cbliquamente , fe efe corpo
vai anda ido para a ilharga , e deixando
fempre o lus^ar donde tinbão fubido as partes
do vapor que jÁ ejião mais alias. Ejta obli-
qui-
( O Paíí. 17 5-
(-; Lib. 5. ó?. Aftronom. Phyílc. Se<íl. i.
Prop. 4.
Tarde trigeftma prima. 1S9
quidf.de ( accrefcenta Newton ^ fera menor ,
quando a fubida dos vapores for mais r.ípi-
da , como v. g. em mencr dijtancia do Sol ,
€ junto ao corpo que fumegi, EGiã explica-
ção tem grande nobreza , e concorda com
o ^ue todos vemos cá na Terra ■■, porqae
hum archote , por exerrplo j eítando para-
do lança o fumo direi*o para fima , que he
a parte oppofta á Terra , para a qual todos
os corpos terreítrcs pezáo j e fe vai an-
dando 5 lança o fumo para íima , mas íam-
bcm para a ilharga , formando huma linha
obliqua : concorda também com o que ve-
mos nas caud-s dos Com.eras, as quaes não
váo pela linha rcdla , que defde o Sol paf-
fe pelo Cometa , e atraveíTe todo o com-
primento da cauda ; mas para o fim lá fe
entortáo hum pouco para a parte que o Co-
meta vai deixando com o leu movimen-
to ; e também no fim fe efpalháo m^ais;
que iíTo he propriedade do fumo , o qual
íobe ás aveíTas da chamma , a cham.ma ca-
da vez fe faz mais aguda , porque quanto
mais fobc, mais veloz vai , e o fumo quan-
to mais fobe , mais fe efpalha , porque vai
mais fraco ; e aílím fuccede á cauda dos
Cometas.
Eug, Náo fe pôde negar que he huma ex-
plicação admirável.
Theod. Eu , que reípciro a verdade mais que
tudo , lá tenho m.eu efcrrpulo , que direi
com o devido refpeiío a Hom.cm táo gran-
de. O iumo lobc para fima no nolTo ar,
por-
190 Recreação Filofofica
porqne o ar péza mais do que elle ; c af-
lim não poderá fubir o famo dos Come-
tas , por modo Icmelhanie ao diio fumo
terrcllre , Icm que fc admiitJ nos elpa-
ços dos Ceos algum meio pezado , e mais
pezado do que o fumo dos Cometas , pa-
ra que vencendo-o na gravidade , o hiça
fabir para fima : c vós já fabeis que
Ke>oi ton quer que os efpaços dos Ceos ef-
tej^o ou vafios totalmente , ou quafi va-
fios. Mas nem por ilTo conjemno a opi-
nião. Vejo que Mr. Hombcrj; obf;rvou
que huns fios lenuiHimos de feda íufpenfos
na p.rte vazia do barómetro fe moviáo ,
quando fobre ellcs lançaváo o foco de hu-
ma lente ; e que vifivelmcnte cráo impel-
lidos pelos raios do Sol. Sendo ifto af-
fim 5 c concedendo (como Ne\v/ion qurr)
que os raios do Sol sáo impelliios e vi-
brados defde o corpo luminofo para fora j
bailará o leu ímpulio , para que encontran-
do os vapores do Cometa , os mováo na
fua mefma direcção , e os levem ( como
faz o vento ao noíTo fumo) para a mef-
ma parte para onde caminhão os raios do
Sol , que de hiima e outra parte paísâo
pelos lados do Cometa. £fta explicação
p,2rece-me muito b^a , porque taco refle-
xão , que lá em fima não ha meio que
emb'^.race ciualquer direcção , que fe quei-
ra dar ao fumo ; porqiie ou não ba meio
algum , ou he de raridade quaíi infini-
to para náo retardar os Planetas , como
dif-
Tarde trigefima prima. 191
diíTe ( I ) ; e fe no foco da lente baftáo
os raios do Sol para impedir os fios de fe-
da , fó por não haver ahi ar que refifta ,
onde náo houver nenhuma refiftencia , qual-
quer força 5 por mim ma que feja , fera
baltante a communicar movimento. Que
vos parece , Silvio ?
S\\v. Con^o náo fiz eíTas experiências , nem
fei eíTds leis de refiítencias dos meios , náo
tenho voto neíTa matéria. Só fim direi que,
conforme eíTa explicação , náo poderemos-
condemnar o vulgo , quando diz que vê no
Ceo efpadas de togo ; pois hum Cometa a
arder pelo Ceo como hum archote e fume-
gando , enchendo a terça , ou quarta parte
do Ceo de fumo , alguma femelhança tem
com huma efpada de fogo.
Theod. AHim feria , fe nós de cá percebeíTc-
mos com os olhos que elle ardia ; porém
nós com os olhos fó vemos huma Eftrella
morta , e huma cauda branca ; o que não
tem femelhança de efpadas de fogo.
Silv. Tenho ouvido dizer que nem femprc a
cauda he branca.
Thcod, Os raios do Sol atraveíTàndo a atmos-
fera do Cometa poderão na refracção to-
mar algumas cores ; e como de todas ellas
a vermelha he a mais forte e perceptivel
cm tanta diftancia , fuccede que ás vezes a
cauda he avermelhada ; aílim como por fe-
melhante motivo avermelhadas apparecem
as nuvens junto do Horizonte j porém ad-
vií-
( 1 ) Tarde XXIX. §. IV,
192- Recreação Filofofíca
virto que nós fó podemos perceber efta
cor , Ic os raios qucbraJoà , e corados ,
dando nas partículas do turno , refleòtirem
para nós ; o que he precilo para entrarem
pelos noíTos olhos , e termos JenLçào de
côr verrrielha.
Eug. Sendo a cauda do Cometa grande e
avermelhada , dcfculpa dou ao povo para
temer íucceíTos inf.uítos , porque he huma
coufa nova c medonha.
Silv. Além diíTo , íempre eftes Cometas fc
ajuntáo , ou precedem grandes deígraças,
como sáo n ones de Príncipes , ou guer-
ras j ou coufas femelhantes ^ e cfta expe-
riência he generalííhma , c quafi tradição
confiante ; pelo que diRorrei ccmo quizer-
des 5 que eu nilTo também fou povo , e
náo góíio que os Cometas nos vcnháo cá
fazer eftas viíitas.
Theod, Antes que vos refponda , vos farei
huma pergunta ; E os Cometas apparecen-
do sáo prefagio de calarr idades para todas
as partes do mundo , que tiverem a infelici-
dade de os ver , ou lo para alguma deitas
partes ?
Silv. Para todas náo ; mas para alguma dei-
las , iíTo fim j e corro a regiáo , em que
cada hum habita , pôde fcr huma deíTas ,
todos temos razão para temer.
Theod. Ora bem : logo a experiência (confor-
me dizeis ) fó nos cnfina que apparecendo
hum Comera , alguma defgraça ha de fuc-
cede numa deíídS partes onde elie apparece ;
ora
Tarde trigejtma prima, 195
ora nifto tendes razão , porque apparecen-
áo o Comeu em todo o mundo , e duran-
do as vezes muitos mezcs , não he crivei
que neiTe tempo deixe de haver ai^uma
delgraça grande nalji^uma parcc. E fc ilio
he motivo para temer , deveis igualmente
aíTuliar-vos com as Luas cheias v. g. , por-
- <]ue náo lerá fa:il que , apparecenuO a Lua
cheia em todo o mundo , lendo tão dlata-
do, deixe de fucccder n"alguma parte dclle
fucceíTo infeliz. O mefmo digo de qualquer
Eftrella. Portanto baila fó rcfleiHr , que o
Cometa quando cá apparece , he vifto de
lodo o mundo ; e que fe eile folíe pref gio
de infelicidade , o havia de fcr igualmente
para todas as regiões donde hc vitto ; pois
náo tem mais comnofco , do que com An-
gola , China , e México , &c.
Silv, Os que fegnem que os Cometas são
procedidos de caufas accidentaes, eiles razáo
tem para fuppor que lo n'uma ou outra ter-
ra são viftos j e por i^o poderão annunciar
particularmente as fuás calamidades. Mas
fendo Aftros do Ceo, c vifiveis geralmente
a todos , como sáo os Planetas , menos ra-
záo ha para o fufto.
Bug, Vós dizeis mmos razão ? Eu já daqui
o perdi totalmente , venháo quantos Come-
ras quizerem vir.
Th£od, Concluindo pois eíla matéria , deve-
mos reputar os Cometas como hun^ Plane-
las 5 cujas orbitas sáo mais comipridas ; e
náo diffcrem fubftancialmcnte em outra cou-
Tora. VL N ia*
194 Recreação Filofofica
fa. S6 nos reftão as Eftrellas fixas , para
vos dar noticia particular de todos os Af-
tros '-, e depois entraremos a ver os admirá-
veis movimentos de huns a rei peito dos ou-
tros i porv^ue depois de confidcrar todas as
peças de que fe compõem hum relógio , he
que fe pôde entender bem como jo.áo aj
fuás rodas , e a fabrica dos feus movimen-
tos.
§. VII.
Dãs Ejlrdlas fixas.
Silv, QE os i6 Planetas vos tem levada
O tanto tempo , muito mais vos leva-
ráõ as E^^lrellas, que sáo innumeraveis.
Thcod. Como pela fua diftancia fc furtáo a
muitas obiervaçóes dos Atlronomos , pou-
co ha que dizer òcllas. E principiando pelo
feu número , náo he táo grande como pa-
rece , fe falíamos daquellas Eftrellas que
podemos ver com os noíTos olhos defarma-
dos , ifto he , fem nos valermos de algum
inftrumcnto ; porém fe aitendemos a todas
as que com os Telefcopios fe defcobrem,
c pelas ol)fervaçóes fe conhecem , sâo quafi
innumeraveis : por iiTo o Senhor diíTe z
Abraháo que contaíTe as Eftrejlas , fc po-
dia. Hiparcho foi o primeiro qac intentou
contar as Eftrellas , que sâo vifiveis fcm
Tclcfcopio (que ainda no fcu tempo os náo
ha-.
Tarde trigefima prima, 195*
havia) •■, e contou fomente 2022 , de que
tez catalogo ; outros Altrononios toráo ac-
crefcentando algumas , mas o fiimftídio
forma catalogo maior que os outros , e af-
fina ;ooo.
Silv. Mais de trezentas mil vejo eu com os
meus olhos numa noite ferena.
Theod, CreJe-me , que não vedes tantas co-
mo fe vos reprefenta j e para vos deíen-
ganar , bafta numa experiência groííeira e fá-
cil. Vós quando eftais cm hum lugar def-
cuberto e dcíembaraçado vedes meio Ceo;
ora reparci-o em varias partes , e tomai hu-
ma pequena porção para examinar quantas
Eftrcllas vedes neíTa parte , e á proporção
«delTa , julgareis com pouco erro o número
de todas as Eftrellas que vedes ; mas ifto
fareis vós , quando tiveries commodidade.
Vamos ao que dizem os Aftronomos. Def-
tas Ethellas conhecidas formão elles humas
figuras imaginarias , a que dão nomes de-
terminados 5 e são as que fe pintâo nos
globos Celeftes , como varias vezes tereis
viilo naqucllcs que alli tenho na livra-
ria.
Eug. ]á tenho muitas vezes vifto hum dcl-
les com varias figuras de animaes p'ntadas,
c femeadas multas cítrellas por elfas mef-
mas figuras , porém eu julguei que efta pin-
tura era fruto de algum animo ociofo , e ef-
travagante , e como brinco de crianças.
Theod. Náo he fcnáo fruto de immen fo tra-
balho dos Aftronomos , que neíTas figuras ,
N ii pof-
196 Re cr e tição Filofojica
pofto que livremente inventadas , pu7erlo
as Eftrellas com a mefma ordem e diftri-
buiçáo com que as vemos no Cco. De for-
te , que quando hum Aftronomo taila do Olho
do Touro V. 2;. 5 já todos fabem qual he a
EítreJla do Cco de que eile falia , o mcf-
mo he de todas as mais Eítrelías e conftcl-
laçóes.
£ug. Que chamais vós Co^í/?e//^:ab ?
Theod. Cotijhlla^ão chamáo os Aftronomos a
cerra collecçáo de Eftrellas , ás quaes juntas
dão hum nome , como v. g. Urfa maior,
ou Pé gafo , &c. e nos globos pintáo as figu-
ras deites animaes , que nenhuma femelhan-
ça tem com a collecçáo das taes Eftrellas ;
porém já tem o fcu rK>me eftabelecido : c
certo Aftronomo que lhos quiz mudar para
nomes de Santos , foi louvado pela Tua Re-
ligião, mas náo foi leguido, porque caufa-
va grande confusão , tendo todos os Aftro-
nomos até enráo ufado dos nomes antigos,
Náo fe íabe quem foi o primeiro que lhos
poz ; porém já no livro de Job fe faz
mençáo das conftellaçócs de Arãuro e
Orion ; e também no Profeta Amos , e
em Homero Poeta antiquiílimo fe acháo
os nomes deftas , e de outras conftellaçóes.
Folie quem folTe o feu Author, hoje o no-
me 5 que tem cada Eftrella , he o que lhe
pertence pela parte da conftellaçáo em que
cftá , &c.
Eug, E quantas conftellaçõcs contáo os Aí'
tronomos t
Theodr
Tarde trige/lma prima, 197
Thcod. Hoje contáo-fe -7: convém a faber,
12 no Zcdiaco ^ ifto he na cinta que fecon-
íidera no Cco , pela qual fe move o Sol e
todos os Pianeras em redondo ; e são ef-
tas 12 conílellaçôcs as oue chamáo doze
Signos , Aries , ou Carraro , Touro , Gé-
meos ^ Cancro^ Leão ^ Virgem^ Libra, ou
Balança , Scorpfão , Sagittano ^ Capriccrnio ,
Jquario , e Peixes.
£ug. Lembro-me de ver eíTes nomes na fo-
lhinha , fcm cjue eu percebeíle o que que-
riáo dizer.
Theod. Vem a hl para dizer o lugar em que
fe acha nelTe mez o Sol , ou a Lua. Mas
cfta tal cinta ou Zodíaco , pelo meio da
qual vai a Ecliíica , divide o Ceo em dous
hemisférios iguacs , hum que olha psra o
Norte , outro para o Sul. No hemisfério
do Norte fe contáo ^4 conftcllaçôes , cujos
nomes aqui tendes neítc livro , que de
memoria não os fei todos. Ide contando.
XJrfa maior , Urfa meror , Dragão , Ccpheo ,
Cães venaticos , ou Cães de cai^a , JBoótes ^
Coroa feptentrional y Hercules , a Lyra , o
Cifne , a Lagarta, Cajfwpeia , Camelo -par-
do , Perfeo , Andromcda , o Triangulo , ou-
tro Triangulo menor , a Mo/ca , o Cochei-
ro , o Pégazo 5 o Cavallo menor , o Delfim ,
a Rapofa pequena , o Pa' o , a Setta , a Águia ,
Aminoo , o Efcudo fobiejchiano , o Serpentá-
rio , a Serpente , o Monte Adenelao , a Cabcl"
letra de Berenice, o Leão menor, e o Lin-
C€. Da parte do Zodíaco para o Sul con-
táo
198 Recreação Tilofofica
táo ;i conftellaçóes; e aqui tendes os feus
nomes : A Balça , o Eridano , a Lehre , o
Orion , o Cão grande , o Aloncaromc , o
Cão pcquetw , a Náo , a Idra , o Sextante ,
o Craítr y o Corvo, o Centauro , o Lobo ^ o
^/í/zr j a Co/í?^ aujtral , o Pe/xí" auftral , a
/"(fw/í , o C/ow , o ///^o , o /tívío 5 a y^k-
//;^, o Triangulo aujtral, a (^;ziz, a Mofca
auJtral ^ o Camcleão , o i^cíwr carclino , o
Pf /.xf volante , o P/íío americano , o /íiro ou
Hydrus , e Xiphias. Além das Lftreilas que
fórrráo eftas conítellaçces , as que eíláo
djíperfas pelo Ceo fe chan-.áo informes j c
não sáo as mais confitieravcis.
JEug. i>uppofto o terem os Aftronomos repar-
tidas as EfírelJas neíias ccníkllaçóes que
dizeis, facillimo me parece íabcr-lhes o nú-
mero , pois cem tanta miudeza íe fãbe o lu-
^ar de cada huma.
Theod, Três diííiculdades reftão ainda que
vencer , e sáo totalmente infupcravcis : a
primiCira achamos na Fia Laãea , a fegun-
da nas meímas EftreJlas grandes e conhe-
cidas , a terceira nas Efírellas que appare-
cem e defapparecem de repente. Quarto á
p^ia L.iClea , a ote o vuJgo coftumia chamar
caminho de Sant-Jago , e confidcrada com os
olhos 5 náo parece outra ccuía fenáo huma
cinta branca , esfumada , c tm partes como
íoia , e dcfcontiruada ; cila em íi he huma
colíecção de infinitas Eíhellas miiudiílimas,
que lo com os Telclcopios fe diftinguem;
mas oihando-as ÍJmplcsmcnte com os olhos ,
de
Tarde trigefima prima. 199
de tal forte fe confundem os raio? que de
lá vem , que fazem huma cor branca , mas
fraca : o mefmo fuccede a duas collecçóes
de Eítrellas miúdas , que parecem cuas nu-
vczinhas brancas , que perpetuamente fc
vem , próximas ao Sul. Porém eftas Eílrel-
las que com os Telefcopios ít diftinguem
nunca he com tanta ciareza , que as polía-
mos contar ; c aííim ficáo por eíla parte
as Eftrellas ifentas do noíTo calculo. Tam-
bém fe náo podem contar muitas outras
fora da Via L^ãca , que por m.ui peque-
nas , ou mui diftantes , fó com os Telef-
copios fe dcfcobrem : 80 defcubrio Gali-
leo no cinto e efpada de Orion ( i ) ; e
Rheita em toda a conftellaçáo de Orion al-
gumas 2000 ( 2 ) . Quantas outras haverá
difperfas pelas outras conftellaçóes , que ef-
capáo aos nolTos olhos ; e quantas efcaparáo
ainda aos melhores Telefcopios ? Além dif-
ío das mefmas Eftrellas conhecidas , c que
nós reputamos por huma fó , algumas sá3
huma coilecçâo de muitas outras , que pela
apparente vizinhança fe confundem , e sáo
reputadas por huma fó Eftrella ( O • Po-
nhamos exemplo : na efpada de Orion ha 5
Eftrellas grandes ; e a do meio obfervada
por Hugens fe vio que era huma collecçáo
de 12, (4). Pelo que, hc impoíKvel fabec
o
( I ) In Núncio fidereo,
(2) In óculo Enochi I. 4. cap. I. memb. 7.
( O Gravefand. Elem. Phyf. num. 40, 41»
(4) Wolí". Elem. Aílron. §. iiij. '
2CO Recreação Filofofica
o niírricro verdadeiro das Eftrcllas. Mas
quanco todas eftas , qiie por d-itanies cfca-
pÁo dos nolTos olhos , íe dcixalTcm ver,
aindd rcílavd outro embaraço nas que ora
apparccem , ora deíapp^recrm , e guardáo
certos períodos. Outras Eftrdlas ha tjuc hu-
mas vezes appdre.em mais rcfplandecenres ,
outras menos ; e ilío também em tttrpos
cenos : em fim algumas Eftrellas rem iubi-
tamente apparecido mui refplanàecentes , e
pouco a pouco váo perdendo a fua luz , are
que dtfappancem de todo. Tudo itto faz
huma impoílibilidadc para fe poder conhe-
cer o feu número.
Silv. Com razão , mas a que attribuis vós
e;Ta alrerrativa appariçáo díis Eftrelías ?
Theod. Quanto a mim deve attnbuir-fe ao
Ica movimento de vertigem , ou rotação á
roda do feu centro. Efte movimiento dá
mais forrrofura ao Univerfo , por aus^mcn-
tar a analogia e ferre. hança entre os cor-
pos Celefíes, que giráo lobre íi , á roda de
feus centros. E alem diíTo com eíle movi-
mento facilmente fe explica o apparccer^m
e defapparecerem. Supponde vós que a Ef-
irclla tem hum hemisfério ou metade cícu-
ro 5 e o outro luminoío , cu pelo menos
que por huma face he mais lumiinofa que
pela outra ; ncífe caio quando a tacc mais
luminofa cílivcr voltada para nós , veremos
a Eíhella; porém quando para nós fe vol-
tar a face efe ura , ou abfolutamcntc a não
veremos ^ por náo ferem el7es raios po-
de-
Tarde trigefima prima. 201
derofos para vencer tanta diítancia , ou
pc'o n enos apparecerá a Eftrella menos
brnh^nte ; o que tudo concorda cem a ex-
periência. Demais : a melma Elhella de-
pois de ppparecer mui clara , quando for
voltundo para fima a face mais lummofa ,
fiós pouco a pouco a iremos vendo mais
efcura , como fuccede á Lua minguante,
a:c que de todo a percamos de vii-ta : o
que 5 como acabo de dizer , também lò
com a experiência fe confirma. Também
fe pôde dizer , que eíTas Eftrellas tem mo-
vimento como os Cometas , pelo qual ora
fe cheguem mais para nós , ora íe aítaf-
tem*. Porém náo figo efta opiniáo ; porque
cntáo haviáo de mover-fe algum tanto pa-
ra os lados em quanto Te viáo , e mudar
de fituaçáo ; o que náo Te obferva ; e
além diíTo , havia huma grande differen-
ça entre eíTas Eftrcllas , e as outras que ef-
táo íempre quietas •, e tirava-le a Analogia
ou femelhança , que hc huma grande par-
te da formofura do Univcrfo. Eu figo a
prinieira opiniáo do movimento de verti-
gem.
Silv. O que dá grande força á voíTa opi-
niáo 5 he o que também me parece que
agora dilTeftes , que elTas appariçóes eráo
dentro de periodos iguaes. lílo perfuade
que náo he caufa accidental , mas fim mo-
vimento regular o que ora as deixa ver,
ora as efconde.
Eug, E poreje náo vemos eíTas mudanças
em
201 Recreação Filofofica
era todas as demais , fe todas as demais fc
movem á roda de fi mefmns \
Tbecd. Porque náo teráo confideravel diffe-
rcrnça de luz nas di verias partes da fua fu-
pcrHcie ; que por efta mcíma razáo os nof-
íos olhos náo percebem diverfidade no Sol,
pol^o que ellc gira á roda de fi mefmo em
25 dias e meio.
Eu^, Tendes razáo : náo advertia niíTo.
Theod. Alguns também querem por cíle mo-
vimento de rotação explicar a fcintillaçâo
das Eftrellas. Dizem que o tremor que íen-
timos na fua luz procede de que ora vol-
láo para nós humas partes mais brilhantes,
ora outras mais efcuras i porém cu , fallan-
do ingenuamente , venero a todos , mas Tó
dÍ2;o o que me parece conforme á razáo.
líto náo pôde fer aílim , Tem que o movi-
mento de rotaçáo ícja táo rápido , que em
hum minuto fegunco dem 4 ou 5 voltas
completas , porque nós fempre vemos meia
íuperficie das Eltrellas ; e em quanto eíTa
parte mais luminoía for pelo hemisfério vi-
fível 5 a veremos , e fó faltará em quanto
voltar lá por fima , tornando a apparecer ,
quando chegar outra vez ao hemisfério vi-*
fivel : e como a fcintillnçáo ou tremor da
luz he miudiflimo , e como que falta c fe
accende com alternativa mui amiudada , fc
ifto procedelTe da rotaçáo da Eftrella , devia
de fer mais veloz do que fe pode imaginar.
SUv. E como explicais vós a fcintillaçáo? já
que cíTa opinião vos náo agrada.
Theod.
Tarde trtgef.ma prima, 203
Ukeod, He irais natural o dizer-fe que pro-
cede CO movirrento dos vapores , que cor-
táo os raios de luz das Elirellas para nós.
Obfervd-fe que os Planetas riáo Icintilláo
íenáo quando fe váo chegando para o Ho-
rizonte , onde ha muitos mais vapores que
fe levantáo da Terra , e atravefsáo os raios
de luz que vem dos Planetas ; quando po-
rém o Planeta fe levanta , como ja os raios
da luz não sáo atravelTados por láo gran-
de copia de vapores , não tremem. Ora as
Eftrellas len pre icintilláo ; humas vezes
mais 5 outras menos , porque os feus raios
de luz sáo muito mais fracos que o dos
Planetas , pois eíláo n'uma diftancia incom-
paravelmente maior ; e allim os vapores,
que não per urbáo a luz do Planeta , po-
dem perturbar a das Elirellas.
£ug. Eu creio que quando faz vento , trc-
m.em as Lftrellas mais que no tempo fe-
reno.
Tbecd. líío confirma o que eu digo ; pois os
vapores agitados c dcíinquietos raais háo
de perturbar a luz das Eftrclías.
Eu^<^. Ainda vós me náo fallaftes da luz das
Èftrellas , nem diíTeítcs Tc era própria ou
alheia.
Ikccd. A's vezes a converfaçáo vai levando
hum fio , que náo concorda muito com o
methodo mais regular ; porém agora vos
fatisfarei. A luz das Eftrellas hc própria de
cada huma dfllas ; e eu as reputo como
outros tantos fóes , porque a diílancia , em
que
2C4 Recreação FiJofofica
que ellas eftáo a reípcito do Sol , c de not
he tâo erance , que feria imj oílivel que a
luz do Sol folie e vieíTc cem força baftan-
te para fazer fenfivcl imprefiáo nos noííos
olhos.
Silv. Pois táo grande he a diftancia das Ef-
rrellâs ! Bem longe do Sol , e de nós eftá
Saturno , e a fua luz não he própria.
Tkeod. Sendo mui grande a diitancia de Sa-
turno , he incomparavelmente maior a das
Eftrcllas. Diz \Y olfio , que nem princípios
ha na Aftronomia para Te medir cem fe-
gurança : daqui procede que sáo diverfif-
fimas as opiniões nelle pariicuJir. Tico-
Brahe lhe dá fò 14 milhões de femidia-
metros rerreftres j porém efte Aftronomo
leve o leu compaffo mui curto em todas
as medidas que tomou : os mais o defam-
paráo todos , e íe aíiàftáo delle com gran-
diftima differença ; e huns lhe dão 42 mi-
lhões de íemidiametros , outros 60 , &c. :
não pôde haver nos inílrumentos cxacçáo
que baile a medir os angules extremamen-
te pequenos. Porém concordáo todos , que
he incrivelmente grande eita diíèancia ; por-
que os Telelcopios , que augmentáo tanto
o Sol , que fica com hum diam.etro igual
ao da orbita que faz á roda da Terra ( i ) ,
cíles Telefccpios voltados para qualquer Ef-
trella , por nenhum modo a au'^mentáo , e
fó appnrece como hum ponto brilhante .* c
aíTentáo todos que o âmbito do circulo que
faz
( I ) Gravefaiid. Phxlic. Elem. Mat. n. 4017.
Téirde trigeftma prima. lO^T
faz o Sol á roda da Terra , comparado com
a diftancia das Eftrellas , hc como hum
ponto. Ifto he fallando das Eftrellas que íi-
cáo mais vizinhas a nós j porque a diftan-
cia das outras he muito maior incompara-
velmente.
Silv, E que fundamento ha para as náo pôr
iodas eftendidas pelo Ceo , e na mefma
diftancia?
Theod, O fundamento he a diverfidade de
fua apparente grandeza , e da força da Tua
luz. Os Aftronomos repartem as Eftrellas
cm féis clalTes , conforme o fcu tamanho.
Na primeira clalTe , ou da primeira Grande-
za, (como coftumáo dizer) eftáo as mais
vivas e brilhantes que conhecemos. Na fe-
gunda claíTe eftáo as outras menores , e
aílim até á ultima claffe , em que póem as
minimas que com os olhos diftinguimos.
Eftas Eftrellas menores , com.o ao mcfmo
tempo a fua luz hc muito mais débil , pru-
dentemente Te crê que parecem menores pe-
la fua maior diftancia da Terra : o que dá
huma bem. grande idéa da immenfa vafti-
dáo dos efpaços Celeftes ; fendo táo gran-
de a diftancia de nós a Saturno , de Satur-
no ás, Eftrellas da primeira grandeza ,. e
deíTas ás outras fucceílivamentc. Hum gran-
de Filofofo creo que as Eftrellas da P'ia
Laãea ficaváo muito mais vizinhas a nós,
do que as outras , porque fe perfuadio que
os Telefcopios lhes augmenravào a grande-
za ', mas engançu-fe , por(^ue ainda que
com
2c6 Recreação Filofofica
com os Teleícopios fe diftinguem de algu-
ma forte , nso he porque apparcçáo maio-
res, mas porque riráo ioda a luz f.^lfa , que
confunde humas com outras , quando fc
vem ílmplesmente com os olhos.
Eug. Q_ie coufa he luz falfa?
2keod. Charráo luz falf^ aos raios que vem
das Eftrellas , e por íe ajuntarem e cruza-
rem nos nolTos olhos antes da retina , quan-
do chegáo a cIIj váo já cfpalhados , e pin-
táo hum;^ imagem muito maior do que de-
verão , íegundo o angulo com que cnirão
na pupilla ; e como efta imagem he maior
do que devia fer , por ilTo lhe chamáo en-
ganadora c feira pela luz ^Aí?, Hum ex-
emplo temos bem prcprio. Quando vedes
hum archote ou fogacho de perto , vedes
o fcu tamanho verdadeiro ; porém fe o ve-
des de longe , vai crefcendo , e formando
huma como roda luminofa , perdendo a fi-
gura pyramidal ^ e de tal forte crcfce , que
quando nas luminárias ( corro as que ve-
mos lá da parte d além do Tejo v. g. cm
Almada ) fe põem muitos fogachos acce-
zos com breve intervallo , de cá nos pa-
rece huma fitta luminofa continuada. A
mim , que tenho pouca viíl^ , e ao longe
pão vejo njida , me íuccedf- -io ate com
as luzes que eftáo nos throno^ dosTemplos;
e de tal m>odo fc continuáo humas com
outras , que as náo f o^^o contar. E a razáo
diífo fe tira do que vos diíTe tratando da
Óptica : com.o o objeélo quanto mais difían-
tc
Tarde trigefima -prima, 107
te cftá 5 mais perto da pnpilla forma a fua
imagem , mais efpalhados chegáo os raios
á retina , e maior hc a imagem confufa que
nclía pintáo. Ora o que fucjedc aos Mio-
pes com as luzes , fuccede a todos com as
Eftrellas , que são luminofas per íi mef-
mas 5 e fummamente diftances. Por efta
razão os Telefcopics mais exqu i fitos , eaug-
mentando a grandeza dos Planetas , dimi-
nuem a das Éftrellas ; porque aperfeiçoan-
do a vifta , e fazendo cahir na retina a ima-
gem da Eftrella , tirão a luz falfa e efpa-
Ihada que cnganofamente augmentava a
imagem ; e quanto melhor for o Telcfco-
plo , mais ha de aperfeiçoar a vifta , e ti-
rar mais da luz falfa ; e por ifTo apparcce
a Eftrella menor , porém viviilima. Sup-
pofto ifto , já fc vê que os Telefcopios
quando diftinguem as Eftrellas de Fia La-
ãea não augmentão a lua grandeza , mas ,
fomente tirando a fua luz falfa , que mu-
tuamente confunde humas com outras , faz
que as diftingamos : aílim como eu quan-
do ponho óculos vejo as luminárias ao lon-
ge diftindas entre íi , e então cada luz de
per fi fe me rcprefenta menor. Advirto if-
to , para que vós , Silvio , vejais que nós
os Modernos não vamos como carneiros ,
huns atrás dos outros ; mas que cada qual
não fe contenta com o que diz efte ou
aquelle Filofofo de nome , mas averigua
fe he ou n5o conforme á razão.
Silv, Eu bem fel que entre vós também ha
20 8 . Recreação Filofqfica
divcrfidadc de opiniões ; c por iíTo femprç
alguns háo de errar.
Theod. Quem o duvida ?
£ux. Mas Gízei-me vós , fcnáo obftante cíTa
immcnra diítancia , temos .J^uma loéj pru-
dente da grandeza das EltrclU?.
Tkeod. A grandeza das Eltrcllas para le cal-
cular de alguma fone , deve ler alfenian-
do primeiro na fua diltani. ia. Sabemos q-je
he granje , tanto porque os melhores Te-
lefcopios abfolutamiente nada augmentáo a
fua grandeza , como porque a relpeiío dei-
ta diftancia he hum pomo iníenfivel a or-
bita anua do Sol ; o que pede huma diftan-
cia immenía. Se tor fómcnre 27. 664 vezes
maior que a diftancia co Sol , deve cada
huma delias íer do tamanho do Sol. O dif-
curío he cftc: fe huma Eftrclla da primeira
grandeza (v. g. huma que ch?.n~á> Sírio ^ e
he a mais brilhante de tod ^.s ) f jíTe do ta-
manho do Sol , eftando junio dcUe , nos
pareceria igual a ellc ; mas ie toíTe fjbindo,
á proporção da diftancia fc iria diminuindo
para nós a íua grandeza (prcfcmJamos do
augmento engancío que da a luz taifa ) , e
iria enfraquecendo a fua luz ; c fe chegaíTc
a ter de nós fómenre tfta cift^incii , já a
, fua luz ficaria feme hante á que nó? agora
recebemos defta Eftrelia , conforme o cal-
culo que fez o gran Je Hugetis ( ' ) i e re-
duzindo cíTa, diftancia a Icmidiamerros ter-
reftres, coniorme o calculo que figo, fom-
ma
C o Lib. 2. Cofmetheoros pag. IJ5.
Tarde trlgefima prhna, ■209
ma (37O : 44 ^ , ^"00 feiscentos e fetenta mi-
lhões, qjatroccncos e quarenta c trcs n-il,
c feiscencos remidi.imetros. Mas ainda \\ ol-
fio ( I ) da ái Elhellas de primeira gran-
deza diltancia qa.ifi dez vezes maior , por-
que che^a a 6 ; c86 ; c8c. eco íe;s rriii e oi-
tenta c íeis contos , e oiienta mil fcmidia-
metros ; nciíe calculo devem fer mujto
maiores que o Sol , porqae he preciío que
o excedáo para terem a luz que tem cm
huma táo enorme diftancia. De lorte que,
íe puzelTem hum Sol, igual ao nodo , na
diftancia que A5^'olno dá a Sino , apparecc-
íia muito mais pequeno , e fraco na luz , do
que apparece etta Eílrella. Porém , como
já dilFe , íobre a grandeza das Eílrelias , af-
fim como também febre a fua diihncia ,
faltáo princípios para calcular com fcguran-
ça, Sò fc fabe que são mui grandes , por-
que são vifiveis numa dill^ncia quafi im-
menfa ; c também niícO todos delamparáo
a Tico-Brahe , que foi mui acanhado em
todas as fuás medidas. Falta fallar do mo-
vimento deftas Eflrellas.
JEwo-. Do movimenro de V^ertigem ou rotação
ia ddTeftes: agora reíh faber dos outfo?.
Tbeod. No fyftema de Tico-Brahe tem hum
movimento no efpaço de 24 heras de Xaf-
cente a Poente , como teflemunháo os nof-
íos olhos i porém no fyftema de Copérnico
c outros , efte movimento he fomente ap-
parenre ; porém diíto á manha fallaremos
Tom. VI. O de
•C^) Êlem. Aílron. §• 1116.
:mo Recreação Tilofqfica
de va^ar. Além defte movimento, que cha-
máo coi-nmum , tem as Elireilas outro mo-
vimento próprio á roda do eixo da Eclitica ,
como os Planetas ; porém hc muito mais
vagarofo ; porque para completar huma Ef-
trella o íeu giro, sáo preciíos 25.(^20 vin-
te cinco mil, novecentos e vinte annos. Ef-
te movimento he do Poente para Nafcenie,
como o dos Planetas , mas he igual em to-
das as Eftrcllasi de forre, que lempre guar-
dáo entre íi a mefma ordem. No íyftema
Copernicano , de Dcs-Cartes , de Newton ,
Scc. efte movimento náo hc real , mas ap-
parente , e procede do movimento do eixo
da Terra , como noutra occafiáo vos expli-
carei 5 que agora náo me podeis entender;
c fe chama eftc periodo Anno grande , ou
Platónico. Amanha vos explicarei os mo-
vimentos de todos os Aftros comparados
entre fi ; que agora , depois de ter exami-
nado cada peça de per fi defte grande Reló-
gio , podereis entender mais fcientificamcn-
le a harmonia dos feus movimentos. Por
hoje baftc ; vamos agora a cntrcter-nos cm
outras materi?.?.
£ug. Em nenhuma poíTo achar maior diver-
timento; mas conheço que convém náo tra-
tar de tudo junto , porque me confundiria.
SHv. E também porque Theodoíio já ha de
eftar fatigado. Vamos divertir-nos com o
jogo.
TAR*
Tayde trtgefima fegtmda, 211
TARDE XXXir.
Dos movimentos dos Aítros compara-
dos entre fi.
§. L
Dos Círculos da Esfera,
Thcod. f^^ Hegou o tempo , Eugénio , de
fi vos moílrcíF o admirável jogo
^^ — ^ dos movimentos dos Aftros,
comparí^ndo-os entre fi , e com a Terra.
Porquanto até aqui fó bailei de cada hum
em particular ; e quando muiro a refpeito
do Sol : a^ora he precifo explicar-vos a di-
visão do Ceo , que tem feito os Aftrono-
mos em vários círculos : vinde primeiro a ^■^' ?•
efta Esfera Celelfe (^ Eftamp, z. fg. i.) e% ^'
depois entendereis melhor a Lstera que
chamáo annilar. Eftc efpaço dos Ceos
confideráo os Aítronomos como numa ef-
fera concava , que fe revolve fobre dous
pontos ou pólos , o do Norte , e o do Sul :
elfe de íima N reprefenta o do Norte , c
cftoutro debaixo S o do Sul j c a linha
que lá por denrro vai de hum pólo a ou-
iro , cujas extremidades fahem cá fora , cha-
máo-lhe eixo do Univerfo. Efte eixo atra-
^ yeUa cinca círculos parallelos que os Af-
O ii "O-
arx Recreação Filofòjica
tronomos defcrevem no Cco •-, aqui os tcn^
des 4 j e 5 / , o , w , c to Jos tem feus no-
mes : os dous círculos pequenos junto aos
pólos , chamáo-fe Círculos Polares ; o do
meio £ E , chama-fe Eqw^àor ; os doas,
que ficáo aos lados do Equ.xdor , chumáo*
fe Trópicos,
Bug. Ecomo haverxios nós dcdiílinguir hum
Trópico do outro ^ fe ambos tem o mcfmo
nome ?
Tb^oJ. D;ftinguem-fe pelos pólos onde per-
tencem j o de fima chama-fe Trópico do
• Norte , o debaixo chamaTe do Sul ; pçy-
rém faílando em termos mais próprios , o
Trópico do Norte chama-íe de Cancro , o
do Sul de Capricórnio : logo direi a razáo.
Do meímo moio os dous círculos Polares
fe dirr':n:^uem pelos pólos vizinhos, hum he
o do Norte ou Boreal , outro chamâo-llic
do SjI ou Aujlral.
Eug. Tenho percebido. Que circulo he eftc
atraveíTido Z Z , que vai do Trópico de
Cjncro até ao de Capricórnio? Vamos mof-
irando , Silvio , que já fomos Aftrono-
mo3.
Silv. Km todo o cafo : faltemos como os
ProfeTore?.
Theod. O circulo , que vai de hum Trópico
ao outro, atraveííando o Equador, chamáo-
Ihc Zodíaco •■, he largo , mas pelo meio dcl-
le vai huma rifca ou circulo que chamáo
£clitica : cila Eclítica he o caminho ou or-
bita do Sol i c o Zodíaco hc láo largo , pa-
rai
Tarde trtgefima fegunda. 2 1 5
ra abranger rodas as orbita<? dos Planetas,
Já aqui tendes explicados féis círculos da
Esfera, que sáo os 5 parallclos , e o Zodií-
CO ou Editíct 5 que fe cont^o por hum cir-
culo fó. Faltáo ainda outros circules ; pa-
ra ilTo vamos agora á Esfera armilar , que
já vos náo ha de fazer tanta confusão
(^Efiri)Vp. ^. fg. 2.). Aqui tendes o Equa- Eí^. 5.
dor E É , tendes as ilhargas os deus Tro- hz, 2.
picos ; eíle de fima Z C he o de Cincro ,
eítoutro debaixo T Z he o de Capricór-
nio : alli tendes tambenn os dous círculos
polares j o boreal b b , c o auftral a a:
tendes o Zodíaco Z Z. Vannos aos que
rcftáo. Reftáo dous círculos , que chamáo
Coíuros 5 e sáo dous circules perfeitamen-
te cruzados entre fi em angulo re^o , e de
forte , que os pólos fiovicm nos lugares
em que fe cruzao : am.bcs elles corcáo
perpendicularmente , e atravefsáo tocos os
5 parallelos j porém hum Coluro s s s s
corta a Eclitica nos ponros Z Z , cm que
ella fe ajunta com os Trópicos , o outro
Coluro c c c c corta a Eclitica nos ponros
em que ella fe ajunta com o Equador. Ef-
te Coluro chama-fe dos Equinoccios , e o
outro s s s s chama-fe dos Soljíidos, Lo-
go vos direi a razáo de todos efles no-
mes.
Eug, Eftá bem : e faltáo ainda alguns círcu-
los ?
1\:cod. Faltáo ainda dous ; porém eífcs sáo
cá feparados da Esfera , ainda que lhe per-
tea-
214 'Recreação FHofqfica
tenccm a cila : ' hum he cfia taboa hori-
zontal H H , que le chama Hoiizcntc , e
divide o Ceo em duas ametddcs , huii-a fa-
per^or , outra interior; o oiuro circulo he o
Aícridi.iihj N ES E , que p.-.fa de hum
poio a o'itro por fima das nolTas cabcça«.
Ora como a Terra he redonda , o circulo ,
que paTa por lima das cabeças cm Luboa ,
náo hc o q':e paTa ^or finia de Ptrnar. bu-
ço V. «;. : por iiío os Mcruianos sáo divcr-
fos , e pertence a cada luí;dr ca Terra o íeu
Meridiano. Como também os Horizontes;
porque fe o noíTo Horizonte nos náo deixa
dcTcubrir o Ceo íenáo até hum certo lu-
gar, os que cft verem em Pernambuco ve-
ráo outra porção do Cco , que nós náo ve-
mos , e ficar-lhcs-hti occulta outra que nós
vemos.
Eug. Com que temo? dez circulos na Esfera.
O Meridiano , e Horizonte , que sáo mu-
davers , mas os dous Coluros , c a Ecliti-
ca , como também Equador, Tropcos , e
Circulos polares , sáo Circulos anncxos ao
Ceo , ifto he , sáo os mefn os a relpcito de
todos os lugares Òá Terra.
Theod, Aííim he : luppoílo ifto, adiantemo-
nos hum pouco. Ja dilTe , que o Ecliiica era
o caminho do Sol. Quando ellc chega ao
Trópico de Cancro , eftá o mais levantado
que pode ícr íobre o nofo Horizonte, e if-
to [u:cc'-e ras xeíperr-s co S. Joáo ; e co-
mo a Ecliiica náo paíTa dcffç Trópico para
íóra , quando o Sol che^a ahi , vai logo
voi-
Tarde trigeftma fegundã, 215'
voltando para bufcar o Equador ; por ilTo
íe chama a^uelle ponto , cm que a Ecliti-
ca toc^ no Trópico , Soljiicw , ifto he , pa-
rada ou eltaçáo do Sol , porque vai lubin-
do p^ra o pólo do Norte , até chegar ahi j
e voJta lo^o para baixo , caminhando para
o Equador. Da meíma ícrie , quando che-
ga ao outro Trópico , lá pelas vefperas do
Natal j av.zinha-fe o mais que pôde a cíTe
pólo ; mas chegando ao Trópico de Ca-
pricórnio 3 pára 5 c volta cá para o Nor-
te outra vez , e allim continiia fempre
á roda da Esfera Celeíte. ]á labeis que
coufa são os Solfíicios , o de inverno he
no Trópico de Capricórnio , e o de ve-
rão no de Cancro ; e por iíTo o Coluro ,
que paíTa por ellcs dous pontos , fe chama
dos Solfticios. Agora os outros dous pon-
tos, que chamáo dos Equinoccios ^ são tam-
bém na Eclitica ; porém naquelles lugares
onde cila corta o Equ^dcr. A razão deite
nome he , porque qucndo o Sol chega a eí-
fcs pontos, que he em vinte de Março, c
cm 22 de Setembro , sáo os dias iguaes ás
noites.
Eug, Agora já fei porque o outro Coluro ,
que corra a Eclitica neftes pontos , Te cha-
ma Coluro dos Equinocàos,
Sih. Eftes circulos todos fupponho que tem
d ftancins certas de huns a outros?
Thecd. Dizeis bem. O Equador he hum cir-
culo , ao qual perpendicularmente airavclTa
o eixo do Mundo , que vai de pólo a pó-
lo,
zi6 Recreação Filofofica
lo, e difta igualmente de ambos. Os Tró-
picos diltáo do Equador cada hum para leu
lado 2^ grãos e meio. Já íuppcnho que Ta-
beis que qualquer circulo íe divide cm ^(To
grãos. Os dous círculos Polares diftáo dos
pólos ourro tanto , iito he , 2^ grãos e
meio ; e d'aqui fe infere , que aliim como
o eixo do F^quador vai dar nos pólos do
mundo ; o eixo da Eclitica ha de ter tan-
ta inclinação ao eixo do Equador , como
a meíma Kclitica fe inclina a refpeito do
Equador. Ora como a Eclitica fe affaita do
EquaJor 2^ grãos e meio , porque vai
abrindo até toc:r nos Trópicos , também
o eixo da Eclitica íe vai íeparando dos
pólos , até tocar nos circulos polares , que
diíláo OLuros 2^ grãos e meio j e vem a
ficar entre os circulos polares e os Trópi-
cos 4^ grãos ; porque do pólo até ao
Equador vão 90 grãos , que he a quarta
parte j tirando 23 e meio do Equador ao
Trópico , e 2; e meio do pólo até o
circulo polar , reftáo 43. Entendeíles ifto
bem í
Eug, Não tem muito que entender.
Theod. Ultimamente haveis de faber que na
Terra fe diftingucm e allínaláo outros tan*
tos circulos correfpondentes aos do Ceo ,
c com os mcírros nomes. O Equador hc
o que os Na\eg:'ntes chamáo Lml:a , e
reparte a Terra em dous hcmislcrios iguaes ,
hum que fica para o Norte , outro para o
Sul 3 os dous Trópicos sáo outros dous cir-
Tarde trigefima fegunda, 217
culos , que de huma e ourra p^rte ftmpre
igualmence sáo diftdntes áà Linha o valor
de z^ grãos e meio. Os círculos imolares sáo
outros dous círculos pecjuenos , cjue fe ti-
rão á roda dos Pólcs , na ditbncia de 25
gráos e meio. Adverti , que toco o efpa-
ço da Terra emrc oâ Trópicos chama- íe
Zona Tórrida ; o eípaço entre os Trópi-
cos e círculos Polares Zonas temperadas ;
o efpaço dos círculos Polaies aie aos Pó-
los Zonas frigidas. \^amos agora a tal lar
do jogo dos movimentos dos Aftros en-
tre íi.
§. n.
Bo fyftcma Ftolcma'.co e Ticonlco.
Silv, ^T"^ Enho ouvido dizer que neíTc pon-
A to ha grande bulha e diverfidade
entre os Alhonomos.
Ttcod. Hoje lò dous lyftemas fe podem con-
cordar com as obíervaçóes , porque o de
Ptolomeu já ninguém o feguc. LUc dizia
que todos os Aíiros Te moviáo em círcu-
los concêntricos á Terra : punha a região
do Fogo aílima da do Ar , depois a orbi-
ta da Lua , feguia-fe Mercúrio , depois Vé-
nus , d'ahi o Sol , Marte , Júpiter , e Sa-
turno ; tudo em círculos , cujo commum
centro era a Terra. L050 fe manifettou a
íuifidade defte fyftema pelos íígypcios , que
ob-
2i8 Recreação FUofofica
obfcrvando o movimento de Mercúrio , c
Vénus , conhecerão que íc revolviáo á ro-
da do Sol , e nóo á roda da Terra : o mcf-
mo íe conheceo depois do movimento de
Marte , Júpiter e Sarurno , os quaes nas
fuás revoluções náo tem por feníivel cen-
tro a noiTa Terra , mas o Sol ; e irto he
hoje alTencado entre todos os Aftronomos.
Ff!. 2. Aqui tendes vós huma Eftampa (^LJtamp.
fig. ij. 2.. fi^. i^.) do fyftema , que chamáo Ti-
conico , porque o ideou Tko-Brahe. Põe o
Sol como centro do movimento de todos
os Planetas (náo fallando na Terra , nem
na Lua) : á roda delle fe revolvem Mer-
cúrio 5 Vénus 5 Marte , Júpiter , e Satur-
no 5 cada qual na diftancia proporcionada,
c gaftando nas fuás revoluções» o tempo
que eu diíTe. Além difto fõe a Terra im-
movel e firme no centro do Firmamento,
ou Ceo eftrellado ; á roda da Terra fe re-
volve a Lua na fua diítancia ; e depois da
Lua cm diftancia competente fe revolve o
Sol , trazendo ao redor de fi como Satéli-
tes os 5 Planetas que ]i difíe.
£u^. Já percebo : aílim como á roda do Sol
ic m^ovc Júpiter , trazendo fempre ao re-
dor de fi os quatro Satélites ; aflim ncíTe
fyftema , eftando a Terra firme , á roda
delia fc move o Sol , levando ao redor de
fi 5 Sarciites ou Planetas , que o acompa-
nháo em proporcionadas diftancias , Mer-
cúrio , Vénus 5 Marte , Júpiter , e Satur-
no. Mas dizei-me que caraderes são eftes
que
Tnrde trlgefima fegunda. 219
que cftáo aqui na figura {ji^, i ^ que me
moílrais ?
7h.0(i, São os fymbolos deputados pelos Af-
tronorros para f^niíicar es Phnetas. \'ede
os cara(flerr8 com os feiís nomes á mar-
gem , ao pé da melma figura , c depois
por elles conhecereis na figura o lugar, em
que fe deve por qualquer Flanera.
Eug. Percebo : e a^ora faço reflexão , que
andando todos a roda do Sol , a orbita de
Mercúrio e \^enus náo alcançâo a Terra ;
mas fó a de Marte , Júpiter , e Saturno a
abrc;ngem.
Jhccd. Náo vedes que 2S diftancias , que ef-
fes três tem do Sol , he maior que a da
Terra ao Sol ? forçoínmen:e ha de ficar a
Terra deniro dos ícus giros.
Sílv. E das Efírellas náo tezeis cafo?
Ihíod, A íeu ten-po. tftcs miOvimenros dos
Planetas á roda do St l ( que chamamos
movimentos próprios ce cada hum delles )
fcmpre sáo de Poente para Naícenre i co-
mo também o movimento dos Satélites á
roda do ku Planeta primário , tudo fe
move de Poente para Xafcente : e o que
mais he , a mefma Lua no leu pericdo á
roda da Terra em 27 dias e meio , tam-
bém he de Poente para Nafcente ; de for-
te , que fe hoje a Lua nafceo junto de hu-
ma Eítrella , a manhã quando naícer a Ef-
treila , ainda náo ha ce nafcer a Lua , fenáo
rruito depois ; e cada vez fe ha de ir atra-
zando , de modo que , paílados 27 dias e
meio.
120 Recreação TiloJoQca
incio 5 torne outra vez a nafccr com a dita
Ellrella , por ter corrido todo o Ceo nclíc
tempo.
Euçr. Ainda não tinha reparado niíTo.
Thcod. Pois cblcrvai-o , e achnrcis ifto mef-
mo , que Icmpre a Lua fe aífalta das Ef-
trellas , a que correíponde , fuginJo para o
Nafcente. Ao Soi fuccede ido mefmo , dan-
do huma inteira volta á Terra no cfpaço de
hum anno : fe hoje nafceo correfpondendo
a huma Eftrella , á manhã já não pôde cor-
rerponder a ella , mas ha de nafcer depois
da Eílrella^ recuando fempre para o Na íc en-
te 5 aflim como a Lua ] porém com dijTeren-
ça j porque a Lua anda para trás muito mais
do que o Sol : a Lua em hum mez dá hu-
ma volta ao Ceo , correndo todas as Eílrel-
las, que lhe ficáo na fua orbita j c o Sol ^af-
ta em correr as Eftrellas , que lhe fic?.o na
fua carreira , hum anno inteiro. Eftes são
os movimenros próprios dos Planetas, e tu-
do fe move aílim de Poente para Nafcen-
te. Ora fuppofto ifto , toda efta máquina
dos Ccos das Eftrellas , c dos Ce3s dos
Planetas , e tudo quanto ha d'aqui para fi-
ma , o Omnipotente revolve em 24 horas
de Nafccntc para Pccntc á roda da Terra,
c efte he movimento diurno e commum
dos Aftros , o qual todos percebem. Para
poderdes formar idca deft^s dous movimen-
tos 5 que parecem encontrados , vinde outra
Efl. ], vez ao pé defte globo Celcftc ÇE(ía*}ip. 3.
H- í • fig' I • )• J^ íabcis que cUe circulo Z Z atra-
vcf-
Tarde trígefima fegunda. 221-
VeiTado he o caminho do Sol : íupponde
agora cjue elle eftá aqui em p ; e que , co-
mo huma formiga , fe move por eúc cami-
nho a g % ^ e ifio fempre para lá , porém
cntretanco eu com a mio vou voltando o
globo para mim , muito depreíTa : depois
de dar 60 voltas por exemplo , já o Sol oa
a formiga terá chegado a efte Titio a , que
he Aries , e correfponde ao principio da
Primavera ; depois paíTadas outras 60 vol-
tas , que sáo outros t/intos dias , terá che-
gado a eík lugar g ^ que he Gemlni , e
correfponde ao mcz de Maio j 2^0 voltas
mais que dè tem chegado ao Trópico : e d'
ahi continuará pela outra banda ; de forte,;
que a formiga ou g Sol , que ande como
eiln por etíe globo , correrá a linha da E-
clitica , andando para lá ou para o Naf-
cente , em quanto o globo todo com as
Eftrellas , que eftáo nelie , em 24 horas íe
revolvem mui depreda para cá , ou para o
Pocnre. Eis-aqui como fuccedc nos Ceos :
andáo tocos os Ccos , e tudo quanto em
fi tem no efpaço de ^4 horas, do Nafcente
para o Poente ; porém o Sol , a Lua , os
Planetas , todos , cada qual pelo feu cami-
nho , vão andando de vagar , e caminhan-
do pelo Ceo como formigas , mas fempre
do Poente para Nafcente j por iiTo , fe hoje
obfcrvardes a Lua , achalla-heis 2.0 pé de
huma EíhcUa , Júpiter ?o pé de outra ,
Alarie , Scc. cada qual em feu lugar ; fc a
manha qs fordes obfcrvat , nenhum acha-
.' reis
121 Recreação Filofofica
reis no lu^ar de hoje , rocios afFaíhdos def-
ícs fuios ft-mpre para o Naícente ; aré <^ue,
correndo rodo o Cco , rornáo ao mefmo lu-
gar, a Lua em 27 dias e meio, Júpiter em
1 1 annos perto de doze , Saturno em quaíi
:5o i e allim os demais.
Eug. A^ora acabo de entender iíTo bem :
pois fe^uro-vos que me cuftou i e fenáo
he a comparação da formiga , não o en-
tendia.
Silv. Eu também confelTo que me confun-
dia com os ('ous movimentos encontrados,
hum do Nafcenie pira Poente , outro ás
avéíTas.
^heod, O fyftema Copernicano he muito
mais deícmbara^ado , ^e facil de perceber.
§. III.
Do fyfiema Ccpernican<K
Silv. /^ Ue importa fc he herético f
£ug. kJ E além diiTo , diz que a Terra
anda aos tombos la peio Ceo co-
mo os outros PJanctas ; cu não (ci como
ifto lembrou a homem que tivelTe o juizo
cm fcu lugar. E dizei-me , Theodofio , e
náo via eíTe homem que nós haviamos de
cahir precipitados como ícaro , em fe vol-
tando para baixo a fuperficic da Terra , era
que viveíTemos^
Theod.
Tarde trigefima fegunda, 223
Theod. O pobre Copérnico acha-fe aqui fem
patrono que o defenda , e com dous inimi-
gos em campo ; vós o impugnais peio que
toca á boa razáo , e Silvio pelo que toca
á Efcritura. E muitos tem outro embaraço
para o Teguir , que he a authondade e pre-
ceito da Inquifiçáo de Roma , que por mo-
tivos mui juftos prohibio que íe feguiíTc
com.o thefe ; e fó deo licença para fc fe-
^uir como hypotbefe.
£ug. Não entendo eíTas duâs palavras thefe ^
e hypothefc,
Theod. Eu vo-ías explico cm todo o feu
fentido rigorofo. Seguir huma opinião co-
mo thefe , he dizer que aíTim fuccede na
realidade ; feguir como hypotbefe he fazer
fó huma fuppoílçáo que a coufa fuccede af-
fim , fem dizer fe na realidade he , ou não
he. Qiicm dilTer que a Terra fe move como
Plineta h roda. do Sol , e que ijio certamen-
te he ajfvn na rcalidide , falia como thefe ,
para o que he precifo argumento evidente ,
que o prove ; rodos os eíFeitos Aftronomi-
cos , e FyGcos abfolutamente podem aconte-
cer eílando ella quieta ; porque o Poder e
Sabedoria de Deos são infinitos , e muito
grande a nolTa ignorância , e equivocaçáo ;
ainda nas coufas palpáveis, quanto mais nas
remotiííimas , como s?o os Aftros. Porém
quem diíTer , que na fuppoftçao que a Terrt
fe jmva , c o Sol elicja. quieto , fe explicA^
belUIJmiameme tudo quanto fe tem até aqui
defçuberto na Fyfíça ê AftronomU concer-
i
234 Recreação FUofoficci
mnte a ejit rr.a'ena , diz bem , ç difcor-
re prudcntiHim.:;mcnie j e ifto permiite a
Inquillçáo Romana , i^ue lo prohibia o
dizer que 'ú\o allim era , em quanto náo
houveUe razáo mathematica clara que o
provaile : muitos dizem que já temos ef-
ías razões , c em Roma todos fegucm ef-
fe íyílema. Eu explico hum e outro fyf-
• tema ; porquanto cm ambos elles fe expli-
cáo 03 eífciíos , que obfervamos nos Ceos.
Socegai-vos hum pouco ambos vós , que
tudo íe faz com vagar. Ouvi o fyftema ,
e depois iremos a ver o que c\lc tem de.
' bom , e de mão.
Fu^, Ifto, Silvio, parece pofto na razão.
Silv. Depois mo direis.
Ttcod. Coprrnico , e toios os demais Filo-
iotos que o fcguem , como Des-Cartes ,
Ne>\''ton 5 Scc. cáo á Terra o movimento
que os noíTos fentidos attribuem ao Sol.
Huma coufa he certa hoje entre todos , e
ninguém dilto duvida , que no cafo que a
Terra fe moveíTe , como dizia Copérnico ,
nós nenhuma diffcrença pcrceberiamos. Dif-
to ha mil exemplos : quando paíTeamos pe-
lo rio no efcalcr , náo vos parece que os
navios ancorados e fem velas vem vindo
para nós ? e que os montes da banda d a-
lém , e as arvores das quintas , por onde
paíTarros , fe movem ?
JEug. Aflim parece ^ e das primeiras vezes
que errbarouei , me parecia que o meu
navio eíUva quieto , c que os rochedos c
cof?
Tarde tri^efinia fecunda, 22s
õ
>
coftas 5 e tudo o mais por onde paiTava , fe
moviáo para mim. Agora que já a expe-
riência me fez conhecer eíTe engano , nem
ilTo me lembra.
Theod, Pois o mefmo havia de fucceder mo-
vendo-fe a Terra. Como nós nos haviamos
de mover com cila , não perceberiamos o
feu movimento , e cuidaríamos que o Sol
e as Elhellas , cíTas eráo as que Te moviáo
para a parte oppofta. Copérnico diz que a
Terra fc revolve cm 24 horas de Poenre pa-
ra Nafcenre. Se ilTo for aíhm , eftando o
Sol fixo , quando nós formos caHiinhando
para ellc nos ha de parecer que o Sol vem
de lá para nós , e caminha para o Poen-
te. O mefmo digo das Eíheilas ; e co-
mo nós náo advertim.os , nem fabemos
(leite movimento , atr.ribuimos aos Aftros
o movimento qje he nolTo , aíiím como
os que vão embarcados attribuem ás arvores
o movimento que ellcs leváo. Por efte mo-
do todos vão crendo àcíde o berço que os
Ceos fe movem em 24 horas òc Nafcente
para Poente ; quando na verdade (diz Co-
pérnico ) nós fomos os que nos movemos
de Poente para Nafcente. Nem vos pareça
que havíeis de perceber o balanço deita
grande náo.
Bug. IfTo náo ; porque fe eu náo percebo o
de hum navio quando vai íeguido , porque
me parece que náo anda nada ; o movi-
mento da Terra , que havia de fer muito
mais igual , menos o havia cu de perceber.
Tom. VI. P Thcod.
2 26 Kecreaçdo Filofofica
Theod. Aqui tendes vós já explicado o Di.i
c Noite : porque em quanto andamos volta-
dos para o Sol , hc Dia j em quanto anda-
mos da ouira parte , he Noite ; c vemos as
Eltreilas.
JBug, E porque não cahimos para baixo,
volrando-fe a Terra comnolco , aííim como
nos affogamos quando fe volta a embarca-
ção í
Theod. Quem he que nos havia de fazer ca-
hir?
Eug. O noíTo pezo.
Theod, E para onde nos faz caminhar o nof-
fo pezo ou gravidade?
JEug. Para o centro da Terra. Já advirto no
encano.
Theod. Vós percebeis como os antípodas, if-
to he 5 os povos 5 que vivem na Aíia , lá por
baixo de nós , e com os pés voltados con-
tra os noíTos 5 percebeis , digo , como clles
não cahcm por efías regiões do ar ; porque
o mefmo pezo , que nos faz carregar con-
tra a fupeiíicie da Terra aqui onde eífamos,
faz que em redondo do globo da Terra to-
dos os corpos pczem contra a mcfma fuper-
ficie. Cahir para baixo quer dizer cahir para
o centro da Terra. Náo he ifto aíEm ?
£ug. Alíim he; confeíTo o erro.
Theod. Logo cahircm para baixo os homens,
que vivem na índia , he movercm-fe para
a Terra ; e por mais que o mundo ande
á roda comnofco , o mefmo pezo que
• aqui nos une fcmprc cgm a Terra , ftos
Tarde trlgefima fegunda. 227
não deixaria nunca feparar da fua fiipcrfi-
cie.
Silv. Mas ao menos a força , com que a
Terra gira em 24 horas , náo atiraria com-
nofco por elTes ares? Quando os r:: pazes jo-
gão o piáo , fe ihe bocamos alguns grãos
de arêa fobre o piáo , cíle com o leu mo-
vimento rápido atira com eiies mui longe ;
o mefmo íuccederia comnofco.
Thcod, Eftimo a dúvida , e a comparação,
que me ha de fervir de muito. A ifio cha-
ma-fe força centrijuga ; e he certo que to-
do o corpo 5 que fe move em giro, faz for-
ça para fugir do centro do fcu movim.cnto :
e fem dúvida que , movendo-fe a Terra
em volta , a náo termos a força da Gra-
vidade que fempre fem ceíTar nos puxa pa-
ra o centro da Terra , ella atiraria comnof-
co por eíTes ares : mas bem vedes que te-
mos huma força , que puxa por nós para
a Terra , que he a gravidade , feja quâl for
a fua cauía , de que falíamos algum dia.
Eíta força poz o Omnipotente para con-
trabalançar e vencer a torça centrifu^^^
com que a Terra nos facoJiria de íi , aliím
como a funda facode a pedra. Advirto, que
a efta força da gravidade , que nos puxa
para o centro da Terra , chamáo os Filo-
fofos força centrípeta , ou attiao^ão : po-
dem.os fem efcrupulo uOr deites nomes no
fentido , que expliquei algum dia. Quando
falia rmos da figura da Terra emendereis ifto
melhor*
P ii Silv^
228 Recreação Filofofíca
Sih, Eftou fatisfeíto : profcguí.
Thcod. Além dcfte movin-.cnío dwmo , com
que a Terra gira á roda do ícu eixo, allim
corr.o fabemo? i^ue gira o Sol , e \^enus,
c Marte , c Júpiter , e a Lua , que todos
Ic movem á roda de fi mel mus , coma o
pião : além deite movimento, que faz dia
e noite , diz Copérnico que a Terra lera
outro á roda do Sol em hum anno , com
o qual faz o Veráo e Inverno j e ciic mo-
vimento he pela Eciitica ou orLita , qce
nós chamamos do Sol i porque indo nós
por huma parre do circulo , citando o Sol
no ceniro delle , parccc-nos que clle vâi
andando lá pela outra p<-.r[e. Exemplo:
quando nós andamos pc!o ). rdmi á roda
do lago de Netuno , que fica no meio,
parece-nos que a Eftatua vai andando pela
outra borda oppoíta , poroue como nós nos
movem.os , ora nos correfpondc a Eítatua
a huma parte da borda do la^^o , ora a ou-
tra. Aííim hc o Sol 5 diz Copérnico , Te
agora correíponde a huma coní^ellncâo ,
que chamáo Aries ^ como nos mudamos pa-
ra outro lugar , pcrque a Terra vai fazendo
o feu circulo , náo pôde o Sol correfpon-
der lempre a Aries , ha de correfpondcr a
Tauro , depois a Geynini , &c. E deíle mo-
do andando a Terra pela Eciitica , cuidare-
mos que o Sol hc quem anda por ella , e
que nós eílamos parado?. Paliado hum an-
no , como torna a Terra a vir ao mef-
mo lugar , torna outra vez a corre íponder-
lhe
Tarde trigejima fegunda, 229
lhe o Sol a Arks, líto creio que he cla-
ro.
Ei(^. Cariííimo.
Tteod. Suppoílo ifto , vou a dar-vos huma
breve idéa de todo o íyftema de Copérni-
co , c refervo para depois o explicar-vos
nelie miudamente tudo quanto fe obferva
no movimento dos Alhos. Vede cita Eí-
tampa ÇEJiamp. ^. fig> 12.) que o tem de- Eft. 3.
lineado i o Sol eíla no centro do Univer- fig- 1^
fo j c íó gira á roda de fi : as Eftrellas tam-
bém todas eH:.o quietas. Quem fe move
cm círculos nefta máquina são fó os cor-
pos opacos 5 os quaes aílim como fe affaítáo
áo Sol , mais ou menos, aílim gaftáo mais
ou menos terr.po em fazer as luas volta*?.
Mercúrio hc o mais vizinho ao Sol , difta
pouco mais ou menos 9 para lO milhões
de léguas ; por iiío gafta no feu giro quafi
7f mezcs. Vcnus já difta mais , porque che-
ga a 18 milhões de léguas; c confome per-
to de 8 mczes no feu circulo á roda do
Sol ; mas também fe revolve á roda do
feu centro. Sfgue-fe a Terra , que neíle
fyftema hc hum Planeta como os outros,
redondo , opaco , e revolve fe á roda de fi
mefma como elies ; p/orém como difta mais
do Sol , ha de gaftar mais tempo na volra
que taz á roda delle ; a diftancia he de 25
milhões de léguas, e o tempo sáo 12 me-
zes 5 ou hum anno. Depois da Terra eítá
Mane já em diftancia maior , difta ào Sol
38 milhórs de Icguaa , e o tempo do feu
pe.
230 Recreação Filofofica
jrcriodo ou volta s o (^uafi 27, rnezçs ou
dous annos ^ e iVmelhantcmente como a
Tcra e Vc nas , aiém do movimento á roda
cio Sol , rem o leu movimento de rotação
lobre o Teu centro cm 24 horas com pouca
diifeiença. V.mos a Júpiter : cite Planeta
cita em diLtancii muito maior; porque,
conforme diiTemos , são 1 ^o milhões de
le^Ucis ; porém o tempo , cjuc u^aí-ta em fa-
zer o leu circulo , he muno maior , sáo
quafi doze annos ; e também como os ou-
tros Planetas le revolve íobre o feu eixo :
Saturno, que he o uitimo , fim difta do Sol
238 m.ihóes de léguas , mas tambcm he
o mais vagarofo de todos clJes em* acabar
a fua revolução , porc]ue confome quaíi ^o
annos. Voamos aos Satélites : o àà Terra ,
que chamamos Lua , elèá mui vizinho a el-
la 5 íó dilla 62. 15^ léguas , mas por ilTo
no feu giro á roda da Terra gafta íó ij dias
c quafi meio. Júpiter tem 4 Luas em di-
verfas dift.incias ; e por ilío creice o tem-
po das fuás revoluções entre fi , compa-
rando'OS com as fuás diftancias a reípcito
de Jiipiter, aílim como crefce o tempo das
revoluções dos Planetas grandes , quando
crclcem as fuás rcípce^livas diítancias do
Sol , â roda de quem girao. O melmo le
obierva exaclifíimamentc nos de Saturno.
VeJe agora a beileza defte fyftema. Primei-
rr.rr.cntc a fua uniformai :ade c perleita ana-
logia em todas as fuás p3rtC5. Os corpos
luminoíos , como Sol c EíhcHas , todos
Tarde trigefima feguuàa. 131
eftáo quietos , fó tem algum movimento
de rotação , mas náo mudáo íenfivelmentc
de lugar , e os corpos opacos todos giráo.
Além difto os corpos mais pequenos giráo
á roda dos corpos maiores : v. g. a Lua
á roda da Terra , que hc 49 vezes maior;
os Satélites de Jupicer á roda delle , e os
de Saturno do meímo modo ; e todos ef-
les Planetas , forque sáo m.enorcs que o
Sol , giráo á roda delle , como feus Saté-
lites e criados. Demais entre os corpos ,
que giráo á roda de outro , os mais próxi-
mos bzem a volta mais de preíla ; os mais
remotos, como fazem circulo maior, o aca-
báo mais de vagar. Ainda ha outra feme-
Ihança e corrclpondencia : os Planetas , que
giráo á roda do Sol , além deíTe movimento
íe revolvem fobre o fcu eixo ; porque ain-
da que de Saturno , c Mercúrio náo coníla ,
he porque Te náo podem obfervar bem , hum
por mui chegado ao Sol , outro por mui re-
moto. Ultimameme todos os corpos opacos
girando á roda do Sol , ora fe chegáo mais ,
ora menos ; e ifto fe eftende a toda eíTa
claíTe de Cometas , eftando fó a diíTeren-
ça em ferem mais compridas as íuas Eli-
fcs. Náo vos parece engenho fo efte fyfte-
ma?
T.ng. Confefib que eílou admirado : que di-
zeis, Silvio \
^hcod. E que direis vós , fe já foubeíTeis a
bclliílima concordância , que clle faz com
as leis do movimento , conítantcmentc ob-
íer.
2
2 Recreação FiIo!lofica
fervadas nos corpos terreftres ? Ifto admira-
velmente defcubrio Nc^xion , e á manhã
vos moílrarei , explicando-vos a cauía fyíi-
ca dos movimenios dos Aftros. De forte
que cu , fallando-vos com a fmceridade
Chriliá , e de amigos , náo fei verdadeira-
mente os fcgrcdos de Deos , nem o fumma-
mente cngenholo maquinilmo íobrc que
Deos ideou o movimento dos Aftros ; po-
rém fe cile ideou o movim.cnio dos corpos
Celeftes , que obfervamos , fobre eítas
mefmas leis de movimento , que cá efta-
beleceo nos terreftrcs , pcrfuado-me que fe
háo de mover como fe fuppóe nefte fyfte-
ma. Porém como os Ceos diftáo tanto da
Terra , também os princípios e leis de mo-
vimento lá podem fer mui diverías das
de cá. Mas ifto pertence a conferencia de
á manha. Agora quero que olh?ndo fum-
mariamente para hum e ouiro fyftema , co-
nheçais a difftrença c"e hum a outro. No
fyllema Ticonico n:o ha cfía bellcza , nem
uniformidade , nem formcfura , como fe
vè. Além dilío , os Planetas no fyftema
Copernicano tem hum fó movimento á ro-
da do Sol j do Poente para Nafccnte, e ef-
fe náo he dcmaziadamcnte rápido como fe
vê , porém no Ticonico , além dcíTe mefmo
movimento , he* prccifo outro encontrado,
que he o de cada dia, e eíTe he velociílimo,
por fer cm 24 horas. No fyftema Coperni-
cano , para formar o dia c noite , bpfta dar
a Terra huma vclia fobrc o eixo ein 24 ho-
r.;s ,
Tarde trigefima fegunda, 235
ras ; e no outro fyítema , he prccifo que toda
eíTa immenfa maquina dos Ceos , com io-
das as Eftrellas, Sol, c Planetas, e lambem
os Cometas lá elcondidos nas aliiiiimas re-
giões invifiveis , he precifo , digo , que tu-
do dê huma volta á roda da Terra em 24
horas , que he huma velocidade tal , que
parece incrivel. No fyftema Copernicano le
explica fem trabalho nenhum o que vemos
nos Planetas todos , que ora nos parece que
com o feu movimento particular váo para o
Nafcentc , como he coílume entre todos \
ora que recuáo para trás c váo para o Poen-
te ; ora que ficáo parados, Ames lem hum.a
grande perturbação na fabrica dos Ceos ,
não podia deixar de nos parecer aííim , ain-
da que na realidade elles fempre marchem
com hum paíTo feguido , dando os léus gi-
ros de Poente para Naíccntc. líio vos ex-
plicarei eu de vagar. Pelo contrario no fyf-
tema Ticonico , para fe explicarem eftes
movimentos , he precifo dizer que os Pla-
netas andando pelo Ceo fazem hun^a linha
toda enrofcada com.o efta {EJiamp. ^. fig. Ff^. j.
^.); ora andando para diante , como delde fig. 5.
/Z até c j ora para trás , como defdc / até
o j ora nem para trás , nem para diante ,
fubindo hum pouco para fima , como deídQ
o até e , ou de e até i. Ifto bem pôde fer ;
porém náo he mui narural. No fyilema
Copernicano vai o Planeta fempre Icguido
para diante , como vereis á manhã , ou no
dia feguinte. Ultimamente no f\ ficma Co-
pei-
2 34 Recreação Filofofica
pernicano , como dilTe , acha hum Filofofo
que tudo quanto Deos creou , íe governa
por humas meímas leis ; que o que vemos
praticado no movimento dos corpos , que
tocamos com as máos , he o mcímo que fc
obferva com os olhos lá nas regiões dos
Ccos : pelo contrario , no fyftema Ticonico
não fe guardáo , nem podem confcrvar as
leis de movimento eftabelecidas cá na Ter-
ra \ tudo fe inverte. Eis-aqui o que faz pa-
recer táo bello efte Tyftema , que hoje hc
fcguido por muitos , ainda que lhe chamem
politicamente mera hypothefe.
Silv, Tudo ilTo eu concedo que fcja aííim :
mas fe eíle fyftema he herético , que im-
porta que feja bcUo , natural , c fácil ? A
Efcritura eftá dizendo que o Sol nafce e fc
põe ; que gira pelo meio do Ceo , e vol-
ta outra vez ao feu lugar ; que a Terra ef-
tá firme , &c. logo he herefia dizer que a
Terra hc a que fe move , e o Sol hc que
eftá parado.
Tbeod. DelTa mefma frafe , de que ufa a Ef-
critura Sagrada , usáo ainda os mefmos Co-
pcrnicanos 5 dizendo, que quando o Sol tem
íubido tantos grãos do Horizonte , cntáo
apparece mais pequeno que no Horizonte,
Scc. Mas eu tenho ainda muito que dizer
fobre efte fyftema ; vamos por partes.
Eug. Mas tirai-nos primeiro efte efcrupulo.
§. IV,
Tarde trigefima fecunda. 235'
§. IV.
PonderãO'fc os ar^ç^umcntos da Efcritura contra
o fyjlcma Copernicaiw.
Theod, C Eja embora , e averiguemos an-
O tes de tudo eíTes argumencos , pe-
los quaes vós, Silvio, julgais que efte lyf-
lema he herético. Mas primeiro he preciío
fazer reflexão , que aquella doutrina , que
a Igreja Romana dá huma vez por herética
ou falfa , ou errónea , aííim o he na reali-
dade j pois a Igreja náo pôde errar ; e por
confeguinte , ainda que paíTem muitos Sé-
culos 5 náo pôde a tal doutrina deixar de
fer hlfa , ou herética , ou errónea.
Silv. IlTo aííim he necelTariamente : mas que
faz ilTo ao ponto ?
Theod. Eu o digo : Hoje fe os Aftronomos
acharem razão evidente , que prove o mo-
vimento da Terra , eftava a Igreja prom-
pta para coníentír eJa opinião , como pro-
teélora que he da verdade , e náo da men-
tira. Ifto conhecereis vós defta refpofta que
deo o Padre Fabri Penitenciário do Summo
Pontifice a certo Copernicano , que lhe fal-
lava fobre efte ponto. Eu aqui tenho refií-
tado o lugar nas Tranfacçóes de Inglater-
ra ( i ) ; Lede-o vós em Latim , e tradu-
zi-o
(1) Anno de 1665 no mez de Junho diz
afíim : P, Fabrj e Societaíe Jefu , Pvoíhíç apud
236 Recreação Filosófica
zi-3 em Porcu^ucz , para que Eugcnío en-
tenda a rcfpoita que dá o Penitenciário do
P.ipa ao Copernicano.
Silv. Traduzido ri^orolamentc , quer dizer:
Nh humi fo vez je tem perguntado aos vof-
fos Corilé;s , /t' teyn alguma demofiftra^ãu ^
que prove o movimento âa Terra : e nunca
je a' reverão a âizer que fim. Logo não ha
1 upedim^no , par.í que a Igreja entenda , e
declare que fe devem entender os lug.íres da.
I[fcntu>:í no fenido liter.íl , em quinto fc
nxi mh'ira o contrario por demonjirncRo ; a
qual je algu n dia por vjís outros for excogi-
inda (o que dífjicultcf.ur.ente crerei), neffe
cafo di nji''wn modo duvidirâ a. Igreja de-
clarar que aquellts luga^-es da Efcritura fe
devem en^enJc no fentido fi,^urado e impró-
prio , como aquillo do Poeta : Terrjjque , ur-
besque recediiuí. líto He o que diz o livro
iielinente traduzido.
Thcod. E parece -me que bem claramente fe
diz
S Petrum Poenitentiarius , refcribens cuidam
Copernicano in -,uit : Ex ve/hii Cory;)hjei) non
íemcl (j'tje/iium cjl , turutn habcrent aliçatim pro
Tairje motti ligmon/irationeai ? Nuiirjuani aufi junt
id ajcrcrc. Sihil igittir ohjlat , qun toea ilia in
fcnjn incrali EccUfla intelli^ai , iS" Inielil^enJa cl-
fe declatet , quanda nu' Li demonjlruitonc contra ^
rlum e-jnciíur : qnjs fi fone aliquando a vobis ex-
coghsnir (^q'tod v'x credidírim ") la hoc cafu nul-
lo mudo diblubit EcclifiJ dechrare loca il/a in
len''t /iiJ irjio , CT impróprio intclUgenda effc , ut
iUuJ Poeix : Tcrr^]:4e , arbísnae rccedunt.
Tarde trigefima fegunda, 237
diz ò que ca dizia ; que a qualquer hora
que apparecer razáo convincente , que pro-
ve o movimenro da Terra , a Igreja decla-
rará que os lufares àà Efcriíura fobre o
movimento do Sol íc devem entender no
ícnrido , que lhes dáo a^ora os Copemica-
nos. E illo náo dilTe a Igreja nunca aos he-
reges ; que le elles molhalTem razáo con-
vincente a leu favor , entenderia os lufa-
res da Efcritura no íent"do , que elles lhes
daváo,
Sllv. Pois que fentido Tc pôde dar aos lu-
g-ires da Efcritura , que dizem que a Ter-
ra cftá quieta ( i ) e firme ; e que o Sol
nafce e fe põe , e volta ao feu lugar , e
gira pelo meio dia ( 2 ) ) e que íe revol-
ve nos feus círculos , lenio o fentido que
lhe damos?
TheOíL A refpofta que dáo os Copernicanos
a eiTes , e outros muitos lufares , que ha
femelhantes , da Sagrada Efcritura , he ,
que fe devem entenjer no fentido natural c
commum á intelligencia das genrcs , iílo he
óo movimento apparente , e quiece apparcn-
le. Deos (dizem elles J náo nos quiz enfi-
nar Aftronomia na Sagrada Efcritura , quiz
que os ^Sagrados Efcritores failaíTem accom-
mo-
( I ) Tgrra autcm In detcrnum jlat. EccleC
I. V. 4.
( 2 ) Orltur Sol , er occidít , èT ad Iccum fuum
revcnítar . . , ^Irat per metidiem , U fíeãitur ad
A(}(iilonetn .... er in circutffs fuos r<v€iiitur. Ec»
clçf. c. I. V. 5. 6,
238 Recreação FiJofofica
modandofe á commua opinião , c intelli*
gencia dos povos , como nos declara S. ]e-
ronymo ( i ). Por itlo diíTc a Efcritura que
Dcos produiiio dous luminares grandes (2),
que são o Sol e a Lna , e que fizera além
diíío as Eftrellas : e hoje he certiílimo que
a Lua nem de fi he luminar , aflim como
o Sol , pois náo tem luz própria ; nem he
grande , pois íe fabe que he a mais peque-
na couía que Deos fez em toda eíTa im-
menfa clalTc de Attros que conhecemos no
Ceo. Pelo que , aílim como a Efcritura lhe-
cham.a grande , fendo mininio aftro , e lu-
minar , fem o fer , fomente porque na com-
mua opinião das gentes a Lua hc luminar
grande , pois delia recebemos luz grande :
c feria ]:iuma coufa que fe náo entenderia
facilm>ente então , e perturbaria os povos ,
fe diíTeíTe Moylés que produzira Dcos hum
Aftro minimo de íi efcuro , c efte era a
Lua : aflim também dilíe que o Sol fe mo-
via 5 e a Terra eftava quieta ; porque efta
era a opinião e frafe de todos. Accrefccn-
tai que os melmos Copemicanos nos fcus
livros , para os entenderem facilmente ,
usâo defta m^fma U?.{e vulgar ; e dizem
gue quando o Sol fobe tantos grãos do HorU
zon^
(O S. Jeronymo in Jerem. 28. v. 10.:
i^uafí non niulia in Scripturis /anãii dhantur , ft'X'
ia opiíiiontm illhis temporh , (juo f^e/la referuní ^
9f non juxta quod rei vcritss continebul,
( 2 ) Tech cjuoíjut Deus duo luminária ma^n^-,
Gcn. I. 16.
Tarde trigefima fegunda, 239
2ontc fuccede ifto ; quando chega ao Zenith
fiiccede ejioutro ; que anda cada dia hum grão
para o Oriente ; que tem movimento dejigual ,
ora mais depreja , era mais de vagar , ó^c.
Todas eftas propofiçóes achareis em Co-.
pernicanos ; porque , tirada efta queftáo ,
accommodáo-re ao femido commum de fal-
lar conforme aos noíTos fentidos , e le fizef-
íem o contrario , era pedanteria. Se hum
Copernicano armando algum relógio do Sol
fe náo explicaíTe com o commum da gen-
te vulgar 5 ninguém o entendia , e todos
fariáo efcarneo delle, e com razáo. Por ef-
tc motivo Deos naquellas coufas , que náo
são myfterios da Religião , nem conduzem
aos coftumes , accommoda-fe á opinião com-
mua das gentes j e por iíTo até ufa das mef-
mas frafes , e idiotifmos da lingua que eráo
coftumados nos povos a quem fallava. Ef-
ta he a razão de tantas parábolas , e feme-
Ihanças , c figuras , de que ufavão os Pro-
fetas , porque cfte era o coílume daqucl-
les tempos. Também por iíTo fe diz , que
Deos inclina os feus ouvidos ás nofTas ora-
ções : que penetrado no íntimo do coração
tivera pena ( i ) : que esforçara o poder do
feu braço ( 2 ) : que Deos tem entranhas
de mifericordia ( O 5 ^^* fendo certo que
Deos
( 1 ) Taâus dolore ccréU intrinfecus, Gen, 6.
V. 6.
( 2 ) Fccit potentiam ín hrachtofuo, I uc. 1. 5 I.
(O í*<r "^ij^cctit niijti ietidiéS Díi mftri, Luc.
1, 1%,
24D Recreação Filofofica
Deos nem coração , nem entranhas , nem
braços , nem ouvidos tem , tallando pro-
priamencc ; mas porque , íe algum Theo-
íogo pregando ao povo commutaíTe eftas
cxprefsóes nas fuás liceraes e genuínas in-
teiligen^icis , ninguém o entenderia , ou
mui poucos ; por ilTo fe deve ui~ar deftas
frales accommodadas á intelligencia dos po-
vos. Ora íe na Efcritura Te dilTclTe ; and^
a Terra pelos feus cir:ulos : e firme eftâ o
Sol no (eu lugar immovel , &c. os povos
que lelTem , ou ouviilem ler os livros Tan-
tos, como os havi^.o de entender? fcm que
primeiro le canlalTem o> Doutores da Lei
cm lhes dar lições de Aftronomiâ ? B:ni
vedes que íicariáo todos eípantados ; e co-
mo Dcos náo rem empenho em que nós fe-
jamos Aítronomos , accommoda-fe á nolTa
intelligencia , e falia no fentido commum ,
e commua opiniáo. Eis-aqui a refpofta dos
Copernicanos aos lugares da Efcritura.
Eug, Náo me parece fora da razão.
Theod. Hoje todos os homens doutos fe per-
íuadem que cila refpofta fe náo deve deí-
prezar , principalmente depois que fe medi-
rão os grãos do Meridiano , e fe conhcceo
com certeza que a Terra tinha a forma de
huma laranja mais chata da parte dos pó-
los : ficando a agua do mar no Equador 6
léguas mais alta que nos pólos , o que pe-
de neceíTariamente a rotação da Terra. Os
que fe firmáo na literal intelligencia , hc
porque llies náo coníla do motivo urgen*
tií-
Tarde trigefima fegunda, 241
tiflimo que obriga ao contrario : e ifto
não fe pódc negar que he mui conforme
á razáo. Nem difto ninguém fe pôde quei-
xar ; porque em quanto eftcve o cafo cm
dúvida , quanto he pela Aílronomia e pe-
las leis da Fyfica , devíamos com refpeito
accommodar-nos á literal intelligcncia dos
lugares da Efcritura , que eftáo neíTa pof-
fe. Mas como depois appareceo razáo qua-
íi convincente , cntáo fazemos neftes luga-
res o mefmo , que fe faz em outros , que
fe entendem no fentido vulgar e apparentc.
Alguns de parte a parte adiantáo-fc demazia-
damente j huns dizendo que o fyílcma Co*
pernicano já eílá demonftrado ; outros dizen-
do , que com razoes naturaes fe convence
de falfo. Huns e outros fe adiantáo muiio:
averigucmos as razões , que ha a favor , ou
contra eíte fyftema.
§. V.
Dcs argumentos fyficos contra o Jyjlema
Copçvnicano.
Silv* T> Azoes contra efíc fyftcma nao fal*
JLv táo : nem eu fei como hum ho-
mem de juizo deixará de fe convencer com
cilas 5 por mais beilo que elle pareça , pin-
tado como os Copernicanos o pmtáo,
n^od» E que razoes sáo eíías ? cxaminèmo^
las.
Tom. VI. Q. Sily.
2/\.i Recreação F/Iofofica
Silv. Efta m.inhá cftive lendo tantas em hum
grande jModcrno ( i ) , que não íci le hu-
mas me confundirão as outras. Primeira-
mente ie a Terra íe movelTe , os paíTaios
Tiho achariáo os feus ninhos ; porque como
depois que Tahiráo dcllcs , a l^erra le mo-
veo , náo poderiáo depois atinar com eiles.
Demais, as nuvens náo poderiàc nunca eftar
a prumo íobre nós; porque revolvendo-k a
Terra para o Nalcenie, as mefmas nuvens,
que correfpondçm açoca á íioiTa cabeça, da-
qui a hum minuto já licariáo para a parte
do Pcente.
Ihecd. E fe eu vos dilTer que com a Terra
íe revolve também a atmosfera do Ar , já
náo tem difficuldade nenhuma os paflaros
em achar os feus ninhos , nem as nuvens
em ficarem a prumo lobre nós. AHim co-
mo , fe no convés de. hum nc.vio tor huma
cclha com agua c peixes , ou capoeira com
gallinhas; ainda que a náo fe mova rnui ra-
pidamente , e o puleiro , que agora eitava
nqui 5 na noirc Icguinte efteja muitas léguas
lati^<, as g^tíinhas Içmprc acharão os feus
pulcJros coíiunwGOs , e os peixes nenhu-
ma diiicrcnça fcntiráó de quando a náo ef-
livoí pawda. DcíTe meíroo modo acoruccc
ncfte fyftema nôs paíT;irGS que \oáo , c ás
nuv^^s. Tudo fe move com a Terra; e ne-
nliiín»a diferença haverá a refpeito ócs feus
parric&kres movimentos , quer a Terra cf-
Ceja fíime , quer como hum grande na-»
vio
(O Fortunato dé Btixia defde o num. 3 j«>J.
Tdrde trigefima fegiinda, 243
"vio fe mova perennementc junto com a re-
gião do Ar , e tudo o que nella habita,
Súv, Tem iíTo mais que dizer , do que pa-
rece. Quem ha de communicar eíTe movi-
mento ao Ar í O globo da Terra náo ; por-
i^ue, quando muito, lhe poderia communi-
car algum movimento por eftar rodeada def-
fe fluido i mas nunca Teria táo rápido , co-
mo o da mefma Terra : alhm como hum
pcáo andando á roda , náo communica igual
movimento ao ar que o rodeia , pofto que
fempre o ponha em movimento ; e creio
ter lido que o vofio Newton demonftrava
que hum corpo mcttido n"um fluido infini-
to 5 dava ás diverfas partes do fluido diveria
velocidade , attendendo á diítancia.
ThQoà, Eftamos em cafo diftercnte ; porque
o Ar náo fe deve confiderar fluido infini-
to , c muito menos a reípeito da Terra *
antes juftamente le pode reputar por hum.a
ligeira cafca do globo Terráqueo. Mas náo
vos quero interromper.
Súw Além diíto : fe a Terra fe moveíTe pa-
ra o Oriente em 24 horas , haviamos de ex-
perimentar fempre hum vento perenne para
o Poente ; por quanto o ar , náo podendo
acompanhar a Terra , que fe movia para
Nafcente , iria correfpondendo fuccefiiva-
mente a todos os lugares , que firáo para o
Ocafo 5 até que , acabando a Terra de dar
huma perfeita volta , tornailc a correfpon-
der a Lisboa o mefmo ar que antes lhe
correfpondia , tendo pafíado entretanto poí
Qii to-
244 RecreaÇíío Tilofofica
todas as terras que formão eíTe circulo do
globo Terráqueo : e nada difto he allim.
Com que 5 Thcodofío , não deis por cerro c
alTentado que ainda no caio de le mover a
Terra j também o Ar ie havia de mover.
Eug. Na verdade, Theodofio , que ]a Silvio
me parece Moderno no modo , c nos ter-
mos com que difcorre.
Theod. Gófto òc o ver difcorrer afíim , ain-
da que não concorde com.i^o. Mc^,s vós per-
guntais quem ha de dar eíle movimento ao
Az 1 Relpondo, que quem o dco á Terra.
Sc eu folie Copernicano , náo diria que
Dcos deo o movimento á Terra , e que a
Terra levava comfigo o ar; fen:-0 que Dcos
deo eífe movimento á Terra , e ao Ar que
a rodeia. Dado eíle movimento , períeve-
rariáo nclle o Ar e a Terra : efpecialmentc
porque eihndo o clpâço dos Ceos aflima
do ar, ou vafio , ou quaíi Vc.fio , náo tem
quem retarde , ou impida o movimento
do ar para o ^íafccn^e , acompanhando a
Terra. Nem cu me valeria do que íe va-
lem alguns Copernicanos , dizendo que
por cite motivo na Zon.i Tórrida ( ifto
nc , nas terras que de huma e cutra par-
le acompanháo alinha até aos Trópicos )
ícmpre ha vento para o Poente , procedi-
do de que o ar náo acompanha a Terra
com tanta velocidade , e por iíTo parece
correr para a parte oppofl.3 : digo que aáo
rcfpondo afiim , porque náo hs necelTario.
Elte modo he mais expedito. Deos aííim
CO-t
Tarde trigefima fegunãa, 245'
como deo cíTe movimenio a Júpiter ^ a Vé-
nus , e á Terra neíle fyfíema , podia dar
o movimento ao Ar , que a rodeia. Po-
rém vós 5 Siívio , he precilo que eftejais
perfuadido que nem tudo o que dizem os
Modernos he certo , ainda que Icjáo gran-
des homens. Entre nós ha miuita variedade
de opiniões , e delias fó huma pede Ter a
verdadeira ; digo ifto para que vos não ef-
panteis de eu náo concordar com o Brixia ,
nem com o P. Ricciolo , a quem nilTo el-
le fegue com demaziada veneração. Digo
que he demaziada ; porque ainda que Deos
fó délTe movimento á Terra, efta communí-
caria algum ao ar próximo , e efte ao ou-
tro ; aííim como fuccede , quando n'uma
bacia de agua , com a máo pouco diftante
do centro , fazemos mover em roda toda a
agua da bacia. Ora ainda que efte movi-
mento folTe lento ao principio , he certiííi-
mo pelas leis do Movimiento (as quaes eí-
fe Author trata admiravelmente ) que em
quanto a Terra excedeíTe na velocidade o
Ar , lhe iria communicando algum movi-
mento : pela parte de fora da região do Ar
náo ha nenhum embaraço fcnfivcl : logo
pelo difcurfo de tantos milhões devoltas,
quantos dias tem havido depois da crcaçáo
do Mundo , au^mentando-fe todos os dias
o movimento do Ar , chegaria algum dia a
igualar o da Terra ; e como náo ha caufa
que o retarde , depois de huma vez poílo
cm movimento . nelie ficaria,
SWv.
1^6 Recreação Filofofica
Silv. Náo bafta que o Ar iguale o movimen-
to da Terra , he precifo que o exceda ; por-
que como cftá mais alto , e difta mais do
centro da Terra , em 24 horas fana maior
volta que a fuperíicie da Terra , e íorçofa-
mente para acompanhar a Terra necefluava
de maior velocidade : ifto hc lá pelas volTas
leis.
^Jbíod, Que vos parece , Eugénio ! Silvio ef-
tudou bem o ponto. Ora aííim deve fer;
mas pergunto : E quanto maior deve ler a
velocidade do Ar , do que a iuperficie da
Terra ?
Sih- líTo agora vós lá o fabcreis.
Theod, Paliemos do Ar até á altura das nu«
vens ; porque do que vai d ahi para fima,
náo podemos ter prova da experiência para
dizer que acompanha ou náo o movimento
da Terra: eíla altura quando muito lera hu-
ma le^ua , porque , conforme aos mais exa-
ctos .Geógrafos , os montes mais altos da
Terra náo vencem cila altura , e fabemos
que vencem as nuvens. Sendo pois eila a
altura do Ar que tratamos, era precilb ao Ar
ahi ter velocidade maior que a da iuperficie
da Terra i porém cfte excelTo era táo peque-
no , que ficava iníeníjvel : devia em 24 horas
andar teis léguas mais , pois íó niílo vence
o circulo das nuvens ao circulo que faria a
iuperficie da Terra. E que velocidade he ef-
ta para Ter fenfivel no Ar ? Correr 6 léguas
em í4 ^'Oras , ou hum quarto de le^ua cm
hums horaí
Tarde trige/ima fegunda. 247
Eug. Hum coxo com duas moletas anda mais
ligeiro, e pofto huma hora continuada a an-
ddr, faria mais de hum quarto de legua.
Tteod. Oizcis bem: ora fupponhamos que o
Ar com eiieito nem nelle pouco excede á
Ttrra na velocidade , mas que ló a igua-
la ; fcguia-fe dahi que as nuvens , íe ti-
velTem ue altura huma légua , a náo haver
vento do Poente , correriáo para la ; mas
táo de vagar , que gaftaílem 4 horas em an-
dar lá em fima huma légua. Ora dai para
ca experiência , peia qual coníte que , náo
havendo vento nenhum extraordinário que
as perturbe , náo ha lá em fim a eíta iníen-
fivel viração. Supponhamos que eu dizia
iíio ; que preicindindo de alguma virciçáo
do Poente 5 que contradiílefle efta contínua
viração do Nafcente , nunca as nuvens po-
dem ficar a prumo febre nós , iem que lá
tenháo eíte lentiílimo movimento psra o
Pcente. Quem poderia allegar experiência,
que me convencclTe í Sendo-ihe precifo pro-
var, primeiramente que lá em fima náo ha-
via nem cíTe movim.cnío infeniivel ; e além
dilTo , que náo havia viração nenhuma do
Poente. Sem provar eftas duas ccufas , nin-
guém diria que a experiência provava con-
tra mim. Mas náo gaftemos tempo com ii-
fo. A Terra com a continuação podia dar
ao Ar movimento maior que o íeu , ;:H;m
como a máo , movendc-fe dentro da í'gua
da bacia por baftante tempo , pôde dar á
agua, que mais dilta dg centro ^ maior ve-
lo-
24S Recreação Filofofica
locidade , que a da máo. Mas a refpofta
verdadeira he : que efte movimento da
Atmosfera he immediaramente recebido de
Deos 5 como o mcimo movimento da Ter-
ra.
Silv. Mas que dizeis vós á agua das lagoas
e tanques que fempre fe devido mover para
a parte ão Poente , porque nunca podiáo
pela fua natureza acompanhar o movimento
da Terra , que velociJlimamente fe volve
para o Nafcente ?
Ihécd. Refpondo que huma celha de agut
num navio , que corre á vela , correfponde
ás lagoas da Terra no lyftema que ella fe
mova j e aflim como a agua da celha acom-
panha a celha e navio , aííim a das lagoas
acompanha a Terra.
Síh. Ainda tenho mais diíRculdades ; huma
he que a chuva náo podia cahir a prumo
fobre a Terra ■■, porque cm quanto vinha pe-
lo ar, fugia a Terra para o Nafcenie; e fe
gaftar em cahir da nuvem até á Terra 2
minutos 5 já neííe tem-po a Terra tem fugi-
do muitas léguas.
Itecd. Quem vos diíTe a vós que as pingas
dagua podiáo gaftar dous miinutos em ca-
hir r Em dous minuios huma gota de agua,
prefcindindo da rcfiftencia do ar, cahiria por
huma altura de 21^ mil pés : e quem deo
tanta altura ás nuvens ? Porém gafte a chu-
va huma hora em cahir , fe as nuvens fc
rrovcm com a Terra , aflim corro os cef-
ios das g^vias com os navios 3 fegue-le
que
Tarde trigefima fegunda, 249
que aííim como huma pedra lançada de fí-
ma do maílro , onde chamáo fe/?o àa ga-
via , cahe na ra:z do maftro , por mais li-
geira que vá a náo , como vos expliquei
noutro tempo ( i ), porque motivo náo ha
de cahir a chuva a prumo , por mais ligei-
ra que corra a Terra í Qual he a outra dif-
ficuldade que dizeis?
Silv. Vós agora m.e lembraftes huma que
tenho ouvido náo fei a quem : eu a expli-
co. Se do alto dhum miaílro cahir huma
pedra , indo a náo defpedida , fará cá em
baixo n'uma caixa de barro m,olle fua co-
va 5 não totalmente a prumo ; e cahindo
do alto de huma torre , enterra-ie bem a
prumiO ) e fe a Terra fe moveíTe , a torre
faria o mefmo que faz o maílro.
Thccd. A mim me lembra de o ter lido no
Pacre Lanis , ainda que a outro propoíi-
to 5 mas náo lhe dou muito credito j por-
que quem o certificou a elle , de que quan-
do a pedra tocou no barro , náo tinha o
balanço da náo tirado a caixa do barro do
Nivel mathematico ; e que a cova , que
quando fe formou era mathematicamentc a
prumo 5 mudando de nivel a caixa , ficou
hum pouco obliqua ? Mais : Como conhe-
ceo elle , em táo pequena altura , e em
matéria moUe , huma obliquidade , que náo
podia fer fenáo muito , e iruito pequena?
Mas diga elle o que difTcr. O cafo he que
cm rigor mathematico deve fer aflim no
na-
co Tom, I. Tarde III. §. II.
250 Recreação Filofofica
navio 5 e na torre não. A razáo hc ; por-
que no navio , como o ar nao tem a mef-
ma direcção , e velocidade hor.zontal que
fe communicou á pedra, deve rigoroíamen-
te quando chegar ao barro ter menos velo-
cidade horizontal que o bano , e eíla dinii-
r.uiçáo ha de íazer inclinação para trás na
cova. Porem em terra , conio no caio , que
ella le moveíTe , o ar levava o mcfmo mo-
vimento horizontal para Nafccnte , que le-
vava a pedra cahindo, náo havia caufa pa-
ra fazer a cova obliqua no chão : iíto hc
fallando em iodo o rigor roathcmarico, que
ívficamence he impoíhvel que le polia co-
nhecer obliquidadc ienfivel na cova. V^amos
a ou:ra difhculdade.
Silv. Eu a digo : huma peça de artilheria
voltada para o Nafcente havia de curfar
muito mais do que voltada para o Poen-
te , pcrque no primeiro caio náo íó a força
da pólvora , mas o impcto da Terra , leva-
va a bala ; c no ícgundo era o Ímpeto da
pólvora contrario ao da Terra. Eftas cou-
í.is, Theodofio, sáo tiradas dos vcíTos racf-
mos principios ; por líTo eu me admiro que
homens , a quem vós reputais por grandes
Filolofos , tal digáo.
7'hecd. Tendes muita razáo : mas reparai ,
que cíTa mcfma milita contra aquclles ,
que dizem que na camará de hum navio,
quando ellc vai cem o venio feguido , fe
jog^íTem o truque de taco , náo íentiriáG
diíTerença nos movimentos das bobs , de
cuan-
Tarde trigef.ma fegunda. 25:1
cjuando jogaflcm eftando o navio parado;
e niílo hoie todo o mundo concorda. Sil-
vio 5 vós náo reparais que , indo a bala
para o Oriente, tambcm a Terra lhe foge;
c vindo a bala para o Poente , cm quan-
to vem pelo ar , o cháo Te lhe vai met-
tendo por baixo \ Supponde vós que a pól-
vora fó pode fazer correr a bala 50 bra-
ças , c que elta he a diftancia que tem o
alvo da peça ; e que a Terra nelTe tempo
correrá ^o braças , por exemplo. Qiiando
o canháo ou peça de artilheria fe volta pa-
ra o Nafcente , vai a bala com 80 gráos
de velocidade , :5o que lhe deo o impero
da Terra , e 50 da pólvora ; mas entre-
tanto o alvo fugio cem a Terra ^o bra-
ças mais para o Nafcente : já por eftas
contas precifa hc á bala toda eíía velocida-
de para chegar ao alvo ; porque 50 gráos
são para vencer a diftancia da peça ao al-
vo , e 30 são para fupprir o que elle fugio
entretanto com a Terra. Ora voltemos a
peça para o Poente. Como o impeio da
Terra faz correr a bala ^o braças para O
Kafcente , ainda que a pólvora lhe dè Ím-
peto para correr 50 para o Poente , náo
lhe communicará toda eíía velocidade : ha
de defcontar-fe o impeto da Terra em con-
trario ; e fò irá a bala com 10 gráos , e
íó poderá correr 20 braças para o Poente :
porém entretanto o alvo , movendo- fe com
a Terra , fe veio chegando para a bala ;
e aílim andando o alvo para cá ^c braças ,
2)2 Recreação Filofofica
a bala para lá 20 , acaba-fc a diftancia de
50 braças , que entre hum e outro havia,
e deo a bala no alvo. Crede-me , amigo
Silvio 5 que fe efte fyftcma tivelTc qual-
quer embaraço com a F}Tica , náo o pro-
tegeriáo aquelles que tem chegado a huma,
em certo modo efcrupulofa , e dcmaziada
obfervaçáo das mínimas leis de movimento
para qualquer effeito. Agora os fundamen-
tos , que tem a feu favor cfte ívífema , mais
alguma força leváo j os defapaixonados ve-
rão fe he tanta como he prccifa , para que
íe permitia francamente que fe figa como
tkcfc,
§. VI.
Das razões fy ficas , que favorecem os Co-
permcanos.
Silv» X T Ao me parece qúe ferão muitos 0$
X^ feus fundamentos.
Jheod. O Grande Cardeal Polignac , fen-
do mui bom Chriftáo , e mui douto , co-
mo gloria que foi da purpura Cardinalí-
cia , julgava o contrario do que vós jul-
gais. No feu admirável livro do Anti-Lu-
credo , depois de referir alguns fyífemas
do Ceo , querendo referir o Corpernicano,
lhe faz cfta Iniroducçáo : Mas porque nte
obriga o amor da verdade , aquella fen-
tenca me arrelata de todo , que affirma ,-
Scc.
Tarde trlgefima fegunda, 25'^
&c. ( I ) Ifto dizia efte grande Cardeal :
muÍLOs Te náo atrevem a dizer tanto , ainda
que depois da fua morte fe tem defcuber-
to muitas razó?s mui dignas de attençáo :
e além diíTo o Summo Poncifice Paulo III.
recebeo benignamente o fyítema Coperni-
cano que feu Author lhe dedicou ; e Urba-
no VIII. quando era Cardeal Barberino ,
cm huma Ode fcguio efte fyftema , pofto
que depois o reprovou. Donde fe infere
que náo he tâo íóra da razão como vós
dizeis. Mas para mim as mais fortes ra-
zoes sáo eftas duas. A primeira he tirada
da figura da Terra , a iegunda do movi-
mento dos Pêndulos. Quanto á figura da
Terra , hoje dá íe por demonílrado , que
ella náo he perfeitamente esférica , nem
Oval , como alguns noutro tempo affirmá-
ráo , m.as de figura esjeroíde.
£ug. Náo entendo eííe nome.
Thecd. Eu vo-lo explico : esferóide corref-
ponde á figura de huma laranja ; he humia
eslera , hum pouco mais abatida cm deus
pon-
(i) Anel Lucretio liv. 3. ó^Cde o ^. 160.
5tfí/ (juia cogit avicr veri , ferdítiúa íotum,
X\iíe rítptt íHj tair.en , q'i£ per fe chra refulget,
Ac mibi Divinam pr^ftatitius explicai Artem*
E pouco depois diz aíTim :
At ticct íià Terram , quod perilnet , illa diferte •
Eccpcdícit , í}'àa nempe eadcm je prteheí imago ,
Vel (l ípeãmor , vel fi \peiici\a moveniar ,
Tlura tamen Ccpern':cio Cijjhtvate clarent ^
g«<f nun^uam evclvet Pulenisus , &c.
2)4 Recreação Filofojica
pontos oppoftos ( I ) ; aflim a Terra não
hc perfeitamente redonda ; porque nos pó-
los hc mais abatida , c na Lmha ou Equa-
dor , mais aira e levantada. Ora eíla d;íFe-
rcnça de akura defde a fuperficie da Terra
até ao fca centro , ainda que a refpeiro do
volume da Terra he pequena , em fi ver-
dadeiramente he mui grande ; porque redu-
zida a léguas Portuguezas , vale quafi féis
léguas ; de forte , que o diâmetro da Ter-
ra tirado d hum ponto do Equador ao ou-
tro conrrario , tem quaíi 1 2 léguas mais
do que o diâmetro tirado de pólo a pólo.
Já dous grandes Filofoío? fuppondo o mo-
vimento diurno da Terra , tinháo conje-
élurado , e feito os ícus cálculos , e prova-
Váo , que a Terra náo era , nem podia fer
perfeitamente redonda , e que havia de fer
mais levantada no Equador. O primeiro
foi Hugens (2) , o fegundo foi Newton.
( ; ). Eftcs homens levados do calculo , c
dos principios da Fyfica , diziáo que , fc a
Terra fe revolvia á roda do fcu eixo , 03
corpos todos , efpecialmenie os fluidos, ha-
viáo de fazer força para fugir do eixo pa-
ra fora i porque ifto he lei conftante (co-
mo
( 1 ) Fa!!ando-fe geometricamente he huma
tUfc , revelvenJcle ichre o Jeu eixo menor; aííim
como a effera he hum circulo , revolvendo-fs
febre o feu diamptro.
(a) Difcours fur Ia caufe de la Pefanteur
pag. iij.
( i ) Búiidp. Phil, Nau Math. iib. j. prop, lO,
Tarde trigeftma fegunàa. 15' 5"
mo vos moftrei quando fallei da furrda )
que todo o corpo , que íe move em circu-
lo , forceja a fugir do centro \ e (fto fe
chama ter força centrífuga , a qual he fem-
pre maior, quando he maior o circulo (i),
ou quando crefce a velocidade ( 2 ) ; co-
mo algum dia vos moftrarei ^ le houver
tempo para tratar eftas leis de movimen-
to fundamentalmente. Supponde pois , que
fe revolve a Terra fobre o eixo que vai
de poio a pólo , e que os corpos fluidos
fazem força para tugir dcfte eixo ; não
obftante a gravidade que os faz carregar
para o centro, necelTariamente ha de a agua
no Equador eftar mais alta que nos pólos
e lugares circumvizinhos. Façamos aqui
huma figura (fi>^, 4. Eiiamp, %.), A agua F li. ^,
de N , ou S (no calo que efta bola ande n.^. 4,
fobre o íeu eixo) fugirá para o o ; nem
a gravidade embaraçará que cila fuj^a ; por-
que a gravidade não he para o eixo N ,
mas íó para o centro ; e afíim retirando -fc
hum pouco a agua do eixo para fó:a , náo
vai contra a gravidade , porque náo fica
mais diftante do centro. No Equador po-
rém e lugares vizinhos , a agua náo pôde
fugir do eixo , fem fugir também do cen-
tro ; temos logo ahi duas forças encontra-
das j
C I ') Çempre crefce na razão da dilhncía
do centro.
( 2 ) Também crefce na razão do quadrado
da velocidade: ou na razão inverfa dos. quadra-
dos dos tempos periódicos^
2 5 6 Recreação FiJofoJica
das ; huma que he a gravidade que a puxa
para o ccr^tro , outra que he a força ccniri-
fuga 5 que a Lz fugir do centro para fora
e levantar para fima ; e quando ha duas
forças encontradas , a mais pequena fica
vencida , mas fcmpre diminue algum tan-
to o cífeito da outra , que a vence , porque
a canfa e debilita. Aqui a gravidade ven-
ce , mas fica mais debilitada ; de forre ,
que ainda que a agua náo foge de todo ,
nem falta para o ar, ferrpre íi:a mais leve
que a dos pólos ; e por ido , para fe equili-
brar no pezo com ella , lhe he precifa maior
altura. Eis-aqui o fundamento defles Filofo-
fos , p?.ra conjeclurarcm que a Terra havia
de fer no Equador mais levantada i porque
ahi os corpos náo havi?.o de pezar tanto ,
diminuindo a força centrifuga algum tanto
a força da gravidade : c por efta mcfma ra-
zão dizem elles que Júpiter ( cujo m-ovi-
mcnto de rotação he velociílimo , porque
he em 9 horas ) tambcm náo he perfeita-
mente redondo , he mais alto íenfivelmen-
te no fcu Equador, do que nos pólos, con-
forme as mais exacfas obfervaçóes.
Sth. Mas tudo ilTo he na fuppofição , que
fe mova a Terra : negando-fe clía fuppoíi-
çáo , cahe todo eíTe difcurfo,
Theod. Ora cfperaí. Feito efie calculo , man-
darão-fe alguns annos depois homiens peri-
tiífimiCs a medir a figura da Terra. Huns
fcráo mandados a medir a volta ou conve-
xidade da Terra junto á Linha j outros jun-
m
Tarde trlgefirda fegunàa. 1^7
to aos pólos. AoPení ^ que fica na America
perto aa Linha , torâo mandados Mr. Go-
din , Condamine y e Bougucr , Academiccs da
Academia dasScicncias de Paris, e os acom-
panharão dous Mathemaiicos Hefpanhoes ,
D. Jorge joáo , Commendador de Malta , e
D. António de Ulloa , que efcrevêráo a híf-
toria deftas obfervaçócs ; e a Ttrneao na
Laponia foráo enviados Mr, M^aupeituis ^
Clairaut , e Caf^ms , todos horricns dignos de
huma tal emjpreza : c acharão com eiibiro
a Terra mais levantada no Equíidor quaíi
6 léguas das nolT>is , com alguma differen-
ça do que tinha calculado Newton : e nif-
to hoje alTentáo todos. Vai agora o argu-
mento. Se a Terra cfíá quieta , e íe náo
revolve á roda do feu eixo , efta agua em
toda a parte ha de pezar o mefmo : logo a
agua do mar no Equador , que eftá 6 lé-
guas mais alra que a dos pólos , por que ra-
zão fe não ha de entornar para as ilhargas,
ifto he 5 para os pólos ? Aíiim fe íuíhntão
em pezo 6 léguas de altura de ?.gua ! O
equilíbrio dos líquidos pede que Te con fer-
vem as Tuas fuperficies na mefma altura ;
e por efte modo àcve a fuperíicie do mar
fempre eítar na mefma diftancia do centro ;
porém a experiência moílra o contrario.
Efte argumento rcm muira força , quanto
a n im ; e eftou perfuadido que fe cftas
medidas da figura da Terra fe foubeíTem
no rempo do Padre Fabri náo reputaria ef-
Tom, VI. R te
2 5* 8 Recreação Filofofica
te fyftema ráo longe da dcmonftraçáo co*
mo elle dizia.
Sily. Eu lá delTas demonftrações náo fei > e
fcmpre duvido delias medidas : nem fei co-
mo ellas fe podem tomar.
Theod. Também eu o náo íabia antes de o
cítudar: náo me poíTo demorar nifto muito,
aliás cu vos diria como fe rcmáráo.
£ug. Venha o outro fundamento que dizíeis.
Theod. Algum parcnterco tem com eíle.
Suppoílo o que íica dito , no cafo que a
Terra fe moveíTe á roda de fi mefma , to-
dos os corpos no Equador e lugares vizinhos
haviáo de pczar menos j c por confeguinte
cahir com menos velocidade para a Terra ,
por fe debilitar o impeto ou força que os
trazia. D'aqui feguia-fe que os Pêndulos dos
relógios fe haviáo de mover mais de vagar ;
porque clles movem-fe porque cahem , e
com elTa força, que ganharão cahindo, tor-
náo a fubir ; fendo logo macnor a velocida-
de dos corpos em cahir , também ha de fer
menor em fubir com o impeto ganhado na
defciJa ; e temos em fim que os pêndulos
fariáo os (cus movimentos mais de vagar
no Equador , do que nos lugares próximos
aos pólos. Ifto he o que dá a razão , e as
leis do movimento , que fucccderia no cafo
que a Terra fe movcffe.
*r/7v. Mas náo fuccede aílim.
Theod. Também hoje hc coufa confiante-
mente alTcntada, que no Equador sáo as vi-
bra-
Tarde trigefima fegunãa, 25'9
brações dos pêndulos muico mais vagarofas,
Íue nas regiões próximas aos pólos : de
orce , que o mclmo Pêndulo , que no
Equador em determinado intervalio de tem-
po fazia humas tantas Vibrações, já em Pa-
ris, que ciiíta muito cia Lin.^a, taz:a muitas
mais vibrações j e na Laponia , que diíèa
muito mais para o Norte, fazia ainJa mais,
como exiót ííimamente obferváráo os Aca-
démicos 5 que foráo medir a figura da Ter-
ra , tanto os que foráo ao Períi , como os
que foráo á Laponia. Mas além deftcs Aca-
démicos , já outros muiios antes delles ti-
nháo achado cnTa diferença; e advertido em
que os Pêndulos , quanto mais perto do
Equador, tanto mais de vagar caminhaváo.
E como hc coufa conftante, que hum Pên-
dulo quanto mais curto he , mais ligeiro an-
da , fem que niíro fc attcnda nem á matéria
da vara , nem ao pezo , mas fó ao com-
primento ; he hoje coufa alTentada entre to-
dos os Aítronomos , que quando os lugares
mais fe avizinháo ao Equador , he precifo
encurtar mais os Pêndulos , para concorda-
rem nas vibrações com os outros que fazem
feus movimentos em regiões diftantes da
Linha.
I.ug, E que refpondem a eíTe argumento os
que náo sáo Copernicanos ?
Theod. Huns refpondem que ifto procede de
que na Linha e hii^ares circumvizinhos ,
com o nimio calor que ahi ha , fe eífendem
as v^ras dos Pêndulos , e ficáo algum tan-
R ii to
26o Recreação Filofofica
to mais compridos ; e de ferem mais com-
pridos , por leis iníalliveis fe fcgue , que
hão de caminhnr mais de vagar.
Súv. ElTa relpofta desfaz tudo.
Theod. Não he láo boa como parece , por-
que em Quito, ao mefmo lempo que cahia
neve, andava o pêndulo táo de vagar, que
foi precifo encurrallo , para que as fuás vi-
brações concordalTem com as de Paris. Além
de que eíle calor infoffrivel da Zona Tór-
rida, com que nos mettiáo meio, já Eugé-
nio fabe por experiência que he hbulofo.
Se a calma fe deve medir pela proximida-
de do Sol , pelo S. Joáo muito mais perto
cftá o Sol de Lisboa do que da Linha.
Mas para que vós vejais , Silvio , como ef-
tas coufas le examináo miudamente , huma
vara de metal de trinta pés de comprimen-
to expofta ao calor ardentiíhmo do Sol , cf-
lendeo-fe huma linha mais j e cá os Pêndu-
los no Equador fc tem ^ pés , c 8 linhas
de comprimento , he precifo cncurtallos duas
linhas-, por onde , fe cfte cíicito procedclTe
do calor, era precifo que ahi , onde le acha
neve frequentemente , houvcíTe hum calor
20 vezes maior , que cá no pino do abraza-
diílimo Eftio.
Silv. Como fazeis vós cíTas contas?
Theod. O calor da linha , ainda quando ha
muita neve , eflende pela voffa conta o
Pêndulo de :^ pés , e 8 linhas , de forte
que crefce duas linhas : logo fe tiveffe :5o
pés de comprimento , havia de crefcer 20
Tarde trígejima fegunda, iGi
linhas, para caberem 2 linhas a cada ^ pés;
mas nós vemos que cá o calor do mais íor-
te Eftio fó faz crefccr huma linha na vara
de ^o pés : logo lá na Linha quando gela ,
ha hum calor 20 vezes maior que cá na for-
ça do Eftío.
Eug. Eu náo fei deíTas contas i fci que ha
calma grande, e ás vezes mui pequena, c
que íe acha muita neve pelos montes.
Súv, A mim parece-m.e que efta manha li
neftc m^Tmo livro , que iíTo dos Pêndulos
náo era fempre aflim.
Thcod. Algumas obfervações ha , que náo
concordáo lotalmiente ; mas de forre , que
cm alguns lugares pouco diftantes do Equa-
dor os Pêndulos náo amiudáo mais as vi-
brações á proporção dos gráos de latitude ,
ou diítancia da Linha ; porém creio que são
duas ou três experiências (1)5 as quaes po-
diáo náo fer feitas com toda a delicadeza ,
e exacçáo que eftas matérias pedem ; e fen-
do lugares mui próximos á Linha, não po-
dia fer mui fenfivel a differença ; mas o
commum delias hc , que quanto mais diftáo
os Pêndulos do Equador , mais amiudadas
sáo as vibrações j efpecialmente comparan-
do os lugares próximos á Linha com outros
notavelmente diftantes v. g. Lisboa , ou
também comparando Lisboa com Paris e
Londres , ou Paris com a Laponia , &c.
fendo fcrr.prc prccifo encurtar os Pêndulos ,
quando fc faziáo as obfervações em lugares
no-
(1) ^v''o-f. Elem. AOr. §. 582.
^G^ Recreação Filofofica
notavelmente mais chegados ao Equador.
Mas elía , e outras caulaò, que pelo tempo
aci,anrc poJeráo lieícubrir-lt- , ralvcz poderão
moítrar que náo procede elTe cfieito do mo-
viaiento da Terr.i.
í"íyo-. Para nos náo convencerem os Copcr-
nicanos , bafta que os feus argumentos náo
fejp.o totalmente evidentes : náo he ailim '".
^heod, AÍIim he ; porque argumento total-
mente evidente pede outra cafta de de?
monftraçáo ; mas fempre efta tem muita
força. Outros argumentos allegáo elles que
pouca força tem. Hum he a demora que
lem a luz em fe propagar defdc Júpiter até
nós j quando o Sol fica no meio ; porque
fazendo a conta ao tcn-po dos eclipfes dos
Satélites de Júpiter , quando paliando por
detrás delle fe mettem na fua íombra, fem-
pre tardáo hum quarto de hora , porém
quando a Terra fica entre o Sol e Júpiter,
fuccedcm hum quarto de hora mais íedo.
Atribuem elles iíto a que como a Terra an-
da á roda do Sol com o movimento annuo,
fica neíTa volta humas vezes mais perto de
Júpiter , e outras mais longe. Para os Tico-
nicos nenhum valor rem efte argumento ;
porque no ícu fyílema , pofta a Terra fixa ,
como Júpiter faz a fua orbita á roda do Sol,
c coníerva delle a mefma fenfivel diftancia,
eíbndo o Sol e Júpiter em* conjunção , tem
cfte Planeta de nós diíf^ncia muito maior
do que eílando em ffpofiçaOf como vos dif-
fe. Vendo as Eílampas de hum , e outro
Tarde trigefima fegunàa. 26 j
fyftema facilmente fe conhece, que em am-
bos a diftancia de Jupirera nós varia nota-
velmente, e pôde caular eíTa mcTrna tardan-
ça na propagação da luz. Também alguns
querem tazer argumento do vento Leite ,
que fempre reina na Linha ; porém não taz
força ; porque fe clle procedeíTe da rotação
da Terra do Poente para Nafcentc , tam-
bém fe havia de fentir efta viração por to-
da a outra parte , pofto que mais branda ,
porque todas as regiões fe moviáo com a
iuperficie da Terra de Poente a Nafcen-
te.
Outros argumentos deduzem da caufa
fyfica dos movimentos dos corpos Celeftcr.
Ora quanto a mim íe he certo que Deos
os governa pclns leis de Gravidade e impul-
fo , que ccnhecem.os cá nos corpos terre-
nos, razão tem e muita razáo; porem quan-
do fallarm.os da caufa fyfica defte movimen-
to , verem.os ifto mais claramente , c en-
tão veremos a admirável íimplicidade , e
Analogia dcfte fyftem.a. Ultimamente po-
dem deduzir o movimiento da Terra da
Theorica dos Ccmietas , que ficou entre to-
dos os Aftronomos aíTentada depois da ap-
pariçáo defte profetizado Comieta do an-
no è.t ^^ '^ e a eíte argumento fe refpcn-
de tam.bem no fyftema Ticonico ; porque
com.o o íoco das Llifcs dcs Cometas hc
o Sol , movendo- fe o Sol , e ficando a
Terra fixa , temos o Cometa corre fpon-
dcndo ás mefm.as Eftreilas que corrcfponde-
ria
264 Recreação FiJofqfica
ria vifto da Terra, andando cila, c cftando
o Sol parado.
Eug. Uitimamente vós a que fyftema vos
inclinais?
Tkeod, Eu como thefc fufpcndo o meu juí-
zo , pelo que já fica d;to. Ho)e até na Cor-
te de Roma fe defprcza publicamente o
fyíbma de Tico-Brahe , porque nada con-
corda com as leis de movimento que co-
nhecemos cá na Terra ; nem eu íei que
ninguém tomaíTe a empreza de explicallo
com q{\'?s leis. Agora fallando como mera
hjpothcfc , iílo he , como mera íuppofiçáo ,
que cada hum eftabelece, p?ra d'ahi expli-
car os cfFeitos todos , í]go fó a Copérni-
co , ufindo da licença que me concede a
Igreja por hum Decreto dos Carde.. es De-
putados da Suprema Inquifiçáo no anno
de 16:0. E inciino-me mc^i^ a efte que ao
ci:rro , parando em mera hjpotixfc ; por-
que fe fxpli^áo os fenómenos 5 c movimen-
to dos Aftros nelle melhor que no outro.
T.mto allim , que até o Padre Ricciolo Jc-
iuita , excellente Aftronomo , tendo bem
grande ódio a efte Ivftcma , como fe co-
nhece dos argumentos c modo com que
o in pugna , quando vai a explicar os fe-
rnmcncs , c formar os cálculos dos movi-
mentos dos Aílros , accommoda-fe ao fyfte-
ma Copernicano. Floje rodos os Aftrono-
mo^ fe n^commcdão a elle , pela mais fácil
explicação dos efieitos que fc obfervío , e
nicihor caicu^ajáo cos movimentos 3 mas a
ver-
Tarde trigefinia fegunda. 2Ó5'
verdade Dcos a fabe ; porque , como dif-
fe 5 dcftcs dous fyítemas nenhum eíU de-
monftrado mathematicamcnte , nem defini-
do pela Igreja. Vamos a explicar os movi-
mentos dos Aftros.
Eug* Nefte ponto temo-nos demorado muito.
§• VII.
Do% AJiros Retrógrados , e Ejlacwnarios,
Theod, (^ Onvem explicar-vos agora como
\^>'os Aítros humas vezes caminhão
direitos , outras para irás , outras parece
(]ue nem para trás andáo , nem para dian-
te : quando caminhão para trás , chamáo-fc
retrogradas ; e quando parecem parados ,
chamamos-ihes eflacioriarios.
Sth. Pois os Planetas ora andáo para trás,
ora para diante?
Thecd. Quanto he pelo que nos dizem os
olhos, íim; porém na realidade, náo. Po-
nhamos exemplo em Júpiter. O leu mo-
vimento próprio em todos os fyOemas já
fe fabe que he do Poente para Nafccnte :
fe Júpiter hoje appareceo junto de huma
Fíhella, e á manha apparece atTaíhdo del-
ia para o Nafcenre , dizemos que Júpiter
vai direito ; pcrém fe Júpiter hoje , á ma-
nhã , c o outro dia apparecer fempre junto
da mcfma Eftrella , dizemos que então eltá
266 Recreação Filofqfíca
eflacionario. Acontece porém muitas vezes ,
que depois de ter hoje apparecido junto com
a Eftrella , á manha apparece atfaftado del-
ia 5 mas para o Poente , e o outro dia ain-
<la mais aífaftado ; neíles cafos dizemos que
Júpiter anda retrogrado ou para trás. To-
dos os Planetas tem iílo : convém agora
faber , de que procede efte effeito ; e fc
efta irregularidade de movimentos he real,
ou fó apparente. Havem.os de fazer fepara-
çáo entre es Planetas que chamâo ivjerio-
res 5 que sáo Mercúrio e Vénus , e os /w-
periores , que sáo Marte , Júpiter c Satur-
no. O que dilTermos de \^enus , também
quadra a Mercúrio ; e o que diíTermos de
Warte , convém a Júpiter e Saturno : va-
mos a Vénus. Mas antes que comece a
explicar-vos efte ponto , quero ítdvertir-
vos que aqui náo fazemos cafo do movi-
mcmto commum cm 24 horas do Oriente
para o Occidente ; porque procedo no fyf-
tema Ne\xtoniano , que reputa cíTes movi-
mentos por apparentes : fó fallo dos mo-
vimentos próprios de cada Aftro , que to-
dos sáo de Poente para Nafcente. Ifto fup-
pofto ; já fabcis que \>nus anda á roda do
Sol perpetuamente neíle circulo , que eu
aqui debuxo , para mais fácil intelhgencia
Fft. 3. ( Eliamp. ^. fig, -ç. )• Ponho o Sol no meio ,
fig. 5. e á roda delic Vcnus v ; mais abaixo faço
huma porção do circulo , que defcreve a
Terra no lyftcma Copcrnicano , e lá em
íima faço efta linha curva N P , que fup-
póe-
Tarde trigefima fegmiãd, 267
põe fe fer huma porção do Ceo cfírellado.
N quer dizer Naícente , P Poente , por-
que movendo-le a Terra T de « rara m,
parece aos Teus habitadores , que o Sol íc
move lá pelo Ceo de P para N , que he
o me imo que de Poente para Naícente.
Em quanto Vénus vai de v para e , a Ter-
ra náo pôde andar tão deprelTa na Tua or-
bita j e alHm , fe primeiramente lhe cor-
rcrpondia a R , depois lhe correfponde a
G ; e efte movimento he retrogrado , por-
que he de Nafcente para Poente. Suppo-
nham^os porém que Vénus chegou a e : co-
mo ahi a orbita já fe inclina muito a ref-
peito da orbita da Terra , ha de acontecer,
que tirando duas parallelas , o efpaço a e
da orbita de Vénus feja tanto maior que
o da orbita da Terra , por caufa da maior
inclinação , quanto a velocidade de Vénus
he maior que a da Terra : neftes termos ,
\^enus , olhando-a da Terra , fem^pre corref-
ponderá ao meímo lugar fenfível do Ceo,
e parece-nos eftacionarid. Porém pa fiando
Vénus de a , como já a orbita inclina mui-
to , fempre a Terra , ainda que mais va-
garofa , fe affaíta miais da linha T R do
que Vénus ; e já Vénus , que viíla da Ter-
ra apparecia em G , agora ha de corref-
ponder alguma coufa de G para R ; e con-
tinuando a Terra em andar para m , e Vé-
nus já na volta inferior de a para / , e de
/para i , aquém eftiver na Terra , pare-
cerá que Vénus fe move de G para R , e
de
268 Recreação Filojofica
de R para N ; e efte movimento fe cha-
ma direiro , porque he de Poente para Naf-
cente. Continuando porém \'enus e a Ter-
ra em andar , chegarão a correfponcler en-
tre fi 5 como fe \^enus eftiveíTe em í , e a
Terra em T : já então , quando a maior
velocidade de Vénus a relpcito da Terra
liveíTe a melma proporção que o efpaço
da fua orbita entre as duas parallelas a ref-
peito do elpaço da orbita da Terra , neíTe
cafo Vénus tornaria a parecer ejlacionaria j
e continuando de i para V , como anda
mais deprclTa que a Terra , palTaria por el-
la , e jna correfpondcndo no Ceo lucceUi-
vamente de N para R , que he movimento
retrogrado. Pelo que , em hum giro intei-
ro , Vénus feria retrograda de i até c, de
e até a eftacionaria j de /? até 5 , e de í até
/ caminharia direito ; em i feria outra vez
eftacionaria , e dahi outra vez retrograda:
e ifto he o que acontece na realidade.
Eug, Pelo que me dizeis a irregularidade
deíTe movimento he fó apparente ; porque
n.i realidade Vénus fempre anda na fua li-
nha continuada de Poente para Nafccnte.
Sílv. JVI:.s por ilTo mefmo que anda n uma
linha continuada , íe quando anda além do
Sol fe move para huma parte , quando dá
a volta por cá , ha c'e mover-fe para a par-
te oppofta , para vir a completar o feu cir-
culo : ifto he bem claro.
£ug. Temos logo , que quando \^enus paf-
lâ por entre nós e o Sol , vai retrograda ;
mas
Tarde trigefima fegunda. 269
mas no principio c fim do movimento re-
trogrado fica algum tempo eítacionaria ,
e em todo o mais tempo vai com movi-
mento direito.
Tkod. IlTo he : e o mefmo fe diz de Mer-
cúrio á proporção. Vamos agora aos Pla-
netas fuperiores.
JEug, Que são Marte , Júpiter e Saturno :
não he aíiim ?
Theod. Aílim he. Expliquemos o movimen-
to retrogrado de Marte , e fica explicado o
dos outros dous. Façamos logo outra figu-
ra para mais facll intelligencia (^Eftamp. ^, Eíí. j,'
Jig. 6, ). O Sol eílá no meio do circulo que fig. 6.
deTcreve a Terra T , (já rcnho dito que
explico eftes eíFeicos no fyíiema Coper*
nicano) a Terra miOve-fe de r para e , da-
hi para O , para s , e para r : Temelhante-
mente Marte na fiia orbita move-le mais
de vagar , mas também de m para n , iílo
he , de Poente para Nalcente ; porém co-
mo a Terra vai mais ligeira do que Mar-
te , defde que chega a r , vai paliando poc
baixo , e vai-o como deixando atrás , de
forte que olhando da Terra T , fe Marte
então correfpondia a R , d'ahi a pouco ha
de apparccer em ^ ; e aqui temos movi-
mento retrogrado , que he de R para g ,
ou de Nafcente para Poenre. Supponhamos
agora que a Terra chega a e ; como já co-
meça a fua linha a inclinar muito , pôde ,
não obítante a fua maior velocidade a rjípei-
10 de Marte , náo fahir das duas paruUíílas
270 Recreação Filofofica
que aqui fupponho formadas, fenão aomef-
mo tempo que fahe Mane , por ficar a li-
nha ca Terra mais inclinada. Nefte íafo
olhando da Terra parecerá Marte no mef-
mo lugar feníivel do Cco ; porque a diftan-
cia das parallelas lá no Ceo não pôde per-
ceber-fe ; julgará logo o obferv^idor , que
Marre eítá parado ou eílacionario. Mas
quando a Terra palTar de o , como a linha
da orbira inclina muito pira bííixo , Marte
fe vai affaítando da linha T R muito mais
que a Terra , e parecerá a quem dcfde a
Terra olhar para elle , que Marte fe move
de g para R , que he o meímo que de
Poente para Nafcente , ou com movimen-
to direito ; e alíim continuará em quanto
a Terra volta por s até chegar a r. Porém
ranto que a Terra ficar a refpeito de Mar-
te neíTa poftura , torna a parecer-lhe efta-
cionario pela mefma razão ; e de r até e
outra vez retrogrado. Não íei íe me expli-
co baftantem.ente.
£tig. Eu bem entendo. Quanto ao que per-
cebo infiro d'ahi , que todas as vezes que
a Terra p?íía por entre o Sol , e qualquer
Planeta lupcrior v. g. Mane , como vai
mais ligeira do que clles , parece nos que
elles recuso para trás : aílim como quando
nós pelo rio vamos com a força de velas
c remos mui ligeiros , todas as demais em-
barcnçôes que váo mais vagarofas , ao paf-
far por cllr.s nos parece que recuáo ; aílim
a quem vai na Terra ao emparelhar com
Majr-
Târãe trigefima fegunda. 271
Marte ou Júpiter , cjue sáo mais ronceiros ,
lhe ha de parecer que eiTes Planetas recuáo
para trás , com movimento retrogrado ; po-
rem quando nós principiamos a voltar , já
a noíla velocidade , ainda que feja abíolu-
tamente maior que a lua , como voltamos ,
faz que elles nos correfpondáo de outra
foríe ; e no reítante da jornaJa , nós an-
dando na volta debaixo para huma parte ,
c eiies na fua orbita de fima para a parte
contraria , nos parecerá que caminhão li-
geiriHimos com o feu movimento de P pa-
ra N , ou de Poente para Nafcente , que
he o direito.
Tbeod. Já vejo que perceberes,
£ug. Suppoilo o que me tendes dito , infi-
ro que hum Planeta pôde na íua orbita kt
muitas vezes retrogrado.
Thcod, Inferis bem ; porque todas as vezes
que a Terra paíTa por entre elle e o Sol ,
como vai mais ligeira , já o Planeta lhe
fica retrogrado : aliim Júpiter em cada re-
volução fera mais vezes retrogrado que
Marre ; e Saturno ^ainda mais vezes que
Júpiter.
Eug. Eftou fatisfeito.
Theod. Sendo aííim , bafte por hoje; porque
o que agora fe feguia era dar-vos a caufa
dos movimentos dos Aftrcs , e as leis que
infalliveimenie obferváo ; porém he muito
para hoje ; fera efta a matéria da confe-
rencia feguinte.
Sily, Seja embora , porque a cabeça pouco
cof-
272 Recreação Filojofica
coftumada a eftas matérias , canfa fe as
conferencias são largas. Vamos entrcter-nos
com o jogo o reftante da noite , ^ue hoje
náo citou para mais eíludo,
ThoL Vamos.
TAR-
Tarde trigeãma terceira. 273
TARDE XXXIII.
Da caufa fyficíi do inovlinento dos Af*
tros; e das Leis que perennemente
obíervão*
§• I.
jDo fyflema Newtoniano em commim.
Theod» Y_nr Oj^ > amigos , Havemos dê
I I diícorrer mais conforme á
-*- -^ noíTa profiísáo , do que nos
dias precedentes i porque até aqui m.ais nos
governaváo os óculos dos Aftronomos , do
que a razão de FilofoFo : hoje entra o dif-
curfo cá mais por noíTa cafa > e àdmiVareís
como pòdc a razáo defcubrir 25 caufas fyfi-
cas , ou principies dos movimentos de toda
elTa maravilhofíi fabrica. Sobre efte ponto
tem haviJo muitas opiniões , e Silvio po-
derá fer que Te incline a algumas diverfaâ
da que eu hei de feguir.
óilv. Eu bem fel que foi opinião de Pla-
tão , e Origenes , e Ciccro e outros mui-
tos , que 03 Aftros cráo animados , e ti-
nháo fua alma racional e intelligenre , a
qual dirigia c governava os Teus movimen-
tos ; porém nunca efta opinião me agra-
dou. A que eu figo , hc a que fcguem
Tom. VI- S qua-
274 Recreação Filofofica
quafi todos os Santos Padres ; diz qCie oí
Áftros sáo governados pelas inulligcncias ,
ifto he , peios Anjos deftinados por Dcos
para a fua conducçáo : e o fundamento pa-
recc-me concludente. Porque os Ailros não
fe podem mover por íi mcímos , aliás di-
rcmiOS que tem alma , o que fe náo pôde
dizer ; logo sáo movidos por outrem. Ef-
toutra caufa que os move deve fer po-
derofa , e íábia , e ifío fó convém ou
a Deos immediatamentc , ou aos Teus Mi-
niftros 5 que são os Anjos : porque admiitir
outro corpo que os mova , hc ridicularia ;
pois cíTe corpo náo poderia governallcs
bem 5 náo tendo intclligencia : além dií-
ío , neceííirava de quem o moveíTe a elle ;
porque nenhum corpo fc move a fi mcf-
mo , com.o vós nos tendes diio muitas ve-
zes.
^Theod. Os Cartezianos querem que os Áf-
tros fejáo movidos pelos Vórtices de ma-
téria cteria , que continuamente giráo á
roda do Sol. Keplero , homem pafmofo
por algumas defcubertas que fez no movi-
mento dos Aíhos , náo foi rriui feliz na
caufa do feu movimento : dizia que o Sol
lançava de fi certas efpecies náo materiaes ,
que movidas á roda do Sol levava comíi-
go os Planetas. Eítas fentpnças já eu vos
moftrei quáo pouco ieguidas deviáo fer,
quando falíamos dos Vórtices de Dcs-Car-
tes. Agora no que toca á opinião dos An-
jos j aílim como algum dia foi feguida dos
San-
Tarâe trigefima terceira. 275'
Santos Padres , aílim hoje he rejeitaca dos
Filoíbfos Chrifláos ; porque acháo que na-
da conduz para o credito da fabedcria do
Supremo Arquiteilo , o neceíiírarem as pe-
ças deita Ma'^uina de quem as eíteja fem-
pre movendo. Q.ie habilidade moltraria hum
homem em bzer qualquer maquina , íe a
cada roda delia tivelTe hum moço , que a
moveíTe continuamente ? Os homen^ tem
ideado máquinas , que imicáo bem propria-
mente os movimentos dos Aítros , e com
huma mola , ou com hum pczo fe podem
rrover : e a Sabedoria de Deos n^o faria
na realidade ao menos huma coufa, que os
homens le atrevem a imitar \ A veneração
devida aos Santos Padres he naquellns cou-
las 5 em que elles falláráo como illumina-
dos, bebendo a doutrina das Eícrituras Tan-
tas, ou Sagrados Concílios, ou da Tradição
dos Maiores ; porém cm meterias de Filo-
fofia , fó merecem a vcneraçío que por fí
tem a fua opinião , e o fundamento delia,
que he mui fraco, pois no íeu rempo nem
inftrumenios havia , nem obicrvaçócs a pro-
pofiro.
SWv, Pois aonde ides vós dar comvofco?
i-^g. Eu tambcm eil:ou efperando o difcur-
lo de Theodofio 3 porque os Aftros não fe
inovem por fi meimos , nem por outro cor-
po , porque já impugnaftes os Vórtices ;
nem pelos Anjos : fó refta Deos 3 mas pelo
que fufpeito , não feguircis iíTo,
*Xhioà, Sigo que hc Deos ; mas por hum mo-
iS u do
276 Recreação Filofofica
do que acredita bem a fua fupremíi Sabe-
doria. Ifto que digo vai como mera hy-
pothefe , e he explicar o bcllo fyftema New-
toniano , que quanto a mim he a couia
mais engenhoía , que fe tem dito em to-
da a Fyiica. Dai-me attençáo ; c em náo
entendendo alguma coufa, replicai, para lo-
go vo-la explicar.
£ug. Defcançai, que cm quanto eu não re-
plicar he fignal que tudo vou entendendo.
Thecd. Supponhamos que no cume de hum
Fft. V altiiíimo monte Ç Ejiarnp. ]. fig. "". ) íe col-
fi^. "". locava hum canháo de artilhcna horizontal-
mente i c que deípedia huma bala ; Te foííc
com mui pouca ou quafi nenhuma força,
logo a bala cahia á raiz do monte o ; le a
força foíTc maior, a bala iria mais longe i ',
e a linha , que defcreveria , náo fe encur-
varia tanto. Supponhamos que nos tiros
que fucccíli vãmente dava, cada vez hia fen-
do maior a força , cada vez feria a linha
menos curva. Ora fupponhamos que a for-
ça era infinita ; neífc cafo a bala iria por
linha recfa a e , e nunca declinaria delia
para baixo , porque força infinita nunca
fraquea. Mas náo fendo efta força infini-
ta , alguma coufa havia de fraquear , e a
bala havia de defviar-fe da linha reéfa , e
bavia de defcrcver huma curva : efta curva
o feria mais ou menos , conforme a for-
ça j de forte que tanto menos abateria e
ie encurvaria , quanto maior foffc a força
da projecção. Ora fupponhamos que a força
era
Tarde trigefima terceira, 277
era em tal medida , que a linha , que a ba-
la defcrevia, fe dcfviava da rcda (ou Tan-
gente) a e tanto , quanto deíb rcda ou
Tangente le defvia a circular dcfcrita á ro-
da da Terra O, m n. Neíle calo ( prefcin-
dindo da refiftencia do Ar , que continua-
mente iria refiftindo á bala , e dsbilitando-
Ihe a força) a bala daria huma volta á ro-
da da Terra ; porque le nâo fode o pezo ,
e a gravidade que a faz iempre propender
para o centro da Terra , iria por huma li-
nha reófa a e , t fugiria da Terra \ mas
a gravidade que iempre a opprime , fempre
puxa por ella , e a faz encurvar e voltar
em circulo : aílim como a guia na máo
do Picador tem máo no cavalio que anda
em roda, e ella he que o faz ir dobrando
fempre em giro a fua furiofa carreira;
mas no ponto, que a guia eftalalTe , o ca-
valio, fendo o campo livre, feguiria alinha
reda, e não voltaria cm circulo.
£w^. Mas agora por mais força com que
íe atire a bala , fempre ella vem dar no
chão.
7hcod. Aííim he ; porque a gravidade pode
mais que a força da projecção. Nâo fe
contenta com a curva circular ; mas faz
dobrar a bala muito mais pela linha a o:
afíim como quando o Picador náo fe con-
tenta com fazer que o cavalio ande em
circulo , igualmente diftantc delle em to-
cas as partes , o puxa com mais força , de
forte que o faz vir á máo. Mas para mim
baí-
2-/ o Recreação Filofof.ca
bafta-me que vós entendais , como podia
a força da projecção fer tanta , que a gra-
vidade , ou pczo , apenas pudcíTe encurvar
a linha da projecçáo a s^ até a fazer circu-
lar como a m n.
Eu^, Bem percebo como iíTo pode fer.
Thfod. Xette caio duas íc^ças deveis confi-
derar : huma que chamáo centrífuga , ou
forçà para fugir da Terra c feu centro , a
qual fe involve na força da projecção , a
outra força , que chamáo centrípeta , ca
attraci^ão ; e efta hc a força que rctem a ba-
la 5 c prohibe que náo fuja peia linha rcda
a e 5 como ella queria.
Eug. Applicando elTes nomes á comparação ,
de que uíaftes , a força , que faz o Picador
para confervar o cavallo no circulo , he cen-
trípeta ou aitracçáo ; mas a torça , que faz
o cavallo para íeguir a linha reòla, chamar-
Ihe-hemos força centrífuga,
*Iher.d^ Dizeis bem. Agora accrefcento algu-
mas propofiçóes , que pertencem ás Leis
geracs de movimento , e vós náo fabeis j
porque qunndo falíamos neftas matérias era
muito no principio , e náo cílavcis fcnáo
para coufas mui perccptiveis. ( Propofiçáo
primeira) : Tidas as vezes que hum corpo fe
inove em circulo ã roda de outro , nece (faria'
niente devem haver ejtas duas forças ; huma
ceniripeia , que o faca encurvar a linha do
movimento (aliás feguiria a linha rcéia); ou-
tra centrifujia , com a qual forceja o cor^
f>o porfeguir a recta, e affafiavfe do centro.
Por-
Tarde trlgefnna terceira, 279-
Forque ncceííariamente todo o corpo , que
fe move cm giro , forceja por ir peia li-
nha reòia ; e fe cfcapa da força que o pu-
xa para o centro , vai por linha recta , co-
mo a pedra efcapando da funda ,00 ca-
vallo quebrando a guia. Aliás o corpo , fe-
náo tivelTe efta força com que quer fugir
do centro , obedeceria á força centrípeta , e
viria direito ter ao centro, e náo continua-
ria a mover-le cm circulo.
'Eug. IlTo he claro.
Thcod. Accrefcento m.ais outra. (Propofiçáo
fegunda): Mcvendo-fe hum ccrpo cm circulo
ã roda de outro , 7Kce[f.irLimmte as duas for-
cas centrípeta e centrífuga devem Jcr iguaes.
E he manitefto ; porque inao o corpo em
circulo, nem fe chega, nem fe aítafta mais
do que eftava , a refpeito do corpo que fi-
ca no centro. Ora fica bem claro , que
fe a força centrífuga folie maior , havia de
vencer a outra , e o corpo fe affaftaria
mais CO centro , e f e a força centrípeta ou
attracçao fofie maior, também havia de ven-
cer a outra, e o corpo fe chegaria mais pa-
ra o centro.
Eug, IlTo era infallivel.
Theod. Suppoftaseftas Leis, diz Newton. To-
dos os Planetas pezáo para o Sol ; aííim
como todos os corpos terreftres pez? o pa-
ra a Terra : além diíTo , Deos quando os
crcou , os impcllio por linhas reélas , e
Tangentes ; porém a attracçao do Sol , ou
gravidade dos Planetas para cUe he huma
CO-
28o Recreação Filofqfica
como corda , que os obriga a dobrar a car-
reira , náo confentindo cjue fc affàftem ,
nem tujáo delle pelas linhas re(51as , co-
mo elles pediáo pelo impcto com que ft
movem : e alíim cfta attracçao os obri-
ga a voltar em circulo a roda co Sol.
Dcos , que fabia quanto era o pezo de
cada Planeta , ou a torça de inclinação pa-
ra o Sol 5 os impellio com força propor-
cionada ao <eu pezo , de force que nem a
força centrífuga venceííe a attraccão , nem
folie delia vencida , mas em círculos per-
pétuos giralTem a roda do Sol ; porque co-
mo la náo ha matéria que retarde os Pla-
nera> , com a mcfma velocidade , com que
deráo a primeira volta á roda do Sol,
continuáo a ^irar fcmpre. Que me dizeis
a eíle penfamcntoí nâo he ao mcfmo tem-
po íimples, natural , e fummamente enge-
nho íb ?
JEug. Qjcm pôde duvidallo ? Eu lembro-mc
Ja funda que retém a pedra em giro , for-
cejando ella a ir pela linha reda. Lembro-
me deiTc cxcmpio da Picaria , iuftentando
o pica jOr com a guia a fúria do cavallo ,
c obrigando-o a voltar á roda delle • e náo
vejo porque náo polTa o pezo dos Plane-
tas para o Sol , fer huma como corda , que
os faça dobrar a carreira i forcejando por
huma parte elles femprc a afíaífar-le do Sol,
c puxando por ourra fempre o Sol por el-
les com a força cO pezo ou da attracçáo,
obrizandQ-03 a n^o dilUr dclie mais do que
dií-
Tarde trigejtma terceira, 281
diftaváo , ou , que he o mefmo , fazendo-
os girar em redondo.
Thcod, Ora o que fe diz dos Planetas pri-
mários a refpeito do Sol , fe diz dos Sate-
lires ou Planetas fecundarios a refpeito dos
primários ; e o mcfmo fe diz da Lua a ref-
peito da Terra. Tendes formado conceito
do fyílema ? Vamos agora a ver as provas
delle. ConfcíTo-vos , que quando cu vi que
a Lua 5 fó por eftas leis da gravidade , que
nós aqui conhecemos na face da Terra , he
obrigada a girar á roda delia , e que cxa-
élillimamente fe ajuftavao ás leis de movi-
mento 5 e á obícrvaçáo , pafmci.
§. n.
Provas da Gravidade geral e mutua de
iodos os corpos,
Silv, /^ Ra vamos a ver os fundamentos
V-/defra idéa , que na verdade he en-
genhofa.
Thcod, Primeiramente eftabelece Newton ,
que em todos os corpos ha huma geral e
mutua gravidade , a qual , fe a confidera-
mos da parte do corpo que fe move , cha-
ma fe Pezo , ou Gravidade ; fe a coníí déra-
mos da parte do corpo para onde fe move,
chama-fe Attr^cç^ão : feja ifto o que for na
realidade , porque Newton por eíh pala-
vra ló quct figniíicar a eíFeito j iíb he , o
mo-
2§i Recreação Filofofica
mover-fc ou propender hum corpo para o
curro. Todos os corpos terrcftres pezáo pa-
ra a Terra , e huns pezáo para os oucros
mutuamente i porem como na vizinhança
da Terra nenhum corpo , por grande que
feja , faz figura á viita do globo da Ter-
ra ; aílim também não pôde íer feníivel a
força com que hum corpo puxa pelo ou-
tro , á vifta da força , com que puxa por
ambos todo o Orbe Terráqueo j porém he
mui fenfivel o pezo da Lua para a Terra.
Efte pezo prova-fe mnnifeftamente pelo
que ha pouco vos dilTe (Propofiçáo primei-
ra ). Todas as vezes que hum corpo fe mo-
ve em giro á roda de outro , tem força
centrípeta , ifto he , força que o puxa para
o centro ; aliás feguiria a linha reda , que
he a mais natural c fimples : e bem eviden-
te he que hum corpo , que íempre vai tor-
cendo o caminho para huma parte , tem
caufa que o faz torcer , e inclinar para eíTa
parte. Ora eíta caufa , que faz á Lua fcm-
pre torcer o caminho inclinando para a Ter-
ra , e girando fcmpre á roda delia (como
a pedra na funda á roda da máo , e o câ-
Vcillo com guia á roda do picador) eíla for-
ça de inclinação para a Terra , fe pódc
chamar Pezo ou Gravidade : nem nós quan-
ío dizemos que a Lua pcza para a Terra ,
queremos outra coufa , fenáo que haja hu-
ma força , que fcmpre a puxe para a Ter-
ra. Pelo mefmo difcurfo fe vê , que pezáo
para Júpiter os feus Satélites , e os de Sa-
tur-
Tarde trigefima terceira, 203
turno para o feu Planeta ; alias não pode-
riáo girar á roda delles ; pois pela Propoíi-
çáo primeira eftabelecida , quando hum cor-
po gira á roda de outro , íempre fia força
que o puxa para o centro , e faz voltar
o caminho a cada pafío , de outro modo fe-
guiria com oimpulfo o feu caminho direito.
^ug, NiíTo já eftou ; continuai.
Thcod. E como todos os Planetas girão á ro-
da do Sol , por efte methodo fe prova que
rodos tem força , que os puxe para elle , e
os não deixe ícguir as linhas redas das fuás
projecções : a eífa força fe chama pezo pa-
ra o Sol. Falta agora provar o ^ezo mutuo
dos Planetas huns para os outros ; porém
efte fó fe faz fenfivel em Júpiter e Satur-
no ; porque quando Júpiter paíTa o mais
perto de Saturno que lhe permittem as íuas
orbitas , fe obferva que Saturno fe defvia
hum pouco, obedecendo á attracçáo de Jú-
piter •, e os Satélites de Júpiter fe perturbáo
nas fuás orbitas , por obedecerem á attrac-
çáo íuperior de Saturno.
Eug. He admirável obfcrvação eíTa na ver-
dade !
Theoã. Convém agora faber as Leis defta gra-
vidade mutua. Vós eftareis lembrados de
que quando falíamos da Gravidade eu vos
diíTe 5 que por mui diverfos que fofíem os
pezos dos corpos , prefcindindo da refiftcn-
cia do Ar , todos cahiáo para a Terra com
igual velocidade ( i ).
Eug,
(i) Tom. I. Tarde I. §. VHI.
2^4 Recreação Filofofica
£ug, Lembro-me.
Theod. D'ahi tiremos huma regra geral.
( Propofiçáo terceira ) : Para jul^^ar da ve/o-
cidade com que hum corpo cabina para hum
centro , nÁo fe deve attender Á quantidade de
mater ia dejf: corpo que cabe. Pois vemos que
tanto o chumbo como a pluma , como a
corriça , tudo com igual velocidade cahc
para a Terra ( prefcindindo da refiítencia do
Ar): Ficai bem nifto,
Eug. Concordo comvofco , porque me lem-
bráo as experiências , e as razões que ncf-
ía occafiáo me ponderaftes.
Theod, Agora em eftoutra Lei , que vou a
dizer , podereis ter alguma dúvida. Digo
eu , que (Propofiçáo quarta) conforme he
a maffji ou quantidade de nxateria do corpo
attríihentc , ou que elid no centro , ajftm he
a for(^a com que vem para cila o corpo attra-
hido que gira ã rodi. V. g. hum corpo pen-
durado em igual diíbncia febre a Terra ou
íobre a Lua , com mais velocidade cabi-
na f»ra a Terra do que para a Lua. A
razão he ; porque fendo efta Lei da gravi-
dade geral e mutua , todas as partículas de
rnateria attrahcm e puxão por todas as ou-
tras : logo as partículas de matéria , que ha
na Terra , como são muitas mais do que
as da Lua , hzem todas juntas huma força
de attracçáo muito maior na Terra do que
na Lua i e aílim puxando hunra e outra
força por hum corpo pofto em igual dif-
tancia de ambos , mais velozmente ha de
cl-
Tarde trigefima terceira, 185'
clíe obedecer á attracçáo da Terra , que á
da Lua. Ponhamos algum exemplo pratico.
Huma magnete quanto maior he , cem maior
força puxa pelo ferro , porque sáo mais as
partículas attrahcnrcs , c maior força attra-
(^liva* Outro exemplo : ponhamos em duas
barquinhas ligeiras duas magnetes defiguacs,
cm diífancia e poftura que mutuamente íe
attraiáo ; ambas fe movem até ajuntar-fe;
mas a mais pequena fe move mais ligei-
ra 5 e obedece mais promptamenie , por-
que a força artrahente da outra he m.aior.
Logo ( Propofiçáo quinta ) cjlabekcida ef-
ta mutua attraccão ou gravid.idc entre dous
Planetas , fe es deixa[fem livremente chedc'
cer a ejla mutua attraccão , o mais pecjueno
fe moveria mais ligeiro ; fendo tanto maior
a vílocidade nelle , íjuanto o outro o vence
em majfa , ou na forca attrahente proporcio'
nada a ma[fa.
Zug, Também concordo neiía propofiçáo fa-
cilmente , e fe deduz dos princípios cfta-
belccidos y e até Silvio com o leu ulencio
as approva.
Silv. Suppoftos os princípios , fobre que
Theodofio difcorre , as propofiçóes , que
vai cítabelecendo , sáo confequencías neccf-
farias.
Theod. Falta ainda outra Lei : e vrm a fer
( Propofiçáo fcxta ) que cfta gravidade de^
crefce e diminue ã prcporçao que crefce o qua-
drado da diftancia em que ejtã o corpo.
Bug. Náo enisndo.
rkcoL
2^6 Recreação Filofofíca
Tkcod. Náo fei fe já vos expliquei que cou-
fa era número quadrado. Número quadra-
do he o produvRo de qualquer número mul-
tiplicado por 11 mefmo. V. g. 4 Ke quadra-
do , porque he o proiudio de i multipli-
cado por 2 : remelhancemiente 9 he numero
quadrado ; porque 3 mukiplicado por íi
mefmo , dá 9. O número , que le multipli-
ca 5 chama-fe raiz quadrada ; e o produdo
he número quadrado. Para ver fe me en-
tendeis , aílignai-mc alguns números qua-
drados.
Eug, Creio que todos cftes são quadrados
4, 95 ^<^5 255 ^^5 49? ^4, 81 , ICO.
Theod. Acertaftes , porque z multiplicado
per fi , dá 4 ; ^ multiplicado por fi , àà (^ -y
4 multiplicado por íi, dá i6j 5 mukiplica-
do por íi 5 dá 25, &c. Ora já que tocámos
nifto , digamos logo agora , o que d'aqui
a pouco fera precifo. ]á fabcis que número
quadrado he o produdo de hum número
multiplicado por fi mefmo : e fabcis vós
que quer dizer número cubico í
Eug. Náo.
Theod. Número cubico he o produflo do nú-
mero quadrado multiplicado pela fua raiz:
V. g. 9 he número quadrado , a fua raiz
he ^ ; multiplicai 9 por ^ , e fica número
cubico.
Eug. Por clTc m.odo 27 he número cubico ,
porque -"; vezes 9 dá 27.
Theod. Aflim he. Portanto em vós querendo
fazer hum número cubico, nâo tendes mais
Tarde trigenvia terceira, 287
que pc^ar em qualquer número v. g. 2 , e
multiplicalio por fi mefmo , fica 4 , que hc
número quadrado : tornai a mAikipIicar elTe
4 ou número quadrado pelo primeiro nú-
mero 2 , a qne chamamos raiz , e fica 8 ,
porque 4 por 2 dá 8.
Eug, Por cíTas contas o número cubico for-
mado da raiz 2 he 8 , como dizeis ; o nú-
mero cubico formado da raiz 7^ ^ he 27;
porque :; por ^ sáo 9 , e 9 por 7^ são 27 ;
o número cubico de 4 sáo 64 ; porque 4
por 4 sáo 1(3 , e 16 outra vez multiplica-
do por 4 5 sáo 64. Já vejo que os núrheros
cúbicos crcfcem muito depreíla.
Theod, AiVim he j e como entendeis iílb , fá-
cil vos fica o entender o que vou a dizer-
vos. Hum corpo pofto fobre a Terra em
diverías alturas , nem fempre tem o mef-
mo pezo 5 ou força para vir para a Terra.
Junto dcUa , a força he maior , mas lá em
grande diftancía efta força he menor ; e fe
quizerdes íaber ao juífo quanto he menor
efta força lá em fima , reduzi cfTas diftan-
cias a número de braças , ou léguas , e
fazei de cada huma o fcu número quadra-
do ; e a diíTerença dos dous números vos
fará conhecer a differença da gravidade nef-
fas diftancias. Ponhamos hum exemplo :
Hum globo de qualquer matéria pofto na
vizinhança da Terra , difta do centro delia
hum femidiametro ; e largado livremente,
correria cm hum minuto fegun.^o 15 pés
e meio ; fe o levantarmos ao alto , de forte
288 Recreação Filofofica
que diftc do centro da Terra dous femidía*
metros, já a Tua gravidade diminue a cjuar-
ta parte, e no mefmo tempo cahiria a quer-
ia parte do efpaço.
Eu^. E porque ?
Theod. Eu vos ajufto a conta : efíe corpo
pofto na vizinhança da Terra d fta l'o cen-
tro delia hum femidiamctro ; e levantado á
outra altura, diíta dous íemidiamctros : ora
façamos os quadrados delTes dous núm.eros
I , e 2. O quadrado de i fempre he i ;
porque i muItiph"cado por i , nunca pâíTa
de I ; o quadrado òe z he 4 : logo as
gravidades daquelle corpo nas diverías al-
turas sáo como I c 4 , ifto he , lá em fi-
ma hc quatro vezes menor ; e íe diftar do
centro da Terra ^ femidiairicrros , a gravi-
dade ahi ha de fer 9 vezes menor , porque
o quadrado de ] he 9.
JEug, Já entendo.
Theod. Supponhamos ?,gora que fe levanta-
va o corpo tão alto como eftá a Lua , c
que diftava do centro da Terra 60 femi-
diametros , a gravidade então feria ^. 6co
vezes rrenor do que na vizinhança da Ter-
ra j porque o quadrado de Co sáo ],Cco:
e por confcguintc o efpaço , que corre-
ria cahindo num minuto , feria ^.(Tco ve-
zes menor do que cá na vizinhança da
Terra. V. g. cá na vizinhança da Terra
hum corpo cahindo livremente ( ícm at-
tendcr á rcfiftcncia do meio ) n um mi-
nuto inteiro , por caufa da acceleraçáo
cor-
Tarde trige Tinia terceira, 289
(l) correria 54. coo pés (defprézo alguns
quebrados para fazer a conca mais perce-
ptível). Ora eíte meímo corpo levantado
á altura de 60 iemidiameiros correria num
minuto inte.ro hum efpaço 3,6'co vezes me-
nor , que vem a fer 15 pés ; táo fraca he
nelTa altura a gravidade para a Terra. Per-
cebeis iífoí
E\tg. Percebo ; c já vejo como a graviíLide
diminuc ã propondo que cref.c o quadr..do
ácL dijlanci.í do co'po a rcfpJiO do ceturo da^
quclíe , para qusm inclina e peza.
Thcod. Entendida a lei , falta provar que na
realidade he aííim como cu tenho dito. El-
la póde-fe provar geometricamente ( 2 ) ;
mas como vós náo entendereis efta prova ,
Tom. VI. T fera
( I ) Suppofta a lei conftantemente obfer-
vada e demonftrada , da acceieração dos Gra-
ves , quando cahem feguindo a razão dos nu-
meros i , j , J , &c. no fim de qualquer tem-
po , os efpaços corridos pelos graves cahindo ,
sáo como os quadrados dos tempos ; o quadra-
do de óo fegundos he j. 600 ; e multiplicado
pelos 15 pés e -5 , que o corpo correo r.o pri-
meiro fegundo, são jj.Sccpés. I\las para faci-
litar o calculo , delpreza-fe o meio pé , e fa-
zendo fó conta dos i $ , que correo o grave
no primeiro fegundo , em todo o minuto cor-
rerá os 54. 000 pés.
( 2 ) Todo o corpo , que dififunde a Tua
acção ou virtude até alguma diQancia , a dif-
funde em redondo : fendo o efpaço c^uq occu-
pa eíla virtude , huma como esfera , cujo cen-
1^0 Recreação Filofofica
fera a da experiência. ]á fica eftabeiccido ,
que toda a vez que hum corpo gira á roda
do outro , tem alguma força que o puxa
para elle j aliás náo iria fempre torcendo o
leu caminho , antes marcharia direito para
diante : e como os Satélites de Júpiter gi-
ráo á roda delle , náo podeis negar , que
pezáo para elle. Mas nem todos pezáo igual-
mente ; porque nem todos lem a mefma
diftancia de Júpiter : examinando pois eftas
gra-
tro he o corpo : quando he inaior a diílancia ,
a que fe eficnde a virtude (ou feja de cheiro,
ou de calor , ou de attracção , ou qualquer ou*
tra ) também eda esfcrj daadividade he maior.
Ora he certo , que quanto maior for o efpaço ,
peio qual fe efpaihão a? partículas ou raios
que obráo , menor ha de fer a virtude deíía
acção : e como oç raios fe efpaihão por toda
a luperficie da esfera da adividade ; quanto
maior for efla fuperficie , mais diminuta ha de
fer a virtude defla acção. Logo fendo certo
pela Geometria , que crefcem as fuperficies
das esferas na razão duplicada dos raios , ou
dirtancias do centro , que he o mefmo que na
razão dos quadrados defía diftancia ; fcgue-fe
que neíTa mefma razão dos quadrados das dif»
tancias diminue a virtude do corpo , que eílá
obrando , ou a forca da fua acção ; e aíTun
tanto a luz , como o calor , como o cheiro,
e também a attracção , tudo deve diminuir á
proporção que crefcem os quadrados das diftan*
cias , que he o mefmo que diminuir na razão
inverfa deftes quadrados.
Ta7*de trigeíima terceira, 291
gravidadcs , e confcrindo-as entre fi , acha-*
mos que diminuem á proporção que cref-
cem os quadrados das diftancias. O mefmo
fc obíerva conftantemence nos Satélites de
Saturno. Ora conferindo também entre íi
as forças , com que cada hum dos Planetas
peza para o Sol , achamos que também
diminuem- nefta proporção. Ultimamente
comparamos o pezo da Lua para a Terra
com o pezo do^ corpos terrcftres para a
mefma Terra , e achamos que fe obfcrva
a mefma lei. O calo , que ha pouco eu
fuppuz , de hum corpo que levantaíTemos
até á altura da Lua , que havia de cahif
num minuto inteiro fó i s P^s para a Ter-
ra 5 não he cafo fingido , he verdadeiro ,
porque tanto cahe a Lua para a Terra em
cada minuto.
Silv. Como he iíío ! pois a Lua cahe para
nós ?
Theod. Nâo vos aíTuílcis , que vos náo ha
de cahir fobre a cabeç.\ Vós já náo podeis
negar que a Lua peza para a Terra ; por--
que fe ella gira á roda da Terra , cem ,
conforme o concedido ( Propofiçáo primei-
ra ) huma força que a puxa para a Terra ,
e que faz que fempre vá torcendo o cami-
nho inclinando para a parte da Terra , co-
mo o cavallo inclina para o Picador. Fal-
ta agora examinar quanto peza. Mas o rro-
do com que fe examina quanto hum cor-
po , quando fe revolve cm giro á roda do
outro , cahe ou peza para clle cm dctermi^
T ii na-
292 Recreação Filofofíca
nado tempo , he efte. Façamos hum defe-
Efí. j. nho ligeiro ( Efiamp. 5. fy. 8.) para me
fig. S. cnrenJcrdes melhor. Aqui fupponho a Ter-
ra em T , e a Lua em 0. Se a Lua náo ti-
veíTe cm o outro impulfo a que obedecer,
fcnáo o da Tua projecção , ou da força do
movimento concebido , iria pela linha o n ,
e fugiria da Terra ; do mefmo modo , fe
pofta em o , náo tiveíTe outro impulfo
mais que o da gravidade para a Terra ,
cahiria direita para baixo pela linha o m
T ; mas como a hum tempo fe acha com
eftas duas determinações de movimento ,
huma do impero concebido , que a impelle
pela linha o rt , outra da gravidade , que
a puxa pela linha o m ^ ha de obedecer a
ambps as acções , c move-fe pela diago-
nal o a.
£ug. Tudo ifTo he conforme ao que algum
dia me enfinaftes fobre a compoíiçáo do
movimento.
Thcod. Defle modo tenho eu a linha que
dekreve a Lua á roda da Terra ; c fei a
proporção que tem a força com que pcza
para a Terra , que corrcfponde á linha o
fu , a refpeito da força da projecçáo , que
corre fponde á linha O n. Além diílb fa-
bendo cu qual he o arco , que h.2 a Lua no
efpaço de hum minuto , poíTo confidcrar
elTe arco como huma linha leÓâ ; no que.
náo ha erro fenfivcl , fendo a porção mui
pequena ; c fuppondo que he diaconal de
hum parallelogramo rccio , conheço quaes
sáo
Tarde trigefima terceira, 293
sáo os lados. No lado , que coincide com
a linha o n r ^ conheço quanto fe moveo
por força do impulío da projecção , duran-
do elTe minuto , e no lado que he perpen-
dicular á Terra , conheço quanto i"c moveo
por força da gravidade , e o efpdço que
ncíTe tempo cahio , ou inchnou a Lua para
a Terra. Dividindo pois a orbita da Lua
em dias , e horas , e minutos, acha-fc que
em cada minuto cahe a Lua para a Terra
15 pés e meio, que he o mcimo que cahi-
ria hum corpo nas vizinhanças da Terra ,
" fó em hum minuto fegundo : e deite mo-
do vem a ler a gravidade da Lua nelTa dif-
tancia ^.é^co vezes menor do que a dos cor-
pos que eftáo vizinhos á Terra ; que he
juftamcnte a diminuição conforme crcfce o
quadrado da diftancia da Lua , a rcrpeito
da dos corpos vizinhos á Terra. Que me
dizeis a ifto , Silvio ?
Silv. De mathematicas não entendo nada ;
mas vós armais elTas contas de modo , que
me parece que tendes razão.
Tbeod, Eítas coiitas quando apparecem tão
juíèas, que o mefmo , que dava o calculo cá
pela eipeculaçáo , he juíliílimamente o que
achamos na praxe do movimento da Lua ,
digo-vos na verdade que fazem ficar hum
homem fufpenib. Qje dizeis, Eugénio?
Eug. Tudo tenho entendido j fó não me ac-
ccmmodo muito com dizer que a Lua c^-
he para nós os 15 pés e meio, ficando eila
tão longe como eftava de ames.
Jheod,
2 94 Recreação Filofofica
Theod, Náo vos embaraceis no modo de fal-
lar. Vós percebeis como n'um minuto cor-
re a Lua a diagonal do parallelogramo ,
que vos moftrei ; e náo pôde correr eíta
diagonal íem abaixar da linha o n para bai-
xo canto , quanto vale o }n , ou n a i pof-
to que a Lua náo fique mais perto da Ter-
ra 5 porque a força ccntrituga o náo con-
fente. Portanto a força da gravidade da
Lua mede-fe na linha o m ; porque fe náo
houvelle eíla graviJade , a Lua iria direita
por o n : logo a gravidade he quem a pu-
xou para baixo , e fez encurvar , e como
delviou a Lua do caminho , que ella que-
ria feguir , tanto quanro vale o efpaço de
cm, o'ã n a , por iíTo ahi íe mede a ac-
ção da gravidade. De forte , que a gravi-
dade fempre p-uxa a Lua para a Terra , c
pertende fazella chegar mais para ella o
valor da linha o m ; porém iíto coníeguiria
a gravidade , fe fe achaíTe fó fem contra-
rio ; mas achou-fe com força centrífuga
igual ; porque fe a Lua por caufa do mo-
vimento concebido folTe pela linha reCla O
Tl , no fim do minuto já dií^ava mais da
Terra do que diftava antes , o valor da li-
nha a n j igual a o m. Neíles termos con-
tendem as duas forças iguaes entre fi , e o
mais , que pôde fazer a gravidade , hc que
a Lua náo fe affafle mais da Terra do que
efhava ; c a força ccntrifuga o qnc pode
con feguir , foi que a Lua náo fe chegaffc
m:'i3 pira a Terra do que çílava j porém
na
Tarde trigeftma terceira, 295'
na linha o m vemos quanto a Lua fe que-
ria chegar • e na linha n a vemos quanto
elia queria fugir. Eis-aqui o que luccede na
realidade ; e bem vedes o que queremos
dizer, quando dizemos que a Lua cahio nef-
fe lempo pela linha o m , pois he o que
abateo da linha o n para baixo. ^
Eug, Agora emendo bem.
Thecd. Suppofto ifto, por cfte mefmo modo
fe conhece a força da gravidade de qual-
quer Planeta para o Sol , e de qualquer
Satélite para o feu Planeta. Primeiro •• por-
que conhecida a linha circular , e o tempo
em que a defcreveni , logo fe conhece a
força que obriga a elTes Planetas a deixar
a linha reéla , e voltar em giro ; e efta for-
ça he a da Gravidade.
Silv. Em todos elles he a mefma razão, que
tendes dado para a Lua. Pergunto agora ,
fe fe obfcrva nelles conftantemente eíía di-
minuição da Gravidade , á proporção que
crcfce a diftancia ?
Thecd. A' proporção que crefce a diftancia,
não ; mas á proporção que crefce o qua-
drado das diftancias , iíTo fim. Ponhamos
exemplo nos Satélites de Júpiter : tomào-
fe as diftancias de todos quatro ; fazemos
os números quadrados de cada diftancia , e
obferva-fe fielmente , que neíTa proporção
fe diminue a gravidade , e o feu eífeito ,
que por i(To , quanto m.ais longe eftáo de
]upiter , mais de vasar andão ; porque em
cada minuto cahem menos , ou torcem me-
nos
ip6 Recreação Filofofica
nos o caminho inclinando para Júpiter ; c
torcendo menos o caminho , he precifo mais
tempo c efpaço , para fecharem o circulo ^
c voltarem ao principio. O mefmo fucce-
de em Saturno , e o micfmo em iodos os
Planetas a reípeito do Sol. Donde le tira
huma pjova convincente da re^ra que vos
dei : que nos Planetas a gravidade diminue
na v:efnia propnrcao , em que crejce o quãdrOr'
do das fuás dijúmia'. \'amos agora expli-
car os eífeitds defta Gravidade geral.
§. III.
Dos fwvimentos dos Aftros em Elifes.
!
Sih. "17 Os eftais examinando os movi-
V men:os dos Planetas , como po-
deríeis n uma maquina de bronze examinar
o« rr.ovimentos das rodas.
Tkeod. Vereis que náo dou hum único paf-
ío , fenáo encoftado de huma parte nas leis
de movimento , que a experiência , e a ra-
zão tem dcmonftrado ; e da outra nas ob-
fervaçóes conftantcs dos Aftros. Tenho íup-
pofto aié aqui , que os Planetas fe m.ovcm
em círculos á roda do Sol , porque me
foi aílim precifo para a mais fácil explica-
ção , porem na realidcde os Planetas náo
íe movem cm circules , mas em elifes ,
que quaíi parecem circules. Como porém
cUas coufas fe devem levar em todo o ri-
gor >
Tarde trigefima terceira, z()j
gor , e por outra parte os Cometas náo ef-
táo ifcnros defta geral lei da Gravidade,
e devemos rambem dar caufa fyfica do
ícu movimento em elifes , convém appli-
car ás elifes a doutrina dada para os cír-
culos , e apontar as diíiérenças. Já vos dilTc
como íe formava a elifc , e que tinha dous
focos: o corpo attrahente, v. g. o Sol, fem-
pre eftá n'iim foco deíTas elifes ; de for-
te , que tanto os Planetas , como ainda
os Cometas fe revolvem á roda do Sol i
c de modo fe háo de mover , que , acabada
a orbita que defcrevem , ha de ficar o Sol
num foco delTas elifes : e de fadlo aílím
fuccede.
Eiig. Niíío náo tenho eu diWida ; mas ef-
rá-me fazendo bulha na cabeça , como pô-
de o Sol com a attracçáo , ora deixar que
o Planeta fe affafte mais, ora attrahillo para
mais perto. No circulo percebo eu bem
como a attracçáo prende, c iubjuga o Pla-
neta de forte , que náo o deixa fugir nem
hum fó palio.
Theod. Eu vos explico iíTo pelo modo que
me parece mais fácil. Mas primeiro have-
m.os de fuppor certas propofiçóes , que fe
demonílráo na Mecânica acerca dos cor-
pos que fe movem huns á roda de outros ,
as quaes sáo precifas para o caio prefen-
re. já dilTemos que rodo o corpo , que gi-
ra á roda de outro , tem força centrífuga,
jíb he , que forceja a ir peia tangente , e
fu^ir do centro (Propofiçáo primeira ^\
£ug.
29 S Recreação Filojofica
Fug. Que quer dizer Tangente ?
Theod. He huma linha recia , que toca no
circulo pela parce de fora , fazendo com o
raio angulo reclo.
£ug. Já entendo.
7heod. Accrcfcento a^ora (Propofiçáo fetima)
que ejia fon^a centrífuga cr efe e , (juando
crefce a velocidade do corpo que fe move. De
force , que indo pelo mefmo circulo , fc
o corpo vai de vagar , tem pequena força
centrífuga ; fe vai deprclTa , tem muito
maior força , e he precifo que a caufa
que o puxa para o centro , tenha maior
força para o reter no circulo , aliás lhe
fugirá para fora , affaftando-íe mais do cen-
tro do que eftava.
Eug. Bem como quando o cavallo anda á
guia, fe vai de vagar, facilmente fe fuftenta
a corda ; mns fe galopea , hc necefTario pu-
xar com ambas as máos para o fazer girat
cm circulo.
Thcod. (Propofiçáo oitava): EJle augmento
de forct centrífuga , fuppojlt a mefmo, dífian-
ci.tn mede-fe pelo quadrado da velocidade (i);
de ibrte , que , fe a velocidade he 3 ve-
zes maior , a força centrífuga crefce nove
ve-
( I ) EHa regre coílumao dalla por outros
termos , dizendo que , porta a mefma diflan-
c!a , crefce a força centrifuga na razão inver-
fa dos quadrados dos tempos periódicos. Eu
acho mais perceptivel dizer , que crefce coino
o quadrado da velocidade , a qual fempre anda
na razão inverfa do tempo periódico.
Tarde trigefima terceira, 299
vfzes. Também aqui ha outra regra , que
(Prcpofiçáo nona) fuppcndo determinada
velocidade no corpo que fe move , quanto mais
pequeno he o circulo e difiancia , maior he a
forca cenuifuga ( i ). A râzáo he ^ porque
quanto mais pequeno he o circulo , mais
he preciío quebrar , e entortar a linha de
mo-
( 1 ) Erta regra ainda que pareça contraria
i commua , que diz que ai forçai centrifu^as
crcfcem na razão da diftanclu , na verdade o não
l;e ; porque quando fe diz que a força centrí-
fuga crefce na razão da di(íancÍ3 , fuppõe-fe o
jnefmo tempo periódico ; mas na regra aíTima
dada fupponho não o mefino tempo , mas a
mefma velocidade ; e polia determinada veloci-
dade, quanto menor he o circulo, menor he o
tempo periódico : e então he maior a força
centrífuga. Digo pois que , pcflã a me/ma velo'
Cidade , erejce a força centrífuga na razão inverfa
dof diâmetros , ou dijiancias '. não fó porque aíílm
o moílra a experiência confiante nas máquinas
das forças centraes , mas porque aííitn fe de-
monflra (^Eflamp. 4^ fíg. !.)• PoRos dons cir- Eíl. 4.
culos com huma tangente commua R / , fazen- fig. l.
do o corpo em R força para feguir a linha re-
da, maior força he precifa no centro a, para
o fazer curvar de : ate m . do que no corpo a
para o fazer curvar de t até n; e quanto menor
for o circulo , maior he a feparação da tangen*
te , e maior deve ler a força da attracção , pa-
ra obrigar o movei a andar neíTe circulo: logo
maior he também então a força centrífuga :
porque, movendo-fe o corpo em circulo, lem*
pre são iguaes ellas duas forcas.
300 Recreação Filofofica
movimento , em ordem a accommodalla a
ellc ; e por confeguince maior he a força
centrífuga, Tempre igual á força attrahente ,
que obriga o corpo a mover-fc em circulo;
pois como já vos diíTe ( Propofição fcgun-
da ) lempre eftas duas forças fe equilibráo
quando hum corpo fe move em circulo.
Suppoítas eftas leis , vamos a ver como
hum Pianeta ou Cometa fe pôde mover em
elife , por caula defta gravidade geral para
o Sol. Nós náo podemos ifentar deita uni-
verfal lei da gravidade os Comeras , ven-
do-o3 todos dobrar , e encurvar as fuás li-
nhas de movimentos á roda do Sol , pois
fe movendo-fe rapidamente , fcmpre váo
entortando a linha de movimento para a
parce do Sol , he certo que alguma força ha
que 05 puxa para cTa parte ; e a eíb for-
ça , íeja qual for , chamamos gravidade do
Cometa , ou attracçáo do Sol , que tudo
he o mefmo : ufai das palavras que quizer-
des.
Eug. Náo tenho dúvida ; fe elles entortáo o
caminbo , ílgnal he que tem caufa que os
puxa e faz entortar.
Theod. Defcrevamos com a pena a elife de
hum Cometa ; c o que diffcrmos delia , di-
remos de todas as clifes dos Cometas c
Efl. 4. Planetas (^Ejiamp. A- fig- 2.)* Supponha-
fig* 2' rnos o Soi S no foco Inferior da elife ; e o
Cometa R no ponto mais alto delia. Se
quando Deos impeUio eíte Cometa pela tan-
gen-
Tarde trigefima terceira. 301
gente R a , levafTe força centrífuga igual á
íorça da gravidade para o Soi , havia de
defcrever huma linha circular , cujo ceniro
foíTc o Sol ; porém fe efta força centrífuga
folTe menor , havia de defcrever huma cur-
va i mas dentro da circular ; e havia de
obedecer mais á attracção ou Gravidade,
Ora fupponhamos que ailim foi , veio por
tanto o Cometa pela curva R í» : e fe ahi
não houveíTe attracçáo do Sol, fempre efca-
paria pela tangente m n ; mas como o Sol
neíTe lugar m o puxa para fi , ha de obede-
cer de algum modo a eíTa attracçáo , e dcf-
viar-fe deíía tangente, entortando alinha pa-
ra o Sol. Advirto de caminho , que aqui a
attracçáo do Sol faz dous eíFeitos ; hum he
encurvar a linha do movimento , e prohibir
que o Cometa figa a tangente vi ti ; outro
he augmentar a velocidade do Cometa '^i);
porque ellc quer vir pela linha m H , que
defcc para baixo ; e a attracçáo tambcm o
puxa para baixo ; c deite modo o Cometa
íe vem accelerando , por modo fcmelhante
a hum fino ou pêndulo que vem cahindo.
Advirto mais , que defde R até e tudo
concorre para que o Cometa fe avizinhe
ao Sol ; porque ainda que o deixaíTem , e
clle fe movelTe pelas tangentes , como o
Sol
C I ) Porque a linha S m , que he a direc-
ção , em m forma hum angulo agudo cotn a
linha do impeio concebido m ri : e augmenta
fieccirariamcnte a fua velocidade , legundo U
leis da compufiçáo do uiovimenio.
302 Recreação Filofofica
Sol não fica perpendicular ás Tangentes
(que iRo fó acontece nos círculos ) lem-
pre o Cometa fc aproximaria ao Sot , co-
mo íe conhece na mefma figura. PcJo que ,
ncíta defcidd do Cometa , a attracçáo não
he contraria á linha do Ímpeto , mas antes
concorda em parte com ellaj e aflim accele-
ra o movimento , e encurva a linha : c
pondo o Cometa cada vez em menor dií-
lancia , he cauía de fer cada vez muito
maior a attracçáo (Propofiçáo fexta ) . Af-
fim vai fempre triunfando a força da attrac-
çáo até chegar o Cometa ao ponto e , que
he operibdío , ou a maior proximidade. Ago-
ra Hjuitos náo percebem como o Cometa
daqui por diante fe pôde ir aíFaílando,
fendo a força da attracçr.o aqui m.aior, que
cm toda a outra parte ; porém náo adver-
tem que nefte ponto já a linha S ^ da
attracçáo náo concorda com. a linha do
Ímpeto , com que o Cometa quer ir pela
tangente e i ( i ) , antes defte ponto por
diante começa a linha do Ímpeto , que he
a tangente , a fer contraria á linha da at-
tracçáo , e a obrar contra ella ( ^ ) ^ F^^
conieguinte a diminuilla. Também náo ad-
ver-
( 1 ) Neíle lucrar a linha da attracçáo faz
angulo re£lo com a tani^ente < / : e aíTim nem
ajuda , nem retarda o movimento , conforme
as leis da compofiçáo do movimento.
(3) IMovendo-fe o Cometa de € para tt ,
já a linlia da aitracção / u faz hum angulo ob-
lufo com a Jinha do impeta ou tangente u c ,
Tarde trigefima terceira, 303
vertem , que aqui a força centrífuga he
maior que em toda a outra parte : primei-
ramente por fer Tumma a velocidade , e el-
la crefcer conformiC o quadrado da velocida-
de (Propoíiçâo oitava) j e cm íegundo lu-
gar , porque aqui a volta da linha he mui-
to apertada, e a linha he fummamente cur-
va \ o que , conforme eftá provado (Pro-
poíiçâo nona) augmenia a força centr.tugá.
Sendo logo aqui por dous principies muito
grande a força centriíuga , e começando a
obrar contra a força da attracçáo , vai efta
ficando vencida , e o Cometa vai-fe aftaí-
tando do Sol daqui por diante. Ora obran-
do iempre a attracçáo contra as linhas do
Ímpeto ou tangentes , he certo que o Co-
meta fe ha de ir retardando na carreira \
mas fempre , pofto que de vagar , vai fu-
gindo, e augmentando-fe a diílancia do Co-
meta , e diminuindo a força da attracçáo;
e por ilTo fempre a força centrifuga vai
vencendo , e o Cometa aíralfando-le do
Sol \ até que chegando a t , inço já o Co-
meta mui fraco , e tendo a linha da attrac-
çáo maior inclinaçáo íobre a tangente t g ,
começa a cntorralia mais , e tanto a en-
torta até que o Cometa vem dar a R,
onde acaba a orbita ; e fica outra vez a
linha da attracçáo em angulo reòto com a
tangente o a , que he a poílura mais pró-
pria
e a retarda e embaraça tanto, quanto cangulo
obtufo -excede o redlo , conforme o que fe de-
monftra nas leis da compollção do movimento.
go4 Recreação FiJofofica
pria para que a acção da gravidade toda fc
empregue cm curvar a linha , lem ajudar o
movimcRro , nem rctarddiio. Djzei-me, per-
ccbeft-es iíl:o bem i'
Eu^. Creio que fim : a comparação do íino
ou do pêndulo , que tocaftes , deo-me baf-
tanre luz ; porque aííim como o pêndulo
cahindo , lempre fe accelera , e fubindo lem-
pre Te retarda ; c quando chega a paílar por
baixo então he que leva a maior força ; af-
íim creio que fuccede ao Cometa: cahinc.o
para o Sol , accelera-íe ; paliando por baixo,
vai vclociíiimo ; e voltando outra vez para
ílma , vai-fe retardando.
Thcod. Se reflectirdes bem , haveis de achar
huma mui grande femelhança no pêndulo
cahindo. A attracçáo da Terra, ou gravida-
de, obra por linhas que concordáo em par-
te com a do impcto do pêndulo cahindo;
porque ainda que elle náo íc moveíTe circu-
larmente , mas pelas tangentes , lempre fc
chegava para a Terra ; e ifto he o que per-
tende a attracçáo : o mefmo fuccede ao
Cometa cahindo para o Sol pela maior eli-
fe. Pelo contrario ao voltar para fima as
linhas do im.peto no pêndulo todas sáo con-
trarias á acção da Gravidade ; e aííim ven-
cem a gravidade , fazendo que o pêndulo
fubá i mas a gravidade fe vinga dilTo , de-
bilitando-lhe pouco a pouco as forças do
impero até as extinguir de rodo : e o
rncfmo acontece ao Cometa fubindo ; por-
que as linhas do movimento todas sáo
con-
Tarde trigefnna terceira, jof
contraftâs á attracçio do Sol , e vao zorri*
bando delia , fazendo que cada vez mais fe
aíFafte o Cometa do Sol ; mas cara lhe cuf-
ta elTa vitoria que alcançáo da atcracçáo da
Sol ; porque efta attracçáo fempre vai retar-
dando o ímpeto do Cometa , aic o extin-
guir, c náo deixar fubir mais, e entáo co-
meça a obri^allo a dar volta, e defcer outra
vez para o Soí.
Eug. Tenho entendido perfeitamente ; náo
vos canfeis mais : e fuppofto o que eftá di-
to dos Cometas , já iei o que fe deve di-
zer dos Planetas, á proporção ; porque tu*
do são elifes, ou mais circulares , ou mais
compridas.
§. IV.
Das Leis , qne inwdavèhnente ohfervao todos
05 Afiros nos feus movimentos.
Theod. A Gora já podeis perceber as Leis ,
JLJLque inviolavelmente todos osAf-
tros obfcrváo. São duas que defcubrio o in-
figne Keplero , pofto que náo atinaUe com
a fua razão. Perdoai , Silvio , que eftas ma-
térias são hum pouco mais efpeculativas ;
mas como Eugénio já eftá capaz de as per-
ceber , náo poíto conter me , nem quero pri-
vallo do gofto 5 que lente a alma , vendo
a admirável belleza defte Mecanifmo cc«
leílc.
Tom.VL V SiW.
3c6 Recreação Filofojica
Silv. Náo vos reprimais por meu refpeito ^
porque tarabcm eu gófto de íaber o que
náo fabia. Que Leis sáo eíTas <de Keplcro ?
Theod. A primeira he , que Tcdos os Ajhos
em icwpos iguaes andão áreas iguaes, A mef-
ma figura , que nos fervio para o movi-
mento do -Cometa , nos pócie fervir agora
ER. d. (^EJlamp. A. fg. 2.). ylrea chamamos nós
fis* ^' ao efpaço ou campo , que Te comprchcnde ,
e fecha entre varias linhas. V. g. o que fe
comprehende entre a linha S R , «S w , e a
curva R m,
Eitg. Percebo que coufa he ^rca : que dizeis
agora dos Planetas?
Theod, Todos os Aftros andáo de maneira,
que em tempos iguaes fazem áreas iguaes;
ifto he : íupponhamos que num mez andou
o Cometa de R até m ; no fegundo mez
andou de m até r , tirem-fe linhas de todos
elTes trcs pontos R m r até o Sol. Di^o ago-
ra que a área do primeiro mez , R S m ,
fera igual á área do fegundo mez m S r.
Ifto mefmo fe conhece pela obíervaçáo,
^ue confiantemente fe acha nos movimen-
tos de todos os Aftros , ou as eli fes fejáo
mais compridas , ou mais cifculares. Mas
cfta lei , que primeiro defcubrio Keplcro,
depois veio a conhecer Ne>xron , que era
huma confequencia neccíTaria da \ç'\ da Gra-
vidade geral , que faz volver es Planetas á
roda do Sol (1). Ora defta \çi íe tiráo
va-
( 1 ) Todo o corpo, ciie gira á roda de ou-
tro , porque he attrahido, ou peza para elle»
Tarde t vige fim a terceira, ^^07
Varias confequenclas : huma he que : TcAo%
as Aflros dcjcrevim áreas proporcionadas aos
tempos : iíto he , <^ue em dous dias defcre-
vem huma área dupla , ou dobrada da que
V ií def-
receíTariamente ha de defcrever áreas iguaes
em tempos igiiaes. Demonftra-ie ( E/lamp. 4. Efl. 4.
y^&' JO ^^j^ C ^ corpo attrahente , poílo no fíg. 3,
centro do circulo , ou no foco da elite : o
corpo A , que n'um determinado tfmpo cor-
reo A B , no fegundo tempo correria por
força do Ímpeto concebido out-^a linha igual
B L ; mas nefle fegundo tempo também obra
a acção da *ra^ idade. Supponhamos que to-
dos os impuUos continuados peio difcurlo do
fegundo tempo obráo l(-»go no principio de!-
Je : e que valem a linha B / , ou a fua pa-
rallela e igual I, D. Neí!e cafo o Planeta
achando-fe em B com huma determinação pa-
ra B L , por caufa do Ímpeto concebido, ou-
tra para t , por caufa da gravidade , feguiria
a diagonal B D. Do mefmo modo em D con-
fervari3 o Ímpeto para outra linha igual D e;
mas pela nova e maior acção da gravidade
que obrava de mais perto , e o puxava pa-
ra r , feguiria outra dia2:onal D o ; e no
quarto tempo , confervando o Ímpeto para ou-
tra igual o m , e achando-fe attrahido para
í , iria pela diagonal o n. Digo agora , que
todas eftas áreas sãr» iguaes : o çue aífim fe
demonflra. O triangulo ABC he isual a B
L C , tendo ambos elles as bafes AP, B L
iguaes , e o vértice commum Também he
certo que o triansulo B L C he igual a B D
C, porque a bcTfe B C he conui ua , os vér-
tices L , e D cílão na mefma linha parallela
3cS Recreação Filofofica
defcrevêráo n*um dia ; e em fete dias huma
área feic vezes maior , do t]ue em hum fó
dia.
^ug. Se elles cm tempos iguaes fazem áreas
igaaes , em tempos defiguaes claro fica que
feráo as arcas defiguacs.
Silv. E de que ferve faber ilTo ?
Theod, De muito : ferve para faber a razáo ,
porque Todos os Alhos , quanto mais fc
avizinhão ao Scl , mais dcprc{[ji andao , como
moftráo vifivelmente os Começas i e quando
fe ajfajlão dclle , quanto mais longe cftÃo ,
mais vagarjfos vão. Ifto fe deduz da regra
dada ; porque como a área , que hoje qc['
creve o Cometa , deve fer igual á de hon-
rem , fe hoje for mais curta , forçofamcnte
ha de fer mais larga , para compcnfar na
largura o que lhe falta no comprimento : ora
citando hoje o Cometa mais perto do Sol do
que citava hontcm , fica a área mais curta ;
porque , como vedes na figura , o compri-
mento das áreas triangulares R S m , m s r
he a diftancia do Cometa até o Sol S.
£ug,
á hafe : loso são i^uaes ; e por confeguinte
larr bem ficão iouaes os trian2;ulo« ou áreas A
BC, e B O C. Oo mcfmo modo fe prova
que erte triangulo B D C deve fer igual a D
« C , e depois a D o C ; e finalmente que
cfte ultimo he icrual z o m C ; e depoi«? fe vê
igual a • n C : e aíriín tórios os triangules e
áreas deferiras em tempos iguaes , ferão tam-
bém entre fi iguaes , que iie o que fe perten-
dia démonítrar.
Tarde trigefima terceira, 309
'Eug. D'ahi infiro cu , que , andando o Co-
meta ou Planeta ca perto do Sol na parte
inferior da elite , levara huma velocidade
incrível j porque como ahi a diftancia do
Sol he mui pequena , a área fica mui cur-
ta : he preciio logo , para fer igual ás ou-
tras que ellc defcrevco em tempos iguaes ,
que corra huma linha muito grande , para
que fc compenie na dilatação do campo por
elTa parte o que lhe falta pela pouca altura
àt^z triangulo.
SWv. Ainda torno a perguntar : E para que
íerve faber iilo?
Tkeod» Serve para poder dar a razão de nós
termos do Equinoccio de Setembro ao de
Março menos 9 dias, do que contamos def-
dc o Equinoccio de Março até o de Setem-
bro.
Silv. Como sáo eíTas contas ?
Theod, Eu as ajufto. A Primavera , ou Equi-
noccio no anno de 61 foi aio de Março ás
8 horas da manha; o Equinoccio de Setem-
bro, ou principio do Outono, foi aos 22 de
Setembro ás 8 da noite: contai os dias, e
achareis que gafta o Sol em correr os féis
Signos de Inverno 9 dias menos , do que
nos féis Signos de Veráo ; e a razáo he,
porque de Inverno eflá mais peno da Ter-
ra : e aílim , no fyftema Copernicano de-
ve a Terra andar mais ligeira , para fazer
áreas iguaes em tempos iguaes. Daqui naf-
ce que os relógios , por melhores que fe-
jão , náo podem andar juítos com o Soi
cm
-3 IO Recreação Filoíoficáí.
cm todo o anno , fem ihes bulirmos na
penJula ; porque como o movimento appa-
renre do Sol Jie irregular , não pôde ajuf-
tar-le com huma maquina fcmpre conftante.
E fe com tudo ifto achais , Silvio , que náo
ha utiJiddde em íaber ertas regras, Eugénio
lha acha grande j e vou a cxplicar-ihc a fe-
gunJa lei.
Silv Eu náo as confidero inúteis j fó digo
que náo me eílaria matando para as fuás
averiguações.
Thcod. A legunda Lei de Keplcro he cfta:
Gò quadrados dos tempos periódicos sao en-
tre ft como os cubos das dijiancias ( i ) .
Po-
( I ) Efia Lei , fuppoHa a diminuição da
gravidade na razão inverfa dos qundradbs das
diíiaricias , pode demonflrar-re aíTim , para os
que fabem os termos. Suppomos em primeiro
lugar que ([conforme o demonl^rado na Aleca-
nica) as forças centrífugas crefcem na razão
da djRancia ( fuppollu o mefino tempo peiio-
dico) ; também crefcem na razão inverfa do
quadrado dos tempos (fuppofta a rnelma dif*
tancia). Logo abfblutamente para fe conhecer
todo o valor da força centrífuga , deve com-
por-fc 3 razão direda da diflancia com a in-
verfa dos tempus periódicos , que he o mef-
mo que repartir as díflancias pelos quadrados
dos tempos ; e o quociente , que fahe na di-
visão , dará o valor da forca centrífuga: e co-
mo quando o corpo fe move em circulo, fem-
prc ha de fer iiiual a torça centrípeta , fegue-lií
que a medida das forças centraes he a diflan-
cia repartida pelo quadrado do tempo ; o que
Tarde trigefima terceira, 31 r
Ponhamos exemplo para me entenderdes.
A diíhncia de Vénus a rerpeito do Sol hc
qua-
fe exprime deRe modo. -2 Suppomos em le-
gundo lugar , que o mefmo he repartir toda a
raiz pelo cubo , <^ue repartir a unidade pelo
quadrado. V. g. ~ he o mefmo que - ; como
também 7 he o mefmo que -. Suppomos em
terceiro lugar , que quando hunia força cref-
ce n'alguma razão inverfa , para fe conhecer o
feu valor deve repartir-fe por ella ; aíTim como
quando crefce n'alguma razão direda , fe deve
multiplicar por ella. Suppoftas eRas coufas ,
combinemos Júpiter com Mercúrio a refpeito do
Sol ; e como as fuás elifes são quafi círculos ,
podemos reputallas por círculos para a demonf-
tração ; a qual, para fe fazer ao mefmo tempo
perceptível e breve , fe põe nos termos de Ál-
gebra : chamemos á força central de Vénus
F, a deMercurioy: o tempo periódico de Vé-
nus T , o de Mercúrio t : a diflancia de Vé-
nus D , a de Mercúrio d. IRo pofto (Suppoíl-
ção terceiro) pela lei da diminuição da gravidade
r r
Ic :/'.'. Y\^i j:j ou ( Suppofição fegunda )
também como — 5*3'» poi'em conforme
o que diíTçmos ( Suppofição primeira) F: f::
íjr^ : ~:j ; logo temos que F : f : : ~-, : J 2 ;
e como - - ; : 2? j por confeguinte T^' : t • •
d' r d , que be o que fe queria demonílrar;
3 12 Recreação Filofofica
quafi dobrada da diftancia , que delle tem
Mercúrio : fe foíTe perfeitamente dupla , fa-
zendo os cubos das diftancias como vos
enfinei , feria o de Vénus 8 vezes maior,
que o iJe Mercúrio ; e também medindo
os tempos , em que ^iráo , Lhiria o qua-
drado do tempo de \''enus 8 vezes maior,
que o quadrado do tempo de Mercúrio ( l ).
Como vós 5 Eugénio , não tendes outros
coT^principios alem dos que eu vos tenho
da^o 5 nao podeis perceber iíto cabalmen-
te.
convém a faber , que os quadrados do"5 tem-
pos entre fi erâo como os cubos das diftancias,
( 1 ) A dinancia de Mercúrio confiderada
em pnrre«! millelniias da diftancia do Sol á Ter-
ra vale 3 5^7 : o cubo deíla diftancia he S7:<>60.
toi : o feu tempo periódico são a.iii horas: o
quadrada defte remno he 4:4.50. J2i. Em Vé-
nus a diftancia do Sol vale 725, o cubo 377:
9JJ.067; o feu tempo periódico são 5 390 ho-
ras; o quadrado sáo 29:052. 100. Se comparar*
mos os dous quadrados dos tempos entre C\ ,
acharemos que o de Vénus he maior quafi 6
vezes e meia ; e comparando entre ii os dous
cubos das diftancias , o de Vénus lambem he
maior quaíi 6 vezes e ineia , que a de Alercu-
rio. Adverte-fe que nas diftancias qualquer que-
brado , que fe defpreze , quando fe forma o
cubo. fâ7 hama confideravel differença ; ao que
fe deve attribuir toda a pequena defi«:ualdade ,
cue fe achar no^ cálculos : por iíTo quem qui^
zer fazer o calculo exaéto , deve reduzir os nú-
meros iiííeifcs a quebrados , tanto nas d;ftan*
(ias, como nos tempos.
Tarde trigefwia terceira. 313
te. Mas fempre admirareis ver os Aftros
do Ceo fujeiros ás leis do movimento dos
corpos terrenos. He coufa paímofa ver que
]upiter, Saturno c os Satélites década hum,
lá nelTa immcnfa liberdade das regiões eté-
reas 5 nem fe apreísáo hum paíTo , nem de-
moráo o feu movimento ; mas que exaòia-
mente correfpondem ao calculo , que o Fi-
lólogo rechado no feu Gabinete com a pen-
na na mão eftá determinando para hum e
outro Aftro. Dadas as diftancias dos Plane-
tas ao Sol 5 e dos diverfos Satélites a cada
hum dos feus Planetas , entra o Filofofo
a calcular , e diz ; Vénus fc moverá em
tantos mezes , Júpiter em tantos annos e
tantos dias , o feu primeiro Satélite gaftará
tantas horas , o ultimo tantas ; e pontual-
mente náo difcrepáo hum dia , nem huma
hora no feu movimento. Verdadeiramente
grande he Deos na producçáo defta pafmo-
la fabrica \ mas brilha muito mais a fua
infinita Sabedoria em fazer que toda efta
prodigiofa Máquina dos Ceos , e todos
feus Aftros , tendo movimentos tão diver-
fos entre fi , fe governem por humas leis
láo fimplices , como as que temos ponde-
rado.
I.\ig. Eis-ahi onde reluz a fabedoria de hum
Relojoeiro 011 Maquinifta ; fazer debaixo
de poucas rodas movimentos pafmoíos, en-
contrados, e admiráveis.
Súv. Na verdac'e que em qualquer Máqui-
na tanto admiramos a multiplicidade ik<i%
mo-
514 Recreação FiJofoflca
movimentos , como a fímplicidadc da fua
fabrica. Fazer muitos movimentos com
muitas roJdS , náo admira tanto ; mas
fázer muitos e encontrados movimentos
com poucas , iíTo caufa mais jufta admira-
ção.
Thcod. Por iíTo eu dizia que , admittindo cf-
te lyítema da cauíá do movimento dos cor-
pos Celeítes , apparecia muito mais admi-
rável a Omnipotência, e Sabedoria de Deos,
Mas he tempo de cumprir huma palavra,
que vos dei os dias paííados.
§. V.
Do Afetbodo p.íva conhecer o Pezo dos Planetas»
Eu^, "^r Ao me lembro.
Thcod, L\ Era uizer-vos o modo , com que
fe pezaváo os Planetas : aqui tem o íea lu-
gar. Já Tâbeis que eíh gravidade geral , e
mutua entre os Planetas , he propriedade
que pertence á matéria ; por conleguinte da
força , com que hum Planeta puxa pelos
outros, e 03 faz girat á roda de fi , coUigi-
mos a quantidade de matéria que elle tem ;
pois hc coufa bem clara que aquelle , que
ri^cr mais matéria attrahcnte ( disfarçai-mc
cfta palavra) com mais força ha de puxar
pelos outros , e fazellos dobrar os ieus ca-
minhos. Combinando pois a força , com
que Júpiter puxa pelos ieus Satélites , cotn
a
Tarde trigefima terceira, 315'
a força do Sol puxando por \'enus v. g. ;
e atendendo ás diftancias c revoluções dos
Satélites , c á de Vénus , conhecemos a
quantidade de matéria attrahente que ha no
Sol , e a quantidade de matéria que ha em
Júpiter. Por i(To nós nem de todos os Pla-
netas podemos fabcr as quantidades de ma-
téria que tem. Conhecemos a do Sol , a de
Saturno, a de Júpiter, e a da Terra j por-
que tocos eftes fazem girar algum, ou alguns
corpos á roda de fi. O Sol faz girar os Pla-
netas , Saturno e Júpiter os feus Satélites ,
e a Terra faz girar a Lua , e alKm , haven-
do em todos eltes corpos effeito fenfivel da
fua attracçáo , pela diverfidade das attrac-
çóes medimos a diverfidade da matéria que
nelles ha j pois fendo geral a toda a matéria
efta propriedade de attrahir , á proporção da
força attrahente que houver n um Planeta ,
fe conhece a quantidade de matéria que
tem ( I ) .
s:iv.
( 1 ) o modo prático de calcular efles pe-
20S , he efte. Pelo que a experiência iiioílra ,
na Máquina das forças centraes , e fe demonf-
tra na iMecanica , movendo-fc dous corpos cm gi-
ro à roda de outro , na mefma diflancia , mas cm
diverffls tempos periódicos , fabemos que as forçai
eentri fugas são como es grjoiiraJot das vetocidiides ,
cu inverte como os quadradas doi tempos periódicos ;
( que tudo he o mefino ) ; e como nenhum cor-
po ie move em circulo , fem que a forca cen-
trípeta attracliva feja perfeitamenre igual á
cencrifuga , feg^'^"^'^ 1^® > movcndo-Jc dous cor*
3i6 Recreação Filorofíca
Silv. Porém vós também fallaftcs no pez»
da Lua ; e náo íabemos que cfte Planeta
faça gir^r algum Satélite á roda de fi.
Theod,
pos , na mefma diflancla , mas em diverfos tempoi
á roda de outro , fi força attrahente ácflc hc a
rejpeito de cada hum inverfe , cowo os <juadradoi
dos jeus tempos. E como , efíando duas quanti-
dades n'unaa determinada razão , fe dividimos
por ellas huma terceira quantidade , os quo-
cientes ficáo nelTa melma rayão ; fe2ue-le que,
fe dividumos por eíles dous quadrados dos
tempos periódicos o cubo da diílancia do cor-
po central , ficaráo os quocientes das divisões
entre li como erão os dous quadrados dos
tempos ; e por confeguinte , ficarão os quocien-
tes da divisão do cubo dét di/Ltncia peles quadra-
dos dos tempos , jendo a medida da força aitraãi'
va do corpo central a refpeiío de cada corpo que
f^ira. Logo nos Planetas , que girão á roda do
Sol . conhecemos a força attraâiva que os fe-
gura nas orbitas , repartindo o cubo da diftan-
cia de cada hum pelo quadrado do feu tempo
periódico; e como elb força attradliva he pro-
porcional á maíTa do Sol , temos que o quo-
ciente defta divisão he a medida da maíTa ào
Sol. Advirto que , fe dividindo o cubo da dif-
tancia de Vénus pelo quadrado do feu tem-
po , fahe V. g. 10. oco , cfte mefmo fera o
quociente feita a operação em Marte , ou Jú-
piter , &c. A razão he ; porque , como fica
provado , quando crefcem os cubos das diftan-
cias , nefTa mefma raíáo crefcem os quadrados
dos tempos periódicos : ora quando augmenta-
mos o dividendo , e tambení o divifir nu ma
Tarde trigeftma terceira, i^iy
Tbeod. Argumentais bem ; mas fabei que a
Lua , não obftante ilTo que dizeis , nos dá
hum fignal bem lenfivel dà íua attracçáo
fobre a Terra. >sos princípios de Xewtoa
toda a maceria atcrahe, e toda he attrahida;
c
mefma razão , fempre fica o mefino quociente.
V. g. fe dividirmos 12 por } , dá 4 no quo-
ciente; ora trefdobrejnos o dividendo 12 , e
o divifor j ; repartamf»s j6 por 9 , veremo»
c;ue fempre fahe o inefmo quociente 4 : por
confeguinte fe dividirmos o cubo da dirtancia
de qualquer Planeta pelo quadrado do feu tem-
po periódico , fempre fahirá iium niefmo quo-
ciente , para fignihcar a virtude attradiva do
Sol , ou a quatitidade de matéria attrahente
que nelle ha. Pela mefma razão feito o calcu-
Jo nos Satélites de Júpiter a refpeito defte
Planeta , e nos de Saturno a refpeito delle ,
e na Lua a refpeito da Terra , dividindo os
cubos da dillancia de qualquer Satélite pelo
quadrado do feu tempo; o número, que fahir
no quociente , dará a maíTa de Júpiter , ou
Saturno , ou da Terra. Ad^^irto que , ainda
que a dillancia uieJia da Lua á Terra são
60 -7- feniidiametros : como a Lua não gira á
roda do centro da Terra , mas á roda do cen-
tro commum , o qual fica hum pouco diftan-
te do centro da Terra ; deve tomar-fe o cubo
da diftancia fó de 60 femidiamelros. Ifto fup-
poflo. A diftancia de Vénus ao Sol são 72}
partes rrillefimas da diftancii do Sol a nós; o
leu tempo periódico são 19:414.1150 fegun-
dos. O quarto Satélite de Júpiter diíla I- , 477$.
3i8 Recreação Filofojica
e aííim Terra c Lua mutuamente fe attra-
hcm , como já vos diíle. O cífeito da attrac-
çáo da Terra conhece-fe no giro da Lua á
roda delia ; e o eífeito da attracçáo da Lua
. íc conhece no giro da Terra á roda da Lua.
Sllv. IlTo he cquivocaçâo.
Thecd. Náo he : eu me explico. ( fallo no
fyíèema Newtoniano ) Supponde vós que
nas duas extremidades de huma régua L T
^í^. 4. (EJiamp, 4. fg. 4.) temos dous globos,
^c- 4. hum grande , que rcprefenta a Terra , outro
pequeno , que reprcfenta a Lua L : fupponie
mais que , furpcndendo efta régua horizon-
tal-
das dita? pnrtes millefimas da dií^nncia en-
tre nós e o Sol .- o feu tempo periódico são
1:441.929 fegundos. O quarto isateiíte de Sa-
turno diíla 0,5107 das ditas partes i-nillcfimas ,
e o feu tempo periódico são 1:^77.674 fe-
gundos. Finalmente a diRancia da Lua á Ter-
ra são 3' ^5-^ ^^^ partes milleílnias já ditas;
e o feu tempo periódico são 2 : j5o. 5S0 (fal-
lo do Tempo médio), Dividindo agora os cu-
bos deQas diflancias pelos quadrados dos feus
tempos , fahe nos quocientes para fignificar a
maíTa dos Planetas os núfr,eros que ficâo na
mefma razão que eíles : Sol 10 : 000,
Saturno 3i 2SO . Júpiter 9' íoç Terra O,
0512: Lua O.coij. Mas adverte Gravezande
( nutn. 4162 ) cue como o Sol diminue a
gravidade da Lua para a Terra o que vale
r
TiõTTí * deve augmentar-fe iíTo na maíTa da
Terra ; ao que fe attende , quando fe lhe da o
pczo referido.
Tarde trigefima terceira, 319
talmentc fobre hum páo perpendicular C,
formando ahi hum eixo , fazemos girar á
roda deilc a régua com os dous globos fi-
xos. Neífe cafo , tanto a Lua , como a Ter-
ra andáo em giro ; huma á roda da outra ,
e ambas á roda do centro commum C. Se
o tal centro ou eixo eftiver igualmente dif-
tante das duas bolas , os dous círculos feráo
iguaes \ porém fe eftiver mais chegado á
bola grande , efta fará o leu circulo muito
mais pequeno que a outra. Supponde ago-
ra ultimamente que hum homem tendo na
máo efta régua alHm montada , lhe dava
huma pancada de forte , que folie girando
fobre o eixo ; e ao mefmo tempo com el-
la na máo hia dando hum paffeio em cir-
culo á roda de huma fogueira : fendo iílo
aflim , teríeis huma imagem dos movimen-
tos da Terra e Lua á roda do Sol , neftc
fyftcma , reprefentando na fogueira o Sol ,
e nas duas bolas os dous Planetas Terra e
Lua \ porque com cfíeito , aíhm como os
Satélites , fazendo circulos á roda de Júpi-
ter , também rodeiáo o Sol , a Lua , fa-
zendo circulos á roda da Terra como feu
Satélite , vai rodeando o Sol ; aíhm a Ter-
ra fazendo feus circulos pequeninos á roda
do centro commum, em oppoíiçáo á Lua,
xodca o Sol, De forte que ( façamos ou-
tra figura Eftamp. 4. fig. 5. ) efta bola Ef^. ^^
pequena L náo tem por centro dos feus fig. j,
giros a bola grande T , mas o ponto C ,
gue também ferve de centro ao giro da
bo-
320 Recreação Filofojica
bola grande ; e do mefmo modo fuccede
no Ceo : a Lua náo tem por centro dt)s
íeus círculos a Terra , mas hum ponto
que fica abaixo da ruperficie da Terra , o
qual tambcm ferve de centro aos gi-
ros pequenos da Terra ; e por iíTo íe
chama efte ponto centro commum (i).
Supponho que me tendes entendido.
Eug. Com facihdade.
Thecd, Acere íccnro agora que , fe na Lua
houveíTe tanta matéria como na Terra , ci-
te centro commum havia de diftar ii^ual-
mente de ambas ; e fe a Terra tiver por-
ção de matéria 70 vezes maior que a
Lua , efte centro commum C deve citar
70 vezes mais perto da Terra , do que da
Lua.
Eug, Supponho que hc do mefmo modo,
que me diíTeíles , quando fallaftcs da Ba-
lança , cm que fe punháo pezos dcfiguaes;
na qual para haver equilíbrio , deve o pezo
maior eftar tanto mais perto do eixo,
quanto vence o outro na quantidade de ma-
téria.
Theod. Aííím he neftc cafo : deve o centro
commum deites movimentos eftar tanto
mais perto da Terra , quanto o pezo delia ,
ou a quantidade de matéria que tem , exce-
cie o da Lua : c por iílo , allim como n>e-
dindo na Balança as diftancias que tem os
dous corpos do eixo commum , le conhece
a proporção dos pezos , que clles em íi tem
na
(O Gravezand. Phyf. Elem. Mat. n. 4210.
Tarde trtgefima terceira, 321
na realidade, ainda que nós antecedentemen-
te não ibubeilemos o que cada hum peza-
vai ailim também medindo asdiftancías que
cem a Lua e Terra do centro commum C ,
fe conhece a proporção que ha entre o pe-
20 da Terra , e o da Lua.
S'i\v. E como podemos nós faber quanto dif-
ta da Terra elíe centro commum dos movi-
mentos?
Thcod. Medindo primeiramente toda a dif-
tancia da Terra á Lua j e obfcrvando de-
pois o movimenio da Lua , ie conhe-
ce que ella náo tem nos íeus giros , cc-
mo raio dos circulos , toda tfta diiiancia ;
ifto he j que o centro dos giros da Lua ,
cm rigor náo he a Terra , mas hum pon-
to fora da Terra ^ e náo he mui diííicuUo-
ío que , obícrvando muitos giros da Lua ,
conheçamos qual he o feu verdadeiro cen-
tro.
Siív. Já entendo : continuai.
Thcod. Eis-aqui o m.odo com que fe pode
pezar a Lua , ou íaber a quantidade de mn-
tcria que ella tem : iílo he quanto aos
pezos dos Planetas. No que toca á fua den-
íldade he tacil difcorrer , fuppofto conhe-
cermos o pezo , e o volume. Porque re-
partindo o pezo de qualquer corpo pelo ícu
volume , o que fahe na conta he a fua
Denfidade , pois mui bem íabem todos,
que ie hum corpo tem grande pezo , e pe-
queno volume , he mui denfo ; e que fe
tem menos pezo ^ ou maior volume , he
Tom. VI. X mais
3-2 i Recreação Filofofica
mais raro. Por efte modo conhecemos a
dcnfidadc do Sol , de S:.tumo , Júpiter ,
Terra , e Lua. Dos mais Planetas ja vos
dille que náo fe Tabia a denfidade , nem o
pezo , por faltarem para iiTo comprinci-
pios b.iftantes. Alas Nc>x ton a conjedura
pelo calor , que elles foffrcm proporcionado
á vizinhança do Sol, juiji.indo que são mais
denfos os que folirem maior calor : c aíHm
Marte he menos dcníb que a Terra, V^cnus
miais, e muito mais Mercúrio ; porém ifto
he pura conjeclura. Aí;ora reila f aliar da
Terra com m.ais efpeciaiiJade , porque nos
reftáo muitas couías que iaber acerca deila \
pcrém refervemos ifto para á maanhá. Aqui
tendes efte papel, que he como hum Map-
pa geral , em que com huma vifta òc
olhos achareis tudo o que vos tenho di-
to dos Aílros ; e podereis facilmente com-
binar os feus diâmetros , ou volumes , ou
pczos ; como também* as Tuas diftancias,
movimentos , &c. Káo vos admireis , fc vir-
des que não concordáo eílas taboas com al-
gum^as 5 que achareis impreíTas em bons li-
vros. Eu náo condemno as outras ■■, mas de
varias opiniões , particularmente lobre as
diíhncias , no que ha baftante dúvida , cf-
colho a que me parece melhor , que he a
proporção que acho em Mr. de la Lande,
o mais lamofo , e mais cftimado Aurhor
que temos hoje cm matérias de Aftronomia,
c as reduzi a léguas Portuguezas , para vos
dar mais gofto ^ ainda que louvo a prudên-
cia
Tarde tngeftma terceira, 323
cia Je Gravefande , que fe abílcm de dar
as diftancias dos Aftros em rr.edidas certas ,
e conhecidas , como são femidiametros da
Terra , ou legu3s ; mas ( i ) para comparar
encre íi as diverías diíbncias dos Planetas
ao Sol , divide a diítancia da Terra ao Sol
cm mil partes iguaes, e deftas partes mille-
fimas he que uTi como medida commua,
para determinar as diverfas diítancias do5
Planetas primários ao Sol. Efta proporção
concorda admiravelmente náo fó com as
obfcrvaçóes mais exadas , mas ( o que he
mais) com a Theorica dos movimentos: c
o calculo fundado fobrc a Theorica dos mo-
vimentos náo eftcá fujeiío a muitos erros ;
porque fendo huma vez certo o Principio ,
pelo calculo fe tirão confequencias int^ega-
veis i e podemos defcer a muito maior miu-
deza , do que fomente com as obferv.içóes
dos Telefcopios. Além de que, admittindo
hoje os Aftronomos , e Fyfkos a regra de
Keplero , e confelTando que os quadrados
dos tempos são entre íi como os cubos das
diílancias , fendo admittido por todos o mef-
mo quadrado dos tempos periódicos , devem
também concordar na proporção dos cubos
das diftancias.
X ii TA-
( I ) Num. 5724.
324 Recreação Filofofica
T A B O A
Da Grande:::a.
Nem.
Diâmetro
Suy.^jiclc
boi.
Tem qiiafi i 1 \ liian e
He potcn mai> de 1 2.7 ? j
tios da Terra , que va
vezes maior que a fuper-
leni 2 ? 2. 670 Iei;uas Por-
r.tie da Terra , e vale
:::^i:ez;;;.
17c; 1 {9: í-1 .\íz k-
'íwas quadradas.
A'.erc.
Tem n-.enos c':t terça par-
Q-afi í ve.es menor q.re 1
te CO diâmetro da Ter-
a f.perhcie daTeira, e j
ra , c vale S4ÍÍ léguas
vai 2 : 25;. <):o léguas
Po;ti.-ue/as.
quadradas.
Ven.
'Jem pouco menos do
Pouco n;enor que a fj«
diâmetro da Terra , e
pe-fície da Terra , e tem
vale 1. 997 léguas Por-
12: 5 } }• ' I 7 ICi^uas qua-
t-.^uczas.
Jradas. 1
Ter.
Tfm de òiamctro i.qíz
A luperf-cie tem
léguas Portuguezas : 0
I ? : ?íi.7(io léguas qua-
ciiculo inaximo tem
diadas.
i. 4 3c leo;uas.
Lua.
Tea) pouco mais daquar-
Pouco mais dei,- vezes
ta parte dodiamcDo da
menor qi:e afupeit^cie da
Terra , e vale 5 í j leg.iaí
1 erra , e tem <? j 5. 547
Po-rugiiezas.
leo^uas quacradas.
iMart.
Jcm rrai? da ametade
Poi.co menos que ame;a-
do diametio da Terra ,
de da fiiperhcie da Ter-
e vale i. j i> j léguas Por
ra , e vale 6 : c 1 c.5 1 S le-
ti.-^iiezís.
gjas quadiadas.
J.i-k.
lem pouco m^iis de 1 1
(^uafi I K vezes maííjr
diamcctos da Tetra , c
que 3 fuperíicie da Ter-
vale 2}. 50; léguas Por-
ra . e vale 1 : 7 ;í. C72
t.i»ue/as.
leoiias quadradas.
Sat.
J em po;ico mais de i c
t^uaii 1 w2 vezes maior
diametio.- d.-^ Tt;: a , e
\ e a íiípcrf cie .'.a l^er-
vale ic. S >' ,• leiras Poi-
■a , e vale j:;64: -ací?.
f ei:e/>«.
le<íii?s ai'sdtada>.-
PRI-
Tarde trigefima terceira, 325'
PRIMEIRA.
TeZQ e Denfidade dos Planetas.
Volume
Fc^,
De n/idade
He 1:4 í 5-0 = 5 ve-
zes maior que o
volume da Terra.
he ,'65.41 2 vezes
mais peiado que
a Terra.
He quafi 4 yoe.N
menos denfo qi:e
a Terra.
Poiícomaií lie 14
vezes e ir.eis n:e
nor que 0 volume
da Terra.
Ignora -fe.
Ignora-fe.
Pouco menor que
0 voiLiine da Ter-
ra,
Ignora-fe.
IgnOra-fe.
0 volume lem
-1; 5S; : cSj. 6Sc
'e^íías cubicas.
0
0
49 ve^es menor
que 0 volume da
Teir.<.
!'oiico mais de 7 i
vezes menos peza-
d.i qiic a Terra.
1 jVTeHOS denfa que
a 'l'erra como 4 ■^
1 e menor que 7X.
Oíiaií j vezes me-
nor que 0 vol-.ime
da 'J'err.T.
Ignora fe.
Ignora-fe.
1.479 vezes maior
qi:e 0 volume da
'ierra.
440 vezes trais
pezado que a Ter-
ra.
1 Pouco mais de 4
vezes m.enos den-
fo que ã Terra.
i.o jc v«zesn-aior
qne 0 volun.e da
Terra.
107 mais pezado
que a Teria.
Pouco mais de ic
vezes mepcs den-
ío que a '/'erta.
TA'
31Ó Recreação Filofqfica
T A B O A
Da d'iftancln dos Planetas prlmur.cs do Sol.
PLKCtas
Diji. rnâdia
f-OT SetniJia-
metros íla
Terra.
Dijiar.cia mcJin
em ]efu,is Por-
tu^utz^s.
Fxcertric. ãns
oríitiis íhfi P!'.n:.
em Seviulrawet.
ãii Terrd , e em
lefuas P.riug.
Sol
0
0 1 0 1
Alercurio
?. ?97
9 : í£S.4ií
Semiu. 1 . 7 { S
I.eg. j:-92.çíi
Vénus
17. 539
1 S ; ic;. Sío
^en;:.1. 124
Leg. 127. 6i4
Tcrrí 1 2i. :; 5
2; : c:v.4C9
Seir.io'. 4cS
Lcg. 42C. 47 7
Aliite
:í. 989 jS:x Js. (To;
Seinid. J. 4 ;i
Júpiter
I2<:. C58 ! 1 ;c: I 72. 245
bcmid. 6.1 { £
Le?. - ; :6.4 10
Saturno
2^-57^ i 2iS : 755. C42
Serr.iJ. 1 2.9 1 7
T A B 0 A
"Da di flanela dcs Sateliti^ , cu Planetas.
Lua din.-i
da Teria
íc 5en,idÍ2mctrOi J Í2. 15; Icjjas
Satélites líe
Júpiter diiV-o
\ji> (.enlio ut
Júpiter
3.0 9 (
3 Z' Se:r.idi.iraetioj de Jupitcr.
4.° 25j3
SE-
Tarde trigefima terceira» 327
SEGUNDA,
£ da excentricidade das fuás Orbitas.
D':jla>:ciíi niaisr e v:er.ov em
têniÃS Portiííueias.
0
maior
menor
I I :
7:S
96.C
maior
(T;enor
[S;
3>'I.
97á.
50Í
maior
menor
-4
44 i>'.
ÍC7
Oi2
maior
menor
41.
C94.
•5 77
14 ó
. C6S
maior
menor
li6
12
.•4-;S
?.-S4
.679
5-SI9
maior 2 5 2;07 2. S5S
menor 2 2 5.-4? ?. ící
Diferer.ça e^tn c mai^r e
yyievtvr JUlarcia dos Planetas
ao Scl em léguas Foi-fugui
0
i ■■
^ ii-
5 22
2
3 )'■ -
88
s
4.C. 9
)4
7 •'
XI7.
C7S
:2
65:
Sío
^ ,
-. ■ -.
TERCEIRA
Secundários aos /'eus Pritnarics.
l'.xceiicncu'ade
Scu)
Leg. ;.4;7
ncu^ade I . , „ . I j- -
j I maior diílsnc. (í5.;9oIeg. dinerer.c
\": j- I menor J;f:HiJC. jS. 71c leg. á.874k;
Satélites de Sa-
t.>inodiiláo do
cs;icio de ti-
cj:uo
4 ■'
S emí diâmetros do fer.
ariDCl.
TA-
Da
Recreação Tilofojica
TA BOA OUARTA
di[i.incii de todos os Pl.vic^as d Teira
reduzida â. Icguas Portuguezas,
?:.. I
Vci.
difta di 1 err.i na di/tanci:* rrtjn
diíla da Tcrr?Y "' ^^■''"'-^"/"'''''
jíla Ji Teria
/na CGjunçiO interior
\n3 ccjuncJo fupeiior
Lâftirts Por
tuíuerãfj
M:?J9.$4?
}4:7i < S75
6:514.549
4 •: I ^ 2.2Í9
Terr-1 na dii
C5:cC.>..'C9
,.- , _ /na orpoticío có o >oI
J-,ftad.Terra(^,,^ J4^^.,^. ^ ,^,
I ? : I - 7 . 1 5 X
6 ;.-I 6 4. Cl 6
.p /n^ oppofiçáo có o Sol
"^^ Vna cóuincJo có o Sol
10^:1 4 í.*40
1 s j:2:c.nç i
Te
/na (i; 1 oficio cõ o ^<
'^^ \r.s cr,\Ktuc^o côo ^o
21 ri2t.8{ f
26<:7 Si ,.í 5
TABOA Q^UINTA
JDo tnovimemo dos Satélites â roda dos
Primários.
^arc-
i . c 1 dia . É 8 hur. 27
.N í r -
.=
1 dia , 2: hor. i S
lite-
min. j \ feg.
l-t.
mi:i. 27 fe^.
dc
2.e 1 dias, I ? h ?. 1 ;
i'e
:.o
2 dias , I 7 hor. 44
fur'!-
min. 4 2 *'eg.
Sa
min. 23 <C9.
ter.
:.c 7 d as , ] hor. 7 :
tur
;. 0
4diaç, 12 \^or. 25
rrin. n ''c?-
no
mn. I 2 icç.
- X ^ dias , j 6 hor.
l. ^
X 5 dias. 22 hora' ,
]2 niJD. 8 leg.
.. 0
}4 'nin. ? 8 fc^.
7 9 dia» , ' ^ora^ ,
4^ mip.utos.
TA-
Tarde trigefima terceira, 329
TABOA SEXTA
^vhmnto dos Vlamtas r.o [sflcma Copernlcano.
Pia .'.
S:!.
Ir.c.ir.açâo da
■rf^ire a ref-
'e:í: >U Edi-
tiCJ.
>ol
-o lyftemi Tijo-
.lico fe levol ■ e ;t
oâi ú?. Terra era
íój dias , 5 ho-
ras, 4S rr.in. 45 fe?-
25- dias.
0
Tvleic.
òj dias , 2 j hoíits,
14 rnin. 2 5 itgun-
dos.
Núo coníla.
6 gr.,()s , j9
minutos e 2o
re-'.:ndos
Ven.
224 dias , 1 ^ ho-
ras , 4.J minutos e
ç2 regundos.
24 dias, S
ho:as.
? gr.tOí , 2 5
iri:\i.tos , 20
le^und- s
Ter.
) 6 5 dias , 5 horas,
4S mimitos , 4 j íe-
J.ind.x:.
2 ; horas, 5 :i
ir.inut, 4 íe^:.
0
IWait.
ó%6 di.ts. 2: h..rd*.
I 8 min-uos , 27 fe«
Imundos.
24 horas , 4c
minucos.
i_^r.in . 52
miiKítos.
JJP-
4.) )C dia<:, s ho-
ras , 53 nin. 27 fe-
guudos, iilohc qua-
fi 12 annns.
9 horas , 5Í
minutos.
I g!i.O , i 9
min.iros , 10
fe^undoí.
tíar.
j C.749 dias , 7 ho-
r.'s, 21 min. 5cfeg.
;flo he quaP. jo an.
ísão conda.
2 .<íi.i03, ;o
mir.jios, 20
re'^uidos.
Lua.
moví-<'e á roda dj
Terra em 27 dias ,
7 ho; as , 4 } niin.
í íeg. De huina
Lua nova até á 011
r-a 2a:la 29 dias ,
I : horas.
2' dias , 7
horas, 4 ) mi-
nuto. , 5 fe.
gundos.
4 ir:.os 5S-
min. nas I nas
cheias e nov.
mas 5 %rko$
I
I 7 ~ min. nos
w-) iart.d.i Lua
TAR-
330 Recreação Filofofica
TARDE XXXIV.
Dos effeitos que nafcem da figura e
Hcuacão do Globo da Terra a
refpeito dos Aítros.
§. I.
D/l figura e divisão do Globo da Tetra , e
da Longitude e Latitude das Cidades y e
também das Ejtrellas,
Theod. g^ Omo fe vão acabando os gof-
8 tofos dias 5 em que poíTo go-
^^^ zar da voíTa companhia , para
que fique completa ( quanto o permiccem
as circumftancias) efta inftrucçáo que vos
dou , precifo he ir refumindo o que nos
refta. Hoje fallaremos dos eíFeitos que naf-
cem da figura , e fituaçáo do Globo da
Terra a refpeito dos Aftros ; c fera com
mais miudeza , do que quando o confide-
ramos como Planeta no fyftcma dos Co-
pemicanos. A Terra fenfivcl mente hc glo-
bofa. Alguns antigos cuidaváo que era hum
plano circular , que nas extremidades fc
juntava com os Ceos , á maneira que o
vidro de hum relógio de algibeira fc ajun-
ta com o efpelho ou moftrador ; mas de-
pois que as Navegações moftráráo que fc
po-
Tarde trtgefima quarta. 331
pedia rodear o Globo da Terra ^ ninguera
duvi iou da fua figura globola , c que ha-
via úntipodas ; iíto he homens , cujos pés
ficaváo volcados contra os pés dos outros
na ourra parte do globo.
Silv. Algum dia era iíTo para mim hum
ir.yftcrio inexplicável , cuidando que os que
ficaváo da outra parte cahiriáo pelos ares;
porém já hoje conlieço que a força da gra-
vidade faz que todos propendamos para o
centro da Terra ; e Tendo a Terra em re-
dondo habitada por homens , o pezo de ca-
da hum o faz carregar na fuperficie delia
para o centro ; e aflim efte pezo náo pôde
nur.ca fazer que fe aíRiílcm delle para o
ar : por quanto iuò que nós chamamos ca-
hir pelos ares abaixo , lá da outra parte «do
mundo feria verdadeiramente fubir pelo ar
aííima ; pois a refpeito deíTes homens lhes
fica para baixo a Terra , em que tem os
pés, e por fima o ar 3 aííim como nos íu:-
z^úç. a nós.
Thcod. Difcorreis muito bem : fuppofto pois
fer a Terra da figura de huma bola , con-
vém ir tocando ligeiramente as confequcn-
cias defta figura , as quaes ao mefmo tem-
po sáo confirmações innegaveis de que a
Terra hc globofa. Segue-fe primeiramente
que , eftando nós na bcrda do mar largo ,
quando os navios fe váo alongando mui-
to , também fe háo de ir efcondenJo para
baixo 5 de forre , que fó veremos as ve-
las 5 as quaes pouco a pouco também fc
irão
3 3 2. Rccredcno Filofofica
irão fumindo ; mas os que eftão no mais
alto das torres , ainda os defcubriráô quan-
do das praias já fe náo puderem ver. Tu-
do iíto luccede aííim, e procede da convc-
xidde da Terra , a qual fe faz mui ítw
Tivel na agua do mar ; porque ainda que
a ap^ua dos tanques tenha a fuperficie ao
nivcl 3 e por huma linha reéla \ iíto fó he
íenfivelmente : porém no mar , fendo a
íua extensão tal , que rodeia toda a Terra ,
a íua fuperíicie deve fer tambcm esférica.
E a meíma natureza dos fluidos pede ifto ;
porque os líquidos devem ter as columnas
de igual altura entre fi para fe equilibra-
rem ; e como a altura fe mede dcide o
centro da Terra , devem as linhas , que
íahem deite ponto até á fuperficie do mar,
ter a mefma altura : o que náo pôde fer,
fem que a fua fuperficie vá voltando co-
mo em circulo. lífo poíto , havendo dif-
tancia tírande entre nós e os navios que
citamos obfcrvando , a linha da vifta , que
fempre hc re^la , toca na fuperficie da
agua , que faz convexidade ou lombo pa-
ra fima , c nos impede ver ora o cafco ,
ora as velas , conforme o navio fe vai alon-
gando.
Eu^, já i.To paffou por mim , quando vi-
niia da America ; porque a fahida do porto
via a praia , depois a fui perdendo de vif-
ta , e fó via os campanários das torres,
até que perdemos de todo a vifta de Ter-
ra j mas peio contrario me fuccedeo quan-
do
Tarde trigefima quarta. 333
do aviftámos Terra : primeiramente a vio
o Gageiro , que vinlia lá no cefto da Ga-
via 5 depois também nós no convés da
náo ; porém lo viamos a ferra de Cintra ,
depois o zimbório de S. Vicente , até que
fomos vendo com incrível alegria a Cida-
de toda.
Theod. A razão de tudo illb he a convexida-
de da fuperíicie do mar ; porque a linha
da vifta , que defde o navio vai roçando
pela fuperíicie da agua , apenas alcança
as partes mais altas , ficando-lhe as inte-
liores efcondidas com a agua ; quando po-
rém o navio fe vai chegando , e hc menor
a diftancia , já pódc a vifta defcubrir por
linha reòla de huma parte á outra, fcm to-
par na agua.
£ug. Também nos íuccedia , que á propor-
ção que hiamos caminhando para o Sul ,
fe nos hia abaixando a Eítrelia do Norte ,
c fumindo para baixo ; até que finalmente
perto da Linha a perdemos de vifta : mas
rambcm fomos vendo Eíhelías que nunca
tínhamos vifto 3 porque as da parte do Sul
cada vez nos apparcciJo mais altas.
Theod. Eis-ahi outra prova da figura globofa
do mundo , confiderado de Norre a Sul:
de forte , que em quanto caminháveis de
Nafcente a Poente , hiáo-fe fumindo para
baixo os portos que deixáveis , c também
pouco a pouco fnrgindo para ílma os por-
tos que íeis demandando j e ilTo prova
que o mar he convexo de Nafcente a Poen-
te;
334 Recreação Filofofica
te : e o que a^ora me dizeis das Eítrellas,
prova que cambem o he de Xcrte a Sul \
e a razÀo he a meíma, que das grimpas cas
torres. Se vós folieis navegando até o pó-
lo do Sul 5 as EítrcIJas do Ceo delTe pólo
vos ficiriáo fobre a cabeça j e pelo con-
trario vos ficaria bem debaixo dos rés a
noíÍA Eílrelía do Noríe. O contrario vos
havia de lizcceder voltando para o polo do
Norte.
Eug, Aílim he.
Thtod. Aqui tendes já explicado o que quer
dizer Ahura do Polo ; porque como a Ter-
ra he redonda , caminhando v. g. de Lisboa
para Galiza, que nos fica ao Norte , cada
vez vamos tendo maior altura do Pêlo , if-
lo he , cada vez ncs fica o pólo do Norte
mais alto a relpeito de nós : ranto aílim ,
que , Te foliemos fempre andando por eíTa
linha adiante , algum dia teríamos a pru-
mo fobre a cabeça elTa Eftreihi. Pelo con-
trario 5 vindo do Nor:e para Lisboa , ca-
da vez fe havia de ir abaixando a Eítrella
do Norte. Agora já ficais entendendo o
porque fe diz , que Lisboa tem ^H grrios
de altura do Norte , e 4^ minutos j o Por-
to 41 , e 10 minutos , Scc.
£ug. Já percebo : m.as clTcs gráos que di-
zeis 5 chamaváo os Pilotos da minha em-
barcação gráos de Latitude : cxplicai-me
iilo o que quer dizer.
Ihiod. O Giobo da Terra dividem os Geó-
grafos com vários círculos , íemelhantes e
pro-
Eli.
Tarde trlgefima quarta, 335'
proporcionados aos que defcrevem os Af-
ironomos no Ceo. Chegai comigo a cfte
globo tcrrefoe (^EJiamp. 4. fg- 8.)- Tam- ^^^- ^•
bem na Terra defignáo deus pólos , o do "S' ^•
Norte N 5 c o do Sul S , que correrpon-
dcm e ficão a prumo debaixo dos ponros
immoveis do Ceo , a que chamáo pólos :
junto de caca hum deites pólos , com dií-
tancia de 2:5 gráos e meio, aííínáo hum cir-
culo Polar p p , e entre cftes dous círcu-
los Folares defcrevem outros três , paral-
lelos todos entre fi. O do meio E E , e
que igualmente difta de hum c outro pó-
lo 5 chama-fe Equador , ou Linha ; os dous
T T 5 que dos lados acom.panháo a Li-
nha em diftancia de 2^ gráos e meio , cha-
máo Trópicos ; e já vedes que eftes círcu-
los, afiim como tem os mefmos nomes dos
círculos do Ceo , também lhes correípon-
dem a cUes , pois guardáo entre fi a mef-
ma diftancia. Eftes círculos fórmáo cinco
zonas ou cintas na fuperficie da Terra. A
que fica entre os dous Trópicos e com-
prchende 47 gráos ^ chamáo-lhe Zona Tor-
ridx y porque como o Sol fempre anda lá
por fima , corrcípondente a eíla Zona ,
julgaváo algum dia que pelo nimio calor
feria abrazada e inh;íbitavcl ; porém vós,
Eugénio 5 viftes por experiência própria
que coínprehende os mais deliciofos climas.
Oi dous círculos polares dentro do fcu
circuito comprehendem dous lerrenos , que
fc chamáo Zonas frigidas , e o eí^^aço,
que
336 Recreação Filofofica
que refta entre caca hum dos Trópicos c
o circulo polar próximo , cjue imporra cni
4^ gr^os j chamáo-lhe Zona icmpcvãda.
Além diíTo , também le dcícrcvem vanos
Meridianos na Terra Temelhanies :.os do
Ceo i e chamáo ailim a todo o circulo , que
paíTa de pólo a pólo por fima dcíle , ou
daqueiie lugar determinado: v. g. o circulo,
que comprehcnde a Terra , e palTa do .Ver-
te a Sul por fima de Lisboa , he o xMeri-
diano de Lisboa \ como o circulo que do
Norte a Sul paíTa por Paris , he o Meridia-
no de Paris i e aílim das mais terras.
£u^. \^fto iíTo , cada Terra tem o feu Me-
ridiano particular.
Thcod. AÍIim he, fallando daquellas , que íi-
cáo humas mais ao Xafccnre do que ourras ,
porque as que difíáo entre fi fomente de
Norte a Sul , tem o meímo Meridiano,
pois palTa por fima de ambas.
Eug. Percebo.
Thíod, Suppofto ifto , creio que vos lembrais
do que ja diíTcj que todo o circulo le divi-
dia em 7^60 partes , a que chamáo gráos ,
c ajlim hum meio circulo tem 180, c hum
quarto tem 90. D'aqui fegue-íe que do
Equador ou Linha E E , até qualquer dos
pólos N S , vão {o 90 grãos ; e que to-
da a Linha cm redondo rem 2,60. Agora
já podeis fabcr que coufa hc Longitude , c
Latitude de qualquer CíÓáÓç ou Villa. in-
ventarão os Geógrafos eíle modo de ía-
ber que lugar occupava na fuperficie da
Ter-
Tarde trigefima quarta, 357
Terra efta ou aquella Cidade : e determi-
narão hum circulo , que paiTa de Norte a
Sul , por fima da Ilha do Ferro , que he
huma das Can^ri.ís , para ler o primeiro
Meridiano. líto he o Mer diano certo , do
qual fe principia a cornar a Longitude dás
terras. Aqui o tendes ; porém eiia Longitu-
de fó fe conta no Equador.
£ug. E quando a Cid-^de , de que tratamos,
náo eftiver no Equador , mas para as ilhar-
gas , como po'To eu faber a Longitude ?
Theod. Nos Mappas , em que eftáo pintados
os lufares das terras , também eftáo defi-
gnadas varias linhas , que vem de pólo a
pólo , e atravefsáo o Equador : aqui fe
vem. Eítas linhas são outros tantos Meri-
dianos : vede vós qual dcftas linhas palTa
roais pcr:o de Lisboa , e ide ver o Ijg.r
ou grão do Equador , onde cila o corta ,
achareis que he no ^rao lO, e ficais fabcn-
tío qual he a Longitude de Lisboa , defcon-
tando aquelles gráos que valem a diftancia ,
que Lisboa tinha deíTe circulo , de que vos
valeíles.
Eug. E vendo fu o lugar , em que eíTa li-
nha ou Meridiano corta o Equador , co-
mo polTo faber que gráo de Equador he
cfle?
Theod. No Mappa eftá efcrito o número del-
les de 10 em 10 , e eftáo entre fi todos
diftin<flos , como vedes ; mas no caio cuc
o náo eftivcíTem , havíeis de ir bufcar a
Ilha do Ferro ; e o primeiro Meridiano ,
Tom. VI. Y que
338 Recreação Filofojica
que paíTa por cila , e começando a contar
(jerdc o ponto em que clle corta o Equa-
dor , caminhando com a conta para o Naf-
ccnte 5 ou para a parte ce Helpanha , acha»
reis o numero dos grãos do Equador em
qualquer lugar que o cortem.
Eu^. ]i fei bufcar a Loiíj^itude , mas náo fei
ainda conhecer a Latitude.
Theod. Achando qualquer terra no Mappa ,
ou Gíobo Terrcíhe , haveis também de
ach^r vários círculos paralielos ao Equador,
que váo cortar o primeiro Meridiano : to-
mai o circulo mais chegado a cila terra ,
de que fallais ; e leguindo-o para o Poen-
te , ireis ver que grão corta no primeiro
Meridiano y e elTa he a Latitude buicada.
Advirto que haveis de accrefcentar , cu dcf-
conrar o que diftava da Terra eHe circulo
vizinho , de que vos valcftes. Diflo fe in-
fere que nunca haveis de ouvir dizfer que
alguma terra rem mais de f/O gráos de La-
titude ; porque como do Equador até o pó-
lo vai hum quarto de circulo , em contan-
do 90 gráos , eftamos debaixo do pólo ;
porém de Longitude podemos contar até
7^6o gráos , porque fe contáo em hum cir-
culo inteiro e continuado. A Latitude hu-
mas vez^s hc p.na o Sul , outras para o
Norte ; porem a Longitude lempre he huma.
Eug. ]a emendo.
Theod, De paíTagr-m vos direi a Longitude,
c Latitude das Elhell?.s , pois o náo dilíc
em feu lugar , porque aqui melhor o en-
icn-
Tarde trigefima quarta, 339
. tendereis. ]á vos dilTe que no Gco Te deíi-
gnava ham circulo , que chamáo Eciitica ,
e he o caminho do ^•ò\, A refpeiro deiíe
circulo tsmbem fe deiTignáo dous pólos ,
diverfos dos pólos do mundo , e diítáo dei-
les 2; grãos e meio. Eíles pólos i'e cha-
máo pólos da Eciitica \ e são dous pontos
do Ceo 5 que dilláo igualmente de todos
os pontos da Eciitica cm redondo , allim
como os pólos do Norte e Sul diftáo igual-
mente de todos os pontos do Equador Ce-
lefte. Ora nefta Eciitica he que í"e mede a
Longitude de qualquer Eftrclla , afíim co-
mo no Equador fe m^^dem as Longíiudes
dâs terras ; e a Latitude mcde-íe nos cir-
cules oii linhas , que tiramos por íima def-
fa Eílreíia dcfJe a Eciitica ao pólo delia ;
alllm como na Terra medimos as Latitudes
nas linhas , que vão por ílma das Cidades
até o pólo do Norte ou Sul.
Eug. ]á percebo : he o meimo que na Ter-
ra 5 com a diíFerença , que lá nas Eí^rdlas
fe attende á Eciitica e feus póio> , e cá na
Terra arrendemos ao Eq-aador. Profe^ui.
Th^od, Efquecia-me dizer- vos que na Ecii-
tica fe comcçâo a numerar os gráos deide
o primeiro ponto de Aries , iílo he , do
pomo cm que a Eciitica corta o Equador
fubindo para o Norre. E defte modo po-
deis bufcíT no Mappa do C?o qualquer Ef-
trclla , fabendo a fua Longitude e Latitu-
de , alíim como fuccede no Mappa Terrcf-
ire com as Cidades e Vilias , que por eftc
Y ii mo-
340 Recreação Tilofofica
modo achamos. \^2mos agora a determinar
mais individualmente a figura do Globo da
Terra.
SiW, Já vós diíTeftes que ella era hum pou-
co abatida nos pólos ( i ).
Tkeod. Chamáo-lhe a cíTa figura Esferóide:
c agora pouco tenho que accrefcentar •, fó
farei por dar mais luz ao que entáo diíTe.
He verdade que muitos Aítronomos , como
os dous Caííinos , Maraldi , Bruncto , e
outros feguíráo que a Terra era da figu-
ra de hum ovo. Porém Hugens , e Ne>5r-
ton , e , quanto a mim , todos os Aího-
nomos que prcícntemente ha , feguem que
he mais abatida nos pólos , e femelhanie
a huma laranja. Três fundamentos allegáo
para iíTo : o primeiro hc levado meramen-
te pelo calculo , aiTentando que a Terra fe
move 5 como vos expliquei (2). Os cor-
pos á proporção que fe chegáo para o t-
quador, diminuem do pezo , e por iíTo de-
ve fer ahi mais alto o mar , e por confc-
guinic também a fuperficic da Terra , que
ícmpre lhe fica em partes fuperior. Confor-
me a efte calculo deve fer o diâmetro da
Terra no Equador maior , que o diâmetro
nos pólos , na proporção de 2^0 a inj.
O fcgundo argumento he tirado das obfer-
vaçóes que , como já vos difTe , foráo fa-
zer os Académicos Francezes com alguns
Hefpanhoes , tanto ao Peru , como á La-
po-
( 1 ) Tarde XXXII. §. VI.
(2) Tarde XXXII. §. VI.
Tarde trlgefima quarta, 341
pònia ; e medindo exaóliííimamente òs
gráos dos Meridianos , e confcrindo-os com
as medidas do Meridiano em Paris , conhe-
cerão que os gráos quanto mais perto elta-
váo do Equador , mais pequenos eráo \ de
forte 5 que calculando lobre a fua expe-
riência 5 fahe o gráo chegado ao pólo tan-
to maior , que o do Equador , como 60 he
maior que 5V ( O * ^ como fabenco a
defigualdade de cada gráo fe conhece geo-
metricamente a curvatura da linha , e quanro
diíFere do circulo em que fempre he igual ,
facilmente fe conhece que a figura da Terra
he como a da laranja. Vós bem vedes que
a fuperficie de hum ovo he mais curva pa-
ra as extremidades ou pólos , do que no
meio ; pelo contrario a laranja he mais cha-
ta e menos curva nos pólos , que no meio:
ora com.o hum gráo do circulo he huma
parte da fua curvatura \ quando huma li-
nha he mais curva que outra , mais de-
preda chega a ter hum gráo de curvatura :
e aflim menos comprimento de linha baf-
ta para haver hum gráo. Deíle modo iuc-
ztào. na Terra. Junto aos pólos como a fua
fuperficie he mais chata , para achar curva-
tura que faça hum ^ráo , he preciío tomar
grande porção de fuperficie \ e comprchen-
de o gráo ^57.996 pés (2) ; mas junto
ao Equador , como a fuperficie da Terra
ahi volta mais depreíTa , e náp he táo pla-
na
9
(1) Gravef. Ph\r E!em. Mat. n. 4Ji2.
^2) Gravef. num. 43^0.
34- Recreâçuo Fllofofica
na 5 para ter hum gráo de curvatura , bafta
menos , c aílim o grão do Equador tem fó
í;52. cc8 5 defprczanc^.o em an bas as partes
huns pequenos qucbraios. Efte ar^un^enro
rira iodas as dúvidas , porque he demonl-
rraíivo. Suppoíhs eftas medidas , íahe pe-
lo caltulo o diâmetro do Equador maior,
que o dos pólos , na razão de 178 a 177.
V.imos ao terceiro argumento , que tam-
bém hc mui forte , e já o toquei os dias
paliados , e he tirado do diverfo movimen-
to dos pêndulo?. Obfervou-fe que o mef-
mo pêndulo cm Paris faz-a as vibrações
muito mais de vagar , que na Laponia \ e
tanro tempo g.ilavâo cm Paris 86. 150 vi-
br,^çóes , como na L.iponia 86. 217 ( tam-
bém dtíprézo alguns pequenos quebrados),
mas sáo ^r^ vibrações de mais , qusfi cm
24 horas. Do mcfmo modo fe achou que
jun'o ao Equador ainda os pêndulos anda-
váo mais de vagar , que cm Paris. Donde
íe conhcceo que a gravidade deíTcs pezos
diminuía í proporção que fe chegaváo pa-
ra o Equador. Alguns attribuir?o líto ao
calor delias regiões , dizendo que fazia cí-
tender as varas dos pêndulos , o que cer-
tamente faria as vibrações mííis vagarofas ;
porém pelo que já vos diííe fe conhece
que c{h refpofta he frívola ; por quanto o
calor deíTas regiões , como vós fabeis , he
mr-derado ; e cm Quito no tempo , em
qnj gelava , era preciío encurtar a vara do
pêndulo 20 vezes mais , do que a podia
cf-
Tarde trigerima quarta, 343
eftendcr hum calor inteníiílimo , para con-
cordarem as vibrações com as que fe fa-
ziáo em Paris : e náo he crivei que , ge-
lando 5 houveffe em Quito muito calor :
por onde íe infere que náo podia -a dilata-
ção dos pêndulos íer a caula de íe retar-
darem as luas vibrações , mas íómente o
diminuir-fe ahi a f^ravidade ou pezo de ca-
da partícula , cahindo por iilo os graves com
menor velocidade.
Súv, Facilmente fe pôde conhecer fe t\^.^
efieito procede da diminuição da gravida-
de , pondo outro pêndulo em Paris v. g.
de pezo algum tanto menor , e vendo fe
faz as vibrações tâo vagarofas como eíle na
America.
Theod. Já diíTe que náo pôde fer ifío aflim ,
porque haveis de faber que , tendo os pên-
dulos o meímo comprimento de vara , fa-
zem as vibrações no meimo tempo , feja
qual for o Teu pezo : ifto he certo. E a ra-
zão já vós a labeis , porém náo a appli-
cais. Eu já vos dilTe ( i ) que deus pczos
mui diverfos , largando-os pelo vácuo , ca-
hiáo a hum tempo ; e que quando cahem
pelo ar , fó ha a diíFerença na velocic^^adc
que lhes caufa a rcfiílencia do ar. Ora co-
mo os pêndulos fazem as fuás vibrações
cahindo e fubinio , importa pouco que le-
nháo mais ou menos matéria , em ordem
a gaftirem miais ou menos tempo no c?hir
e fubir. E aflim , fe nós quizcrm^os frzcr
que
(O Torr. I. Tarde I. §. VIII.
^44 Recreação Filofojica
que hum pêndulo tendo a vara tão compri-
da como o curro ( porque fó ifto he que
governa as vibrações , como ie dcmoníha
na Mecânica ) le quizermos que faça as
vibrações mais vagarofas , náo bafta dimi-
nuir a mareria do pezo , porque huma fó
partícula de mareria de huma pluma cahi-
ria com tanta velocidade como cem arro-
bas de chumbo (prefcindo da refiftencia do
ar) : he logo preciío para retardar eítas vi-
brações que cada particula de matéria fc-
ja attrahicia ou impcUida para a Terra com
menos força , e caia cem menos velocida-
de i e ifto fó fe confe^ue pondo o tal pên-
dulo ma:s perto do Equador ; porque ahi
cm cada particula de matéria he menor a
gravidade.
Silv Já entendo ; mas que tem iflo com a
fií^ura da Terra ?
Theod. Tu o digo. No fyftema Ne>j(toniano
a gravidade mutua c geral , que fe conhe-
ce em tudo o que tem mataria , ou feja
Tcrreíire ou Cckfte j fe obferva que dimi-
nue na razáo inverfa do quadrado da diíian-
cia àc{^t corpo até ao centro da attracçáo
(proceda a gravidade do que proceder): if-
to he huma \t\ conílantcmcnic oblcrvada
em Ccos e Terra : logo pr.ra fcr micncr a
força , com que no Equador os pêndulos
pezáo ou S20 aitrahidos para a Terra , he
precifo que ahi diftem mais do centro. Por
iíío dcfte argumento dos pêndulos fe colhe
que a Terra no Equador he mais levantada.
Tarde trigefima quarta. 345'
SWv. E o calculo fundado no movimento dos
pêndulos concorda com os outros que dif-
ícíires ?
Theod. Concorda na fubftancia , mas com al-
guma diíièrcnça. Pelo calculo de Newton ,
fundado fobre o movimento da Terra , de-
ve ler mais alta no Equador 4 léguas e
meia das nolTas j pela medição dos Acadé-
micos deve fer mais levantada quafi 6 lé-
guas das noíTas. O calculo dos pêndulos
mais fe accommoda ao de Newton , pofto
que não con.orda de todo. Porém fe New-
ton o forma íò fobre o miOvimenro da
Terra , corno além da força centrifu^^a no
Equador , ha a maior diftancia do centro,
e m.enor attracçáo da Gravidade , devem
fubir as aguas ainda miiiiio mais das 4 lé-
guas c meia , que fubiriáo , fenáo houvcf-
le diminuição na gravidade por caufa da
maior diílancía do centre. O iníigne Ben-
to de Moura Portugal , homem de grande
engenho , conjeclurou que a maior eleva-
ção do G'obo Terráqueo não fera no Equa-
dor , mas alguns gráos diítanrc dellc. O
feu fundamento he ; porque a força centrí-
fuga faz fugir a agua do eixo para fora
por linhas perpendiculares ao eixo ; e no
Equador a força da gravidade obra por
cita mefma linha ] mas nos lados a força
da ^rax idade , como fò puxa para o cen-
tro , não cbra por linhas perpendiculares ao
eixo j donde fe fegue que a força centrí-
fuga acha maior contrariedade no Equa-
dor,
34 6 Recreação Filofofica
dor, que na Latitude de alguns gráos; por-
que acha huma força , que obra pela mef-
ma linha em contrario \ e talvez que d'a-
qui proceda que nas vizinhanças da linha
náo he perfeitamente conífante nas expe-
riências dos pêndulos o atrazarem-fe á p-o-
porção de fe aproximarem á Linha. Mas
o tempo moftrará fe efta conjectura he foli-
da. Sempre concluímos que he effa a fi-
gura da Terra , a qual nem por iíTo deixa
de ícr fenfivelmente globofa j porque féis
léguas de maior altura no Equador he cou-
iá mui pequena c infenílvel a rcfpeito
do Diâmetro medío da Terra , que tem
2.062 léguas Portuguezas. Advirto que eu,
fegaindo a Arte de Navegar do noíTo Coí-
rrografo Mór , dou a cada gráo do cir-
culo máximo 18 léguas ( os Efpanhoes
lem léguas hum pouco maiores , e dáo ao
gráo 17 léguas e meia) : e por eftas con-
tas vem a ter o circulo Máximo 6. 480 lé-
guas Portuguezas. Agora fe quereis fabcr
quantas léguas quadradas contém a fuper-
fície da Terra , haveis de multiplicar o feu
circulo máximo por todo o diâmetro , e
fahem 1^:^61.760. E para dizer tudo de
huma vez , rcm toda a terra de volume
(4; 591:991. 520) quatro mil , quinhentos
e no¥cnta e hum contos , novecentas e no-
venta e huma mil , quinhentas e vinte lé-
guas cubicas. Tambcm advirto que nas Ta-
boas do PaJre Eufebio da Veiga ha grande
equivocaçáo no que toca á grandeza da
Ter-
Tarde trtgefima quarta, 347
Terra. Talvez os ImpreíTores trocariáo as
letras de conta, o que hc mui facil.
"Eiig. Quem tem ufo à^: contai he ciue iabe
quão tacií he o haver nellas grande equivo-
cp.çáo ; ainda fazendo-as com cuidado , quan*
to mais paliando por máos alheias , como
fuccede nas imprcrsócs.
§. II-
X>45 horai , àia , c Anno , V^yÃo , t
Inverno,
Theçd, Q Egue-fe agora explicar os admira-
O veis eífeitosj que naícem da figu-
ra globofa da Terra ^ e alguns ou:ros , que
tem com ellcs parentefco , pofto que pro-
cfdáo de caufa diverfa. Primeirameme que-
ro explicar os Dias , Annos e Eftaçôes do
anno. O Dia humas vezes ie toma pelo
cípaço de vinte e quatro horas , e então íe
chama Dia Natural ; e ncíte fenrido dize-
mos que o mcz confta de :5o dias conti-
nuados, começando hum no mefmo pomo
da meia noite , onde acaba o precedente.
Outras ve2es o Dia fófignifica o cfpaço,
em que gozamos da luz do Sol ; e neíte
fentido exclue a noite , e fe chama Dix
artificial. O Dia natural , que confta de
vinte e quatro horas, he o cfpaço , que gaf-
ta o Sol em girar á roda de nós , formando
hum circulo inteiro : de forte , que conta-
mos
34^ Recreação Filofofica
mos meio dia da quinta feira v. g. quan-
do o Sol eltá no Meridiano que palia pe-
la noíTa cabeça ; e quando tornar a paíTar*
por fima de nós , tocando neíle mefmo
Meridiano , tem paliado 24 horas , ou hum
dia completo , que fe lórma da tatde da
quinta , e da manhã da feita feira. Porém
haveis de notar que o dia das EítrcUas he
mais pequeno , que o dia do Sol. Eu me
explico. O interva'lo de tempo , que gafta
o Sol em dar huma volta áMc que lar-
gou o noíTo Meridiano até tomar a tocar
nelle , chamamos o dia do Sol ; porém o
efpaço , que gafta qualquer Eftrella fixa ,
depois que paíTou pelo nolTo Meridiano, até
- tornar a tocar neile , chamamos o dia das
EJirellas.
Eug, Percebo \ mas porque dizeis que cííe
dia he menor, que o do Sol?
Thcod. Supponhamos que o Sol hoje, quan-
do paliou pelo noíTo Meridiano , citava jun-
to d'uma Eftrella ; fe o Sol íenáo movefíc
com o feu movimento próprio para o
Oriente , quando á manhã chegalTe a paílar
. por íjma de nós cila Eftrella, viria também
o Sol ; mas como entretanto o Sol tinha
andado p?.ra trás , ifto he para o Xafcente ,
depois de chegar a Eftrella ao Meridiano,
ainda he preciio efperar algum tempo , até
que o Sol chegue. Quando o Sol andou
mais , efpera-ie mais tempo para chegar
ao Meridiano ; e quando andou menos ,
menos tempo fe cfpera por elle, depois de
chc-
Tarde trigefima quarta, 349
chegar a EftrcUa. Mas huns dias por ou-
tros tarda o Sol em chegar ao Meridia-
no 5 depois de ter chegado a EftreUa , 3
minutos e 56 fegundos ; porém na reali-
dade 5 huns dias tarda mais , e outros me-
nos.
Silv. E porque náo tarda o Sol íempre o
mcfmo tempo ?
Theod. Vós ambos já me ouviftcs dizer que
CS Planetas náo andaváo nas fuás orbitas
Íempre a paíTo igual ; que humas vezes ic
apreíTaváo , outras íe atrazaváo ( i ) . Ora
o Sol fegue efta meima regra ( os Co-
pernicanos cizem Ter efte miCvimento appa-
rente no Sol , mas verdadeiro na Terra ,
e netlc fyftema a Terra rambcm , como os
outros Planetas , ora Te apreíTa , ora ie
atraza). Daqui fe fegue que nem em to-
dos os dias ha de ler igual o eipaço que
2nda o Sol com o feu movimento próprio ;
e allim nem fempre ha de fer o mefOiO
intervallo de tempo , que vai àc^âç que
chega a Eftrelia ao Meridiano até que che-
gue o Sol. Por iflb os dias verdadeiramen-
te náo sáo iguaes j e como cada dia fc
reparte em 24 horas , também eftas náo
íicáo i^uaes : eis-aqui porque os relógios
náo podem acompaniiar o Sol ; e he preci-
fo ora atrazallos , ora adíantallos ; pois o
feu movimento , fempre confiante , náo
pôde concordar com o do Sol , que va-
lia.
Eug.
( 1 ) Tarde XXXIII. §. III.
^jo Recreação Filofofica
£ug, Aré aqui attribuia iíTo á imperfeição
dos rciogics ; mas agora vejo que hc in.lif-
pcnfavcl clTci diligencia para os trazer cer-
tos com o Sol.
Ikecd. Vamos a explicar o Dia artijicial ,
ido he , o dia que fe oppóe á Noite. Co-
meça o dia com hum crcpufculo , e acaba
com Outro. Ciiamamcs crepufculo áqucUa
luz 5 que pouco a pouco creíce aré apparc-
ccr o Sol , e que pouco a pouco dimmuc
depois delie d.íapparecer. Elle crepaículo ,
como cambem o cfpaço que gozamos do
Sol , fcbem toj.os que he deíigual , con-
forme os tempos do anno , e conforme os
lugares da Terra. F.u vos explico ifío co-
mo m.ais facilmente puder. Xòs fabemos
que o Sol gira cm 24 horas á roda de nós j
em quanto anda do Horizonte para fima ,
hc dia; em quanto anda debaixo do Horizon-
te he noite. Se nós eítiveíTcmos na Linha,
ou Equador , todos os dias do anno ícriáo
iguaes ás noites. Eu debuxo aqui huma fi-
^^' 4- gura ÇEjlamp. A- fig- <^. )• M^^ tendes hu-
^S- ^' ma lemclh^nça da Esfera : N S são os
dous Pólos, e a linha, que vai de huma le-
tra á outra , íígnifica o eixo do mundo ,
ou a linha que fc confidera de Norte a
Sul , fobre a qual fe revolvem os Ceos
cm 24 horas (lo^^o vos explicarei ifto no
íyftema Copernicnno ) . E E funifica o
Equador , T T o Trcpico de Cancro , que
he o do \^cr3.o , e C C o Trópico de Capri-
córnio, que he o do Inverno. Suppofto lílo,
í"c
Tarde trtgefima quarta* 35'!
• fe nós cftiveíTemos na Linha , ficava-nos o
Equador Gelcfte fobre a cabeça i e por
confeguinte o Horizonte o o (ou o circulo
que corre por todas as extremidades do
Ceo que os olhos podem ver ) apanharia
ambos os Pólos N S. Neíle caio ponde
vós o Sol em qualquer ponto co Ceo ,
ou feja T 5 ou C , ou E ; como tWç. fe
revolve cm 24 horas fobre o eixo N S,
tanto tempo gafta em andar o efpaço do
circulo que eltá do Horizonie para fima ,
como do Horizonte para baixo ; por quan-
to o Horizonte parte elTes circulos todos em
duas metades iguacs. Logo tanto tempo
ha de o Sol andar do noflo Horizonte para
fima , e fera dia , como do Horizonte para
baixo , c fera noite.
lEug, Com eíFfito vindo eu da America vin-
te dias que eftivemos parados na Linha por
caufa de huma terrível calmaria , obfervei
cu que fempre o Sol nafcia ás 6 horas da
manhã , e fe punha ás 6 da tarde ; e ifto
era no mez do S, João j e quando fui para
lá , que era em Novembro , também nos
demorámos 5 dias na Linha, e me aconte-
ce© o melmo.
Silv. Pois ahi náo ha inverno , nem verão !
Thcod. Nas terras, que ficáo na Linha , ou
perto deli;.! , fempre os dias são iguACS ás
noires, mas attendendo ao calor, e ao frio >
ha dous verões cada anno , e doas invernos.
Reparai na figura : o Sol cada dia anda
hum grão pela Eçlítica > «jue aqui íe pinta
com
^yZ Recreação Filofqfica
com eíle circulo de pontinhos T C ; m23
ferrprc vai girando ctm os Ccos á roda
da Terra cm 24 horas : em quanto anda
perto dos Trópicos , ha menos calor na Li-
nha 5 e pódc chamar-Te inverno ; porém
quando anda peno do circulo E E , palia
por ílma da cabeça dos que ahi vivem , c
o> Teus raios cahindo perpendiculares fobre
a Terra , fazem grande calma ; e como o
Sol denrro de hum anno corre toda a Ecli-
tica , duas vezes pafía pelo circulo E E ,
huma para lá , outra para cá , e taz dous
verões ; e chega huma vez a C, ou:ra aT,
e faz dous invernos. Vamos agora a expli-
car a esfera obliqua.
JEu^. Qj:e quer dizer esfera obliqua r
Thíod. Quando o Horizonte coincide com o
eixo do rrundo , que vai de pólo a pólo ,
chama-fc c^jera rccla ; e quando o eixo,
que fe confidera de hum pólo ao outro, cor-
ta obliquamente o Horizonte, chama-fe es-
fera chUqua. Aqui a debuxo com o lápis
Ef^' 4. ÇEjiíimp. 'X. fg' 7. ) ^ ponho os mefmos
^g' 7- circulos , e as melmas letras.
£ug. Pelo que me dizeis nós citamos em
esfera obliqua.
Iheod. Sim , porque o pólo do Norte fe le-
vanta do Horizonte ^8 gráos^ e outros tan-
tos fe abaixa o do Sul,
Eug. E fe eftiveíTemos lá no Porto v. g.
ou em Galiza , ainda o Norte nos ficaria
mais alto; porque, como já diíTeftcs, a al-
tura do pólo ibbrc o Horizonte hc igual
á
Tarde trigefnna quarta, 35-3
á latitude deíTa terra : e aííim quanto ríiais
formos cam'nhanJo para o Xorre , maior
Latitude temos , c maior altura de pólo.
Thcod. Aííim he.
Silv. D'dhi infrre-fe que oz Horizontes das
terras SãO diveríos j e cada ttrra tem íeu
Hor.zonte.
Thcod. InFeris bem ; porque como a Terra
he redonda , fe d^aqui caminharmos para
qualquer parte , havemos de dcfcubrir par-
te do Ceo que náo viamos , e tam.bem íe
nos ha de occuhar alguma parte áo que
viamos ; e como o Horizonte he o circulo ,
que palia em redondo por todas as extre-
midades do Cco que nos fica vifivel , fe-
gue-fe que , mudando de Terra , mudamos
também de Horizonte. Ifto fuppofto , va-
IDOS a explicar a deíigualdaJc dos dias a
refpeito das noites. Os circuios , que o Sol
faz cada dia , náo cortáo perpendicularmen-
te o nolTo Horizonte ; porque como gira á
ioda do eixo que palTa de Norte a Sul ,
citando efte eixo inclinado a refpeito do
Horizonte , náo podem os giros quotidia-
nos do Sol cortar perpendicularmente o
Horizonte : e aínm o giro de hum dia tem
com pouca diíiLrcnça a meíma inclinação
que tem os Trópicos , ou o Equador ; por-
Gu° quando o Sol eftá no Trópico , pouco
fe aíFafla delle no ei^aço de hum dia. Sup-
ponhamos a2;ord que he chei;ado o S. Joáo j
cftará o Sol em T , que he o Trop-co de
Cancro , neile dia quaíi que f;^ náo aifafta o
Tom. VL Z féu
35'4 Recreação Filofofíca
feu giro do Trópico. Vedes que he muito
maior a parte dcííe circulo , que íica do
Horizonte para fima , do que a que fica do
Horizonte para baixo ?
líiig, Náo ha cou fa mais clara.
Theod. Eis-ahi [-orque pelo verão temos os
cias maiores que ?.3 noites. Pelo contrario
de inverno são maiores as noites que os
dias j porque (como vedes) o circulo do
Trópico de Capricórnio , que hc ette C C,
por onde o Sol anda peio Natal , tem mui-
to maior porção debaixo do Horizonte , do
que por fima. Porém quando o Sol fe che-
^a perto do Equidor , que hc no fim de
Março c de Setembro , sáo os dias i^uaes
ás noites j porque (como eílais vendo) o
Equador fempre tem metade de baixo do
Horizonte , e metade de Cima ; e de qual-
quer forma que imagineis o Horizonte, co-
mo íempre ha de paífar rcriíivclmente pelo
centro da Terra , íempre ha de cortar o
Equador em duas partes iguacs. Por iíTo
quando o Sol chega a efte circulo , cm to-
da a parte do mundo , cm que houver dia
e noirc , feráo iguaes as noites aos dii^s,
£ug. Em toda a parte , onde houver dia c
noite ! efte moJo de fallar fuppóe qne n'al-
^uma p;irie náo ha dia ou noite.
Theod. Aflim he ; porque nss regiões jun-
to aos pólos do mundo , em cada anno ha
hum fó dia , e huma noite fó. Olhr.i, Eu-
génio 5 o Sol nunca fe aíFafta do Equador
mais dò que difti^o os Trópicos , que sáo
25
-Tarde trigefima quarta. 35-5^
2:5 gráos e meio, os habitadores dos pólos
como tem o pólo íobre a cabeça , fica-lhes
o EquaJor íerv ndo ce Horizonte ; logo
dcfde que o Sol paíTa dO'Equr=dor para o
Trópico do Norte , os habitadores delTc pó-
lo vem o Sol levantado do feu Horizonte ,
e que vai an iando cin redondo \ mas Icm-
pre fubindo , até fe levantar íobre o Hori-
zonte ( que ahi he o mefmo que o Equa-
dor ) 2^ gráos e meio : tanto que chega a
cíTa altura , que he a ào Trópico , coniinúa
em girar a roda , porem \\ dcf.endo para
baixo , acé fe fumir debaixo do Horizonte ,
que he a 25 de Setembro , quando paíía
do Equador para o Sul •, e então começa a
apparfcer aos habitadores do pólo contra-
rio , ficando entretanto noite para os do pó-
lo do Norte.
Eug. Vifto ilTo, tem elTes habitadores 6 me-
zes de dia , e íeis de noite.
Thcod. Sim ; m.as como em qnsnto o Sol
anda 18 gráo5 debaixo do Horizonte , ha
crepufculo , vem a fi;nr o dia maior que
de féis mezcs j porque alguns mezes antes
do Sol chegar ao feu Horizonte , e alguns
depois de fe efconder cebaixo delle , dura
a luz do crepurculo. Or^ ifto que tenho
dito fe entende dos que íiJo brm debaixo
dos pólo^^ ( fe acafo são habftadas eíTas re-
giões) ; mas dos que ficáo entre nós , e
os pólos fe diz o mefmo á proporção , fen-
do maiores os dias no ver- o á proporçr.o
que elles eftiverem mais vizinhos ao póloj
Z ii c
3)0 Recreação Filofofica
e também pdo contrario mais pequenos os
de inverno. Do que fica dito fe tira a dou-
trina para toJas , e quaefquer regiões do
mundo.
Bug. Em fabendo a latitude ou diftancia ,
que qualquer terra tem da Linha , já me
polTo governar.
Theod. Agora já n^^bcis em que coníifte o
\''cráo 5 e o Inverno , a Primavera , e o
Outono. Em quanto o Sol com o íeu mo-
vimento próprio vai do Equador até o Tró-
pico do Norte , que chamáo de Cancro
( porque ahi eftá a confteilaçáo Câncer )
dizemos que he a Primavera : com^eça a
20 de Março pouco mais ou menos , e aca-
ba cm 21 de junho. Quando o Sol eftá
no Equador faz o Equinoccio , como me
parece que já vos diífc i e quando chega
ao Trópico , faz o Soljticio, Chama-fe Sol-
Jlicio ou parada do Sol j porque como nef-
fc dia o Sol náo fe chega mais para o pó-
lo, nem fenfivelmente íe affafta delle , pa-
rece que pára. O Equinoccio hc no pri-
meiro gráo de Aries ; e o Soifticio ro pri-
meiro óc Cancro: ahi começa o Veráo, que
dura até 22 de Setembro com ponca dif-
ferença ; c ahi fe forma o ícgundo Equi-
noccio 5 que cham.áo do Outono , porque
ahi começa eíTa cíhçáo do anno ; e rveíTe
dia toca o Sol no Equador no prirreiro pon-
to de Scorpião , e dura o Outono ate 2r
de Dezembro , que he o Solllicio de In-
verno j c chega emáo o Sol ao Trópico do
Sul
Tarde trigefima quarta. 35:7
Sul ou de Capricórnio. ]á vos dilTe a razão ,
por que contando os dias , e horas que váo
do Equinoccio da Primavera ao do Outo-
no 5 fe âcháo mais nove dias , do que en-
tre o do Outono 5 c o feguinte da futura
Primavera ( i ).
£ug. Difíeítes que de inverno era menor a
diftancia entre o Sol e a Terra ; e que pe-
la regra geral dos Planetas íe movia mais
deprelTa , para fazer áreas igcaes em tem-
pos iguaes.
TheOií. IlTo he : agora quero explicar-vos al-
guns Paradoxos admiráveis , que fe demonf-
iráo pelo que íica dito.
§. 111.
De alguns Paradoxos admiráveis acerca
dos dias , e koras,
Silv. T7 Que Paradoxos sáo çiTcs ?
Thecd, E> Eu os vou dizendo. O primeiro
hc : Em qualquer hora são todas as horas.
Agora sáo 7 horas da tarde aqui onde eiia-
mos , como teftifica o relógio que temos
defronte : pois iabei que agora melmo sáo
8 da tarde , meia noite , meio dia , ^ da
manha , &c.
Eug. líTo fera em relógios que andem dou-
do?.
Thecd. Náo : fallo fó dos relógios que an-
dem
(O Tarde XXXIII. §. IV.
55? Recreação tilofojica
dem certos , e pelo Sol. Olnai : o Sol hc
que faz as hor.is com o icu movimcnro ;
quando eílá a prurro fobre nós , he meio
dia aqui ', c quando eftivcr a prumo fobrc
Parij V. z. he meio dia lá ; porém ccrr.o
nòs cílamos mui longe de Paris , c temos
diíterence longitude , quando o Sol eíliver
a prumo Tobre nós , náo pode citar a pru-
mo íobre Paris ; e defte modo quando for
meio dia numa parte , náo pôde fcr meio
dia noutra. E como o Sol vem com o fcu
■ movimento diurno de Oí"iente para Poen-
te , primeiro palTà pelas terras , que ficáo
mais ao Xafcente ; e quando palia por nós,
já rem paíTaJo por Paris ; e quando cá for
meio dia , já lá ha de fer huma hora da
tarde.
Eug. E remos nós algum miodo para faber
ao cerco que horas sao lá , quanco ca ioi
meio cia '".
Tteod. Eu vos deu o m.odo de faber iíTo a
rcípcito de qualquer parte do mundo. Co-
mo o So! corre toda a Terra em redondo
em 2 V bors , vem a correr 15 gr, os cm
cada hora. SuppoAo ifío , ide ao M^ppa,
e vede quanta dilfcrença vai de Li^boa a
Pans na Longitude ( que he fó o que fc
deve aitendcr para ilfo , porque he o que
barta para (ah r quanto huma itrra fica mais
^o N^fcenre do que outra ) ; e le achardes
que d.fferem 15 gráos , a diíierença he de
huma hora; fc a diírcrença for de ^o gráos,
importa a diíFcrcnça em duas horas , &c,
•■'■•-■■ M-
Tarde trigefima quarta. 359
Adverti , que fe a terra de que fallais ficar
para o Naíccnte ce Lisboa , ifto he , tiver
maior longitude , nefia terra a differença co
tempo a rçípeito de nós lie para mais \ e
alíim quando cá for meio dia cir. ponto , lá
fera ou huma , ou duas da tarde , ou mais
conforme a differença j porém fe a terra
nos ficar ao Poeme , e a longitude for miC-
nor 5 a differença do tempo He para' me-
nos j e quando cá for meio dia , ia ferio
II horas da manhã , ou menos , ccníoimc
a differença da Longitude. Ifto fuppofío,
já vedes que tenho rr^zâo em dizer-vos :
AgOYã são todas as koras : nas terras , que
diftarem de nós para Nafcente 15 gracs ,
fendo agora aqui 7 da tarde , feráo 8 j fe
difiarem Co gráos , feráo 1 1 da noite ^ fe
diftarem 5,0 grdos , fera hum,a depois da
meia noite, &c.
Silv. Não he precifo mais , iíTo he manifefro.
Tkecd. Paliemos a outro Paradoxo : Deus
homens nafccndo juntaineme , e monemio jun-
tamente 5 pode hum fcr mais velho do que o
outro.
Silv. líTo he impcííivcl : ahi ha equivocaç^iO.
Theod. Náo duvido que a haja , ou da mi-
nha parte , ou da voíTa. Dcixaí-m.e expli-
car o pon[o. Ser hum homem mais velho ,
he ter maior número de dias no c[\y?.ço da
vida. Tambcm he cerro que hum dia he o
intervallo de temipo , que vai de m.eia noite
a meia noirc , ou de meio dia a meie dia:
r.enhum de vós duvidais diílg.
Silv.
;^6o Recreação TUofoHca
Silv. Nenhum.
Thcod. Supponde que aqui nafciáo dous ir-
mãos gémeos , e que hum lempre ficava
na cafd de léus pais ; porem o outro , paf-
fado tempo , fc punha a fazer jornada para
o Naícente. Já diíTe que as terras , que fi-
cí:rem 15 grãos mais ao Nafcente do que
Lisboa 5 ciíTcrem no tempo huma hora de
nós; e que fendo cá 7 horas, lá sáo 8 ; por
coníeguinte fe a terra fò tiver hum gráo de
mais que a nojTa para o Nafcenre , differe
no tempo 4 minutos, Supponhamos pois
qu? o noffo caminhante vence hum gráo
cada dia , que s'o 18 léguas Portuguezas;
quando aqui for m,eia noite , lá na terra on-
de e!le pernoitar no fim do primeiro dia de
jornada lerão 4 minutos fobre a meia noi-
te , e no fei^undo dia pernoitará em terra ,
onde a meia noire de Lisboa correfponde
a 8 minutos fobre ella lá nclTa terra. Defte
moio tendo o homem andado 15 gráos , já
quando ca foíTe meia noite , nefTa terra fe-
ria huma hora fobre a meia noite ; e tendo
o homem corrido roda â Terra cm redondo ,
c tornando a Lisboa , como cm cada 15
grãos contava mais huma hora , em ;6o
grãos ha de contar mais 24 horas, ou hum
dia i e ja o temos mais velho que íeu ir-
mão í^emeo , que ficou em cafa.
JEug. líTo n£0 tem rcfpofta j e fe elle fizef-
íe jornada p;.ra o Poente , e vieíTe cá fahir
pc-o Naf.ente ?
Thccd. Havia de fucceder o mefmo j mas com
Tarde trígeftma quarta. 561
a difFcrcnça de que as horas erão para me-
nos 5 e havia de contar menos 24 em toda
a jornada ; pois no primeiro dia , quando
cá folTe meia noite , lá ainda haviáo de fal-
tar 4 minutos.
Silv. Suppofta l:uma coufa , a outra feguc-
íe ; e íe acafo os dous irmãos fizeíTem jor-
nada 5 partindo hum para o Nafcenic , e
outro para o Poente i e depois de rodea-
rem a Terra , fe tomaíTem a ajuntar em
Lisboa 3 hum levaria ao outro dous dias de-
mais.
Ihecd. Dizeis bem ; porque o que foíTe para
o Oriente chegando a Lisboa contava hum
dia mais do que nós que cá ficáramos ; o
outro , que tinha ido para o Poente , vol-
tando contava hum dia menos do que nós ;
e por boas contas dous dias micnos que fcu
irmão. K temos que morrendo ambos a
hum tempo , leria hum dous dias mais ve-
lho do que o outro.
Eu^. Culh a crer j mas não ha remédio,
ílnáo confeíTallo.
Theod. Outro Paradoxo fe forma , que vos
ha de parecer ainda mais im.poflivel , e vem
a íer : Pode hum homem andar mui devagar
bum cento de Icgu.is , fem que no fim da jor-
nid<i come maú twna hora do que 110 princi-
pio,
Silv. Como hc iíTo? explicai-vos.
Jl.cod. Eu o faço. Sc o homem fahir aqui
ce Lisboa , quando he meio dia cm ponto ,
e correr para o Poente táo deprclTa que ven-
ça
362 Recreação Filofofica
ça 15 gráos em huma hora , lá achará que
entáo he meio dia nelTa terra , porque en-
tão o Sol fica fobrc o feu Meridiano. He
ifto aílim :
Silv. Nio tem dúvida , fuppofto o que fica
dito.
Theod. E íe der ourra carreira como a pri-
meira 5 quando cá forem duas da tarde ,
elle terá corrido ^O grãos , e lá ícrá entáo
meio dia. Como corre táo deprelTa que
vai acompanhando o Sol , fempre o leva-
rá fobre íii e por onde lor paíTando o Sol,
e o hon.em , que cá por baixo o vai acom-
panhando , iempre ira fendo m.eio dia , ain-
da que cá em Lisboa vamos contando horas
íucceílivamente. Deite miodo correria o ho-
mcm a Terra em 24 horas , e tornaria a
Lisboa contando fempre meio dia , por on-
de quer que vielíe , porque fempre trazia o
Sol fobre a fua cabeça a prumo j e dcfte
n.odo não podia contar nem. mais humia
hora no feu próprio tempo em todo o efpa-
ço que durou a jornada.
Silv, Co-no iiTo he hum cafo metafyfico , e
o homem náo pôde correr toda a Terra
em 24 heras , náo me canço cm averiguar
ilTo.
Tl^eod. E fc eu vos fizer o cafo poflivel , e
tacil , que me direis ?
Silv. Fácil í e como ?
Jhioi, A Terra he fenfivelmente redonda ,
e todos os Meridu.nos fe tiráo de hum pó-
lo ao outro , como vedes nos Globos Ter-
nf
Tarde trigejlma quarta, 365
rc^tQi ; e quanío mais dirráo dos fòlos,
mais íe abrem cíTes círculos , ou jMeriaianos
enire íi. Se efiando no Equador quizerdes
cm 24 horas atravclT^r todos os Meridianos
que ha , he precifo correr eíle circulo , que
he muiro grande ; mas fe eílando hurr.a lé-
gua diítante de qualquer dos pólos, tormar-
des hum circulo á roda do pólo , efte circu-
lo terá de diâmetro duas léguas , e de cir-
cum'erencia 6, e atraveíTará todos os Meri-
dianos da Terra , que lá licáo mui juntinncs
entre fí , quando cá no Equador diíláo mui-
to. Sendo iíto aílim , o homem que correíTc
em 24 horas as 6 léguas delTe circulo , já
podia ir acompanhancío o movimento diur-
no do Sol i de maneira , que íempre foííe
cortando com os pés o mefmo Meridiano a
que o Sol hia correfpondendo \ e leria para
o homem fempre meio dia : c como podia
continuar ncfte giro muitos dias , nunca po-
dia contar huma hora mais do que contou
quando começou a jornada. Eis-aqui como
fe verifica aquelle Paradoxo que parecia im-
pollivel. Porém vamos a coufas mais ferias :
iíio bafta para poderdes relblver outras fe-
melhan:es queftóes . curiolas. Agora quero
explicar-vos o d)^ , e anno , e Eilaçóes do
tempo no íyíkma Copernicano,
S. IV,
364 Recreação FiJofofica
§. ív.
Explica-fe o dia , Juno , e fuás E fiações
no fyfiema Copernicano,
Silv. T A' vós diíTeftes , que eílando o Sol
tf rixo 5 revolvendo-fe a Terra fobre o
Teu eixo em 2.4. horas, quando principiáva-
mos a ver o Sol , era o principio da ma-
nha ; quando paliávamos por defronte del-
le , era meio dia , e quando nos iamos re-
volvendo, de force que o perdíamos de vif-
ra , era o que chamamos Sol-pofio , e come-
çava cnt2o a noite , que durava aré que,
acabando de dar a Terra huma volta , tor-
návamos a ver o Sol.
Eug. Ilío bem fe percebe , vamos ao mais.
Theod. O que tem mais que explicar he o
^^erâo e Inverno. Para me entenderdes ha-
P-^. >. vcis de fuppor ( Efiamp. 5. fig. i. ) que ef-
fig- 1- ta meza redonda , a qual nos ferve para o
chá , he o circulo da Eclitica , ifto he , a
orbita que defcreve a Terra á roda do Sol ;
confiderai o Sol quaíi no centro da meza,
e que a Terra anda pela borda em redondo,
com o feu movimento annuo, além do que
tem em 24. horas fobre o próprio eixo,
Efte eixo f n , que fe confidera paliando
de pólo a pólo no Globo da Terra , he
hr.nia linha , que pôde ter varias inclina-
ções a refpeiío do plano da Eclitica. Sup<.
pon-
Tarde trigefima quarta, 3Í5'
ponde que efta maça he o Globo da Terra,
que eíte palito / n , com que a atravelTo
de parce a parce, he o eixo do mundo que
vai de Norte a Sul ; quero para maior fe-
melhança dar na maçã três golpes cm re-
dondo 5 que fendo perpendiculares ao eixo
reprefentem o Equador , e os dous Trópi-
cos , e íe aíTemelhem á Terra. Eu pollb
pôr a maça de forte, que fique o paliio ou
eixo f n a prumo fobre a meza j porém
entáo náo imito bem a poftura da Terra
a relpeito do circulo da Eclitica ; para iíTo
deve íer aílim , Norte n para íima , e Sul
/ para baixo , porém obliquamente com
inclinação de 2^ gráos e meio. Neíla pof-
rura fe conferva a Terra em toda a volta
que dá , de forte que fempre a ponta do
palito ou eixo , que reprefenra o Norte n
ha de olhar para aquella janclh , ou a Ter-
ra efteja em M , ou aqui em D , ou nefte
lugar S , ou neftoutro l. Eis-aqui o que
€hamáo Paralelifmo do eixo d.t Tara. Q^^-
lem dizer por cita palavra , que o eixo da
Terra em qualquer parte do anno , que ella
efteja , fempre fe conferva em poftura pa-
rallela á que tem nos mais tempos do an-
no. Daqui nafce o Verão e Inverno. Por-
que quando a Terra eftiver aqui cm I , que
correlponde a Junho, o pólo do Norcc n fi-
ca volrado mais para o Sol do que o pólo
contrario , c parecc-nos a nós que o Sol
fe chegou mais para o Norte , e por iíTo ,
no circulo que a Terra faz cm 24 horas,
as
366 Recreação Filofofica
ns Cidades, que ficáo da Linha para O Nor-
te 5 mais tempo andáo á vilta do Sol , do
çae ás cíconcidriS cc.'le ; c cis-^hi porque o
dia he maior que a noite. Pc'0 comraria
quando puzer a Terra ac^ui cm D , que cor-
rcfponje a Dezcm.bro , o polo do Sul/ f:C
que íica mais voltado para o Sol , e o do
Norte n mais aíiaftado j e os h bitadores
deíTe hemisfério do Norte , quando derem
com a Terra volta á roda do eixo , mais^
tempo hco de eftar ás eícuras do q^ic á vif-
ra do Sol , e terão as noites maiores que o
dia , e lerá Inverno.
Fiig. E como formais a Primavera , c Ou-
tono ?
Thcod. Suppondc vós que a Terra cílá aqui
cm S , onde correfponde a Setembro , o
plano do feu Equador continuado vai dar
ao Sol , ifío he , o Sol fica-lhe bem defron-
te do Equador , de forte que tanto allumca
hum, pólo , com.o ao outro : nefta fiiuaçío ,
o habitador da Terra olhando para o Sol ,
cuidará que elle fe move por fima do Equa-
dor ; e o habitador , que íe move com a
Terra , fó doze horas- andará á vifta do Sol ,
c outras doze cfcondido dellej e então he o
dia i^ual a noite.
Silv. Já percebo. A difPerença entre o fyfte-
ma Copcrnicano , e Ticonico fó eíhá cm
que hum diz que o movim-ento do Sol de
Trop^o para Trópico he vcr.^adciro c real ^
e fcgundo elte movimento fe explica bem
o Verão c Inverno , e igualdade ou dcíi--
]^ual'
Tarde trigeJJmã quarta. 367
gualdadc dos dias ; porém no outro fvíte-
ma ou hypothcfe , cite movimenio do Sol
he fó apparcnte no Sol , e real na Terra ;
porém como a reípeito de nós he como fe
fora verdadeiro no Sol , devem acontecer os
mefmos clFeitos , quer feja íó apparente ,
quer verdadeiro.
Theod. Dizeis bem : fempre o Sol a reípeito
de nós correfponde ora a hum Trópico , ora
a outro , ora ao Equador ; ou feja porque
verdadeiramente ie move pela Editica,
que vai de Trópico a Trópico ; ou , como
fuppóem os Copernicanos , porque a Terra
com o m.ovimento annuo , humas vezes vol-
ta o Equador para o Sol , outras hum Tró-
pico , outras o outro.
Eug, Tenho percebido.
§. V,
Do Ãnno grande , feito pelo twvimenw perio'
áico das EJtrcllas no fyfiema Co-
penúcano.'
Theod. TJ Eíta explicar o An no grande ou
-t\ Píaronico , ifto he , o pcriodo
próprio do movimento das Eftrellas. Já dif-
fe que as Eftrellas fixas fe chamáo aílim,
porque náo tem o movimento próprio , e
fcnfivel por diífcrcntcs lugares do Ceo ,
alíim como tem os Planetas e Com.eias ,
apparecendo hoje n'um lugar do Ceo , e á
ma-
3 68 Recreação Filofofica
manha em outro diírercntc : e por eíla ra-
zão fe chamáo fixas. Porém os Agróno-
mos obferváo , como já dilTc ( i ) que tam-
bém tem o fcu movimento próprio á ro-
da do eixo da Eclitica , e que galUo nelle
25.5^20 annos , e que hc de Poente para
Nafccnte. Por caufa delle movimento fe
obíerva huma coufa digna de reparo. No
tempo de Hiparcho , o ponto do cruza-
mento , que havia entre a ÉcLtica e o Equa-
dor , correfpondia ao ponto , que i^al-
mente diftava da confteIlaç:o de Aries , e
da de Pifeis : de forte , que o ultimo pon-
to de Pifeis 5 ou o primeiro de Aries , era
o cruzamento da Èclitica com o Equa-
dor: obferva-fe agora, que muitas Eftrellas
de Pifeis já arravclTaráo o Equador ; e to-
das as mais Eítrellas de Pifis , e as dè
ylquario , c depois as de Caprieortiio irão
paliando pelo Equador ; e alíim todas as
demais que fórmío o Zodíaco , até que,
paliados 25. 920 annos , tornará a cortar o
Equador o primeiro ponto de Aries. Ora
eftc movirren:o no íyttema Ticonico he
verdadeiro j mas no fyíkma c hypotheíe
Copernicana he fó apparente : e o modo
de o explicar eu o di^o , deixai-me defe-
nhar huma figura. Efta meza ( Eftamp 5.
Eí^. $• /^' ?•) fupponhamos que he o plano da E-
fi^. 3. clitica, por onde anda a Terra a roda do Sol,
que eílá no meio : levantemos hum arame
alto El, que reprefenta o eixo da Ecli-
tl-
( I ) Tarde XXXÍ. §. VII.
Tarde trigefnna quarta. 369
tica 5 levantado perpendicularmente fobre
dia , e o pólo E igualmente diítante de
todas as íuas partes. Ponhamos a Terra
aqui em M com o eixo de Norte N a
Sul S inclinado ao plano da Eclitica , co-
mo dilTe. ConíideremOa huma linha p q
parallela ao eixo da Eclitica , que airaveí-
íe a Terra peio centro. Ifto pofto , haveis
de faber que , ainda que eu diiíe ha pou-
co que o eixo da Terra N S , em qualquer
parte que a Terra eftiveíTe , íempre ficava
parallelo a fi mefmo ; com tudo , iíTo não
hc aííim , fallando com todo o rigor mathe-
matico , alguma diíFerença tem , pofto que
mui pequena : de ibrte que Te neftc anno ,
quando foi o Solíticio de Veráo , e efta-
va a Terra em M , a ponta do eixo N ef-
tava em a , para o anno que vem já cíTa
ponta N ha de ter andado hum pouco pa-
ra a ilharga , e eftará em c , e no outro
anno em i , depois em o , &c. ; ao mefmo
tempo , a outra extremidade do eixo S fa-
rá o mefmo movimento , mas encontrado ,
feguindo os números que aqui efcrevo i ,
2 , ^ , 4 5 &c. Efte movimento porém hc
táo vagarofo , que as extremidades do eixo
náo farão hum circulo á roda da linha de
pontinhos p q , fenáo paliados 2^.920 an-
nos. Efte movimento das extremidades òo
eixo da Terra he contra a ordem dos Si-
gnos, ifto hc, de Oriente a Poente. Adver-
ti também que , fuppofta a inclinação do
€Íxo da Terra , a refpcito do plano ida EcU-
Tom. VI. Aa líca.
370 Recreação Filofofica
lica, que como diíTe he de 66 gráos emc?o,
cfte mclmo eixo N S faz com a linha de
pontinhos p q hum angulo de 2^ gráos e
ineio , que hc juftamente o que vai dcfde
o pólo do Norte no Ceo até o circulo Po-
lar j c ncfte Circulo polar he que íe termi-
náo , como já diiíe, os pólos da Ecliiica ; e
por confeguinte temos que elte circulo de
pontinhos a e i u u ^ que dcfcreve o eixo
da Terra , correfponde lá no Ceo a hum cir-
culo femelhante ao circulo Polar. Ora dei-
te movimento do eixo da Terra , que nef-
te fyftema hc real , nafce hum movimento
nas Eftrellas enganofo e apparentc ; por-
que como a linha p q he parallela a E I ,
as fuás extremidades lá no Ceo diftáo tan-
to entre fi , como cá no plano da Eclitica;
ora efta diííancia (que he a do Sol á Ter-
ra) pofta lá cm huma tal altura , defap-
parece , e he como hum ponto ; por efta
razáo fe a extremidade da linha E I corref-
ponde lá no Ceo ao pólo da Eclitica , tam-
bém a extremidade da linha p q correfpon-
de fcnfivelmente ao mefmo ponto. Suppof-
to tudo ifto , quando o eixo da Terra N
S fe move á roda da linha p q , c a extre-
midade N faz hum circulo , que lá no Ceo
correfponde a ourro formado á roda de p
pólo da Edifica ; os homens , que fe mo-
vem com a Terra , erradamente julgáo que
c(Te pólo da Eclitica p hc quem dcfcreve
Jium circulo em contrario á roda do ponto
N , a que no Ceo correfponde o pólo da
Ter-
Tarde trígefima quarta, ^yt
Terra. Por iíTo diZcm que os pólos da E**
clitica j) q em 25. 9:0 annos correm todo q
circulo polar á roda dos pólos ; porém he
engano ( dizem os Copernicanos ) porque
o pólo da Eclitica he fixo , e o pólo do
Norre N he quem fe move á roda delle.
Também nafce daqui outro engano ^ por-
que indo a extremidade do eixo da Terra
N correndo fucceílivamente iodas as Eftrel-
las que na diltancia át 2 7^ gráos e meio
cercão o pólo da Eclitica , nós cuidamos
que as Eftrellas sáo as que íe movem á
roda do fcu póío p , para fe virem che-
gando ao pólo do Norte N ; porém he en-
gano ; por quanto o pólo do Norte he
quem vai vifirando c correndo lod.^s cfías
Eftrellas , que na realidade eftáo immoveis.
Já daqui vedes como ás Eftrellas , que dif-
táo do pólo da Eclitica 2^ gráos e meio,
damos erradamente, movimento á roda dcf-
íe pólo j e como todas as mais Eftrellas
conferváo com eftas a mefma ordem , dif-
pofiçáo , e diftancia , a todas attribuimos
o mefmo movimento á roda dos Teus pó-
los ; porém he errado o difcurfo. Do mef-
mo modo 5 parece -nos que as Eftrellas da
Eclirica com o feu próprio movimento á
roda do feu eixo vão fucceííivamcnte paf^
fando pelo Equador que lhe fica inclinado:
lambem he engano , porque movendo-fc o
eixo da Terra , também o Equador , que
fempre faz aneulo reólo com elle , fe ha
(de mover i e o Equador com o feu moVi-
Aa ii men-
37^ Recreação Filofofica
roenro he quem vai cortando a Eclítica em
diíferentes pontos. Ultimnmenre defte mo-
vimento do Equador nafce outro eíieito ,
a que chamáo Ànticipação dos Equínoccíos,
De forte , que íe , cílando a Terra num
determinado ponto da Tua orbita , fez ahi
o feu Equinoccio verno , em rigor náo ha-
via de tornar a fazer eíTe Equinoccio fc-
náo depois de dar huma revolução inteira,
quando tornaíle a chegar a efie mefmo pon-
to •, porém na realidade acontece o Equi-
noccio algijm tempo antes de chegar a Ter-
ra a cíTe lugar.
£ug, E porque motivo he iíTo?
Theod, O Equinoccio fucccde quando huma
linha tirada do Equador ce parte a parte
vai parar 20 Sol ; fe o eixo da Terra con-
íervalTe fcmprc o parallelifmo a fi mefmo
nelTc cafo , lómente quando chegaííe a aca-
bar de todo a orbita annua he que o pla-
no do Equador olharia direito para O Sol ,
mas como elle fe torceo entretanto para o
lado , também deo inclinação ao Equador,
. e por ilTo , al^um tempo antes de chegar
ao fim da orbita , já o Equador olha direi-
to para o Sol , c temos Equinoccio na Ter-
ra antes do tempo ; porém efta aniicipa-
çáo vale o que importa hum anno reparti-
do por 25.920 , que ferão pouco mais de
^ minutos e 2; fegundos , fe me náo en-
gano. Eu bem fei que o tratar difto per-
tencia a outra parte , quando vos expliquei
p movimento da Terra ; porém agora fi-
cou-
Tarde trigefima qtiarta, ^73
cou-me mais fácil a fua explicação depois
de \^i explicar o pãralldi[ino do eixo da
Terra.
Eug. Já vos tenho recommendado que guar-
deis aquella ordem , que virdes que he mais
condiicerite á minha maior inceiiigencia.
§. VI.
Dx caufa das Marés.
Theod, /^ Omo nefta tarde determinei tra-
V_> rar dos efFeitos , que nafcem da
poftura que ha na Terra a refpeiío dos Af-
tros 5 devo necedariamente tratar dos effei-
tos que nelía causáo o Sol e a Lua : e aqui
cntráo as Marés. Marés chamo eu á alter-
nativa intumefcencia , e dctumeíccncia da
agua do mar. A experiência enfina a todos
que no cfpaço quafi de 25 horas a agua do
mar duas vezes fóbe a determinada altura ,
e duas vezes defce: chamáo-lhe marc' cheia ,
ou prc:ímar , quando eílá na maior altura ;
e quando defce ao ultimo pon-o , chímáo-
Ihe maré vafia , ou baixa mar. Todos con-
cordáo que eíh efíeico procede da Lua ,
porque fegue o fea movimento : a diiíi-
culdade he dizer o modo , com que a' Lua
pode fazer fubir , ou dcfcer as aguas do
mar. Alguns diUeráo que era por huma cl-
pccie de fermentação ou fervura , que cau-
fava a Lua nas asuas do mar , por^^uc iaa-
ça.
374 Recreação Filofofica
cava de fi certos effluvios , que achando a
agua mifturada com fal e betume , a fazia
fermentar, e neíh fermentação forçofamcn»
te havi 1 de crefcer o volume j e nifto he
que confiftiáo as mares.
Eug. ElTa explicação náo parece má.
Thcod. Muitos Filoíofos a feguem ; porém
eu náo me poíTo pcrfuadir que feia verda-
deira. Primeiramente perque , como já vos
dilTe 5 náo ha íundamcnio balbnte para ad-
mittir cita copia quafi infinita de effluvios
da Lua ( i ). Além dilío , a Lua náo pôde
mandat eftcs effluvios pira os dous hemis-
férios de agua , que ficáo a prumo debaixo
delia. Deixai-me formar huma fií^ura com
Efl. ç. o Lápis 5 que ha de fer precifa (^Eftamp. 5.
^o* ^' fiS- ^')' Éfta bola fuperior L lepreíí nta a
Lua , e a inferior T rcprefenta a Terra.
Haveis de faber que neíles dous lugares P
p ha maré cheia , porque ficáo a prumo de-
baixo da Lua i a maré , que fica voltada
para a Lua , chama-fe primaria i a que fica
na face oppofla , chama-fe fecundaria , po-
rém nos pontos B b \\2l maré valia ■ e co-
mo a Lua vai voltando á roda da Terra ,
pontualmente vai a maré cheia correndo á
fuperficie da Terra , e fe agora aqui no Te-
jo he maré cheia , porque temos a Lua fo-
orc nós , quando a Lua eítíver no Hori-
zonte b , entáo feri miaré cheia em B /;,
c naré yaf^a em P p. Tornaremos porem
a ter maré cheia , quando a Lua eílivcr a
pru-
O) Tarde XXiX. §. VH.
Tarde trigefima quarta, 575'
prumo debaixo de nós ; e tornaremos a
ter maré valia , quando vier naícendo no
outro Horizonte B. Suppofto itto , que a
experiência enfina , bem fe vè que náo po-
dem as marés proceder de eífluvios da Lua ,
que caufem alguma fermentação nas aguas
do mar ; porque como nos podem perlua-
dir , que eíles cffluvios atraveísáo toda a
Terra pelo ieu meio , para virem fazer a
fermentação , ou maré cá no hemisterio in-
ferior ? Por certo que a agua , que fica aos
lados , V. g. em ^ /? , com mais razáo re-
ceberia eftes effluvios , do que a agua infe-
rior que temos cm ;? i c nós vemos que em
B b ha maré vaíia , e cá no hemisfério in-
ferior e oppofto á Lua ha maré chei^. Don-
de 5 quanto a mim , evidentemente le co-
lhe que a caufa das marés náo he algum.a
effcrvefcencia , que os eftiuvios da Lua cau-
fem nas aguas do mar.
Silv, Pois procedendo as marés do influxo
da Lua , como ninguém nega , pois a fe-
gucm , que outra coufa fe pode dizer fo-
bre a caula das marés ? Eu bem vejo que
e(Ta difliculdade he grande ; porém a expe-
riência convence.
Theod. A experiência fò moftra que a Lua he
caufa das marés ; porém n?.o ha experiência
que prove elTes influxos , nem effluvioF.
«5*í7v. Se a Lua caufa as marés , como náo
influe ? Eu não fel como fem elTes influxos
poíía fízer cá nas aguas algum cff-éito.
Ihecd, Dcs-Cartcs o explicou por hum m.o-
do
37^ Recreação Filofofica
Ao bem cngenhofo , pofto que , quanto a
mim , falfo. Diz que á roda da Terra ,
num perpétuo voriice , gira hurria rápida e
immenfd torrente de matéria fubtil : cfta
matéria quando achar a paflagem mais el-
treita , he forçoío que opprima os oblhcu-
los que de huma e outra parte lhe apertão
o caminho. Ertando a Lua a prumo em fi-
ma de nós , com o feu volume occupa ef-
paço grande ; e já a torrente de mareria ,
que quer paíTar por entre a Terra e a Lua ,
acha o caminho mais eftreito , e opprime
as aguas do mar ; porém ellas opprimidas
no mar largo , que fica a prumo debaixo
da Lua , necefTariamenie háo de creker pa-
ra as bordas da praia , e a ifío chamáo ma-
ré cheia. Ao mefmo tempo com a força ,
que faz efta torrente de mareria , ha de af-
fpílar hum pouco do feu lugar a Terra , e
ficará menor a diftancia entre ella e a orbi-
ta da Lua pela parte inferior j e por ilTo ao
paíTcir por baixo a torrente de matéria íub^
til , achard também o caminho apertado , e
as aguas opprimidas também crelceráó , e
tra boriaráó para as ilhargas, form^ando nef-
fcs Titios outra maré cheia , corrcfpondente
á marf cheia , que fica da parte da Lua. Pe»
lo contrario , paííando a Lua delTe lugar,
que tinha fobrc nós , e óckcnao até o Ho-
rizonte , j.í as aguas do mar ficáo livres da
fua opprefsáo , e as que tinháo fubido ás
praias , defcahcm a occupar o feu lugar an-
tigo , fendo então maré vafia.
Tarde trígefima quarta, 377
Eug. Ora alli tendes , Silvio , huma explica-
ção bem admirável , com que fe encende
como a Lua cauía as marés , í"em haver in-
fluxo nenhum.
Súv, Eu não admitro t{{ç% turbilhões , e vór-
tices de matéria fubtil.
Theod, Nem cu também ; por iíío náo figo
eíèc fyiiema , poílo que o confeílo enge-
nhofo. Além de que, ainda admittidos elíes
rurbilhóes , me parece que não podião cau-
far as marés ; primeiramente , porque el-
íes turbilhões leváo comíigo a Lua , fazen-
do-a girar á roda da Terra , aíHm como
as aguas de huma torrente leváo comíigo
hum barco : e fendo ifto allim , náo po-
de a Lua apertar o caminho , por onde ha-
ja de paíTar elTa matéria. Demais , que fe a
orbita da Lua folTe huma abobada folida , e
impenetrável , entáo como a matéria fubtil
náo podia paliar por fima da Lua , forço-
famenre havia de encontrar mais eílreito o
caminho entre ella e a Terra , porém ifto
bem vedes que he falíb. Mais : ainda nelTe
calb mais fácil era á matéria fubtil traípaf-
far as aguas , do que opprimillas de tòrma
que as fizelTe fubir para as praias , e aba-
lar do feu lugar toda a Terra em pezo ,
para ficar mais eíireito o caminho entre el-
la e a orbita da Lua pela parte inferior. Em
fim moftra-ic evidentemente que he fal-
ío o abatercm-fe as aguas ; porque paíTan-
do a Lua a prumo fobrc muitas praias, que
íe cncontr.io na Zona Tórrida , nunca até
aqui
37 S Recreação Filofofica
aqui fe obfcrvoa , que ahi abaixaíTem as
aguas , antes fe conhece que confiantemente
fobem ao paíTàr da Lua por fima.
Silv. Eu não fou Carteziano , náo me im-
porta o foitar eíTas diliiculdades. Mas dizci-
me vós o que íeguis nefte particular.
Theod. Eu como thefe náo figo nada ; ifto
he , náo digo que as coufas sáo defte ou
daqucUe modo ; porém como hjpothejc , ou
fuppofiçáo , agrada-me a fentença dos New-
tonianos. O leu íyftema he eítc. Já íabeis
que admittem mutua c geral gravidade , ou
attracção entre a Terra c os Planetas: tam-
bém fabcis , que efta attracção he maior
quando os corpos ertáo mais chegados , de
íorte que crefce , conforme já vos dilTe , na
razáo inverfa dos quadrados da diftancía.
Eft. ç. Vamos agora á mefma Eftampa ÇEftamp,
^Z' 2' 5. jig, 2. ), que vos moílrei ha pouco. Nef-
la linha , que defde a Lua atravefía a Ter-
ra , notai três pontos P , T , p ; ifto he o
centro da Terra , e o ponto da fuperficic
fupcrior mais chegado á Lua , e o pon-
to do hemisfério inferior mais diftante del-
ia. Como eftes trcs pontos tem mui divcr-
fa diftancia da Lua , também ha de fer
mui diverfa a força , com que a Lua os
attrahe , pois creíce .> Força da attracçáo á
proporção que diminuem os quadrados das
diftancias; e allim fabc-fe , que fe no ponto
P mais próximo á Lua a attracçáo vale
^.711 , no centro T vale ^5. 600 , e no ponto
ultimo p vale fomente :5.48i ; porque efta
he
Tarde trigefima quarta, i^j^
hc a razão , que ha entre os quadrados das
diftancias da Lua 6i , 6o, ^9. Nifto concor-
dareis facilmente , fuppofto o que íica dito
noutros dias. Ora atirahindo a Lua eíles
três pontos , poítos em huma linlia rcfla,
porém o primeiro mais fortemente que o
íègundo , e o fcgundo mais fortemente que
o terceiro , necefíariamente os ha de feparac
entre fi , ienão eíliverem prezos mutua-
mente. Mas as aguas não eítáo ligadas ; e
por iílb as que íicáo mais próximas á Lua
lóbcm mais , afFaítando-fe do centro da
Terra , e ilTo hc maré cheia , e como pela
meíma razão aitrahe o centro da Terra
mais 5 do que as aguas inferiores , que ficáo
em p , também fepara mais o centro da
Terra delias aguas , ou eíTas aguas do cen-
tro da Terra , e ficando ahi mais diílantes
do centro da Terra , íicão mais altas ; e hc
outra maré cheia, Eis-aqui como fcmpre
ha preamar , não fó na fuperficie fuperior,
mas na inferior , naquelles lugares que cor-
refpondcm á Lua por linha recfa. Nos ou-
tros lugares porem , como não ha caafa
que faça fubir as aguas , be maré vafia,
Dizei-me, que vos parece defte fyiècma?
^ug. Não polTo deixar de dizer que o acho
mui engenhofo.
Theod, Mas huma difRcaldade tem contra d
na maré inferior , que hc a que em todos
os fyltemas cufta mais a explicar ; porque
as aguas inferiores fe acháo , conforme a
eííe íyftcma , attrahidas por duas caufas;
hu-
380 Recreação Filofofica
huma hc a Lu3 , outra o centro da Terra,
com a atrracçáo a que chamamos pezo das
aguas. De forte que , ainda no caio que a
Lua pur nenhum modo attrahiíTe as aguas
inferiores , fempre eftas feguirláo o centro
da Terra para qualquer parte que elle foíTe
arrebat.ido ou attrahiJo , do mefmo modo
que quem puxar por hum navio trazendo-o
a reboque , o efcaler ou bote que vem
prezo ao Tiavio pelo cabo , fcguirá por
toda a parte ao navio , ainda que imm.edia-
tamente náo puxem por eile. Deite mefmo
modo 5 como o centro da Terra attrahc as
aguas todds , que banháo a fua fuperficie
em redondo , ainda que a Lua náo attrahilTe
por nenhum modo as aguas inferiores p,
huma vez que arrrahilTe o centro da Terra ,
as aguas interiores o feguiriáo táo de per-
to , como fe e!Ie eliivelTe immovel ; affim
como o bote fcguç o navio na mefma dif-
tancia , quer clle feja attrahido , quer o dei-
xem cm focego. Da parte fuperior a at-
iracçáo da Lua milita contra a attracçáo do
centro da Terra ; a attracçáo da Terra pu-
xa as aguas para baixo , a da Lua para
fima : c daqui refulta ficar a gravidade
das aguas menor , c fubirem para íima ,
feparando-fe algum tanto do centro da Ter-
ra. Porém no hemisfério oppoffo á Lua
concorrem a attracçáo do centro da Terra,
e da Lua a puxar as aguas para a mefma
parte , e parece que devia entáo íer ahi a
maré vafia. Se a Lua não attrahiííc eíTas aguas
in-
Tãrâe trígejima quarta, 381
inferiores p , cllns por virtude da attracçáo
lerrt ftre , ou pezo próprio , fe confervariáa
na mcrma diílancia do centro , que terião ,
fe náo houvelle Lua , que feria a mefma
que nos lados , por força do equilíbrio dos
líquidos ; mas como na realidade também
chega ás aguas inferiores a attracçáo da Lua,
ainda que menor do que do centro , fcm-
prc deve obrar algum eífeito , c mover as
aguas para eíTa parte j ficaráó lo2;o as aguas
mais baixas do que nos lados Í /?, c te-
remos hum grande haixx mar. Ainda quero
pôr ifto em termos mais claros. xSupponha-
mos que a attracçáo da Terra a refpeito
das aguas da fua fuperficie em redondo
vale ICO ; fe náo houveíTe Lua, fendo em
toda a redondeza da Terra igual efta attrac-
çáo , em toda a fuperficie ficariáo as aguas
equilibradas, ifto he na mefma diltancia do
centro ( prefcin damos do movimento diur-
no da Terra , que os Newtonianos admit-
tem ) . Ponhamos agora a Lua a prumo fo-
bre P ; e imaginemos que a attracçáo da
Lua no centro T vale 10 , no ponto fupe-
rior P valerá ir, e no ponto inferior p va-
lerá 9. Ifto pofto , em P as aguas experi-
meniáo a attracçáo como 100 , que as pu-
xa para o centro , a attracçáo como 1 1 que
as puxa para fima ; fegue-íe que ficaráó
mais fcparadas do centro , como fe fó va-
lelTe o feu pezo cu attracçáo 89 gráos ; pois
he coufa fabida que quando hum mefmo
corpo experimenta attracçáo para partes
op-
3 cl Recreação FiIo'ofica
oppoftas , a menor fe dcfconta da maior;
e dcfcontando 1 1 , que ranro vale a attrac-
çáo ádí Lua , de ico , que he a actracçáo da
Terra , ficáo 8$;. Vamos a^ora ao hemisfc-
rro oppofto. Em p tem as aguas força co-
mo 100, com que são acirahiu.is para o cen-
tro da Terra j tem além dilfo artracçáo co-
mo 9 , com que sáo puxadas para a Lua j
c como a Lua , e o centro da Terra Ifies
ficáo da melma parte , huma força íc ajun-
ra á outra , e devcm-fe mover as aguas , co-
mo fe por huma fó caufa foíTem attrahidas
com força 109. Dcfte modo ficáo as aguas
em fima attrahidas para o centro da Terra
com força 89 , nos lados B b attrahidas com
força 100 , em baixo attrahidas com força
IO;; j e d'aqui feeuc-fe , que em P haverá
maré cheia , cm £ b maré vafia , e cm p
huma maré muito mais vafia ; pois aqui
com muita maior força fe chegarão as aguas
para o centro da Terra.
SHv. Suppofto ilTo 5 como dizeis vós que
achais eíTc fyftema engenhofoí
Theod. Summamicntc engenhofo : c a cíb dif-
iculdade fe refpondc maravilhofamentc , e
fica o fyftema em pc : à^vc-ic a relpofta
ao nolío Grande Bento de Moura PortugaL
Já íabeis que a Terra , e Lua giráo em 27
dias e meio á roda do centro commum, que
fica entre ambos , como já vos dilTe ( i )
fallando do modo de pczar a Lua.
£ug. Bem me lembro. Eis-aqui as figuras
{Ef.
C I ) Tícde XXXIII. §. V.
Tarde trigefima quarta, 383
CEfl^mp. 4'fig' 4.) que vós fizeftes para ^^- 4«
me explicar clíe ponto. ^s- 4-
Thccd. Delias mefinas me fervirei agora. Va-
mos aefta figura (^Ejiamp. 4'fig' 5.)* Aqui Eft. 4.
vedes que no mefmo tempo, em que a Lua fíg. 5.
L faz hum giro grande á roda do centro com-
mum C, a Terra T faz hum giro pequeno
á roda do mefmo centro commum. Ifto he
certo ( I ). Ora também he certo, que todo
o corpo , que íe move em giro á roda de
al-
( I ) Nas imprefsões precedentes fazia eu o
calculo, dando á Lua hum pezo 39 vezes me-
nor que a Terra . o que obrigava a pór o cen-
tro commum meio raio fora da Terra , con-
forme o calculo de Gravefande. Como porém
depois da paflsgem de Vénus fe dá á Lua hum
pezo 71 vez^s menor cue o da Terra, fe pode
fazer o calculo defle effeito do modo feguinte.
1." Quando as for.;as da Attracçáo da Lua
e Centrifuoja a refpeito do centro commum fo-
rem para a inefina parte o movimento das
aguas no mar , deve fer igual a fomma de am»
bas ; e quando forem para partes oppnflas , de-
ve feguir á maior , depois de defcontar a menor.
2.0 A força da Attracção he na razão in-
verfa dos quadrados das diftancias da Lua a vá-
rios pontos dj Terra : as diftancias são 59 ,
60 , 61 fcmidiametros da Terra , cujos qua-
drado<? são ^.4X1, 5.60O, 3. 7 21 , medida das
5 forças da Attracção , as quaes redu7Ída$ a
números menores , são com pouca differença
como 3 6 no centro, 37 na face próxima , e
3$ na face remota.
$.0 Como o centro da Terra não iè chega j
3^4 Recreação Filojofica
algum centro , tem força centrífuga ; e to-
das as panes deííe corpo torcejào a fugir
do ceríiro á roda de que fe revolvem. Da-
qui fe íegue que as aguas , que rodeiáo a
Terra , hão de fugir do centro commum ,
mais ou menos , conforme di liarem delle.
No centro da Terra , comparando a força
ccntrituga a refpeito do centro commum C
com a força da attracçáo p^ra a Lua L , fi-
cáo em equilíbrio j e por ilTo nem o centro
da Terra foge mais da Lua , nem fe chega
mais para ella. Porém no ponto i , que he
a íuperficie do Mar mais vizinha á Lua , he
maior a attracção do que no centro, c puxa
as aguas para a Lua , fazendo maré cheia :
pelo contrario no ponto a do hemisfério op-
pof-
nem fe aíTaíla mais da Lua , são iguaes ahi is
forças com que a Lua o attrahe , e con cue elle
quer fu2;ir do ceiUro con)mum ; e fe a turca de
Attracção he ^0 , aCentrifuga também Terá jò.
4.Q Dando a Lua hum pezo 71 veres me-
nor, repartamos 60 raios por 72, e fica o cen-
tro commum para dentro da fuperficie d.i Ter-
ra na face próxima á Lua , dirtante delia 172
léguas portuguezas ; e longe do centro (ia Ter-
ra S 59 ; e dillante da face da Terra oppoíía á
I,U3 1.89C , e por eí^as diftancias fe devem
medir as forcas Centrífugas nefles três pontos ,
irto he , no centro da Terra , na face vizinha
á i ua , e na face remota , os quaes números
com pouca diíferença fe reduzem a efles ire-
nores 7 , 3^». 79*
5.0 Combinando agora o effeito deftas for-
ças t temos no centro duas íurças contrarias
Tardi' tí^ige^r.ia quarta. 385'
oppofto á Lua 5 a força centrífuga das aguas
he maior que no centro , por iVr mais dif-
tanie ; e ha de ler menor a attracçáo da
Lua que já fica mais Io:>ge ; c por efte mo-
do fuçiráó as aguas do centro commum , e
iíTo he fugir também do centro da Ttrra,
que lhes fica da me ima parte ; e haverá
outra maré chei.i. Suppofto tudo ifto , fe
desfaz a difriculdade : fe no hemJsferio op-
poíto á Lua nÁo houvelTe alguma attracc:o
da Lua , a força centrífuga das aguas a ref-
peito do centro commum as faria fugir mui-
to do centro da Terra , e tormaria huma
maré muito grande ; porém coir.o lá chega
a attracçáo da Lua , detém a agua , c faz
huma maré m.ais pequena.
Eiig. Tenho entendido perfeitamente.
Theod. Agora quero accrefccntar outra cir-
cumftancia m.ui digna de advertir-fe. A ma-
ré cheia , que fe faz no hemisfério voltado
Tom.VL Bb pa-
igiiaes , eoeffeico he nada: na face prosiiiia á
Lua temos dua<; forças que concordão , e o ef-
feito dev-e fer i^ual á fomina dambas : e as
aguas devem ir para a Lua com ambas as for-
ças : na face remota deve a força centrífuga
maior , dellontada a fo-ç^ da attrafção me-
nor , dar movimento a-^ aeuos , affjRando-as
do centro da Terra , e da Lua. A medida def-
tes effeJtos he a fe^uinte,
jittr. Face prox. jy Centr. jó Fac. rem. ^5.
Forç. centrif. Fac. pr. 7 Centr. 3Ó Fac. rem, 79.
Efcl'os.
Face prox 57 , mais 7 , dá 44. de maré primeira.
Centro - 36 , menos ^ò , dá nada.
Face rem. 79. menos 35, dá 44 de marc fegunda.
3 86 Recreação Filofofica
para a Lua , não fó he eíicito da atrracção
da Lua íobrc elTe lugar / , mas tambcm hc
principalmente da attracçáo da Lua nas ilhar-
Eft. 4. gas da Terra b b { Eftamp. 4. fig. 5. ) ; ad-
fig. 5. vertcncia do noíTo Bento de Moura. He bciri
verdade que a attracçáo da Lua he mais for-
te no lugar / , que lhe fica a prumo ; po-
rém n?.o pódc mover tanto as aguas , por-
que milita diametralmente contra a íua gra-
vidade ; porém nos lados b b ^. attracçáo da
Lua náo he contraria á direcção da gravida-
• de das aguas. O pezo das aguas impelle-as
para o centro da Terra pela linha /? T , a
attracçáo da Lua he pela linha b L ; ç co-
mo a attracçáo da Lua náo fica embaraçada
pela gravidade das aguas , movc-as muito,
fazcndo-as rolar pela fuperficie da Terra.
Ora puj^ando as aguas de hum lado , e do
outro , vem de huma e outra parte ajunran-
do-fe para o meio , e fórmáo hum montão
de aguas muito grande, e huma maré mui-
to maior do que faria fó a attracçáo da Lua
fobre eíTa agua /'.
JEug. Mis na parte oppoíta como fe forma a
maré ?
Thcod. Também deve attribuir-fe náo fó á
força cenrrfuga delias aguas em a , mas
também concorrem para cíTa maré as aguas
dos lados b b , que por caufa da força cen-
trífuga pcrtcndem fugir do centro commum
C pelas linhas b m , b ti ^ mas como o cen-
tro da Terra as piLxa pela linha b T , obe-
decem as aguas a ambas as forças , rolan-
do pela fuperficie da Terra -, e concorrcndq
de
Ta7'de trigefima quarta. 387
de huma e outra parte , íe váo ajuntar no
ponto 4 , formando fegundo preamar. Aqui
rendes a cauía das marés cheias : e daqui
mefmo fe colhe que em b b ha de haver
grande baixa-mar , ou maré vaíia j pois fu-
gindo as aguas óe b b , humas para a par-
te da Lua por cauía da actracçáo , outras
para a parte oppoíta por caufa da força cen-
trífuga 5 em ordem a formar as marés cheias ,
cm a , e em i , naturalmente ha de haver
huma grande falta de aguas ou batxa-mar
em b b : ifto he nos dous lugares que íicáo
cm quadratura com a Lua.
i'/7v. Eu náopoíTo car voto nefte ponto, por-
que joga com leis de movimento , cm que
náo íou profeflbr j porém , conforme o que
temos tratado , acho-o muitas vezes bom.
Theod, Eu confelTo que no fyítema Newtonia-
no náo acho explicação que mais me agra-
de ; c fora deíle Tyíf ema nada me parece vc-
fofimil , quanto a eile ponto. Que dizeis,
Eugénio ?
§. VIL
Das circumfi anciãs particulares y qus fe ob-
fervão nas marés,
JEug. /"^ Uando vos agrada a vóí , que po^
V^ deis defcubrir difficuldades , que ca
nâo vejo , que íerá a mim , que
tenho menos luz , e mais facilmente mie le-
vo da primeira apparente belleza das coufas*
IVIas dcfejo íaber , fe nette mefmo fyftema
me podeis dar a razão de algutnas diverfida-
Bb ii des^
388 Recreação Vilofofica
des , que fe obferváo nas marés , porque hu-
mas vezes sáo muito grandes , outras náo.
Thecd. Nas Luas novas , e Luas cheias sáo
marés maiores , e lhe chamáo /Jguas vivas ;
quando ióbe a agua a muito maior altura
no preamar , c delce muito mais no baixa-
mar ; e alíim deve fcr , porque aílim como
a Lua atirahe as aguas , aHim as attrahc
também o Sol ; porem a maré que fe attri-
bue ao Sol he mui pequena , por caufa da
grande diftancia deite Aftro : ora nas Luas
novas , como o Sol , e a Lua ficáo pela
mcfma linha a rcfpcito da Terra , concorre
a attracçáo do Sol com a da Lua j e 1 e o
Sol havia de levantar as aguas por ^ pal-
mos , e a Lua por 10 ou 11 , concorrendo
ambas as attracçócs , íobcm as aguas i ^^ ou
14 palmos j e havendo nas marés cheias
maior volumxC de aguas , forçofam.entc nos
lugares , donde vem elTa agua e fica vafia
a maré , ha de haver maior falta de agua ,
c mais fenfivel baixa-mar.
Silv. Porém nas Luas novas náo fó he mui
grande a maré no hemisfério correfpon den-
te á Lua e Sol , mas também no hemisfé-
rio oppofto ; e ahi náo ha attracçso do Sol
que augmente a maré.
Thcod. Todas as vezes que hum corpo fe
miOve á roda de algum ponto , fcmprc tem
força centriíuga i e no fyftema Ncwtonia-
no , movendo-íe a Terra á roda do Sol na
orbita annua , também tem fua força cen-
trífuga , que pouco mais ou menos he igual
á força da attracçáo do Sol. Peio que , o
Sol
Tarde trigefiv.ia quarta. 3C9
Sol fó por fi mcfmo , náo havendo Lua ,
fempre faria duas marés , huma ao meio
dia na face voltada para o Sol , outra á
meia noite na face oppoíia: a maré do meio
dia feria caufada peia attracçáo do Sol ; e
a maré da m.cia noire feria caufada pela for-
ça centrífuga das aguas a reipeito do Sol.
Vamos agora á conjunção do Sol com a
Lua niís Luas novas : ajunta-fe a attracçáo
do Sol com a da Lua , e fazem huma maré
mui grande na face que fica para o Sol j e
ajunra-fe a força centrífuga das aguas a ref-
peito do Sol com a força centrífuga a ref-
peito do centro commum , e fazem huma
maré grande na face oppoíta á Lua e ao Sol.
SWv. Tenho entendido.
Eug. E na Lua cheia como {MQztàt iíTo?
'Iheod. Como então o Sol, a Lua, e a Ter-
ra ficáo na mefma linha , o Sol v. g. no
Poente , e a Lua no N.ifcente , concorre a
attracçáo do Sol com a força cenirifuga da
Lua ; e a força centrífuga do Sol concorre
com a attracçáo da Lua : de forte , que a
maré cheia primaria do Sol fempre concor-
re com. a maré cheia fecundaria da Lua ;
c a primaria da Lua concorre com a fecun-
daria áo Sol , e por iílb s?.o táo grandes.
Ora nos quartos da Lua são as marés mui
pequenas , porque concorre a maré vaíía do
Sol com a maré cheia da Lua ; e fe a Lua
hav.a de levpnrnr a agua por i i palmos ,
devemos dcfcontar os ^ palmos de març
vafia do Sol , e licío fó 8'palri,os : e pela
mef-
390 Recreação Filofofica
mefma raz5.o as mares vafias são mais pc*
quenas ; porque havendo de defcer a agua
por caufa da Lua ii palmos , como ahi
concorre a maré cheia do Sol , que sáo 7^
palmos , io deícc a agua por 8.
jE"w^. Já entendo ; e vejo que tudo concor-
da admiravelmente. Pcrém os marítimos
obferváo no anno dons tempos , em que as
marés sáo extraordinariamente grandes ; c
chamáo-lhc cabeças d aguas , fe me não en*
^ano.
7heod. Sáo em Março c Setembro ; e pro*»
cedem de que os dous Aftros Sol e Lua íe
encontrão perto do Equndor. Nós fc puzef-
femos o Sol c a Lua nos pólos , nenhuma
maré haveria 3 porque em todas as partes
de qualquer parallelo ao Equador eftaria a
agua na mefma altura , e com a revolução
diurna da Terra 23 praias fempre olhariáo
a Lua ou Sol do meímo modo , e fempre
reriáo a mefma altura de agua. Logo quan-
to mais formos trazendo os Aílros até o E-
quador , maiores feráo as marés. Eis-aqui
porque nas conjunções , que fuccedem per-
to dos EqUinoccios , sáo maiores que nun-
ca as marés ; porque cada hum dos Aítros
obra por linha mais proporcionada a eíTe
c fiei to.
Eíi7. Náo fci que tem iílo de levar as cou-
ías òMt os íeus principios , que todas as
circumflancias , ainda as mais miúdas , vão
nafcendo naiuralmente.
Tl-fod, Ativirto agora duas coufas , que me-
rç-
Tarde trlgefima quarta. 391
recém attençáo : huma he , que a maior
força das marés não he rij^oroiamencc no
dia da Lux nova, ou Lui cl\ia , mas dous
dias depois : e a rrzáo he , porque o ba-
lanço das a^uas g nh:;do n'umas marés vai
facilitando o movimento dos outros que fe
feguem , ainda que nellas já feja menor a
força da attracçáo ; como com eífeito já hc
menor nos dias que vão da Lua nova para
diante. A outra coula he ; que também a
maior altura da maré náo he no ponto ,
em que a Lua toca no Meridiano detle iu»
gar 5 mas duas ou 7, horas depois. A razão
que dáo os Newtonianos he efta. A Lua
fupponhamos que eítá agora no Meridiano
de Lisboa ; attrahe e puxa para efte Meri-
diano , náo íó as aguas que ficáo para o
Poente , mas as que nos licáo ao Naícen-
te : eftas rguas , que ficáo ao Nafcenre ,
vem vindo para nós por força da attracçáo
da Lua; mas ao meímo tempo , como neí-
te fyítema a Terra fc revoive de Poente
para Nafccntc , as aguas leváo movimento
para o NafTcnte: fuppoí^o ifto, fendo eílas
aguas do Meridiano Ifvadas }?ela Terra com
Ímpeto para o Nafcenre , c puxando a Lua
as de lá para cá , mutuamente fe háo de
encontrar ; e fazenJo hum grande mon-
tão de aguas , farAo huma maré mui cheia
no lugar que difte algum tanto do noflo
Meridiano para o Nafcente , pelo qual já
a Lua tinha pafiado duas ou três horas an-
tes.
SHv.
-^í)! Recreação Filofofica
Sth. EíTa explicação he engenhofa.
Eug. E fuppoôos os princípios , hc natura-
liílima.
Silv. M2S eu tenho ouvido dizer que junto
de Brirtol fobem as marés a 45 pcs de al-
tura ; c]ue noutras partes he quafi infcnfi-
vel i e n outras he mediana. De que podem
nafcer eftas defigualdades í
Thccd. Sc a Terra toda folTe igual , não ha-
veria eíTa divcrfidade nas marés ; porém a
deíigualdade dos fiiios faz grande deíii,ual-
dade no movimento das aguas. As rrarés,
que nós aqui expcrirr-.entamiOS no Tejo ,
náo são tanio procedidas immediatamcnte
da ariracçáo da Lua aqui , como da com-
municaçáo do Tejo com o Oceano : do mcf-
mo modo no Aíediccrraneo , que he hum
grandiíRmo tanque de agua , náo podem
haver marés fenáo parricipandolhcs o Ocea-
no o aut;mento da»; aguas no tcmjo ào prea-
mar ; porém fendo o Mediterrâneo hum
tanque immenfo , cuja bocca he o Eítreito
de Gibraltar , por muita agua que por eíTe
eítrcito entre no tempo de 6 horas , náo
pôde íér mui fcníivel repartida por todo o
Meditcr^neo : acabadas as fcis horas , co-
mo no Oceano ha baixa mar , ccmcça a fa-
hir do Aíeuitcrrar.eo a agua que tinha entra-
do j e deite modo fó nos lu;^ares vizinhos
ao Eftreito fcrá a maré mais Icnfivel. Tam-
bém náo pôde ler fenfivel cnde náo hou-
ver pomo fiXO para ie conhecer a altura
da a^ua j eis -aqui porque no mar largo
íc
Tarde trigefima quarta. 39^
fe não podem perceber. Também quando
for tal a agitação das ondas, que íe náo co-
nheça bem o n.vcl das aguas, náo le pódc
perceber a maré \ mas ce ordinário fobem a
maior altura , do que pedia o nivel com o
Oceano , porque correm com impeio , e fo-
bem muito além do que deviáo Tubir pelas
leis à.\ aícracçáo, ou torça centrífuga. Ulti-
mam.ente como nuns lugares rem comm.uni-
caçáo fubterranea com muitos outros, natu-
ralmente crefcendo lá a a8;ua a maior altu-
ra , pelas leis do Equilíbrio , devem crefcer
lambem naquelles com quem occultamente
fe ccmmunicáo \ e deite modo podem haver
muicas marés dentro em 24 horas. N outras
partes ha varias enleiadas ou eílreitcs , va-
rias ferranias de rochedos debaixo da agua ,
vários ventos , que fopráo com cfta ou aqucl-
la direcção, e fazem grande perturbação na
corrente das aguas , e por confeguinte nas
marés.
Bug, Só me fica que perguntar , porque fe
demoráo as marés três quartos de hora de
hum para outro àx-^,
Theod. Como leguem o movimento da Lua ,
e efta anda para o Nafccnre mais Lgeira que
o Sol , quando o Sol torna ao Meridiano ,
ainda laltáo 50 minutos para chegar á Lua ,
e fò então torna a fcr a maré cheia, que fe-
gue a Lua. E por ora baíh de Filofona,
que aífás tem ourado a conferencia. A' ma-
nha trataremos do que refta.
TAR-
394 Recreação Filofofica
TARDE XXXV.
Do Globo da Terra confiderado cm íi
mefmo , e da fua Atmosfera.
§. I.
Da Terra firme e feus montes , e das con-
chas do mar que nelles fe achão.
Theod, I j Oje temos que òar hum vaf-
I I o paíTeio pelo mundo todo;
■^ A e havemos de correr a Terra
para hum e uacro l?.u0, cruzar todcs os ma-
res , defcer aos mais profundos auyímos, e
fubir ás mais altas m.ontanhas : vifitaremos
a região dos ventos , e Tobre as nuvens ca-
minharemos com o difcurfo.
Sih. Grande pníTeio he para huma tarde ;
prcciib he levar paíTo mais ligeiro ; natural-
mente ficareis mui cançado.
Theod. Tempo baftanre me refta para dcf-
cançar , pois he a ultima vez que o mica
difcurfo caminha fobre eftas regiões.
Eug. Náo me ufci? delia palavra ultima, que
acho ncUa hum náo fei que , que me fere
vivamente a alma. Rogo-vos que fem mais
exórdio entremos na converfaçáo.
Theod, ]á conúderárros a figura esferóide da
Terra , como cfieito da fua revolução no
¥-
Tarde trigefima quinta. 395'
fyftema Copernicano : já falíamos da rega-
lar defigualdade dns marés , como elfeito^da
diverfa poítura do Sol e da Lua ; convém
agora examinar mais miudamente as partes
mais notáveis da Tuperíicie á?i Terra. Por
toda ella achamos Montes e Valíes : eftes
montes , quando por roda a parte eftáo cer-
cados de agua, chamáo-re //^<I5; e os valles
quando eííáo cheios de agua , e por roda
a pirte cercados de terra , chamáo-fe La-
gos, Se os montes , que nafcem do fundo
do m.ar, náo chegáo a botar fora das aguas
os feus cabeços , sáo os baixos que en-
contrão os defácautelados Pilotos. Náo vos
farei huma defcripçáo Geográfica dos ma-
res e ilhas , como nem dos montes e la-
$;6as 5 que para iíTo ahi eftâo os Mappas,
Vou ao oíticio de Filofofo , que hc dar a
raz^o dos eífeitos, que neílas coufas fe ob-
ferváo. Haveis de defejar faber o meu pen^
famento íobre a divisão primitiva entre a
Terra firme e o Mar , e fobre a origem
dos montes. Algum dia imaginava que a
Terra no fcu principio fora fenfivelmen-
te Ufa , e toda cercada de agua , como
o fuppóe a Efcritura ( i ) ; e quando a pa-
lavra de Dsos mar.dou juntar as aguas em
hum lugar , então com hum Terremoto
univerfal Dcos abalara toda a Terra , e
fizera fobre fahir os miOntes ; aíHm como
tem molhado a experiência que Terremo-
tos
(i) G^n. I. 9 Congreçcnijr acjují , qu£
fub C^lo Junt in lúcam unum , €?* appareat ariia.
39^ Recreação FiJofofica
tos mui grandes íizeráo nafccr do fundo do
m?.r alguns montes , cujos cabeços levan-
tados l^óra das aguas sáo hoje ilhas mui
grandes. Sendo ilío aflim , as aguas obri-
gadas pela íua fluidez , corrcriáo para os
vailes , ficando dcífc modo ícpar.ida a Ter-
M firme do que hoje chamamos Mãr ( i ) •
O tunJa:r,cnto dcfta conjeclura era bem
patenre j porque náo era crivei que Dcos
até alli, com huma acção milagrola , tivcf-
íe as aguas fem equilíbrio , cubrindo a
mefma dcfigjaldade dos monics , e vailes
com huma íuperficie fluida e defigual : tam-
bém nAo he crivei que a agua pudeíTe cu-
brir os mais airos montes , ficando ao ní-
vel cora a cae cubrilTe os vailes j porque
iíTo peJia huma quantidade de agua incri-
velmente maior , que a que agora temos;
c náo apparece motivo para crer que Deos
a anniouilou , pois era hum modo de obrar
rr.ui pouco decente á Sabedoria de Deos.
Já houve quem diíTc que a Terra tinha den-
tro em íi grandiíiimas concavidades , c que
Dcos com efta palavra arrombara as por-
tas dcifas immenras ciílernas , até cntáo va-
fias ; e que , entrando as aguas a occupar
eíTe lugar , foráo abaixando cm toda a fu-
pf-rficie da Terra \ e d -ixando arp^rccer a
qu? era mais alta , que hoje chamamos Ter-
ra firme , depois de occupar todas cíTas con-
cavidades, fó apparecèra íobre os vailes mais
profundos, que hoje chamamiOS A^fãr. Ain-
da
( I ) Lâfaro Moro lib. 2. de Cvcjhcclt ca/. 29.
Tarde trtgefima quinta, 397
da fe pôde dizer outra coiifa , que me nao
parece digna de dcíprezo. Bons Authores
áquellas palavras da Sagrada Efcrirara: P07,
T>eoi o Firmamcwo no meio das agu.ís , pa-
ra dividir as agu.ts , que ejião em fima das
que ficarão em baixo ^ dAo a explicação que
vos diíTe poucos uias ha : e entendem por
Firmamento a regiáo do Ar , que na írafe
das Efcrituras fe chama Ceo • e por aguas
fupeviores entendem as nuvens , as quaes,
como hoje vos direi , não são outra cou-
fa fenáo agua. AlTentando niíto , pòde-fe
dizer que as ^guas inferiores , nelTe dia
lambem náo tínhiào a tórma de agua co-
mo agora , mas fomente a forma de va-
por grolTo , ou nuvem mui efpeíTa. Nós
hoje, quando a Névoa he mui grolTa e pe-
zada , a vemos como aíT^ntada fobre 03
valles j pois aiiim cubriáo as aguas então
toda a fuperíicie da Terra , montes e val-
les. Mandoj o Senhor Deos que fe jun-
talTem as aguas inferiores n um lugar , e
deixaiTem apparecer a Terra firme , e logo
fe rcduzio a névoa a agua fluida : correo
"'para os valles, nelles feaccommodou , e dei-
xou ver os montes , e a Terra firme , que
ficava mais altí^. Porém julguem deite pon-
to os Entendidos , que eu quero cxpôr-vos
brevemente a fcntença de Mr. Buíícn na
íua admirável obra àd Theorica da Terra
( I ). Ellc fegue que a maior parte desmon-
tes ,
( 1 ) HiRoir. Natur. Tom. I. pag. 97. quar»
ta Edição in 12. aii. 175 1.
39^ Recreação Filojofica
tes 5 que hoje conhecemos , tiveráo a Tua
formação pelo difcurfo de tempo mui dila-
tado. Preciío rr.e he por cm ponto mui pe-
c|ueno o leu íyítema j o que he impolhvel
fazer, icm lhe tirar muita parte da íua bel-
leza : mas allim he preciío.
Evg. Xáo fabeis quanto me affligcm os aper-
tos do tempo , cm que as circumílancias nos
tem pofto. Mas eu vos nâo interromperei
ícm caufa mui grave , para o poupar.
Theod, Em todos es montes , como também
nos valles e planícies , íe obícrváo diver-
ias camad^.s ou bancos de barro , de ter-
ra 5 de área , de faibro , de cré , de pe-
dra , Scc. c eítcs bancos ou camas diver-
fas , conferváo cada huma delias a meíma
groíTura por todo o Teu comprimento , o
qual ás vezes chega a muitas léguas. Tam-
bém fe obferva , que etfes divcrfos ban-
cos tem huma poftura parallela entre fi : de
forte 5 que fe o primeiro eftá horizontal ,
horizontaes vâo todos os outros que íobre
elle alTeniáo , íe o primeiro vai inclinado ,
inclinados váo todos os outros , e com
igual inclinação. Até nos mefmos montes
de rocha viva fe obferváo divcrfos bancos
entre fi parallelos. E já daqui [c infere que
a formação deites montes , como nós hoje
os vemos , náo foi por caufa tumultuaria ,
como V. g. Terrem.oto ; porque náo era
poHivel entáo guardar-fc efta ordem e pro-
porção entre todas as diverfas camas ou
bancos de que fe compõem. O que fe con-
iit-
Tarde trtgejinia quinta, 399
firma pela conRiiáo , que achamos no in-
terior cios montes , que nafcèráo de leme-
Ihante caufa. Também fe obferva conf-
tantemencc que cm toda a parte , não fó
r.03 vallcs , mas ainda no coração dos mon-
tes e nos íeas cumes , fe encontrão muitas
conchas e producções do mar : alguns pei-
xes inteiros , e muitos cfqueletos léus con-
vertidos em pedras ; mas que no leu fei-
tio nenhum cfcrupulo deixáo a quem fe
perfuadc que foráo algum dia habitadores
das aguas. Eu tenho viíto innumeraveis
am.ejoas , brebigóes , e outros marifcoa
convertidos em pedra , e em lugares de
certáo , e altos. Sei que também nelles fc
acháo muitas arvores de coral petrificadas ;
e ifto que digo , he conftante por toda a
parte em que fe tem cavado , e feito ob-
fervaçóes ( i ) ? ^ ^^^s marifcos fe acháo
ás vezes dentro dos mefmos rochedos i e
eiles por dentro cheios da mefma matéria
que os cerca. As vezes fe acháo em pro-
fundeza de i.Bgo palmos (2): outras ve-
zes hc huma quantidade táo proúigiofa , que
merece toda a attençáo , ainda do homem
menos reíiexivel : porque Mr. de BufFon ( ^ )
affirma que eftes bancos femeados de ma-
rifcos fe eítcndem muitas vezes por cem ,
c por duzentas léguas de comprido , que
ás vezes tem de grolTura 50 , ou 60 pés.
O
( 1 ) O mefmo pag. 109.
( 2 ) O me (mo pag. 112.
( j ) O xTiefmo Tom. I. pag, 389.
400 Recreação Tilofofica
O que de huma fó vez vos obrigará a for-
mar a idca juíla , he o que le refere naHif-
toria da Academia ( anno de 172c. pdg. 5. ).
Em Turena ^6 Kguas diftante do mar fc
acha huma mina prodigioía deftas conchas,
íem miftura de outra mareria , que íe ef-
tcnde por nove léguas quaJradas , e de al-
tura íe lhe conhecem mais de 27 palmos ;
c talvez tenha muito maior aliura : que me
dizeis ?
SWv. Eu eftou tão admirado , que ainda me
he precilo forçar o cntendimcnio a crer if-
lo 5 náo obíiante fer huma coula teíl íicâda
na face de todo o munJo por hum corpo de
fabios táo Icrio , e láo grave como a Acade-
mia Real r!e Paris.
Bug. E quem levou ahi táo prodigiofa multi-
dão de conchas í
Tbeod. A conlequcncia im^mediata e neceíTa-
ria j que daqui fe tira, hc que por clTcs lu-
l^ares andárío as aguas do Mar.
Siiv. IlTo foi fem cúvida obra do Diluvio
univerlau
Tbeod, F-fía he a commua opinião ; porém
he daquelles, que ncíle ponto náo tem me-
d'V.do com va^ar : eu Icgui illo al^um dia.
Mas com evidencia íe moíhi que o Dilu-
vio n:o podia metter as conchas , e pei-
xes lá pelo coraçfo dos montes , muitas
vezes de mil e oitocentos palmos abaixo
da fuprrficic da Terra ; e muito menos in-
troiuzillas dentro dos m.efmo^ ro.he.'os.
Alem de que , náo he crivei que viveíTem
em
Tarde trigeTima quinta, 401
em hum mefmo tempo todos cíTes marif-
cos 5 cujos defpojos , ou conchas fe acháo
juaíos , c formão 1 :?0 contos , ou miihóes
de braças cubicas , dando a cada braça 9
palmos , que tanto e muito mais impotca a
mina de Turena ( i ) ; c como as aguas do
Diluvio fó duraráo ibbre a face da Terra
pouco mais de hum anno, náo Tc lhe pôde
attribuir eífe eífeiío.
Silv, Pois como dílcorreis vós ?
Theod. Difcorre Mr. de BuíFon de outro mo-
do ; e quer que tenha havido «^randiílima
mudança no Globo da Terra , de forte que
grande parte do que hoje he Terra firme ,
muitos annos Folie Mar ; e pelo conrrano ,
muita parte do que hoje he habitação de pei-
xes, folie algum dia região de homens. Já
em outro tempo eíle foi o diícurío de
muitos antigos ( 2 ) , como bem nota o
Buffon , e docemente o cantou Ovidio
( :; ) . E fallando particularmente do Mar
Tom. VI. Ce Me-
( I ) Hiftor. da Academ. an. 1720. pag. ó.
( 2 ) Conchulas , arenas , buccinas , cálculos
varie infcâos freíjttenli folo , (juihujdam etiani in
momthui rcperiri , certum /ignum maris alluvionc
tos coapcrtos locos volunt Herodotus , Flato , Sira-
lo , Séneca , Tcrtollianus , Plntarchiis , Ovidíus ^
aUí. Daufsui de Terra S< Aqua pag. 7.
CO ^'"^^ *?'' 9"^*^ fiierat (juonáam Jolidií/írna
te! tus.
lEjfc fretum : vidi fatias ex éSquore terras ,
£< procul a ptlago concha jacuere tnarinte.
Ovid. Metamorph. I. if.
402 Recreação Filofofica
Medirerranco , teftificáo Strabao e Dicdoro
de Sici ia, t]ue antigamcnce náo o havia, e
era Terra Hrme. Prudentemente le crè, que
alguma cauía accidental , como v. g. algum
violento terremoto , abrio no Eítreito de
Gibraltar alguma pequena palTagem á agua
do Oceano , muito mais alta que iodo o
vafto campo que hoje faz o Mediterrâneo;
c tanto que as aguas tivelTem huma peque-
na entrada , continuando a correr com ím-
peto , era n?.tural ir eícavando , e levando
comfigo tudo o que pudeiíem arrebatar ,
crefcenJo a força á proporção da maior
entrada ; até que nos rochedos , que de
huma e outra parte fórmcio eftc elheito,
achou embaraço invencível para alargar a
porta. Com elieito de huma e ojtra pane
deite Mar le acha huma iemelhança e
uniformidade nos leitos, ou bancos de terra ,
e faibro , e pedra , &c. e a corrente das
aguas no Eftrcito he de Poente para Nai-
cente , totalmente contra a commua corren-
te das aguas , que náo fó entre os Trópi-
cos , mas nas outras regiões , coftuma fer
de Njfcente a Poente ( i ) ; o que baftante-
mcnre perfuade que foi mais huma nova ir-
rupção das aguas neíTe quafi immenfo lago,
do que Mar antigo.
Silv. Eftá feito ; do Mediterrâneo alguma
probabilidade lhe acho , porque todo el-
le he muito mais baixo que o Oceano,
pois a agua com impeto corre para elici
mas
(i) Varen. Geograf. ger. pag. 119.
^larde trigefima quinta. 403
mas a mudança , de que fallais , he mais
geral.
Thecd. Suppofto o formar-fe de novo o Mar
Mediterrâneo , era torçoio que roda eíTa
immenfa quantidade de agua, faltando n'ou-
tras partes , deixaiTe deícubcna muita terra
que antecedentemente cubria ; e já temos
que hoje fera terra firme o que muitos an-
nos foi mar. Também fe pôde conjev^turar
que algum dia foííe terra firme mu ta parte
do terreno , que ho)e eftá cuberto de agua i
epelo conífririo eftaria cuberta de agua mui-
ta parte da Terra que hoje pizamos : e mui-
tas caufas naturalmente podiáo concorrer pa-
ra eila m.udança. Prime ramente os ventos
eftáo continuamente mudan;:o a corrente ás
aguas em muitas partes : os que fazem nif-
to reflexão acháo que em 24 horas muda o
vento hum grande m.on;e de arèa de huma
parte para outra ^ mudado o obftaculo , que
retém as aguas , que admiração he muda-
rem ellas a corrente? mudando fe a corren-
te , e fazendo impeio contra os obítaculos ,
que ancccedentemente não fofíráo força con-
íideravel , que muito he que os vençáo , e
arrombem r Ora quem fabe qual he a im-
menfa força das agu^s , que tomáo corrente
para huma parte , náo fe admira que , con-
cebendo cada vez maior movimento á pro-
porção da maior fahida , arrombem diques ,
que eráo capaciUimos de a fuftcntar , em
quanto eftaváo inteiros e unidos , e a agua
náo tinha ganhado impcto.
Ce ii £ug.
404 Recreação Filofofica
Evg, Nas grandes invernadas ás vfzes admi-
ro barrocas gran^iilimas , e eílragos que fa-
zem as cheias ^ talvez procedicias ce huma
pequena fenda , que começou a dar fahida
ás agur.s , e tomar movimento pc.ra huma
parte determinada.
Tbeod. Além úç{\.2 modo ha outro emui po-
derofo , com que os ventos podiáo Ter
cauia dcftas miUdanças. Vós, Eugénio , já
íabeis por experiência a força , que trazem
as ondas agiíadas , capazes de arruinar as
meímas penhas de rocha viva. No célebre
Terremoto de ^^ me contou peíToa fide-
digna que fora táo enormemente furiofo
o impero das aguas quando o mar cref-
ceo , que num.a deitas nolTas torres pe-
gara em toda a bateria de baixo , e enfei-
xara as peças de artilheria , arrumando-as
á parede da fortaleza , comiO íc foíTe hum
feixe de canas. Quem attender á pequena
fuperficie de cada peça , c ao feu enormiííi-
mo pezo , poderá formar por aqui o cal-
culo do Ímpeto das ondas. Demais : conf-
ta que as mefmas montanhas de rocha vi-
va tem por baixo leitos ou bancos de maté-
rias de arèa , e outras matérias mais leves
( I ) : que muito he logo que as aguas
com o leu continuo fluxo c refíuxo , com
a fua correnre conífante de Nafcente a
Poente , com o movimento que lhe dá o
vento, c tcmpcftades, foliem efcavando as
rai-
( 1 ) Hifloir. Natur. de BufFon Tom. I. pa».
115.
Tarde trige/ima quinta. 405'
raízes deitas montanhas , e com o tempo
furtando-lhe os aliccrfes , ultimamente agi-
tadas com icmpeíhdes furiofas , as arrui-
naííem , e num momemo íe achaíTem com
liberdade para lomarem novo curfo , arre-
batando os fragmentos dos arruinados mon-
tes até terem palTagem franca ?
Bug. No meio uo mar fe encontrc^o roche-
dos dirperfos , e em pequena diftancia huns
dos outro5 5 que bem podiáo ícr fragmentos
de alguma arruinada montanha.
Thcod. Náo me falíeis na força das ondas ,
e por tempo continuado. Quem obferva a
mudança , que nòs experimentamos aqui
em Lisboa , vendo onde chega hoje o Te-
jo, quando pelas Hiítorias fabem.os que che-
gava algum dia a S. Domingos , ao meín^^o
tempo ven.o os montes da Batida a rd Cm
talhados quaíi a pique , porque as aguas
foráo comendo de lá o campo que de ca
d-ix'iváo : quem obferva as coitas do mar,
c ve os rochedos carcom.idos , e gaitados ,
e roídos , vè o que podem tczer as aguas
com o tempo. Accreice que os grandes ter-
remiOtos , que tem havido , humas vezes
abatem huma grande província , e já as
aguas tomáo para eíTa parte hum curío , tal-
vez contrario ao que tinháo , por ficar mais
baixo eíTc terreno j ou:ras fazem furgir do
fundo do mar huma nova montanha , cujo
cabeço fuperior ás ondas íe chama Ilha;
a arèa , que as ond-s arraítráo , c toda a
demais matéria que tiazem , vai encalhan-
do ,
4c6 Recreação Filofofica
do 5 c de dia em dia vão crcfccndo , como
nos enfina a Hilloria , cm vários lugares.
Talvez huma dcftas montanhas , naiccndo
na fóz de hum cauJaloío rio , o deixa fem
barra ; aiimtáo-fc as aguas , e convertem
em grandilhmas lagoas as planicies. EíTas
aguas crcfcendo a huma maior altura , tal-
vez achaváo mais fraco outro fiiio bem op-
poiio ; e arrombando-o , fc formaria nova
corrente ao eíbgnado rio j e defte moco ve-
remos alagados campos ate alli íeccos. N'u-
ma palavra , quem fizer obfcrvaçjo lobre o
que fazem os terremotos , ora formando
Ilhas de novo , ora abatendo CiJãdcs 3 o
que fdZem os ventos , mudando em poucas
horas montanhas de arèa , que lá onde ca-
bem 5 ainda que ícja no meio do rr ar , fòr-
ináo hum novo monte , e embaraçj.o a an-
tiga corrente j e onde faháo , faciliiáo nova
entrada ás aguas ; quem cbíervar o que po-
dem as ondas agitadas com o vento , e ul-
timamente o que pôde a continuação do
tempo , náo lerá por impoílivcl efta gran»
diílima mudança de Terra cm Mar , e de
Mar em T^rra , prcciíilíima para explicar
as ínnumeravcis conchas , e peixes , e pro-
ducçócs do Mar , que por toda a pane fe
acháo ?té nas entranhas da Terra.
Súv. Tudo sáo conjciluras.
Theod. Mas conjcdluras jbbre hum faílo conf-
rante , e inncgavel , c que náo pôde ter ou-
tra cp.ufa, fenáo as aguas do mar. A maior
parLe dcíhs conchas sáo produc^ões , que
náo
Tarde trigefima quinta, 407
não ha pelos rios , e fe conhecem Ter do
Mar lar^o. Porem vamos a conjecluras ,
que mais inaividualmente prováo , c|ue
aa dicas conchas toráo ac.imadas peias aguas;
e de caminho vereis como as p.guas do mar
podiáo ir formando as montanhas com as
camadas ou bancos paralielos , que conf-
tantemenre le acháo em iodas. He couia
maravilhofa que , excepto nos fiiios em que
houve alguma perturbação , fe acháo as
conchas de.tadas todas de face , c nlo pof-
tas ao alto , nem em qualquer outra pof-
lura ; o que bem da a entender que fo-
ráo trazidas pelas aguas ; e como sáo mais
pezadas que eMas, íc accommodáráo no íun-
do 5 como fedimento que deixa qualquer li-
cor no do \á[o cm que eftava ; e accom-
modando-le as conchas , livremente dcviáo
tomas a poílura que hoje lhe acharros, aca-
mando-fe de face. Mais : fe o terreno , fo-
bre que as aguas depuzeráo eftc íedinieno,
era horizontal , também a camada ou b..n-
co de conchas havia de ficar horizontal , po-
rém fe era inclinado, havia de ficar eiTa c^-
ma de conchas inclinada : fempre porém
com amefma groflura ; pois não havia razão
para que n'uma parte houvclTc n ais qu, nii-
dade de conchas, que na outra. Concinuan-
do as aguas a roer nos rochedos , a ca vir
nas concavidades , e a trazer ora huma caíla
de maicria , ora outra , fielmente hovia de
ir depcfitando pc!o fundo de rodo aqucUe
terreno o fedimano que uzzno ; e allim fe
íor-
4cB Recreação Filofofica
formava hum banco de Taibro fobre o ban-
co , ou cama de conchas ; e pela mefma ra-
zão devia nc.:r parailelo a cllc, e por todo
o terreno da nicfma grolTura. Eis-acjui co-
mo , principiando por pouco , íe formava
huma grande altura, que vinha quafi a lahir
fobre as a^uas. Entretanto o immenfo pezo
fazia que numas matérias toííem opprim ndo
as outras ; e as que eráo partes mui m.iu-
das de rochedos moidos e desfeitos , tor-
nando a coniblidar-fe , ou por qualquer
outro modo que a Natureza o foube fa-
zer , íf íoráo petrificando muitos deíTcs
bancos cu camas. Se juntamente com clTa
materna , própria para fer petrihcada , ou
convcr:ida em pedra , vinháo conchas ou
pcix.^s , ou os feus elqueletos , hcaváo en-
tranhados nos rochedos , que pelo decurfo
do tempo cndureciáo , e também ficaváo pe-
ir-flcados. Muitc^s vezes as aguas invcftindo
contra huma coifa , hiáo roendo toda a área
primeiro , e lá orce hiáo depofitar o fedi-
mento ^ fe forrrrva hum leito de arèa ; aca-
bada a arêd , hão as ondas roendo íaibro,
e de íaibro íe ícrrrava a fegunda can nda lá
meímo , onde fe hia depcíiiando a mí^tcria
que le furtava nas coifas do mar ; uitima-
mentc ?.s cnd?s aihando já as penhas def-
carnadas , a? hiio galfando ; e eífa poeira
infcnfivel formava com o feu fedim.ento ter-
ceiro leito de pedra fobre o outro de Íai-
bro , e de arca. Dcífe modo ficaváo as
matérias m»ais pczadas fobre leitos de ma-
te-
Tarde trigeftma quinta. 409
teria mais leve. Também d aqui fe tira a
razáo do que acho oblervado pelo VúlWÇm-
rio nos monres de Tofcana , Pifa , Génova ,
Líorne , Scc. que os marifcos de varias ef-
pecies eftaváo encarnados Teparados , fendo
huma cama de huma cafta , e outra de di-
verfa : o que naturalmente íuccederia nefte
fydema , porque , dando as ondas cm al-
guma como mina de huns certos marifcos ,
os iriáo levando ; e como cada onda faz o
feu ledimento , devia deixar huma camada
toda dcíía efpecie de conchas.
Eug. Náo fe pôde negar que eftc fyftcma
he de maravilhofa invenção.
Theod. Formada aííim cfta eminência , quaíi
fobrefahindo ás aguas , como lhes embara-
çava o curfo , por alguma parte poderia
paíTar mais que pelas outras ; e tomando
por aqui o feu curfo , iriáo talhando , e
abrindo aquella elevação , e formariáo as
aguas muitos regos ptravés deffa montanha ,
e com o tempo profundando as aguas cíTes
regos , podião defaftbgar por ahi. Feito if-
10 , \i defciáo as a^uas , e fobrefahíráo os
cabeços de outros tantos montes , ou t liba-
das ( deixai-rne explicar deite modo ) de
huma m.clma montanha. E temos huma fi-
leira continuada de montes , divididos en-
tre fi com os regos ; porém eft-s com o
contínuo curfo das aguas neccífariamente fe
havião de ir abrindo cm profundiílimos val-
les j e quanto mais fe profundaváo eftes ,
quanto mais defcia a agua , e fazia íobre-
fa-
4 IO Recreação Filofofica
fahir mais os cabeços dos montes. Eis-aqui
porque neftis fileiras dos montes , que fc
enconfráo trcquentcmente em vários pai-
zes j 03 que eitáo vizinhos tem quafi a mef-
ma altura , c conftáo de fcmclhantcs cama-
das em alturas corrcfponGentes : o que he
coufa bem admirável , e períuadc baftante-
mente , que fendo tudo huma fó monta-
nha , cada rego , qae por cila fe abrio , c
depois fe converteo em vallc , repartindo
cada icito cm dous , neceíTariamcntc de hu-
ma e outra parte havia de deixar leitos fc-
melhantes nas mcfmas alturas. Seguc-fe tam-
bém aaqui , que fe eftes regos foráo tor-
tos , como coíiumáo fer as correntes de al-
guns rios, hiviáo de formar os ângulos dos
montes contrapoiloi , quero dizer , que fe
da parte direita eftá hum monte , que cá
cm baixo faz bojo , ou angulo para fora , da
parte efquerda ha de haver concavidade , ou
angulo , que entre para dentro. E ifto hc
huma coufa admirável ; porque conftante-
mente fe obferva por toda a parte , onde
quer que ha muitos montes juntos , que os
feus angules sáo contrapoftos , correfpon-
dendo o bojo de hum á concavida^.e de ou-
tro : o que perfuade afsás que alguma tor-
rente torciiofa toi dividindo hum do outro ,
e formando dous do que era fomente hum.
Accrefce a cfta conjectura huma notável ob-
fervaçáo. A Geografia nos enfina que os
mais altos montes que ha , sáo nas vizi-
nhanças do Equador : e a Fyfica nos diz
que
Taràe trigefima quhita, 411
que neíías vizinhanças sáo mais vehementes
os movimentos das aguas , tanto pelo maior
fluxo e refluxo do mar ( o que honrem vos
diíTe ) como pelo continuado movimento
das ondas de Nafcenre a Poente.
SiW. Eu confeíTo t]ue acho neíTe íyftema hu-
ma tal belleza , que encanta.
Theod. Não polTò conter-me que náo accref-
ccntc huma circumllancia que furprende.
Obfcrva De Bujfon que por toda a parte
fe encontrão ( i ) , ainda nas pedreiras , hu-
mas fendas a prumo , que ora paráo n'al-
gum leito , ora atravefsáo todos até baixo.
Qaando as montanhas sáo de matérias mais
molles , sáo as fendas m.ais diftantcs : ás ve-
zes diftáo poucos pés , outras vezes diftáo
algumas braçds (2). Humas fendas tem
meia pollegada , outras sáo mais largas ; al-
gumas tem palmo e meio , e outras com
elíeiío sáo maiores. Vede agora o difcurfo
dcífe grande obfervador da Natureza. Co-
mo eftas montanhas , e eíta fuperficie da
Terra foi fedimento das aguas , necelTaria-
mcnte havia de fer mui molle ; e feccando-
fe com o ar , quando ficaíTem livres do do-
minio das aguas , era forçofo que occupaf-
fem menor campo , e abriíTem gretas ; af-
íim como vemos nas terras , quando aper-
ta o Sol , que abrem gretas mui grandrs j
e nas madeiras verdes , que todas racháo ,
quando feccáo : eftas rachas porém , ou fen-
das^
CO BuF. Hif}. Nat. Tom. I. po-. i\í,
(2) iluifon. Hili. *Vac. Tom. 1. yag. 155.
4X2 Recreação Filofofica
das j náo podiáo fcr fenáo a prumo ; por-
que outra qualquer direcção que tivelTem ,
ficava hum grande pezo furpenfo; ou total-
mente em váo , fe as fendas foliem hori-
zonraes ; ou em parte , fe foííem obliquas ,
fò fendo a prumo , ie confervariáo , fcm
que o pezo contínuo dos corpos fuperiores
lobrc os iní-eriorcs as fizelTc unir. Também
fe coliige que eílis fendas tivcráo cfte prin-
cipio 5 porque as fuás paredes intimas nun-
ca sáo lifas 5 mas afperas , e de forte , que
ás promincncias de huma face correfpon-
dem concavidades fcmelhantes na outra ,
bem como fuccede nas rachas da madeira ;
o que alisas perfu^dt' que aquellas duas par-
tes efUverao antccedcnrcmente unidas ; e
que a fenda náo procedeo ce materna , que
fe furcalTe daquelle lu^ar , mas de que fe
feparáráo as partes unidas. Eis-aqui em re-
fumo o bello difcurfo deftc grande Ho-
mem fobre a Theorica da Terra , e origem
dos montes , do modo que eu o percebo.
Lido nas íuas obras tem outra força e ener-
gia , além do fcu bello e inimitável eítilo.
Porém náo deixa de ter efte fyílcma difi-
culdades mui dignas de ponderação. \òs fo-
bre elk' dikorrereis de vagar , que eu com
paiTo ligeiro vou a defcubnr-vos a origem
das fontes.
§. II.
Tarde trigejlma quinta, 413
§. ir.
l)a origem das fomes , e dos Rios,
Silv. 1~* Sce fyílema tanto tem de novo c
-í— > erpanioío ao principio , como de
bello e admirável ao depois ; e fe a expe-
riência me náo tivelTe enfinado que fe deve
fuípender o juizo nas primeiras imprefsóes,
p.ira dar ao depois íencença miais m.adura ,
prompram.eme fabfcrevèra. Vamos embora
á origem das Fontes, Eu creio que vós fc-
guireis que ellas procedam toJas do Mar:
em minha cafa rcnho hum livro moderno,
que explica ilTo m.uiio bem.
Tkcod. Alguns Modernos feguem ilTo ; po-
rém tem contra fi ciiiri.uldades iníupcraveis.
Primeiramente como pôde vir a agua do
mar para as fontes , fe o feu nafcimento
fica muito mais alto que o mar í Todo o
mundo vê que a agua das fontes vai fem-
pre correndo para o mar , e náo íóbe nun-
ca 5 íemprc defce : logo ficando-lhe o mar
muito mais baixo , quem a ha de levar até
o nafcimento das fontes?
Silv. A i(To refponde-fe bellamente. Olhai ,
Theodofio , ainda que os montes donde re-
benta a agua fiquem mais altos que a lu-
perficie do mar próxima , com tudo fem-
pre ficáo ao nivel com a fuperficic do mar
lá ao longe. Admiro-me de que náo tenhais
ad-
414 Recreação Filosófica
advertido nifto. Quando os navios fe vão
âiTàííando muito , ainda quem eítiver no
cume dos montes os perderá de viíta , por
fe lhe cmbar.íçar ( como vós ciil. Ttcs hon-
rem ) c\ linha àà viíb com a fuperií^ie do
mar. Logo íc fe tiralle huma iinha rcóta
ao nivel por eíTa fuperficie Co mar , iria ter
ao cume dos montes de huma pane , e íiOs
maílros do navio da outr?., B^fm íc vê logo
que o cume dos montes pódc iia:r na mcf-
ma altura c nivcl com a fuperficie do m.ar
lá ao longe.
Tkeod. Ilío fó prova que podem ficar na
mefma linha rciía a fuperficie do mar , o
cume dos montes , e os maíhos dos navios ;
porém náo baít.i iíTo para ficar ao nivel.
Para itlo hc precifo que todas elTas coufas
fiquem na mefma lenfivel diftancia do cen-
tro da Terra (que por efta diftancia he que
fe mede a altura , para julgarmos fc he
maior ou m.cnor). Vós agora me direis
como pôde huma linha mui coT.prida , len-
do recb , ter em todas as fuás partes a mef-
ma fenfivel diftancia do centro da Terra.
Ninguém ignora que para huma linha con-
fervâr a mefma diftancia de certo ponto ,
deve fer curva , e fazer huma porçáo de
circulo á roda delle : logo para huma linha
mui comprida ficar bem ao nivel, e conier-
var cm todas as fuás partes a mefma altu-
ra , deve fer curva , como he a fuperficie
do mar , a qual rodeia a Terra ; que náo
obftantc fer liquido , como deve ter a fua
fu-
Tarde trigefima quinta, 415'
fupcrficic ao nivel , e na mefma altura ,
vai voltariuo para confervar fempre a mef-
ma diítancia do centro da Terra. Em pe-
quenas porções , como v. g. na fuperficíe
de hum tanque , a linha do nivel he feníi-
velmcnte reéia ; porque a curvidade fica
totalmente imperccptivel ; mas em diftan-
cias grandes , com os olhos fe conhece a
convexidade. Donde , amigo Silvio , não
provais que licáo os montes na mefma altu-
ra com a íuperíicie do mar. Por elTe difcur-
fo vos provaria eu que as Eftrellas não íi-
caváo mais altas que o mar , nem diftaváo
mais do centro da Terra ; porque eíTa linha
reda tirada ao nivel também vai dar ás Ef-
Tiellas.
S'úv, Eftá bem : já vejo que por eíTe modo
não podem fubír as aguas do mar ^ mas
ainda podem vir para os cabeços dos mon-
tes por outro modo. Eu li nefte mefmo li-
vro que a agua falgada , por fcr mais peza-
da que a doce , a podia fazer fubir pelas
entranhas da terra a muito maior altura que
a das praias.
*Theod. EíTa refpofta he do grande Filoíofo
jfoib BernouiUe ; mas ahi vereis que nem
tudo o que dizem os homens grandes íe de-
ve crer cegamente. Ninguém duvida , que
quando fe equilibráo liquidos diverfos , o
mais pezado fica em menor altura , e iffco
he na razão inverfa do fcu pezo efpecifico.
Mas como o pezo da agua do mar compa-
rado com o da doce hc como 10^ a ico,
pa-
4i6 Recreação Filojofica
para que a a^ua do mar fizeíTc íubir a agua
doce por huma milha de akura , era preci-
fo que houvelle peias entranhas do monte
huma columna de agua doce de :54 milhas,
e ou:ra corrcípondenie de agua íalgada de
7^2^ , para fe equilibr.irem. Ora lendo mui
frequentes as fontes que tem naicimcnto
liuma milha mais alta do que o m^r , nin-
guém dá ao mar a profundeza de :54 mi-
lhas ; porque com o Verenio ni fua Geo-
grafia 5 o mais que lhe àio sáo 4 milhas
( i ). Mas além defta difiicuidade ha outra,
também iniuperavei i e vem a fcr a diíFe-
rença que achamos entre a agua doce e íal-
gada. Tem-fe tentado com baílmte fadiga
e empenho o modo de filtrar a agua íalga-
da , e fazella doce ; c muitos perderão as
efperanças. O VMfnerio ( 2 ) depois de a
filtrar cem vezes por área e terra de varias
cailas 5 fempre a achava falgada : ainda fil-
trando-a por vafos de barro , náo lhe pode
tirar todo o fal : e hoje fó com muito dif-
pcndio fe confegue. Algum dia me deixei
enganar de algumas experiências , que me
conráráo ; e por iíTo ha annos vos dilTe que
era couia facil ( O*
Silv. Eu náo íei dciías experiências : fei que
as fontes muitas vezes tem agua falgada ,
fei que nas vizinhanças do mar ha muitas
fon-
( 1 ) Lib. I. Geo2:r. cap i j. prop. 6.
(2) Tom. III. Anot. 14. fobre a lição ácer,
ca da origem das fontes,
Ci) Tom.UI. Tarde XII. §. II.
Tarde trigefima quinta. 417
fontes , e ifto bem prova que a agua de lá
vem , íeja como for.
Thiod. As fontes , que trazem agua falgada ,
uáo a trazt-m do mar: paisâo por minas de
fal , e fica lalgada a íua agua. Vos como
Medico bem labeis cjue ícrem humas toites
mais falutiteras , ou nocivas do que outras,
procede dos niincraes por cnde paf^áo , e
cujas partículas as aguas trazem c-omfigo.
Logo paliando por minas de fal , fi.araó
bem falgadas. EíToutrcis , que rebeniáo jun-
to do m^r, poJem cer a Tua origem em lu-
gar bem d.ifance. ]á eu vcs hillei de algu-
mas íontes de agua cioce , que rebentaváo
no mcfmo fundo do mar, rodeadas de agua
faigada ; e ninguém dirá , que eíTas bn-
tes deixáo de ter origem mui longe j o
mefmo digo eu delias , que rebentão na
praia.
Silv. E que me dizeis aos poço? , que tem
a mefma alternn;va nas sguas que ven os
nas marés , baixando nas marés v^fias , e
lubindo nas cheias?
7heod. Já vejo que eíluciaftes o ponto , c
me agrada vcr-vos ler por elTes livios. Mas
adverti , que eu íalio ce fcntcs , e náo de
poços. As fontes fen.pre coftumáo ler leu
nafcimento fobre o nivel do mar , e os
poços nem fempre : porém fallanco agora
dos poços , ou eiles sáo de agua doce , ou
de agua íalgada ; fe sáo de agua íalgada ,
c tem a aeua no nível co mar , n^o du-
vidarei que delle lhe venhro as aguas , e
Tom. VI. Dá te-
41 o Recre.-ição Filofofica
tenha as mcrmcs alceraçóes , fiibindo e
dcfccnJo em airibas as parres a hxiva tem-
po. Porém fe os poços forem de agua do-
ce , he cerro , pelo que diiíe , que nào pôde
cila agua vir do mar : com tudo poderá
fubir mais alta nas marés cheias , e baixar
nas vaíias. Nós vemos que a agua do Te-
jo , ainda onde he doce , tem enchentes
c vafanres j não porque a maré cheia do
mar augmente a agua doce , mas porque
fubindo na boca do Tejo a agua laigada
a maior altura , já a agua doce que vem,
de fíma não pôde fahir, c vai recuando pa-
ra trás ; e como a agua que de íima vem ,
vem vindo continuamente ( pcís o rio não
pára ) íe vai enchendo o rio , e íubindo a
íupcrricie da agua doce : baixando porém
a agua faigada na boca do Tejo , começa
a valar-fe o rio com maior im.peto , e vai
baixando a agua doce nas praias. Succede
juftamentc como num tanque , fobre que
corre huma bica pcrenne, que também ncl-
le fóbe a agua e déíce, íe humas vezes lhe
dcík parem o buraco per onde dei peja , e
outras iho taparem. O meímo pois digo
delTes poços , que forçoíamente tcráo al-
gum defaguadouro para o mar. Quando
for maré cheia , cííando de fora a agua
mais alta , náo deve correr para lá , ou
pelo menos Terá com menos força , e crcf-
cerá a .jgua no poço , o qual d outra par-
le fe luppõe ter o nafcimenro da agua j
baixando porém o mar , ficará dcíemba-
ra-
Tarde trigefima quinta. 419
raçado o caminho por oi>dc o poço vafa ,
e irá abaixando a agua. E fabei de cami-
nho que , íe ha poços de agua doce , que
tcnháo eiTas alternativas das marés , são ra-
riílimos ( I ) .
S'úv. Eu vejo cilas diíHculdades. Mas náo
íci como Ic pôde verificar o que diz a Ef-
critura , que todos os rios entráo no mar,
e rcrnáo ao lugar onde nalcèráo (2).
Ihecd. Alguns querem que as aguas do mar
nas concavidades da Terra fe diítiUem co-
mo em naturaes lambiques , e percáo dcf-
fe modo todo o fal, Ai2;um dia fcgui eíla
opinião ; porque como havia nas entranhas
da Terra grandes concavidades cheias de
agua , c havia fogos fubtcrrancos que a fi-
zelTcm evaporar , os vapores ajuntando-le na
parte fuperior das cavernas , íe conv; rtião
em agua, e podia por quíilquer lenda lahic
cá fora onde rebenta a fonte. Mas hoje ef-
tou perfuadido que ifto he mui difKcil ; por-
que os Inglezes , bem enger hofos , e
muito mais nas coufas que pertencem á
Marinha , onde a utilidade accende muito
o defejo de dcfcubrir meios , que a fa-
cão m.enos incomimoda , tem tentado mui-
tos modos de purificar a agua do mar cm
lambiques , e fnzella doce ; e cem effcito
confeguíráo que ao paladar ficafle boa ; po-
Dd ii rem
(i) ValIiCnerio Tom. IIÍ. Anot. 58.
(^ 2 ) Omnia fiumina inmint in maré , iS" viavc
tion rediindat • ad Iccam , unde exeuni finnúna , rc
yertimiur ut iteruw fuant. Ecclef, cap. i. v. 7»
4^0 Recreação Filofofica
rém moftrava a experiência que nunca fc
delpia totalmente do fal , porque Kizia gran-
des ardores na orina , até fazer íahir mil-
turado também o Tangue ( i ) i coufa que
não íazcm as aguas das fontes : donde fc
colhe que a agua , que nós bebemos das
fontes , náo he a agua do mar diíbllada. Eu
bem íei que a agua das chuvas he doce e
falutifera , c procede do mar , cvaporan-
do-fe pelo calor do Sol , e deixando todo
o Tal cá em baixo : ferve a regiáo do Ar
de hum vaftiíhmo lambique, em que fc pu-
rifica ; náo podem fazer outro tanto os
lambiques de fogo , ou por fer mais pe-
quenos , ou mais violentos : e como nas
cavernas íubterraneas a caufa que fizeíTe
diílillar a cgua , mais havia de fer feme-
Ihantes aos lambiques terrenos , do que á
regiáo do Ar ; bem fe infere que náo po*
diáo purificar a agua do mar do moio
que nós achamos as das fontes, ifto he , do-
ce ao paladar , e falutifera ao meitno tem-
po. Silvio, defenganai-vos , que a verdadei-
ra , e única origem das fontes cftá nas aguas
das chuvas , c neves derretidas. Logo vos
direi como ilío póJe fer. Primeiro convém
dizer os fundamentos , que quaíi obrigáo
a crer que aílim he. Nós vemos que com
a longa fecca todas as fontes váo diminuin-
do , e muitas feccáo de todo , pelo con-
trario com chuvas copiofas coftumáo ou
rc-
(i) Vallifnerio Anot. 14. fobre a lição da
origem das fontes.
Tarde trigeflrdã quinta. 421
rebentar de novo as que feccáráo , ou en-
groíTar as que ja eftaváo mui pobres. Efte
lo argumento convence o pomo. Porque
fc do mar le íultentâo as fontes immediata-
mente , que tem cilas com as chuvas ; por-
que váo enfraquecendo , fe lhes faI:áo r €
porque acabáo de todo , fe continua a fec-
ca í porque cfperâo novas chuvas para re-
bentarem de novo?
Silv» Eu náo duvido que as chuvas engrof-
íem as fontes ; mas não poflo periuadir-mc
que toda a íua agua proceda das chuvas.
Theod. E porque náo ? As fontes com a falta
de chuva , ou de neves derretidas , mui-
tas vezes íeccáo de todo ; e ainda as que
náo feccáo totalmente , com tudo na dimi-
nuição das luas a^uas , que cada vez sáo
menos , dáo manitcíuos indícios , que total-
mente íeccanão , íe continualle a lecca. Lo-
go náo fò aquelias fontes , que de todo pe-
recem com a falta de chuvas , delias titáo
toda a agua que trazem , mas eíla íb fe
deve dizer que he a crií^em de todas as de-
mais.
Silv. Qjando muito ilTo fera das fontes pe-
quenas j porém as fontes caud.^^loías , de que
procedem famoios rios , he impoííivei que
procedáo das chuvas.
7hcod. Se fizemos conta á agua das chuvas,
que coftuma cahir iobre a Terra , acha-lc
agua de fobejo para fuftentar os rios cau-
daíofos 5 e as fontes onJe clies tem princi-
pio. O que vos digo náo he conjetlura,
he
4^2. Rfcrcjção Filofofica
he cálculo cxaólo , que náo pôde mentir'
O modo de calcular a quantidade de agua ?
que chove em cada paiz , he mui fácil. To-
ma-fe hum vafo ou quadrado ou cyiindri-
co 5 mas igualmente largo em baixo c em
íima : Ic tor de vidro , com hum di::man-
te fe lhe fazem rifcos horízontacs , ou di-
visões de pollegadas e linhas. Expóc-fe o
Vaio cm campo livre á chuva no princi-
pio do inverno ; e tanto que acaba de cho-
ver , obíerva-íe até que altura chegou a
agua ; o que he fácil ác ver , fendo o va-
io de vidro : fendo de metal , mcitendo-fe
huma vara graduada , fe vè quantos gráos
fahem molhados, e fe conhece a altura da
agua. Faz-íc aíTcnro difto , e defpejd fc o
vafo ; e continuanco-íe a mefma diligen-
cia todos os dias que chove , e aíTentan-
do-fe os grãos , fe conhece depois quanta
he a altura a que chegaria a agua no vaio ,
fe toda fe foflè ajuntando , km fe evapo-
rar. Advirta fe que a beca do vafo pa-
tente á chuva feja da mefma largura e fei-
tio que a íua b^fe , e que o rcltante do
vafo. Muitos acautcLio , e impedem de al-
gum modo a evr.poraçáo da agua , antes
que a váo medir , pondo dentro do vafo
hum repartimcnto qu:.fi horizontal , com al-
guma inclinação para hum boraquinho pe-
queno. Suppofto irto , com.o no vafo náo
entra fcnáo a agua da chuva que corref-
pondc á boca , tem.os fundamento para
crcf que por toJa a rcgiáo , em que fe
faz
Títrde trigefima quinta. 42^
faz a obfervaçáo , fubiria a agua da chuva
á me ima aluíra , íe íe confervarc íobre a
terra. Ora como nuns paizes chove mais
que nos outros , por iiTo são diverfas as
alturas , a que fóbe a chuva. Em P//^ huns
annos por ouiros , lóbe a altura da agua da
chuva a 30 poilegadas j em Liorne a ^5 ;
em Mcdcn.i a 47 , cm Paris a 18 ou 19 ,
e noutras partes a diverícis alturas ; c mul-
tiplicando as léguas quadradas de qualquer
terreno pelas poilegadas de altura a que
lóbe a agua da chuva nos vafos em que
le faz a obiervação , ie conhece lacilmentc
a quantidade ic agua , que cada anno cof-
tuma chover Tobre cííe paiz. Rcíh agora
medir a quantidade de agua que no cfpa-
ço de todo hum anno cone pelos rios prin-
cipaes delTe mefmo terreno ; e depois com-
binando a agua dos rios com a das chu-
vas 5 íe acha que he muiro mais a das chu-
vas.
Silv. E como podem calcular a quantidade
de ngaa de hum rio caudaloío , como v. g.
o Tejo?
Theod. Eu o digo : fc o rio tem ponte , me-
àí-'(c nos arcos , por onde paíTa a agua , íò
o vão que occupa a agua : depois mede-íe
a velocidade com que ahi corre ^ e tendo
conhecida a velo-jdadc , e o efpaço do ar-
co 5 tem-fe conhecido a qnantidade que
corre num minuto ; e dahi íe calcula para
todo o anno. AdA/irto pcréni oue a veloci-
dade da agna ua íupciíicie he maior que
no
424 Recreação Filosófica
no melo, c no meio maior que ro funJo;
e aílim devc-fc icmijr huma vtiocidiíde me-
dia , \>ATd le conhecer a do no.
Eug. Terro fer imporruno- j'Orém dizei-me:
Como podemos conhecer a velocidade da
a^ua?
,TbeO'L Deixai cahir hum bafláo ou qualquer
co'po ligeiro ; e vendo quanio eiTe coryo
coire em hum minuto , le conhece quania
hc a velocidade da <"gua que corrfij^o o le-
va. Supporto ludo ilio , Viimos as cxpcr.en-
cias. \Í.A']ar.ote emprehendeo medir c: a&ua
que leva o Sitia em Paus , c corrpí;ralla
com a agua que ahi coíbma chcvtr • e
achou que a a^ua da chuva excedia cito ve-
2 es a agua do Seua.
Silv. Com tudo , náo he poílivel que cm
Pcrrug^il chova maior quani-idade de agua ,
do que Irva lómenie o Tejo , quanto mais
aiien^enjo ao Uouro , c aos cutios rios que
temos.
Tlicd. Nem he poílivel , nem he precifo
p»;rn o caio preícntc , porque a agua delles
lios vem de muito .'onge : a querer fazer o
cí kulo juílo , havcn es de medir o terreno
todo por onde fe elj aiháo eíTes rios , c don-
de recebem ^s aguas , e ver (c podem íor-
nccer aos rios tanto cabedal corro aqui
tr;:2em, T-mbem deveis no Tejo fazer a
conta ló a agua doce , que efta he a Tua ,
e ráo á falgnda qix he alheia c do mar.
Feuo c.líim o calculo , havamcs de ter o
trabalho que todos tem , iíto he ^ explicar
que
Tarde trigefiyria quinta. 425*
que fe faz de ranta agua que chove ; porém
parte fe evapora oucra vez , e fóbe para íi-
ma , parte ferve para nutrir as plantas e ani-
m.ies, parte para confc-rvar a Terra húmida;
parre emhm vai-fe infinuando pelas ícndas
dos rochedos, e entrando-fe pelo interior da
Terra ; e depois de paliar algum tempo,
ora maior, ora menor, lá vai lahir por hu-
ma fenda viíivel : le he fobre a face da Ter-
ra , choma-fe Fonte ; le he em concavidade
profunda, chama fe Poço.
Silv. E como me levais elTa agua aos cabe-
ços dos montes , donde vemos rebentar mui-
tas fontes ?
Tkcod. Primeiramente as fontes de ordinário
náo rebentão nos cumes dos montes , mas
ou nos valles , ou na defcida dos montes ;
porém muitas ha , que rebentão no mais
alro delles : obferva-fe porém que quando
iíto fuccede aflim , al^um monte mais ele-
vado fic-i á ilharga. Montes de arêa , ou
rerra folta , náo tem fontes ; fó contém ef-
ta aj;ua os que são formados no interior de
diverfos rochedos , que podem ter concavi-
dades , e como ciítcrnas jmmenfas ; e com
eífcco , nós temos nas hiílorias alguns fa-
óios , que confirmáo com evidencia elte dif-
curio , e dáo a entender que as altas mon-
tanh ts são muitas vezes numas grandes n)áis
de agua , em cujas entranhas fe ajuntào ,
para continuamente fahirem pelas fendas ,
ao que chciman^.os fonte*?. Lemos que em
iòyij houve huma grande inundação em
Gaf-
4^6 Recreação Filofofica
Gafcunlia , porque fe desfizeráo huns peda-
ços dos montes nos Pireneos ; e as aguas ,
cjuc ahi fe guardaváo , fe entornarão ala-
gando e inundando os lugares para onde o
leu curio as cncarr.inhou. Outra inunda-
ção ainda muito maior aconieceo em Irlan-
da no anno de 1600 , porque fe desfez
h'-ima montanha , cujas entranhas eftavào
prenhes de a^ua ( i ).
Súv, Eííes íaclos são convincentes j c bem
òio a entender que aj fonter. , que perenne-
mente vemos rebentr.r das Lidas dos mon-
tes 5 luppóem grandes c:fternas de agua no
feu interior delies.
*Tbçod, Ora as aguas dcftas cifternas , depois
de vários giros que os aquccucios naturaes
leváo , ás v^zcs vão por baixo dos valles
íahir no cume do outro monte diílante , po-
rém mais baixo que o primeiro , em cujas
entranhas le ai unto j a agua. OutiiS vezes
váo as aguas da chuva la por baixo do mar
fahir n uma ilha ; e apparecc lá huma bcUa
fonre de aç^ua doce , que talvez tem a ori-
gem muif is léguas diíhr-ite.
Eug. E ourra-í vcrzts rcbenrara junto da praií ,
enganat-ído-fc todos os que imagiriào , que
a fua origem He do mar vizinho.
Thcad. Bem íe infíre do que tenho dito ,
que ÍCTvdo a agua do rr^ar Talgada , e falo-
bia , e intcfrior á de;Tas fontes , não pôde íer
a mcíxT.a que depois aptir.rcce nas fcr.rcs.
Silv.
( i ) Biíífun riiftoir. Natural, Toin. 11. pa^'.
Tarâe trigefima quinta, 427
SWv, EíTa opinião he para mim bem dura;
porem confeíTo que o argumento de ver as
fontes feguir ora a abundância , ora a pe-
núria das chuvas , me obriga a concordar
comvoico.
Theod. Daqui procede que humas fontes lo-
go oepois ddS chuvas rebcntáo , outras pou-
cos dias depois j porque he prccilb que fe
encha a cifíerna naiural na concavidade dos
íT^onies , ate á altura da fenda que dá com-
municaçáo para as fontes ; e como com as
íeccas eftáo ou mais ou menos vafias , e te-
rão abaixado deíTas fendas maior ou menor
altura , por iíTo le efperáo mais oa menos
dias de chuva.
Silv. Occorre-me contra iiTo , que me pare-
ce que as chuvas em mui pequena parte
pcnetraráó a Terra j porque depois de lar-
gas chuvas 5 cavando na terra , a poucos
palTos fe encontra com terra fecca.
'ThcGíl. Mr. de la Hire metieo hum vafo de
chumbo 12 palmos debaixo da terra; e paí-
fado tempo baftame , conheceo que não ti-
nha lá penetrado a agua d;'i chuva. \^edes ,
Silvio 5 que eu fortifico o volTo argumento ?
Porém iíío aííim he , quando o terreno náo
tem fendas , e efti a terra mai unida ; e
também quando tcsn a agua da chuva fá-
cil caminho para outra parte ; porém pref-
cindindo deitas circumftancias , a agua mais
aqui , mais alli , vai calando a huma pro-
iundeza incrível. Nós fabemos iíto pelo
tcilcmunho dos que trabalhão nas vlvò\s pro-
fuii-
428 Recreação Filofoflca
fundas minas , que lá embaixo vem que
penetra a agua da chuva ( i ) . Vemos
tamhem que alguns poços , fó profundan-
do-os muiio he que podem receber a veia
das aguas da chuva , que dos terrenos vi-
zinhos fe conduzem a elTa profundeza in-
crivel. E d'aqui procede que no principio
cio Inverno de ordinário primeiro fe rei-
rauráo os poços que tem pouca altura ; c
muitos dias depois he que apparecc agua
nos mais profundos ; porque a agua gaf-
ta mais tempo a pí^netrar a elTa altura
maior.
Sih, Mas que dizeis vós á Efcritura , onde
fe diz que no principio ào mundo Dcos náo
tinha mandado a chuva fobrc a Terra, mas
que huma fonte a regava : ahi temos ronte
fem chuva.
Theod. Refpondo que antes que Dcos ajun-
taíTe as aguas nas concavidades , a que hoje
chamamos Aíar , toda a fuperticic da Ter-
ra eftava cuberta de agua ; c fó depois deita
fcparaçáo he que appareceo a Terra firme ,
ou o que chamamos Continente. Eíii agua
era doce, pois fc fez falgada pelas minas de
fal e bitumç que ha no tundo do mar , co-
mo noutro tempo dilíe. Entáo ncccíTaria-
mentc havia de ter penetrado a agua ás con-
cavidades interiores nas entranhas dos miOn-
tes 5 e dahi proccciáo as fontes como ago-
ra , nào obftantc náo ter chovido.
Silv.
( I ) VaHifner. Anot. 24. fobre a origem
das fontes.
Tarde trígefima quinta, 429
S\\v. Eftá bem ; mas que dizeis aos lugares
da Eícritura , que dizem que os rios íahcm
do mar , e entráo nelle ?
TbQoà. k^ chuvas vem ào mar 3 e tendo as
fontes origem nas chuvas , do mar he que
procedem , pofto que náo immcdiatamcntc.
O Sol levanta os vapores , náo fó da ter-
ra 5 mas dos lagos , e do mar ; os vapores
levantados fórmáo as nuvens, que pelo ven-
to sáo levadas fobre diiíerentes fitios , e fc
desfazem cm agua , quando os vapores fc
ajuntâo : c cis-aqui como as fontes , e os
rios procedem do mar. Nem vos pareça dif-
íicil que fe levante do mar tanta copia de
vapores , quanta he precifa para lormar os
rios que nclle defembocáo ; porque Halco
teve a paciência de calcular a quantidade
de agua que o Sol fazia fubir em vapores
de todo o Mediterrâneo , e achou que ex-
cedia rrez vezes a agua de todos os cau-
dalofos rios que defembocáo nefte mar
JEug, Eu fó tenho hum efcrupulo , e vem a
fer , que algumas fontes ha , que rebentáo
de Verão , e fcccão de Inverno.
Theod, EiTas náo procedem tanto das chuvas,
como das neves derretidas j porque com o
calor fe derretem , e fazem o mefmo que
as chuvas ; e com. o frio a neve fe confo-
lida 5 e náo penetra ao interior dos montes ,
nem pódc fornecer as fontes.
Eug.^
(O Epift. deJoféGeorg. àe la vera cduni-^
9a êriginc dclU fontanc.
430 Recreação Vilofofica
Eug. Agora nenhum efcrupulo tenho.
§. líl.
Dos Terretmtos , fuás caufas , e ejfcitos ,
onde fc trata da eUjticidade dos
vapores,
Theod, T7 Ntremos agora com o difcurfo ás
X2í entranhas da Terra, para exami-
nar a caufa dos Tcrremoros , que tanto nos
tem perturbado eítes annos próximos, e ain-
da cada dia nos alTuftfo.
Silv, Eu náo fei como o fufto , que acom-
panha os Terremotos , deixa lugar para as
obfervaçóes que alguns aliegáo.
Theod, Períuâdo-me que muitas coufas , que
íe teftificáo , sáo imaginações de ânimos
aterrados , e quafi tora de fi , e depois fe
publicáo por experiências confiantes. Em
tudo he precifo que entre exame prudente.
E na verdade que por efte principio nun-
ca defte terrivel effcito natural pódc haver
toda a obfervaçáo que ha dos outros. Mas
poupando o tempo , e deixando o que nef-
la matéria pertence aos Hiftoriadores Natu-
raes , fó tratarei do que pertence ao Filo-
foto , e indagaremos que cauía pode fazer
fcmelhante abalo. Deixadas as opiniões de
muitos antigos , que náo merecem fer nem
feguidas , nem impugnadas , tenho por cer-
to que OS Terremotos procedem de fer-
incn-
T/irde trigefi}7ia quinta, 431
menraçáo dos rr.in?rae3 , paniGuIarmence
enxofre. Bem fabida hc a experiência do
grande Chirriico LimQÚ ^ que Torrr.ou huma
maça de limalna de terro , e enxoFre , e
agua commua , que pezava 50 libras , e en-
tcrrando-a debaixo da terra , paíTado rcm-
po 5 fermentou de modo aquella rniílura ,
que o terreno faperior iremeo , inchou , c
iahio Tua chamma. Pelo menos não íe pode
negar o que por caítigo de noiTos peccados
temos cxpcrimcniado ha féis annos , depois
de o termos lido n:is Hifiorias , que quan-
do acontecem 03 Terremoto? , fe percebe
hum fartum de enxofre fortiííimo. No céle-
bre terremoto de 55 rebentou cm varias par-
tes a Terra , Lmçar.co grande copia de hu-
ma ma:eria negra e bccuminofa , que moílra-
va ter grande porção de enxofre , tanto na
chamma que lançava de íi , accendendo-a ,
como no cheiro : eu tive hum pedaço nas
minha? máos , e me certifiquei diílo. Aqui
perto da minha cafa fe abrirão na eftrada
trcs gretas da largura de hum palmo cada
huma , que de p.:rte a parte em linhas pa-
rallelas atravciTaváo a eíirada : e me conta-
rão que no tempo do tremor fahira gran-
de porção de agua , que efpalhava o far-
tum de enxofre : nos outros , que depois de
vários tempos tem repetido , algumas pef-
foas me Icguráo que pouco antes tinháo
percebido grande fedor de enxofre. Quem
quizer ler o Baglivio na Hiftoria do Terre-
moto de Roma de 1703 ^ achará que an-
tes
432. Recreação Filcfofica
tes dellc fc Antia hum fortiflirriO fedor de
enxotrc j c i^cralmcntc os paiz s mais lu-
jeicos a eftc fligcilo, abundáo Je ijguas ou
minas cheias de cnxoíre , e bccumcs , taciili-
mos de íe mtlamniarcm. Nos no no.:o Por-
tugal temos muitas Caldas i c o paiz oá(-
tantemcnte abunJa deftes mineraes , que
dáo ás aguas o calor , e á Terra a terrível
condição de Ter iu.eita aos tremores.
Eug. Lembro-me que quanco vos me fallaf-
tes das aguas miner^es , ou Ccildas , e ira-
laftcs dos fogos fubierrancos ( i ), em que
me contattes Vt:rios Terremotos , me diíTwi-
tes que fcmpre ahi havia granuc porção de
enxofre.
Theod. Aíum he : v:.mos vigora ver pratica-
mente como fe pôde formar o Terramoto.
Toda a vez que alguma caula accictntal
fez ajuntar os mineracs inimigos , hão de
fermentar ; aílim como v. g. termentío a
cal com a agua iria ; e fcrmentando-le a
matéria cí^paz diíTo nas cavernas da Terra ,
varias coufas nccelTariamente devem acon-
tecer. Primeira : íe a capacidade das ca-
vernas náo puder conter a matéria , que fe
dilatou 5 deve tremer , em quanro náo def-
afíbga por a'guma parte , ou fe apaga a
matéria. Segun 'a : huma vez acccza a ma-
téria numa caverna , pcg^irá lo^o pelas
caverna<: vizinhas , onde quer que achar
matcria caprz de fe inflammiar , ou diL-tar;
c para iíTo baíta qualquer fenda ou racha i
e
( 1 ) Tom. III. Tarde XI. §. VI.
Tarde trigefnna quinta, 433
c temos já que fe d:ve communicar o ter-
remoto a muiLâs léguas , em hum mclmo
tempo fcnllvel i como fuccedc na inflam-
maçáo da pólvora, que por bem ténues raf-
tilhos arde ao meímo tempo lenfivel em
lugares mui diftantcs. Terceira : legue-fc
que náo íò ha de tremer o lug r íuperior
is cavernas que ardem , mas loJos Cj cir-
cum vizinhos em redondo. Nós vimos cm
Lisboa poucos annos ha , quando pegou o
fogo na ribeira em hum ou dous b,^.rris de
pólvora que eítaváo enterr.ídos , que fize-
ráo imprclsío ainda em lugares bem remo-
tos 5 arrombando as portas , c abrindo as
janellas que nunca fe tinháo aberto. Hum
homem , que dormia fobre huma das bancas
da ribeira , aílim meímo foi p^rar ao meio
do Tejo i e perto da Sé , me contarão ,
que fe cravarão na parede huns ferros ati-
rados pela vehemencia da pólvora. Se ii\o
fez hum barril de polvor.i , ievemenre en-
terrado no cháo , que taráo cavidades gran-
diílimas cheias deftas matérias , quando por
defgraça ie lhe atea fogo lá dentro ? \'e-
mos que huma pancad.í forte dada no grof-
fo de huma parede a faz iremer toda •■, c
quanto mais firmes e dyros séo o^ cO'pos,
mais fe communica porelles o trcm^or até
diílanciasconíideraveis : e com.o lenáo ccm-
jnunicará o tremer por efta grande cilada
da Terra , quero dizcr , os rocnedo? , que
travados entre fi , íazem como o fiquele-
to do mundo material ? Eu periuado-mc
Tom. VL Ec que
434 Recreação Filofofica
que quando o tremor he de balanço , c
com hum compaiío igual , o devemos at-
iribuir , náo lanto á inflam.maçáo que fique
interior a nós , como á inflammaçáo que
houve n ourro lugar diítante , que tremeo
com maior violência , e communicou o tre-
mor até o fitio em que eftamos. Pelo con-
trario 3 quando o tremor he de baixo para
fima, è com.o aos HUtos , devemos crer que
de baixo de nós ha a infiammaçào que o
caula. A razáo difto he , porque ateando-
íc fogo nalguma caverna , ha de fucceder
O melmo que numa peça de artilheria , em
que o fogo ( como já vos expliquei ) taz
força para fe dilatar para toàas as partes \
por iíTo a parte fupcrior da caverna ha de
fubir para fima por caufa do impulfo , e
por força do pczo tornar a defcer para bai-
xo ; e como continua a iniiammaçáo , tor-
na a íer im.pellida para fima , e aíhm vai
ircmen.^o em quanto dura a infíammaçáo ,
a qual á proporção que abranda ou crefce
mais , atira com o tccfo delia caverna com
mais ou menos força. Ao mefmo tem.po as
paredes da caverna feráo impcUidas para os
lados i e como náo fe podem mover fem
impeli ir iodo o terreno , que em redondo
as fuftcnta da parte de fora , todo eííe ter-
reno tremerá ; mas ha de fer movendo*fc
para as ilhargas , porque nelTa direcção hc
que recebem o primeiro impulfo.
Eu^. Eu acho que elTe tremor para as ilhar-
gas náo he táo perigofo.
Tarde trigefima quinta. 435*
Theod. E dilcorreis bem j íò tem o perigo
da ruina das paredes i porém he moralmen-
te impofíivel a íubversdO , pois he fi^nal
que a inflammaçáj Ir.c fica á ilharga.
Silv. Só tenho contra iiTo que no célebre
Terremoto de 55 o tremor foi de todos
os modos j e temos icftemunhas authenticas
de que humas vezes o balanço era de Nor-
te a Sul : e eu vi hum fogacho da Torre
das Neceílidades , que ficou inclin:do nelTa
direcção. ' Mas também era de Nakente a
Poente, c hum meu amigo, que ficou pen-
dente n"uma ahillima parede , já de todos
• os lados deJamparada , via que com elle
violentiliimamente fe movia para os lados j
e obfervei a parede que quafi vai de Norte
a Sul.
Thcod. Neílê terrem.oto , que cm» Lisboa foi
violentifiimo , creio eu que a inflammaçáo
náo foi em huma caverna fomente , mas que
o fogo fe ateou , e communicou de hurrias
a outras no mefmo tempo íenfivcl • por
iíTo havia de haver tremor debaixo para fi-
ma , e de balanço : quando folTe o balan-
ço nafcido de caverna que ficaíTe ao Norte
ou Sul 5 havia de ler o balanço neíTa direc-
ção j e quando foíTc procedido de caverna
que ficaffe ou a Nafcente ou a Poente, ha*
via de ter direcção contraria.
£ug. Em Mafra vi eu num jardim varias
Eftaiuas de mármore , que fobre ^s pró-
prias bafes fe tinháo virado para os lados j
c no frontefpicio da Ij;reja de Matofinhos
Ec ii vi
43<^ Recreação Yílofofica
vi que o braço da Cruz fendo de pedra fc
linha vokado no Terremoto do ultimo de
.Março de 6\ , de force, que náo ficava co-
mo ames á face da Igreja. Tenho medicado
nifto , e náo fel como podia fcr o balanço
para fe fazer efte movimento.
Thcod. Quanro a mim náo podia haver cíTe
movimento fem haver juntamente inflamma-
çáo em duas par:es ,' huma que ficalTe a3
Norte v. g. outra ao Poente j com o balan-
ço da primeira a Eftaiua levantava parte da
bafe que olhava para o Norte , c tomava
eíTe balanço; entretanto vinha o impulfo da
parre do Poente : e como alguma parte di
bafe havia de andar no ar , tomava fe£,undo
balanço para o Nafcente, Mas como a Ef-
latua balanceand:> nunca pojia ter levantada
no ar rola a bafe, pois fempre fe havia de
firmar n'alguma efquina delia, por ilTo o ba-
lanço para Nafcente fó fe podia communicar
a huma parte da bafe, e náo a toda: bem
vedes agora que, movenJo-íe para X.ifcen-
te fó parte da bafe das Eíb.ruas , íicaváo
voltadas psra eíTa parte ou mais ou menos,
conforme dur.-^fíem mais tempo os dous ba-
lanços diverfos. Dcfte mefmo modo as
. aiampadas dos Templos podem tomar hum
balanço em linha circular , como muitas ve-
zes acontece.
Silv. t^iTe he hum indicio bem manifcfto Ja
direcção que tinha o balanço ; porque con-
tinur.o a mover-fe muito tempo , ainda de-
pois de acabar o ircmor.
Tarde trigefimâ quinta, 437
T.ng, E de que proceJe aquellc horrorofo
bramido lubierraneo , que icníirros ou ames
immcdiatanicnre , ou no me imo temi-o do
tremor?
TlKod. Em toda ainflammaçáo deve de haver
calor grande , e grande dilatação das rrate-
rids 5 que forem Ccíp.zes cillc. O ar já ía-
beis que admitrc ^r^ndiílima rarelacçáo ; a
agua também ie dilata incrivelmente , quan-
do íe refolve cm vapor \ e fendo grande a
força, com que íe dilata o ar, muito maior
he o impeo com que pertende dilatar- íe o
vapor quente. Erqueceo-me , quando tratei
da Agua , o irarar da enorme lorça do va-
por: mas agora, que he precilb, vo la di-
rei de patlagem. Huma pmga de agua , re-
folvendo-fc cm vapor , occupa hum efpaço
pelo menos 14 mil vezes maior que occu-
pava ( I ) ames.
Súv. Impacientome quanJooiíço humas cer-
tas medidas, que fe nío podem examinar.
Theid. Eu vos digo ct.ir.o as tomo : não fi-
queis com cíTe eícrupulo. Sabendo cu gco-
mctricamenre , ou pr:.ticamicnte quant^i agua
me cabe numa boteiha de vidro delga»Ja,
lhe lanço dentro humas poucas gotas , po-
nho-a fobre o lume até leccar a agua ; co-
mo a giirrafa he deftas de vinho de Floren-
ça 3 foíFre o fogo , c ao ponto ce (c feccar
a agua , volro a de repen e , e mergulho a
boca da boteiha em agua : ibbc logo com
ímpeto a encher a botelha , cuja boca cftá
a
(1) Gra' efand. num. 2127.
4^8 Recreação Filofofica
? prumo para baixo : tapo-a então com o
dedo ; e as vezes lá fica huma pequena bo-
lha de ar , on:ras vezes nâo. O Ímpeto ,
com que fòbe a agua he tal , que já me
aconreceo quebrar a garrafa. Vamos á ex-
plicação : a pin^a de agua reíolvcndo-re
em vapor occi:pou toda a garrcfa ; e fe a
náo occupou toda , íó o ar poderia occupar
o reílo ; como porém eu voltei a bocca da
garrota dentro da agua, a porção de ar que
dentro delia houvcíTe havia de vir para fi-
ma , procurando o fundo da garrafa emáo
voltado para íima ; defte m.odo ficamos
bem certos que fó a bolha de ar , que ahi
?.pparece , he a quantidade de ar que havia
dentro da garrafa quando cu a voltei : todo
o mais efpaço occupou o vapor da agua ,
o qual esfriando perde a elafticidade , e dei-
xa entrar a agua , e unindo-fe com ella , fi-
ca em forma de agua outra vez. Wedimos
agora o efpaço que occupaváo efTas poucas
goras , e o eipaço que occupava o vapor da
agua , c achamos que he 14 mil vezes
maior.
Silv. Eftou fatisfeito : continuai o que di-
zíeis.
Thccd. Accrefcememos agora , que o impero
que frz o vspor quente para le dilftpr,
he muito maior que o da pólvora. Muf-
ckembrock ( i ) traz experiências fobre ef-
te ponto dccifivas. Eu já fiz hum foguete
car-
( ? ) Comrrenrar. r<^bre as experiências d^
Academia dei Ciiucnte Fart. li. pag. íi.
Tarde trigejlma quinta, 439
carregado com a2;ua , que pofto numa ro-
da como as de fogo , a tazia girar com in-
crível rapidez: e toda a força naicia co va-
por da agua.
Biíg. Di7ei-me como he clTe foguete.
Thecd. Tomai hum canudo de metal forte,
e bem foldado por toda a parte , que fò
tenha num dos topos hum buraquinho, que
lhe caiba hum grão de trigo , ponde a ro-
da horizontal, e ligeira no eixo, atai-ihe o
canudo na circumterencia em poftura hori-
zontal , lançai-lhe dentro a quarta parte de
agua , tapai-lhe o buraco com huma ro-
lha de pão n?o muito apertada , e ponde
debaixo CO foguete huma vela acceza para
fazer ferver a agua dentro , e retitai-vos
hum pouco. PaíTado tempo , o vapor da
agua atirará fora com a rolha, e á maneira
dos foguetes de pólvora , fará girar a roda
com grande força para a parte concraria , fa-
zendo bulha o vapor que vai fahindo do fo-
guete. Alguns póem o foguete n uma car-
reta de metal mui ligeira , e ao botar íó-
ra a rolha , corre com grande violência.
Eu já não ufo defte modo de experiência ;
porque era tal o ímpeto , com que me cor-
ria a carreta , que marrava pelas paredes ,
e tudo fe amaflava com rifco de fe fazer
em pedaços. Advirto que o fogueie póce
ter o feitio que quizerem ; eu tenho hum
de cobre do feitio de huma pêra : advrrto
também que , fe paliado muito tempo , a
rolha nâo fahir , cntáo a podeis tirar , n^o
fc-
44^ Recreação Filofofica
fegurando nunca no foguete , que partirá
nclle momento coíBO huma feita ; uirima-
mcnte que devei» atar bem o to£;uete á
roda. Perdoe-fe a digrefsáo i mas era pre-
cifa,
Sih. Sendo precifa 5 náo fe deve chamar di-
grefsâo.
Ilxod, Eis-aqui pois huma das caufas do fu-
fuiro lub.eff.neo 5 que ha nos Terremotos j
e talvez que Icja também efta a cauía do
tremor. Nós nus cavernas da Terra temos
agua , temos fermentação dos mineraes ca-
paz de a refolvcr em vapor j e efíe va| or
quente hz huma horrenda força adilatar-le,
e por todas quantas fendas tiverem cíTas
cavernas, fahirá o ar , c vapor quente com
grandlílima bulha , aflim como iahe com
grande bulha do foguete que dilíe. O ven-
to entrando pelas gretas de huma porra ,
tem vedes a bulha que faz: confiderai ago-
ra nas cavernas da terra o ar , e o vapor,
por caufa das próximas inflamm^çóes for-
cejando a dilatar-fe , e vede que bulha nAo
far£o ao fahir pelas gretas das rochas. No
Terremoto de Roma de yc^ conta B^gli-
vio ( I ) que 24 horas antes fe feccáráo al-
gum.as lontes , e que em lugar de agua
íahia o ar aíTubiando. Ifío mcfmo , íendo
debaixo da Terra , he o fufurro que nós
fcntimos. E náo duvido que , a náo ter o
vapor fahida prompta , feja capacillimo de
fuzcr tremer todo o terreno , até fe deiaífo-
gar
(O P^S- Í5 2.
Tarde trigefima quinta. 441
gar por alguma parte ; pois , como dilTe,
lem muito maior íorça que a mefma pól-
vora.
^ng. E como explicais vós o feccarem al-
gumas fontes 5 ou o re-bentarem outras de
novo \
Theod. Com o violento tremor da Terra ,
allim como racháo as paredes c rochedos ,
também podem rach?.r os aqueJudos íub-
terrari^ros e naturaes , por onde pafla a agua
antes de íahir á face da terra para formar
as fontes. ]á vos diíTe que a agua , que
aqui fahe numa fonte , pôde ter corrido
muitas léguas por baixo da Terra , até cá
apparecer. Supponhamos agora que racharão
eftes aqueduótos naturaes, e eis-ahi a fonte
perdida , eftravafando-re a agua antes de
chegí.r cá fora. Mas fe aqui faltar a agua ,
lá ha de ir íahir noutra parte ; e ahi tendes
huma fonte nafcida de novo. Poderá tam-
bém acontecer que a fenda , que abrio o
aquedudo , dè paffagem para algum váo ,
que náo tenha outra lahida ; e fendo aílim ,
tnnto que eííe váo fe encher de agua , tor-
nará a correr pelo antigo aqucduóio , e dei-
te modo faltando a fonte alguns dias , tor-
nará a apparecer ; e difto podiamos allegar
exemplos baffantes no Terremoto de 55".
Do mefmo modo fc pôde explicar correr a
agua turva; porque náo he de admirar que,
perturbados os aqueduófos naturaes , fe cn-
cheíTem de terra , ou enxofre , ou outra
qualquer matéria.
Silv.
l
442' Recreação Ftlofqfica
Silv. O que cu dcfejára faber , era o modo
com q'je o Terremoto perturbou o mar
muito tempo depois de ter paliado o tre-
mor. Nós vimos em Lisboa naqucile terti-
veL , e fempre memorável dia de Todos os
Santos , que a três tremores mui grandes
que houve íe feguíráo três inundações do
mar. Vimos que no Terremoto do ultimo
de Março de 6i também íe Icguio íua alte-
ração do mar. Dizei-me o volíb p^famen-
to lobre ctti matéria.
Theod. Dil-lo-hei , ficando nos limites de pu-
ra conjcdura. H.ivcndo grande inflammaçáo
nas cavernas fubterraneas , ou grande ter-
mentaçáo dos mineracs , ainda que náo che-
guem a inflammar-fe , ja fe vè que ha de ha-
ver huma grande dilatação de matéria, feja
o ar 5 feja o vapor , feja o fogo , fcja o que
for ; c aquella mefma torça , que faZ faltar
a terra , e tão enormes eftragos como ve-
mos , naturalmente ha de levantar todo o
terreno , que Icrve como de tamjpa a efTas
cavernas : efte movimento , com que todo
o terreno fuperior fc levanta para fima ,
náo pôde fcr percebido de nós ; aliim co-
mo o náo he dos que eftáo n'um navio o
movimento com que clle fóbe , e deice ef-
t?.ndo o m.ar cavado. Em quanto durar a in-
flammaçáo , c dilatação da matéria acceza,
eftá a terra como inchada , intumcfcida , e
foufa i mas fcrcnando a inflammaçáo , vai
outra vez aíTcntando no íeu antigo lugar.
Ifto j quanto a mim , nada tem de invero-
fi-
Tarde trige finta quinta. 4r4f7,
ílmíf. Ifto fuppofto , neceíTariameníe ha de
haver o balanço nas aguas do mar. íie o
terreno no tempo do tremor íe levantar 20
palmos , o mar fugira tanto , quanto he pré-
dio para dcfcer vinte palmos ; e onde tor
mui eípraiado , eíta altura imporca muito
grande Jiftancia : além dilTo , as aguas em
concebendo hum movimenro , váo m.uíro
além áo que devem ir por conta do equi-
líbrio 5 e ainda fugiráó muito mais do que
era precifo fjgir , para fe confer varem a
nivel j porém defccndo o terreno para o
Teu ailenco , tornarão as aguas a bufcar o
íeu antigo lugar ; e com legundo balanço
não lò occuparaó o lugar antigo , mas ( á
maneira de pêndulo que cahe , e por caufa
do impulfo fóbe a outra tanta altura) de-
vem fubir outro tanto , quanto defcèráo , e
entrar pela terra dentro tanto , quanto re-
cuarão e fugirão das praias ; e pela mef-
ma caufa dos pêndulos , devem continuar
ncíhs inundações e balanços , fendo cada
vez menores , até fe aquietarem. Temos
huma comparação bem ordinária : fe eftan-
do hum alguidar com agua, o levantarmos
alguns dedos por hum lado, a agua ganha-
ra balanço, e fugirá da borda que fe levan»
tou ; mas em fe aíTentando o alguidar , no
iegundo balanço a agua não fó chegará ao
lugar amigo , mas palTará muito avante , c
trasborjara por fora. AHím confidero cu o
Tvlar , como hum tanque immenfo de agua;
que mui:o hc logo que , levantando-fe o
ter-
444 Recreação Filofojica
terreno fobre as cavernas que ardem , c tor-
nan Jo no feu alTenio , as aguas ganhem ba-
lanço , ora fugindo , ora inundv^ndo , aié fc
acconimodarem ?
Silv. E que me dizeis ao intervallo entre o
tremor, e a inundação?
Thecd. Tanto maior ha de fer o intervallo ,
quanto maior for a inundação , porque o in-
tervallo hc o tempo prccifo para as aguas
irem e virem : quando o tremor foi miui
grande , e fe levaniou o teireno a grande
altura , as aguas dcviáo recuar muito, e to-
mar hum movimento mui forte para a par-
te contraria ; e em. quanto cíl-e movimento
fe não exiingue, não principia o balanço pa-
ra cá ; e neíte devem gaitar as aguas outro
tanto tempo.
Silv. E que direcção devem tomar as aguas
no balanço í
Tkeod, Devem ir da parte que mais fubir pa-
ra a que fubir m.cnos ; c ncíh mefma di-
recção , mas encontrada , deve vir a inun-
dação ; porém quanco a agua enrra por al-
gum porto , deve tomar a direcçco que o
porto lhe der. Por iíTo no Terrcmoro de 55:
fe vio vir lá fora da barra huma Montanha
de agua , que podia aíTuft.ir ao animo mais
conltante , e n um momento ?s pr-.ias fe
virão todas alagadas ; porque fubio o noíTo
trrreno m;íis que o fronteiro da p^.rtc do
Poen'c : mas cá dentro do rio tomou a
inunJaçáo da agua a direcção que lhe de-
ráo as praias , c enfcadas. Mas obíervou-fc
que
Tarde trigeftnia quinta, 445'
^ue em rodas o mar fugio , e em todas crefceo ;
c que onde era mais efpraiado , foi maior a
retirada, c mais avante chegou a inundação
das aguas ( i ). lílo hc o que entendo nef-
la matéria. Qticm fe náo agradar deite dif-
curfo , náo o abrace, que me náo faz injú-
ria: cada qual í]'^a o que melhor lhe parecer.
Eug. A mim p.ire:e-me mui natural ; porém
S Ivio ha de dizer que iflo he paixão. Di-
zei-me : Fl poderemos ter alguns indicies an-
tes dos Terremotos , ou no ar , ou nas nu-
vens, pelos qn^.es no3 acautelemos;
Theod. Nenhum acho , que m.ercça iéria at-
tençáo ; e o que me defenganoa de tolo a
perder o credito de alguns Authores , que
03 dáo , foi conheõr por experiência que
temos tido terremotos com toda a cafta de
tempos. O Terrem.oro do ultim.o de Março
de 61 foi geral em tojo Portugal j e numas
partes eftava o tempo fereno , noutras hou-
ve vento grande , noutras chuva , noutras
trovoada. Peio que aííento , que náo mere-
cem
(^ 1 ) Coníirma iflo o que me diíTe em Baio-
na de França Mr. Colontf Capitã.-) de Navios,
que eftando na 7\1ci tinica , ou alguma das .f/i-
ttlÍJt , obfervára neíFe dia que a a^íua fubíra em
todas as ilhas fó nas faces que olhavão para a
Europa , e por modo nenlium na face occiden-
tal : ainda quê a face occidental de humas fi-
catre mais perro que a oriental de outras : e a
razão era o balanço da asua , que hia da Euro-
pa . e fó achava reíjllencia na face das ilhas
que olhavão para a Europa.
44<^ Recreação Filufofica
cem atcençáo nenhuma as efcrupulofas ob-
íervaçõcs de muitos. Mas ceixeir.os já efta
matéria , que para nós hc meiancoiica. Su-
bamos hum pouco para fima.
§. IV.
Dos Fapcrcs , c Nuvens,
Silv. í~^ Aonde quereis ir dar comnofco?
Theod, X2í Vifitar a região dasNíuvens, fem
perigo de fermos precipitados. Toco cfte
globo da Terra (que he huma coliccçáo de
lólidos c fluidos de innumcraveis efpecies )
elLi conrinuamente exhaldndo de fi vapores;
não fó por cauia da fcrmeníaçào , que huns
fc:zem com outros , mas também por caufa
do Sol, por caula da corrupção , Scc. Don-
de íe pôde inferir que os vapores , que fo-
bcm da Terra e Te difFundem pelo ar , são
de diverfiíhmas efpecies , porém todos el-
les íobem para fima ; c ilto náo pôde fer
íenáo por ferem mais leves que o ar.
Quando tratei do pezo dos liquidos , e do
ar , vos difTe o que baila para faberdes co-
mo fobem os vapores , fendo em íi peza-
dos. Alguns lembraváo fe que podiáo fubir
attrahidos pelo Sol j porém náo adveníráo
que ao Sol pofto , eftanóo o Sol no Hori-
zonte 5 os vapores fobem a prumo para íi-
ma 5 devendo ir então para a ilhargi , fe
a attracçáo do Sol íoíle a cauia delles fu'
bircm.
Silv,
Tarde trlgefima quinta, 447
SWv, Suppofto o que diíTeftes , não fe pôde
duvidar que fubáo por ferem mais leves
que o ar ; e creio que por iíTo vão lubin-
tío aré certa altura , parando huns mais
abaixo , e outros mais allima , porque háo
de íubir até fe equilibrarem com o ar ; e
como o ar quanto mais para íim.a , mais
leve he ; tambcm os vapores , que forem
mais leves , háo de fubir mais alíima , e
os mais rezados ficaráó miais em baixo.
^hecd. A diííiculdade 5 amigo Silvio, eftá em
explicar como fendo os vapores partes de
agua c matérias pezadas , íe podem tazer
mais leves que o ar. Direi em poucas pa-
lavras o que tenho lido , que mais verifi-
milhança renha. Dizem que os vapores da
agua sáo humas bolhas minimas , ocas por
deni.ro , como as bolhas da efpuma : aííim
o nioftra a experiência ; le mettermos hum
raio do Sol numa caía efcura , e pondo
debaixo hum valo de agua quente , obfer-
varmos com o Microfcopio o vapor que atra-
veíTa o raio do Sol , porque claramente fc
vem as bolhas de agua ir voando pelo at
(1). Além diíTo, fe tilas partículas da agua
náo tiverem eíla figura , he impolTivel que
pofsí.o ficar mais leves que o ar , e do mef-
mo modo que as bolhas de fabão sáo partí-
culas de agua , que leváo comfigo partículas
de outras matérias , que lhes dão a vifcofida-
de que ellas tem ; aflim devemos julgar das
par-
( T ) Derhani Dem. da ElTenc. c attributos
de Deos lib. 2. cap. 4. Anot. 3.
44^ Recreação Filofofica
partículas do vapor: e já temos como , ain-
da das matcrias mais pezadas , j^o "cm mui-
tas partículas íer levanta.:as até ás nuvens.
Eug. E clTas bolhas de agua , que tórmáo os
vapores , elUo vafias , ou de que matéria
ertío chcrias ?
Thcod. Efte he o trabalho : dizer que eftáo
vaíias , não pôde íer ; porc)i:e en:áo a tor-
ça da comprcrjáo do ar externo as opprimi-
ria , e desfaria : logo cftáo chcií^s. Mas de
cjiie matcria ? ar náo pôde fer , porque en-
tão náo ficava elTa bolha mais leve que o
ar : pois huma bolha formada de í gua c
ar 5 náo pôde fer mais leve que outra
igual 16 de ar ; e nôs vemos que as partí-
culas de vapor são mais leves que as do ar,
Sih. Será o ar mais rarefeito.
Tkcod. E quem o prohibe a que torne á fua
condenlaçáo natural , eltando de toda a par-
te rodeado de ar, que pézaí
Silv. Eítaráo cheias de matéria fubtil.
Jbcod. Sc he a que admittem todos , e que
traípaíía todos os corpos , como pôde con-
fervar cheia eíTa bolha ce vapor , e rcfjí-
tir a que com a torça ex'crior do ar que
a comprime fe nlo desfaça ? Nôs vemos
que huma bexiga furada náo fuftenta o ac
dentro , fe com a mão a opprimimos : lo-
go caiído todo? os corpos paíTa^em franca
a eíTa m.iteria fubtil , con.o podem confer-
var-fe as bolhcdS ce vapor , náo tendo den-
tro de fi outra couía , e elfando em re-
dondo opprimidas do pezo do ar ?
Silv.
Tnrde irtgejlma quinta. 44;^
ãúv. O cafo he mais diíticil do que cu cui-
dava.
Tbecd, Pouco ha que vos diUe ( i ) ^ incrí-
vel força eiaftica da vapor quente , muito
maior que a do ar , e que a da pc'vcra.
Daqui fe infere que ha hum fuido fuíuma-
viente eíaftico , que não he ar , nem a maté-
ria fubtil dos GafaidianGS , a qual penet}\z
todos os corpos. Eira conTequencia he inntga-
vel , íuppoito o que fica dito : e como eíla
matéria claíi:ica náo tem ainda nome pró-
prio , nós a nomeamos com o nome gerai
de Fluido elafiico. Muitas experiências , que
traz o Gravefande ( 2 ) convencem a cxif-
icncia á^íÍQ fluido • e eís-aqai a matéria
que , quanto a mim , pôde encher as bolhas
do vapor , e de tal íórma dilatailas , que fi-
que eíTe volume mais kve , que i^ual volu-
me de agua.
Silv. Muito mais leve ha de íer que o ar
elíe Fluido elafiico ; porém ilTo náo admira
tanto , como a lua grande elafticiJace.
Thcod. Quando failarmos dos vento5 , vereis
o para que Deos lhes deo elTa virtude. Pal-
iemos agora das Nuvens ; pcrém já vedes
que as nuvens náo s?.o outra coufa mais
que os vapores. O mcfmo vapor , em
quanto he táo grolTo que apenas fe pôde
levantar da Terra , chama-fe névoa , e nos
náo deixa ver os objeélos que cílio mui
pouco diftames ; chega porém o Sol , e
Tom.VL Ff vâi-o
(i ) Pag. 4^8.
(2) Elcm. Aut. num, 2iíS.
4)" o Recreação Filofcfica
vai-o fazendo mais leve , porque rarefaz
as particula"? de vapor , e íóbe mais ; fe o
vento o diílipa , fica invifivel j mas fe fe
vai ajuntando , he huma nuvem , que nos
tira a vifta do Sol.
Eug. Já eu fazendo jornada por montes mui
altos 5 ás vezes via cá debaixo que as nu-
vens embaraçava© os cumes dos montes ;
mas caminhando para íima me achava com
huma névoa , femelhante a eíta que acha-
mos ás vezes pela manha nos vallcs.
Théod. Nós dentro da nuvem ou névoa ain-
da vemos alguns objedos mui próximos ;
mas fora delia , náo podemos ver os obje-
ólos que nos ficáo da outra parte ; por ilío
levanr:idas no ar nos parecem mais efpe-
ças . do que a névoa , fendo na realidade
mais raras. No que toca ás fuás cores , ha-
veis de faber que nafcem da diverfa pofiçáo
cm que recebem , e reflcclcm os raios do
Sol ; c também procedem das particulas que
leváo comfigo os vapores ; que por ilTo hu-
mas nuvens dáo de fi chuvas , outras ven-
tos , outras trovoadas : expliquemos cada hu-
ma dcftas coufas leparada mente.
§. V.'
Tarde trigefnna quinta. 451
§. V.
Da^ Chuvas , Fctitos , Relâmpagos^
Trovões 5 e Raios.
Éug, T) Ogo vós nr.o vos aprclTcis ; porque
í\ náo ic me dá que fe prolongue ef-
ta ultima conferencia até mui tarde.
Theod. Náo faltarei ao precilb. A chuva n:'o
he outra coula , ienáo as partículas do va-
por desfeitas , e juntas humas com outras.
\''cdcs vós como a efpurna de fabáo óci'
fazendo-fc faz hum fluido , ao mefmo tem-
po que a èfpuma tinha fua coníiílencíá ?
pois aílim sáo as partículas de vapor ; em
quanto fe confervào na forma de bolhas ,
tem fua tal ou qual ccnfiílencia ; rras fe
fe ajuntáo hum.as com outras e dcsflizem ,
fórmáo huma pinga de agua fíuida , e cahc
para baixo ; e muitis deíhs pingas cahindo
a hum tempo , he que tem o nome ce chu-
va. Cada huma deftas pingas cahindo pelo
ar , traz comfigo as partículas de vapor que
encontra ; c daqui fcguem-fc du?s coufas
bem dignas de fe auvertircm. A primcir,i
he , que de verão , como as nuvens andáo
mais altas , quando a pinga de agua vem
cahindo encontra mais partículas de vapor,
e chega abaixo mais encorpada ; por ifTo
sáo as pingas muito maiores regularmente
fallando , que de inverno. A fegunda hc ,
Ff ii que ,
'45'^ Recreação Filofofica
qu? , depois de chover , fe levanta o tem-
po , fica o ar muico m.Jis claro , porque fi-
cou lavado e fem tantos vapores; e |.or líTo
os dias claros de inverno são muitj mais
alegres q'Je os de vcráo.
Eu^.^ Eu creio que os vapores fubindo fe
convertem cm chuva , do mcfrr.o modo
que na tampa de huma tigela , o vapor do
caldo que vem fubindo , le forma em
pequenas gottas , as quacs fe vem na par-
te interior da tampa , quando a dcfcubri-
mos.
Theod. Dizeis bem ; e he e*Jc exemplo bem
vulgar , e bem claro. Vamos a^ora a ex-
plicar a chuva de pedra e de neve. Se o
frio he tão forre , que quando as pingas de
agua vem cahindo as congela, chove pedra,
que náo hc outra couía fcnáo agua conge-
lada ; porém íc o frio congela os vapores
antes de fe formarem em gottas grandes de
agua 5 temos flocos de neve , que náo he
outra coufa íenáo o vapor congelado. Xem
he precifo que o frio feja cá junto á Ter-
ra , baila que feja naquella altura cm que
cftá o vapor , ou em que vem as pingas
de agua , que fe hão de congelar. Aqui
pouco mais ha que fe í^iiba ; vamos agora
aos ventos , que merecem mais aitençáo. A
fua multiplíjidade , e nomes pertencem aos
Pilotos. Bafta-nos a nós o faber que fe con-
.láo ;2. Os principaes são 4 , Norte , c
Sul , Efie^ a que também fe chama Léftc ^
c Ouéjie, O intcrvallo , que ha entre eíbs
qua-
Tarde trigefivia quinta, 45' 3
quatro pontos do Horizonte, fe divide pelo
meio , c dá outros 4 pontos , lu^ar de ou-
tros tantos ventos , que são xicrdéjie , ^m-
déjie , Suíiouéjie , c Norouéjie , formando
os nomes dos dous ventos principaes entre
que ficáo ; V. g. Ncrd-E jie he o que íica
CTitre o Norte, e E^ftc. Allim mcTmo divi-
dendo cftcs 8 inicrvallos ao m.eio , fe for-
ma o lugar para outros 8 ventos , que
tomáo o nome dos dous , entre que íic^o;
fendo primeiro no nome o m.ais principal j
V. g. Ncrd-nordfjie he o que fica entre o
Ncne , e o Kordéjle. Deíie m.efmo medo
dividem cftes 16 intervallos , c fórm.áo ou-
tros 16 ventos ; c chamác-Jhes cuãttos. E
aííim. o que fica entre o Norte , e o Ncrd-
■fíordejic cham.áo-lhe Novt-quaito ao Nord-
iwrdcjle ; e aílim dos mais. líio pouco vos
impottíí. Agora o que mais vos interefía
he dar a caufa dos ventos. Já fabeis que
vento he huma agitação do ar ; e dsqui fe
infere que , tudo o que pôde agitar o ar
e polio em movimento , pôde cauíar os ven-
tos.
i:ug. Sendo afíim muitas caufas tem os ven-
tos.
Iheod. Dizeis bem ; eu as vou apontando.
Primeirair.ente o Sol he a caufa daquelle
vento Lcfte , que fempre ha na Zona Tórri-
da. A razáo he ; porque o Sol rarefaz com
o calor o ar que lhe fica a prumo ; e co-
rro continuamente fe move para Poente,
eííe micfmo ar , que ha pouco eftava mui
ra-
45^4 Recreação Filofofica
rarefeito , agora fe acha mais frio , c occu-
pa menos campo : por tanto deve vir do
Naíccntc o ar vizinho a cítender-fe pelo
efpaço qae eíte deixa condenfando-fe ; c
como o Sol continua a mover-le ícmpre
para Poente , também o ar o vai acompa-
nhando. Oi Copcrnicanos dizem cjue pro-
cede ertc vento da Terra í- revolver cm
24 horas íobrc o leu eixo para o Naíccn-
tc j c por iíTo a mefma porção de ar deve
fucccílivamcntc ir paliando por varias re-
giões ; allim como , quando hum barco vai
para o Nafcente , a agua corre ao lon^^o da
embarcação para o Poente.
Súv, Se tolTe verdadeiro o fundamento , cu
de boa voniade admittiria o diícurlo.
Thccd. Também pôde o Sol excitar os ven-
tos derretendo as neves , ou fazendo re-
íoiver os vapores. Ja labeis ( i ) a gr.ín-
de torça dos vapores quando fc refolvcm :
logo íe o Sol rei oi ver os vapores , ou íc-
ja derretendo as neves , ou fazendo eva-
porar a agua , ou aquecendo os mclmos
vapores que nadáo no ar , já remos vcnro.
tis-aqui porque de veráo reináo os ven-
tos Nortcs , porque, chcgando-fe o Sol pa-
ra elTe pólo 5 pôde rclolver muitas neves
cm vapores c excitar ventos ; daqui nafcc
<]ue de ordinário pela madrugada ha huma
viração ireica do Nafcente , e á tarde do
Pocnce ; porque o Sol avizinhando fe mais
a hamc; parte qac á outra , excita os va-
po-
ço f^Z' 4)S.
Tarde tri^efrma quinta. 45:5'
pores que nella eíláo , c os reíolve , e agi-
ta o ar.
Silv* A Lua lenho eu obfervado c]ue tem
particular connexáo com os vemos ; porque
muirss vezes paráo ?o por da Lua , outras
vezes então começáo.
Thícd, líío meímo íe cbfcrva ro Sol ; c ha
grande diverfidade niíTo em diveríos pai-
zes 5 que tenho andaço. Porém dir-vos-hei o
como iíTo pôde fer. ]á vos tenho dito
como o Sol c a Lua causáo movimentos
nas a^uas , fazendo as marés ; e parece-
me que quem pôde mover as a^uas , pôde
mover o ar , pela mefma razão. Advirto
porém que a mefma attracçáo do Sol ou
Lua , que , eftando o ar quieto , o faria
mover para o Poente v. g. , fe elle eftiver
movido para o Naícente , o retardará hum
pouco , e íervirá a atiracçáo do Aftro para
fcrenar o vento que havia psra a parte con-
uaria j quando porém fe ajuntar a attrac-
çáo de qualquer deftes Aílros com outra
caufa de vento, hxío hum vento forte. Po-
fénrs os ventos rijos , e como de tempefta-
des , havemos de crer que procedem da di-
latação dos vapores ou nas concavidades
da terra , ou nas nuvens. Quanto as ca-
vernas da Terra , refere Wufckcmbrock
c outros , que de algumas fahe vento tão
forre , que , Innçando-Ihe os veílidos , ou
corpos femelhantes , não podem defcer ;
anres o venro os impelle para fora : c com
efièito havendo nas concavidades da terrt
agua,
j{^6 Recreação íilofofica
agua , que com o fogo fubterranco , ois
Cjualquer fcrrr.entaÇc^.o le rcfolva cm vapo-
res , fahindo cftes com violência pelas grc^
tas da Tcrr.'. , torçoiamcnrc devem excitar
ven:o. NÓ5 remos huma Maquina , que cha-
máo Eolípila , que imita bem hum fcrtiili-
mo vento , c prova eíte difcurfo. Eu vo-
ia moílro , e ;âço experiência diante devòs,
que de induítria a linha mandado prep.i-
rar c por prompta (Ejiamp. 5. fig. 4.). Ahi
tendes numa Eilipiía íobre o leu fogareiro
de braz35 ; logo vereis hum vento fortiiíi-
mo 5 como de muitos foles de ferreiro , le
juntos fopraíTcm a hum tempo. Entretanto
vos direi a fabrica que tem , que náo hc
mais que a que fe ve. A bocca , que fica
no bico 5 deve fer mui cftreira i e o mo-
do de fe lhe lançar agua dentro he digno
de fe l7,bcr. M.mdei por a Eoliptla vaíla
lebre o lume , o ar interior rarefeito havia
xle fahir cm grande parte : mandei que íu-
bitamente a mettclíem toda dentro da agua
Iria : condenfado com o frio o ar interior ,
fe devia reduzir a muito mencr efpaço ,
e por caufa do przo do ar exccrro , que
opprimia a agua , havia de ver-fe obri£;ada a
enirar pela hocca da Eolip:la , occupanJo
deite modo o campo que deixara o ar in-
rcrno , quando fe reduza á dcnfidade ordi-
nária.
Eu^. Fjs-ahi fopra já o vento.
Silv. E cada vez he mais forte.
Thecd, Eu digo a razáo» Aquecendo a agu:i
Tarde trtgef.ma quÍ7:td, 45*7
interior , rcfolve-fe em vapor j o vapot
quente íahe com força ; e como o bico hc
recurvaJo , cahe o fcpro nas brazas , e faz
o micímo que os folies de ferreiro. Aparai
na máo o lopro , e vereis que fica orvalha-
da com borrifos ce agua.
JEug. Aílirn hc : quem havia de dizer que ef-
ta agua havia de accender as brazas com
tanta adividade !
Jhtod. Logo fc numa caverna da Terra hou-
vcfTc agua , e fofie obrigada a refolver-fe
em vapor , e fahir pelas fendas com impe-
ro 5 ahi tínhamos vento fortiíIimiO.
Siiv* Náo o podemos negar. Lífou pafma-
do vendo a fúria do vento , que fahe da
Eolipila.
Ihcod. Vamos agora ao vento , qoe fe gera
nas nuvens , c hc mui ordinário. Duas ex-
halaçóes , que ícpuradamiente sáo mui quie-
tas ( deixai-me fallar alhm ) fe chegáo a
iTiiíturar-le , muitas vezes são de tal natu-
reza, que fermenráo, fazem grande bulha,
e as partículas proporcionadas fe refolvem
cm vapor : cite vapor reíolvendo-fe cora
força j perturba o equilíbrio do ar , e m.c-
ve-le com impeto todo o ar ; aíJim como
n"um tanque de agua , fe a perturbamos
n'uma parce, começa a uefinquictar-fe cem
ondas , e fica mui perturbada : alhm fuc-
cedc no ar. Eis-aqui de que procedem pela
maior parte os ventos de raiadas , que náo
tem conífancia , porque depende das fer-
mentações que nas nuvens fe eftáo fpr-
man-
45"^ Recreação FilofoUca
manJo a cada paíTo. E aqai tendes a ori-
gem tamSem das trovoadas» Eu nas trovoa-
das diftingo três coafas, que qjero explicar
feparadanierire i qae vem a fcr , Relâmpa-
go , Trovão 5 c Raio : tudo procede de fer-
men:açáo , que tazem as exhalaçôes hu-
mas com outra;. Vós náo podeis negar que
crta terra , e toios qaantos corpos nclla
ha 5 eílÍD continuimente exhalando parti-
culas da própria lubílmcia , as quaes íe ef-
palháo pelo ar ; áz forte , que não haverá
em toda a Terra corpo algum , cujas par-
tículas , em miior ou menor quantidade,
as nío tenhamos no ar. E quando fe ajun-
tarem cxhalaçóes inimigas , quem pòJe
prohibir a qaz fermenrem e Te accendáo ?
Por ilTo de Veráo ha miis trovoadas , que
de Inverno ; porque com o maior calor os
corpo; folidos fe feccáo mais , c cxhaláo
mais partícula? : cis-aqui porque as nuvens
mui efcuras , e particularmente fe he de-
pois de grandes calmas , dáo de fi trovoa-
das, líto pofto : o Relam.p.igo , que he hu-
ma luz fubita , que fe accenJe nas nuvens ,
como a que cá embaixo fe acccnde na pól-
vora foltâ , fórmp.-fe de vapores pela maior
p\rrc de enxofre. O cheiro de enxofre, que
fe diíFunie pelo ar no tempo das trovoa-
das , afsás o prova j e tam.bcm o Cabermos
que náo hi matéria de mais fácil inflamma-
çáo , do qu3 o enxofre : nem a pólvora fe
in^ímma fciíío por caufa do enxofre que
leva. A^ora o eftampido procede do (A\- %
Tarde trigcfnna quinta. 45' 9
tre ; e cis-aqui porque náo haverão Tro-
vões 5 Te as nuvens tntre cutras exhalaçórs
náo tivfrem algumas cie falitre , ou matéria
icmelhante , que peíTa mui prompta dilata-
ção, quando Te iniiaminar.
Silv. Mas a polvcra ainda que leve falitre,
ícnáo eíiá apertada , náo dá eílouro ; e eu
náo vejo como nas nuvens pcfsáo cfíar op^
primidas eíTas partículas de lalitre.
Ttecd. He verdade o que dizeis ^ porém
muitas coufas ha que infiam.mandc-íc , ainda
que náo cílejáo apertadas , dão hum g^ran-
de cftouro. Mukkem.brock ( i ) traz hum
catalogo dcftes corpos. Tal he o ouro ful-
minante ; o ouro pimenta com falitre e fal
tártaro : também o antimonio diaforético
com fabáo negro ; o pó fulminante : o fer-
ro dilToIvido em agua regia , c mifturado
com fal tártaro ^ e o chumbo diíTolvido no
cípirito de nitro. Toda a vez que houver
huma mui fubita e prompta dilatação de
alguma matéria , o ar fubitam.cnte ha de
fer commovido , e com im^peto ; e ahi te-
mos o cflrondo do Trovão. Nem o eílouro
da pólvora atacada he tro grande , fenáo
porque fe faz repentina a dilatação da ma-
téria 5 a qual, fcnáo efiiNCÍTc apertada , fe-
ria mais fucceííiva. Também concorre para
o eftrondo do Trováo a rcficxáo do lom
nos m^^ontes , e talvez nas meímas nuvens :
por iílo as trovoadas nos vallcs sáo hcrroro-
fas 3 porque cualqucr Trováo rcfleòle nos
mon-
( 1 ) Elem. Phyf. §. 1541.
4^0 Recreação Filo^rfica
montes de huma e outra parte , e faz hum
cftrondo mui comprido e continuado.
Bug, Mds le o cftrondo do Trováo procede
delTa matéria acccza , porque tarda tanto o
Trováo depois do relampcjgoí
Thcod. Ja vos dilTe faliando do Tom ( i ) que
iíTo procedia de que a luz efpalha-rc n'uni
momento , e o fom mais de vacar ; c que
por efta razáo , quando difparáo huma peça
na torre do Bugio , muito depois de ver-
mos fuzilar , he que ouvimos o tiro.
Eug. Tendes razáo ; e agora advirto que por
cila demora fe pôde faber quanto difta de
nós a nuvem da trovoada ; porque me dif-
feftes que em cada minuto feguníjo corria o
fom ^24 varas.
Sílv. Louvo a memoria , e vos dou licençi
para eftar com elTas obíervaçóes no tem.po
de trovoadas : eu náo me oifereço para ci-
las , porqje me póic hum raio atalhar a
ohfervaçáo.
Thcod. Eu também a náo farei : pofto que
conFeíTo que quando chega o Trováo já náo
ha perigo de raio , porque cfte he mais
prompro em caminhar do qne o eftrondo.
JEiíg. È de que íe forma a pedra do raio ,
0'.i como pôde lá gcrar-fe nas nuvens?
Th^od, Que pedra de raio ! também credes
em velhas?
Siív, Sempre ouvi dizer , e o traz Avlcena ,
que os raios traziáo pedra ; e me tem mof-
tiado algumas , que cu vi com meus olhos.
Thcod,
CO Tom. II. Tarde Vil. §. I.
TTjrde trigefima quinta, 401
Theod. E viftes vós com voíTos olhos certi*
dão authentica appcnfa a cilas pedras , por
onde conftaíTe que tinháo cahido das nuvens
em forma de raio í
Sih, Náo ; mas diziáo todos que fe achavâo
nos lugares , em que tinháo cahido raios.
Thcod. E também diziáo , que íc enterravão
íece braças ; e que cada anno lubiáo para
fmia huma braça 1 Tomara laber quem teve
a curioildade , quando cahia o raio , de ir
notar o lugar certo em que elle cahio , fem
lhe errar hum palmo : quem lhe poz fignal
nciTe lugar , para náo perder a memoria
deile em fere annos ? quem médio a pro-
fundeza , aonde penetrava elTa fingida pe-
dra ? quem confervou cíTe terreno que náo
bullilTem nelle , para náo virem para ahi
pedras de outra parte ? c quem tinha tirado
inquirição deiíe mcírno lugar , para ter cer-
teza que antes de cahir o raio náo havia lá
clFa pedra ? ultimamente quem no fim dos
íete annos a efperou tanto que acabalTc de
íahir da terra , para que náo ruccedeíTe ca-
fualmente mover-fe para outro lugar , on*
de náo liveíTe cahido raio ? Qualquer deftas
circumftancias que falte, já náo podiáo paf-
far em boa conicicncia a certidão , que eíTa
pedra era pedra de raio. Accrcfce , que pa-
ra fe crer efta fabula , era preciio que le
oblcrvafTe ifto náo huma fó vez, mas mui-
tas para fazer legra geral. Amigo Silvio ^
náo deis credito a contes de velhas.
Sily. Pois entáo que vem a fcr o raio ?
Theod.
401 Recreação Filofofica
Theod. O raio náo hc outra coufa , ferlãd
huma chamma fummamente adiva , que íe
accende pela inflammaçáo dos vapores de
enxofre , falitrs , e outras matérias feme-
Ihantes , e difcorrc pelo ar com velocidade
incrivel. O caminho , que fegue o raio ,
nem fempre he direito , quebra no meio
da carreira , troce , volta atras , torna a
profeguir , e faz mil giros num momento:
c daqui mefmo fe infere com evidencia
que náo he pedra abrazada , pois vindo dcf-
pedida com tanto impcto , era impoUivel
que fem dar em obftaculo , que a fizelTe re-
troceder , voltalTe o caminho , e no ar livre
tomalTe mil direcções diíferentes.
£u^. Pois quem dá a determinação ao raio -
para feguir mais cfta linha, do que outra?
Tbcoà. A exhalaçáo betuminofa , que fe Ie°
vanta da terra , em cuja matéria prende a
chamma do raio , ás vezes deixa hum co-
mo raftilha, que vai pelo ar fazendo vários
giros ; c aííim como num raftilho de pól-
vora 5 a chamma fegue a mefma direcção
do raftilho, dcftc mefmo modo faz a cham-
ma do raio. Já vós tereis vifto que , fume-
gando o pavio de huma vela , fe chegar-
mos huma chamma ao fumo que vai fu-
bindo , dcfce n um momento a chamma
atcando-fe pelo fumo abaixo , e vem pren-
der no pavio que fumegava , c torna a ac«
cender-fe a vela : pois náo de outro modo
o fogo , qiic fe ateou nas nuvens , pela fer-
mentação que houve nas exhalaçóes da ter-*'
ra.
Tarde trlgeftmâ quinta. 463
ia, fe acha algum raftilho dcfta cxhalaçáo,
pega por clle adiante , e vai dando tantas
voltas , quantas o raftilho dava. Eis-ac^ui
porque huns raios fobem para firra , cutrcs
vem para baixo , huns correm horizontal-
mente , outros váo em voltas. O Marquez
Scipiáo Maftei quer que todos os raios fe
formem perro da fuperíicie da Terra, e que
náo caiáo das nuvens. Mas ha de nos dar
licença para o deixarmos íó , que nio fal-
láo teften;unhas de vifta do contrario ; pois
em trovoadas grandes , fe de lugar eminen-
te olharros para os Horizontes , veiros a
cada paíTo cahir os raios do modo que te-
nho diio. Náo duvido que ás vezes íe atec
a matéria cá em baixo , e pegue para f ma ^
ou para onde tiver direcção ; porem de or-
dinário he o raio filho do relâmpago , que
claramente vemos fe atca nas nuvens , tcf-
lificando também os ouvidos pela demora
do Trovão , a diftancia da infiamimaçio da
matéria. Suppofto iíto , bem fe vè que
com o vento fe affugentáo os raios ; por-
que o vento hc baftante para mover o raf-
tilho da cxhalaçáo betuminofa , em que a
chamma fe atea , e náo convém fugir dos
raios 5 erpccialmente tendo veftidos gran-
des i pois o miovimento íaz que o ar venha
a -occupar o lugar que deixamos, e ifto baf-
ta a trazer comílgo o laio , aílim ccm.o
baíta para levar os foguetes accczos atrás
dos que dcllcs fogem \ que por iíTo lhe
chamáo bufcapés.
4^4 Recreação Filofqfica
£ug. Eu já tinha ouvido dizer que era
melhor abanallos , do que fugir-lhes. E
que me dizeis aos eífcitos admiráveis dos
raios ?
Theod. Contão-fe tanros , e tão pafmofos,
que podemos duvidar de muitos : eu acho
em alguns Authores effeitos encontrados.
Quando tratar da Electricidade , darei oatra
cxpiicaçáo melhor deites eííeitos ( i ).
§. VI,
Do Arco íris , e da Aurora Boreal
^uy. T^ Que matéria he?
Theod. í^ O Arco íris : com effeito fabe-fe
dclle tudo o que fe póJe defejar , que não
íuccede ifto em muitas coufas. No Arco
íris fete cores íc podem diflinguir , que sáo
as fete cores principaes e fingelas , de que
falíamos , quando tratámos das cores (2);
e sáo pela fua ordem vermelho , cor de
ouro 5 amarcUo , verde , azul , gredeleim ,
c roxo i porém as mais perceptíveis naquel-
la diíbncia sáo vermelho , amarello , ver-
de 5 e azul , confundindo-fe a cor de ou-
ro com o amarello , e o gredeleim com o
azulj o roxo he mui débil. Quando fe vem
dous arcos celcítcs , as cores do arco inferior
SâO
C 1 ) Tom. III. de Cartsç.
(2) Tom. II. Tarde VI. §, III.
Tarde trigefuna quinta, 465'
são mais vivas j e por iíTo fe chAma íris
'primário •■, o arco íupcnor he íris fecun-
dar io , ou mais fraco. Também o bíei vareis
que no arco inferior as cores de tal mOvio
eítáo cliípoftas , qnc o vermelho fica em
fima , o azul em baixo , e no arco fuperior
ás aveilas : logo darei a razáo difto. Va-
mos agora a huma experiência. Mas deixiíi-
me com o lápis deícrever huma figura ( £/- ^í^- S'
tamp. 5. fig. -/.). Tomemos dous globos de *^S- 7»
vidro como eftes A , i) , elhndo cheios de
agua 5 de tal modo os poço pendurar ao
Sol 5 que nelles vejamos as cores do arco
íris. Se pendurar cfte globo B de cal íor-
te , que o raio , que do Sol vai até o glo-
bo , e o raio vifual que dos meus olhos vai
ao mefmo globo ( náo attendendo ás reírac-
çóes ) façáo hum angulo de 40 grãos c
17 minutos até 4; gráos e 2 minutos , ve-
reis as cores do íris primário ; e fe pu-
zermos mais alto o globo A , de forte que
façáo o raio do Sol , e o vifual hum angu-
lo de 50 gráos e 58 minutos até 54 e 7
minutos , íe tornáo a ver as mcfmas cores
já mais remilTas. Aqui na ettampa he fácil
de dar a raz?;0 deíle effeito. Vamos ao glo-
bo inferior B. O raio do^ol g r entran-
do no globo cheio de agua , quebra para
dentro- e batendo na fuperficic interior, re-
íiecfe ; e quando vai a fahir para fora , tor-
na a quebrar , e vem ter ?o<; olhos m. .
Efta fegunda refracçáo náo defmancha o
que fez a primeira , porque ijv p^ra ^ ^^^^
Tom, VI. Gg ^^
4^6 Recreação Filosófica
ma pp.rre ; c por cila razáo o raio do Sol
fe deve repartir cm 7 raies corados , como
já vos dilTc (1)5 e fc devem cipalhar en-
tre fi ; ficando mais para lima o raio roxo
ou azul n u , porque quebra mais ; c em
baixo o raio vermelho c t , (]ue quebra
menos. Mas como os raios fe elpalh^o,
náo podem toJo^ entrar a hum tempo nos
olhos yn , e aíiim he prccifo mover a cabe-
ça deba xo p^ra fim.a , por pequeno eípa-
ço 5 para receber nos oihos rucccllivamcnte
as cores , cm que Tc divide o raio do Sol.
Eis-aqui porque náo determinei ao julro o
angulo, que devia flizer o raio do Sol com
o raio vifual ; porque os raios de cores di-
verfas fazem diverfos ângulos , mas ro-
dos fe comprehendcm nos liniites que diíTe,
Sih. O mcfmo fupponho eu que fuccede no
^'obo fuperior A.
Theod. Succede o m-ermo , mas com fua ól-»
veríidadc ; porque como vQÓcs , o raío r e
entra por baixo , e quebra ^ d"ahi reflecte
duas vezes dentro do gíobo , e fabe pela
parre de íimia , tombem quebrando na iahi-
da , e como quebra duas vezes , lambcm íe
renar c em raios de cor , que vem ter aos
oJhos 711 ; c já dVqui coníta que cfte an-
gu'o /, que í<z o raio Jo Sol com o raio
vifuaí , he muito maior que ca cm baixo o
angulo 0. Também fe vè a caufa de íc-
rcm eftas cores mais fracas , porque os
raios tivcráo duas reflexões i e no glob(j
(O Tom. II. Tarde VI. §.in.
Tarde trlgejlma quinta. 467
B fó tivcrío huma. Pela meíina razáo de
diverfa refrangibiiidadc dos raios , o roxo
ha de vir mais para baixo , e o vermelho
menos. A^jui tendes ja a razão de appurecc-
lem as cores com a ordem invertida num ,
c noutro globo ; pois no globo B , como
os raios quebráo para fima , o ra.o roxo
t\ u vai ter mais aílima do que o verme-
lho c t ; pelo contrario no globo A , co-
mo os raios quebráo para baixo ^ vem ter
o roxo e u mais abaixo que o vermelho
^ //. lílo que temos dito dos globos de vi-
dro cheios de agua , fe applica as pingas de
agua que vem cahindo pelo ar j pois cada
huma delias he hum globofmho de agua \ e
os raios do Sol entráo , quebráo , e refle-
élem do meímo mofo que nos globos de
vidro ; e aqui vos apparece de repente a ra-
Záo de todas as circumft.incias do íris. \^ede
cftoutra eftampa (^EJiamp. 5. Jig. 8. ) em Eft. 5.
que fe pintáo as pingas de agua muito mais fi^. S.
grolTas , que as outras , para íe poder deli-
near o caminho dos raios dentro de cada
huma delias. Ja agora fabeis porque ha deus
arcos íris ; porque também íb em duas al-
turas cercas moílráo os globos de vidro as
cores : vedes também porque as cores do
arco fuperior háo de fer mais fracas ; e ul-
timamente porque as ceres háo de apparecer
com a ordem trocada num , c n ourro Irií?.
Silv, Tenho contra iíTo , que quando cho-
ve 5 por iodo aquelle efpaço Ic deviáo ver
as cores em humas cintas direitas, corando-
Gg ii íc
468 Recreação VilofoHca
fe os raios em todas as pingas que ficavão
na mcíma alrura ; e nós vemos que as cores
lempre apparccem em. arco.
Tkeod. Aiíim deve Ter • e rcparcírcis que o
centro do tal arco , fe o conlidcrardes fe-
chado em perfeito circulo , tanto deve andar
inais baixo , quanto o Sol cfta mais alto ;
porque devem íicar na mclma linha o cen-
tro do íris, o centro do Sol , e no meio a
pupila dos olhos de quem obfcrva o íris.
De forte, que, fe o Sol eftiver quafi pon-
do-fe no Horizonte, o arco apparecerá mui
levantado , e veremos meio circulo perfeito ,
ficando tambcm no Horizonte o centro de
todo o íris , fe o confijcrarmos completo;
e advirto que náo pôde apparecer então o
íris , fenáo para o Nafcente. Eis-aqui por-
que nunca fe vè íris , fenáo para a parte
oppofb ao Sol ; de manha ha de apparecc:
para o Poente, de tarde pari o Nafceme ,
ao meio dia para o Norte , porque entáo
nos fica fempre o Sol para o Sul ; e neíTas
horas ha de fer o arco mui baixinho ; por-
que tanto deve ficar o feu centro abaixo do
Horizonte , quanto o centro do Sol fica af-
íima delle.
JEug. E qual he n razão de fer preciío que
fique o centro do Sol , o centro do arco , e
os olho? na mclma linha?
Theod. He prccifo para que os raios do Sol
façáo com os rc^-ios vifuaes o mcfmo an-
gulo. Como o SoJ he redondo , redondo
deve fer o íris j porque fó podemos per-
cc-
Tarde trigefima quinta, 469
ceber as cores naqueil^.s pingas , onde os
raios da viíla , e os do Sol tizerem o de-
terminado angulo que dilie. Deixai-me for-
mar hum dei\nho (^EJiamp. 5» fig. 6.)- Eí- Çfi. 5
te circulo em lima ABC, lupponhamos ^^S- ^*
<]ue he o Sol, e que as linhas de pontinhos
sáo os Icus raios. Supponhamos que ^ he o
íitio , em que eftáo os olhos , e que os rif-
cos que de a vão ter z m n o p q f r
sáo os raios vifuaes. Ficando os olhos a
bem a prumo fobre o centro do circulo in-
ferior m o q ^ necelTariamcnte os raios vi-
fuaes háo de fazer em toda a circumferen-
cia o meimo angulo com os raios do Sol
( I ) ; e por boa coniequencia fe infere ,
que cm nenhuma outra parte fora defte
circulo m o q podem os raios do Sol fa-
zer com os vifuaes eíte determinado an-
gulo ; porque íe fe ajuntarem do circulo
pa-
( 1 ) Demonftra-fe : porque fendo a pyramí-
de cónica a m n p q huma cónica recla , de
qualquer modo que te corte centralmente , ti-
ção trian2;U!os iirolceles lemelhantes : logo os la-
dos farão com as bafes ângulos iguaes : logo
os complementos externos defles ângulos , pa-
ra igualarem os ângulos redos , feráo iguaes :
e como os raios do Sol cahindo a prumo fobre
3 bafe da pyramide fazem ângulos redos , 11:-
gue^fe que em rednnd»> são iguaes os ângulos
da fuperficie da pyramide com a luperficie do
cylindro; ou, que he o mefmo , são iguaes os
ângulos dos raios vifira^s com os Jo Sol.
470 Recreação Filofofica
para dentro , fcrá o angulo mais agudo ; c
íe for do circulo para fora , lerá mais ob-
lufo. Ora ponde, ^i.vio, huma rcgoa dirci-
tó nocháo, c vereis que fó dous pontos dei-
la cocarão ncíte circulo , o rrítante ficará
deniro ou fora : logo fó em dous ponros
deíTa regoa podereis confeguir que os raios
viíuaes fcão com os do Sol o dcíeirido
angulo. Voltai agora a figura , de forte
que os raios do Sol váo hor zontaes , e fa-
zei que chova por codo o firio que o:cu-
pa o circulo m O q : conferv^íi os olhos no
ítu lugar /t , por linha i€<t\a entre o cen-
tro do Sol , e do circulo oppofto ; c co-
nhecereis claramente como fó na circumle-
rencia do dito circulo fe acha o angulo
defcj<ido cnire os raios do Sol , c os vi-
fudCi. Nss pingas , que cahcm por dentro
do circuJo , he o angulo menor , nas que
ficáo fora do circulo he maior do que de-
via fcr. E agora conhecereis o motivo,
por ouc , eftando o Sol m.ais alio , abai-
xa o íris , c ícmpre apparcce para a parte
uppofta.
^í>^. Agora adv"río eu na razáo de huma
cxpfriencia , que ha ímncs me fizcftrs ,
quando , j:ondo-nos com ís coítns para o
Sol , borri'aífes com agua ; c vimes nos
boiritos , que vinháo cahindo pelo ar , as
cores do IrÍF.
Thccd. He a mcfma : e aqui tendes a razáo
cie alguns circuMs Iuminofo3 cue c-ppare-
cem ás vezes a roda da Lua ^ ou também
do
Tarde trtgCjfíma quinta, 471
do Sol 5 quando o ar eftá cheio de vapores :
ás vezes 05 taes círculos tem íuas cores do
íris , pofto que nos à\ Lua são as ceres
mui fracas. Como 05 raios atraveílando as
go:tas de agua, 011 vapor, podem quebrar
de modo que Te corem , hão de fazer ahi o
meimo que no íris.
SÚv, Já tenho viílo niuicas vezes clTcs cír-
culos á roda àdi Lua ; e como a lua luz
he mais tiaca, :icceíí..riamcnte háo de icr as
cores mais remiiías.
Thcod, Por ulLímo rematarei a conferencia
com explicar a Aurora B0re.1l , que jui^o
fer preciío , náo i'6 para complcmerío da
voíía Inítrucçáo , mas para iotegar lut:os
cm tempos calamitoías. Pois os lerrcrr.o-
tos , que remos p:.decido , fazem ter por
fur.etlos todos os meteoros , ainda os
mais innoccnccs. Aurora Bore.il ( i ) iie hu-
ira luz , que apparece íempre para a p.irce
do Norte , e algumas vezes hc huma nuvem
branca, que aigum lanio luz i oi^tras vezes
' sáo avermelhadas , outras vezes são negras ,
mas da borda íuperior de quando em quan-
do lançáo nuns raios luminolos , aos quaes
V20 fuccedendo oucrc? de funio , e fe lhes
feguem ouiros iuminofos : ás vezes fahem
humas columnas lúcidas ; porém náo coltii-
máo ter movimento cio rápido como 03
raios luminolbs que ditTe, Q^aando íuccedc
enccncrarem-le no Ceo duas deíbs colu-
nas , no en:ruzamento íòrmío huma nu-
vem
( i ) MufcI:einb.ock. Elem. PlixT. §. 1 j 1 )'•
47'2' Recreação Fi/o/òfica
vem efpelTa , que , paíTado pouco tempo ,
começa a brilhar. Efta luz, tanto dss colu-
mnas , como dos raios , ás vezes he branca ,
outras vermelha , outras azul j o que caufa
grande terror nos ignorantes , e grande ói'
vertijnento nos que fabcm de que illo pro-
cede. De ordinário- eftas nuvens , depois de
terem ardido, fe hzem brancas, por terem
confumido a matéria betuminoia , que as fa-
zia elcuras. As vezes no Horizonte debaixo
ileftas nuvens , que brilháo , foráo viftos
huns s;lobos de fogo , como obfcrvou huma
vez Zanoíi , e outros. P^-.ra o None sáo
muito m.ais frequentes as Auroras Boieaes,
do que em Portugal. Maupertuis quando foi
a Laponia para medir os gráos do Meridia-
no , teftifica que as noites eráo fumimamen-
re alegres pelas frequentes auroras boreaes.
Pareciáo fogos de artificio.
Siív. Eu náo miC havia de recrear muito cem
cffà vifta , porque fempre m.e parece que i['
{o náo he bom.
Tke^d. Sáo hnmas ferrrent^çôcs mais man-
ias, que as dos rclamipagos , que fe iórmío
n^s nuvens. Aííim como nós pela arte faze-
mos hun.as mifluras , que ardem prcmpta-
mente como os foguetes ; c outras que ar-
dem mais pacificamente, como v. g. os fós-
foros que eíláo luzini'o e ardendo mui man-
íam.ente , aflim fucccde nas nuvens; por ifò
nem na côr , nem na direcçí.o , nem nas
muti ancas ha regra certa , m.ais que aqucllas
que póce admittir a tcrnKntaçáo.
Tard^ trige^.ma quvata, 473
Eug. A diverlldaje das cores creio eu que
prnrcdem dos diverfos materiaes , que fe
acháo nelTas exhabçôes ^ aílim como as di-
verfas cores nos to^os de artiticio procedem
dos diverfos materjaes , que lhes miituráo.
Thcod. Dizeis bem.
Eu^. E de que procedem humas como ef-
trell,]s 5 que eu vejo cahir ás vezes pelo
Ceo , e perderem-fe de viíta de repenrc?
Thcod. Muita ^enre do vulgo cuida que eráo
algumas das Eftrellas quicras 3 que eftaváo
luzindo , e que depois cahíráo e fe apaga-
rão. Porém na realidade náo são mais que
porções de matéria betum.inoía , que fer-
mentou 5 e ardeo , e pegou pelo raftilho
adiante , c foi ardendo , acabou cc arder ,
acabou de luzir , e delapparecío a chamma
da Eí^irella. Numa palavra, todas cftas lu-
zes 5 que apparecem no ar , são fermenta-
ções de matéria , que fe levanta com os va-
pores da terra , e arde ; e conforme os mo-
vimentos e íiguras que tem , mcrecêráo aos
Filofo^os nom.es diverfos. Aqui pouco ha
que dizer. E parece-me que fufpendamos
por ^^Igum tempo as noíías conferencias Fi-
lofoficas.
Eug. Sou contente ; e vos agradeço o traba-
Ino que a meu refpeito tomaftcs , dando-
me com as voiTas inftrucções luz para re-
flectir nas admiráveis obras da natureza ; c
a minha curiofidade me fará inquirir no que
náo fouber.
Thevd, Eíle he o principal fruto dos eíludosj
CO-
474 Recreação Filofofica
conhecer a noíía ignorjncia , e procurar rc*
mediílla , por-]ue nunca Tc cuia o mal ,
quando íe ignora. Náo he tanta a utilida-
de 3 tjue fcnho tirado dcíla . pplicaçáo , no
que íei , como no que conr.cço que náo
íei , que he muito mais fem comp^raçio.
Por eíie motivo náo vos traiei da Magne-
te 5 nem na Máquina tlcdlrica , hoje tão
célebre entre os FiloioFos : eu tenho huma
c outra , e vários amigos fe tem recreado
comvõreo em minha cafa , vendo os íeus
admiráveis eífeitos ; mas eu náo tenho gé-
nio de en;;anar. Difto ( quanto a mim )
pouco Te í ibe ; conhecem fe certas leis ou
regras que obicrváo os ícus eíieitos ; mas a
querermos dar a razão dwiles , topa logo o
juízo com diíticuldades ir.ruperavei?. Eu
conÉJero eílas máquinas com.o hum tor-
mento dos entendimentos , quóndo outros
as olháo como divertimento dos ienticos.
Mas a emprcza que tomei , foi o iníiruir-
vos fuavcmenre , e náo foi meramente o
divercir-vos : para iíío náo f?.ltariáo amigos ;
c taivez que náo rivcíTeis occafiáo táo com-
moda para vos inftruir fem maiores eftu-
dos , do que aqui tiveftes em minlia cafa.
Kuma utilidade fei que tendes ja coníegui-
do ; c he a que eu tenho tirado , o conhe-
cer muiro mais a Grandeza de Deos , re-
parando mais miudamente ro fcu retrato
que cá rtos deixou , que são as creaturr.s ; c
por outra parte o f?zcr mais vivo conceito
àá noéía miíeria , fraqueza , e ignctancia.
Tarde trigeuma quinta, 475:
Eftes dous paizes o da Grandeza de Dcos
cm Poder , Sabedoria , Providencia ; c em
contrapofiçáo o da nolTa vileza , i^noraa-
cia 5 e fraqueza , são incomprchenfiveis , e
já mais fe lhe conhecerão lijiircs. Rogo-vos
a hum e outro que forcejeis femprc a reik-
xionar fobre tudo o que fe vos oiferecer
nefte caminho da vida , que Deos alargue
por muitos annos ; porque quem com olhos
de FdofoFo o.ha para tudo , fempre eftuda ,
fempre aprende , fempre recrea o leu en-
tendimento, e fempre vai formando melhor
conceito de Deos , qu3 he o fim , para que
nos foi dado o entendimento, Bafte : e va-
mos a fallar em ourras matérias , que sáo
precifas , antes que daqui vos aparteis ; mas
em lendo tempo cpportuno , eu vos porei
em algumas Cartas o que pertence á Ma-
2,nete , e Eleòlricidade , e matérias novas ,
que ha pouco fe tratarão , e eu vo-las re-
mettcrei peio correio 5 quando houver tempo.
FIM DO TOMO VI.
IN-
470
INDEX
DAS COUSAS MAIS NOTÁVEIS,
que le coníém nefte Tom. VI.
A
A Gaas , que eftáo fobre o Cco , o que
-/i sáo Pag. 20.
• As do Mar tem caufado grandes mudanças
na fuperficic da Terra 40(3.
A velocidade das de qualquer rio como Ic
pôde conhecer 424»
Modo de calcular a que chove em cada
Paiz 422.
Altura do Pó!o o que he , e como fe conhe-
ce 5^4.
Anncl de Saturno 162,
Cafos em que he inviítvel ií^4.
De que Te compõe 1^4»
Anno grande ou Platónico 210.
Como o explica Copérnico 367.
O do Sol 87.
Amicipacão dos Eíjuinoccios de donde naf-
rp ''-7 7
cc -,7^.
Antípodas ^^i,
Annullar Eclipfe do Sol 97.
Aphclio o que fcja 1^2.
Ar . porque he mais puro de inverno 4^í.
A[.
Das CO ufas nota^veis. 477
íris y fabe-fe delle o que (c pòdc fa-
bcr : as Tuas cores : cjuando sáo dous ,
as do inferior sáo mais vivas , e ás avef-
fas. Modo de o fingir em bolas de vi-
dro 464.
A razão diílo , e das cores 465. 4(^7.
Porque he redondo 468.
Nunca íe vè fenáo da parte oppofta ao
Sol 468.
Porque anda mais baixo , ou mais al-
to 4(58.
Finge-Cc com huma bochecha de agua 4"'0.
[Arca o que feja 7,06,
Afiros sáo de duas caftas , ou Planetas , ou
Eftrellas i^r.
Como íe movem em eliíes pela gravida-
de 1^6,
Retrógrados e eftacionarios 265-.
A ordem dos feus movimentos no íyftema
de Ptolomeo ii^.
No Ticonico 218.
No Copernicano 222.
A caufa dos feus movimentos não hc a fua
alma 27^.
Nem os vórtices de Oes-Cartes 22. 274.
Nem também os Anjos 274.
Qpal feja no fyítema Newtoniano vi6.
Em rcmpos iguacs andáo áreas iguaes ^0(5.
Defcrevem áreas proporcionaes aos tem-
pos
O'
Quanto mais fc avizinhão ao Sol , niais
depreíTa andáo; c quanto mais feaffaftáo,
mais de vagar fe movem ^o3.
At'
47 S Index
Attraccxo da Terra contrapóe-fe á força ccn-
trlFuga dos corpos que ncila giráo 227.
Sempre Tc dá , quando hum corpo iz volve
á roda d outro 278.
No circulo he igual á força centrífu-
ga ^ 27:;.
Faz ^irar os Planetas á roda do Sol 279.
He mutua entre todos os corpos 281.
Crefce na razão da maiTa do corpo attra-
heue 284.
Diminue na razão ínverfa dos quadrados
das diftancias 285.
A da Terra a rcfpeíto da Lua 291.
Aurora B0re.1l o que Teja : íua diverfidide;
globos de fogo que nellas ic vem : onde
sáo mais frequentes 471. 472.
As Tuas cores de que procedem 47^«
B
"O Ala à'artilheria curfará do mermo modo ,
X/ ou a Terra fe mova , ou cíteja quie-
ta 25c.
Bmto de Moura Por ^u^ ai , feu pcnfamento
fobre a figura da Terra ^45»
Seu fyftema das mares 382,
C^
Das cõufas 7wtaveis, 47^
/^ Jheças d' águas em que tempo são ^90.
' -^ Cancro o ieu Trópico 212.
Capriccrnio o íeu Trópico 212.
Caudas dos Cometas 184.
As vezes sío iiivifiveis 188.
Dingcm-íe para a parte contraria do Sol,
e porque 188.
Cores com que apparccem 19 1.
Caufa dos Terremotos qual íeja 4^0Í
Qi]:',ntas pof^áo fer as dos ventos 45^.
Centrífuga força dos corpos , que ^irão com
a Terra , porque náo os impeile pelos
ares 227.
He cauTa da figura da Terra 254,
A dos Planetas a refpeiro do Sol 279,
A das partes de Júpiter he caufa da fua fi-
gura 255.
Nos cir:uIos he igual á força da arme-
çáo 279.
Centrípeta forcx ou attracçáo , veja-fe Atírac-
ç.w e Gravidade,
Centro conimurn o que feja ^19.'
Modo de íaber quanto dial da Terra oa
da L'ja :52l.
Ceos fua belleza pela parte de fora 2.
Náo sáo abobada firmada fobre a Ter*
ra 5".
Cheio de Oes-Cartcs he impofíivel 28.
Chevalier ( joáo ) Padre do Oratório , fuás ob-
ícr.
480 hidex
fervaçõcs acerca do Cometa de 1759.
E do Cometa de i-;6o, I74.
Ckuva que coufa ícja 45 1.
Como fe forma a chuva de pedra , e a de
neve 45-.
Modo de calcular a que chove em cada
Paiz 422.
Cintas de Júpiter 158.
Círculos corados á roda da Lua 4-0.
Clairaut fua Profecia Aftronomica fobre o Co-
mera de 1759. 177.
Coluros 21:5.
Cometa do anno de 1680. 181. 186".
O do anno de 1755^. 177.
Seu período 17^.
Sua orbita e inclinação delia 180.
O do anno de 1760. 174.
Cometas sáo Planeias como os outros 56. 172.
Náo podem íer vapores 170.
Tem movimento regular 171.
Suas orbitas são eiiles mui compridas 17^.
O como fe movem ncllas 300.
O Teu Zodíaco 181.
S.^0 opacos 182.
Sua figura iB^*
Suas caudas 184.
"Náo sáo prefácios de calamidades 182.
Conchas as que le achâo nos montes que de-
notáo 5 e de que procedem ^99.
Conjunc^Ri dos Planetas com o Sol, o que he ,
e a fua diverfidade i ^8.
ÇonJkllacÕes o que sáo ^ e quantas ^^6.
Con-
Las coufas notáveis, 4C1
Convexidade da fupcríicic do mar 7^1^^^
Copérnico Teu fyftema 222.
Cor do Cco 5*
Corpos terreílres cftão exHalando continua-
mente partículas da própria íubft-m«
cia 458.
Crepufculo o que feja, 55O,
D
D
Enfídade dos Planetas como fe conhc-
ce ^lU
A do Sol 79'
A áà Lua ICO.
A de Júpiter ic^»
A de Saturno lC6,
A dos mais riâo fe fnbc ; e porque ^4«
Dia e Noite no íyírema de Copérnico 226.
J)/Vz artificial o que fc-já ^50.
Porque sáo no tquador fempre igiiaes en-
tre fi , e as ncircs :55o.
Porque sáo defiguaes fora da Linha ^5v
Dia natural o que feja ^47»
Porque conílando de 24 horas , não são
iguaes entre fi :549.
O dia das Eíltellas he menor que o do
Sol ^4B.
Dia de fris mczes nos Pólos 354-
Di-vnetro do Sol 77.
De Mercúrio i^o.
De Vénus, veja-fe a Tabca ^, ?2^.
Da Terra 254. ^40, ^V^'
Joir, VI Hh De
482 Index
De Marte
150.
De Júpiter
154.
De Saturno
165.
Dígitos CO Sol 5 c da Lu:i
P9-
Diitaricias de Mercúrio ao Sol
I?l,
De \'enus ao Sol
159.
Da Terra ao Sol
146.
De Marte ao Sol
150.
De Júpiter ao Sol
155.
De Saturno ao Sol
167.
Dos Conetas
173-
Das Eftrellas fixMS
20;.
2)i limei ís de Mercúrio á Terra
M5^-
De Vénus
140.
Do Sol
8p. 14^.
De Marte
152.
De Jupirer
15Í.
De Saturno
167.
E
rj» CUpfe do Sol po.
—i Só o pode haver na Lua nova pi-
Nem em todas as Luas novas o ha (ji,
Náo o ha em todas as panes a hum tem-
po (J2.
Eclipfe total ou parcial , fó milagrofamente
pôde ícr geral p^.
"Náo podem os Eclipfes fer iguacs para to-
da a parte p^.
Quando he total ou parcial P5.
Quando hc annuliar yv.
Co-
Das cotífas notareis, 485
Como fe conhece c calcula â íua qúantida*
de i2;5r.
BcUpfe da Lua i\6,
Sà acontece nas Luas cheias , mas não em
todas i\6.
Quando ieja total ou parcial 12^,
Modo de calcular a fua quantidade 1 27,
Eclipfe dos Satélites de Júpiter 54. 159,
Eclitica 211 o
Ele^ricidnde ^ ignora -fe a fua caufa 474,
£lifes , como fe defcrevem ~^ 57.
Os Cometas fe movem por elifes 58a
Os Planetas também fe movem por eli-
fes 29(>.
Como a gravidade faz girar os Planetas em
Elifes 297.
Eolipiía que cíFcitos produz , e para que fer-
ve 45^.
Equador ou Linha 212. 216,
Lá são os dias , e as noites iguaes entre
fi ^ :55o.
Ha dous verões , e dous invernos c.-vda an-
no :55f.
A Terra he ahi mais aha e quanto 254,
J40.
Eqúinoccíos 215.
Sua antecipação 572,
Esfera, armilar 211.
Celcfte , os feus circules 21 !•
Esfera reda Í552.
Esfera obliqua t^sz.
Esferóide o que feja 253,
He a figura de Júpiter I54.
Hh í] £;
4S4 Ifiãex
E também he a figura da Terra 25^. ;4o;
Ejlacíonarios Ajiroi , quando os ha , e por-
que 265.
Efia;o:S do anno 356.
EjirJiia de Sant-lJgo, ou via laclea 59.
198. 205.
Ejt-elirs fixas o que são 59.
O leu numero ip4.
Movimento diurno 2Cy.
PerioLlo próprio 210.
He verdcideiro no fyftcma Ticonico , c ap-
pirenre no Copernicano 368.
Roraçáo íobre es íeus eixos icc.
Porque apparcccm de novo ás vezes , c def-
apparecem 200.
Sua diftancia 205.
Sua grandeza 208.
Porque fc não augmenta com os maiores
Telcfcopios IO".
Sua luz 202.
Scintillaçáo 202.
Conftcllaçócs que formão 195.
As que o vulgo cuida que cahem , o que
S20 _ 47S.
EJf rondo do Trovão porque fe faz , c as furs
caufas 45<5.
Porque tar.la depois do relâmpago ^èc.
Excentricidade das orbitas dos Pianctas , o que
be 1^2.
A de Mercúrio 1^^.
A de Wnus 141.
A da Terra I47*
A de Marre 15 1.
A
Das covjas jwtareis. 485*
A de Júpiter 15^.
A de Saturno 167.
T^ Abri (^P.) refpofia que dco sos Coper-
JP nicanos , lendo Penitenciário do Pa-
pa 2^5.
Faixis ou cínras de Júpiter 158.
//í;///-^ da Terra 255. ^^c. ^40.
Dá Lua 103.
De Mercurio i^c.
De Vénus 142.
De jMarte 148,
De Júpiter 15^.
De Saturno 162.
Firmamento não he folii^o 18.
Fluido cLiJiico hc a caufa de fubircm os va-
pores 449.
Fcfiícs náo tem v. fua origem ro mar 45^.
A verdadeira erigem são as aguas das chu-
vas , e neves derretidas 42 i.
Refponde-fe aos lugares da Efcrirura 428.
As que rebentão de Verão c ícccáo Je In-
verno de que procedem 420.
Porque íeccco humas , c rebentão outras
com os Terremotos 441.
Forças cen^racs são as que movem os corpos
em giro 278.
Nos circPios são entre fi iguaes 279.
A ce}in-'fu<^!i crcfce fegundo o quadrado da
velocidade 298.
Sup-
4§6 Lidex
Suppoíla a velocidade
verf^ dos diâmetros 299,
A centiípe'a crclce na razão da maíTa do
corpo attraheníe 284,
E diminue na razáo invcrfa dos quadrados
das diíUnciarS 285.
Ambas junras movem os Cometas e Plane-
tas pelas cliícs :;oo.
G
Gl^áo do circulo máximo da Terra quan-
tas leguc^.s Porcu^uczas tem 77.
AlcdiJa exacta dos grãos próximos ao Pó-
lo e ao Equador ^41.
Gravidade a das aguas he menor no Equador,
e porque 255.
He mutua e geral entre todos os corpos
Ccleltes e Tcrrcftres 281.
A gravidade de caJa particula crcfce na ra-
záo da malTa do ccrpo atirahente 284.
E na razáo invería do quadrado da fua dií-
tancia 285.
A gravidade da Lua fobre a Terra 291.
H
HJhít aderes do^ Planetas lop.
HovAS náo sáo todas iguaes ^49.
Modo de faber que horas sáo cn; qualquer
par-
Das coufas not orceis, 407
parte do mundo ,^fabendo que horas são
no lugar onde eftamos ^58.
Paradoxo acerca das horas ^57.
Horizonte o que he 214,
São diverfos em diverfos lugares 95^.
I
JDade a de dous homens , que nafceíTem
juntos , e mcrreíTem juntos , pôde fer
defi^ual ^59,
Inclinação das orhius ^ explica-fc 12^. 1;:?.
A da Lua 124.
A de Mercúrio 134^
A de Marte 15:5.
A de lupirer 157,
A de Saturno 168,
Inverno^ na Linha ha dous cada anno ^51.
Como íe explica no íyftema Copernica-
no ^64.
íris arco as fuás cores , e o modo de as re-
preffníar nos vidros 4^4.
Prinurio , e fecundtrio 465.
Júpiter a íua iu/i 15].
Grandeza 154.
Figura 154.
Pezo 1 54.
Dcníidadc . 155:.
Diftancia do Sol 156.
Excentrici.^ade 156.
Diílancia da Terra j^6.
Movimento periódico ou anuo 157.
Mo-
4o o Indeyí
Movimento de roia^'-o T57,
Inclinação àá fua orbiia a refpcito Ja Ecli-»
tica 157.
I-
i
y^ Eplcro ^ lei? que defcubrio no movimento
^ uos Áítfos :j05. :^io.
L Atitude d?!S terras como fc conhece ;;(^.
A da3 Eítrejias como fe í?be ^ ^o.
Zc/5 do movimento de hum corpo em giro á
roJa de outro zrS.
• Da arrracçáo geral doi corpos 278.
Leis de Keplero , que cbíerváo 03 Planetas,
movendo- íe á roda do Sol , e os Saicii-
tes á rona dos primarioi ijo^. :^I0.
Limbo ou borda do Sol 80.
Ln')A ou Equador 212. 216.
Lá S20 o; dias iguacs ás noites ^51.
Ha dous Wrócs e dous Invernos cada an-
no ^71.
A Terra he mais aha na Linha , e por-
que 25^. ^^c.
Longitude das Terras como fe conhece e me-
de r.^-
A dr.s Eílrellas onde fe n',ede ^VJ'
Lu% he hum cor^-o de fi cícuro , e Tem
iuz 42. \cu
He
Das coufâs votai eis. 489
He menor que a Terra 99,
Tem ph^ifes ou quarics Crefcentes e Min-
guantes 42,
Con o fe conhece fe o quarto he Crefcente
ou .Minguante 45.
Como influe nos ccrpos humanos 61. 74.
Ou nas rem.entciras 67.
Só indircciamcnte pôde influir nas doen-
ças 67.
Como a fua attracçáo he caufa das ma-
rés ^-8.
Tam'cem he caufa dcs ventos 455.
O feu diâmetro <;9.
Superfície JCO,
\''olume ICO.
O íbu pezo e denfidade JCO.
Sua figura 103.
Os feus mentes IC4,
Os fcus mares 10-7.
Não tem atmosfera icP.
Os léus habitadores lOi;.
A fua diílancia da Terra 114.
Sua excentricidade 114,
inclinação do íeu eixo no plano da fua or-
bita 115.
O feu m-ovim.ento periódico iii,
O íeu rrcz íynodico iii.
Movimento de rotação 112.
ívíovimienio de Jibr^çáo ii^.
A íua fom.bra hc pyrrmjdal 117.
He a caufa dcs cclipfcs do Scl 5.0.
A fua orbita cruza cem a do Sol cem i-r-
gulo de 5 gracs 124,
Os
49^ hidex
Os feus Eclipres fuccedem fó na Lua cheia ,
mas náo cm todas iiíi,
Qaando hc total ou parcial 12^.
CalcaLif a laa quantidade 127.
Porque fendo eícura fe pôde ver na total
obfcuraçáo 122.
Nunca entra na fombra da Terra rigorofí-
mentc fallando 12c.
Entra na íbmbra da atmosfera terrcílre 120.
Mf^vicnenro reciproco da Terra e da Lua á
roda de íi meimos , e cm giro á roda do
Sol ;i7.
Centro commum do movimento entre a Lua
c a Terra içip.
Modo de pezir a Lua ^20.
Círculos corados que fe vem á roda del-
ia ^ 47c.
XuJr náo pode fer nocivo a coufa nenhuma 61.
Luzfalji das Eíhellas o que feja , c como
au;5menta a faa appircnte grandeza 206.
A dos Satélites de Júpiter gaita mais hum
quarto de hora em checar a nós na op-
pofiçáo , que na conjunção 262.
Luzes que fe vem no Ceo o que fejáo 47^.
M
M
Âmhis do Sol 80.
O que sáo H2.
Da Lua 10^.
De Vénus 141.
De Marte 149.
De
Das coufãs íiotaveis, 491
De Júpiter 1^8.
De Saturno 166,
Marés fua caufa não he a fermentação das
aguas ^7^,
Nem os turbilhões de Des-Cartes ^-5'.
Admitre-íe como hypothefe aatiracçãoNew-
toniana ^yR,
DifRcuIdade contra efíe fyftema ^"'9.
A fua reípofta ^82,
Círcumftancias particul^es, que fe obfcrváo
nas marés t^^j^
Porque fe demorão as marés três quarcos de
hora de hum para outro dia ^Jí^^.
MdrU a fua luz 148,
Manchas 149.
Nuvens e atmosfera 149.
Grandeza I50.
Diftancia do Sol i50«
Excentricidade I5O.
Movimento periódico 151.
Movimento de rotação 151,
Diftancia da Terra 152.
Inclinação da fua orbita 15^.
J\'í^:ifn ou pezo do Sol 79,
Da Lua ICO.
De Júpiter 155.
De Saturno 165.
jlíetbodo para conhecer o pczo dos Plane-
ias :5I4.
JWcrcurio 1:50.
A fua grandeza 1^0.
Náo fe Icibe o feu pezo , nem a denfidade i ; i .
Os feus habitadores 145^
Dilr
j^c)z Index
D;ílanc'a do Sol i^r,
ExcentricidaJe i^;»
Inclinação d.i orbita i^^.
Jíímuío o que {(^\a 1:54.
Meridiano da Esf^^ra o que hs 214.
Jidendianos da Terra sáo divcrfos ^^5.
Qjal h:? o primeiro meridiano ^^7.
Medição dos ^ráos do Meridiano na Linha ,
e nos Pólos feica pelos Académicos de
Paris ^40.
Mcz 347.
Synodico da Lua iii*
Periódico III.
Mendes da Lua 104.
De Vénus 142-
QjA foi a origem do» que ha na fuperíicie
da Terra Te^ando Mr, Bjffo:i :597.
Movimento diurno dos Aftros 'ò6. 220. 224.
Sempre he para Poente 220.
O próprio c periódico de todos os Aftros he
para o Maícente 219.
Re.rojrado dos Aftroi o que íeja 265-,
D: vertigem oa rotacxo i4v
O particular de caJa Planeta , veja-fe o feu
nome,
A fua caufi n5o sáo os
Garres
Nem 03 Anjos
He a força centripeta e
niana
Leis do movimento em giro
Leis do movimenro dos Planetas defcuber-
ías por Kcpiero 305. uo.
vórtices
de
Dcs-
2<Í4.
centrífuga
ro
N
c^ to-
2-6,
2-T8.
Das coufas notáveis. 493
N
^7 Emcn o feu fyftema Tobre a caufa áô
X^ movimento dos Aitros 281-
Aev? de que provém 452.
Névoas de que procedem 449*
Noite e dia o que íeja no fyfíema de Copér-
nico 22^»
Que dura 6 mezes nos Pólos ^54-
Nós da orbita dá Lua 123,
Número quadrado o que feja 286.
Cubico o que fcja 28^»
Nuvens que coufa íejáo 449*
As da trovoada como fe pôde faber quanto
diltáo de nós 4^o»,
o
Pprficão dos Planetas o que feja i^8«
Orbita dos Planetas, o que feja 124*
A da Lua cruza com a do Sol 124.
As de qualquer Planeta cruzáo com a Fcli-
tica , e íe comprchendcm dentro do Zo-
diaco 212.
Origem das fontes qual feja 41^.-
Outono o que he fyficamente ^^6,
Como fc explica no fyftema Copemica-
Psi
494 Index
[3
r
PAralkUfmo do eixo da Terra 'i^G^i
Pedra de que fe forma a íua chuva 452*
A pedra do raio he coufa fabulofa 46c*
Pêndulos dos relo;^ios andâo mais de vagar nas
Terras mais chegadas á Linha 258. 342.
Penumbra áo Sol o que he p5*
Nella confiltem os Eclipfes parciaes do
Sol 5)6.
Dá Terra nos Eclipfes da Lua 122.
Períodos de Mercúrio 134*
De Vénus i43-
Da Terra 229.
De Marte I51.
De Júpiter 157,
De Saturno 168.
O de Sol 87.
O da Lua iH.
O das Eílrellas 209.
P bafes da Lua 42»
Pingas de agua porque são mais groíTas de ve-
rão que de inverno 45'*
Perihelio M^-
Periódico mez iii*
Planetas o que são 42»
Sáo opacos 42»
Tem fuás phafes 4^*»
O fcu número 4y»
Dividem-fe em Primários , e Secunda-
nos 49»
Não
Das coiifas notareis, 49^
Nso fcintilláo fenáo junto ao Horizonte 20;*
Os Teus movinicmos no íyítema de Ptolo-
meo 216^.
No de Tico 218.
No de Copérnico 222,
Modo de conhecer o feu pezo c denfida-
de ^ 514. 221.
O feu irovimento retrogrado 265-,
Quando parecem eílacionarios 265»
Todos pczáo huns para os outros 281.
Movem- fe em Eliícs 2(;6'.
Náo sáo arrebatados pelos vórtices de Des-
Cartes 22.
Nem governados pelos Anjos 274.
Movem-fe pelas íorças de attracção e cen-
irifuga 275,
Polignac Cardeal feguio o fyfíema Coperni-
cano 252.
Pólos da Eclitica guanto diílão dos do mun-
do r^P*
Pólos do mundo , movem-fe á roda dos Pó-
los da Eclitica 371;
Do Norte , ou £onal j do Sul , ou Juf-
trai 212:
Primavera, o que he 355.
Como a cxplicào os Copernicanos '(66^,
Q
Q
Vadrndos números o quê fejão 2 9 li
De diítancia nos Planetas faz diminuií
â attracçá© 28^^
496 líjdex
Os dos Tempos periódicos sao como o? cu«
bos das diitancias 510,
Quartos da Lua 44.
Como fe conhece qual he o Crefcente , c
qual o Minguante 4^,
Não devem governar as fementeiras C7,
R
Í'^A'aiiís ãe vento de que fe originão 45""o
'<. Ríiia q'Jal hs a íua caufa 458.
A íua peira hc coufa fingida 460.
O que he 46^1,
Não fe acccnde junto á rerra 46"^,
Com o vento íe aífugentâo : não convém
tugir dcUcíí 46&0
Póde-íe duvidar de muitos dos fcus eíFcU
tos 4^4»
Rniz quadrada o que he lh6,
Eelampago que coufa fcja A5^^
Relógios porque náo podem feguir fempre o
'Sol 349.
Retrógrados Aftros 26^,
Jiio caudalcjo , como fe pódc calcular a agua
(]uc leva 4^i«
"^ Atclites ou Planetas fecundaríos sV*
f Seu número 55«
Sáo opacos 54^
Tem-
Das coufas notáveis, 497
Tem eclipfes '^^^
Tem phaks , mas infeníiveis , excepto na
Lua 55.
Os de Júpiter são quatro 159.
Tem eclipfes mais frequentes que a Lua 55,
159.
As fuás orbitas xto,
Diftancia e períodos i6r.
O de Vcnus 5^. 144.
Os de Saturno são cinco efuas diftancias 56,
168.
Saturno fua figura
162.
Sua grandeza
i6s.
Seu pezo
165.
Dcnfidade
166.
Manchas
166.
Diftancia do Sol e excentricidade
167.
Diftancia da Terra
i6t.
PerioJo
168.
Rotação he inco2;nita
iC8.
Inclinação da orbita
168.
ScimilLí^ao das Eftrellas
202.
Dos Planetas
20^.
Scipião Maffei rejeitado
4^^
Segundos 0 que fej^o
Sol a fua natureza
M4.
76.
Grandeza
77-
Diftancia da Terra
89.
0 feu pezo
79.
Fi£;ura e manchas
80.
Movimento de rotação
80. 88.
MoviíTienio commum ou diurno
S6.
Ferio io próprio
S6.
Tom. VI. li
Seus
49^ Index
Seus cclipfes 90.
He caufa do vento Léftc que ha r.a Zona
Tórrida 453.
Sol (ii cios 215.
Symdico mez iii.
Sjftem^ de Ptolomeo 217.
De Tico 218.
De Copérnico 222.
Sua bel la analogia 229.
Comparação com o de Tico 2^2.
Argumentos da Efcritura contra elle 255.
Lugar not.-vel do Penitenciário do Papa a
erte rcípeito 235.
Rcípofta acs lugares da Efcritura i:,-^.
Argumentos fyíicos contra cllc ; e fuás re-
ípoftas 241.
Razoes a favor dos Copernicanos 252.
O Cardeal Polignac 09 favorece 252.
Syftema Ne^x toniano fobre a caufa do movi-
mento dos Aftros 275.
TFna he contada corro Planeta 49.
Tem fuás phafes viíta da Lua 102.
He globofa 3^0.
Tem a figura de esferóide 255. :53o. 340.
He mais alra no Equador 254. 340.
Efeitos defta redondeza 331.
Tem os meímos circulos que o Ceo ^:,4.
Diftancia delia ao Sol 146,
Gira á roda deile no fyftcma Copernica-
no 14<^. 229.
Ro.
Das coiifas notáveis 499
Rotação, ou movimento diurno 147. 225-,
Excentricidade 147.
Eftá mais perto do Sol de inverno : o feu
diâmetro medio qu:.nto vaie w€.
O íeu circulo máximo quantas léguas
tem :ç \6,
A Tua fuperficie c volume ^46.
O diâmetro dos Pólos he mais curto ^40,
A íua fombra he pyramidal 117.
Nunca chega á Lua 120.
Efteitos da lua penumbra 122.
Modo de faber onde íica o centro com-
mum 320.
Terra firme como fe dividio do Mar ^05.
Sua íuperncie tem padecido grandes mu-
danças 40 í.
Terremotos procedem de fermentação dos mi-
neraes , principalmente enxofre 4^0.
Como podem caufar inundações 42.
De que procede o brami Jo íubcerraneo ^ que
os acompanha 4)7-
Se poderá haver algum íignal para conhecer
que os ha de haver 4^5,
Ticonuo fyítema 218.
Trópicos 212.
Trovão porque faz tanto eflrondo , c as cau-
fas que para iiTo concorrem 459.
Porque tarda depois do relâmpago 4(;o.
Quando fe houve já nso ha perigo de raio 400.
Trovoadas sáo cífeitos da fermentação das cx-
halaçóes 458.
Porque ha mais de vcráo que de inver-
no 45H.
Co-
'no Index
Como fe pòcíc faber ijuanto difta de nós a
nuvem que a cauía 46c.
V
T/^^í^í/oXe^x•toniano no efpaço dos Ceos 27.
r /-^^por quente de agua he íummamcnte
raro 4:58.
Sua incrível força elaflica 4^8.
Vapores eitÁo fubindo continuamente dos cor-
píTS terrefíres 44 <^.
R^,záo porque fendo partes dagua , podem
fazer-íe mais leves que o ar 447.
Po^em fer caufa dos ventos 45'.
Vdocidrule , com que cahem os corpos huns
pjra 03 outros , náo fe^ue a quantidade
da n::;'teria do corpo que cahe 284.
S^gue a razáo da malTa actrahcnte 284.
Qjando os corpos muruamcnie le attrahem ,
os cfpaços , que correm , eftáo na razáo
reciproca dt^s rr.aílas 285.
Sempre ric maior a velocidade dos Planetas,
e dos Cometas , quando diftáo menos do
Sd 5c8.
VeHtcs quantos fejáo , e quacs Teus nomes
princip es 452.
Qjc cauías os pofsáo produzir 45^.
Os ventos rijos de que procedem 455»
AMb^enfp.o os rjios 463.
Vénus rem fui^s phafcs 27^6, 137.
He opa:a, e globofa 1^7.
BfiJHa mais quando liC como Lu?, nova 1 ^7.
lyj. Dií-
Das coufas notáveis, 5*01
Diftancia que icm do Sol 1^9
Excentricidade 141
Diftancia que tem da Terra 1^9
Suas manchas 141
Seus montes 14-
Seu Satélite 56. 144
Sua grandeza 142
Periodo 14?
Rotação 14^
Inclinação da fua orbita 14?
Habitadores 145
Verão hadous em cada anno no Equador ^51
CoTiO o explicáo os Copernicanos ^64
Via la'ha Ip8. 20f
Vórtices de Des-Cartes zz
Z' Odiaco o que feja 212.
-' Zona Tórrida 217. ^^5.
O leu calor náo he infupportavel 260.
O demais veja-fe Equador
Frigi Jas 217.
Temperadas 217. ]^6,
IN-
INDEX
DOS LUGARES , EM QJJE
fe expiicão as figuras das Eílampas
Ceguintes.
EJl^tmpa primara.
T7 Igara i.
J- Figura 2.
Pag. i^
45-
Figura V
^■7-
Figura 4.
84.
Figura 5.
95. 98.
102. 119-
Figura 6.
Fftampa fegunda.
97-
T^Tgura i
J Figura 2
Pag.
•
117. 120,
120.
Figura 3.
124. 1^4.
Figura 4.
125.
127. 154.
Figura ^.
M7.
Figura 6,
149.
Fii^ura 7-
15H.
Fií^ura 8.
158.
Fii;ura 9.
162.
Figura IO.
164.
Fiiiura 1 1.
164.
3
Fi-
Inde^y: das eftampas. 503
Figura 12.
Figura 13.
184. 229.
218.
EJlampa
terceira.
T7lgura I.
X Figura 2.
Pag.
211. 220.
213.
Figura ?.
Figura 4.
Figura 5.
Figura 6.
Figura 7.
Figura 8.
'
266.
269.
276.
292.
EJiampa
quarta.
T^I^ura I.
X Figura 2.
Pag. uj^,
300. 306.
Figura 3.
Figura 4.
Figura 5.
Figura 6,
Figura 7.
Figura 8.
3ip.
318. 3R^
^83. 385.
352.
335.
EJiampa quinta.
T7 leura I.
r Figura 2.
Figura 3.
Pag. 3^4.
374. 378.
3^8,
Fi-
5*04 Index das ejlampas.
Figura 4. 45^.
Figura 5. 4?9.
Figura 6. ^^9-
Figura 7. 4<^5*
Figura 8. 467-
i
Tem Tl.
Ejt i:
Fu,i
F,^
„ 1
^Kcpícnis.S.&afieniius.ftj {a i íj V "^
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