A Fuga pelo Riacho



Esmeraldo estava livre. Um filho tinha ido para a Europa, tentar a sorte. Assim, morava com os outros dois. Suas preocupações tinham acabado. Chegava ao trabalho assoviando, rindo, no mais alto astral. Santana, morrendo de inveja, se lamentava quando perdia programas que Esmeraldo arranjava durante a semana.

Mas, na vida, nem tudo são flores. Lenice, a companheira de Esmeraldo no dia do fatídico Baile dos Casais – aquela mesma que quis enfrentar Aninha – era uma  MENOR e com um pai de maus bofes, um conhecido comerciante da cidade. Ela estudava durante a parte da manhã no mais tradicional colégio de freiras da cidade, que ficava a 200 metros da portaria da nossa empresa.  Esmeraldo, na maior cara de pau, já cinquentão, fazia ponto na porta do colégio na hora do almoço, para namorar a adolescente que saía da escola. E ficava perto de uma banca de jornal, gastando todo seu tempo de almoço, num namorico digno de colegiais, à vista de todo mundo.

Mas, apesar do namoro firme, continuava sua vida de aventuras, o que começou a incomodar a donzela, que não suportava ser apenas mais uma na vida do trouxa. Assim, aplicou-lhe o velho golpe: ficou grávida.

Antes que a barriga estufasse, começou a passar muito mal e os médicos logo descobriram o motivo. Assim, dois meses após, Otacílio, o pai da moça, ficou sabendo da chocante noticia e, se desesperou.

Certo dia, um sol lindo, céu azul, Esmeraldo está todo faceiro, sentado à sua mesa de trabalho, fingindo que estudava um desenho de uma tubulação, quando o telefone toca. Era da portaria. Alguém queria falar com ele.

Esmeraldo desce e cinco minutos depois, volta, pálido, agindo como se tivesse levado uma paulada na cabeça. Pega o telefone e liga para Santana. Fala tão baixo que ninguém escuta a conversa. Vai até sua mesa, remexe nas gavetas, põe algo no bolso do guarda pó e desce apressado.

Conta-nos o porteiro. Otacílio chega à portaria e pede para falar com ele. Esta segurando uma bolsa capanga, que de tão estufada parece que tem um tijolo dentro. Ao falar com o porteiro a coloca sobre seu balcão, o que ressaltou ainda mais seu tamanho.
Chega Esmeraldo. Eis o diálogo.
-
Você é o Esmeraldo? – perguntou Otacílio com voz ameaçadora
-
Sou – respondeu Esmeraldo empalidecendo ao reconhecer Otacílio
-
Eu sou o pai da Lenice – a voz de Otacílio era francamente inamistosa – e nós precisamos resolver um assunto agora.
- Espera um pouco que vou pegar meus documentos – Esmeraldo deu um sorrisinho amarelo, enquanto voltava rápido para sua sala
Após ligar para Santana, passa de novo pela portaria.
- Vou pegar minha identidade que está lá dentro – falou de passagem para Otacílio, que segurava a capanga de modo estranho. E zarpou para dentro da fábrica, atravessando o pátio quase correndo.

O tempo passa. Após vinte minutos, toca o telefone. Eu atendo.
- Cadê o Esmeraldo? – pergunta o porteiro
- Sei lá – respondi – Faz quase meia hora que ele desceu. O que está havendo?
Nessa hora, nós não sabíamos que estava se desenrolando tal drama.
- Tem um homem aqui na portaria. Parece que está esperando Esmeraldo. Acho que eles vão sair, pois ele disse que ia pegar a carteira de identidade e logo voltaria. O homem está muito nervoso e até já tentou entrar a força para procurar ele – e baixando a voz – Parece que o cara tem uma arma dentro da capanga. Ela tá quase rasgando de tanto estufada. E, quando pôs no balcão, parece que é bem pesada. A coisa tá muito esquisita.
- Vou procurar ele – respondi
Ato contínuo, desci para a fábrica. Ao passar pela portaria confirmei a capanga estufada. Cruzei o pátio e comecei a procurar Esmeraldo. A fabrica possuía um imenso pátio cimentado – mais de 3 000 m2 – em cujo se distribuíam os diversos prédios dos setores. Atrás do almoxarifado ficava uma derivação do pátio que se ligava às residências dos chefes (3) por um pontilhão sobre um ribeirão, que atravessava a fábrica por cerca de 300 metros, sendo coberto pelo pátio principal.
Ao chegar perto dele vi o Sr. Máximo, um faxineiro, mais de 50 anos, brancão, avermelhado, olhos azuis, cabelo branco cortado a escovinha, totalmente bronco e analfabeto.
- Ô "seo" Máximo! Viu o Esmeraldo? – perguntei a ele
- Vi, sim senhor – respondeu ele, com uma voz parecida com a do Scooby-Doo.
- Cadê ele? – continuei a perguntar
- O sr. quer falar com ele ? – respondeu Máximo, tentando esconder algo
- Quero sim. E é importante – fiz pressão
- Não vai “dá” não – ele fez cara de triste – Ele acabou de ir embora...
- Que ir embora, que nada – disse eu – Estou vindo da portaria e o guarda disse que ele está aqui dentro.
- É, mas ele foi sim – Máximo deu um sorriso maroto – Vou explicar pro senhor.
Eu estava vindo lá de baixo e ao passar em frente as “caldeira”, vi "seo" Esmeraldo saindo da sala do Santana. Ele estava muito esquisito e ao me ver pediu prá eu trazer uma escada, que ele precisava medir uma coisa dentro do ribeirão. Aí eu disse que ali no pontilhão (5 metros de altura) precisava de uma escada grande e pedi prá ele esperar enquanto eu ia na obra (setor de construção civil) buscar uma. Aí ele disse prá eu ir correndo que ele estava com muita pressa. Mas, quando cheguei lá não encontrei uma escada, tava tudo sendo usada. Fui procurar e demorei um pouco em achar uma. Aí peguei ela e “truxe” ela até aqui. Quando cheguei aqui (onde nós estávamos, a cerca de 60 metros do pontilhão) vi "seo" Esmeraldo em cima do corrimão, quase pulando lá dentro. Aí eu gritei: "Seo" Esmeraldo, “óia” a escada aqui. Já tô chegando! Mas ele já tinha se dependurado e gritou “Não precisa mais não!” e pulou.”
- Ele está no ribeirão? – perguntei incrédulo
- Não senhor – disse ele – Ele se enfurnou lá prá baixo. Achou que fugiu pelo subterrâneo. Pode ir lá ver. Só tem as “pegada” dele no barro.
Fui até lá e vi o local onde ele tinha pulado e depois, as suas pegadas, uma bem distante da outra, que significava que a fuga fora feita em alta velocidade.
Depois de atravessar a fábrica, o córrego passava por baixo de uma avenida da cidade e após ela, se podia subir por suas margens antes que o mesmo passasse sob a via férrea.
- Bem que "seo" Esmeraldo falou – comentou Máximo olhando as pegadonas– Ele tava mesmo com muita pressa!

Fui até a sala do Santana, que a princípio quis negar tudo.
- Ainda não vi Esmeraldo hoje – mentiu bem sério
- Pode ir parando – falei eu – Todo mundo viu ele sair correndo de sua sala agora mesmo. Cê sabe que ele pulou dentro do ribeirão e fugiu?
- Claro – Santana se deu por vencido – Esse tal de Otacílio é bandidão e pra encher de chumbo a cara do Esmê não custa nada. Essa foi a única opção dele.
- Aposto que foi você que lhe deu esse “ótimo” conselho – eu disse rindo
- Eu não... – mentiu Santana, continuando sério – Mas era a única coisa a fazer. Cê tá rindo porque a vida em risco não é sua....

Voltei e avisei ao porteiro, mandando que ele ficasse de boca fechada. Otacílio estava do outro lado da rua, conversando com alguém.
- O cara tá muito nervoso – disse o porteiro – Disse que ia invadir a fábrica. Já xingou o Esmeraldo de tudo quanto é nome.
- Pede reforço e deixa ele aí fora, cozinhando em banho-maria – falei – Ele acaba se cansando e vai embora.

Em menos de uma hora, realmente, Otacílio foi embora, deixando um recado dizendo que Esmeraldo estava lhe devendo e ia pagar bem caro. Em menos de uma hora, Máximo tinha espalhado a notícia por toda a fábrica e o pontilhão virou ponto turístico. As pessoas paravam o trabalho para ir lá e ver as pegadas do cagão.

Burt chegou pondo fogo pelo nariz e queria uma explicação nossa. Dissemos que sabíamos tanto quanto ele. A gozação foi geral em toda parte. Zazá não cabia em si de felicidade. Fez até versinhos para comemorar o fato. (leia outro aqui)

Esmeraldo saiu pelo barranco, todo enlameado. Foi até uma casa e pediu para tirar a lama com uma mangueira de jardim. Todo molhado, já sem lama, correu pelos trilhos do trem em direção ao centro, até chegar perto de sua casa. Chegando lá, tomou banho (esse ribeirão era um esgoto a céu aberto) e foi para rodoviária, onde pegou um ônibus e foi se esconder em Minas, na casa de um parente. Ao chegar lá, a primeira coisa que fez foi telefonar a um amigo que tinha no fórum, que se prontificou a ajudar.
Esse amigo pediu ao promotor que chamasse Otacílio e conversasse com ele. Assim foi feito e Otacílio foi convencido a nada fazer, desde que o futuro papai bancasse o filho e a nova esposa. Chamaram Esmeraldo de volta, que somente aceitou a coisa na presença do promotor, onde se certificou que Otacílio estava com boas intenções.

Ficou doze dias sem trabalhar, Burt lhe deu todo apoio e nem lhe descontou os dias. Por outro lado, ao voltar, ficou mais de uma semana sendo alvo de todo tipo de gozação por parte da fábrica em peso.
Para todos dizia que aquilo era mentira e que faltou mais de uma semana pois estava sofrendo do coração. Mas para nós, não adiantava negar.
- Uma coisa que não suporto é quando o cara chega, não fala nada e fica me olhando com um sorrisinho de viado – desabafou ele.

 

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